UMA PEÇA DE NATHAN FREITAS

ATO ÚNICO

(CENÁRIO: CASA DE SINVAL. É UMA SALA, AMPLA E ESPAÇOSA. É O CENÁRIO DE TODA A PEÇA. SINVAL É UM SEMINARISTA QUE VIVE RECLUSO EM CASA, PRA NUNCA VER UMA MULHER, APÓS TER FEITO O VOTO DE CASTIDADE. ELE ESTÁ VARRENDO A SALA, ALGUÉM BATE NA PORTA. APREENSIVO, VAI ABRI-LA. UMA MULHER NUM VESTIDO AZUL, COM UMA EXAGERADA MAQUIAGEM E COM UMA VASTA CABELEIRA LOURA, ENTRA, SEM SER CONVIDADA. SINVAL VIRA O ROSTO DE IMEDIATO, COMO SE ESTIVESSE VISTO UM BICHO HORRENDO.).

SINVAL: (SEM OLHÁ-LA) – O QUE QUER AQUI?

VIRGÍNIA: - ESTÁ COM MEDO DE MIM? NÃO SOU NENHUM BICHO.

SINVAL: - PRA MIM, VOCÊ PARECE PIOR QUE ISSO.

(VIRGÍNIA SENTA NO SOFÁ, À VONTADE).

SINVAL: (PROTEGENDO O ROSTO COM AS MÃOS) – SAI DAQUI. SABES QUE EU NÃO POSSO.

(VIRGÍNIA VAI ATÉ SINVAL)

VIRGÍNIA: - DEIXA DE BESTEIRA. OLHE PRA MIM. (SINVAL SE AFASTA)

SINVAL: - AFASTE-SE DE MIM.

(VIRGÍNIA VAI PARA O MEIO DE PALCO E SE REVELA, PRA PLATEIA.).

VIRGÍNIA: - SOU EU, SINVAL... INÁCIO SEU IRMÃO.

(SINVAL POR ENTRE OS DEDOS OLHA-A, HORRORIZADO).

O SAN+O E O PROFANO

SINVAL: - VOCÊ...?

VIRGÍNIA: (VOLTANDO-SE PARA SINVAL) – NÃO TENHO MEDO, MEU IRMÃO. VEJA: SOU EU. (ACENDE UM CIGARRO).

SINVAL: (GAGUEJANDO, SEM ACREDITAR) – INÁ... CIO... ?

(VIRGÍNIA VAI ABRAÇÁ-LO, MAS SINVAL, RÁPIDO SAI PARA O LADO).

SINVAL: - VOCÊ NÃO É INÁCIO. VOCÊ É O DEMÔNIO EM FORMA DE GENTE. VÁ DE RETRO SATANÁS.

VIRGÍNIA: (VAIDOSA) – DE FATO, NÃO SOU INÁCIO. AGORA ME CHAMO: (P/ PLATEIA) VIRGÍNIA BARILOCHE.

SINVAL: (COM AS MÃOS AINDA PROTEGENDO O ROSTO) - INÁCIO MORREU. MORREU.

VIRGÍNIA: (SENTA A VONTADE) – AGORA EU SOU UMA MULHER, MEU IRMÃO. SEI QUE É DIFÍCIL VOCÊ ACEITAR.

(SINVAL RETIRA AS MÃOS DO ROSTO E, PELA PRIMEIRA VEZ, OLHA PRA VIRGÍNIA, CURIOSO).

SINVAL: - VOCÊ É INÁCIO?

VIRGÍNIA: (SORRI) – SIM. SOU, OU MELHOR, ERA.

SINVAL: (NUM GRITO) – MENTIROSO!. VOCÊ NÃO É INÁCIO. (TRISTE) INÁCIO MORREU. ASSASSINADO.

VIRGINIA: (DOLOROSA, INDO ATÉ ELE) – NÃO FALE ASSIM. EU SOU SEU IRMÃO.

SINVAL: (VIOLENTO) – VOCÊ NÃO É MEU IRMÃO. PORQUE INSISTE NESSA HISTÓRIA?

(VIRGÍNIA TENTA UMA APROXIMAÇÃO).

VIRGÍNIA: - SINVAL...

SINVAL: (RUDE) – NÃO ME CHAME. NÃO QUERO QUE MEU NOME SEJA PRONUNCIADO POR ESSA BOCA IMUNDA.

VIRGÍNIA: - EU VOU FALAR...

(VIRGÍNIA PEGA SINVAL PELOS BRAÇOS. SINVAL FICA SE DEBATENDO. VIRGÍNIA MAIS FORTE CONSEGUE DETÊ-LO).

VIRGÍNIA: - EU VOU FALAR, PORQUE TENHO DIREITO. E NÃO VAI TER NINGUÉM QUE VAI ME IMPEDIR DE SER FELIZ A MINHA MANEIRA. EU VIM EMBORA, E VIM PRA FICAR. ESTA CASA TAMBÉM É MINHA.

(SINVAL CONSEGUE SE LIVRAR DE VIRGÍNIA)

SINVAL: - NOJENTO. IMORAL. VOCÊ HÁ DE QUEIMAR NO FOGO DO INFERNO. MALDITO.

VIRGÍNIA: (ESGOTADA) - CHEGA. PARA COM ISSO.

SINVAL: (ANGUSTIADO) – EU NÃO VOU MORAR COM UM SODOMITA DOENTE DENTRO DE CASA.

VIRGÍNIA: - EU NÃO ESTOU DOENTE. TENHO UMA SAÚDE DE FERRO.

SINVAL: (CRUEL) – MAS GENTE DA SUA LAIA VIVE CONTAMINADA POR ESSA PRAGA. E PRA MIM, VOCÊ NÃO PASSA DE UM DOENTE.

VIRGÍNIA (JÁ SE ENCHENDO) – VOCÊ DEVIA ME RESPEITAR.

SINVAL: - RESPEITO! VOCÊ FOI O PRIMEIRO A SE DESVALORIZAR. PORQUE EU DEVERIA TE RESPEITAR? VOCÊ É UMA VERGONHA. UMA ABERRAÇÃO DA NATUREZA.

VIRGÍNIA: - O INÁCIO JÁ NÃO EXISTE MAIS. EU SOU OUTRA PESSOA.

SINVAL: (RUDE) – EU SEI QUEM É VOCÊ. VOCÊ É A PARTE PODRE DA FAMÍLIA. ABANDONOU TUDO, LARGOU A FAMÍLIA E FUGIU.

VIRGÍNIA: (CHOROSA) – NÃO... NÃO...

SINVAL: - RESOLVEU OUVIR A VOZ DO DEMÔNIO. VOCÊ NÃO VALE NADA. É UM DOENTE.

VIRGÍNIA: (COM SOFRIMENTO) – NÃO SOU DOENTE. SEMPRE FUI LIMPA. EU JURO QUE NUNCA MANTIVE RELAÇÕES... (ENIGMÁTICA) MAS OUVE ALGUÉM QUE QUIS ME TOCAR.

SINVAL: (CURIOSO) – QUEM?

VIRGÍNIA: (ENIGMÁTICA) - UMA MULHER. JURO TAMBÉM QUE NÃO MANTIVE RELAÇÕES COM ELA. JURO.

SINVAL: (GRITA) – MENTIRA. COMO PODE SER FALSO, COMO PODE SER TÃO DEPRAVADO, EU SEMPRE SOUBE DO SEU MAU PROCEDER.

VIRGÍNIA: (OFENDIDO) – MAU PROCEDER?

(SINVAL VIRA-SE PRA PLATEIA)

SINVAL: - EU SEMPRE SEI TUDO. SOU SABEDOR DAS TUAS ANDANÇAS PELO MUNDO.

VIRGÍNIA: (AGRESSIVA, O PEGA PELO COLARINHO) – O QUE É QUE VOCÊ SABE? VAMOS, ME CONTE.

SINVAL: (CALMO) – QUANDO ALGUÉM DÁ UM MAU PASSO NA VIDA, ASSIM COMO VOCÊ... A CIDADE TODA FICA SABENDO. (SE SOLTA) EU ME LEMBRO. FOI QUANDO TU DEIXASTE A VERGONHA DE LADO, E RESOLVEU SER ESSA ABERRAÇÃO QUE É HOJE.

VIRGÍNIA: (JUSTIFICANDO-SE) – MAS EU NÃO TENHO CULPA DE TER NASCIDO DESSA FORMA. FOI DEUS QUEM QUIS QUE EU NASCESSE ASSIM.

SINVAL: (AGRESSIVO) – LIMPE SUA BOCA PRA FALAR EM DEUS. COMO OUSA ACUSAR NOSSO ALTÍSSIMO? SEU IMORAL.

(VIRGÍNIA CAMINHA PELO PALCO, PRA PLATEIA).

VIRGÍNIA: - EU NÃO ESCOLHI. ESCOLHI? SÓ ACHO QUE MEU CORPO FOI TROCADO.

SINVAL: - -CHEGA DE TANTA BLASFÊMIA. NADA DO QUE DISSER VAI ME FAZER PENSAR DIFERENTE DE VOCÊ.

VIRGÍNIA: (COM CERTO ORGULHO) – POIS NÃO SABES? OS IRMÃOS DE NOSSA MÃE ERAM TODOS IGUAIS A MIM.

SINVAL: (ENVERGONHADO) – É UMA LÁSTIMA SABER QUE MINHA FAMÍLIA FORA CONTAMINADA POR ESSA PESTE. DÓI SABER QUE TODOS TINHAM ESSE DEFEITO, MAS DEUS PESOU A MÃO SOBRE ELES. TODOS MORRERAM. E O MESMO VAI ACONTECER CONTIGO, SE NÃO SE ARREPENDERES DOS TEUS PECADOS.

(VIRGÍNIA TENTANDO SINVAL.).

VIRGÍNIA: - VOCÊ É HOMEM. E COM CERTEZA JÁ SENTIU DESEJO... PRAZER... E ATRAÇÃO POR UMA MULHER.

SINVAL: - SE SENTI O PROBLEMA É MEU. E NUNCA DEI MAL EXEMPLO A NINGUÉM.

VIRGÍNIA: - ACUSAR... CRITICAR... TUDO ISSO É MUITO FÁCIL, QUANDO NÓS NÃO DEVEMOS NADA. MAS VOCÊ TEM TETO DE VIDRO.

(SINVAL SILENCIOSO SENTA NO SOFÁ)

SINVAL: (NUMA ANGUSTIA CONTIDA) – EU OUÇO VOZES. SINTO-ME ANGUSTIADO. IMPOTENTE.

VIRGÍNIA: - POR ESTA RAZÃO RESOLVEU SER PADRE. PENSANDO QUE DEUS IRIA TE ABSOLVER DE SEUS PECADOS? COMO VOCÊ É INGÊNUO.

SINVAL: - DEUS JÁ ME PERDOOU. EU SEI QUE SIM. O MEU VOTO DE CASTIDADE NÃO FOI EM VÃO.

VIRGÍNIA: - TUA CONSCIÊNCIA NÃO TE DEIXA AGIR DE OUTRA FORMA. É POR ISSO QUE NÃO ACEITAS O QUE SOU.

SINVAL: (CHORAMINGANDO) – EU JUREI PERANTE DEUS QUE ESTAVA ERRADO, E PEDI PERDÃO DOS ATOS QUE COMETI. E ELE POR SUA BOA VONTADE ME PERDOOU.

(VIRGÍNIA COM SEU JEITO SARCÁSTICO AMEDRONTA SINVAL)

VIRGÍNIA: MAS A VOZ VAI TE APARECER NOVAMENTE... SUSSURRANDO NO TEU OUVIDO.

(SINVAL SAI PARA O LADO, INQUIETO).

VIRGÍNIA (IRÔNICA) – TEU SANTO É FORTE. PRA QUE TER MEDO?

(VIRGÍNIA CAMINHA ATÉ ELE. MAIS RÁPIDO SINVAL CORRE ASSUSTADO).

SINVAL: - VOCÊ ESTA QUERENDO ME ACUSAR DE ALGO QUE NÃO COMETI. TU ÉS FINGIDO E CALCULISTA. CHEGOU TODO CALMO. AGORA TÁ COLOCANDO AS MANGAS DE FORA.

VIRGÍNIA: - NÃO É DE MINHA NATUREZA PASSAR DE SANTINHA, SENDO QUE MINHA REALIDADE É OUTRA.

SINVAL: (ATORMENTADO) – EU DISSE QUE OUVIA VOZES. MAS AGORA SEI QUE ERA VOCÊ COM SUAS ARTIMANHAS QUERENDO ME TENTAR. A VOZ DAS TREVAS ME FAZENDO TER INSÔNIA... ALUCINAÇÕES... PERTURBAÇÕES...

VIRGÍNIA: (IGNORA-O) – TUAS HISTÓRIAS NÃO ME INTERESSAM.

SINVAL: (ACUSANDO) – MAS VOCÊ HÁ DE COMPREENDER QUE TUDO DE ERRADO QUE ACONTECE NA NOSSA FAMÍLIA, A CULPA É TUA. SEMPRE SERÁ. SEMPRE.

VIRGÍNIA: - ISSO. DESABAFA. TIRA TUDO QUE ESTÁ ENTALADO NA TUA GARGANTA. POR FIM, SABEREI QUEM ÉS TU DE VERDADE.

SINVAL: (VIOLENTO) – O QUE VEIO FAZER AQUI? ACUSAR-ME? VOCÊ NÃO E BEM-VINDA AQUI. INFELIZ. DEVASSO!

VIRGÍNIA: (CÍNICA) – PORQUE TANTO ÓDIO? O QUE TE FIZ? HÃ?

(SINVAL COM TODA SUA IRA AVANÇA SOBRE VIRGÍNIA)

SINVAL: - PORQUE PRONUNCIA MEU NOME? TUA BOCA IMUNDA NÃO DEVE PRONUNCIAR MEU SANTO NOME. VOCÊ É DOENTE... IMPURO... JAMAIS VOLTE A DIZER MEU NOME. (COMO UMA OFENSA) PECADOR!

(VIRGÍNIA IGNORA A ATITUDE DE SINVAL E VIRA-SE DE COSTAS)

SINVAL: - PORQUE ME VIRA ÀS COSTAS? TENS MEDO DA VERDADE? SABE QUE TUDO QUE FALO É VERDADE.

(VIRGÍNIA VOLTA A VIRAR PRA ELE, ENIGMÁTICA, TOCA NUM ASSUNTO QUE ATÉ ENTÃO ERA DESCONHECIDO DO PÚBLICO).

VIRGÍNIA: - HÁ QUANTO TEMPO TUA NAMORADA MORREU?

(SINVAL NÃO GOSTA DA PERGUNTA. SEM JEITO).

SINVAL: - NÃO TE INTERESSA. (BATENDO NO PEITO) ELA ERA MINHA. SÓ MINHA.

VIRGÍNIA: VOCÊ TEM MEDO DO QUE? ESSE ASSUNTO TE DEIXA TÃO NERVOSO ASSIM? PORQUE SERÁ HEIN?

SINVAL: - TENHO O MEU MOTIVO, NÃO TENHO? (PONHO AS MÃOS SOBRE OS OUVIDOS) NÃO FALE SOBRE ISTO, POR FAVOR. (ACUADO) EU DEIXO VOCÊ FICAR. PROMETA-ME QUE NÃO FALARÁS?

VIRGÍNIA: (SORRI, IRÔNICA) – SABES QUE NÃO PODES ME EXPULSAR. ESTA CASA TAMBÉM É MINHA.

SINVAL: (COM ÓDIO) – MALDITO. SODOMITA MISERÁVEL.

(ENQUANTO FALA, VIRGÍNIA TIRA OUTRO CIGARRO E FUMA. SENTA.).

VIRGÍNIA: - EU SEI QUE MINHA OPÇÃO SEXUAL AFETA VOCÊ. SEI QUE SOU HORRÍVEL PRA VOCÊ TER QUE ACEITAR NA FAMÍLIA UM “DOENTE” COMO EU. MAS EU JURO A VOCÊ QUE JÁ TENTEI LARGAR ESSA VIDA, E SER REALMENTE UM HOMEM DE VERDADE. CONSTITUIR UMA FAMÍLIA... TER FILHOS. MAS NADA DISSO ADIANTARIA, SE EU NÃO TIVESSE VOCAÇÃO.

SINVAL: - VOCÊ É DISSIMULADO. CÍNICO. DEPRAVADO.

VIRGÍNIA: (CONVENCIDA) – TANTOS QUERIAM TER A MINHA CORAGEM. E OUTROS QUERIAM SER COMO EU.

(SINVAL ESTÁ ENOJADO COM A PRESENÇA DE VIRGÍNIA)

SINVAL: - VOCÊ É SUJA... É PODRE POR DENTRO. TUA DOENÇA TE CONSOME... FAZ-TE SER ALGO ABOMINÁVEL. TU PRECISAVAS NASCER DE NOVO PRA REGENERAR. POIS TUA ALMA ESTÁ AMALDIÇOADA PELAS TUAS PRÁTICAS ILÍCITAS. SEU CORPO TORNA-SE UM ANTRO DE IMUNDICE... UM ALTAR DE LUXÚRIA... DE IMORALIDADE...

VIRGÍNIA: (CARINHOSA) – SE ME ACEITARES, NÃO FALAREI NO NOME DE TUA AMADA E NEM NO TEU.

SINVAL: (FEROZ) – JAMAIS ACEITARIA ESSE GERME QUE NUTRE DENTRO DE TI. ESSE DEMÔNIO QUE GUARDA EM TEU CORPO. JAMAIS.

VIRGÍNIA: (AMIGÁVEL) – EU POSSO ATÉ VESTIR ROUPAS DE HOMEM, SÓ PRA TE PROVAR A MINHA BOA VONTADE. NÃO ME RENEGUES. SEI QUE ENTREI AQUI SEM A SUA

APROVAÇÃO... NESTA CASA QUE UM DIA FOI DE UMA FAMÍLIA SAGRADA.

SINVAL: (CRUEL) – CALA-TE. NÃO TENS O DIREITO DE FALAR EM NOSSA FAMÍLIA. A FAMÍLIA QUE TE CRIOU... SUSTENTOU-TE... AMPAROU-TE... E QUE VOCÊ FEZ QUESTÃO DE DESTRUIR... ESMAGAR COM TEUS PRÓPRIOS PECADOS HEDIONDOS.

VIRGÍNIA: (CONVENCENDO) – MAS NOSSOS TIOS FORAM OS PRIMEIROS A MANCHAR O NOME DA FAMÍLIA. VOCÊ NÃO PODE ME JULGAR. (CABISBAIXO, TROSTE) EU ERA UM MENINO INOCENTE... CARENTE DE AMOR... NA RUA PUDE ENCONTRAR ESSE SENTIMENTO.

SINVAL: - O SEU SUSTENTO MISERÁVEL E VERGONHOSO.

VIRGÍNIA: (ACUSADORA) – MAS TU JÁ FOSTE TENTADO PELOS PRAZERES CARNAIS. TU JÁ FOSTE UM DESSES. E NÃO PODES NEGAR QUE TEU DESEJO É GRANDE.

SINVAL: (CRUEL) – NUNCA. A PROVIDÊNCIA DIVINA ME CHAMOU PARA O CAMINHO DA INOCÊNCIA E VIRTUDE. PREFIRO ANTES A MORTE A ESSE SACRIFÍCIO MORTAL.

SINVAL: - CHEGUEI A PENSAR QUE TU NÃO HAVERIA DE TER MUDADO.

SINVAL: (ERGUE AS MÃOS AOS CÉUS) – AS CHAGAS DE CRISTO ME PURIFICARAM. TENHO UMA VIDA NOVA. SOU SERVO DO SENHOR. E TU, PRECISAS RECONHECER QUE ESTÁS ERRADO. SE NÃO O TEU FIM, SERÁ TRISTE.

VIRGÍNIA: (IRÔNICA) – DEPOIS FALA QUE SOU DOENTE. O QUE PREGA E CULTUA É UM FALSO TESTEMUNHO.

SINVAL: (OFENDIDO) – QUEM ÉS TU, PRA FALAR SOBRE MEUS ERROS? TU QUE VENDE O CORPO, QUE VENDE A ALMA PARA O DEMÔNIO. NÃO TEM O DIREITO DE BLASFEMAR CONTRA MEUS ENSINOS, QUE EXPRESSA À VERDADE DO DEUS ALTÍSSIMO.

VIRGÍNIA: (CARA A CARA COM SINVAL) – SEUS ERROS E MENTIRAS FAZEM MAL A TI MESMO, PREGANDO COISAS INFUNDADAS E SEM ÊXITO MORAL. VOCÊ NUNCA FOI E NUNCA SERÁ UM HOMEM DE VERDADE. FAREI DE VOCÊ O QUE TUA VOCAÇÃO REQUER.

SINVAL: (NUM GRITO) – APARTA-TE DE MIM, INIMIGO. TUA BOCA IMUNDA FORA CONTAMINADA POR UMA DOENÇA MALIGNA. TU NUNCA IRÁ ME CONVENCER DO CONTRÁRIO DO QUE DEUS ME FEZ.

VIRGÍNIA: (CONVENCENDO) – ACEITAS O TEU DESTINO, SINVAL. VOCÊ SERÁ MAIS FELIZ, E MAIS VERDADEIRO DENTRO DO TEU CORPO PERFEITO.

SINVAL: (VIOLENTO, PARTINDO PRA VIRGÍNIA) – MALDITO. PRAGA DO EGITO. PERVERTIDO.

(OS DOIS ENTRAM EM LUTA CORPORAL. VIRGÍNIA CONSEGUE SE LIVRAR. SINVAL CAI AO CHÃO, CHORANDO).

SINVAL: - TENHA PIEDADE DE MIM, MEU DEUS. AJUDA-ME A VENCER AS TENTAÇÕES DO INIMIGO.

VIRGÍNIA: (SARDÔNICA) – VOCÊ TERÁ MUITO QUE REZAR PRA PEDIR A ESSE TEU DEUS TE SOCORRER. TU NÃO PODES FUGIR DE TUA VOCAÇÃO.

SINVAL: (EM FÚRIA) – ISTO NÃO É VOCAÇÃO. É SATANÁS QUE ENTROU EM TEU CORPO. EU ESTOU LIMPO E SARADO DA MALDIÇÃO.

VIRGÍNIA: - AQUILO NÃO ERA PECADO. FOI UM DOM QUE GANHASTE NO DIA DO TEU NASCIMENTO. A VOZ QUE DIZ OUVIR, ELA TE CHAMA PARA ALIMENTÁ-LO DO PRAZER CARNAL.

(SINVAL CONTINUA AO CHÃO, IMPLORANDO).

SINVAL: - NÃO ME DEIXES SENHOR... NÃO ME ABANDONA, PAI.

VIRGÍNIA: (IRÔNICA) – NÃO ADIANTA IMPLORAR, SINVAL. DEUS VIROU AS COSTAS PRA VOCÊ. ATÉ ELE QUER QUE VOCÊ CUMPRA SEU DESTINO.

(SINVAL LEVANTA, OLHA IRADO PRA VIRGÍNIA).

SINVAL: - EU PREFIRO ANTES A MORTE. SE MEU DESTINO FOR SER IGUAL AO SEU, PREFIRO QUE DEUS ME LEVE ANTES. (SAI DE CENA. BLACKOUT GERAL).

(LUZ ACENDE. HORAS MAIS TARDE... VIRGÍNIA SENTADA FUMA UM CIGARRO. LOGO EM SEGUIDA, SINVAL ENTRA EM CENA. AGORA DE TRAJES NORMAIS. TÍMIDO, SE ACHANDO NU, TENTA SE ENCOBRIR COM AS MÃOS. VIRGÍNIA RI DE SUA ATITUDE.).

VIRGÍNIA: - ABANDONASTE AQUELA FANTASIA?

(SILENCIO DE SINVAL. VIRGÍNIA VAI ATÉ ELE E O EXAMINA CURIOSA).

VIRGÍNIA: - EU SABIA QUE IRIA MUDAR DE OPINIÃO.

SINVAL; (ENVERGONHADO COM A PRÓPRIA ATITUDE) – EU CONVIDEI ALGUMAS MOÇAS.

VIRGÍNIA: (SURPRESA) - GOSTEI DE VER. E VAI COMEÇAR HOJE MESMO? QUANTOS?

SINVAL (SEM JEITO) - NÃO SEI. (SAI PARA O LADO).

VIRGÍNIA: - COMO NÃO SABE?

SINVAL: - TRÊS. CHAMEI TRÊS.

VIRGÍNIA: - PORQUE NÃO CHAMASTES MAIS. TRÊS É POUCO.

SINVAL: - JÁ BASTA.

VIRGÍNIA: - ACHA O SUFICIENTE PARA VOLTAR O QUE ERA? E SE, NÃO CONSEGUIRES?

SINVAL: (MEIO A CONTRAGOSTO, MAS CONVENCIDO) – CLARO QUE VOU CONSEGUIR.

VIRGÍNIA: - E TUAS ROUPAS? TEUS LIVROS DE SEMINÁRIO? ONDE ESTÃO?

SINVAL: - GUARDADOS.

VIRGÍNIA: (APAVORADA) – NÃO. NÃO PODES. VOCÊ TEM QUE JOGAR TUDO FORA. É CONTRA NOSSA LEI. TEM QUE JOGAR TUDO FORA.

(SINVAL LANÇA UM OLHAR REPROVADOR PRA VIRGÍNIA)

SINVAL: - PENSA QUE É FÁCIL ABANDONAR TUDO E DEDICAR-SE SOMENTE A ISTO?

VIRGÍNIA: (DESCONFIADA) – PARECE QUE ESTÁS ARREPENDIDO?

(SINVAL SAI PARA O LADO, TENTANDO DISFARÇAR).

SINVAL: - NÃO. DE MANEIRA ALGUMA.

VIRGÍNIA: - SE CONTINUARES NAQUELA VIDINHA MEDÍOCRE QUE ESTAVA NUNCA SERÁ UMA PESSOA SUCEDIDA.

SINVAL: (CURIOSO) – O QUE ACONTECERIA SE AINDA ESTIVESSE DO OUTRO JEITO?

(VIRGÍNIA APROXIMA-SE DELE E FALA EM SEU OUVIDO, AMEDRONTANDO)

VIRGÍNIA: - ACABARIA NUM HOSPÍCIO. SABE QUE TODO SEMINARISTA ACABA ENLOUQUECENDO, E MUITAS VEZES MORREM? EU NÃO QUERIA QUE ISSO ACONTECESSE COM VOCÊ, MEU IRMÃO.

SINVAL: (COM CERTO ARREPENDIMENTO) – FICO PENSANDO SE FIZ A ESCOLHA CERTA.

VIRGÍNIA: (CARINHOSA) – AS MOÇAS IRÃO LHE FAZER BEM. APOSTO QUE VAI GOSTAR.

(SINVAL SE AFASTA DE VIRGÍNIA, QUASE COM MEDO).

SINVAL: - E, SE EU DISSER QUE NÃO QUERO MAIS?

VIRGÍNIA: (CHANTAGISTA) – A VOZ NÃO DEIXARÁ DE TE PERSEGUIR. ISSO VOCÊ NÃO QUER, NÃO É VERDADE?

SINVAL: (CHORAMINGANDO) – VOCÊ ESTÁ ME CHANTAGEANDO, PRA EU SER O QUE REALMENTE NÃO SOU.

VIRGÍNIA: - VOCÊ TEM MEDO?

SINVAL: - TENHO. TENHO SIM. DEUS PODE ME CASTIGAR. ELE JÁ ME PERDOOU UMA VEZ. NÃO SEI SE TEREI UMA SEGUNDA CHANCE.

VIRGÍNIA: (ASSUSTANDO-O) – E A VOZ? ELA JAMAIS PERDOARÁ.

SINVAL: (COM SOFRIMENTO) – DESDE QUE ENTREI NO SEMINÁRIO NÃO TENHO TIDO MAIS SOSSEGO. AQUELA VOZ ME PERSEGUE... ATÉ QUANDO VOU TER QUE SUPORTAR?

VIRGÍNIA: - TU PRECISA VOLTAR A TER TUA REALIDADE, SINVAL. GARANTO QUE ESSA VOZ IRÁ FUGIR DE TI.

SINVAL: - FUGIR? (OLHA PROS LADOS, PROCURANDO SAÍDA).

VIRGÍNIA: - CLARO. VOCÊ PRECISA SE CONVENCER DE QUE O SEMINÁRIO É ALGO FORA DOS TEUS PADRÕES. NÃO SERVE PRA VOCÊ.

SINVAL: (NUM LAMENTO) – NÃO É VERDADE. EU NUNCA RECLAMEI DO SEMINÁRIO. ELES ENSINAM COMO NÓS DEVEMOS SEGUIR A CRISTO, E FAZER TUDO O QUE JESUS NOS ENSINOU. (SE CONVENCE) EU NÃO POSSO. EU NÃO POSSO MUDAR TÃO DE REPENTE. ESTAREI TRAINDO O AMOR DE DEUS EM MINHA VIDA.

(VIRGÍNIA AVANÇA SOBRE SINVAL, CRUEL).

VIRGÍNIA: - SE TU DESISTIRES DE TUA VOCAÇÃO, EU TE MATAREI. TEREI O MAIOR PRAZER EM ACABAR CONTIGO.

(SINVAL TOMA CORAGEM E REAGE)

SINVAL: - E PENSA QUE EU TENHO MEDO DE TI? QUEM TEM DEUS, TEM TUDO.

VIRGÍNIA: (ENFURECIDA) – CHEGA. JÁ NÃO AGUENTO MAIS.

(SINVAL NA SUA NATURALIDADE ENFRENTA A IRMÃ)

SINVAL: VOCÊ ESTÁ SE REVELANDO PIOR DO QUE JÁ É. VOCÊ NUNCA ME ENGANOU. MALDITO.

(VIRGÍNIA VENDO QUE NÃO ADIANTARÁ CONVENCER SINVAL, PARTE PRA CHANTAGEM).

VIRGÍNIA: (ENIGMÁTICA) – CHEGOU A HORA DE COLOCAR O PINGO NOS “IS”.

SINVAL: O QUE DIZ?

VIRGÍNIA: (IRÔNICA) – COMO TU ÉS INGÊNUO. NÃO SABE DISTINGUIR AS COISAS. DESDE QUE ENTREI AQUI, TU NÃO FOI CAPAZ DE RACIOCINAR NADA. ATÉ UMA CRIANÇA É CAPAZ DE TE ILUDIR.

SINVAL: (REVELA) – QUEM TE ILUDIU, FUI EU. EU MENTI. ENGANEI VOCÊ. EU NUNCA IRIA CAIR NA TUA CONVERSA. INVENTEI ESSA HISTÓRIA DE VOZ, SÓ PRA VER QUAL ERA A TUA.

VIRGÍNIA: - POIS EU ACHO QUE VOCÊ CAIU DO CAVALO. O QUE EU TENHO PRA TI, VAI ABALAR AS ESTRUTURAS DESTA CASA.

(SINVAL TAPA OS OUVIDOS COM A MÃO, IGNORANDO).

SINVAL: - EU NÃO SOU OBRIGADO A OUVIR. SAI JÁ DESTA CASA.

VIRGÍNIA: - MAS ANTES, VOCÊ VAI TER QUE OUVIR. DEPOIS, VOCÊ PODE ME CHUTAR DAQUI PRA FORA.

SINVAL: (VIOLENTO) – VOCÊ NÃO PERCEBE QUE TUA PRESENÇA ME DÁ NOJO?

VIRGÍNIA: - NÃO IMPORTA O QUE VOCÊ PENSA DE MIM.

(SINVAL AVANÇA SOBRE VIRGÍNIA, PEGANDO FORTE EM SEU BRAÇO).

SINVAL: - VOCÊ É O DEMÔNIO. PRAGA DO EGITO.

(DESTA VEZ, VIRGÍNIA REAGE, EMPURRA SINVAL, ELE CAI ASSUSTADO).

VIRGÍNIA: (FEROZ) – ASSASSINO. (SINVAL SE ESPANTA)

SINVAL: - O QUE FOI QUE VOCÊ DISSE? REPETE. NÃO TEM CORAGEM?

VIRGÍNIA: (CARA A CARA COM SINVAL) – ASSASSINO. VOCÊ É UM ASSASSINO.

(SINVAL METE UMA BOFETADA NA CARA DE VIRGÍNIA, QUE NÃO REAGE).

VIRGÍNIA: - PÕE PRA FORA TODA ESTA RAIVA. ACABA DE VEZ COMIGO. É O MOMENTO.

SINVAL: - VOCÊ É UM DOENTE. NÃO ME CUSTARIA NADA ACABAR CONTIGO AGORA MESMO. DOENTE.

VIRGÍNIA: (IRÔNICA, REVELA A BOMBA) – DA MESMA FORMA QUE MATOU TUA NOIVA?

(BLACKOUT. QUANDO AS LUZES VOLTAM A ACENDER, O CENÁRIO ESTA COM SOMENTE UMA MESA NO MEIO DO PALCO. DEMONSTRANDO SER UMA CASA MUITO SIMPLES. UM RAPAZ NA FAIXA DE 20 ANOS ENTRA NA CENA. ELE ESTÁ REPRESENTANDO VIRGÍNIA QUANDO AINDA ERA HOMEM.

LOGO A SEGUIR, UMA MOÇA, A NOIVA DE SINVAL, NA FAIXA DOS 18 ANOS. OS DOIS CONVERSAM COM MUITA INTIMIDADE, ABRAÇADOS.).

RAPAZ: - AMANDA, EU PRECISO LHE CONFESSAR UMA COISA...

AMANDA: - O QUÊ QUE É MEU AMOR?

(O RAPAZ AFASTA-SE DE AMANDA, ENIGMÁTICO).

RAPAZ: - NÃO PODEMOS MAIS NOS VER.

AMANDA: - POR QUÊ? O QUE HOUVE? O SINVAL DESCOBRIU SOBRE NÓS DOIS?

RAPAZ: - NÃO, É OUTRA COISA QUE ESTÁ ACONTECENDO COMIGO. SÓ AGORA EU DESCOBRI. EU PENSEI MUITO, ATÉ SENTIR CORAGEM PRA TI CONTAR, O QUE ESTÁ SE PASSANDO COMIGO. E EU PRECISO COLOCAR PRA FORA TUDO ISSO QUE ESTÁ ME SUFOCANDO.

AMANDA: - VOCÊ ESTÁ ME DEIXANDO CURIOSA, MEU AMOR. FALA LOGO.

RAPAZ: - NÓS PRECISAMOS ACABAR ESSE ENROLO QUE A GENTE TEM. EU NÃO ACHO CERTO ISSO QUE ESTAMOS FAZENDO.

AMANDA: - VOCÊ NÃO PODE FAZER ISSO. EU TE AMO. SE FOR POR CAUSA DO...

RAPAZ: - NÃO, NÃO. NÃO É ISSO. É MUITO MAIS SERIO DO QUE VOCÊ IMAGINA.

AMANDA: - VOCÊ NÃO ME AMA MAIS? É ISSO?

RAPAZ: EU AMO VOCÊ, SIM. MAS NÃO COMO HOMEM, E SIM, COMO AMIGO.

AMANDA: - EU NÃO POSSO ACREDITAR NISSO. VOCÊ ESTÁ GOSTANDO DE OUTRA,

É ISSO? FALA-ME.

(SINVAL ENTRA EM CENA E ESTRANHA A ATITUDE DOS DOIS)

SINVAL: - O QUE ESTÁ HAVENDO AQUI?

(AMANDA E O TAL RAPAZ FICAM SEM SABER REAGIR)

RAPAZ: - SINVAL... EU PRECISO TE CONTAR UMA COISA...

AMANDA: (INTERROMPENDO) – NÃO. EU MESMA FALO.

SINVAL: - O QUE HOUVE? PORQUE É QUE VOCÊS ESTÃO ASSIM TÃO DESCONFIADOS?

(O RAPAZ CRIA CORAGEM E VAI DIRETO)

RAPAZ: - SINVAL... EU E AMANDA... NÓS ESTAMOS... NÓS SOMOS AMANTES.

SINVAL: (ASSUSTADÍSSIMO) – O QUE FOI QUE VOCÊ DISSE?

AMANDA: - DEU IA TE EXPLICAR, SINVAL...

SINVAL: - ME EXPLICAR? COM QUE CARA VOCÊ ME DIZ ISSO?

RAPAZ: - CALMA SINVAL! ERA JUSTAMENTE ISSO QUE EU IA FAZER... NÓS ÍAMOS ACABAR COM ESTA FARSA. EU JURO. EU NÃO ESTAVA ME SENTINDO BEM COM ESSA HISTÓRIA. AGORA MESMO, NÓS ACABARÍAMOS COM TUDO.

SINVAL: - HÁ QUANTO TEMPO VOCÊS ESTAVAM ME ENGANADO? UM ANO? DOIS ANOS? QUANTO?

AMANDA: - NÃO FAZ NEM UM MÊS. EU ME APAIXONEI PELO SEU IRMÃO. ELE NÃO TEM NADA HAVER COM ISSO.

SINVAL: COMO ELE NÃO TEM NADA HAVER? SUA VADIA. COMO EU FUI BURRO MEU DEUS. ENQUANTO EU ME

PREOCUPO COM OS PREPARATIVOS DO NOSSO CASAMENTO, VOCÊS ME TRAÍAM, RINDO NAS MINHAS COSTAS.

RAPAZ: - NÃO É BEM ASSIM, MEU IRMÃO...

(SINVAL EMPURRA O IRMÃO, ENFURECIDO).

SINVAL: - EU VOU ACABAR COM VOCÊS.

(SINVAL TIRA SUA ARMA DO CÓS DA CALÇA E APONTA PROS DOIS)

AMANDA: - POR FAVOR, SINVAL, NÃO FAÇA BESTEIRA.

SINVAL: - BESTEIRA ME FEZ EM TER CONFIADO EM VOCÊ. SUA TRAIDORA. VOCÊS VÃO PAGAR.

RAPAZ: - EU NÃO TENHO NADA HAVER COM ISSO.

SINVAL: - CALA A BOCA, SEU MISERÁVEL. MEU PRÓPRIO IRMÃO FAZER UMA COISA DESSAS COMIGO.

AMANDA: - SINVAL... PERDOA-ME...

SINVAL: - SAI DAQUI. VAGABUNDA. ORDINÁRIA. EU VOU ACABAR COM TODOS.

(BLACKOUT. OUVEM-SE TIROS. SILÊNCIO GERAL. QUANDO A LUZ VOLTA A ACENDER VIRGÍNIA E SINVAL EM CENA, NA CONTINUAÇÃO DA ANTERIOR. SINVAL CHORANDO.).

VIRGÍNIA: - VOCÊ MATOU SUA NOIVA, SINVAL.

SINVAL: - NÃO. EU NÃO MATEI. FOI UM ACIDENTE. EU SÓ QUERIA FAZER UM SUSTO.

VIRGÍNIA: (INDO PRA CIMA DE SINVAL) – ERA A MIM QUE VOCÊ QUERIA MATAR. E POR UMA INFELIZ COINCIDÊNCIA, VOCÊ ACABOU ACERTANDO A AMANDA.

SINVAL: (NUM LAMENTO) – VOCÊ ESTÁ MENTINDO. ERA VOCÊ QUE DEVIA TER MORRIDO.

VIRGÍNIA: - ENTÃO CONFESSA? SUA VONTADE ERA QUE EU TIVESSE MORTA NESSE MOMENTO, NÃO ERA?

SINVAL: - EU PREFERIA QUALQUER OUTRO HOMEM COM MINHA NOIVA, MENOS VOCÊ.

VIRGINIA: - A AMANDA ESTAVA APAIXONADA POR MIM. EU DE VARIAS FORMAS TENTEI ME AFASTAR. ELA ESTAVA DECIDIDA LARGAR VOCÊ PRA FUGIR COMIGO. MAS EU NÃO QUERIA, MAS ELE INSISTIA. EU TENTEI, JURO A VOCÊ, MEU IRMÃO, QUE EU NÃO QUERIA QUE ISSO TERMINASSE DAQUELA FORMA TRÁGICA.

SINVAL: (TRISTE) - ENTÃO... ELA NUNCA ME AMOU?

VIRGÍNIA: - NÃO. ERA A MIM QUE ELA GOSTAVA.

SINVAL: - E POR MIM, O QUE ELA SENTIA?

VIRGÍNIA: - PENA. ELA SENTIA PENA DE VOCÊ.

SINVAL: (VIOLENTO) - EU NÃO ACREDITO EM VOCÊ. AMANDA ME AMAVA. NÓS ÍAMOS NOS CASAR. VOCÊ QUE ESTRAGOU TUDO. BOTOU TUDO A PERDER.

(SINVAL VAI AVANÇAR EM VIRGÍNIA, MAS VIRGÍNIA É RÁPIDA E SACA DE UMA ARMA NA BOLSA E MIRA PARA SINVAL, QUE SE APAVORA).

SINVAL: - VOCÊ VAI ME MATAR?

VIRGÍNIA: - NÃO ME CUSTARIA NADA APERTAR ESSE GATILHO E TE MANDAR PARA O INFERNO. MAS EU NÃO VOU FAZER ISSO. POR QUE EU NÃO SOU COVARDE COMO VOCÊ.

SINVAL: - VOCÊ TEM MEDO. PRA COMEÇAR, NEM HOMEM VOCÊ É.

VIRGÍNIA: - SE EU FOSSE ACABAR COM VOCÊ, HÁ MUITO TEMPO JÁ TERIA FEITO. MAS NÃO VAI ADIANTAR NADA. EU QUERO QUE VOCÊ PAGUE PELO SEU CRIME. COVARDE.

SINVAL: (IRÔNICO) – MAS QUE DESCULPA ESFARRAPADA. APERTE LOGO ESSE GATILHO E CONCRETIZE O SEU DESEJO.

VIRGÍNIA: (CHORANDO) – A AMANDA ME AMAVA. VOCÊ MATOU A ÚNICA PESSOA QUE ME AMOU DE VERDADE.

(SINVAL FINGE SE COMPADECER DE VIRGÍNIA E TENTA SE APROXIMAR)

SINVAL: - PAPAI E MAMÃE TE AMAVA. ELES SEMPRE FIZERAM TUDO POR VOCÊ.

VIRGÍNIA: - NÃO É VERDADE. EU SEMPRE FUI REJEITADA, POR TER ESSE MEU JEITO DIFERENTE. AMANDA ME AMAVA DE VERDADE. APESAR DEU NÃO PODER CORRESPONDÊ-LA DA FORMA QUE ELA MERECIA, MAS EU ME SENTIA BEM, AO SABER QUE TINHA ALGUÉM QUE ME AMAVA.

SINVAL: - ELA NÃO PODIA TER AMADO VOCÊ. ELA ERA MINHA.

VIRGÍNIA: - TEM RAZÃO. SE ELA NUNCA TIVESSE ME AMADO, NÃO TERIA ACONTECIDO ESSA TRAGÉDIA. MAS EU NÃO TENHO CULPA.

(VIRGÍNIA PÕE A ARMA SOBRE O SOFÁ. SINVAL VAI ATÉ A MESA, TRAZ UM COPO D’AGUA E UMA MAÇÃ).

SINVAL: - BEBE ESSE COPO D’AGUA. VAI TE FAZER BEM.

(VIRGÍNIA BEBE UM GOLE. SINVAL LHE OFERECE A MAÇÃ. VIRGÍNIA RECEBE.).

VIRGÍNIA: - VOCÊ JURA QUE O PAPAI E A MAMÃE ME AMAVAM DE VERDADE?

SINVAL: (SENTA NO SOFÁ, JUNTO DELA) - CLARO. EU NUNCA MENTI PRA VOCÊ.

(VIRGÍNIA DÁ UMA MORDIDA NA MAÇÃ)

VIRGÍNIA: (SABOREANDO) – ELA É BEM MACIA. GOSTOSA. (AOS POUCOS VAI SENTINDO UM GOSTO AMARGO) O GOSTO DELA ESTÁ MUDANDO. TÁ AMARGA.

(VIRGÍNIA PERCEBE ALGO DIFERENTE. SENTE FORTES DORES NO ESTÔMAGO. POE AS MÃOS NO PESCOÇO, SUFOCADA).

VIRGINIA: (SUFOCADA) – O QUE VOCÊ... PÔS NESSA... MAÇÃ?

SINVAL: (LEVANTANDO, IRÔNICO) – A VIDA NÃO É TÃO DOCE ASSIM, MINHA QUERIDA. ÀS VEZES UM POUCO DE AMARGO NOS FAZ BEM... OU MAL. (RISINHO MALÉFICO).

(VIRGÍNIA FICA SE DEBATENDO SOBRE O SOFÁ. DEIXA CAIR À MAÇA. AOS POUCOS ELA VAI SE DESFALECENDO... E MORRE).

SINVAL: (IRÔNICO) - ME DESCULPE. SÓ QUERIA EVITAR PERDER OUTRO AMOR.

(SINVAL APANHA A MAÇÃ DO CHÃO, CHEIRA).

SINVAL: (PEGA A BÍBLIA E LER) - MAS DA ÁRVORE DO CONHECIMENTO DO BEM E DO MAL, DELA NÃO COMERÁS, POIS NO DIA EM QUE DELA COMER (PRA PLATEIA, RINDO) CERTAMENTE MORRERÁS. (OUTRO RISINHO).

(LUZ NO CADÁVER DE VIRGÍNIA, E A GARGALHADA DE SINVAL AUMENTAM... FINALIZANDO A PEÇA).

FIM