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Beutler C 1 Jesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42) Os quatro primeiros capítulos do EJ tratam da entrada do Logos divino no mundo. Em Jesus de Nazaré ele se tornou carne e desejava suscitar fé. Assim se desenhou, depois das primeiras vocações de discípulos junto ao Jordão, um circulo concêntrico “de Caná a Caná” em Jo 2–4. Jesus inicia sua atividade em sua terra de origem, a Galileia, mas logo sobe para sua primeira festa da Páscoa a Jerusalém (2,13). Aí se revela em palavra e obra, mas encontra pouca fé em sua palavra. Seguem-se então viagens à Judeia (3,22- 36) e à Samaria (4,1-42), antes que ele chegue novamente à Galileia (4,43-54). Quanto mais longe de Jerusalém, mas ele encontra a fé que lhe cabe. Esta fé tem seu cume no funcionário régio do segundo sinal de Caná (4,46-54). Assim fecha-se o primeiro círculo 1 . A parte do QE que agora segue se apresenta estruturada pelas viagens de romaria às festas principais dos judeus antes da Páscoa final em 11,55. Em Jo 5, encontramos Jesus numa festa anônima, que bem pode ser a festa das Semanas. Em Jo 7,1–10,21, ele sobe novamente a uma festa de romaria em Jerusalém: a festa das Tendas, identificada em 7,2. Quando se celebra a festa da Dedicação, em 10,22, Jesus já se encontra em Jerusalém. Todos esses capítulos se caracterizam por discursos de revelação de Jesus e por controvérsias com os “judeus”. Assim podemos intitular esta parte como “Jesus se revela a seu povo”. Jesus se esforça pela fé dos israelitas de Jerusalém e da Judeia, encontrando, porém, resistência crescente. As secções concernentes à fé encontrada na Samaria e na Galileia parecem antes referir-se a um tempo ulterior, quando ali a mensagem de Jesus encontrará fé. Olhando assim torna-se possível situar o cap. 6 no quadro geral. A Páscoa mencionada em Jo 6,4 interrompe o quadro espaço-temporal do contexto amplo. Está no meio entre as festas das Semanas e das Tendas. Além disso, Jesus não parece estar peregrinando a Jerusalém. Aliás, o capítulo não se insere com facilidade no contexto geral. Por isso propomos considerá-lo como uma “releitura” de seu contexto, 1

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Beutler C 1

Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)

Os quatro primeiros capiacutetulos do EJ tratam da entrada do Logos divino no mundo Em Jesus de Nazareacute ele se tornou carne e desejava suscitar feacute Assim se desenhou depois das primeiras vocaccedilotildees de disciacutepulos junto ao Jordatildeo um circulo concecircntrico ldquode Canaacute a Canaacuterdquo em Jo 2ndash4 Jesus inicia sua atividade em sua terra de origem a Galileia mas logo sobe para sua primeira festa da Paacutescoa a Jerusaleacutem (213) Aiacute se revela em palavra e obra mas encontra pouca feacute em sua palavra Seguem-se entatildeo viagens agrave Judeia (322-36) e agrave Samaria (41-42) antes que ele chegue novamente agrave Galileia (443-54) Quanto mais longe de Jerusaleacutem mas ele encontra a feacute que lhe cabe Esta feacute tem seu cume no funcionaacuterio reacutegio do segundo sinal de Canaacute (446-54) Assim fecha-se o primeiro ciacuterculo1

A parte do QE que agora segue se apresenta estruturada pelas viagens de romaria agraves festas principais dos judeus antes da Paacutescoa final em 1155 Em Jo 5 encontramos Jesus numa festa anocircnima que bem pode ser a festa das Semanas Em Jo 71ndash1021 ele sobe novamente a uma festa de romaria em Jerusaleacutem a festa das Tendas identificada em 72 Quando se celebra a festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Jesus jaacute se encontra em Jerusaleacutem Todos esses capiacutetulos se caracterizam por discursos de revelaccedilatildeo de Jesus e por controveacutersias com os ldquojudeusrdquo Assim podemos intitular esta parte como ldquoJesus se revela a seu povordquo Jesus se esforccedila pela feacute dos israelitas de Jerusaleacutem e da Judeia encontrando poreacutem resistecircncia crescente As secccedilotildees concernentes agrave feacute encontrada na Samaria e na Galileia parecem antes referir-se a um tempo ulterior quando ali a mensagem de Jesus encontraraacute feacute

Olhando assim torna-se possiacutevel situar o cap 6 no quadro geral A Paacutescoa mencionada em Jo 64 interrompe o quadro espaccedilo-temporal do contexto amplo Estaacute no meio entre as festas das Semanas e das Tendas Aleacutem disso Jesus natildeo parece estar peregrinando a Jerusaleacutem Aliaacutes o capiacutetulo natildeo se insere com facilidade no contexto geral Por isso propomos consideraacute-lo como uma ldquoreleiturardquo de seu contexto rompendo o quadro pascal antes percebido2 Na dimensatildeo temporal [[180]] este capiacutetulo cabe melhor na igreja incipiente quando a tradiccedilatildeo da Paacutescoa jaacute estaacute mais afastada de suas raiacutezes judaicas ganhando caracteriacutesticas especificamente cristatildes

Os caps 11 e 12 por um lado ainda pertencem agrave moldura ldquoJesus e as festas principais dos judeusrdquo pois conduzem agrave uacuteltima Paacutescoa a de 1155 Por outro lado abrem jaacute o tema do sofrimento e da morte de Jesus bem como de sua ressurreiccedilatildeo Por isso pensamos com autores recentes que se trata de uma secccedilatildeo de transiccedilatildeo que merece um tiacutetulo proacuteprio

1 Jesus na festa das Semanas (51-47)

5 1 Depois disso houve uma festa dos judeus e Jesus subiu a Jerusaleacutem 2 Existe em Jerusalem perto da Porta das Ovelhas uma piscina com cinco poacuterticos chamada Betesda em hebraico 3 Muitos doentes ficavam ali deitados cegos coxos aleijados e atrofiados [4] 5 Encontrava-se ali um homem enfermo havia trinta e oito anos 6 Jesus o viu ali deitado e sabendo que estava assim desde muito tempo perguntou-lhe ldquoQueres ficar saudaacutevelrdquo 7 O enfermo respondeu ldquoSenhor natildeo tenho ningueacutem que me 1 2

Beutler C 2

leve agrave piscina quando a aacutegua se movimenta Quando estou chegando outro entra na minha frenterdquo 8 Jesus lhe disse ldquoLevanta-te pega a tua maca e andardquo 9 No mesmo instante o homem ficou curado pegou sua maca e comeccedilou a andar

Aquele dia poreacutem era um saacutebado 10 Por isso os judeus disseram ao homem que tinha sido curado ldquoEacute saacutebado Natildeo te eacute permitido carregar a tua macardquo 11 Ele defendeu-se ldquoAquele que me tornou sadio disse lsquoPega tua maca e andarsquordquo 12 Entatildeo lhe perguntaram ldquoQuem eacute que te disse lsquoPega a tua maca e andarsquordquo 13 O homem que tinha sido curado natildeo sabia quem era pois Jesus se tinha afastado porque havia muita gente nesse lugar 14 Mais tarde Jesus encontrou o homem no Templo e lhe disse ldquoOlha ficaste saudaacutevel Natildeo peques mais para que natildeo te aconteccedila coisa piorrdquo 15 O homem saiu e anunciou aos judeus que tinha sido Jesus quem o havia tornado sadio 16 Por isso os judeus comeccedilaram a perseguir Jesus porque fazia tais coisas em dia de saacutebado 17 Jesus poreacutem deu-lhes esta resposta ldquoMeu Pai trabalha sempre e eu trabalho tambeacutemrdquo 18 Por isso os judeus ainda mais procuravam mataacute-lo pois aleacutem de violar o saacutebado chamava a Deus de Pai fazendo-se assim igual a Deus 19 Jesus entatildeo deu-lhes esta resposta ldquoAmeacutem ameacutem vos digo o Filho natildeo pode fazer nada por si mesmo ele faz apenas o que vecirc o Pai fazer O que o Pai faz o Filho faz tambeacutem 20 O Pai ama o Filho e lhe mostra tudo o que ele mesmo faz E lhe mostraraacute obras maiores ainda de modo que ficareis admirados 21 Assim como o Pai ressuscita os mortos e lhes daacute a vida o Filho tambeacutem daacute a vida a quem ele quer 22 Na verdade o Pai natildeo julga ningueacutem mas deu ao Filho o poder de julgar 23 para que todos honrem o Filho assim como honram o Pai Quem natildeo honra o Filho tambeacutem natildeo honra o Pai que o enviou 24 Ameacutem ameacutem vos digo quem escuta a minha palavra e crecirc naquele que me enviou possui a vida eterna e natildeo vai a juiacutezo mas passou da morte para a vida 25 Ameacutem ameacutem vos digo vem a hora e eacute agora em que os mortos ouviratildeo a voz do Filho de Deus e os que a ouvirem viveratildeo 26 Pois assim como o Pai possui a vida em si mesmo do mesmo modo concedeu ao Filho possuir a vida em si mesmo 27 Aleacutem disso deu-lhe o poder de julgar pois ele eacute o Filho do Homem 28 Natildeo fiqueis admirados com isso pois vem a hora em que todos os que estatildeo nos sepulcros ouviratildeo sua voz 29 e sairatildeo Aqueles que fizeram o bem ressuscitaratildeo para a vida aqueles que praticaram o mal para a condenaccedilatildeo 30 Eu natildeo posso fazer nada por mim mesmo Julgo segundo o que eu escuto e o meu julgamento eacute justo porque procuro fazer natildeo a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou

ldquo31 Se eu dou testemunho em causa proacutepria o meu testemunho natildeo eacute verdadeiro 32 Um outro eacute quem daacute testemunho em minha causa e eu sei que o testemunho que ele daacute a meu favor eacute verdadeiro 33 Voacutes mandastes perguntar a Joatildeo e ele deu testemunho a favor da verdade 34 Ora eu natildeo recebo testemunho da parte de uma pessoa humana mas eu digo isso para a vossa salvaccedilatildeo 35 Joatildeo era a lacircmpada que iluminava com sua chama ardente Voacutes com prazer por um tempo vos alegrastes com a sua luz 6 Mas eu tenho um testemunho maior que o de Joatildeo as obras que o Pai me deu para que as leve a termo Estas obras que faccedilo datildeo testemunho em meu favor pois mostram que o Pai me enviou 37 Sim o Pai que me enviou daacute testemunho a meu favor Mas voacutes nunca ouvistes a sua voz nem vistes a sua face 38 e natildeo tendes a sua palavra morando em voacutes pois natildeo acreditais naquele que ele enviou 39 Examinais as Escrituras pensando ter nelas a vida eterna e satildeo elas que datildeo testemunho de mim 40 Voacutes poreacutem natildeo quereis vir a mim para terdes a vida

ldquo41 Eu natildeo recebo gloacuteria que venha dos homens 42 Pelo contraacuterio eu vos conheccedilo natildeo tendes no meio de voacutes o amor de Deus 43 Eu vim em nome do meu Pai e voacutes natildeo me recebeis Mas se outro viesse em seu proacuteprio nome a este receberiacuteeis 44 Como

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podereis acreditar voacutes que recebeis gloacuteria uns dos outros e natildeo buscais a gloacuteria que vem do Deus uacutenico 45 Natildeo penseis que eu vos acusarei diante do Pai Haacute algueacutem que vos acusa Moiseacutes no qual colocais a vossa esperanccedila 46 Se acreditaacutesseis em Moiseacutes tambeacutem acreditariacuteeis em mim pois foi ao meu respeito que ele escreveu 47 Mas se natildeo acreditais nos seus escritos como podereis crer nas minhas palavrasrdquo

I

Para articular o texto de Jo 5 conveacutem combinar criteacuterios narrativos e linguiacutesticos complementando-os com consideraccedilotildees concernentes ao gecircnero literaacuterio Nos vv 1-9c conta-se depois do versiacuteculo introdutoacuterio (v1) sobre a peregrinaccedilatildeo de Jesus agrave festa em Jerusaleacutem a cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda Faz parte desta narrativa de cura o diaacutelogo de Jesus com o enfermo O texto pertence ao gecircnero dos relatos de cura milagrosa

A menccedilatildeo de que a cura se deu num dia de saacutebado no v 9d leva a uma seacuterie de diaacutelogos entre os ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem o homem curado e Jesus nos vv 10-18

No v 19 abre-se uma extensa secccedilatildeo discursiva que traz palavras de Jesus sem mencionar ainda os parceiros do diaacutelogo ateacute o fim do capiacutetulo no v 47 Eacute possiacutevel distinguir subdivisotildees com base em indiacutecios linguiacutesticos Os vv 19-30 satildeo emoldurados pela inclusatildeo ldquoo Filho natildeo pode fazer nada por si mesmordquo ldquoEu natildeo posso fazer nada por mim mesmordquo Corresponde a esta secccedilatildeo a seguinte que eacute introduzido pelas palavras ldquoSe eu dou testemunho em causa proacutepria o meu testemunho natildeo eacute verdadeirordquo (v 31)O tema do testemunho vai ateacute o v 40 Em continuidade com as secccedilotildees anteriores o v 4 anuncia ldquoEu natildeo recebo gloacuteria que venha dos homensrdquo Este tema da honragloacuteria determina os vv 41-45 Contrapotildee-se a gloria dos homens agrave gloacuteria de Deus Se algueacutem busca a gloacuteria dos homens natildeo pode entender o testemunho de Deus nas Escrituras de Moiseacutes a favor de Jesus Eacute o que narram os versiacuteculos finais 46-47

Quanto agrave histoacuteria da composiccedilatildeo de Jo 5 natildeo haacute concordacircncia entre os comentadores ateacute hoje Junto aos que favorecem uma tradiccedilatildeo ou fonte preacute-joanina encontram-se trecircs modelos uma fonte dos sēmeacuteia uma tradiccedilatildeo independente na histoacuteria da cura a dependecircncia dos evangelhos sinoacutepticos

Eacute corrente a hipoacutetese de que Joatildeo na composiccedilatildeo do cap 5 tenha utilizado uma fonte dos sinaissēmeacuteia Na forme em que R Bultmann a defende esta hipoacutetese toma como ponto de partida que a fonte teria contido tanto a histoacuteria da cura em Jo 52-9c quanto o diaacutelogo subsequumlente ateacute o v 18 O evangelista teria inserido ulteriormente a menccedilatildeo ao conflito do saacutebado Jo 59d e dele seriam tambeacutem os vv 19-47 menos os enunciados de escatologia futura que aparecem em Jo 528s os quais seriam acreacutescimos da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo Os representantes tardios da escola de Bultmann mantecircm a mesma linha3 Aparentada agrave proposta de Bultmann eacute a de F T Fortna que aceita um ldquoevangelho dos sinaisrdquo do qual proviria o relato da cura em Jo 52-9c sem os diaacutelogos subsequentes Este relato teria sido o uacuteltimo do ciacuteclo dos ldquosinaisrdquo antes da transiccedilatildeo agrave narrativa da paixatildeo4

Segundo outros autores a cura do aleijado remontaria a uma tradiccedilatildeo ou a um texto-fonte independentes que natildeo teriam a extensatildeo da fonte dos sēmeacuteia Eacute a opiniatildeo de R Schanckenburg5 Este percebe coincidecircncias verbais com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica da cura do 3 4 5

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aleijado em Mc 21-12 como a menccedilatildeo acirc ldquomacardquo (kraacutebatos) ou a associaccedilatildeo de enfermidade e pecado mas para Schnackenburg isso natildeo basta para aceitar uma dependecircncia literaacuteria direta entre Joatildeo e a tradiccedilatildeo marcana Soacute haverfia pontos de contato De modo semelhante pensa R E Brown o qual com base em traccedilos narrativos particulares (como a negligecircncia do enfermo em procurar prontamente ajuda para si) reconhece uma possiacutevel influecircncia da tradiccedilatildeo narrativa protocristatilde que ainda deixaria reconhecer um acontecimento histoacuterico6

Entre estas alternativas eacute de se levar a seacuterio a hipoacutetese de que Joatildeo tambeacutem nesta histoacuteria da cura do aleijado tenha se baseado na tradiccedilatildeo sinoacuteptica mas de modo muito livre como tambeacutem alhures no seu relato da vida puacuteblica de Jesus antes de sua paixatildeo Esta orientaccedilatildeo eacute representada sobretudo pelo professor lovaniense de NT F Neirynck seguido por muitos de seus colegas e estudantes Segundo Neirynck7 apresenta-se uma multidatildeo de concordacircncias conteudiacutesticas e linguiacutesticas entre Jo 51-18 e Mc 21ndash36 Temos primeiro a ordem dada por Jesus para que o aleijado carregue o seu kraacutebatos (ldquomacardquo) Acrescentam-se a isso a relaccedilatildeo entre enfermidade e pecado e o conflito do saacutebado A este corresponde em Marcos a histoacuteria dos disciacutepulos colhendo espigas no saacutebado em Mc 223-28 e do homem da matildeo atrofiada curado na sinagoga no saacutebado em Mc 31-6 Correspondem aos fariseus de Mc (224 36) os ldquojudeusrdquo em Joatildeo (Jo 510) Em ambos os casos o conflito leva agrave decisatildeo de matar Jesus (compare Mc 36 com Jo 518) OL principal obstaacuteculo [[184]] contra a hipoacutetese da dependecircncia do QEvg em relaccedilatildeo a Marcos consiste na diferenccedila de cenaacuterio a localizaccedilatildeo na piscina de Bestesda com seus cinco poacuterticos junto agrave porta das ovelhas em Jerusaleacutem dificilmente se deixa reduzir agrave cena na casa da Galileia com a abertura do telhado para se baixar o aleijado diante dos peacutes de Jesus Aqui eacute preciso aceitar uma evoluccedilatildeo da tradiccedilatildeo Aliaacutes Joatildeo natildeo pode ser entendido como um ldquoquarto sinoacutepticordquo tambeacutem natildeo na visatildeo da escola lovaniense

Recentemente insiste-se novamente em levar a seacuterio a participaccedilatildeo do evangelista na narrativa como um todo8 Isso se percebe jaacute no relato da cura do aleijado em Jo 52-9c Eacute de supor que Joatildeo tenha combinado o relato de Marcos com uma tradiccedilatildeo hierosolimitana de uma cura perto da porta das Ovelhas acrescentando-lhe sua proacutepria intervenccedilatildeo redacional O elemento da falta de prontidatildeo do aleijado em querer ficar sadio pode ser visto como um exemplo do ldquomal-entendidordquo joaneu O enfermo busca apenas a cura fiacutesica para a qual ele necessita de algueacutem que o desccedila ateacute a aacutegua Agrave diferenccedila do gecircnero dos relatos de cura o enfermo fica sem acompanhante e o diaacutelogo acontece entre ele e Jesus a soacutes Tambeacutem falta o ldquocoro finalrdquo [Schlusschor] da multidatildeo louvando a Deus por causa do prodiacutegio realizado Parece ter sido substituiacutedo em Joatildeo pelo conflito do saacutebado Nisso se mostra a matildeo do evangelista Notaacutevel eacute ainda no relato joanino que natildeo Jesus mas o homem curado eacute o primeiro a transgredir o mandamento do saacutebado Nisso pode refletir-se a situaccedilatildeo das comunidades joaninas as quais com sua interpretaccedilatildeo mais livre da Toraacute entraram em conflito com seu ambiente judaico

6 7 8

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II

A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda

No iniacutecio do cap 5 encontra-se o relato da cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda em Jerusaleacutem Exibe as feiccedilotildees tiacutepicas de um relato de cura milagrosa como mostra entre outros M Labahn9 introduccedilatildeo das pessoas envolvidas descriccedilatildeo da enfermidade alusatildeo agrave gravidade do caso diaacutelogo entre o enfermo e quem o cura a cura propriamente e a prova o proacuteprio curado levando embora sua maca Todos esses elementos apontam para uma tradiccedilatildeo preacute-joanina Mas haacute tambeacutem desvios da forma literaacuteria As indicaccedilotildees de tempo e lugar aparecem acrescentadas e assim tambeacutem a duraccedilatildeo da enfermidade e alguns detalhes acerca do lugar da cura

Sob outro acircngulo pode-se comparar esta cura milagrosa com outros relatos de ldquosinaisrdquo em Joatildeo como o sinal do vinho em Canaacute Jo 21-11 e a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-5410 Aparece assim a seguinte sequecircncia de accedilotildees

- uma pessoa se dirige a Jesus invocando sua ajuda

- Jesus rechaccedila o pedido

- a pessoa insiste no pedido

- Jesus daacute instruccedilotildees em vista de atendimento

- o parceiro do diaacutelogo segue as instruccedilotildees de Jesus e o milagre se realiza

- segue-se a resposta da feacute

No relato em pauta haacute alguns desvios deste esquema Ningueacutem invoca Jesus por uma cura mas o Jesus se apresenta ao enfermo por iniciativa proacutepria Tampouco Jesus pode rechaccedilar o pedido que natildeo houve mas eacute o enfermo que rechaccedila a oferta de Jesus sob alegaccedilatildeo de suas experiecircncias negativas O enfermo natildeo insiste mas Jesus insiste em suja oferta A cura se daacute antes de qualquer palavra de feacute ou de obediecircncia da parte do enfermo E tambeacutem depois da cura ele natildeo expressa uma feacute imediata mas apenas revela (ldquoanunciardquo) o nome de Jesus agraves autoridades judaicas o que leva ao conflito entre Jesus e ldquoos judeusrdquo

Dividimos a unidade textual em introduccedilatildeo espaccedilo-temporal e situaccedilatildeo pressuposta (vv 1-4 quanto ao v 4 veja adiante) diaacutelogo entre Jesus e o enfermo (vv 5-7) a cura (cc 8-9c)

51-3 Os versiacuteculos iniciais satildeo caracterizados pelas indicaccedilotildees de tempo e espaccedilo Aproxima-se uma festa natildeo identificada dos judeus Parece ser uma festa de peregrinaccedilatildeo pois Jesus ldquosoberdquo a Jerusaleacutem para ali participar da celebraccedilatildeo da festa O ldquodepois dissordquo inicial se relaciona no contexto do evangelho com o segundo sinal em Canaacute relatado anteriormente (Jo 446-54) Desistimos das tentativas de trocar os capiacutetulos 5 e 611 O texto natildeo diz verbalmente qual seria a festa Alguns manuscritos antigos tentam preencher esta lacuna mas natildeo haacute como considerar originais suas indicaccedilotildees12 Os comentadores recentes ficam em duacutevida entre Paacutescoa13 Pentecostes

9 10 11 12 13

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(Semanas)14 e Tabernaacuteculos (Tendas)15 Contra Paacutescoa e Tabernaacuteculos levanta-se a objeccedilatildeo de que entatildeo teriacuteamos duas vezes em seguida a mesma festa em detrimento da reconstituiccedilatildeo de um ciclo anual das festas judaicas Que se trata da festa das Semanas pode ser corroborado por algumas consideraccedilotildees complementares16 Por um lado no contexto anterior vem agrave tona da colheita (Jo 435-38) o que combinaria muito bem com a festa das Semanas como festa da colheita das primiacutecias 50 dias depois da Paacutescoa Por outro lado jaacute uma tradiccedilatildeo judaica antiga liga a festa das Semanas com a outorga da Lei e a celebraccedilatildeo da Alianccedila em Qumran Isso se conjugaria bem com a referecircncia agrave Lei e agraves escrituras mosaicas que ganha significaccedilatildeo no decorrer do discurso de Jesus (cf v 39-47) Por estas aceitamos por suposto que em Jo 51 se trata da festa das Semanas17

Tambeacutem as indicaccedilotildees topograacuteficas do v 2 natildeo se deixam interpretar sem problemas A ediccedilatildeo textual de Nestle-Aland prefere a liccedilatildeo ldquoBetzatardquo e acordo com os mais antigos e sobretudo os melhor atestados manuscritos gregos18 Mas desde o Codex Alexandrinus encontra-se o termo ldquoBetesdardquo ainda preferido nas traduccedilotildees ateacute hoje Tambeacutem a expressatildeo epiacute tecirci probatikecirci continua discutiacutevel na criacutetica textual Eacute provaacutevel que o termo ldquoportardquo ficou subentendido (por elipse) Daiacute ldquoExiste em Jerusaleacutem perto da Porta das Ovelhas uma piscina rdquo Essa piscina tinha cinco poacuterticos (galerias) O enigma desta expressatildeo foi considerado resolvido desde a descoberta em 1865 perto da igreja de S Ana de duas piscinas interligadas por poacuterticos Mas ultimamente ha indiacutecios de que essa instalaccedilatildeo data do tempo depois da destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem Aleacutem disso a dupla bacia eacute muito profunda e seria difiacutecil descer dentro dela Segundo A Duprez19 houve neste lugar outras bacias menores escavadas na rocha que teriam servido para o culto de uma divindade terapecircutica Ascleacutepio (no oriente Sarapis) Nessas instalaccedilotildees dificilmente se imagina uma movimentaccedilatildeo da aacutegua por isso L Devillers20 propotildee que na fase primitiva do relato se tratava de um milagre junto agrave piscina de Siloeacute que era alimentada pela fonte do Gion Aiacute se entenderia o movimento da aacutegua O evangelista teria deslocado o milagre para a piscina de Betesda com o intuito de poder narrar duas curas nas piscinas de Jerusaleacutem e para mostrar a superioridade de Jesus em relaccedilatildeo agraves divindades terapecircuticas A discussatildeo em torno disso certamente continuaraacute O v 4 explica a movimentaccedilatildeo da aacutegua pela atividade de um anjo mas a criacutetica texual demonstra o caraacuteter secundaacuterio deste elemento e o exclui do texto

Depois dessas indicaccedilotildees topograacuteficas e cronoloacutegicas o v 3 toma em consideraccedilatildeo as pessoas envolvidas Encontra-se junto agrave piscina de Betesda uma multidatildeo de enfermos esperando cura cegos aleijados coxos A enumeraccedilatildeo natildeo eacute por acaso Em Mateus e Lucas encontramos a delegaccedilatildeo vinda de Joatildeo Batista para perguntar a Jesus se eacute ele aquele que haacute de vir A resposta de Jesus eacute ldquoIde comunicar a Joatildeo o que ouvis e vedes cegos recobram a vista paraliacuteticos andam leprosos satildeo purificados e surdos ouvem mortos ressuscitam e a pobres eacute anunciado o evangelhordquo (Mt 114s cf Lc 722) Jesus se vecirc aqui como aquele que cumpre as promessas dos profetas Cegos e coxos satildeo contemplados pela promessa de Is 355s cegos tambeacutem em Is 2918 A ressurreiccedilatildeo dos mortos eacute prometida em Is 2619 Daiacute os milagres de Jo 5 Jo 9 e Jo 11 curas de um aleijado e de um cego e ressuscitaccedilatildeo de um morto Jesus eacute aquele no qual se cumprem as promessas dos profetas

14 15 16 17 18 19 20

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55-7 No v 5 escolhe-se um da multidatildeo dos enfermos O narrador sabe que ele jaacute tem 38 anos de sofrimento As leitoras e leitores pensaratildeo provavelmente nos 38 anos da erracircncia no deserto do povo de Israel antes de poder entra na Terra Prometida (cf Dt 214) A iniciativa da cura natildeo surge como seria de regra do enfermo ou de sua comitiva mas do proacuteprio Jesus conforme o v 6 Ele enxerga o enfermo aiacute deitado sabe da duraccedilatildeo de sua enfermidade e o interpela Com clareza o evangelista salienta aqui o papel determinante de Jesus e tambeacutem seu saber acerca do ser humano (cf Jo 148 225 418) A pergunta dirigida ao enfermo ndash se ele quer recuperar a sauacutede ndash surpreende mas resposta do aleijado no v 7 mostra que estava certa A resposta do homem parece um subterfuacutegio mas Jesus enuncia o desejo do aleijado por sauacutede apesar da resposta dele pois soacute assim ele poderaacute falar a palavra que libertaraacute o enfermo

58-9c A palavra de Jesus consiste segundo o v 8 numa exortaccedilatildeo dirigida ao enfermo Ele tem de passar agrave atividade ldquoLevanta-te pega a tua maca e andardquo A frase se encontra praticamente idecircntica na cura do paraliacutetico em Mc 211 cf Mt 96 Lc 524 ndash mas aqui o curado eacute instado a ir para casa Em Joatildeo ele ldquoanda em redorrdquo (peripateacutein) como o beneficiado de Mt 115 Lc 722 cf At 36 1410 isso proveacutem de uma soacutelida tradiccedilatildeo narrativa que recupera a promessa isaiana O tema do paraliacutetico que leva a sua cama eacute atestado tambeacutem fora da Biacuteblia21 Serve para provar o ecircxito da cura mas em Joatildeo aleacutem disso para introduzir a acusaccedilatildeo de lesatildeo do saacutebado que seraacute o tema da secccedilatildeo seguinte A execuccedilatildeo pelo aleijado no v 9a-c corresponde exatamente agrave ordem dada por Jesus ele se levanta toma sua maca e anda em redor O tema do ldquolevantar-serdquo (egeacuteirein) pode ter para Joatildeo um sentido mais profundo Antecipa a autoridade do Filho para ressuscitar mortos assim como faz o Pai (cf v 21) Esta autoridade manifesta-se tambeacutem na histoacuteria da ressuscitaccedilatildeo de Laacutezaro Jo 11

O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)

O relato sobre a cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda eacute seguido de uma controveacutersia entre o curado Jesus e as autoridades judaicas acerca da legitimidade da cura que foi operado num dia de saacutebado O fato de que apenas v 9c eacute mencionado ldquoAquele dia poreacutem era um saacutebadordquo eacute visto pelos comentadores como prova de que o elemento soacute foi inserido secundariamente pelo evangelista ou por uma fonte que natildeo eacute idecircntica com a do relato do milagre22 Outros poreacutem como a escola de Lovaina (cf F Neirynck) apontam que a conexatildeo entre a cura milagrosa operada por Jesus e a questatildeo do saacutebado jaacute existe na tradiccedilatildeo sinoacuteptica (cf Mc 21ndash36 Lc 1013-17)23 Segundo P Borgen uma conexatildeo entre obras realizadas em dia de saacutebado e controveacutersias subsequentes ocorre tambeacutem em Fiacutelon de Alexandria24 Fiacutelon discute a distinccedilatildeo entre Deus que no saacutebado pode trabalhar segundo a interpretaccedilatildeo de Gn 22-3 e o ser humano que deve observar o repouso sabaacutetico (cf Migr 89-93) A conexatildeo entre a cura e o saacutebado pertence portanto provavelmente agrave tradiccedilatildeo preacute-joanina que transparece tambeacutem em Jo 721-24

Natildeo eacute muito provaacutevel a opiniatildeo de Tom Thatcher que vecirc na introduccedilatildeo atrasada de Jo 59c uma ldquoironia instaacutevelrdquo isto eacute uma enganaccedilatildeo consciente natildeo soacute dos contemporacircneos (ldquoironia estaacutevelrdquo) mas tambeacutem do leitorado (portanto um ldquotruque do saacutebadordquo)25 Tal opiniatildeo se mostra falha porque a ironia joanina sempre estaacute relacionada

21 22 23 24 25

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agrave tensatildeo entre palavras de revelaccedilatildeo de Jesus ou enunciados sobre Jesus e o mal-entendido a seu respeito por parte dos ouvintes Natildeo eacute isso que acontece aqui Natildeo haacute outro lugar no QE em que o evangelista consciamente induz seus leitores ao erro

Quanto ao gecircnero desta secccedilatildeo (e de outras similares na sequecircncia posterior do QE) sugeriu-se ver aqui o modelo veterotestamentaacuterio do ricircb a disputa judicial entre Deus e seu povo26 Tal disputa se caracteriza por isto que falta um instacircncia de arbitragem Soacute importa quais satildeo os melhores argumentos Apesar de toda a proximidade do QE ao AT e natildeo em uacuteltima instacircncia a suas tradiccedilotildees profeacuteticas a aplicaccedilatildeo desse modelo literaacuterio agraves controveacutersias entre Jesus e seus adversaacuterios em Jerusaleacutem natildeo convence Por um lado Jesus natildeo toma sem mais o lugar de Deus por outro natildeo falta em Joatildeo a instacircncia judicial Em niacutevel poliacutetico as instacircncias judiciais do povo israelita tecircm o poder de excomungar da comunidade e mesmo de infligir a pena de morte E na perspectiva teoloacutegica eacute Jesus que se revela como o juiz verdadeiro ou pelo menos como aquele que realiza o juiacutezo divino a todos aqueles que se opotildeem a ele e assim em uacuteltima instacircncia rejeitam a Deus mesmo

59d-13 A cena seguinte aacute introduzida pela frase ldquoAquele dia poreacutem era um saacutebadordquo (v 9d) A frase lembra a similar em Jo 94 cf tambeacutem 1914 Quanto ao estilo revela a matildeo do evangelista Para as controveacutersias dos versiacuteculos seguintes natildeo eacute tatildeo relevante se o dia foi mesmo um saacutebado pois segundo o direito judaico os dias de festa eram equiparados ao saacutebado

No v 10 pela primeira vez ldquoos judeusrdquo entram em cena Contrariamente a Jo 422 onde a expressatildeo designa a comunidade religiosa judaica parece que aqui se trata de um grupo dentro do judaiacutesmo Este grupo jaacute foi mencionado em 119 como mandante da delegaccedilatildeo que questionou Joatildeo Batista a respeito de sua pessoa e atividade Parece claro que se trata das autoridades judaicas em Jerusaleacutem sem que isso se caracterize mais adiante27 Os ldquojudeusrdquo objetam ao homem que foi curado que no saacutebado ele natildeo pode [[189]] carregar sua maca Carregar fardos era uma da 39 ldquoobrasrdquo consideradas proibidas pela Lei de Moises28 Para o fluxo narrativo eacute importante ver que em primeira instacircncia a objeccedilatildeo eacute dirigida ao ex-alijado e natildeo a Jesus Mas indiretamente eacute este que estaacute sendo criticado como logo mais se mostraraacute

O curado sai do jogo passando a acusaccedilatildeo para Jesus jaacute que este lhe havia ordenado a carregar sua maca e andar em redor Notaacutevel eacute a expressatildeo ldquotornar sadiordquo (hygiecirc) O adjetivo que jaacute foi usando no v 6 voltaraacute no v 14 Proveacutem provavelmente da tradiccedilatildeo pre-joanina e serve para a conexatildeo do milagre de cura com as controveacutersias subsequentes O termo aparece nos relatos de cura helenistas como foi observado29 Assim Jesus aparece como ldquodeus curandeirordquo

Na base da resposta do homem que foi curado a investigaccedilatildeo dos ldquojudeusrdquo transforma-se numa inquisiccedilatildeo acerca da pessoa que o havia curado O homem diz que natildeo sabe quem foi quem o curou O narrador acrescenta que no lugar do diaacutelogo havia muita gente e que Jesus se tinha retirado dali

514 Depois de um encontro entre o curado e ldquoos judeusrdquo Jesus se encontra com o homem Natildeo eacute ele que encontra Jesus mas Jesus que encontra a ele (como encontrou a Filipe Jo 143) ldquodepois dissordquo (metagrave taacuteuta expressatildeo joanina) e ele o exorta para que natildeo peque mais Discutiu-se muito sobre esta exortaccedilatildeo Em ciacuterculos judaicos parece 26 27 28 29

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pressuposta uma ligaccedilatildeo entre enfermidade e pecado com se refletes tambeacutem na questatildeo dos disciacutepulos em Jo 92 A tradiccedilatildeo sinoacuteptica de Ma 21-12 parece tambeacutem conhecer essa ligaccedilatildeo ainda que natildeo no sentido causal Aiacute Jesus perdoa primeiro os pecados do paraliacutetico antes de curaacute-lo Mas natildeo se confirma uma conexatildeo direta Em Jo 514 a exortaccedilatildeo de Jesus poderia ser esclarecida em vista da biografia do homem que foi curado ele natildeo utilizou todas as chances para ser curado ele natildeo pocircde ou natildeo quis dar informaccedilatildeo sobre quem o curou30 Mas o versiacuteculo seguinte contradiz isso

515 Depois do encontro com o homem curado este se dirige aos ldquojudeusrdquo para lhes comunicar que foi Jesus quem o curou Esta nota tem sido interpretada de modos muito diversos como mostra o artigo de R Metzler31 Segundo Metzler parece que o homem curado se dirigiu aos ldquojudeusrdquo para denunciar Jesus De fato ateacute entatildeo o homem natildeo deu nenhum sinal de atitude positiva em relaccedilatildeo a Jesus fica duvidoso se ele chegou a crer em Jesus Contudo hoje se aceita sempre mais uma visatildeo mais positiva do ex-aleijado32 Se ele vai aos ldquojudeusrdquo para ldquoanunciarrdquo que foi Jesus quem o curou conveacutem levar a seacuterio o verbo anaggeacutellein que significa ldquoanunciarrdquo e natildeo ldquodenunciarrdquo Neste caso o curado de Jo 5 eacute um precursor do cego de Jo 9 sendo que este chega a uma adesatildeo intreacutepida a Jesus e a uma confissatildeo plena da feacute Nesta mesma linha os exemplos da Cappella Greca nas catacumbas romanas de Priscila ou na capela do Sacramento nas catacumbas de Calisto mostram o aleijado no ciclo batismal33

516-18 O v 16 poderia ter sido o final original da narrativa na tradiccedilatildeo preacute-joanina Os ldquojudeusrdquo perseguem Jesus como transgressor do saacutebado34 O imperfeito sugere antes um conflito permanente que uma ocorrecircncia uacutenica O vocabulaacuterio prepara o tema da perseguiccedilatildeo futura dos disciacutepulos (Jo 1520) Como os ldquojudeusrdquo perseguiram Jesus perseguiratildeo tambeacutem seus disciacutepulos

O v 17 jaacute antecipa o discurso de revelaccedilatildeo de Jesus (por isso geralmente eacute atribuiacutedo ao evangelista) Jesus designa sua accedilatildeo como ldquoobrardquo e legitima-a dizendo que foi operada em uniatildeo com o Pai Pois segundo uma interpretaccedilatildeo judaica atestada por Fiacutelon Deus trabalha no saacutebado e por isso a ldquoobrardquo de Jesus eacute legiacutetima35

Os ldquojudeusrdquo poreacutem segundo o v 18 ficam farejando essa pretensatildeo de Jesus de ser igual a Deus com o desejo de mataacute-lo por causa dessa blasfecircmia Esta intenccedilatildeo ultrapassa o ldquoperseguirrdquo do v 16 mas tem base na tradiccedilatildeo sinoacuteptica de Mc 21ndash36 (cf Mc 36) W A Meeks tem estudado paralelos heleniacutesticos referentes agrave igualdade com Deus36 Pense-se aqui em [[192]] Apolocircnio de Tiana biografado por Flaacutevio Filostrato Ele justifica diante do imperador Domiciano o tiacutetulo de ldquodeusrdquo que seus adeptos lhe deram De imediato Apolocircnio exibe uma prova de suas capacidades sobre-humanas ao tornar-se subitamente invisiacutevel aos olhos dos espectadores Depois ele se justifica verbalmente Os homens veneram as pessoas boas como deuses porque encarnam a imagem de Deus Tanto mais uma pessoa prendada com as capacidades de Apolocircnio pode designar-se como deus37 A argumentaccedilatildeo tem alguma semelhanccedila com a de Jo 5 e tambeacutem com a de Jo 10 onde Jesus cita (v 34) a seu favor o Sl 826 no qual todos os

30 31 32 33 34 35 36 37

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israelitas satildeo chamados ldquodeuses e filhos do Altiacutessimordquo38 Segundo uma tradiccedilatildeo judaica todos os israelitas que ouviram no Sinai a voz de Deus e receberam sua instruccedilatildeo tornaram-se divinos Soacute pelo pecado na ocasiatildeo da adoraccedilatildeo do bezerro de ouro perderam esse privileacutegio E soacute pela observaccedilatildeo irrepreensiacutevel da Toraacute voltaratildeo agrave condiccedilatildeo de readquirir esse privileacutegio (pense-se na segunda conclusatildeo da alianccedila em Ex 34) Jesus pode ter-se referido a um tradiccedilatildeo desse tipo O assunto voltaraacute por ocasiatildeo de Jo 1034-36 (veja ali)

Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)

Em Jo 519 inicia-se a uacuteltima parte do capiacutetulo 5 A partir de agora soacute fala Jesus Depois da cura milagrosa (vv 1-9c) e o diaacutelogo (vv 9d-18) segue agora um discurso de revelaccedilatildeo O estilo dos vv 19-47 eacute joanino e assim eacute tambeacutem a teologia O autor parece basear-se antes em tradiccedilotildees orais do que em fontes escritas Quanto agrave possibilidade uma camada ulterior nos vv 28s veja ali

Os vv 19-30 constituem como jaacute dissemos (acima I) uma subdivisatildeo autocircnoma Esta eacute emoldurada pelo enunciado de que o Filho natildeo pode agir por iniciativa proacutepria mas permanentemente age em uniatildeo com o seu Pai (vv 19 e 30) As duas obras por excelecircncia de Deus o Pai satildeo o dom da vida na ressurreiccedilatildeo dos mortos e o julgamento Com essa dupla expressatildeo o Jesus joanino remonta agrave tradiccedilatildeo judaica Ambas as obras satildeo as que Deus pode fazer no saacutebado Assim esta secccedilatildeo reata com a anterior e a encerra

A composiccedilatildeo da secccedilatildeo eacute simples Nos vv 19-20 eacute introduzido o princiacutepio segundo o qual o filho natildeo pode fazer outra coisa senatildeo o que ele vecirc o Pai fazer A imagem pode provir do mundo do artesanato no qual o filho retoma a profissatildeo do pai Nos vv 21-28 aclara-se qual eacute a obra que o Filho retoma do Pai ambas as obras do dom da vida na ressurreiccedilatildeo e o julgamento Ambas satildeo obras reservadas a Deus que satildeo confiadas ao Filho O v 21 fala do dom da vida os vv 22-23 do julgamento

Nos vv 24-28 eacute explicada a obra do Filho A promessa da vida e o exerciacutecio do juiacutezo satildeo coisas que acontecem hoje ldquoVem a hora e eacute agorardquo (v 25) O mesmo tema volta nos vv 28s mas a promessa eacute formulada soacute para o futuro ldquoVem a horardquo (v28) Os exegetas discutem sobre o significado desta reduplicaccedilatildeo eacute o que deveremos considerar na exegese dos vv 28s

519-20 O discurso de Jesus propriamente se inicia com a tiacutepica afirmaccedilatildeo joanina ldquoAmeacutem ameacutem eu vos digordquo Ela confere agraves palavras seguintes um peso particular Os primeiros versiacuteculos satildeo ambos caracterizados pela imagem tomada do mundo do trabalho artesanal de que o filho aprende a arte do pai enquanto ele observa sua atividade e a imita C H Dodd descobriu e descreveu esta paraacutebola39 Desde este ponto de vista explicam-se os conceitos do ldquoverrsquo do ldquomostrarrsquo e do ldquofazerrdquo A relaccedilatildeo de pai e filho natildeo eacute somente de natureza profissional mas tambeacutem familiar o pai ama o seu filho Esta dupla dimensatildeo pode ser transferida para a relaccedilatildeo entre o Pai celeste e seu Filho Jesus Tambeacutem este natildeo pode fazer nada a partir de si e soacute faz o que lhe eacute mostrado e confiado pelo Pai Pertencem agrave obra que o Pai confia ao Filho as obras da criaccedilatildeo (cf Jo 13) mas tambeacutem as da salvaccedilatildeo que tecircm seu aacutepice na obra escatoloacutegica Satildeo essas as ldquoobras maioresrdquo que o Filho realiza para admiraccedilatildeo de seus contemporacircneos

38 39

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521-23 Os versiacuteculos anteriores expuseram a dependecircncia do Filho em relaccedilatildeo ao Pai o Filho natildeo faz nada a natildeo ser o que ele vecirc o Pai fazer Os vv 21-23 em compoensaccedilo acentuam a dignidade do Filho Terminam asseverando que cada um que honra o Pai honra tambeacutem o Filho A dignidade do Filho eacute mostrada por sua participaccedilatildeo nas obras que satildeo reservadas a Deus soacute ressuscitar os mortos e executar o julgamento De fato o julgamento eacute reservado exclusivamente ao Filho Deus nem participa dele Nestes versiacuteculos mostra-se a teologia joanina como reflexatildeo priacutestina da Igreja sobre a dignidade de Cristo A visatildeo de Joatildeo aproxima-se da de Paulo e de sua tradiccedilatildeo (cf o hino que Paulo utilizou em Fl 26-11 ou o iniacutecio da carta aos Romanos Rm 13-4 ou tambeacutem a foacutermula ldquotrinitaacuteriardquo de 2Cor 1313) Visatildeo semelhante encontra-se tambeacutem em outras camadas e escritos do NT [[194]] (cf Mt 1125-27 Mc 111par 97 par Hb 11-4) Para a outorga do julgamento ao Filho do Homem cf Mc 1326s par Mt 2531-46

Desde o iniacutecio a divindade de Jesus encontrou resistecircncia Bem cedo judeus e provavelmente tambeacutem judeu-cristatildeos opuseram-se a essa visatildeo As grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 encontram aqui sua fundamentaccedilatildeo Pouco depois Aacuterio vai combater a filiaccedilatildeo divina de Jesus Segundo ele Jesus eacute criatura natildeo igual ao Pai Na hora presente surge resistecircncia agrave metaacutefora familiar que serve para articular o discurso sobre o Pai e o Filho E M Boring40 expressa estas ressalvas para o mundo ocidental A seu ver exprime-se no discurso sobre ldquoPairdquo e ldquoFilhordquo certo patriarcalismo que eacute posto em xeque natildeo soacute do lado feminista mas tambeacutem por contemporacircneos que questionam a autoridade paterna como tal Importa levar a seacuterio tais questionamentos observando poreacutem que elas surgem principalmente do mundo ocidental

524-27 Nos versiacuteculos que aqui seguem promete-se vida eterna aos que ouvem a palavra de Jesus e creem no Deus que o enviou Mais exatamente a vida eterna natildeo eacute prometida aqui mas explica-se que todos os que ouvem a palavra de Jesus e creem no Pai jaacute passaram da morte para a vida (tempo perfeito grego) Estes natildeo chegam ao julgamento Aqui se exprime a ldquoescatologia presenterdquo tiacutepica do QEvg Segundo a visatildeo judaica tradicional todo ser humano enfrenta a morte no fim de sua vida terrestre E depois haveraacute segundo a convicccedilatildeo farisaica a ressurreiccedilatildeo dos mortos (ou dos justos) com o julgamento e com a vida eterna para os justos Segundo Joatildeo a morte verdadeira consiste na separaccedilatildeo de Deus a origem da vida Desta morte pode-se passar jaacute agora para a vida verdadeira a vida eterna quando se crecirc em Jesus e naquele que o enviou Quem age assim natildeo vai a juiacutezo Esta visatildeo encontra-se tambeacutem em outro lugar no QE (cf 315-1836 64047 1246s) A promessa de ldquovida eternardquo encontra-se jaacute em Dn 122 onde ela eacute prometida aos justos para o dia do julgamento final quando sairatildeo de seus sepulcros O papel do arcanjo Miguel eacute assumido [[195]] em Joatildeo pelo ldquoFilho de Deusrdquo na funccedilatildeo de ldquoFilho do homemrdquo (cf v27 Dn 723s) A expressatildeo ldquovem a horardquo eacute completada no v 25 por ldquo e eacute agorardquo A partir daqui os conceitos de ldquomorterdquo e ldquovidardquo satildeo reinterpretados A morte consiste na separaccedilatildeo de Deus como fonte originaacuteria da vida e a ldquovidardquo eacute a ldquovida eternardquo na medida em que vem de Deus O futuro gramatical que aparece aqui no enunciado sobre o ouvir da voz da ressurreiccedilatildeo e da vida perde seu sentido de indicaccedilatildeo temporal e eacute antes de natureza loacutegica o que deve acontecer acontece agora na ldquohorardquo do crer

No v 26 o evangelista abandona por um momento o ideaacuterio apocaliacuteptica da tradiccedilatildeo e fala de Cristo como fonte da vida numa linguagem mais fortemente teoloacutegica O Pai tem em si a vida e este pleno poder ele o transmitiu tambeacutem ao Filho Aqui volta agrave mente o Proacutelogo do QE (Jo 14) onde o Logos divino aparece como portador da fonte da vida 40

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No v 27 o autor volta ao ideaacuterio apocaliacuteptico Os comentadores veem no v 27 um eco de Dn 713s embora nesse lugar natildeo se exprima propriamente o julgamento mas antes todo o senhorio ateacute o fim do tempo Uma confirmaccedilatildeo da dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Daniel neste lugar pode transparecer na falta do artigo definido no v 27 ldquoporque ele eacute um filho do homemrdquo

528-29 A injunccedilatildeo no iniacutecio do v 28 ndash ldquoNatildeo fiqueis admirados com issordquo ndash pode ser conectado ao contexto anterior como muitas vezes se faz Neste caso a partiacutecula hoacuteti que se segue tem antes um sentido causal e poderia ser substituiacutedo por dois pontos Mas eacute possiacutevel tambeacutem relacionar a injunccedilatildeo com o contexto subsequente e entender o hoacuteti como declarativo eacute a interpretaccedilatildeo de H-C Kammler41 Contudo natildeo faz tanta diferenccedila no sentido

Os vv 28s retomam o v 25 como geralmente eacute observado Os versiacuteculos se correspondem ateacute na formulaccedilatildeo como mostra este quadro 25 ἔρχεται ὥρα καὶ νῦν ἐστιν ὅτε οἱ νεκροὶ ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς τοῦ υἱοῦ τοῦ θεοῦ καὶ οἱ ἀκούσαντες ζήσουσιν

28s ἔρχεται ὥρα ἐν ᾗ πάντες οἱ ἐν τοῖς μνημείοις ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς αὐτοῦ καὶ ἐκπορεύσονται οἱ τὰ ἀγαθὰ ποιήσαντες εἰς ἀνάστασιν ζωῆς οἱ δὲ τὰ φαῦλα πράξαντες εἰς ἀνάστασιν κρίσεως

As principais diferenccedilas satildeo estas os vv 28s dizem ldquovem a horardquo sem acrescentar ldquoe eacute agorardquo Tambeacutem dizem ldquotodos os que estatildeo nos sepulcrosrdquo em vez de ldquoos mortosrdquo e o julgamento parece estar ligado agraves obras de cada um Como entender essas diferenccedilas Trecircs modelos entram na discussatildeo

O primeiro modelo eacute o da ldquoescatologia presenterdquo representado sobretudo pelo comentaacuterio de R Bultmann publicado em 1941 e seguido por numerosos autores42 Segundo estes autores o texto de Jo 528s fala de uma futura ressurreiccedilatildeo dos mortos no dia do juiacutezo final A ldquoescatologia presenterdquo de Joatildeo pareceu ousada demais para a Igreja a no fim do seacuteculo I e foi por isso completada pelo modelo ldquoclaacutessicordquo da escatologia judaica que se encontra tambeacutem em outros escritos do NT (sinoacutepticos e Paulo pelo menos em parte) Deste modo ldquosalvou-serdquo o QE para a Igreja poacutes-apostoacutelica

O segundo modelo eacute o de duas camadas no EJ que se completam mutuamente Eacute adotado pelos grandes comentaacuterios da Gratilde-Bretanha43 dos EUA44 e de muitos autores da Europa continental45 Segundo estes autores o evangelista retoma sua caracteriacutestica escatologia presente reformulando-a em termos de escatologia futura Neste caso natildeo eacute preciso tomar como ponto de partida o modelo judeu-apocaliacuteptico ou protocristatildeo da ressurreiccedilatildeo dos mortos no fim do tempo Joatildeo natildeo fala de fato dos ldquomortosrdquo que ressuscitam mas daqueles ldquoque estatildeo nos sepulcrosrdquo os ldquomortosrdquo satildeo em todo o caso aqueles que jaacute nesta vida ficaram separados de Deus por terem-se decidido contra Deus Estas observaccedilotildees jaacute se encontram no comentaacuterio de Josef Blank Ultimamente Joumlrg Frey na sua obra magistral em trecircs volumes sobre a escatologia joanina46 defende com forccedila a tese de que ambas as escatologia em Joatildeo devem ser consideradas de modo

41 42 43 44 45 46

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complementar Sem a escatologia futura o querigma joaneu seria incompleto A Bultmann se deve conceder que as ldquoobrasrdquo mencionadas no texto de Joatildeo natildeo satildeo as ldquoobras boasrdquo ou ldquomaacutesrdquo do judaiacutesmo ou do protocristianismo mas a feacute ou a descrenccedila em relaccedilatildeo a Cristo (cf Jo 316-19 629)

Um terceiro modelo interpreta Jo 525-29 de modo estritamente unitaacuterio e isso a partir da escatologia presente47 Tambeacutem os vv 28s podem ser interpretados no sentido da escatologia presente quando lidos direitinho apesar de sua formulaccedilatildeo que evoca a escatologia futura O futuro gramatical seria semelhante ao do v 25 (cf tambeacutem Jo 1016) Segundo esta proposta Jesus fala do tempo poacutes-pascal quando as promessas do tempo final estaratildeo realizadas48 Este estudo merece consideraccedilatildeo mais profunda com consideraccedilatildeo de outros textos ldquoescatoloacutegicosrdquo de Joatildeo como 639404454 A favor desta proposta pode-se alegar que em Jo 42123 natildeo parece haver diferenccedila semacircntica entre ldquovem a horardquo (eacuterkhetai hocircra) e ldquoa hora vem e aacute agorardquo (eacuterkhetai hocircra kai nyn estin)

530 Assim como Jesus concede a vida em plena dependecircncia do Pai assim tambeacutem exerce o julgamento Isso eacute dito no versiacuteculo final v 30 De fato Jesus natildeo procura sua proacutepria vontade mas a vontade de quem o enviou (cf Jo 528) Por isso seu julgamento eacute reto Literariamente este versiacuteculo pela retomada do v19 encerra de modo eficaz a periacutecope 519-30 Ao mesmo tempo prepara a transiccedilatildeo para a secccedilatildeo seguinte

Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)

Esta secccedilatildeo eacute semelhante em sua composiccedilatildeo agrave precedente (Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria 519-30) e agrave subsequente (Jesus natildeo procura sua proacutepria honra 541-47) O princiacutepio fundamental se encontra no iniacutecio da secccedilatildeo e assim eacute apresentado o tema Sempre Jesus rejeita arrogar para si proacuteprio honra e autoridade Sua autoridade seu reconhecimento e sua honra vecircm de Deus Exatamente por esta razatildeo ele se eleva acima de qualquer autoridade humana Deus mesmo opera nele o legitima e o honra

A secccedilatildeo 531-40 eacute caracterizada pelo campo semacircntico do ldquotestemunhordquo49 No v 31 Jesus contesta que ele daacute testemunho a favor de si mesmo (em Jo 812-20 prevalece outro ponto de vista) Quem daacute testemunho a favor dele eacute outro o Pai que por enquanto natildeo eacute nomeado (no v 32) Acresce o testemunho de Joatildeo Batista agora uma figura do passado (533-35) No v 36 o evangelista volta ao tema do ldquooutrordquo que testemunha a favor de Jesus e agora fica claro que se trata do Pai Ele eacute quem concede a Jesus realizar as obras admiraacuteveis que datildeo testemunho em seu favor (v 36) e ele testemunha tambeacutem diretamente a favor de Jesus (vv 37-38) como jaacute o fez no passado nas Escrituras de Israel (v39) Para valorizar esse testemunho muacuteltiplo [[198]] basta a boa vontade para se deixar conduzir a Jesus e assim receber a vida (v 40)

531-32 Os dois versiacuteculos introdutoacuterios satildeo moldados na forma dos vv 19 e 41 e expressam a dependecircncia ilimitada de Jesus como Filho em relaccedilatildeo ao Pai mas exprimem tambeacutem a autoridade que o Pai lhe concedeu em vista de sua missatildeo Quanto agrave ldquoverdaderdquo deste testemunho comparem-se Jo 1935 2114 e 3Jo 9

533-35 Alem de Deus que daacute plena autoridade a Jesus na sua missatildeo em ato e palavra a principal testemunha de Jesus segundo o evangelista eacute Joatildeo Batista Desde o Proacutelogo (16-8 e 15) ele aparece como testemunha a favor de Jesus A parte narrativa do QE comeccedila com uma grande secccedilatildeo sobre o testemunho do Batista a favor de Jesus (Jo 47 48 49

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119-34) Este testemunho eacute pressuposto e continuado no diaacutelogo do Batista com seus disciacutepulos em Jo 322-30 o Batista eacute apenas o amigo do esposo e se alegra ao ouvir a voz do esposo no quarto nupcial (329) ele apenas vem agrave frente do Messias natildeo eacute o proacuteprio Messias A tarefa de Joatildeo de ser testemunha de Jesus parece tatildeo dominante para o QEvg que ele nunca o chama de ldquobatistardquo mas dele soacute fala em termos de testemunha Ele eacute revezado em sua qualidade de ldquoacompanhanterdquo de Jesus por Laacutezaro nos caps 11-12 e pelo Disciacutepulo Amado nos caps 13-21

No tempo da controveacutersia de Jesus com os ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem depois da cura do aleijado o Batista jaacute havia terminado seu percurso Jesus fala dele em termos de passado Os ldquojudeusrdquo tinham enviado a ele uma delegaccedilatildeo para saber quem era Jesus mas natildeo quiseram aceitar seu testemunho Mais soacute o aguentaram por pouco tempo e depois o eliminaram O QEvg expressa essa experiecircncia com a imagem da lacircmpada Os ldquojudeusrdquo soacute quiseram alegrar-se agrave sua luz por pouco tempo Em termos de linguagem e conteuacutedo nota-se a diferenccedila com Jesus Joatildeo eacute a ldquolacircmpadardquo Jesus eacute a luz do mundo (cf Jo 14s9 812 95 1246)

536 A seguir Jesus trata do testemunho do Pai nas obras que este lhe concede Estras obra conduziram agrave admiraccedilatildeo e agrave feacute como vimos nos primeiros sinais de Jesus (Jo 21-12 e 446-54 cf 223 32) Poder-se-iaacrscenarf as obra de que fala Jesus em Jo 517-30 especialmente as pelas quais ele faz vikver os mortos e no nome de Deus faz o julgamento Mas estras obras soacute se percebem na feacute

Quando se pergunta pelos antecedentes literaacuterios da representaccedilatildeo joanina do testemunho das obras a favor de Jesus podem alegar-se textos do judaiacutesmo heleniacutestico que falam do testemunho de Deus a favor de Moiseacutes Tanto Flaacutevio Josefo como tambeacutem Fiacutelon de Alexandria falam de tal testemunho lembrando os ldquosinaisrdquo que Moiseacutes operou quando da saiacuteda de Israel do Egito e quando da travessia pelo mar Vermelho e pelo deserto (Fiacutelon Vita Mos 2[3] 263281 Flaacutevio Josefo Contra Ap II 53)50 No NT este tema eacute utilizado cristologicamente em At 143 e Hb 24 114

537-39 Assim como o Pai testemunhou a favor de Jesus nas obras que ele lhe concedeu realizar tambeacutem deu testemunho a favor dele na sua palavra Essa palavra se deu na Antiga Alianccedila Verdade eacute que os israelitas natildeo puderam ouvi-la como tambeacutem natildeo puderam ver a face de Deus Mas eles possuiacuteam o testemunho divino a favor de Jesus nas suas Sagradas Escrituras Se as tivessem perscrutado teriam descoberto o seu testemunho a favor de Jesus

O ldquotestemunhordquo das escrituras eacute de modo novo um tema caracteriacutestico do QE mas natildeo sem antecedentes e paralelos nos demais escritos do NT A tradiccedilatildeo sinoacuteptica conhece sobretudo o cumprimento de determinadas passagens das Escrituras de Israel em Jesus em sua vida e em seu sofrimento Joatildeo ndash em concordacircncia com os sinoacutepticos ndash mostra esse modo de proceder sobretudo no seu relado da Paixatildeo Em Jo 1238 aparece pela primeira vez a foacutermula ldquoAssim havia de se cumprirrdquo Mais caracteriacutestico de Joatildeo eacute o uso da Escritura como testemunho a favor de Jesus sem a citaccedilatildeo de determinada passagem51 Natildeo esta ou aquela passagem mas a Escritura como tal daacute testemunho a favor de Jesus Jo 539 eacute o texto claacutessico para ilustrar este modo de ver mas veja-se tambeacutem Jo 145 545-47 1034 uma citaccedilatildeo dos Salmos como testemunho da ldquoLeirdquo

Quando os israelitas natildeo conseguem perceber nas suas escrituras o testemunho a favor de Jesus a culpa natildeo eacute da Escritura Satildeo antes os leitores que natildeo estatildeo dispostos a abrir-se para a mensagem da Escritura Assim retiram-se da fonte da vida50 51

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Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)

Esta uacuteltima secccedilatildeo do discurso de Jesus pode ser subdividido em duas partes Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41-44) e natildeo eacute Jesus que acusa os judeus mas Moiseacutes (vv 45-47)

541-44 O conjunto dos vv 41-44 eacute emoldurado pelo tema da ldquohonrardquo52 Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41) Satildeo antes os seus adversaacuterios que fazem isso colhendo honra uns dos outros e natildeo do Deus uacutenico (v 44) de modo a serem incapazes de ir ateacute Jesus e de crer nele Nos vv 42-43 indica-se uma razatildeo mais profunda da atitude errada dos adversaacuterios de Jesus eles natildeo tecircm em si o amor de Deus Assim eles recebem quem se apresenta em nome proacuteprio mas natildeo aquele que vem em nome de Deus Jesus

Salvo engano estes versiacuteculos devem ter sido influenciados pela confissatildeo de feacute de Israel o Shemalsquo Yisrael ldquoOuve Israelrdquo de Dt 64s Neste texto central do judaiacutesmo Deus ordena a seu povo confessaacute-lo como Deus uacutenico e confessaacute-lo de todo o coraccedilatildeo A influecircncia deste texto sobre Jo 541-44 como tambeacutem sobre Jo 841s foi pouco observado ateacute agora Em ambos os lugares satildeo interligados a unicidade de Deus e o amor a ele ou a Jesus como enviado do Pai Um eco deste mandamento encontra-se tambeacutem em Jo 2115-17 (o amor de Pedro a Jesus como expressatildeo de sua relaccedilatildeo fundamental para com ele possibilitando seu encargo como pastor do rebanho do Senhor)

Se esta interpretaccedilatildeo estiver certa segue-se para Jo 542 e textos similares do QE que a expressatildeo hē agaacutepē tou theoacuteu deve ser entendida como genitivo de objeto No EJ trata-se de ter a relaccedilatildeo reta para com Deus tambeacutem como membro do povo de Israel Quem natildeo ama a Deus natildeo amaraacute o Cristo seu Filho e buscaraacute sua proacutepria honra Na Primeira Carta de Joatildeo a situaccedilatildeo eacute diferente O autor encontra-se em discussatildeo com um grupo que arroga para si em alto grau a posse do Espiacuterito considera estar acima da Lei e poder afirmar que conhece Deus e o ama A estas pessoas a 1Jo diz que antes de tudo satildeo amadas por Deus antes de poderem dizer que amam a Deus (cf 1Jo 47-21 tambeacutem 215 316s)

545-47 Para a transiccedilatildeo ao tema da honra para o de Moiseacutes satildeo apontadas diversas razotildees Jaacute em Jo 539 Jesus afirmou que as Escrituras falam dele As Escrituras de Israel satildeo a Toraacute mediada por Moiseacutes e tambeacutem os demais escritos principalmente os Salmos Neste sentido o tema de Moiseacutes que acusa os israelitas jaacute foi preparado no contexto imediatamente anterior O texto lembra tambeacutem Jo 719-23 onde Jesus em conexatildeo com a cura que realizou em dia de saacutebado arguacutei a partir da Lei de Moiseacutes que permite a circuncisatildeo no saacutebado Podemos ver tambeacutem em Jo 545-47 uma referecircncia agrave controveacutersia sobre a aplicaccedilatildeo da Lei de Moiseacutes em torno da cura que Jesus realizou

A convicccedilatildeo de que Moiseacutes escreveu a respeito de Jesus (v 46) pode-se deduzir da visatildeo global de Joatildeo segundo a qual a Escritura inteira quando lida direitinho fala de Jesus Um primeiro exemplo encontra-se em Jo 145 nas palavras de Filipe ldquoEncontramos Jesus o filho de Joseacute de Nazareacute aquele sobre quem escreveram Moiseacutes na Lei e os Profetasrdquo

Os israelitas creram em Deus e em Moiseacutes como eacute dito no fim do relato da saiacuteda milagrosa de Israel do Egito e da travessia do mar Vermelho em Ex 143 Os israelitas do tempo de Jesus estatildeo nesta tradiccedilatildeo A eles eacute que Jesus dirige a palavra dizendo que natildeo basta crer em Moiseacutes mas que eacute preciso ler suas escrituras no modo certo como testemunho a favor de Jesus Quem acredita em Moiseacutes tambeacutem deve acreditar em

52

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Jesus pois dele eacute que Jesus escreveu Quem natildeo acredita em Jesus natildeo pode afirmar que acreditou nas palavras de Moiseacutes Deste modo o cap 5 se encerra com uma acusaccedilatildeo contundente contra os ouvintes O conflito continuaraacute nos capiacutetulos 6 e 7ndash8

III

Depois que nos caps 2ndash4 do EJ Jesus levou sua mensagem sempre mais do centro para a periferia da terra de Israel no cap 5 ele volta ao centro e enfrenta a discussatildeo com os habitantes de Jerusaleacutem e os liacutederes do povo judeu em torno de sua missatildeo Um milagre estupendo a cura de algueacutem que havia 38 anos estava aleijado levou agrave discussatildeo de sua accedilatildeo feita no saacutebado e paulatinamente agrave discussatildeo sobre sua pessoa Pela primeira vez ldquoos judeusrdquo aparecem agora numa secccedilatildeo maior como adversaacuterios de Jesus A afirmaccedilatildeo de Jesus de agir em uniatildeo com seu Pai celeste soacute os faz concluir que ele se torna igual em poder e ordem ao Pai Esta afirmaccedilatildeo provocou contestaccedilatildeo natildeo soacute no tempo do evangelista Para entendecirc-la bem vale a pena reler atentamente o desenvolvimento do discurso de Jesus em Jo 519-47

Na leitura atenta nota-se que Jesus continuamente recusa colocar-se a si mesmo no centro Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (vv 19-30) nem testemunha a favor de si mesmo (vv 31-40) nem procura sua proacutepria honra (vv 41-45 ou 47) Deus eacute quem o deixa participar de sua obra que o defende e o honra Olhando por este lado o discurso de vv 19-47 natildeo eacute meramente ou nem em primeiro lugar cristoloacutegico Ele eacute e permanece teoloacutegico Com a melhor tradiccedilatildeo de Israel o QEvg e na sua obra o Cristo de seu evangelho reduzem toda o agir a Deus o Pai Eacute ele quem opera no Filho o defende e o honra Natildeo eacute por acaso que por isso aparece nos versiacuteculos finais 42-44 o principal mandamento a confissatildeo do Deus uacutenico de Israel e a ordem de amaacute-lo A partir daiacute a reivindicaccedilatildeo de Jesus em Jo 5 e nas grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 merece renovada reflexatildeo

2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)1 Depois disso Jesus foi para para o outro lado do mar da Galileacuteia ou seja de Tiberiacuteades 2 Uma grande multidatildeo o seguia vendo os sinais que ele fazia a favor dos doentes 3 Jesus subiu a montanha e sentou-se laacute com os seus disciacutepulos 4 Estava proacutexima a Paacutescoa a festa dos judeus 5 Levantando os olhos e vendo uma grande multidatildeo que vinha a ele Jesus disse a Filipe ldquoOnde vamos comprar patildeo para que essa gente possa comerrdquo 6 Disse isso para testar Filipe pois ele sabia muito bem o que ia fazer 7 Filipe respondeu ldquoNem duzentos denaacuterios de patildeo bastariam para dar um pouquinho a cada umrdquo 8 Um dos disciacutepulos Andreacute irmatildeo de Simatildeo Pedro disse 9 ldquoEstaacute aqui um menino com cinco patildees de cevada e dois peixes Mas que eacute isso para tanta genterdquo 10 Jesus disse ldquoFazei as pessoas sentar-serdquo Naquele lugar havia muita relva e laacute se sentaram os homens em nuacutemero de aproximadamente cinco mil 11 Jesus tomou os patildees deu graccedilas e distribuiu aos que estavam sentados tanto quanto queriam E fez o mesmo com os peixes 12 Quando todos se fartaram disse aos disciacutepulos ldquoJuntai os pedaccedilos que sobraram para que nada se percardquo 13 Eles juntaram e encheram doze cestos com os pedaccedilos que sobraram dos cinco patildees de cevada que comeram 14 Agrave vista do sinal que Jesus tinha realizado as pessoas exclamavam ldquoEste eacute verdadeiramente o profeta aquele que deve vir ao mundordquo 15 Quando Jesus percebeu que queriam levaacute-lo para proclamaacute-lo rei novamente se retirou para a montanha sozinho

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16 Ao anoitecer os disciacutepulos desceram para a beira-mar 17 Entraram no barco e foram na direccedilatildeo de Cafarnaum do outro lado do mar Jaacute estava escuro e Jesus ainda natildeo tinha vindo a eles 18 Soprava um vento forte e o mar estava agitado 19 Os disciacutepulos tinham remado vinte e cinco ou trinta estaacutedios quando avistaram Jesus andando sobre as aacuteguas e aproximando-se do barco Eles ficaram com medo 20 Jesus poreacutem lhes disse ldquoSou eu Natildeo tenhais medordquo 21 Eles queriam receber Jesus no barco mas logo o barco atingiu a terra para onde estavam indo22 No dia seguinte a multidatildeo que tinha ficado do outro lado do mar notou que antes havia aiacute um soacute barco e que Jesus natildeo entrara nele com os disciacutepulos os quais haviam partido sozinhos 23 Entretanto outros barcos chegaram de Tiberiacuteades perto do lugar onde tinham comido o patildeo depois de o Senhor ter dado graccedilas 24 Quando a multidatildeo percebeu que Jesus natildeo estava aiacute nem os seus disciacutepulos entraram nos barcos e foram procurar Jesus em Cafarnaum 25 Encontrando-o do outro lado do mar perguntaram-lhe ldquoRabi quando chegaste aquirdquo 26 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo estais me procurando natildeo porque vistes sinais mas porque comestes patildeo e ficastes saciados 27 Trabalhai natildeo pelo alimento que se perde mas pelo alimento que permanece ateacute agrave vida eterna e que o Filho do Homem vos daraacute Pois a este Deus Pai o marcou com seu selo 28 Perguntaram entatildeo ldquoQue devemos fazer para praticar as obras de Deusrdquo 29 Jesus respondeu ldquoA obra de Deus eacute que acrediteis naquele que ele enviourdquo 30 Eles perguntaram ldquoQue sinais realizas para que possamos ver e acreditar em ti Que obras fazes 31 Nossos pais comeram o manaacute no deserto como estaacute na Escritura lsquoDeu-lhes a comer patildeo do ceacuteursquordquo 32 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo natildeo foi Moiseacutes quem vos deu o patildeo do ceacuteu Eacute meu Pai quem vos daacute o verdadeiro patildeo do ceacuteu 33 Pois o patildeo de Deus eacute aquele que desce do ceacuteu e daacute vida ao mundordquo 34 Eles entatildeo pediram ldquoSenhor daacute-nos sempre desse patildeordquo 35 Jesus lhes disse ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sede 36 Contudo eu vos disse que me vistes mas natildeo credes 37 Todo aquele que o Pai me daacute viraacute a mim e quem vem a mim eu natildeo jogarei fora 38 porque eu desci do ceacuteu natildeo para fazer a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou ldquo39 E esta eacute a vontade daquele que me enviou que eu natildeo perca nenhum daqueles que ele me deu mas os ressuscite no uacuteltimo dia 40 Esta eacute a vontade do meu Pai quem vecirc o Filho e nele crecirc tenha vida eterna E eu o ressuscitarei no uacuteltimo diardquo41 Entatildeo os judeus comeccedilaram a murmurar contra Jesus porque ele disse ldquoEu sou o patildeo que desceu do ceacuteurdquo 42 Diziam ldquoEste natildeo eacute Jesus o filho de Joseacute Natildeo conhecemos noacutes o seu pai e sua matildee Como pode entatildeo dizer que desceu do ceacuteurdquo 43 Jesus respondeu ldquoNatildeo murmureis entre voacutes 44 Ningueacutem pode vir a mim se o Pai que me enviou natildeo o atrair E eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 45 Estaacute escrito nos Profetas lsquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrsquo Ora todo aquele que escutou o ensinamento do Pai e o aprendeu vem a mim 46 Ningueacutem jamais viu o Pai a natildeo ser aquele que vem de junto de Deus este viu o Pai 47 Ameacutem ameacutem vos digo quem crecirc tem vida eterna 48 Eu sou o patildeo da vida 49 Os vossos pais comeram o manaacute no deserto e no entanto morreram 50 Aqui estaacute o patildeo que desce do ceacuteu para que natildeo morra quem dele comer51 ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteu Quem come deste patildeo viveraacute eternamente E o patildeo que eu darei eacute a minha carne dada pela vida do mundordquo 52 Os judeus discutiam entre si ldquoComo eacute que ele pode dar a sua carne a comerrdquo 53 Jesus disse ldquoAmeacutem ameacutem vos digo se natildeo comerdes a carne do Filho do Homem e natildeo beberdes o seu sangue natildeo tereis vida em voacutes 54 Quem mastiga minha carne e

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bebe meu sangue tem vida eterna e eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 55 Pois minha carne eacute verdadeira comida e meu sangue eacute verdadeira bebida 56 Quem mastiga minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele 57 Como o Pai que vive me enviou e eu vivo por meio dele assim viveraacute por meio de mim aquele que me mastiga 58 Este eacute o patildeo que desceu do ceacuteu Natildeo eacute como aquele que vossos pais comeram ndash e no entanto morreram Quem mastiga este patildeo viveraacute para semprerdquo 59 Jesus falou essas coisas ensinando na reuniatildeo sinagogal em Cafarnaum 60 Muitos disciacutepulos que o ouviram disseram entatildeo ldquoEssa palavra eacute inaceitaacutevel Quem consegue escutaacute-lardquo 61 Percebendo que seus disciacutepulos estavam murmurando por causa disso Jesus perguntou ldquoIsto vos escandaliza 62 Que seraacute entatildeo quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes 63 O Espiacuterito eacute que daacute vida a carne de nada serve As palavras que vos falei satildeo Espiacuterito e satildeo vida 64 Mas haacute alguns entre voacutes que natildeo crecircemrdquo Jesus sabia desde o iniacutecio quem eram os que acreditavam e quem havia de entregaacute-lo 65 E acrescentou ldquoEacute por isso que eu vos disse lsquoNingueacutem pode vir a mim a natildeo ser que lhe seja dado pelo Pairsquordquo 66 A partir daquele momento muitos disciacutepulos o abandonaram e natildeo mais andavam com ele 67 Jesus disse aos Doze ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo 68 Simatildeo Pedro respondeu ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna 69 Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo 70 Jesus respondeu ldquoNatildeo vos escolhi doze Contudo um de voacutes eacute um diabordquo 71 Ele falava de Judas filho de Simatildeo Iscariotes pois este um dos Doze iria entregaacute-lo

I

Agrave primeira vista Jo 6 natildeo se insere sem dificuldade no contexto do EJ No iniacutecio do capiacutetulo supotildee-se que Jesus se encontra na proximidade do lago de Tiberiacuteades na Galileacuteia enquanto o cap 5 relatava seu discurso diante dos ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem em continuidade com a cura do aleijado na piscina de Betesda Em Jo 714-24 remete-se a esta cura em dia de saacutebado Jaacute em Jo 72 eacute alegada como razatildeo da estada de Jesus na Galileia o fato de que os ldquojudeusrdquo o querem matar com uma alusatildeo 518 No decorrer do seacuteculo XX os problemas da sequecircncia do texto levaram comentadores famosos a inverter a ordem de Jo 5 e Jo 653 Deste modo surgiria um texto mais compreensiacutevel Como no fim do cap 4 no cap 6 Jesus se encontra na Galileia Se o cap 5 segue depois do cap 6 a dupla remissiva ao cap 5 em Jo 7 torna-se compreensiacutevel Mas esta proposta natildeo vingou nos uacuteltimos anos O respeito pelo texto dado natildeo permite com facilidade esta ou outras propostas de inversatildeo e os manuscritos natildeo fornecem nenhum ensejo para isso Tambeacutem eacute possiacutevel resgatar a ordem atual do texto quando se parte da ideia de que os indiacutecios geograacuteficos e cronoloacutegicos pelo menos para o autor natildeo constituiacuteram o criteacuterio decisivo para o decurso do texto

Como jaacute sugerido eacute bem possiacutevel ver em Jo 6 uma inserccedilatildeo no QE o que tambeacutem resolveria os problemas da sequecircncia do texto54 Neste caso mantenha-se a unidade literaacuteria do capiacutetulo Soacute neste capiacutetulo em Joatildeo fala-se da eucaristia enquanto que ela falta no cap 13 no relato da paixatildeo Aqui em Jo 6 Jesus parece natildeo subir para a festa da Paacutescoa mencionada em 64 Tem-se a impressatildeo de que uma Paacutescoa cristatilde toma o lugar da festa de peregrinaccedilatildeo judaica Jesus a celebra na Galileia terra das primeiras comunidades cristatildes Como seus antagonistas aparecem a partir do v41 os ldquojudeusrdquo que em outros capiacutetulos soacute na Judeia se encontram com Jesus No interior do cap 6

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Joatildeo se mostra fortemente influenciado pela tradiccedilatildeo sinoacuteptica especialmente por Mc 632-56 e 811-33 como mostra este esquemaMultiplicaccedilatildeo dos patildees Mc 632-44 Jo 61-15Caminhando sobre as aacuteguas Mc 645-52 Jo 616-21Encontro com a multidatildeo Mc 653-56 Jo 522-25(29)Pedido de sinal Mc 811-13 Jo 630-31Discurdso do patildeo Mc 814-21 Jo 632-58Identidade de Jesus e confissatildeo de Pedro Mc 8m27-30 Jo 660-66Um dos disciacutepulos eacute o satanaacutes Mc 831-33 Jo 667-71

A secccedilatildeo Mc 71ndash810 natildeo tem correspondecircncias em Joatildeo e portanto falta em Joatildeo a segundo multiplicaccedilatildeo dos patildees como tambeacutem em Lucas No interior de Jo 6 o autor chega a seguir literalmente o texto marcano ou sinoacuteptico Feiccedilotildees deste gecircnero satildeo o nuacutemero de duzentos denaacuterios para comprar patildeo o nuacutemero de patildees e peixes a descriccedilatildeo dos gestos de Jesus os doze cestos com os pedaccedilos de patildeo que sobraram e tambeacutem o nuacutemero dos que foram saciados Em nenhum outro lugar o EJ tanto se aproxima da tradiccedilatildeo sinoacuteptica Podemos comparar com isso antes de tudo o relato de paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus mas haacute aqui diferenccedilas evidentes desde a cronologia da uacuteltima ceia e da morte de Jesus Visto que tambeacutem em Jo 21 o capiacutetulo final que muitos consideram um acreacutescimo aparecem muitos contatos com os sinoacutepticos (cf a pesca milagrosa Lc 51-11 os filhos de Zebedeu Mc 119 par) parece natural adotar tambeacutem para Jo 6 [[206]] uma data de composiccedilatildeo levemente posterior agrave do contexto

Muito por causa da secccedilatildeo dos dons eucariacutesticos de Jesus no uacuteltimo seacuteculo diversas vezes se colocou em duacutevida a unidade literaacuteria do capiacutetulo Assim R Bultmann55 distingue em Jo 6 quatro camadas diferenciadas uma ldquofonte dos sinaisrdquo agrave qual se devem a multiplicaccedilatildeo dos patildees e a caminhada sobre as aacuteguas (61-1516-21) fragmentos de uma fonte de discursos de revelaccedilatildeo de inspiraccedilatildeo gnoacutestica especialmente no discurso do patildeo em Jo 627-51c a matildeo redatora do evangelista especialmente tambeacutem na parte cristoloacutegica do discurso do patildeo e a redaccedilatildeo eclesial agrave qual se devem a secccedilatildeo ldquoeucariacutesticardquo de 651d-58 e as alusotildees agrave futura ressurreiccedilatildeo dos mortos em 6394044 Semelhante dissecccedilatildeo em camadas encontra-se na exegese que se inspira em Bultmann mesmo quando abre matildeo da ldquofonte dos discursosrdquo de influecircncia gnoacutestica56

Um novo modelo de diversas camadas encontra-se em Paul N Anderson que parte da sedimentaccedilatildeo de diversos conflitos sucessivos em Jo 657 Um primeiro conflito seria o da massa popular em torno do alimento verdadeiro (vv 25-40) o segundo com os ldquojudeusrdquo acerca da Toraacute e do patildeo do ceacuteu (vv 41-51) depois um cisma envolvendo principalmente os disciacutepulos oriundos do paganismo acerca da verdadeira corporeidade de Jesus (vv 51-66) e finalmente uma controveacutersia sobre o lugar certo do grupo joaneu na paisagem da comunidade joanina e da Grande Igreja representada por Pedro (vv 67-70) Menos complexo eacute o modelo de J Painter58 segundo o qual em Jo 6 estaacute integrado uma ldquohistoacuteria de buscardquo (ldquoquest storyrdquo) na qual a massa popular busca e encontra Jesus A essa liga-se nos vv 41-66 uma seacuterie de ldquohistoacuterias de rejeiccedilatildeordquo (ldquorejection storiesrdquo) que teriam sida acrescentadas secundariamente Os vv 67-70 serviram entatildeo para reconciliar os membros da comunidade joanina com adeptos de um cristianismo para a qual a figura de Pedro tinha significaccedilatildeo extraordinaacuteria

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

69 70 71 72

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

73 74 75

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

128 129

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 2:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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leve agrave piscina quando a aacutegua se movimenta Quando estou chegando outro entra na minha frenterdquo 8 Jesus lhe disse ldquoLevanta-te pega a tua maca e andardquo 9 No mesmo instante o homem ficou curado pegou sua maca e comeccedilou a andar

Aquele dia poreacutem era um saacutebado 10 Por isso os judeus disseram ao homem que tinha sido curado ldquoEacute saacutebado Natildeo te eacute permitido carregar a tua macardquo 11 Ele defendeu-se ldquoAquele que me tornou sadio disse lsquoPega tua maca e andarsquordquo 12 Entatildeo lhe perguntaram ldquoQuem eacute que te disse lsquoPega a tua maca e andarsquordquo 13 O homem que tinha sido curado natildeo sabia quem era pois Jesus se tinha afastado porque havia muita gente nesse lugar 14 Mais tarde Jesus encontrou o homem no Templo e lhe disse ldquoOlha ficaste saudaacutevel Natildeo peques mais para que natildeo te aconteccedila coisa piorrdquo 15 O homem saiu e anunciou aos judeus que tinha sido Jesus quem o havia tornado sadio 16 Por isso os judeus comeccedilaram a perseguir Jesus porque fazia tais coisas em dia de saacutebado 17 Jesus poreacutem deu-lhes esta resposta ldquoMeu Pai trabalha sempre e eu trabalho tambeacutemrdquo 18 Por isso os judeus ainda mais procuravam mataacute-lo pois aleacutem de violar o saacutebado chamava a Deus de Pai fazendo-se assim igual a Deus 19 Jesus entatildeo deu-lhes esta resposta ldquoAmeacutem ameacutem vos digo o Filho natildeo pode fazer nada por si mesmo ele faz apenas o que vecirc o Pai fazer O que o Pai faz o Filho faz tambeacutem 20 O Pai ama o Filho e lhe mostra tudo o que ele mesmo faz E lhe mostraraacute obras maiores ainda de modo que ficareis admirados 21 Assim como o Pai ressuscita os mortos e lhes daacute a vida o Filho tambeacutem daacute a vida a quem ele quer 22 Na verdade o Pai natildeo julga ningueacutem mas deu ao Filho o poder de julgar 23 para que todos honrem o Filho assim como honram o Pai Quem natildeo honra o Filho tambeacutem natildeo honra o Pai que o enviou 24 Ameacutem ameacutem vos digo quem escuta a minha palavra e crecirc naquele que me enviou possui a vida eterna e natildeo vai a juiacutezo mas passou da morte para a vida 25 Ameacutem ameacutem vos digo vem a hora e eacute agora em que os mortos ouviratildeo a voz do Filho de Deus e os que a ouvirem viveratildeo 26 Pois assim como o Pai possui a vida em si mesmo do mesmo modo concedeu ao Filho possuir a vida em si mesmo 27 Aleacutem disso deu-lhe o poder de julgar pois ele eacute o Filho do Homem 28 Natildeo fiqueis admirados com isso pois vem a hora em que todos os que estatildeo nos sepulcros ouviratildeo sua voz 29 e sairatildeo Aqueles que fizeram o bem ressuscitaratildeo para a vida aqueles que praticaram o mal para a condenaccedilatildeo 30 Eu natildeo posso fazer nada por mim mesmo Julgo segundo o que eu escuto e o meu julgamento eacute justo porque procuro fazer natildeo a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou

ldquo31 Se eu dou testemunho em causa proacutepria o meu testemunho natildeo eacute verdadeiro 32 Um outro eacute quem daacute testemunho em minha causa e eu sei que o testemunho que ele daacute a meu favor eacute verdadeiro 33 Voacutes mandastes perguntar a Joatildeo e ele deu testemunho a favor da verdade 34 Ora eu natildeo recebo testemunho da parte de uma pessoa humana mas eu digo isso para a vossa salvaccedilatildeo 35 Joatildeo era a lacircmpada que iluminava com sua chama ardente Voacutes com prazer por um tempo vos alegrastes com a sua luz 6 Mas eu tenho um testemunho maior que o de Joatildeo as obras que o Pai me deu para que as leve a termo Estas obras que faccedilo datildeo testemunho em meu favor pois mostram que o Pai me enviou 37 Sim o Pai que me enviou daacute testemunho a meu favor Mas voacutes nunca ouvistes a sua voz nem vistes a sua face 38 e natildeo tendes a sua palavra morando em voacutes pois natildeo acreditais naquele que ele enviou 39 Examinais as Escrituras pensando ter nelas a vida eterna e satildeo elas que datildeo testemunho de mim 40 Voacutes poreacutem natildeo quereis vir a mim para terdes a vida

ldquo41 Eu natildeo recebo gloacuteria que venha dos homens 42 Pelo contraacuterio eu vos conheccedilo natildeo tendes no meio de voacutes o amor de Deus 43 Eu vim em nome do meu Pai e voacutes natildeo me recebeis Mas se outro viesse em seu proacuteprio nome a este receberiacuteeis 44 Como

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podereis acreditar voacutes que recebeis gloacuteria uns dos outros e natildeo buscais a gloacuteria que vem do Deus uacutenico 45 Natildeo penseis que eu vos acusarei diante do Pai Haacute algueacutem que vos acusa Moiseacutes no qual colocais a vossa esperanccedila 46 Se acreditaacutesseis em Moiseacutes tambeacutem acreditariacuteeis em mim pois foi ao meu respeito que ele escreveu 47 Mas se natildeo acreditais nos seus escritos como podereis crer nas minhas palavrasrdquo

I

Para articular o texto de Jo 5 conveacutem combinar criteacuterios narrativos e linguiacutesticos complementando-os com consideraccedilotildees concernentes ao gecircnero literaacuterio Nos vv 1-9c conta-se depois do versiacuteculo introdutoacuterio (v1) sobre a peregrinaccedilatildeo de Jesus agrave festa em Jerusaleacutem a cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda Faz parte desta narrativa de cura o diaacutelogo de Jesus com o enfermo O texto pertence ao gecircnero dos relatos de cura milagrosa

A menccedilatildeo de que a cura se deu num dia de saacutebado no v 9d leva a uma seacuterie de diaacutelogos entre os ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem o homem curado e Jesus nos vv 10-18

No v 19 abre-se uma extensa secccedilatildeo discursiva que traz palavras de Jesus sem mencionar ainda os parceiros do diaacutelogo ateacute o fim do capiacutetulo no v 47 Eacute possiacutevel distinguir subdivisotildees com base em indiacutecios linguiacutesticos Os vv 19-30 satildeo emoldurados pela inclusatildeo ldquoo Filho natildeo pode fazer nada por si mesmordquo ldquoEu natildeo posso fazer nada por mim mesmordquo Corresponde a esta secccedilatildeo a seguinte que eacute introduzido pelas palavras ldquoSe eu dou testemunho em causa proacutepria o meu testemunho natildeo eacute verdadeirordquo (v 31)O tema do testemunho vai ateacute o v 40 Em continuidade com as secccedilotildees anteriores o v 4 anuncia ldquoEu natildeo recebo gloacuteria que venha dos homensrdquo Este tema da honragloacuteria determina os vv 41-45 Contrapotildee-se a gloria dos homens agrave gloacuteria de Deus Se algueacutem busca a gloacuteria dos homens natildeo pode entender o testemunho de Deus nas Escrituras de Moiseacutes a favor de Jesus Eacute o que narram os versiacuteculos finais 46-47

Quanto agrave histoacuteria da composiccedilatildeo de Jo 5 natildeo haacute concordacircncia entre os comentadores ateacute hoje Junto aos que favorecem uma tradiccedilatildeo ou fonte preacute-joanina encontram-se trecircs modelos uma fonte dos sēmeacuteia uma tradiccedilatildeo independente na histoacuteria da cura a dependecircncia dos evangelhos sinoacutepticos

Eacute corrente a hipoacutetese de que Joatildeo na composiccedilatildeo do cap 5 tenha utilizado uma fonte dos sinaissēmeacuteia Na forme em que R Bultmann a defende esta hipoacutetese toma como ponto de partida que a fonte teria contido tanto a histoacuteria da cura em Jo 52-9c quanto o diaacutelogo subsequumlente ateacute o v 18 O evangelista teria inserido ulteriormente a menccedilatildeo ao conflito do saacutebado Jo 59d e dele seriam tambeacutem os vv 19-47 menos os enunciados de escatologia futura que aparecem em Jo 528s os quais seriam acreacutescimos da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo Os representantes tardios da escola de Bultmann mantecircm a mesma linha3 Aparentada agrave proposta de Bultmann eacute a de F T Fortna que aceita um ldquoevangelho dos sinaisrdquo do qual proviria o relato da cura em Jo 52-9c sem os diaacutelogos subsequentes Este relato teria sido o uacuteltimo do ciacuteclo dos ldquosinaisrdquo antes da transiccedilatildeo agrave narrativa da paixatildeo4

Segundo outros autores a cura do aleijado remontaria a uma tradiccedilatildeo ou a um texto-fonte independentes que natildeo teriam a extensatildeo da fonte dos sēmeacuteia Eacute a opiniatildeo de R Schanckenburg5 Este percebe coincidecircncias verbais com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica da cura do 3 4 5

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aleijado em Mc 21-12 como a menccedilatildeo acirc ldquomacardquo (kraacutebatos) ou a associaccedilatildeo de enfermidade e pecado mas para Schnackenburg isso natildeo basta para aceitar uma dependecircncia literaacuteria direta entre Joatildeo e a tradiccedilatildeo marcana Soacute haverfia pontos de contato De modo semelhante pensa R E Brown o qual com base em traccedilos narrativos particulares (como a negligecircncia do enfermo em procurar prontamente ajuda para si) reconhece uma possiacutevel influecircncia da tradiccedilatildeo narrativa protocristatilde que ainda deixaria reconhecer um acontecimento histoacuterico6

Entre estas alternativas eacute de se levar a seacuterio a hipoacutetese de que Joatildeo tambeacutem nesta histoacuteria da cura do aleijado tenha se baseado na tradiccedilatildeo sinoacuteptica mas de modo muito livre como tambeacutem alhures no seu relato da vida puacuteblica de Jesus antes de sua paixatildeo Esta orientaccedilatildeo eacute representada sobretudo pelo professor lovaniense de NT F Neirynck seguido por muitos de seus colegas e estudantes Segundo Neirynck7 apresenta-se uma multidatildeo de concordacircncias conteudiacutesticas e linguiacutesticas entre Jo 51-18 e Mc 21ndash36 Temos primeiro a ordem dada por Jesus para que o aleijado carregue o seu kraacutebatos (ldquomacardquo) Acrescentam-se a isso a relaccedilatildeo entre enfermidade e pecado e o conflito do saacutebado A este corresponde em Marcos a histoacuteria dos disciacutepulos colhendo espigas no saacutebado em Mc 223-28 e do homem da matildeo atrofiada curado na sinagoga no saacutebado em Mc 31-6 Correspondem aos fariseus de Mc (224 36) os ldquojudeusrdquo em Joatildeo (Jo 510) Em ambos os casos o conflito leva agrave decisatildeo de matar Jesus (compare Mc 36 com Jo 518) OL principal obstaacuteculo [[184]] contra a hipoacutetese da dependecircncia do QEvg em relaccedilatildeo a Marcos consiste na diferenccedila de cenaacuterio a localizaccedilatildeo na piscina de Bestesda com seus cinco poacuterticos junto agrave porta das ovelhas em Jerusaleacutem dificilmente se deixa reduzir agrave cena na casa da Galileia com a abertura do telhado para se baixar o aleijado diante dos peacutes de Jesus Aqui eacute preciso aceitar uma evoluccedilatildeo da tradiccedilatildeo Aliaacutes Joatildeo natildeo pode ser entendido como um ldquoquarto sinoacutepticordquo tambeacutem natildeo na visatildeo da escola lovaniense

Recentemente insiste-se novamente em levar a seacuterio a participaccedilatildeo do evangelista na narrativa como um todo8 Isso se percebe jaacute no relato da cura do aleijado em Jo 52-9c Eacute de supor que Joatildeo tenha combinado o relato de Marcos com uma tradiccedilatildeo hierosolimitana de uma cura perto da porta das Ovelhas acrescentando-lhe sua proacutepria intervenccedilatildeo redacional O elemento da falta de prontidatildeo do aleijado em querer ficar sadio pode ser visto como um exemplo do ldquomal-entendidordquo joaneu O enfermo busca apenas a cura fiacutesica para a qual ele necessita de algueacutem que o desccedila ateacute a aacutegua Agrave diferenccedila do gecircnero dos relatos de cura o enfermo fica sem acompanhante e o diaacutelogo acontece entre ele e Jesus a soacutes Tambeacutem falta o ldquocoro finalrdquo [Schlusschor] da multidatildeo louvando a Deus por causa do prodiacutegio realizado Parece ter sido substituiacutedo em Joatildeo pelo conflito do saacutebado Nisso se mostra a matildeo do evangelista Notaacutevel eacute ainda no relato joanino que natildeo Jesus mas o homem curado eacute o primeiro a transgredir o mandamento do saacutebado Nisso pode refletir-se a situaccedilatildeo das comunidades joaninas as quais com sua interpretaccedilatildeo mais livre da Toraacute entraram em conflito com seu ambiente judaico

6 7 8

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II

A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda

No iniacutecio do cap 5 encontra-se o relato da cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda em Jerusaleacutem Exibe as feiccedilotildees tiacutepicas de um relato de cura milagrosa como mostra entre outros M Labahn9 introduccedilatildeo das pessoas envolvidas descriccedilatildeo da enfermidade alusatildeo agrave gravidade do caso diaacutelogo entre o enfermo e quem o cura a cura propriamente e a prova o proacuteprio curado levando embora sua maca Todos esses elementos apontam para uma tradiccedilatildeo preacute-joanina Mas haacute tambeacutem desvios da forma literaacuteria As indicaccedilotildees de tempo e lugar aparecem acrescentadas e assim tambeacutem a duraccedilatildeo da enfermidade e alguns detalhes acerca do lugar da cura

Sob outro acircngulo pode-se comparar esta cura milagrosa com outros relatos de ldquosinaisrdquo em Joatildeo como o sinal do vinho em Canaacute Jo 21-11 e a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-5410 Aparece assim a seguinte sequecircncia de accedilotildees

- uma pessoa se dirige a Jesus invocando sua ajuda

- Jesus rechaccedila o pedido

- a pessoa insiste no pedido

- Jesus daacute instruccedilotildees em vista de atendimento

- o parceiro do diaacutelogo segue as instruccedilotildees de Jesus e o milagre se realiza

- segue-se a resposta da feacute

No relato em pauta haacute alguns desvios deste esquema Ningueacutem invoca Jesus por uma cura mas o Jesus se apresenta ao enfermo por iniciativa proacutepria Tampouco Jesus pode rechaccedilar o pedido que natildeo houve mas eacute o enfermo que rechaccedila a oferta de Jesus sob alegaccedilatildeo de suas experiecircncias negativas O enfermo natildeo insiste mas Jesus insiste em suja oferta A cura se daacute antes de qualquer palavra de feacute ou de obediecircncia da parte do enfermo E tambeacutem depois da cura ele natildeo expressa uma feacute imediata mas apenas revela (ldquoanunciardquo) o nome de Jesus agraves autoridades judaicas o que leva ao conflito entre Jesus e ldquoos judeusrdquo

Dividimos a unidade textual em introduccedilatildeo espaccedilo-temporal e situaccedilatildeo pressuposta (vv 1-4 quanto ao v 4 veja adiante) diaacutelogo entre Jesus e o enfermo (vv 5-7) a cura (cc 8-9c)

51-3 Os versiacuteculos iniciais satildeo caracterizados pelas indicaccedilotildees de tempo e espaccedilo Aproxima-se uma festa natildeo identificada dos judeus Parece ser uma festa de peregrinaccedilatildeo pois Jesus ldquosoberdquo a Jerusaleacutem para ali participar da celebraccedilatildeo da festa O ldquodepois dissordquo inicial se relaciona no contexto do evangelho com o segundo sinal em Canaacute relatado anteriormente (Jo 446-54) Desistimos das tentativas de trocar os capiacutetulos 5 e 611 O texto natildeo diz verbalmente qual seria a festa Alguns manuscritos antigos tentam preencher esta lacuna mas natildeo haacute como considerar originais suas indicaccedilotildees12 Os comentadores recentes ficam em duacutevida entre Paacutescoa13 Pentecostes

9 10 11 12 13

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(Semanas)14 e Tabernaacuteculos (Tendas)15 Contra Paacutescoa e Tabernaacuteculos levanta-se a objeccedilatildeo de que entatildeo teriacuteamos duas vezes em seguida a mesma festa em detrimento da reconstituiccedilatildeo de um ciclo anual das festas judaicas Que se trata da festa das Semanas pode ser corroborado por algumas consideraccedilotildees complementares16 Por um lado no contexto anterior vem agrave tona da colheita (Jo 435-38) o que combinaria muito bem com a festa das Semanas como festa da colheita das primiacutecias 50 dias depois da Paacutescoa Por outro lado jaacute uma tradiccedilatildeo judaica antiga liga a festa das Semanas com a outorga da Lei e a celebraccedilatildeo da Alianccedila em Qumran Isso se conjugaria bem com a referecircncia agrave Lei e agraves escrituras mosaicas que ganha significaccedilatildeo no decorrer do discurso de Jesus (cf v 39-47) Por estas aceitamos por suposto que em Jo 51 se trata da festa das Semanas17

Tambeacutem as indicaccedilotildees topograacuteficas do v 2 natildeo se deixam interpretar sem problemas A ediccedilatildeo textual de Nestle-Aland prefere a liccedilatildeo ldquoBetzatardquo e acordo com os mais antigos e sobretudo os melhor atestados manuscritos gregos18 Mas desde o Codex Alexandrinus encontra-se o termo ldquoBetesdardquo ainda preferido nas traduccedilotildees ateacute hoje Tambeacutem a expressatildeo epiacute tecirci probatikecirci continua discutiacutevel na criacutetica textual Eacute provaacutevel que o termo ldquoportardquo ficou subentendido (por elipse) Daiacute ldquoExiste em Jerusaleacutem perto da Porta das Ovelhas uma piscina rdquo Essa piscina tinha cinco poacuterticos (galerias) O enigma desta expressatildeo foi considerado resolvido desde a descoberta em 1865 perto da igreja de S Ana de duas piscinas interligadas por poacuterticos Mas ultimamente ha indiacutecios de que essa instalaccedilatildeo data do tempo depois da destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem Aleacutem disso a dupla bacia eacute muito profunda e seria difiacutecil descer dentro dela Segundo A Duprez19 houve neste lugar outras bacias menores escavadas na rocha que teriam servido para o culto de uma divindade terapecircutica Ascleacutepio (no oriente Sarapis) Nessas instalaccedilotildees dificilmente se imagina uma movimentaccedilatildeo da aacutegua por isso L Devillers20 propotildee que na fase primitiva do relato se tratava de um milagre junto agrave piscina de Siloeacute que era alimentada pela fonte do Gion Aiacute se entenderia o movimento da aacutegua O evangelista teria deslocado o milagre para a piscina de Betesda com o intuito de poder narrar duas curas nas piscinas de Jerusaleacutem e para mostrar a superioridade de Jesus em relaccedilatildeo agraves divindades terapecircuticas A discussatildeo em torno disso certamente continuaraacute O v 4 explica a movimentaccedilatildeo da aacutegua pela atividade de um anjo mas a criacutetica texual demonstra o caraacuteter secundaacuterio deste elemento e o exclui do texto

Depois dessas indicaccedilotildees topograacuteficas e cronoloacutegicas o v 3 toma em consideraccedilatildeo as pessoas envolvidas Encontra-se junto agrave piscina de Betesda uma multidatildeo de enfermos esperando cura cegos aleijados coxos A enumeraccedilatildeo natildeo eacute por acaso Em Mateus e Lucas encontramos a delegaccedilatildeo vinda de Joatildeo Batista para perguntar a Jesus se eacute ele aquele que haacute de vir A resposta de Jesus eacute ldquoIde comunicar a Joatildeo o que ouvis e vedes cegos recobram a vista paraliacuteticos andam leprosos satildeo purificados e surdos ouvem mortos ressuscitam e a pobres eacute anunciado o evangelhordquo (Mt 114s cf Lc 722) Jesus se vecirc aqui como aquele que cumpre as promessas dos profetas Cegos e coxos satildeo contemplados pela promessa de Is 355s cegos tambeacutem em Is 2918 A ressurreiccedilatildeo dos mortos eacute prometida em Is 2619 Daiacute os milagres de Jo 5 Jo 9 e Jo 11 curas de um aleijado e de um cego e ressuscitaccedilatildeo de um morto Jesus eacute aquele no qual se cumprem as promessas dos profetas

14 15 16 17 18 19 20

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55-7 No v 5 escolhe-se um da multidatildeo dos enfermos O narrador sabe que ele jaacute tem 38 anos de sofrimento As leitoras e leitores pensaratildeo provavelmente nos 38 anos da erracircncia no deserto do povo de Israel antes de poder entra na Terra Prometida (cf Dt 214) A iniciativa da cura natildeo surge como seria de regra do enfermo ou de sua comitiva mas do proacuteprio Jesus conforme o v 6 Ele enxerga o enfermo aiacute deitado sabe da duraccedilatildeo de sua enfermidade e o interpela Com clareza o evangelista salienta aqui o papel determinante de Jesus e tambeacutem seu saber acerca do ser humano (cf Jo 148 225 418) A pergunta dirigida ao enfermo ndash se ele quer recuperar a sauacutede ndash surpreende mas resposta do aleijado no v 7 mostra que estava certa A resposta do homem parece um subterfuacutegio mas Jesus enuncia o desejo do aleijado por sauacutede apesar da resposta dele pois soacute assim ele poderaacute falar a palavra que libertaraacute o enfermo

58-9c A palavra de Jesus consiste segundo o v 8 numa exortaccedilatildeo dirigida ao enfermo Ele tem de passar agrave atividade ldquoLevanta-te pega a tua maca e andardquo A frase se encontra praticamente idecircntica na cura do paraliacutetico em Mc 211 cf Mt 96 Lc 524 ndash mas aqui o curado eacute instado a ir para casa Em Joatildeo ele ldquoanda em redorrdquo (peripateacutein) como o beneficiado de Mt 115 Lc 722 cf At 36 1410 isso proveacutem de uma soacutelida tradiccedilatildeo narrativa que recupera a promessa isaiana O tema do paraliacutetico que leva a sua cama eacute atestado tambeacutem fora da Biacuteblia21 Serve para provar o ecircxito da cura mas em Joatildeo aleacutem disso para introduzir a acusaccedilatildeo de lesatildeo do saacutebado que seraacute o tema da secccedilatildeo seguinte A execuccedilatildeo pelo aleijado no v 9a-c corresponde exatamente agrave ordem dada por Jesus ele se levanta toma sua maca e anda em redor O tema do ldquolevantar-serdquo (egeacuteirein) pode ter para Joatildeo um sentido mais profundo Antecipa a autoridade do Filho para ressuscitar mortos assim como faz o Pai (cf v 21) Esta autoridade manifesta-se tambeacutem na histoacuteria da ressuscitaccedilatildeo de Laacutezaro Jo 11

O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)

O relato sobre a cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda eacute seguido de uma controveacutersia entre o curado Jesus e as autoridades judaicas acerca da legitimidade da cura que foi operado num dia de saacutebado O fato de que apenas v 9c eacute mencionado ldquoAquele dia poreacutem era um saacutebadordquo eacute visto pelos comentadores como prova de que o elemento soacute foi inserido secundariamente pelo evangelista ou por uma fonte que natildeo eacute idecircntica com a do relato do milagre22 Outros poreacutem como a escola de Lovaina (cf F Neirynck) apontam que a conexatildeo entre a cura milagrosa operada por Jesus e a questatildeo do saacutebado jaacute existe na tradiccedilatildeo sinoacuteptica (cf Mc 21ndash36 Lc 1013-17)23 Segundo P Borgen uma conexatildeo entre obras realizadas em dia de saacutebado e controveacutersias subsequentes ocorre tambeacutem em Fiacutelon de Alexandria24 Fiacutelon discute a distinccedilatildeo entre Deus que no saacutebado pode trabalhar segundo a interpretaccedilatildeo de Gn 22-3 e o ser humano que deve observar o repouso sabaacutetico (cf Migr 89-93) A conexatildeo entre a cura e o saacutebado pertence portanto provavelmente agrave tradiccedilatildeo preacute-joanina que transparece tambeacutem em Jo 721-24

Natildeo eacute muito provaacutevel a opiniatildeo de Tom Thatcher que vecirc na introduccedilatildeo atrasada de Jo 59c uma ldquoironia instaacutevelrdquo isto eacute uma enganaccedilatildeo consciente natildeo soacute dos contemporacircneos (ldquoironia estaacutevelrdquo) mas tambeacutem do leitorado (portanto um ldquotruque do saacutebadordquo)25 Tal opiniatildeo se mostra falha porque a ironia joanina sempre estaacute relacionada

21 22 23 24 25

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agrave tensatildeo entre palavras de revelaccedilatildeo de Jesus ou enunciados sobre Jesus e o mal-entendido a seu respeito por parte dos ouvintes Natildeo eacute isso que acontece aqui Natildeo haacute outro lugar no QE em que o evangelista consciamente induz seus leitores ao erro

Quanto ao gecircnero desta secccedilatildeo (e de outras similares na sequecircncia posterior do QE) sugeriu-se ver aqui o modelo veterotestamentaacuterio do ricircb a disputa judicial entre Deus e seu povo26 Tal disputa se caracteriza por isto que falta um instacircncia de arbitragem Soacute importa quais satildeo os melhores argumentos Apesar de toda a proximidade do QE ao AT e natildeo em uacuteltima instacircncia a suas tradiccedilotildees profeacuteticas a aplicaccedilatildeo desse modelo literaacuterio agraves controveacutersias entre Jesus e seus adversaacuterios em Jerusaleacutem natildeo convence Por um lado Jesus natildeo toma sem mais o lugar de Deus por outro natildeo falta em Joatildeo a instacircncia judicial Em niacutevel poliacutetico as instacircncias judiciais do povo israelita tecircm o poder de excomungar da comunidade e mesmo de infligir a pena de morte E na perspectiva teoloacutegica eacute Jesus que se revela como o juiz verdadeiro ou pelo menos como aquele que realiza o juiacutezo divino a todos aqueles que se opotildeem a ele e assim em uacuteltima instacircncia rejeitam a Deus mesmo

59d-13 A cena seguinte aacute introduzida pela frase ldquoAquele dia poreacutem era um saacutebadordquo (v 9d) A frase lembra a similar em Jo 94 cf tambeacutem 1914 Quanto ao estilo revela a matildeo do evangelista Para as controveacutersias dos versiacuteculos seguintes natildeo eacute tatildeo relevante se o dia foi mesmo um saacutebado pois segundo o direito judaico os dias de festa eram equiparados ao saacutebado

No v 10 pela primeira vez ldquoos judeusrdquo entram em cena Contrariamente a Jo 422 onde a expressatildeo designa a comunidade religiosa judaica parece que aqui se trata de um grupo dentro do judaiacutesmo Este grupo jaacute foi mencionado em 119 como mandante da delegaccedilatildeo que questionou Joatildeo Batista a respeito de sua pessoa e atividade Parece claro que se trata das autoridades judaicas em Jerusaleacutem sem que isso se caracterize mais adiante27 Os ldquojudeusrdquo objetam ao homem que foi curado que no saacutebado ele natildeo pode [[189]] carregar sua maca Carregar fardos era uma da 39 ldquoobrasrdquo consideradas proibidas pela Lei de Moises28 Para o fluxo narrativo eacute importante ver que em primeira instacircncia a objeccedilatildeo eacute dirigida ao ex-alijado e natildeo a Jesus Mas indiretamente eacute este que estaacute sendo criticado como logo mais se mostraraacute

O curado sai do jogo passando a acusaccedilatildeo para Jesus jaacute que este lhe havia ordenado a carregar sua maca e andar em redor Notaacutevel eacute a expressatildeo ldquotornar sadiordquo (hygiecirc) O adjetivo que jaacute foi usando no v 6 voltaraacute no v 14 Proveacutem provavelmente da tradiccedilatildeo pre-joanina e serve para a conexatildeo do milagre de cura com as controveacutersias subsequentes O termo aparece nos relatos de cura helenistas como foi observado29 Assim Jesus aparece como ldquodeus curandeirordquo

Na base da resposta do homem que foi curado a investigaccedilatildeo dos ldquojudeusrdquo transforma-se numa inquisiccedilatildeo acerca da pessoa que o havia curado O homem diz que natildeo sabe quem foi quem o curou O narrador acrescenta que no lugar do diaacutelogo havia muita gente e que Jesus se tinha retirado dali

514 Depois de um encontro entre o curado e ldquoos judeusrdquo Jesus se encontra com o homem Natildeo eacute ele que encontra Jesus mas Jesus que encontra a ele (como encontrou a Filipe Jo 143) ldquodepois dissordquo (metagrave taacuteuta expressatildeo joanina) e ele o exorta para que natildeo peque mais Discutiu-se muito sobre esta exortaccedilatildeo Em ciacuterculos judaicos parece 26 27 28 29

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pressuposta uma ligaccedilatildeo entre enfermidade e pecado com se refletes tambeacutem na questatildeo dos disciacutepulos em Jo 92 A tradiccedilatildeo sinoacuteptica de Ma 21-12 parece tambeacutem conhecer essa ligaccedilatildeo ainda que natildeo no sentido causal Aiacute Jesus perdoa primeiro os pecados do paraliacutetico antes de curaacute-lo Mas natildeo se confirma uma conexatildeo direta Em Jo 514 a exortaccedilatildeo de Jesus poderia ser esclarecida em vista da biografia do homem que foi curado ele natildeo utilizou todas as chances para ser curado ele natildeo pocircde ou natildeo quis dar informaccedilatildeo sobre quem o curou30 Mas o versiacuteculo seguinte contradiz isso

515 Depois do encontro com o homem curado este se dirige aos ldquojudeusrdquo para lhes comunicar que foi Jesus quem o curou Esta nota tem sido interpretada de modos muito diversos como mostra o artigo de R Metzler31 Segundo Metzler parece que o homem curado se dirigiu aos ldquojudeusrdquo para denunciar Jesus De fato ateacute entatildeo o homem natildeo deu nenhum sinal de atitude positiva em relaccedilatildeo a Jesus fica duvidoso se ele chegou a crer em Jesus Contudo hoje se aceita sempre mais uma visatildeo mais positiva do ex-aleijado32 Se ele vai aos ldquojudeusrdquo para ldquoanunciarrdquo que foi Jesus quem o curou conveacutem levar a seacuterio o verbo anaggeacutellein que significa ldquoanunciarrdquo e natildeo ldquodenunciarrdquo Neste caso o curado de Jo 5 eacute um precursor do cego de Jo 9 sendo que este chega a uma adesatildeo intreacutepida a Jesus e a uma confissatildeo plena da feacute Nesta mesma linha os exemplos da Cappella Greca nas catacumbas romanas de Priscila ou na capela do Sacramento nas catacumbas de Calisto mostram o aleijado no ciclo batismal33

516-18 O v 16 poderia ter sido o final original da narrativa na tradiccedilatildeo preacute-joanina Os ldquojudeusrdquo perseguem Jesus como transgressor do saacutebado34 O imperfeito sugere antes um conflito permanente que uma ocorrecircncia uacutenica O vocabulaacuterio prepara o tema da perseguiccedilatildeo futura dos disciacutepulos (Jo 1520) Como os ldquojudeusrdquo perseguiram Jesus perseguiratildeo tambeacutem seus disciacutepulos

O v 17 jaacute antecipa o discurso de revelaccedilatildeo de Jesus (por isso geralmente eacute atribuiacutedo ao evangelista) Jesus designa sua accedilatildeo como ldquoobrardquo e legitima-a dizendo que foi operada em uniatildeo com o Pai Pois segundo uma interpretaccedilatildeo judaica atestada por Fiacutelon Deus trabalha no saacutebado e por isso a ldquoobrardquo de Jesus eacute legiacutetima35

Os ldquojudeusrdquo poreacutem segundo o v 18 ficam farejando essa pretensatildeo de Jesus de ser igual a Deus com o desejo de mataacute-lo por causa dessa blasfecircmia Esta intenccedilatildeo ultrapassa o ldquoperseguirrdquo do v 16 mas tem base na tradiccedilatildeo sinoacuteptica de Mc 21ndash36 (cf Mc 36) W A Meeks tem estudado paralelos heleniacutesticos referentes agrave igualdade com Deus36 Pense-se aqui em [[192]] Apolocircnio de Tiana biografado por Flaacutevio Filostrato Ele justifica diante do imperador Domiciano o tiacutetulo de ldquodeusrdquo que seus adeptos lhe deram De imediato Apolocircnio exibe uma prova de suas capacidades sobre-humanas ao tornar-se subitamente invisiacutevel aos olhos dos espectadores Depois ele se justifica verbalmente Os homens veneram as pessoas boas como deuses porque encarnam a imagem de Deus Tanto mais uma pessoa prendada com as capacidades de Apolocircnio pode designar-se como deus37 A argumentaccedilatildeo tem alguma semelhanccedila com a de Jo 5 e tambeacutem com a de Jo 10 onde Jesus cita (v 34) a seu favor o Sl 826 no qual todos os

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israelitas satildeo chamados ldquodeuses e filhos do Altiacutessimordquo38 Segundo uma tradiccedilatildeo judaica todos os israelitas que ouviram no Sinai a voz de Deus e receberam sua instruccedilatildeo tornaram-se divinos Soacute pelo pecado na ocasiatildeo da adoraccedilatildeo do bezerro de ouro perderam esse privileacutegio E soacute pela observaccedilatildeo irrepreensiacutevel da Toraacute voltaratildeo agrave condiccedilatildeo de readquirir esse privileacutegio (pense-se na segunda conclusatildeo da alianccedila em Ex 34) Jesus pode ter-se referido a um tradiccedilatildeo desse tipo O assunto voltaraacute por ocasiatildeo de Jo 1034-36 (veja ali)

Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)

Em Jo 519 inicia-se a uacuteltima parte do capiacutetulo 5 A partir de agora soacute fala Jesus Depois da cura milagrosa (vv 1-9c) e o diaacutelogo (vv 9d-18) segue agora um discurso de revelaccedilatildeo O estilo dos vv 19-47 eacute joanino e assim eacute tambeacutem a teologia O autor parece basear-se antes em tradiccedilotildees orais do que em fontes escritas Quanto agrave possibilidade uma camada ulterior nos vv 28s veja ali

Os vv 19-30 constituem como jaacute dissemos (acima I) uma subdivisatildeo autocircnoma Esta eacute emoldurada pelo enunciado de que o Filho natildeo pode agir por iniciativa proacutepria mas permanentemente age em uniatildeo com o seu Pai (vv 19 e 30) As duas obras por excelecircncia de Deus o Pai satildeo o dom da vida na ressurreiccedilatildeo dos mortos e o julgamento Com essa dupla expressatildeo o Jesus joanino remonta agrave tradiccedilatildeo judaica Ambas as obras satildeo as que Deus pode fazer no saacutebado Assim esta secccedilatildeo reata com a anterior e a encerra

A composiccedilatildeo da secccedilatildeo eacute simples Nos vv 19-20 eacute introduzido o princiacutepio segundo o qual o filho natildeo pode fazer outra coisa senatildeo o que ele vecirc o Pai fazer A imagem pode provir do mundo do artesanato no qual o filho retoma a profissatildeo do pai Nos vv 21-28 aclara-se qual eacute a obra que o Filho retoma do Pai ambas as obras do dom da vida na ressurreiccedilatildeo e o julgamento Ambas satildeo obras reservadas a Deus que satildeo confiadas ao Filho O v 21 fala do dom da vida os vv 22-23 do julgamento

Nos vv 24-28 eacute explicada a obra do Filho A promessa da vida e o exerciacutecio do juiacutezo satildeo coisas que acontecem hoje ldquoVem a hora e eacute agorardquo (v 25) O mesmo tema volta nos vv 28s mas a promessa eacute formulada soacute para o futuro ldquoVem a horardquo (v28) Os exegetas discutem sobre o significado desta reduplicaccedilatildeo eacute o que deveremos considerar na exegese dos vv 28s

519-20 O discurso de Jesus propriamente se inicia com a tiacutepica afirmaccedilatildeo joanina ldquoAmeacutem ameacutem eu vos digordquo Ela confere agraves palavras seguintes um peso particular Os primeiros versiacuteculos satildeo ambos caracterizados pela imagem tomada do mundo do trabalho artesanal de que o filho aprende a arte do pai enquanto ele observa sua atividade e a imita C H Dodd descobriu e descreveu esta paraacutebola39 Desde este ponto de vista explicam-se os conceitos do ldquoverrsquo do ldquomostrarrsquo e do ldquofazerrdquo A relaccedilatildeo de pai e filho natildeo eacute somente de natureza profissional mas tambeacutem familiar o pai ama o seu filho Esta dupla dimensatildeo pode ser transferida para a relaccedilatildeo entre o Pai celeste e seu Filho Jesus Tambeacutem este natildeo pode fazer nada a partir de si e soacute faz o que lhe eacute mostrado e confiado pelo Pai Pertencem agrave obra que o Pai confia ao Filho as obras da criaccedilatildeo (cf Jo 13) mas tambeacutem as da salvaccedilatildeo que tecircm seu aacutepice na obra escatoloacutegica Satildeo essas as ldquoobras maioresrdquo que o Filho realiza para admiraccedilatildeo de seus contemporacircneos

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521-23 Os versiacuteculos anteriores expuseram a dependecircncia do Filho em relaccedilatildeo ao Pai o Filho natildeo faz nada a natildeo ser o que ele vecirc o Pai fazer Os vv 21-23 em compoensaccedilo acentuam a dignidade do Filho Terminam asseverando que cada um que honra o Pai honra tambeacutem o Filho A dignidade do Filho eacute mostrada por sua participaccedilatildeo nas obras que satildeo reservadas a Deus soacute ressuscitar os mortos e executar o julgamento De fato o julgamento eacute reservado exclusivamente ao Filho Deus nem participa dele Nestes versiacuteculos mostra-se a teologia joanina como reflexatildeo priacutestina da Igreja sobre a dignidade de Cristo A visatildeo de Joatildeo aproxima-se da de Paulo e de sua tradiccedilatildeo (cf o hino que Paulo utilizou em Fl 26-11 ou o iniacutecio da carta aos Romanos Rm 13-4 ou tambeacutem a foacutermula ldquotrinitaacuteriardquo de 2Cor 1313) Visatildeo semelhante encontra-se tambeacutem em outras camadas e escritos do NT [[194]] (cf Mt 1125-27 Mc 111par 97 par Hb 11-4) Para a outorga do julgamento ao Filho do Homem cf Mc 1326s par Mt 2531-46

Desde o iniacutecio a divindade de Jesus encontrou resistecircncia Bem cedo judeus e provavelmente tambeacutem judeu-cristatildeos opuseram-se a essa visatildeo As grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 encontram aqui sua fundamentaccedilatildeo Pouco depois Aacuterio vai combater a filiaccedilatildeo divina de Jesus Segundo ele Jesus eacute criatura natildeo igual ao Pai Na hora presente surge resistecircncia agrave metaacutefora familiar que serve para articular o discurso sobre o Pai e o Filho E M Boring40 expressa estas ressalvas para o mundo ocidental A seu ver exprime-se no discurso sobre ldquoPairdquo e ldquoFilhordquo certo patriarcalismo que eacute posto em xeque natildeo soacute do lado feminista mas tambeacutem por contemporacircneos que questionam a autoridade paterna como tal Importa levar a seacuterio tais questionamentos observando poreacutem que elas surgem principalmente do mundo ocidental

524-27 Nos versiacuteculos que aqui seguem promete-se vida eterna aos que ouvem a palavra de Jesus e creem no Deus que o enviou Mais exatamente a vida eterna natildeo eacute prometida aqui mas explica-se que todos os que ouvem a palavra de Jesus e creem no Pai jaacute passaram da morte para a vida (tempo perfeito grego) Estes natildeo chegam ao julgamento Aqui se exprime a ldquoescatologia presenterdquo tiacutepica do QEvg Segundo a visatildeo judaica tradicional todo ser humano enfrenta a morte no fim de sua vida terrestre E depois haveraacute segundo a convicccedilatildeo farisaica a ressurreiccedilatildeo dos mortos (ou dos justos) com o julgamento e com a vida eterna para os justos Segundo Joatildeo a morte verdadeira consiste na separaccedilatildeo de Deus a origem da vida Desta morte pode-se passar jaacute agora para a vida verdadeira a vida eterna quando se crecirc em Jesus e naquele que o enviou Quem age assim natildeo vai a juiacutezo Esta visatildeo encontra-se tambeacutem em outro lugar no QE (cf 315-1836 64047 1246s) A promessa de ldquovida eternardquo encontra-se jaacute em Dn 122 onde ela eacute prometida aos justos para o dia do julgamento final quando sairatildeo de seus sepulcros O papel do arcanjo Miguel eacute assumido [[195]] em Joatildeo pelo ldquoFilho de Deusrdquo na funccedilatildeo de ldquoFilho do homemrdquo (cf v27 Dn 723s) A expressatildeo ldquovem a horardquo eacute completada no v 25 por ldquo e eacute agorardquo A partir daqui os conceitos de ldquomorterdquo e ldquovidardquo satildeo reinterpretados A morte consiste na separaccedilatildeo de Deus como fonte originaacuteria da vida e a ldquovidardquo eacute a ldquovida eternardquo na medida em que vem de Deus O futuro gramatical que aparece aqui no enunciado sobre o ouvir da voz da ressurreiccedilatildeo e da vida perde seu sentido de indicaccedilatildeo temporal e eacute antes de natureza loacutegica o que deve acontecer acontece agora na ldquohorardquo do crer

No v 26 o evangelista abandona por um momento o ideaacuterio apocaliacuteptica da tradiccedilatildeo e fala de Cristo como fonte da vida numa linguagem mais fortemente teoloacutegica O Pai tem em si a vida e este pleno poder ele o transmitiu tambeacutem ao Filho Aqui volta agrave mente o Proacutelogo do QE (Jo 14) onde o Logos divino aparece como portador da fonte da vida 40

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No v 27 o autor volta ao ideaacuterio apocaliacuteptico Os comentadores veem no v 27 um eco de Dn 713s embora nesse lugar natildeo se exprima propriamente o julgamento mas antes todo o senhorio ateacute o fim do tempo Uma confirmaccedilatildeo da dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Daniel neste lugar pode transparecer na falta do artigo definido no v 27 ldquoporque ele eacute um filho do homemrdquo

528-29 A injunccedilatildeo no iniacutecio do v 28 ndash ldquoNatildeo fiqueis admirados com issordquo ndash pode ser conectado ao contexto anterior como muitas vezes se faz Neste caso a partiacutecula hoacuteti que se segue tem antes um sentido causal e poderia ser substituiacutedo por dois pontos Mas eacute possiacutevel tambeacutem relacionar a injunccedilatildeo com o contexto subsequente e entender o hoacuteti como declarativo eacute a interpretaccedilatildeo de H-C Kammler41 Contudo natildeo faz tanta diferenccedila no sentido

Os vv 28s retomam o v 25 como geralmente eacute observado Os versiacuteculos se correspondem ateacute na formulaccedilatildeo como mostra este quadro 25 ἔρχεται ὥρα καὶ νῦν ἐστιν ὅτε οἱ νεκροὶ ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς τοῦ υἱοῦ τοῦ θεοῦ καὶ οἱ ἀκούσαντες ζήσουσιν

28s ἔρχεται ὥρα ἐν ᾗ πάντες οἱ ἐν τοῖς μνημείοις ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς αὐτοῦ καὶ ἐκπορεύσονται οἱ τὰ ἀγαθὰ ποιήσαντες εἰς ἀνάστασιν ζωῆς οἱ δὲ τὰ φαῦλα πράξαντες εἰς ἀνάστασιν κρίσεως

As principais diferenccedilas satildeo estas os vv 28s dizem ldquovem a horardquo sem acrescentar ldquoe eacute agorardquo Tambeacutem dizem ldquotodos os que estatildeo nos sepulcrosrdquo em vez de ldquoos mortosrdquo e o julgamento parece estar ligado agraves obras de cada um Como entender essas diferenccedilas Trecircs modelos entram na discussatildeo

O primeiro modelo eacute o da ldquoescatologia presenterdquo representado sobretudo pelo comentaacuterio de R Bultmann publicado em 1941 e seguido por numerosos autores42 Segundo estes autores o texto de Jo 528s fala de uma futura ressurreiccedilatildeo dos mortos no dia do juiacutezo final A ldquoescatologia presenterdquo de Joatildeo pareceu ousada demais para a Igreja a no fim do seacuteculo I e foi por isso completada pelo modelo ldquoclaacutessicordquo da escatologia judaica que se encontra tambeacutem em outros escritos do NT (sinoacutepticos e Paulo pelo menos em parte) Deste modo ldquosalvou-serdquo o QE para a Igreja poacutes-apostoacutelica

O segundo modelo eacute o de duas camadas no EJ que se completam mutuamente Eacute adotado pelos grandes comentaacuterios da Gratilde-Bretanha43 dos EUA44 e de muitos autores da Europa continental45 Segundo estes autores o evangelista retoma sua caracteriacutestica escatologia presente reformulando-a em termos de escatologia futura Neste caso natildeo eacute preciso tomar como ponto de partida o modelo judeu-apocaliacuteptico ou protocristatildeo da ressurreiccedilatildeo dos mortos no fim do tempo Joatildeo natildeo fala de fato dos ldquomortosrdquo que ressuscitam mas daqueles ldquoque estatildeo nos sepulcrosrdquo os ldquomortosrdquo satildeo em todo o caso aqueles que jaacute nesta vida ficaram separados de Deus por terem-se decidido contra Deus Estas observaccedilotildees jaacute se encontram no comentaacuterio de Josef Blank Ultimamente Joumlrg Frey na sua obra magistral em trecircs volumes sobre a escatologia joanina46 defende com forccedila a tese de que ambas as escatologia em Joatildeo devem ser consideradas de modo

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complementar Sem a escatologia futura o querigma joaneu seria incompleto A Bultmann se deve conceder que as ldquoobrasrdquo mencionadas no texto de Joatildeo natildeo satildeo as ldquoobras boasrdquo ou ldquomaacutesrdquo do judaiacutesmo ou do protocristianismo mas a feacute ou a descrenccedila em relaccedilatildeo a Cristo (cf Jo 316-19 629)

Um terceiro modelo interpreta Jo 525-29 de modo estritamente unitaacuterio e isso a partir da escatologia presente47 Tambeacutem os vv 28s podem ser interpretados no sentido da escatologia presente quando lidos direitinho apesar de sua formulaccedilatildeo que evoca a escatologia futura O futuro gramatical seria semelhante ao do v 25 (cf tambeacutem Jo 1016) Segundo esta proposta Jesus fala do tempo poacutes-pascal quando as promessas do tempo final estaratildeo realizadas48 Este estudo merece consideraccedilatildeo mais profunda com consideraccedilatildeo de outros textos ldquoescatoloacutegicosrdquo de Joatildeo como 639404454 A favor desta proposta pode-se alegar que em Jo 42123 natildeo parece haver diferenccedila semacircntica entre ldquovem a horardquo (eacuterkhetai hocircra) e ldquoa hora vem e aacute agorardquo (eacuterkhetai hocircra kai nyn estin)

530 Assim como Jesus concede a vida em plena dependecircncia do Pai assim tambeacutem exerce o julgamento Isso eacute dito no versiacuteculo final v 30 De fato Jesus natildeo procura sua proacutepria vontade mas a vontade de quem o enviou (cf Jo 528) Por isso seu julgamento eacute reto Literariamente este versiacuteculo pela retomada do v19 encerra de modo eficaz a periacutecope 519-30 Ao mesmo tempo prepara a transiccedilatildeo para a secccedilatildeo seguinte

Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)

Esta secccedilatildeo eacute semelhante em sua composiccedilatildeo agrave precedente (Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria 519-30) e agrave subsequente (Jesus natildeo procura sua proacutepria honra 541-47) O princiacutepio fundamental se encontra no iniacutecio da secccedilatildeo e assim eacute apresentado o tema Sempre Jesus rejeita arrogar para si proacuteprio honra e autoridade Sua autoridade seu reconhecimento e sua honra vecircm de Deus Exatamente por esta razatildeo ele se eleva acima de qualquer autoridade humana Deus mesmo opera nele o legitima e o honra

A secccedilatildeo 531-40 eacute caracterizada pelo campo semacircntico do ldquotestemunhordquo49 No v 31 Jesus contesta que ele daacute testemunho a favor de si mesmo (em Jo 812-20 prevalece outro ponto de vista) Quem daacute testemunho a favor dele eacute outro o Pai que por enquanto natildeo eacute nomeado (no v 32) Acresce o testemunho de Joatildeo Batista agora uma figura do passado (533-35) No v 36 o evangelista volta ao tema do ldquooutrordquo que testemunha a favor de Jesus e agora fica claro que se trata do Pai Ele eacute quem concede a Jesus realizar as obras admiraacuteveis que datildeo testemunho em seu favor (v 36) e ele testemunha tambeacutem diretamente a favor de Jesus (vv 37-38) como jaacute o fez no passado nas Escrituras de Israel (v39) Para valorizar esse testemunho muacuteltiplo [[198]] basta a boa vontade para se deixar conduzir a Jesus e assim receber a vida (v 40)

531-32 Os dois versiacuteculos introdutoacuterios satildeo moldados na forma dos vv 19 e 41 e expressam a dependecircncia ilimitada de Jesus como Filho em relaccedilatildeo ao Pai mas exprimem tambeacutem a autoridade que o Pai lhe concedeu em vista de sua missatildeo Quanto agrave ldquoverdaderdquo deste testemunho comparem-se Jo 1935 2114 e 3Jo 9

533-35 Alem de Deus que daacute plena autoridade a Jesus na sua missatildeo em ato e palavra a principal testemunha de Jesus segundo o evangelista eacute Joatildeo Batista Desde o Proacutelogo (16-8 e 15) ele aparece como testemunha a favor de Jesus A parte narrativa do QE comeccedila com uma grande secccedilatildeo sobre o testemunho do Batista a favor de Jesus (Jo 47 48 49

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119-34) Este testemunho eacute pressuposto e continuado no diaacutelogo do Batista com seus disciacutepulos em Jo 322-30 o Batista eacute apenas o amigo do esposo e se alegra ao ouvir a voz do esposo no quarto nupcial (329) ele apenas vem agrave frente do Messias natildeo eacute o proacuteprio Messias A tarefa de Joatildeo de ser testemunha de Jesus parece tatildeo dominante para o QEvg que ele nunca o chama de ldquobatistardquo mas dele soacute fala em termos de testemunha Ele eacute revezado em sua qualidade de ldquoacompanhanterdquo de Jesus por Laacutezaro nos caps 11-12 e pelo Disciacutepulo Amado nos caps 13-21

No tempo da controveacutersia de Jesus com os ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem depois da cura do aleijado o Batista jaacute havia terminado seu percurso Jesus fala dele em termos de passado Os ldquojudeusrdquo tinham enviado a ele uma delegaccedilatildeo para saber quem era Jesus mas natildeo quiseram aceitar seu testemunho Mais soacute o aguentaram por pouco tempo e depois o eliminaram O QEvg expressa essa experiecircncia com a imagem da lacircmpada Os ldquojudeusrdquo soacute quiseram alegrar-se agrave sua luz por pouco tempo Em termos de linguagem e conteuacutedo nota-se a diferenccedila com Jesus Joatildeo eacute a ldquolacircmpadardquo Jesus eacute a luz do mundo (cf Jo 14s9 812 95 1246)

536 A seguir Jesus trata do testemunho do Pai nas obras que este lhe concede Estras obra conduziram agrave admiraccedilatildeo e agrave feacute como vimos nos primeiros sinais de Jesus (Jo 21-12 e 446-54 cf 223 32) Poder-se-iaacrscenarf as obra de que fala Jesus em Jo 517-30 especialmente as pelas quais ele faz vikver os mortos e no nome de Deus faz o julgamento Mas estras obras soacute se percebem na feacute

Quando se pergunta pelos antecedentes literaacuterios da representaccedilatildeo joanina do testemunho das obras a favor de Jesus podem alegar-se textos do judaiacutesmo heleniacutestico que falam do testemunho de Deus a favor de Moiseacutes Tanto Flaacutevio Josefo como tambeacutem Fiacutelon de Alexandria falam de tal testemunho lembrando os ldquosinaisrdquo que Moiseacutes operou quando da saiacuteda de Israel do Egito e quando da travessia pelo mar Vermelho e pelo deserto (Fiacutelon Vita Mos 2[3] 263281 Flaacutevio Josefo Contra Ap II 53)50 No NT este tema eacute utilizado cristologicamente em At 143 e Hb 24 114

537-39 Assim como o Pai testemunhou a favor de Jesus nas obras que ele lhe concedeu realizar tambeacutem deu testemunho a favor dele na sua palavra Essa palavra se deu na Antiga Alianccedila Verdade eacute que os israelitas natildeo puderam ouvi-la como tambeacutem natildeo puderam ver a face de Deus Mas eles possuiacuteam o testemunho divino a favor de Jesus nas suas Sagradas Escrituras Se as tivessem perscrutado teriam descoberto o seu testemunho a favor de Jesus

O ldquotestemunhordquo das escrituras eacute de modo novo um tema caracteriacutestico do QE mas natildeo sem antecedentes e paralelos nos demais escritos do NT A tradiccedilatildeo sinoacuteptica conhece sobretudo o cumprimento de determinadas passagens das Escrituras de Israel em Jesus em sua vida e em seu sofrimento Joatildeo ndash em concordacircncia com os sinoacutepticos ndash mostra esse modo de proceder sobretudo no seu relado da Paixatildeo Em Jo 1238 aparece pela primeira vez a foacutermula ldquoAssim havia de se cumprirrdquo Mais caracteriacutestico de Joatildeo eacute o uso da Escritura como testemunho a favor de Jesus sem a citaccedilatildeo de determinada passagem51 Natildeo esta ou aquela passagem mas a Escritura como tal daacute testemunho a favor de Jesus Jo 539 eacute o texto claacutessico para ilustrar este modo de ver mas veja-se tambeacutem Jo 145 545-47 1034 uma citaccedilatildeo dos Salmos como testemunho da ldquoLeirdquo

Quando os israelitas natildeo conseguem perceber nas suas escrituras o testemunho a favor de Jesus a culpa natildeo eacute da Escritura Satildeo antes os leitores que natildeo estatildeo dispostos a abrir-se para a mensagem da Escritura Assim retiram-se da fonte da vida50 51

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Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)

Esta uacuteltima secccedilatildeo do discurso de Jesus pode ser subdividido em duas partes Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41-44) e natildeo eacute Jesus que acusa os judeus mas Moiseacutes (vv 45-47)

541-44 O conjunto dos vv 41-44 eacute emoldurado pelo tema da ldquohonrardquo52 Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41) Satildeo antes os seus adversaacuterios que fazem isso colhendo honra uns dos outros e natildeo do Deus uacutenico (v 44) de modo a serem incapazes de ir ateacute Jesus e de crer nele Nos vv 42-43 indica-se uma razatildeo mais profunda da atitude errada dos adversaacuterios de Jesus eles natildeo tecircm em si o amor de Deus Assim eles recebem quem se apresenta em nome proacuteprio mas natildeo aquele que vem em nome de Deus Jesus

Salvo engano estes versiacuteculos devem ter sido influenciados pela confissatildeo de feacute de Israel o Shemalsquo Yisrael ldquoOuve Israelrdquo de Dt 64s Neste texto central do judaiacutesmo Deus ordena a seu povo confessaacute-lo como Deus uacutenico e confessaacute-lo de todo o coraccedilatildeo A influecircncia deste texto sobre Jo 541-44 como tambeacutem sobre Jo 841s foi pouco observado ateacute agora Em ambos os lugares satildeo interligados a unicidade de Deus e o amor a ele ou a Jesus como enviado do Pai Um eco deste mandamento encontra-se tambeacutem em Jo 2115-17 (o amor de Pedro a Jesus como expressatildeo de sua relaccedilatildeo fundamental para com ele possibilitando seu encargo como pastor do rebanho do Senhor)

Se esta interpretaccedilatildeo estiver certa segue-se para Jo 542 e textos similares do QE que a expressatildeo hē agaacutepē tou theoacuteu deve ser entendida como genitivo de objeto No EJ trata-se de ter a relaccedilatildeo reta para com Deus tambeacutem como membro do povo de Israel Quem natildeo ama a Deus natildeo amaraacute o Cristo seu Filho e buscaraacute sua proacutepria honra Na Primeira Carta de Joatildeo a situaccedilatildeo eacute diferente O autor encontra-se em discussatildeo com um grupo que arroga para si em alto grau a posse do Espiacuterito considera estar acima da Lei e poder afirmar que conhece Deus e o ama A estas pessoas a 1Jo diz que antes de tudo satildeo amadas por Deus antes de poderem dizer que amam a Deus (cf 1Jo 47-21 tambeacutem 215 316s)

545-47 Para a transiccedilatildeo ao tema da honra para o de Moiseacutes satildeo apontadas diversas razotildees Jaacute em Jo 539 Jesus afirmou que as Escrituras falam dele As Escrituras de Israel satildeo a Toraacute mediada por Moiseacutes e tambeacutem os demais escritos principalmente os Salmos Neste sentido o tema de Moiseacutes que acusa os israelitas jaacute foi preparado no contexto imediatamente anterior O texto lembra tambeacutem Jo 719-23 onde Jesus em conexatildeo com a cura que realizou em dia de saacutebado arguacutei a partir da Lei de Moiseacutes que permite a circuncisatildeo no saacutebado Podemos ver tambeacutem em Jo 545-47 uma referecircncia agrave controveacutersia sobre a aplicaccedilatildeo da Lei de Moiseacutes em torno da cura que Jesus realizou

A convicccedilatildeo de que Moiseacutes escreveu a respeito de Jesus (v 46) pode-se deduzir da visatildeo global de Joatildeo segundo a qual a Escritura inteira quando lida direitinho fala de Jesus Um primeiro exemplo encontra-se em Jo 145 nas palavras de Filipe ldquoEncontramos Jesus o filho de Joseacute de Nazareacute aquele sobre quem escreveram Moiseacutes na Lei e os Profetasrdquo

Os israelitas creram em Deus e em Moiseacutes como eacute dito no fim do relato da saiacuteda milagrosa de Israel do Egito e da travessia do mar Vermelho em Ex 143 Os israelitas do tempo de Jesus estatildeo nesta tradiccedilatildeo A eles eacute que Jesus dirige a palavra dizendo que natildeo basta crer em Moiseacutes mas que eacute preciso ler suas escrituras no modo certo como testemunho a favor de Jesus Quem acredita em Moiseacutes tambeacutem deve acreditar em

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Jesus pois dele eacute que Jesus escreveu Quem natildeo acredita em Jesus natildeo pode afirmar que acreditou nas palavras de Moiseacutes Deste modo o cap 5 se encerra com uma acusaccedilatildeo contundente contra os ouvintes O conflito continuaraacute nos capiacutetulos 6 e 7ndash8

III

Depois que nos caps 2ndash4 do EJ Jesus levou sua mensagem sempre mais do centro para a periferia da terra de Israel no cap 5 ele volta ao centro e enfrenta a discussatildeo com os habitantes de Jerusaleacutem e os liacutederes do povo judeu em torno de sua missatildeo Um milagre estupendo a cura de algueacutem que havia 38 anos estava aleijado levou agrave discussatildeo de sua accedilatildeo feita no saacutebado e paulatinamente agrave discussatildeo sobre sua pessoa Pela primeira vez ldquoos judeusrdquo aparecem agora numa secccedilatildeo maior como adversaacuterios de Jesus A afirmaccedilatildeo de Jesus de agir em uniatildeo com seu Pai celeste soacute os faz concluir que ele se torna igual em poder e ordem ao Pai Esta afirmaccedilatildeo provocou contestaccedilatildeo natildeo soacute no tempo do evangelista Para entendecirc-la bem vale a pena reler atentamente o desenvolvimento do discurso de Jesus em Jo 519-47

Na leitura atenta nota-se que Jesus continuamente recusa colocar-se a si mesmo no centro Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (vv 19-30) nem testemunha a favor de si mesmo (vv 31-40) nem procura sua proacutepria honra (vv 41-45 ou 47) Deus eacute quem o deixa participar de sua obra que o defende e o honra Olhando por este lado o discurso de vv 19-47 natildeo eacute meramente ou nem em primeiro lugar cristoloacutegico Ele eacute e permanece teoloacutegico Com a melhor tradiccedilatildeo de Israel o QEvg e na sua obra o Cristo de seu evangelho reduzem toda o agir a Deus o Pai Eacute ele quem opera no Filho o defende e o honra Natildeo eacute por acaso que por isso aparece nos versiacuteculos finais 42-44 o principal mandamento a confissatildeo do Deus uacutenico de Israel e a ordem de amaacute-lo A partir daiacute a reivindicaccedilatildeo de Jesus em Jo 5 e nas grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 merece renovada reflexatildeo

2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)1 Depois disso Jesus foi para para o outro lado do mar da Galileacuteia ou seja de Tiberiacuteades 2 Uma grande multidatildeo o seguia vendo os sinais que ele fazia a favor dos doentes 3 Jesus subiu a montanha e sentou-se laacute com os seus disciacutepulos 4 Estava proacutexima a Paacutescoa a festa dos judeus 5 Levantando os olhos e vendo uma grande multidatildeo que vinha a ele Jesus disse a Filipe ldquoOnde vamos comprar patildeo para que essa gente possa comerrdquo 6 Disse isso para testar Filipe pois ele sabia muito bem o que ia fazer 7 Filipe respondeu ldquoNem duzentos denaacuterios de patildeo bastariam para dar um pouquinho a cada umrdquo 8 Um dos disciacutepulos Andreacute irmatildeo de Simatildeo Pedro disse 9 ldquoEstaacute aqui um menino com cinco patildees de cevada e dois peixes Mas que eacute isso para tanta genterdquo 10 Jesus disse ldquoFazei as pessoas sentar-serdquo Naquele lugar havia muita relva e laacute se sentaram os homens em nuacutemero de aproximadamente cinco mil 11 Jesus tomou os patildees deu graccedilas e distribuiu aos que estavam sentados tanto quanto queriam E fez o mesmo com os peixes 12 Quando todos se fartaram disse aos disciacutepulos ldquoJuntai os pedaccedilos que sobraram para que nada se percardquo 13 Eles juntaram e encheram doze cestos com os pedaccedilos que sobraram dos cinco patildees de cevada que comeram 14 Agrave vista do sinal que Jesus tinha realizado as pessoas exclamavam ldquoEste eacute verdadeiramente o profeta aquele que deve vir ao mundordquo 15 Quando Jesus percebeu que queriam levaacute-lo para proclamaacute-lo rei novamente se retirou para a montanha sozinho

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16 Ao anoitecer os disciacutepulos desceram para a beira-mar 17 Entraram no barco e foram na direccedilatildeo de Cafarnaum do outro lado do mar Jaacute estava escuro e Jesus ainda natildeo tinha vindo a eles 18 Soprava um vento forte e o mar estava agitado 19 Os disciacutepulos tinham remado vinte e cinco ou trinta estaacutedios quando avistaram Jesus andando sobre as aacuteguas e aproximando-se do barco Eles ficaram com medo 20 Jesus poreacutem lhes disse ldquoSou eu Natildeo tenhais medordquo 21 Eles queriam receber Jesus no barco mas logo o barco atingiu a terra para onde estavam indo22 No dia seguinte a multidatildeo que tinha ficado do outro lado do mar notou que antes havia aiacute um soacute barco e que Jesus natildeo entrara nele com os disciacutepulos os quais haviam partido sozinhos 23 Entretanto outros barcos chegaram de Tiberiacuteades perto do lugar onde tinham comido o patildeo depois de o Senhor ter dado graccedilas 24 Quando a multidatildeo percebeu que Jesus natildeo estava aiacute nem os seus disciacutepulos entraram nos barcos e foram procurar Jesus em Cafarnaum 25 Encontrando-o do outro lado do mar perguntaram-lhe ldquoRabi quando chegaste aquirdquo 26 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo estais me procurando natildeo porque vistes sinais mas porque comestes patildeo e ficastes saciados 27 Trabalhai natildeo pelo alimento que se perde mas pelo alimento que permanece ateacute agrave vida eterna e que o Filho do Homem vos daraacute Pois a este Deus Pai o marcou com seu selo 28 Perguntaram entatildeo ldquoQue devemos fazer para praticar as obras de Deusrdquo 29 Jesus respondeu ldquoA obra de Deus eacute que acrediteis naquele que ele enviourdquo 30 Eles perguntaram ldquoQue sinais realizas para que possamos ver e acreditar em ti Que obras fazes 31 Nossos pais comeram o manaacute no deserto como estaacute na Escritura lsquoDeu-lhes a comer patildeo do ceacuteursquordquo 32 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo natildeo foi Moiseacutes quem vos deu o patildeo do ceacuteu Eacute meu Pai quem vos daacute o verdadeiro patildeo do ceacuteu 33 Pois o patildeo de Deus eacute aquele que desce do ceacuteu e daacute vida ao mundordquo 34 Eles entatildeo pediram ldquoSenhor daacute-nos sempre desse patildeordquo 35 Jesus lhes disse ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sede 36 Contudo eu vos disse que me vistes mas natildeo credes 37 Todo aquele que o Pai me daacute viraacute a mim e quem vem a mim eu natildeo jogarei fora 38 porque eu desci do ceacuteu natildeo para fazer a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou ldquo39 E esta eacute a vontade daquele que me enviou que eu natildeo perca nenhum daqueles que ele me deu mas os ressuscite no uacuteltimo dia 40 Esta eacute a vontade do meu Pai quem vecirc o Filho e nele crecirc tenha vida eterna E eu o ressuscitarei no uacuteltimo diardquo41 Entatildeo os judeus comeccedilaram a murmurar contra Jesus porque ele disse ldquoEu sou o patildeo que desceu do ceacuteurdquo 42 Diziam ldquoEste natildeo eacute Jesus o filho de Joseacute Natildeo conhecemos noacutes o seu pai e sua matildee Como pode entatildeo dizer que desceu do ceacuteurdquo 43 Jesus respondeu ldquoNatildeo murmureis entre voacutes 44 Ningueacutem pode vir a mim se o Pai que me enviou natildeo o atrair E eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 45 Estaacute escrito nos Profetas lsquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrsquo Ora todo aquele que escutou o ensinamento do Pai e o aprendeu vem a mim 46 Ningueacutem jamais viu o Pai a natildeo ser aquele que vem de junto de Deus este viu o Pai 47 Ameacutem ameacutem vos digo quem crecirc tem vida eterna 48 Eu sou o patildeo da vida 49 Os vossos pais comeram o manaacute no deserto e no entanto morreram 50 Aqui estaacute o patildeo que desce do ceacuteu para que natildeo morra quem dele comer51 ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteu Quem come deste patildeo viveraacute eternamente E o patildeo que eu darei eacute a minha carne dada pela vida do mundordquo 52 Os judeus discutiam entre si ldquoComo eacute que ele pode dar a sua carne a comerrdquo 53 Jesus disse ldquoAmeacutem ameacutem vos digo se natildeo comerdes a carne do Filho do Homem e natildeo beberdes o seu sangue natildeo tereis vida em voacutes 54 Quem mastiga minha carne e

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bebe meu sangue tem vida eterna e eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 55 Pois minha carne eacute verdadeira comida e meu sangue eacute verdadeira bebida 56 Quem mastiga minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele 57 Como o Pai que vive me enviou e eu vivo por meio dele assim viveraacute por meio de mim aquele que me mastiga 58 Este eacute o patildeo que desceu do ceacuteu Natildeo eacute como aquele que vossos pais comeram ndash e no entanto morreram Quem mastiga este patildeo viveraacute para semprerdquo 59 Jesus falou essas coisas ensinando na reuniatildeo sinagogal em Cafarnaum 60 Muitos disciacutepulos que o ouviram disseram entatildeo ldquoEssa palavra eacute inaceitaacutevel Quem consegue escutaacute-lardquo 61 Percebendo que seus disciacutepulos estavam murmurando por causa disso Jesus perguntou ldquoIsto vos escandaliza 62 Que seraacute entatildeo quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes 63 O Espiacuterito eacute que daacute vida a carne de nada serve As palavras que vos falei satildeo Espiacuterito e satildeo vida 64 Mas haacute alguns entre voacutes que natildeo crecircemrdquo Jesus sabia desde o iniacutecio quem eram os que acreditavam e quem havia de entregaacute-lo 65 E acrescentou ldquoEacute por isso que eu vos disse lsquoNingueacutem pode vir a mim a natildeo ser que lhe seja dado pelo Pairsquordquo 66 A partir daquele momento muitos disciacutepulos o abandonaram e natildeo mais andavam com ele 67 Jesus disse aos Doze ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo 68 Simatildeo Pedro respondeu ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna 69 Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo 70 Jesus respondeu ldquoNatildeo vos escolhi doze Contudo um de voacutes eacute um diabordquo 71 Ele falava de Judas filho de Simatildeo Iscariotes pois este um dos Doze iria entregaacute-lo

I

Agrave primeira vista Jo 6 natildeo se insere sem dificuldade no contexto do EJ No iniacutecio do capiacutetulo supotildee-se que Jesus se encontra na proximidade do lago de Tiberiacuteades na Galileacuteia enquanto o cap 5 relatava seu discurso diante dos ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem em continuidade com a cura do aleijado na piscina de Betesda Em Jo 714-24 remete-se a esta cura em dia de saacutebado Jaacute em Jo 72 eacute alegada como razatildeo da estada de Jesus na Galileia o fato de que os ldquojudeusrdquo o querem matar com uma alusatildeo 518 No decorrer do seacuteculo XX os problemas da sequecircncia do texto levaram comentadores famosos a inverter a ordem de Jo 5 e Jo 653 Deste modo surgiria um texto mais compreensiacutevel Como no fim do cap 4 no cap 6 Jesus se encontra na Galileia Se o cap 5 segue depois do cap 6 a dupla remissiva ao cap 5 em Jo 7 torna-se compreensiacutevel Mas esta proposta natildeo vingou nos uacuteltimos anos O respeito pelo texto dado natildeo permite com facilidade esta ou outras propostas de inversatildeo e os manuscritos natildeo fornecem nenhum ensejo para isso Tambeacutem eacute possiacutevel resgatar a ordem atual do texto quando se parte da ideia de que os indiacutecios geograacuteficos e cronoloacutegicos pelo menos para o autor natildeo constituiacuteram o criteacuterio decisivo para o decurso do texto

Como jaacute sugerido eacute bem possiacutevel ver em Jo 6 uma inserccedilatildeo no QE o que tambeacutem resolveria os problemas da sequecircncia do texto54 Neste caso mantenha-se a unidade literaacuteria do capiacutetulo Soacute neste capiacutetulo em Joatildeo fala-se da eucaristia enquanto que ela falta no cap 13 no relato da paixatildeo Aqui em Jo 6 Jesus parece natildeo subir para a festa da Paacutescoa mencionada em 64 Tem-se a impressatildeo de que uma Paacutescoa cristatilde toma o lugar da festa de peregrinaccedilatildeo judaica Jesus a celebra na Galileia terra das primeiras comunidades cristatildes Como seus antagonistas aparecem a partir do v41 os ldquojudeusrdquo que em outros capiacutetulos soacute na Judeia se encontram com Jesus No interior do cap 6

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Joatildeo se mostra fortemente influenciado pela tradiccedilatildeo sinoacuteptica especialmente por Mc 632-56 e 811-33 como mostra este esquemaMultiplicaccedilatildeo dos patildees Mc 632-44 Jo 61-15Caminhando sobre as aacuteguas Mc 645-52 Jo 616-21Encontro com a multidatildeo Mc 653-56 Jo 522-25(29)Pedido de sinal Mc 811-13 Jo 630-31Discurdso do patildeo Mc 814-21 Jo 632-58Identidade de Jesus e confissatildeo de Pedro Mc 8m27-30 Jo 660-66Um dos disciacutepulos eacute o satanaacutes Mc 831-33 Jo 667-71

A secccedilatildeo Mc 71ndash810 natildeo tem correspondecircncias em Joatildeo e portanto falta em Joatildeo a segundo multiplicaccedilatildeo dos patildees como tambeacutem em Lucas No interior de Jo 6 o autor chega a seguir literalmente o texto marcano ou sinoacuteptico Feiccedilotildees deste gecircnero satildeo o nuacutemero de duzentos denaacuterios para comprar patildeo o nuacutemero de patildees e peixes a descriccedilatildeo dos gestos de Jesus os doze cestos com os pedaccedilos de patildeo que sobraram e tambeacutem o nuacutemero dos que foram saciados Em nenhum outro lugar o EJ tanto se aproxima da tradiccedilatildeo sinoacuteptica Podemos comparar com isso antes de tudo o relato de paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus mas haacute aqui diferenccedilas evidentes desde a cronologia da uacuteltima ceia e da morte de Jesus Visto que tambeacutem em Jo 21 o capiacutetulo final que muitos consideram um acreacutescimo aparecem muitos contatos com os sinoacutepticos (cf a pesca milagrosa Lc 51-11 os filhos de Zebedeu Mc 119 par) parece natural adotar tambeacutem para Jo 6 [[206]] uma data de composiccedilatildeo levemente posterior agrave do contexto

Muito por causa da secccedilatildeo dos dons eucariacutesticos de Jesus no uacuteltimo seacuteculo diversas vezes se colocou em duacutevida a unidade literaacuteria do capiacutetulo Assim R Bultmann55 distingue em Jo 6 quatro camadas diferenciadas uma ldquofonte dos sinaisrdquo agrave qual se devem a multiplicaccedilatildeo dos patildees e a caminhada sobre as aacuteguas (61-1516-21) fragmentos de uma fonte de discursos de revelaccedilatildeo de inspiraccedilatildeo gnoacutestica especialmente no discurso do patildeo em Jo 627-51c a matildeo redatora do evangelista especialmente tambeacutem na parte cristoloacutegica do discurso do patildeo e a redaccedilatildeo eclesial agrave qual se devem a secccedilatildeo ldquoeucariacutesticardquo de 651d-58 e as alusotildees agrave futura ressurreiccedilatildeo dos mortos em 6394044 Semelhante dissecccedilatildeo em camadas encontra-se na exegese que se inspira em Bultmann mesmo quando abre matildeo da ldquofonte dos discursosrdquo de influecircncia gnoacutestica56

Um novo modelo de diversas camadas encontra-se em Paul N Anderson que parte da sedimentaccedilatildeo de diversos conflitos sucessivos em Jo 657 Um primeiro conflito seria o da massa popular em torno do alimento verdadeiro (vv 25-40) o segundo com os ldquojudeusrdquo acerca da Toraacute e do patildeo do ceacuteu (vv 41-51) depois um cisma envolvendo principalmente os disciacutepulos oriundos do paganismo acerca da verdadeira corporeidade de Jesus (vv 51-66) e finalmente uma controveacutersia sobre o lugar certo do grupo joaneu na paisagem da comunidade joanina e da Grande Igreja representada por Pedro (vv 67-70) Menos complexo eacute o modelo de J Painter58 segundo o qual em Jo 6 estaacute integrado uma ldquohistoacuteria de buscardquo (ldquoquest storyrdquo) na qual a massa popular busca e encontra Jesus A essa liga-se nos vv 41-66 uma seacuterie de ldquohistoacuterias de rejeiccedilatildeordquo (ldquorejection storiesrdquo) que teriam sida acrescentadas secundariamente Os vv 67-70 serviram entatildeo para reconciliar os membros da comunidade joanina com adeptos de um cristianismo para a qual a figura de Pedro tinha significaccedilatildeo extraordinaacuteria

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

59 60 61 62 63 64 65 66

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

69 70 71 72

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

73 74 75

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

94 95 96

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

97 98 99 100 101 102

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

103 104 105 106 107

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

108 109 110 111 112

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

118 119 120 121 122

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

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Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 3:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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podereis acreditar voacutes que recebeis gloacuteria uns dos outros e natildeo buscais a gloacuteria que vem do Deus uacutenico 45 Natildeo penseis que eu vos acusarei diante do Pai Haacute algueacutem que vos acusa Moiseacutes no qual colocais a vossa esperanccedila 46 Se acreditaacutesseis em Moiseacutes tambeacutem acreditariacuteeis em mim pois foi ao meu respeito que ele escreveu 47 Mas se natildeo acreditais nos seus escritos como podereis crer nas minhas palavrasrdquo

I

Para articular o texto de Jo 5 conveacutem combinar criteacuterios narrativos e linguiacutesticos complementando-os com consideraccedilotildees concernentes ao gecircnero literaacuterio Nos vv 1-9c conta-se depois do versiacuteculo introdutoacuterio (v1) sobre a peregrinaccedilatildeo de Jesus agrave festa em Jerusaleacutem a cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda Faz parte desta narrativa de cura o diaacutelogo de Jesus com o enfermo O texto pertence ao gecircnero dos relatos de cura milagrosa

A menccedilatildeo de que a cura se deu num dia de saacutebado no v 9d leva a uma seacuterie de diaacutelogos entre os ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem o homem curado e Jesus nos vv 10-18

No v 19 abre-se uma extensa secccedilatildeo discursiva que traz palavras de Jesus sem mencionar ainda os parceiros do diaacutelogo ateacute o fim do capiacutetulo no v 47 Eacute possiacutevel distinguir subdivisotildees com base em indiacutecios linguiacutesticos Os vv 19-30 satildeo emoldurados pela inclusatildeo ldquoo Filho natildeo pode fazer nada por si mesmordquo ldquoEu natildeo posso fazer nada por mim mesmordquo Corresponde a esta secccedilatildeo a seguinte que eacute introduzido pelas palavras ldquoSe eu dou testemunho em causa proacutepria o meu testemunho natildeo eacute verdadeirordquo (v 31)O tema do testemunho vai ateacute o v 40 Em continuidade com as secccedilotildees anteriores o v 4 anuncia ldquoEu natildeo recebo gloacuteria que venha dos homensrdquo Este tema da honragloacuteria determina os vv 41-45 Contrapotildee-se a gloria dos homens agrave gloacuteria de Deus Se algueacutem busca a gloacuteria dos homens natildeo pode entender o testemunho de Deus nas Escrituras de Moiseacutes a favor de Jesus Eacute o que narram os versiacuteculos finais 46-47

Quanto agrave histoacuteria da composiccedilatildeo de Jo 5 natildeo haacute concordacircncia entre os comentadores ateacute hoje Junto aos que favorecem uma tradiccedilatildeo ou fonte preacute-joanina encontram-se trecircs modelos uma fonte dos sēmeacuteia uma tradiccedilatildeo independente na histoacuteria da cura a dependecircncia dos evangelhos sinoacutepticos

Eacute corrente a hipoacutetese de que Joatildeo na composiccedilatildeo do cap 5 tenha utilizado uma fonte dos sinaissēmeacuteia Na forme em que R Bultmann a defende esta hipoacutetese toma como ponto de partida que a fonte teria contido tanto a histoacuteria da cura em Jo 52-9c quanto o diaacutelogo subsequumlente ateacute o v 18 O evangelista teria inserido ulteriormente a menccedilatildeo ao conflito do saacutebado Jo 59d e dele seriam tambeacutem os vv 19-47 menos os enunciados de escatologia futura que aparecem em Jo 528s os quais seriam acreacutescimos da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo Os representantes tardios da escola de Bultmann mantecircm a mesma linha3 Aparentada agrave proposta de Bultmann eacute a de F T Fortna que aceita um ldquoevangelho dos sinaisrdquo do qual proviria o relato da cura em Jo 52-9c sem os diaacutelogos subsequentes Este relato teria sido o uacuteltimo do ciacuteclo dos ldquosinaisrdquo antes da transiccedilatildeo agrave narrativa da paixatildeo4

Segundo outros autores a cura do aleijado remontaria a uma tradiccedilatildeo ou a um texto-fonte independentes que natildeo teriam a extensatildeo da fonte dos sēmeacuteia Eacute a opiniatildeo de R Schanckenburg5 Este percebe coincidecircncias verbais com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica da cura do 3 4 5

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aleijado em Mc 21-12 como a menccedilatildeo acirc ldquomacardquo (kraacutebatos) ou a associaccedilatildeo de enfermidade e pecado mas para Schnackenburg isso natildeo basta para aceitar uma dependecircncia literaacuteria direta entre Joatildeo e a tradiccedilatildeo marcana Soacute haverfia pontos de contato De modo semelhante pensa R E Brown o qual com base em traccedilos narrativos particulares (como a negligecircncia do enfermo em procurar prontamente ajuda para si) reconhece uma possiacutevel influecircncia da tradiccedilatildeo narrativa protocristatilde que ainda deixaria reconhecer um acontecimento histoacuterico6

Entre estas alternativas eacute de se levar a seacuterio a hipoacutetese de que Joatildeo tambeacutem nesta histoacuteria da cura do aleijado tenha se baseado na tradiccedilatildeo sinoacuteptica mas de modo muito livre como tambeacutem alhures no seu relato da vida puacuteblica de Jesus antes de sua paixatildeo Esta orientaccedilatildeo eacute representada sobretudo pelo professor lovaniense de NT F Neirynck seguido por muitos de seus colegas e estudantes Segundo Neirynck7 apresenta-se uma multidatildeo de concordacircncias conteudiacutesticas e linguiacutesticas entre Jo 51-18 e Mc 21ndash36 Temos primeiro a ordem dada por Jesus para que o aleijado carregue o seu kraacutebatos (ldquomacardquo) Acrescentam-se a isso a relaccedilatildeo entre enfermidade e pecado e o conflito do saacutebado A este corresponde em Marcos a histoacuteria dos disciacutepulos colhendo espigas no saacutebado em Mc 223-28 e do homem da matildeo atrofiada curado na sinagoga no saacutebado em Mc 31-6 Correspondem aos fariseus de Mc (224 36) os ldquojudeusrdquo em Joatildeo (Jo 510) Em ambos os casos o conflito leva agrave decisatildeo de matar Jesus (compare Mc 36 com Jo 518) OL principal obstaacuteculo [[184]] contra a hipoacutetese da dependecircncia do QEvg em relaccedilatildeo a Marcos consiste na diferenccedila de cenaacuterio a localizaccedilatildeo na piscina de Bestesda com seus cinco poacuterticos junto agrave porta das ovelhas em Jerusaleacutem dificilmente se deixa reduzir agrave cena na casa da Galileia com a abertura do telhado para se baixar o aleijado diante dos peacutes de Jesus Aqui eacute preciso aceitar uma evoluccedilatildeo da tradiccedilatildeo Aliaacutes Joatildeo natildeo pode ser entendido como um ldquoquarto sinoacutepticordquo tambeacutem natildeo na visatildeo da escola lovaniense

Recentemente insiste-se novamente em levar a seacuterio a participaccedilatildeo do evangelista na narrativa como um todo8 Isso se percebe jaacute no relato da cura do aleijado em Jo 52-9c Eacute de supor que Joatildeo tenha combinado o relato de Marcos com uma tradiccedilatildeo hierosolimitana de uma cura perto da porta das Ovelhas acrescentando-lhe sua proacutepria intervenccedilatildeo redacional O elemento da falta de prontidatildeo do aleijado em querer ficar sadio pode ser visto como um exemplo do ldquomal-entendidordquo joaneu O enfermo busca apenas a cura fiacutesica para a qual ele necessita de algueacutem que o desccedila ateacute a aacutegua Agrave diferenccedila do gecircnero dos relatos de cura o enfermo fica sem acompanhante e o diaacutelogo acontece entre ele e Jesus a soacutes Tambeacutem falta o ldquocoro finalrdquo [Schlusschor] da multidatildeo louvando a Deus por causa do prodiacutegio realizado Parece ter sido substituiacutedo em Joatildeo pelo conflito do saacutebado Nisso se mostra a matildeo do evangelista Notaacutevel eacute ainda no relato joanino que natildeo Jesus mas o homem curado eacute o primeiro a transgredir o mandamento do saacutebado Nisso pode refletir-se a situaccedilatildeo das comunidades joaninas as quais com sua interpretaccedilatildeo mais livre da Toraacute entraram em conflito com seu ambiente judaico

6 7 8

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II

A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda

No iniacutecio do cap 5 encontra-se o relato da cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda em Jerusaleacutem Exibe as feiccedilotildees tiacutepicas de um relato de cura milagrosa como mostra entre outros M Labahn9 introduccedilatildeo das pessoas envolvidas descriccedilatildeo da enfermidade alusatildeo agrave gravidade do caso diaacutelogo entre o enfermo e quem o cura a cura propriamente e a prova o proacuteprio curado levando embora sua maca Todos esses elementos apontam para uma tradiccedilatildeo preacute-joanina Mas haacute tambeacutem desvios da forma literaacuteria As indicaccedilotildees de tempo e lugar aparecem acrescentadas e assim tambeacutem a duraccedilatildeo da enfermidade e alguns detalhes acerca do lugar da cura

Sob outro acircngulo pode-se comparar esta cura milagrosa com outros relatos de ldquosinaisrdquo em Joatildeo como o sinal do vinho em Canaacute Jo 21-11 e a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-5410 Aparece assim a seguinte sequecircncia de accedilotildees

- uma pessoa se dirige a Jesus invocando sua ajuda

- Jesus rechaccedila o pedido

- a pessoa insiste no pedido

- Jesus daacute instruccedilotildees em vista de atendimento

- o parceiro do diaacutelogo segue as instruccedilotildees de Jesus e o milagre se realiza

- segue-se a resposta da feacute

No relato em pauta haacute alguns desvios deste esquema Ningueacutem invoca Jesus por uma cura mas o Jesus se apresenta ao enfermo por iniciativa proacutepria Tampouco Jesus pode rechaccedilar o pedido que natildeo houve mas eacute o enfermo que rechaccedila a oferta de Jesus sob alegaccedilatildeo de suas experiecircncias negativas O enfermo natildeo insiste mas Jesus insiste em suja oferta A cura se daacute antes de qualquer palavra de feacute ou de obediecircncia da parte do enfermo E tambeacutem depois da cura ele natildeo expressa uma feacute imediata mas apenas revela (ldquoanunciardquo) o nome de Jesus agraves autoridades judaicas o que leva ao conflito entre Jesus e ldquoos judeusrdquo

Dividimos a unidade textual em introduccedilatildeo espaccedilo-temporal e situaccedilatildeo pressuposta (vv 1-4 quanto ao v 4 veja adiante) diaacutelogo entre Jesus e o enfermo (vv 5-7) a cura (cc 8-9c)

51-3 Os versiacuteculos iniciais satildeo caracterizados pelas indicaccedilotildees de tempo e espaccedilo Aproxima-se uma festa natildeo identificada dos judeus Parece ser uma festa de peregrinaccedilatildeo pois Jesus ldquosoberdquo a Jerusaleacutem para ali participar da celebraccedilatildeo da festa O ldquodepois dissordquo inicial se relaciona no contexto do evangelho com o segundo sinal em Canaacute relatado anteriormente (Jo 446-54) Desistimos das tentativas de trocar os capiacutetulos 5 e 611 O texto natildeo diz verbalmente qual seria a festa Alguns manuscritos antigos tentam preencher esta lacuna mas natildeo haacute como considerar originais suas indicaccedilotildees12 Os comentadores recentes ficam em duacutevida entre Paacutescoa13 Pentecostes

9 10 11 12 13

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(Semanas)14 e Tabernaacuteculos (Tendas)15 Contra Paacutescoa e Tabernaacuteculos levanta-se a objeccedilatildeo de que entatildeo teriacuteamos duas vezes em seguida a mesma festa em detrimento da reconstituiccedilatildeo de um ciclo anual das festas judaicas Que se trata da festa das Semanas pode ser corroborado por algumas consideraccedilotildees complementares16 Por um lado no contexto anterior vem agrave tona da colheita (Jo 435-38) o que combinaria muito bem com a festa das Semanas como festa da colheita das primiacutecias 50 dias depois da Paacutescoa Por outro lado jaacute uma tradiccedilatildeo judaica antiga liga a festa das Semanas com a outorga da Lei e a celebraccedilatildeo da Alianccedila em Qumran Isso se conjugaria bem com a referecircncia agrave Lei e agraves escrituras mosaicas que ganha significaccedilatildeo no decorrer do discurso de Jesus (cf v 39-47) Por estas aceitamos por suposto que em Jo 51 se trata da festa das Semanas17

Tambeacutem as indicaccedilotildees topograacuteficas do v 2 natildeo se deixam interpretar sem problemas A ediccedilatildeo textual de Nestle-Aland prefere a liccedilatildeo ldquoBetzatardquo e acordo com os mais antigos e sobretudo os melhor atestados manuscritos gregos18 Mas desde o Codex Alexandrinus encontra-se o termo ldquoBetesdardquo ainda preferido nas traduccedilotildees ateacute hoje Tambeacutem a expressatildeo epiacute tecirci probatikecirci continua discutiacutevel na criacutetica textual Eacute provaacutevel que o termo ldquoportardquo ficou subentendido (por elipse) Daiacute ldquoExiste em Jerusaleacutem perto da Porta das Ovelhas uma piscina rdquo Essa piscina tinha cinco poacuterticos (galerias) O enigma desta expressatildeo foi considerado resolvido desde a descoberta em 1865 perto da igreja de S Ana de duas piscinas interligadas por poacuterticos Mas ultimamente ha indiacutecios de que essa instalaccedilatildeo data do tempo depois da destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem Aleacutem disso a dupla bacia eacute muito profunda e seria difiacutecil descer dentro dela Segundo A Duprez19 houve neste lugar outras bacias menores escavadas na rocha que teriam servido para o culto de uma divindade terapecircutica Ascleacutepio (no oriente Sarapis) Nessas instalaccedilotildees dificilmente se imagina uma movimentaccedilatildeo da aacutegua por isso L Devillers20 propotildee que na fase primitiva do relato se tratava de um milagre junto agrave piscina de Siloeacute que era alimentada pela fonte do Gion Aiacute se entenderia o movimento da aacutegua O evangelista teria deslocado o milagre para a piscina de Betesda com o intuito de poder narrar duas curas nas piscinas de Jerusaleacutem e para mostrar a superioridade de Jesus em relaccedilatildeo agraves divindades terapecircuticas A discussatildeo em torno disso certamente continuaraacute O v 4 explica a movimentaccedilatildeo da aacutegua pela atividade de um anjo mas a criacutetica texual demonstra o caraacuteter secundaacuterio deste elemento e o exclui do texto

Depois dessas indicaccedilotildees topograacuteficas e cronoloacutegicas o v 3 toma em consideraccedilatildeo as pessoas envolvidas Encontra-se junto agrave piscina de Betesda uma multidatildeo de enfermos esperando cura cegos aleijados coxos A enumeraccedilatildeo natildeo eacute por acaso Em Mateus e Lucas encontramos a delegaccedilatildeo vinda de Joatildeo Batista para perguntar a Jesus se eacute ele aquele que haacute de vir A resposta de Jesus eacute ldquoIde comunicar a Joatildeo o que ouvis e vedes cegos recobram a vista paraliacuteticos andam leprosos satildeo purificados e surdos ouvem mortos ressuscitam e a pobres eacute anunciado o evangelhordquo (Mt 114s cf Lc 722) Jesus se vecirc aqui como aquele que cumpre as promessas dos profetas Cegos e coxos satildeo contemplados pela promessa de Is 355s cegos tambeacutem em Is 2918 A ressurreiccedilatildeo dos mortos eacute prometida em Is 2619 Daiacute os milagres de Jo 5 Jo 9 e Jo 11 curas de um aleijado e de um cego e ressuscitaccedilatildeo de um morto Jesus eacute aquele no qual se cumprem as promessas dos profetas

14 15 16 17 18 19 20

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55-7 No v 5 escolhe-se um da multidatildeo dos enfermos O narrador sabe que ele jaacute tem 38 anos de sofrimento As leitoras e leitores pensaratildeo provavelmente nos 38 anos da erracircncia no deserto do povo de Israel antes de poder entra na Terra Prometida (cf Dt 214) A iniciativa da cura natildeo surge como seria de regra do enfermo ou de sua comitiva mas do proacuteprio Jesus conforme o v 6 Ele enxerga o enfermo aiacute deitado sabe da duraccedilatildeo de sua enfermidade e o interpela Com clareza o evangelista salienta aqui o papel determinante de Jesus e tambeacutem seu saber acerca do ser humano (cf Jo 148 225 418) A pergunta dirigida ao enfermo ndash se ele quer recuperar a sauacutede ndash surpreende mas resposta do aleijado no v 7 mostra que estava certa A resposta do homem parece um subterfuacutegio mas Jesus enuncia o desejo do aleijado por sauacutede apesar da resposta dele pois soacute assim ele poderaacute falar a palavra que libertaraacute o enfermo

58-9c A palavra de Jesus consiste segundo o v 8 numa exortaccedilatildeo dirigida ao enfermo Ele tem de passar agrave atividade ldquoLevanta-te pega a tua maca e andardquo A frase se encontra praticamente idecircntica na cura do paraliacutetico em Mc 211 cf Mt 96 Lc 524 ndash mas aqui o curado eacute instado a ir para casa Em Joatildeo ele ldquoanda em redorrdquo (peripateacutein) como o beneficiado de Mt 115 Lc 722 cf At 36 1410 isso proveacutem de uma soacutelida tradiccedilatildeo narrativa que recupera a promessa isaiana O tema do paraliacutetico que leva a sua cama eacute atestado tambeacutem fora da Biacuteblia21 Serve para provar o ecircxito da cura mas em Joatildeo aleacutem disso para introduzir a acusaccedilatildeo de lesatildeo do saacutebado que seraacute o tema da secccedilatildeo seguinte A execuccedilatildeo pelo aleijado no v 9a-c corresponde exatamente agrave ordem dada por Jesus ele se levanta toma sua maca e anda em redor O tema do ldquolevantar-serdquo (egeacuteirein) pode ter para Joatildeo um sentido mais profundo Antecipa a autoridade do Filho para ressuscitar mortos assim como faz o Pai (cf v 21) Esta autoridade manifesta-se tambeacutem na histoacuteria da ressuscitaccedilatildeo de Laacutezaro Jo 11

O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)

O relato sobre a cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda eacute seguido de uma controveacutersia entre o curado Jesus e as autoridades judaicas acerca da legitimidade da cura que foi operado num dia de saacutebado O fato de que apenas v 9c eacute mencionado ldquoAquele dia poreacutem era um saacutebadordquo eacute visto pelos comentadores como prova de que o elemento soacute foi inserido secundariamente pelo evangelista ou por uma fonte que natildeo eacute idecircntica com a do relato do milagre22 Outros poreacutem como a escola de Lovaina (cf F Neirynck) apontam que a conexatildeo entre a cura milagrosa operada por Jesus e a questatildeo do saacutebado jaacute existe na tradiccedilatildeo sinoacuteptica (cf Mc 21ndash36 Lc 1013-17)23 Segundo P Borgen uma conexatildeo entre obras realizadas em dia de saacutebado e controveacutersias subsequentes ocorre tambeacutem em Fiacutelon de Alexandria24 Fiacutelon discute a distinccedilatildeo entre Deus que no saacutebado pode trabalhar segundo a interpretaccedilatildeo de Gn 22-3 e o ser humano que deve observar o repouso sabaacutetico (cf Migr 89-93) A conexatildeo entre a cura e o saacutebado pertence portanto provavelmente agrave tradiccedilatildeo preacute-joanina que transparece tambeacutem em Jo 721-24

Natildeo eacute muito provaacutevel a opiniatildeo de Tom Thatcher que vecirc na introduccedilatildeo atrasada de Jo 59c uma ldquoironia instaacutevelrdquo isto eacute uma enganaccedilatildeo consciente natildeo soacute dos contemporacircneos (ldquoironia estaacutevelrdquo) mas tambeacutem do leitorado (portanto um ldquotruque do saacutebadordquo)25 Tal opiniatildeo se mostra falha porque a ironia joanina sempre estaacute relacionada

21 22 23 24 25

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agrave tensatildeo entre palavras de revelaccedilatildeo de Jesus ou enunciados sobre Jesus e o mal-entendido a seu respeito por parte dos ouvintes Natildeo eacute isso que acontece aqui Natildeo haacute outro lugar no QE em que o evangelista consciamente induz seus leitores ao erro

Quanto ao gecircnero desta secccedilatildeo (e de outras similares na sequecircncia posterior do QE) sugeriu-se ver aqui o modelo veterotestamentaacuterio do ricircb a disputa judicial entre Deus e seu povo26 Tal disputa se caracteriza por isto que falta um instacircncia de arbitragem Soacute importa quais satildeo os melhores argumentos Apesar de toda a proximidade do QE ao AT e natildeo em uacuteltima instacircncia a suas tradiccedilotildees profeacuteticas a aplicaccedilatildeo desse modelo literaacuterio agraves controveacutersias entre Jesus e seus adversaacuterios em Jerusaleacutem natildeo convence Por um lado Jesus natildeo toma sem mais o lugar de Deus por outro natildeo falta em Joatildeo a instacircncia judicial Em niacutevel poliacutetico as instacircncias judiciais do povo israelita tecircm o poder de excomungar da comunidade e mesmo de infligir a pena de morte E na perspectiva teoloacutegica eacute Jesus que se revela como o juiz verdadeiro ou pelo menos como aquele que realiza o juiacutezo divino a todos aqueles que se opotildeem a ele e assim em uacuteltima instacircncia rejeitam a Deus mesmo

59d-13 A cena seguinte aacute introduzida pela frase ldquoAquele dia poreacutem era um saacutebadordquo (v 9d) A frase lembra a similar em Jo 94 cf tambeacutem 1914 Quanto ao estilo revela a matildeo do evangelista Para as controveacutersias dos versiacuteculos seguintes natildeo eacute tatildeo relevante se o dia foi mesmo um saacutebado pois segundo o direito judaico os dias de festa eram equiparados ao saacutebado

No v 10 pela primeira vez ldquoos judeusrdquo entram em cena Contrariamente a Jo 422 onde a expressatildeo designa a comunidade religiosa judaica parece que aqui se trata de um grupo dentro do judaiacutesmo Este grupo jaacute foi mencionado em 119 como mandante da delegaccedilatildeo que questionou Joatildeo Batista a respeito de sua pessoa e atividade Parece claro que se trata das autoridades judaicas em Jerusaleacutem sem que isso se caracterize mais adiante27 Os ldquojudeusrdquo objetam ao homem que foi curado que no saacutebado ele natildeo pode [[189]] carregar sua maca Carregar fardos era uma da 39 ldquoobrasrdquo consideradas proibidas pela Lei de Moises28 Para o fluxo narrativo eacute importante ver que em primeira instacircncia a objeccedilatildeo eacute dirigida ao ex-alijado e natildeo a Jesus Mas indiretamente eacute este que estaacute sendo criticado como logo mais se mostraraacute

O curado sai do jogo passando a acusaccedilatildeo para Jesus jaacute que este lhe havia ordenado a carregar sua maca e andar em redor Notaacutevel eacute a expressatildeo ldquotornar sadiordquo (hygiecirc) O adjetivo que jaacute foi usando no v 6 voltaraacute no v 14 Proveacutem provavelmente da tradiccedilatildeo pre-joanina e serve para a conexatildeo do milagre de cura com as controveacutersias subsequentes O termo aparece nos relatos de cura helenistas como foi observado29 Assim Jesus aparece como ldquodeus curandeirordquo

Na base da resposta do homem que foi curado a investigaccedilatildeo dos ldquojudeusrdquo transforma-se numa inquisiccedilatildeo acerca da pessoa que o havia curado O homem diz que natildeo sabe quem foi quem o curou O narrador acrescenta que no lugar do diaacutelogo havia muita gente e que Jesus se tinha retirado dali

514 Depois de um encontro entre o curado e ldquoos judeusrdquo Jesus se encontra com o homem Natildeo eacute ele que encontra Jesus mas Jesus que encontra a ele (como encontrou a Filipe Jo 143) ldquodepois dissordquo (metagrave taacuteuta expressatildeo joanina) e ele o exorta para que natildeo peque mais Discutiu-se muito sobre esta exortaccedilatildeo Em ciacuterculos judaicos parece 26 27 28 29

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pressuposta uma ligaccedilatildeo entre enfermidade e pecado com se refletes tambeacutem na questatildeo dos disciacutepulos em Jo 92 A tradiccedilatildeo sinoacuteptica de Ma 21-12 parece tambeacutem conhecer essa ligaccedilatildeo ainda que natildeo no sentido causal Aiacute Jesus perdoa primeiro os pecados do paraliacutetico antes de curaacute-lo Mas natildeo se confirma uma conexatildeo direta Em Jo 514 a exortaccedilatildeo de Jesus poderia ser esclarecida em vista da biografia do homem que foi curado ele natildeo utilizou todas as chances para ser curado ele natildeo pocircde ou natildeo quis dar informaccedilatildeo sobre quem o curou30 Mas o versiacuteculo seguinte contradiz isso

515 Depois do encontro com o homem curado este se dirige aos ldquojudeusrdquo para lhes comunicar que foi Jesus quem o curou Esta nota tem sido interpretada de modos muito diversos como mostra o artigo de R Metzler31 Segundo Metzler parece que o homem curado se dirigiu aos ldquojudeusrdquo para denunciar Jesus De fato ateacute entatildeo o homem natildeo deu nenhum sinal de atitude positiva em relaccedilatildeo a Jesus fica duvidoso se ele chegou a crer em Jesus Contudo hoje se aceita sempre mais uma visatildeo mais positiva do ex-aleijado32 Se ele vai aos ldquojudeusrdquo para ldquoanunciarrdquo que foi Jesus quem o curou conveacutem levar a seacuterio o verbo anaggeacutellein que significa ldquoanunciarrdquo e natildeo ldquodenunciarrdquo Neste caso o curado de Jo 5 eacute um precursor do cego de Jo 9 sendo que este chega a uma adesatildeo intreacutepida a Jesus e a uma confissatildeo plena da feacute Nesta mesma linha os exemplos da Cappella Greca nas catacumbas romanas de Priscila ou na capela do Sacramento nas catacumbas de Calisto mostram o aleijado no ciclo batismal33

516-18 O v 16 poderia ter sido o final original da narrativa na tradiccedilatildeo preacute-joanina Os ldquojudeusrdquo perseguem Jesus como transgressor do saacutebado34 O imperfeito sugere antes um conflito permanente que uma ocorrecircncia uacutenica O vocabulaacuterio prepara o tema da perseguiccedilatildeo futura dos disciacutepulos (Jo 1520) Como os ldquojudeusrdquo perseguiram Jesus perseguiratildeo tambeacutem seus disciacutepulos

O v 17 jaacute antecipa o discurso de revelaccedilatildeo de Jesus (por isso geralmente eacute atribuiacutedo ao evangelista) Jesus designa sua accedilatildeo como ldquoobrardquo e legitima-a dizendo que foi operada em uniatildeo com o Pai Pois segundo uma interpretaccedilatildeo judaica atestada por Fiacutelon Deus trabalha no saacutebado e por isso a ldquoobrardquo de Jesus eacute legiacutetima35

Os ldquojudeusrdquo poreacutem segundo o v 18 ficam farejando essa pretensatildeo de Jesus de ser igual a Deus com o desejo de mataacute-lo por causa dessa blasfecircmia Esta intenccedilatildeo ultrapassa o ldquoperseguirrdquo do v 16 mas tem base na tradiccedilatildeo sinoacuteptica de Mc 21ndash36 (cf Mc 36) W A Meeks tem estudado paralelos heleniacutesticos referentes agrave igualdade com Deus36 Pense-se aqui em [[192]] Apolocircnio de Tiana biografado por Flaacutevio Filostrato Ele justifica diante do imperador Domiciano o tiacutetulo de ldquodeusrdquo que seus adeptos lhe deram De imediato Apolocircnio exibe uma prova de suas capacidades sobre-humanas ao tornar-se subitamente invisiacutevel aos olhos dos espectadores Depois ele se justifica verbalmente Os homens veneram as pessoas boas como deuses porque encarnam a imagem de Deus Tanto mais uma pessoa prendada com as capacidades de Apolocircnio pode designar-se como deus37 A argumentaccedilatildeo tem alguma semelhanccedila com a de Jo 5 e tambeacutem com a de Jo 10 onde Jesus cita (v 34) a seu favor o Sl 826 no qual todos os

30 31 32 33 34 35 36 37

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israelitas satildeo chamados ldquodeuses e filhos do Altiacutessimordquo38 Segundo uma tradiccedilatildeo judaica todos os israelitas que ouviram no Sinai a voz de Deus e receberam sua instruccedilatildeo tornaram-se divinos Soacute pelo pecado na ocasiatildeo da adoraccedilatildeo do bezerro de ouro perderam esse privileacutegio E soacute pela observaccedilatildeo irrepreensiacutevel da Toraacute voltaratildeo agrave condiccedilatildeo de readquirir esse privileacutegio (pense-se na segunda conclusatildeo da alianccedila em Ex 34) Jesus pode ter-se referido a um tradiccedilatildeo desse tipo O assunto voltaraacute por ocasiatildeo de Jo 1034-36 (veja ali)

Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)

Em Jo 519 inicia-se a uacuteltima parte do capiacutetulo 5 A partir de agora soacute fala Jesus Depois da cura milagrosa (vv 1-9c) e o diaacutelogo (vv 9d-18) segue agora um discurso de revelaccedilatildeo O estilo dos vv 19-47 eacute joanino e assim eacute tambeacutem a teologia O autor parece basear-se antes em tradiccedilotildees orais do que em fontes escritas Quanto agrave possibilidade uma camada ulterior nos vv 28s veja ali

Os vv 19-30 constituem como jaacute dissemos (acima I) uma subdivisatildeo autocircnoma Esta eacute emoldurada pelo enunciado de que o Filho natildeo pode agir por iniciativa proacutepria mas permanentemente age em uniatildeo com o seu Pai (vv 19 e 30) As duas obras por excelecircncia de Deus o Pai satildeo o dom da vida na ressurreiccedilatildeo dos mortos e o julgamento Com essa dupla expressatildeo o Jesus joanino remonta agrave tradiccedilatildeo judaica Ambas as obras satildeo as que Deus pode fazer no saacutebado Assim esta secccedilatildeo reata com a anterior e a encerra

A composiccedilatildeo da secccedilatildeo eacute simples Nos vv 19-20 eacute introduzido o princiacutepio segundo o qual o filho natildeo pode fazer outra coisa senatildeo o que ele vecirc o Pai fazer A imagem pode provir do mundo do artesanato no qual o filho retoma a profissatildeo do pai Nos vv 21-28 aclara-se qual eacute a obra que o Filho retoma do Pai ambas as obras do dom da vida na ressurreiccedilatildeo e o julgamento Ambas satildeo obras reservadas a Deus que satildeo confiadas ao Filho O v 21 fala do dom da vida os vv 22-23 do julgamento

Nos vv 24-28 eacute explicada a obra do Filho A promessa da vida e o exerciacutecio do juiacutezo satildeo coisas que acontecem hoje ldquoVem a hora e eacute agorardquo (v 25) O mesmo tema volta nos vv 28s mas a promessa eacute formulada soacute para o futuro ldquoVem a horardquo (v28) Os exegetas discutem sobre o significado desta reduplicaccedilatildeo eacute o que deveremos considerar na exegese dos vv 28s

519-20 O discurso de Jesus propriamente se inicia com a tiacutepica afirmaccedilatildeo joanina ldquoAmeacutem ameacutem eu vos digordquo Ela confere agraves palavras seguintes um peso particular Os primeiros versiacuteculos satildeo ambos caracterizados pela imagem tomada do mundo do trabalho artesanal de que o filho aprende a arte do pai enquanto ele observa sua atividade e a imita C H Dodd descobriu e descreveu esta paraacutebola39 Desde este ponto de vista explicam-se os conceitos do ldquoverrsquo do ldquomostrarrsquo e do ldquofazerrdquo A relaccedilatildeo de pai e filho natildeo eacute somente de natureza profissional mas tambeacutem familiar o pai ama o seu filho Esta dupla dimensatildeo pode ser transferida para a relaccedilatildeo entre o Pai celeste e seu Filho Jesus Tambeacutem este natildeo pode fazer nada a partir de si e soacute faz o que lhe eacute mostrado e confiado pelo Pai Pertencem agrave obra que o Pai confia ao Filho as obras da criaccedilatildeo (cf Jo 13) mas tambeacutem as da salvaccedilatildeo que tecircm seu aacutepice na obra escatoloacutegica Satildeo essas as ldquoobras maioresrdquo que o Filho realiza para admiraccedilatildeo de seus contemporacircneos

38 39

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521-23 Os versiacuteculos anteriores expuseram a dependecircncia do Filho em relaccedilatildeo ao Pai o Filho natildeo faz nada a natildeo ser o que ele vecirc o Pai fazer Os vv 21-23 em compoensaccedilo acentuam a dignidade do Filho Terminam asseverando que cada um que honra o Pai honra tambeacutem o Filho A dignidade do Filho eacute mostrada por sua participaccedilatildeo nas obras que satildeo reservadas a Deus soacute ressuscitar os mortos e executar o julgamento De fato o julgamento eacute reservado exclusivamente ao Filho Deus nem participa dele Nestes versiacuteculos mostra-se a teologia joanina como reflexatildeo priacutestina da Igreja sobre a dignidade de Cristo A visatildeo de Joatildeo aproxima-se da de Paulo e de sua tradiccedilatildeo (cf o hino que Paulo utilizou em Fl 26-11 ou o iniacutecio da carta aos Romanos Rm 13-4 ou tambeacutem a foacutermula ldquotrinitaacuteriardquo de 2Cor 1313) Visatildeo semelhante encontra-se tambeacutem em outras camadas e escritos do NT [[194]] (cf Mt 1125-27 Mc 111par 97 par Hb 11-4) Para a outorga do julgamento ao Filho do Homem cf Mc 1326s par Mt 2531-46

Desde o iniacutecio a divindade de Jesus encontrou resistecircncia Bem cedo judeus e provavelmente tambeacutem judeu-cristatildeos opuseram-se a essa visatildeo As grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 encontram aqui sua fundamentaccedilatildeo Pouco depois Aacuterio vai combater a filiaccedilatildeo divina de Jesus Segundo ele Jesus eacute criatura natildeo igual ao Pai Na hora presente surge resistecircncia agrave metaacutefora familiar que serve para articular o discurso sobre o Pai e o Filho E M Boring40 expressa estas ressalvas para o mundo ocidental A seu ver exprime-se no discurso sobre ldquoPairdquo e ldquoFilhordquo certo patriarcalismo que eacute posto em xeque natildeo soacute do lado feminista mas tambeacutem por contemporacircneos que questionam a autoridade paterna como tal Importa levar a seacuterio tais questionamentos observando poreacutem que elas surgem principalmente do mundo ocidental

524-27 Nos versiacuteculos que aqui seguem promete-se vida eterna aos que ouvem a palavra de Jesus e creem no Deus que o enviou Mais exatamente a vida eterna natildeo eacute prometida aqui mas explica-se que todos os que ouvem a palavra de Jesus e creem no Pai jaacute passaram da morte para a vida (tempo perfeito grego) Estes natildeo chegam ao julgamento Aqui se exprime a ldquoescatologia presenterdquo tiacutepica do QEvg Segundo a visatildeo judaica tradicional todo ser humano enfrenta a morte no fim de sua vida terrestre E depois haveraacute segundo a convicccedilatildeo farisaica a ressurreiccedilatildeo dos mortos (ou dos justos) com o julgamento e com a vida eterna para os justos Segundo Joatildeo a morte verdadeira consiste na separaccedilatildeo de Deus a origem da vida Desta morte pode-se passar jaacute agora para a vida verdadeira a vida eterna quando se crecirc em Jesus e naquele que o enviou Quem age assim natildeo vai a juiacutezo Esta visatildeo encontra-se tambeacutem em outro lugar no QE (cf 315-1836 64047 1246s) A promessa de ldquovida eternardquo encontra-se jaacute em Dn 122 onde ela eacute prometida aos justos para o dia do julgamento final quando sairatildeo de seus sepulcros O papel do arcanjo Miguel eacute assumido [[195]] em Joatildeo pelo ldquoFilho de Deusrdquo na funccedilatildeo de ldquoFilho do homemrdquo (cf v27 Dn 723s) A expressatildeo ldquovem a horardquo eacute completada no v 25 por ldquo e eacute agorardquo A partir daqui os conceitos de ldquomorterdquo e ldquovidardquo satildeo reinterpretados A morte consiste na separaccedilatildeo de Deus como fonte originaacuteria da vida e a ldquovidardquo eacute a ldquovida eternardquo na medida em que vem de Deus O futuro gramatical que aparece aqui no enunciado sobre o ouvir da voz da ressurreiccedilatildeo e da vida perde seu sentido de indicaccedilatildeo temporal e eacute antes de natureza loacutegica o que deve acontecer acontece agora na ldquohorardquo do crer

No v 26 o evangelista abandona por um momento o ideaacuterio apocaliacuteptica da tradiccedilatildeo e fala de Cristo como fonte da vida numa linguagem mais fortemente teoloacutegica O Pai tem em si a vida e este pleno poder ele o transmitiu tambeacutem ao Filho Aqui volta agrave mente o Proacutelogo do QE (Jo 14) onde o Logos divino aparece como portador da fonte da vida 40

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No v 27 o autor volta ao ideaacuterio apocaliacuteptico Os comentadores veem no v 27 um eco de Dn 713s embora nesse lugar natildeo se exprima propriamente o julgamento mas antes todo o senhorio ateacute o fim do tempo Uma confirmaccedilatildeo da dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Daniel neste lugar pode transparecer na falta do artigo definido no v 27 ldquoporque ele eacute um filho do homemrdquo

528-29 A injunccedilatildeo no iniacutecio do v 28 ndash ldquoNatildeo fiqueis admirados com issordquo ndash pode ser conectado ao contexto anterior como muitas vezes se faz Neste caso a partiacutecula hoacuteti que se segue tem antes um sentido causal e poderia ser substituiacutedo por dois pontos Mas eacute possiacutevel tambeacutem relacionar a injunccedilatildeo com o contexto subsequente e entender o hoacuteti como declarativo eacute a interpretaccedilatildeo de H-C Kammler41 Contudo natildeo faz tanta diferenccedila no sentido

Os vv 28s retomam o v 25 como geralmente eacute observado Os versiacuteculos se correspondem ateacute na formulaccedilatildeo como mostra este quadro 25 ἔρχεται ὥρα καὶ νῦν ἐστιν ὅτε οἱ νεκροὶ ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς τοῦ υἱοῦ τοῦ θεοῦ καὶ οἱ ἀκούσαντες ζήσουσιν

28s ἔρχεται ὥρα ἐν ᾗ πάντες οἱ ἐν τοῖς μνημείοις ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς αὐτοῦ καὶ ἐκπορεύσονται οἱ τὰ ἀγαθὰ ποιήσαντες εἰς ἀνάστασιν ζωῆς οἱ δὲ τὰ φαῦλα πράξαντες εἰς ἀνάστασιν κρίσεως

As principais diferenccedilas satildeo estas os vv 28s dizem ldquovem a horardquo sem acrescentar ldquoe eacute agorardquo Tambeacutem dizem ldquotodos os que estatildeo nos sepulcrosrdquo em vez de ldquoos mortosrdquo e o julgamento parece estar ligado agraves obras de cada um Como entender essas diferenccedilas Trecircs modelos entram na discussatildeo

O primeiro modelo eacute o da ldquoescatologia presenterdquo representado sobretudo pelo comentaacuterio de R Bultmann publicado em 1941 e seguido por numerosos autores42 Segundo estes autores o texto de Jo 528s fala de uma futura ressurreiccedilatildeo dos mortos no dia do juiacutezo final A ldquoescatologia presenterdquo de Joatildeo pareceu ousada demais para a Igreja a no fim do seacuteculo I e foi por isso completada pelo modelo ldquoclaacutessicordquo da escatologia judaica que se encontra tambeacutem em outros escritos do NT (sinoacutepticos e Paulo pelo menos em parte) Deste modo ldquosalvou-serdquo o QE para a Igreja poacutes-apostoacutelica

O segundo modelo eacute o de duas camadas no EJ que se completam mutuamente Eacute adotado pelos grandes comentaacuterios da Gratilde-Bretanha43 dos EUA44 e de muitos autores da Europa continental45 Segundo estes autores o evangelista retoma sua caracteriacutestica escatologia presente reformulando-a em termos de escatologia futura Neste caso natildeo eacute preciso tomar como ponto de partida o modelo judeu-apocaliacuteptico ou protocristatildeo da ressurreiccedilatildeo dos mortos no fim do tempo Joatildeo natildeo fala de fato dos ldquomortosrdquo que ressuscitam mas daqueles ldquoque estatildeo nos sepulcrosrdquo os ldquomortosrdquo satildeo em todo o caso aqueles que jaacute nesta vida ficaram separados de Deus por terem-se decidido contra Deus Estas observaccedilotildees jaacute se encontram no comentaacuterio de Josef Blank Ultimamente Joumlrg Frey na sua obra magistral em trecircs volumes sobre a escatologia joanina46 defende com forccedila a tese de que ambas as escatologia em Joatildeo devem ser consideradas de modo

41 42 43 44 45 46

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complementar Sem a escatologia futura o querigma joaneu seria incompleto A Bultmann se deve conceder que as ldquoobrasrdquo mencionadas no texto de Joatildeo natildeo satildeo as ldquoobras boasrdquo ou ldquomaacutesrdquo do judaiacutesmo ou do protocristianismo mas a feacute ou a descrenccedila em relaccedilatildeo a Cristo (cf Jo 316-19 629)

Um terceiro modelo interpreta Jo 525-29 de modo estritamente unitaacuterio e isso a partir da escatologia presente47 Tambeacutem os vv 28s podem ser interpretados no sentido da escatologia presente quando lidos direitinho apesar de sua formulaccedilatildeo que evoca a escatologia futura O futuro gramatical seria semelhante ao do v 25 (cf tambeacutem Jo 1016) Segundo esta proposta Jesus fala do tempo poacutes-pascal quando as promessas do tempo final estaratildeo realizadas48 Este estudo merece consideraccedilatildeo mais profunda com consideraccedilatildeo de outros textos ldquoescatoloacutegicosrdquo de Joatildeo como 639404454 A favor desta proposta pode-se alegar que em Jo 42123 natildeo parece haver diferenccedila semacircntica entre ldquovem a horardquo (eacuterkhetai hocircra) e ldquoa hora vem e aacute agorardquo (eacuterkhetai hocircra kai nyn estin)

530 Assim como Jesus concede a vida em plena dependecircncia do Pai assim tambeacutem exerce o julgamento Isso eacute dito no versiacuteculo final v 30 De fato Jesus natildeo procura sua proacutepria vontade mas a vontade de quem o enviou (cf Jo 528) Por isso seu julgamento eacute reto Literariamente este versiacuteculo pela retomada do v19 encerra de modo eficaz a periacutecope 519-30 Ao mesmo tempo prepara a transiccedilatildeo para a secccedilatildeo seguinte

Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)

Esta secccedilatildeo eacute semelhante em sua composiccedilatildeo agrave precedente (Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria 519-30) e agrave subsequente (Jesus natildeo procura sua proacutepria honra 541-47) O princiacutepio fundamental se encontra no iniacutecio da secccedilatildeo e assim eacute apresentado o tema Sempre Jesus rejeita arrogar para si proacuteprio honra e autoridade Sua autoridade seu reconhecimento e sua honra vecircm de Deus Exatamente por esta razatildeo ele se eleva acima de qualquer autoridade humana Deus mesmo opera nele o legitima e o honra

A secccedilatildeo 531-40 eacute caracterizada pelo campo semacircntico do ldquotestemunhordquo49 No v 31 Jesus contesta que ele daacute testemunho a favor de si mesmo (em Jo 812-20 prevalece outro ponto de vista) Quem daacute testemunho a favor dele eacute outro o Pai que por enquanto natildeo eacute nomeado (no v 32) Acresce o testemunho de Joatildeo Batista agora uma figura do passado (533-35) No v 36 o evangelista volta ao tema do ldquooutrordquo que testemunha a favor de Jesus e agora fica claro que se trata do Pai Ele eacute quem concede a Jesus realizar as obras admiraacuteveis que datildeo testemunho em seu favor (v 36) e ele testemunha tambeacutem diretamente a favor de Jesus (vv 37-38) como jaacute o fez no passado nas Escrituras de Israel (v39) Para valorizar esse testemunho muacuteltiplo [[198]] basta a boa vontade para se deixar conduzir a Jesus e assim receber a vida (v 40)

531-32 Os dois versiacuteculos introdutoacuterios satildeo moldados na forma dos vv 19 e 41 e expressam a dependecircncia ilimitada de Jesus como Filho em relaccedilatildeo ao Pai mas exprimem tambeacutem a autoridade que o Pai lhe concedeu em vista de sua missatildeo Quanto agrave ldquoverdaderdquo deste testemunho comparem-se Jo 1935 2114 e 3Jo 9

533-35 Alem de Deus que daacute plena autoridade a Jesus na sua missatildeo em ato e palavra a principal testemunha de Jesus segundo o evangelista eacute Joatildeo Batista Desde o Proacutelogo (16-8 e 15) ele aparece como testemunha a favor de Jesus A parte narrativa do QE comeccedila com uma grande secccedilatildeo sobre o testemunho do Batista a favor de Jesus (Jo 47 48 49

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119-34) Este testemunho eacute pressuposto e continuado no diaacutelogo do Batista com seus disciacutepulos em Jo 322-30 o Batista eacute apenas o amigo do esposo e se alegra ao ouvir a voz do esposo no quarto nupcial (329) ele apenas vem agrave frente do Messias natildeo eacute o proacuteprio Messias A tarefa de Joatildeo de ser testemunha de Jesus parece tatildeo dominante para o QEvg que ele nunca o chama de ldquobatistardquo mas dele soacute fala em termos de testemunha Ele eacute revezado em sua qualidade de ldquoacompanhanterdquo de Jesus por Laacutezaro nos caps 11-12 e pelo Disciacutepulo Amado nos caps 13-21

No tempo da controveacutersia de Jesus com os ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem depois da cura do aleijado o Batista jaacute havia terminado seu percurso Jesus fala dele em termos de passado Os ldquojudeusrdquo tinham enviado a ele uma delegaccedilatildeo para saber quem era Jesus mas natildeo quiseram aceitar seu testemunho Mais soacute o aguentaram por pouco tempo e depois o eliminaram O QEvg expressa essa experiecircncia com a imagem da lacircmpada Os ldquojudeusrdquo soacute quiseram alegrar-se agrave sua luz por pouco tempo Em termos de linguagem e conteuacutedo nota-se a diferenccedila com Jesus Joatildeo eacute a ldquolacircmpadardquo Jesus eacute a luz do mundo (cf Jo 14s9 812 95 1246)

536 A seguir Jesus trata do testemunho do Pai nas obras que este lhe concede Estras obra conduziram agrave admiraccedilatildeo e agrave feacute como vimos nos primeiros sinais de Jesus (Jo 21-12 e 446-54 cf 223 32) Poder-se-iaacrscenarf as obra de que fala Jesus em Jo 517-30 especialmente as pelas quais ele faz vikver os mortos e no nome de Deus faz o julgamento Mas estras obras soacute se percebem na feacute

Quando se pergunta pelos antecedentes literaacuterios da representaccedilatildeo joanina do testemunho das obras a favor de Jesus podem alegar-se textos do judaiacutesmo heleniacutestico que falam do testemunho de Deus a favor de Moiseacutes Tanto Flaacutevio Josefo como tambeacutem Fiacutelon de Alexandria falam de tal testemunho lembrando os ldquosinaisrdquo que Moiseacutes operou quando da saiacuteda de Israel do Egito e quando da travessia pelo mar Vermelho e pelo deserto (Fiacutelon Vita Mos 2[3] 263281 Flaacutevio Josefo Contra Ap II 53)50 No NT este tema eacute utilizado cristologicamente em At 143 e Hb 24 114

537-39 Assim como o Pai testemunhou a favor de Jesus nas obras que ele lhe concedeu realizar tambeacutem deu testemunho a favor dele na sua palavra Essa palavra se deu na Antiga Alianccedila Verdade eacute que os israelitas natildeo puderam ouvi-la como tambeacutem natildeo puderam ver a face de Deus Mas eles possuiacuteam o testemunho divino a favor de Jesus nas suas Sagradas Escrituras Se as tivessem perscrutado teriam descoberto o seu testemunho a favor de Jesus

O ldquotestemunhordquo das escrituras eacute de modo novo um tema caracteriacutestico do QE mas natildeo sem antecedentes e paralelos nos demais escritos do NT A tradiccedilatildeo sinoacuteptica conhece sobretudo o cumprimento de determinadas passagens das Escrituras de Israel em Jesus em sua vida e em seu sofrimento Joatildeo ndash em concordacircncia com os sinoacutepticos ndash mostra esse modo de proceder sobretudo no seu relado da Paixatildeo Em Jo 1238 aparece pela primeira vez a foacutermula ldquoAssim havia de se cumprirrdquo Mais caracteriacutestico de Joatildeo eacute o uso da Escritura como testemunho a favor de Jesus sem a citaccedilatildeo de determinada passagem51 Natildeo esta ou aquela passagem mas a Escritura como tal daacute testemunho a favor de Jesus Jo 539 eacute o texto claacutessico para ilustrar este modo de ver mas veja-se tambeacutem Jo 145 545-47 1034 uma citaccedilatildeo dos Salmos como testemunho da ldquoLeirdquo

Quando os israelitas natildeo conseguem perceber nas suas escrituras o testemunho a favor de Jesus a culpa natildeo eacute da Escritura Satildeo antes os leitores que natildeo estatildeo dispostos a abrir-se para a mensagem da Escritura Assim retiram-se da fonte da vida50 51

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Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)

Esta uacuteltima secccedilatildeo do discurso de Jesus pode ser subdividido em duas partes Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41-44) e natildeo eacute Jesus que acusa os judeus mas Moiseacutes (vv 45-47)

541-44 O conjunto dos vv 41-44 eacute emoldurado pelo tema da ldquohonrardquo52 Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41) Satildeo antes os seus adversaacuterios que fazem isso colhendo honra uns dos outros e natildeo do Deus uacutenico (v 44) de modo a serem incapazes de ir ateacute Jesus e de crer nele Nos vv 42-43 indica-se uma razatildeo mais profunda da atitude errada dos adversaacuterios de Jesus eles natildeo tecircm em si o amor de Deus Assim eles recebem quem se apresenta em nome proacuteprio mas natildeo aquele que vem em nome de Deus Jesus

Salvo engano estes versiacuteculos devem ter sido influenciados pela confissatildeo de feacute de Israel o Shemalsquo Yisrael ldquoOuve Israelrdquo de Dt 64s Neste texto central do judaiacutesmo Deus ordena a seu povo confessaacute-lo como Deus uacutenico e confessaacute-lo de todo o coraccedilatildeo A influecircncia deste texto sobre Jo 541-44 como tambeacutem sobre Jo 841s foi pouco observado ateacute agora Em ambos os lugares satildeo interligados a unicidade de Deus e o amor a ele ou a Jesus como enviado do Pai Um eco deste mandamento encontra-se tambeacutem em Jo 2115-17 (o amor de Pedro a Jesus como expressatildeo de sua relaccedilatildeo fundamental para com ele possibilitando seu encargo como pastor do rebanho do Senhor)

Se esta interpretaccedilatildeo estiver certa segue-se para Jo 542 e textos similares do QE que a expressatildeo hē agaacutepē tou theoacuteu deve ser entendida como genitivo de objeto No EJ trata-se de ter a relaccedilatildeo reta para com Deus tambeacutem como membro do povo de Israel Quem natildeo ama a Deus natildeo amaraacute o Cristo seu Filho e buscaraacute sua proacutepria honra Na Primeira Carta de Joatildeo a situaccedilatildeo eacute diferente O autor encontra-se em discussatildeo com um grupo que arroga para si em alto grau a posse do Espiacuterito considera estar acima da Lei e poder afirmar que conhece Deus e o ama A estas pessoas a 1Jo diz que antes de tudo satildeo amadas por Deus antes de poderem dizer que amam a Deus (cf 1Jo 47-21 tambeacutem 215 316s)

545-47 Para a transiccedilatildeo ao tema da honra para o de Moiseacutes satildeo apontadas diversas razotildees Jaacute em Jo 539 Jesus afirmou que as Escrituras falam dele As Escrituras de Israel satildeo a Toraacute mediada por Moiseacutes e tambeacutem os demais escritos principalmente os Salmos Neste sentido o tema de Moiseacutes que acusa os israelitas jaacute foi preparado no contexto imediatamente anterior O texto lembra tambeacutem Jo 719-23 onde Jesus em conexatildeo com a cura que realizou em dia de saacutebado arguacutei a partir da Lei de Moiseacutes que permite a circuncisatildeo no saacutebado Podemos ver tambeacutem em Jo 545-47 uma referecircncia agrave controveacutersia sobre a aplicaccedilatildeo da Lei de Moiseacutes em torno da cura que Jesus realizou

A convicccedilatildeo de que Moiseacutes escreveu a respeito de Jesus (v 46) pode-se deduzir da visatildeo global de Joatildeo segundo a qual a Escritura inteira quando lida direitinho fala de Jesus Um primeiro exemplo encontra-se em Jo 145 nas palavras de Filipe ldquoEncontramos Jesus o filho de Joseacute de Nazareacute aquele sobre quem escreveram Moiseacutes na Lei e os Profetasrdquo

Os israelitas creram em Deus e em Moiseacutes como eacute dito no fim do relato da saiacuteda milagrosa de Israel do Egito e da travessia do mar Vermelho em Ex 143 Os israelitas do tempo de Jesus estatildeo nesta tradiccedilatildeo A eles eacute que Jesus dirige a palavra dizendo que natildeo basta crer em Moiseacutes mas que eacute preciso ler suas escrituras no modo certo como testemunho a favor de Jesus Quem acredita em Moiseacutes tambeacutem deve acreditar em

52

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Jesus pois dele eacute que Jesus escreveu Quem natildeo acredita em Jesus natildeo pode afirmar que acreditou nas palavras de Moiseacutes Deste modo o cap 5 se encerra com uma acusaccedilatildeo contundente contra os ouvintes O conflito continuaraacute nos capiacutetulos 6 e 7ndash8

III

Depois que nos caps 2ndash4 do EJ Jesus levou sua mensagem sempre mais do centro para a periferia da terra de Israel no cap 5 ele volta ao centro e enfrenta a discussatildeo com os habitantes de Jerusaleacutem e os liacutederes do povo judeu em torno de sua missatildeo Um milagre estupendo a cura de algueacutem que havia 38 anos estava aleijado levou agrave discussatildeo de sua accedilatildeo feita no saacutebado e paulatinamente agrave discussatildeo sobre sua pessoa Pela primeira vez ldquoos judeusrdquo aparecem agora numa secccedilatildeo maior como adversaacuterios de Jesus A afirmaccedilatildeo de Jesus de agir em uniatildeo com seu Pai celeste soacute os faz concluir que ele se torna igual em poder e ordem ao Pai Esta afirmaccedilatildeo provocou contestaccedilatildeo natildeo soacute no tempo do evangelista Para entendecirc-la bem vale a pena reler atentamente o desenvolvimento do discurso de Jesus em Jo 519-47

Na leitura atenta nota-se que Jesus continuamente recusa colocar-se a si mesmo no centro Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (vv 19-30) nem testemunha a favor de si mesmo (vv 31-40) nem procura sua proacutepria honra (vv 41-45 ou 47) Deus eacute quem o deixa participar de sua obra que o defende e o honra Olhando por este lado o discurso de vv 19-47 natildeo eacute meramente ou nem em primeiro lugar cristoloacutegico Ele eacute e permanece teoloacutegico Com a melhor tradiccedilatildeo de Israel o QEvg e na sua obra o Cristo de seu evangelho reduzem toda o agir a Deus o Pai Eacute ele quem opera no Filho o defende e o honra Natildeo eacute por acaso que por isso aparece nos versiacuteculos finais 42-44 o principal mandamento a confissatildeo do Deus uacutenico de Israel e a ordem de amaacute-lo A partir daiacute a reivindicaccedilatildeo de Jesus em Jo 5 e nas grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 merece renovada reflexatildeo

2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)1 Depois disso Jesus foi para para o outro lado do mar da Galileacuteia ou seja de Tiberiacuteades 2 Uma grande multidatildeo o seguia vendo os sinais que ele fazia a favor dos doentes 3 Jesus subiu a montanha e sentou-se laacute com os seus disciacutepulos 4 Estava proacutexima a Paacutescoa a festa dos judeus 5 Levantando os olhos e vendo uma grande multidatildeo que vinha a ele Jesus disse a Filipe ldquoOnde vamos comprar patildeo para que essa gente possa comerrdquo 6 Disse isso para testar Filipe pois ele sabia muito bem o que ia fazer 7 Filipe respondeu ldquoNem duzentos denaacuterios de patildeo bastariam para dar um pouquinho a cada umrdquo 8 Um dos disciacutepulos Andreacute irmatildeo de Simatildeo Pedro disse 9 ldquoEstaacute aqui um menino com cinco patildees de cevada e dois peixes Mas que eacute isso para tanta genterdquo 10 Jesus disse ldquoFazei as pessoas sentar-serdquo Naquele lugar havia muita relva e laacute se sentaram os homens em nuacutemero de aproximadamente cinco mil 11 Jesus tomou os patildees deu graccedilas e distribuiu aos que estavam sentados tanto quanto queriam E fez o mesmo com os peixes 12 Quando todos se fartaram disse aos disciacutepulos ldquoJuntai os pedaccedilos que sobraram para que nada se percardquo 13 Eles juntaram e encheram doze cestos com os pedaccedilos que sobraram dos cinco patildees de cevada que comeram 14 Agrave vista do sinal que Jesus tinha realizado as pessoas exclamavam ldquoEste eacute verdadeiramente o profeta aquele que deve vir ao mundordquo 15 Quando Jesus percebeu que queriam levaacute-lo para proclamaacute-lo rei novamente se retirou para a montanha sozinho

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16 Ao anoitecer os disciacutepulos desceram para a beira-mar 17 Entraram no barco e foram na direccedilatildeo de Cafarnaum do outro lado do mar Jaacute estava escuro e Jesus ainda natildeo tinha vindo a eles 18 Soprava um vento forte e o mar estava agitado 19 Os disciacutepulos tinham remado vinte e cinco ou trinta estaacutedios quando avistaram Jesus andando sobre as aacuteguas e aproximando-se do barco Eles ficaram com medo 20 Jesus poreacutem lhes disse ldquoSou eu Natildeo tenhais medordquo 21 Eles queriam receber Jesus no barco mas logo o barco atingiu a terra para onde estavam indo22 No dia seguinte a multidatildeo que tinha ficado do outro lado do mar notou que antes havia aiacute um soacute barco e que Jesus natildeo entrara nele com os disciacutepulos os quais haviam partido sozinhos 23 Entretanto outros barcos chegaram de Tiberiacuteades perto do lugar onde tinham comido o patildeo depois de o Senhor ter dado graccedilas 24 Quando a multidatildeo percebeu que Jesus natildeo estava aiacute nem os seus disciacutepulos entraram nos barcos e foram procurar Jesus em Cafarnaum 25 Encontrando-o do outro lado do mar perguntaram-lhe ldquoRabi quando chegaste aquirdquo 26 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo estais me procurando natildeo porque vistes sinais mas porque comestes patildeo e ficastes saciados 27 Trabalhai natildeo pelo alimento que se perde mas pelo alimento que permanece ateacute agrave vida eterna e que o Filho do Homem vos daraacute Pois a este Deus Pai o marcou com seu selo 28 Perguntaram entatildeo ldquoQue devemos fazer para praticar as obras de Deusrdquo 29 Jesus respondeu ldquoA obra de Deus eacute que acrediteis naquele que ele enviourdquo 30 Eles perguntaram ldquoQue sinais realizas para que possamos ver e acreditar em ti Que obras fazes 31 Nossos pais comeram o manaacute no deserto como estaacute na Escritura lsquoDeu-lhes a comer patildeo do ceacuteursquordquo 32 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo natildeo foi Moiseacutes quem vos deu o patildeo do ceacuteu Eacute meu Pai quem vos daacute o verdadeiro patildeo do ceacuteu 33 Pois o patildeo de Deus eacute aquele que desce do ceacuteu e daacute vida ao mundordquo 34 Eles entatildeo pediram ldquoSenhor daacute-nos sempre desse patildeordquo 35 Jesus lhes disse ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sede 36 Contudo eu vos disse que me vistes mas natildeo credes 37 Todo aquele que o Pai me daacute viraacute a mim e quem vem a mim eu natildeo jogarei fora 38 porque eu desci do ceacuteu natildeo para fazer a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou ldquo39 E esta eacute a vontade daquele que me enviou que eu natildeo perca nenhum daqueles que ele me deu mas os ressuscite no uacuteltimo dia 40 Esta eacute a vontade do meu Pai quem vecirc o Filho e nele crecirc tenha vida eterna E eu o ressuscitarei no uacuteltimo diardquo41 Entatildeo os judeus comeccedilaram a murmurar contra Jesus porque ele disse ldquoEu sou o patildeo que desceu do ceacuteurdquo 42 Diziam ldquoEste natildeo eacute Jesus o filho de Joseacute Natildeo conhecemos noacutes o seu pai e sua matildee Como pode entatildeo dizer que desceu do ceacuteurdquo 43 Jesus respondeu ldquoNatildeo murmureis entre voacutes 44 Ningueacutem pode vir a mim se o Pai que me enviou natildeo o atrair E eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 45 Estaacute escrito nos Profetas lsquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrsquo Ora todo aquele que escutou o ensinamento do Pai e o aprendeu vem a mim 46 Ningueacutem jamais viu o Pai a natildeo ser aquele que vem de junto de Deus este viu o Pai 47 Ameacutem ameacutem vos digo quem crecirc tem vida eterna 48 Eu sou o patildeo da vida 49 Os vossos pais comeram o manaacute no deserto e no entanto morreram 50 Aqui estaacute o patildeo que desce do ceacuteu para que natildeo morra quem dele comer51 ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteu Quem come deste patildeo viveraacute eternamente E o patildeo que eu darei eacute a minha carne dada pela vida do mundordquo 52 Os judeus discutiam entre si ldquoComo eacute que ele pode dar a sua carne a comerrdquo 53 Jesus disse ldquoAmeacutem ameacutem vos digo se natildeo comerdes a carne do Filho do Homem e natildeo beberdes o seu sangue natildeo tereis vida em voacutes 54 Quem mastiga minha carne e

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bebe meu sangue tem vida eterna e eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 55 Pois minha carne eacute verdadeira comida e meu sangue eacute verdadeira bebida 56 Quem mastiga minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele 57 Como o Pai que vive me enviou e eu vivo por meio dele assim viveraacute por meio de mim aquele que me mastiga 58 Este eacute o patildeo que desceu do ceacuteu Natildeo eacute como aquele que vossos pais comeram ndash e no entanto morreram Quem mastiga este patildeo viveraacute para semprerdquo 59 Jesus falou essas coisas ensinando na reuniatildeo sinagogal em Cafarnaum 60 Muitos disciacutepulos que o ouviram disseram entatildeo ldquoEssa palavra eacute inaceitaacutevel Quem consegue escutaacute-lardquo 61 Percebendo que seus disciacutepulos estavam murmurando por causa disso Jesus perguntou ldquoIsto vos escandaliza 62 Que seraacute entatildeo quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes 63 O Espiacuterito eacute que daacute vida a carne de nada serve As palavras que vos falei satildeo Espiacuterito e satildeo vida 64 Mas haacute alguns entre voacutes que natildeo crecircemrdquo Jesus sabia desde o iniacutecio quem eram os que acreditavam e quem havia de entregaacute-lo 65 E acrescentou ldquoEacute por isso que eu vos disse lsquoNingueacutem pode vir a mim a natildeo ser que lhe seja dado pelo Pairsquordquo 66 A partir daquele momento muitos disciacutepulos o abandonaram e natildeo mais andavam com ele 67 Jesus disse aos Doze ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo 68 Simatildeo Pedro respondeu ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna 69 Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo 70 Jesus respondeu ldquoNatildeo vos escolhi doze Contudo um de voacutes eacute um diabordquo 71 Ele falava de Judas filho de Simatildeo Iscariotes pois este um dos Doze iria entregaacute-lo

I

Agrave primeira vista Jo 6 natildeo se insere sem dificuldade no contexto do EJ No iniacutecio do capiacutetulo supotildee-se que Jesus se encontra na proximidade do lago de Tiberiacuteades na Galileacuteia enquanto o cap 5 relatava seu discurso diante dos ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem em continuidade com a cura do aleijado na piscina de Betesda Em Jo 714-24 remete-se a esta cura em dia de saacutebado Jaacute em Jo 72 eacute alegada como razatildeo da estada de Jesus na Galileia o fato de que os ldquojudeusrdquo o querem matar com uma alusatildeo 518 No decorrer do seacuteculo XX os problemas da sequecircncia do texto levaram comentadores famosos a inverter a ordem de Jo 5 e Jo 653 Deste modo surgiria um texto mais compreensiacutevel Como no fim do cap 4 no cap 6 Jesus se encontra na Galileia Se o cap 5 segue depois do cap 6 a dupla remissiva ao cap 5 em Jo 7 torna-se compreensiacutevel Mas esta proposta natildeo vingou nos uacuteltimos anos O respeito pelo texto dado natildeo permite com facilidade esta ou outras propostas de inversatildeo e os manuscritos natildeo fornecem nenhum ensejo para isso Tambeacutem eacute possiacutevel resgatar a ordem atual do texto quando se parte da ideia de que os indiacutecios geograacuteficos e cronoloacutegicos pelo menos para o autor natildeo constituiacuteram o criteacuterio decisivo para o decurso do texto

Como jaacute sugerido eacute bem possiacutevel ver em Jo 6 uma inserccedilatildeo no QE o que tambeacutem resolveria os problemas da sequecircncia do texto54 Neste caso mantenha-se a unidade literaacuteria do capiacutetulo Soacute neste capiacutetulo em Joatildeo fala-se da eucaristia enquanto que ela falta no cap 13 no relato da paixatildeo Aqui em Jo 6 Jesus parece natildeo subir para a festa da Paacutescoa mencionada em 64 Tem-se a impressatildeo de que uma Paacutescoa cristatilde toma o lugar da festa de peregrinaccedilatildeo judaica Jesus a celebra na Galileia terra das primeiras comunidades cristatildes Como seus antagonistas aparecem a partir do v41 os ldquojudeusrdquo que em outros capiacutetulos soacute na Judeia se encontram com Jesus No interior do cap 6

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Joatildeo se mostra fortemente influenciado pela tradiccedilatildeo sinoacuteptica especialmente por Mc 632-56 e 811-33 como mostra este esquemaMultiplicaccedilatildeo dos patildees Mc 632-44 Jo 61-15Caminhando sobre as aacuteguas Mc 645-52 Jo 616-21Encontro com a multidatildeo Mc 653-56 Jo 522-25(29)Pedido de sinal Mc 811-13 Jo 630-31Discurdso do patildeo Mc 814-21 Jo 632-58Identidade de Jesus e confissatildeo de Pedro Mc 8m27-30 Jo 660-66Um dos disciacutepulos eacute o satanaacutes Mc 831-33 Jo 667-71

A secccedilatildeo Mc 71ndash810 natildeo tem correspondecircncias em Joatildeo e portanto falta em Joatildeo a segundo multiplicaccedilatildeo dos patildees como tambeacutem em Lucas No interior de Jo 6 o autor chega a seguir literalmente o texto marcano ou sinoacuteptico Feiccedilotildees deste gecircnero satildeo o nuacutemero de duzentos denaacuterios para comprar patildeo o nuacutemero de patildees e peixes a descriccedilatildeo dos gestos de Jesus os doze cestos com os pedaccedilos de patildeo que sobraram e tambeacutem o nuacutemero dos que foram saciados Em nenhum outro lugar o EJ tanto se aproxima da tradiccedilatildeo sinoacuteptica Podemos comparar com isso antes de tudo o relato de paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus mas haacute aqui diferenccedilas evidentes desde a cronologia da uacuteltima ceia e da morte de Jesus Visto que tambeacutem em Jo 21 o capiacutetulo final que muitos consideram um acreacutescimo aparecem muitos contatos com os sinoacutepticos (cf a pesca milagrosa Lc 51-11 os filhos de Zebedeu Mc 119 par) parece natural adotar tambeacutem para Jo 6 [[206]] uma data de composiccedilatildeo levemente posterior agrave do contexto

Muito por causa da secccedilatildeo dos dons eucariacutesticos de Jesus no uacuteltimo seacuteculo diversas vezes se colocou em duacutevida a unidade literaacuteria do capiacutetulo Assim R Bultmann55 distingue em Jo 6 quatro camadas diferenciadas uma ldquofonte dos sinaisrdquo agrave qual se devem a multiplicaccedilatildeo dos patildees e a caminhada sobre as aacuteguas (61-1516-21) fragmentos de uma fonte de discursos de revelaccedilatildeo de inspiraccedilatildeo gnoacutestica especialmente no discurso do patildeo em Jo 627-51c a matildeo redatora do evangelista especialmente tambeacutem na parte cristoloacutegica do discurso do patildeo e a redaccedilatildeo eclesial agrave qual se devem a secccedilatildeo ldquoeucariacutesticardquo de 651d-58 e as alusotildees agrave futura ressurreiccedilatildeo dos mortos em 6394044 Semelhante dissecccedilatildeo em camadas encontra-se na exegese que se inspira em Bultmann mesmo quando abre matildeo da ldquofonte dos discursosrdquo de influecircncia gnoacutestica56

Um novo modelo de diversas camadas encontra-se em Paul N Anderson que parte da sedimentaccedilatildeo de diversos conflitos sucessivos em Jo 657 Um primeiro conflito seria o da massa popular em torno do alimento verdadeiro (vv 25-40) o segundo com os ldquojudeusrdquo acerca da Toraacute e do patildeo do ceacuteu (vv 41-51) depois um cisma envolvendo principalmente os disciacutepulos oriundos do paganismo acerca da verdadeira corporeidade de Jesus (vv 51-66) e finalmente uma controveacutersia sobre o lugar certo do grupo joaneu na paisagem da comunidade joanina e da Grande Igreja representada por Pedro (vv 67-70) Menos complexo eacute o modelo de J Painter58 segundo o qual em Jo 6 estaacute integrado uma ldquohistoacuteria de buscardquo (ldquoquest storyrdquo) na qual a massa popular busca e encontra Jesus A essa liga-se nos vv 41-66 uma seacuterie de ldquohistoacuterias de rejeiccedilatildeordquo (ldquorejection storiesrdquo) que teriam sida acrescentadas secundariamente Os vv 67-70 serviram entatildeo para reconciliar os membros da comunidade joanina com adeptos de um cristianismo para a qual a figura de Pedro tinha significaccedilatildeo extraordinaacuteria

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

76 77 78 79 80 81 82

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

83 84 85 86

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 4:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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aleijado em Mc 21-12 como a menccedilatildeo acirc ldquomacardquo (kraacutebatos) ou a associaccedilatildeo de enfermidade e pecado mas para Schnackenburg isso natildeo basta para aceitar uma dependecircncia literaacuteria direta entre Joatildeo e a tradiccedilatildeo marcana Soacute haverfia pontos de contato De modo semelhante pensa R E Brown o qual com base em traccedilos narrativos particulares (como a negligecircncia do enfermo em procurar prontamente ajuda para si) reconhece uma possiacutevel influecircncia da tradiccedilatildeo narrativa protocristatilde que ainda deixaria reconhecer um acontecimento histoacuterico6

Entre estas alternativas eacute de se levar a seacuterio a hipoacutetese de que Joatildeo tambeacutem nesta histoacuteria da cura do aleijado tenha se baseado na tradiccedilatildeo sinoacuteptica mas de modo muito livre como tambeacutem alhures no seu relato da vida puacuteblica de Jesus antes de sua paixatildeo Esta orientaccedilatildeo eacute representada sobretudo pelo professor lovaniense de NT F Neirynck seguido por muitos de seus colegas e estudantes Segundo Neirynck7 apresenta-se uma multidatildeo de concordacircncias conteudiacutesticas e linguiacutesticas entre Jo 51-18 e Mc 21ndash36 Temos primeiro a ordem dada por Jesus para que o aleijado carregue o seu kraacutebatos (ldquomacardquo) Acrescentam-se a isso a relaccedilatildeo entre enfermidade e pecado e o conflito do saacutebado A este corresponde em Marcos a histoacuteria dos disciacutepulos colhendo espigas no saacutebado em Mc 223-28 e do homem da matildeo atrofiada curado na sinagoga no saacutebado em Mc 31-6 Correspondem aos fariseus de Mc (224 36) os ldquojudeusrdquo em Joatildeo (Jo 510) Em ambos os casos o conflito leva agrave decisatildeo de matar Jesus (compare Mc 36 com Jo 518) OL principal obstaacuteculo [[184]] contra a hipoacutetese da dependecircncia do QEvg em relaccedilatildeo a Marcos consiste na diferenccedila de cenaacuterio a localizaccedilatildeo na piscina de Bestesda com seus cinco poacuterticos junto agrave porta das ovelhas em Jerusaleacutem dificilmente se deixa reduzir agrave cena na casa da Galileia com a abertura do telhado para se baixar o aleijado diante dos peacutes de Jesus Aqui eacute preciso aceitar uma evoluccedilatildeo da tradiccedilatildeo Aliaacutes Joatildeo natildeo pode ser entendido como um ldquoquarto sinoacutepticordquo tambeacutem natildeo na visatildeo da escola lovaniense

Recentemente insiste-se novamente em levar a seacuterio a participaccedilatildeo do evangelista na narrativa como um todo8 Isso se percebe jaacute no relato da cura do aleijado em Jo 52-9c Eacute de supor que Joatildeo tenha combinado o relato de Marcos com uma tradiccedilatildeo hierosolimitana de uma cura perto da porta das Ovelhas acrescentando-lhe sua proacutepria intervenccedilatildeo redacional O elemento da falta de prontidatildeo do aleijado em querer ficar sadio pode ser visto como um exemplo do ldquomal-entendidordquo joaneu O enfermo busca apenas a cura fiacutesica para a qual ele necessita de algueacutem que o desccedila ateacute a aacutegua Agrave diferenccedila do gecircnero dos relatos de cura o enfermo fica sem acompanhante e o diaacutelogo acontece entre ele e Jesus a soacutes Tambeacutem falta o ldquocoro finalrdquo [Schlusschor] da multidatildeo louvando a Deus por causa do prodiacutegio realizado Parece ter sido substituiacutedo em Joatildeo pelo conflito do saacutebado Nisso se mostra a matildeo do evangelista Notaacutevel eacute ainda no relato joanino que natildeo Jesus mas o homem curado eacute o primeiro a transgredir o mandamento do saacutebado Nisso pode refletir-se a situaccedilatildeo das comunidades joaninas as quais com sua interpretaccedilatildeo mais livre da Toraacute entraram em conflito com seu ambiente judaico

6 7 8

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II

A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda

No iniacutecio do cap 5 encontra-se o relato da cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda em Jerusaleacutem Exibe as feiccedilotildees tiacutepicas de um relato de cura milagrosa como mostra entre outros M Labahn9 introduccedilatildeo das pessoas envolvidas descriccedilatildeo da enfermidade alusatildeo agrave gravidade do caso diaacutelogo entre o enfermo e quem o cura a cura propriamente e a prova o proacuteprio curado levando embora sua maca Todos esses elementos apontam para uma tradiccedilatildeo preacute-joanina Mas haacute tambeacutem desvios da forma literaacuteria As indicaccedilotildees de tempo e lugar aparecem acrescentadas e assim tambeacutem a duraccedilatildeo da enfermidade e alguns detalhes acerca do lugar da cura

Sob outro acircngulo pode-se comparar esta cura milagrosa com outros relatos de ldquosinaisrdquo em Joatildeo como o sinal do vinho em Canaacute Jo 21-11 e a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-5410 Aparece assim a seguinte sequecircncia de accedilotildees

- uma pessoa se dirige a Jesus invocando sua ajuda

- Jesus rechaccedila o pedido

- a pessoa insiste no pedido

- Jesus daacute instruccedilotildees em vista de atendimento

- o parceiro do diaacutelogo segue as instruccedilotildees de Jesus e o milagre se realiza

- segue-se a resposta da feacute

No relato em pauta haacute alguns desvios deste esquema Ningueacutem invoca Jesus por uma cura mas o Jesus se apresenta ao enfermo por iniciativa proacutepria Tampouco Jesus pode rechaccedilar o pedido que natildeo houve mas eacute o enfermo que rechaccedila a oferta de Jesus sob alegaccedilatildeo de suas experiecircncias negativas O enfermo natildeo insiste mas Jesus insiste em suja oferta A cura se daacute antes de qualquer palavra de feacute ou de obediecircncia da parte do enfermo E tambeacutem depois da cura ele natildeo expressa uma feacute imediata mas apenas revela (ldquoanunciardquo) o nome de Jesus agraves autoridades judaicas o que leva ao conflito entre Jesus e ldquoos judeusrdquo

Dividimos a unidade textual em introduccedilatildeo espaccedilo-temporal e situaccedilatildeo pressuposta (vv 1-4 quanto ao v 4 veja adiante) diaacutelogo entre Jesus e o enfermo (vv 5-7) a cura (cc 8-9c)

51-3 Os versiacuteculos iniciais satildeo caracterizados pelas indicaccedilotildees de tempo e espaccedilo Aproxima-se uma festa natildeo identificada dos judeus Parece ser uma festa de peregrinaccedilatildeo pois Jesus ldquosoberdquo a Jerusaleacutem para ali participar da celebraccedilatildeo da festa O ldquodepois dissordquo inicial se relaciona no contexto do evangelho com o segundo sinal em Canaacute relatado anteriormente (Jo 446-54) Desistimos das tentativas de trocar os capiacutetulos 5 e 611 O texto natildeo diz verbalmente qual seria a festa Alguns manuscritos antigos tentam preencher esta lacuna mas natildeo haacute como considerar originais suas indicaccedilotildees12 Os comentadores recentes ficam em duacutevida entre Paacutescoa13 Pentecostes

9 10 11 12 13

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(Semanas)14 e Tabernaacuteculos (Tendas)15 Contra Paacutescoa e Tabernaacuteculos levanta-se a objeccedilatildeo de que entatildeo teriacuteamos duas vezes em seguida a mesma festa em detrimento da reconstituiccedilatildeo de um ciclo anual das festas judaicas Que se trata da festa das Semanas pode ser corroborado por algumas consideraccedilotildees complementares16 Por um lado no contexto anterior vem agrave tona da colheita (Jo 435-38) o que combinaria muito bem com a festa das Semanas como festa da colheita das primiacutecias 50 dias depois da Paacutescoa Por outro lado jaacute uma tradiccedilatildeo judaica antiga liga a festa das Semanas com a outorga da Lei e a celebraccedilatildeo da Alianccedila em Qumran Isso se conjugaria bem com a referecircncia agrave Lei e agraves escrituras mosaicas que ganha significaccedilatildeo no decorrer do discurso de Jesus (cf v 39-47) Por estas aceitamos por suposto que em Jo 51 se trata da festa das Semanas17

Tambeacutem as indicaccedilotildees topograacuteficas do v 2 natildeo se deixam interpretar sem problemas A ediccedilatildeo textual de Nestle-Aland prefere a liccedilatildeo ldquoBetzatardquo e acordo com os mais antigos e sobretudo os melhor atestados manuscritos gregos18 Mas desde o Codex Alexandrinus encontra-se o termo ldquoBetesdardquo ainda preferido nas traduccedilotildees ateacute hoje Tambeacutem a expressatildeo epiacute tecirci probatikecirci continua discutiacutevel na criacutetica textual Eacute provaacutevel que o termo ldquoportardquo ficou subentendido (por elipse) Daiacute ldquoExiste em Jerusaleacutem perto da Porta das Ovelhas uma piscina rdquo Essa piscina tinha cinco poacuterticos (galerias) O enigma desta expressatildeo foi considerado resolvido desde a descoberta em 1865 perto da igreja de S Ana de duas piscinas interligadas por poacuterticos Mas ultimamente ha indiacutecios de que essa instalaccedilatildeo data do tempo depois da destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem Aleacutem disso a dupla bacia eacute muito profunda e seria difiacutecil descer dentro dela Segundo A Duprez19 houve neste lugar outras bacias menores escavadas na rocha que teriam servido para o culto de uma divindade terapecircutica Ascleacutepio (no oriente Sarapis) Nessas instalaccedilotildees dificilmente se imagina uma movimentaccedilatildeo da aacutegua por isso L Devillers20 propotildee que na fase primitiva do relato se tratava de um milagre junto agrave piscina de Siloeacute que era alimentada pela fonte do Gion Aiacute se entenderia o movimento da aacutegua O evangelista teria deslocado o milagre para a piscina de Betesda com o intuito de poder narrar duas curas nas piscinas de Jerusaleacutem e para mostrar a superioridade de Jesus em relaccedilatildeo agraves divindades terapecircuticas A discussatildeo em torno disso certamente continuaraacute O v 4 explica a movimentaccedilatildeo da aacutegua pela atividade de um anjo mas a criacutetica texual demonstra o caraacuteter secundaacuterio deste elemento e o exclui do texto

Depois dessas indicaccedilotildees topograacuteficas e cronoloacutegicas o v 3 toma em consideraccedilatildeo as pessoas envolvidas Encontra-se junto agrave piscina de Betesda uma multidatildeo de enfermos esperando cura cegos aleijados coxos A enumeraccedilatildeo natildeo eacute por acaso Em Mateus e Lucas encontramos a delegaccedilatildeo vinda de Joatildeo Batista para perguntar a Jesus se eacute ele aquele que haacute de vir A resposta de Jesus eacute ldquoIde comunicar a Joatildeo o que ouvis e vedes cegos recobram a vista paraliacuteticos andam leprosos satildeo purificados e surdos ouvem mortos ressuscitam e a pobres eacute anunciado o evangelhordquo (Mt 114s cf Lc 722) Jesus se vecirc aqui como aquele que cumpre as promessas dos profetas Cegos e coxos satildeo contemplados pela promessa de Is 355s cegos tambeacutem em Is 2918 A ressurreiccedilatildeo dos mortos eacute prometida em Is 2619 Daiacute os milagres de Jo 5 Jo 9 e Jo 11 curas de um aleijado e de um cego e ressuscitaccedilatildeo de um morto Jesus eacute aquele no qual se cumprem as promessas dos profetas

14 15 16 17 18 19 20

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55-7 No v 5 escolhe-se um da multidatildeo dos enfermos O narrador sabe que ele jaacute tem 38 anos de sofrimento As leitoras e leitores pensaratildeo provavelmente nos 38 anos da erracircncia no deserto do povo de Israel antes de poder entra na Terra Prometida (cf Dt 214) A iniciativa da cura natildeo surge como seria de regra do enfermo ou de sua comitiva mas do proacuteprio Jesus conforme o v 6 Ele enxerga o enfermo aiacute deitado sabe da duraccedilatildeo de sua enfermidade e o interpela Com clareza o evangelista salienta aqui o papel determinante de Jesus e tambeacutem seu saber acerca do ser humano (cf Jo 148 225 418) A pergunta dirigida ao enfermo ndash se ele quer recuperar a sauacutede ndash surpreende mas resposta do aleijado no v 7 mostra que estava certa A resposta do homem parece um subterfuacutegio mas Jesus enuncia o desejo do aleijado por sauacutede apesar da resposta dele pois soacute assim ele poderaacute falar a palavra que libertaraacute o enfermo

58-9c A palavra de Jesus consiste segundo o v 8 numa exortaccedilatildeo dirigida ao enfermo Ele tem de passar agrave atividade ldquoLevanta-te pega a tua maca e andardquo A frase se encontra praticamente idecircntica na cura do paraliacutetico em Mc 211 cf Mt 96 Lc 524 ndash mas aqui o curado eacute instado a ir para casa Em Joatildeo ele ldquoanda em redorrdquo (peripateacutein) como o beneficiado de Mt 115 Lc 722 cf At 36 1410 isso proveacutem de uma soacutelida tradiccedilatildeo narrativa que recupera a promessa isaiana O tema do paraliacutetico que leva a sua cama eacute atestado tambeacutem fora da Biacuteblia21 Serve para provar o ecircxito da cura mas em Joatildeo aleacutem disso para introduzir a acusaccedilatildeo de lesatildeo do saacutebado que seraacute o tema da secccedilatildeo seguinte A execuccedilatildeo pelo aleijado no v 9a-c corresponde exatamente agrave ordem dada por Jesus ele se levanta toma sua maca e anda em redor O tema do ldquolevantar-serdquo (egeacuteirein) pode ter para Joatildeo um sentido mais profundo Antecipa a autoridade do Filho para ressuscitar mortos assim como faz o Pai (cf v 21) Esta autoridade manifesta-se tambeacutem na histoacuteria da ressuscitaccedilatildeo de Laacutezaro Jo 11

O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)

O relato sobre a cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda eacute seguido de uma controveacutersia entre o curado Jesus e as autoridades judaicas acerca da legitimidade da cura que foi operado num dia de saacutebado O fato de que apenas v 9c eacute mencionado ldquoAquele dia poreacutem era um saacutebadordquo eacute visto pelos comentadores como prova de que o elemento soacute foi inserido secundariamente pelo evangelista ou por uma fonte que natildeo eacute idecircntica com a do relato do milagre22 Outros poreacutem como a escola de Lovaina (cf F Neirynck) apontam que a conexatildeo entre a cura milagrosa operada por Jesus e a questatildeo do saacutebado jaacute existe na tradiccedilatildeo sinoacuteptica (cf Mc 21ndash36 Lc 1013-17)23 Segundo P Borgen uma conexatildeo entre obras realizadas em dia de saacutebado e controveacutersias subsequentes ocorre tambeacutem em Fiacutelon de Alexandria24 Fiacutelon discute a distinccedilatildeo entre Deus que no saacutebado pode trabalhar segundo a interpretaccedilatildeo de Gn 22-3 e o ser humano que deve observar o repouso sabaacutetico (cf Migr 89-93) A conexatildeo entre a cura e o saacutebado pertence portanto provavelmente agrave tradiccedilatildeo preacute-joanina que transparece tambeacutem em Jo 721-24

Natildeo eacute muito provaacutevel a opiniatildeo de Tom Thatcher que vecirc na introduccedilatildeo atrasada de Jo 59c uma ldquoironia instaacutevelrdquo isto eacute uma enganaccedilatildeo consciente natildeo soacute dos contemporacircneos (ldquoironia estaacutevelrdquo) mas tambeacutem do leitorado (portanto um ldquotruque do saacutebadordquo)25 Tal opiniatildeo se mostra falha porque a ironia joanina sempre estaacute relacionada

21 22 23 24 25

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agrave tensatildeo entre palavras de revelaccedilatildeo de Jesus ou enunciados sobre Jesus e o mal-entendido a seu respeito por parte dos ouvintes Natildeo eacute isso que acontece aqui Natildeo haacute outro lugar no QE em que o evangelista consciamente induz seus leitores ao erro

Quanto ao gecircnero desta secccedilatildeo (e de outras similares na sequecircncia posterior do QE) sugeriu-se ver aqui o modelo veterotestamentaacuterio do ricircb a disputa judicial entre Deus e seu povo26 Tal disputa se caracteriza por isto que falta um instacircncia de arbitragem Soacute importa quais satildeo os melhores argumentos Apesar de toda a proximidade do QE ao AT e natildeo em uacuteltima instacircncia a suas tradiccedilotildees profeacuteticas a aplicaccedilatildeo desse modelo literaacuterio agraves controveacutersias entre Jesus e seus adversaacuterios em Jerusaleacutem natildeo convence Por um lado Jesus natildeo toma sem mais o lugar de Deus por outro natildeo falta em Joatildeo a instacircncia judicial Em niacutevel poliacutetico as instacircncias judiciais do povo israelita tecircm o poder de excomungar da comunidade e mesmo de infligir a pena de morte E na perspectiva teoloacutegica eacute Jesus que se revela como o juiz verdadeiro ou pelo menos como aquele que realiza o juiacutezo divino a todos aqueles que se opotildeem a ele e assim em uacuteltima instacircncia rejeitam a Deus mesmo

59d-13 A cena seguinte aacute introduzida pela frase ldquoAquele dia poreacutem era um saacutebadordquo (v 9d) A frase lembra a similar em Jo 94 cf tambeacutem 1914 Quanto ao estilo revela a matildeo do evangelista Para as controveacutersias dos versiacuteculos seguintes natildeo eacute tatildeo relevante se o dia foi mesmo um saacutebado pois segundo o direito judaico os dias de festa eram equiparados ao saacutebado

No v 10 pela primeira vez ldquoos judeusrdquo entram em cena Contrariamente a Jo 422 onde a expressatildeo designa a comunidade religiosa judaica parece que aqui se trata de um grupo dentro do judaiacutesmo Este grupo jaacute foi mencionado em 119 como mandante da delegaccedilatildeo que questionou Joatildeo Batista a respeito de sua pessoa e atividade Parece claro que se trata das autoridades judaicas em Jerusaleacutem sem que isso se caracterize mais adiante27 Os ldquojudeusrdquo objetam ao homem que foi curado que no saacutebado ele natildeo pode [[189]] carregar sua maca Carregar fardos era uma da 39 ldquoobrasrdquo consideradas proibidas pela Lei de Moises28 Para o fluxo narrativo eacute importante ver que em primeira instacircncia a objeccedilatildeo eacute dirigida ao ex-alijado e natildeo a Jesus Mas indiretamente eacute este que estaacute sendo criticado como logo mais se mostraraacute

O curado sai do jogo passando a acusaccedilatildeo para Jesus jaacute que este lhe havia ordenado a carregar sua maca e andar em redor Notaacutevel eacute a expressatildeo ldquotornar sadiordquo (hygiecirc) O adjetivo que jaacute foi usando no v 6 voltaraacute no v 14 Proveacutem provavelmente da tradiccedilatildeo pre-joanina e serve para a conexatildeo do milagre de cura com as controveacutersias subsequentes O termo aparece nos relatos de cura helenistas como foi observado29 Assim Jesus aparece como ldquodeus curandeirordquo

Na base da resposta do homem que foi curado a investigaccedilatildeo dos ldquojudeusrdquo transforma-se numa inquisiccedilatildeo acerca da pessoa que o havia curado O homem diz que natildeo sabe quem foi quem o curou O narrador acrescenta que no lugar do diaacutelogo havia muita gente e que Jesus se tinha retirado dali

514 Depois de um encontro entre o curado e ldquoos judeusrdquo Jesus se encontra com o homem Natildeo eacute ele que encontra Jesus mas Jesus que encontra a ele (como encontrou a Filipe Jo 143) ldquodepois dissordquo (metagrave taacuteuta expressatildeo joanina) e ele o exorta para que natildeo peque mais Discutiu-se muito sobre esta exortaccedilatildeo Em ciacuterculos judaicos parece 26 27 28 29

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pressuposta uma ligaccedilatildeo entre enfermidade e pecado com se refletes tambeacutem na questatildeo dos disciacutepulos em Jo 92 A tradiccedilatildeo sinoacuteptica de Ma 21-12 parece tambeacutem conhecer essa ligaccedilatildeo ainda que natildeo no sentido causal Aiacute Jesus perdoa primeiro os pecados do paraliacutetico antes de curaacute-lo Mas natildeo se confirma uma conexatildeo direta Em Jo 514 a exortaccedilatildeo de Jesus poderia ser esclarecida em vista da biografia do homem que foi curado ele natildeo utilizou todas as chances para ser curado ele natildeo pocircde ou natildeo quis dar informaccedilatildeo sobre quem o curou30 Mas o versiacuteculo seguinte contradiz isso

515 Depois do encontro com o homem curado este se dirige aos ldquojudeusrdquo para lhes comunicar que foi Jesus quem o curou Esta nota tem sido interpretada de modos muito diversos como mostra o artigo de R Metzler31 Segundo Metzler parece que o homem curado se dirigiu aos ldquojudeusrdquo para denunciar Jesus De fato ateacute entatildeo o homem natildeo deu nenhum sinal de atitude positiva em relaccedilatildeo a Jesus fica duvidoso se ele chegou a crer em Jesus Contudo hoje se aceita sempre mais uma visatildeo mais positiva do ex-aleijado32 Se ele vai aos ldquojudeusrdquo para ldquoanunciarrdquo que foi Jesus quem o curou conveacutem levar a seacuterio o verbo anaggeacutellein que significa ldquoanunciarrdquo e natildeo ldquodenunciarrdquo Neste caso o curado de Jo 5 eacute um precursor do cego de Jo 9 sendo que este chega a uma adesatildeo intreacutepida a Jesus e a uma confissatildeo plena da feacute Nesta mesma linha os exemplos da Cappella Greca nas catacumbas romanas de Priscila ou na capela do Sacramento nas catacumbas de Calisto mostram o aleijado no ciclo batismal33

516-18 O v 16 poderia ter sido o final original da narrativa na tradiccedilatildeo preacute-joanina Os ldquojudeusrdquo perseguem Jesus como transgressor do saacutebado34 O imperfeito sugere antes um conflito permanente que uma ocorrecircncia uacutenica O vocabulaacuterio prepara o tema da perseguiccedilatildeo futura dos disciacutepulos (Jo 1520) Como os ldquojudeusrdquo perseguiram Jesus perseguiratildeo tambeacutem seus disciacutepulos

O v 17 jaacute antecipa o discurso de revelaccedilatildeo de Jesus (por isso geralmente eacute atribuiacutedo ao evangelista) Jesus designa sua accedilatildeo como ldquoobrardquo e legitima-a dizendo que foi operada em uniatildeo com o Pai Pois segundo uma interpretaccedilatildeo judaica atestada por Fiacutelon Deus trabalha no saacutebado e por isso a ldquoobrardquo de Jesus eacute legiacutetima35

Os ldquojudeusrdquo poreacutem segundo o v 18 ficam farejando essa pretensatildeo de Jesus de ser igual a Deus com o desejo de mataacute-lo por causa dessa blasfecircmia Esta intenccedilatildeo ultrapassa o ldquoperseguirrdquo do v 16 mas tem base na tradiccedilatildeo sinoacuteptica de Mc 21ndash36 (cf Mc 36) W A Meeks tem estudado paralelos heleniacutesticos referentes agrave igualdade com Deus36 Pense-se aqui em [[192]] Apolocircnio de Tiana biografado por Flaacutevio Filostrato Ele justifica diante do imperador Domiciano o tiacutetulo de ldquodeusrdquo que seus adeptos lhe deram De imediato Apolocircnio exibe uma prova de suas capacidades sobre-humanas ao tornar-se subitamente invisiacutevel aos olhos dos espectadores Depois ele se justifica verbalmente Os homens veneram as pessoas boas como deuses porque encarnam a imagem de Deus Tanto mais uma pessoa prendada com as capacidades de Apolocircnio pode designar-se como deus37 A argumentaccedilatildeo tem alguma semelhanccedila com a de Jo 5 e tambeacutem com a de Jo 10 onde Jesus cita (v 34) a seu favor o Sl 826 no qual todos os

30 31 32 33 34 35 36 37

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israelitas satildeo chamados ldquodeuses e filhos do Altiacutessimordquo38 Segundo uma tradiccedilatildeo judaica todos os israelitas que ouviram no Sinai a voz de Deus e receberam sua instruccedilatildeo tornaram-se divinos Soacute pelo pecado na ocasiatildeo da adoraccedilatildeo do bezerro de ouro perderam esse privileacutegio E soacute pela observaccedilatildeo irrepreensiacutevel da Toraacute voltaratildeo agrave condiccedilatildeo de readquirir esse privileacutegio (pense-se na segunda conclusatildeo da alianccedila em Ex 34) Jesus pode ter-se referido a um tradiccedilatildeo desse tipo O assunto voltaraacute por ocasiatildeo de Jo 1034-36 (veja ali)

Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)

Em Jo 519 inicia-se a uacuteltima parte do capiacutetulo 5 A partir de agora soacute fala Jesus Depois da cura milagrosa (vv 1-9c) e o diaacutelogo (vv 9d-18) segue agora um discurso de revelaccedilatildeo O estilo dos vv 19-47 eacute joanino e assim eacute tambeacutem a teologia O autor parece basear-se antes em tradiccedilotildees orais do que em fontes escritas Quanto agrave possibilidade uma camada ulterior nos vv 28s veja ali

Os vv 19-30 constituem como jaacute dissemos (acima I) uma subdivisatildeo autocircnoma Esta eacute emoldurada pelo enunciado de que o Filho natildeo pode agir por iniciativa proacutepria mas permanentemente age em uniatildeo com o seu Pai (vv 19 e 30) As duas obras por excelecircncia de Deus o Pai satildeo o dom da vida na ressurreiccedilatildeo dos mortos e o julgamento Com essa dupla expressatildeo o Jesus joanino remonta agrave tradiccedilatildeo judaica Ambas as obras satildeo as que Deus pode fazer no saacutebado Assim esta secccedilatildeo reata com a anterior e a encerra

A composiccedilatildeo da secccedilatildeo eacute simples Nos vv 19-20 eacute introduzido o princiacutepio segundo o qual o filho natildeo pode fazer outra coisa senatildeo o que ele vecirc o Pai fazer A imagem pode provir do mundo do artesanato no qual o filho retoma a profissatildeo do pai Nos vv 21-28 aclara-se qual eacute a obra que o Filho retoma do Pai ambas as obras do dom da vida na ressurreiccedilatildeo e o julgamento Ambas satildeo obras reservadas a Deus que satildeo confiadas ao Filho O v 21 fala do dom da vida os vv 22-23 do julgamento

Nos vv 24-28 eacute explicada a obra do Filho A promessa da vida e o exerciacutecio do juiacutezo satildeo coisas que acontecem hoje ldquoVem a hora e eacute agorardquo (v 25) O mesmo tema volta nos vv 28s mas a promessa eacute formulada soacute para o futuro ldquoVem a horardquo (v28) Os exegetas discutem sobre o significado desta reduplicaccedilatildeo eacute o que deveremos considerar na exegese dos vv 28s

519-20 O discurso de Jesus propriamente se inicia com a tiacutepica afirmaccedilatildeo joanina ldquoAmeacutem ameacutem eu vos digordquo Ela confere agraves palavras seguintes um peso particular Os primeiros versiacuteculos satildeo ambos caracterizados pela imagem tomada do mundo do trabalho artesanal de que o filho aprende a arte do pai enquanto ele observa sua atividade e a imita C H Dodd descobriu e descreveu esta paraacutebola39 Desde este ponto de vista explicam-se os conceitos do ldquoverrsquo do ldquomostrarrsquo e do ldquofazerrdquo A relaccedilatildeo de pai e filho natildeo eacute somente de natureza profissional mas tambeacutem familiar o pai ama o seu filho Esta dupla dimensatildeo pode ser transferida para a relaccedilatildeo entre o Pai celeste e seu Filho Jesus Tambeacutem este natildeo pode fazer nada a partir de si e soacute faz o que lhe eacute mostrado e confiado pelo Pai Pertencem agrave obra que o Pai confia ao Filho as obras da criaccedilatildeo (cf Jo 13) mas tambeacutem as da salvaccedilatildeo que tecircm seu aacutepice na obra escatoloacutegica Satildeo essas as ldquoobras maioresrdquo que o Filho realiza para admiraccedilatildeo de seus contemporacircneos

38 39

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521-23 Os versiacuteculos anteriores expuseram a dependecircncia do Filho em relaccedilatildeo ao Pai o Filho natildeo faz nada a natildeo ser o que ele vecirc o Pai fazer Os vv 21-23 em compoensaccedilo acentuam a dignidade do Filho Terminam asseverando que cada um que honra o Pai honra tambeacutem o Filho A dignidade do Filho eacute mostrada por sua participaccedilatildeo nas obras que satildeo reservadas a Deus soacute ressuscitar os mortos e executar o julgamento De fato o julgamento eacute reservado exclusivamente ao Filho Deus nem participa dele Nestes versiacuteculos mostra-se a teologia joanina como reflexatildeo priacutestina da Igreja sobre a dignidade de Cristo A visatildeo de Joatildeo aproxima-se da de Paulo e de sua tradiccedilatildeo (cf o hino que Paulo utilizou em Fl 26-11 ou o iniacutecio da carta aos Romanos Rm 13-4 ou tambeacutem a foacutermula ldquotrinitaacuteriardquo de 2Cor 1313) Visatildeo semelhante encontra-se tambeacutem em outras camadas e escritos do NT [[194]] (cf Mt 1125-27 Mc 111par 97 par Hb 11-4) Para a outorga do julgamento ao Filho do Homem cf Mc 1326s par Mt 2531-46

Desde o iniacutecio a divindade de Jesus encontrou resistecircncia Bem cedo judeus e provavelmente tambeacutem judeu-cristatildeos opuseram-se a essa visatildeo As grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 encontram aqui sua fundamentaccedilatildeo Pouco depois Aacuterio vai combater a filiaccedilatildeo divina de Jesus Segundo ele Jesus eacute criatura natildeo igual ao Pai Na hora presente surge resistecircncia agrave metaacutefora familiar que serve para articular o discurso sobre o Pai e o Filho E M Boring40 expressa estas ressalvas para o mundo ocidental A seu ver exprime-se no discurso sobre ldquoPairdquo e ldquoFilhordquo certo patriarcalismo que eacute posto em xeque natildeo soacute do lado feminista mas tambeacutem por contemporacircneos que questionam a autoridade paterna como tal Importa levar a seacuterio tais questionamentos observando poreacutem que elas surgem principalmente do mundo ocidental

524-27 Nos versiacuteculos que aqui seguem promete-se vida eterna aos que ouvem a palavra de Jesus e creem no Deus que o enviou Mais exatamente a vida eterna natildeo eacute prometida aqui mas explica-se que todos os que ouvem a palavra de Jesus e creem no Pai jaacute passaram da morte para a vida (tempo perfeito grego) Estes natildeo chegam ao julgamento Aqui se exprime a ldquoescatologia presenterdquo tiacutepica do QEvg Segundo a visatildeo judaica tradicional todo ser humano enfrenta a morte no fim de sua vida terrestre E depois haveraacute segundo a convicccedilatildeo farisaica a ressurreiccedilatildeo dos mortos (ou dos justos) com o julgamento e com a vida eterna para os justos Segundo Joatildeo a morte verdadeira consiste na separaccedilatildeo de Deus a origem da vida Desta morte pode-se passar jaacute agora para a vida verdadeira a vida eterna quando se crecirc em Jesus e naquele que o enviou Quem age assim natildeo vai a juiacutezo Esta visatildeo encontra-se tambeacutem em outro lugar no QE (cf 315-1836 64047 1246s) A promessa de ldquovida eternardquo encontra-se jaacute em Dn 122 onde ela eacute prometida aos justos para o dia do julgamento final quando sairatildeo de seus sepulcros O papel do arcanjo Miguel eacute assumido [[195]] em Joatildeo pelo ldquoFilho de Deusrdquo na funccedilatildeo de ldquoFilho do homemrdquo (cf v27 Dn 723s) A expressatildeo ldquovem a horardquo eacute completada no v 25 por ldquo e eacute agorardquo A partir daqui os conceitos de ldquomorterdquo e ldquovidardquo satildeo reinterpretados A morte consiste na separaccedilatildeo de Deus como fonte originaacuteria da vida e a ldquovidardquo eacute a ldquovida eternardquo na medida em que vem de Deus O futuro gramatical que aparece aqui no enunciado sobre o ouvir da voz da ressurreiccedilatildeo e da vida perde seu sentido de indicaccedilatildeo temporal e eacute antes de natureza loacutegica o que deve acontecer acontece agora na ldquohorardquo do crer

No v 26 o evangelista abandona por um momento o ideaacuterio apocaliacuteptica da tradiccedilatildeo e fala de Cristo como fonte da vida numa linguagem mais fortemente teoloacutegica O Pai tem em si a vida e este pleno poder ele o transmitiu tambeacutem ao Filho Aqui volta agrave mente o Proacutelogo do QE (Jo 14) onde o Logos divino aparece como portador da fonte da vida 40

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No v 27 o autor volta ao ideaacuterio apocaliacuteptico Os comentadores veem no v 27 um eco de Dn 713s embora nesse lugar natildeo se exprima propriamente o julgamento mas antes todo o senhorio ateacute o fim do tempo Uma confirmaccedilatildeo da dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Daniel neste lugar pode transparecer na falta do artigo definido no v 27 ldquoporque ele eacute um filho do homemrdquo

528-29 A injunccedilatildeo no iniacutecio do v 28 ndash ldquoNatildeo fiqueis admirados com issordquo ndash pode ser conectado ao contexto anterior como muitas vezes se faz Neste caso a partiacutecula hoacuteti que se segue tem antes um sentido causal e poderia ser substituiacutedo por dois pontos Mas eacute possiacutevel tambeacutem relacionar a injunccedilatildeo com o contexto subsequente e entender o hoacuteti como declarativo eacute a interpretaccedilatildeo de H-C Kammler41 Contudo natildeo faz tanta diferenccedila no sentido

Os vv 28s retomam o v 25 como geralmente eacute observado Os versiacuteculos se correspondem ateacute na formulaccedilatildeo como mostra este quadro 25 ἔρχεται ὥρα καὶ νῦν ἐστιν ὅτε οἱ νεκροὶ ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς τοῦ υἱοῦ τοῦ θεοῦ καὶ οἱ ἀκούσαντες ζήσουσιν

28s ἔρχεται ὥρα ἐν ᾗ πάντες οἱ ἐν τοῖς μνημείοις ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς αὐτοῦ καὶ ἐκπορεύσονται οἱ τὰ ἀγαθὰ ποιήσαντες εἰς ἀνάστασιν ζωῆς οἱ δὲ τὰ φαῦλα πράξαντες εἰς ἀνάστασιν κρίσεως

As principais diferenccedilas satildeo estas os vv 28s dizem ldquovem a horardquo sem acrescentar ldquoe eacute agorardquo Tambeacutem dizem ldquotodos os que estatildeo nos sepulcrosrdquo em vez de ldquoos mortosrdquo e o julgamento parece estar ligado agraves obras de cada um Como entender essas diferenccedilas Trecircs modelos entram na discussatildeo

O primeiro modelo eacute o da ldquoescatologia presenterdquo representado sobretudo pelo comentaacuterio de R Bultmann publicado em 1941 e seguido por numerosos autores42 Segundo estes autores o texto de Jo 528s fala de uma futura ressurreiccedilatildeo dos mortos no dia do juiacutezo final A ldquoescatologia presenterdquo de Joatildeo pareceu ousada demais para a Igreja a no fim do seacuteculo I e foi por isso completada pelo modelo ldquoclaacutessicordquo da escatologia judaica que se encontra tambeacutem em outros escritos do NT (sinoacutepticos e Paulo pelo menos em parte) Deste modo ldquosalvou-serdquo o QE para a Igreja poacutes-apostoacutelica

O segundo modelo eacute o de duas camadas no EJ que se completam mutuamente Eacute adotado pelos grandes comentaacuterios da Gratilde-Bretanha43 dos EUA44 e de muitos autores da Europa continental45 Segundo estes autores o evangelista retoma sua caracteriacutestica escatologia presente reformulando-a em termos de escatologia futura Neste caso natildeo eacute preciso tomar como ponto de partida o modelo judeu-apocaliacuteptico ou protocristatildeo da ressurreiccedilatildeo dos mortos no fim do tempo Joatildeo natildeo fala de fato dos ldquomortosrdquo que ressuscitam mas daqueles ldquoque estatildeo nos sepulcrosrdquo os ldquomortosrdquo satildeo em todo o caso aqueles que jaacute nesta vida ficaram separados de Deus por terem-se decidido contra Deus Estas observaccedilotildees jaacute se encontram no comentaacuterio de Josef Blank Ultimamente Joumlrg Frey na sua obra magistral em trecircs volumes sobre a escatologia joanina46 defende com forccedila a tese de que ambas as escatologia em Joatildeo devem ser consideradas de modo

41 42 43 44 45 46

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complementar Sem a escatologia futura o querigma joaneu seria incompleto A Bultmann se deve conceder que as ldquoobrasrdquo mencionadas no texto de Joatildeo natildeo satildeo as ldquoobras boasrdquo ou ldquomaacutesrdquo do judaiacutesmo ou do protocristianismo mas a feacute ou a descrenccedila em relaccedilatildeo a Cristo (cf Jo 316-19 629)

Um terceiro modelo interpreta Jo 525-29 de modo estritamente unitaacuterio e isso a partir da escatologia presente47 Tambeacutem os vv 28s podem ser interpretados no sentido da escatologia presente quando lidos direitinho apesar de sua formulaccedilatildeo que evoca a escatologia futura O futuro gramatical seria semelhante ao do v 25 (cf tambeacutem Jo 1016) Segundo esta proposta Jesus fala do tempo poacutes-pascal quando as promessas do tempo final estaratildeo realizadas48 Este estudo merece consideraccedilatildeo mais profunda com consideraccedilatildeo de outros textos ldquoescatoloacutegicosrdquo de Joatildeo como 639404454 A favor desta proposta pode-se alegar que em Jo 42123 natildeo parece haver diferenccedila semacircntica entre ldquovem a horardquo (eacuterkhetai hocircra) e ldquoa hora vem e aacute agorardquo (eacuterkhetai hocircra kai nyn estin)

530 Assim como Jesus concede a vida em plena dependecircncia do Pai assim tambeacutem exerce o julgamento Isso eacute dito no versiacuteculo final v 30 De fato Jesus natildeo procura sua proacutepria vontade mas a vontade de quem o enviou (cf Jo 528) Por isso seu julgamento eacute reto Literariamente este versiacuteculo pela retomada do v19 encerra de modo eficaz a periacutecope 519-30 Ao mesmo tempo prepara a transiccedilatildeo para a secccedilatildeo seguinte

Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)

Esta secccedilatildeo eacute semelhante em sua composiccedilatildeo agrave precedente (Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria 519-30) e agrave subsequente (Jesus natildeo procura sua proacutepria honra 541-47) O princiacutepio fundamental se encontra no iniacutecio da secccedilatildeo e assim eacute apresentado o tema Sempre Jesus rejeita arrogar para si proacuteprio honra e autoridade Sua autoridade seu reconhecimento e sua honra vecircm de Deus Exatamente por esta razatildeo ele se eleva acima de qualquer autoridade humana Deus mesmo opera nele o legitima e o honra

A secccedilatildeo 531-40 eacute caracterizada pelo campo semacircntico do ldquotestemunhordquo49 No v 31 Jesus contesta que ele daacute testemunho a favor de si mesmo (em Jo 812-20 prevalece outro ponto de vista) Quem daacute testemunho a favor dele eacute outro o Pai que por enquanto natildeo eacute nomeado (no v 32) Acresce o testemunho de Joatildeo Batista agora uma figura do passado (533-35) No v 36 o evangelista volta ao tema do ldquooutrordquo que testemunha a favor de Jesus e agora fica claro que se trata do Pai Ele eacute quem concede a Jesus realizar as obras admiraacuteveis que datildeo testemunho em seu favor (v 36) e ele testemunha tambeacutem diretamente a favor de Jesus (vv 37-38) como jaacute o fez no passado nas Escrituras de Israel (v39) Para valorizar esse testemunho muacuteltiplo [[198]] basta a boa vontade para se deixar conduzir a Jesus e assim receber a vida (v 40)

531-32 Os dois versiacuteculos introdutoacuterios satildeo moldados na forma dos vv 19 e 41 e expressam a dependecircncia ilimitada de Jesus como Filho em relaccedilatildeo ao Pai mas exprimem tambeacutem a autoridade que o Pai lhe concedeu em vista de sua missatildeo Quanto agrave ldquoverdaderdquo deste testemunho comparem-se Jo 1935 2114 e 3Jo 9

533-35 Alem de Deus que daacute plena autoridade a Jesus na sua missatildeo em ato e palavra a principal testemunha de Jesus segundo o evangelista eacute Joatildeo Batista Desde o Proacutelogo (16-8 e 15) ele aparece como testemunha a favor de Jesus A parte narrativa do QE comeccedila com uma grande secccedilatildeo sobre o testemunho do Batista a favor de Jesus (Jo 47 48 49

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119-34) Este testemunho eacute pressuposto e continuado no diaacutelogo do Batista com seus disciacutepulos em Jo 322-30 o Batista eacute apenas o amigo do esposo e se alegra ao ouvir a voz do esposo no quarto nupcial (329) ele apenas vem agrave frente do Messias natildeo eacute o proacuteprio Messias A tarefa de Joatildeo de ser testemunha de Jesus parece tatildeo dominante para o QEvg que ele nunca o chama de ldquobatistardquo mas dele soacute fala em termos de testemunha Ele eacute revezado em sua qualidade de ldquoacompanhanterdquo de Jesus por Laacutezaro nos caps 11-12 e pelo Disciacutepulo Amado nos caps 13-21

No tempo da controveacutersia de Jesus com os ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem depois da cura do aleijado o Batista jaacute havia terminado seu percurso Jesus fala dele em termos de passado Os ldquojudeusrdquo tinham enviado a ele uma delegaccedilatildeo para saber quem era Jesus mas natildeo quiseram aceitar seu testemunho Mais soacute o aguentaram por pouco tempo e depois o eliminaram O QEvg expressa essa experiecircncia com a imagem da lacircmpada Os ldquojudeusrdquo soacute quiseram alegrar-se agrave sua luz por pouco tempo Em termos de linguagem e conteuacutedo nota-se a diferenccedila com Jesus Joatildeo eacute a ldquolacircmpadardquo Jesus eacute a luz do mundo (cf Jo 14s9 812 95 1246)

536 A seguir Jesus trata do testemunho do Pai nas obras que este lhe concede Estras obra conduziram agrave admiraccedilatildeo e agrave feacute como vimos nos primeiros sinais de Jesus (Jo 21-12 e 446-54 cf 223 32) Poder-se-iaacrscenarf as obra de que fala Jesus em Jo 517-30 especialmente as pelas quais ele faz vikver os mortos e no nome de Deus faz o julgamento Mas estras obras soacute se percebem na feacute

Quando se pergunta pelos antecedentes literaacuterios da representaccedilatildeo joanina do testemunho das obras a favor de Jesus podem alegar-se textos do judaiacutesmo heleniacutestico que falam do testemunho de Deus a favor de Moiseacutes Tanto Flaacutevio Josefo como tambeacutem Fiacutelon de Alexandria falam de tal testemunho lembrando os ldquosinaisrdquo que Moiseacutes operou quando da saiacuteda de Israel do Egito e quando da travessia pelo mar Vermelho e pelo deserto (Fiacutelon Vita Mos 2[3] 263281 Flaacutevio Josefo Contra Ap II 53)50 No NT este tema eacute utilizado cristologicamente em At 143 e Hb 24 114

537-39 Assim como o Pai testemunhou a favor de Jesus nas obras que ele lhe concedeu realizar tambeacutem deu testemunho a favor dele na sua palavra Essa palavra se deu na Antiga Alianccedila Verdade eacute que os israelitas natildeo puderam ouvi-la como tambeacutem natildeo puderam ver a face de Deus Mas eles possuiacuteam o testemunho divino a favor de Jesus nas suas Sagradas Escrituras Se as tivessem perscrutado teriam descoberto o seu testemunho a favor de Jesus

O ldquotestemunhordquo das escrituras eacute de modo novo um tema caracteriacutestico do QE mas natildeo sem antecedentes e paralelos nos demais escritos do NT A tradiccedilatildeo sinoacuteptica conhece sobretudo o cumprimento de determinadas passagens das Escrituras de Israel em Jesus em sua vida e em seu sofrimento Joatildeo ndash em concordacircncia com os sinoacutepticos ndash mostra esse modo de proceder sobretudo no seu relado da Paixatildeo Em Jo 1238 aparece pela primeira vez a foacutermula ldquoAssim havia de se cumprirrdquo Mais caracteriacutestico de Joatildeo eacute o uso da Escritura como testemunho a favor de Jesus sem a citaccedilatildeo de determinada passagem51 Natildeo esta ou aquela passagem mas a Escritura como tal daacute testemunho a favor de Jesus Jo 539 eacute o texto claacutessico para ilustrar este modo de ver mas veja-se tambeacutem Jo 145 545-47 1034 uma citaccedilatildeo dos Salmos como testemunho da ldquoLeirdquo

Quando os israelitas natildeo conseguem perceber nas suas escrituras o testemunho a favor de Jesus a culpa natildeo eacute da Escritura Satildeo antes os leitores que natildeo estatildeo dispostos a abrir-se para a mensagem da Escritura Assim retiram-se da fonte da vida50 51

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Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)

Esta uacuteltima secccedilatildeo do discurso de Jesus pode ser subdividido em duas partes Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41-44) e natildeo eacute Jesus que acusa os judeus mas Moiseacutes (vv 45-47)

541-44 O conjunto dos vv 41-44 eacute emoldurado pelo tema da ldquohonrardquo52 Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41) Satildeo antes os seus adversaacuterios que fazem isso colhendo honra uns dos outros e natildeo do Deus uacutenico (v 44) de modo a serem incapazes de ir ateacute Jesus e de crer nele Nos vv 42-43 indica-se uma razatildeo mais profunda da atitude errada dos adversaacuterios de Jesus eles natildeo tecircm em si o amor de Deus Assim eles recebem quem se apresenta em nome proacuteprio mas natildeo aquele que vem em nome de Deus Jesus

Salvo engano estes versiacuteculos devem ter sido influenciados pela confissatildeo de feacute de Israel o Shemalsquo Yisrael ldquoOuve Israelrdquo de Dt 64s Neste texto central do judaiacutesmo Deus ordena a seu povo confessaacute-lo como Deus uacutenico e confessaacute-lo de todo o coraccedilatildeo A influecircncia deste texto sobre Jo 541-44 como tambeacutem sobre Jo 841s foi pouco observado ateacute agora Em ambos os lugares satildeo interligados a unicidade de Deus e o amor a ele ou a Jesus como enviado do Pai Um eco deste mandamento encontra-se tambeacutem em Jo 2115-17 (o amor de Pedro a Jesus como expressatildeo de sua relaccedilatildeo fundamental para com ele possibilitando seu encargo como pastor do rebanho do Senhor)

Se esta interpretaccedilatildeo estiver certa segue-se para Jo 542 e textos similares do QE que a expressatildeo hē agaacutepē tou theoacuteu deve ser entendida como genitivo de objeto No EJ trata-se de ter a relaccedilatildeo reta para com Deus tambeacutem como membro do povo de Israel Quem natildeo ama a Deus natildeo amaraacute o Cristo seu Filho e buscaraacute sua proacutepria honra Na Primeira Carta de Joatildeo a situaccedilatildeo eacute diferente O autor encontra-se em discussatildeo com um grupo que arroga para si em alto grau a posse do Espiacuterito considera estar acima da Lei e poder afirmar que conhece Deus e o ama A estas pessoas a 1Jo diz que antes de tudo satildeo amadas por Deus antes de poderem dizer que amam a Deus (cf 1Jo 47-21 tambeacutem 215 316s)

545-47 Para a transiccedilatildeo ao tema da honra para o de Moiseacutes satildeo apontadas diversas razotildees Jaacute em Jo 539 Jesus afirmou que as Escrituras falam dele As Escrituras de Israel satildeo a Toraacute mediada por Moiseacutes e tambeacutem os demais escritos principalmente os Salmos Neste sentido o tema de Moiseacutes que acusa os israelitas jaacute foi preparado no contexto imediatamente anterior O texto lembra tambeacutem Jo 719-23 onde Jesus em conexatildeo com a cura que realizou em dia de saacutebado arguacutei a partir da Lei de Moiseacutes que permite a circuncisatildeo no saacutebado Podemos ver tambeacutem em Jo 545-47 uma referecircncia agrave controveacutersia sobre a aplicaccedilatildeo da Lei de Moiseacutes em torno da cura que Jesus realizou

A convicccedilatildeo de que Moiseacutes escreveu a respeito de Jesus (v 46) pode-se deduzir da visatildeo global de Joatildeo segundo a qual a Escritura inteira quando lida direitinho fala de Jesus Um primeiro exemplo encontra-se em Jo 145 nas palavras de Filipe ldquoEncontramos Jesus o filho de Joseacute de Nazareacute aquele sobre quem escreveram Moiseacutes na Lei e os Profetasrdquo

Os israelitas creram em Deus e em Moiseacutes como eacute dito no fim do relato da saiacuteda milagrosa de Israel do Egito e da travessia do mar Vermelho em Ex 143 Os israelitas do tempo de Jesus estatildeo nesta tradiccedilatildeo A eles eacute que Jesus dirige a palavra dizendo que natildeo basta crer em Moiseacutes mas que eacute preciso ler suas escrituras no modo certo como testemunho a favor de Jesus Quem acredita em Moiseacutes tambeacutem deve acreditar em

52

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Jesus pois dele eacute que Jesus escreveu Quem natildeo acredita em Jesus natildeo pode afirmar que acreditou nas palavras de Moiseacutes Deste modo o cap 5 se encerra com uma acusaccedilatildeo contundente contra os ouvintes O conflito continuaraacute nos capiacutetulos 6 e 7ndash8

III

Depois que nos caps 2ndash4 do EJ Jesus levou sua mensagem sempre mais do centro para a periferia da terra de Israel no cap 5 ele volta ao centro e enfrenta a discussatildeo com os habitantes de Jerusaleacutem e os liacutederes do povo judeu em torno de sua missatildeo Um milagre estupendo a cura de algueacutem que havia 38 anos estava aleijado levou agrave discussatildeo de sua accedilatildeo feita no saacutebado e paulatinamente agrave discussatildeo sobre sua pessoa Pela primeira vez ldquoos judeusrdquo aparecem agora numa secccedilatildeo maior como adversaacuterios de Jesus A afirmaccedilatildeo de Jesus de agir em uniatildeo com seu Pai celeste soacute os faz concluir que ele se torna igual em poder e ordem ao Pai Esta afirmaccedilatildeo provocou contestaccedilatildeo natildeo soacute no tempo do evangelista Para entendecirc-la bem vale a pena reler atentamente o desenvolvimento do discurso de Jesus em Jo 519-47

Na leitura atenta nota-se que Jesus continuamente recusa colocar-se a si mesmo no centro Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (vv 19-30) nem testemunha a favor de si mesmo (vv 31-40) nem procura sua proacutepria honra (vv 41-45 ou 47) Deus eacute quem o deixa participar de sua obra que o defende e o honra Olhando por este lado o discurso de vv 19-47 natildeo eacute meramente ou nem em primeiro lugar cristoloacutegico Ele eacute e permanece teoloacutegico Com a melhor tradiccedilatildeo de Israel o QEvg e na sua obra o Cristo de seu evangelho reduzem toda o agir a Deus o Pai Eacute ele quem opera no Filho o defende e o honra Natildeo eacute por acaso que por isso aparece nos versiacuteculos finais 42-44 o principal mandamento a confissatildeo do Deus uacutenico de Israel e a ordem de amaacute-lo A partir daiacute a reivindicaccedilatildeo de Jesus em Jo 5 e nas grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 merece renovada reflexatildeo

2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)1 Depois disso Jesus foi para para o outro lado do mar da Galileacuteia ou seja de Tiberiacuteades 2 Uma grande multidatildeo o seguia vendo os sinais que ele fazia a favor dos doentes 3 Jesus subiu a montanha e sentou-se laacute com os seus disciacutepulos 4 Estava proacutexima a Paacutescoa a festa dos judeus 5 Levantando os olhos e vendo uma grande multidatildeo que vinha a ele Jesus disse a Filipe ldquoOnde vamos comprar patildeo para que essa gente possa comerrdquo 6 Disse isso para testar Filipe pois ele sabia muito bem o que ia fazer 7 Filipe respondeu ldquoNem duzentos denaacuterios de patildeo bastariam para dar um pouquinho a cada umrdquo 8 Um dos disciacutepulos Andreacute irmatildeo de Simatildeo Pedro disse 9 ldquoEstaacute aqui um menino com cinco patildees de cevada e dois peixes Mas que eacute isso para tanta genterdquo 10 Jesus disse ldquoFazei as pessoas sentar-serdquo Naquele lugar havia muita relva e laacute se sentaram os homens em nuacutemero de aproximadamente cinco mil 11 Jesus tomou os patildees deu graccedilas e distribuiu aos que estavam sentados tanto quanto queriam E fez o mesmo com os peixes 12 Quando todos se fartaram disse aos disciacutepulos ldquoJuntai os pedaccedilos que sobraram para que nada se percardquo 13 Eles juntaram e encheram doze cestos com os pedaccedilos que sobraram dos cinco patildees de cevada que comeram 14 Agrave vista do sinal que Jesus tinha realizado as pessoas exclamavam ldquoEste eacute verdadeiramente o profeta aquele que deve vir ao mundordquo 15 Quando Jesus percebeu que queriam levaacute-lo para proclamaacute-lo rei novamente se retirou para a montanha sozinho

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16 Ao anoitecer os disciacutepulos desceram para a beira-mar 17 Entraram no barco e foram na direccedilatildeo de Cafarnaum do outro lado do mar Jaacute estava escuro e Jesus ainda natildeo tinha vindo a eles 18 Soprava um vento forte e o mar estava agitado 19 Os disciacutepulos tinham remado vinte e cinco ou trinta estaacutedios quando avistaram Jesus andando sobre as aacuteguas e aproximando-se do barco Eles ficaram com medo 20 Jesus poreacutem lhes disse ldquoSou eu Natildeo tenhais medordquo 21 Eles queriam receber Jesus no barco mas logo o barco atingiu a terra para onde estavam indo22 No dia seguinte a multidatildeo que tinha ficado do outro lado do mar notou que antes havia aiacute um soacute barco e que Jesus natildeo entrara nele com os disciacutepulos os quais haviam partido sozinhos 23 Entretanto outros barcos chegaram de Tiberiacuteades perto do lugar onde tinham comido o patildeo depois de o Senhor ter dado graccedilas 24 Quando a multidatildeo percebeu que Jesus natildeo estava aiacute nem os seus disciacutepulos entraram nos barcos e foram procurar Jesus em Cafarnaum 25 Encontrando-o do outro lado do mar perguntaram-lhe ldquoRabi quando chegaste aquirdquo 26 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo estais me procurando natildeo porque vistes sinais mas porque comestes patildeo e ficastes saciados 27 Trabalhai natildeo pelo alimento que se perde mas pelo alimento que permanece ateacute agrave vida eterna e que o Filho do Homem vos daraacute Pois a este Deus Pai o marcou com seu selo 28 Perguntaram entatildeo ldquoQue devemos fazer para praticar as obras de Deusrdquo 29 Jesus respondeu ldquoA obra de Deus eacute que acrediteis naquele que ele enviourdquo 30 Eles perguntaram ldquoQue sinais realizas para que possamos ver e acreditar em ti Que obras fazes 31 Nossos pais comeram o manaacute no deserto como estaacute na Escritura lsquoDeu-lhes a comer patildeo do ceacuteursquordquo 32 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo natildeo foi Moiseacutes quem vos deu o patildeo do ceacuteu Eacute meu Pai quem vos daacute o verdadeiro patildeo do ceacuteu 33 Pois o patildeo de Deus eacute aquele que desce do ceacuteu e daacute vida ao mundordquo 34 Eles entatildeo pediram ldquoSenhor daacute-nos sempre desse patildeordquo 35 Jesus lhes disse ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sede 36 Contudo eu vos disse que me vistes mas natildeo credes 37 Todo aquele que o Pai me daacute viraacute a mim e quem vem a mim eu natildeo jogarei fora 38 porque eu desci do ceacuteu natildeo para fazer a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou ldquo39 E esta eacute a vontade daquele que me enviou que eu natildeo perca nenhum daqueles que ele me deu mas os ressuscite no uacuteltimo dia 40 Esta eacute a vontade do meu Pai quem vecirc o Filho e nele crecirc tenha vida eterna E eu o ressuscitarei no uacuteltimo diardquo41 Entatildeo os judeus comeccedilaram a murmurar contra Jesus porque ele disse ldquoEu sou o patildeo que desceu do ceacuteurdquo 42 Diziam ldquoEste natildeo eacute Jesus o filho de Joseacute Natildeo conhecemos noacutes o seu pai e sua matildee Como pode entatildeo dizer que desceu do ceacuteurdquo 43 Jesus respondeu ldquoNatildeo murmureis entre voacutes 44 Ningueacutem pode vir a mim se o Pai que me enviou natildeo o atrair E eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 45 Estaacute escrito nos Profetas lsquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrsquo Ora todo aquele que escutou o ensinamento do Pai e o aprendeu vem a mim 46 Ningueacutem jamais viu o Pai a natildeo ser aquele que vem de junto de Deus este viu o Pai 47 Ameacutem ameacutem vos digo quem crecirc tem vida eterna 48 Eu sou o patildeo da vida 49 Os vossos pais comeram o manaacute no deserto e no entanto morreram 50 Aqui estaacute o patildeo que desce do ceacuteu para que natildeo morra quem dele comer51 ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteu Quem come deste patildeo viveraacute eternamente E o patildeo que eu darei eacute a minha carne dada pela vida do mundordquo 52 Os judeus discutiam entre si ldquoComo eacute que ele pode dar a sua carne a comerrdquo 53 Jesus disse ldquoAmeacutem ameacutem vos digo se natildeo comerdes a carne do Filho do Homem e natildeo beberdes o seu sangue natildeo tereis vida em voacutes 54 Quem mastiga minha carne e

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bebe meu sangue tem vida eterna e eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 55 Pois minha carne eacute verdadeira comida e meu sangue eacute verdadeira bebida 56 Quem mastiga minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele 57 Como o Pai que vive me enviou e eu vivo por meio dele assim viveraacute por meio de mim aquele que me mastiga 58 Este eacute o patildeo que desceu do ceacuteu Natildeo eacute como aquele que vossos pais comeram ndash e no entanto morreram Quem mastiga este patildeo viveraacute para semprerdquo 59 Jesus falou essas coisas ensinando na reuniatildeo sinagogal em Cafarnaum 60 Muitos disciacutepulos que o ouviram disseram entatildeo ldquoEssa palavra eacute inaceitaacutevel Quem consegue escutaacute-lardquo 61 Percebendo que seus disciacutepulos estavam murmurando por causa disso Jesus perguntou ldquoIsto vos escandaliza 62 Que seraacute entatildeo quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes 63 O Espiacuterito eacute que daacute vida a carne de nada serve As palavras que vos falei satildeo Espiacuterito e satildeo vida 64 Mas haacute alguns entre voacutes que natildeo crecircemrdquo Jesus sabia desde o iniacutecio quem eram os que acreditavam e quem havia de entregaacute-lo 65 E acrescentou ldquoEacute por isso que eu vos disse lsquoNingueacutem pode vir a mim a natildeo ser que lhe seja dado pelo Pairsquordquo 66 A partir daquele momento muitos disciacutepulos o abandonaram e natildeo mais andavam com ele 67 Jesus disse aos Doze ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo 68 Simatildeo Pedro respondeu ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna 69 Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo 70 Jesus respondeu ldquoNatildeo vos escolhi doze Contudo um de voacutes eacute um diabordquo 71 Ele falava de Judas filho de Simatildeo Iscariotes pois este um dos Doze iria entregaacute-lo

I

Agrave primeira vista Jo 6 natildeo se insere sem dificuldade no contexto do EJ No iniacutecio do capiacutetulo supotildee-se que Jesus se encontra na proximidade do lago de Tiberiacuteades na Galileacuteia enquanto o cap 5 relatava seu discurso diante dos ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem em continuidade com a cura do aleijado na piscina de Betesda Em Jo 714-24 remete-se a esta cura em dia de saacutebado Jaacute em Jo 72 eacute alegada como razatildeo da estada de Jesus na Galileia o fato de que os ldquojudeusrdquo o querem matar com uma alusatildeo 518 No decorrer do seacuteculo XX os problemas da sequecircncia do texto levaram comentadores famosos a inverter a ordem de Jo 5 e Jo 653 Deste modo surgiria um texto mais compreensiacutevel Como no fim do cap 4 no cap 6 Jesus se encontra na Galileia Se o cap 5 segue depois do cap 6 a dupla remissiva ao cap 5 em Jo 7 torna-se compreensiacutevel Mas esta proposta natildeo vingou nos uacuteltimos anos O respeito pelo texto dado natildeo permite com facilidade esta ou outras propostas de inversatildeo e os manuscritos natildeo fornecem nenhum ensejo para isso Tambeacutem eacute possiacutevel resgatar a ordem atual do texto quando se parte da ideia de que os indiacutecios geograacuteficos e cronoloacutegicos pelo menos para o autor natildeo constituiacuteram o criteacuterio decisivo para o decurso do texto

Como jaacute sugerido eacute bem possiacutevel ver em Jo 6 uma inserccedilatildeo no QE o que tambeacutem resolveria os problemas da sequecircncia do texto54 Neste caso mantenha-se a unidade literaacuteria do capiacutetulo Soacute neste capiacutetulo em Joatildeo fala-se da eucaristia enquanto que ela falta no cap 13 no relato da paixatildeo Aqui em Jo 6 Jesus parece natildeo subir para a festa da Paacutescoa mencionada em 64 Tem-se a impressatildeo de que uma Paacutescoa cristatilde toma o lugar da festa de peregrinaccedilatildeo judaica Jesus a celebra na Galileia terra das primeiras comunidades cristatildes Como seus antagonistas aparecem a partir do v41 os ldquojudeusrdquo que em outros capiacutetulos soacute na Judeia se encontram com Jesus No interior do cap 6

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Joatildeo se mostra fortemente influenciado pela tradiccedilatildeo sinoacuteptica especialmente por Mc 632-56 e 811-33 como mostra este esquemaMultiplicaccedilatildeo dos patildees Mc 632-44 Jo 61-15Caminhando sobre as aacuteguas Mc 645-52 Jo 616-21Encontro com a multidatildeo Mc 653-56 Jo 522-25(29)Pedido de sinal Mc 811-13 Jo 630-31Discurdso do patildeo Mc 814-21 Jo 632-58Identidade de Jesus e confissatildeo de Pedro Mc 8m27-30 Jo 660-66Um dos disciacutepulos eacute o satanaacutes Mc 831-33 Jo 667-71

A secccedilatildeo Mc 71ndash810 natildeo tem correspondecircncias em Joatildeo e portanto falta em Joatildeo a segundo multiplicaccedilatildeo dos patildees como tambeacutem em Lucas No interior de Jo 6 o autor chega a seguir literalmente o texto marcano ou sinoacuteptico Feiccedilotildees deste gecircnero satildeo o nuacutemero de duzentos denaacuterios para comprar patildeo o nuacutemero de patildees e peixes a descriccedilatildeo dos gestos de Jesus os doze cestos com os pedaccedilos de patildeo que sobraram e tambeacutem o nuacutemero dos que foram saciados Em nenhum outro lugar o EJ tanto se aproxima da tradiccedilatildeo sinoacuteptica Podemos comparar com isso antes de tudo o relato de paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus mas haacute aqui diferenccedilas evidentes desde a cronologia da uacuteltima ceia e da morte de Jesus Visto que tambeacutem em Jo 21 o capiacutetulo final que muitos consideram um acreacutescimo aparecem muitos contatos com os sinoacutepticos (cf a pesca milagrosa Lc 51-11 os filhos de Zebedeu Mc 119 par) parece natural adotar tambeacutem para Jo 6 [[206]] uma data de composiccedilatildeo levemente posterior agrave do contexto

Muito por causa da secccedilatildeo dos dons eucariacutesticos de Jesus no uacuteltimo seacuteculo diversas vezes se colocou em duacutevida a unidade literaacuteria do capiacutetulo Assim R Bultmann55 distingue em Jo 6 quatro camadas diferenciadas uma ldquofonte dos sinaisrdquo agrave qual se devem a multiplicaccedilatildeo dos patildees e a caminhada sobre as aacuteguas (61-1516-21) fragmentos de uma fonte de discursos de revelaccedilatildeo de inspiraccedilatildeo gnoacutestica especialmente no discurso do patildeo em Jo 627-51c a matildeo redatora do evangelista especialmente tambeacutem na parte cristoloacutegica do discurso do patildeo e a redaccedilatildeo eclesial agrave qual se devem a secccedilatildeo ldquoeucariacutesticardquo de 651d-58 e as alusotildees agrave futura ressurreiccedilatildeo dos mortos em 6394044 Semelhante dissecccedilatildeo em camadas encontra-se na exegese que se inspira em Bultmann mesmo quando abre matildeo da ldquofonte dos discursosrdquo de influecircncia gnoacutestica56

Um novo modelo de diversas camadas encontra-se em Paul N Anderson que parte da sedimentaccedilatildeo de diversos conflitos sucessivos em Jo 657 Um primeiro conflito seria o da massa popular em torno do alimento verdadeiro (vv 25-40) o segundo com os ldquojudeusrdquo acerca da Toraacute e do patildeo do ceacuteu (vv 41-51) depois um cisma envolvendo principalmente os disciacutepulos oriundos do paganismo acerca da verdadeira corporeidade de Jesus (vv 51-66) e finalmente uma controveacutersia sobre o lugar certo do grupo joaneu na paisagem da comunidade joanina e da Grande Igreja representada por Pedro (vv 67-70) Menos complexo eacute o modelo de J Painter58 segundo o qual em Jo 6 estaacute integrado uma ldquohistoacuteria de buscardquo (ldquoquest storyrdquo) na qual a massa popular busca e encontra Jesus A essa liga-se nos vv 41-66 uma seacuterie de ldquohistoacuterias de rejeiccedilatildeordquo (ldquorejection storiesrdquo) que teriam sida acrescentadas secundariamente Os vv 67-70 serviram entatildeo para reconciliar os membros da comunidade joanina com adeptos de um cristianismo para a qual a figura de Pedro tinha significaccedilatildeo extraordinaacuteria

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

76 77 78 79 80 81 82

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

83 84 85 86

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 5:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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II

A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda

No iniacutecio do cap 5 encontra-se o relato da cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda em Jerusaleacutem Exibe as feiccedilotildees tiacutepicas de um relato de cura milagrosa como mostra entre outros M Labahn9 introduccedilatildeo das pessoas envolvidas descriccedilatildeo da enfermidade alusatildeo agrave gravidade do caso diaacutelogo entre o enfermo e quem o cura a cura propriamente e a prova o proacuteprio curado levando embora sua maca Todos esses elementos apontam para uma tradiccedilatildeo preacute-joanina Mas haacute tambeacutem desvios da forma literaacuteria As indicaccedilotildees de tempo e lugar aparecem acrescentadas e assim tambeacutem a duraccedilatildeo da enfermidade e alguns detalhes acerca do lugar da cura

Sob outro acircngulo pode-se comparar esta cura milagrosa com outros relatos de ldquosinaisrdquo em Joatildeo como o sinal do vinho em Canaacute Jo 21-11 e a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-5410 Aparece assim a seguinte sequecircncia de accedilotildees

- uma pessoa se dirige a Jesus invocando sua ajuda

- Jesus rechaccedila o pedido

- a pessoa insiste no pedido

- Jesus daacute instruccedilotildees em vista de atendimento

- o parceiro do diaacutelogo segue as instruccedilotildees de Jesus e o milagre se realiza

- segue-se a resposta da feacute

No relato em pauta haacute alguns desvios deste esquema Ningueacutem invoca Jesus por uma cura mas o Jesus se apresenta ao enfermo por iniciativa proacutepria Tampouco Jesus pode rechaccedilar o pedido que natildeo houve mas eacute o enfermo que rechaccedila a oferta de Jesus sob alegaccedilatildeo de suas experiecircncias negativas O enfermo natildeo insiste mas Jesus insiste em suja oferta A cura se daacute antes de qualquer palavra de feacute ou de obediecircncia da parte do enfermo E tambeacutem depois da cura ele natildeo expressa uma feacute imediata mas apenas revela (ldquoanunciardquo) o nome de Jesus agraves autoridades judaicas o que leva ao conflito entre Jesus e ldquoos judeusrdquo

Dividimos a unidade textual em introduccedilatildeo espaccedilo-temporal e situaccedilatildeo pressuposta (vv 1-4 quanto ao v 4 veja adiante) diaacutelogo entre Jesus e o enfermo (vv 5-7) a cura (cc 8-9c)

51-3 Os versiacuteculos iniciais satildeo caracterizados pelas indicaccedilotildees de tempo e espaccedilo Aproxima-se uma festa natildeo identificada dos judeus Parece ser uma festa de peregrinaccedilatildeo pois Jesus ldquosoberdquo a Jerusaleacutem para ali participar da celebraccedilatildeo da festa O ldquodepois dissordquo inicial se relaciona no contexto do evangelho com o segundo sinal em Canaacute relatado anteriormente (Jo 446-54) Desistimos das tentativas de trocar os capiacutetulos 5 e 611 O texto natildeo diz verbalmente qual seria a festa Alguns manuscritos antigos tentam preencher esta lacuna mas natildeo haacute como considerar originais suas indicaccedilotildees12 Os comentadores recentes ficam em duacutevida entre Paacutescoa13 Pentecostes

9 10 11 12 13

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(Semanas)14 e Tabernaacuteculos (Tendas)15 Contra Paacutescoa e Tabernaacuteculos levanta-se a objeccedilatildeo de que entatildeo teriacuteamos duas vezes em seguida a mesma festa em detrimento da reconstituiccedilatildeo de um ciclo anual das festas judaicas Que se trata da festa das Semanas pode ser corroborado por algumas consideraccedilotildees complementares16 Por um lado no contexto anterior vem agrave tona da colheita (Jo 435-38) o que combinaria muito bem com a festa das Semanas como festa da colheita das primiacutecias 50 dias depois da Paacutescoa Por outro lado jaacute uma tradiccedilatildeo judaica antiga liga a festa das Semanas com a outorga da Lei e a celebraccedilatildeo da Alianccedila em Qumran Isso se conjugaria bem com a referecircncia agrave Lei e agraves escrituras mosaicas que ganha significaccedilatildeo no decorrer do discurso de Jesus (cf v 39-47) Por estas aceitamos por suposto que em Jo 51 se trata da festa das Semanas17

Tambeacutem as indicaccedilotildees topograacuteficas do v 2 natildeo se deixam interpretar sem problemas A ediccedilatildeo textual de Nestle-Aland prefere a liccedilatildeo ldquoBetzatardquo e acordo com os mais antigos e sobretudo os melhor atestados manuscritos gregos18 Mas desde o Codex Alexandrinus encontra-se o termo ldquoBetesdardquo ainda preferido nas traduccedilotildees ateacute hoje Tambeacutem a expressatildeo epiacute tecirci probatikecirci continua discutiacutevel na criacutetica textual Eacute provaacutevel que o termo ldquoportardquo ficou subentendido (por elipse) Daiacute ldquoExiste em Jerusaleacutem perto da Porta das Ovelhas uma piscina rdquo Essa piscina tinha cinco poacuterticos (galerias) O enigma desta expressatildeo foi considerado resolvido desde a descoberta em 1865 perto da igreja de S Ana de duas piscinas interligadas por poacuterticos Mas ultimamente ha indiacutecios de que essa instalaccedilatildeo data do tempo depois da destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem Aleacutem disso a dupla bacia eacute muito profunda e seria difiacutecil descer dentro dela Segundo A Duprez19 houve neste lugar outras bacias menores escavadas na rocha que teriam servido para o culto de uma divindade terapecircutica Ascleacutepio (no oriente Sarapis) Nessas instalaccedilotildees dificilmente se imagina uma movimentaccedilatildeo da aacutegua por isso L Devillers20 propotildee que na fase primitiva do relato se tratava de um milagre junto agrave piscina de Siloeacute que era alimentada pela fonte do Gion Aiacute se entenderia o movimento da aacutegua O evangelista teria deslocado o milagre para a piscina de Betesda com o intuito de poder narrar duas curas nas piscinas de Jerusaleacutem e para mostrar a superioridade de Jesus em relaccedilatildeo agraves divindades terapecircuticas A discussatildeo em torno disso certamente continuaraacute O v 4 explica a movimentaccedilatildeo da aacutegua pela atividade de um anjo mas a criacutetica texual demonstra o caraacuteter secundaacuterio deste elemento e o exclui do texto

Depois dessas indicaccedilotildees topograacuteficas e cronoloacutegicas o v 3 toma em consideraccedilatildeo as pessoas envolvidas Encontra-se junto agrave piscina de Betesda uma multidatildeo de enfermos esperando cura cegos aleijados coxos A enumeraccedilatildeo natildeo eacute por acaso Em Mateus e Lucas encontramos a delegaccedilatildeo vinda de Joatildeo Batista para perguntar a Jesus se eacute ele aquele que haacute de vir A resposta de Jesus eacute ldquoIde comunicar a Joatildeo o que ouvis e vedes cegos recobram a vista paraliacuteticos andam leprosos satildeo purificados e surdos ouvem mortos ressuscitam e a pobres eacute anunciado o evangelhordquo (Mt 114s cf Lc 722) Jesus se vecirc aqui como aquele que cumpre as promessas dos profetas Cegos e coxos satildeo contemplados pela promessa de Is 355s cegos tambeacutem em Is 2918 A ressurreiccedilatildeo dos mortos eacute prometida em Is 2619 Daiacute os milagres de Jo 5 Jo 9 e Jo 11 curas de um aleijado e de um cego e ressuscitaccedilatildeo de um morto Jesus eacute aquele no qual se cumprem as promessas dos profetas

14 15 16 17 18 19 20

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55-7 No v 5 escolhe-se um da multidatildeo dos enfermos O narrador sabe que ele jaacute tem 38 anos de sofrimento As leitoras e leitores pensaratildeo provavelmente nos 38 anos da erracircncia no deserto do povo de Israel antes de poder entra na Terra Prometida (cf Dt 214) A iniciativa da cura natildeo surge como seria de regra do enfermo ou de sua comitiva mas do proacuteprio Jesus conforme o v 6 Ele enxerga o enfermo aiacute deitado sabe da duraccedilatildeo de sua enfermidade e o interpela Com clareza o evangelista salienta aqui o papel determinante de Jesus e tambeacutem seu saber acerca do ser humano (cf Jo 148 225 418) A pergunta dirigida ao enfermo ndash se ele quer recuperar a sauacutede ndash surpreende mas resposta do aleijado no v 7 mostra que estava certa A resposta do homem parece um subterfuacutegio mas Jesus enuncia o desejo do aleijado por sauacutede apesar da resposta dele pois soacute assim ele poderaacute falar a palavra que libertaraacute o enfermo

58-9c A palavra de Jesus consiste segundo o v 8 numa exortaccedilatildeo dirigida ao enfermo Ele tem de passar agrave atividade ldquoLevanta-te pega a tua maca e andardquo A frase se encontra praticamente idecircntica na cura do paraliacutetico em Mc 211 cf Mt 96 Lc 524 ndash mas aqui o curado eacute instado a ir para casa Em Joatildeo ele ldquoanda em redorrdquo (peripateacutein) como o beneficiado de Mt 115 Lc 722 cf At 36 1410 isso proveacutem de uma soacutelida tradiccedilatildeo narrativa que recupera a promessa isaiana O tema do paraliacutetico que leva a sua cama eacute atestado tambeacutem fora da Biacuteblia21 Serve para provar o ecircxito da cura mas em Joatildeo aleacutem disso para introduzir a acusaccedilatildeo de lesatildeo do saacutebado que seraacute o tema da secccedilatildeo seguinte A execuccedilatildeo pelo aleijado no v 9a-c corresponde exatamente agrave ordem dada por Jesus ele se levanta toma sua maca e anda em redor O tema do ldquolevantar-serdquo (egeacuteirein) pode ter para Joatildeo um sentido mais profundo Antecipa a autoridade do Filho para ressuscitar mortos assim como faz o Pai (cf v 21) Esta autoridade manifesta-se tambeacutem na histoacuteria da ressuscitaccedilatildeo de Laacutezaro Jo 11

O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)

O relato sobre a cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda eacute seguido de uma controveacutersia entre o curado Jesus e as autoridades judaicas acerca da legitimidade da cura que foi operado num dia de saacutebado O fato de que apenas v 9c eacute mencionado ldquoAquele dia poreacutem era um saacutebadordquo eacute visto pelos comentadores como prova de que o elemento soacute foi inserido secundariamente pelo evangelista ou por uma fonte que natildeo eacute idecircntica com a do relato do milagre22 Outros poreacutem como a escola de Lovaina (cf F Neirynck) apontam que a conexatildeo entre a cura milagrosa operada por Jesus e a questatildeo do saacutebado jaacute existe na tradiccedilatildeo sinoacuteptica (cf Mc 21ndash36 Lc 1013-17)23 Segundo P Borgen uma conexatildeo entre obras realizadas em dia de saacutebado e controveacutersias subsequentes ocorre tambeacutem em Fiacutelon de Alexandria24 Fiacutelon discute a distinccedilatildeo entre Deus que no saacutebado pode trabalhar segundo a interpretaccedilatildeo de Gn 22-3 e o ser humano que deve observar o repouso sabaacutetico (cf Migr 89-93) A conexatildeo entre a cura e o saacutebado pertence portanto provavelmente agrave tradiccedilatildeo preacute-joanina que transparece tambeacutem em Jo 721-24

Natildeo eacute muito provaacutevel a opiniatildeo de Tom Thatcher que vecirc na introduccedilatildeo atrasada de Jo 59c uma ldquoironia instaacutevelrdquo isto eacute uma enganaccedilatildeo consciente natildeo soacute dos contemporacircneos (ldquoironia estaacutevelrdquo) mas tambeacutem do leitorado (portanto um ldquotruque do saacutebadordquo)25 Tal opiniatildeo se mostra falha porque a ironia joanina sempre estaacute relacionada

21 22 23 24 25

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agrave tensatildeo entre palavras de revelaccedilatildeo de Jesus ou enunciados sobre Jesus e o mal-entendido a seu respeito por parte dos ouvintes Natildeo eacute isso que acontece aqui Natildeo haacute outro lugar no QE em que o evangelista consciamente induz seus leitores ao erro

Quanto ao gecircnero desta secccedilatildeo (e de outras similares na sequecircncia posterior do QE) sugeriu-se ver aqui o modelo veterotestamentaacuterio do ricircb a disputa judicial entre Deus e seu povo26 Tal disputa se caracteriza por isto que falta um instacircncia de arbitragem Soacute importa quais satildeo os melhores argumentos Apesar de toda a proximidade do QE ao AT e natildeo em uacuteltima instacircncia a suas tradiccedilotildees profeacuteticas a aplicaccedilatildeo desse modelo literaacuterio agraves controveacutersias entre Jesus e seus adversaacuterios em Jerusaleacutem natildeo convence Por um lado Jesus natildeo toma sem mais o lugar de Deus por outro natildeo falta em Joatildeo a instacircncia judicial Em niacutevel poliacutetico as instacircncias judiciais do povo israelita tecircm o poder de excomungar da comunidade e mesmo de infligir a pena de morte E na perspectiva teoloacutegica eacute Jesus que se revela como o juiz verdadeiro ou pelo menos como aquele que realiza o juiacutezo divino a todos aqueles que se opotildeem a ele e assim em uacuteltima instacircncia rejeitam a Deus mesmo

59d-13 A cena seguinte aacute introduzida pela frase ldquoAquele dia poreacutem era um saacutebadordquo (v 9d) A frase lembra a similar em Jo 94 cf tambeacutem 1914 Quanto ao estilo revela a matildeo do evangelista Para as controveacutersias dos versiacuteculos seguintes natildeo eacute tatildeo relevante se o dia foi mesmo um saacutebado pois segundo o direito judaico os dias de festa eram equiparados ao saacutebado

No v 10 pela primeira vez ldquoos judeusrdquo entram em cena Contrariamente a Jo 422 onde a expressatildeo designa a comunidade religiosa judaica parece que aqui se trata de um grupo dentro do judaiacutesmo Este grupo jaacute foi mencionado em 119 como mandante da delegaccedilatildeo que questionou Joatildeo Batista a respeito de sua pessoa e atividade Parece claro que se trata das autoridades judaicas em Jerusaleacutem sem que isso se caracterize mais adiante27 Os ldquojudeusrdquo objetam ao homem que foi curado que no saacutebado ele natildeo pode [[189]] carregar sua maca Carregar fardos era uma da 39 ldquoobrasrdquo consideradas proibidas pela Lei de Moises28 Para o fluxo narrativo eacute importante ver que em primeira instacircncia a objeccedilatildeo eacute dirigida ao ex-alijado e natildeo a Jesus Mas indiretamente eacute este que estaacute sendo criticado como logo mais se mostraraacute

O curado sai do jogo passando a acusaccedilatildeo para Jesus jaacute que este lhe havia ordenado a carregar sua maca e andar em redor Notaacutevel eacute a expressatildeo ldquotornar sadiordquo (hygiecirc) O adjetivo que jaacute foi usando no v 6 voltaraacute no v 14 Proveacutem provavelmente da tradiccedilatildeo pre-joanina e serve para a conexatildeo do milagre de cura com as controveacutersias subsequentes O termo aparece nos relatos de cura helenistas como foi observado29 Assim Jesus aparece como ldquodeus curandeirordquo

Na base da resposta do homem que foi curado a investigaccedilatildeo dos ldquojudeusrdquo transforma-se numa inquisiccedilatildeo acerca da pessoa que o havia curado O homem diz que natildeo sabe quem foi quem o curou O narrador acrescenta que no lugar do diaacutelogo havia muita gente e que Jesus se tinha retirado dali

514 Depois de um encontro entre o curado e ldquoos judeusrdquo Jesus se encontra com o homem Natildeo eacute ele que encontra Jesus mas Jesus que encontra a ele (como encontrou a Filipe Jo 143) ldquodepois dissordquo (metagrave taacuteuta expressatildeo joanina) e ele o exorta para que natildeo peque mais Discutiu-se muito sobre esta exortaccedilatildeo Em ciacuterculos judaicos parece 26 27 28 29

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pressuposta uma ligaccedilatildeo entre enfermidade e pecado com se refletes tambeacutem na questatildeo dos disciacutepulos em Jo 92 A tradiccedilatildeo sinoacuteptica de Ma 21-12 parece tambeacutem conhecer essa ligaccedilatildeo ainda que natildeo no sentido causal Aiacute Jesus perdoa primeiro os pecados do paraliacutetico antes de curaacute-lo Mas natildeo se confirma uma conexatildeo direta Em Jo 514 a exortaccedilatildeo de Jesus poderia ser esclarecida em vista da biografia do homem que foi curado ele natildeo utilizou todas as chances para ser curado ele natildeo pocircde ou natildeo quis dar informaccedilatildeo sobre quem o curou30 Mas o versiacuteculo seguinte contradiz isso

515 Depois do encontro com o homem curado este se dirige aos ldquojudeusrdquo para lhes comunicar que foi Jesus quem o curou Esta nota tem sido interpretada de modos muito diversos como mostra o artigo de R Metzler31 Segundo Metzler parece que o homem curado se dirigiu aos ldquojudeusrdquo para denunciar Jesus De fato ateacute entatildeo o homem natildeo deu nenhum sinal de atitude positiva em relaccedilatildeo a Jesus fica duvidoso se ele chegou a crer em Jesus Contudo hoje se aceita sempre mais uma visatildeo mais positiva do ex-aleijado32 Se ele vai aos ldquojudeusrdquo para ldquoanunciarrdquo que foi Jesus quem o curou conveacutem levar a seacuterio o verbo anaggeacutellein que significa ldquoanunciarrdquo e natildeo ldquodenunciarrdquo Neste caso o curado de Jo 5 eacute um precursor do cego de Jo 9 sendo que este chega a uma adesatildeo intreacutepida a Jesus e a uma confissatildeo plena da feacute Nesta mesma linha os exemplos da Cappella Greca nas catacumbas romanas de Priscila ou na capela do Sacramento nas catacumbas de Calisto mostram o aleijado no ciclo batismal33

516-18 O v 16 poderia ter sido o final original da narrativa na tradiccedilatildeo preacute-joanina Os ldquojudeusrdquo perseguem Jesus como transgressor do saacutebado34 O imperfeito sugere antes um conflito permanente que uma ocorrecircncia uacutenica O vocabulaacuterio prepara o tema da perseguiccedilatildeo futura dos disciacutepulos (Jo 1520) Como os ldquojudeusrdquo perseguiram Jesus perseguiratildeo tambeacutem seus disciacutepulos

O v 17 jaacute antecipa o discurso de revelaccedilatildeo de Jesus (por isso geralmente eacute atribuiacutedo ao evangelista) Jesus designa sua accedilatildeo como ldquoobrardquo e legitima-a dizendo que foi operada em uniatildeo com o Pai Pois segundo uma interpretaccedilatildeo judaica atestada por Fiacutelon Deus trabalha no saacutebado e por isso a ldquoobrardquo de Jesus eacute legiacutetima35

Os ldquojudeusrdquo poreacutem segundo o v 18 ficam farejando essa pretensatildeo de Jesus de ser igual a Deus com o desejo de mataacute-lo por causa dessa blasfecircmia Esta intenccedilatildeo ultrapassa o ldquoperseguirrdquo do v 16 mas tem base na tradiccedilatildeo sinoacuteptica de Mc 21ndash36 (cf Mc 36) W A Meeks tem estudado paralelos heleniacutesticos referentes agrave igualdade com Deus36 Pense-se aqui em [[192]] Apolocircnio de Tiana biografado por Flaacutevio Filostrato Ele justifica diante do imperador Domiciano o tiacutetulo de ldquodeusrdquo que seus adeptos lhe deram De imediato Apolocircnio exibe uma prova de suas capacidades sobre-humanas ao tornar-se subitamente invisiacutevel aos olhos dos espectadores Depois ele se justifica verbalmente Os homens veneram as pessoas boas como deuses porque encarnam a imagem de Deus Tanto mais uma pessoa prendada com as capacidades de Apolocircnio pode designar-se como deus37 A argumentaccedilatildeo tem alguma semelhanccedila com a de Jo 5 e tambeacutem com a de Jo 10 onde Jesus cita (v 34) a seu favor o Sl 826 no qual todos os

30 31 32 33 34 35 36 37

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israelitas satildeo chamados ldquodeuses e filhos do Altiacutessimordquo38 Segundo uma tradiccedilatildeo judaica todos os israelitas que ouviram no Sinai a voz de Deus e receberam sua instruccedilatildeo tornaram-se divinos Soacute pelo pecado na ocasiatildeo da adoraccedilatildeo do bezerro de ouro perderam esse privileacutegio E soacute pela observaccedilatildeo irrepreensiacutevel da Toraacute voltaratildeo agrave condiccedilatildeo de readquirir esse privileacutegio (pense-se na segunda conclusatildeo da alianccedila em Ex 34) Jesus pode ter-se referido a um tradiccedilatildeo desse tipo O assunto voltaraacute por ocasiatildeo de Jo 1034-36 (veja ali)

Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)

Em Jo 519 inicia-se a uacuteltima parte do capiacutetulo 5 A partir de agora soacute fala Jesus Depois da cura milagrosa (vv 1-9c) e o diaacutelogo (vv 9d-18) segue agora um discurso de revelaccedilatildeo O estilo dos vv 19-47 eacute joanino e assim eacute tambeacutem a teologia O autor parece basear-se antes em tradiccedilotildees orais do que em fontes escritas Quanto agrave possibilidade uma camada ulterior nos vv 28s veja ali

Os vv 19-30 constituem como jaacute dissemos (acima I) uma subdivisatildeo autocircnoma Esta eacute emoldurada pelo enunciado de que o Filho natildeo pode agir por iniciativa proacutepria mas permanentemente age em uniatildeo com o seu Pai (vv 19 e 30) As duas obras por excelecircncia de Deus o Pai satildeo o dom da vida na ressurreiccedilatildeo dos mortos e o julgamento Com essa dupla expressatildeo o Jesus joanino remonta agrave tradiccedilatildeo judaica Ambas as obras satildeo as que Deus pode fazer no saacutebado Assim esta secccedilatildeo reata com a anterior e a encerra

A composiccedilatildeo da secccedilatildeo eacute simples Nos vv 19-20 eacute introduzido o princiacutepio segundo o qual o filho natildeo pode fazer outra coisa senatildeo o que ele vecirc o Pai fazer A imagem pode provir do mundo do artesanato no qual o filho retoma a profissatildeo do pai Nos vv 21-28 aclara-se qual eacute a obra que o Filho retoma do Pai ambas as obras do dom da vida na ressurreiccedilatildeo e o julgamento Ambas satildeo obras reservadas a Deus que satildeo confiadas ao Filho O v 21 fala do dom da vida os vv 22-23 do julgamento

Nos vv 24-28 eacute explicada a obra do Filho A promessa da vida e o exerciacutecio do juiacutezo satildeo coisas que acontecem hoje ldquoVem a hora e eacute agorardquo (v 25) O mesmo tema volta nos vv 28s mas a promessa eacute formulada soacute para o futuro ldquoVem a horardquo (v28) Os exegetas discutem sobre o significado desta reduplicaccedilatildeo eacute o que deveremos considerar na exegese dos vv 28s

519-20 O discurso de Jesus propriamente se inicia com a tiacutepica afirmaccedilatildeo joanina ldquoAmeacutem ameacutem eu vos digordquo Ela confere agraves palavras seguintes um peso particular Os primeiros versiacuteculos satildeo ambos caracterizados pela imagem tomada do mundo do trabalho artesanal de que o filho aprende a arte do pai enquanto ele observa sua atividade e a imita C H Dodd descobriu e descreveu esta paraacutebola39 Desde este ponto de vista explicam-se os conceitos do ldquoverrsquo do ldquomostrarrsquo e do ldquofazerrdquo A relaccedilatildeo de pai e filho natildeo eacute somente de natureza profissional mas tambeacutem familiar o pai ama o seu filho Esta dupla dimensatildeo pode ser transferida para a relaccedilatildeo entre o Pai celeste e seu Filho Jesus Tambeacutem este natildeo pode fazer nada a partir de si e soacute faz o que lhe eacute mostrado e confiado pelo Pai Pertencem agrave obra que o Pai confia ao Filho as obras da criaccedilatildeo (cf Jo 13) mas tambeacutem as da salvaccedilatildeo que tecircm seu aacutepice na obra escatoloacutegica Satildeo essas as ldquoobras maioresrdquo que o Filho realiza para admiraccedilatildeo de seus contemporacircneos

38 39

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521-23 Os versiacuteculos anteriores expuseram a dependecircncia do Filho em relaccedilatildeo ao Pai o Filho natildeo faz nada a natildeo ser o que ele vecirc o Pai fazer Os vv 21-23 em compoensaccedilo acentuam a dignidade do Filho Terminam asseverando que cada um que honra o Pai honra tambeacutem o Filho A dignidade do Filho eacute mostrada por sua participaccedilatildeo nas obras que satildeo reservadas a Deus soacute ressuscitar os mortos e executar o julgamento De fato o julgamento eacute reservado exclusivamente ao Filho Deus nem participa dele Nestes versiacuteculos mostra-se a teologia joanina como reflexatildeo priacutestina da Igreja sobre a dignidade de Cristo A visatildeo de Joatildeo aproxima-se da de Paulo e de sua tradiccedilatildeo (cf o hino que Paulo utilizou em Fl 26-11 ou o iniacutecio da carta aos Romanos Rm 13-4 ou tambeacutem a foacutermula ldquotrinitaacuteriardquo de 2Cor 1313) Visatildeo semelhante encontra-se tambeacutem em outras camadas e escritos do NT [[194]] (cf Mt 1125-27 Mc 111par 97 par Hb 11-4) Para a outorga do julgamento ao Filho do Homem cf Mc 1326s par Mt 2531-46

Desde o iniacutecio a divindade de Jesus encontrou resistecircncia Bem cedo judeus e provavelmente tambeacutem judeu-cristatildeos opuseram-se a essa visatildeo As grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 encontram aqui sua fundamentaccedilatildeo Pouco depois Aacuterio vai combater a filiaccedilatildeo divina de Jesus Segundo ele Jesus eacute criatura natildeo igual ao Pai Na hora presente surge resistecircncia agrave metaacutefora familiar que serve para articular o discurso sobre o Pai e o Filho E M Boring40 expressa estas ressalvas para o mundo ocidental A seu ver exprime-se no discurso sobre ldquoPairdquo e ldquoFilhordquo certo patriarcalismo que eacute posto em xeque natildeo soacute do lado feminista mas tambeacutem por contemporacircneos que questionam a autoridade paterna como tal Importa levar a seacuterio tais questionamentos observando poreacutem que elas surgem principalmente do mundo ocidental

524-27 Nos versiacuteculos que aqui seguem promete-se vida eterna aos que ouvem a palavra de Jesus e creem no Deus que o enviou Mais exatamente a vida eterna natildeo eacute prometida aqui mas explica-se que todos os que ouvem a palavra de Jesus e creem no Pai jaacute passaram da morte para a vida (tempo perfeito grego) Estes natildeo chegam ao julgamento Aqui se exprime a ldquoescatologia presenterdquo tiacutepica do QEvg Segundo a visatildeo judaica tradicional todo ser humano enfrenta a morte no fim de sua vida terrestre E depois haveraacute segundo a convicccedilatildeo farisaica a ressurreiccedilatildeo dos mortos (ou dos justos) com o julgamento e com a vida eterna para os justos Segundo Joatildeo a morte verdadeira consiste na separaccedilatildeo de Deus a origem da vida Desta morte pode-se passar jaacute agora para a vida verdadeira a vida eterna quando se crecirc em Jesus e naquele que o enviou Quem age assim natildeo vai a juiacutezo Esta visatildeo encontra-se tambeacutem em outro lugar no QE (cf 315-1836 64047 1246s) A promessa de ldquovida eternardquo encontra-se jaacute em Dn 122 onde ela eacute prometida aos justos para o dia do julgamento final quando sairatildeo de seus sepulcros O papel do arcanjo Miguel eacute assumido [[195]] em Joatildeo pelo ldquoFilho de Deusrdquo na funccedilatildeo de ldquoFilho do homemrdquo (cf v27 Dn 723s) A expressatildeo ldquovem a horardquo eacute completada no v 25 por ldquo e eacute agorardquo A partir daqui os conceitos de ldquomorterdquo e ldquovidardquo satildeo reinterpretados A morte consiste na separaccedilatildeo de Deus como fonte originaacuteria da vida e a ldquovidardquo eacute a ldquovida eternardquo na medida em que vem de Deus O futuro gramatical que aparece aqui no enunciado sobre o ouvir da voz da ressurreiccedilatildeo e da vida perde seu sentido de indicaccedilatildeo temporal e eacute antes de natureza loacutegica o que deve acontecer acontece agora na ldquohorardquo do crer

No v 26 o evangelista abandona por um momento o ideaacuterio apocaliacuteptica da tradiccedilatildeo e fala de Cristo como fonte da vida numa linguagem mais fortemente teoloacutegica O Pai tem em si a vida e este pleno poder ele o transmitiu tambeacutem ao Filho Aqui volta agrave mente o Proacutelogo do QE (Jo 14) onde o Logos divino aparece como portador da fonte da vida 40

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No v 27 o autor volta ao ideaacuterio apocaliacuteptico Os comentadores veem no v 27 um eco de Dn 713s embora nesse lugar natildeo se exprima propriamente o julgamento mas antes todo o senhorio ateacute o fim do tempo Uma confirmaccedilatildeo da dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Daniel neste lugar pode transparecer na falta do artigo definido no v 27 ldquoporque ele eacute um filho do homemrdquo

528-29 A injunccedilatildeo no iniacutecio do v 28 ndash ldquoNatildeo fiqueis admirados com issordquo ndash pode ser conectado ao contexto anterior como muitas vezes se faz Neste caso a partiacutecula hoacuteti que se segue tem antes um sentido causal e poderia ser substituiacutedo por dois pontos Mas eacute possiacutevel tambeacutem relacionar a injunccedilatildeo com o contexto subsequente e entender o hoacuteti como declarativo eacute a interpretaccedilatildeo de H-C Kammler41 Contudo natildeo faz tanta diferenccedila no sentido

Os vv 28s retomam o v 25 como geralmente eacute observado Os versiacuteculos se correspondem ateacute na formulaccedilatildeo como mostra este quadro 25 ἔρχεται ὥρα καὶ νῦν ἐστιν ὅτε οἱ νεκροὶ ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς τοῦ υἱοῦ τοῦ θεοῦ καὶ οἱ ἀκούσαντες ζήσουσιν

28s ἔρχεται ὥρα ἐν ᾗ πάντες οἱ ἐν τοῖς μνημείοις ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς αὐτοῦ καὶ ἐκπορεύσονται οἱ τὰ ἀγαθὰ ποιήσαντες εἰς ἀνάστασιν ζωῆς οἱ δὲ τὰ φαῦλα πράξαντες εἰς ἀνάστασιν κρίσεως

As principais diferenccedilas satildeo estas os vv 28s dizem ldquovem a horardquo sem acrescentar ldquoe eacute agorardquo Tambeacutem dizem ldquotodos os que estatildeo nos sepulcrosrdquo em vez de ldquoos mortosrdquo e o julgamento parece estar ligado agraves obras de cada um Como entender essas diferenccedilas Trecircs modelos entram na discussatildeo

O primeiro modelo eacute o da ldquoescatologia presenterdquo representado sobretudo pelo comentaacuterio de R Bultmann publicado em 1941 e seguido por numerosos autores42 Segundo estes autores o texto de Jo 528s fala de uma futura ressurreiccedilatildeo dos mortos no dia do juiacutezo final A ldquoescatologia presenterdquo de Joatildeo pareceu ousada demais para a Igreja a no fim do seacuteculo I e foi por isso completada pelo modelo ldquoclaacutessicordquo da escatologia judaica que se encontra tambeacutem em outros escritos do NT (sinoacutepticos e Paulo pelo menos em parte) Deste modo ldquosalvou-serdquo o QE para a Igreja poacutes-apostoacutelica

O segundo modelo eacute o de duas camadas no EJ que se completam mutuamente Eacute adotado pelos grandes comentaacuterios da Gratilde-Bretanha43 dos EUA44 e de muitos autores da Europa continental45 Segundo estes autores o evangelista retoma sua caracteriacutestica escatologia presente reformulando-a em termos de escatologia futura Neste caso natildeo eacute preciso tomar como ponto de partida o modelo judeu-apocaliacuteptico ou protocristatildeo da ressurreiccedilatildeo dos mortos no fim do tempo Joatildeo natildeo fala de fato dos ldquomortosrdquo que ressuscitam mas daqueles ldquoque estatildeo nos sepulcrosrdquo os ldquomortosrdquo satildeo em todo o caso aqueles que jaacute nesta vida ficaram separados de Deus por terem-se decidido contra Deus Estas observaccedilotildees jaacute se encontram no comentaacuterio de Josef Blank Ultimamente Joumlrg Frey na sua obra magistral em trecircs volumes sobre a escatologia joanina46 defende com forccedila a tese de que ambas as escatologia em Joatildeo devem ser consideradas de modo

41 42 43 44 45 46

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complementar Sem a escatologia futura o querigma joaneu seria incompleto A Bultmann se deve conceder que as ldquoobrasrdquo mencionadas no texto de Joatildeo natildeo satildeo as ldquoobras boasrdquo ou ldquomaacutesrdquo do judaiacutesmo ou do protocristianismo mas a feacute ou a descrenccedila em relaccedilatildeo a Cristo (cf Jo 316-19 629)

Um terceiro modelo interpreta Jo 525-29 de modo estritamente unitaacuterio e isso a partir da escatologia presente47 Tambeacutem os vv 28s podem ser interpretados no sentido da escatologia presente quando lidos direitinho apesar de sua formulaccedilatildeo que evoca a escatologia futura O futuro gramatical seria semelhante ao do v 25 (cf tambeacutem Jo 1016) Segundo esta proposta Jesus fala do tempo poacutes-pascal quando as promessas do tempo final estaratildeo realizadas48 Este estudo merece consideraccedilatildeo mais profunda com consideraccedilatildeo de outros textos ldquoescatoloacutegicosrdquo de Joatildeo como 639404454 A favor desta proposta pode-se alegar que em Jo 42123 natildeo parece haver diferenccedila semacircntica entre ldquovem a horardquo (eacuterkhetai hocircra) e ldquoa hora vem e aacute agorardquo (eacuterkhetai hocircra kai nyn estin)

530 Assim como Jesus concede a vida em plena dependecircncia do Pai assim tambeacutem exerce o julgamento Isso eacute dito no versiacuteculo final v 30 De fato Jesus natildeo procura sua proacutepria vontade mas a vontade de quem o enviou (cf Jo 528) Por isso seu julgamento eacute reto Literariamente este versiacuteculo pela retomada do v19 encerra de modo eficaz a periacutecope 519-30 Ao mesmo tempo prepara a transiccedilatildeo para a secccedilatildeo seguinte

Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)

Esta secccedilatildeo eacute semelhante em sua composiccedilatildeo agrave precedente (Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria 519-30) e agrave subsequente (Jesus natildeo procura sua proacutepria honra 541-47) O princiacutepio fundamental se encontra no iniacutecio da secccedilatildeo e assim eacute apresentado o tema Sempre Jesus rejeita arrogar para si proacuteprio honra e autoridade Sua autoridade seu reconhecimento e sua honra vecircm de Deus Exatamente por esta razatildeo ele se eleva acima de qualquer autoridade humana Deus mesmo opera nele o legitima e o honra

A secccedilatildeo 531-40 eacute caracterizada pelo campo semacircntico do ldquotestemunhordquo49 No v 31 Jesus contesta que ele daacute testemunho a favor de si mesmo (em Jo 812-20 prevalece outro ponto de vista) Quem daacute testemunho a favor dele eacute outro o Pai que por enquanto natildeo eacute nomeado (no v 32) Acresce o testemunho de Joatildeo Batista agora uma figura do passado (533-35) No v 36 o evangelista volta ao tema do ldquooutrordquo que testemunha a favor de Jesus e agora fica claro que se trata do Pai Ele eacute quem concede a Jesus realizar as obras admiraacuteveis que datildeo testemunho em seu favor (v 36) e ele testemunha tambeacutem diretamente a favor de Jesus (vv 37-38) como jaacute o fez no passado nas Escrituras de Israel (v39) Para valorizar esse testemunho muacuteltiplo [[198]] basta a boa vontade para se deixar conduzir a Jesus e assim receber a vida (v 40)

531-32 Os dois versiacuteculos introdutoacuterios satildeo moldados na forma dos vv 19 e 41 e expressam a dependecircncia ilimitada de Jesus como Filho em relaccedilatildeo ao Pai mas exprimem tambeacutem a autoridade que o Pai lhe concedeu em vista de sua missatildeo Quanto agrave ldquoverdaderdquo deste testemunho comparem-se Jo 1935 2114 e 3Jo 9

533-35 Alem de Deus que daacute plena autoridade a Jesus na sua missatildeo em ato e palavra a principal testemunha de Jesus segundo o evangelista eacute Joatildeo Batista Desde o Proacutelogo (16-8 e 15) ele aparece como testemunha a favor de Jesus A parte narrativa do QE comeccedila com uma grande secccedilatildeo sobre o testemunho do Batista a favor de Jesus (Jo 47 48 49

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119-34) Este testemunho eacute pressuposto e continuado no diaacutelogo do Batista com seus disciacutepulos em Jo 322-30 o Batista eacute apenas o amigo do esposo e se alegra ao ouvir a voz do esposo no quarto nupcial (329) ele apenas vem agrave frente do Messias natildeo eacute o proacuteprio Messias A tarefa de Joatildeo de ser testemunha de Jesus parece tatildeo dominante para o QEvg que ele nunca o chama de ldquobatistardquo mas dele soacute fala em termos de testemunha Ele eacute revezado em sua qualidade de ldquoacompanhanterdquo de Jesus por Laacutezaro nos caps 11-12 e pelo Disciacutepulo Amado nos caps 13-21

No tempo da controveacutersia de Jesus com os ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem depois da cura do aleijado o Batista jaacute havia terminado seu percurso Jesus fala dele em termos de passado Os ldquojudeusrdquo tinham enviado a ele uma delegaccedilatildeo para saber quem era Jesus mas natildeo quiseram aceitar seu testemunho Mais soacute o aguentaram por pouco tempo e depois o eliminaram O QEvg expressa essa experiecircncia com a imagem da lacircmpada Os ldquojudeusrdquo soacute quiseram alegrar-se agrave sua luz por pouco tempo Em termos de linguagem e conteuacutedo nota-se a diferenccedila com Jesus Joatildeo eacute a ldquolacircmpadardquo Jesus eacute a luz do mundo (cf Jo 14s9 812 95 1246)

536 A seguir Jesus trata do testemunho do Pai nas obras que este lhe concede Estras obra conduziram agrave admiraccedilatildeo e agrave feacute como vimos nos primeiros sinais de Jesus (Jo 21-12 e 446-54 cf 223 32) Poder-se-iaacrscenarf as obra de que fala Jesus em Jo 517-30 especialmente as pelas quais ele faz vikver os mortos e no nome de Deus faz o julgamento Mas estras obras soacute se percebem na feacute

Quando se pergunta pelos antecedentes literaacuterios da representaccedilatildeo joanina do testemunho das obras a favor de Jesus podem alegar-se textos do judaiacutesmo heleniacutestico que falam do testemunho de Deus a favor de Moiseacutes Tanto Flaacutevio Josefo como tambeacutem Fiacutelon de Alexandria falam de tal testemunho lembrando os ldquosinaisrdquo que Moiseacutes operou quando da saiacuteda de Israel do Egito e quando da travessia pelo mar Vermelho e pelo deserto (Fiacutelon Vita Mos 2[3] 263281 Flaacutevio Josefo Contra Ap II 53)50 No NT este tema eacute utilizado cristologicamente em At 143 e Hb 24 114

537-39 Assim como o Pai testemunhou a favor de Jesus nas obras que ele lhe concedeu realizar tambeacutem deu testemunho a favor dele na sua palavra Essa palavra se deu na Antiga Alianccedila Verdade eacute que os israelitas natildeo puderam ouvi-la como tambeacutem natildeo puderam ver a face de Deus Mas eles possuiacuteam o testemunho divino a favor de Jesus nas suas Sagradas Escrituras Se as tivessem perscrutado teriam descoberto o seu testemunho a favor de Jesus

O ldquotestemunhordquo das escrituras eacute de modo novo um tema caracteriacutestico do QE mas natildeo sem antecedentes e paralelos nos demais escritos do NT A tradiccedilatildeo sinoacuteptica conhece sobretudo o cumprimento de determinadas passagens das Escrituras de Israel em Jesus em sua vida e em seu sofrimento Joatildeo ndash em concordacircncia com os sinoacutepticos ndash mostra esse modo de proceder sobretudo no seu relado da Paixatildeo Em Jo 1238 aparece pela primeira vez a foacutermula ldquoAssim havia de se cumprirrdquo Mais caracteriacutestico de Joatildeo eacute o uso da Escritura como testemunho a favor de Jesus sem a citaccedilatildeo de determinada passagem51 Natildeo esta ou aquela passagem mas a Escritura como tal daacute testemunho a favor de Jesus Jo 539 eacute o texto claacutessico para ilustrar este modo de ver mas veja-se tambeacutem Jo 145 545-47 1034 uma citaccedilatildeo dos Salmos como testemunho da ldquoLeirdquo

Quando os israelitas natildeo conseguem perceber nas suas escrituras o testemunho a favor de Jesus a culpa natildeo eacute da Escritura Satildeo antes os leitores que natildeo estatildeo dispostos a abrir-se para a mensagem da Escritura Assim retiram-se da fonte da vida50 51

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Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)

Esta uacuteltima secccedilatildeo do discurso de Jesus pode ser subdividido em duas partes Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41-44) e natildeo eacute Jesus que acusa os judeus mas Moiseacutes (vv 45-47)

541-44 O conjunto dos vv 41-44 eacute emoldurado pelo tema da ldquohonrardquo52 Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41) Satildeo antes os seus adversaacuterios que fazem isso colhendo honra uns dos outros e natildeo do Deus uacutenico (v 44) de modo a serem incapazes de ir ateacute Jesus e de crer nele Nos vv 42-43 indica-se uma razatildeo mais profunda da atitude errada dos adversaacuterios de Jesus eles natildeo tecircm em si o amor de Deus Assim eles recebem quem se apresenta em nome proacuteprio mas natildeo aquele que vem em nome de Deus Jesus

Salvo engano estes versiacuteculos devem ter sido influenciados pela confissatildeo de feacute de Israel o Shemalsquo Yisrael ldquoOuve Israelrdquo de Dt 64s Neste texto central do judaiacutesmo Deus ordena a seu povo confessaacute-lo como Deus uacutenico e confessaacute-lo de todo o coraccedilatildeo A influecircncia deste texto sobre Jo 541-44 como tambeacutem sobre Jo 841s foi pouco observado ateacute agora Em ambos os lugares satildeo interligados a unicidade de Deus e o amor a ele ou a Jesus como enviado do Pai Um eco deste mandamento encontra-se tambeacutem em Jo 2115-17 (o amor de Pedro a Jesus como expressatildeo de sua relaccedilatildeo fundamental para com ele possibilitando seu encargo como pastor do rebanho do Senhor)

Se esta interpretaccedilatildeo estiver certa segue-se para Jo 542 e textos similares do QE que a expressatildeo hē agaacutepē tou theoacuteu deve ser entendida como genitivo de objeto No EJ trata-se de ter a relaccedilatildeo reta para com Deus tambeacutem como membro do povo de Israel Quem natildeo ama a Deus natildeo amaraacute o Cristo seu Filho e buscaraacute sua proacutepria honra Na Primeira Carta de Joatildeo a situaccedilatildeo eacute diferente O autor encontra-se em discussatildeo com um grupo que arroga para si em alto grau a posse do Espiacuterito considera estar acima da Lei e poder afirmar que conhece Deus e o ama A estas pessoas a 1Jo diz que antes de tudo satildeo amadas por Deus antes de poderem dizer que amam a Deus (cf 1Jo 47-21 tambeacutem 215 316s)

545-47 Para a transiccedilatildeo ao tema da honra para o de Moiseacutes satildeo apontadas diversas razotildees Jaacute em Jo 539 Jesus afirmou que as Escrituras falam dele As Escrituras de Israel satildeo a Toraacute mediada por Moiseacutes e tambeacutem os demais escritos principalmente os Salmos Neste sentido o tema de Moiseacutes que acusa os israelitas jaacute foi preparado no contexto imediatamente anterior O texto lembra tambeacutem Jo 719-23 onde Jesus em conexatildeo com a cura que realizou em dia de saacutebado arguacutei a partir da Lei de Moiseacutes que permite a circuncisatildeo no saacutebado Podemos ver tambeacutem em Jo 545-47 uma referecircncia agrave controveacutersia sobre a aplicaccedilatildeo da Lei de Moiseacutes em torno da cura que Jesus realizou

A convicccedilatildeo de que Moiseacutes escreveu a respeito de Jesus (v 46) pode-se deduzir da visatildeo global de Joatildeo segundo a qual a Escritura inteira quando lida direitinho fala de Jesus Um primeiro exemplo encontra-se em Jo 145 nas palavras de Filipe ldquoEncontramos Jesus o filho de Joseacute de Nazareacute aquele sobre quem escreveram Moiseacutes na Lei e os Profetasrdquo

Os israelitas creram em Deus e em Moiseacutes como eacute dito no fim do relato da saiacuteda milagrosa de Israel do Egito e da travessia do mar Vermelho em Ex 143 Os israelitas do tempo de Jesus estatildeo nesta tradiccedilatildeo A eles eacute que Jesus dirige a palavra dizendo que natildeo basta crer em Moiseacutes mas que eacute preciso ler suas escrituras no modo certo como testemunho a favor de Jesus Quem acredita em Moiseacutes tambeacutem deve acreditar em

52

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Jesus pois dele eacute que Jesus escreveu Quem natildeo acredita em Jesus natildeo pode afirmar que acreditou nas palavras de Moiseacutes Deste modo o cap 5 se encerra com uma acusaccedilatildeo contundente contra os ouvintes O conflito continuaraacute nos capiacutetulos 6 e 7ndash8

III

Depois que nos caps 2ndash4 do EJ Jesus levou sua mensagem sempre mais do centro para a periferia da terra de Israel no cap 5 ele volta ao centro e enfrenta a discussatildeo com os habitantes de Jerusaleacutem e os liacutederes do povo judeu em torno de sua missatildeo Um milagre estupendo a cura de algueacutem que havia 38 anos estava aleijado levou agrave discussatildeo de sua accedilatildeo feita no saacutebado e paulatinamente agrave discussatildeo sobre sua pessoa Pela primeira vez ldquoos judeusrdquo aparecem agora numa secccedilatildeo maior como adversaacuterios de Jesus A afirmaccedilatildeo de Jesus de agir em uniatildeo com seu Pai celeste soacute os faz concluir que ele se torna igual em poder e ordem ao Pai Esta afirmaccedilatildeo provocou contestaccedilatildeo natildeo soacute no tempo do evangelista Para entendecirc-la bem vale a pena reler atentamente o desenvolvimento do discurso de Jesus em Jo 519-47

Na leitura atenta nota-se que Jesus continuamente recusa colocar-se a si mesmo no centro Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (vv 19-30) nem testemunha a favor de si mesmo (vv 31-40) nem procura sua proacutepria honra (vv 41-45 ou 47) Deus eacute quem o deixa participar de sua obra que o defende e o honra Olhando por este lado o discurso de vv 19-47 natildeo eacute meramente ou nem em primeiro lugar cristoloacutegico Ele eacute e permanece teoloacutegico Com a melhor tradiccedilatildeo de Israel o QEvg e na sua obra o Cristo de seu evangelho reduzem toda o agir a Deus o Pai Eacute ele quem opera no Filho o defende e o honra Natildeo eacute por acaso que por isso aparece nos versiacuteculos finais 42-44 o principal mandamento a confissatildeo do Deus uacutenico de Israel e a ordem de amaacute-lo A partir daiacute a reivindicaccedilatildeo de Jesus em Jo 5 e nas grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 merece renovada reflexatildeo

2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)1 Depois disso Jesus foi para para o outro lado do mar da Galileacuteia ou seja de Tiberiacuteades 2 Uma grande multidatildeo o seguia vendo os sinais que ele fazia a favor dos doentes 3 Jesus subiu a montanha e sentou-se laacute com os seus disciacutepulos 4 Estava proacutexima a Paacutescoa a festa dos judeus 5 Levantando os olhos e vendo uma grande multidatildeo que vinha a ele Jesus disse a Filipe ldquoOnde vamos comprar patildeo para que essa gente possa comerrdquo 6 Disse isso para testar Filipe pois ele sabia muito bem o que ia fazer 7 Filipe respondeu ldquoNem duzentos denaacuterios de patildeo bastariam para dar um pouquinho a cada umrdquo 8 Um dos disciacutepulos Andreacute irmatildeo de Simatildeo Pedro disse 9 ldquoEstaacute aqui um menino com cinco patildees de cevada e dois peixes Mas que eacute isso para tanta genterdquo 10 Jesus disse ldquoFazei as pessoas sentar-serdquo Naquele lugar havia muita relva e laacute se sentaram os homens em nuacutemero de aproximadamente cinco mil 11 Jesus tomou os patildees deu graccedilas e distribuiu aos que estavam sentados tanto quanto queriam E fez o mesmo com os peixes 12 Quando todos se fartaram disse aos disciacutepulos ldquoJuntai os pedaccedilos que sobraram para que nada se percardquo 13 Eles juntaram e encheram doze cestos com os pedaccedilos que sobraram dos cinco patildees de cevada que comeram 14 Agrave vista do sinal que Jesus tinha realizado as pessoas exclamavam ldquoEste eacute verdadeiramente o profeta aquele que deve vir ao mundordquo 15 Quando Jesus percebeu que queriam levaacute-lo para proclamaacute-lo rei novamente se retirou para a montanha sozinho

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16 Ao anoitecer os disciacutepulos desceram para a beira-mar 17 Entraram no barco e foram na direccedilatildeo de Cafarnaum do outro lado do mar Jaacute estava escuro e Jesus ainda natildeo tinha vindo a eles 18 Soprava um vento forte e o mar estava agitado 19 Os disciacutepulos tinham remado vinte e cinco ou trinta estaacutedios quando avistaram Jesus andando sobre as aacuteguas e aproximando-se do barco Eles ficaram com medo 20 Jesus poreacutem lhes disse ldquoSou eu Natildeo tenhais medordquo 21 Eles queriam receber Jesus no barco mas logo o barco atingiu a terra para onde estavam indo22 No dia seguinte a multidatildeo que tinha ficado do outro lado do mar notou que antes havia aiacute um soacute barco e que Jesus natildeo entrara nele com os disciacutepulos os quais haviam partido sozinhos 23 Entretanto outros barcos chegaram de Tiberiacuteades perto do lugar onde tinham comido o patildeo depois de o Senhor ter dado graccedilas 24 Quando a multidatildeo percebeu que Jesus natildeo estava aiacute nem os seus disciacutepulos entraram nos barcos e foram procurar Jesus em Cafarnaum 25 Encontrando-o do outro lado do mar perguntaram-lhe ldquoRabi quando chegaste aquirdquo 26 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo estais me procurando natildeo porque vistes sinais mas porque comestes patildeo e ficastes saciados 27 Trabalhai natildeo pelo alimento que se perde mas pelo alimento que permanece ateacute agrave vida eterna e que o Filho do Homem vos daraacute Pois a este Deus Pai o marcou com seu selo 28 Perguntaram entatildeo ldquoQue devemos fazer para praticar as obras de Deusrdquo 29 Jesus respondeu ldquoA obra de Deus eacute que acrediteis naquele que ele enviourdquo 30 Eles perguntaram ldquoQue sinais realizas para que possamos ver e acreditar em ti Que obras fazes 31 Nossos pais comeram o manaacute no deserto como estaacute na Escritura lsquoDeu-lhes a comer patildeo do ceacuteursquordquo 32 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo natildeo foi Moiseacutes quem vos deu o patildeo do ceacuteu Eacute meu Pai quem vos daacute o verdadeiro patildeo do ceacuteu 33 Pois o patildeo de Deus eacute aquele que desce do ceacuteu e daacute vida ao mundordquo 34 Eles entatildeo pediram ldquoSenhor daacute-nos sempre desse patildeordquo 35 Jesus lhes disse ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sede 36 Contudo eu vos disse que me vistes mas natildeo credes 37 Todo aquele que o Pai me daacute viraacute a mim e quem vem a mim eu natildeo jogarei fora 38 porque eu desci do ceacuteu natildeo para fazer a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou ldquo39 E esta eacute a vontade daquele que me enviou que eu natildeo perca nenhum daqueles que ele me deu mas os ressuscite no uacuteltimo dia 40 Esta eacute a vontade do meu Pai quem vecirc o Filho e nele crecirc tenha vida eterna E eu o ressuscitarei no uacuteltimo diardquo41 Entatildeo os judeus comeccedilaram a murmurar contra Jesus porque ele disse ldquoEu sou o patildeo que desceu do ceacuteurdquo 42 Diziam ldquoEste natildeo eacute Jesus o filho de Joseacute Natildeo conhecemos noacutes o seu pai e sua matildee Como pode entatildeo dizer que desceu do ceacuteurdquo 43 Jesus respondeu ldquoNatildeo murmureis entre voacutes 44 Ningueacutem pode vir a mim se o Pai que me enviou natildeo o atrair E eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 45 Estaacute escrito nos Profetas lsquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrsquo Ora todo aquele que escutou o ensinamento do Pai e o aprendeu vem a mim 46 Ningueacutem jamais viu o Pai a natildeo ser aquele que vem de junto de Deus este viu o Pai 47 Ameacutem ameacutem vos digo quem crecirc tem vida eterna 48 Eu sou o patildeo da vida 49 Os vossos pais comeram o manaacute no deserto e no entanto morreram 50 Aqui estaacute o patildeo que desce do ceacuteu para que natildeo morra quem dele comer51 ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteu Quem come deste patildeo viveraacute eternamente E o patildeo que eu darei eacute a minha carne dada pela vida do mundordquo 52 Os judeus discutiam entre si ldquoComo eacute que ele pode dar a sua carne a comerrdquo 53 Jesus disse ldquoAmeacutem ameacutem vos digo se natildeo comerdes a carne do Filho do Homem e natildeo beberdes o seu sangue natildeo tereis vida em voacutes 54 Quem mastiga minha carne e

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bebe meu sangue tem vida eterna e eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 55 Pois minha carne eacute verdadeira comida e meu sangue eacute verdadeira bebida 56 Quem mastiga minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele 57 Como o Pai que vive me enviou e eu vivo por meio dele assim viveraacute por meio de mim aquele que me mastiga 58 Este eacute o patildeo que desceu do ceacuteu Natildeo eacute como aquele que vossos pais comeram ndash e no entanto morreram Quem mastiga este patildeo viveraacute para semprerdquo 59 Jesus falou essas coisas ensinando na reuniatildeo sinagogal em Cafarnaum 60 Muitos disciacutepulos que o ouviram disseram entatildeo ldquoEssa palavra eacute inaceitaacutevel Quem consegue escutaacute-lardquo 61 Percebendo que seus disciacutepulos estavam murmurando por causa disso Jesus perguntou ldquoIsto vos escandaliza 62 Que seraacute entatildeo quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes 63 O Espiacuterito eacute que daacute vida a carne de nada serve As palavras que vos falei satildeo Espiacuterito e satildeo vida 64 Mas haacute alguns entre voacutes que natildeo crecircemrdquo Jesus sabia desde o iniacutecio quem eram os que acreditavam e quem havia de entregaacute-lo 65 E acrescentou ldquoEacute por isso que eu vos disse lsquoNingueacutem pode vir a mim a natildeo ser que lhe seja dado pelo Pairsquordquo 66 A partir daquele momento muitos disciacutepulos o abandonaram e natildeo mais andavam com ele 67 Jesus disse aos Doze ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo 68 Simatildeo Pedro respondeu ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna 69 Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo 70 Jesus respondeu ldquoNatildeo vos escolhi doze Contudo um de voacutes eacute um diabordquo 71 Ele falava de Judas filho de Simatildeo Iscariotes pois este um dos Doze iria entregaacute-lo

I

Agrave primeira vista Jo 6 natildeo se insere sem dificuldade no contexto do EJ No iniacutecio do capiacutetulo supotildee-se que Jesus se encontra na proximidade do lago de Tiberiacuteades na Galileacuteia enquanto o cap 5 relatava seu discurso diante dos ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem em continuidade com a cura do aleijado na piscina de Betesda Em Jo 714-24 remete-se a esta cura em dia de saacutebado Jaacute em Jo 72 eacute alegada como razatildeo da estada de Jesus na Galileia o fato de que os ldquojudeusrdquo o querem matar com uma alusatildeo 518 No decorrer do seacuteculo XX os problemas da sequecircncia do texto levaram comentadores famosos a inverter a ordem de Jo 5 e Jo 653 Deste modo surgiria um texto mais compreensiacutevel Como no fim do cap 4 no cap 6 Jesus se encontra na Galileia Se o cap 5 segue depois do cap 6 a dupla remissiva ao cap 5 em Jo 7 torna-se compreensiacutevel Mas esta proposta natildeo vingou nos uacuteltimos anos O respeito pelo texto dado natildeo permite com facilidade esta ou outras propostas de inversatildeo e os manuscritos natildeo fornecem nenhum ensejo para isso Tambeacutem eacute possiacutevel resgatar a ordem atual do texto quando se parte da ideia de que os indiacutecios geograacuteficos e cronoloacutegicos pelo menos para o autor natildeo constituiacuteram o criteacuterio decisivo para o decurso do texto

Como jaacute sugerido eacute bem possiacutevel ver em Jo 6 uma inserccedilatildeo no QE o que tambeacutem resolveria os problemas da sequecircncia do texto54 Neste caso mantenha-se a unidade literaacuteria do capiacutetulo Soacute neste capiacutetulo em Joatildeo fala-se da eucaristia enquanto que ela falta no cap 13 no relato da paixatildeo Aqui em Jo 6 Jesus parece natildeo subir para a festa da Paacutescoa mencionada em 64 Tem-se a impressatildeo de que uma Paacutescoa cristatilde toma o lugar da festa de peregrinaccedilatildeo judaica Jesus a celebra na Galileia terra das primeiras comunidades cristatildes Como seus antagonistas aparecem a partir do v41 os ldquojudeusrdquo que em outros capiacutetulos soacute na Judeia se encontram com Jesus No interior do cap 6

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Joatildeo se mostra fortemente influenciado pela tradiccedilatildeo sinoacuteptica especialmente por Mc 632-56 e 811-33 como mostra este esquemaMultiplicaccedilatildeo dos patildees Mc 632-44 Jo 61-15Caminhando sobre as aacuteguas Mc 645-52 Jo 616-21Encontro com a multidatildeo Mc 653-56 Jo 522-25(29)Pedido de sinal Mc 811-13 Jo 630-31Discurdso do patildeo Mc 814-21 Jo 632-58Identidade de Jesus e confissatildeo de Pedro Mc 8m27-30 Jo 660-66Um dos disciacutepulos eacute o satanaacutes Mc 831-33 Jo 667-71

A secccedilatildeo Mc 71ndash810 natildeo tem correspondecircncias em Joatildeo e portanto falta em Joatildeo a segundo multiplicaccedilatildeo dos patildees como tambeacutem em Lucas No interior de Jo 6 o autor chega a seguir literalmente o texto marcano ou sinoacuteptico Feiccedilotildees deste gecircnero satildeo o nuacutemero de duzentos denaacuterios para comprar patildeo o nuacutemero de patildees e peixes a descriccedilatildeo dos gestos de Jesus os doze cestos com os pedaccedilos de patildeo que sobraram e tambeacutem o nuacutemero dos que foram saciados Em nenhum outro lugar o EJ tanto se aproxima da tradiccedilatildeo sinoacuteptica Podemos comparar com isso antes de tudo o relato de paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus mas haacute aqui diferenccedilas evidentes desde a cronologia da uacuteltima ceia e da morte de Jesus Visto que tambeacutem em Jo 21 o capiacutetulo final que muitos consideram um acreacutescimo aparecem muitos contatos com os sinoacutepticos (cf a pesca milagrosa Lc 51-11 os filhos de Zebedeu Mc 119 par) parece natural adotar tambeacutem para Jo 6 [[206]] uma data de composiccedilatildeo levemente posterior agrave do contexto

Muito por causa da secccedilatildeo dos dons eucariacutesticos de Jesus no uacuteltimo seacuteculo diversas vezes se colocou em duacutevida a unidade literaacuteria do capiacutetulo Assim R Bultmann55 distingue em Jo 6 quatro camadas diferenciadas uma ldquofonte dos sinaisrdquo agrave qual se devem a multiplicaccedilatildeo dos patildees e a caminhada sobre as aacuteguas (61-1516-21) fragmentos de uma fonte de discursos de revelaccedilatildeo de inspiraccedilatildeo gnoacutestica especialmente no discurso do patildeo em Jo 627-51c a matildeo redatora do evangelista especialmente tambeacutem na parte cristoloacutegica do discurso do patildeo e a redaccedilatildeo eclesial agrave qual se devem a secccedilatildeo ldquoeucariacutesticardquo de 651d-58 e as alusotildees agrave futura ressurreiccedilatildeo dos mortos em 6394044 Semelhante dissecccedilatildeo em camadas encontra-se na exegese que se inspira em Bultmann mesmo quando abre matildeo da ldquofonte dos discursosrdquo de influecircncia gnoacutestica56

Um novo modelo de diversas camadas encontra-se em Paul N Anderson que parte da sedimentaccedilatildeo de diversos conflitos sucessivos em Jo 657 Um primeiro conflito seria o da massa popular em torno do alimento verdadeiro (vv 25-40) o segundo com os ldquojudeusrdquo acerca da Toraacute e do patildeo do ceacuteu (vv 41-51) depois um cisma envolvendo principalmente os disciacutepulos oriundos do paganismo acerca da verdadeira corporeidade de Jesus (vv 51-66) e finalmente uma controveacutersia sobre o lugar certo do grupo joaneu na paisagem da comunidade joanina e da Grande Igreja representada por Pedro (vv 67-70) Menos complexo eacute o modelo de J Painter58 segundo o qual em Jo 6 estaacute integrado uma ldquohistoacuteria de buscardquo (ldquoquest storyrdquo) na qual a massa popular busca e encontra Jesus A essa liga-se nos vv 41-66 uma seacuterie de ldquohistoacuterias de rejeiccedilatildeordquo (ldquorejection storiesrdquo) que teriam sida acrescentadas secundariamente Os vv 67-70 serviram entatildeo para reconciliar os membros da comunidade joanina com adeptos de um cristianismo para a qual a figura de Pedro tinha significaccedilatildeo extraordinaacuteria

55 56 57 58

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

59 60 61 62 63 64 65 66

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

69 70 71 72

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

73 74 75

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

83 84 85 86

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

94 95 96

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

97 98 99 100 101 102

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

103 104 105 106 107

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

108 109 110 111 112

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

118 119 120 121 122

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 6:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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(Semanas)14 e Tabernaacuteculos (Tendas)15 Contra Paacutescoa e Tabernaacuteculos levanta-se a objeccedilatildeo de que entatildeo teriacuteamos duas vezes em seguida a mesma festa em detrimento da reconstituiccedilatildeo de um ciclo anual das festas judaicas Que se trata da festa das Semanas pode ser corroborado por algumas consideraccedilotildees complementares16 Por um lado no contexto anterior vem agrave tona da colheita (Jo 435-38) o que combinaria muito bem com a festa das Semanas como festa da colheita das primiacutecias 50 dias depois da Paacutescoa Por outro lado jaacute uma tradiccedilatildeo judaica antiga liga a festa das Semanas com a outorga da Lei e a celebraccedilatildeo da Alianccedila em Qumran Isso se conjugaria bem com a referecircncia agrave Lei e agraves escrituras mosaicas que ganha significaccedilatildeo no decorrer do discurso de Jesus (cf v 39-47) Por estas aceitamos por suposto que em Jo 51 se trata da festa das Semanas17

Tambeacutem as indicaccedilotildees topograacuteficas do v 2 natildeo se deixam interpretar sem problemas A ediccedilatildeo textual de Nestle-Aland prefere a liccedilatildeo ldquoBetzatardquo e acordo com os mais antigos e sobretudo os melhor atestados manuscritos gregos18 Mas desde o Codex Alexandrinus encontra-se o termo ldquoBetesdardquo ainda preferido nas traduccedilotildees ateacute hoje Tambeacutem a expressatildeo epiacute tecirci probatikecirci continua discutiacutevel na criacutetica textual Eacute provaacutevel que o termo ldquoportardquo ficou subentendido (por elipse) Daiacute ldquoExiste em Jerusaleacutem perto da Porta das Ovelhas uma piscina rdquo Essa piscina tinha cinco poacuterticos (galerias) O enigma desta expressatildeo foi considerado resolvido desde a descoberta em 1865 perto da igreja de S Ana de duas piscinas interligadas por poacuterticos Mas ultimamente ha indiacutecios de que essa instalaccedilatildeo data do tempo depois da destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem Aleacutem disso a dupla bacia eacute muito profunda e seria difiacutecil descer dentro dela Segundo A Duprez19 houve neste lugar outras bacias menores escavadas na rocha que teriam servido para o culto de uma divindade terapecircutica Ascleacutepio (no oriente Sarapis) Nessas instalaccedilotildees dificilmente se imagina uma movimentaccedilatildeo da aacutegua por isso L Devillers20 propotildee que na fase primitiva do relato se tratava de um milagre junto agrave piscina de Siloeacute que era alimentada pela fonte do Gion Aiacute se entenderia o movimento da aacutegua O evangelista teria deslocado o milagre para a piscina de Betesda com o intuito de poder narrar duas curas nas piscinas de Jerusaleacutem e para mostrar a superioridade de Jesus em relaccedilatildeo agraves divindades terapecircuticas A discussatildeo em torno disso certamente continuaraacute O v 4 explica a movimentaccedilatildeo da aacutegua pela atividade de um anjo mas a criacutetica texual demonstra o caraacuteter secundaacuterio deste elemento e o exclui do texto

Depois dessas indicaccedilotildees topograacuteficas e cronoloacutegicas o v 3 toma em consideraccedilatildeo as pessoas envolvidas Encontra-se junto agrave piscina de Betesda uma multidatildeo de enfermos esperando cura cegos aleijados coxos A enumeraccedilatildeo natildeo eacute por acaso Em Mateus e Lucas encontramos a delegaccedilatildeo vinda de Joatildeo Batista para perguntar a Jesus se eacute ele aquele que haacute de vir A resposta de Jesus eacute ldquoIde comunicar a Joatildeo o que ouvis e vedes cegos recobram a vista paraliacuteticos andam leprosos satildeo purificados e surdos ouvem mortos ressuscitam e a pobres eacute anunciado o evangelhordquo (Mt 114s cf Lc 722) Jesus se vecirc aqui como aquele que cumpre as promessas dos profetas Cegos e coxos satildeo contemplados pela promessa de Is 355s cegos tambeacutem em Is 2918 A ressurreiccedilatildeo dos mortos eacute prometida em Is 2619 Daiacute os milagres de Jo 5 Jo 9 e Jo 11 curas de um aleijado e de um cego e ressuscitaccedilatildeo de um morto Jesus eacute aquele no qual se cumprem as promessas dos profetas

14 15 16 17 18 19 20

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55-7 No v 5 escolhe-se um da multidatildeo dos enfermos O narrador sabe que ele jaacute tem 38 anos de sofrimento As leitoras e leitores pensaratildeo provavelmente nos 38 anos da erracircncia no deserto do povo de Israel antes de poder entra na Terra Prometida (cf Dt 214) A iniciativa da cura natildeo surge como seria de regra do enfermo ou de sua comitiva mas do proacuteprio Jesus conforme o v 6 Ele enxerga o enfermo aiacute deitado sabe da duraccedilatildeo de sua enfermidade e o interpela Com clareza o evangelista salienta aqui o papel determinante de Jesus e tambeacutem seu saber acerca do ser humano (cf Jo 148 225 418) A pergunta dirigida ao enfermo ndash se ele quer recuperar a sauacutede ndash surpreende mas resposta do aleijado no v 7 mostra que estava certa A resposta do homem parece um subterfuacutegio mas Jesus enuncia o desejo do aleijado por sauacutede apesar da resposta dele pois soacute assim ele poderaacute falar a palavra que libertaraacute o enfermo

58-9c A palavra de Jesus consiste segundo o v 8 numa exortaccedilatildeo dirigida ao enfermo Ele tem de passar agrave atividade ldquoLevanta-te pega a tua maca e andardquo A frase se encontra praticamente idecircntica na cura do paraliacutetico em Mc 211 cf Mt 96 Lc 524 ndash mas aqui o curado eacute instado a ir para casa Em Joatildeo ele ldquoanda em redorrdquo (peripateacutein) como o beneficiado de Mt 115 Lc 722 cf At 36 1410 isso proveacutem de uma soacutelida tradiccedilatildeo narrativa que recupera a promessa isaiana O tema do paraliacutetico que leva a sua cama eacute atestado tambeacutem fora da Biacuteblia21 Serve para provar o ecircxito da cura mas em Joatildeo aleacutem disso para introduzir a acusaccedilatildeo de lesatildeo do saacutebado que seraacute o tema da secccedilatildeo seguinte A execuccedilatildeo pelo aleijado no v 9a-c corresponde exatamente agrave ordem dada por Jesus ele se levanta toma sua maca e anda em redor O tema do ldquolevantar-serdquo (egeacuteirein) pode ter para Joatildeo um sentido mais profundo Antecipa a autoridade do Filho para ressuscitar mortos assim como faz o Pai (cf v 21) Esta autoridade manifesta-se tambeacutem na histoacuteria da ressuscitaccedilatildeo de Laacutezaro Jo 11

O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)

O relato sobre a cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda eacute seguido de uma controveacutersia entre o curado Jesus e as autoridades judaicas acerca da legitimidade da cura que foi operado num dia de saacutebado O fato de que apenas v 9c eacute mencionado ldquoAquele dia poreacutem era um saacutebadordquo eacute visto pelos comentadores como prova de que o elemento soacute foi inserido secundariamente pelo evangelista ou por uma fonte que natildeo eacute idecircntica com a do relato do milagre22 Outros poreacutem como a escola de Lovaina (cf F Neirynck) apontam que a conexatildeo entre a cura milagrosa operada por Jesus e a questatildeo do saacutebado jaacute existe na tradiccedilatildeo sinoacuteptica (cf Mc 21ndash36 Lc 1013-17)23 Segundo P Borgen uma conexatildeo entre obras realizadas em dia de saacutebado e controveacutersias subsequentes ocorre tambeacutem em Fiacutelon de Alexandria24 Fiacutelon discute a distinccedilatildeo entre Deus que no saacutebado pode trabalhar segundo a interpretaccedilatildeo de Gn 22-3 e o ser humano que deve observar o repouso sabaacutetico (cf Migr 89-93) A conexatildeo entre a cura e o saacutebado pertence portanto provavelmente agrave tradiccedilatildeo preacute-joanina que transparece tambeacutem em Jo 721-24

Natildeo eacute muito provaacutevel a opiniatildeo de Tom Thatcher que vecirc na introduccedilatildeo atrasada de Jo 59c uma ldquoironia instaacutevelrdquo isto eacute uma enganaccedilatildeo consciente natildeo soacute dos contemporacircneos (ldquoironia estaacutevelrdquo) mas tambeacutem do leitorado (portanto um ldquotruque do saacutebadordquo)25 Tal opiniatildeo se mostra falha porque a ironia joanina sempre estaacute relacionada

21 22 23 24 25

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agrave tensatildeo entre palavras de revelaccedilatildeo de Jesus ou enunciados sobre Jesus e o mal-entendido a seu respeito por parte dos ouvintes Natildeo eacute isso que acontece aqui Natildeo haacute outro lugar no QE em que o evangelista consciamente induz seus leitores ao erro

Quanto ao gecircnero desta secccedilatildeo (e de outras similares na sequecircncia posterior do QE) sugeriu-se ver aqui o modelo veterotestamentaacuterio do ricircb a disputa judicial entre Deus e seu povo26 Tal disputa se caracteriza por isto que falta um instacircncia de arbitragem Soacute importa quais satildeo os melhores argumentos Apesar de toda a proximidade do QE ao AT e natildeo em uacuteltima instacircncia a suas tradiccedilotildees profeacuteticas a aplicaccedilatildeo desse modelo literaacuterio agraves controveacutersias entre Jesus e seus adversaacuterios em Jerusaleacutem natildeo convence Por um lado Jesus natildeo toma sem mais o lugar de Deus por outro natildeo falta em Joatildeo a instacircncia judicial Em niacutevel poliacutetico as instacircncias judiciais do povo israelita tecircm o poder de excomungar da comunidade e mesmo de infligir a pena de morte E na perspectiva teoloacutegica eacute Jesus que se revela como o juiz verdadeiro ou pelo menos como aquele que realiza o juiacutezo divino a todos aqueles que se opotildeem a ele e assim em uacuteltima instacircncia rejeitam a Deus mesmo

59d-13 A cena seguinte aacute introduzida pela frase ldquoAquele dia poreacutem era um saacutebadordquo (v 9d) A frase lembra a similar em Jo 94 cf tambeacutem 1914 Quanto ao estilo revela a matildeo do evangelista Para as controveacutersias dos versiacuteculos seguintes natildeo eacute tatildeo relevante se o dia foi mesmo um saacutebado pois segundo o direito judaico os dias de festa eram equiparados ao saacutebado

No v 10 pela primeira vez ldquoos judeusrdquo entram em cena Contrariamente a Jo 422 onde a expressatildeo designa a comunidade religiosa judaica parece que aqui se trata de um grupo dentro do judaiacutesmo Este grupo jaacute foi mencionado em 119 como mandante da delegaccedilatildeo que questionou Joatildeo Batista a respeito de sua pessoa e atividade Parece claro que se trata das autoridades judaicas em Jerusaleacutem sem que isso se caracterize mais adiante27 Os ldquojudeusrdquo objetam ao homem que foi curado que no saacutebado ele natildeo pode [[189]] carregar sua maca Carregar fardos era uma da 39 ldquoobrasrdquo consideradas proibidas pela Lei de Moises28 Para o fluxo narrativo eacute importante ver que em primeira instacircncia a objeccedilatildeo eacute dirigida ao ex-alijado e natildeo a Jesus Mas indiretamente eacute este que estaacute sendo criticado como logo mais se mostraraacute

O curado sai do jogo passando a acusaccedilatildeo para Jesus jaacute que este lhe havia ordenado a carregar sua maca e andar em redor Notaacutevel eacute a expressatildeo ldquotornar sadiordquo (hygiecirc) O adjetivo que jaacute foi usando no v 6 voltaraacute no v 14 Proveacutem provavelmente da tradiccedilatildeo pre-joanina e serve para a conexatildeo do milagre de cura com as controveacutersias subsequentes O termo aparece nos relatos de cura helenistas como foi observado29 Assim Jesus aparece como ldquodeus curandeirordquo

Na base da resposta do homem que foi curado a investigaccedilatildeo dos ldquojudeusrdquo transforma-se numa inquisiccedilatildeo acerca da pessoa que o havia curado O homem diz que natildeo sabe quem foi quem o curou O narrador acrescenta que no lugar do diaacutelogo havia muita gente e que Jesus se tinha retirado dali

514 Depois de um encontro entre o curado e ldquoos judeusrdquo Jesus se encontra com o homem Natildeo eacute ele que encontra Jesus mas Jesus que encontra a ele (como encontrou a Filipe Jo 143) ldquodepois dissordquo (metagrave taacuteuta expressatildeo joanina) e ele o exorta para que natildeo peque mais Discutiu-se muito sobre esta exortaccedilatildeo Em ciacuterculos judaicos parece 26 27 28 29

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pressuposta uma ligaccedilatildeo entre enfermidade e pecado com se refletes tambeacutem na questatildeo dos disciacutepulos em Jo 92 A tradiccedilatildeo sinoacuteptica de Ma 21-12 parece tambeacutem conhecer essa ligaccedilatildeo ainda que natildeo no sentido causal Aiacute Jesus perdoa primeiro os pecados do paraliacutetico antes de curaacute-lo Mas natildeo se confirma uma conexatildeo direta Em Jo 514 a exortaccedilatildeo de Jesus poderia ser esclarecida em vista da biografia do homem que foi curado ele natildeo utilizou todas as chances para ser curado ele natildeo pocircde ou natildeo quis dar informaccedilatildeo sobre quem o curou30 Mas o versiacuteculo seguinte contradiz isso

515 Depois do encontro com o homem curado este se dirige aos ldquojudeusrdquo para lhes comunicar que foi Jesus quem o curou Esta nota tem sido interpretada de modos muito diversos como mostra o artigo de R Metzler31 Segundo Metzler parece que o homem curado se dirigiu aos ldquojudeusrdquo para denunciar Jesus De fato ateacute entatildeo o homem natildeo deu nenhum sinal de atitude positiva em relaccedilatildeo a Jesus fica duvidoso se ele chegou a crer em Jesus Contudo hoje se aceita sempre mais uma visatildeo mais positiva do ex-aleijado32 Se ele vai aos ldquojudeusrdquo para ldquoanunciarrdquo que foi Jesus quem o curou conveacutem levar a seacuterio o verbo anaggeacutellein que significa ldquoanunciarrdquo e natildeo ldquodenunciarrdquo Neste caso o curado de Jo 5 eacute um precursor do cego de Jo 9 sendo que este chega a uma adesatildeo intreacutepida a Jesus e a uma confissatildeo plena da feacute Nesta mesma linha os exemplos da Cappella Greca nas catacumbas romanas de Priscila ou na capela do Sacramento nas catacumbas de Calisto mostram o aleijado no ciclo batismal33

516-18 O v 16 poderia ter sido o final original da narrativa na tradiccedilatildeo preacute-joanina Os ldquojudeusrdquo perseguem Jesus como transgressor do saacutebado34 O imperfeito sugere antes um conflito permanente que uma ocorrecircncia uacutenica O vocabulaacuterio prepara o tema da perseguiccedilatildeo futura dos disciacutepulos (Jo 1520) Como os ldquojudeusrdquo perseguiram Jesus perseguiratildeo tambeacutem seus disciacutepulos

O v 17 jaacute antecipa o discurso de revelaccedilatildeo de Jesus (por isso geralmente eacute atribuiacutedo ao evangelista) Jesus designa sua accedilatildeo como ldquoobrardquo e legitima-a dizendo que foi operada em uniatildeo com o Pai Pois segundo uma interpretaccedilatildeo judaica atestada por Fiacutelon Deus trabalha no saacutebado e por isso a ldquoobrardquo de Jesus eacute legiacutetima35

Os ldquojudeusrdquo poreacutem segundo o v 18 ficam farejando essa pretensatildeo de Jesus de ser igual a Deus com o desejo de mataacute-lo por causa dessa blasfecircmia Esta intenccedilatildeo ultrapassa o ldquoperseguirrdquo do v 16 mas tem base na tradiccedilatildeo sinoacuteptica de Mc 21ndash36 (cf Mc 36) W A Meeks tem estudado paralelos heleniacutesticos referentes agrave igualdade com Deus36 Pense-se aqui em [[192]] Apolocircnio de Tiana biografado por Flaacutevio Filostrato Ele justifica diante do imperador Domiciano o tiacutetulo de ldquodeusrdquo que seus adeptos lhe deram De imediato Apolocircnio exibe uma prova de suas capacidades sobre-humanas ao tornar-se subitamente invisiacutevel aos olhos dos espectadores Depois ele se justifica verbalmente Os homens veneram as pessoas boas como deuses porque encarnam a imagem de Deus Tanto mais uma pessoa prendada com as capacidades de Apolocircnio pode designar-se como deus37 A argumentaccedilatildeo tem alguma semelhanccedila com a de Jo 5 e tambeacutem com a de Jo 10 onde Jesus cita (v 34) a seu favor o Sl 826 no qual todos os

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israelitas satildeo chamados ldquodeuses e filhos do Altiacutessimordquo38 Segundo uma tradiccedilatildeo judaica todos os israelitas que ouviram no Sinai a voz de Deus e receberam sua instruccedilatildeo tornaram-se divinos Soacute pelo pecado na ocasiatildeo da adoraccedilatildeo do bezerro de ouro perderam esse privileacutegio E soacute pela observaccedilatildeo irrepreensiacutevel da Toraacute voltaratildeo agrave condiccedilatildeo de readquirir esse privileacutegio (pense-se na segunda conclusatildeo da alianccedila em Ex 34) Jesus pode ter-se referido a um tradiccedilatildeo desse tipo O assunto voltaraacute por ocasiatildeo de Jo 1034-36 (veja ali)

Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)

Em Jo 519 inicia-se a uacuteltima parte do capiacutetulo 5 A partir de agora soacute fala Jesus Depois da cura milagrosa (vv 1-9c) e o diaacutelogo (vv 9d-18) segue agora um discurso de revelaccedilatildeo O estilo dos vv 19-47 eacute joanino e assim eacute tambeacutem a teologia O autor parece basear-se antes em tradiccedilotildees orais do que em fontes escritas Quanto agrave possibilidade uma camada ulterior nos vv 28s veja ali

Os vv 19-30 constituem como jaacute dissemos (acima I) uma subdivisatildeo autocircnoma Esta eacute emoldurada pelo enunciado de que o Filho natildeo pode agir por iniciativa proacutepria mas permanentemente age em uniatildeo com o seu Pai (vv 19 e 30) As duas obras por excelecircncia de Deus o Pai satildeo o dom da vida na ressurreiccedilatildeo dos mortos e o julgamento Com essa dupla expressatildeo o Jesus joanino remonta agrave tradiccedilatildeo judaica Ambas as obras satildeo as que Deus pode fazer no saacutebado Assim esta secccedilatildeo reata com a anterior e a encerra

A composiccedilatildeo da secccedilatildeo eacute simples Nos vv 19-20 eacute introduzido o princiacutepio segundo o qual o filho natildeo pode fazer outra coisa senatildeo o que ele vecirc o Pai fazer A imagem pode provir do mundo do artesanato no qual o filho retoma a profissatildeo do pai Nos vv 21-28 aclara-se qual eacute a obra que o Filho retoma do Pai ambas as obras do dom da vida na ressurreiccedilatildeo e o julgamento Ambas satildeo obras reservadas a Deus que satildeo confiadas ao Filho O v 21 fala do dom da vida os vv 22-23 do julgamento

Nos vv 24-28 eacute explicada a obra do Filho A promessa da vida e o exerciacutecio do juiacutezo satildeo coisas que acontecem hoje ldquoVem a hora e eacute agorardquo (v 25) O mesmo tema volta nos vv 28s mas a promessa eacute formulada soacute para o futuro ldquoVem a horardquo (v28) Os exegetas discutem sobre o significado desta reduplicaccedilatildeo eacute o que deveremos considerar na exegese dos vv 28s

519-20 O discurso de Jesus propriamente se inicia com a tiacutepica afirmaccedilatildeo joanina ldquoAmeacutem ameacutem eu vos digordquo Ela confere agraves palavras seguintes um peso particular Os primeiros versiacuteculos satildeo ambos caracterizados pela imagem tomada do mundo do trabalho artesanal de que o filho aprende a arte do pai enquanto ele observa sua atividade e a imita C H Dodd descobriu e descreveu esta paraacutebola39 Desde este ponto de vista explicam-se os conceitos do ldquoverrsquo do ldquomostrarrsquo e do ldquofazerrdquo A relaccedilatildeo de pai e filho natildeo eacute somente de natureza profissional mas tambeacutem familiar o pai ama o seu filho Esta dupla dimensatildeo pode ser transferida para a relaccedilatildeo entre o Pai celeste e seu Filho Jesus Tambeacutem este natildeo pode fazer nada a partir de si e soacute faz o que lhe eacute mostrado e confiado pelo Pai Pertencem agrave obra que o Pai confia ao Filho as obras da criaccedilatildeo (cf Jo 13) mas tambeacutem as da salvaccedilatildeo que tecircm seu aacutepice na obra escatoloacutegica Satildeo essas as ldquoobras maioresrdquo que o Filho realiza para admiraccedilatildeo de seus contemporacircneos

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521-23 Os versiacuteculos anteriores expuseram a dependecircncia do Filho em relaccedilatildeo ao Pai o Filho natildeo faz nada a natildeo ser o que ele vecirc o Pai fazer Os vv 21-23 em compoensaccedilo acentuam a dignidade do Filho Terminam asseverando que cada um que honra o Pai honra tambeacutem o Filho A dignidade do Filho eacute mostrada por sua participaccedilatildeo nas obras que satildeo reservadas a Deus soacute ressuscitar os mortos e executar o julgamento De fato o julgamento eacute reservado exclusivamente ao Filho Deus nem participa dele Nestes versiacuteculos mostra-se a teologia joanina como reflexatildeo priacutestina da Igreja sobre a dignidade de Cristo A visatildeo de Joatildeo aproxima-se da de Paulo e de sua tradiccedilatildeo (cf o hino que Paulo utilizou em Fl 26-11 ou o iniacutecio da carta aos Romanos Rm 13-4 ou tambeacutem a foacutermula ldquotrinitaacuteriardquo de 2Cor 1313) Visatildeo semelhante encontra-se tambeacutem em outras camadas e escritos do NT [[194]] (cf Mt 1125-27 Mc 111par 97 par Hb 11-4) Para a outorga do julgamento ao Filho do Homem cf Mc 1326s par Mt 2531-46

Desde o iniacutecio a divindade de Jesus encontrou resistecircncia Bem cedo judeus e provavelmente tambeacutem judeu-cristatildeos opuseram-se a essa visatildeo As grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 encontram aqui sua fundamentaccedilatildeo Pouco depois Aacuterio vai combater a filiaccedilatildeo divina de Jesus Segundo ele Jesus eacute criatura natildeo igual ao Pai Na hora presente surge resistecircncia agrave metaacutefora familiar que serve para articular o discurso sobre o Pai e o Filho E M Boring40 expressa estas ressalvas para o mundo ocidental A seu ver exprime-se no discurso sobre ldquoPairdquo e ldquoFilhordquo certo patriarcalismo que eacute posto em xeque natildeo soacute do lado feminista mas tambeacutem por contemporacircneos que questionam a autoridade paterna como tal Importa levar a seacuterio tais questionamentos observando poreacutem que elas surgem principalmente do mundo ocidental

524-27 Nos versiacuteculos que aqui seguem promete-se vida eterna aos que ouvem a palavra de Jesus e creem no Deus que o enviou Mais exatamente a vida eterna natildeo eacute prometida aqui mas explica-se que todos os que ouvem a palavra de Jesus e creem no Pai jaacute passaram da morte para a vida (tempo perfeito grego) Estes natildeo chegam ao julgamento Aqui se exprime a ldquoescatologia presenterdquo tiacutepica do QEvg Segundo a visatildeo judaica tradicional todo ser humano enfrenta a morte no fim de sua vida terrestre E depois haveraacute segundo a convicccedilatildeo farisaica a ressurreiccedilatildeo dos mortos (ou dos justos) com o julgamento e com a vida eterna para os justos Segundo Joatildeo a morte verdadeira consiste na separaccedilatildeo de Deus a origem da vida Desta morte pode-se passar jaacute agora para a vida verdadeira a vida eterna quando se crecirc em Jesus e naquele que o enviou Quem age assim natildeo vai a juiacutezo Esta visatildeo encontra-se tambeacutem em outro lugar no QE (cf 315-1836 64047 1246s) A promessa de ldquovida eternardquo encontra-se jaacute em Dn 122 onde ela eacute prometida aos justos para o dia do julgamento final quando sairatildeo de seus sepulcros O papel do arcanjo Miguel eacute assumido [[195]] em Joatildeo pelo ldquoFilho de Deusrdquo na funccedilatildeo de ldquoFilho do homemrdquo (cf v27 Dn 723s) A expressatildeo ldquovem a horardquo eacute completada no v 25 por ldquo e eacute agorardquo A partir daqui os conceitos de ldquomorterdquo e ldquovidardquo satildeo reinterpretados A morte consiste na separaccedilatildeo de Deus como fonte originaacuteria da vida e a ldquovidardquo eacute a ldquovida eternardquo na medida em que vem de Deus O futuro gramatical que aparece aqui no enunciado sobre o ouvir da voz da ressurreiccedilatildeo e da vida perde seu sentido de indicaccedilatildeo temporal e eacute antes de natureza loacutegica o que deve acontecer acontece agora na ldquohorardquo do crer

No v 26 o evangelista abandona por um momento o ideaacuterio apocaliacuteptica da tradiccedilatildeo e fala de Cristo como fonte da vida numa linguagem mais fortemente teoloacutegica O Pai tem em si a vida e este pleno poder ele o transmitiu tambeacutem ao Filho Aqui volta agrave mente o Proacutelogo do QE (Jo 14) onde o Logos divino aparece como portador da fonte da vida 40

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No v 27 o autor volta ao ideaacuterio apocaliacuteptico Os comentadores veem no v 27 um eco de Dn 713s embora nesse lugar natildeo se exprima propriamente o julgamento mas antes todo o senhorio ateacute o fim do tempo Uma confirmaccedilatildeo da dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Daniel neste lugar pode transparecer na falta do artigo definido no v 27 ldquoporque ele eacute um filho do homemrdquo

528-29 A injunccedilatildeo no iniacutecio do v 28 ndash ldquoNatildeo fiqueis admirados com issordquo ndash pode ser conectado ao contexto anterior como muitas vezes se faz Neste caso a partiacutecula hoacuteti que se segue tem antes um sentido causal e poderia ser substituiacutedo por dois pontos Mas eacute possiacutevel tambeacutem relacionar a injunccedilatildeo com o contexto subsequente e entender o hoacuteti como declarativo eacute a interpretaccedilatildeo de H-C Kammler41 Contudo natildeo faz tanta diferenccedila no sentido

Os vv 28s retomam o v 25 como geralmente eacute observado Os versiacuteculos se correspondem ateacute na formulaccedilatildeo como mostra este quadro 25 ἔρχεται ὥρα καὶ νῦν ἐστιν ὅτε οἱ νεκροὶ ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς τοῦ υἱοῦ τοῦ θεοῦ καὶ οἱ ἀκούσαντες ζήσουσιν

28s ἔρχεται ὥρα ἐν ᾗ πάντες οἱ ἐν τοῖς μνημείοις ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς αὐτοῦ καὶ ἐκπορεύσονται οἱ τὰ ἀγαθὰ ποιήσαντες εἰς ἀνάστασιν ζωῆς οἱ δὲ τὰ φαῦλα πράξαντες εἰς ἀνάστασιν κρίσεως

As principais diferenccedilas satildeo estas os vv 28s dizem ldquovem a horardquo sem acrescentar ldquoe eacute agorardquo Tambeacutem dizem ldquotodos os que estatildeo nos sepulcrosrdquo em vez de ldquoos mortosrdquo e o julgamento parece estar ligado agraves obras de cada um Como entender essas diferenccedilas Trecircs modelos entram na discussatildeo

O primeiro modelo eacute o da ldquoescatologia presenterdquo representado sobretudo pelo comentaacuterio de R Bultmann publicado em 1941 e seguido por numerosos autores42 Segundo estes autores o texto de Jo 528s fala de uma futura ressurreiccedilatildeo dos mortos no dia do juiacutezo final A ldquoescatologia presenterdquo de Joatildeo pareceu ousada demais para a Igreja a no fim do seacuteculo I e foi por isso completada pelo modelo ldquoclaacutessicordquo da escatologia judaica que se encontra tambeacutem em outros escritos do NT (sinoacutepticos e Paulo pelo menos em parte) Deste modo ldquosalvou-serdquo o QE para a Igreja poacutes-apostoacutelica

O segundo modelo eacute o de duas camadas no EJ que se completam mutuamente Eacute adotado pelos grandes comentaacuterios da Gratilde-Bretanha43 dos EUA44 e de muitos autores da Europa continental45 Segundo estes autores o evangelista retoma sua caracteriacutestica escatologia presente reformulando-a em termos de escatologia futura Neste caso natildeo eacute preciso tomar como ponto de partida o modelo judeu-apocaliacuteptico ou protocristatildeo da ressurreiccedilatildeo dos mortos no fim do tempo Joatildeo natildeo fala de fato dos ldquomortosrdquo que ressuscitam mas daqueles ldquoque estatildeo nos sepulcrosrdquo os ldquomortosrdquo satildeo em todo o caso aqueles que jaacute nesta vida ficaram separados de Deus por terem-se decidido contra Deus Estas observaccedilotildees jaacute se encontram no comentaacuterio de Josef Blank Ultimamente Joumlrg Frey na sua obra magistral em trecircs volumes sobre a escatologia joanina46 defende com forccedila a tese de que ambas as escatologia em Joatildeo devem ser consideradas de modo

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complementar Sem a escatologia futura o querigma joaneu seria incompleto A Bultmann se deve conceder que as ldquoobrasrdquo mencionadas no texto de Joatildeo natildeo satildeo as ldquoobras boasrdquo ou ldquomaacutesrdquo do judaiacutesmo ou do protocristianismo mas a feacute ou a descrenccedila em relaccedilatildeo a Cristo (cf Jo 316-19 629)

Um terceiro modelo interpreta Jo 525-29 de modo estritamente unitaacuterio e isso a partir da escatologia presente47 Tambeacutem os vv 28s podem ser interpretados no sentido da escatologia presente quando lidos direitinho apesar de sua formulaccedilatildeo que evoca a escatologia futura O futuro gramatical seria semelhante ao do v 25 (cf tambeacutem Jo 1016) Segundo esta proposta Jesus fala do tempo poacutes-pascal quando as promessas do tempo final estaratildeo realizadas48 Este estudo merece consideraccedilatildeo mais profunda com consideraccedilatildeo de outros textos ldquoescatoloacutegicosrdquo de Joatildeo como 639404454 A favor desta proposta pode-se alegar que em Jo 42123 natildeo parece haver diferenccedila semacircntica entre ldquovem a horardquo (eacuterkhetai hocircra) e ldquoa hora vem e aacute agorardquo (eacuterkhetai hocircra kai nyn estin)

530 Assim como Jesus concede a vida em plena dependecircncia do Pai assim tambeacutem exerce o julgamento Isso eacute dito no versiacuteculo final v 30 De fato Jesus natildeo procura sua proacutepria vontade mas a vontade de quem o enviou (cf Jo 528) Por isso seu julgamento eacute reto Literariamente este versiacuteculo pela retomada do v19 encerra de modo eficaz a periacutecope 519-30 Ao mesmo tempo prepara a transiccedilatildeo para a secccedilatildeo seguinte

Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)

Esta secccedilatildeo eacute semelhante em sua composiccedilatildeo agrave precedente (Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria 519-30) e agrave subsequente (Jesus natildeo procura sua proacutepria honra 541-47) O princiacutepio fundamental se encontra no iniacutecio da secccedilatildeo e assim eacute apresentado o tema Sempre Jesus rejeita arrogar para si proacuteprio honra e autoridade Sua autoridade seu reconhecimento e sua honra vecircm de Deus Exatamente por esta razatildeo ele se eleva acima de qualquer autoridade humana Deus mesmo opera nele o legitima e o honra

A secccedilatildeo 531-40 eacute caracterizada pelo campo semacircntico do ldquotestemunhordquo49 No v 31 Jesus contesta que ele daacute testemunho a favor de si mesmo (em Jo 812-20 prevalece outro ponto de vista) Quem daacute testemunho a favor dele eacute outro o Pai que por enquanto natildeo eacute nomeado (no v 32) Acresce o testemunho de Joatildeo Batista agora uma figura do passado (533-35) No v 36 o evangelista volta ao tema do ldquooutrordquo que testemunha a favor de Jesus e agora fica claro que se trata do Pai Ele eacute quem concede a Jesus realizar as obras admiraacuteveis que datildeo testemunho em seu favor (v 36) e ele testemunha tambeacutem diretamente a favor de Jesus (vv 37-38) como jaacute o fez no passado nas Escrituras de Israel (v39) Para valorizar esse testemunho muacuteltiplo [[198]] basta a boa vontade para se deixar conduzir a Jesus e assim receber a vida (v 40)

531-32 Os dois versiacuteculos introdutoacuterios satildeo moldados na forma dos vv 19 e 41 e expressam a dependecircncia ilimitada de Jesus como Filho em relaccedilatildeo ao Pai mas exprimem tambeacutem a autoridade que o Pai lhe concedeu em vista de sua missatildeo Quanto agrave ldquoverdaderdquo deste testemunho comparem-se Jo 1935 2114 e 3Jo 9

533-35 Alem de Deus que daacute plena autoridade a Jesus na sua missatildeo em ato e palavra a principal testemunha de Jesus segundo o evangelista eacute Joatildeo Batista Desde o Proacutelogo (16-8 e 15) ele aparece como testemunha a favor de Jesus A parte narrativa do QE comeccedila com uma grande secccedilatildeo sobre o testemunho do Batista a favor de Jesus (Jo 47 48 49

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119-34) Este testemunho eacute pressuposto e continuado no diaacutelogo do Batista com seus disciacutepulos em Jo 322-30 o Batista eacute apenas o amigo do esposo e se alegra ao ouvir a voz do esposo no quarto nupcial (329) ele apenas vem agrave frente do Messias natildeo eacute o proacuteprio Messias A tarefa de Joatildeo de ser testemunha de Jesus parece tatildeo dominante para o QEvg que ele nunca o chama de ldquobatistardquo mas dele soacute fala em termos de testemunha Ele eacute revezado em sua qualidade de ldquoacompanhanterdquo de Jesus por Laacutezaro nos caps 11-12 e pelo Disciacutepulo Amado nos caps 13-21

No tempo da controveacutersia de Jesus com os ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem depois da cura do aleijado o Batista jaacute havia terminado seu percurso Jesus fala dele em termos de passado Os ldquojudeusrdquo tinham enviado a ele uma delegaccedilatildeo para saber quem era Jesus mas natildeo quiseram aceitar seu testemunho Mais soacute o aguentaram por pouco tempo e depois o eliminaram O QEvg expressa essa experiecircncia com a imagem da lacircmpada Os ldquojudeusrdquo soacute quiseram alegrar-se agrave sua luz por pouco tempo Em termos de linguagem e conteuacutedo nota-se a diferenccedila com Jesus Joatildeo eacute a ldquolacircmpadardquo Jesus eacute a luz do mundo (cf Jo 14s9 812 95 1246)

536 A seguir Jesus trata do testemunho do Pai nas obras que este lhe concede Estras obra conduziram agrave admiraccedilatildeo e agrave feacute como vimos nos primeiros sinais de Jesus (Jo 21-12 e 446-54 cf 223 32) Poder-se-iaacrscenarf as obra de que fala Jesus em Jo 517-30 especialmente as pelas quais ele faz vikver os mortos e no nome de Deus faz o julgamento Mas estras obras soacute se percebem na feacute

Quando se pergunta pelos antecedentes literaacuterios da representaccedilatildeo joanina do testemunho das obras a favor de Jesus podem alegar-se textos do judaiacutesmo heleniacutestico que falam do testemunho de Deus a favor de Moiseacutes Tanto Flaacutevio Josefo como tambeacutem Fiacutelon de Alexandria falam de tal testemunho lembrando os ldquosinaisrdquo que Moiseacutes operou quando da saiacuteda de Israel do Egito e quando da travessia pelo mar Vermelho e pelo deserto (Fiacutelon Vita Mos 2[3] 263281 Flaacutevio Josefo Contra Ap II 53)50 No NT este tema eacute utilizado cristologicamente em At 143 e Hb 24 114

537-39 Assim como o Pai testemunhou a favor de Jesus nas obras que ele lhe concedeu realizar tambeacutem deu testemunho a favor dele na sua palavra Essa palavra se deu na Antiga Alianccedila Verdade eacute que os israelitas natildeo puderam ouvi-la como tambeacutem natildeo puderam ver a face de Deus Mas eles possuiacuteam o testemunho divino a favor de Jesus nas suas Sagradas Escrituras Se as tivessem perscrutado teriam descoberto o seu testemunho a favor de Jesus

O ldquotestemunhordquo das escrituras eacute de modo novo um tema caracteriacutestico do QE mas natildeo sem antecedentes e paralelos nos demais escritos do NT A tradiccedilatildeo sinoacuteptica conhece sobretudo o cumprimento de determinadas passagens das Escrituras de Israel em Jesus em sua vida e em seu sofrimento Joatildeo ndash em concordacircncia com os sinoacutepticos ndash mostra esse modo de proceder sobretudo no seu relado da Paixatildeo Em Jo 1238 aparece pela primeira vez a foacutermula ldquoAssim havia de se cumprirrdquo Mais caracteriacutestico de Joatildeo eacute o uso da Escritura como testemunho a favor de Jesus sem a citaccedilatildeo de determinada passagem51 Natildeo esta ou aquela passagem mas a Escritura como tal daacute testemunho a favor de Jesus Jo 539 eacute o texto claacutessico para ilustrar este modo de ver mas veja-se tambeacutem Jo 145 545-47 1034 uma citaccedilatildeo dos Salmos como testemunho da ldquoLeirdquo

Quando os israelitas natildeo conseguem perceber nas suas escrituras o testemunho a favor de Jesus a culpa natildeo eacute da Escritura Satildeo antes os leitores que natildeo estatildeo dispostos a abrir-se para a mensagem da Escritura Assim retiram-se da fonte da vida50 51

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Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)

Esta uacuteltima secccedilatildeo do discurso de Jesus pode ser subdividido em duas partes Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41-44) e natildeo eacute Jesus que acusa os judeus mas Moiseacutes (vv 45-47)

541-44 O conjunto dos vv 41-44 eacute emoldurado pelo tema da ldquohonrardquo52 Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41) Satildeo antes os seus adversaacuterios que fazem isso colhendo honra uns dos outros e natildeo do Deus uacutenico (v 44) de modo a serem incapazes de ir ateacute Jesus e de crer nele Nos vv 42-43 indica-se uma razatildeo mais profunda da atitude errada dos adversaacuterios de Jesus eles natildeo tecircm em si o amor de Deus Assim eles recebem quem se apresenta em nome proacuteprio mas natildeo aquele que vem em nome de Deus Jesus

Salvo engano estes versiacuteculos devem ter sido influenciados pela confissatildeo de feacute de Israel o Shemalsquo Yisrael ldquoOuve Israelrdquo de Dt 64s Neste texto central do judaiacutesmo Deus ordena a seu povo confessaacute-lo como Deus uacutenico e confessaacute-lo de todo o coraccedilatildeo A influecircncia deste texto sobre Jo 541-44 como tambeacutem sobre Jo 841s foi pouco observado ateacute agora Em ambos os lugares satildeo interligados a unicidade de Deus e o amor a ele ou a Jesus como enviado do Pai Um eco deste mandamento encontra-se tambeacutem em Jo 2115-17 (o amor de Pedro a Jesus como expressatildeo de sua relaccedilatildeo fundamental para com ele possibilitando seu encargo como pastor do rebanho do Senhor)

Se esta interpretaccedilatildeo estiver certa segue-se para Jo 542 e textos similares do QE que a expressatildeo hē agaacutepē tou theoacuteu deve ser entendida como genitivo de objeto No EJ trata-se de ter a relaccedilatildeo reta para com Deus tambeacutem como membro do povo de Israel Quem natildeo ama a Deus natildeo amaraacute o Cristo seu Filho e buscaraacute sua proacutepria honra Na Primeira Carta de Joatildeo a situaccedilatildeo eacute diferente O autor encontra-se em discussatildeo com um grupo que arroga para si em alto grau a posse do Espiacuterito considera estar acima da Lei e poder afirmar que conhece Deus e o ama A estas pessoas a 1Jo diz que antes de tudo satildeo amadas por Deus antes de poderem dizer que amam a Deus (cf 1Jo 47-21 tambeacutem 215 316s)

545-47 Para a transiccedilatildeo ao tema da honra para o de Moiseacutes satildeo apontadas diversas razotildees Jaacute em Jo 539 Jesus afirmou que as Escrituras falam dele As Escrituras de Israel satildeo a Toraacute mediada por Moiseacutes e tambeacutem os demais escritos principalmente os Salmos Neste sentido o tema de Moiseacutes que acusa os israelitas jaacute foi preparado no contexto imediatamente anterior O texto lembra tambeacutem Jo 719-23 onde Jesus em conexatildeo com a cura que realizou em dia de saacutebado arguacutei a partir da Lei de Moiseacutes que permite a circuncisatildeo no saacutebado Podemos ver tambeacutem em Jo 545-47 uma referecircncia agrave controveacutersia sobre a aplicaccedilatildeo da Lei de Moiseacutes em torno da cura que Jesus realizou

A convicccedilatildeo de que Moiseacutes escreveu a respeito de Jesus (v 46) pode-se deduzir da visatildeo global de Joatildeo segundo a qual a Escritura inteira quando lida direitinho fala de Jesus Um primeiro exemplo encontra-se em Jo 145 nas palavras de Filipe ldquoEncontramos Jesus o filho de Joseacute de Nazareacute aquele sobre quem escreveram Moiseacutes na Lei e os Profetasrdquo

Os israelitas creram em Deus e em Moiseacutes como eacute dito no fim do relato da saiacuteda milagrosa de Israel do Egito e da travessia do mar Vermelho em Ex 143 Os israelitas do tempo de Jesus estatildeo nesta tradiccedilatildeo A eles eacute que Jesus dirige a palavra dizendo que natildeo basta crer em Moiseacutes mas que eacute preciso ler suas escrituras no modo certo como testemunho a favor de Jesus Quem acredita em Moiseacutes tambeacutem deve acreditar em

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Jesus pois dele eacute que Jesus escreveu Quem natildeo acredita em Jesus natildeo pode afirmar que acreditou nas palavras de Moiseacutes Deste modo o cap 5 se encerra com uma acusaccedilatildeo contundente contra os ouvintes O conflito continuaraacute nos capiacutetulos 6 e 7ndash8

III

Depois que nos caps 2ndash4 do EJ Jesus levou sua mensagem sempre mais do centro para a periferia da terra de Israel no cap 5 ele volta ao centro e enfrenta a discussatildeo com os habitantes de Jerusaleacutem e os liacutederes do povo judeu em torno de sua missatildeo Um milagre estupendo a cura de algueacutem que havia 38 anos estava aleijado levou agrave discussatildeo de sua accedilatildeo feita no saacutebado e paulatinamente agrave discussatildeo sobre sua pessoa Pela primeira vez ldquoos judeusrdquo aparecem agora numa secccedilatildeo maior como adversaacuterios de Jesus A afirmaccedilatildeo de Jesus de agir em uniatildeo com seu Pai celeste soacute os faz concluir que ele se torna igual em poder e ordem ao Pai Esta afirmaccedilatildeo provocou contestaccedilatildeo natildeo soacute no tempo do evangelista Para entendecirc-la bem vale a pena reler atentamente o desenvolvimento do discurso de Jesus em Jo 519-47

Na leitura atenta nota-se que Jesus continuamente recusa colocar-se a si mesmo no centro Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (vv 19-30) nem testemunha a favor de si mesmo (vv 31-40) nem procura sua proacutepria honra (vv 41-45 ou 47) Deus eacute quem o deixa participar de sua obra que o defende e o honra Olhando por este lado o discurso de vv 19-47 natildeo eacute meramente ou nem em primeiro lugar cristoloacutegico Ele eacute e permanece teoloacutegico Com a melhor tradiccedilatildeo de Israel o QEvg e na sua obra o Cristo de seu evangelho reduzem toda o agir a Deus o Pai Eacute ele quem opera no Filho o defende e o honra Natildeo eacute por acaso que por isso aparece nos versiacuteculos finais 42-44 o principal mandamento a confissatildeo do Deus uacutenico de Israel e a ordem de amaacute-lo A partir daiacute a reivindicaccedilatildeo de Jesus em Jo 5 e nas grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 merece renovada reflexatildeo

2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)1 Depois disso Jesus foi para para o outro lado do mar da Galileacuteia ou seja de Tiberiacuteades 2 Uma grande multidatildeo o seguia vendo os sinais que ele fazia a favor dos doentes 3 Jesus subiu a montanha e sentou-se laacute com os seus disciacutepulos 4 Estava proacutexima a Paacutescoa a festa dos judeus 5 Levantando os olhos e vendo uma grande multidatildeo que vinha a ele Jesus disse a Filipe ldquoOnde vamos comprar patildeo para que essa gente possa comerrdquo 6 Disse isso para testar Filipe pois ele sabia muito bem o que ia fazer 7 Filipe respondeu ldquoNem duzentos denaacuterios de patildeo bastariam para dar um pouquinho a cada umrdquo 8 Um dos disciacutepulos Andreacute irmatildeo de Simatildeo Pedro disse 9 ldquoEstaacute aqui um menino com cinco patildees de cevada e dois peixes Mas que eacute isso para tanta genterdquo 10 Jesus disse ldquoFazei as pessoas sentar-serdquo Naquele lugar havia muita relva e laacute se sentaram os homens em nuacutemero de aproximadamente cinco mil 11 Jesus tomou os patildees deu graccedilas e distribuiu aos que estavam sentados tanto quanto queriam E fez o mesmo com os peixes 12 Quando todos se fartaram disse aos disciacutepulos ldquoJuntai os pedaccedilos que sobraram para que nada se percardquo 13 Eles juntaram e encheram doze cestos com os pedaccedilos que sobraram dos cinco patildees de cevada que comeram 14 Agrave vista do sinal que Jesus tinha realizado as pessoas exclamavam ldquoEste eacute verdadeiramente o profeta aquele que deve vir ao mundordquo 15 Quando Jesus percebeu que queriam levaacute-lo para proclamaacute-lo rei novamente se retirou para a montanha sozinho

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16 Ao anoitecer os disciacutepulos desceram para a beira-mar 17 Entraram no barco e foram na direccedilatildeo de Cafarnaum do outro lado do mar Jaacute estava escuro e Jesus ainda natildeo tinha vindo a eles 18 Soprava um vento forte e o mar estava agitado 19 Os disciacutepulos tinham remado vinte e cinco ou trinta estaacutedios quando avistaram Jesus andando sobre as aacuteguas e aproximando-se do barco Eles ficaram com medo 20 Jesus poreacutem lhes disse ldquoSou eu Natildeo tenhais medordquo 21 Eles queriam receber Jesus no barco mas logo o barco atingiu a terra para onde estavam indo22 No dia seguinte a multidatildeo que tinha ficado do outro lado do mar notou que antes havia aiacute um soacute barco e que Jesus natildeo entrara nele com os disciacutepulos os quais haviam partido sozinhos 23 Entretanto outros barcos chegaram de Tiberiacuteades perto do lugar onde tinham comido o patildeo depois de o Senhor ter dado graccedilas 24 Quando a multidatildeo percebeu que Jesus natildeo estava aiacute nem os seus disciacutepulos entraram nos barcos e foram procurar Jesus em Cafarnaum 25 Encontrando-o do outro lado do mar perguntaram-lhe ldquoRabi quando chegaste aquirdquo 26 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo estais me procurando natildeo porque vistes sinais mas porque comestes patildeo e ficastes saciados 27 Trabalhai natildeo pelo alimento que se perde mas pelo alimento que permanece ateacute agrave vida eterna e que o Filho do Homem vos daraacute Pois a este Deus Pai o marcou com seu selo 28 Perguntaram entatildeo ldquoQue devemos fazer para praticar as obras de Deusrdquo 29 Jesus respondeu ldquoA obra de Deus eacute que acrediteis naquele que ele enviourdquo 30 Eles perguntaram ldquoQue sinais realizas para que possamos ver e acreditar em ti Que obras fazes 31 Nossos pais comeram o manaacute no deserto como estaacute na Escritura lsquoDeu-lhes a comer patildeo do ceacuteursquordquo 32 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo natildeo foi Moiseacutes quem vos deu o patildeo do ceacuteu Eacute meu Pai quem vos daacute o verdadeiro patildeo do ceacuteu 33 Pois o patildeo de Deus eacute aquele que desce do ceacuteu e daacute vida ao mundordquo 34 Eles entatildeo pediram ldquoSenhor daacute-nos sempre desse patildeordquo 35 Jesus lhes disse ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sede 36 Contudo eu vos disse que me vistes mas natildeo credes 37 Todo aquele que o Pai me daacute viraacute a mim e quem vem a mim eu natildeo jogarei fora 38 porque eu desci do ceacuteu natildeo para fazer a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou ldquo39 E esta eacute a vontade daquele que me enviou que eu natildeo perca nenhum daqueles que ele me deu mas os ressuscite no uacuteltimo dia 40 Esta eacute a vontade do meu Pai quem vecirc o Filho e nele crecirc tenha vida eterna E eu o ressuscitarei no uacuteltimo diardquo41 Entatildeo os judeus comeccedilaram a murmurar contra Jesus porque ele disse ldquoEu sou o patildeo que desceu do ceacuteurdquo 42 Diziam ldquoEste natildeo eacute Jesus o filho de Joseacute Natildeo conhecemos noacutes o seu pai e sua matildee Como pode entatildeo dizer que desceu do ceacuteurdquo 43 Jesus respondeu ldquoNatildeo murmureis entre voacutes 44 Ningueacutem pode vir a mim se o Pai que me enviou natildeo o atrair E eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 45 Estaacute escrito nos Profetas lsquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrsquo Ora todo aquele que escutou o ensinamento do Pai e o aprendeu vem a mim 46 Ningueacutem jamais viu o Pai a natildeo ser aquele que vem de junto de Deus este viu o Pai 47 Ameacutem ameacutem vos digo quem crecirc tem vida eterna 48 Eu sou o patildeo da vida 49 Os vossos pais comeram o manaacute no deserto e no entanto morreram 50 Aqui estaacute o patildeo que desce do ceacuteu para que natildeo morra quem dele comer51 ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteu Quem come deste patildeo viveraacute eternamente E o patildeo que eu darei eacute a minha carne dada pela vida do mundordquo 52 Os judeus discutiam entre si ldquoComo eacute que ele pode dar a sua carne a comerrdquo 53 Jesus disse ldquoAmeacutem ameacutem vos digo se natildeo comerdes a carne do Filho do Homem e natildeo beberdes o seu sangue natildeo tereis vida em voacutes 54 Quem mastiga minha carne e

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bebe meu sangue tem vida eterna e eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 55 Pois minha carne eacute verdadeira comida e meu sangue eacute verdadeira bebida 56 Quem mastiga minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele 57 Como o Pai que vive me enviou e eu vivo por meio dele assim viveraacute por meio de mim aquele que me mastiga 58 Este eacute o patildeo que desceu do ceacuteu Natildeo eacute como aquele que vossos pais comeram ndash e no entanto morreram Quem mastiga este patildeo viveraacute para semprerdquo 59 Jesus falou essas coisas ensinando na reuniatildeo sinagogal em Cafarnaum 60 Muitos disciacutepulos que o ouviram disseram entatildeo ldquoEssa palavra eacute inaceitaacutevel Quem consegue escutaacute-lardquo 61 Percebendo que seus disciacutepulos estavam murmurando por causa disso Jesus perguntou ldquoIsto vos escandaliza 62 Que seraacute entatildeo quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes 63 O Espiacuterito eacute que daacute vida a carne de nada serve As palavras que vos falei satildeo Espiacuterito e satildeo vida 64 Mas haacute alguns entre voacutes que natildeo crecircemrdquo Jesus sabia desde o iniacutecio quem eram os que acreditavam e quem havia de entregaacute-lo 65 E acrescentou ldquoEacute por isso que eu vos disse lsquoNingueacutem pode vir a mim a natildeo ser que lhe seja dado pelo Pairsquordquo 66 A partir daquele momento muitos disciacutepulos o abandonaram e natildeo mais andavam com ele 67 Jesus disse aos Doze ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo 68 Simatildeo Pedro respondeu ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna 69 Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo 70 Jesus respondeu ldquoNatildeo vos escolhi doze Contudo um de voacutes eacute um diabordquo 71 Ele falava de Judas filho de Simatildeo Iscariotes pois este um dos Doze iria entregaacute-lo

I

Agrave primeira vista Jo 6 natildeo se insere sem dificuldade no contexto do EJ No iniacutecio do capiacutetulo supotildee-se que Jesus se encontra na proximidade do lago de Tiberiacuteades na Galileacuteia enquanto o cap 5 relatava seu discurso diante dos ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem em continuidade com a cura do aleijado na piscina de Betesda Em Jo 714-24 remete-se a esta cura em dia de saacutebado Jaacute em Jo 72 eacute alegada como razatildeo da estada de Jesus na Galileia o fato de que os ldquojudeusrdquo o querem matar com uma alusatildeo 518 No decorrer do seacuteculo XX os problemas da sequecircncia do texto levaram comentadores famosos a inverter a ordem de Jo 5 e Jo 653 Deste modo surgiria um texto mais compreensiacutevel Como no fim do cap 4 no cap 6 Jesus se encontra na Galileia Se o cap 5 segue depois do cap 6 a dupla remissiva ao cap 5 em Jo 7 torna-se compreensiacutevel Mas esta proposta natildeo vingou nos uacuteltimos anos O respeito pelo texto dado natildeo permite com facilidade esta ou outras propostas de inversatildeo e os manuscritos natildeo fornecem nenhum ensejo para isso Tambeacutem eacute possiacutevel resgatar a ordem atual do texto quando se parte da ideia de que os indiacutecios geograacuteficos e cronoloacutegicos pelo menos para o autor natildeo constituiacuteram o criteacuterio decisivo para o decurso do texto

Como jaacute sugerido eacute bem possiacutevel ver em Jo 6 uma inserccedilatildeo no QE o que tambeacutem resolveria os problemas da sequecircncia do texto54 Neste caso mantenha-se a unidade literaacuteria do capiacutetulo Soacute neste capiacutetulo em Joatildeo fala-se da eucaristia enquanto que ela falta no cap 13 no relato da paixatildeo Aqui em Jo 6 Jesus parece natildeo subir para a festa da Paacutescoa mencionada em 64 Tem-se a impressatildeo de que uma Paacutescoa cristatilde toma o lugar da festa de peregrinaccedilatildeo judaica Jesus a celebra na Galileia terra das primeiras comunidades cristatildes Como seus antagonistas aparecem a partir do v41 os ldquojudeusrdquo que em outros capiacutetulos soacute na Judeia se encontram com Jesus No interior do cap 6

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Joatildeo se mostra fortemente influenciado pela tradiccedilatildeo sinoacuteptica especialmente por Mc 632-56 e 811-33 como mostra este esquemaMultiplicaccedilatildeo dos patildees Mc 632-44 Jo 61-15Caminhando sobre as aacuteguas Mc 645-52 Jo 616-21Encontro com a multidatildeo Mc 653-56 Jo 522-25(29)Pedido de sinal Mc 811-13 Jo 630-31Discurdso do patildeo Mc 814-21 Jo 632-58Identidade de Jesus e confissatildeo de Pedro Mc 8m27-30 Jo 660-66Um dos disciacutepulos eacute o satanaacutes Mc 831-33 Jo 667-71

A secccedilatildeo Mc 71ndash810 natildeo tem correspondecircncias em Joatildeo e portanto falta em Joatildeo a segundo multiplicaccedilatildeo dos patildees como tambeacutem em Lucas No interior de Jo 6 o autor chega a seguir literalmente o texto marcano ou sinoacuteptico Feiccedilotildees deste gecircnero satildeo o nuacutemero de duzentos denaacuterios para comprar patildeo o nuacutemero de patildees e peixes a descriccedilatildeo dos gestos de Jesus os doze cestos com os pedaccedilos de patildeo que sobraram e tambeacutem o nuacutemero dos que foram saciados Em nenhum outro lugar o EJ tanto se aproxima da tradiccedilatildeo sinoacuteptica Podemos comparar com isso antes de tudo o relato de paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus mas haacute aqui diferenccedilas evidentes desde a cronologia da uacuteltima ceia e da morte de Jesus Visto que tambeacutem em Jo 21 o capiacutetulo final que muitos consideram um acreacutescimo aparecem muitos contatos com os sinoacutepticos (cf a pesca milagrosa Lc 51-11 os filhos de Zebedeu Mc 119 par) parece natural adotar tambeacutem para Jo 6 [[206]] uma data de composiccedilatildeo levemente posterior agrave do contexto

Muito por causa da secccedilatildeo dos dons eucariacutesticos de Jesus no uacuteltimo seacuteculo diversas vezes se colocou em duacutevida a unidade literaacuteria do capiacutetulo Assim R Bultmann55 distingue em Jo 6 quatro camadas diferenciadas uma ldquofonte dos sinaisrdquo agrave qual se devem a multiplicaccedilatildeo dos patildees e a caminhada sobre as aacuteguas (61-1516-21) fragmentos de uma fonte de discursos de revelaccedilatildeo de inspiraccedilatildeo gnoacutestica especialmente no discurso do patildeo em Jo 627-51c a matildeo redatora do evangelista especialmente tambeacutem na parte cristoloacutegica do discurso do patildeo e a redaccedilatildeo eclesial agrave qual se devem a secccedilatildeo ldquoeucariacutesticardquo de 651d-58 e as alusotildees agrave futura ressurreiccedilatildeo dos mortos em 6394044 Semelhante dissecccedilatildeo em camadas encontra-se na exegese que se inspira em Bultmann mesmo quando abre matildeo da ldquofonte dos discursosrdquo de influecircncia gnoacutestica56

Um novo modelo de diversas camadas encontra-se em Paul N Anderson que parte da sedimentaccedilatildeo de diversos conflitos sucessivos em Jo 657 Um primeiro conflito seria o da massa popular em torno do alimento verdadeiro (vv 25-40) o segundo com os ldquojudeusrdquo acerca da Toraacute e do patildeo do ceacuteu (vv 41-51) depois um cisma envolvendo principalmente os disciacutepulos oriundos do paganismo acerca da verdadeira corporeidade de Jesus (vv 51-66) e finalmente uma controveacutersia sobre o lugar certo do grupo joaneu na paisagem da comunidade joanina e da Grande Igreja representada por Pedro (vv 67-70) Menos complexo eacute o modelo de J Painter58 segundo o qual em Jo 6 estaacute integrado uma ldquohistoacuteria de buscardquo (ldquoquest storyrdquo) na qual a massa popular busca e encontra Jesus A essa liga-se nos vv 41-66 uma seacuterie de ldquohistoacuterias de rejeiccedilatildeordquo (ldquorejection storiesrdquo) que teriam sida acrescentadas secundariamente Os vv 67-70 serviram entatildeo para reconciliar os membros da comunidade joanina com adeptos de um cristianismo para a qual a figura de Pedro tinha significaccedilatildeo extraordinaacuteria

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

69 70 71 72

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

73 74 75

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

76 77 78 79 80 81 82

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

94 95 96

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

103 104 105 106 107

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

128 129

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
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55-7 No v 5 escolhe-se um da multidatildeo dos enfermos O narrador sabe que ele jaacute tem 38 anos de sofrimento As leitoras e leitores pensaratildeo provavelmente nos 38 anos da erracircncia no deserto do povo de Israel antes de poder entra na Terra Prometida (cf Dt 214) A iniciativa da cura natildeo surge como seria de regra do enfermo ou de sua comitiva mas do proacuteprio Jesus conforme o v 6 Ele enxerga o enfermo aiacute deitado sabe da duraccedilatildeo de sua enfermidade e o interpela Com clareza o evangelista salienta aqui o papel determinante de Jesus e tambeacutem seu saber acerca do ser humano (cf Jo 148 225 418) A pergunta dirigida ao enfermo ndash se ele quer recuperar a sauacutede ndash surpreende mas resposta do aleijado no v 7 mostra que estava certa A resposta do homem parece um subterfuacutegio mas Jesus enuncia o desejo do aleijado por sauacutede apesar da resposta dele pois soacute assim ele poderaacute falar a palavra que libertaraacute o enfermo

58-9c A palavra de Jesus consiste segundo o v 8 numa exortaccedilatildeo dirigida ao enfermo Ele tem de passar agrave atividade ldquoLevanta-te pega a tua maca e andardquo A frase se encontra praticamente idecircntica na cura do paraliacutetico em Mc 211 cf Mt 96 Lc 524 ndash mas aqui o curado eacute instado a ir para casa Em Joatildeo ele ldquoanda em redorrdquo (peripateacutein) como o beneficiado de Mt 115 Lc 722 cf At 36 1410 isso proveacutem de uma soacutelida tradiccedilatildeo narrativa que recupera a promessa isaiana O tema do paraliacutetico que leva a sua cama eacute atestado tambeacutem fora da Biacuteblia21 Serve para provar o ecircxito da cura mas em Joatildeo aleacutem disso para introduzir a acusaccedilatildeo de lesatildeo do saacutebado que seraacute o tema da secccedilatildeo seguinte A execuccedilatildeo pelo aleijado no v 9a-c corresponde exatamente agrave ordem dada por Jesus ele se levanta toma sua maca e anda em redor O tema do ldquolevantar-serdquo (egeacuteirein) pode ter para Joatildeo um sentido mais profundo Antecipa a autoridade do Filho para ressuscitar mortos assim como faz o Pai (cf v 21) Esta autoridade manifesta-se tambeacutem na histoacuteria da ressuscitaccedilatildeo de Laacutezaro Jo 11

O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)

O relato sobre a cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda eacute seguido de uma controveacutersia entre o curado Jesus e as autoridades judaicas acerca da legitimidade da cura que foi operado num dia de saacutebado O fato de que apenas v 9c eacute mencionado ldquoAquele dia poreacutem era um saacutebadordquo eacute visto pelos comentadores como prova de que o elemento soacute foi inserido secundariamente pelo evangelista ou por uma fonte que natildeo eacute idecircntica com a do relato do milagre22 Outros poreacutem como a escola de Lovaina (cf F Neirynck) apontam que a conexatildeo entre a cura milagrosa operada por Jesus e a questatildeo do saacutebado jaacute existe na tradiccedilatildeo sinoacuteptica (cf Mc 21ndash36 Lc 1013-17)23 Segundo P Borgen uma conexatildeo entre obras realizadas em dia de saacutebado e controveacutersias subsequentes ocorre tambeacutem em Fiacutelon de Alexandria24 Fiacutelon discute a distinccedilatildeo entre Deus que no saacutebado pode trabalhar segundo a interpretaccedilatildeo de Gn 22-3 e o ser humano que deve observar o repouso sabaacutetico (cf Migr 89-93) A conexatildeo entre a cura e o saacutebado pertence portanto provavelmente agrave tradiccedilatildeo preacute-joanina que transparece tambeacutem em Jo 721-24

Natildeo eacute muito provaacutevel a opiniatildeo de Tom Thatcher que vecirc na introduccedilatildeo atrasada de Jo 59c uma ldquoironia instaacutevelrdquo isto eacute uma enganaccedilatildeo consciente natildeo soacute dos contemporacircneos (ldquoironia estaacutevelrdquo) mas tambeacutem do leitorado (portanto um ldquotruque do saacutebadordquo)25 Tal opiniatildeo se mostra falha porque a ironia joanina sempre estaacute relacionada

21 22 23 24 25

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agrave tensatildeo entre palavras de revelaccedilatildeo de Jesus ou enunciados sobre Jesus e o mal-entendido a seu respeito por parte dos ouvintes Natildeo eacute isso que acontece aqui Natildeo haacute outro lugar no QE em que o evangelista consciamente induz seus leitores ao erro

Quanto ao gecircnero desta secccedilatildeo (e de outras similares na sequecircncia posterior do QE) sugeriu-se ver aqui o modelo veterotestamentaacuterio do ricircb a disputa judicial entre Deus e seu povo26 Tal disputa se caracteriza por isto que falta um instacircncia de arbitragem Soacute importa quais satildeo os melhores argumentos Apesar de toda a proximidade do QE ao AT e natildeo em uacuteltima instacircncia a suas tradiccedilotildees profeacuteticas a aplicaccedilatildeo desse modelo literaacuterio agraves controveacutersias entre Jesus e seus adversaacuterios em Jerusaleacutem natildeo convence Por um lado Jesus natildeo toma sem mais o lugar de Deus por outro natildeo falta em Joatildeo a instacircncia judicial Em niacutevel poliacutetico as instacircncias judiciais do povo israelita tecircm o poder de excomungar da comunidade e mesmo de infligir a pena de morte E na perspectiva teoloacutegica eacute Jesus que se revela como o juiz verdadeiro ou pelo menos como aquele que realiza o juiacutezo divino a todos aqueles que se opotildeem a ele e assim em uacuteltima instacircncia rejeitam a Deus mesmo

59d-13 A cena seguinte aacute introduzida pela frase ldquoAquele dia poreacutem era um saacutebadordquo (v 9d) A frase lembra a similar em Jo 94 cf tambeacutem 1914 Quanto ao estilo revela a matildeo do evangelista Para as controveacutersias dos versiacuteculos seguintes natildeo eacute tatildeo relevante se o dia foi mesmo um saacutebado pois segundo o direito judaico os dias de festa eram equiparados ao saacutebado

No v 10 pela primeira vez ldquoos judeusrdquo entram em cena Contrariamente a Jo 422 onde a expressatildeo designa a comunidade religiosa judaica parece que aqui se trata de um grupo dentro do judaiacutesmo Este grupo jaacute foi mencionado em 119 como mandante da delegaccedilatildeo que questionou Joatildeo Batista a respeito de sua pessoa e atividade Parece claro que se trata das autoridades judaicas em Jerusaleacutem sem que isso se caracterize mais adiante27 Os ldquojudeusrdquo objetam ao homem que foi curado que no saacutebado ele natildeo pode [[189]] carregar sua maca Carregar fardos era uma da 39 ldquoobrasrdquo consideradas proibidas pela Lei de Moises28 Para o fluxo narrativo eacute importante ver que em primeira instacircncia a objeccedilatildeo eacute dirigida ao ex-alijado e natildeo a Jesus Mas indiretamente eacute este que estaacute sendo criticado como logo mais se mostraraacute

O curado sai do jogo passando a acusaccedilatildeo para Jesus jaacute que este lhe havia ordenado a carregar sua maca e andar em redor Notaacutevel eacute a expressatildeo ldquotornar sadiordquo (hygiecirc) O adjetivo que jaacute foi usando no v 6 voltaraacute no v 14 Proveacutem provavelmente da tradiccedilatildeo pre-joanina e serve para a conexatildeo do milagre de cura com as controveacutersias subsequentes O termo aparece nos relatos de cura helenistas como foi observado29 Assim Jesus aparece como ldquodeus curandeirordquo

Na base da resposta do homem que foi curado a investigaccedilatildeo dos ldquojudeusrdquo transforma-se numa inquisiccedilatildeo acerca da pessoa que o havia curado O homem diz que natildeo sabe quem foi quem o curou O narrador acrescenta que no lugar do diaacutelogo havia muita gente e que Jesus se tinha retirado dali

514 Depois de um encontro entre o curado e ldquoos judeusrdquo Jesus se encontra com o homem Natildeo eacute ele que encontra Jesus mas Jesus que encontra a ele (como encontrou a Filipe Jo 143) ldquodepois dissordquo (metagrave taacuteuta expressatildeo joanina) e ele o exorta para que natildeo peque mais Discutiu-se muito sobre esta exortaccedilatildeo Em ciacuterculos judaicos parece 26 27 28 29

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pressuposta uma ligaccedilatildeo entre enfermidade e pecado com se refletes tambeacutem na questatildeo dos disciacutepulos em Jo 92 A tradiccedilatildeo sinoacuteptica de Ma 21-12 parece tambeacutem conhecer essa ligaccedilatildeo ainda que natildeo no sentido causal Aiacute Jesus perdoa primeiro os pecados do paraliacutetico antes de curaacute-lo Mas natildeo se confirma uma conexatildeo direta Em Jo 514 a exortaccedilatildeo de Jesus poderia ser esclarecida em vista da biografia do homem que foi curado ele natildeo utilizou todas as chances para ser curado ele natildeo pocircde ou natildeo quis dar informaccedilatildeo sobre quem o curou30 Mas o versiacuteculo seguinte contradiz isso

515 Depois do encontro com o homem curado este se dirige aos ldquojudeusrdquo para lhes comunicar que foi Jesus quem o curou Esta nota tem sido interpretada de modos muito diversos como mostra o artigo de R Metzler31 Segundo Metzler parece que o homem curado se dirigiu aos ldquojudeusrdquo para denunciar Jesus De fato ateacute entatildeo o homem natildeo deu nenhum sinal de atitude positiva em relaccedilatildeo a Jesus fica duvidoso se ele chegou a crer em Jesus Contudo hoje se aceita sempre mais uma visatildeo mais positiva do ex-aleijado32 Se ele vai aos ldquojudeusrdquo para ldquoanunciarrdquo que foi Jesus quem o curou conveacutem levar a seacuterio o verbo anaggeacutellein que significa ldquoanunciarrdquo e natildeo ldquodenunciarrdquo Neste caso o curado de Jo 5 eacute um precursor do cego de Jo 9 sendo que este chega a uma adesatildeo intreacutepida a Jesus e a uma confissatildeo plena da feacute Nesta mesma linha os exemplos da Cappella Greca nas catacumbas romanas de Priscila ou na capela do Sacramento nas catacumbas de Calisto mostram o aleijado no ciclo batismal33

516-18 O v 16 poderia ter sido o final original da narrativa na tradiccedilatildeo preacute-joanina Os ldquojudeusrdquo perseguem Jesus como transgressor do saacutebado34 O imperfeito sugere antes um conflito permanente que uma ocorrecircncia uacutenica O vocabulaacuterio prepara o tema da perseguiccedilatildeo futura dos disciacutepulos (Jo 1520) Como os ldquojudeusrdquo perseguiram Jesus perseguiratildeo tambeacutem seus disciacutepulos

O v 17 jaacute antecipa o discurso de revelaccedilatildeo de Jesus (por isso geralmente eacute atribuiacutedo ao evangelista) Jesus designa sua accedilatildeo como ldquoobrardquo e legitima-a dizendo que foi operada em uniatildeo com o Pai Pois segundo uma interpretaccedilatildeo judaica atestada por Fiacutelon Deus trabalha no saacutebado e por isso a ldquoobrardquo de Jesus eacute legiacutetima35

Os ldquojudeusrdquo poreacutem segundo o v 18 ficam farejando essa pretensatildeo de Jesus de ser igual a Deus com o desejo de mataacute-lo por causa dessa blasfecircmia Esta intenccedilatildeo ultrapassa o ldquoperseguirrdquo do v 16 mas tem base na tradiccedilatildeo sinoacuteptica de Mc 21ndash36 (cf Mc 36) W A Meeks tem estudado paralelos heleniacutesticos referentes agrave igualdade com Deus36 Pense-se aqui em [[192]] Apolocircnio de Tiana biografado por Flaacutevio Filostrato Ele justifica diante do imperador Domiciano o tiacutetulo de ldquodeusrdquo que seus adeptos lhe deram De imediato Apolocircnio exibe uma prova de suas capacidades sobre-humanas ao tornar-se subitamente invisiacutevel aos olhos dos espectadores Depois ele se justifica verbalmente Os homens veneram as pessoas boas como deuses porque encarnam a imagem de Deus Tanto mais uma pessoa prendada com as capacidades de Apolocircnio pode designar-se como deus37 A argumentaccedilatildeo tem alguma semelhanccedila com a de Jo 5 e tambeacutem com a de Jo 10 onde Jesus cita (v 34) a seu favor o Sl 826 no qual todos os

30 31 32 33 34 35 36 37

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israelitas satildeo chamados ldquodeuses e filhos do Altiacutessimordquo38 Segundo uma tradiccedilatildeo judaica todos os israelitas que ouviram no Sinai a voz de Deus e receberam sua instruccedilatildeo tornaram-se divinos Soacute pelo pecado na ocasiatildeo da adoraccedilatildeo do bezerro de ouro perderam esse privileacutegio E soacute pela observaccedilatildeo irrepreensiacutevel da Toraacute voltaratildeo agrave condiccedilatildeo de readquirir esse privileacutegio (pense-se na segunda conclusatildeo da alianccedila em Ex 34) Jesus pode ter-se referido a um tradiccedilatildeo desse tipo O assunto voltaraacute por ocasiatildeo de Jo 1034-36 (veja ali)

Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)

Em Jo 519 inicia-se a uacuteltima parte do capiacutetulo 5 A partir de agora soacute fala Jesus Depois da cura milagrosa (vv 1-9c) e o diaacutelogo (vv 9d-18) segue agora um discurso de revelaccedilatildeo O estilo dos vv 19-47 eacute joanino e assim eacute tambeacutem a teologia O autor parece basear-se antes em tradiccedilotildees orais do que em fontes escritas Quanto agrave possibilidade uma camada ulterior nos vv 28s veja ali

Os vv 19-30 constituem como jaacute dissemos (acima I) uma subdivisatildeo autocircnoma Esta eacute emoldurada pelo enunciado de que o Filho natildeo pode agir por iniciativa proacutepria mas permanentemente age em uniatildeo com o seu Pai (vv 19 e 30) As duas obras por excelecircncia de Deus o Pai satildeo o dom da vida na ressurreiccedilatildeo dos mortos e o julgamento Com essa dupla expressatildeo o Jesus joanino remonta agrave tradiccedilatildeo judaica Ambas as obras satildeo as que Deus pode fazer no saacutebado Assim esta secccedilatildeo reata com a anterior e a encerra

A composiccedilatildeo da secccedilatildeo eacute simples Nos vv 19-20 eacute introduzido o princiacutepio segundo o qual o filho natildeo pode fazer outra coisa senatildeo o que ele vecirc o Pai fazer A imagem pode provir do mundo do artesanato no qual o filho retoma a profissatildeo do pai Nos vv 21-28 aclara-se qual eacute a obra que o Filho retoma do Pai ambas as obras do dom da vida na ressurreiccedilatildeo e o julgamento Ambas satildeo obras reservadas a Deus que satildeo confiadas ao Filho O v 21 fala do dom da vida os vv 22-23 do julgamento

Nos vv 24-28 eacute explicada a obra do Filho A promessa da vida e o exerciacutecio do juiacutezo satildeo coisas que acontecem hoje ldquoVem a hora e eacute agorardquo (v 25) O mesmo tema volta nos vv 28s mas a promessa eacute formulada soacute para o futuro ldquoVem a horardquo (v28) Os exegetas discutem sobre o significado desta reduplicaccedilatildeo eacute o que deveremos considerar na exegese dos vv 28s

519-20 O discurso de Jesus propriamente se inicia com a tiacutepica afirmaccedilatildeo joanina ldquoAmeacutem ameacutem eu vos digordquo Ela confere agraves palavras seguintes um peso particular Os primeiros versiacuteculos satildeo ambos caracterizados pela imagem tomada do mundo do trabalho artesanal de que o filho aprende a arte do pai enquanto ele observa sua atividade e a imita C H Dodd descobriu e descreveu esta paraacutebola39 Desde este ponto de vista explicam-se os conceitos do ldquoverrsquo do ldquomostrarrsquo e do ldquofazerrdquo A relaccedilatildeo de pai e filho natildeo eacute somente de natureza profissional mas tambeacutem familiar o pai ama o seu filho Esta dupla dimensatildeo pode ser transferida para a relaccedilatildeo entre o Pai celeste e seu Filho Jesus Tambeacutem este natildeo pode fazer nada a partir de si e soacute faz o que lhe eacute mostrado e confiado pelo Pai Pertencem agrave obra que o Pai confia ao Filho as obras da criaccedilatildeo (cf Jo 13) mas tambeacutem as da salvaccedilatildeo que tecircm seu aacutepice na obra escatoloacutegica Satildeo essas as ldquoobras maioresrdquo que o Filho realiza para admiraccedilatildeo de seus contemporacircneos

38 39

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521-23 Os versiacuteculos anteriores expuseram a dependecircncia do Filho em relaccedilatildeo ao Pai o Filho natildeo faz nada a natildeo ser o que ele vecirc o Pai fazer Os vv 21-23 em compoensaccedilo acentuam a dignidade do Filho Terminam asseverando que cada um que honra o Pai honra tambeacutem o Filho A dignidade do Filho eacute mostrada por sua participaccedilatildeo nas obras que satildeo reservadas a Deus soacute ressuscitar os mortos e executar o julgamento De fato o julgamento eacute reservado exclusivamente ao Filho Deus nem participa dele Nestes versiacuteculos mostra-se a teologia joanina como reflexatildeo priacutestina da Igreja sobre a dignidade de Cristo A visatildeo de Joatildeo aproxima-se da de Paulo e de sua tradiccedilatildeo (cf o hino que Paulo utilizou em Fl 26-11 ou o iniacutecio da carta aos Romanos Rm 13-4 ou tambeacutem a foacutermula ldquotrinitaacuteriardquo de 2Cor 1313) Visatildeo semelhante encontra-se tambeacutem em outras camadas e escritos do NT [[194]] (cf Mt 1125-27 Mc 111par 97 par Hb 11-4) Para a outorga do julgamento ao Filho do Homem cf Mc 1326s par Mt 2531-46

Desde o iniacutecio a divindade de Jesus encontrou resistecircncia Bem cedo judeus e provavelmente tambeacutem judeu-cristatildeos opuseram-se a essa visatildeo As grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 encontram aqui sua fundamentaccedilatildeo Pouco depois Aacuterio vai combater a filiaccedilatildeo divina de Jesus Segundo ele Jesus eacute criatura natildeo igual ao Pai Na hora presente surge resistecircncia agrave metaacutefora familiar que serve para articular o discurso sobre o Pai e o Filho E M Boring40 expressa estas ressalvas para o mundo ocidental A seu ver exprime-se no discurso sobre ldquoPairdquo e ldquoFilhordquo certo patriarcalismo que eacute posto em xeque natildeo soacute do lado feminista mas tambeacutem por contemporacircneos que questionam a autoridade paterna como tal Importa levar a seacuterio tais questionamentos observando poreacutem que elas surgem principalmente do mundo ocidental

524-27 Nos versiacuteculos que aqui seguem promete-se vida eterna aos que ouvem a palavra de Jesus e creem no Deus que o enviou Mais exatamente a vida eterna natildeo eacute prometida aqui mas explica-se que todos os que ouvem a palavra de Jesus e creem no Pai jaacute passaram da morte para a vida (tempo perfeito grego) Estes natildeo chegam ao julgamento Aqui se exprime a ldquoescatologia presenterdquo tiacutepica do QEvg Segundo a visatildeo judaica tradicional todo ser humano enfrenta a morte no fim de sua vida terrestre E depois haveraacute segundo a convicccedilatildeo farisaica a ressurreiccedilatildeo dos mortos (ou dos justos) com o julgamento e com a vida eterna para os justos Segundo Joatildeo a morte verdadeira consiste na separaccedilatildeo de Deus a origem da vida Desta morte pode-se passar jaacute agora para a vida verdadeira a vida eterna quando se crecirc em Jesus e naquele que o enviou Quem age assim natildeo vai a juiacutezo Esta visatildeo encontra-se tambeacutem em outro lugar no QE (cf 315-1836 64047 1246s) A promessa de ldquovida eternardquo encontra-se jaacute em Dn 122 onde ela eacute prometida aos justos para o dia do julgamento final quando sairatildeo de seus sepulcros O papel do arcanjo Miguel eacute assumido [[195]] em Joatildeo pelo ldquoFilho de Deusrdquo na funccedilatildeo de ldquoFilho do homemrdquo (cf v27 Dn 723s) A expressatildeo ldquovem a horardquo eacute completada no v 25 por ldquo e eacute agorardquo A partir daqui os conceitos de ldquomorterdquo e ldquovidardquo satildeo reinterpretados A morte consiste na separaccedilatildeo de Deus como fonte originaacuteria da vida e a ldquovidardquo eacute a ldquovida eternardquo na medida em que vem de Deus O futuro gramatical que aparece aqui no enunciado sobre o ouvir da voz da ressurreiccedilatildeo e da vida perde seu sentido de indicaccedilatildeo temporal e eacute antes de natureza loacutegica o que deve acontecer acontece agora na ldquohorardquo do crer

No v 26 o evangelista abandona por um momento o ideaacuterio apocaliacuteptica da tradiccedilatildeo e fala de Cristo como fonte da vida numa linguagem mais fortemente teoloacutegica O Pai tem em si a vida e este pleno poder ele o transmitiu tambeacutem ao Filho Aqui volta agrave mente o Proacutelogo do QE (Jo 14) onde o Logos divino aparece como portador da fonte da vida 40

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No v 27 o autor volta ao ideaacuterio apocaliacuteptico Os comentadores veem no v 27 um eco de Dn 713s embora nesse lugar natildeo se exprima propriamente o julgamento mas antes todo o senhorio ateacute o fim do tempo Uma confirmaccedilatildeo da dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Daniel neste lugar pode transparecer na falta do artigo definido no v 27 ldquoporque ele eacute um filho do homemrdquo

528-29 A injunccedilatildeo no iniacutecio do v 28 ndash ldquoNatildeo fiqueis admirados com issordquo ndash pode ser conectado ao contexto anterior como muitas vezes se faz Neste caso a partiacutecula hoacuteti que se segue tem antes um sentido causal e poderia ser substituiacutedo por dois pontos Mas eacute possiacutevel tambeacutem relacionar a injunccedilatildeo com o contexto subsequente e entender o hoacuteti como declarativo eacute a interpretaccedilatildeo de H-C Kammler41 Contudo natildeo faz tanta diferenccedila no sentido

Os vv 28s retomam o v 25 como geralmente eacute observado Os versiacuteculos se correspondem ateacute na formulaccedilatildeo como mostra este quadro 25 ἔρχεται ὥρα καὶ νῦν ἐστιν ὅτε οἱ νεκροὶ ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς τοῦ υἱοῦ τοῦ θεοῦ καὶ οἱ ἀκούσαντες ζήσουσιν

28s ἔρχεται ὥρα ἐν ᾗ πάντες οἱ ἐν τοῖς μνημείοις ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς αὐτοῦ καὶ ἐκπορεύσονται οἱ τὰ ἀγαθὰ ποιήσαντες εἰς ἀνάστασιν ζωῆς οἱ δὲ τὰ φαῦλα πράξαντες εἰς ἀνάστασιν κρίσεως

As principais diferenccedilas satildeo estas os vv 28s dizem ldquovem a horardquo sem acrescentar ldquoe eacute agorardquo Tambeacutem dizem ldquotodos os que estatildeo nos sepulcrosrdquo em vez de ldquoos mortosrdquo e o julgamento parece estar ligado agraves obras de cada um Como entender essas diferenccedilas Trecircs modelos entram na discussatildeo

O primeiro modelo eacute o da ldquoescatologia presenterdquo representado sobretudo pelo comentaacuterio de R Bultmann publicado em 1941 e seguido por numerosos autores42 Segundo estes autores o texto de Jo 528s fala de uma futura ressurreiccedilatildeo dos mortos no dia do juiacutezo final A ldquoescatologia presenterdquo de Joatildeo pareceu ousada demais para a Igreja a no fim do seacuteculo I e foi por isso completada pelo modelo ldquoclaacutessicordquo da escatologia judaica que se encontra tambeacutem em outros escritos do NT (sinoacutepticos e Paulo pelo menos em parte) Deste modo ldquosalvou-serdquo o QE para a Igreja poacutes-apostoacutelica

O segundo modelo eacute o de duas camadas no EJ que se completam mutuamente Eacute adotado pelos grandes comentaacuterios da Gratilde-Bretanha43 dos EUA44 e de muitos autores da Europa continental45 Segundo estes autores o evangelista retoma sua caracteriacutestica escatologia presente reformulando-a em termos de escatologia futura Neste caso natildeo eacute preciso tomar como ponto de partida o modelo judeu-apocaliacuteptico ou protocristatildeo da ressurreiccedilatildeo dos mortos no fim do tempo Joatildeo natildeo fala de fato dos ldquomortosrdquo que ressuscitam mas daqueles ldquoque estatildeo nos sepulcrosrdquo os ldquomortosrdquo satildeo em todo o caso aqueles que jaacute nesta vida ficaram separados de Deus por terem-se decidido contra Deus Estas observaccedilotildees jaacute se encontram no comentaacuterio de Josef Blank Ultimamente Joumlrg Frey na sua obra magistral em trecircs volumes sobre a escatologia joanina46 defende com forccedila a tese de que ambas as escatologia em Joatildeo devem ser consideradas de modo

41 42 43 44 45 46

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complementar Sem a escatologia futura o querigma joaneu seria incompleto A Bultmann se deve conceder que as ldquoobrasrdquo mencionadas no texto de Joatildeo natildeo satildeo as ldquoobras boasrdquo ou ldquomaacutesrdquo do judaiacutesmo ou do protocristianismo mas a feacute ou a descrenccedila em relaccedilatildeo a Cristo (cf Jo 316-19 629)

Um terceiro modelo interpreta Jo 525-29 de modo estritamente unitaacuterio e isso a partir da escatologia presente47 Tambeacutem os vv 28s podem ser interpretados no sentido da escatologia presente quando lidos direitinho apesar de sua formulaccedilatildeo que evoca a escatologia futura O futuro gramatical seria semelhante ao do v 25 (cf tambeacutem Jo 1016) Segundo esta proposta Jesus fala do tempo poacutes-pascal quando as promessas do tempo final estaratildeo realizadas48 Este estudo merece consideraccedilatildeo mais profunda com consideraccedilatildeo de outros textos ldquoescatoloacutegicosrdquo de Joatildeo como 639404454 A favor desta proposta pode-se alegar que em Jo 42123 natildeo parece haver diferenccedila semacircntica entre ldquovem a horardquo (eacuterkhetai hocircra) e ldquoa hora vem e aacute agorardquo (eacuterkhetai hocircra kai nyn estin)

530 Assim como Jesus concede a vida em plena dependecircncia do Pai assim tambeacutem exerce o julgamento Isso eacute dito no versiacuteculo final v 30 De fato Jesus natildeo procura sua proacutepria vontade mas a vontade de quem o enviou (cf Jo 528) Por isso seu julgamento eacute reto Literariamente este versiacuteculo pela retomada do v19 encerra de modo eficaz a periacutecope 519-30 Ao mesmo tempo prepara a transiccedilatildeo para a secccedilatildeo seguinte

Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)

Esta secccedilatildeo eacute semelhante em sua composiccedilatildeo agrave precedente (Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria 519-30) e agrave subsequente (Jesus natildeo procura sua proacutepria honra 541-47) O princiacutepio fundamental se encontra no iniacutecio da secccedilatildeo e assim eacute apresentado o tema Sempre Jesus rejeita arrogar para si proacuteprio honra e autoridade Sua autoridade seu reconhecimento e sua honra vecircm de Deus Exatamente por esta razatildeo ele se eleva acima de qualquer autoridade humana Deus mesmo opera nele o legitima e o honra

A secccedilatildeo 531-40 eacute caracterizada pelo campo semacircntico do ldquotestemunhordquo49 No v 31 Jesus contesta que ele daacute testemunho a favor de si mesmo (em Jo 812-20 prevalece outro ponto de vista) Quem daacute testemunho a favor dele eacute outro o Pai que por enquanto natildeo eacute nomeado (no v 32) Acresce o testemunho de Joatildeo Batista agora uma figura do passado (533-35) No v 36 o evangelista volta ao tema do ldquooutrordquo que testemunha a favor de Jesus e agora fica claro que se trata do Pai Ele eacute quem concede a Jesus realizar as obras admiraacuteveis que datildeo testemunho em seu favor (v 36) e ele testemunha tambeacutem diretamente a favor de Jesus (vv 37-38) como jaacute o fez no passado nas Escrituras de Israel (v39) Para valorizar esse testemunho muacuteltiplo [[198]] basta a boa vontade para se deixar conduzir a Jesus e assim receber a vida (v 40)

531-32 Os dois versiacuteculos introdutoacuterios satildeo moldados na forma dos vv 19 e 41 e expressam a dependecircncia ilimitada de Jesus como Filho em relaccedilatildeo ao Pai mas exprimem tambeacutem a autoridade que o Pai lhe concedeu em vista de sua missatildeo Quanto agrave ldquoverdaderdquo deste testemunho comparem-se Jo 1935 2114 e 3Jo 9

533-35 Alem de Deus que daacute plena autoridade a Jesus na sua missatildeo em ato e palavra a principal testemunha de Jesus segundo o evangelista eacute Joatildeo Batista Desde o Proacutelogo (16-8 e 15) ele aparece como testemunha a favor de Jesus A parte narrativa do QE comeccedila com uma grande secccedilatildeo sobre o testemunho do Batista a favor de Jesus (Jo 47 48 49

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119-34) Este testemunho eacute pressuposto e continuado no diaacutelogo do Batista com seus disciacutepulos em Jo 322-30 o Batista eacute apenas o amigo do esposo e se alegra ao ouvir a voz do esposo no quarto nupcial (329) ele apenas vem agrave frente do Messias natildeo eacute o proacuteprio Messias A tarefa de Joatildeo de ser testemunha de Jesus parece tatildeo dominante para o QEvg que ele nunca o chama de ldquobatistardquo mas dele soacute fala em termos de testemunha Ele eacute revezado em sua qualidade de ldquoacompanhanterdquo de Jesus por Laacutezaro nos caps 11-12 e pelo Disciacutepulo Amado nos caps 13-21

No tempo da controveacutersia de Jesus com os ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem depois da cura do aleijado o Batista jaacute havia terminado seu percurso Jesus fala dele em termos de passado Os ldquojudeusrdquo tinham enviado a ele uma delegaccedilatildeo para saber quem era Jesus mas natildeo quiseram aceitar seu testemunho Mais soacute o aguentaram por pouco tempo e depois o eliminaram O QEvg expressa essa experiecircncia com a imagem da lacircmpada Os ldquojudeusrdquo soacute quiseram alegrar-se agrave sua luz por pouco tempo Em termos de linguagem e conteuacutedo nota-se a diferenccedila com Jesus Joatildeo eacute a ldquolacircmpadardquo Jesus eacute a luz do mundo (cf Jo 14s9 812 95 1246)

536 A seguir Jesus trata do testemunho do Pai nas obras que este lhe concede Estras obra conduziram agrave admiraccedilatildeo e agrave feacute como vimos nos primeiros sinais de Jesus (Jo 21-12 e 446-54 cf 223 32) Poder-se-iaacrscenarf as obra de que fala Jesus em Jo 517-30 especialmente as pelas quais ele faz vikver os mortos e no nome de Deus faz o julgamento Mas estras obras soacute se percebem na feacute

Quando se pergunta pelos antecedentes literaacuterios da representaccedilatildeo joanina do testemunho das obras a favor de Jesus podem alegar-se textos do judaiacutesmo heleniacutestico que falam do testemunho de Deus a favor de Moiseacutes Tanto Flaacutevio Josefo como tambeacutem Fiacutelon de Alexandria falam de tal testemunho lembrando os ldquosinaisrdquo que Moiseacutes operou quando da saiacuteda de Israel do Egito e quando da travessia pelo mar Vermelho e pelo deserto (Fiacutelon Vita Mos 2[3] 263281 Flaacutevio Josefo Contra Ap II 53)50 No NT este tema eacute utilizado cristologicamente em At 143 e Hb 24 114

537-39 Assim como o Pai testemunhou a favor de Jesus nas obras que ele lhe concedeu realizar tambeacutem deu testemunho a favor dele na sua palavra Essa palavra se deu na Antiga Alianccedila Verdade eacute que os israelitas natildeo puderam ouvi-la como tambeacutem natildeo puderam ver a face de Deus Mas eles possuiacuteam o testemunho divino a favor de Jesus nas suas Sagradas Escrituras Se as tivessem perscrutado teriam descoberto o seu testemunho a favor de Jesus

O ldquotestemunhordquo das escrituras eacute de modo novo um tema caracteriacutestico do QE mas natildeo sem antecedentes e paralelos nos demais escritos do NT A tradiccedilatildeo sinoacuteptica conhece sobretudo o cumprimento de determinadas passagens das Escrituras de Israel em Jesus em sua vida e em seu sofrimento Joatildeo ndash em concordacircncia com os sinoacutepticos ndash mostra esse modo de proceder sobretudo no seu relado da Paixatildeo Em Jo 1238 aparece pela primeira vez a foacutermula ldquoAssim havia de se cumprirrdquo Mais caracteriacutestico de Joatildeo eacute o uso da Escritura como testemunho a favor de Jesus sem a citaccedilatildeo de determinada passagem51 Natildeo esta ou aquela passagem mas a Escritura como tal daacute testemunho a favor de Jesus Jo 539 eacute o texto claacutessico para ilustrar este modo de ver mas veja-se tambeacutem Jo 145 545-47 1034 uma citaccedilatildeo dos Salmos como testemunho da ldquoLeirdquo

Quando os israelitas natildeo conseguem perceber nas suas escrituras o testemunho a favor de Jesus a culpa natildeo eacute da Escritura Satildeo antes os leitores que natildeo estatildeo dispostos a abrir-se para a mensagem da Escritura Assim retiram-se da fonte da vida50 51

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Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)

Esta uacuteltima secccedilatildeo do discurso de Jesus pode ser subdividido em duas partes Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41-44) e natildeo eacute Jesus que acusa os judeus mas Moiseacutes (vv 45-47)

541-44 O conjunto dos vv 41-44 eacute emoldurado pelo tema da ldquohonrardquo52 Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41) Satildeo antes os seus adversaacuterios que fazem isso colhendo honra uns dos outros e natildeo do Deus uacutenico (v 44) de modo a serem incapazes de ir ateacute Jesus e de crer nele Nos vv 42-43 indica-se uma razatildeo mais profunda da atitude errada dos adversaacuterios de Jesus eles natildeo tecircm em si o amor de Deus Assim eles recebem quem se apresenta em nome proacuteprio mas natildeo aquele que vem em nome de Deus Jesus

Salvo engano estes versiacuteculos devem ter sido influenciados pela confissatildeo de feacute de Israel o Shemalsquo Yisrael ldquoOuve Israelrdquo de Dt 64s Neste texto central do judaiacutesmo Deus ordena a seu povo confessaacute-lo como Deus uacutenico e confessaacute-lo de todo o coraccedilatildeo A influecircncia deste texto sobre Jo 541-44 como tambeacutem sobre Jo 841s foi pouco observado ateacute agora Em ambos os lugares satildeo interligados a unicidade de Deus e o amor a ele ou a Jesus como enviado do Pai Um eco deste mandamento encontra-se tambeacutem em Jo 2115-17 (o amor de Pedro a Jesus como expressatildeo de sua relaccedilatildeo fundamental para com ele possibilitando seu encargo como pastor do rebanho do Senhor)

Se esta interpretaccedilatildeo estiver certa segue-se para Jo 542 e textos similares do QE que a expressatildeo hē agaacutepē tou theoacuteu deve ser entendida como genitivo de objeto No EJ trata-se de ter a relaccedilatildeo reta para com Deus tambeacutem como membro do povo de Israel Quem natildeo ama a Deus natildeo amaraacute o Cristo seu Filho e buscaraacute sua proacutepria honra Na Primeira Carta de Joatildeo a situaccedilatildeo eacute diferente O autor encontra-se em discussatildeo com um grupo que arroga para si em alto grau a posse do Espiacuterito considera estar acima da Lei e poder afirmar que conhece Deus e o ama A estas pessoas a 1Jo diz que antes de tudo satildeo amadas por Deus antes de poderem dizer que amam a Deus (cf 1Jo 47-21 tambeacutem 215 316s)

545-47 Para a transiccedilatildeo ao tema da honra para o de Moiseacutes satildeo apontadas diversas razotildees Jaacute em Jo 539 Jesus afirmou que as Escrituras falam dele As Escrituras de Israel satildeo a Toraacute mediada por Moiseacutes e tambeacutem os demais escritos principalmente os Salmos Neste sentido o tema de Moiseacutes que acusa os israelitas jaacute foi preparado no contexto imediatamente anterior O texto lembra tambeacutem Jo 719-23 onde Jesus em conexatildeo com a cura que realizou em dia de saacutebado arguacutei a partir da Lei de Moiseacutes que permite a circuncisatildeo no saacutebado Podemos ver tambeacutem em Jo 545-47 uma referecircncia agrave controveacutersia sobre a aplicaccedilatildeo da Lei de Moiseacutes em torno da cura que Jesus realizou

A convicccedilatildeo de que Moiseacutes escreveu a respeito de Jesus (v 46) pode-se deduzir da visatildeo global de Joatildeo segundo a qual a Escritura inteira quando lida direitinho fala de Jesus Um primeiro exemplo encontra-se em Jo 145 nas palavras de Filipe ldquoEncontramos Jesus o filho de Joseacute de Nazareacute aquele sobre quem escreveram Moiseacutes na Lei e os Profetasrdquo

Os israelitas creram em Deus e em Moiseacutes como eacute dito no fim do relato da saiacuteda milagrosa de Israel do Egito e da travessia do mar Vermelho em Ex 143 Os israelitas do tempo de Jesus estatildeo nesta tradiccedilatildeo A eles eacute que Jesus dirige a palavra dizendo que natildeo basta crer em Moiseacutes mas que eacute preciso ler suas escrituras no modo certo como testemunho a favor de Jesus Quem acredita em Moiseacutes tambeacutem deve acreditar em

52

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Jesus pois dele eacute que Jesus escreveu Quem natildeo acredita em Jesus natildeo pode afirmar que acreditou nas palavras de Moiseacutes Deste modo o cap 5 se encerra com uma acusaccedilatildeo contundente contra os ouvintes O conflito continuaraacute nos capiacutetulos 6 e 7ndash8

III

Depois que nos caps 2ndash4 do EJ Jesus levou sua mensagem sempre mais do centro para a periferia da terra de Israel no cap 5 ele volta ao centro e enfrenta a discussatildeo com os habitantes de Jerusaleacutem e os liacutederes do povo judeu em torno de sua missatildeo Um milagre estupendo a cura de algueacutem que havia 38 anos estava aleijado levou agrave discussatildeo de sua accedilatildeo feita no saacutebado e paulatinamente agrave discussatildeo sobre sua pessoa Pela primeira vez ldquoos judeusrdquo aparecem agora numa secccedilatildeo maior como adversaacuterios de Jesus A afirmaccedilatildeo de Jesus de agir em uniatildeo com seu Pai celeste soacute os faz concluir que ele se torna igual em poder e ordem ao Pai Esta afirmaccedilatildeo provocou contestaccedilatildeo natildeo soacute no tempo do evangelista Para entendecirc-la bem vale a pena reler atentamente o desenvolvimento do discurso de Jesus em Jo 519-47

Na leitura atenta nota-se que Jesus continuamente recusa colocar-se a si mesmo no centro Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (vv 19-30) nem testemunha a favor de si mesmo (vv 31-40) nem procura sua proacutepria honra (vv 41-45 ou 47) Deus eacute quem o deixa participar de sua obra que o defende e o honra Olhando por este lado o discurso de vv 19-47 natildeo eacute meramente ou nem em primeiro lugar cristoloacutegico Ele eacute e permanece teoloacutegico Com a melhor tradiccedilatildeo de Israel o QEvg e na sua obra o Cristo de seu evangelho reduzem toda o agir a Deus o Pai Eacute ele quem opera no Filho o defende e o honra Natildeo eacute por acaso que por isso aparece nos versiacuteculos finais 42-44 o principal mandamento a confissatildeo do Deus uacutenico de Israel e a ordem de amaacute-lo A partir daiacute a reivindicaccedilatildeo de Jesus em Jo 5 e nas grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 merece renovada reflexatildeo

2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)1 Depois disso Jesus foi para para o outro lado do mar da Galileacuteia ou seja de Tiberiacuteades 2 Uma grande multidatildeo o seguia vendo os sinais que ele fazia a favor dos doentes 3 Jesus subiu a montanha e sentou-se laacute com os seus disciacutepulos 4 Estava proacutexima a Paacutescoa a festa dos judeus 5 Levantando os olhos e vendo uma grande multidatildeo que vinha a ele Jesus disse a Filipe ldquoOnde vamos comprar patildeo para que essa gente possa comerrdquo 6 Disse isso para testar Filipe pois ele sabia muito bem o que ia fazer 7 Filipe respondeu ldquoNem duzentos denaacuterios de patildeo bastariam para dar um pouquinho a cada umrdquo 8 Um dos disciacutepulos Andreacute irmatildeo de Simatildeo Pedro disse 9 ldquoEstaacute aqui um menino com cinco patildees de cevada e dois peixes Mas que eacute isso para tanta genterdquo 10 Jesus disse ldquoFazei as pessoas sentar-serdquo Naquele lugar havia muita relva e laacute se sentaram os homens em nuacutemero de aproximadamente cinco mil 11 Jesus tomou os patildees deu graccedilas e distribuiu aos que estavam sentados tanto quanto queriam E fez o mesmo com os peixes 12 Quando todos se fartaram disse aos disciacutepulos ldquoJuntai os pedaccedilos que sobraram para que nada se percardquo 13 Eles juntaram e encheram doze cestos com os pedaccedilos que sobraram dos cinco patildees de cevada que comeram 14 Agrave vista do sinal que Jesus tinha realizado as pessoas exclamavam ldquoEste eacute verdadeiramente o profeta aquele que deve vir ao mundordquo 15 Quando Jesus percebeu que queriam levaacute-lo para proclamaacute-lo rei novamente se retirou para a montanha sozinho

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16 Ao anoitecer os disciacutepulos desceram para a beira-mar 17 Entraram no barco e foram na direccedilatildeo de Cafarnaum do outro lado do mar Jaacute estava escuro e Jesus ainda natildeo tinha vindo a eles 18 Soprava um vento forte e o mar estava agitado 19 Os disciacutepulos tinham remado vinte e cinco ou trinta estaacutedios quando avistaram Jesus andando sobre as aacuteguas e aproximando-se do barco Eles ficaram com medo 20 Jesus poreacutem lhes disse ldquoSou eu Natildeo tenhais medordquo 21 Eles queriam receber Jesus no barco mas logo o barco atingiu a terra para onde estavam indo22 No dia seguinte a multidatildeo que tinha ficado do outro lado do mar notou que antes havia aiacute um soacute barco e que Jesus natildeo entrara nele com os disciacutepulos os quais haviam partido sozinhos 23 Entretanto outros barcos chegaram de Tiberiacuteades perto do lugar onde tinham comido o patildeo depois de o Senhor ter dado graccedilas 24 Quando a multidatildeo percebeu que Jesus natildeo estava aiacute nem os seus disciacutepulos entraram nos barcos e foram procurar Jesus em Cafarnaum 25 Encontrando-o do outro lado do mar perguntaram-lhe ldquoRabi quando chegaste aquirdquo 26 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo estais me procurando natildeo porque vistes sinais mas porque comestes patildeo e ficastes saciados 27 Trabalhai natildeo pelo alimento que se perde mas pelo alimento que permanece ateacute agrave vida eterna e que o Filho do Homem vos daraacute Pois a este Deus Pai o marcou com seu selo 28 Perguntaram entatildeo ldquoQue devemos fazer para praticar as obras de Deusrdquo 29 Jesus respondeu ldquoA obra de Deus eacute que acrediteis naquele que ele enviourdquo 30 Eles perguntaram ldquoQue sinais realizas para que possamos ver e acreditar em ti Que obras fazes 31 Nossos pais comeram o manaacute no deserto como estaacute na Escritura lsquoDeu-lhes a comer patildeo do ceacuteursquordquo 32 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo natildeo foi Moiseacutes quem vos deu o patildeo do ceacuteu Eacute meu Pai quem vos daacute o verdadeiro patildeo do ceacuteu 33 Pois o patildeo de Deus eacute aquele que desce do ceacuteu e daacute vida ao mundordquo 34 Eles entatildeo pediram ldquoSenhor daacute-nos sempre desse patildeordquo 35 Jesus lhes disse ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sede 36 Contudo eu vos disse que me vistes mas natildeo credes 37 Todo aquele que o Pai me daacute viraacute a mim e quem vem a mim eu natildeo jogarei fora 38 porque eu desci do ceacuteu natildeo para fazer a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou ldquo39 E esta eacute a vontade daquele que me enviou que eu natildeo perca nenhum daqueles que ele me deu mas os ressuscite no uacuteltimo dia 40 Esta eacute a vontade do meu Pai quem vecirc o Filho e nele crecirc tenha vida eterna E eu o ressuscitarei no uacuteltimo diardquo41 Entatildeo os judeus comeccedilaram a murmurar contra Jesus porque ele disse ldquoEu sou o patildeo que desceu do ceacuteurdquo 42 Diziam ldquoEste natildeo eacute Jesus o filho de Joseacute Natildeo conhecemos noacutes o seu pai e sua matildee Como pode entatildeo dizer que desceu do ceacuteurdquo 43 Jesus respondeu ldquoNatildeo murmureis entre voacutes 44 Ningueacutem pode vir a mim se o Pai que me enviou natildeo o atrair E eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 45 Estaacute escrito nos Profetas lsquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrsquo Ora todo aquele que escutou o ensinamento do Pai e o aprendeu vem a mim 46 Ningueacutem jamais viu o Pai a natildeo ser aquele que vem de junto de Deus este viu o Pai 47 Ameacutem ameacutem vos digo quem crecirc tem vida eterna 48 Eu sou o patildeo da vida 49 Os vossos pais comeram o manaacute no deserto e no entanto morreram 50 Aqui estaacute o patildeo que desce do ceacuteu para que natildeo morra quem dele comer51 ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteu Quem come deste patildeo viveraacute eternamente E o patildeo que eu darei eacute a minha carne dada pela vida do mundordquo 52 Os judeus discutiam entre si ldquoComo eacute que ele pode dar a sua carne a comerrdquo 53 Jesus disse ldquoAmeacutem ameacutem vos digo se natildeo comerdes a carne do Filho do Homem e natildeo beberdes o seu sangue natildeo tereis vida em voacutes 54 Quem mastiga minha carne e

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bebe meu sangue tem vida eterna e eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 55 Pois minha carne eacute verdadeira comida e meu sangue eacute verdadeira bebida 56 Quem mastiga minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele 57 Como o Pai que vive me enviou e eu vivo por meio dele assim viveraacute por meio de mim aquele que me mastiga 58 Este eacute o patildeo que desceu do ceacuteu Natildeo eacute como aquele que vossos pais comeram ndash e no entanto morreram Quem mastiga este patildeo viveraacute para semprerdquo 59 Jesus falou essas coisas ensinando na reuniatildeo sinagogal em Cafarnaum 60 Muitos disciacutepulos que o ouviram disseram entatildeo ldquoEssa palavra eacute inaceitaacutevel Quem consegue escutaacute-lardquo 61 Percebendo que seus disciacutepulos estavam murmurando por causa disso Jesus perguntou ldquoIsto vos escandaliza 62 Que seraacute entatildeo quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes 63 O Espiacuterito eacute que daacute vida a carne de nada serve As palavras que vos falei satildeo Espiacuterito e satildeo vida 64 Mas haacute alguns entre voacutes que natildeo crecircemrdquo Jesus sabia desde o iniacutecio quem eram os que acreditavam e quem havia de entregaacute-lo 65 E acrescentou ldquoEacute por isso que eu vos disse lsquoNingueacutem pode vir a mim a natildeo ser que lhe seja dado pelo Pairsquordquo 66 A partir daquele momento muitos disciacutepulos o abandonaram e natildeo mais andavam com ele 67 Jesus disse aos Doze ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo 68 Simatildeo Pedro respondeu ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna 69 Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo 70 Jesus respondeu ldquoNatildeo vos escolhi doze Contudo um de voacutes eacute um diabordquo 71 Ele falava de Judas filho de Simatildeo Iscariotes pois este um dos Doze iria entregaacute-lo

I

Agrave primeira vista Jo 6 natildeo se insere sem dificuldade no contexto do EJ No iniacutecio do capiacutetulo supotildee-se que Jesus se encontra na proximidade do lago de Tiberiacuteades na Galileacuteia enquanto o cap 5 relatava seu discurso diante dos ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem em continuidade com a cura do aleijado na piscina de Betesda Em Jo 714-24 remete-se a esta cura em dia de saacutebado Jaacute em Jo 72 eacute alegada como razatildeo da estada de Jesus na Galileia o fato de que os ldquojudeusrdquo o querem matar com uma alusatildeo 518 No decorrer do seacuteculo XX os problemas da sequecircncia do texto levaram comentadores famosos a inverter a ordem de Jo 5 e Jo 653 Deste modo surgiria um texto mais compreensiacutevel Como no fim do cap 4 no cap 6 Jesus se encontra na Galileia Se o cap 5 segue depois do cap 6 a dupla remissiva ao cap 5 em Jo 7 torna-se compreensiacutevel Mas esta proposta natildeo vingou nos uacuteltimos anos O respeito pelo texto dado natildeo permite com facilidade esta ou outras propostas de inversatildeo e os manuscritos natildeo fornecem nenhum ensejo para isso Tambeacutem eacute possiacutevel resgatar a ordem atual do texto quando se parte da ideia de que os indiacutecios geograacuteficos e cronoloacutegicos pelo menos para o autor natildeo constituiacuteram o criteacuterio decisivo para o decurso do texto

Como jaacute sugerido eacute bem possiacutevel ver em Jo 6 uma inserccedilatildeo no QE o que tambeacutem resolveria os problemas da sequecircncia do texto54 Neste caso mantenha-se a unidade literaacuteria do capiacutetulo Soacute neste capiacutetulo em Joatildeo fala-se da eucaristia enquanto que ela falta no cap 13 no relato da paixatildeo Aqui em Jo 6 Jesus parece natildeo subir para a festa da Paacutescoa mencionada em 64 Tem-se a impressatildeo de que uma Paacutescoa cristatilde toma o lugar da festa de peregrinaccedilatildeo judaica Jesus a celebra na Galileia terra das primeiras comunidades cristatildes Como seus antagonistas aparecem a partir do v41 os ldquojudeusrdquo que em outros capiacutetulos soacute na Judeia se encontram com Jesus No interior do cap 6

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Joatildeo se mostra fortemente influenciado pela tradiccedilatildeo sinoacuteptica especialmente por Mc 632-56 e 811-33 como mostra este esquemaMultiplicaccedilatildeo dos patildees Mc 632-44 Jo 61-15Caminhando sobre as aacuteguas Mc 645-52 Jo 616-21Encontro com a multidatildeo Mc 653-56 Jo 522-25(29)Pedido de sinal Mc 811-13 Jo 630-31Discurdso do patildeo Mc 814-21 Jo 632-58Identidade de Jesus e confissatildeo de Pedro Mc 8m27-30 Jo 660-66Um dos disciacutepulos eacute o satanaacutes Mc 831-33 Jo 667-71

A secccedilatildeo Mc 71ndash810 natildeo tem correspondecircncias em Joatildeo e portanto falta em Joatildeo a segundo multiplicaccedilatildeo dos patildees como tambeacutem em Lucas No interior de Jo 6 o autor chega a seguir literalmente o texto marcano ou sinoacuteptico Feiccedilotildees deste gecircnero satildeo o nuacutemero de duzentos denaacuterios para comprar patildeo o nuacutemero de patildees e peixes a descriccedilatildeo dos gestos de Jesus os doze cestos com os pedaccedilos de patildeo que sobraram e tambeacutem o nuacutemero dos que foram saciados Em nenhum outro lugar o EJ tanto se aproxima da tradiccedilatildeo sinoacuteptica Podemos comparar com isso antes de tudo o relato de paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus mas haacute aqui diferenccedilas evidentes desde a cronologia da uacuteltima ceia e da morte de Jesus Visto que tambeacutem em Jo 21 o capiacutetulo final que muitos consideram um acreacutescimo aparecem muitos contatos com os sinoacutepticos (cf a pesca milagrosa Lc 51-11 os filhos de Zebedeu Mc 119 par) parece natural adotar tambeacutem para Jo 6 [[206]] uma data de composiccedilatildeo levemente posterior agrave do contexto

Muito por causa da secccedilatildeo dos dons eucariacutesticos de Jesus no uacuteltimo seacuteculo diversas vezes se colocou em duacutevida a unidade literaacuteria do capiacutetulo Assim R Bultmann55 distingue em Jo 6 quatro camadas diferenciadas uma ldquofonte dos sinaisrdquo agrave qual se devem a multiplicaccedilatildeo dos patildees e a caminhada sobre as aacuteguas (61-1516-21) fragmentos de uma fonte de discursos de revelaccedilatildeo de inspiraccedilatildeo gnoacutestica especialmente no discurso do patildeo em Jo 627-51c a matildeo redatora do evangelista especialmente tambeacutem na parte cristoloacutegica do discurso do patildeo e a redaccedilatildeo eclesial agrave qual se devem a secccedilatildeo ldquoeucariacutesticardquo de 651d-58 e as alusotildees agrave futura ressurreiccedilatildeo dos mortos em 6394044 Semelhante dissecccedilatildeo em camadas encontra-se na exegese que se inspira em Bultmann mesmo quando abre matildeo da ldquofonte dos discursosrdquo de influecircncia gnoacutestica56

Um novo modelo de diversas camadas encontra-se em Paul N Anderson que parte da sedimentaccedilatildeo de diversos conflitos sucessivos em Jo 657 Um primeiro conflito seria o da massa popular em torno do alimento verdadeiro (vv 25-40) o segundo com os ldquojudeusrdquo acerca da Toraacute e do patildeo do ceacuteu (vv 41-51) depois um cisma envolvendo principalmente os disciacutepulos oriundos do paganismo acerca da verdadeira corporeidade de Jesus (vv 51-66) e finalmente uma controveacutersia sobre o lugar certo do grupo joaneu na paisagem da comunidade joanina e da Grande Igreja representada por Pedro (vv 67-70) Menos complexo eacute o modelo de J Painter58 segundo o qual em Jo 6 estaacute integrado uma ldquohistoacuteria de buscardquo (ldquoquest storyrdquo) na qual a massa popular busca e encontra Jesus A essa liga-se nos vv 41-66 uma seacuterie de ldquohistoacuterias de rejeiccedilatildeordquo (ldquorejection storiesrdquo) que teriam sida acrescentadas secundariamente Os vv 67-70 serviram entatildeo para reconciliar os membros da comunidade joanina com adeptos de um cristianismo para a qual a figura de Pedro tinha significaccedilatildeo extraordinaacuteria

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 8:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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agrave tensatildeo entre palavras de revelaccedilatildeo de Jesus ou enunciados sobre Jesus e o mal-entendido a seu respeito por parte dos ouvintes Natildeo eacute isso que acontece aqui Natildeo haacute outro lugar no QE em que o evangelista consciamente induz seus leitores ao erro

Quanto ao gecircnero desta secccedilatildeo (e de outras similares na sequecircncia posterior do QE) sugeriu-se ver aqui o modelo veterotestamentaacuterio do ricircb a disputa judicial entre Deus e seu povo26 Tal disputa se caracteriza por isto que falta um instacircncia de arbitragem Soacute importa quais satildeo os melhores argumentos Apesar de toda a proximidade do QE ao AT e natildeo em uacuteltima instacircncia a suas tradiccedilotildees profeacuteticas a aplicaccedilatildeo desse modelo literaacuterio agraves controveacutersias entre Jesus e seus adversaacuterios em Jerusaleacutem natildeo convence Por um lado Jesus natildeo toma sem mais o lugar de Deus por outro natildeo falta em Joatildeo a instacircncia judicial Em niacutevel poliacutetico as instacircncias judiciais do povo israelita tecircm o poder de excomungar da comunidade e mesmo de infligir a pena de morte E na perspectiva teoloacutegica eacute Jesus que se revela como o juiz verdadeiro ou pelo menos como aquele que realiza o juiacutezo divino a todos aqueles que se opotildeem a ele e assim em uacuteltima instacircncia rejeitam a Deus mesmo

59d-13 A cena seguinte aacute introduzida pela frase ldquoAquele dia poreacutem era um saacutebadordquo (v 9d) A frase lembra a similar em Jo 94 cf tambeacutem 1914 Quanto ao estilo revela a matildeo do evangelista Para as controveacutersias dos versiacuteculos seguintes natildeo eacute tatildeo relevante se o dia foi mesmo um saacutebado pois segundo o direito judaico os dias de festa eram equiparados ao saacutebado

No v 10 pela primeira vez ldquoos judeusrdquo entram em cena Contrariamente a Jo 422 onde a expressatildeo designa a comunidade religiosa judaica parece que aqui se trata de um grupo dentro do judaiacutesmo Este grupo jaacute foi mencionado em 119 como mandante da delegaccedilatildeo que questionou Joatildeo Batista a respeito de sua pessoa e atividade Parece claro que se trata das autoridades judaicas em Jerusaleacutem sem que isso se caracterize mais adiante27 Os ldquojudeusrdquo objetam ao homem que foi curado que no saacutebado ele natildeo pode [[189]] carregar sua maca Carregar fardos era uma da 39 ldquoobrasrdquo consideradas proibidas pela Lei de Moises28 Para o fluxo narrativo eacute importante ver que em primeira instacircncia a objeccedilatildeo eacute dirigida ao ex-alijado e natildeo a Jesus Mas indiretamente eacute este que estaacute sendo criticado como logo mais se mostraraacute

O curado sai do jogo passando a acusaccedilatildeo para Jesus jaacute que este lhe havia ordenado a carregar sua maca e andar em redor Notaacutevel eacute a expressatildeo ldquotornar sadiordquo (hygiecirc) O adjetivo que jaacute foi usando no v 6 voltaraacute no v 14 Proveacutem provavelmente da tradiccedilatildeo pre-joanina e serve para a conexatildeo do milagre de cura com as controveacutersias subsequentes O termo aparece nos relatos de cura helenistas como foi observado29 Assim Jesus aparece como ldquodeus curandeirordquo

Na base da resposta do homem que foi curado a investigaccedilatildeo dos ldquojudeusrdquo transforma-se numa inquisiccedilatildeo acerca da pessoa que o havia curado O homem diz que natildeo sabe quem foi quem o curou O narrador acrescenta que no lugar do diaacutelogo havia muita gente e que Jesus se tinha retirado dali

514 Depois de um encontro entre o curado e ldquoos judeusrdquo Jesus se encontra com o homem Natildeo eacute ele que encontra Jesus mas Jesus que encontra a ele (como encontrou a Filipe Jo 143) ldquodepois dissordquo (metagrave taacuteuta expressatildeo joanina) e ele o exorta para que natildeo peque mais Discutiu-se muito sobre esta exortaccedilatildeo Em ciacuterculos judaicos parece 26 27 28 29

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pressuposta uma ligaccedilatildeo entre enfermidade e pecado com se refletes tambeacutem na questatildeo dos disciacutepulos em Jo 92 A tradiccedilatildeo sinoacuteptica de Ma 21-12 parece tambeacutem conhecer essa ligaccedilatildeo ainda que natildeo no sentido causal Aiacute Jesus perdoa primeiro os pecados do paraliacutetico antes de curaacute-lo Mas natildeo se confirma uma conexatildeo direta Em Jo 514 a exortaccedilatildeo de Jesus poderia ser esclarecida em vista da biografia do homem que foi curado ele natildeo utilizou todas as chances para ser curado ele natildeo pocircde ou natildeo quis dar informaccedilatildeo sobre quem o curou30 Mas o versiacuteculo seguinte contradiz isso

515 Depois do encontro com o homem curado este se dirige aos ldquojudeusrdquo para lhes comunicar que foi Jesus quem o curou Esta nota tem sido interpretada de modos muito diversos como mostra o artigo de R Metzler31 Segundo Metzler parece que o homem curado se dirigiu aos ldquojudeusrdquo para denunciar Jesus De fato ateacute entatildeo o homem natildeo deu nenhum sinal de atitude positiva em relaccedilatildeo a Jesus fica duvidoso se ele chegou a crer em Jesus Contudo hoje se aceita sempre mais uma visatildeo mais positiva do ex-aleijado32 Se ele vai aos ldquojudeusrdquo para ldquoanunciarrdquo que foi Jesus quem o curou conveacutem levar a seacuterio o verbo anaggeacutellein que significa ldquoanunciarrdquo e natildeo ldquodenunciarrdquo Neste caso o curado de Jo 5 eacute um precursor do cego de Jo 9 sendo que este chega a uma adesatildeo intreacutepida a Jesus e a uma confissatildeo plena da feacute Nesta mesma linha os exemplos da Cappella Greca nas catacumbas romanas de Priscila ou na capela do Sacramento nas catacumbas de Calisto mostram o aleijado no ciclo batismal33

516-18 O v 16 poderia ter sido o final original da narrativa na tradiccedilatildeo preacute-joanina Os ldquojudeusrdquo perseguem Jesus como transgressor do saacutebado34 O imperfeito sugere antes um conflito permanente que uma ocorrecircncia uacutenica O vocabulaacuterio prepara o tema da perseguiccedilatildeo futura dos disciacutepulos (Jo 1520) Como os ldquojudeusrdquo perseguiram Jesus perseguiratildeo tambeacutem seus disciacutepulos

O v 17 jaacute antecipa o discurso de revelaccedilatildeo de Jesus (por isso geralmente eacute atribuiacutedo ao evangelista) Jesus designa sua accedilatildeo como ldquoobrardquo e legitima-a dizendo que foi operada em uniatildeo com o Pai Pois segundo uma interpretaccedilatildeo judaica atestada por Fiacutelon Deus trabalha no saacutebado e por isso a ldquoobrardquo de Jesus eacute legiacutetima35

Os ldquojudeusrdquo poreacutem segundo o v 18 ficam farejando essa pretensatildeo de Jesus de ser igual a Deus com o desejo de mataacute-lo por causa dessa blasfecircmia Esta intenccedilatildeo ultrapassa o ldquoperseguirrdquo do v 16 mas tem base na tradiccedilatildeo sinoacuteptica de Mc 21ndash36 (cf Mc 36) W A Meeks tem estudado paralelos heleniacutesticos referentes agrave igualdade com Deus36 Pense-se aqui em [[192]] Apolocircnio de Tiana biografado por Flaacutevio Filostrato Ele justifica diante do imperador Domiciano o tiacutetulo de ldquodeusrdquo que seus adeptos lhe deram De imediato Apolocircnio exibe uma prova de suas capacidades sobre-humanas ao tornar-se subitamente invisiacutevel aos olhos dos espectadores Depois ele se justifica verbalmente Os homens veneram as pessoas boas como deuses porque encarnam a imagem de Deus Tanto mais uma pessoa prendada com as capacidades de Apolocircnio pode designar-se como deus37 A argumentaccedilatildeo tem alguma semelhanccedila com a de Jo 5 e tambeacutem com a de Jo 10 onde Jesus cita (v 34) a seu favor o Sl 826 no qual todos os

30 31 32 33 34 35 36 37

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israelitas satildeo chamados ldquodeuses e filhos do Altiacutessimordquo38 Segundo uma tradiccedilatildeo judaica todos os israelitas que ouviram no Sinai a voz de Deus e receberam sua instruccedilatildeo tornaram-se divinos Soacute pelo pecado na ocasiatildeo da adoraccedilatildeo do bezerro de ouro perderam esse privileacutegio E soacute pela observaccedilatildeo irrepreensiacutevel da Toraacute voltaratildeo agrave condiccedilatildeo de readquirir esse privileacutegio (pense-se na segunda conclusatildeo da alianccedila em Ex 34) Jesus pode ter-se referido a um tradiccedilatildeo desse tipo O assunto voltaraacute por ocasiatildeo de Jo 1034-36 (veja ali)

Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)

Em Jo 519 inicia-se a uacuteltima parte do capiacutetulo 5 A partir de agora soacute fala Jesus Depois da cura milagrosa (vv 1-9c) e o diaacutelogo (vv 9d-18) segue agora um discurso de revelaccedilatildeo O estilo dos vv 19-47 eacute joanino e assim eacute tambeacutem a teologia O autor parece basear-se antes em tradiccedilotildees orais do que em fontes escritas Quanto agrave possibilidade uma camada ulterior nos vv 28s veja ali

Os vv 19-30 constituem como jaacute dissemos (acima I) uma subdivisatildeo autocircnoma Esta eacute emoldurada pelo enunciado de que o Filho natildeo pode agir por iniciativa proacutepria mas permanentemente age em uniatildeo com o seu Pai (vv 19 e 30) As duas obras por excelecircncia de Deus o Pai satildeo o dom da vida na ressurreiccedilatildeo dos mortos e o julgamento Com essa dupla expressatildeo o Jesus joanino remonta agrave tradiccedilatildeo judaica Ambas as obras satildeo as que Deus pode fazer no saacutebado Assim esta secccedilatildeo reata com a anterior e a encerra

A composiccedilatildeo da secccedilatildeo eacute simples Nos vv 19-20 eacute introduzido o princiacutepio segundo o qual o filho natildeo pode fazer outra coisa senatildeo o que ele vecirc o Pai fazer A imagem pode provir do mundo do artesanato no qual o filho retoma a profissatildeo do pai Nos vv 21-28 aclara-se qual eacute a obra que o Filho retoma do Pai ambas as obras do dom da vida na ressurreiccedilatildeo e o julgamento Ambas satildeo obras reservadas a Deus que satildeo confiadas ao Filho O v 21 fala do dom da vida os vv 22-23 do julgamento

Nos vv 24-28 eacute explicada a obra do Filho A promessa da vida e o exerciacutecio do juiacutezo satildeo coisas que acontecem hoje ldquoVem a hora e eacute agorardquo (v 25) O mesmo tema volta nos vv 28s mas a promessa eacute formulada soacute para o futuro ldquoVem a horardquo (v28) Os exegetas discutem sobre o significado desta reduplicaccedilatildeo eacute o que deveremos considerar na exegese dos vv 28s

519-20 O discurso de Jesus propriamente se inicia com a tiacutepica afirmaccedilatildeo joanina ldquoAmeacutem ameacutem eu vos digordquo Ela confere agraves palavras seguintes um peso particular Os primeiros versiacuteculos satildeo ambos caracterizados pela imagem tomada do mundo do trabalho artesanal de que o filho aprende a arte do pai enquanto ele observa sua atividade e a imita C H Dodd descobriu e descreveu esta paraacutebola39 Desde este ponto de vista explicam-se os conceitos do ldquoverrsquo do ldquomostrarrsquo e do ldquofazerrdquo A relaccedilatildeo de pai e filho natildeo eacute somente de natureza profissional mas tambeacutem familiar o pai ama o seu filho Esta dupla dimensatildeo pode ser transferida para a relaccedilatildeo entre o Pai celeste e seu Filho Jesus Tambeacutem este natildeo pode fazer nada a partir de si e soacute faz o que lhe eacute mostrado e confiado pelo Pai Pertencem agrave obra que o Pai confia ao Filho as obras da criaccedilatildeo (cf Jo 13) mas tambeacutem as da salvaccedilatildeo que tecircm seu aacutepice na obra escatoloacutegica Satildeo essas as ldquoobras maioresrdquo que o Filho realiza para admiraccedilatildeo de seus contemporacircneos

38 39

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521-23 Os versiacuteculos anteriores expuseram a dependecircncia do Filho em relaccedilatildeo ao Pai o Filho natildeo faz nada a natildeo ser o que ele vecirc o Pai fazer Os vv 21-23 em compoensaccedilo acentuam a dignidade do Filho Terminam asseverando que cada um que honra o Pai honra tambeacutem o Filho A dignidade do Filho eacute mostrada por sua participaccedilatildeo nas obras que satildeo reservadas a Deus soacute ressuscitar os mortos e executar o julgamento De fato o julgamento eacute reservado exclusivamente ao Filho Deus nem participa dele Nestes versiacuteculos mostra-se a teologia joanina como reflexatildeo priacutestina da Igreja sobre a dignidade de Cristo A visatildeo de Joatildeo aproxima-se da de Paulo e de sua tradiccedilatildeo (cf o hino que Paulo utilizou em Fl 26-11 ou o iniacutecio da carta aos Romanos Rm 13-4 ou tambeacutem a foacutermula ldquotrinitaacuteriardquo de 2Cor 1313) Visatildeo semelhante encontra-se tambeacutem em outras camadas e escritos do NT [[194]] (cf Mt 1125-27 Mc 111par 97 par Hb 11-4) Para a outorga do julgamento ao Filho do Homem cf Mc 1326s par Mt 2531-46

Desde o iniacutecio a divindade de Jesus encontrou resistecircncia Bem cedo judeus e provavelmente tambeacutem judeu-cristatildeos opuseram-se a essa visatildeo As grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 encontram aqui sua fundamentaccedilatildeo Pouco depois Aacuterio vai combater a filiaccedilatildeo divina de Jesus Segundo ele Jesus eacute criatura natildeo igual ao Pai Na hora presente surge resistecircncia agrave metaacutefora familiar que serve para articular o discurso sobre o Pai e o Filho E M Boring40 expressa estas ressalvas para o mundo ocidental A seu ver exprime-se no discurso sobre ldquoPairdquo e ldquoFilhordquo certo patriarcalismo que eacute posto em xeque natildeo soacute do lado feminista mas tambeacutem por contemporacircneos que questionam a autoridade paterna como tal Importa levar a seacuterio tais questionamentos observando poreacutem que elas surgem principalmente do mundo ocidental

524-27 Nos versiacuteculos que aqui seguem promete-se vida eterna aos que ouvem a palavra de Jesus e creem no Deus que o enviou Mais exatamente a vida eterna natildeo eacute prometida aqui mas explica-se que todos os que ouvem a palavra de Jesus e creem no Pai jaacute passaram da morte para a vida (tempo perfeito grego) Estes natildeo chegam ao julgamento Aqui se exprime a ldquoescatologia presenterdquo tiacutepica do QEvg Segundo a visatildeo judaica tradicional todo ser humano enfrenta a morte no fim de sua vida terrestre E depois haveraacute segundo a convicccedilatildeo farisaica a ressurreiccedilatildeo dos mortos (ou dos justos) com o julgamento e com a vida eterna para os justos Segundo Joatildeo a morte verdadeira consiste na separaccedilatildeo de Deus a origem da vida Desta morte pode-se passar jaacute agora para a vida verdadeira a vida eterna quando se crecirc em Jesus e naquele que o enviou Quem age assim natildeo vai a juiacutezo Esta visatildeo encontra-se tambeacutem em outro lugar no QE (cf 315-1836 64047 1246s) A promessa de ldquovida eternardquo encontra-se jaacute em Dn 122 onde ela eacute prometida aos justos para o dia do julgamento final quando sairatildeo de seus sepulcros O papel do arcanjo Miguel eacute assumido [[195]] em Joatildeo pelo ldquoFilho de Deusrdquo na funccedilatildeo de ldquoFilho do homemrdquo (cf v27 Dn 723s) A expressatildeo ldquovem a horardquo eacute completada no v 25 por ldquo e eacute agorardquo A partir daqui os conceitos de ldquomorterdquo e ldquovidardquo satildeo reinterpretados A morte consiste na separaccedilatildeo de Deus como fonte originaacuteria da vida e a ldquovidardquo eacute a ldquovida eternardquo na medida em que vem de Deus O futuro gramatical que aparece aqui no enunciado sobre o ouvir da voz da ressurreiccedilatildeo e da vida perde seu sentido de indicaccedilatildeo temporal e eacute antes de natureza loacutegica o que deve acontecer acontece agora na ldquohorardquo do crer

No v 26 o evangelista abandona por um momento o ideaacuterio apocaliacuteptica da tradiccedilatildeo e fala de Cristo como fonte da vida numa linguagem mais fortemente teoloacutegica O Pai tem em si a vida e este pleno poder ele o transmitiu tambeacutem ao Filho Aqui volta agrave mente o Proacutelogo do QE (Jo 14) onde o Logos divino aparece como portador da fonte da vida 40

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No v 27 o autor volta ao ideaacuterio apocaliacuteptico Os comentadores veem no v 27 um eco de Dn 713s embora nesse lugar natildeo se exprima propriamente o julgamento mas antes todo o senhorio ateacute o fim do tempo Uma confirmaccedilatildeo da dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Daniel neste lugar pode transparecer na falta do artigo definido no v 27 ldquoporque ele eacute um filho do homemrdquo

528-29 A injunccedilatildeo no iniacutecio do v 28 ndash ldquoNatildeo fiqueis admirados com issordquo ndash pode ser conectado ao contexto anterior como muitas vezes se faz Neste caso a partiacutecula hoacuteti que se segue tem antes um sentido causal e poderia ser substituiacutedo por dois pontos Mas eacute possiacutevel tambeacutem relacionar a injunccedilatildeo com o contexto subsequente e entender o hoacuteti como declarativo eacute a interpretaccedilatildeo de H-C Kammler41 Contudo natildeo faz tanta diferenccedila no sentido

Os vv 28s retomam o v 25 como geralmente eacute observado Os versiacuteculos se correspondem ateacute na formulaccedilatildeo como mostra este quadro 25 ἔρχεται ὥρα καὶ νῦν ἐστιν ὅτε οἱ νεκροὶ ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς τοῦ υἱοῦ τοῦ θεοῦ καὶ οἱ ἀκούσαντες ζήσουσιν

28s ἔρχεται ὥρα ἐν ᾗ πάντες οἱ ἐν τοῖς μνημείοις ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς αὐτοῦ καὶ ἐκπορεύσονται οἱ τὰ ἀγαθὰ ποιήσαντες εἰς ἀνάστασιν ζωῆς οἱ δὲ τὰ φαῦλα πράξαντες εἰς ἀνάστασιν κρίσεως

As principais diferenccedilas satildeo estas os vv 28s dizem ldquovem a horardquo sem acrescentar ldquoe eacute agorardquo Tambeacutem dizem ldquotodos os que estatildeo nos sepulcrosrdquo em vez de ldquoos mortosrdquo e o julgamento parece estar ligado agraves obras de cada um Como entender essas diferenccedilas Trecircs modelos entram na discussatildeo

O primeiro modelo eacute o da ldquoescatologia presenterdquo representado sobretudo pelo comentaacuterio de R Bultmann publicado em 1941 e seguido por numerosos autores42 Segundo estes autores o texto de Jo 528s fala de uma futura ressurreiccedilatildeo dos mortos no dia do juiacutezo final A ldquoescatologia presenterdquo de Joatildeo pareceu ousada demais para a Igreja a no fim do seacuteculo I e foi por isso completada pelo modelo ldquoclaacutessicordquo da escatologia judaica que se encontra tambeacutem em outros escritos do NT (sinoacutepticos e Paulo pelo menos em parte) Deste modo ldquosalvou-serdquo o QE para a Igreja poacutes-apostoacutelica

O segundo modelo eacute o de duas camadas no EJ que se completam mutuamente Eacute adotado pelos grandes comentaacuterios da Gratilde-Bretanha43 dos EUA44 e de muitos autores da Europa continental45 Segundo estes autores o evangelista retoma sua caracteriacutestica escatologia presente reformulando-a em termos de escatologia futura Neste caso natildeo eacute preciso tomar como ponto de partida o modelo judeu-apocaliacuteptico ou protocristatildeo da ressurreiccedilatildeo dos mortos no fim do tempo Joatildeo natildeo fala de fato dos ldquomortosrdquo que ressuscitam mas daqueles ldquoque estatildeo nos sepulcrosrdquo os ldquomortosrdquo satildeo em todo o caso aqueles que jaacute nesta vida ficaram separados de Deus por terem-se decidido contra Deus Estas observaccedilotildees jaacute se encontram no comentaacuterio de Josef Blank Ultimamente Joumlrg Frey na sua obra magistral em trecircs volumes sobre a escatologia joanina46 defende com forccedila a tese de que ambas as escatologia em Joatildeo devem ser consideradas de modo

41 42 43 44 45 46

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complementar Sem a escatologia futura o querigma joaneu seria incompleto A Bultmann se deve conceder que as ldquoobrasrdquo mencionadas no texto de Joatildeo natildeo satildeo as ldquoobras boasrdquo ou ldquomaacutesrdquo do judaiacutesmo ou do protocristianismo mas a feacute ou a descrenccedila em relaccedilatildeo a Cristo (cf Jo 316-19 629)

Um terceiro modelo interpreta Jo 525-29 de modo estritamente unitaacuterio e isso a partir da escatologia presente47 Tambeacutem os vv 28s podem ser interpretados no sentido da escatologia presente quando lidos direitinho apesar de sua formulaccedilatildeo que evoca a escatologia futura O futuro gramatical seria semelhante ao do v 25 (cf tambeacutem Jo 1016) Segundo esta proposta Jesus fala do tempo poacutes-pascal quando as promessas do tempo final estaratildeo realizadas48 Este estudo merece consideraccedilatildeo mais profunda com consideraccedilatildeo de outros textos ldquoescatoloacutegicosrdquo de Joatildeo como 639404454 A favor desta proposta pode-se alegar que em Jo 42123 natildeo parece haver diferenccedila semacircntica entre ldquovem a horardquo (eacuterkhetai hocircra) e ldquoa hora vem e aacute agorardquo (eacuterkhetai hocircra kai nyn estin)

530 Assim como Jesus concede a vida em plena dependecircncia do Pai assim tambeacutem exerce o julgamento Isso eacute dito no versiacuteculo final v 30 De fato Jesus natildeo procura sua proacutepria vontade mas a vontade de quem o enviou (cf Jo 528) Por isso seu julgamento eacute reto Literariamente este versiacuteculo pela retomada do v19 encerra de modo eficaz a periacutecope 519-30 Ao mesmo tempo prepara a transiccedilatildeo para a secccedilatildeo seguinte

Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)

Esta secccedilatildeo eacute semelhante em sua composiccedilatildeo agrave precedente (Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria 519-30) e agrave subsequente (Jesus natildeo procura sua proacutepria honra 541-47) O princiacutepio fundamental se encontra no iniacutecio da secccedilatildeo e assim eacute apresentado o tema Sempre Jesus rejeita arrogar para si proacuteprio honra e autoridade Sua autoridade seu reconhecimento e sua honra vecircm de Deus Exatamente por esta razatildeo ele se eleva acima de qualquer autoridade humana Deus mesmo opera nele o legitima e o honra

A secccedilatildeo 531-40 eacute caracterizada pelo campo semacircntico do ldquotestemunhordquo49 No v 31 Jesus contesta que ele daacute testemunho a favor de si mesmo (em Jo 812-20 prevalece outro ponto de vista) Quem daacute testemunho a favor dele eacute outro o Pai que por enquanto natildeo eacute nomeado (no v 32) Acresce o testemunho de Joatildeo Batista agora uma figura do passado (533-35) No v 36 o evangelista volta ao tema do ldquooutrordquo que testemunha a favor de Jesus e agora fica claro que se trata do Pai Ele eacute quem concede a Jesus realizar as obras admiraacuteveis que datildeo testemunho em seu favor (v 36) e ele testemunha tambeacutem diretamente a favor de Jesus (vv 37-38) como jaacute o fez no passado nas Escrituras de Israel (v39) Para valorizar esse testemunho muacuteltiplo [[198]] basta a boa vontade para se deixar conduzir a Jesus e assim receber a vida (v 40)

531-32 Os dois versiacuteculos introdutoacuterios satildeo moldados na forma dos vv 19 e 41 e expressam a dependecircncia ilimitada de Jesus como Filho em relaccedilatildeo ao Pai mas exprimem tambeacutem a autoridade que o Pai lhe concedeu em vista de sua missatildeo Quanto agrave ldquoverdaderdquo deste testemunho comparem-se Jo 1935 2114 e 3Jo 9

533-35 Alem de Deus que daacute plena autoridade a Jesus na sua missatildeo em ato e palavra a principal testemunha de Jesus segundo o evangelista eacute Joatildeo Batista Desde o Proacutelogo (16-8 e 15) ele aparece como testemunha a favor de Jesus A parte narrativa do QE comeccedila com uma grande secccedilatildeo sobre o testemunho do Batista a favor de Jesus (Jo 47 48 49

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119-34) Este testemunho eacute pressuposto e continuado no diaacutelogo do Batista com seus disciacutepulos em Jo 322-30 o Batista eacute apenas o amigo do esposo e se alegra ao ouvir a voz do esposo no quarto nupcial (329) ele apenas vem agrave frente do Messias natildeo eacute o proacuteprio Messias A tarefa de Joatildeo de ser testemunha de Jesus parece tatildeo dominante para o QEvg que ele nunca o chama de ldquobatistardquo mas dele soacute fala em termos de testemunha Ele eacute revezado em sua qualidade de ldquoacompanhanterdquo de Jesus por Laacutezaro nos caps 11-12 e pelo Disciacutepulo Amado nos caps 13-21

No tempo da controveacutersia de Jesus com os ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem depois da cura do aleijado o Batista jaacute havia terminado seu percurso Jesus fala dele em termos de passado Os ldquojudeusrdquo tinham enviado a ele uma delegaccedilatildeo para saber quem era Jesus mas natildeo quiseram aceitar seu testemunho Mais soacute o aguentaram por pouco tempo e depois o eliminaram O QEvg expressa essa experiecircncia com a imagem da lacircmpada Os ldquojudeusrdquo soacute quiseram alegrar-se agrave sua luz por pouco tempo Em termos de linguagem e conteuacutedo nota-se a diferenccedila com Jesus Joatildeo eacute a ldquolacircmpadardquo Jesus eacute a luz do mundo (cf Jo 14s9 812 95 1246)

536 A seguir Jesus trata do testemunho do Pai nas obras que este lhe concede Estras obra conduziram agrave admiraccedilatildeo e agrave feacute como vimos nos primeiros sinais de Jesus (Jo 21-12 e 446-54 cf 223 32) Poder-se-iaacrscenarf as obra de que fala Jesus em Jo 517-30 especialmente as pelas quais ele faz vikver os mortos e no nome de Deus faz o julgamento Mas estras obras soacute se percebem na feacute

Quando se pergunta pelos antecedentes literaacuterios da representaccedilatildeo joanina do testemunho das obras a favor de Jesus podem alegar-se textos do judaiacutesmo heleniacutestico que falam do testemunho de Deus a favor de Moiseacutes Tanto Flaacutevio Josefo como tambeacutem Fiacutelon de Alexandria falam de tal testemunho lembrando os ldquosinaisrdquo que Moiseacutes operou quando da saiacuteda de Israel do Egito e quando da travessia pelo mar Vermelho e pelo deserto (Fiacutelon Vita Mos 2[3] 263281 Flaacutevio Josefo Contra Ap II 53)50 No NT este tema eacute utilizado cristologicamente em At 143 e Hb 24 114

537-39 Assim como o Pai testemunhou a favor de Jesus nas obras que ele lhe concedeu realizar tambeacutem deu testemunho a favor dele na sua palavra Essa palavra se deu na Antiga Alianccedila Verdade eacute que os israelitas natildeo puderam ouvi-la como tambeacutem natildeo puderam ver a face de Deus Mas eles possuiacuteam o testemunho divino a favor de Jesus nas suas Sagradas Escrituras Se as tivessem perscrutado teriam descoberto o seu testemunho a favor de Jesus

O ldquotestemunhordquo das escrituras eacute de modo novo um tema caracteriacutestico do QE mas natildeo sem antecedentes e paralelos nos demais escritos do NT A tradiccedilatildeo sinoacuteptica conhece sobretudo o cumprimento de determinadas passagens das Escrituras de Israel em Jesus em sua vida e em seu sofrimento Joatildeo ndash em concordacircncia com os sinoacutepticos ndash mostra esse modo de proceder sobretudo no seu relado da Paixatildeo Em Jo 1238 aparece pela primeira vez a foacutermula ldquoAssim havia de se cumprirrdquo Mais caracteriacutestico de Joatildeo eacute o uso da Escritura como testemunho a favor de Jesus sem a citaccedilatildeo de determinada passagem51 Natildeo esta ou aquela passagem mas a Escritura como tal daacute testemunho a favor de Jesus Jo 539 eacute o texto claacutessico para ilustrar este modo de ver mas veja-se tambeacutem Jo 145 545-47 1034 uma citaccedilatildeo dos Salmos como testemunho da ldquoLeirdquo

Quando os israelitas natildeo conseguem perceber nas suas escrituras o testemunho a favor de Jesus a culpa natildeo eacute da Escritura Satildeo antes os leitores que natildeo estatildeo dispostos a abrir-se para a mensagem da Escritura Assim retiram-se da fonte da vida50 51

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Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)

Esta uacuteltima secccedilatildeo do discurso de Jesus pode ser subdividido em duas partes Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41-44) e natildeo eacute Jesus que acusa os judeus mas Moiseacutes (vv 45-47)

541-44 O conjunto dos vv 41-44 eacute emoldurado pelo tema da ldquohonrardquo52 Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41) Satildeo antes os seus adversaacuterios que fazem isso colhendo honra uns dos outros e natildeo do Deus uacutenico (v 44) de modo a serem incapazes de ir ateacute Jesus e de crer nele Nos vv 42-43 indica-se uma razatildeo mais profunda da atitude errada dos adversaacuterios de Jesus eles natildeo tecircm em si o amor de Deus Assim eles recebem quem se apresenta em nome proacuteprio mas natildeo aquele que vem em nome de Deus Jesus

Salvo engano estes versiacuteculos devem ter sido influenciados pela confissatildeo de feacute de Israel o Shemalsquo Yisrael ldquoOuve Israelrdquo de Dt 64s Neste texto central do judaiacutesmo Deus ordena a seu povo confessaacute-lo como Deus uacutenico e confessaacute-lo de todo o coraccedilatildeo A influecircncia deste texto sobre Jo 541-44 como tambeacutem sobre Jo 841s foi pouco observado ateacute agora Em ambos os lugares satildeo interligados a unicidade de Deus e o amor a ele ou a Jesus como enviado do Pai Um eco deste mandamento encontra-se tambeacutem em Jo 2115-17 (o amor de Pedro a Jesus como expressatildeo de sua relaccedilatildeo fundamental para com ele possibilitando seu encargo como pastor do rebanho do Senhor)

Se esta interpretaccedilatildeo estiver certa segue-se para Jo 542 e textos similares do QE que a expressatildeo hē agaacutepē tou theoacuteu deve ser entendida como genitivo de objeto No EJ trata-se de ter a relaccedilatildeo reta para com Deus tambeacutem como membro do povo de Israel Quem natildeo ama a Deus natildeo amaraacute o Cristo seu Filho e buscaraacute sua proacutepria honra Na Primeira Carta de Joatildeo a situaccedilatildeo eacute diferente O autor encontra-se em discussatildeo com um grupo que arroga para si em alto grau a posse do Espiacuterito considera estar acima da Lei e poder afirmar que conhece Deus e o ama A estas pessoas a 1Jo diz que antes de tudo satildeo amadas por Deus antes de poderem dizer que amam a Deus (cf 1Jo 47-21 tambeacutem 215 316s)

545-47 Para a transiccedilatildeo ao tema da honra para o de Moiseacutes satildeo apontadas diversas razotildees Jaacute em Jo 539 Jesus afirmou que as Escrituras falam dele As Escrituras de Israel satildeo a Toraacute mediada por Moiseacutes e tambeacutem os demais escritos principalmente os Salmos Neste sentido o tema de Moiseacutes que acusa os israelitas jaacute foi preparado no contexto imediatamente anterior O texto lembra tambeacutem Jo 719-23 onde Jesus em conexatildeo com a cura que realizou em dia de saacutebado arguacutei a partir da Lei de Moiseacutes que permite a circuncisatildeo no saacutebado Podemos ver tambeacutem em Jo 545-47 uma referecircncia agrave controveacutersia sobre a aplicaccedilatildeo da Lei de Moiseacutes em torno da cura que Jesus realizou

A convicccedilatildeo de que Moiseacutes escreveu a respeito de Jesus (v 46) pode-se deduzir da visatildeo global de Joatildeo segundo a qual a Escritura inteira quando lida direitinho fala de Jesus Um primeiro exemplo encontra-se em Jo 145 nas palavras de Filipe ldquoEncontramos Jesus o filho de Joseacute de Nazareacute aquele sobre quem escreveram Moiseacutes na Lei e os Profetasrdquo

Os israelitas creram em Deus e em Moiseacutes como eacute dito no fim do relato da saiacuteda milagrosa de Israel do Egito e da travessia do mar Vermelho em Ex 143 Os israelitas do tempo de Jesus estatildeo nesta tradiccedilatildeo A eles eacute que Jesus dirige a palavra dizendo que natildeo basta crer em Moiseacutes mas que eacute preciso ler suas escrituras no modo certo como testemunho a favor de Jesus Quem acredita em Moiseacutes tambeacutem deve acreditar em

52

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Jesus pois dele eacute que Jesus escreveu Quem natildeo acredita em Jesus natildeo pode afirmar que acreditou nas palavras de Moiseacutes Deste modo o cap 5 se encerra com uma acusaccedilatildeo contundente contra os ouvintes O conflito continuaraacute nos capiacutetulos 6 e 7ndash8

III

Depois que nos caps 2ndash4 do EJ Jesus levou sua mensagem sempre mais do centro para a periferia da terra de Israel no cap 5 ele volta ao centro e enfrenta a discussatildeo com os habitantes de Jerusaleacutem e os liacutederes do povo judeu em torno de sua missatildeo Um milagre estupendo a cura de algueacutem que havia 38 anos estava aleijado levou agrave discussatildeo de sua accedilatildeo feita no saacutebado e paulatinamente agrave discussatildeo sobre sua pessoa Pela primeira vez ldquoos judeusrdquo aparecem agora numa secccedilatildeo maior como adversaacuterios de Jesus A afirmaccedilatildeo de Jesus de agir em uniatildeo com seu Pai celeste soacute os faz concluir que ele se torna igual em poder e ordem ao Pai Esta afirmaccedilatildeo provocou contestaccedilatildeo natildeo soacute no tempo do evangelista Para entendecirc-la bem vale a pena reler atentamente o desenvolvimento do discurso de Jesus em Jo 519-47

Na leitura atenta nota-se que Jesus continuamente recusa colocar-se a si mesmo no centro Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (vv 19-30) nem testemunha a favor de si mesmo (vv 31-40) nem procura sua proacutepria honra (vv 41-45 ou 47) Deus eacute quem o deixa participar de sua obra que o defende e o honra Olhando por este lado o discurso de vv 19-47 natildeo eacute meramente ou nem em primeiro lugar cristoloacutegico Ele eacute e permanece teoloacutegico Com a melhor tradiccedilatildeo de Israel o QEvg e na sua obra o Cristo de seu evangelho reduzem toda o agir a Deus o Pai Eacute ele quem opera no Filho o defende e o honra Natildeo eacute por acaso que por isso aparece nos versiacuteculos finais 42-44 o principal mandamento a confissatildeo do Deus uacutenico de Israel e a ordem de amaacute-lo A partir daiacute a reivindicaccedilatildeo de Jesus em Jo 5 e nas grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 merece renovada reflexatildeo

2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)1 Depois disso Jesus foi para para o outro lado do mar da Galileacuteia ou seja de Tiberiacuteades 2 Uma grande multidatildeo o seguia vendo os sinais que ele fazia a favor dos doentes 3 Jesus subiu a montanha e sentou-se laacute com os seus disciacutepulos 4 Estava proacutexima a Paacutescoa a festa dos judeus 5 Levantando os olhos e vendo uma grande multidatildeo que vinha a ele Jesus disse a Filipe ldquoOnde vamos comprar patildeo para que essa gente possa comerrdquo 6 Disse isso para testar Filipe pois ele sabia muito bem o que ia fazer 7 Filipe respondeu ldquoNem duzentos denaacuterios de patildeo bastariam para dar um pouquinho a cada umrdquo 8 Um dos disciacutepulos Andreacute irmatildeo de Simatildeo Pedro disse 9 ldquoEstaacute aqui um menino com cinco patildees de cevada e dois peixes Mas que eacute isso para tanta genterdquo 10 Jesus disse ldquoFazei as pessoas sentar-serdquo Naquele lugar havia muita relva e laacute se sentaram os homens em nuacutemero de aproximadamente cinco mil 11 Jesus tomou os patildees deu graccedilas e distribuiu aos que estavam sentados tanto quanto queriam E fez o mesmo com os peixes 12 Quando todos se fartaram disse aos disciacutepulos ldquoJuntai os pedaccedilos que sobraram para que nada se percardquo 13 Eles juntaram e encheram doze cestos com os pedaccedilos que sobraram dos cinco patildees de cevada que comeram 14 Agrave vista do sinal que Jesus tinha realizado as pessoas exclamavam ldquoEste eacute verdadeiramente o profeta aquele que deve vir ao mundordquo 15 Quando Jesus percebeu que queriam levaacute-lo para proclamaacute-lo rei novamente se retirou para a montanha sozinho

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16 Ao anoitecer os disciacutepulos desceram para a beira-mar 17 Entraram no barco e foram na direccedilatildeo de Cafarnaum do outro lado do mar Jaacute estava escuro e Jesus ainda natildeo tinha vindo a eles 18 Soprava um vento forte e o mar estava agitado 19 Os disciacutepulos tinham remado vinte e cinco ou trinta estaacutedios quando avistaram Jesus andando sobre as aacuteguas e aproximando-se do barco Eles ficaram com medo 20 Jesus poreacutem lhes disse ldquoSou eu Natildeo tenhais medordquo 21 Eles queriam receber Jesus no barco mas logo o barco atingiu a terra para onde estavam indo22 No dia seguinte a multidatildeo que tinha ficado do outro lado do mar notou que antes havia aiacute um soacute barco e que Jesus natildeo entrara nele com os disciacutepulos os quais haviam partido sozinhos 23 Entretanto outros barcos chegaram de Tiberiacuteades perto do lugar onde tinham comido o patildeo depois de o Senhor ter dado graccedilas 24 Quando a multidatildeo percebeu que Jesus natildeo estava aiacute nem os seus disciacutepulos entraram nos barcos e foram procurar Jesus em Cafarnaum 25 Encontrando-o do outro lado do mar perguntaram-lhe ldquoRabi quando chegaste aquirdquo 26 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo estais me procurando natildeo porque vistes sinais mas porque comestes patildeo e ficastes saciados 27 Trabalhai natildeo pelo alimento que se perde mas pelo alimento que permanece ateacute agrave vida eterna e que o Filho do Homem vos daraacute Pois a este Deus Pai o marcou com seu selo 28 Perguntaram entatildeo ldquoQue devemos fazer para praticar as obras de Deusrdquo 29 Jesus respondeu ldquoA obra de Deus eacute que acrediteis naquele que ele enviourdquo 30 Eles perguntaram ldquoQue sinais realizas para que possamos ver e acreditar em ti Que obras fazes 31 Nossos pais comeram o manaacute no deserto como estaacute na Escritura lsquoDeu-lhes a comer patildeo do ceacuteursquordquo 32 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo natildeo foi Moiseacutes quem vos deu o patildeo do ceacuteu Eacute meu Pai quem vos daacute o verdadeiro patildeo do ceacuteu 33 Pois o patildeo de Deus eacute aquele que desce do ceacuteu e daacute vida ao mundordquo 34 Eles entatildeo pediram ldquoSenhor daacute-nos sempre desse patildeordquo 35 Jesus lhes disse ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sede 36 Contudo eu vos disse que me vistes mas natildeo credes 37 Todo aquele que o Pai me daacute viraacute a mim e quem vem a mim eu natildeo jogarei fora 38 porque eu desci do ceacuteu natildeo para fazer a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou ldquo39 E esta eacute a vontade daquele que me enviou que eu natildeo perca nenhum daqueles que ele me deu mas os ressuscite no uacuteltimo dia 40 Esta eacute a vontade do meu Pai quem vecirc o Filho e nele crecirc tenha vida eterna E eu o ressuscitarei no uacuteltimo diardquo41 Entatildeo os judeus comeccedilaram a murmurar contra Jesus porque ele disse ldquoEu sou o patildeo que desceu do ceacuteurdquo 42 Diziam ldquoEste natildeo eacute Jesus o filho de Joseacute Natildeo conhecemos noacutes o seu pai e sua matildee Como pode entatildeo dizer que desceu do ceacuteurdquo 43 Jesus respondeu ldquoNatildeo murmureis entre voacutes 44 Ningueacutem pode vir a mim se o Pai que me enviou natildeo o atrair E eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 45 Estaacute escrito nos Profetas lsquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrsquo Ora todo aquele que escutou o ensinamento do Pai e o aprendeu vem a mim 46 Ningueacutem jamais viu o Pai a natildeo ser aquele que vem de junto de Deus este viu o Pai 47 Ameacutem ameacutem vos digo quem crecirc tem vida eterna 48 Eu sou o patildeo da vida 49 Os vossos pais comeram o manaacute no deserto e no entanto morreram 50 Aqui estaacute o patildeo que desce do ceacuteu para que natildeo morra quem dele comer51 ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteu Quem come deste patildeo viveraacute eternamente E o patildeo que eu darei eacute a minha carne dada pela vida do mundordquo 52 Os judeus discutiam entre si ldquoComo eacute que ele pode dar a sua carne a comerrdquo 53 Jesus disse ldquoAmeacutem ameacutem vos digo se natildeo comerdes a carne do Filho do Homem e natildeo beberdes o seu sangue natildeo tereis vida em voacutes 54 Quem mastiga minha carne e

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bebe meu sangue tem vida eterna e eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 55 Pois minha carne eacute verdadeira comida e meu sangue eacute verdadeira bebida 56 Quem mastiga minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele 57 Como o Pai que vive me enviou e eu vivo por meio dele assim viveraacute por meio de mim aquele que me mastiga 58 Este eacute o patildeo que desceu do ceacuteu Natildeo eacute como aquele que vossos pais comeram ndash e no entanto morreram Quem mastiga este patildeo viveraacute para semprerdquo 59 Jesus falou essas coisas ensinando na reuniatildeo sinagogal em Cafarnaum 60 Muitos disciacutepulos que o ouviram disseram entatildeo ldquoEssa palavra eacute inaceitaacutevel Quem consegue escutaacute-lardquo 61 Percebendo que seus disciacutepulos estavam murmurando por causa disso Jesus perguntou ldquoIsto vos escandaliza 62 Que seraacute entatildeo quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes 63 O Espiacuterito eacute que daacute vida a carne de nada serve As palavras que vos falei satildeo Espiacuterito e satildeo vida 64 Mas haacute alguns entre voacutes que natildeo crecircemrdquo Jesus sabia desde o iniacutecio quem eram os que acreditavam e quem havia de entregaacute-lo 65 E acrescentou ldquoEacute por isso que eu vos disse lsquoNingueacutem pode vir a mim a natildeo ser que lhe seja dado pelo Pairsquordquo 66 A partir daquele momento muitos disciacutepulos o abandonaram e natildeo mais andavam com ele 67 Jesus disse aos Doze ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo 68 Simatildeo Pedro respondeu ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna 69 Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo 70 Jesus respondeu ldquoNatildeo vos escolhi doze Contudo um de voacutes eacute um diabordquo 71 Ele falava de Judas filho de Simatildeo Iscariotes pois este um dos Doze iria entregaacute-lo

I

Agrave primeira vista Jo 6 natildeo se insere sem dificuldade no contexto do EJ No iniacutecio do capiacutetulo supotildee-se que Jesus se encontra na proximidade do lago de Tiberiacuteades na Galileacuteia enquanto o cap 5 relatava seu discurso diante dos ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem em continuidade com a cura do aleijado na piscina de Betesda Em Jo 714-24 remete-se a esta cura em dia de saacutebado Jaacute em Jo 72 eacute alegada como razatildeo da estada de Jesus na Galileia o fato de que os ldquojudeusrdquo o querem matar com uma alusatildeo 518 No decorrer do seacuteculo XX os problemas da sequecircncia do texto levaram comentadores famosos a inverter a ordem de Jo 5 e Jo 653 Deste modo surgiria um texto mais compreensiacutevel Como no fim do cap 4 no cap 6 Jesus se encontra na Galileia Se o cap 5 segue depois do cap 6 a dupla remissiva ao cap 5 em Jo 7 torna-se compreensiacutevel Mas esta proposta natildeo vingou nos uacuteltimos anos O respeito pelo texto dado natildeo permite com facilidade esta ou outras propostas de inversatildeo e os manuscritos natildeo fornecem nenhum ensejo para isso Tambeacutem eacute possiacutevel resgatar a ordem atual do texto quando se parte da ideia de que os indiacutecios geograacuteficos e cronoloacutegicos pelo menos para o autor natildeo constituiacuteram o criteacuterio decisivo para o decurso do texto

Como jaacute sugerido eacute bem possiacutevel ver em Jo 6 uma inserccedilatildeo no QE o que tambeacutem resolveria os problemas da sequecircncia do texto54 Neste caso mantenha-se a unidade literaacuteria do capiacutetulo Soacute neste capiacutetulo em Joatildeo fala-se da eucaristia enquanto que ela falta no cap 13 no relato da paixatildeo Aqui em Jo 6 Jesus parece natildeo subir para a festa da Paacutescoa mencionada em 64 Tem-se a impressatildeo de que uma Paacutescoa cristatilde toma o lugar da festa de peregrinaccedilatildeo judaica Jesus a celebra na Galileia terra das primeiras comunidades cristatildes Como seus antagonistas aparecem a partir do v41 os ldquojudeusrdquo que em outros capiacutetulos soacute na Judeia se encontram com Jesus No interior do cap 6

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Joatildeo se mostra fortemente influenciado pela tradiccedilatildeo sinoacuteptica especialmente por Mc 632-56 e 811-33 como mostra este esquemaMultiplicaccedilatildeo dos patildees Mc 632-44 Jo 61-15Caminhando sobre as aacuteguas Mc 645-52 Jo 616-21Encontro com a multidatildeo Mc 653-56 Jo 522-25(29)Pedido de sinal Mc 811-13 Jo 630-31Discurdso do patildeo Mc 814-21 Jo 632-58Identidade de Jesus e confissatildeo de Pedro Mc 8m27-30 Jo 660-66Um dos disciacutepulos eacute o satanaacutes Mc 831-33 Jo 667-71

A secccedilatildeo Mc 71ndash810 natildeo tem correspondecircncias em Joatildeo e portanto falta em Joatildeo a segundo multiplicaccedilatildeo dos patildees como tambeacutem em Lucas No interior de Jo 6 o autor chega a seguir literalmente o texto marcano ou sinoacuteptico Feiccedilotildees deste gecircnero satildeo o nuacutemero de duzentos denaacuterios para comprar patildeo o nuacutemero de patildees e peixes a descriccedilatildeo dos gestos de Jesus os doze cestos com os pedaccedilos de patildeo que sobraram e tambeacutem o nuacutemero dos que foram saciados Em nenhum outro lugar o EJ tanto se aproxima da tradiccedilatildeo sinoacuteptica Podemos comparar com isso antes de tudo o relato de paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus mas haacute aqui diferenccedilas evidentes desde a cronologia da uacuteltima ceia e da morte de Jesus Visto que tambeacutem em Jo 21 o capiacutetulo final que muitos consideram um acreacutescimo aparecem muitos contatos com os sinoacutepticos (cf a pesca milagrosa Lc 51-11 os filhos de Zebedeu Mc 119 par) parece natural adotar tambeacutem para Jo 6 [[206]] uma data de composiccedilatildeo levemente posterior agrave do contexto

Muito por causa da secccedilatildeo dos dons eucariacutesticos de Jesus no uacuteltimo seacuteculo diversas vezes se colocou em duacutevida a unidade literaacuteria do capiacutetulo Assim R Bultmann55 distingue em Jo 6 quatro camadas diferenciadas uma ldquofonte dos sinaisrdquo agrave qual se devem a multiplicaccedilatildeo dos patildees e a caminhada sobre as aacuteguas (61-1516-21) fragmentos de uma fonte de discursos de revelaccedilatildeo de inspiraccedilatildeo gnoacutestica especialmente no discurso do patildeo em Jo 627-51c a matildeo redatora do evangelista especialmente tambeacutem na parte cristoloacutegica do discurso do patildeo e a redaccedilatildeo eclesial agrave qual se devem a secccedilatildeo ldquoeucariacutesticardquo de 651d-58 e as alusotildees agrave futura ressurreiccedilatildeo dos mortos em 6394044 Semelhante dissecccedilatildeo em camadas encontra-se na exegese que se inspira em Bultmann mesmo quando abre matildeo da ldquofonte dos discursosrdquo de influecircncia gnoacutestica56

Um novo modelo de diversas camadas encontra-se em Paul N Anderson que parte da sedimentaccedilatildeo de diversos conflitos sucessivos em Jo 657 Um primeiro conflito seria o da massa popular em torno do alimento verdadeiro (vv 25-40) o segundo com os ldquojudeusrdquo acerca da Toraacute e do patildeo do ceacuteu (vv 41-51) depois um cisma envolvendo principalmente os disciacutepulos oriundos do paganismo acerca da verdadeira corporeidade de Jesus (vv 51-66) e finalmente uma controveacutersia sobre o lugar certo do grupo joaneu na paisagem da comunidade joanina e da Grande Igreja representada por Pedro (vv 67-70) Menos complexo eacute o modelo de J Painter58 segundo o qual em Jo 6 estaacute integrado uma ldquohistoacuteria de buscardquo (ldquoquest storyrdquo) na qual a massa popular busca e encontra Jesus A essa liga-se nos vv 41-66 uma seacuterie de ldquohistoacuterias de rejeiccedilatildeordquo (ldquorejection storiesrdquo) que teriam sida acrescentadas secundariamente Os vv 67-70 serviram entatildeo para reconciliar os membros da comunidade joanina com adeptos de um cristianismo para a qual a figura de Pedro tinha significaccedilatildeo extraordinaacuteria

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

69 70 71 72

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

73 74 75

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

94 95 96

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

128 129

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 9:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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pressuposta uma ligaccedilatildeo entre enfermidade e pecado com se refletes tambeacutem na questatildeo dos disciacutepulos em Jo 92 A tradiccedilatildeo sinoacuteptica de Ma 21-12 parece tambeacutem conhecer essa ligaccedilatildeo ainda que natildeo no sentido causal Aiacute Jesus perdoa primeiro os pecados do paraliacutetico antes de curaacute-lo Mas natildeo se confirma uma conexatildeo direta Em Jo 514 a exortaccedilatildeo de Jesus poderia ser esclarecida em vista da biografia do homem que foi curado ele natildeo utilizou todas as chances para ser curado ele natildeo pocircde ou natildeo quis dar informaccedilatildeo sobre quem o curou30 Mas o versiacuteculo seguinte contradiz isso

515 Depois do encontro com o homem curado este se dirige aos ldquojudeusrdquo para lhes comunicar que foi Jesus quem o curou Esta nota tem sido interpretada de modos muito diversos como mostra o artigo de R Metzler31 Segundo Metzler parece que o homem curado se dirigiu aos ldquojudeusrdquo para denunciar Jesus De fato ateacute entatildeo o homem natildeo deu nenhum sinal de atitude positiva em relaccedilatildeo a Jesus fica duvidoso se ele chegou a crer em Jesus Contudo hoje se aceita sempre mais uma visatildeo mais positiva do ex-aleijado32 Se ele vai aos ldquojudeusrdquo para ldquoanunciarrdquo que foi Jesus quem o curou conveacutem levar a seacuterio o verbo anaggeacutellein que significa ldquoanunciarrdquo e natildeo ldquodenunciarrdquo Neste caso o curado de Jo 5 eacute um precursor do cego de Jo 9 sendo que este chega a uma adesatildeo intreacutepida a Jesus e a uma confissatildeo plena da feacute Nesta mesma linha os exemplos da Cappella Greca nas catacumbas romanas de Priscila ou na capela do Sacramento nas catacumbas de Calisto mostram o aleijado no ciclo batismal33

516-18 O v 16 poderia ter sido o final original da narrativa na tradiccedilatildeo preacute-joanina Os ldquojudeusrdquo perseguem Jesus como transgressor do saacutebado34 O imperfeito sugere antes um conflito permanente que uma ocorrecircncia uacutenica O vocabulaacuterio prepara o tema da perseguiccedilatildeo futura dos disciacutepulos (Jo 1520) Como os ldquojudeusrdquo perseguiram Jesus perseguiratildeo tambeacutem seus disciacutepulos

O v 17 jaacute antecipa o discurso de revelaccedilatildeo de Jesus (por isso geralmente eacute atribuiacutedo ao evangelista) Jesus designa sua accedilatildeo como ldquoobrardquo e legitima-a dizendo que foi operada em uniatildeo com o Pai Pois segundo uma interpretaccedilatildeo judaica atestada por Fiacutelon Deus trabalha no saacutebado e por isso a ldquoobrardquo de Jesus eacute legiacutetima35

Os ldquojudeusrdquo poreacutem segundo o v 18 ficam farejando essa pretensatildeo de Jesus de ser igual a Deus com o desejo de mataacute-lo por causa dessa blasfecircmia Esta intenccedilatildeo ultrapassa o ldquoperseguirrdquo do v 16 mas tem base na tradiccedilatildeo sinoacuteptica de Mc 21ndash36 (cf Mc 36) W A Meeks tem estudado paralelos heleniacutesticos referentes agrave igualdade com Deus36 Pense-se aqui em [[192]] Apolocircnio de Tiana biografado por Flaacutevio Filostrato Ele justifica diante do imperador Domiciano o tiacutetulo de ldquodeusrdquo que seus adeptos lhe deram De imediato Apolocircnio exibe uma prova de suas capacidades sobre-humanas ao tornar-se subitamente invisiacutevel aos olhos dos espectadores Depois ele se justifica verbalmente Os homens veneram as pessoas boas como deuses porque encarnam a imagem de Deus Tanto mais uma pessoa prendada com as capacidades de Apolocircnio pode designar-se como deus37 A argumentaccedilatildeo tem alguma semelhanccedila com a de Jo 5 e tambeacutem com a de Jo 10 onde Jesus cita (v 34) a seu favor o Sl 826 no qual todos os

30 31 32 33 34 35 36 37

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israelitas satildeo chamados ldquodeuses e filhos do Altiacutessimordquo38 Segundo uma tradiccedilatildeo judaica todos os israelitas que ouviram no Sinai a voz de Deus e receberam sua instruccedilatildeo tornaram-se divinos Soacute pelo pecado na ocasiatildeo da adoraccedilatildeo do bezerro de ouro perderam esse privileacutegio E soacute pela observaccedilatildeo irrepreensiacutevel da Toraacute voltaratildeo agrave condiccedilatildeo de readquirir esse privileacutegio (pense-se na segunda conclusatildeo da alianccedila em Ex 34) Jesus pode ter-se referido a um tradiccedilatildeo desse tipo O assunto voltaraacute por ocasiatildeo de Jo 1034-36 (veja ali)

Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)

Em Jo 519 inicia-se a uacuteltima parte do capiacutetulo 5 A partir de agora soacute fala Jesus Depois da cura milagrosa (vv 1-9c) e o diaacutelogo (vv 9d-18) segue agora um discurso de revelaccedilatildeo O estilo dos vv 19-47 eacute joanino e assim eacute tambeacutem a teologia O autor parece basear-se antes em tradiccedilotildees orais do que em fontes escritas Quanto agrave possibilidade uma camada ulterior nos vv 28s veja ali

Os vv 19-30 constituem como jaacute dissemos (acima I) uma subdivisatildeo autocircnoma Esta eacute emoldurada pelo enunciado de que o Filho natildeo pode agir por iniciativa proacutepria mas permanentemente age em uniatildeo com o seu Pai (vv 19 e 30) As duas obras por excelecircncia de Deus o Pai satildeo o dom da vida na ressurreiccedilatildeo dos mortos e o julgamento Com essa dupla expressatildeo o Jesus joanino remonta agrave tradiccedilatildeo judaica Ambas as obras satildeo as que Deus pode fazer no saacutebado Assim esta secccedilatildeo reata com a anterior e a encerra

A composiccedilatildeo da secccedilatildeo eacute simples Nos vv 19-20 eacute introduzido o princiacutepio segundo o qual o filho natildeo pode fazer outra coisa senatildeo o que ele vecirc o Pai fazer A imagem pode provir do mundo do artesanato no qual o filho retoma a profissatildeo do pai Nos vv 21-28 aclara-se qual eacute a obra que o Filho retoma do Pai ambas as obras do dom da vida na ressurreiccedilatildeo e o julgamento Ambas satildeo obras reservadas a Deus que satildeo confiadas ao Filho O v 21 fala do dom da vida os vv 22-23 do julgamento

Nos vv 24-28 eacute explicada a obra do Filho A promessa da vida e o exerciacutecio do juiacutezo satildeo coisas que acontecem hoje ldquoVem a hora e eacute agorardquo (v 25) O mesmo tema volta nos vv 28s mas a promessa eacute formulada soacute para o futuro ldquoVem a horardquo (v28) Os exegetas discutem sobre o significado desta reduplicaccedilatildeo eacute o que deveremos considerar na exegese dos vv 28s

519-20 O discurso de Jesus propriamente se inicia com a tiacutepica afirmaccedilatildeo joanina ldquoAmeacutem ameacutem eu vos digordquo Ela confere agraves palavras seguintes um peso particular Os primeiros versiacuteculos satildeo ambos caracterizados pela imagem tomada do mundo do trabalho artesanal de que o filho aprende a arte do pai enquanto ele observa sua atividade e a imita C H Dodd descobriu e descreveu esta paraacutebola39 Desde este ponto de vista explicam-se os conceitos do ldquoverrsquo do ldquomostrarrsquo e do ldquofazerrdquo A relaccedilatildeo de pai e filho natildeo eacute somente de natureza profissional mas tambeacutem familiar o pai ama o seu filho Esta dupla dimensatildeo pode ser transferida para a relaccedilatildeo entre o Pai celeste e seu Filho Jesus Tambeacutem este natildeo pode fazer nada a partir de si e soacute faz o que lhe eacute mostrado e confiado pelo Pai Pertencem agrave obra que o Pai confia ao Filho as obras da criaccedilatildeo (cf Jo 13) mas tambeacutem as da salvaccedilatildeo que tecircm seu aacutepice na obra escatoloacutegica Satildeo essas as ldquoobras maioresrdquo que o Filho realiza para admiraccedilatildeo de seus contemporacircneos

38 39

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521-23 Os versiacuteculos anteriores expuseram a dependecircncia do Filho em relaccedilatildeo ao Pai o Filho natildeo faz nada a natildeo ser o que ele vecirc o Pai fazer Os vv 21-23 em compoensaccedilo acentuam a dignidade do Filho Terminam asseverando que cada um que honra o Pai honra tambeacutem o Filho A dignidade do Filho eacute mostrada por sua participaccedilatildeo nas obras que satildeo reservadas a Deus soacute ressuscitar os mortos e executar o julgamento De fato o julgamento eacute reservado exclusivamente ao Filho Deus nem participa dele Nestes versiacuteculos mostra-se a teologia joanina como reflexatildeo priacutestina da Igreja sobre a dignidade de Cristo A visatildeo de Joatildeo aproxima-se da de Paulo e de sua tradiccedilatildeo (cf o hino que Paulo utilizou em Fl 26-11 ou o iniacutecio da carta aos Romanos Rm 13-4 ou tambeacutem a foacutermula ldquotrinitaacuteriardquo de 2Cor 1313) Visatildeo semelhante encontra-se tambeacutem em outras camadas e escritos do NT [[194]] (cf Mt 1125-27 Mc 111par 97 par Hb 11-4) Para a outorga do julgamento ao Filho do Homem cf Mc 1326s par Mt 2531-46

Desde o iniacutecio a divindade de Jesus encontrou resistecircncia Bem cedo judeus e provavelmente tambeacutem judeu-cristatildeos opuseram-se a essa visatildeo As grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 encontram aqui sua fundamentaccedilatildeo Pouco depois Aacuterio vai combater a filiaccedilatildeo divina de Jesus Segundo ele Jesus eacute criatura natildeo igual ao Pai Na hora presente surge resistecircncia agrave metaacutefora familiar que serve para articular o discurso sobre o Pai e o Filho E M Boring40 expressa estas ressalvas para o mundo ocidental A seu ver exprime-se no discurso sobre ldquoPairdquo e ldquoFilhordquo certo patriarcalismo que eacute posto em xeque natildeo soacute do lado feminista mas tambeacutem por contemporacircneos que questionam a autoridade paterna como tal Importa levar a seacuterio tais questionamentos observando poreacutem que elas surgem principalmente do mundo ocidental

524-27 Nos versiacuteculos que aqui seguem promete-se vida eterna aos que ouvem a palavra de Jesus e creem no Deus que o enviou Mais exatamente a vida eterna natildeo eacute prometida aqui mas explica-se que todos os que ouvem a palavra de Jesus e creem no Pai jaacute passaram da morte para a vida (tempo perfeito grego) Estes natildeo chegam ao julgamento Aqui se exprime a ldquoescatologia presenterdquo tiacutepica do QEvg Segundo a visatildeo judaica tradicional todo ser humano enfrenta a morte no fim de sua vida terrestre E depois haveraacute segundo a convicccedilatildeo farisaica a ressurreiccedilatildeo dos mortos (ou dos justos) com o julgamento e com a vida eterna para os justos Segundo Joatildeo a morte verdadeira consiste na separaccedilatildeo de Deus a origem da vida Desta morte pode-se passar jaacute agora para a vida verdadeira a vida eterna quando se crecirc em Jesus e naquele que o enviou Quem age assim natildeo vai a juiacutezo Esta visatildeo encontra-se tambeacutem em outro lugar no QE (cf 315-1836 64047 1246s) A promessa de ldquovida eternardquo encontra-se jaacute em Dn 122 onde ela eacute prometida aos justos para o dia do julgamento final quando sairatildeo de seus sepulcros O papel do arcanjo Miguel eacute assumido [[195]] em Joatildeo pelo ldquoFilho de Deusrdquo na funccedilatildeo de ldquoFilho do homemrdquo (cf v27 Dn 723s) A expressatildeo ldquovem a horardquo eacute completada no v 25 por ldquo e eacute agorardquo A partir daqui os conceitos de ldquomorterdquo e ldquovidardquo satildeo reinterpretados A morte consiste na separaccedilatildeo de Deus como fonte originaacuteria da vida e a ldquovidardquo eacute a ldquovida eternardquo na medida em que vem de Deus O futuro gramatical que aparece aqui no enunciado sobre o ouvir da voz da ressurreiccedilatildeo e da vida perde seu sentido de indicaccedilatildeo temporal e eacute antes de natureza loacutegica o que deve acontecer acontece agora na ldquohorardquo do crer

No v 26 o evangelista abandona por um momento o ideaacuterio apocaliacuteptica da tradiccedilatildeo e fala de Cristo como fonte da vida numa linguagem mais fortemente teoloacutegica O Pai tem em si a vida e este pleno poder ele o transmitiu tambeacutem ao Filho Aqui volta agrave mente o Proacutelogo do QE (Jo 14) onde o Logos divino aparece como portador da fonte da vida 40

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No v 27 o autor volta ao ideaacuterio apocaliacuteptico Os comentadores veem no v 27 um eco de Dn 713s embora nesse lugar natildeo se exprima propriamente o julgamento mas antes todo o senhorio ateacute o fim do tempo Uma confirmaccedilatildeo da dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Daniel neste lugar pode transparecer na falta do artigo definido no v 27 ldquoporque ele eacute um filho do homemrdquo

528-29 A injunccedilatildeo no iniacutecio do v 28 ndash ldquoNatildeo fiqueis admirados com issordquo ndash pode ser conectado ao contexto anterior como muitas vezes se faz Neste caso a partiacutecula hoacuteti que se segue tem antes um sentido causal e poderia ser substituiacutedo por dois pontos Mas eacute possiacutevel tambeacutem relacionar a injunccedilatildeo com o contexto subsequente e entender o hoacuteti como declarativo eacute a interpretaccedilatildeo de H-C Kammler41 Contudo natildeo faz tanta diferenccedila no sentido

Os vv 28s retomam o v 25 como geralmente eacute observado Os versiacuteculos se correspondem ateacute na formulaccedilatildeo como mostra este quadro 25 ἔρχεται ὥρα καὶ νῦν ἐστιν ὅτε οἱ νεκροὶ ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς τοῦ υἱοῦ τοῦ θεοῦ καὶ οἱ ἀκούσαντες ζήσουσιν

28s ἔρχεται ὥρα ἐν ᾗ πάντες οἱ ἐν τοῖς μνημείοις ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς αὐτοῦ καὶ ἐκπορεύσονται οἱ τὰ ἀγαθὰ ποιήσαντες εἰς ἀνάστασιν ζωῆς οἱ δὲ τὰ φαῦλα πράξαντες εἰς ἀνάστασιν κρίσεως

As principais diferenccedilas satildeo estas os vv 28s dizem ldquovem a horardquo sem acrescentar ldquoe eacute agorardquo Tambeacutem dizem ldquotodos os que estatildeo nos sepulcrosrdquo em vez de ldquoos mortosrdquo e o julgamento parece estar ligado agraves obras de cada um Como entender essas diferenccedilas Trecircs modelos entram na discussatildeo

O primeiro modelo eacute o da ldquoescatologia presenterdquo representado sobretudo pelo comentaacuterio de R Bultmann publicado em 1941 e seguido por numerosos autores42 Segundo estes autores o texto de Jo 528s fala de uma futura ressurreiccedilatildeo dos mortos no dia do juiacutezo final A ldquoescatologia presenterdquo de Joatildeo pareceu ousada demais para a Igreja a no fim do seacuteculo I e foi por isso completada pelo modelo ldquoclaacutessicordquo da escatologia judaica que se encontra tambeacutem em outros escritos do NT (sinoacutepticos e Paulo pelo menos em parte) Deste modo ldquosalvou-serdquo o QE para a Igreja poacutes-apostoacutelica

O segundo modelo eacute o de duas camadas no EJ que se completam mutuamente Eacute adotado pelos grandes comentaacuterios da Gratilde-Bretanha43 dos EUA44 e de muitos autores da Europa continental45 Segundo estes autores o evangelista retoma sua caracteriacutestica escatologia presente reformulando-a em termos de escatologia futura Neste caso natildeo eacute preciso tomar como ponto de partida o modelo judeu-apocaliacuteptico ou protocristatildeo da ressurreiccedilatildeo dos mortos no fim do tempo Joatildeo natildeo fala de fato dos ldquomortosrdquo que ressuscitam mas daqueles ldquoque estatildeo nos sepulcrosrdquo os ldquomortosrdquo satildeo em todo o caso aqueles que jaacute nesta vida ficaram separados de Deus por terem-se decidido contra Deus Estas observaccedilotildees jaacute se encontram no comentaacuterio de Josef Blank Ultimamente Joumlrg Frey na sua obra magistral em trecircs volumes sobre a escatologia joanina46 defende com forccedila a tese de que ambas as escatologia em Joatildeo devem ser consideradas de modo

41 42 43 44 45 46

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complementar Sem a escatologia futura o querigma joaneu seria incompleto A Bultmann se deve conceder que as ldquoobrasrdquo mencionadas no texto de Joatildeo natildeo satildeo as ldquoobras boasrdquo ou ldquomaacutesrdquo do judaiacutesmo ou do protocristianismo mas a feacute ou a descrenccedila em relaccedilatildeo a Cristo (cf Jo 316-19 629)

Um terceiro modelo interpreta Jo 525-29 de modo estritamente unitaacuterio e isso a partir da escatologia presente47 Tambeacutem os vv 28s podem ser interpretados no sentido da escatologia presente quando lidos direitinho apesar de sua formulaccedilatildeo que evoca a escatologia futura O futuro gramatical seria semelhante ao do v 25 (cf tambeacutem Jo 1016) Segundo esta proposta Jesus fala do tempo poacutes-pascal quando as promessas do tempo final estaratildeo realizadas48 Este estudo merece consideraccedilatildeo mais profunda com consideraccedilatildeo de outros textos ldquoescatoloacutegicosrdquo de Joatildeo como 639404454 A favor desta proposta pode-se alegar que em Jo 42123 natildeo parece haver diferenccedila semacircntica entre ldquovem a horardquo (eacuterkhetai hocircra) e ldquoa hora vem e aacute agorardquo (eacuterkhetai hocircra kai nyn estin)

530 Assim como Jesus concede a vida em plena dependecircncia do Pai assim tambeacutem exerce o julgamento Isso eacute dito no versiacuteculo final v 30 De fato Jesus natildeo procura sua proacutepria vontade mas a vontade de quem o enviou (cf Jo 528) Por isso seu julgamento eacute reto Literariamente este versiacuteculo pela retomada do v19 encerra de modo eficaz a periacutecope 519-30 Ao mesmo tempo prepara a transiccedilatildeo para a secccedilatildeo seguinte

Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)

Esta secccedilatildeo eacute semelhante em sua composiccedilatildeo agrave precedente (Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria 519-30) e agrave subsequente (Jesus natildeo procura sua proacutepria honra 541-47) O princiacutepio fundamental se encontra no iniacutecio da secccedilatildeo e assim eacute apresentado o tema Sempre Jesus rejeita arrogar para si proacuteprio honra e autoridade Sua autoridade seu reconhecimento e sua honra vecircm de Deus Exatamente por esta razatildeo ele se eleva acima de qualquer autoridade humana Deus mesmo opera nele o legitima e o honra

A secccedilatildeo 531-40 eacute caracterizada pelo campo semacircntico do ldquotestemunhordquo49 No v 31 Jesus contesta que ele daacute testemunho a favor de si mesmo (em Jo 812-20 prevalece outro ponto de vista) Quem daacute testemunho a favor dele eacute outro o Pai que por enquanto natildeo eacute nomeado (no v 32) Acresce o testemunho de Joatildeo Batista agora uma figura do passado (533-35) No v 36 o evangelista volta ao tema do ldquooutrordquo que testemunha a favor de Jesus e agora fica claro que se trata do Pai Ele eacute quem concede a Jesus realizar as obras admiraacuteveis que datildeo testemunho em seu favor (v 36) e ele testemunha tambeacutem diretamente a favor de Jesus (vv 37-38) como jaacute o fez no passado nas Escrituras de Israel (v39) Para valorizar esse testemunho muacuteltiplo [[198]] basta a boa vontade para se deixar conduzir a Jesus e assim receber a vida (v 40)

531-32 Os dois versiacuteculos introdutoacuterios satildeo moldados na forma dos vv 19 e 41 e expressam a dependecircncia ilimitada de Jesus como Filho em relaccedilatildeo ao Pai mas exprimem tambeacutem a autoridade que o Pai lhe concedeu em vista de sua missatildeo Quanto agrave ldquoverdaderdquo deste testemunho comparem-se Jo 1935 2114 e 3Jo 9

533-35 Alem de Deus que daacute plena autoridade a Jesus na sua missatildeo em ato e palavra a principal testemunha de Jesus segundo o evangelista eacute Joatildeo Batista Desde o Proacutelogo (16-8 e 15) ele aparece como testemunha a favor de Jesus A parte narrativa do QE comeccedila com uma grande secccedilatildeo sobre o testemunho do Batista a favor de Jesus (Jo 47 48 49

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119-34) Este testemunho eacute pressuposto e continuado no diaacutelogo do Batista com seus disciacutepulos em Jo 322-30 o Batista eacute apenas o amigo do esposo e se alegra ao ouvir a voz do esposo no quarto nupcial (329) ele apenas vem agrave frente do Messias natildeo eacute o proacuteprio Messias A tarefa de Joatildeo de ser testemunha de Jesus parece tatildeo dominante para o QEvg que ele nunca o chama de ldquobatistardquo mas dele soacute fala em termos de testemunha Ele eacute revezado em sua qualidade de ldquoacompanhanterdquo de Jesus por Laacutezaro nos caps 11-12 e pelo Disciacutepulo Amado nos caps 13-21

No tempo da controveacutersia de Jesus com os ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem depois da cura do aleijado o Batista jaacute havia terminado seu percurso Jesus fala dele em termos de passado Os ldquojudeusrdquo tinham enviado a ele uma delegaccedilatildeo para saber quem era Jesus mas natildeo quiseram aceitar seu testemunho Mais soacute o aguentaram por pouco tempo e depois o eliminaram O QEvg expressa essa experiecircncia com a imagem da lacircmpada Os ldquojudeusrdquo soacute quiseram alegrar-se agrave sua luz por pouco tempo Em termos de linguagem e conteuacutedo nota-se a diferenccedila com Jesus Joatildeo eacute a ldquolacircmpadardquo Jesus eacute a luz do mundo (cf Jo 14s9 812 95 1246)

536 A seguir Jesus trata do testemunho do Pai nas obras que este lhe concede Estras obra conduziram agrave admiraccedilatildeo e agrave feacute como vimos nos primeiros sinais de Jesus (Jo 21-12 e 446-54 cf 223 32) Poder-se-iaacrscenarf as obra de que fala Jesus em Jo 517-30 especialmente as pelas quais ele faz vikver os mortos e no nome de Deus faz o julgamento Mas estras obras soacute se percebem na feacute

Quando se pergunta pelos antecedentes literaacuterios da representaccedilatildeo joanina do testemunho das obras a favor de Jesus podem alegar-se textos do judaiacutesmo heleniacutestico que falam do testemunho de Deus a favor de Moiseacutes Tanto Flaacutevio Josefo como tambeacutem Fiacutelon de Alexandria falam de tal testemunho lembrando os ldquosinaisrdquo que Moiseacutes operou quando da saiacuteda de Israel do Egito e quando da travessia pelo mar Vermelho e pelo deserto (Fiacutelon Vita Mos 2[3] 263281 Flaacutevio Josefo Contra Ap II 53)50 No NT este tema eacute utilizado cristologicamente em At 143 e Hb 24 114

537-39 Assim como o Pai testemunhou a favor de Jesus nas obras que ele lhe concedeu realizar tambeacutem deu testemunho a favor dele na sua palavra Essa palavra se deu na Antiga Alianccedila Verdade eacute que os israelitas natildeo puderam ouvi-la como tambeacutem natildeo puderam ver a face de Deus Mas eles possuiacuteam o testemunho divino a favor de Jesus nas suas Sagradas Escrituras Se as tivessem perscrutado teriam descoberto o seu testemunho a favor de Jesus

O ldquotestemunhordquo das escrituras eacute de modo novo um tema caracteriacutestico do QE mas natildeo sem antecedentes e paralelos nos demais escritos do NT A tradiccedilatildeo sinoacuteptica conhece sobretudo o cumprimento de determinadas passagens das Escrituras de Israel em Jesus em sua vida e em seu sofrimento Joatildeo ndash em concordacircncia com os sinoacutepticos ndash mostra esse modo de proceder sobretudo no seu relado da Paixatildeo Em Jo 1238 aparece pela primeira vez a foacutermula ldquoAssim havia de se cumprirrdquo Mais caracteriacutestico de Joatildeo eacute o uso da Escritura como testemunho a favor de Jesus sem a citaccedilatildeo de determinada passagem51 Natildeo esta ou aquela passagem mas a Escritura como tal daacute testemunho a favor de Jesus Jo 539 eacute o texto claacutessico para ilustrar este modo de ver mas veja-se tambeacutem Jo 145 545-47 1034 uma citaccedilatildeo dos Salmos como testemunho da ldquoLeirdquo

Quando os israelitas natildeo conseguem perceber nas suas escrituras o testemunho a favor de Jesus a culpa natildeo eacute da Escritura Satildeo antes os leitores que natildeo estatildeo dispostos a abrir-se para a mensagem da Escritura Assim retiram-se da fonte da vida50 51

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Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)

Esta uacuteltima secccedilatildeo do discurso de Jesus pode ser subdividido em duas partes Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41-44) e natildeo eacute Jesus que acusa os judeus mas Moiseacutes (vv 45-47)

541-44 O conjunto dos vv 41-44 eacute emoldurado pelo tema da ldquohonrardquo52 Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41) Satildeo antes os seus adversaacuterios que fazem isso colhendo honra uns dos outros e natildeo do Deus uacutenico (v 44) de modo a serem incapazes de ir ateacute Jesus e de crer nele Nos vv 42-43 indica-se uma razatildeo mais profunda da atitude errada dos adversaacuterios de Jesus eles natildeo tecircm em si o amor de Deus Assim eles recebem quem se apresenta em nome proacuteprio mas natildeo aquele que vem em nome de Deus Jesus

Salvo engano estes versiacuteculos devem ter sido influenciados pela confissatildeo de feacute de Israel o Shemalsquo Yisrael ldquoOuve Israelrdquo de Dt 64s Neste texto central do judaiacutesmo Deus ordena a seu povo confessaacute-lo como Deus uacutenico e confessaacute-lo de todo o coraccedilatildeo A influecircncia deste texto sobre Jo 541-44 como tambeacutem sobre Jo 841s foi pouco observado ateacute agora Em ambos os lugares satildeo interligados a unicidade de Deus e o amor a ele ou a Jesus como enviado do Pai Um eco deste mandamento encontra-se tambeacutem em Jo 2115-17 (o amor de Pedro a Jesus como expressatildeo de sua relaccedilatildeo fundamental para com ele possibilitando seu encargo como pastor do rebanho do Senhor)

Se esta interpretaccedilatildeo estiver certa segue-se para Jo 542 e textos similares do QE que a expressatildeo hē agaacutepē tou theoacuteu deve ser entendida como genitivo de objeto No EJ trata-se de ter a relaccedilatildeo reta para com Deus tambeacutem como membro do povo de Israel Quem natildeo ama a Deus natildeo amaraacute o Cristo seu Filho e buscaraacute sua proacutepria honra Na Primeira Carta de Joatildeo a situaccedilatildeo eacute diferente O autor encontra-se em discussatildeo com um grupo que arroga para si em alto grau a posse do Espiacuterito considera estar acima da Lei e poder afirmar que conhece Deus e o ama A estas pessoas a 1Jo diz que antes de tudo satildeo amadas por Deus antes de poderem dizer que amam a Deus (cf 1Jo 47-21 tambeacutem 215 316s)

545-47 Para a transiccedilatildeo ao tema da honra para o de Moiseacutes satildeo apontadas diversas razotildees Jaacute em Jo 539 Jesus afirmou que as Escrituras falam dele As Escrituras de Israel satildeo a Toraacute mediada por Moiseacutes e tambeacutem os demais escritos principalmente os Salmos Neste sentido o tema de Moiseacutes que acusa os israelitas jaacute foi preparado no contexto imediatamente anterior O texto lembra tambeacutem Jo 719-23 onde Jesus em conexatildeo com a cura que realizou em dia de saacutebado arguacutei a partir da Lei de Moiseacutes que permite a circuncisatildeo no saacutebado Podemos ver tambeacutem em Jo 545-47 uma referecircncia agrave controveacutersia sobre a aplicaccedilatildeo da Lei de Moiseacutes em torno da cura que Jesus realizou

A convicccedilatildeo de que Moiseacutes escreveu a respeito de Jesus (v 46) pode-se deduzir da visatildeo global de Joatildeo segundo a qual a Escritura inteira quando lida direitinho fala de Jesus Um primeiro exemplo encontra-se em Jo 145 nas palavras de Filipe ldquoEncontramos Jesus o filho de Joseacute de Nazareacute aquele sobre quem escreveram Moiseacutes na Lei e os Profetasrdquo

Os israelitas creram em Deus e em Moiseacutes como eacute dito no fim do relato da saiacuteda milagrosa de Israel do Egito e da travessia do mar Vermelho em Ex 143 Os israelitas do tempo de Jesus estatildeo nesta tradiccedilatildeo A eles eacute que Jesus dirige a palavra dizendo que natildeo basta crer em Moiseacutes mas que eacute preciso ler suas escrituras no modo certo como testemunho a favor de Jesus Quem acredita em Moiseacutes tambeacutem deve acreditar em

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Jesus pois dele eacute que Jesus escreveu Quem natildeo acredita em Jesus natildeo pode afirmar que acreditou nas palavras de Moiseacutes Deste modo o cap 5 se encerra com uma acusaccedilatildeo contundente contra os ouvintes O conflito continuaraacute nos capiacutetulos 6 e 7ndash8

III

Depois que nos caps 2ndash4 do EJ Jesus levou sua mensagem sempre mais do centro para a periferia da terra de Israel no cap 5 ele volta ao centro e enfrenta a discussatildeo com os habitantes de Jerusaleacutem e os liacutederes do povo judeu em torno de sua missatildeo Um milagre estupendo a cura de algueacutem que havia 38 anos estava aleijado levou agrave discussatildeo de sua accedilatildeo feita no saacutebado e paulatinamente agrave discussatildeo sobre sua pessoa Pela primeira vez ldquoos judeusrdquo aparecem agora numa secccedilatildeo maior como adversaacuterios de Jesus A afirmaccedilatildeo de Jesus de agir em uniatildeo com seu Pai celeste soacute os faz concluir que ele se torna igual em poder e ordem ao Pai Esta afirmaccedilatildeo provocou contestaccedilatildeo natildeo soacute no tempo do evangelista Para entendecirc-la bem vale a pena reler atentamente o desenvolvimento do discurso de Jesus em Jo 519-47

Na leitura atenta nota-se que Jesus continuamente recusa colocar-se a si mesmo no centro Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (vv 19-30) nem testemunha a favor de si mesmo (vv 31-40) nem procura sua proacutepria honra (vv 41-45 ou 47) Deus eacute quem o deixa participar de sua obra que o defende e o honra Olhando por este lado o discurso de vv 19-47 natildeo eacute meramente ou nem em primeiro lugar cristoloacutegico Ele eacute e permanece teoloacutegico Com a melhor tradiccedilatildeo de Israel o QEvg e na sua obra o Cristo de seu evangelho reduzem toda o agir a Deus o Pai Eacute ele quem opera no Filho o defende e o honra Natildeo eacute por acaso que por isso aparece nos versiacuteculos finais 42-44 o principal mandamento a confissatildeo do Deus uacutenico de Israel e a ordem de amaacute-lo A partir daiacute a reivindicaccedilatildeo de Jesus em Jo 5 e nas grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 merece renovada reflexatildeo

2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)1 Depois disso Jesus foi para para o outro lado do mar da Galileacuteia ou seja de Tiberiacuteades 2 Uma grande multidatildeo o seguia vendo os sinais que ele fazia a favor dos doentes 3 Jesus subiu a montanha e sentou-se laacute com os seus disciacutepulos 4 Estava proacutexima a Paacutescoa a festa dos judeus 5 Levantando os olhos e vendo uma grande multidatildeo que vinha a ele Jesus disse a Filipe ldquoOnde vamos comprar patildeo para que essa gente possa comerrdquo 6 Disse isso para testar Filipe pois ele sabia muito bem o que ia fazer 7 Filipe respondeu ldquoNem duzentos denaacuterios de patildeo bastariam para dar um pouquinho a cada umrdquo 8 Um dos disciacutepulos Andreacute irmatildeo de Simatildeo Pedro disse 9 ldquoEstaacute aqui um menino com cinco patildees de cevada e dois peixes Mas que eacute isso para tanta genterdquo 10 Jesus disse ldquoFazei as pessoas sentar-serdquo Naquele lugar havia muita relva e laacute se sentaram os homens em nuacutemero de aproximadamente cinco mil 11 Jesus tomou os patildees deu graccedilas e distribuiu aos que estavam sentados tanto quanto queriam E fez o mesmo com os peixes 12 Quando todos se fartaram disse aos disciacutepulos ldquoJuntai os pedaccedilos que sobraram para que nada se percardquo 13 Eles juntaram e encheram doze cestos com os pedaccedilos que sobraram dos cinco patildees de cevada que comeram 14 Agrave vista do sinal que Jesus tinha realizado as pessoas exclamavam ldquoEste eacute verdadeiramente o profeta aquele que deve vir ao mundordquo 15 Quando Jesus percebeu que queriam levaacute-lo para proclamaacute-lo rei novamente se retirou para a montanha sozinho

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16 Ao anoitecer os disciacutepulos desceram para a beira-mar 17 Entraram no barco e foram na direccedilatildeo de Cafarnaum do outro lado do mar Jaacute estava escuro e Jesus ainda natildeo tinha vindo a eles 18 Soprava um vento forte e o mar estava agitado 19 Os disciacutepulos tinham remado vinte e cinco ou trinta estaacutedios quando avistaram Jesus andando sobre as aacuteguas e aproximando-se do barco Eles ficaram com medo 20 Jesus poreacutem lhes disse ldquoSou eu Natildeo tenhais medordquo 21 Eles queriam receber Jesus no barco mas logo o barco atingiu a terra para onde estavam indo22 No dia seguinte a multidatildeo que tinha ficado do outro lado do mar notou que antes havia aiacute um soacute barco e que Jesus natildeo entrara nele com os disciacutepulos os quais haviam partido sozinhos 23 Entretanto outros barcos chegaram de Tiberiacuteades perto do lugar onde tinham comido o patildeo depois de o Senhor ter dado graccedilas 24 Quando a multidatildeo percebeu que Jesus natildeo estava aiacute nem os seus disciacutepulos entraram nos barcos e foram procurar Jesus em Cafarnaum 25 Encontrando-o do outro lado do mar perguntaram-lhe ldquoRabi quando chegaste aquirdquo 26 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo estais me procurando natildeo porque vistes sinais mas porque comestes patildeo e ficastes saciados 27 Trabalhai natildeo pelo alimento que se perde mas pelo alimento que permanece ateacute agrave vida eterna e que o Filho do Homem vos daraacute Pois a este Deus Pai o marcou com seu selo 28 Perguntaram entatildeo ldquoQue devemos fazer para praticar as obras de Deusrdquo 29 Jesus respondeu ldquoA obra de Deus eacute que acrediteis naquele que ele enviourdquo 30 Eles perguntaram ldquoQue sinais realizas para que possamos ver e acreditar em ti Que obras fazes 31 Nossos pais comeram o manaacute no deserto como estaacute na Escritura lsquoDeu-lhes a comer patildeo do ceacuteursquordquo 32 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo natildeo foi Moiseacutes quem vos deu o patildeo do ceacuteu Eacute meu Pai quem vos daacute o verdadeiro patildeo do ceacuteu 33 Pois o patildeo de Deus eacute aquele que desce do ceacuteu e daacute vida ao mundordquo 34 Eles entatildeo pediram ldquoSenhor daacute-nos sempre desse patildeordquo 35 Jesus lhes disse ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sede 36 Contudo eu vos disse que me vistes mas natildeo credes 37 Todo aquele que o Pai me daacute viraacute a mim e quem vem a mim eu natildeo jogarei fora 38 porque eu desci do ceacuteu natildeo para fazer a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou ldquo39 E esta eacute a vontade daquele que me enviou que eu natildeo perca nenhum daqueles que ele me deu mas os ressuscite no uacuteltimo dia 40 Esta eacute a vontade do meu Pai quem vecirc o Filho e nele crecirc tenha vida eterna E eu o ressuscitarei no uacuteltimo diardquo41 Entatildeo os judeus comeccedilaram a murmurar contra Jesus porque ele disse ldquoEu sou o patildeo que desceu do ceacuteurdquo 42 Diziam ldquoEste natildeo eacute Jesus o filho de Joseacute Natildeo conhecemos noacutes o seu pai e sua matildee Como pode entatildeo dizer que desceu do ceacuteurdquo 43 Jesus respondeu ldquoNatildeo murmureis entre voacutes 44 Ningueacutem pode vir a mim se o Pai que me enviou natildeo o atrair E eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 45 Estaacute escrito nos Profetas lsquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrsquo Ora todo aquele que escutou o ensinamento do Pai e o aprendeu vem a mim 46 Ningueacutem jamais viu o Pai a natildeo ser aquele que vem de junto de Deus este viu o Pai 47 Ameacutem ameacutem vos digo quem crecirc tem vida eterna 48 Eu sou o patildeo da vida 49 Os vossos pais comeram o manaacute no deserto e no entanto morreram 50 Aqui estaacute o patildeo que desce do ceacuteu para que natildeo morra quem dele comer51 ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteu Quem come deste patildeo viveraacute eternamente E o patildeo que eu darei eacute a minha carne dada pela vida do mundordquo 52 Os judeus discutiam entre si ldquoComo eacute que ele pode dar a sua carne a comerrdquo 53 Jesus disse ldquoAmeacutem ameacutem vos digo se natildeo comerdes a carne do Filho do Homem e natildeo beberdes o seu sangue natildeo tereis vida em voacutes 54 Quem mastiga minha carne e

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bebe meu sangue tem vida eterna e eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 55 Pois minha carne eacute verdadeira comida e meu sangue eacute verdadeira bebida 56 Quem mastiga minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele 57 Como o Pai que vive me enviou e eu vivo por meio dele assim viveraacute por meio de mim aquele que me mastiga 58 Este eacute o patildeo que desceu do ceacuteu Natildeo eacute como aquele que vossos pais comeram ndash e no entanto morreram Quem mastiga este patildeo viveraacute para semprerdquo 59 Jesus falou essas coisas ensinando na reuniatildeo sinagogal em Cafarnaum 60 Muitos disciacutepulos que o ouviram disseram entatildeo ldquoEssa palavra eacute inaceitaacutevel Quem consegue escutaacute-lardquo 61 Percebendo que seus disciacutepulos estavam murmurando por causa disso Jesus perguntou ldquoIsto vos escandaliza 62 Que seraacute entatildeo quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes 63 O Espiacuterito eacute que daacute vida a carne de nada serve As palavras que vos falei satildeo Espiacuterito e satildeo vida 64 Mas haacute alguns entre voacutes que natildeo crecircemrdquo Jesus sabia desde o iniacutecio quem eram os que acreditavam e quem havia de entregaacute-lo 65 E acrescentou ldquoEacute por isso que eu vos disse lsquoNingueacutem pode vir a mim a natildeo ser que lhe seja dado pelo Pairsquordquo 66 A partir daquele momento muitos disciacutepulos o abandonaram e natildeo mais andavam com ele 67 Jesus disse aos Doze ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo 68 Simatildeo Pedro respondeu ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna 69 Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo 70 Jesus respondeu ldquoNatildeo vos escolhi doze Contudo um de voacutes eacute um diabordquo 71 Ele falava de Judas filho de Simatildeo Iscariotes pois este um dos Doze iria entregaacute-lo

I

Agrave primeira vista Jo 6 natildeo se insere sem dificuldade no contexto do EJ No iniacutecio do capiacutetulo supotildee-se que Jesus se encontra na proximidade do lago de Tiberiacuteades na Galileacuteia enquanto o cap 5 relatava seu discurso diante dos ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem em continuidade com a cura do aleijado na piscina de Betesda Em Jo 714-24 remete-se a esta cura em dia de saacutebado Jaacute em Jo 72 eacute alegada como razatildeo da estada de Jesus na Galileia o fato de que os ldquojudeusrdquo o querem matar com uma alusatildeo 518 No decorrer do seacuteculo XX os problemas da sequecircncia do texto levaram comentadores famosos a inverter a ordem de Jo 5 e Jo 653 Deste modo surgiria um texto mais compreensiacutevel Como no fim do cap 4 no cap 6 Jesus se encontra na Galileia Se o cap 5 segue depois do cap 6 a dupla remissiva ao cap 5 em Jo 7 torna-se compreensiacutevel Mas esta proposta natildeo vingou nos uacuteltimos anos O respeito pelo texto dado natildeo permite com facilidade esta ou outras propostas de inversatildeo e os manuscritos natildeo fornecem nenhum ensejo para isso Tambeacutem eacute possiacutevel resgatar a ordem atual do texto quando se parte da ideia de que os indiacutecios geograacuteficos e cronoloacutegicos pelo menos para o autor natildeo constituiacuteram o criteacuterio decisivo para o decurso do texto

Como jaacute sugerido eacute bem possiacutevel ver em Jo 6 uma inserccedilatildeo no QE o que tambeacutem resolveria os problemas da sequecircncia do texto54 Neste caso mantenha-se a unidade literaacuteria do capiacutetulo Soacute neste capiacutetulo em Joatildeo fala-se da eucaristia enquanto que ela falta no cap 13 no relato da paixatildeo Aqui em Jo 6 Jesus parece natildeo subir para a festa da Paacutescoa mencionada em 64 Tem-se a impressatildeo de que uma Paacutescoa cristatilde toma o lugar da festa de peregrinaccedilatildeo judaica Jesus a celebra na Galileia terra das primeiras comunidades cristatildes Como seus antagonistas aparecem a partir do v41 os ldquojudeusrdquo que em outros capiacutetulos soacute na Judeia se encontram com Jesus No interior do cap 6

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Joatildeo se mostra fortemente influenciado pela tradiccedilatildeo sinoacuteptica especialmente por Mc 632-56 e 811-33 como mostra este esquemaMultiplicaccedilatildeo dos patildees Mc 632-44 Jo 61-15Caminhando sobre as aacuteguas Mc 645-52 Jo 616-21Encontro com a multidatildeo Mc 653-56 Jo 522-25(29)Pedido de sinal Mc 811-13 Jo 630-31Discurdso do patildeo Mc 814-21 Jo 632-58Identidade de Jesus e confissatildeo de Pedro Mc 8m27-30 Jo 660-66Um dos disciacutepulos eacute o satanaacutes Mc 831-33 Jo 667-71

A secccedilatildeo Mc 71ndash810 natildeo tem correspondecircncias em Joatildeo e portanto falta em Joatildeo a segundo multiplicaccedilatildeo dos patildees como tambeacutem em Lucas No interior de Jo 6 o autor chega a seguir literalmente o texto marcano ou sinoacuteptico Feiccedilotildees deste gecircnero satildeo o nuacutemero de duzentos denaacuterios para comprar patildeo o nuacutemero de patildees e peixes a descriccedilatildeo dos gestos de Jesus os doze cestos com os pedaccedilos de patildeo que sobraram e tambeacutem o nuacutemero dos que foram saciados Em nenhum outro lugar o EJ tanto se aproxima da tradiccedilatildeo sinoacuteptica Podemos comparar com isso antes de tudo o relato de paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus mas haacute aqui diferenccedilas evidentes desde a cronologia da uacuteltima ceia e da morte de Jesus Visto que tambeacutem em Jo 21 o capiacutetulo final que muitos consideram um acreacutescimo aparecem muitos contatos com os sinoacutepticos (cf a pesca milagrosa Lc 51-11 os filhos de Zebedeu Mc 119 par) parece natural adotar tambeacutem para Jo 6 [[206]] uma data de composiccedilatildeo levemente posterior agrave do contexto

Muito por causa da secccedilatildeo dos dons eucariacutesticos de Jesus no uacuteltimo seacuteculo diversas vezes se colocou em duacutevida a unidade literaacuteria do capiacutetulo Assim R Bultmann55 distingue em Jo 6 quatro camadas diferenciadas uma ldquofonte dos sinaisrdquo agrave qual se devem a multiplicaccedilatildeo dos patildees e a caminhada sobre as aacuteguas (61-1516-21) fragmentos de uma fonte de discursos de revelaccedilatildeo de inspiraccedilatildeo gnoacutestica especialmente no discurso do patildeo em Jo 627-51c a matildeo redatora do evangelista especialmente tambeacutem na parte cristoloacutegica do discurso do patildeo e a redaccedilatildeo eclesial agrave qual se devem a secccedilatildeo ldquoeucariacutesticardquo de 651d-58 e as alusotildees agrave futura ressurreiccedilatildeo dos mortos em 6394044 Semelhante dissecccedilatildeo em camadas encontra-se na exegese que se inspira em Bultmann mesmo quando abre matildeo da ldquofonte dos discursosrdquo de influecircncia gnoacutestica56

Um novo modelo de diversas camadas encontra-se em Paul N Anderson que parte da sedimentaccedilatildeo de diversos conflitos sucessivos em Jo 657 Um primeiro conflito seria o da massa popular em torno do alimento verdadeiro (vv 25-40) o segundo com os ldquojudeusrdquo acerca da Toraacute e do patildeo do ceacuteu (vv 41-51) depois um cisma envolvendo principalmente os disciacutepulos oriundos do paganismo acerca da verdadeira corporeidade de Jesus (vv 51-66) e finalmente uma controveacutersia sobre o lugar certo do grupo joaneu na paisagem da comunidade joanina e da Grande Igreja representada por Pedro (vv 67-70) Menos complexo eacute o modelo de J Painter58 segundo o qual em Jo 6 estaacute integrado uma ldquohistoacuteria de buscardquo (ldquoquest storyrdquo) na qual a massa popular busca e encontra Jesus A essa liga-se nos vv 41-66 uma seacuterie de ldquohistoacuterias de rejeiccedilatildeordquo (ldquorejection storiesrdquo) que teriam sida acrescentadas secundariamente Os vv 67-70 serviram entatildeo para reconciliar os membros da comunidade joanina com adeptos de um cristianismo para a qual a figura de Pedro tinha significaccedilatildeo extraordinaacuteria

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

59 60 61 62 63 64 65 66

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

69 70 71 72

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

73 74 75

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

94 95 96

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

97 98 99 100 101 102

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

103 104 105 106 107

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

108 109 110 111 112

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

118 119 120 121 122

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 10:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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israelitas satildeo chamados ldquodeuses e filhos do Altiacutessimordquo38 Segundo uma tradiccedilatildeo judaica todos os israelitas que ouviram no Sinai a voz de Deus e receberam sua instruccedilatildeo tornaram-se divinos Soacute pelo pecado na ocasiatildeo da adoraccedilatildeo do bezerro de ouro perderam esse privileacutegio E soacute pela observaccedilatildeo irrepreensiacutevel da Toraacute voltaratildeo agrave condiccedilatildeo de readquirir esse privileacutegio (pense-se na segunda conclusatildeo da alianccedila em Ex 34) Jesus pode ter-se referido a um tradiccedilatildeo desse tipo O assunto voltaraacute por ocasiatildeo de Jo 1034-36 (veja ali)

Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)

Em Jo 519 inicia-se a uacuteltima parte do capiacutetulo 5 A partir de agora soacute fala Jesus Depois da cura milagrosa (vv 1-9c) e o diaacutelogo (vv 9d-18) segue agora um discurso de revelaccedilatildeo O estilo dos vv 19-47 eacute joanino e assim eacute tambeacutem a teologia O autor parece basear-se antes em tradiccedilotildees orais do que em fontes escritas Quanto agrave possibilidade uma camada ulterior nos vv 28s veja ali

Os vv 19-30 constituem como jaacute dissemos (acima I) uma subdivisatildeo autocircnoma Esta eacute emoldurada pelo enunciado de que o Filho natildeo pode agir por iniciativa proacutepria mas permanentemente age em uniatildeo com o seu Pai (vv 19 e 30) As duas obras por excelecircncia de Deus o Pai satildeo o dom da vida na ressurreiccedilatildeo dos mortos e o julgamento Com essa dupla expressatildeo o Jesus joanino remonta agrave tradiccedilatildeo judaica Ambas as obras satildeo as que Deus pode fazer no saacutebado Assim esta secccedilatildeo reata com a anterior e a encerra

A composiccedilatildeo da secccedilatildeo eacute simples Nos vv 19-20 eacute introduzido o princiacutepio segundo o qual o filho natildeo pode fazer outra coisa senatildeo o que ele vecirc o Pai fazer A imagem pode provir do mundo do artesanato no qual o filho retoma a profissatildeo do pai Nos vv 21-28 aclara-se qual eacute a obra que o Filho retoma do Pai ambas as obras do dom da vida na ressurreiccedilatildeo e o julgamento Ambas satildeo obras reservadas a Deus que satildeo confiadas ao Filho O v 21 fala do dom da vida os vv 22-23 do julgamento

Nos vv 24-28 eacute explicada a obra do Filho A promessa da vida e o exerciacutecio do juiacutezo satildeo coisas que acontecem hoje ldquoVem a hora e eacute agorardquo (v 25) O mesmo tema volta nos vv 28s mas a promessa eacute formulada soacute para o futuro ldquoVem a horardquo (v28) Os exegetas discutem sobre o significado desta reduplicaccedilatildeo eacute o que deveremos considerar na exegese dos vv 28s

519-20 O discurso de Jesus propriamente se inicia com a tiacutepica afirmaccedilatildeo joanina ldquoAmeacutem ameacutem eu vos digordquo Ela confere agraves palavras seguintes um peso particular Os primeiros versiacuteculos satildeo ambos caracterizados pela imagem tomada do mundo do trabalho artesanal de que o filho aprende a arte do pai enquanto ele observa sua atividade e a imita C H Dodd descobriu e descreveu esta paraacutebola39 Desde este ponto de vista explicam-se os conceitos do ldquoverrsquo do ldquomostrarrsquo e do ldquofazerrdquo A relaccedilatildeo de pai e filho natildeo eacute somente de natureza profissional mas tambeacutem familiar o pai ama o seu filho Esta dupla dimensatildeo pode ser transferida para a relaccedilatildeo entre o Pai celeste e seu Filho Jesus Tambeacutem este natildeo pode fazer nada a partir de si e soacute faz o que lhe eacute mostrado e confiado pelo Pai Pertencem agrave obra que o Pai confia ao Filho as obras da criaccedilatildeo (cf Jo 13) mas tambeacutem as da salvaccedilatildeo que tecircm seu aacutepice na obra escatoloacutegica Satildeo essas as ldquoobras maioresrdquo que o Filho realiza para admiraccedilatildeo de seus contemporacircneos

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521-23 Os versiacuteculos anteriores expuseram a dependecircncia do Filho em relaccedilatildeo ao Pai o Filho natildeo faz nada a natildeo ser o que ele vecirc o Pai fazer Os vv 21-23 em compoensaccedilo acentuam a dignidade do Filho Terminam asseverando que cada um que honra o Pai honra tambeacutem o Filho A dignidade do Filho eacute mostrada por sua participaccedilatildeo nas obras que satildeo reservadas a Deus soacute ressuscitar os mortos e executar o julgamento De fato o julgamento eacute reservado exclusivamente ao Filho Deus nem participa dele Nestes versiacuteculos mostra-se a teologia joanina como reflexatildeo priacutestina da Igreja sobre a dignidade de Cristo A visatildeo de Joatildeo aproxima-se da de Paulo e de sua tradiccedilatildeo (cf o hino que Paulo utilizou em Fl 26-11 ou o iniacutecio da carta aos Romanos Rm 13-4 ou tambeacutem a foacutermula ldquotrinitaacuteriardquo de 2Cor 1313) Visatildeo semelhante encontra-se tambeacutem em outras camadas e escritos do NT [[194]] (cf Mt 1125-27 Mc 111par 97 par Hb 11-4) Para a outorga do julgamento ao Filho do Homem cf Mc 1326s par Mt 2531-46

Desde o iniacutecio a divindade de Jesus encontrou resistecircncia Bem cedo judeus e provavelmente tambeacutem judeu-cristatildeos opuseram-se a essa visatildeo As grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 encontram aqui sua fundamentaccedilatildeo Pouco depois Aacuterio vai combater a filiaccedilatildeo divina de Jesus Segundo ele Jesus eacute criatura natildeo igual ao Pai Na hora presente surge resistecircncia agrave metaacutefora familiar que serve para articular o discurso sobre o Pai e o Filho E M Boring40 expressa estas ressalvas para o mundo ocidental A seu ver exprime-se no discurso sobre ldquoPairdquo e ldquoFilhordquo certo patriarcalismo que eacute posto em xeque natildeo soacute do lado feminista mas tambeacutem por contemporacircneos que questionam a autoridade paterna como tal Importa levar a seacuterio tais questionamentos observando poreacutem que elas surgem principalmente do mundo ocidental

524-27 Nos versiacuteculos que aqui seguem promete-se vida eterna aos que ouvem a palavra de Jesus e creem no Deus que o enviou Mais exatamente a vida eterna natildeo eacute prometida aqui mas explica-se que todos os que ouvem a palavra de Jesus e creem no Pai jaacute passaram da morte para a vida (tempo perfeito grego) Estes natildeo chegam ao julgamento Aqui se exprime a ldquoescatologia presenterdquo tiacutepica do QEvg Segundo a visatildeo judaica tradicional todo ser humano enfrenta a morte no fim de sua vida terrestre E depois haveraacute segundo a convicccedilatildeo farisaica a ressurreiccedilatildeo dos mortos (ou dos justos) com o julgamento e com a vida eterna para os justos Segundo Joatildeo a morte verdadeira consiste na separaccedilatildeo de Deus a origem da vida Desta morte pode-se passar jaacute agora para a vida verdadeira a vida eterna quando se crecirc em Jesus e naquele que o enviou Quem age assim natildeo vai a juiacutezo Esta visatildeo encontra-se tambeacutem em outro lugar no QE (cf 315-1836 64047 1246s) A promessa de ldquovida eternardquo encontra-se jaacute em Dn 122 onde ela eacute prometida aos justos para o dia do julgamento final quando sairatildeo de seus sepulcros O papel do arcanjo Miguel eacute assumido [[195]] em Joatildeo pelo ldquoFilho de Deusrdquo na funccedilatildeo de ldquoFilho do homemrdquo (cf v27 Dn 723s) A expressatildeo ldquovem a horardquo eacute completada no v 25 por ldquo e eacute agorardquo A partir daqui os conceitos de ldquomorterdquo e ldquovidardquo satildeo reinterpretados A morte consiste na separaccedilatildeo de Deus como fonte originaacuteria da vida e a ldquovidardquo eacute a ldquovida eternardquo na medida em que vem de Deus O futuro gramatical que aparece aqui no enunciado sobre o ouvir da voz da ressurreiccedilatildeo e da vida perde seu sentido de indicaccedilatildeo temporal e eacute antes de natureza loacutegica o que deve acontecer acontece agora na ldquohorardquo do crer

No v 26 o evangelista abandona por um momento o ideaacuterio apocaliacuteptica da tradiccedilatildeo e fala de Cristo como fonte da vida numa linguagem mais fortemente teoloacutegica O Pai tem em si a vida e este pleno poder ele o transmitiu tambeacutem ao Filho Aqui volta agrave mente o Proacutelogo do QE (Jo 14) onde o Logos divino aparece como portador da fonte da vida 40

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No v 27 o autor volta ao ideaacuterio apocaliacuteptico Os comentadores veem no v 27 um eco de Dn 713s embora nesse lugar natildeo se exprima propriamente o julgamento mas antes todo o senhorio ateacute o fim do tempo Uma confirmaccedilatildeo da dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Daniel neste lugar pode transparecer na falta do artigo definido no v 27 ldquoporque ele eacute um filho do homemrdquo

528-29 A injunccedilatildeo no iniacutecio do v 28 ndash ldquoNatildeo fiqueis admirados com issordquo ndash pode ser conectado ao contexto anterior como muitas vezes se faz Neste caso a partiacutecula hoacuteti que se segue tem antes um sentido causal e poderia ser substituiacutedo por dois pontos Mas eacute possiacutevel tambeacutem relacionar a injunccedilatildeo com o contexto subsequente e entender o hoacuteti como declarativo eacute a interpretaccedilatildeo de H-C Kammler41 Contudo natildeo faz tanta diferenccedila no sentido

Os vv 28s retomam o v 25 como geralmente eacute observado Os versiacuteculos se correspondem ateacute na formulaccedilatildeo como mostra este quadro 25 ἔρχεται ὥρα καὶ νῦν ἐστιν ὅτε οἱ νεκροὶ ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς τοῦ υἱοῦ τοῦ θεοῦ καὶ οἱ ἀκούσαντες ζήσουσιν

28s ἔρχεται ὥρα ἐν ᾗ πάντες οἱ ἐν τοῖς μνημείοις ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς αὐτοῦ καὶ ἐκπορεύσονται οἱ τὰ ἀγαθὰ ποιήσαντες εἰς ἀνάστασιν ζωῆς οἱ δὲ τὰ φαῦλα πράξαντες εἰς ἀνάστασιν κρίσεως

As principais diferenccedilas satildeo estas os vv 28s dizem ldquovem a horardquo sem acrescentar ldquoe eacute agorardquo Tambeacutem dizem ldquotodos os que estatildeo nos sepulcrosrdquo em vez de ldquoos mortosrdquo e o julgamento parece estar ligado agraves obras de cada um Como entender essas diferenccedilas Trecircs modelos entram na discussatildeo

O primeiro modelo eacute o da ldquoescatologia presenterdquo representado sobretudo pelo comentaacuterio de R Bultmann publicado em 1941 e seguido por numerosos autores42 Segundo estes autores o texto de Jo 528s fala de uma futura ressurreiccedilatildeo dos mortos no dia do juiacutezo final A ldquoescatologia presenterdquo de Joatildeo pareceu ousada demais para a Igreja a no fim do seacuteculo I e foi por isso completada pelo modelo ldquoclaacutessicordquo da escatologia judaica que se encontra tambeacutem em outros escritos do NT (sinoacutepticos e Paulo pelo menos em parte) Deste modo ldquosalvou-serdquo o QE para a Igreja poacutes-apostoacutelica

O segundo modelo eacute o de duas camadas no EJ que se completam mutuamente Eacute adotado pelos grandes comentaacuterios da Gratilde-Bretanha43 dos EUA44 e de muitos autores da Europa continental45 Segundo estes autores o evangelista retoma sua caracteriacutestica escatologia presente reformulando-a em termos de escatologia futura Neste caso natildeo eacute preciso tomar como ponto de partida o modelo judeu-apocaliacuteptico ou protocristatildeo da ressurreiccedilatildeo dos mortos no fim do tempo Joatildeo natildeo fala de fato dos ldquomortosrdquo que ressuscitam mas daqueles ldquoque estatildeo nos sepulcrosrdquo os ldquomortosrdquo satildeo em todo o caso aqueles que jaacute nesta vida ficaram separados de Deus por terem-se decidido contra Deus Estas observaccedilotildees jaacute se encontram no comentaacuterio de Josef Blank Ultimamente Joumlrg Frey na sua obra magistral em trecircs volumes sobre a escatologia joanina46 defende com forccedila a tese de que ambas as escatologia em Joatildeo devem ser consideradas de modo

41 42 43 44 45 46

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complementar Sem a escatologia futura o querigma joaneu seria incompleto A Bultmann se deve conceder que as ldquoobrasrdquo mencionadas no texto de Joatildeo natildeo satildeo as ldquoobras boasrdquo ou ldquomaacutesrdquo do judaiacutesmo ou do protocristianismo mas a feacute ou a descrenccedila em relaccedilatildeo a Cristo (cf Jo 316-19 629)

Um terceiro modelo interpreta Jo 525-29 de modo estritamente unitaacuterio e isso a partir da escatologia presente47 Tambeacutem os vv 28s podem ser interpretados no sentido da escatologia presente quando lidos direitinho apesar de sua formulaccedilatildeo que evoca a escatologia futura O futuro gramatical seria semelhante ao do v 25 (cf tambeacutem Jo 1016) Segundo esta proposta Jesus fala do tempo poacutes-pascal quando as promessas do tempo final estaratildeo realizadas48 Este estudo merece consideraccedilatildeo mais profunda com consideraccedilatildeo de outros textos ldquoescatoloacutegicosrdquo de Joatildeo como 639404454 A favor desta proposta pode-se alegar que em Jo 42123 natildeo parece haver diferenccedila semacircntica entre ldquovem a horardquo (eacuterkhetai hocircra) e ldquoa hora vem e aacute agorardquo (eacuterkhetai hocircra kai nyn estin)

530 Assim como Jesus concede a vida em plena dependecircncia do Pai assim tambeacutem exerce o julgamento Isso eacute dito no versiacuteculo final v 30 De fato Jesus natildeo procura sua proacutepria vontade mas a vontade de quem o enviou (cf Jo 528) Por isso seu julgamento eacute reto Literariamente este versiacuteculo pela retomada do v19 encerra de modo eficaz a periacutecope 519-30 Ao mesmo tempo prepara a transiccedilatildeo para a secccedilatildeo seguinte

Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)

Esta secccedilatildeo eacute semelhante em sua composiccedilatildeo agrave precedente (Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria 519-30) e agrave subsequente (Jesus natildeo procura sua proacutepria honra 541-47) O princiacutepio fundamental se encontra no iniacutecio da secccedilatildeo e assim eacute apresentado o tema Sempre Jesus rejeita arrogar para si proacuteprio honra e autoridade Sua autoridade seu reconhecimento e sua honra vecircm de Deus Exatamente por esta razatildeo ele se eleva acima de qualquer autoridade humana Deus mesmo opera nele o legitima e o honra

A secccedilatildeo 531-40 eacute caracterizada pelo campo semacircntico do ldquotestemunhordquo49 No v 31 Jesus contesta que ele daacute testemunho a favor de si mesmo (em Jo 812-20 prevalece outro ponto de vista) Quem daacute testemunho a favor dele eacute outro o Pai que por enquanto natildeo eacute nomeado (no v 32) Acresce o testemunho de Joatildeo Batista agora uma figura do passado (533-35) No v 36 o evangelista volta ao tema do ldquooutrordquo que testemunha a favor de Jesus e agora fica claro que se trata do Pai Ele eacute quem concede a Jesus realizar as obras admiraacuteveis que datildeo testemunho em seu favor (v 36) e ele testemunha tambeacutem diretamente a favor de Jesus (vv 37-38) como jaacute o fez no passado nas Escrituras de Israel (v39) Para valorizar esse testemunho muacuteltiplo [[198]] basta a boa vontade para se deixar conduzir a Jesus e assim receber a vida (v 40)

531-32 Os dois versiacuteculos introdutoacuterios satildeo moldados na forma dos vv 19 e 41 e expressam a dependecircncia ilimitada de Jesus como Filho em relaccedilatildeo ao Pai mas exprimem tambeacutem a autoridade que o Pai lhe concedeu em vista de sua missatildeo Quanto agrave ldquoverdaderdquo deste testemunho comparem-se Jo 1935 2114 e 3Jo 9

533-35 Alem de Deus que daacute plena autoridade a Jesus na sua missatildeo em ato e palavra a principal testemunha de Jesus segundo o evangelista eacute Joatildeo Batista Desde o Proacutelogo (16-8 e 15) ele aparece como testemunha a favor de Jesus A parte narrativa do QE comeccedila com uma grande secccedilatildeo sobre o testemunho do Batista a favor de Jesus (Jo 47 48 49

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119-34) Este testemunho eacute pressuposto e continuado no diaacutelogo do Batista com seus disciacutepulos em Jo 322-30 o Batista eacute apenas o amigo do esposo e se alegra ao ouvir a voz do esposo no quarto nupcial (329) ele apenas vem agrave frente do Messias natildeo eacute o proacuteprio Messias A tarefa de Joatildeo de ser testemunha de Jesus parece tatildeo dominante para o QEvg que ele nunca o chama de ldquobatistardquo mas dele soacute fala em termos de testemunha Ele eacute revezado em sua qualidade de ldquoacompanhanterdquo de Jesus por Laacutezaro nos caps 11-12 e pelo Disciacutepulo Amado nos caps 13-21

No tempo da controveacutersia de Jesus com os ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem depois da cura do aleijado o Batista jaacute havia terminado seu percurso Jesus fala dele em termos de passado Os ldquojudeusrdquo tinham enviado a ele uma delegaccedilatildeo para saber quem era Jesus mas natildeo quiseram aceitar seu testemunho Mais soacute o aguentaram por pouco tempo e depois o eliminaram O QEvg expressa essa experiecircncia com a imagem da lacircmpada Os ldquojudeusrdquo soacute quiseram alegrar-se agrave sua luz por pouco tempo Em termos de linguagem e conteuacutedo nota-se a diferenccedila com Jesus Joatildeo eacute a ldquolacircmpadardquo Jesus eacute a luz do mundo (cf Jo 14s9 812 95 1246)

536 A seguir Jesus trata do testemunho do Pai nas obras que este lhe concede Estras obra conduziram agrave admiraccedilatildeo e agrave feacute como vimos nos primeiros sinais de Jesus (Jo 21-12 e 446-54 cf 223 32) Poder-se-iaacrscenarf as obra de que fala Jesus em Jo 517-30 especialmente as pelas quais ele faz vikver os mortos e no nome de Deus faz o julgamento Mas estras obras soacute se percebem na feacute

Quando se pergunta pelos antecedentes literaacuterios da representaccedilatildeo joanina do testemunho das obras a favor de Jesus podem alegar-se textos do judaiacutesmo heleniacutestico que falam do testemunho de Deus a favor de Moiseacutes Tanto Flaacutevio Josefo como tambeacutem Fiacutelon de Alexandria falam de tal testemunho lembrando os ldquosinaisrdquo que Moiseacutes operou quando da saiacuteda de Israel do Egito e quando da travessia pelo mar Vermelho e pelo deserto (Fiacutelon Vita Mos 2[3] 263281 Flaacutevio Josefo Contra Ap II 53)50 No NT este tema eacute utilizado cristologicamente em At 143 e Hb 24 114

537-39 Assim como o Pai testemunhou a favor de Jesus nas obras que ele lhe concedeu realizar tambeacutem deu testemunho a favor dele na sua palavra Essa palavra se deu na Antiga Alianccedila Verdade eacute que os israelitas natildeo puderam ouvi-la como tambeacutem natildeo puderam ver a face de Deus Mas eles possuiacuteam o testemunho divino a favor de Jesus nas suas Sagradas Escrituras Se as tivessem perscrutado teriam descoberto o seu testemunho a favor de Jesus

O ldquotestemunhordquo das escrituras eacute de modo novo um tema caracteriacutestico do QE mas natildeo sem antecedentes e paralelos nos demais escritos do NT A tradiccedilatildeo sinoacuteptica conhece sobretudo o cumprimento de determinadas passagens das Escrituras de Israel em Jesus em sua vida e em seu sofrimento Joatildeo ndash em concordacircncia com os sinoacutepticos ndash mostra esse modo de proceder sobretudo no seu relado da Paixatildeo Em Jo 1238 aparece pela primeira vez a foacutermula ldquoAssim havia de se cumprirrdquo Mais caracteriacutestico de Joatildeo eacute o uso da Escritura como testemunho a favor de Jesus sem a citaccedilatildeo de determinada passagem51 Natildeo esta ou aquela passagem mas a Escritura como tal daacute testemunho a favor de Jesus Jo 539 eacute o texto claacutessico para ilustrar este modo de ver mas veja-se tambeacutem Jo 145 545-47 1034 uma citaccedilatildeo dos Salmos como testemunho da ldquoLeirdquo

Quando os israelitas natildeo conseguem perceber nas suas escrituras o testemunho a favor de Jesus a culpa natildeo eacute da Escritura Satildeo antes os leitores que natildeo estatildeo dispostos a abrir-se para a mensagem da Escritura Assim retiram-se da fonte da vida50 51

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Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)

Esta uacuteltima secccedilatildeo do discurso de Jesus pode ser subdividido em duas partes Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41-44) e natildeo eacute Jesus que acusa os judeus mas Moiseacutes (vv 45-47)

541-44 O conjunto dos vv 41-44 eacute emoldurado pelo tema da ldquohonrardquo52 Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41) Satildeo antes os seus adversaacuterios que fazem isso colhendo honra uns dos outros e natildeo do Deus uacutenico (v 44) de modo a serem incapazes de ir ateacute Jesus e de crer nele Nos vv 42-43 indica-se uma razatildeo mais profunda da atitude errada dos adversaacuterios de Jesus eles natildeo tecircm em si o amor de Deus Assim eles recebem quem se apresenta em nome proacuteprio mas natildeo aquele que vem em nome de Deus Jesus

Salvo engano estes versiacuteculos devem ter sido influenciados pela confissatildeo de feacute de Israel o Shemalsquo Yisrael ldquoOuve Israelrdquo de Dt 64s Neste texto central do judaiacutesmo Deus ordena a seu povo confessaacute-lo como Deus uacutenico e confessaacute-lo de todo o coraccedilatildeo A influecircncia deste texto sobre Jo 541-44 como tambeacutem sobre Jo 841s foi pouco observado ateacute agora Em ambos os lugares satildeo interligados a unicidade de Deus e o amor a ele ou a Jesus como enviado do Pai Um eco deste mandamento encontra-se tambeacutem em Jo 2115-17 (o amor de Pedro a Jesus como expressatildeo de sua relaccedilatildeo fundamental para com ele possibilitando seu encargo como pastor do rebanho do Senhor)

Se esta interpretaccedilatildeo estiver certa segue-se para Jo 542 e textos similares do QE que a expressatildeo hē agaacutepē tou theoacuteu deve ser entendida como genitivo de objeto No EJ trata-se de ter a relaccedilatildeo reta para com Deus tambeacutem como membro do povo de Israel Quem natildeo ama a Deus natildeo amaraacute o Cristo seu Filho e buscaraacute sua proacutepria honra Na Primeira Carta de Joatildeo a situaccedilatildeo eacute diferente O autor encontra-se em discussatildeo com um grupo que arroga para si em alto grau a posse do Espiacuterito considera estar acima da Lei e poder afirmar que conhece Deus e o ama A estas pessoas a 1Jo diz que antes de tudo satildeo amadas por Deus antes de poderem dizer que amam a Deus (cf 1Jo 47-21 tambeacutem 215 316s)

545-47 Para a transiccedilatildeo ao tema da honra para o de Moiseacutes satildeo apontadas diversas razotildees Jaacute em Jo 539 Jesus afirmou que as Escrituras falam dele As Escrituras de Israel satildeo a Toraacute mediada por Moiseacutes e tambeacutem os demais escritos principalmente os Salmos Neste sentido o tema de Moiseacutes que acusa os israelitas jaacute foi preparado no contexto imediatamente anterior O texto lembra tambeacutem Jo 719-23 onde Jesus em conexatildeo com a cura que realizou em dia de saacutebado arguacutei a partir da Lei de Moiseacutes que permite a circuncisatildeo no saacutebado Podemos ver tambeacutem em Jo 545-47 uma referecircncia agrave controveacutersia sobre a aplicaccedilatildeo da Lei de Moiseacutes em torno da cura que Jesus realizou

A convicccedilatildeo de que Moiseacutes escreveu a respeito de Jesus (v 46) pode-se deduzir da visatildeo global de Joatildeo segundo a qual a Escritura inteira quando lida direitinho fala de Jesus Um primeiro exemplo encontra-se em Jo 145 nas palavras de Filipe ldquoEncontramos Jesus o filho de Joseacute de Nazareacute aquele sobre quem escreveram Moiseacutes na Lei e os Profetasrdquo

Os israelitas creram em Deus e em Moiseacutes como eacute dito no fim do relato da saiacuteda milagrosa de Israel do Egito e da travessia do mar Vermelho em Ex 143 Os israelitas do tempo de Jesus estatildeo nesta tradiccedilatildeo A eles eacute que Jesus dirige a palavra dizendo que natildeo basta crer em Moiseacutes mas que eacute preciso ler suas escrituras no modo certo como testemunho a favor de Jesus Quem acredita em Moiseacutes tambeacutem deve acreditar em

52

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Jesus pois dele eacute que Jesus escreveu Quem natildeo acredita em Jesus natildeo pode afirmar que acreditou nas palavras de Moiseacutes Deste modo o cap 5 se encerra com uma acusaccedilatildeo contundente contra os ouvintes O conflito continuaraacute nos capiacutetulos 6 e 7ndash8

III

Depois que nos caps 2ndash4 do EJ Jesus levou sua mensagem sempre mais do centro para a periferia da terra de Israel no cap 5 ele volta ao centro e enfrenta a discussatildeo com os habitantes de Jerusaleacutem e os liacutederes do povo judeu em torno de sua missatildeo Um milagre estupendo a cura de algueacutem que havia 38 anos estava aleijado levou agrave discussatildeo de sua accedilatildeo feita no saacutebado e paulatinamente agrave discussatildeo sobre sua pessoa Pela primeira vez ldquoos judeusrdquo aparecem agora numa secccedilatildeo maior como adversaacuterios de Jesus A afirmaccedilatildeo de Jesus de agir em uniatildeo com seu Pai celeste soacute os faz concluir que ele se torna igual em poder e ordem ao Pai Esta afirmaccedilatildeo provocou contestaccedilatildeo natildeo soacute no tempo do evangelista Para entendecirc-la bem vale a pena reler atentamente o desenvolvimento do discurso de Jesus em Jo 519-47

Na leitura atenta nota-se que Jesus continuamente recusa colocar-se a si mesmo no centro Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (vv 19-30) nem testemunha a favor de si mesmo (vv 31-40) nem procura sua proacutepria honra (vv 41-45 ou 47) Deus eacute quem o deixa participar de sua obra que o defende e o honra Olhando por este lado o discurso de vv 19-47 natildeo eacute meramente ou nem em primeiro lugar cristoloacutegico Ele eacute e permanece teoloacutegico Com a melhor tradiccedilatildeo de Israel o QEvg e na sua obra o Cristo de seu evangelho reduzem toda o agir a Deus o Pai Eacute ele quem opera no Filho o defende e o honra Natildeo eacute por acaso que por isso aparece nos versiacuteculos finais 42-44 o principal mandamento a confissatildeo do Deus uacutenico de Israel e a ordem de amaacute-lo A partir daiacute a reivindicaccedilatildeo de Jesus em Jo 5 e nas grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 merece renovada reflexatildeo

2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)1 Depois disso Jesus foi para para o outro lado do mar da Galileacuteia ou seja de Tiberiacuteades 2 Uma grande multidatildeo o seguia vendo os sinais que ele fazia a favor dos doentes 3 Jesus subiu a montanha e sentou-se laacute com os seus disciacutepulos 4 Estava proacutexima a Paacutescoa a festa dos judeus 5 Levantando os olhos e vendo uma grande multidatildeo que vinha a ele Jesus disse a Filipe ldquoOnde vamos comprar patildeo para que essa gente possa comerrdquo 6 Disse isso para testar Filipe pois ele sabia muito bem o que ia fazer 7 Filipe respondeu ldquoNem duzentos denaacuterios de patildeo bastariam para dar um pouquinho a cada umrdquo 8 Um dos disciacutepulos Andreacute irmatildeo de Simatildeo Pedro disse 9 ldquoEstaacute aqui um menino com cinco patildees de cevada e dois peixes Mas que eacute isso para tanta genterdquo 10 Jesus disse ldquoFazei as pessoas sentar-serdquo Naquele lugar havia muita relva e laacute se sentaram os homens em nuacutemero de aproximadamente cinco mil 11 Jesus tomou os patildees deu graccedilas e distribuiu aos que estavam sentados tanto quanto queriam E fez o mesmo com os peixes 12 Quando todos se fartaram disse aos disciacutepulos ldquoJuntai os pedaccedilos que sobraram para que nada se percardquo 13 Eles juntaram e encheram doze cestos com os pedaccedilos que sobraram dos cinco patildees de cevada que comeram 14 Agrave vista do sinal que Jesus tinha realizado as pessoas exclamavam ldquoEste eacute verdadeiramente o profeta aquele que deve vir ao mundordquo 15 Quando Jesus percebeu que queriam levaacute-lo para proclamaacute-lo rei novamente se retirou para a montanha sozinho

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16 Ao anoitecer os disciacutepulos desceram para a beira-mar 17 Entraram no barco e foram na direccedilatildeo de Cafarnaum do outro lado do mar Jaacute estava escuro e Jesus ainda natildeo tinha vindo a eles 18 Soprava um vento forte e o mar estava agitado 19 Os disciacutepulos tinham remado vinte e cinco ou trinta estaacutedios quando avistaram Jesus andando sobre as aacuteguas e aproximando-se do barco Eles ficaram com medo 20 Jesus poreacutem lhes disse ldquoSou eu Natildeo tenhais medordquo 21 Eles queriam receber Jesus no barco mas logo o barco atingiu a terra para onde estavam indo22 No dia seguinte a multidatildeo que tinha ficado do outro lado do mar notou que antes havia aiacute um soacute barco e que Jesus natildeo entrara nele com os disciacutepulos os quais haviam partido sozinhos 23 Entretanto outros barcos chegaram de Tiberiacuteades perto do lugar onde tinham comido o patildeo depois de o Senhor ter dado graccedilas 24 Quando a multidatildeo percebeu que Jesus natildeo estava aiacute nem os seus disciacutepulos entraram nos barcos e foram procurar Jesus em Cafarnaum 25 Encontrando-o do outro lado do mar perguntaram-lhe ldquoRabi quando chegaste aquirdquo 26 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo estais me procurando natildeo porque vistes sinais mas porque comestes patildeo e ficastes saciados 27 Trabalhai natildeo pelo alimento que se perde mas pelo alimento que permanece ateacute agrave vida eterna e que o Filho do Homem vos daraacute Pois a este Deus Pai o marcou com seu selo 28 Perguntaram entatildeo ldquoQue devemos fazer para praticar as obras de Deusrdquo 29 Jesus respondeu ldquoA obra de Deus eacute que acrediteis naquele que ele enviourdquo 30 Eles perguntaram ldquoQue sinais realizas para que possamos ver e acreditar em ti Que obras fazes 31 Nossos pais comeram o manaacute no deserto como estaacute na Escritura lsquoDeu-lhes a comer patildeo do ceacuteursquordquo 32 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo natildeo foi Moiseacutes quem vos deu o patildeo do ceacuteu Eacute meu Pai quem vos daacute o verdadeiro patildeo do ceacuteu 33 Pois o patildeo de Deus eacute aquele que desce do ceacuteu e daacute vida ao mundordquo 34 Eles entatildeo pediram ldquoSenhor daacute-nos sempre desse patildeordquo 35 Jesus lhes disse ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sede 36 Contudo eu vos disse que me vistes mas natildeo credes 37 Todo aquele que o Pai me daacute viraacute a mim e quem vem a mim eu natildeo jogarei fora 38 porque eu desci do ceacuteu natildeo para fazer a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou ldquo39 E esta eacute a vontade daquele que me enviou que eu natildeo perca nenhum daqueles que ele me deu mas os ressuscite no uacuteltimo dia 40 Esta eacute a vontade do meu Pai quem vecirc o Filho e nele crecirc tenha vida eterna E eu o ressuscitarei no uacuteltimo diardquo41 Entatildeo os judeus comeccedilaram a murmurar contra Jesus porque ele disse ldquoEu sou o patildeo que desceu do ceacuteurdquo 42 Diziam ldquoEste natildeo eacute Jesus o filho de Joseacute Natildeo conhecemos noacutes o seu pai e sua matildee Como pode entatildeo dizer que desceu do ceacuteurdquo 43 Jesus respondeu ldquoNatildeo murmureis entre voacutes 44 Ningueacutem pode vir a mim se o Pai que me enviou natildeo o atrair E eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 45 Estaacute escrito nos Profetas lsquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrsquo Ora todo aquele que escutou o ensinamento do Pai e o aprendeu vem a mim 46 Ningueacutem jamais viu o Pai a natildeo ser aquele que vem de junto de Deus este viu o Pai 47 Ameacutem ameacutem vos digo quem crecirc tem vida eterna 48 Eu sou o patildeo da vida 49 Os vossos pais comeram o manaacute no deserto e no entanto morreram 50 Aqui estaacute o patildeo que desce do ceacuteu para que natildeo morra quem dele comer51 ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteu Quem come deste patildeo viveraacute eternamente E o patildeo que eu darei eacute a minha carne dada pela vida do mundordquo 52 Os judeus discutiam entre si ldquoComo eacute que ele pode dar a sua carne a comerrdquo 53 Jesus disse ldquoAmeacutem ameacutem vos digo se natildeo comerdes a carne do Filho do Homem e natildeo beberdes o seu sangue natildeo tereis vida em voacutes 54 Quem mastiga minha carne e

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bebe meu sangue tem vida eterna e eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 55 Pois minha carne eacute verdadeira comida e meu sangue eacute verdadeira bebida 56 Quem mastiga minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele 57 Como o Pai que vive me enviou e eu vivo por meio dele assim viveraacute por meio de mim aquele que me mastiga 58 Este eacute o patildeo que desceu do ceacuteu Natildeo eacute como aquele que vossos pais comeram ndash e no entanto morreram Quem mastiga este patildeo viveraacute para semprerdquo 59 Jesus falou essas coisas ensinando na reuniatildeo sinagogal em Cafarnaum 60 Muitos disciacutepulos que o ouviram disseram entatildeo ldquoEssa palavra eacute inaceitaacutevel Quem consegue escutaacute-lardquo 61 Percebendo que seus disciacutepulos estavam murmurando por causa disso Jesus perguntou ldquoIsto vos escandaliza 62 Que seraacute entatildeo quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes 63 O Espiacuterito eacute que daacute vida a carne de nada serve As palavras que vos falei satildeo Espiacuterito e satildeo vida 64 Mas haacute alguns entre voacutes que natildeo crecircemrdquo Jesus sabia desde o iniacutecio quem eram os que acreditavam e quem havia de entregaacute-lo 65 E acrescentou ldquoEacute por isso que eu vos disse lsquoNingueacutem pode vir a mim a natildeo ser que lhe seja dado pelo Pairsquordquo 66 A partir daquele momento muitos disciacutepulos o abandonaram e natildeo mais andavam com ele 67 Jesus disse aos Doze ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo 68 Simatildeo Pedro respondeu ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna 69 Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo 70 Jesus respondeu ldquoNatildeo vos escolhi doze Contudo um de voacutes eacute um diabordquo 71 Ele falava de Judas filho de Simatildeo Iscariotes pois este um dos Doze iria entregaacute-lo

I

Agrave primeira vista Jo 6 natildeo se insere sem dificuldade no contexto do EJ No iniacutecio do capiacutetulo supotildee-se que Jesus se encontra na proximidade do lago de Tiberiacuteades na Galileacuteia enquanto o cap 5 relatava seu discurso diante dos ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem em continuidade com a cura do aleijado na piscina de Betesda Em Jo 714-24 remete-se a esta cura em dia de saacutebado Jaacute em Jo 72 eacute alegada como razatildeo da estada de Jesus na Galileia o fato de que os ldquojudeusrdquo o querem matar com uma alusatildeo 518 No decorrer do seacuteculo XX os problemas da sequecircncia do texto levaram comentadores famosos a inverter a ordem de Jo 5 e Jo 653 Deste modo surgiria um texto mais compreensiacutevel Como no fim do cap 4 no cap 6 Jesus se encontra na Galileia Se o cap 5 segue depois do cap 6 a dupla remissiva ao cap 5 em Jo 7 torna-se compreensiacutevel Mas esta proposta natildeo vingou nos uacuteltimos anos O respeito pelo texto dado natildeo permite com facilidade esta ou outras propostas de inversatildeo e os manuscritos natildeo fornecem nenhum ensejo para isso Tambeacutem eacute possiacutevel resgatar a ordem atual do texto quando se parte da ideia de que os indiacutecios geograacuteficos e cronoloacutegicos pelo menos para o autor natildeo constituiacuteram o criteacuterio decisivo para o decurso do texto

Como jaacute sugerido eacute bem possiacutevel ver em Jo 6 uma inserccedilatildeo no QE o que tambeacutem resolveria os problemas da sequecircncia do texto54 Neste caso mantenha-se a unidade literaacuteria do capiacutetulo Soacute neste capiacutetulo em Joatildeo fala-se da eucaristia enquanto que ela falta no cap 13 no relato da paixatildeo Aqui em Jo 6 Jesus parece natildeo subir para a festa da Paacutescoa mencionada em 64 Tem-se a impressatildeo de que uma Paacutescoa cristatilde toma o lugar da festa de peregrinaccedilatildeo judaica Jesus a celebra na Galileia terra das primeiras comunidades cristatildes Como seus antagonistas aparecem a partir do v41 os ldquojudeusrdquo que em outros capiacutetulos soacute na Judeia se encontram com Jesus No interior do cap 6

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Joatildeo se mostra fortemente influenciado pela tradiccedilatildeo sinoacuteptica especialmente por Mc 632-56 e 811-33 como mostra este esquemaMultiplicaccedilatildeo dos patildees Mc 632-44 Jo 61-15Caminhando sobre as aacuteguas Mc 645-52 Jo 616-21Encontro com a multidatildeo Mc 653-56 Jo 522-25(29)Pedido de sinal Mc 811-13 Jo 630-31Discurdso do patildeo Mc 814-21 Jo 632-58Identidade de Jesus e confissatildeo de Pedro Mc 8m27-30 Jo 660-66Um dos disciacutepulos eacute o satanaacutes Mc 831-33 Jo 667-71

A secccedilatildeo Mc 71ndash810 natildeo tem correspondecircncias em Joatildeo e portanto falta em Joatildeo a segundo multiplicaccedilatildeo dos patildees como tambeacutem em Lucas No interior de Jo 6 o autor chega a seguir literalmente o texto marcano ou sinoacuteptico Feiccedilotildees deste gecircnero satildeo o nuacutemero de duzentos denaacuterios para comprar patildeo o nuacutemero de patildees e peixes a descriccedilatildeo dos gestos de Jesus os doze cestos com os pedaccedilos de patildeo que sobraram e tambeacutem o nuacutemero dos que foram saciados Em nenhum outro lugar o EJ tanto se aproxima da tradiccedilatildeo sinoacuteptica Podemos comparar com isso antes de tudo o relato de paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus mas haacute aqui diferenccedilas evidentes desde a cronologia da uacuteltima ceia e da morte de Jesus Visto que tambeacutem em Jo 21 o capiacutetulo final que muitos consideram um acreacutescimo aparecem muitos contatos com os sinoacutepticos (cf a pesca milagrosa Lc 51-11 os filhos de Zebedeu Mc 119 par) parece natural adotar tambeacutem para Jo 6 [[206]] uma data de composiccedilatildeo levemente posterior agrave do contexto

Muito por causa da secccedilatildeo dos dons eucariacutesticos de Jesus no uacuteltimo seacuteculo diversas vezes se colocou em duacutevida a unidade literaacuteria do capiacutetulo Assim R Bultmann55 distingue em Jo 6 quatro camadas diferenciadas uma ldquofonte dos sinaisrdquo agrave qual se devem a multiplicaccedilatildeo dos patildees e a caminhada sobre as aacuteguas (61-1516-21) fragmentos de uma fonte de discursos de revelaccedilatildeo de inspiraccedilatildeo gnoacutestica especialmente no discurso do patildeo em Jo 627-51c a matildeo redatora do evangelista especialmente tambeacutem na parte cristoloacutegica do discurso do patildeo e a redaccedilatildeo eclesial agrave qual se devem a secccedilatildeo ldquoeucariacutesticardquo de 651d-58 e as alusotildees agrave futura ressurreiccedilatildeo dos mortos em 6394044 Semelhante dissecccedilatildeo em camadas encontra-se na exegese que se inspira em Bultmann mesmo quando abre matildeo da ldquofonte dos discursosrdquo de influecircncia gnoacutestica56

Um novo modelo de diversas camadas encontra-se em Paul N Anderson que parte da sedimentaccedilatildeo de diversos conflitos sucessivos em Jo 657 Um primeiro conflito seria o da massa popular em torno do alimento verdadeiro (vv 25-40) o segundo com os ldquojudeusrdquo acerca da Toraacute e do patildeo do ceacuteu (vv 41-51) depois um cisma envolvendo principalmente os disciacutepulos oriundos do paganismo acerca da verdadeira corporeidade de Jesus (vv 51-66) e finalmente uma controveacutersia sobre o lugar certo do grupo joaneu na paisagem da comunidade joanina e da Grande Igreja representada por Pedro (vv 67-70) Menos complexo eacute o modelo de J Painter58 segundo o qual em Jo 6 estaacute integrado uma ldquohistoacuteria de buscardquo (ldquoquest storyrdquo) na qual a massa popular busca e encontra Jesus A essa liga-se nos vv 41-66 uma seacuterie de ldquohistoacuterias de rejeiccedilatildeordquo (ldquorejection storiesrdquo) que teriam sida acrescentadas secundariamente Os vv 67-70 serviram entatildeo para reconciliar os membros da comunidade joanina com adeptos de um cristianismo para a qual a figura de Pedro tinha significaccedilatildeo extraordinaacuteria

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

76 77 78 79 80 81 82

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

83 84 85 86

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 11:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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521-23 Os versiacuteculos anteriores expuseram a dependecircncia do Filho em relaccedilatildeo ao Pai o Filho natildeo faz nada a natildeo ser o que ele vecirc o Pai fazer Os vv 21-23 em compoensaccedilo acentuam a dignidade do Filho Terminam asseverando que cada um que honra o Pai honra tambeacutem o Filho A dignidade do Filho eacute mostrada por sua participaccedilatildeo nas obras que satildeo reservadas a Deus soacute ressuscitar os mortos e executar o julgamento De fato o julgamento eacute reservado exclusivamente ao Filho Deus nem participa dele Nestes versiacuteculos mostra-se a teologia joanina como reflexatildeo priacutestina da Igreja sobre a dignidade de Cristo A visatildeo de Joatildeo aproxima-se da de Paulo e de sua tradiccedilatildeo (cf o hino que Paulo utilizou em Fl 26-11 ou o iniacutecio da carta aos Romanos Rm 13-4 ou tambeacutem a foacutermula ldquotrinitaacuteriardquo de 2Cor 1313) Visatildeo semelhante encontra-se tambeacutem em outras camadas e escritos do NT [[194]] (cf Mt 1125-27 Mc 111par 97 par Hb 11-4) Para a outorga do julgamento ao Filho do Homem cf Mc 1326s par Mt 2531-46

Desde o iniacutecio a divindade de Jesus encontrou resistecircncia Bem cedo judeus e provavelmente tambeacutem judeu-cristatildeos opuseram-se a essa visatildeo As grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 encontram aqui sua fundamentaccedilatildeo Pouco depois Aacuterio vai combater a filiaccedilatildeo divina de Jesus Segundo ele Jesus eacute criatura natildeo igual ao Pai Na hora presente surge resistecircncia agrave metaacutefora familiar que serve para articular o discurso sobre o Pai e o Filho E M Boring40 expressa estas ressalvas para o mundo ocidental A seu ver exprime-se no discurso sobre ldquoPairdquo e ldquoFilhordquo certo patriarcalismo que eacute posto em xeque natildeo soacute do lado feminista mas tambeacutem por contemporacircneos que questionam a autoridade paterna como tal Importa levar a seacuterio tais questionamentos observando poreacutem que elas surgem principalmente do mundo ocidental

524-27 Nos versiacuteculos que aqui seguem promete-se vida eterna aos que ouvem a palavra de Jesus e creem no Deus que o enviou Mais exatamente a vida eterna natildeo eacute prometida aqui mas explica-se que todos os que ouvem a palavra de Jesus e creem no Pai jaacute passaram da morte para a vida (tempo perfeito grego) Estes natildeo chegam ao julgamento Aqui se exprime a ldquoescatologia presenterdquo tiacutepica do QEvg Segundo a visatildeo judaica tradicional todo ser humano enfrenta a morte no fim de sua vida terrestre E depois haveraacute segundo a convicccedilatildeo farisaica a ressurreiccedilatildeo dos mortos (ou dos justos) com o julgamento e com a vida eterna para os justos Segundo Joatildeo a morte verdadeira consiste na separaccedilatildeo de Deus a origem da vida Desta morte pode-se passar jaacute agora para a vida verdadeira a vida eterna quando se crecirc em Jesus e naquele que o enviou Quem age assim natildeo vai a juiacutezo Esta visatildeo encontra-se tambeacutem em outro lugar no QE (cf 315-1836 64047 1246s) A promessa de ldquovida eternardquo encontra-se jaacute em Dn 122 onde ela eacute prometida aos justos para o dia do julgamento final quando sairatildeo de seus sepulcros O papel do arcanjo Miguel eacute assumido [[195]] em Joatildeo pelo ldquoFilho de Deusrdquo na funccedilatildeo de ldquoFilho do homemrdquo (cf v27 Dn 723s) A expressatildeo ldquovem a horardquo eacute completada no v 25 por ldquo e eacute agorardquo A partir daqui os conceitos de ldquomorterdquo e ldquovidardquo satildeo reinterpretados A morte consiste na separaccedilatildeo de Deus como fonte originaacuteria da vida e a ldquovidardquo eacute a ldquovida eternardquo na medida em que vem de Deus O futuro gramatical que aparece aqui no enunciado sobre o ouvir da voz da ressurreiccedilatildeo e da vida perde seu sentido de indicaccedilatildeo temporal e eacute antes de natureza loacutegica o que deve acontecer acontece agora na ldquohorardquo do crer

No v 26 o evangelista abandona por um momento o ideaacuterio apocaliacuteptica da tradiccedilatildeo e fala de Cristo como fonte da vida numa linguagem mais fortemente teoloacutegica O Pai tem em si a vida e este pleno poder ele o transmitiu tambeacutem ao Filho Aqui volta agrave mente o Proacutelogo do QE (Jo 14) onde o Logos divino aparece como portador da fonte da vida 40

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No v 27 o autor volta ao ideaacuterio apocaliacuteptico Os comentadores veem no v 27 um eco de Dn 713s embora nesse lugar natildeo se exprima propriamente o julgamento mas antes todo o senhorio ateacute o fim do tempo Uma confirmaccedilatildeo da dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Daniel neste lugar pode transparecer na falta do artigo definido no v 27 ldquoporque ele eacute um filho do homemrdquo

528-29 A injunccedilatildeo no iniacutecio do v 28 ndash ldquoNatildeo fiqueis admirados com issordquo ndash pode ser conectado ao contexto anterior como muitas vezes se faz Neste caso a partiacutecula hoacuteti que se segue tem antes um sentido causal e poderia ser substituiacutedo por dois pontos Mas eacute possiacutevel tambeacutem relacionar a injunccedilatildeo com o contexto subsequente e entender o hoacuteti como declarativo eacute a interpretaccedilatildeo de H-C Kammler41 Contudo natildeo faz tanta diferenccedila no sentido

Os vv 28s retomam o v 25 como geralmente eacute observado Os versiacuteculos se correspondem ateacute na formulaccedilatildeo como mostra este quadro 25 ἔρχεται ὥρα καὶ νῦν ἐστιν ὅτε οἱ νεκροὶ ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς τοῦ υἱοῦ τοῦ θεοῦ καὶ οἱ ἀκούσαντες ζήσουσιν

28s ἔρχεται ὥρα ἐν ᾗ πάντες οἱ ἐν τοῖς μνημείοις ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς αὐτοῦ καὶ ἐκπορεύσονται οἱ τὰ ἀγαθὰ ποιήσαντες εἰς ἀνάστασιν ζωῆς οἱ δὲ τὰ φαῦλα πράξαντες εἰς ἀνάστασιν κρίσεως

As principais diferenccedilas satildeo estas os vv 28s dizem ldquovem a horardquo sem acrescentar ldquoe eacute agorardquo Tambeacutem dizem ldquotodos os que estatildeo nos sepulcrosrdquo em vez de ldquoos mortosrdquo e o julgamento parece estar ligado agraves obras de cada um Como entender essas diferenccedilas Trecircs modelos entram na discussatildeo

O primeiro modelo eacute o da ldquoescatologia presenterdquo representado sobretudo pelo comentaacuterio de R Bultmann publicado em 1941 e seguido por numerosos autores42 Segundo estes autores o texto de Jo 528s fala de uma futura ressurreiccedilatildeo dos mortos no dia do juiacutezo final A ldquoescatologia presenterdquo de Joatildeo pareceu ousada demais para a Igreja a no fim do seacuteculo I e foi por isso completada pelo modelo ldquoclaacutessicordquo da escatologia judaica que se encontra tambeacutem em outros escritos do NT (sinoacutepticos e Paulo pelo menos em parte) Deste modo ldquosalvou-serdquo o QE para a Igreja poacutes-apostoacutelica

O segundo modelo eacute o de duas camadas no EJ que se completam mutuamente Eacute adotado pelos grandes comentaacuterios da Gratilde-Bretanha43 dos EUA44 e de muitos autores da Europa continental45 Segundo estes autores o evangelista retoma sua caracteriacutestica escatologia presente reformulando-a em termos de escatologia futura Neste caso natildeo eacute preciso tomar como ponto de partida o modelo judeu-apocaliacuteptico ou protocristatildeo da ressurreiccedilatildeo dos mortos no fim do tempo Joatildeo natildeo fala de fato dos ldquomortosrdquo que ressuscitam mas daqueles ldquoque estatildeo nos sepulcrosrdquo os ldquomortosrdquo satildeo em todo o caso aqueles que jaacute nesta vida ficaram separados de Deus por terem-se decidido contra Deus Estas observaccedilotildees jaacute se encontram no comentaacuterio de Josef Blank Ultimamente Joumlrg Frey na sua obra magistral em trecircs volumes sobre a escatologia joanina46 defende com forccedila a tese de que ambas as escatologia em Joatildeo devem ser consideradas de modo

41 42 43 44 45 46

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complementar Sem a escatologia futura o querigma joaneu seria incompleto A Bultmann se deve conceder que as ldquoobrasrdquo mencionadas no texto de Joatildeo natildeo satildeo as ldquoobras boasrdquo ou ldquomaacutesrdquo do judaiacutesmo ou do protocristianismo mas a feacute ou a descrenccedila em relaccedilatildeo a Cristo (cf Jo 316-19 629)

Um terceiro modelo interpreta Jo 525-29 de modo estritamente unitaacuterio e isso a partir da escatologia presente47 Tambeacutem os vv 28s podem ser interpretados no sentido da escatologia presente quando lidos direitinho apesar de sua formulaccedilatildeo que evoca a escatologia futura O futuro gramatical seria semelhante ao do v 25 (cf tambeacutem Jo 1016) Segundo esta proposta Jesus fala do tempo poacutes-pascal quando as promessas do tempo final estaratildeo realizadas48 Este estudo merece consideraccedilatildeo mais profunda com consideraccedilatildeo de outros textos ldquoescatoloacutegicosrdquo de Joatildeo como 639404454 A favor desta proposta pode-se alegar que em Jo 42123 natildeo parece haver diferenccedila semacircntica entre ldquovem a horardquo (eacuterkhetai hocircra) e ldquoa hora vem e aacute agorardquo (eacuterkhetai hocircra kai nyn estin)

530 Assim como Jesus concede a vida em plena dependecircncia do Pai assim tambeacutem exerce o julgamento Isso eacute dito no versiacuteculo final v 30 De fato Jesus natildeo procura sua proacutepria vontade mas a vontade de quem o enviou (cf Jo 528) Por isso seu julgamento eacute reto Literariamente este versiacuteculo pela retomada do v19 encerra de modo eficaz a periacutecope 519-30 Ao mesmo tempo prepara a transiccedilatildeo para a secccedilatildeo seguinte

Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)

Esta secccedilatildeo eacute semelhante em sua composiccedilatildeo agrave precedente (Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria 519-30) e agrave subsequente (Jesus natildeo procura sua proacutepria honra 541-47) O princiacutepio fundamental se encontra no iniacutecio da secccedilatildeo e assim eacute apresentado o tema Sempre Jesus rejeita arrogar para si proacuteprio honra e autoridade Sua autoridade seu reconhecimento e sua honra vecircm de Deus Exatamente por esta razatildeo ele se eleva acima de qualquer autoridade humana Deus mesmo opera nele o legitima e o honra

A secccedilatildeo 531-40 eacute caracterizada pelo campo semacircntico do ldquotestemunhordquo49 No v 31 Jesus contesta que ele daacute testemunho a favor de si mesmo (em Jo 812-20 prevalece outro ponto de vista) Quem daacute testemunho a favor dele eacute outro o Pai que por enquanto natildeo eacute nomeado (no v 32) Acresce o testemunho de Joatildeo Batista agora uma figura do passado (533-35) No v 36 o evangelista volta ao tema do ldquooutrordquo que testemunha a favor de Jesus e agora fica claro que se trata do Pai Ele eacute quem concede a Jesus realizar as obras admiraacuteveis que datildeo testemunho em seu favor (v 36) e ele testemunha tambeacutem diretamente a favor de Jesus (vv 37-38) como jaacute o fez no passado nas Escrituras de Israel (v39) Para valorizar esse testemunho muacuteltiplo [[198]] basta a boa vontade para se deixar conduzir a Jesus e assim receber a vida (v 40)

531-32 Os dois versiacuteculos introdutoacuterios satildeo moldados na forma dos vv 19 e 41 e expressam a dependecircncia ilimitada de Jesus como Filho em relaccedilatildeo ao Pai mas exprimem tambeacutem a autoridade que o Pai lhe concedeu em vista de sua missatildeo Quanto agrave ldquoverdaderdquo deste testemunho comparem-se Jo 1935 2114 e 3Jo 9

533-35 Alem de Deus que daacute plena autoridade a Jesus na sua missatildeo em ato e palavra a principal testemunha de Jesus segundo o evangelista eacute Joatildeo Batista Desde o Proacutelogo (16-8 e 15) ele aparece como testemunha a favor de Jesus A parte narrativa do QE comeccedila com uma grande secccedilatildeo sobre o testemunho do Batista a favor de Jesus (Jo 47 48 49

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119-34) Este testemunho eacute pressuposto e continuado no diaacutelogo do Batista com seus disciacutepulos em Jo 322-30 o Batista eacute apenas o amigo do esposo e se alegra ao ouvir a voz do esposo no quarto nupcial (329) ele apenas vem agrave frente do Messias natildeo eacute o proacuteprio Messias A tarefa de Joatildeo de ser testemunha de Jesus parece tatildeo dominante para o QEvg que ele nunca o chama de ldquobatistardquo mas dele soacute fala em termos de testemunha Ele eacute revezado em sua qualidade de ldquoacompanhanterdquo de Jesus por Laacutezaro nos caps 11-12 e pelo Disciacutepulo Amado nos caps 13-21

No tempo da controveacutersia de Jesus com os ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem depois da cura do aleijado o Batista jaacute havia terminado seu percurso Jesus fala dele em termos de passado Os ldquojudeusrdquo tinham enviado a ele uma delegaccedilatildeo para saber quem era Jesus mas natildeo quiseram aceitar seu testemunho Mais soacute o aguentaram por pouco tempo e depois o eliminaram O QEvg expressa essa experiecircncia com a imagem da lacircmpada Os ldquojudeusrdquo soacute quiseram alegrar-se agrave sua luz por pouco tempo Em termos de linguagem e conteuacutedo nota-se a diferenccedila com Jesus Joatildeo eacute a ldquolacircmpadardquo Jesus eacute a luz do mundo (cf Jo 14s9 812 95 1246)

536 A seguir Jesus trata do testemunho do Pai nas obras que este lhe concede Estras obra conduziram agrave admiraccedilatildeo e agrave feacute como vimos nos primeiros sinais de Jesus (Jo 21-12 e 446-54 cf 223 32) Poder-se-iaacrscenarf as obra de que fala Jesus em Jo 517-30 especialmente as pelas quais ele faz vikver os mortos e no nome de Deus faz o julgamento Mas estras obras soacute se percebem na feacute

Quando se pergunta pelos antecedentes literaacuterios da representaccedilatildeo joanina do testemunho das obras a favor de Jesus podem alegar-se textos do judaiacutesmo heleniacutestico que falam do testemunho de Deus a favor de Moiseacutes Tanto Flaacutevio Josefo como tambeacutem Fiacutelon de Alexandria falam de tal testemunho lembrando os ldquosinaisrdquo que Moiseacutes operou quando da saiacuteda de Israel do Egito e quando da travessia pelo mar Vermelho e pelo deserto (Fiacutelon Vita Mos 2[3] 263281 Flaacutevio Josefo Contra Ap II 53)50 No NT este tema eacute utilizado cristologicamente em At 143 e Hb 24 114

537-39 Assim como o Pai testemunhou a favor de Jesus nas obras que ele lhe concedeu realizar tambeacutem deu testemunho a favor dele na sua palavra Essa palavra se deu na Antiga Alianccedila Verdade eacute que os israelitas natildeo puderam ouvi-la como tambeacutem natildeo puderam ver a face de Deus Mas eles possuiacuteam o testemunho divino a favor de Jesus nas suas Sagradas Escrituras Se as tivessem perscrutado teriam descoberto o seu testemunho a favor de Jesus

O ldquotestemunhordquo das escrituras eacute de modo novo um tema caracteriacutestico do QE mas natildeo sem antecedentes e paralelos nos demais escritos do NT A tradiccedilatildeo sinoacuteptica conhece sobretudo o cumprimento de determinadas passagens das Escrituras de Israel em Jesus em sua vida e em seu sofrimento Joatildeo ndash em concordacircncia com os sinoacutepticos ndash mostra esse modo de proceder sobretudo no seu relado da Paixatildeo Em Jo 1238 aparece pela primeira vez a foacutermula ldquoAssim havia de se cumprirrdquo Mais caracteriacutestico de Joatildeo eacute o uso da Escritura como testemunho a favor de Jesus sem a citaccedilatildeo de determinada passagem51 Natildeo esta ou aquela passagem mas a Escritura como tal daacute testemunho a favor de Jesus Jo 539 eacute o texto claacutessico para ilustrar este modo de ver mas veja-se tambeacutem Jo 145 545-47 1034 uma citaccedilatildeo dos Salmos como testemunho da ldquoLeirdquo

Quando os israelitas natildeo conseguem perceber nas suas escrituras o testemunho a favor de Jesus a culpa natildeo eacute da Escritura Satildeo antes os leitores que natildeo estatildeo dispostos a abrir-se para a mensagem da Escritura Assim retiram-se da fonte da vida50 51

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Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)

Esta uacuteltima secccedilatildeo do discurso de Jesus pode ser subdividido em duas partes Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41-44) e natildeo eacute Jesus que acusa os judeus mas Moiseacutes (vv 45-47)

541-44 O conjunto dos vv 41-44 eacute emoldurado pelo tema da ldquohonrardquo52 Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41) Satildeo antes os seus adversaacuterios que fazem isso colhendo honra uns dos outros e natildeo do Deus uacutenico (v 44) de modo a serem incapazes de ir ateacute Jesus e de crer nele Nos vv 42-43 indica-se uma razatildeo mais profunda da atitude errada dos adversaacuterios de Jesus eles natildeo tecircm em si o amor de Deus Assim eles recebem quem se apresenta em nome proacuteprio mas natildeo aquele que vem em nome de Deus Jesus

Salvo engano estes versiacuteculos devem ter sido influenciados pela confissatildeo de feacute de Israel o Shemalsquo Yisrael ldquoOuve Israelrdquo de Dt 64s Neste texto central do judaiacutesmo Deus ordena a seu povo confessaacute-lo como Deus uacutenico e confessaacute-lo de todo o coraccedilatildeo A influecircncia deste texto sobre Jo 541-44 como tambeacutem sobre Jo 841s foi pouco observado ateacute agora Em ambos os lugares satildeo interligados a unicidade de Deus e o amor a ele ou a Jesus como enviado do Pai Um eco deste mandamento encontra-se tambeacutem em Jo 2115-17 (o amor de Pedro a Jesus como expressatildeo de sua relaccedilatildeo fundamental para com ele possibilitando seu encargo como pastor do rebanho do Senhor)

Se esta interpretaccedilatildeo estiver certa segue-se para Jo 542 e textos similares do QE que a expressatildeo hē agaacutepē tou theoacuteu deve ser entendida como genitivo de objeto No EJ trata-se de ter a relaccedilatildeo reta para com Deus tambeacutem como membro do povo de Israel Quem natildeo ama a Deus natildeo amaraacute o Cristo seu Filho e buscaraacute sua proacutepria honra Na Primeira Carta de Joatildeo a situaccedilatildeo eacute diferente O autor encontra-se em discussatildeo com um grupo que arroga para si em alto grau a posse do Espiacuterito considera estar acima da Lei e poder afirmar que conhece Deus e o ama A estas pessoas a 1Jo diz que antes de tudo satildeo amadas por Deus antes de poderem dizer que amam a Deus (cf 1Jo 47-21 tambeacutem 215 316s)

545-47 Para a transiccedilatildeo ao tema da honra para o de Moiseacutes satildeo apontadas diversas razotildees Jaacute em Jo 539 Jesus afirmou que as Escrituras falam dele As Escrituras de Israel satildeo a Toraacute mediada por Moiseacutes e tambeacutem os demais escritos principalmente os Salmos Neste sentido o tema de Moiseacutes que acusa os israelitas jaacute foi preparado no contexto imediatamente anterior O texto lembra tambeacutem Jo 719-23 onde Jesus em conexatildeo com a cura que realizou em dia de saacutebado arguacutei a partir da Lei de Moiseacutes que permite a circuncisatildeo no saacutebado Podemos ver tambeacutem em Jo 545-47 uma referecircncia agrave controveacutersia sobre a aplicaccedilatildeo da Lei de Moiseacutes em torno da cura que Jesus realizou

A convicccedilatildeo de que Moiseacutes escreveu a respeito de Jesus (v 46) pode-se deduzir da visatildeo global de Joatildeo segundo a qual a Escritura inteira quando lida direitinho fala de Jesus Um primeiro exemplo encontra-se em Jo 145 nas palavras de Filipe ldquoEncontramos Jesus o filho de Joseacute de Nazareacute aquele sobre quem escreveram Moiseacutes na Lei e os Profetasrdquo

Os israelitas creram em Deus e em Moiseacutes como eacute dito no fim do relato da saiacuteda milagrosa de Israel do Egito e da travessia do mar Vermelho em Ex 143 Os israelitas do tempo de Jesus estatildeo nesta tradiccedilatildeo A eles eacute que Jesus dirige a palavra dizendo que natildeo basta crer em Moiseacutes mas que eacute preciso ler suas escrituras no modo certo como testemunho a favor de Jesus Quem acredita em Moiseacutes tambeacutem deve acreditar em

52

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Jesus pois dele eacute que Jesus escreveu Quem natildeo acredita em Jesus natildeo pode afirmar que acreditou nas palavras de Moiseacutes Deste modo o cap 5 se encerra com uma acusaccedilatildeo contundente contra os ouvintes O conflito continuaraacute nos capiacutetulos 6 e 7ndash8

III

Depois que nos caps 2ndash4 do EJ Jesus levou sua mensagem sempre mais do centro para a periferia da terra de Israel no cap 5 ele volta ao centro e enfrenta a discussatildeo com os habitantes de Jerusaleacutem e os liacutederes do povo judeu em torno de sua missatildeo Um milagre estupendo a cura de algueacutem que havia 38 anos estava aleijado levou agrave discussatildeo de sua accedilatildeo feita no saacutebado e paulatinamente agrave discussatildeo sobre sua pessoa Pela primeira vez ldquoos judeusrdquo aparecem agora numa secccedilatildeo maior como adversaacuterios de Jesus A afirmaccedilatildeo de Jesus de agir em uniatildeo com seu Pai celeste soacute os faz concluir que ele se torna igual em poder e ordem ao Pai Esta afirmaccedilatildeo provocou contestaccedilatildeo natildeo soacute no tempo do evangelista Para entendecirc-la bem vale a pena reler atentamente o desenvolvimento do discurso de Jesus em Jo 519-47

Na leitura atenta nota-se que Jesus continuamente recusa colocar-se a si mesmo no centro Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (vv 19-30) nem testemunha a favor de si mesmo (vv 31-40) nem procura sua proacutepria honra (vv 41-45 ou 47) Deus eacute quem o deixa participar de sua obra que o defende e o honra Olhando por este lado o discurso de vv 19-47 natildeo eacute meramente ou nem em primeiro lugar cristoloacutegico Ele eacute e permanece teoloacutegico Com a melhor tradiccedilatildeo de Israel o QEvg e na sua obra o Cristo de seu evangelho reduzem toda o agir a Deus o Pai Eacute ele quem opera no Filho o defende e o honra Natildeo eacute por acaso que por isso aparece nos versiacuteculos finais 42-44 o principal mandamento a confissatildeo do Deus uacutenico de Israel e a ordem de amaacute-lo A partir daiacute a reivindicaccedilatildeo de Jesus em Jo 5 e nas grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 merece renovada reflexatildeo

2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)1 Depois disso Jesus foi para para o outro lado do mar da Galileacuteia ou seja de Tiberiacuteades 2 Uma grande multidatildeo o seguia vendo os sinais que ele fazia a favor dos doentes 3 Jesus subiu a montanha e sentou-se laacute com os seus disciacutepulos 4 Estava proacutexima a Paacutescoa a festa dos judeus 5 Levantando os olhos e vendo uma grande multidatildeo que vinha a ele Jesus disse a Filipe ldquoOnde vamos comprar patildeo para que essa gente possa comerrdquo 6 Disse isso para testar Filipe pois ele sabia muito bem o que ia fazer 7 Filipe respondeu ldquoNem duzentos denaacuterios de patildeo bastariam para dar um pouquinho a cada umrdquo 8 Um dos disciacutepulos Andreacute irmatildeo de Simatildeo Pedro disse 9 ldquoEstaacute aqui um menino com cinco patildees de cevada e dois peixes Mas que eacute isso para tanta genterdquo 10 Jesus disse ldquoFazei as pessoas sentar-serdquo Naquele lugar havia muita relva e laacute se sentaram os homens em nuacutemero de aproximadamente cinco mil 11 Jesus tomou os patildees deu graccedilas e distribuiu aos que estavam sentados tanto quanto queriam E fez o mesmo com os peixes 12 Quando todos se fartaram disse aos disciacutepulos ldquoJuntai os pedaccedilos que sobraram para que nada se percardquo 13 Eles juntaram e encheram doze cestos com os pedaccedilos que sobraram dos cinco patildees de cevada que comeram 14 Agrave vista do sinal que Jesus tinha realizado as pessoas exclamavam ldquoEste eacute verdadeiramente o profeta aquele que deve vir ao mundordquo 15 Quando Jesus percebeu que queriam levaacute-lo para proclamaacute-lo rei novamente se retirou para a montanha sozinho

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16 Ao anoitecer os disciacutepulos desceram para a beira-mar 17 Entraram no barco e foram na direccedilatildeo de Cafarnaum do outro lado do mar Jaacute estava escuro e Jesus ainda natildeo tinha vindo a eles 18 Soprava um vento forte e o mar estava agitado 19 Os disciacutepulos tinham remado vinte e cinco ou trinta estaacutedios quando avistaram Jesus andando sobre as aacuteguas e aproximando-se do barco Eles ficaram com medo 20 Jesus poreacutem lhes disse ldquoSou eu Natildeo tenhais medordquo 21 Eles queriam receber Jesus no barco mas logo o barco atingiu a terra para onde estavam indo22 No dia seguinte a multidatildeo que tinha ficado do outro lado do mar notou que antes havia aiacute um soacute barco e que Jesus natildeo entrara nele com os disciacutepulos os quais haviam partido sozinhos 23 Entretanto outros barcos chegaram de Tiberiacuteades perto do lugar onde tinham comido o patildeo depois de o Senhor ter dado graccedilas 24 Quando a multidatildeo percebeu que Jesus natildeo estava aiacute nem os seus disciacutepulos entraram nos barcos e foram procurar Jesus em Cafarnaum 25 Encontrando-o do outro lado do mar perguntaram-lhe ldquoRabi quando chegaste aquirdquo 26 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo estais me procurando natildeo porque vistes sinais mas porque comestes patildeo e ficastes saciados 27 Trabalhai natildeo pelo alimento que se perde mas pelo alimento que permanece ateacute agrave vida eterna e que o Filho do Homem vos daraacute Pois a este Deus Pai o marcou com seu selo 28 Perguntaram entatildeo ldquoQue devemos fazer para praticar as obras de Deusrdquo 29 Jesus respondeu ldquoA obra de Deus eacute que acrediteis naquele que ele enviourdquo 30 Eles perguntaram ldquoQue sinais realizas para que possamos ver e acreditar em ti Que obras fazes 31 Nossos pais comeram o manaacute no deserto como estaacute na Escritura lsquoDeu-lhes a comer patildeo do ceacuteursquordquo 32 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo natildeo foi Moiseacutes quem vos deu o patildeo do ceacuteu Eacute meu Pai quem vos daacute o verdadeiro patildeo do ceacuteu 33 Pois o patildeo de Deus eacute aquele que desce do ceacuteu e daacute vida ao mundordquo 34 Eles entatildeo pediram ldquoSenhor daacute-nos sempre desse patildeordquo 35 Jesus lhes disse ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sede 36 Contudo eu vos disse que me vistes mas natildeo credes 37 Todo aquele que o Pai me daacute viraacute a mim e quem vem a mim eu natildeo jogarei fora 38 porque eu desci do ceacuteu natildeo para fazer a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou ldquo39 E esta eacute a vontade daquele que me enviou que eu natildeo perca nenhum daqueles que ele me deu mas os ressuscite no uacuteltimo dia 40 Esta eacute a vontade do meu Pai quem vecirc o Filho e nele crecirc tenha vida eterna E eu o ressuscitarei no uacuteltimo diardquo41 Entatildeo os judeus comeccedilaram a murmurar contra Jesus porque ele disse ldquoEu sou o patildeo que desceu do ceacuteurdquo 42 Diziam ldquoEste natildeo eacute Jesus o filho de Joseacute Natildeo conhecemos noacutes o seu pai e sua matildee Como pode entatildeo dizer que desceu do ceacuteurdquo 43 Jesus respondeu ldquoNatildeo murmureis entre voacutes 44 Ningueacutem pode vir a mim se o Pai que me enviou natildeo o atrair E eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 45 Estaacute escrito nos Profetas lsquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrsquo Ora todo aquele que escutou o ensinamento do Pai e o aprendeu vem a mim 46 Ningueacutem jamais viu o Pai a natildeo ser aquele que vem de junto de Deus este viu o Pai 47 Ameacutem ameacutem vos digo quem crecirc tem vida eterna 48 Eu sou o patildeo da vida 49 Os vossos pais comeram o manaacute no deserto e no entanto morreram 50 Aqui estaacute o patildeo que desce do ceacuteu para que natildeo morra quem dele comer51 ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteu Quem come deste patildeo viveraacute eternamente E o patildeo que eu darei eacute a minha carne dada pela vida do mundordquo 52 Os judeus discutiam entre si ldquoComo eacute que ele pode dar a sua carne a comerrdquo 53 Jesus disse ldquoAmeacutem ameacutem vos digo se natildeo comerdes a carne do Filho do Homem e natildeo beberdes o seu sangue natildeo tereis vida em voacutes 54 Quem mastiga minha carne e

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bebe meu sangue tem vida eterna e eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 55 Pois minha carne eacute verdadeira comida e meu sangue eacute verdadeira bebida 56 Quem mastiga minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele 57 Como o Pai que vive me enviou e eu vivo por meio dele assim viveraacute por meio de mim aquele que me mastiga 58 Este eacute o patildeo que desceu do ceacuteu Natildeo eacute como aquele que vossos pais comeram ndash e no entanto morreram Quem mastiga este patildeo viveraacute para semprerdquo 59 Jesus falou essas coisas ensinando na reuniatildeo sinagogal em Cafarnaum 60 Muitos disciacutepulos que o ouviram disseram entatildeo ldquoEssa palavra eacute inaceitaacutevel Quem consegue escutaacute-lardquo 61 Percebendo que seus disciacutepulos estavam murmurando por causa disso Jesus perguntou ldquoIsto vos escandaliza 62 Que seraacute entatildeo quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes 63 O Espiacuterito eacute que daacute vida a carne de nada serve As palavras que vos falei satildeo Espiacuterito e satildeo vida 64 Mas haacute alguns entre voacutes que natildeo crecircemrdquo Jesus sabia desde o iniacutecio quem eram os que acreditavam e quem havia de entregaacute-lo 65 E acrescentou ldquoEacute por isso que eu vos disse lsquoNingueacutem pode vir a mim a natildeo ser que lhe seja dado pelo Pairsquordquo 66 A partir daquele momento muitos disciacutepulos o abandonaram e natildeo mais andavam com ele 67 Jesus disse aos Doze ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo 68 Simatildeo Pedro respondeu ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna 69 Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo 70 Jesus respondeu ldquoNatildeo vos escolhi doze Contudo um de voacutes eacute um diabordquo 71 Ele falava de Judas filho de Simatildeo Iscariotes pois este um dos Doze iria entregaacute-lo

I

Agrave primeira vista Jo 6 natildeo se insere sem dificuldade no contexto do EJ No iniacutecio do capiacutetulo supotildee-se que Jesus se encontra na proximidade do lago de Tiberiacuteades na Galileacuteia enquanto o cap 5 relatava seu discurso diante dos ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem em continuidade com a cura do aleijado na piscina de Betesda Em Jo 714-24 remete-se a esta cura em dia de saacutebado Jaacute em Jo 72 eacute alegada como razatildeo da estada de Jesus na Galileia o fato de que os ldquojudeusrdquo o querem matar com uma alusatildeo 518 No decorrer do seacuteculo XX os problemas da sequecircncia do texto levaram comentadores famosos a inverter a ordem de Jo 5 e Jo 653 Deste modo surgiria um texto mais compreensiacutevel Como no fim do cap 4 no cap 6 Jesus se encontra na Galileia Se o cap 5 segue depois do cap 6 a dupla remissiva ao cap 5 em Jo 7 torna-se compreensiacutevel Mas esta proposta natildeo vingou nos uacuteltimos anos O respeito pelo texto dado natildeo permite com facilidade esta ou outras propostas de inversatildeo e os manuscritos natildeo fornecem nenhum ensejo para isso Tambeacutem eacute possiacutevel resgatar a ordem atual do texto quando se parte da ideia de que os indiacutecios geograacuteficos e cronoloacutegicos pelo menos para o autor natildeo constituiacuteram o criteacuterio decisivo para o decurso do texto

Como jaacute sugerido eacute bem possiacutevel ver em Jo 6 uma inserccedilatildeo no QE o que tambeacutem resolveria os problemas da sequecircncia do texto54 Neste caso mantenha-se a unidade literaacuteria do capiacutetulo Soacute neste capiacutetulo em Joatildeo fala-se da eucaristia enquanto que ela falta no cap 13 no relato da paixatildeo Aqui em Jo 6 Jesus parece natildeo subir para a festa da Paacutescoa mencionada em 64 Tem-se a impressatildeo de que uma Paacutescoa cristatilde toma o lugar da festa de peregrinaccedilatildeo judaica Jesus a celebra na Galileia terra das primeiras comunidades cristatildes Como seus antagonistas aparecem a partir do v41 os ldquojudeusrdquo que em outros capiacutetulos soacute na Judeia se encontram com Jesus No interior do cap 6

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Joatildeo se mostra fortemente influenciado pela tradiccedilatildeo sinoacuteptica especialmente por Mc 632-56 e 811-33 como mostra este esquemaMultiplicaccedilatildeo dos patildees Mc 632-44 Jo 61-15Caminhando sobre as aacuteguas Mc 645-52 Jo 616-21Encontro com a multidatildeo Mc 653-56 Jo 522-25(29)Pedido de sinal Mc 811-13 Jo 630-31Discurdso do patildeo Mc 814-21 Jo 632-58Identidade de Jesus e confissatildeo de Pedro Mc 8m27-30 Jo 660-66Um dos disciacutepulos eacute o satanaacutes Mc 831-33 Jo 667-71

A secccedilatildeo Mc 71ndash810 natildeo tem correspondecircncias em Joatildeo e portanto falta em Joatildeo a segundo multiplicaccedilatildeo dos patildees como tambeacutem em Lucas No interior de Jo 6 o autor chega a seguir literalmente o texto marcano ou sinoacuteptico Feiccedilotildees deste gecircnero satildeo o nuacutemero de duzentos denaacuterios para comprar patildeo o nuacutemero de patildees e peixes a descriccedilatildeo dos gestos de Jesus os doze cestos com os pedaccedilos de patildeo que sobraram e tambeacutem o nuacutemero dos que foram saciados Em nenhum outro lugar o EJ tanto se aproxima da tradiccedilatildeo sinoacuteptica Podemos comparar com isso antes de tudo o relato de paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus mas haacute aqui diferenccedilas evidentes desde a cronologia da uacuteltima ceia e da morte de Jesus Visto que tambeacutem em Jo 21 o capiacutetulo final que muitos consideram um acreacutescimo aparecem muitos contatos com os sinoacutepticos (cf a pesca milagrosa Lc 51-11 os filhos de Zebedeu Mc 119 par) parece natural adotar tambeacutem para Jo 6 [[206]] uma data de composiccedilatildeo levemente posterior agrave do contexto

Muito por causa da secccedilatildeo dos dons eucariacutesticos de Jesus no uacuteltimo seacuteculo diversas vezes se colocou em duacutevida a unidade literaacuteria do capiacutetulo Assim R Bultmann55 distingue em Jo 6 quatro camadas diferenciadas uma ldquofonte dos sinaisrdquo agrave qual se devem a multiplicaccedilatildeo dos patildees e a caminhada sobre as aacuteguas (61-1516-21) fragmentos de uma fonte de discursos de revelaccedilatildeo de inspiraccedilatildeo gnoacutestica especialmente no discurso do patildeo em Jo 627-51c a matildeo redatora do evangelista especialmente tambeacutem na parte cristoloacutegica do discurso do patildeo e a redaccedilatildeo eclesial agrave qual se devem a secccedilatildeo ldquoeucariacutesticardquo de 651d-58 e as alusotildees agrave futura ressurreiccedilatildeo dos mortos em 6394044 Semelhante dissecccedilatildeo em camadas encontra-se na exegese que se inspira em Bultmann mesmo quando abre matildeo da ldquofonte dos discursosrdquo de influecircncia gnoacutestica56

Um novo modelo de diversas camadas encontra-se em Paul N Anderson que parte da sedimentaccedilatildeo de diversos conflitos sucessivos em Jo 657 Um primeiro conflito seria o da massa popular em torno do alimento verdadeiro (vv 25-40) o segundo com os ldquojudeusrdquo acerca da Toraacute e do patildeo do ceacuteu (vv 41-51) depois um cisma envolvendo principalmente os disciacutepulos oriundos do paganismo acerca da verdadeira corporeidade de Jesus (vv 51-66) e finalmente uma controveacutersia sobre o lugar certo do grupo joaneu na paisagem da comunidade joanina e da Grande Igreja representada por Pedro (vv 67-70) Menos complexo eacute o modelo de J Painter58 segundo o qual em Jo 6 estaacute integrado uma ldquohistoacuteria de buscardquo (ldquoquest storyrdquo) na qual a massa popular busca e encontra Jesus A essa liga-se nos vv 41-66 uma seacuterie de ldquohistoacuterias de rejeiccedilatildeordquo (ldquorejection storiesrdquo) que teriam sida acrescentadas secundariamente Os vv 67-70 serviram entatildeo para reconciliar os membros da comunidade joanina com adeptos de um cristianismo para a qual a figura de Pedro tinha significaccedilatildeo extraordinaacuteria

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 12:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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No v 27 o autor volta ao ideaacuterio apocaliacuteptico Os comentadores veem no v 27 um eco de Dn 713s embora nesse lugar natildeo se exprima propriamente o julgamento mas antes todo o senhorio ateacute o fim do tempo Uma confirmaccedilatildeo da dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Daniel neste lugar pode transparecer na falta do artigo definido no v 27 ldquoporque ele eacute um filho do homemrdquo

528-29 A injunccedilatildeo no iniacutecio do v 28 ndash ldquoNatildeo fiqueis admirados com issordquo ndash pode ser conectado ao contexto anterior como muitas vezes se faz Neste caso a partiacutecula hoacuteti que se segue tem antes um sentido causal e poderia ser substituiacutedo por dois pontos Mas eacute possiacutevel tambeacutem relacionar a injunccedilatildeo com o contexto subsequente e entender o hoacuteti como declarativo eacute a interpretaccedilatildeo de H-C Kammler41 Contudo natildeo faz tanta diferenccedila no sentido

Os vv 28s retomam o v 25 como geralmente eacute observado Os versiacuteculos se correspondem ateacute na formulaccedilatildeo como mostra este quadro 25 ἔρχεται ὥρα καὶ νῦν ἐστιν ὅτε οἱ νεκροὶ ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς τοῦ υἱοῦ τοῦ θεοῦ καὶ οἱ ἀκούσαντες ζήσουσιν

28s ἔρχεται ὥρα ἐν ᾗ πάντες οἱ ἐν τοῖς μνημείοις ἀκούσουσιν τῆς φωνῆς αὐτοῦ καὶ ἐκπορεύσονται οἱ τὰ ἀγαθὰ ποιήσαντες εἰς ἀνάστασιν ζωῆς οἱ δὲ τὰ φαῦλα πράξαντες εἰς ἀνάστασιν κρίσεως

As principais diferenccedilas satildeo estas os vv 28s dizem ldquovem a horardquo sem acrescentar ldquoe eacute agorardquo Tambeacutem dizem ldquotodos os que estatildeo nos sepulcrosrdquo em vez de ldquoos mortosrdquo e o julgamento parece estar ligado agraves obras de cada um Como entender essas diferenccedilas Trecircs modelos entram na discussatildeo

O primeiro modelo eacute o da ldquoescatologia presenterdquo representado sobretudo pelo comentaacuterio de R Bultmann publicado em 1941 e seguido por numerosos autores42 Segundo estes autores o texto de Jo 528s fala de uma futura ressurreiccedilatildeo dos mortos no dia do juiacutezo final A ldquoescatologia presenterdquo de Joatildeo pareceu ousada demais para a Igreja a no fim do seacuteculo I e foi por isso completada pelo modelo ldquoclaacutessicordquo da escatologia judaica que se encontra tambeacutem em outros escritos do NT (sinoacutepticos e Paulo pelo menos em parte) Deste modo ldquosalvou-serdquo o QE para a Igreja poacutes-apostoacutelica

O segundo modelo eacute o de duas camadas no EJ que se completam mutuamente Eacute adotado pelos grandes comentaacuterios da Gratilde-Bretanha43 dos EUA44 e de muitos autores da Europa continental45 Segundo estes autores o evangelista retoma sua caracteriacutestica escatologia presente reformulando-a em termos de escatologia futura Neste caso natildeo eacute preciso tomar como ponto de partida o modelo judeu-apocaliacuteptico ou protocristatildeo da ressurreiccedilatildeo dos mortos no fim do tempo Joatildeo natildeo fala de fato dos ldquomortosrdquo que ressuscitam mas daqueles ldquoque estatildeo nos sepulcrosrdquo os ldquomortosrdquo satildeo em todo o caso aqueles que jaacute nesta vida ficaram separados de Deus por terem-se decidido contra Deus Estas observaccedilotildees jaacute se encontram no comentaacuterio de Josef Blank Ultimamente Joumlrg Frey na sua obra magistral em trecircs volumes sobre a escatologia joanina46 defende com forccedila a tese de que ambas as escatologia em Joatildeo devem ser consideradas de modo

41 42 43 44 45 46

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complementar Sem a escatologia futura o querigma joaneu seria incompleto A Bultmann se deve conceder que as ldquoobrasrdquo mencionadas no texto de Joatildeo natildeo satildeo as ldquoobras boasrdquo ou ldquomaacutesrdquo do judaiacutesmo ou do protocristianismo mas a feacute ou a descrenccedila em relaccedilatildeo a Cristo (cf Jo 316-19 629)

Um terceiro modelo interpreta Jo 525-29 de modo estritamente unitaacuterio e isso a partir da escatologia presente47 Tambeacutem os vv 28s podem ser interpretados no sentido da escatologia presente quando lidos direitinho apesar de sua formulaccedilatildeo que evoca a escatologia futura O futuro gramatical seria semelhante ao do v 25 (cf tambeacutem Jo 1016) Segundo esta proposta Jesus fala do tempo poacutes-pascal quando as promessas do tempo final estaratildeo realizadas48 Este estudo merece consideraccedilatildeo mais profunda com consideraccedilatildeo de outros textos ldquoescatoloacutegicosrdquo de Joatildeo como 639404454 A favor desta proposta pode-se alegar que em Jo 42123 natildeo parece haver diferenccedila semacircntica entre ldquovem a horardquo (eacuterkhetai hocircra) e ldquoa hora vem e aacute agorardquo (eacuterkhetai hocircra kai nyn estin)

530 Assim como Jesus concede a vida em plena dependecircncia do Pai assim tambeacutem exerce o julgamento Isso eacute dito no versiacuteculo final v 30 De fato Jesus natildeo procura sua proacutepria vontade mas a vontade de quem o enviou (cf Jo 528) Por isso seu julgamento eacute reto Literariamente este versiacuteculo pela retomada do v19 encerra de modo eficaz a periacutecope 519-30 Ao mesmo tempo prepara a transiccedilatildeo para a secccedilatildeo seguinte

Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)

Esta secccedilatildeo eacute semelhante em sua composiccedilatildeo agrave precedente (Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria 519-30) e agrave subsequente (Jesus natildeo procura sua proacutepria honra 541-47) O princiacutepio fundamental se encontra no iniacutecio da secccedilatildeo e assim eacute apresentado o tema Sempre Jesus rejeita arrogar para si proacuteprio honra e autoridade Sua autoridade seu reconhecimento e sua honra vecircm de Deus Exatamente por esta razatildeo ele se eleva acima de qualquer autoridade humana Deus mesmo opera nele o legitima e o honra

A secccedilatildeo 531-40 eacute caracterizada pelo campo semacircntico do ldquotestemunhordquo49 No v 31 Jesus contesta que ele daacute testemunho a favor de si mesmo (em Jo 812-20 prevalece outro ponto de vista) Quem daacute testemunho a favor dele eacute outro o Pai que por enquanto natildeo eacute nomeado (no v 32) Acresce o testemunho de Joatildeo Batista agora uma figura do passado (533-35) No v 36 o evangelista volta ao tema do ldquooutrordquo que testemunha a favor de Jesus e agora fica claro que se trata do Pai Ele eacute quem concede a Jesus realizar as obras admiraacuteveis que datildeo testemunho em seu favor (v 36) e ele testemunha tambeacutem diretamente a favor de Jesus (vv 37-38) como jaacute o fez no passado nas Escrituras de Israel (v39) Para valorizar esse testemunho muacuteltiplo [[198]] basta a boa vontade para se deixar conduzir a Jesus e assim receber a vida (v 40)

531-32 Os dois versiacuteculos introdutoacuterios satildeo moldados na forma dos vv 19 e 41 e expressam a dependecircncia ilimitada de Jesus como Filho em relaccedilatildeo ao Pai mas exprimem tambeacutem a autoridade que o Pai lhe concedeu em vista de sua missatildeo Quanto agrave ldquoverdaderdquo deste testemunho comparem-se Jo 1935 2114 e 3Jo 9

533-35 Alem de Deus que daacute plena autoridade a Jesus na sua missatildeo em ato e palavra a principal testemunha de Jesus segundo o evangelista eacute Joatildeo Batista Desde o Proacutelogo (16-8 e 15) ele aparece como testemunha a favor de Jesus A parte narrativa do QE comeccedila com uma grande secccedilatildeo sobre o testemunho do Batista a favor de Jesus (Jo 47 48 49

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119-34) Este testemunho eacute pressuposto e continuado no diaacutelogo do Batista com seus disciacutepulos em Jo 322-30 o Batista eacute apenas o amigo do esposo e se alegra ao ouvir a voz do esposo no quarto nupcial (329) ele apenas vem agrave frente do Messias natildeo eacute o proacuteprio Messias A tarefa de Joatildeo de ser testemunha de Jesus parece tatildeo dominante para o QEvg que ele nunca o chama de ldquobatistardquo mas dele soacute fala em termos de testemunha Ele eacute revezado em sua qualidade de ldquoacompanhanterdquo de Jesus por Laacutezaro nos caps 11-12 e pelo Disciacutepulo Amado nos caps 13-21

No tempo da controveacutersia de Jesus com os ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem depois da cura do aleijado o Batista jaacute havia terminado seu percurso Jesus fala dele em termos de passado Os ldquojudeusrdquo tinham enviado a ele uma delegaccedilatildeo para saber quem era Jesus mas natildeo quiseram aceitar seu testemunho Mais soacute o aguentaram por pouco tempo e depois o eliminaram O QEvg expressa essa experiecircncia com a imagem da lacircmpada Os ldquojudeusrdquo soacute quiseram alegrar-se agrave sua luz por pouco tempo Em termos de linguagem e conteuacutedo nota-se a diferenccedila com Jesus Joatildeo eacute a ldquolacircmpadardquo Jesus eacute a luz do mundo (cf Jo 14s9 812 95 1246)

536 A seguir Jesus trata do testemunho do Pai nas obras que este lhe concede Estras obra conduziram agrave admiraccedilatildeo e agrave feacute como vimos nos primeiros sinais de Jesus (Jo 21-12 e 446-54 cf 223 32) Poder-se-iaacrscenarf as obra de que fala Jesus em Jo 517-30 especialmente as pelas quais ele faz vikver os mortos e no nome de Deus faz o julgamento Mas estras obras soacute se percebem na feacute

Quando se pergunta pelos antecedentes literaacuterios da representaccedilatildeo joanina do testemunho das obras a favor de Jesus podem alegar-se textos do judaiacutesmo heleniacutestico que falam do testemunho de Deus a favor de Moiseacutes Tanto Flaacutevio Josefo como tambeacutem Fiacutelon de Alexandria falam de tal testemunho lembrando os ldquosinaisrdquo que Moiseacutes operou quando da saiacuteda de Israel do Egito e quando da travessia pelo mar Vermelho e pelo deserto (Fiacutelon Vita Mos 2[3] 263281 Flaacutevio Josefo Contra Ap II 53)50 No NT este tema eacute utilizado cristologicamente em At 143 e Hb 24 114

537-39 Assim como o Pai testemunhou a favor de Jesus nas obras que ele lhe concedeu realizar tambeacutem deu testemunho a favor dele na sua palavra Essa palavra se deu na Antiga Alianccedila Verdade eacute que os israelitas natildeo puderam ouvi-la como tambeacutem natildeo puderam ver a face de Deus Mas eles possuiacuteam o testemunho divino a favor de Jesus nas suas Sagradas Escrituras Se as tivessem perscrutado teriam descoberto o seu testemunho a favor de Jesus

O ldquotestemunhordquo das escrituras eacute de modo novo um tema caracteriacutestico do QE mas natildeo sem antecedentes e paralelos nos demais escritos do NT A tradiccedilatildeo sinoacuteptica conhece sobretudo o cumprimento de determinadas passagens das Escrituras de Israel em Jesus em sua vida e em seu sofrimento Joatildeo ndash em concordacircncia com os sinoacutepticos ndash mostra esse modo de proceder sobretudo no seu relado da Paixatildeo Em Jo 1238 aparece pela primeira vez a foacutermula ldquoAssim havia de se cumprirrdquo Mais caracteriacutestico de Joatildeo eacute o uso da Escritura como testemunho a favor de Jesus sem a citaccedilatildeo de determinada passagem51 Natildeo esta ou aquela passagem mas a Escritura como tal daacute testemunho a favor de Jesus Jo 539 eacute o texto claacutessico para ilustrar este modo de ver mas veja-se tambeacutem Jo 145 545-47 1034 uma citaccedilatildeo dos Salmos como testemunho da ldquoLeirdquo

Quando os israelitas natildeo conseguem perceber nas suas escrituras o testemunho a favor de Jesus a culpa natildeo eacute da Escritura Satildeo antes os leitores que natildeo estatildeo dispostos a abrir-se para a mensagem da Escritura Assim retiram-se da fonte da vida50 51

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Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)

Esta uacuteltima secccedilatildeo do discurso de Jesus pode ser subdividido em duas partes Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41-44) e natildeo eacute Jesus que acusa os judeus mas Moiseacutes (vv 45-47)

541-44 O conjunto dos vv 41-44 eacute emoldurado pelo tema da ldquohonrardquo52 Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41) Satildeo antes os seus adversaacuterios que fazem isso colhendo honra uns dos outros e natildeo do Deus uacutenico (v 44) de modo a serem incapazes de ir ateacute Jesus e de crer nele Nos vv 42-43 indica-se uma razatildeo mais profunda da atitude errada dos adversaacuterios de Jesus eles natildeo tecircm em si o amor de Deus Assim eles recebem quem se apresenta em nome proacuteprio mas natildeo aquele que vem em nome de Deus Jesus

Salvo engano estes versiacuteculos devem ter sido influenciados pela confissatildeo de feacute de Israel o Shemalsquo Yisrael ldquoOuve Israelrdquo de Dt 64s Neste texto central do judaiacutesmo Deus ordena a seu povo confessaacute-lo como Deus uacutenico e confessaacute-lo de todo o coraccedilatildeo A influecircncia deste texto sobre Jo 541-44 como tambeacutem sobre Jo 841s foi pouco observado ateacute agora Em ambos os lugares satildeo interligados a unicidade de Deus e o amor a ele ou a Jesus como enviado do Pai Um eco deste mandamento encontra-se tambeacutem em Jo 2115-17 (o amor de Pedro a Jesus como expressatildeo de sua relaccedilatildeo fundamental para com ele possibilitando seu encargo como pastor do rebanho do Senhor)

Se esta interpretaccedilatildeo estiver certa segue-se para Jo 542 e textos similares do QE que a expressatildeo hē agaacutepē tou theoacuteu deve ser entendida como genitivo de objeto No EJ trata-se de ter a relaccedilatildeo reta para com Deus tambeacutem como membro do povo de Israel Quem natildeo ama a Deus natildeo amaraacute o Cristo seu Filho e buscaraacute sua proacutepria honra Na Primeira Carta de Joatildeo a situaccedilatildeo eacute diferente O autor encontra-se em discussatildeo com um grupo que arroga para si em alto grau a posse do Espiacuterito considera estar acima da Lei e poder afirmar que conhece Deus e o ama A estas pessoas a 1Jo diz que antes de tudo satildeo amadas por Deus antes de poderem dizer que amam a Deus (cf 1Jo 47-21 tambeacutem 215 316s)

545-47 Para a transiccedilatildeo ao tema da honra para o de Moiseacutes satildeo apontadas diversas razotildees Jaacute em Jo 539 Jesus afirmou que as Escrituras falam dele As Escrituras de Israel satildeo a Toraacute mediada por Moiseacutes e tambeacutem os demais escritos principalmente os Salmos Neste sentido o tema de Moiseacutes que acusa os israelitas jaacute foi preparado no contexto imediatamente anterior O texto lembra tambeacutem Jo 719-23 onde Jesus em conexatildeo com a cura que realizou em dia de saacutebado arguacutei a partir da Lei de Moiseacutes que permite a circuncisatildeo no saacutebado Podemos ver tambeacutem em Jo 545-47 uma referecircncia agrave controveacutersia sobre a aplicaccedilatildeo da Lei de Moiseacutes em torno da cura que Jesus realizou

A convicccedilatildeo de que Moiseacutes escreveu a respeito de Jesus (v 46) pode-se deduzir da visatildeo global de Joatildeo segundo a qual a Escritura inteira quando lida direitinho fala de Jesus Um primeiro exemplo encontra-se em Jo 145 nas palavras de Filipe ldquoEncontramos Jesus o filho de Joseacute de Nazareacute aquele sobre quem escreveram Moiseacutes na Lei e os Profetasrdquo

Os israelitas creram em Deus e em Moiseacutes como eacute dito no fim do relato da saiacuteda milagrosa de Israel do Egito e da travessia do mar Vermelho em Ex 143 Os israelitas do tempo de Jesus estatildeo nesta tradiccedilatildeo A eles eacute que Jesus dirige a palavra dizendo que natildeo basta crer em Moiseacutes mas que eacute preciso ler suas escrituras no modo certo como testemunho a favor de Jesus Quem acredita em Moiseacutes tambeacutem deve acreditar em

52

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Jesus pois dele eacute que Jesus escreveu Quem natildeo acredita em Jesus natildeo pode afirmar que acreditou nas palavras de Moiseacutes Deste modo o cap 5 se encerra com uma acusaccedilatildeo contundente contra os ouvintes O conflito continuaraacute nos capiacutetulos 6 e 7ndash8

III

Depois que nos caps 2ndash4 do EJ Jesus levou sua mensagem sempre mais do centro para a periferia da terra de Israel no cap 5 ele volta ao centro e enfrenta a discussatildeo com os habitantes de Jerusaleacutem e os liacutederes do povo judeu em torno de sua missatildeo Um milagre estupendo a cura de algueacutem que havia 38 anos estava aleijado levou agrave discussatildeo de sua accedilatildeo feita no saacutebado e paulatinamente agrave discussatildeo sobre sua pessoa Pela primeira vez ldquoos judeusrdquo aparecem agora numa secccedilatildeo maior como adversaacuterios de Jesus A afirmaccedilatildeo de Jesus de agir em uniatildeo com seu Pai celeste soacute os faz concluir que ele se torna igual em poder e ordem ao Pai Esta afirmaccedilatildeo provocou contestaccedilatildeo natildeo soacute no tempo do evangelista Para entendecirc-la bem vale a pena reler atentamente o desenvolvimento do discurso de Jesus em Jo 519-47

Na leitura atenta nota-se que Jesus continuamente recusa colocar-se a si mesmo no centro Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (vv 19-30) nem testemunha a favor de si mesmo (vv 31-40) nem procura sua proacutepria honra (vv 41-45 ou 47) Deus eacute quem o deixa participar de sua obra que o defende e o honra Olhando por este lado o discurso de vv 19-47 natildeo eacute meramente ou nem em primeiro lugar cristoloacutegico Ele eacute e permanece teoloacutegico Com a melhor tradiccedilatildeo de Israel o QEvg e na sua obra o Cristo de seu evangelho reduzem toda o agir a Deus o Pai Eacute ele quem opera no Filho o defende e o honra Natildeo eacute por acaso que por isso aparece nos versiacuteculos finais 42-44 o principal mandamento a confissatildeo do Deus uacutenico de Israel e a ordem de amaacute-lo A partir daiacute a reivindicaccedilatildeo de Jesus em Jo 5 e nas grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 merece renovada reflexatildeo

2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)1 Depois disso Jesus foi para para o outro lado do mar da Galileacuteia ou seja de Tiberiacuteades 2 Uma grande multidatildeo o seguia vendo os sinais que ele fazia a favor dos doentes 3 Jesus subiu a montanha e sentou-se laacute com os seus disciacutepulos 4 Estava proacutexima a Paacutescoa a festa dos judeus 5 Levantando os olhos e vendo uma grande multidatildeo que vinha a ele Jesus disse a Filipe ldquoOnde vamos comprar patildeo para que essa gente possa comerrdquo 6 Disse isso para testar Filipe pois ele sabia muito bem o que ia fazer 7 Filipe respondeu ldquoNem duzentos denaacuterios de patildeo bastariam para dar um pouquinho a cada umrdquo 8 Um dos disciacutepulos Andreacute irmatildeo de Simatildeo Pedro disse 9 ldquoEstaacute aqui um menino com cinco patildees de cevada e dois peixes Mas que eacute isso para tanta genterdquo 10 Jesus disse ldquoFazei as pessoas sentar-serdquo Naquele lugar havia muita relva e laacute se sentaram os homens em nuacutemero de aproximadamente cinco mil 11 Jesus tomou os patildees deu graccedilas e distribuiu aos que estavam sentados tanto quanto queriam E fez o mesmo com os peixes 12 Quando todos se fartaram disse aos disciacutepulos ldquoJuntai os pedaccedilos que sobraram para que nada se percardquo 13 Eles juntaram e encheram doze cestos com os pedaccedilos que sobraram dos cinco patildees de cevada que comeram 14 Agrave vista do sinal que Jesus tinha realizado as pessoas exclamavam ldquoEste eacute verdadeiramente o profeta aquele que deve vir ao mundordquo 15 Quando Jesus percebeu que queriam levaacute-lo para proclamaacute-lo rei novamente se retirou para a montanha sozinho

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16 Ao anoitecer os disciacutepulos desceram para a beira-mar 17 Entraram no barco e foram na direccedilatildeo de Cafarnaum do outro lado do mar Jaacute estava escuro e Jesus ainda natildeo tinha vindo a eles 18 Soprava um vento forte e o mar estava agitado 19 Os disciacutepulos tinham remado vinte e cinco ou trinta estaacutedios quando avistaram Jesus andando sobre as aacuteguas e aproximando-se do barco Eles ficaram com medo 20 Jesus poreacutem lhes disse ldquoSou eu Natildeo tenhais medordquo 21 Eles queriam receber Jesus no barco mas logo o barco atingiu a terra para onde estavam indo22 No dia seguinte a multidatildeo que tinha ficado do outro lado do mar notou que antes havia aiacute um soacute barco e que Jesus natildeo entrara nele com os disciacutepulos os quais haviam partido sozinhos 23 Entretanto outros barcos chegaram de Tiberiacuteades perto do lugar onde tinham comido o patildeo depois de o Senhor ter dado graccedilas 24 Quando a multidatildeo percebeu que Jesus natildeo estava aiacute nem os seus disciacutepulos entraram nos barcos e foram procurar Jesus em Cafarnaum 25 Encontrando-o do outro lado do mar perguntaram-lhe ldquoRabi quando chegaste aquirdquo 26 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo estais me procurando natildeo porque vistes sinais mas porque comestes patildeo e ficastes saciados 27 Trabalhai natildeo pelo alimento que se perde mas pelo alimento que permanece ateacute agrave vida eterna e que o Filho do Homem vos daraacute Pois a este Deus Pai o marcou com seu selo 28 Perguntaram entatildeo ldquoQue devemos fazer para praticar as obras de Deusrdquo 29 Jesus respondeu ldquoA obra de Deus eacute que acrediteis naquele que ele enviourdquo 30 Eles perguntaram ldquoQue sinais realizas para que possamos ver e acreditar em ti Que obras fazes 31 Nossos pais comeram o manaacute no deserto como estaacute na Escritura lsquoDeu-lhes a comer patildeo do ceacuteursquordquo 32 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo natildeo foi Moiseacutes quem vos deu o patildeo do ceacuteu Eacute meu Pai quem vos daacute o verdadeiro patildeo do ceacuteu 33 Pois o patildeo de Deus eacute aquele que desce do ceacuteu e daacute vida ao mundordquo 34 Eles entatildeo pediram ldquoSenhor daacute-nos sempre desse patildeordquo 35 Jesus lhes disse ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sede 36 Contudo eu vos disse que me vistes mas natildeo credes 37 Todo aquele que o Pai me daacute viraacute a mim e quem vem a mim eu natildeo jogarei fora 38 porque eu desci do ceacuteu natildeo para fazer a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou ldquo39 E esta eacute a vontade daquele que me enviou que eu natildeo perca nenhum daqueles que ele me deu mas os ressuscite no uacuteltimo dia 40 Esta eacute a vontade do meu Pai quem vecirc o Filho e nele crecirc tenha vida eterna E eu o ressuscitarei no uacuteltimo diardquo41 Entatildeo os judeus comeccedilaram a murmurar contra Jesus porque ele disse ldquoEu sou o patildeo que desceu do ceacuteurdquo 42 Diziam ldquoEste natildeo eacute Jesus o filho de Joseacute Natildeo conhecemos noacutes o seu pai e sua matildee Como pode entatildeo dizer que desceu do ceacuteurdquo 43 Jesus respondeu ldquoNatildeo murmureis entre voacutes 44 Ningueacutem pode vir a mim se o Pai que me enviou natildeo o atrair E eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 45 Estaacute escrito nos Profetas lsquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrsquo Ora todo aquele que escutou o ensinamento do Pai e o aprendeu vem a mim 46 Ningueacutem jamais viu o Pai a natildeo ser aquele que vem de junto de Deus este viu o Pai 47 Ameacutem ameacutem vos digo quem crecirc tem vida eterna 48 Eu sou o patildeo da vida 49 Os vossos pais comeram o manaacute no deserto e no entanto morreram 50 Aqui estaacute o patildeo que desce do ceacuteu para que natildeo morra quem dele comer51 ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteu Quem come deste patildeo viveraacute eternamente E o patildeo que eu darei eacute a minha carne dada pela vida do mundordquo 52 Os judeus discutiam entre si ldquoComo eacute que ele pode dar a sua carne a comerrdquo 53 Jesus disse ldquoAmeacutem ameacutem vos digo se natildeo comerdes a carne do Filho do Homem e natildeo beberdes o seu sangue natildeo tereis vida em voacutes 54 Quem mastiga minha carne e

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bebe meu sangue tem vida eterna e eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 55 Pois minha carne eacute verdadeira comida e meu sangue eacute verdadeira bebida 56 Quem mastiga minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele 57 Como o Pai que vive me enviou e eu vivo por meio dele assim viveraacute por meio de mim aquele que me mastiga 58 Este eacute o patildeo que desceu do ceacuteu Natildeo eacute como aquele que vossos pais comeram ndash e no entanto morreram Quem mastiga este patildeo viveraacute para semprerdquo 59 Jesus falou essas coisas ensinando na reuniatildeo sinagogal em Cafarnaum 60 Muitos disciacutepulos que o ouviram disseram entatildeo ldquoEssa palavra eacute inaceitaacutevel Quem consegue escutaacute-lardquo 61 Percebendo que seus disciacutepulos estavam murmurando por causa disso Jesus perguntou ldquoIsto vos escandaliza 62 Que seraacute entatildeo quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes 63 O Espiacuterito eacute que daacute vida a carne de nada serve As palavras que vos falei satildeo Espiacuterito e satildeo vida 64 Mas haacute alguns entre voacutes que natildeo crecircemrdquo Jesus sabia desde o iniacutecio quem eram os que acreditavam e quem havia de entregaacute-lo 65 E acrescentou ldquoEacute por isso que eu vos disse lsquoNingueacutem pode vir a mim a natildeo ser que lhe seja dado pelo Pairsquordquo 66 A partir daquele momento muitos disciacutepulos o abandonaram e natildeo mais andavam com ele 67 Jesus disse aos Doze ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo 68 Simatildeo Pedro respondeu ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna 69 Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo 70 Jesus respondeu ldquoNatildeo vos escolhi doze Contudo um de voacutes eacute um diabordquo 71 Ele falava de Judas filho de Simatildeo Iscariotes pois este um dos Doze iria entregaacute-lo

I

Agrave primeira vista Jo 6 natildeo se insere sem dificuldade no contexto do EJ No iniacutecio do capiacutetulo supotildee-se que Jesus se encontra na proximidade do lago de Tiberiacuteades na Galileacuteia enquanto o cap 5 relatava seu discurso diante dos ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem em continuidade com a cura do aleijado na piscina de Betesda Em Jo 714-24 remete-se a esta cura em dia de saacutebado Jaacute em Jo 72 eacute alegada como razatildeo da estada de Jesus na Galileia o fato de que os ldquojudeusrdquo o querem matar com uma alusatildeo 518 No decorrer do seacuteculo XX os problemas da sequecircncia do texto levaram comentadores famosos a inverter a ordem de Jo 5 e Jo 653 Deste modo surgiria um texto mais compreensiacutevel Como no fim do cap 4 no cap 6 Jesus se encontra na Galileia Se o cap 5 segue depois do cap 6 a dupla remissiva ao cap 5 em Jo 7 torna-se compreensiacutevel Mas esta proposta natildeo vingou nos uacuteltimos anos O respeito pelo texto dado natildeo permite com facilidade esta ou outras propostas de inversatildeo e os manuscritos natildeo fornecem nenhum ensejo para isso Tambeacutem eacute possiacutevel resgatar a ordem atual do texto quando se parte da ideia de que os indiacutecios geograacuteficos e cronoloacutegicos pelo menos para o autor natildeo constituiacuteram o criteacuterio decisivo para o decurso do texto

Como jaacute sugerido eacute bem possiacutevel ver em Jo 6 uma inserccedilatildeo no QE o que tambeacutem resolveria os problemas da sequecircncia do texto54 Neste caso mantenha-se a unidade literaacuteria do capiacutetulo Soacute neste capiacutetulo em Joatildeo fala-se da eucaristia enquanto que ela falta no cap 13 no relato da paixatildeo Aqui em Jo 6 Jesus parece natildeo subir para a festa da Paacutescoa mencionada em 64 Tem-se a impressatildeo de que uma Paacutescoa cristatilde toma o lugar da festa de peregrinaccedilatildeo judaica Jesus a celebra na Galileia terra das primeiras comunidades cristatildes Como seus antagonistas aparecem a partir do v41 os ldquojudeusrdquo que em outros capiacutetulos soacute na Judeia se encontram com Jesus No interior do cap 6

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Joatildeo se mostra fortemente influenciado pela tradiccedilatildeo sinoacuteptica especialmente por Mc 632-56 e 811-33 como mostra este esquemaMultiplicaccedilatildeo dos patildees Mc 632-44 Jo 61-15Caminhando sobre as aacuteguas Mc 645-52 Jo 616-21Encontro com a multidatildeo Mc 653-56 Jo 522-25(29)Pedido de sinal Mc 811-13 Jo 630-31Discurdso do patildeo Mc 814-21 Jo 632-58Identidade de Jesus e confissatildeo de Pedro Mc 8m27-30 Jo 660-66Um dos disciacutepulos eacute o satanaacutes Mc 831-33 Jo 667-71

A secccedilatildeo Mc 71ndash810 natildeo tem correspondecircncias em Joatildeo e portanto falta em Joatildeo a segundo multiplicaccedilatildeo dos patildees como tambeacutem em Lucas No interior de Jo 6 o autor chega a seguir literalmente o texto marcano ou sinoacuteptico Feiccedilotildees deste gecircnero satildeo o nuacutemero de duzentos denaacuterios para comprar patildeo o nuacutemero de patildees e peixes a descriccedilatildeo dos gestos de Jesus os doze cestos com os pedaccedilos de patildeo que sobraram e tambeacutem o nuacutemero dos que foram saciados Em nenhum outro lugar o EJ tanto se aproxima da tradiccedilatildeo sinoacuteptica Podemos comparar com isso antes de tudo o relato de paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus mas haacute aqui diferenccedilas evidentes desde a cronologia da uacuteltima ceia e da morte de Jesus Visto que tambeacutem em Jo 21 o capiacutetulo final que muitos consideram um acreacutescimo aparecem muitos contatos com os sinoacutepticos (cf a pesca milagrosa Lc 51-11 os filhos de Zebedeu Mc 119 par) parece natural adotar tambeacutem para Jo 6 [[206]] uma data de composiccedilatildeo levemente posterior agrave do contexto

Muito por causa da secccedilatildeo dos dons eucariacutesticos de Jesus no uacuteltimo seacuteculo diversas vezes se colocou em duacutevida a unidade literaacuteria do capiacutetulo Assim R Bultmann55 distingue em Jo 6 quatro camadas diferenciadas uma ldquofonte dos sinaisrdquo agrave qual se devem a multiplicaccedilatildeo dos patildees e a caminhada sobre as aacuteguas (61-1516-21) fragmentos de uma fonte de discursos de revelaccedilatildeo de inspiraccedilatildeo gnoacutestica especialmente no discurso do patildeo em Jo 627-51c a matildeo redatora do evangelista especialmente tambeacutem na parte cristoloacutegica do discurso do patildeo e a redaccedilatildeo eclesial agrave qual se devem a secccedilatildeo ldquoeucariacutesticardquo de 651d-58 e as alusotildees agrave futura ressurreiccedilatildeo dos mortos em 6394044 Semelhante dissecccedilatildeo em camadas encontra-se na exegese que se inspira em Bultmann mesmo quando abre matildeo da ldquofonte dos discursosrdquo de influecircncia gnoacutestica56

Um novo modelo de diversas camadas encontra-se em Paul N Anderson que parte da sedimentaccedilatildeo de diversos conflitos sucessivos em Jo 657 Um primeiro conflito seria o da massa popular em torno do alimento verdadeiro (vv 25-40) o segundo com os ldquojudeusrdquo acerca da Toraacute e do patildeo do ceacuteu (vv 41-51) depois um cisma envolvendo principalmente os disciacutepulos oriundos do paganismo acerca da verdadeira corporeidade de Jesus (vv 51-66) e finalmente uma controveacutersia sobre o lugar certo do grupo joaneu na paisagem da comunidade joanina e da Grande Igreja representada por Pedro (vv 67-70) Menos complexo eacute o modelo de J Painter58 segundo o qual em Jo 6 estaacute integrado uma ldquohistoacuteria de buscardquo (ldquoquest storyrdquo) na qual a massa popular busca e encontra Jesus A essa liga-se nos vv 41-66 uma seacuterie de ldquohistoacuterias de rejeiccedilatildeordquo (ldquorejection storiesrdquo) que teriam sida acrescentadas secundariamente Os vv 67-70 serviram entatildeo para reconciliar os membros da comunidade joanina com adeptos de um cristianismo para a qual a figura de Pedro tinha significaccedilatildeo extraordinaacuteria

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

94 95 96

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 13:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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complementar Sem a escatologia futura o querigma joaneu seria incompleto A Bultmann se deve conceder que as ldquoobrasrdquo mencionadas no texto de Joatildeo natildeo satildeo as ldquoobras boasrdquo ou ldquomaacutesrdquo do judaiacutesmo ou do protocristianismo mas a feacute ou a descrenccedila em relaccedilatildeo a Cristo (cf Jo 316-19 629)

Um terceiro modelo interpreta Jo 525-29 de modo estritamente unitaacuterio e isso a partir da escatologia presente47 Tambeacutem os vv 28s podem ser interpretados no sentido da escatologia presente quando lidos direitinho apesar de sua formulaccedilatildeo que evoca a escatologia futura O futuro gramatical seria semelhante ao do v 25 (cf tambeacutem Jo 1016) Segundo esta proposta Jesus fala do tempo poacutes-pascal quando as promessas do tempo final estaratildeo realizadas48 Este estudo merece consideraccedilatildeo mais profunda com consideraccedilatildeo de outros textos ldquoescatoloacutegicosrdquo de Joatildeo como 639404454 A favor desta proposta pode-se alegar que em Jo 42123 natildeo parece haver diferenccedila semacircntica entre ldquovem a horardquo (eacuterkhetai hocircra) e ldquoa hora vem e aacute agorardquo (eacuterkhetai hocircra kai nyn estin)

530 Assim como Jesus concede a vida em plena dependecircncia do Pai assim tambeacutem exerce o julgamento Isso eacute dito no versiacuteculo final v 30 De fato Jesus natildeo procura sua proacutepria vontade mas a vontade de quem o enviou (cf Jo 528) Por isso seu julgamento eacute reto Literariamente este versiacuteculo pela retomada do v19 encerra de modo eficaz a periacutecope 519-30 Ao mesmo tempo prepara a transiccedilatildeo para a secccedilatildeo seguinte

Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)

Esta secccedilatildeo eacute semelhante em sua composiccedilatildeo agrave precedente (Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria 519-30) e agrave subsequente (Jesus natildeo procura sua proacutepria honra 541-47) O princiacutepio fundamental se encontra no iniacutecio da secccedilatildeo e assim eacute apresentado o tema Sempre Jesus rejeita arrogar para si proacuteprio honra e autoridade Sua autoridade seu reconhecimento e sua honra vecircm de Deus Exatamente por esta razatildeo ele se eleva acima de qualquer autoridade humana Deus mesmo opera nele o legitima e o honra

A secccedilatildeo 531-40 eacute caracterizada pelo campo semacircntico do ldquotestemunhordquo49 No v 31 Jesus contesta que ele daacute testemunho a favor de si mesmo (em Jo 812-20 prevalece outro ponto de vista) Quem daacute testemunho a favor dele eacute outro o Pai que por enquanto natildeo eacute nomeado (no v 32) Acresce o testemunho de Joatildeo Batista agora uma figura do passado (533-35) No v 36 o evangelista volta ao tema do ldquooutrordquo que testemunha a favor de Jesus e agora fica claro que se trata do Pai Ele eacute quem concede a Jesus realizar as obras admiraacuteveis que datildeo testemunho em seu favor (v 36) e ele testemunha tambeacutem diretamente a favor de Jesus (vv 37-38) como jaacute o fez no passado nas Escrituras de Israel (v39) Para valorizar esse testemunho muacuteltiplo [[198]] basta a boa vontade para se deixar conduzir a Jesus e assim receber a vida (v 40)

531-32 Os dois versiacuteculos introdutoacuterios satildeo moldados na forma dos vv 19 e 41 e expressam a dependecircncia ilimitada de Jesus como Filho em relaccedilatildeo ao Pai mas exprimem tambeacutem a autoridade que o Pai lhe concedeu em vista de sua missatildeo Quanto agrave ldquoverdaderdquo deste testemunho comparem-se Jo 1935 2114 e 3Jo 9

533-35 Alem de Deus que daacute plena autoridade a Jesus na sua missatildeo em ato e palavra a principal testemunha de Jesus segundo o evangelista eacute Joatildeo Batista Desde o Proacutelogo (16-8 e 15) ele aparece como testemunha a favor de Jesus A parte narrativa do QE comeccedila com uma grande secccedilatildeo sobre o testemunho do Batista a favor de Jesus (Jo 47 48 49

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119-34) Este testemunho eacute pressuposto e continuado no diaacutelogo do Batista com seus disciacutepulos em Jo 322-30 o Batista eacute apenas o amigo do esposo e se alegra ao ouvir a voz do esposo no quarto nupcial (329) ele apenas vem agrave frente do Messias natildeo eacute o proacuteprio Messias A tarefa de Joatildeo de ser testemunha de Jesus parece tatildeo dominante para o QEvg que ele nunca o chama de ldquobatistardquo mas dele soacute fala em termos de testemunha Ele eacute revezado em sua qualidade de ldquoacompanhanterdquo de Jesus por Laacutezaro nos caps 11-12 e pelo Disciacutepulo Amado nos caps 13-21

No tempo da controveacutersia de Jesus com os ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem depois da cura do aleijado o Batista jaacute havia terminado seu percurso Jesus fala dele em termos de passado Os ldquojudeusrdquo tinham enviado a ele uma delegaccedilatildeo para saber quem era Jesus mas natildeo quiseram aceitar seu testemunho Mais soacute o aguentaram por pouco tempo e depois o eliminaram O QEvg expressa essa experiecircncia com a imagem da lacircmpada Os ldquojudeusrdquo soacute quiseram alegrar-se agrave sua luz por pouco tempo Em termos de linguagem e conteuacutedo nota-se a diferenccedila com Jesus Joatildeo eacute a ldquolacircmpadardquo Jesus eacute a luz do mundo (cf Jo 14s9 812 95 1246)

536 A seguir Jesus trata do testemunho do Pai nas obras que este lhe concede Estras obra conduziram agrave admiraccedilatildeo e agrave feacute como vimos nos primeiros sinais de Jesus (Jo 21-12 e 446-54 cf 223 32) Poder-se-iaacrscenarf as obra de que fala Jesus em Jo 517-30 especialmente as pelas quais ele faz vikver os mortos e no nome de Deus faz o julgamento Mas estras obras soacute se percebem na feacute

Quando se pergunta pelos antecedentes literaacuterios da representaccedilatildeo joanina do testemunho das obras a favor de Jesus podem alegar-se textos do judaiacutesmo heleniacutestico que falam do testemunho de Deus a favor de Moiseacutes Tanto Flaacutevio Josefo como tambeacutem Fiacutelon de Alexandria falam de tal testemunho lembrando os ldquosinaisrdquo que Moiseacutes operou quando da saiacuteda de Israel do Egito e quando da travessia pelo mar Vermelho e pelo deserto (Fiacutelon Vita Mos 2[3] 263281 Flaacutevio Josefo Contra Ap II 53)50 No NT este tema eacute utilizado cristologicamente em At 143 e Hb 24 114

537-39 Assim como o Pai testemunhou a favor de Jesus nas obras que ele lhe concedeu realizar tambeacutem deu testemunho a favor dele na sua palavra Essa palavra se deu na Antiga Alianccedila Verdade eacute que os israelitas natildeo puderam ouvi-la como tambeacutem natildeo puderam ver a face de Deus Mas eles possuiacuteam o testemunho divino a favor de Jesus nas suas Sagradas Escrituras Se as tivessem perscrutado teriam descoberto o seu testemunho a favor de Jesus

O ldquotestemunhordquo das escrituras eacute de modo novo um tema caracteriacutestico do QE mas natildeo sem antecedentes e paralelos nos demais escritos do NT A tradiccedilatildeo sinoacuteptica conhece sobretudo o cumprimento de determinadas passagens das Escrituras de Israel em Jesus em sua vida e em seu sofrimento Joatildeo ndash em concordacircncia com os sinoacutepticos ndash mostra esse modo de proceder sobretudo no seu relado da Paixatildeo Em Jo 1238 aparece pela primeira vez a foacutermula ldquoAssim havia de se cumprirrdquo Mais caracteriacutestico de Joatildeo eacute o uso da Escritura como testemunho a favor de Jesus sem a citaccedilatildeo de determinada passagem51 Natildeo esta ou aquela passagem mas a Escritura como tal daacute testemunho a favor de Jesus Jo 539 eacute o texto claacutessico para ilustrar este modo de ver mas veja-se tambeacutem Jo 145 545-47 1034 uma citaccedilatildeo dos Salmos como testemunho da ldquoLeirdquo

Quando os israelitas natildeo conseguem perceber nas suas escrituras o testemunho a favor de Jesus a culpa natildeo eacute da Escritura Satildeo antes os leitores que natildeo estatildeo dispostos a abrir-se para a mensagem da Escritura Assim retiram-se da fonte da vida50 51

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Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)

Esta uacuteltima secccedilatildeo do discurso de Jesus pode ser subdividido em duas partes Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41-44) e natildeo eacute Jesus que acusa os judeus mas Moiseacutes (vv 45-47)

541-44 O conjunto dos vv 41-44 eacute emoldurado pelo tema da ldquohonrardquo52 Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41) Satildeo antes os seus adversaacuterios que fazem isso colhendo honra uns dos outros e natildeo do Deus uacutenico (v 44) de modo a serem incapazes de ir ateacute Jesus e de crer nele Nos vv 42-43 indica-se uma razatildeo mais profunda da atitude errada dos adversaacuterios de Jesus eles natildeo tecircm em si o amor de Deus Assim eles recebem quem se apresenta em nome proacuteprio mas natildeo aquele que vem em nome de Deus Jesus

Salvo engano estes versiacuteculos devem ter sido influenciados pela confissatildeo de feacute de Israel o Shemalsquo Yisrael ldquoOuve Israelrdquo de Dt 64s Neste texto central do judaiacutesmo Deus ordena a seu povo confessaacute-lo como Deus uacutenico e confessaacute-lo de todo o coraccedilatildeo A influecircncia deste texto sobre Jo 541-44 como tambeacutem sobre Jo 841s foi pouco observado ateacute agora Em ambos os lugares satildeo interligados a unicidade de Deus e o amor a ele ou a Jesus como enviado do Pai Um eco deste mandamento encontra-se tambeacutem em Jo 2115-17 (o amor de Pedro a Jesus como expressatildeo de sua relaccedilatildeo fundamental para com ele possibilitando seu encargo como pastor do rebanho do Senhor)

Se esta interpretaccedilatildeo estiver certa segue-se para Jo 542 e textos similares do QE que a expressatildeo hē agaacutepē tou theoacuteu deve ser entendida como genitivo de objeto No EJ trata-se de ter a relaccedilatildeo reta para com Deus tambeacutem como membro do povo de Israel Quem natildeo ama a Deus natildeo amaraacute o Cristo seu Filho e buscaraacute sua proacutepria honra Na Primeira Carta de Joatildeo a situaccedilatildeo eacute diferente O autor encontra-se em discussatildeo com um grupo que arroga para si em alto grau a posse do Espiacuterito considera estar acima da Lei e poder afirmar que conhece Deus e o ama A estas pessoas a 1Jo diz que antes de tudo satildeo amadas por Deus antes de poderem dizer que amam a Deus (cf 1Jo 47-21 tambeacutem 215 316s)

545-47 Para a transiccedilatildeo ao tema da honra para o de Moiseacutes satildeo apontadas diversas razotildees Jaacute em Jo 539 Jesus afirmou que as Escrituras falam dele As Escrituras de Israel satildeo a Toraacute mediada por Moiseacutes e tambeacutem os demais escritos principalmente os Salmos Neste sentido o tema de Moiseacutes que acusa os israelitas jaacute foi preparado no contexto imediatamente anterior O texto lembra tambeacutem Jo 719-23 onde Jesus em conexatildeo com a cura que realizou em dia de saacutebado arguacutei a partir da Lei de Moiseacutes que permite a circuncisatildeo no saacutebado Podemos ver tambeacutem em Jo 545-47 uma referecircncia agrave controveacutersia sobre a aplicaccedilatildeo da Lei de Moiseacutes em torno da cura que Jesus realizou

A convicccedilatildeo de que Moiseacutes escreveu a respeito de Jesus (v 46) pode-se deduzir da visatildeo global de Joatildeo segundo a qual a Escritura inteira quando lida direitinho fala de Jesus Um primeiro exemplo encontra-se em Jo 145 nas palavras de Filipe ldquoEncontramos Jesus o filho de Joseacute de Nazareacute aquele sobre quem escreveram Moiseacutes na Lei e os Profetasrdquo

Os israelitas creram em Deus e em Moiseacutes como eacute dito no fim do relato da saiacuteda milagrosa de Israel do Egito e da travessia do mar Vermelho em Ex 143 Os israelitas do tempo de Jesus estatildeo nesta tradiccedilatildeo A eles eacute que Jesus dirige a palavra dizendo que natildeo basta crer em Moiseacutes mas que eacute preciso ler suas escrituras no modo certo como testemunho a favor de Jesus Quem acredita em Moiseacutes tambeacutem deve acreditar em

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Jesus pois dele eacute que Jesus escreveu Quem natildeo acredita em Jesus natildeo pode afirmar que acreditou nas palavras de Moiseacutes Deste modo o cap 5 se encerra com uma acusaccedilatildeo contundente contra os ouvintes O conflito continuaraacute nos capiacutetulos 6 e 7ndash8

III

Depois que nos caps 2ndash4 do EJ Jesus levou sua mensagem sempre mais do centro para a periferia da terra de Israel no cap 5 ele volta ao centro e enfrenta a discussatildeo com os habitantes de Jerusaleacutem e os liacutederes do povo judeu em torno de sua missatildeo Um milagre estupendo a cura de algueacutem que havia 38 anos estava aleijado levou agrave discussatildeo de sua accedilatildeo feita no saacutebado e paulatinamente agrave discussatildeo sobre sua pessoa Pela primeira vez ldquoos judeusrdquo aparecem agora numa secccedilatildeo maior como adversaacuterios de Jesus A afirmaccedilatildeo de Jesus de agir em uniatildeo com seu Pai celeste soacute os faz concluir que ele se torna igual em poder e ordem ao Pai Esta afirmaccedilatildeo provocou contestaccedilatildeo natildeo soacute no tempo do evangelista Para entendecirc-la bem vale a pena reler atentamente o desenvolvimento do discurso de Jesus em Jo 519-47

Na leitura atenta nota-se que Jesus continuamente recusa colocar-se a si mesmo no centro Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (vv 19-30) nem testemunha a favor de si mesmo (vv 31-40) nem procura sua proacutepria honra (vv 41-45 ou 47) Deus eacute quem o deixa participar de sua obra que o defende e o honra Olhando por este lado o discurso de vv 19-47 natildeo eacute meramente ou nem em primeiro lugar cristoloacutegico Ele eacute e permanece teoloacutegico Com a melhor tradiccedilatildeo de Israel o QEvg e na sua obra o Cristo de seu evangelho reduzem toda o agir a Deus o Pai Eacute ele quem opera no Filho o defende e o honra Natildeo eacute por acaso que por isso aparece nos versiacuteculos finais 42-44 o principal mandamento a confissatildeo do Deus uacutenico de Israel e a ordem de amaacute-lo A partir daiacute a reivindicaccedilatildeo de Jesus em Jo 5 e nas grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 merece renovada reflexatildeo

2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)1 Depois disso Jesus foi para para o outro lado do mar da Galileacuteia ou seja de Tiberiacuteades 2 Uma grande multidatildeo o seguia vendo os sinais que ele fazia a favor dos doentes 3 Jesus subiu a montanha e sentou-se laacute com os seus disciacutepulos 4 Estava proacutexima a Paacutescoa a festa dos judeus 5 Levantando os olhos e vendo uma grande multidatildeo que vinha a ele Jesus disse a Filipe ldquoOnde vamos comprar patildeo para que essa gente possa comerrdquo 6 Disse isso para testar Filipe pois ele sabia muito bem o que ia fazer 7 Filipe respondeu ldquoNem duzentos denaacuterios de patildeo bastariam para dar um pouquinho a cada umrdquo 8 Um dos disciacutepulos Andreacute irmatildeo de Simatildeo Pedro disse 9 ldquoEstaacute aqui um menino com cinco patildees de cevada e dois peixes Mas que eacute isso para tanta genterdquo 10 Jesus disse ldquoFazei as pessoas sentar-serdquo Naquele lugar havia muita relva e laacute se sentaram os homens em nuacutemero de aproximadamente cinco mil 11 Jesus tomou os patildees deu graccedilas e distribuiu aos que estavam sentados tanto quanto queriam E fez o mesmo com os peixes 12 Quando todos se fartaram disse aos disciacutepulos ldquoJuntai os pedaccedilos que sobraram para que nada se percardquo 13 Eles juntaram e encheram doze cestos com os pedaccedilos que sobraram dos cinco patildees de cevada que comeram 14 Agrave vista do sinal que Jesus tinha realizado as pessoas exclamavam ldquoEste eacute verdadeiramente o profeta aquele que deve vir ao mundordquo 15 Quando Jesus percebeu que queriam levaacute-lo para proclamaacute-lo rei novamente se retirou para a montanha sozinho

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16 Ao anoitecer os disciacutepulos desceram para a beira-mar 17 Entraram no barco e foram na direccedilatildeo de Cafarnaum do outro lado do mar Jaacute estava escuro e Jesus ainda natildeo tinha vindo a eles 18 Soprava um vento forte e o mar estava agitado 19 Os disciacutepulos tinham remado vinte e cinco ou trinta estaacutedios quando avistaram Jesus andando sobre as aacuteguas e aproximando-se do barco Eles ficaram com medo 20 Jesus poreacutem lhes disse ldquoSou eu Natildeo tenhais medordquo 21 Eles queriam receber Jesus no barco mas logo o barco atingiu a terra para onde estavam indo22 No dia seguinte a multidatildeo que tinha ficado do outro lado do mar notou que antes havia aiacute um soacute barco e que Jesus natildeo entrara nele com os disciacutepulos os quais haviam partido sozinhos 23 Entretanto outros barcos chegaram de Tiberiacuteades perto do lugar onde tinham comido o patildeo depois de o Senhor ter dado graccedilas 24 Quando a multidatildeo percebeu que Jesus natildeo estava aiacute nem os seus disciacutepulos entraram nos barcos e foram procurar Jesus em Cafarnaum 25 Encontrando-o do outro lado do mar perguntaram-lhe ldquoRabi quando chegaste aquirdquo 26 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo estais me procurando natildeo porque vistes sinais mas porque comestes patildeo e ficastes saciados 27 Trabalhai natildeo pelo alimento que se perde mas pelo alimento que permanece ateacute agrave vida eterna e que o Filho do Homem vos daraacute Pois a este Deus Pai o marcou com seu selo 28 Perguntaram entatildeo ldquoQue devemos fazer para praticar as obras de Deusrdquo 29 Jesus respondeu ldquoA obra de Deus eacute que acrediteis naquele que ele enviourdquo 30 Eles perguntaram ldquoQue sinais realizas para que possamos ver e acreditar em ti Que obras fazes 31 Nossos pais comeram o manaacute no deserto como estaacute na Escritura lsquoDeu-lhes a comer patildeo do ceacuteursquordquo 32 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo natildeo foi Moiseacutes quem vos deu o patildeo do ceacuteu Eacute meu Pai quem vos daacute o verdadeiro patildeo do ceacuteu 33 Pois o patildeo de Deus eacute aquele que desce do ceacuteu e daacute vida ao mundordquo 34 Eles entatildeo pediram ldquoSenhor daacute-nos sempre desse patildeordquo 35 Jesus lhes disse ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sede 36 Contudo eu vos disse que me vistes mas natildeo credes 37 Todo aquele que o Pai me daacute viraacute a mim e quem vem a mim eu natildeo jogarei fora 38 porque eu desci do ceacuteu natildeo para fazer a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou ldquo39 E esta eacute a vontade daquele que me enviou que eu natildeo perca nenhum daqueles que ele me deu mas os ressuscite no uacuteltimo dia 40 Esta eacute a vontade do meu Pai quem vecirc o Filho e nele crecirc tenha vida eterna E eu o ressuscitarei no uacuteltimo diardquo41 Entatildeo os judeus comeccedilaram a murmurar contra Jesus porque ele disse ldquoEu sou o patildeo que desceu do ceacuteurdquo 42 Diziam ldquoEste natildeo eacute Jesus o filho de Joseacute Natildeo conhecemos noacutes o seu pai e sua matildee Como pode entatildeo dizer que desceu do ceacuteurdquo 43 Jesus respondeu ldquoNatildeo murmureis entre voacutes 44 Ningueacutem pode vir a mim se o Pai que me enviou natildeo o atrair E eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 45 Estaacute escrito nos Profetas lsquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrsquo Ora todo aquele que escutou o ensinamento do Pai e o aprendeu vem a mim 46 Ningueacutem jamais viu o Pai a natildeo ser aquele que vem de junto de Deus este viu o Pai 47 Ameacutem ameacutem vos digo quem crecirc tem vida eterna 48 Eu sou o patildeo da vida 49 Os vossos pais comeram o manaacute no deserto e no entanto morreram 50 Aqui estaacute o patildeo que desce do ceacuteu para que natildeo morra quem dele comer51 ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteu Quem come deste patildeo viveraacute eternamente E o patildeo que eu darei eacute a minha carne dada pela vida do mundordquo 52 Os judeus discutiam entre si ldquoComo eacute que ele pode dar a sua carne a comerrdquo 53 Jesus disse ldquoAmeacutem ameacutem vos digo se natildeo comerdes a carne do Filho do Homem e natildeo beberdes o seu sangue natildeo tereis vida em voacutes 54 Quem mastiga minha carne e

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bebe meu sangue tem vida eterna e eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 55 Pois minha carne eacute verdadeira comida e meu sangue eacute verdadeira bebida 56 Quem mastiga minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele 57 Como o Pai que vive me enviou e eu vivo por meio dele assim viveraacute por meio de mim aquele que me mastiga 58 Este eacute o patildeo que desceu do ceacuteu Natildeo eacute como aquele que vossos pais comeram ndash e no entanto morreram Quem mastiga este patildeo viveraacute para semprerdquo 59 Jesus falou essas coisas ensinando na reuniatildeo sinagogal em Cafarnaum 60 Muitos disciacutepulos que o ouviram disseram entatildeo ldquoEssa palavra eacute inaceitaacutevel Quem consegue escutaacute-lardquo 61 Percebendo que seus disciacutepulos estavam murmurando por causa disso Jesus perguntou ldquoIsto vos escandaliza 62 Que seraacute entatildeo quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes 63 O Espiacuterito eacute que daacute vida a carne de nada serve As palavras que vos falei satildeo Espiacuterito e satildeo vida 64 Mas haacute alguns entre voacutes que natildeo crecircemrdquo Jesus sabia desde o iniacutecio quem eram os que acreditavam e quem havia de entregaacute-lo 65 E acrescentou ldquoEacute por isso que eu vos disse lsquoNingueacutem pode vir a mim a natildeo ser que lhe seja dado pelo Pairsquordquo 66 A partir daquele momento muitos disciacutepulos o abandonaram e natildeo mais andavam com ele 67 Jesus disse aos Doze ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo 68 Simatildeo Pedro respondeu ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna 69 Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo 70 Jesus respondeu ldquoNatildeo vos escolhi doze Contudo um de voacutes eacute um diabordquo 71 Ele falava de Judas filho de Simatildeo Iscariotes pois este um dos Doze iria entregaacute-lo

I

Agrave primeira vista Jo 6 natildeo se insere sem dificuldade no contexto do EJ No iniacutecio do capiacutetulo supotildee-se que Jesus se encontra na proximidade do lago de Tiberiacuteades na Galileacuteia enquanto o cap 5 relatava seu discurso diante dos ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem em continuidade com a cura do aleijado na piscina de Betesda Em Jo 714-24 remete-se a esta cura em dia de saacutebado Jaacute em Jo 72 eacute alegada como razatildeo da estada de Jesus na Galileia o fato de que os ldquojudeusrdquo o querem matar com uma alusatildeo 518 No decorrer do seacuteculo XX os problemas da sequecircncia do texto levaram comentadores famosos a inverter a ordem de Jo 5 e Jo 653 Deste modo surgiria um texto mais compreensiacutevel Como no fim do cap 4 no cap 6 Jesus se encontra na Galileia Se o cap 5 segue depois do cap 6 a dupla remissiva ao cap 5 em Jo 7 torna-se compreensiacutevel Mas esta proposta natildeo vingou nos uacuteltimos anos O respeito pelo texto dado natildeo permite com facilidade esta ou outras propostas de inversatildeo e os manuscritos natildeo fornecem nenhum ensejo para isso Tambeacutem eacute possiacutevel resgatar a ordem atual do texto quando se parte da ideia de que os indiacutecios geograacuteficos e cronoloacutegicos pelo menos para o autor natildeo constituiacuteram o criteacuterio decisivo para o decurso do texto

Como jaacute sugerido eacute bem possiacutevel ver em Jo 6 uma inserccedilatildeo no QE o que tambeacutem resolveria os problemas da sequecircncia do texto54 Neste caso mantenha-se a unidade literaacuteria do capiacutetulo Soacute neste capiacutetulo em Joatildeo fala-se da eucaristia enquanto que ela falta no cap 13 no relato da paixatildeo Aqui em Jo 6 Jesus parece natildeo subir para a festa da Paacutescoa mencionada em 64 Tem-se a impressatildeo de que uma Paacutescoa cristatilde toma o lugar da festa de peregrinaccedilatildeo judaica Jesus a celebra na Galileia terra das primeiras comunidades cristatildes Como seus antagonistas aparecem a partir do v41 os ldquojudeusrdquo que em outros capiacutetulos soacute na Judeia se encontram com Jesus No interior do cap 6

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Joatildeo se mostra fortemente influenciado pela tradiccedilatildeo sinoacuteptica especialmente por Mc 632-56 e 811-33 como mostra este esquemaMultiplicaccedilatildeo dos patildees Mc 632-44 Jo 61-15Caminhando sobre as aacuteguas Mc 645-52 Jo 616-21Encontro com a multidatildeo Mc 653-56 Jo 522-25(29)Pedido de sinal Mc 811-13 Jo 630-31Discurdso do patildeo Mc 814-21 Jo 632-58Identidade de Jesus e confissatildeo de Pedro Mc 8m27-30 Jo 660-66Um dos disciacutepulos eacute o satanaacutes Mc 831-33 Jo 667-71

A secccedilatildeo Mc 71ndash810 natildeo tem correspondecircncias em Joatildeo e portanto falta em Joatildeo a segundo multiplicaccedilatildeo dos patildees como tambeacutem em Lucas No interior de Jo 6 o autor chega a seguir literalmente o texto marcano ou sinoacuteptico Feiccedilotildees deste gecircnero satildeo o nuacutemero de duzentos denaacuterios para comprar patildeo o nuacutemero de patildees e peixes a descriccedilatildeo dos gestos de Jesus os doze cestos com os pedaccedilos de patildeo que sobraram e tambeacutem o nuacutemero dos que foram saciados Em nenhum outro lugar o EJ tanto se aproxima da tradiccedilatildeo sinoacuteptica Podemos comparar com isso antes de tudo o relato de paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus mas haacute aqui diferenccedilas evidentes desde a cronologia da uacuteltima ceia e da morte de Jesus Visto que tambeacutem em Jo 21 o capiacutetulo final que muitos consideram um acreacutescimo aparecem muitos contatos com os sinoacutepticos (cf a pesca milagrosa Lc 51-11 os filhos de Zebedeu Mc 119 par) parece natural adotar tambeacutem para Jo 6 [[206]] uma data de composiccedilatildeo levemente posterior agrave do contexto

Muito por causa da secccedilatildeo dos dons eucariacutesticos de Jesus no uacuteltimo seacuteculo diversas vezes se colocou em duacutevida a unidade literaacuteria do capiacutetulo Assim R Bultmann55 distingue em Jo 6 quatro camadas diferenciadas uma ldquofonte dos sinaisrdquo agrave qual se devem a multiplicaccedilatildeo dos patildees e a caminhada sobre as aacuteguas (61-1516-21) fragmentos de uma fonte de discursos de revelaccedilatildeo de inspiraccedilatildeo gnoacutestica especialmente no discurso do patildeo em Jo 627-51c a matildeo redatora do evangelista especialmente tambeacutem na parte cristoloacutegica do discurso do patildeo e a redaccedilatildeo eclesial agrave qual se devem a secccedilatildeo ldquoeucariacutesticardquo de 651d-58 e as alusotildees agrave futura ressurreiccedilatildeo dos mortos em 6394044 Semelhante dissecccedilatildeo em camadas encontra-se na exegese que se inspira em Bultmann mesmo quando abre matildeo da ldquofonte dos discursosrdquo de influecircncia gnoacutestica56

Um novo modelo de diversas camadas encontra-se em Paul N Anderson que parte da sedimentaccedilatildeo de diversos conflitos sucessivos em Jo 657 Um primeiro conflito seria o da massa popular em torno do alimento verdadeiro (vv 25-40) o segundo com os ldquojudeusrdquo acerca da Toraacute e do patildeo do ceacuteu (vv 41-51) depois um cisma envolvendo principalmente os disciacutepulos oriundos do paganismo acerca da verdadeira corporeidade de Jesus (vv 51-66) e finalmente uma controveacutersia sobre o lugar certo do grupo joaneu na paisagem da comunidade joanina e da Grande Igreja representada por Pedro (vv 67-70) Menos complexo eacute o modelo de J Painter58 segundo o qual em Jo 6 estaacute integrado uma ldquohistoacuteria de buscardquo (ldquoquest storyrdquo) na qual a massa popular busca e encontra Jesus A essa liga-se nos vv 41-66 uma seacuterie de ldquohistoacuterias de rejeiccedilatildeordquo (ldquorejection storiesrdquo) que teriam sida acrescentadas secundariamente Os vv 67-70 serviram entatildeo para reconciliar os membros da comunidade joanina com adeptos de um cristianismo para a qual a figura de Pedro tinha significaccedilatildeo extraordinaacuteria

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

69 70 71 72

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

73 74 75

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

76 77 78 79 80 81 82

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

94 95 96

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

103 104 105 106 107

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

128 129

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 14:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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119-34) Este testemunho eacute pressuposto e continuado no diaacutelogo do Batista com seus disciacutepulos em Jo 322-30 o Batista eacute apenas o amigo do esposo e se alegra ao ouvir a voz do esposo no quarto nupcial (329) ele apenas vem agrave frente do Messias natildeo eacute o proacuteprio Messias A tarefa de Joatildeo de ser testemunha de Jesus parece tatildeo dominante para o QEvg que ele nunca o chama de ldquobatistardquo mas dele soacute fala em termos de testemunha Ele eacute revezado em sua qualidade de ldquoacompanhanterdquo de Jesus por Laacutezaro nos caps 11-12 e pelo Disciacutepulo Amado nos caps 13-21

No tempo da controveacutersia de Jesus com os ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem depois da cura do aleijado o Batista jaacute havia terminado seu percurso Jesus fala dele em termos de passado Os ldquojudeusrdquo tinham enviado a ele uma delegaccedilatildeo para saber quem era Jesus mas natildeo quiseram aceitar seu testemunho Mais soacute o aguentaram por pouco tempo e depois o eliminaram O QEvg expressa essa experiecircncia com a imagem da lacircmpada Os ldquojudeusrdquo soacute quiseram alegrar-se agrave sua luz por pouco tempo Em termos de linguagem e conteuacutedo nota-se a diferenccedila com Jesus Joatildeo eacute a ldquolacircmpadardquo Jesus eacute a luz do mundo (cf Jo 14s9 812 95 1246)

536 A seguir Jesus trata do testemunho do Pai nas obras que este lhe concede Estras obra conduziram agrave admiraccedilatildeo e agrave feacute como vimos nos primeiros sinais de Jesus (Jo 21-12 e 446-54 cf 223 32) Poder-se-iaacrscenarf as obra de que fala Jesus em Jo 517-30 especialmente as pelas quais ele faz vikver os mortos e no nome de Deus faz o julgamento Mas estras obras soacute se percebem na feacute

Quando se pergunta pelos antecedentes literaacuterios da representaccedilatildeo joanina do testemunho das obras a favor de Jesus podem alegar-se textos do judaiacutesmo heleniacutestico que falam do testemunho de Deus a favor de Moiseacutes Tanto Flaacutevio Josefo como tambeacutem Fiacutelon de Alexandria falam de tal testemunho lembrando os ldquosinaisrdquo que Moiseacutes operou quando da saiacuteda de Israel do Egito e quando da travessia pelo mar Vermelho e pelo deserto (Fiacutelon Vita Mos 2[3] 263281 Flaacutevio Josefo Contra Ap II 53)50 No NT este tema eacute utilizado cristologicamente em At 143 e Hb 24 114

537-39 Assim como o Pai testemunhou a favor de Jesus nas obras que ele lhe concedeu realizar tambeacutem deu testemunho a favor dele na sua palavra Essa palavra se deu na Antiga Alianccedila Verdade eacute que os israelitas natildeo puderam ouvi-la como tambeacutem natildeo puderam ver a face de Deus Mas eles possuiacuteam o testemunho divino a favor de Jesus nas suas Sagradas Escrituras Se as tivessem perscrutado teriam descoberto o seu testemunho a favor de Jesus

O ldquotestemunhordquo das escrituras eacute de modo novo um tema caracteriacutestico do QE mas natildeo sem antecedentes e paralelos nos demais escritos do NT A tradiccedilatildeo sinoacuteptica conhece sobretudo o cumprimento de determinadas passagens das Escrituras de Israel em Jesus em sua vida e em seu sofrimento Joatildeo ndash em concordacircncia com os sinoacutepticos ndash mostra esse modo de proceder sobretudo no seu relado da Paixatildeo Em Jo 1238 aparece pela primeira vez a foacutermula ldquoAssim havia de se cumprirrdquo Mais caracteriacutestico de Joatildeo eacute o uso da Escritura como testemunho a favor de Jesus sem a citaccedilatildeo de determinada passagem51 Natildeo esta ou aquela passagem mas a Escritura como tal daacute testemunho a favor de Jesus Jo 539 eacute o texto claacutessico para ilustrar este modo de ver mas veja-se tambeacutem Jo 145 545-47 1034 uma citaccedilatildeo dos Salmos como testemunho da ldquoLeirdquo

Quando os israelitas natildeo conseguem perceber nas suas escrituras o testemunho a favor de Jesus a culpa natildeo eacute da Escritura Satildeo antes os leitores que natildeo estatildeo dispostos a abrir-se para a mensagem da Escritura Assim retiram-se da fonte da vida50 51

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Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)

Esta uacuteltima secccedilatildeo do discurso de Jesus pode ser subdividido em duas partes Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41-44) e natildeo eacute Jesus que acusa os judeus mas Moiseacutes (vv 45-47)

541-44 O conjunto dos vv 41-44 eacute emoldurado pelo tema da ldquohonrardquo52 Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41) Satildeo antes os seus adversaacuterios que fazem isso colhendo honra uns dos outros e natildeo do Deus uacutenico (v 44) de modo a serem incapazes de ir ateacute Jesus e de crer nele Nos vv 42-43 indica-se uma razatildeo mais profunda da atitude errada dos adversaacuterios de Jesus eles natildeo tecircm em si o amor de Deus Assim eles recebem quem se apresenta em nome proacuteprio mas natildeo aquele que vem em nome de Deus Jesus

Salvo engano estes versiacuteculos devem ter sido influenciados pela confissatildeo de feacute de Israel o Shemalsquo Yisrael ldquoOuve Israelrdquo de Dt 64s Neste texto central do judaiacutesmo Deus ordena a seu povo confessaacute-lo como Deus uacutenico e confessaacute-lo de todo o coraccedilatildeo A influecircncia deste texto sobre Jo 541-44 como tambeacutem sobre Jo 841s foi pouco observado ateacute agora Em ambos os lugares satildeo interligados a unicidade de Deus e o amor a ele ou a Jesus como enviado do Pai Um eco deste mandamento encontra-se tambeacutem em Jo 2115-17 (o amor de Pedro a Jesus como expressatildeo de sua relaccedilatildeo fundamental para com ele possibilitando seu encargo como pastor do rebanho do Senhor)

Se esta interpretaccedilatildeo estiver certa segue-se para Jo 542 e textos similares do QE que a expressatildeo hē agaacutepē tou theoacuteu deve ser entendida como genitivo de objeto No EJ trata-se de ter a relaccedilatildeo reta para com Deus tambeacutem como membro do povo de Israel Quem natildeo ama a Deus natildeo amaraacute o Cristo seu Filho e buscaraacute sua proacutepria honra Na Primeira Carta de Joatildeo a situaccedilatildeo eacute diferente O autor encontra-se em discussatildeo com um grupo que arroga para si em alto grau a posse do Espiacuterito considera estar acima da Lei e poder afirmar que conhece Deus e o ama A estas pessoas a 1Jo diz que antes de tudo satildeo amadas por Deus antes de poderem dizer que amam a Deus (cf 1Jo 47-21 tambeacutem 215 316s)

545-47 Para a transiccedilatildeo ao tema da honra para o de Moiseacutes satildeo apontadas diversas razotildees Jaacute em Jo 539 Jesus afirmou que as Escrituras falam dele As Escrituras de Israel satildeo a Toraacute mediada por Moiseacutes e tambeacutem os demais escritos principalmente os Salmos Neste sentido o tema de Moiseacutes que acusa os israelitas jaacute foi preparado no contexto imediatamente anterior O texto lembra tambeacutem Jo 719-23 onde Jesus em conexatildeo com a cura que realizou em dia de saacutebado arguacutei a partir da Lei de Moiseacutes que permite a circuncisatildeo no saacutebado Podemos ver tambeacutem em Jo 545-47 uma referecircncia agrave controveacutersia sobre a aplicaccedilatildeo da Lei de Moiseacutes em torno da cura que Jesus realizou

A convicccedilatildeo de que Moiseacutes escreveu a respeito de Jesus (v 46) pode-se deduzir da visatildeo global de Joatildeo segundo a qual a Escritura inteira quando lida direitinho fala de Jesus Um primeiro exemplo encontra-se em Jo 145 nas palavras de Filipe ldquoEncontramos Jesus o filho de Joseacute de Nazareacute aquele sobre quem escreveram Moiseacutes na Lei e os Profetasrdquo

Os israelitas creram em Deus e em Moiseacutes como eacute dito no fim do relato da saiacuteda milagrosa de Israel do Egito e da travessia do mar Vermelho em Ex 143 Os israelitas do tempo de Jesus estatildeo nesta tradiccedilatildeo A eles eacute que Jesus dirige a palavra dizendo que natildeo basta crer em Moiseacutes mas que eacute preciso ler suas escrituras no modo certo como testemunho a favor de Jesus Quem acredita em Moiseacutes tambeacutem deve acreditar em

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Jesus pois dele eacute que Jesus escreveu Quem natildeo acredita em Jesus natildeo pode afirmar que acreditou nas palavras de Moiseacutes Deste modo o cap 5 se encerra com uma acusaccedilatildeo contundente contra os ouvintes O conflito continuaraacute nos capiacutetulos 6 e 7ndash8

III

Depois que nos caps 2ndash4 do EJ Jesus levou sua mensagem sempre mais do centro para a periferia da terra de Israel no cap 5 ele volta ao centro e enfrenta a discussatildeo com os habitantes de Jerusaleacutem e os liacutederes do povo judeu em torno de sua missatildeo Um milagre estupendo a cura de algueacutem que havia 38 anos estava aleijado levou agrave discussatildeo de sua accedilatildeo feita no saacutebado e paulatinamente agrave discussatildeo sobre sua pessoa Pela primeira vez ldquoos judeusrdquo aparecem agora numa secccedilatildeo maior como adversaacuterios de Jesus A afirmaccedilatildeo de Jesus de agir em uniatildeo com seu Pai celeste soacute os faz concluir que ele se torna igual em poder e ordem ao Pai Esta afirmaccedilatildeo provocou contestaccedilatildeo natildeo soacute no tempo do evangelista Para entendecirc-la bem vale a pena reler atentamente o desenvolvimento do discurso de Jesus em Jo 519-47

Na leitura atenta nota-se que Jesus continuamente recusa colocar-se a si mesmo no centro Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (vv 19-30) nem testemunha a favor de si mesmo (vv 31-40) nem procura sua proacutepria honra (vv 41-45 ou 47) Deus eacute quem o deixa participar de sua obra que o defende e o honra Olhando por este lado o discurso de vv 19-47 natildeo eacute meramente ou nem em primeiro lugar cristoloacutegico Ele eacute e permanece teoloacutegico Com a melhor tradiccedilatildeo de Israel o QEvg e na sua obra o Cristo de seu evangelho reduzem toda o agir a Deus o Pai Eacute ele quem opera no Filho o defende e o honra Natildeo eacute por acaso que por isso aparece nos versiacuteculos finais 42-44 o principal mandamento a confissatildeo do Deus uacutenico de Israel e a ordem de amaacute-lo A partir daiacute a reivindicaccedilatildeo de Jesus em Jo 5 e nas grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 merece renovada reflexatildeo

2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)1 Depois disso Jesus foi para para o outro lado do mar da Galileacuteia ou seja de Tiberiacuteades 2 Uma grande multidatildeo o seguia vendo os sinais que ele fazia a favor dos doentes 3 Jesus subiu a montanha e sentou-se laacute com os seus disciacutepulos 4 Estava proacutexima a Paacutescoa a festa dos judeus 5 Levantando os olhos e vendo uma grande multidatildeo que vinha a ele Jesus disse a Filipe ldquoOnde vamos comprar patildeo para que essa gente possa comerrdquo 6 Disse isso para testar Filipe pois ele sabia muito bem o que ia fazer 7 Filipe respondeu ldquoNem duzentos denaacuterios de patildeo bastariam para dar um pouquinho a cada umrdquo 8 Um dos disciacutepulos Andreacute irmatildeo de Simatildeo Pedro disse 9 ldquoEstaacute aqui um menino com cinco patildees de cevada e dois peixes Mas que eacute isso para tanta genterdquo 10 Jesus disse ldquoFazei as pessoas sentar-serdquo Naquele lugar havia muita relva e laacute se sentaram os homens em nuacutemero de aproximadamente cinco mil 11 Jesus tomou os patildees deu graccedilas e distribuiu aos que estavam sentados tanto quanto queriam E fez o mesmo com os peixes 12 Quando todos se fartaram disse aos disciacutepulos ldquoJuntai os pedaccedilos que sobraram para que nada se percardquo 13 Eles juntaram e encheram doze cestos com os pedaccedilos que sobraram dos cinco patildees de cevada que comeram 14 Agrave vista do sinal que Jesus tinha realizado as pessoas exclamavam ldquoEste eacute verdadeiramente o profeta aquele que deve vir ao mundordquo 15 Quando Jesus percebeu que queriam levaacute-lo para proclamaacute-lo rei novamente se retirou para a montanha sozinho

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16 Ao anoitecer os disciacutepulos desceram para a beira-mar 17 Entraram no barco e foram na direccedilatildeo de Cafarnaum do outro lado do mar Jaacute estava escuro e Jesus ainda natildeo tinha vindo a eles 18 Soprava um vento forte e o mar estava agitado 19 Os disciacutepulos tinham remado vinte e cinco ou trinta estaacutedios quando avistaram Jesus andando sobre as aacuteguas e aproximando-se do barco Eles ficaram com medo 20 Jesus poreacutem lhes disse ldquoSou eu Natildeo tenhais medordquo 21 Eles queriam receber Jesus no barco mas logo o barco atingiu a terra para onde estavam indo22 No dia seguinte a multidatildeo que tinha ficado do outro lado do mar notou que antes havia aiacute um soacute barco e que Jesus natildeo entrara nele com os disciacutepulos os quais haviam partido sozinhos 23 Entretanto outros barcos chegaram de Tiberiacuteades perto do lugar onde tinham comido o patildeo depois de o Senhor ter dado graccedilas 24 Quando a multidatildeo percebeu que Jesus natildeo estava aiacute nem os seus disciacutepulos entraram nos barcos e foram procurar Jesus em Cafarnaum 25 Encontrando-o do outro lado do mar perguntaram-lhe ldquoRabi quando chegaste aquirdquo 26 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo estais me procurando natildeo porque vistes sinais mas porque comestes patildeo e ficastes saciados 27 Trabalhai natildeo pelo alimento que se perde mas pelo alimento que permanece ateacute agrave vida eterna e que o Filho do Homem vos daraacute Pois a este Deus Pai o marcou com seu selo 28 Perguntaram entatildeo ldquoQue devemos fazer para praticar as obras de Deusrdquo 29 Jesus respondeu ldquoA obra de Deus eacute que acrediteis naquele que ele enviourdquo 30 Eles perguntaram ldquoQue sinais realizas para que possamos ver e acreditar em ti Que obras fazes 31 Nossos pais comeram o manaacute no deserto como estaacute na Escritura lsquoDeu-lhes a comer patildeo do ceacuteursquordquo 32 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo natildeo foi Moiseacutes quem vos deu o patildeo do ceacuteu Eacute meu Pai quem vos daacute o verdadeiro patildeo do ceacuteu 33 Pois o patildeo de Deus eacute aquele que desce do ceacuteu e daacute vida ao mundordquo 34 Eles entatildeo pediram ldquoSenhor daacute-nos sempre desse patildeordquo 35 Jesus lhes disse ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sede 36 Contudo eu vos disse que me vistes mas natildeo credes 37 Todo aquele que o Pai me daacute viraacute a mim e quem vem a mim eu natildeo jogarei fora 38 porque eu desci do ceacuteu natildeo para fazer a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou ldquo39 E esta eacute a vontade daquele que me enviou que eu natildeo perca nenhum daqueles que ele me deu mas os ressuscite no uacuteltimo dia 40 Esta eacute a vontade do meu Pai quem vecirc o Filho e nele crecirc tenha vida eterna E eu o ressuscitarei no uacuteltimo diardquo41 Entatildeo os judeus comeccedilaram a murmurar contra Jesus porque ele disse ldquoEu sou o patildeo que desceu do ceacuteurdquo 42 Diziam ldquoEste natildeo eacute Jesus o filho de Joseacute Natildeo conhecemos noacutes o seu pai e sua matildee Como pode entatildeo dizer que desceu do ceacuteurdquo 43 Jesus respondeu ldquoNatildeo murmureis entre voacutes 44 Ningueacutem pode vir a mim se o Pai que me enviou natildeo o atrair E eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 45 Estaacute escrito nos Profetas lsquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrsquo Ora todo aquele que escutou o ensinamento do Pai e o aprendeu vem a mim 46 Ningueacutem jamais viu o Pai a natildeo ser aquele que vem de junto de Deus este viu o Pai 47 Ameacutem ameacutem vos digo quem crecirc tem vida eterna 48 Eu sou o patildeo da vida 49 Os vossos pais comeram o manaacute no deserto e no entanto morreram 50 Aqui estaacute o patildeo que desce do ceacuteu para que natildeo morra quem dele comer51 ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteu Quem come deste patildeo viveraacute eternamente E o patildeo que eu darei eacute a minha carne dada pela vida do mundordquo 52 Os judeus discutiam entre si ldquoComo eacute que ele pode dar a sua carne a comerrdquo 53 Jesus disse ldquoAmeacutem ameacutem vos digo se natildeo comerdes a carne do Filho do Homem e natildeo beberdes o seu sangue natildeo tereis vida em voacutes 54 Quem mastiga minha carne e

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bebe meu sangue tem vida eterna e eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 55 Pois minha carne eacute verdadeira comida e meu sangue eacute verdadeira bebida 56 Quem mastiga minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele 57 Como o Pai que vive me enviou e eu vivo por meio dele assim viveraacute por meio de mim aquele que me mastiga 58 Este eacute o patildeo que desceu do ceacuteu Natildeo eacute como aquele que vossos pais comeram ndash e no entanto morreram Quem mastiga este patildeo viveraacute para semprerdquo 59 Jesus falou essas coisas ensinando na reuniatildeo sinagogal em Cafarnaum 60 Muitos disciacutepulos que o ouviram disseram entatildeo ldquoEssa palavra eacute inaceitaacutevel Quem consegue escutaacute-lardquo 61 Percebendo que seus disciacutepulos estavam murmurando por causa disso Jesus perguntou ldquoIsto vos escandaliza 62 Que seraacute entatildeo quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes 63 O Espiacuterito eacute que daacute vida a carne de nada serve As palavras que vos falei satildeo Espiacuterito e satildeo vida 64 Mas haacute alguns entre voacutes que natildeo crecircemrdquo Jesus sabia desde o iniacutecio quem eram os que acreditavam e quem havia de entregaacute-lo 65 E acrescentou ldquoEacute por isso que eu vos disse lsquoNingueacutem pode vir a mim a natildeo ser que lhe seja dado pelo Pairsquordquo 66 A partir daquele momento muitos disciacutepulos o abandonaram e natildeo mais andavam com ele 67 Jesus disse aos Doze ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo 68 Simatildeo Pedro respondeu ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna 69 Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo 70 Jesus respondeu ldquoNatildeo vos escolhi doze Contudo um de voacutes eacute um diabordquo 71 Ele falava de Judas filho de Simatildeo Iscariotes pois este um dos Doze iria entregaacute-lo

I

Agrave primeira vista Jo 6 natildeo se insere sem dificuldade no contexto do EJ No iniacutecio do capiacutetulo supotildee-se que Jesus se encontra na proximidade do lago de Tiberiacuteades na Galileacuteia enquanto o cap 5 relatava seu discurso diante dos ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem em continuidade com a cura do aleijado na piscina de Betesda Em Jo 714-24 remete-se a esta cura em dia de saacutebado Jaacute em Jo 72 eacute alegada como razatildeo da estada de Jesus na Galileia o fato de que os ldquojudeusrdquo o querem matar com uma alusatildeo 518 No decorrer do seacuteculo XX os problemas da sequecircncia do texto levaram comentadores famosos a inverter a ordem de Jo 5 e Jo 653 Deste modo surgiria um texto mais compreensiacutevel Como no fim do cap 4 no cap 6 Jesus se encontra na Galileia Se o cap 5 segue depois do cap 6 a dupla remissiva ao cap 5 em Jo 7 torna-se compreensiacutevel Mas esta proposta natildeo vingou nos uacuteltimos anos O respeito pelo texto dado natildeo permite com facilidade esta ou outras propostas de inversatildeo e os manuscritos natildeo fornecem nenhum ensejo para isso Tambeacutem eacute possiacutevel resgatar a ordem atual do texto quando se parte da ideia de que os indiacutecios geograacuteficos e cronoloacutegicos pelo menos para o autor natildeo constituiacuteram o criteacuterio decisivo para o decurso do texto

Como jaacute sugerido eacute bem possiacutevel ver em Jo 6 uma inserccedilatildeo no QE o que tambeacutem resolveria os problemas da sequecircncia do texto54 Neste caso mantenha-se a unidade literaacuteria do capiacutetulo Soacute neste capiacutetulo em Joatildeo fala-se da eucaristia enquanto que ela falta no cap 13 no relato da paixatildeo Aqui em Jo 6 Jesus parece natildeo subir para a festa da Paacutescoa mencionada em 64 Tem-se a impressatildeo de que uma Paacutescoa cristatilde toma o lugar da festa de peregrinaccedilatildeo judaica Jesus a celebra na Galileia terra das primeiras comunidades cristatildes Como seus antagonistas aparecem a partir do v41 os ldquojudeusrdquo que em outros capiacutetulos soacute na Judeia se encontram com Jesus No interior do cap 6

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Joatildeo se mostra fortemente influenciado pela tradiccedilatildeo sinoacuteptica especialmente por Mc 632-56 e 811-33 como mostra este esquemaMultiplicaccedilatildeo dos patildees Mc 632-44 Jo 61-15Caminhando sobre as aacuteguas Mc 645-52 Jo 616-21Encontro com a multidatildeo Mc 653-56 Jo 522-25(29)Pedido de sinal Mc 811-13 Jo 630-31Discurdso do patildeo Mc 814-21 Jo 632-58Identidade de Jesus e confissatildeo de Pedro Mc 8m27-30 Jo 660-66Um dos disciacutepulos eacute o satanaacutes Mc 831-33 Jo 667-71

A secccedilatildeo Mc 71ndash810 natildeo tem correspondecircncias em Joatildeo e portanto falta em Joatildeo a segundo multiplicaccedilatildeo dos patildees como tambeacutem em Lucas No interior de Jo 6 o autor chega a seguir literalmente o texto marcano ou sinoacuteptico Feiccedilotildees deste gecircnero satildeo o nuacutemero de duzentos denaacuterios para comprar patildeo o nuacutemero de patildees e peixes a descriccedilatildeo dos gestos de Jesus os doze cestos com os pedaccedilos de patildeo que sobraram e tambeacutem o nuacutemero dos que foram saciados Em nenhum outro lugar o EJ tanto se aproxima da tradiccedilatildeo sinoacuteptica Podemos comparar com isso antes de tudo o relato de paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus mas haacute aqui diferenccedilas evidentes desde a cronologia da uacuteltima ceia e da morte de Jesus Visto que tambeacutem em Jo 21 o capiacutetulo final que muitos consideram um acreacutescimo aparecem muitos contatos com os sinoacutepticos (cf a pesca milagrosa Lc 51-11 os filhos de Zebedeu Mc 119 par) parece natural adotar tambeacutem para Jo 6 [[206]] uma data de composiccedilatildeo levemente posterior agrave do contexto

Muito por causa da secccedilatildeo dos dons eucariacutesticos de Jesus no uacuteltimo seacuteculo diversas vezes se colocou em duacutevida a unidade literaacuteria do capiacutetulo Assim R Bultmann55 distingue em Jo 6 quatro camadas diferenciadas uma ldquofonte dos sinaisrdquo agrave qual se devem a multiplicaccedilatildeo dos patildees e a caminhada sobre as aacuteguas (61-1516-21) fragmentos de uma fonte de discursos de revelaccedilatildeo de inspiraccedilatildeo gnoacutestica especialmente no discurso do patildeo em Jo 627-51c a matildeo redatora do evangelista especialmente tambeacutem na parte cristoloacutegica do discurso do patildeo e a redaccedilatildeo eclesial agrave qual se devem a secccedilatildeo ldquoeucariacutesticardquo de 651d-58 e as alusotildees agrave futura ressurreiccedilatildeo dos mortos em 6394044 Semelhante dissecccedilatildeo em camadas encontra-se na exegese que se inspira em Bultmann mesmo quando abre matildeo da ldquofonte dos discursosrdquo de influecircncia gnoacutestica56

Um novo modelo de diversas camadas encontra-se em Paul N Anderson que parte da sedimentaccedilatildeo de diversos conflitos sucessivos em Jo 657 Um primeiro conflito seria o da massa popular em torno do alimento verdadeiro (vv 25-40) o segundo com os ldquojudeusrdquo acerca da Toraacute e do patildeo do ceacuteu (vv 41-51) depois um cisma envolvendo principalmente os disciacutepulos oriundos do paganismo acerca da verdadeira corporeidade de Jesus (vv 51-66) e finalmente uma controveacutersia sobre o lugar certo do grupo joaneu na paisagem da comunidade joanina e da Grande Igreja representada por Pedro (vv 67-70) Menos complexo eacute o modelo de J Painter58 segundo o qual em Jo 6 estaacute integrado uma ldquohistoacuteria de buscardquo (ldquoquest storyrdquo) na qual a massa popular busca e encontra Jesus A essa liga-se nos vv 41-66 uma seacuterie de ldquohistoacuterias de rejeiccedilatildeordquo (ldquorejection storiesrdquo) que teriam sida acrescentadas secundariamente Os vv 67-70 serviram entatildeo para reconciliar os membros da comunidade joanina com adeptos de um cristianismo para a qual a figura de Pedro tinha significaccedilatildeo extraordinaacuteria

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 15:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)

Esta uacuteltima secccedilatildeo do discurso de Jesus pode ser subdividido em duas partes Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41-44) e natildeo eacute Jesus que acusa os judeus mas Moiseacutes (vv 45-47)

541-44 O conjunto dos vv 41-44 eacute emoldurado pelo tema da ldquohonrardquo52 Jesus natildeo procura honra proacutepria (v 41) Satildeo antes os seus adversaacuterios que fazem isso colhendo honra uns dos outros e natildeo do Deus uacutenico (v 44) de modo a serem incapazes de ir ateacute Jesus e de crer nele Nos vv 42-43 indica-se uma razatildeo mais profunda da atitude errada dos adversaacuterios de Jesus eles natildeo tecircm em si o amor de Deus Assim eles recebem quem se apresenta em nome proacuteprio mas natildeo aquele que vem em nome de Deus Jesus

Salvo engano estes versiacuteculos devem ter sido influenciados pela confissatildeo de feacute de Israel o Shemalsquo Yisrael ldquoOuve Israelrdquo de Dt 64s Neste texto central do judaiacutesmo Deus ordena a seu povo confessaacute-lo como Deus uacutenico e confessaacute-lo de todo o coraccedilatildeo A influecircncia deste texto sobre Jo 541-44 como tambeacutem sobre Jo 841s foi pouco observado ateacute agora Em ambos os lugares satildeo interligados a unicidade de Deus e o amor a ele ou a Jesus como enviado do Pai Um eco deste mandamento encontra-se tambeacutem em Jo 2115-17 (o amor de Pedro a Jesus como expressatildeo de sua relaccedilatildeo fundamental para com ele possibilitando seu encargo como pastor do rebanho do Senhor)

Se esta interpretaccedilatildeo estiver certa segue-se para Jo 542 e textos similares do QE que a expressatildeo hē agaacutepē tou theoacuteu deve ser entendida como genitivo de objeto No EJ trata-se de ter a relaccedilatildeo reta para com Deus tambeacutem como membro do povo de Israel Quem natildeo ama a Deus natildeo amaraacute o Cristo seu Filho e buscaraacute sua proacutepria honra Na Primeira Carta de Joatildeo a situaccedilatildeo eacute diferente O autor encontra-se em discussatildeo com um grupo que arroga para si em alto grau a posse do Espiacuterito considera estar acima da Lei e poder afirmar que conhece Deus e o ama A estas pessoas a 1Jo diz que antes de tudo satildeo amadas por Deus antes de poderem dizer que amam a Deus (cf 1Jo 47-21 tambeacutem 215 316s)

545-47 Para a transiccedilatildeo ao tema da honra para o de Moiseacutes satildeo apontadas diversas razotildees Jaacute em Jo 539 Jesus afirmou que as Escrituras falam dele As Escrituras de Israel satildeo a Toraacute mediada por Moiseacutes e tambeacutem os demais escritos principalmente os Salmos Neste sentido o tema de Moiseacutes que acusa os israelitas jaacute foi preparado no contexto imediatamente anterior O texto lembra tambeacutem Jo 719-23 onde Jesus em conexatildeo com a cura que realizou em dia de saacutebado arguacutei a partir da Lei de Moiseacutes que permite a circuncisatildeo no saacutebado Podemos ver tambeacutem em Jo 545-47 uma referecircncia agrave controveacutersia sobre a aplicaccedilatildeo da Lei de Moiseacutes em torno da cura que Jesus realizou

A convicccedilatildeo de que Moiseacutes escreveu a respeito de Jesus (v 46) pode-se deduzir da visatildeo global de Joatildeo segundo a qual a Escritura inteira quando lida direitinho fala de Jesus Um primeiro exemplo encontra-se em Jo 145 nas palavras de Filipe ldquoEncontramos Jesus o filho de Joseacute de Nazareacute aquele sobre quem escreveram Moiseacutes na Lei e os Profetasrdquo

Os israelitas creram em Deus e em Moiseacutes como eacute dito no fim do relato da saiacuteda milagrosa de Israel do Egito e da travessia do mar Vermelho em Ex 143 Os israelitas do tempo de Jesus estatildeo nesta tradiccedilatildeo A eles eacute que Jesus dirige a palavra dizendo que natildeo basta crer em Moiseacutes mas que eacute preciso ler suas escrituras no modo certo como testemunho a favor de Jesus Quem acredita em Moiseacutes tambeacutem deve acreditar em

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Jesus pois dele eacute que Jesus escreveu Quem natildeo acredita em Jesus natildeo pode afirmar que acreditou nas palavras de Moiseacutes Deste modo o cap 5 se encerra com uma acusaccedilatildeo contundente contra os ouvintes O conflito continuaraacute nos capiacutetulos 6 e 7ndash8

III

Depois que nos caps 2ndash4 do EJ Jesus levou sua mensagem sempre mais do centro para a periferia da terra de Israel no cap 5 ele volta ao centro e enfrenta a discussatildeo com os habitantes de Jerusaleacutem e os liacutederes do povo judeu em torno de sua missatildeo Um milagre estupendo a cura de algueacutem que havia 38 anos estava aleijado levou agrave discussatildeo de sua accedilatildeo feita no saacutebado e paulatinamente agrave discussatildeo sobre sua pessoa Pela primeira vez ldquoos judeusrdquo aparecem agora numa secccedilatildeo maior como adversaacuterios de Jesus A afirmaccedilatildeo de Jesus de agir em uniatildeo com seu Pai celeste soacute os faz concluir que ele se torna igual em poder e ordem ao Pai Esta afirmaccedilatildeo provocou contestaccedilatildeo natildeo soacute no tempo do evangelista Para entendecirc-la bem vale a pena reler atentamente o desenvolvimento do discurso de Jesus em Jo 519-47

Na leitura atenta nota-se que Jesus continuamente recusa colocar-se a si mesmo no centro Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (vv 19-30) nem testemunha a favor de si mesmo (vv 31-40) nem procura sua proacutepria honra (vv 41-45 ou 47) Deus eacute quem o deixa participar de sua obra que o defende e o honra Olhando por este lado o discurso de vv 19-47 natildeo eacute meramente ou nem em primeiro lugar cristoloacutegico Ele eacute e permanece teoloacutegico Com a melhor tradiccedilatildeo de Israel o QEvg e na sua obra o Cristo de seu evangelho reduzem toda o agir a Deus o Pai Eacute ele quem opera no Filho o defende e o honra Natildeo eacute por acaso que por isso aparece nos versiacuteculos finais 42-44 o principal mandamento a confissatildeo do Deus uacutenico de Israel e a ordem de amaacute-lo A partir daiacute a reivindicaccedilatildeo de Jesus em Jo 5 e nas grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 merece renovada reflexatildeo

2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)1 Depois disso Jesus foi para para o outro lado do mar da Galileacuteia ou seja de Tiberiacuteades 2 Uma grande multidatildeo o seguia vendo os sinais que ele fazia a favor dos doentes 3 Jesus subiu a montanha e sentou-se laacute com os seus disciacutepulos 4 Estava proacutexima a Paacutescoa a festa dos judeus 5 Levantando os olhos e vendo uma grande multidatildeo que vinha a ele Jesus disse a Filipe ldquoOnde vamos comprar patildeo para que essa gente possa comerrdquo 6 Disse isso para testar Filipe pois ele sabia muito bem o que ia fazer 7 Filipe respondeu ldquoNem duzentos denaacuterios de patildeo bastariam para dar um pouquinho a cada umrdquo 8 Um dos disciacutepulos Andreacute irmatildeo de Simatildeo Pedro disse 9 ldquoEstaacute aqui um menino com cinco patildees de cevada e dois peixes Mas que eacute isso para tanta genterdquo 10 Jesus disse ldquoFazei as pessoas sentar-serdquo Naquele lugar havia muita relva e laacute se sentaram os homens em nuacutemero de aproximadamente cinco mil 11 Jesus tomou os patildees deu graccedilas e distribuiu aos que estavam sentados tanto quanto queriam E fez o mesmo com os peixes 12 Quando todos se fartaram disse aos disciacutepulos ldquoJuntai os pedaccedilos que sobraram para que nada se percardquo 13 Eles juntaram e encheram doze cestos com os pedaccedilos que sobraram dos cinco patildees de cevada que comeram 14 Agrave vista do sinal que Jesus tinha realizado as pessoas exclamavam ldquoEste eacute verdadeiramente o profeta aquele que deve vir ao mundordquo 15 Quando Jesus percebeu que queriam levaacute-lo para proclamaacute-lo rei novamente se retirou para a montanha sozinho

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16 Ao anoitecer os disciacutepulos desceram para a beira-mar 17 Entraram no barco e foram na direccedilatildeo de Cafarnaum do outro lado do mar Jaacute estava escuro e Jesus ainda natildeo tinha vindo a eles 18 Soprava um vento forte e o mar estava agitado 19 Os disciacutepulos tinham remado vinte e cinco ou trinta estaacutedios quando avistaram Jesus andando sobre as aacuteguas e aproximando-se do barco Eles ficaram com medo 20 Jesus poreacutem lhes disse ldquoSou eu Natildeo tenhais medordquo 21 Eles queriam receber Jesus no barco mas logo o barco atingiu a terra para onde estavam indo22 No dia seguinte a multidatildeo que tinha ficado do outro lado do mar notou que antes havia aiacute um soacute barco e que Jesus natildeo entrara nele com os disciacutepulos os quais haviam partido sozinhos 23 Entretanto outros barcos chegaram de Tiberiacuteades perto do lugar onde tinham comido o patildeo depois de o Senhor ter dado graccedilas 24 Quando a multidatildeo percebeu que Jesus natildeo estava aiacute nem os seus disciacutepulos entraram nos barcos e foram procurar Jesus em Cafarnaum 25 Encontrando-o do outro lado do mar perguntaram-lhe ldquoRabi quando chegaste aquirdquo 26 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo estais me procurando natildeo porque vistes sinais mas porque comestes patildeo e ficastes saciados 27 Trabalhai natildeo pelo alimento que se perde mas pelo alimento que permanece ateacute agrave vida eterna e que o Filho do Homem vos daraacute Pois a este Deus Pai o marcou com seu selo 28 Perguntaram entatildeo ldquoQue devemos fazer para praticar as obras de Deusrdquo 29 Jesus respondeu ldquoA obra de Deus eacute que acrediteis naquele que ele enviourdquo 30 Eles perguntaram ldquoQue sinais realizas para que possamos ver e acreditar em ti Que obras fazes 31 Nossos pais comeram o manaacute no deserto como estaacute na Escritura lsquoDeu-lhes a comer patildeo do ceacuteursquordquo 32 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo natildeo foi Moiseacutes quem vos deu o patildeo do ceacuteu Eacute meu Pai quem vos daacute o verdadeiro patildeo do ceacuteu 33 Pois o patildeo de Deus eacute aquele que desce do ceacuteu e daacute vida ao mundordquo 34 Eles entatildeo pediram ldquoSenhor daacute-nos sempre desse patildeordquo 35 Jesus lhes disse ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sede 36 Contudo eu vos disse que me vistes mas natildeo credes 37 Todo aquele que o Pai me daacute viraacute a mim e quem vem a mim eu natildeo jogarei fora 38 porque eu desci do ceacuteu natildeo para fazer a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou ldquo39 E esta eacute a vontade daquele que me enviou que eu natildeo perca nenhum daqueles que ele me deu mas os ressuscite no uacuteltimo dia 40 Esta eacute a vontade do meu Pai quem vecirc o Filho e nele crecirc tenha vida eterna E eu o ressuscitarei no uacuteltimo diardquo41 Entatildeo os judeus comeccedilaram a murmurar contra Jesus porque ele disse ldquoEu sou o patildeo que desceu do ceacuteurdquo 42 Diziam ldquoEste natildeo eacute Jesus o filho de Joseacute Natildeo conhecemos noacutes o seu pai e sua matildee Como pode entatildeo dizer que desceu do ceacuteurdquo 43 Jesus respondeu ldquoNatildeo murmureis entre voacutes 44 Ningueacutem pode vir a mim se o Pai que me enviou natildeo o atrair E eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 45 Estaacute escrito nos Profetas lsquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrsquo Ora todo aquele que escutou o ensinamento do Pai e o aprendeu vem a mim 46 Ningueacutem jamais viu o Pai a natildeo ser aquele que vem de junto de Deus este viu o Pai 47 Ameacutem ameacutem vos digo quem crecirc tem vida eterna 48 Eu sou o patildeo da vida 49 Os vossos pais comeram o manaacute no deserto e no entanto morreram 50 Aqui estaacute o patildeo que desce do ceacuteu para que natildeo morra quem dele comer51 ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteu Quem come deste patildeo viveraacute eternamente E o patildeo que eu darei eacute a minha carne dada pela vida do mundordquo 52 Os judeus discutiam entre si ldquoComo eacute que ele pode dar a sua carne a comerrdquo 53 Jesus disse ldquoAmeacutem ameacutem vos digo se natildeo comerdes a carne do Filho do Homem e natildeo beberdes o seu sangue natildeo tereis vida em voacutes 54 Quem mastiga minha carne e

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bebe meu sangue tem vida eterna e eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 55 Pois minha carne eacute verdadeira comida e meu sangue eacute verdadeira bebida 56 Quem mastiga minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele 57 Como o Pai que vive me enviou e eu vivo por meio dele assim viveraacute por meio de mim aquele que me mastiga 58 Este eacute o patildeo que desceu do ceacuteu Natildeo eacute como aquele que vossos pais comeram ndash e no entanto morreram Quem mastiga este patildeo viveraacute para semprerdquo 59 Jesus falou essas coisas ensinando na reuniatildeo sinagogal em Cafarnaum 60 Muitos disciacutepulos que o ouviram disseram entatildeo ldquoEssa palavra eacute inaceitaacutevel Quem consegue escutaacute-lardquo 61 Percebendo que seus disciacutepulos estavam murmurando por causa disso Jesus perguntou ldquoIsto vos escandaliza 62 Que seraacute entatildeo quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes 63 O Espiacuterito eacute que daacute vida a carne de nada serve As palavras que vos falei satildeo Espiacuterito e satildeo vida 64 Mas haacute alguns entre voacutes que natildeo crecircemrdquo Jesus sabia desde o iniacutecio quem eram os que acreditavam e quem havia de entregaacute-lo 65 E acrescentou ldquoEacute por isso que eu vos disse lsquoNingueacutem pode vir a mim a natildeo ser que lhe seja dado pelo Pairsquordquo 66 A partir daquele momento muitos disciacutepulos o abandonaram e natildeo mais andavam com ele 67 Jesus disse aos Doze ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo 68 Simatildeo Pedro respondeu ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna 69 Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo 70 Jesus respondeu ldquoNatildeo vos escolhi doze Contudo um de voacutes eacute um diabordquo 71 Ele falava de Judas filho de Simatildeo Iscariotes pois este um dos Doze iria entregaacute-lo

I

Agrave primeira vista Jo 6 natildeo se insere sem dificuldade no contexto do EJ No iniacutecio do capiacutetulo supotildee-se que Jesus se encontra na proximidade do lago de Tiberiacuteades na Galileacuteia enquanto o cap 5 relatava seu discurso diante dos ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem em continuidade com a cura do aleijado na piscina de Betesda Em Jo 714-24 remete-se a esta cura em dia de saacutebado Jaacute em Jo 72 eacute alegada como razatildeo da estada de Jesus na Galileia o fato de que os ldquojudeusrdquo o querem matar com uma alusatildeo 518 No decorrer do seacuteculo XX os problemas da sequecircncia do texto levaram comentadores famosos a inverter a ordem de Jo 5 e Jo 653 Deste modo surgiria um texto mais compreensiacutevel Como no fim do cap 4 no cap 6 Jesus se encontra na Galileia Se o cap 5 segue depois do cap 6 a dupla remissiva ao cap 5 em Jo 7 torna-se compreensiacutevel Mas esta proposta natildeo vingou nos uacuteltimos anos O respeito pelo texto dado natildeo permite com facilidade esta ou outras propostas de inversatildeo e os manuscritos natildeo fornecem nenhum ensejo para isso Tambeacutem eacute possiacutevel resgatar a ordem atual do texto quando se parte da ideia de que os indiacutecios geograacuteficos e cronoloacutegicos pelo menos para o autor natildeo constituiacuteram o criteacuterio decisivo para o decurso do texto

Como jaacute sugerido eacute bem possiacutevel ver em Jo 6 uma inserccedilatildeo no QE o que tambeacutem resolveria os problemas da sequecircncia do texto54 Neste caso mantenha-se a unidade literaacuteria do capiacutetulo Soacute neste capiacutetulo em Joatildeo fala-se da eucaristia enquanto que ela falta no cap 13 no relato da paixatildeo Aqui em Jo 6 Jesus parece natildeo subir para a festa da Paacutescoa mencionada em 64 Tem-se a impressatildeo de que uma Paacutescoa cristatilde toma o lugar da festa de peregrinaccedilatildeo judaica Jesus a celebra na Galileia terra das primeiras comunidades cristatildes Como seus antagonistas aparecem a partir do v41 os ldquojudeusrdquo que em outros capiacutetulos soacute na Judeia se encontram com Jesus No interior do cap 6

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Joatildeo se mostra fortemente influenciado pela tradiccedilatildeo sinoacuteptica especialmente por Mc 632-56 e 811-33 como mostra este esquemaMultiplicaccedilatildeo dos patildees Mc 632-44 Jo 61-15Caminhando sobre as aacuteguas Mc 645-52 Jo 616-21Encontro com a multidatildeo Mc 653-56 Jo 522-25(29)Pedido de sinal Mc 811-13 Jo 630-31Discurdso do patildeo Mc 814-21 Jo 632-58Identidade de Jesus e confissatildeo de Pedro Mc 8m27-30 Jo 660-66Um dos disciacutepulos eacute o satanaacutes Mc 831-33 Jo 667-71

A secccedilatildeo Mc 71ndash810 natildeo tem correspondecircncias em Joatildeo e portanto falta em Joatildeo a segundo multiplicaccedilatildeo dos patildees como tambeacutem em Lucas No interior de Jo 6 o autor chega a seguir literalmente o texto marcano ou sinoacuteptico Feiccedilotildees deste gecircnero satildeo o nuacutemero de duzentos denaacuterios para comprar patildeo o nuacutemero de patildees e peixes a descriccedilatildeo dos gestos de Jesus os doze cestos com os pedaccedilos de patildeo que sobraram e tambeacutem o nuacutemero dos que foram saciados Em nenhum outro lugar o EJ tanto se aproxima da tradiccedilatildeo sinoacuteptica Podemos comparar com isso antes de tudo o relato de paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus mas haacute aqui diferenccedilas evidentes desde a cronologia da uacuteltima ceia e da morte de Jesus Visto que tambeacutem em Jo 21 o capiacutetulo final que muitos consideram um acreacutescimo aparecem muitos contatos com os sinoacutepticos (cf a pesca milagrosa Lc 51-11 os filhos de Zebedeu Mc 119 par) parece natural adotar tambeacutem para Jo 6 [[206]] uma data de composiccedilatildeo levemente posterior agrave do contexto

Muito por causa da secccedilatildeo dos dons eucariacutesticos de Jesus no uacuteltimo seacuteculo diversas vezes se colocou em duacutevida a unidade literaacuteria do capiacutetulo Assim R Bultmann55 distingue em Jo 6 quatro camadas diferenciadas uma ldquofonte dos sinaisrdquo agrave qual se devem a multiplicaccedilatildeo dos patildees e a caminhada sobre as aacuteguas (61-1516-21) fragmentos de uma fonte de discursos de revelaccedilatildeo de inspiraccedilatildeo gnoacutestica especialmente no discurso do patildeo em Jo 627-51c a matildeo redatora do evangelista especialmente tambeacutem na parte cristoloacutegica do discurso do patildeo e a redaccedilatildeo eclesial agrave qual se devem a secccedilatildeo ldquoeucariacutesticardquo de 651d-58 e as alusotildees agrave futura ressurreiccedilatildeo dos mortos em 6394044 Semelhante dissecccedilatildeo em camadas encontra-se na exegese que se inspira em Bultmann mesmo quando abre matildeo da ldquofonte dos discursosrdquo de influecircncia gnoacutestica56

Um novo modelo de diversas camadas encontra-se em Paul N Anderson que parte da sedimentaccedilatildeo de diversos conflitos sucessivos em Jo 657 Um primeiro conflito seria o da massa popular em torno do alimento verdadeiro (vv 25-40) o segundo com os ldquojudeusrdquo acerca da Toraacute e do patildeo do ceacuteu (vv 41-51) depois um cisma envolvendo principalmente os disciacutepulos oriundos do paganismo acerca da verdadeira corporeidade de Jesus (vv 51-66) e finalmente uma controveacutersia sobre o lugar certo do grupo joaneu na paisagem da comunidade joanina e da Grande Igreja representada por Pedro (vv 67-70) Menos complexo eacute o modelo de J Painter58 segundo o qual em Jo 6 estaacute integrado uma ldquohistoacuteria de buscardquo (ldquoquest storyrdquo) na qual a massa popular busca e encontra Jesus A essa liga-se nos vv 41-66 uma seacuterie de ldquohistoacuterias de rejeiccedilatildeordquo (ldquorejection storiesrdquo) que teriam sida acrescentadas secundariamente Os vv 67-70 serviram entatildeo para reconciliar os membros da comunidade joanina com adeptos de um cristianismo para a qual a figura de Pedro tinha significaccedilatildeo extraordinaacuteria

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

69 70 71 72

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

73 74 75

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

76 77 78 79 80 81 82

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

94 95 96

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

103 104 105 106 107

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

128 129

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 16:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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Jesus pois dele eacute que Jesus escreveu Quem natildeo acredita em Jesus natildeo pode afirmar que acreditou nas palavras de Moiseacutes Deste modo o cap 5 se encerra com uma acusaccedilatildeo contundente contra os ouvintes O conflito continuaraacute nos capiacutetulos 6 e 7ndash8

III

Depois que nos caps 2ndash4 do EJ Jesus levou sua mensagem sempre mais do centro para a periferia da terra de Israel no cap 5 ele volta ao centro e enfrenta a discussatildeo com os habitantes de Jerusaleacutem e os liacutederes do povo judeu em torno de sua missatildeo Um milagre estupendo a cura de algueacutem que havia 38 anos estava aleijado levou agrave discussatildeo de sua accedilatildeo feita no saacutebado e paulatinamente agrave discussatildeo sobre sua pessoa Pela primeira vez ldquoos judeusrdquo aparecem agora numa secccedilatildeo maior como adversaacuterios de Jesus A afirmaccedilatildeo de Jesus de agir em uniatildeo com seu Pai celeste soacute os faz concluir que ele se torna igual em poder e ordem ao Pai Esta afirmaccedilatildeo provocou contestaccedilatildeo natildeo soacute no tempo do evangelista Para entendecirc-la bem vale a pena reler atentamente o desenvolvimento do discurso de Jesus em Jo 519-47

Na leitura atenta nota-se que Jesus continuamente recusa colocar-se a si mesmo no centro Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (vv 19-30) nem testemunha a favor de si mesmo (vv 31-40) nem procura sua proacutepria honra (vv 41-45 ou 47) Deus eacute quem o deixa participar de sua obra que o defende e o honra Olhando por este lado o discurso de vv 19-47 natildeo eacute meramente ou nem em primeiro lugar cristoloacutegico Ele eacute e permanece teoloacutegico Com a melhor tradiccedilatildeo de Israel o QEvg e na sua obra o Cristo de seu evangelho reduzem toda o agir a Deus o Pai Eacute ele quem opera no Filho o defende e o honra Natildeo eacute por acaso que por isso aparece nos versiacuteculos finais 42-44 o principal mandamento a confissatildeo do Deus uacutenico de Israel e a ordem de amaacute-lo A partir daiacute a reivindicaccedilatildeo de Jesus em Jo 5 e nas grandes controveacutersias de Jo 5ndash10 merece renovada reflexatildeo

2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)1 Depois disso Jesus foi para para o outro lado do mar da Galileacuteia ou seja de Tiberiacuteades 2 Uma grande multidatildeo o seguia vendo os sinais que ele fazia a favor dos doentes 3 Jesus subiu a montanha e sentou-se laacute com os seus disciacutepulos 4 Estava proacutexima a Paacutescoa a festa dos judeus 5 Levantando os olhos e vendo uma grande multidatildeo que vinha a ele Jesus disse a Filipe ldquoOnde vamos comprar patildeo para que essa gente possa comerrdquo 6 Disse isso para testar Filipe pois ele sabia muito bem o que ia fazer 7 Filipe respondeu ldquoNem duzentos denaacuterios de patildeo bastariam para dar um pouquinho a cada umrdquo 8 Um dos disciacutepulos Andreacute irmatildeo de Simatildeo Pedro disse 9 ldquoEstaacute aqui um menino com cinco patildees de cevada e dois peixes Mas que eacute isso para tanta genterdquo 10 Jesus disse ldquoFazei as pessoas sentar-serdquo Naquele lugar havia muita relva e laacute se sentaram os homens em nuacutemero de aproximadamente cinco mil 11 Jesus tomou os patildees deu graccedilas e distribuiu aos que estavam sentados tanto quanto queriam E fez o mesmo com os peixes 12 Quando todos se fartaram disse aos disciacutepulos ldquoJuntai os pedaccedilos que sobraram para que nada se percardquo 13 Eles juntaram e encheram doze cestos com os pedaccedilos que sobraram dos cinco patildees de cevada que comeram 14 Agrave vista do sinal que Jesus tinha realizado as pessoas exclamavam ldquoEste eacute verdadeiramente o profeta aquele que deve vir ao mundordquo 15 Quando Jesus percebeu que queriam levaacute-lo para proclamaacute-lo rei novamente se retirou para a montanha sozinho

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16 Ao anoitecer os disciacutepulos desceram para a beira-mar 17 Entraram no barco e foram na direccedilatildeo de Cafarnaum do outro lado do mar Jaacute estava escuro e Jesus ainda natildeo tinha vindo a eles 18 Soprava um vento forte e o mar estava agitado 19 Os disciacutepulos tinham remado vinte e cinco ou trinta estaacutedios quando avistaram Jesus andando sobre as aacuteguas e aproximando-se do barco Eles ficaram com medo 20 Jesus poreacutem lhes disse ldquoSou eu Natildeo tenhais medordquo 21 Eles queriam receber Jesus no barco mas logo o barco atingiu a terra para onde estavam indo22 No dia seguinte a multidatildeo que tinha ficado do outro lado do mar notou que antes havia aiacute um soacute barco e que Jesus natildeo entrara nele com os disciacutepulos os quais haviam partido sozinhos 23 Entretanto outros barcos chegaram de Tiberiacuteades perto do lugar onde tinham comido o patildeo depois de o Senhor ter dado graccedilas 24 Quando a multidatildeo percebeu que Jesus natildeo estava aiacute nem os seus disciacutepulos entraram nos barcos e foram procurar Jesus em Cafarnaum 25 Encontrando-o do outro lado do mar perguntaram-lhe ldquoRabi quando chegaste aquirdquo 26 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo estais me procurando natildeo porque vistes sinais mas porque comestes patildeo e ficastes saciados 27 Trabalhai natildeo pelo alimento que se perde mas pelo alimento que permanece ateacute agrave vida eterna e que o Filho do Homem vos daraacute Pois a este Deus Pai o marcou com seu selo 28 Perguntaram entatildeo ldquoQue devemos fazer para praticar as obras de Deusrdquo 29 Jesus respondeu ldquoA obra de Deus eacute que acrediteis naquele que ele enviourdquo 30 Eles perguntaram ldquoQue sinais realizas para que possamos ver e acreditar em ti Que obras fazes 31 Nossos pais comeram o manaacute no deserto como estaacute na Escritura lsquoDeu-lhes a comer patildeo do ceacuteursquordquo 32 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo natildeo foi Moiseacutes quem vos deu o patildeo do ceacuteu Eacute meu Pai quem vos daacute o verdadeiro patildeo do ceacuteu 33 Pois o patildeo de Deus eacute aquele que desce do ceacuteu e daacute vida ao mundordquo 34 Eles entatildeo pediram ldquoSenhor daacute-nos sempre desse patildeordquo 35 Jesus lhes disse ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sede 36 Contudo eu vos disse que me vistes mas natildeo credes 37 Todo aquele que o Pai me daacute viraacute a mim e quem vem a mim eu natildeo jogarei fora 38 porque eu desci do ceacuteu natildeo para fazer a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou ldquo39 E esta eacute a vontade daquele que me enviou que eu natildeo perca nenhum daqueles que ele me deu mas os ressuscite no uacuteltimo dia 40 Esta eacute a vontade do meu Pai quem vecirc o Filho e nele crecirc tenha vida eterna E eu o ressuscitarei no uacuteltimo diardquo41 Entatildeo os judeus comeccedilaram a murmurar contra Jesus porque ele disse ldquoEu sou o patildeo que desceu do ceacuteurdquo 42 Diziam ldquoEste natildeo eacute Jesus o filho de Joseacute Natildeo conhecemos noacutes o seu pai e sua matildee Como pode entatildeo dizer que desceu do ceacuteurdquo 43 Jesus respondeu ldquoNatildeo murmureis entre voacutes 44 Ningueacutem pode vir a mim se o Pai que me enviou natildeo o atrair E eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 45 Estaacute escrito nos Profetas lsquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrsquo Ora todo aquele que escutou o ensinamento do Pai e o aprendeu vem a mim 46 Ningueacutem jamais viu o Pai a natildeo ser aquele que vem de junto de Deus este viu o Pai 47 Ameacutem ameacutem vos digo quem crecirc tem vida eterna 48 Eu sou o patildeo da vida 49 Os vossos pais comeram o manaacute no deserto e no entanto morreram 50 Aqui estaacute o patildeo que desce do ceacuteu para que natildeo morra quem dele comer51 ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteu Quem come deste patildeo viveraacute eternamente E o patildeo que eu darei eacute a minha carne dada pela vida do mundordquo 52 Os judeus discutiam entre si ldquoComo eacute que ele pode dar a sua carne a comerrdquo 53 Jesus disse ldquoAmeacutem ameacutem vos digo se natildeo comerdes a carne do Filho do Homem e natildeo beberdes o seu sangue natildeo tereis vida em voacutes 54 Quem mastiga minha carne e

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bebe meu sangue tem vida eterna e eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 55 Pois minha carne eacute verdadeira comida e meu sangue eacute verdadeira bebida 56 Quem mastiga minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele 57 Como o Pai que vive me enviou e eu vivo por meio dele assim viveraacute por meio de mim aquele que me mastiga 58 Este eacute o patildeo que desceu do ceacuteu Natildeo eacute como aquele que vossos pais comeram ndash e no entanto morreram Quem mastiga este patildeo viveraacute para semprerdquo 59 Jesus falou essas coisas ensinando na reuniatildeo sinagogal em Cafarnaum 60 Muitos disciacutepulos que o ouviram disseram entatildeo ldquoEssa palavra eacute inaceitaacutevel Quem consegue escutaacute-lardquo 61 Percebendo que seus disciacutepulos estavam murmurando por causa disso Jesus perguntou ldquoIsto vos escandaliza 62 Que seraacute entatildeo quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes 63 O Espiacuterito eacute que daacute vida a carne de nada serve As palavras que vos falei satildeo Espiacuterito e satildeo vida 64 Mas haacute alguns entre voacutes que natildeo crecircemrdquo Jesus sabia desde o iniacutecio quem eram os que acreditavam e quem havia de entregaacute-lo 65 E acrescentou ldquoEacute por isso que eu vos disse lsquoNingueacutem pode vir a mim a natildeo ser que lhe seja dado pelo Pairsquordquo 66 A partir daquele momento muitos disciacutepulos o abandonaram e natildeo mais andavam com ele 67 Jesus disse aos Doze ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo 68 Simatildeo Pedro respondeu ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna 69 Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo 70 Jesus respondeu ldquoNatildeo vos escolhi doze Contudo um de voacutes eacute um diabordquo 71 Ele falava de Judas filho de Simatildeo Iscariotes pois este um dos Doze iria entregaacute-lo

I

Agrave primeira vista Jo 6 natildeo se insere sem dificuldade no contexto do EJ No iniacutecio do capiacutetulo supotildee-se que Jesus se encontra na proximidade do lago de Tiberiacuteades na Galileacuteia enquanto o cap 5 relatava seu discurso diante dos ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem em continuidade com a cura do aleijado na piscina de Betesda Em Jo 714-24 remete-se a esta cura em dia de saacutebado Jaacute em Jo 72 eacute alegada como razatildeo da estada de Jesus na Galileia o fato de que os ldquojudeusrdquo o querem matar com uma alusatildeo 518 No decorrer do seacuteculo XX os problemas da sequecircncia do texto levaram comentadores famosos a inverter a ordem de Jo 5 e Jo 653 Deste modo surgiria um texto mais compreensiacutevel Como no fim do cap 4 no cap 6 Jesus se encontra na Galileia Se o cap 5 segue depois do cap 6 a dupla remissiva ao cap 5 em Jo 7 torna-se compreensiacutevel Mas esta proposta natildeo vingou nos uacuteltimos anos O respeito pelo texto dado natildeo permite com facilidade esta ou outras propostas de inversatildeo e os manuscritos natildeo fornecem nenhum ensejo para isso Tambeacutem eacute possiacutevel resgatar a ordem atual do texto quando se parte da ideia de que os indiacutecios geograacuteficos e cronoloacutegicos pelo menos para o autor natildeo constituiacuteram o criteacuterio decisivo para o decurso do texto

Como jaacute sugerido eacute bem possiacutevel ver em Jo 6 uma inserccedilatildeo no QE o que tambeacutem resolveria os problemas da sequecircncia do texto54 Neste caso mantenha-se a unidade literaacuteria do capiacutetulo Soacute neste capiacutetulo em Joatildeo fala-se da eucaristia enquanto que ela falta no cap 13 no relato da paixatildeo Aqui em Jo 6 Jesus parece natildeo subir para a festa da Paacutescoa mencionada em 64 Tem-se a impressatildeo de que uma Paacutescoa cristatilde toma o lugar da festa de peregrinaccedilatildeo judaica Jesus a celebra na Galileia terra das primeiras comunidades cristatildes Como seus antagonistas aparecem a partir do v41 os ldquojudeusrdquo que em outros capiacutetulos soacute na Judeia se encontram com Jesus No interior do cap 6

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Joatildeo se mostra fortemente influenciado pela tradiccedilatildeo sinoacuteptica especialmente por Mc 632-56 e 811-33 como mostra este esquemaMultiplicaccedilatildeo dos patildees Mc 632-44 Jo 61-15Caminhando sobre as aacuteguas Mc 645-52 Jo 616-21Encontro com a multidatildeo Mc 653-56 Jo 522-25(29)Pedido de sinal Mc 811-13 Jo 630-31Discurdso do patildeo Mc 814-21 Jo 632-58Identidade de Jesus e confissatildeo de Pedro Mc 8m27-30 Jo 660-66Um dos disciacutepulos eacute o satanaacutes Mc 831-33 Jo 667-71

A secccedilatildeo Mc 71ndash810 natildeo tem correspondecircncias em Joatildeo e portanto falta em Joatildeo a segundo multiplicaccedilatildeo dos patildees como tambeacutem em Lucas No interior de Jo 6 o autor chega a seguir literalmente o texto marcano ou sinoacuteptico Feiccedilotildees deste gecircnero satildeo o nuacutemero de duzentos denaacuterios para comprar patildeo o nuacutemero de patildees e peixes a descriccedilatildeo dos gestos de Jesus os doze cestos com os pedaccedilos de patildeo que sobraram e tambeacutem o nuacutemero dos que foram saciados Em nenhum outro lugar o EJ tanto se aproxima da tradiccedilatildeo sinoacuteptica Podemos comparar com isso antes de tudo o relato de paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus mas haacute aqui diferenccedilas evidentes desde a cronologia da uacuteltima ceia e da morte de Jesus Visto que tambeacutem em Jo 21 o capiacutetulo final que muitos consideram um acreacutescimo aparecem muitos contatos com os sinoacutepticos (cf a pesca milagrosa Lc 51-11 os filhos de Zebedeu Mc 119 par) parece natural adotar tambeacutem para Jo 6 [[206]] uma data de composiccedilatildeo levemente posterior agrave do contexto

Muito por causa da secccedilatildeo dos dons eucariacutesticos de Jesus no uacuteltimo seacuteculo diversas vezes se colocou em duacutevida a unidade literaacuteria do capiacutetulo Assim R Bultmann55 distingue em Jo 6 quatro camadas diferenciadas uma ldquofonte dos sinaisrdquo agrave qual se devem a multiplicaccedilatildeo dos patildees e a caminhada sobre as aacuteguas (61-1516-21) fragmentos de uma fonte de discursos de revelaccedilatildeo de inspiraccedilatildeo gnoacutestica especialmente no discurso do patildeo em Jo 627-51c a matildeo redatora do evangelista especialmente tambeacutem na parte cristoloacutegica do discurso do patildeo e a redaccedilatildeo eclesial agrave qual se devem a secccedilatildeo ldquoeucariacutesticardquo de 651d-58 e as alusotildees agrave futura ressurreiccedilatildeo dos mortos em 6394044 Semelhante dissecccedilatildeo em camadas encontra-se na exegese que se inspira em Bultmann mesmo quando abre matildeo da ldquofonte dos discursosrdquo de influecircncia gnoacutestica56

Um novo modelo de diversas camadas encontra-se em Paul N Anderson que parte da sedimentaccedilatildeo de diversos conflitos sucessivos em Jo 657 Um primeiro conflito seria o da massa popular em torno do alimento verdadeiro (vv 25-40) o segundo com os ldquojudeusrdquo acerca da Toraacute e do patildeo do ceacuteu (vv 41-51) depois um cisma envolvendo principalmente os disciacutepulos oriundos do paganismo acerca da verdadeira corporeidade de Jesus (vv 51-66) e finalmente uma controveacutersia sobre o lugar certo do grupo joaneu na paisagem da comunidade joanina e da Grande Igreja representada por Pedro (vv 67-70) Menos complexo eacute o modelo de J Painter58 segundo o qual em Jo 6 estaacute integrado uma ldquohistoacuteria de buscardquo (ldquoquest storyrdquo) na qual a massa popular busca e encontra Jesus A essa liga-se nos vv 41-66 uma seacuterie de ldquohistoacuterias de rejeiccedilatildeordquo (ldquorejection storiesrdquo) que teriam sida acrescentadas secundariamente Os vv 67-70 serviram entatildeo para reconciliar os membros da comunidade joanina com adeptos de um cristianismo para a qual a figura de Pedro tinha significaccedilatildeo extraordinaacuteria

55 56 57 58

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

69 70 71 72

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

73 74 75

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

83 84 85 86

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

94 95 96

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

97 98 99 100 101 102

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

103 104 105 106 107

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

108 109 110 111 112

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

118 119 120 121 122

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
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16 Ao anoitecer os disciacutepulos desceram para a beira-mar 17 Entraram no barco e foram na direccedilatildeo de Cafarnaum do outro lado do mar Jaacute estava escuro e Jesus ainda natildeo tinha vindo a eles 18 Soprava um vento forte e o mar estava agitado 19 Os disciacutepulos tinham remado vinte e cinco ou trinta estaacutedios quando avistaram Jesus andando sobre as aacuteguas e aproximando-se do barco Eles ficaram com medo 20 Jesus poreacutem lhes disse ldquoSou eu Natildeo tenhais medordquo 21 Eles queriam receber Jesus no barco mas logo o barco atingiu a terra para onde estavam indo22 No dia seguinte a multidatildeo que tinha ficado do outro lado do mar notou que antes havia aiacute um soacute barco e que Jesus natildeo entrara nele com os disciacutepulos os quais haviam partido sozinhos 23 Entretanto outros barcos chegaram de Tiberiacuteades perto do lugar onde tinham comido o patildeo depois de o Senhor ter dado graccedilas 24 Quando a multidatildeo percebeu que Jesus natildeo estava aiacute nem os seus disciacutepulos entraram nos barcos e foram procurar Jesus em Cafarnaum 25 Encontrando-o do outro lado do mar perguntaram-lhe ldquoRabi quando chegaste aquirdquo 26 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo estais me procurando natildeo porque vistes sinais mas porque comestes patildeo e ficastes saciados 27 Trabalhai natildeo pelo alimento que se perde mas pelo alimento que permanece ateacute agrave vida eterna e que o Filho do Homem vos daraacute Pois a este Deus Pai o marcou com seu selo 28 Perguntaram entatildeo ldquoQue devemos fazer para praticar as obras de Deusrdquo 29 Jesus respondeu ldquoA obra de Deus eacute que acrediteis naquele que ele enviourdquo 30 Eles perguntaram ldquoQue sinais realizas para que possamos ver e acreditar em ti Que obras fazes 31 Nossos pais comeram o manaacute no deserto como estaacute na Escritura lsquoDeu-lhes a comer patildeo do ceacuteursquordquo 32 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo natildeo foi Moiseacutes quem vos deu o patildeo do ceacuteu Eacute meu Pai quem vos daacute o verdadeiro patildeo do ceacuteu 33 Pois o patildeo de Deus eacute aquele que desce do ceacuteu e daacute vida ao mundordquo 34 Eles entatildeo pediram ldquoSenhor daacute-nos sempre desse patildeordquo 35 Jesus lhes disse ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sede 36 Contudo eu vos disse que me vistes mas natildeo credes 37 Todo aquele que o Pai me daacute viraacute a mim e quem vem a mim eu natildeo jogarei fora 38 porque eu desci do ceacuteu natildeo para fazer a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou ldquo39 E esta eacute a vontade daquele que me enviou que eu natildeo perca nenhum daqueles que ele me deu mas os ressuscite no uacuteltimo dia 40 Esta eacute a vontade do meu Pai quem vecirc o Filho e nele crecirc tenha vida eterna E eu o ressuscitarei no uacuteltimo diardquo41 Entatildeo os judeus comeccedilaram a murmurar contra Jesus porque ele disse ldquoEu sou o patildeo que desceu do ceacuteurdquo 42 Diziam ldquoEste natildeo eacute Jesus o filho de Joseacute Natildeo conhecemos noacutes o seu pai e sua matildee Como pode entatildeo dizer que desceu do ceacuteurdquo 43 Jesus respondeu ldquoNatildeo murmureis entre voacutes 44 Ningueacutem pode vir a mim se o Pai que me enviou natildeo o atrair E eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 45 Estaacute escrito nos Profetas lsquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrsquo Ora todo aquele que escutou o ensinamento do Pai e o aprendeu vem a mim 46 Ningueacutem jamais viu o Pai a natildeo ser aquele que vem de junto de Deus este viu o Pai 47 Ameacutem ameacutem vos digo quem crecirc tem vida eterna 48 Eu sou o patildeo da vida 49 Os vossos pais comeram o manaacute no deserto e no entanto morreram 50 Aqui estaacute o patildeo que desce do ceacuteu para que natildeo morra quem dele comer51 ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteu Quem come deste patildeo viveraacute eternamente E o patildeo que eu darei eacute a minha carne dada pela vida do mundordquo 52 Os judeus discutiam entre si ldquoComo eacute que ele pode dar a sua carne a comerrdquo 53 Jesus disse ldquoAmeacutem ameacutem vos digo se natildeo comerdes a carne do Filho do Homem e natildeo beberdes o seu sangue natildeo tereis vida em voacutes 54 Quem mastiga minha carne e

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bebe meu sangue tem vida eterna e eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 55 Pois minha carne eacute verdadeira comida e meu sangue eacute verdadeira bebida 56 Quem mastiga minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele 57 Como o Pai que vive me enviou e eu vivo por meio dele assim viveraacute por meio de mim aquele que me mastiga 58 Este eacute o patildeo que desceu do ceacuteu Natildeo eacute como aquele que vossos pais comeram ndash e no entanto morreram Quem mastiga este patildeo viveraacute para semprerdquo 59 Jesus falou essas coisas ensinando na reuniatildeo sinagogal em Cafarnaum 60 Muitos disciacutepulos que o ouviram disseram entatildeo ldquoEssa palavra eacute inaceitaacutevel Quem consegue escutaacute-lardquo 61 Percebendo que seus disciacutepulos estavam murmurando por causa disso Jesus perguntou ldquoIsto vos escandaliza 62 Que seraacute entatildeo quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes 63 O Espiacuterito eacute que daacute vida a carne de nada serve As palavras que vos falei satildeo Espiacuterito e satildeo vida 64 Mas haacute alguns entre voacutes que natildeo crecircemrdquo Jesus sabia desde o iniacutecio quem eram os que acreditavam e quem havia de entregaacute-lo 65 E acrescentou ldquoEacute por isso que eu vos disse lsquoNingueacutem pode vir a mim a natildeo ser que lhe seja dado pelo Pairsquordquo 66 A partir daquele momento muitos disciacutepulos o abandonaram e natildeo mais andavam com ele 67 Jesus disse aos Doze ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo 68 Simatildeo Pedro respondeu ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna 69 Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo 70 Jesus respondeu ldquoNatildeo vos escolhi doze Contudo um de voacutes eacute um diabordquo 71 Ele falava de Judas filho de Simatildeo Iscariotes pois este um dos Doze iria entregaacute-lo

I

Agrave primeira vista Jo 6 natildeo se insere sem dificuldade no contexto do EJ No iniacutecio do capiacutetulo supotildee-se que Jesus se encontra na proximidade do lago de Tiberiacuteades na Galileacuteia enquanto o cap 5 relatava seu discurso diante dos ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem em continuidade com a cura do aleijado na piscina de Betesda Em Jo 714-24 remete-se a esta cura em dia de saacutebado Jaacute em Jo 72 eacute alegada como razatildeo da estada de Jesus na Galileia o fato de que os ldquojudeusrdquo o querem matar com uma alusatildeo 518 No decorrer do seacuteculo XX os problemas da sequecircncia do texto levaram comentadores famosos a inverter a ordem de Jo 5 e Jo 653 Deste modo surgiria um texto mais compreensiacutevel Como no fim do cap 4 no cap 6 Jesus se encontra na Galileia Se o cap 5 segue depois do cap 6 a dupla remissiva ao cap 5 em Jo 7 torna-se compreensiacutevel Mas esta proposta natildeo vingou nos uacuteltimos anos O respeito pelo texto dado natildeo permite com facilidade esta ou outras propostas de inversatildeo e os manuscritos natildeo fornecem nenhum ensejo para isso Tambeacutem eacute possiacutevel resgatar a ordem atual do texto quando se parte da ideia de que os indiacutecios geograacuteficos e cronoloacutegicos pelo menos para o autor natildeo constituiacuteram o criteacuterio decisivo para o decurso do texto

Como jaacute sugerido eacute bem possiacutevel ver em Jo 6 uma inserccedilatildeo no QE o que tambeacutem resolveria os problemas da sequecircncia do texto54 Neste caso mantenha-se a unidade literaacuteria do capiacutetulo Soacute neste capiacutetulo em Joatildeo fala-se da eucaristia enquanto que ela falta no cap 13 no relato da paixatildeo Aqui em Jo 6 Jesus parece natildeo subir para a festa da Paacutescoa mencionada em 64 Tem-se a impressatildeo de que uma Paacutescoa cristatilde toma o lugar da festa de peregrinaccedilatildeo judaica Jesus a celebra na Galileia terra das primeiras comunidades cristatildes Como seus antagonistas aparecem a partir do v41 os ldquojudeusrdquo que em outros capiacutetulos soacute na Judeia se encontram com Jesus No interior do cap 6

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Joatildeo se mostra fortemente influenciado pela tradiccedilatildeo sinoacuteptica especialmente por Mc 632-56 e 811-33 como mostra este esquemaMultiplicaccedilatildeo dos patildees Mc 632-44 Jo 61-15Caminhando sobre as aacuteguas Mc 645-52 Jo 616-21Encontro com a multidatildeo Mc 653-56 Jo 522-25(29)Pedido de sinal Mc 811-13 Jo 630-31Discurdso do patildeo Mc 814-21 Jo 632-58Identidade de Jesus e confissatildeo de Pedro Mc 8m27-30 Jo 660-66Um dos disciacutepulos eacute o satanaacutes Mc 831-33 Jo 667-71

A secccedilatildeo Mc 71ndash810 natildeo tem correspondecircncias em Joatildeo e portanto falta em Joatildeo a segundo multiplicaccedilatildeo dos patildees como tambeacutem em Lucas No interior de Jo 6 o autor chega a seguir literalmente o texto marcano ou sinoacuteptico Feiccedilotildees deste gecircnero satildeo o nuacutemero de duzentos denaacuterios para comprar patildeo o nuacutemero de patildees e peixes a descriccedilatildeo dos gestos de Jesus os doze cestos com os pedaccedilos de patildeo que sobraram e tambeacutem o nuacutemero dos que foram saciados Em nenhum outro lugar o EJ tanto se aproxima da tradiccedilatildeo sinoacuteptica Podemos comparar com isso antes de tudo o relato de paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus mas haacute aqui diferenccedilas evidentes desde a cronologia da uacuteltima ceia e da morte de Jesus Visto que tambeacutem em Jo 21 o capiacutetulo final que muitos consideram um acreacutescimo aparecem muitos contatos com os sinoacutepticos (cf a pesca milagrosa Lc 51-11 os filhos de Zebedeu Mc 119 par) parece natural adotar tambeacutem para Jo 6 [[206]] uma data de composiccedilatildeo levemente posterior agrave do contexto

Muito por causa da secccedilatildeo dos dons eucariacutesticos de Jesus no uacuteltimo seacuteculo diversas vezes se colocou em duacutevida a unidade literaacuteria do capiacutetulo Assim R Bultmann55 distingue em Jo 6 quatro camadas diferenciadas uma ldquofonte dos sinaisrdquo agrave qual se devem a multiplicaccedilatildeo dos patildees e a caminhada sobre as aacuteguas (61-1516-21) fragmentos de uma fonte de discursos de revelaccedilatildeo de inspiraccedilatildeo gnoacutestica especialmente no discurso do patildeo em Jo 627-51c a matildeo redatora do evangelista especialmente tambeacutem na parte cristoloacutegica do discurso do patildeo e a redaccedilatildeo eclesial agrave qual se devem a secccedilatildeo ldquoeucariacutesticardquo de 651d-58 e as alusotildees agrave futura ressurreiccedilatildeo dos mortos em 6394044 Semelhante dissecccedilatildeo em camadas encontra-se na exegese que se inspira em Bultmann mesmo quando abre matildeo da ldquofonte dos discursosrdquo de influecircncia gnoacutestica56

Um novo modelo de diversas camadas encontra-se em Paul N Anderson que parte da sedimentaccedilatildeo de diversos conflitos sucessivos em Jo 657 Um primeiro conflito seria o da massa popular em torno do alimento verdadeiro (vv 25-40) o segundo com os ldquojudeusrdquo acerca da Toraacute e do patildeo do ceacuteu (vv 41-51) depois um cisma envolvendo principalmente os disciacutepulos oriundos do paganismo acerca da verdadeira corporeidade de Jesus (vv 51-66) e finalmente uma controveacutersia sobre o lugar certo do grupo joaneu na paisagem da comunidade joanina e da Grande Igreja representada por Pedro (vv 67-70) Menos complexo eacute o modelo de J Painter58 segundo o qual em Jo 6 estaacute integrado uma ldquohistoacuteria de buscardquo (ldquoquest storyrdquo) na qual a massa popular busca e encontra Jesus A essa liga-se nos vv 41-66 uma seacuterie de ldquohistoacuterias de rejeiccedilatildeordquo (ldquorejection storiesrdquo) que teriam sida acrescentadas secundariamente Os vv 67-70 serviram entatildeo para reconciliar os membros da comunidade joanina com adeptos de um cristianismo para a qual a figura de Pedro tinha significaccedilatildeo extraordinaacuteria

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

76 77 78 79 80 81 82

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

83 84 85 86

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 18:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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bebe meu sangue tem vida eterna e eu o ressuscitarei no uacuteltimo dia 55 Pois minha carne eacute verdadeira comida e meu sangue eacute verdadeira bebida 56 Quem mastiga minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele 57 Como o Pai que vive me enviou e eu vivo por meio dele assim viveraacute por meio de mim aquele que me mastiga 58 Este eacute o patildeo que desceu do ceacuteu Natildeo eacute como aquele que vossos pais comeram ndash e no entanto morreram Quem mastiga este patildeo viveraacute para semprerdquo 59 Jesus falou essas coisas ensinando na reuniatildeo sinagogal em Cafarnaum 60 Muitos disciacutepulos que o ouviram disseram entatildeo ldquoEssa palavra eacute inaceitaacutevel Quem consegue escutaacute-lardquo 61 Percebendo que seus disciacutepulos estavam murmurando por causa disso Jesus perguntou ldquoIsto vos escandaliza 62 Que seraacute entatildeo quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes 63 O Espiacuterito eacute que daacute vida a carne de nada serve As palavras que vos falei satildeo Espiacuterito e satildeo vida 64 Mas haacute alguns entre voacutes que natildeo crecircemrdquo Jesus sabia desde o iniacutecio quem eram os que acreditavam e quem havia de entregaacute-lo 65 E acrescentou ldquoEacute por isso que eu vos disse lsquoNingueacutem pode vir a mim a natildeo ser que lhe seja dado pelo Pairsquordquo 66 A partir daquele momento muitos disciacutepulos o abandonaram e natildeo mais andavam com ele 67 Jesus disse aos Doze ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo 68 Simatildeo Pedro respondeu ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna 69 Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo 70 Jesus respondeu ldquoNatildeo vos escolhi doze Contudo um de voacutes eacute um diabordquo 71 Ele falava de Judas filho de Simatildeo Iscariotes pois este um dos Doze iria entregaacute-lo

I

Agrave primeira vista Jo 6 natildeo se insere sem dificuldade no contexto do EJ No iniacutecio do capiacutetulo supotildee-se que Jesus se encontra na proximidade do lago de Tiberiacuteades na Galileacuteia enquanto o cap 5 relatava seu discurso diante dos ldquojudeusrdquo em Jerusaleacutem em continuidade com a cura do aleijado na piscina de Betesda Em Jo 714-24 remete-se a esta cura em dia de saacutebado Jaacute em Jo 72 eacute alegada como razatildeo da estada de Jesus na Galileia o fato de que os ldquojudeusrdquo o querem matar com uma alusatildeo 518 No decorrer do seacuteculo XX os problemas da sequecircncia do texto levaram comentadores famosos a inverter a ordem de Jo 5 e Jo 653 Deste modo surgiria um texto mais compreensiacutevel Como no fim do cap 4 no cap 6 Jesus se encontra na Galileia Se o cap 5 segue depois do cap 6 a dupla remissiva ao cap 5 em Jo 7 torna-se compreensiacutevel Mas esta proposta natildeo vingou nos uacuteltimos anos O respeito pelo texto dado natildeo permite com facilidade esta ou outras propostas de inversatildeo e os manuscritos natildeo fornecem nenhum ensejo para isso Tambeacutem eacute possiacutevel resgatar a ordem atual do texto quando se parte da ideia de que os indiacutecios geograacuteficos e cronoloacutegicos pelo menos para o autor natildeo constituiacuteram o criteacuterio decisivo para o decurso do texto

Como jaacute sugerido eacute bem possiacutevel ver em Jo 6 uma inserccedilatildeo no QE o que tambeacutem resolveria os problemas da sequecircncia do texto54 Neste caso mantenha-se a unidade literaacuteria do capiacutetulo Soacute neste capiacutetulo em Joatildeo fala-se da eucaristia enquanto que ela falta no cap 13 no relato da paixatildeo Aqui em Jo 6 Jesus parece natildeo subir para a festa da Paacutescoa mencionada em 64 Tem-se a impressatildeo de que uma Paacutescoa cristatilde toma o lugar da festa de peregrinaccedilatildeo judaica Jesus a celebra na Galileia terra das primeiras comunidades cristatildes Como seus antagonistas aparecem a partir do v41 os ldquojudeusrdquo que em outros capiacutetulos soacute na Judeia se encontram com Jesus No interior do cap 6

53 54

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Joatildeo se mostra fortemente influenciado pela tradiccedilatildeo sinoacuteptica especialmente por Mc 632-56 e 811-33 como mostra este esquemaMultiplicaccedilatildeo dos patildees Mc 632-44 Jo 61-15Caminhando sobre as aacuteguas Mc 645-52 Jo 616-21Encontro com a multidatildeo Mc 653-56 Jo 522-25(29)Pedido de sinal Mc 811-13 Jo 630-31Discurdso do patildeo Mc 814-21 Jo 632-58Identidade de Jesus e confissatildeo de Pedro Mc 8m27-30 Jo 660-66Um dos disciacutepulos eacute o satanaacutes Mc 831-33 Jo 667-71

A secccedilatildeo Mc 71ndash810 natildeo tem correspondecircncias em Joatildeo e portanto falta em Joatildeo a segundo multiplicaccedilatildeo dos patildees como tambeacutem em Lucas No interior de Jo 6 o autor chega a seguir literalmente o texto marcano ou sinoacuteptico Feiccedilotildees deste gecircnero satildeo o nuacutemero de duzentos denaacuterios para comprar patildeo o nuacutemero de patildees e peixes a descriccedilatildeo dos gestos de Jesus os doze cestos com os pedaccedilos de patildeo que sobraram e tambeacutem o nuacutemero dos que foram saciados Em nenhum outro lugar o EJ tanto se aproxima da tradiccedilatildeo sinoacuteptica Podemos comparar com isso antes de tudo o relato de paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus mas haacute aqui diferenccedilas evidentes desde a cronologia da uacuteltima ceia e da morte de Jesus Visto que tambeacutem em Jo 21 o capiacutetulo final que muitos consideram um acreacutescimo aparecem muitos contatos com os sinoacutepticos (cf a pesca milagrosa Lc 51-11 os filhos de Zebedeu Mc 119 par) parece natural adotar tambeacutem para Jo 6 [[206]] uma data de composiccedilatildeo levemente posterior agrave do contexto

Muito por causa da secccedilatildeo dos dons eucariacutesticos de Jesus no uacuteltimo seacuteculo diversas vezes se colocou em duacutevida a unidade literaacuteria do capiacutetulo Assim R Bultmann55 distingue em Jo 6 quatro camadas diferenciadas uma ldquofonte dos sinaisrdquo agrave qual se devem a multiplicaccedilatildeo dos patildees e a caminhada sobre as aacuteguas (61-1516-21) fragmentos de uma fonte de discursos de revelaccedilatildeo de inspiraccedilatildeo gnoacutestica especialmente no discurso do patildeo em Jo 627-51c a matildeo redatora do evangelista especialmente tambeacutem na parte cristoloacutegica do discurso do patildeo e a redaccedilatildeo eclesial agrave qual se devem a secccedilatildeo ldquoeucariacutesticardquo de 651d-58 e as alusotildees agrave futura ressurreiccedilatildeo dos mortos em 6394044 Semelhante dissecccedilatildeo em camadas encontra-se na exegese que se inspira em Bultmann mesmo quando abre matildeo da ldquofonte dos discursosrdquo de influecircncia gnoacutestica56

Um novo modelo de diversas camadas encontra-se em Paul N Anderson que parte da sedimentaccedilatildeo de diversos conflitos sucessivos em Jo 657 Um primeiro conflito seria o da massa popular em torno do alimento verdadeiro (vv 25-40) o segundo com os ldquojudeusrdquo acerca da Toraacute e do patildeo do ceacuteu (vv 41-51) depois um cisma envolvendo principalmente os disciacutepulos oriundos do paganismo acerca da verdadeira corporeidade de Jesus (vv 51-66) e finalmente uma controveacutersia sobre o lugar certo do grupo joaneu na paisagem da comunidade joanina e da Grande Igreja representada por Pedro (vv 67-70) Menos complexo eacute o modelo de J Painter58 segundo o qual em Jo 6 estaacute integrado uma ldquohistoacuteria de buscardquo (ldquoquest storyrdquo) na qual a massa popular busca e encontra Jesus A essa liga-se nos vv 41-66 uma seacuterie de ldquohistoacuterias de rejeiccedilatildeordquo (ldquorejection storiesrdquo) que teriam sida acrescentadas secundariamente Os vv 67-70 serviram entatildeo para reconciliar os membros da comunidade joanina com adeptos de um cristianismo para a qual a figura de Pedro tinha significaccedilatildeo extraordinaacuteria

55 56 57 58

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

73 74 75

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

76 77 78 79 80 81 82

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

83 84 85 86

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

94 95 96

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

97 98 99 100 101 102

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

103 104 105 106 107

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

108 109 110 111 112

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

118 119 120 121 122

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

128 129

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 19:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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Joatildeo se mostra fortemente influenciado pela tradiccedilatildeo sinoacuteptica especialmente por Mc 632-56 e 811-33 como mostra este esquemaMultiplicaccedilatildeo dos patildees Mc 632-44 Jo 61-15Caminhando sobre as aacuteguas Mc 645-52 Jo 616-21Encontro com a multidatildeo Mc 653-56 Jo 522-25(29)Pedido de sinal Mc 811-13 Jo 630-31Discurdso do patildeo Mc 814-21 Jo 632-58Identidade de Jesus e confissatildeo de Pedro Mc 8m27-30 Jo 660-66Um dos disciacutepulos eacute o satanaacutes Mc 831-33 Jo 667-71

A secccedilatildeo Mc 71ndash810 natildeo tem correspondecircncias em Joatildeo e portanto falta em Joatildeo a segundo multiplicaccedilatildeo dos patildees como tambeacutem em Lucas No interior de Jo 6 o autor chega a seguir literalmente o texto marcano ou sinoacuteptico Feiccedilotildees deste gecircnero satildeo o nuacutemero de duzentos denaacuterios para comprar patildeo o nuacutemero de patildees e peixes a descriccedilatildeo dos gestos de Jesus os doze cestos com os pedaccedilos de patildeo que sobraram e tambeacutem o nuacutemero dos que foram saciados Em nenhum outro lugar o EJ tanto se aproxima da tradiccedilatildeo sinoacuteptica Podemos comparar com isso antes de tudo o relato de paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus mas haacute aqui diferenccedilas evidentes desde a cronologia da uacuteltima ceia e da morte de Jesus Visto que tambeacutem em Jo 21 o capiacutetulo final que muitos consideram um acreacutescimo aparecem muitos contatos com os sinoacutepticos (cf a pesca milagrosa Lc 51-11 os filhos de Zebedeu Mc 119 par) parece natural adotar tambeacutem para Jo 6 [[206]] uma data de composiccedilatildeo levemente posterior agrave do contexto

Muito por causa da secccedilatildeo dos dons eucariacutesticos de Jesus no uacuteltimo seacuteculo diversas vezes se colocou em duacutevida a unidade literaacuteria do capiacutetulo Assim R Bultmann55 distingue em Jo 6 quatro camadas diferenciadas uma ldquofonte dos sinaisrdquo agrave qual se devem a multiplicaccedilatildeo dos patildees e a caminhada sobre as aacuteguas (61-1516-21) fragmentos de uma fonte de discursos de revelaccedilatildeo de inspiraccedilatildeo gnoacutestica especialmente no discurso do patildeo em Jo 627-51c a matildeo redatora do evangelista especialmente tambeacutem na parte cristoloacutegica do discurso do patildeo e a redaccedilatildeo eclesial agrave qual se devem a secccedilatildeo ldquoeucariacutesticardquo de 651d-58 e as alusotildees agrave futura ressurreiccedilatildeo dos mortos em 6394044 Semelhante dissecccedilatildeo em camadas encontra-se na exegese que se inspira em Bultmann mesmo quando abre matildeo da ldquofonte dos discursosrdquo de influecircncia gnoacutestica56

Um novo modelo de diversas camadas encontra-se em Paul N Anderson que parte da sedimentaccedilatildeo de diversos conflitos sucessivos em Jo 657 Um primeiro conflito seria o da massa popular em torno do alimento verdadeiro (vv 25-40) o segundo com os ldquojudeusrdquo acerca da Toraacute e do patildeo do ceacuteu (vv 41-51) depois um cisma envolvendo principalmente os disciacutepulos oriundos do paganismo acerca da verdadeira corporeidade de Jesus (vv 51-66) e finalmente uma controveacutersia sobre o lugar certo do grupo joaneu na paisagem da comunidade joanina e da Grande Igreja representada por Pedro (vv 67-70) Menos complexo eacute o modelo de J Painter58 segundo o qual em Jo 6 estaacute integrado uma ldquohistoacuteria de buscardquo (ldquoquest storyrdquo) na qual a massa popular busca e encontra Jesus A essa liga-se nos vv 41-66 uma seacuterie de ldquohistoacuterias de rejeiccedilatildeordquo (ldquorejection storiesrdquo) que teriam sida acrescentadas secundariamente Os vv 67-70 serviram entatildeo para reconciliar os membros da comunidade joanina com adeptos de um cristianismo para a qual a figura de Pedro tinha significaccedilatildeo extraordinaacuteria

55 56 57 58

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

94 95 96

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 20:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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Se e em que medida o QE depende diretamente dos evangelhos sinoacutepticos eacute uma discussatildeo permanente Num congresso em Lovaina sobre a relaccedilatildeo de Joatildeo e os sinoacutepticos F Vouga defendeu a dependecircncia direta de Jo 6 dos sinoacutepticos59 Outros autores satildeo mais prudentes e contam antes com influecircncia da tradiccedilatildeo sinoacuteptica na origem do Jo 6 60

Aleacutem da investigaccedilatildeo acerca das fontes de Jo 6 e das fases de sua composiccedilatildeo encontramos tambeacutem estudos sobre seu background cultural e religioso Tais estudos ganham nos uacuteltimos dececircnios crescente importacircncia Na sua obra ldquoThe prophet-Kingrdquo Wayne E Meeks parte da observaccedilatildeo de que os judeus querem fazer de Jesus seu rei depois de terem visto o sinal da multiplicaccedilatildeo milagrosa do patildeo ndash sinal antes caracteriacutestico para um profeta de Israel (cf Jo 614s) O autor investiga a ligaccedilatildeo dos dois tiacutetulos na literatura judaica contemporacircnea e encontra a conexatildeo dos dois tiacutetulos sobretudo na figura de Moiseacutes no judaiacutesmo heleniacutestico Peder Borgen61 por seu lado investiga a teacutecnica do midraxe no judaiacutesmo heleniacutestico para mostrar que Joatildeo no cap 6 de seu evangelho utiliza meacutetodos semelhantes para anunciar Jesus como o patildeo da vida Nas homilias daquele tempo um texto biacuteblico eacute tratado em duas secccedilotildees e depois ligado a um outro texto Em Jo 6 o autor teria tratado o Sl 7824 em duas partes ldquopatildeo do ceacuteu ele lhes deurdquo (vv 31-47) e ldquoa comerrdquo (vv 48-58) O texto de Is 5413 citado em Jo 645 segundo a Septuaginta teria sido o segundo texto para a pregaccedilatildeo Esta proposta oferece uma alternativa para a divisatildeo que Bultmann propocircs com base em perspectivas teoloacutegicas

Ao lado se natildeo no lugar das investigaccedilotildees da origem de Jo 6 surgem ultimamente as investigaccedilotildees do texto final quer sob o aspecto da anaacutelise narrativa quer em vista de seu estrutura R A Culpepper recenseou tais contribuiccedilotildees e as publicou numa coletacircnea que documenta um seminaacuterio da Studiorum Novo Testamenti Societas62 R Kysar vecirc em Jo 6 uma doutrina sobre a feacute que natildeo se apoia em obras humanas mas soacute na graccedila de Deus que antecede toda prestaccedilatildeo humana63 Gail OrsquoDay focaliza a importacircncia da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (Jo 616-21) que muitas vezes eacute vista como interrupccedilatildeo do relato do patildeo da vida64 [[208]] O relato joaneu da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas distingue-se dos relatos sinoacutepticos pelo seguinte que ele coloca o acento na teofania e natildeo no poder de Jesus sobre vento e ondas Esta explicaccedilatildeo cristoloacutegica se encaixa bem na orientaccedilatildeo do capiacutetulo inteiro

F M Moloney observa na estrateacutegia narrativa de Jo 6 o uso de ldquoprolepsesrdquo antecipaccedilotildees de temas65 Assim os ldquopedaccedilosrdquo dos cinco patildees que satildeo recolhidos depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees anunciam o patildeo eucariacutestico que Jesus oferece segundo os vv 51-58 O mesmo vale para o anuncio de Jesus em 627 de que ele lhes ldquodaraacuterdquo patildeo e natildeo apenas seraacute patildeo para eles Com esta teacutecnica o autor cira a unidade literaacuteria do capiacutetulo e assegura sua coerecircncia

R A Culpepper pocircde em seu panorama66 constatar que todos os participantes do seminaacuterio que ele publicou concordavam que os vv 51c-58 que falam do patildeo eucariacutestico dado aos disciacutepulos pertencem agrave estrutura original do texto Parece pois

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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

69 70 71 72

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

73 74 75

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

76 77 78 79 80 81 82

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

94 95 96

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

103 104 105 106 107

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

128 129

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
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que ficou abandonada a suposiccedilatildeo de Bultmann e de seus disciacutepulos que veem aqui um acreacutescimo ulterior marcado por uma teologia diferente da do evangelista Muitos estudiosos salientam o significado cristoloacutegico dos vv 651c-58 assim por exemplo M J J Menken em outro artigo da mesma coletacircnea67 Eacute sempre Jesus que estaacute no centro tambeacutem nestes versiacuteculos preparando-se para o misteacuterio de sua morte salviacutefica

Para a exegese sincrocircnica de Jo 6 eacute fundamental a determinaccedilatildeo da estrutura do capiacutetulo Para isso pode-se tomar como base uma proposta de G A Phillips68 Ao estudar a estrutura de Jo 6 conveacutem partir da construccedilatildeo das cenas natildeo de conceitos ou termos temaacuteticos Nas diversas cenas encontram-se indiacutecios de tempo e espaccedilo de personagens atuantes e de sequecircncia de accedilotildees Tambeacutem o discurso de Jesus nos vv 22-59 pode ser dividido segundo as interlocuccedilotildees de Jesus e de seus adversaacuterios

No inciacuteio encontram-se duas cenas de natureza narrativa os relatos da multiplicaccedilatildeo dos patildees (vv 1-5) e da caminhada de Jesus sobre as aacuteguas (vv 16-21) No fim encontram-se a interlocuccedilatildeo de Jesus e dos disciacutepulos na continuidade do discurso do patildeo da vida (vv 60-66) e a de Pedro referente agrave identidade de Jesus (vv 67-71) A primeira (vv 1-15) e a uacuteltima cena (vv 67-71) se correspondem nisto que aiacute aparecem disciacutepulos mencionados nominalmente Na medida em que estas cenas emolduram a narrativa inteira evidenciam tambeacutem a significaccedilatildeo do capiacutetulo para as leitoras e os leitores cristatildeos Na segunda e na penuacuteltima cena encontram-nos Jesus e o grupo dos disciacutepulos

O discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum se deixa dividir em seis partes na base da troca dos interlocutores vv 22-27 28-29 39-33 34-40 41-51 52-58 Tambeacutem estas secccedilotildees parecem se espelhar As correspondecircncias mais fortes encontram-se entre os vv 22-27 e 52-59 com os motivos ldquoFilho do homemrdquo (vv 27 e 52) ldquodomrdquo de um alimento (vv 27 e 51s) o proacuteprio ldquoalimentordquo (vv 27 e 55) e o ldquopermanecerrdquo (vv 27 e 56) Correspondecircncias semelhantes embora mais fracas encontram-se entre as secccedilotildees 28s e 41-51 e tambeacutem entre 30-33 e 34-40 No meio da parte discursiva estaria entatildeo a palavra de Jesus ldquoEu sou o patildeo da vidardquo falada pela primeira vez no v 35 Isso natildeo significa poreacutem que o peso do capiacutetulo se encontre sem mais neste lugar De ponto de vista pragmaacutetico o capiacutetulo tem uma construccedilatildeo linear que leva agrave confissatildeo de feacute dos disciacutepulos como Pedro a exprime de modo exemplar no fim ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo (Jo 669)

II

A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)

Com Jo 61-15 comeccedila o ciclo da atividade de Jesus na Galileia que abrange Jo 61-71 Como acima observamos esta sequecircncia de cenas natildeo se encaixa sem mais na sequecircncia geral do EJ pois o texto pressupotildee uma viagem de Jesus agrave Galileia que natildeo foi narrada Por outro lado alguns comentadores apontam para as conexotildees que existem entre os capiacutetulos 5 e 6 no atual texto do EJ No seu grande discurso em Jo 519-47 Jesus se refere diversas vezes a Moiseacutes como testemunha a seu favor principalmente na uacuteltima parte do discurso (545-47) Por esta referecircncia prepara-se o papel de Moiseacutes como doador do manaacute no deserto segundo Jo 632 Tambeacutem a travessia do deserto constitui o pano de fundo geral para a controveacutersia de Jo 631-58 Neste sentido Jo 6 continua o cap 5 A autoridade de Moiseacutes receberaacute tambeacutem significado central no cap 7 a partir do v 19 O cap 6 se insere portanto na continuidade dos trecircs capiacutetulos 5ndash767 68

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

69 70 71 72

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

73 74 75

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

76 77 78 79 80 81 82

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

83 84 85 86

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

94 95 96

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

97 98 99 100 101 102

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 22:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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Tambeacutem quanto agrave milagrosa multiplicaccedilatildeo dos patildees em Jo 61-15 dividem-se as opiniotildees dos estudiosos especificamente quanto agrave relaccedilatildeo do relato joanino [[210]] com o sinoacuteptico

- Joatildeo independe dos sinoacutepticos ambos os relatos remontariam a uma fonte comum69

- Joatildeo depende de um proto-Marcos70

- Joatildeo utiliza os sinoacutepticos especialmente Marcos mas com muita liberddae no qudro de sua estrateacutegia narrativa e de seus objetivos teoloacutegicos71

Acolhemos para noacutes esta uacuteltima opiniatildeo que os autores baseiam em argumentos importantes A exegese detalhada confirmaraacute este modo de ver

Para a estrutura de Jo 61-15 temos uma proposta interessante em J Konings72 Ele observa inicialmente o parentesco do texto com os paralelos sinoacutepticos mas tambeacutem no Ecircxodo e na histoacuteria de Elias-Eliseu O texto propriamente teria uma estrutura concecircntrica no iniacutecio encontra-se em 61-4 a exposiccedilatildeo da histoacuteria com a introduccedilatildeo no cenaacuterio os personagens etc Logo em seguida em 65-9 o diaacutelogo com Filipe e Andreacute descreve o problema a fome da multidatildeo Na parte central 610-11 encontra-se a soluccedilatildeo do problema pelo proacuteprio Jesus ele ordena que a multidatildeo tome lugar na grama depois pronuncia a becircnccedilatildeo sobre a comida disponiacutevel e a faz distribuir Correspondendo ao segundo momento temos nos vv 12-23 o quarto momento a constataccedilatildeo do milagre mediante o recolhimento dos pedaccedilos que sobraram O quinto momento retoma os motivos do primeiro ao descrever as reaccedilotildees ao milagre a febre messiacircnica da multidatildeo (cf jaacute no v 2) e a retirada de Jesus para o monte que jaacute foi mencionado no iniacutecio (cf v 3) em 614-15 E assim jaacute se prepara a secccedilatildeo subsequente

61-4 Os quatro primeiros versiacuteculos introduzem no quadro espaccedilo-temporal e apresentam os personagens que vatildeo participar do ato Os indiacutecios para a mudanccedila de lugar retomam elementos da tradiccedilatildeo (mas a expressatildeo ldquomar de Tiberiacuteadesrdquo eacute joanina cf 211) Ao mesmo tempo esses elementos estatildeo em tensatildeo com o contexto maior em Joatildeo como jaacute observamos (cf acima I) De modo inesperado Jesus se encontra na Galileia mais especificamente pelo que parece na margem ocidental do lago de Tiberiacuteades que ele atravessa junto com seus disciacutepulos A presenccedila da multidatildeo natildeo eacute a razatildeo da travessia como se fosse uma retirada parece antes uma consequencia Jaacute as indicaccedilotildees temporais trazem uma marca joanina mais forte o termo caracteriacutestico ldquodepois dissordquo (meta taacuteuta) e a menccedilatildeo agrave Paacutescoa proacutexima Em Jo 6 a ldquomontanhardquo ocupa o lugar do ldquolugar ermordquo dos sinoacutepticos e forma um arco de inclusatildeo com a ldquomontanhardquo para a qual Jesus se retira no fim da histoacuteria (v 15) Eacute joaneacuteico tambeacutem o motivo da multidatildeo que segue Jesus por ter visto sues sinais quando ele cura os enfermos O uacutenico caso concreto eacute de fato a cura do filho do funcionaacuterio reacutegio em Jo 446-54 assim a referecircncia agrave multidatildeo que seguia Jesus porque viram sinais soa antes tradicional (cf 223 32) Os que defendem a hipoacutetese da ldquofonte dos sēmeiardquo apelam a isso como argumento para a presenccedila desta fonte em Jo 61-21

A menccedilatildeo agrave Paacutescoa dos judeus que se aproxima em Jo 64 surpreende neste lugar Interrompe a sequecircncia das festas judaicas de romaria iniciada na primeira Paacutescoa em 213 e na festa de 51 que julgamos ser a festa das Semanas nesta festa de 64 Jesus parece natildeo estar subindo a Jerusaleacutem Jaacute expressamos acima a impressatildeo de que aqui

69 70 71 72

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

73 74 75

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

76 77 78 79 80 81 82

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

83 84 85 86

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 23:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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se trata de uma ldquoreleiturardquo cristatilde da Paacutescoa judaica sob a influecircncia dos ldquoversiacuteculos eucariacutesticosrdquo de Jo 651c-58 bem como de outros elementos eucariacutesticos em Jo 6 73

65-9 Nos versiacuteculos seguintes alguns traccedilos nos fazem perceber como o evangelista dramatiza a histoacuteria que ele tem diante de si74 Por um lado ele retoma dentre um grupo um personagem individual por outro cria grupos contrapostos um ao outro no caso a multidatildeo e os disciacutepulos e esta contraposiccedilatildeo vai determinar todo o desenvolvimento do cap 6 Assim o evangelista escolhe dentre o grupo de disciacutepulos mencionado no v 3 Filipe e Andreacute ndash natildeo por mera coincidecircncia os mesmos que em Jo 143-35 e Jo 122-26 Acrescente-se que estes disciacutepulos com seus nomes gregos satildeo adequados para formar uma ldquoponterdquo entre Jesus e os futuros disciacutepulos de Jesus provindos do helenismo A menccedilatildeo a Pedro como irmatildeo de Andreacute no v 8 lembra Jo 140-42 e Pedro seraacute tambeacutem o porta-voz dos disciacutepulos no fim do capiacutetulo Jo 667-71

Jaacute no v 5 aparece a iniciativa de Jesus que daacute ensejo ao milagre Jesus eleva os olhos vecirc a grande multidatildeo e pergunta a Filipe como se poderia dar de comer a tanta gente ou mais exatamente de onde se poderia [[212]] comprar alimento para tantas pessoas O ldquocomprarrdquo eacute um elemento da histoacuteria tradicional e Joatildeo usa este elemento para dizer que Jesus potildee agrave prova a feacute dos seus disciacutepulosndash pois ele mesmo jaacute sabia como ele saciaria a fome da multidatildeo (v 6) Lembra-se aqui a conversa entre Jesus e a mulher samaritana em Jo 46-15 quando Jesus acena a uma bebida que a mulher ainda natildeo conhece A formulaccedilatildeo ldquode onderdquo lembra Nm 1113 LXX quando Moises pergunta ldquode onde dar carne para fartar tanta genterdquo75

Na resposta de Filipe aparece uma diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo Segundo os sinoacutepticos duzentos denaacuterios de patildeo poderiam saciar a multidatildeo mas segundo Filipe em Joatildeo seriam insuficientes Assim temos um reforccedilo do elemento encontrado nos sinoacutepticos A intervenccedilatildeo de Andreacute nos vv 8-9 em parte coincide com a tradiccedilatildeo sinoacuteptica em parte difere dela Em ambos os relatos fala-se de cinco patildees e dois peixes Mas na expressatildeo verbal haacute muitas diferenccedilas Joatildeo fala em ldquopatildees de cevadardquo (aacutertous krithiacutenous) dando uma especificaccedilatildeo que natildeo se encontra nos sinoacutepticos mas no relato da multiplicaccedilotildea dos patildees por Eliseu em 2Rs 442 (20 patildees de cevada para 100 pessoas) Enquanto os sinoacutepticos chamam os peixes ikhthyacutees Joaotilde os chama de opsaacuteria jaacute preparados para o consumo (cozidos ou assados mesma expressatildeo de Jo 219)

A principal diferenccedila entre o relato sinoacuteptico e o de Joatildeo consiste nisto que em Joatildeo a iniciativa parte inteiramente de Jesus e natildeo dos disciacutepulos

610-11 A injunccedilatildeo para que a multidatildeo tome lugar pertence aos dados tradicionais Joatildeo natildeo menciona o detalhe que as pessoas se deviam organizar em grupos de 10 e de 50 que possivelmente provem da organizaccedilatildeo do povo na marcha pelo deserto Joatildeo natildeo evoca propriamente um deserto mas um lugar com muita grama Na realizaccedilatildeo do milagre propriamente alguns traccedilos distinguem Joatildeo da tradiccedilatildeo sinoacuteptica

- falta o papel dos disciacutepulos como auxiliares

- em Joatildeo Jesus toma na matildeo somente os patildees natildeo os peixes que satildeo mencionados apenas de modo complementar isso se explica pelo acento dado ao patildeo no capiacutetulo inteiro

73 74 75

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

76 77 78 79 80 81 82

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

83 84 85 86

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

94 95 96

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 24:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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- natildeo se menciona aqui que Jesus elevou os olhos ao ceacuteu mas isso jaacute foi mencionado no v 5

- natildeo eacute mencionado que Jesus ldquopartiurdquo o patildeo antes de distribuiacute-lo

No mais Joatildeo usa as mesmas expressotildees que os sinoacutepticos para a distribuiccedilatildeo dos patildees Jesus ldquotomou os patildeesrdquo ldquopronunciou a accedilatildeo de graccedilasrdquo e ldquodeurdquo-os para serem distribuiacutedos Os comentadores apontam aqui o colorido eucariacutestico da accedilatildeo de Jesus (cf Mc 1422 par 1Cor 1123s) mais claro nos textos citados dos sinoacutepticos e de Paulo mas perceptiacutevel tambeacutem em Joatildeo

612-13 O milagre em si natildeo eacute narrado agrave diferenccedila dos sinoacutepticos que relatam que todos comeram e ficaram saciados (Jo 642 parr) Joatildeo apenas menciona ldquoquando todos se fartaramrdquo como se fosse a coisa mais natural do mundo que 5000 pessoas fiquem saciadas com cinco patildees e dois peixes Isso se pode explicar pelo fato de que o milagre certamente era conhecido pela tradiccedilatildeo cristatilde geral Outra diferenccedila com os sinoacutepticos eacute que Jesus em Joatildeo daacute ordem aos disciacutepulos de recolher os pedaccedilos que sobraram da refeiccedilatildeo Os comentadores veem aqui uma acentuaccedilatildeo do papel dos disciacutepulos e tambeacutem talvez um elemento eucariacutestico

614-15 O fim do relato joanino natildeo tem correspondente nos textos sinoacutepticos O milagre operado por Jesus eacute ldquovistordquo pelas pessoas e percebido segundo a expressatildeo que jaacute encontramos no iniacutecio do relato (v 2) como ldquosinalrdquo Mas em vez de considerar este termo como indiacutecio de que o evangelista usou uma ldquofonte dos sēmeacuteiardquo basta ver nesta compreensatildeo da accedilatildeo de Jesus a feacute messiacircnica e escatoloacutegica ainda natildeo amadurecida que ainda natildeo chegou a reconhecer em Jesus no sentido do QE o Filho consubstancial ao Pai e por ele enviado para a salvaccedilatildeo do mundo Jesus natildeo eacute um novo Moiseacutes profeta e rei mas o Filho unigecircnito de Deus e ao mesmo tempo o Filho do homem que deve ser enaltecido da terra para atrair todos a si (cf 1232) Por esta razatildeo Jesus se retira na montanha sozinho

Do ponto de vista dramatuacutergico esta uacuteltima cena surpreende Jesus fica totalmente sozinho na montanha No iniacutecio ele estava sozinho poreacutem seguido pela multidatildeo A multidatildeo o envolve e enseja o diaacutelogo de Jesus com os disciacutepulos No meio da narrativa os disciacutepulos estatildeo com ele Depois aparece novamente a multidatildeo que recebe a refeiccedilatildeo milagrosa Mas no fim depois da coleta dos pedaccedilos que sobraram Jesus estaacute novamente sozinho retirado na montanha Assim revela-se a orientaccedilatildeo fortemente cristoloacutegica do texto As leitoras e leitores se perguntam quem eacute esse Jesus que natildeo quer ser profeta-rei de seu povo e para onde conduziraacute seu caminho futuro As secccedilotildees seguintes do capiacutetulo daratildeo a resposta agrave essas perguntas Assim especialmente a secccedilatildeo 667-71 que com 61-15 forma o arcabouccedilo que jaacute observamos Pedro [[214]] reconheceraacute Jesus como o santo de Deus mas ao mesmo tempo a menccedilatildeo a Judas traz na perspectiva a morte proacutexima de Jesus

Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)

Agrave primeira vista a narrativa da travessia de Jesus andando sobre o lago de Tiberiacuteades parece um corpo alheio no conjunto de Jo 6 A conexatildeo com o contexto anterior o milagres do patildeo e com o contexto subsequente o discurso do patildeo da vida eacute tecircnue O elemento que mais conecta a secccedilatildeo com o tema fundamental do patildeo da vida eacute a foacutermula com a qual Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos na barca ldquoSou eurdquo (v 20) Como se mostraraacute esta foacutermula eacute muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a aacutegua com o discurso subsequente em que Jesus se autodefine com as

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

83 84 85 86

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

108 109 110 111 112

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

118 119 120 121 122

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

128 129

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 25:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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palavras ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (Jo 6354851) usando uma formulaccedilatildeo que tem raiacutezes no vocabulaacuterio do AT

Todos os estudiosos concordam que Joatildeo segue a sequecircncia das cenas de Mc 6ndash8 Neste evangelho segue-se agrave multiplicaccedilatildeo dos patildees a cena da caminha de Jesus sobre as aacuteguas (cf Mc 645-52 par Mt 1422-33) Mas continua aberta a pergunta se Joatildeo retoma esta sequecircncia por causa de sua dependecircncia da tradiccedilatildeo ou se ele a assume com intenccedilotildees teoloacutegicas proacuteprias

Para a preacute-histoacuteria da presente secccedilatildeo valem os mesmos modelos que jaacute apresentamos na introduccedilatildeo a Jo 6 (cf supra I) Ateacute hoje haacute quem proponha separaccedilatildeo literaacuterio-criacutetica de fontes Para Bultmann e os autores que o seguem o relato da caminhada sobre as aacuteguas seria proveniente da hipoteacutetica ldquofonte dos sēmeacuteiardquo em que ela se seguia ao milagre do patildeo Segundo outros autores Joatildeo teria utilizado os sinoacutepticos ainda que de modo livre Esta opiniatildeo eacute que hoje granjeia mais adesatildeo Jo escreve para uma comunidade ou grupo de comunidades em que se pode supor a tradiccedilatildeo de Marcos Mas os tempos mudaram O papel dos disciacutepulos tinha de ser descrito de maneira nova em vez dos disciacutepulos de pouca compreensatildeo e feacute eles tecircm de receber em Joatildeo o papel de exemplos da feacute Tambeacutem a cristologia precisava ser adaptada agrave confissatildeo caracteriacutestica da comunidade joanina Portanto natildeo se deve esperar encontrar em Joatildeo uma mera ldquovarianterdquo da narrativa de Marcos ou Mateus mas uma ldquoreleiturardquo desses textos agrave luz da experiecircncia da feacute da comunidade joanina Segundo este modelo Joatildeo natildeo seraacute meramente um ldquoquarto sinoacutepticordquo apesar das muitas concordacircncias verbais mas ele aparece como um inteacuterprete da tradiccedilatildeo sinoacuteptica agrave luz de seu proacuteprio tempo76

Quanto agrave histoacuteria da tradiccedilatildeo e da forma literaacuteria do relato joanino da caminhada sobre as aacuteguas apresentaram-se diversas propostas R Bultmann remete a paralelos no budismo onde se encontra o tema da travessia sobre as aacuteguas em relaccedilatildeo a homens com qualidades sobre-humanas77 Mais proacuteximos do NT encontramos modelos para este tema em textos heleniacutesticos78 Tais textos pertencem ao gecircnero da epifania eventualmente experimentada por navegantes em meio agrave tempestade Por exemplo Diodoro Siacuteculo conta em seu livro (443) a experiecircncia de marinheiros em aperto durante certa noite que invocam os deuses de Samotraacutecia e neste momento as estrelas tornam-se novamente visiacuteveis Esta experiecircncia eacute atribuiacuteda expressamente aos Dioacutescuros79 Em outros textos os Dioacutescuros satildeo carregados sobre seus cavalos por cima do mar80 Tambeacutem os heroacuteis tecircm capacidades semelhantes81 Evetualmente se discute a plausibilidade de tais capacidades como num conhecido texto de Luciano82 Um exemplo positivo eacute atribuiacuteda a Xerxes segundo Dio Crisoacutestomo Este exemplo eacute significativo porque a capacidade de andar sobre as aacuteguas parece relacionada com a dignidade reacutegia de Xerxes Assim surge a pergunta se a capacidade de Jesus de andar sobre a aacutegua pode estar relacionada com a tentativa de proclamaacute-lo rei (Jo 614) tentativa que Jesus recusa mas reinterpretaraacute mais tarde (cf Jo 1836s)

Peso ao menos igual aos textos heleniacutesticos tecircm os paralelos da tradiccedilatildeo veterotestamentaacuteria e judaica Para a caminhada sobre as aacuteguas e a salvaccedilatildeo dos disciacutepulos na barca ameaccedilada os autores remetem a textos biacuteblicos bem como a textos

76 77 78 79 80 81 82

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

83 84 85 86

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

97 98 99 100 101 102

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

103 104 105 106 107

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

108 109 110 111 112

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

118 119 120 121 122

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

128 129

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 26:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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judaicos intertestamentaacuterios Assim o livro de Joacute ldquoSozinho ele desdobra os ceacuteus e caminha como num pavimento sobre o marrdquo (Joacute 98 LXX) Satildeo lembradas tambeacutem a travessia do mar Vermelho (Ex 14) e a travessia do Jordatildeo por Elias e Eliseu (2Rs 2814) [[216]] Muito se cita tambeacutem Sl 10723-30 onde se louva a Deus porque mostra sua proximidade e socorro a um grupo de navegantes de modo que alcanccedilam em seguranccedila o porto

Este uacuteltimo elemento tem muito peso aos olhos de J P Heil83 Segundo ele estaacute na base do relato evangeacutelico da caminhada sobre as aacuteguas o gecircnero literaacuterio das histoacuterias de epifania-salvaccedilatildeo A ver de perto no texto que acabamos de referir como tambeacutem num texto semelhante de TestNeft 61-10 trata-se antes da salvaccedilatildeo de um grupo de navegantes na tempestade por uma intervenccedilatildeo divina Este tema enconra-se em Mc 435-41 par com menor nitidez em Mc 645-52 e quase natildeo em Jo 616-21

As explicaccedilotildees da caminhada sobre as aacuteguas em Jo 616-21 a partir da histoacuteria da religiatildeo natildeo satisfazem A exegese recente prefere partir do texto de Joatildeo que temos diante de noacutes Jaacute R Schnackenburg no seu comentaacuterio vecirc uma conexatildeo entre a epifania de Jesus narrada em nosso texto e o repetido egocirc eimi (ldquoeu sourdquo) no discurso do patildeo que se segue C H Giblin rejeita a explicaccedilatildeo pelo gecircnero ldquoepifania-salvaccedilatildeordquo e questiona a existecircncia desse gecircnero84 O acento em Jo 616-21 estaacute sobretudo nos disciacutepulos Jesus ldquoaparecerdquo a eles e os faz chegar agrave margem que simboliza tambeacutem sua meta como apoacutestolos Outras contribuiccedilotildees recentes partem semelhantemente do texto como estaacute aiacute85

A seguir faremos a exegese principalmente em continuidade com os autores que abrem o texto na forma que temos diante de noacutes Com C H Giblin86 podemos dividir o texto em duas subunidades vv 16-18 a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes da chegada de Jesus e vv 19-21 a vinda de Jesus e seu efeito sobre o grupo dos disciacutepulos Esta divisatildeo baseia-se tambeacutem na observaccedilatildeo de que Jo 616-21 eacute composto principalmente do ponto de vista dos disciacutepulos

616-18 Este pequeno trecho eacute emoldurado por indicaccedilotildees de tempo e de lugar Depois da multiplicaccedilatildeo dos patildees veio a tarde (v 16) e a escuridatildeo (v 19) No mundo simboacutelico de Joatildeo estes traccedilos tecircm sentido figurativo Nicodemos vem a Jesus de noite (Jo 32) pois ainda natildeo estaacute iluminado pelo ensinamento do mestre Quando Judas abandona o grupo dos disciacutepulos para entregar Jesus eacute noite (Jo 1330) Em Jo 6 a noite significa o tempo da anguacutestia e do perigo Acresce a esse simbolismo o tema do mar desde a mais antiga cultura considerado o mundo da ameaccedila e das forccedilas contraacuterias a Deus A essa [[217]] ameaccedila junta-se o vento violento mencionado no v 18 Este vento faz parte do cenaacuterio sem se transformar em t gema dominante como veremos adiante (na hora de chegada de Jesus natildeo se fala da calmaria do vento agrave diferenccedila de Mc 435-41 par)

Como observou C H Giblin estas indicaccedilotildees do cenaacuterio e da situaccedilatildeo dos disciacutepulos enquadram o enunciado do v 17 Jesus ainda natildeo veio ateacute eles Estilisticamente pode-se ver aqui uma prolepse da chegada de Jesus narrada no v 19 Retoricamente cria-se o contraste entre a situaccedilatildeo dos disciacutepulos antes de depois da vinda do seu Senhor Quanto ao campo vocabuliacutestico a situaccedilatildeo dos disciacutepulos eacute caracterizada pela noite (siacutembolo da desorientaccedilatildeo e do perigo) e pelo alto mar (elemento inimigo do ser humano que eacute

83 84 85 86

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

94 95 96

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

103 104 105 106 107

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

108 109 110 111 112

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

118 119 120 121 122

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

128 129

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 27:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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morador da terra firma) Junta-se a estes elementos inimigos e ameaccediladores o vento que fustiga as ondas que castigam a barca dos disciacutepulos ameaccedilando viraacute-la Tambeacutem eacute importante para o relato a distacircncia no iniacutecio do v 19 lembrando que os disciacutepulos se encontram longe da margem

619-21 Os vv 19-21 descrevem a situaccedilatildeo dos disciacutepulos depois da vinda de Jesus Nesse momento eles se encontram ainda em alto mar a 25 ou 30 estaacutedios isto eacute uns 45 a 46 km da margem Entatildeo enxergam Jesus andando sobre o mar e aproximando-se da barca (v 19) Sua vista os enche de grande medo Mas Jesus grita a eles ldquoSou eu natildeo tenhais medordquo (v 20)

Os exegetas explicam da cena segundo dois modelos O primeiro eacute cristoloacutegico eacute representado por Gail OrsquoDay87 Segundo ela o significado da cena se encontra nas palavras com as quais Jesus se daacute a conhecer aos disciacutepulos e natildeo na caminhada sobre as aacuteguas Em Joatildeo essas palavras natildeo satildeo uma foacutermula de identificaccedilatildeo como nos paralelos sinoacutepticos segundo os quais os disciacutepulos atemorizados pensam ver em Jesus um fantasma Joatildeo transformou a foacutermula de identificaccedilatildeo numa foacutermula de revelaccedilatildeo ldquoSou eurdquo Esta lembra as foacutermulas semelhantes no Decircutero-Isaiacuteas (Is 4325 5112 526) com as quais Deus se revela como salvador de seu povo Aparentada a essa foacutermula eacute uma outra com a qual Deus se revela a seu povo e o exorta a natildeo ter medo (Is 431 4428) A apariccedilatildeo da divindade e a exortaccedilatildeo a natildeo ter medo pertencem ao gecircnero da epifania (cf Gn 151 Lc 130) A epifania de Jesus em Jo 1616-21 cabe bem na sequecircncia do contexto entre o discurso de Jesus acerca de sua dignidade e sua participaccedilatildeo nas obras proacuteprias de Deus em Jo 519-30 e o discurso de autorrevelaccedilatildeo em Jo 622-58

Outros autores como C H Giblin88 percebem que em Jo 616-21 o acento estaacute sobretudo nos disciacutepulos Antes da chegada de Jesus eles se encontram em alto mar Ao ver Jesus ficam tomados de medo (v 20) A palavra de Jesus lhes daacute coragem depois que a vista dele lhes deu medo Ainda natildeo entenderam o que significa para eles ter Jesus consigo Querem acolher Jesus na barca Natildeo entenderam que com Jesus alcanccedilaram a outra margem Em vez de ver nesta chegada suacutebita um ldquomilagrezinho dentro do milagrerdquo cabe reconhecer nesta feiccedilatildeo o mundo simboacutelico joanino unidos a Jesus os disciacutepulos alcanccedilaram a meta C H Giblin lembra aqui dois textos semelhantes o fruto que Jesus promete aos sarmentos que permanecerem unidos a ele (Jo 155) e a alegria da colheita que ele promete aos trabalhadores (Jo 435-38)

O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)

Segue-se ao relato da multiplicaccedilatildeo dos patildees (Jo 61-15) e da caminhada sobre as aacuteguas (Jo 616-21) uma secccedilatildeo extensa caracterizada por diaacutelogos e discursos de Jesus Muitas vezes os autores chamam Jo 622-59 de ldquodiscurso do patildeo da vidardquo Esta denominaccedilatildeo pode ser defendida mas na realidade a secccedilatildeo se compotildee de uma seacuterie de pequenos diaacutelogos Acima (cf I) propusemos dividir Jo 622-59 em seis interlocuccedilotildees entre Jesus e seus parceiros de diaacutelogo v 22-27 28-29 30-33 34-40 41-51 52-59 Satildeo poucos os autores que escolhem esta divisatildeo mas ela se recomenda em vista da estrutura narrativa da secccedilatildeo

Ainda haacute autores que consideram que o texto cresceu tambeacutem dentro do discurso do patildeo da vida de Jo 6 Continua exercendo influecircncia a proposta de R Bultmann de

87 88

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

94 95 96

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

103 104 105 106 107

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

108 109 110 111 112

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 28:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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considerar a parte 651c-58 como acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo89 Poreacutem jaacute mencionamos que todos os participantes de um seminaacuterio da Studiorum Novi Testamenti Societas estavam de acordo para ver nesses versiacuteculos uma parte integrante do texto90 A proposta de J Painter91 para ver em Jo 61-40 uma ldquoquest storyrdquo e nos vv 41-58 uma ldquorejection storyrdquo em que as palavras de Jesus satildeo rejeitadas pelos ldquojudeusrdquo permaneceu uma posiccedilatildeo isolada no seminaacuterio Em todo caso tambeacutem segundo Painter 651c-58 natildeo deve ser separado do seu contexto (a partir do v 41)

No que segue Jo 622-59 seraacute lido como um texto coerente Nesta abordagem apresentam-se duas variantes Segundo a primeira o texto se lecirc em vista de seu conteuacutedo temaacutetico O centro eacute entatildeo a cristologia Este modo de proceder eacute privilegiado pela maioria dos exegetas Mas pode-se abordar o texto tambeacutem a partir do ponto de vista das leitoras e leitores Esta abordagem que se pode intitular de ldquoreader responserdquo eacute escolhida por R Kysar92 Ele examina Jo 625-71 com consideraccedilatildeo do caminho da feacute das leitoras e leitores Distinguem-se duas maneiras de crer a feacute como obra proacutepria e a feacute como dom de Deus O evangelista prefere evidentemente a segunda maneira e aniquila a primeira Conveacutem ter em vista tambeacutem esta abordagem para a elaboraccedilatildeo da pragmaacutetica textual

Natildeo haacute unanimidade sobre onde comeccedila o discurso do patildeo da vida Segundo alguns eacute no v 30 com a pergunta da multidatildeo e a resposta de Jesus na qual eacute nomeada pela primeira vez o patildeo do ceacuteu dado pelo Pai Outros vecircem o iniacutecio no v 25 a primeira pergunta da multidatildeo No que segue escolheremos uma terceira possibilidade os vv 22-25 constituem uma introduccedilatildeo no cenaacuterio ligada agrave interlocuccedilatildeo seguinte De fato os vv 22-25a preparam a pergunta da multidatildeo em 25b Nos vv 22-25 jaacute se encontram conceitos importantes que seratildeo significativos para o discurso ou as interlocuccedilotildees a seguir Haacute especialmente uma preparaccedilatildeo do tema eucariacutestico dos vv 52-59 Lembra-se aqui a estrutura concecircntrica de Jo 6 que evidencia a correspondecircncia que acabamos de indicar

Ao lado de tais estruturas concecircntricas pode-se reconhecer tambeacutem uma construccedilatildeo linear93 Nas primeiras quatro interlocuccedilotildees entre 622 e 630 Jesus se encontra em diaacutelogo com a multidatildeo A partir do v 42 estaacute dialogando com ldquoos judeusrdquo a partir do v 60 com os disciacutepulos e a partir do v 67 com os Doze Percebe-se portanto crescente atualidade Trata-se do proacuteprio interesse do puacuteblico leitor

622-27 Os vv que fazem a transiccedilatildeo para o discurso do patildeo da vida comeccedilam mencionando a chegada de Jesus e a da multidatildeo que vai constituir o auditoacuterio Discutiu-se muito sobre o sentido desses versiacuteculos introdutoacuterios e haacute tambeacutem alguns problemas de criacutetica textual A cena natildeo eacute tatildeo confusa quanto agraves vezes se diz A multidatildeo que sobrou depois da partida dos disciacutepulos e da retirada de Jesus sobre a montanha conclui que os disciacutepulos partiram porque suas barcas natildeo mais se encontram a natildeo ser uma uacutenica A chegada de outras barcas de Tiberiacuteades ndash como um deus ex machina ndash lhes permite atravessar o lago O autor natildeo se preocupa com a pergunta de como uma multidatildeo de 5000 homens (mais suas famiacutelias) poderiam atravessar o lago Para ele outras feiccedilotildees satildeo mais importantes a multidatildeo procura Jesus As barcas chegam ao lugar onde a multidatildeo comeu ldquoo patildeordquo (no singular

89 90 91 92 93

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

128 129

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 29:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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provavelmente prenunciando [[220]] o que vai seguir) que Jesus lhe deu depois de ter ldquodado graccedilasrdquo (v 23) Tambeacutem este elemento tem colorido eucariacutestico

Ao encontrar Jesus a multidatildeo pergunta ldquoRabi quando chegaste aquirdquo Conveacutem comparar a pergunta da multidatildeo com a resposta de Jesus A multidatildeo se interessa pelo momento da chegada de Jesus Jesus natildeo responde a essa pergunta mas muda sua orientaccedilatildeo Para ele o que importa eacute por que eles vieram Eles vieram porque receberam de jesus patildeo fiacutesico para sua satisfaccedilatildeo Eles devem progredir desta atitude ao desejo do alimento verdadeiro o da vida eterna que o Filho do homem lhes daraacute

Na estrutura de Jo 6 e do discurso do patildeo da vida que propomos apontamos que os vv 22-27 correspondem agrave uacuteltima parte do discurso nos vv 52-58 a assim chamada ldquosecccedilatildeo eucariacutesticardquo Correspondecircncias lexicais entre as duas secccedilotildees satildeo entre outras aacutertos (ldquopatildeordquo) brocircsis (ldquoalimentordquo) ho hyios tou anthrocircpou (ldquoo Filho do homemrdquo) zoē aiocircnios (vida eterna) e diacutedonai (ldquodarrdquo) Em ambas as secccedilotildees fala-se do patildeo que o Filho do homem daacute ou daraacute aos seus e natildeo do patildeo com o qual ele se identifica (como em 635-51b) Deve ser lembrado tambeacutem o lugar em que a multidatildeo comeu o patildeo ldquodepois de ele ter dado graccedilasrdquo outra feiccedilatildeo eucariacutestica

629-30 A breve cena que se segue mostra que o mal-entendido continua A multidatildeo entendeu que eacute preciso fazer a vontade de Deus para alcanccedilar a vida terena Mas a multidatildeo entende essa vontade de Deus no sentido dos mandamentos mosaicos fazer as obras de Deus Soacute resta a pergunta que obras satildeo essas A resposta de Jesus natildeo acompanha esse paradigma Para chegar agrave vida eterna natildeo eacute preciso fazer as obras da piedade judaica uma obra soacute eacute que se pede crer em Jesus como enviado do Pai Por isso Jesus diz ldquoa obrardquo em vez de ldquoas obrasrdquo Compare-se com este conceito o que Jesus diz em 434 ldquoO meu alimento eacute fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obrardquo e em 174 na sua oraccedilatildeo derradeira ldquoEu te glorifiquei na terra e levei a termo a obra que me deste a fazerrdquo A vontade de deus natildeo consiste num grande nuacutemero de obras boas ou prescritas mas na entrega total a Deus na obediecircncia (para Jesus) e na feacute (para os outros) uma feacute que encontra seu uacutenico ponto de referecircncia e orientaccedilatildeo em Jesus como envidado de Deus

630-33 A interlocuccedilatildeo seguinte eacute uma transiccedilatildeo ao tema do patildeo do ceacuteu O termo de referecircncia eacute o ldquocrerrdquo A multidatildeo estaacute presa ao paradigma do ldquoprofeta-reirdquo ao modelo de Moiseacutes Por isso pede de Jesus um sinal que legitime sua exigecircncia de feacute A multidatildeo sugere um exemplo que se refere ao pano de fundo literaacuterio do cap 6 inteiro segundo o estudo de J Zumstein94 o relato do Ecircxodo e do dom do manaacute Como prova do dom do manaacute do ceacuteu alegam o Sl 78(77)24 que se baseia em Ex 16415 Moiseacutes teria sido legitimado por uma obra assim Que obra semelhante faraacute Jesus (vv 30-31)

Jesus natildeo rechaccedila o pedido de um sinal mas ele corrige a tradiccedilatildeo do Ecircxodo alegada pela multidatildeo e a reinterpreta95 Com solene foacutermula introdutoacuteria ele declara que natildeo foi Moiseacutes que deu o patildeo do ceacuteu mas o seu Pai e isso natildeo alguma vez no passado mas agora Como observou P Borgen96 Joatildeo usa aqui a teacutecnica rabiacutenica do lsquoal tikri ldquonatildeo ler isso mas aquilordquo Natildeo ler nātan (ldquoele deurdquo) mas nōtēn (ldquoele daacuterdquo) E corrige tambeacutem a opiniatildeo da multidatildeo de que Moiseacutes deu o patildeo natildeo foi Moiseacutes mas Deus A terceira diferenccedila que Moiseacutes evidencia consiste nisto que Deus daacute o patildeo do ceacuteu ldquopara a vida do mundordquo natildeo soacute para Israel em sua caminhada pelo deserto Este patildeo eacute em seguida identificado com aquele que desceu do ceacuteu para dar vida ao mundo Pode-se acrescentar

94 95 96

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

97 98 99 100 101 102

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

103 104 105 106 107

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

108 109 110 111 112

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 30:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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mia uma diferenccedila o Jesus joanino natildeo fala de um patildeo que ldquofoi dadordquo do ceacuteu mas que ldquodesceu do ceacuteurdquo (katabaacuteinōn ek tou ouranoacuteu) Assim lanccedila-se matildeo do vocabulaacuterio joanino da vinda ou descida de Jesus (cf Jo 313 63841s50s58) ao qual corresponde o da ldquosubidardquo para junto do Pai (Jo 313 662 2017)

Segundo P Borgen inicia-se aqui um texto concebido conforme a homilia judaica97 O orador comeccedila com uma citaccedilatildeo da Escritura ou da tradiccedilatildeo ndash segundo Borgen uma haggadaacute segundo M J J Menken98 o Sl 78(77)24s Nos vv 32-47 ele desenvolve a primeira metade da citaccedilatildeo ldquodeu-lhes patildeo do ceacuteurdquo nos vv 45-58 a segunda metade ldquoa comerrdquo No desenvolvimento da homilia o primeiro texto eacute geralmente explicado por um outro neste caso Is 5413 alegado em Jo 645 J Zumstein natildeo se convence com esta proposta porque o estilo do diaacutelogo entre Jesus e a multidatildeo ou os ldquojudeusrdquo natildeo eacute o da homilia99 Suas razotildees merecem consideraccedilatildeo Por isso conveacutem ver em Jo 6 [[221]] antes de mais uma ldquoreleiturardquo do ciclo do Ecircxodo em geral e do dom do manaacute em especial (com Ex 16 como ldquohipotextordquo e Jo 6 como ldquohipertextordquo)100

634-40 A interlocuccedilatildeo que agora segue leva o tema do patildeo verdadeiro Comeccedila novametne com um mal-entendido A multidatildeo entendeu que Jesus lhe prometeu um patildeo do ceacuteu que daacute vida Por isso pede a Jesus que lhes decirc sempre desse patildeo (v 34) O pedido lembra o da mulher samaritana em Jo 415 ldquoSenhor daacute-me dessa aacutegua para que eu natildeo tenha mais sede nem tenha de vir aqui tirar aacuteguardquo A mulher natildeo tinha entendido que a aacutegua que Jesus lhe oferecia era de outra natureza Do mesmo modo a multidatildeo em Jo 6 fixa-se no niacutevel do cotidiano e natildeo entende que o dom eacute o proacuteprio Jesus Agrave mulher samaritana Jesus prometeu ldquoQuem beber da aacutegua que eu darei nunca mais teraacute sederdquo (Jo 414) Do mesmo modo promete em 635 ldquoEu sou o patildeo da vida Quem vem a mim natildeo teraacute mais fome e quem crecirc em mim nunca mais teraacute sederdquo Tais textos lembram a literatura sapiencial101 mas transcendem-na como mostra a comparaccedilatildeo com Sir 2421[29] ldquoQuem de mim come teraacute fome ainda quem de mim bebe teraacute sede aindardquo A razatildeo profunda para essa diferenccedila estaacute no fato de que Jesus natildeo apenas daacute mas eacute o patildeo da vida

A seguir os vv 36-40 falam do acesso ao patildeo da vida Estes versiacuteculos satildeo emoldurados pelo tema do ldquoverrdquo Jesus (vv 36 e 40) A multidatildeo viu Jesus mas natildeo creu nele (v 36) A razatildeo disso natildeo estaacute tanto na multidatildeo como tal mas no fato de que lhes falta a vocaccedilatildeo por parte do Pai (v 37) Tudo o que o Pai daacute a Jesus ele o acolhe ele natildeo rechaccedila ningueacutem Mas quem natildeo eacute por Deus eleito e enviado a Jesus natildeo chega a Jesus fonte da vida Somos confrontados neste texto com a predestinaccedilatildeo joanina que natildeo eacute faacutecil de ser entendida Basta dizer aqui que em Joatildeo nunca se fala de uma predestinaccedilatildeo que tenha por consequecircncia a perda da vida eterna Os textos limitam-se a dizer que ningueacutem vem ateacute Jesus se natildeo eacute atraiacutedo por Jesus e ensinado pelo Pai (cf v 45) A missatildeo de Jesus eacute positiva ele veio para fazer a vontade do Pai e esta vontade consiste no dom da vida eterna a todos que foram dados a Jesus para serem salvos (vv 38-40) Este dom da vida eterna se consuma na ressurreiccedilatildeo dos mortos Segundo R Bultmann e sua escola as palavras ldquo[que eu] os ressuscite no uacuteltimo diardquo nos vv 39 40 e 44 seriam uma acreacutescimo da ldquoredaccedilatildeo eclesialrdquo do QE Hoje sobretudo depois dos estudos de J Frey102 sobram poucos para defender essa opiniatildeo Pode-se perguntar se

97 98 99 100 101 102

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 31:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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nestes versiacuteculos a preposiccedilatildeo en pertence ao texto original pois falta em testemunhas antigas importantes (pap 66 e 75 e Codex Vaticanus eo) e encontra-se por isso entre colchetes na 28ordf ediccedilatildeo do texto de Nestle-Aland Se se lecirc o texto sem a preposiccedilatildeo pode-se entender o dativo no sentido de ldquoressuscitar para o uacuteltimo diardquo Assim as palavras de Jesus se coadunariam mais facilmente com a escatologia presente do QE Deixamos aqui esta proposta como hipoacutetese103

641-51 A interlocuccedilatildeo seguinte divide-se no ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo e do escacircndalo que lhes causa a afirmaccedilatildeo de Jesus (vv 41-42) e a resposta de Jesus agrave sua objeccedilatildeo natildeo expressa (vv 43-51) Natildeo haacute nenhuma razatildeo para atribuir a secccedilatildeo que aqui se inicia ateacute o fim do discurso do patildeo da vida a outra camada literaacuteria porque aqui pela primeira vez os ldquojudeusrdquo aparecem como interlocutores de Jesus104 Se aqui a ldquomultidatildeordquo se transforma em ldquoos judeusrdquo isso se deve ao uso linguiacutestico de Joatildeo Os ldquojudeusrdquo satildeo os antagonistas claacutessicos de Jesus desde o primeiro capiacutetulo (119) Nos outros textos eles aparecem como radicados na Judeia ou em Jerusaleacutem uma razatildeo a mais para considerar Jo 6 como ldquoreleiturardquo Na medida em que os parceiros do diaacutelogo se recusam a crer em Jesus eles se tornam ldquojudeusrdquo Isso se verifica tambeacutem nas cenas que se seguem agrave cura do cego de nascenccedila em Jo 9 onde primeiro se fala em ldquofariseusrdquo (vv 13 e 15) mas depois em ldquoos judeusrdquo os quais se mostram avessos agrave feacute (v 18 cf 22)

O ldquomurmurarrdquo pertence aos temas do Ecircxodo105 Segundo Ex 162 os israelitas no deserto ldquomurmuraramrdquo contra Moiseacutes e Aaratildeo porque natildeo tinham patildeo e porque tinham saudades das cebolas do Egito (diegoacutenguzen paacutesa synagōgecirc hyiocircn Israecircl) A concordacircncia do vocabulaacuterio corrobora a tese de J Zumstein de que o inteiro cap 6 eacute um hipertexto de Ex 16106 A base do protesto dos israelitas contra Jesus eacute naturalmente diferente da dos israelitas no deserto Natildeo eacute a falta de patildeo que eles criticam mas a afirmaccedilatildeo de Jesus de ser o patildeo que desceu do ceacuteu Esta afirmaccedilatildeo lhes parece absurda porque lhe conhecem pai e matildee

A resposta de Jesus agrave objeccedilatildeo (que natildeo chega a ser explicitada) se compotildee de duas partes Na primeira parte (vv 43-47) Jesus acentua a necessidade da graccedila da feacute para que suas afirmaccedilotildees possam ser entendidas Na segunda parte Jesus afirma novamente que ele eacute o patildeo que desceu do ceacuteu e exacerba o escacircndalo dessa afirmaccedilatildeo dizendo que o patildeo que ele daraacute eacute sua carne dada para a vida do mundo (vv 48-51)

A duacutevida dos ldquojudeusrdquo natildeo recebe resposta direta de Jesus As primeiras palavras de Jesus mostram que ele eacute consciente do ldquomurmurarrdquo dos ldquojudeusrdquo Assim ele mostra mais uma vez seu conhecimento dos coraccedilotildees como jaacute na conversa com Natanael (147s) ou com a mulher samaritana (418s cf tb 224s 615) Jaacute com base nisso Jesus natildeo necessitava mostrar sua legitimaccedilatildeo para reafirmar que ele era o patildeo descido do ceacuteu O problema natildeo estava na ilegitimidade de sua afirmaccedilatildeo mas na incapacidade de seu auditoacuterio para compreender sua mensagem e aceitaacute-la A razatildeo profunda dessa incapacidade consiste nisto que todos aqueles que natildeo satildeo capazes de crer nele natildeo satildeo atraiacutedos a ele pelo Pai para terem a vida eterna que se consumaraacute no dia da ressurreiccedilatildeo Agravequele que vem a ele deve realizar-se a promessa de Isaiacuteas ldquoTodos seratildeo disciacutepulos de Deusrdquo (Is 5413) ndash uma promessa do tempo do exiacutelio semelhante agrave da Nova Alianccedila de Jr 3133 107 A palavra ldquotodosrdquo encoraja De per si o desiacutegnio salviacutefico de Deus natildeo exclui ningueacutem Basta ouvir a voz do Pai e deixar-se ensinar por Jesus para

103 104 105 106 107

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

108 109 110 111 112

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

118 119 120 121 122

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

128 129

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 32:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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chegar ateacute ele Jesus permanece o uacutenico acesso ao Pai pois nenhum outro viu o Pai (cf 118)

Segundo P Borgen108 o v 48 abre a segunda parte da homilia baseada na haggadaacute de Jo 631 ldquoPatildeo do ceacuteu deu-lhes de comerrdquo Enquanto os vv 32-47 tratariam da primeira metade desta tradiccedilatildeo judaica (outros dizem biacuteblica) os vv 48-58 tratariam da segunda metade ldquode comerrdquo A proposta continua vaacutelida mesmo se nosso texto natildeo corresponde totalmente agrave pregaccedilatildeo judaica daquela eacutepoca A pequena unidade dos vv 48-51 se encontra emoldurada pelo duplo enunciado ldquoEu sou o patildeo da vidardquo (v 48) ldquoEu sou o patildeo vivo que desceu do ceacuteurdquo (v 51) As objeccedilotildees avanccediladas contra a afirmaccedilatildeo de Jesus novamente natildeo satildeo refutadas com argumentos mas simplesmente afastadas com a repetida afirmaccedilatildeo de quem Jesus eacute O fato de os pais terem morrido no deserto mostra a insuficiecircncia do patildeo que receberam no deserto O patildeo que Jesus promete e que ele mesmo eacute conduz agrave vida eterna e preserva da morte109 Que este patildeo conduz agrave vida eterna natildeo se pode captar com a a razatildeo aceita-se na feacute

A secccedilatildeo termina numa formulaccedilatildeo inesperada ldquoO patildeo que eu darei eacute a minha carne para a vida do mundordquo (v 51c) Recomenda-se natildeo atribuir precipitadamente a este enunciado um sentido eucariacutestico Paul N Anderson110 sublinha o aspecto de entrega em prol dos seus acentuado na foacutermula joanina Jesus na cruz daacute sua carne e torna-se exemplo para todos que creem nele e satildeo convidados a dar sua vida em fidelidade agrave vontade de Deus111 Mas por outro lado o tom eucariacutestico do versiacuteculo eacute inegaacutevel Notaacutevel eacute sobretudo a influecircncia das palavras da instituiccedilatildeo da eucaristia segundo Lucas (2219) e Paulo (1Cor 1124) A foacutermula ldquopara voacutesrdquo (hypegraver hymocircn) em Lucas e Paulo soa em Joatildeo ldquopara a vida do mundordquo (hypegraver tecircs tou koacutesmou zōecircs) e o evangelista substitui ldquocorpordquo (socircma) por ldquocarnerdquo (saacuterx) ndash termo que natildeo se encontra neste contexto nos sinoacutepticos ou em Paulo mas sim em Ignaacutecio de Antioquia e Justino112

652-59 Na interlocuccedilatildeo final da discurso do patildeo da vida a questatildeo eacute como pode Jesus dar sua carne de comer O v 52 abre este questionamento mas logo constatamos que natildeo segue propriamente um diaacutelogo O ldquomurmurarrdquo dos judeus nos vv 41 e 43 tinha um duplo aspecto conversar entre si e protestar Joatildeo usa normalmente o substantivo gongysmoacutes e o verbo gongyacutezein neste sentido (cf 661 712 para conversa de diversas opiniotildees 732) O verbo maacutekhesthai no v 52 tem um sentido aparentado ldquoOs judeus discutiam entre si lsquoComo ele pode dar a sua carne a comerrsquordquo A leitura atenta faz perceber que os ldquojudeusrdquo protestam contra uma afirmaccedilatildeo de Jesus que ele natildeo fez Ele falou de sua entrega como patildeo da vida e identificou este patildeo com sua carne sem dizer que se devia comer esta carne em sentido fiacutesico

Se assim entendemos bem devemos dizer que mais uma vez a resposta de Jesus no v 53 enfrenta um mal-entendido Sua resposta poderia ser formulada como segue ldquoEu natildeo disse que se deve comer minha carne mas se quiserem podemos ficar com essa expressatildeo de fato eacute preciso comer minha carne e beber meu sangue para ter a vida eternardquo Esse enunciado eacute introduzido pela foacutermula solene ldquoameacutem ameacutem eu vos digordquo e conectado a um tiacutetulo que expressa ao mesmo tempo a humanidade e a grandeza divina de Jesus ldquoo Filho do homemrdquo Muitos exegetas entendem este tiacutetulo no sentido

108 109 110 111 112

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

118 119 120 121 122

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

128 129

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 33:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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de Jo 313 o Filho do homem que desceu do ceacuteu e volta ao ceacuteu Francis J Moloney113 critica essa opiniatildeo e prefere entender o FH joanino a partir de Dn 713s15-17 O domiacutenio desse ldquocomo que um filho do homemrdquo eacute identificada com o domiacutenio dos filho do Altiacutessimo depoiks da vitoacuteria sobre os impeacuterios bestiais O FH seria entatildeo um tiacutetulo que se liga agrave experiecircncia do sofrimento e soacute entatildeo agrave salvaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo Mas talvez esteja mais plausiacutevel uma visatildeo do FH joanino a partir do Servo de Deus este deve segundo Is 5213 LXX ldquoser enaltecido e glorificadordquo ndash dois conceitos-chave da cristologia joanina114

Nos vv 55-57 o evangelista aprofunda o ensinamento de Jesus dos vv 53s O Jesus joanino repete seu enunciado numa frase causal sua carne eacute um verdadeiro alimento e seu sangue uma verdadeira bebida (v 55) O adjetivo ldquoverdadeirordquo pode ter diversos sentidos Em Joatildeo ele eacute utilizado muitas vezes para aquilo que tem valor permanente em oposiccedilatildeo agrave mera aparecircncia Em Jo 655 o sentido eacute antes este minha carne eacute realmente um alimento de se comer natildeo apenas uma figura Quem come a carne de Jesus e bebe seu sangue esse permanece em Jesus e este nele (v 56) A foacutermula ldquopermanecer emrdquo antecipa um tema que ganharaacute desenvolvimento maior nos discursos de despedida de Jo 13ndash17 sobretudo em Jo 15ndash17115 O texto mais plaacutestico neste sentido eacute a alegoria da videira e dos ramos em Jo 154-8 mas o tema eacute aprofundado tambeacutem na oraccedilatildeo de Jesus em Jo 17

O verbo trocircgō ldquomastigartriturarrdquo eacute mais draacutestico ainda que ldquocomerrdquo (esthiacuteeinphageacutein) Soacute se encontra aqui em Joatildeo e na citaccedilatildeo do salmo em Jo 1318 Considerando o caraacuteter concreto da expressatildeo fica difiacutecil concordar com a interpretaccedilatildeo metafoacuterica de M J J Menken

Como nos discursos de despedida a unidade dos disciacutepulos com Jesus encontra seu fundamento na unidade com o Pai (cf os textos que acabamos de referir) assim tambeacutem em Jo 657 A proximidade de Jo 652-58 com os discursos de despedida de Jesus especialmente com Jo 15ndash17 daacute forccedila agrave hipoacutetese de que Jo 6 tenha sido integrado ao QE numa reelaboraccedilatildeo secundaacuteria

No v 57 a equiparaccedilatildeo de Jesus com o dom que ele daacute a sua carne eacute digna de observaccedilatildeo Poder-se-ia dizer ldquoQuem me comerdquo O doador estaacute presente no dom Esta equiparaccedilatildeo eacute significativa para a compreensatildeo dos uacuteltimos versiacuteculos do discurso

A equiparaccedilatildeo de Jesus com o patildeo que ele daacute para a salvaccedilatildeo continua no uacuteltimo versiacuteculo do discurso o v 58 A foacutermula ldquoEste eacute o patildeo que desceu do ceacuteurdquo retoma quase verbalmente o v 50 e o contraste com os pais no deserto que comeram e morreram retoma o v 49 Nesta analepse (quiaacutestica) pode se reconhecer a teacutecnica da inclusatildeo que amarra os vv 48-59116 Isso confirmaria a proposta de P Borgen117 para ver nestes versiacuteculos a segunda parte da ldquohomiliardquo de Jesus sobre o patildeo da vida depois da primeira parte que seriam os vv 32-47 Isso explicaria tambeacutem que o termo de referecircncia ldquopatildeordquo natildeo se encontra mais depois do v 51 Ao mesmo tempo prepara-se a objeccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo contra a pretensatildeo de Jesus de ter vindo do ceacuteu (vv 60-65)

A nota final do v 59 se assemelha a outros finais em Jo 128 820 Do ponto de vista literaacuterio a menccedilatildeo a Cafarnaum confirma a inclusatildeo entre 652-59 e 622-25 e a

113 114 115 116 117

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

118 119 120 121 122

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

128 129

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 34:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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pertenccedila de 622-25 como introduccedilatildeo ao discurso do patildeo da vida (em vez de atribuir estes versiacuteculos a uma secccedilatildeo proacutepria e independente)118

O ensinamento de Jesus ldquona sinagogardquo eacute pressuposto em sua resposta ao sumo sacerdote (Jo 1820) mas natildeo eacute mencionada alhures Este traccedilo eacute elaborado mais fortemente nos sinoacutepticos mas manteacutem seu significado tambeacutem para Joatildeo119

Jesus e os disciacutepulos (660-66)

Os uacuteltimos doze versiacuteculos de Jo 6 suscitam um monte de perguntas Em primeiro lugar por que novamente uma troca na nomeaccedilatildeo dos ouvintes de Jesus depois da ldquomultidatildeordquo (v 20-40) e ldquoos judeusrdquo (vv 41-59) temos agora ldquoos disciacutepulosrdquo e nos vv 6770s os ldquoDozerdquo Os estudiosos se perguntam se estes ldquodisciacutepulosrdquo satildeo os que conhecemos dos capiacutetulos anteriores (cf Jo 2211s1722 322 41s827 3133) Mais provaacutevel eacute que se trate dos ouvintes de 622-58 enquanto pessoas com feacute inicial em Jesus

A identificaccedilatildeo dos ldquodisciacutepulosrdquo estaacute ligada a outro problema que crise de feacute pode ter sido a deles Segundo uns a crise teria sido provocada pelas palavras de Jesus sobre sua vinda do ceacuteu como ldquopatildeo da vidardquo segundo outros a crise reflete uma dissensatildeo acerca da feacute verdadeira em Jesus no interior da comunidade joanina Ambas as opiniotildees se encontram na proposta de L Schenke o escacircndalo provocado pelas palavras de Jesus seria a recusa dos ouvintes judaicos de ver em Jesus mais que uma figura messiacircnica a saber um ser divino descido do ceacuteu120 Esta proposta parece convincente agrave primeira vista mas perde forccedila quando Schenke identifica a crise da feacute que aqui se reflete com a divisatildeo na comunidade pressuposta na primeira carta de Joatildeo (1Jo 218s cf 41-3) Pois esta parece tratar antes da verdadeira humanidade de Jesus em frente das polecircmicas gnoacutesticas o que em Jo 6 ainda natildeo parece ser pressuposto121

Finalmente em torno a Jo 660-71 apresenta-se o problema da relaccedilatildeo destes versiacuteculos com os evangelhos sinoacutepticos em geral e com o de Marcos em particular Quanto a isso o estudo de D Mackay122 lanccedila uma luz sobre a origem do texto joanino Este autor mostra de maneira convincente como Joatildeo utilizou de maneira livre e criativa Mc 6ndash8 Qualquer outra fonte do texto joanino permanece muito hipoteacutetica Eacute portanto legiacutetimo praticar a explicaccedilatildeo diacrocircnica lanccedilando matildeo dos resultados de D Mackay (disciacutepulo australiano de William Loader)

A secccedilatildeo Jo 660-66 pode ser dividida do ponto de vista narrativo No iniacutecio no v 60 encontra-se uma notiacutecia narrativa e uma palavra de muitos disciacutepulos de Jesus que natildeo eacute expressa diretamente Depois seguem-se nos vv 61-66 a resposta de Jesus com sua introduccedilatildeo narrativa e no v 66 a conclusatildeo narrada

660 As palavras de Jesus foram percebidas como ldquodurasrdquo Mas quais satildeo essas palavras que provocam resistecircncia Uns acham que satildeo as palavras sobre a eucaristia ou seja a necessidade de comer sua carne e beber seu sangue ndash de fato palavrfas chocantes Mas a resposta de Jesus mostra que a razatildeo do protesto natildeo eacute essa Jesus lembra a necessidade de crer nele como aquele que desceu do ceacuteu e que de novo subiraacute ao ceacuteu para junto do pai (v 62) A crise da feacute parece portanto causada pelo discurso inteiro de Jesus sobre si mesmo como patildeo descido do ceacuteu patildeo que eacute prometido aos

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 35:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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disciacutepulos tambeacutem em forma sacramental Esta visatildeo ganha atualmente adesatildeo123 Os ldquodisciacutepulosrdquo seriam entatildeo aqueles que presenciaram exatamente este discurso de Jesus Com isso nos lembramos dos ldquojudeusrdquo que em outros textos do EJ chegaram a uma feacute (inicial) em Jesus (cf Jo 223 731 830s 1042 1145 1242)

661-65 No v 61 Jesus se mostra como aquele que conhece o coraccedilatildeo do homem e o que estaacute escondido (cf acima v 43 e 45) Ele conhece tambeacutem seu ldquomurmurarrdquo (v 43) e seu ldquodiscutirrdquo (v 52) O trema do ldquomurmurarrdquo liga esta secccedilatildeo agrave anterior (vv 48-51) e compara os disciacutepulos que protestam com o povo de Israel em protesto contra Moiseacutes e Aaratildeo no fundo pois contra Deus mesmo Estatildeo sendo instados a decidir e isso sem argumentos que pudessem apoiar sua decisatildeo de feacute O desafio eacute ainda intensificado se jaacute se escandalizam por causa de um Cristo que veio como patildeo do ceacuteu quanto maior sera o escacircndalo quando o virem subir para junto do Pai de onde ele veio O sentido deste argumento natildeo eacute claro agrave primeira vista Conveacutem ver nesta palavra uma alusatildeo ao sentido duplo da ldquosubidardquo e do ldquoenaltecimentordquo de Jesus na cruz e para junto do Pai Em todo caso a cruz seraacute o primeiro escacircndalo para judeus que esperam um Messias vencedor Mas tambeacutem a subida junto ao Pai parece chocante pois Jesus lhes eacute conhecido como filho de Joseacute e de Maria (cf v 42) Destarte a resposta de Jesus natildeo diminui mas exacerba o desafio

Se a feacute natildeo eacute possibilitada por uma mensagem menos chocante ela deve ser possibilitada por uma forccedila vinda de cima Enquanto a carne de per si eacute incapaz de dar vida divina e eterna o Espiacuterito pode dar essa vida pois ele eacute o Espiacuterito da vida Lembramo-nos do diaacutelogo entre Jesus e os judeus nos vv 41-58 onde Jesus declarou que eacute preciso ser atraiacutedo pelo Pai para vir ateacute ele (v 44) A mesma coisa eacute expressa no v 63 relativamente ao Espiacuterito que eacute equiparado agrave palavra de Jesus

Nos versiacuteculos seguintes 64-65 Jesus se refere expressamente a seu enunciado de que ningueacutem pode vir a ele se natildeo for atraiacutedo por Deus ou seja se natildeo for por um dom de Deus Em outros termos eacute preciso ser escolhido por Deus para a feacute e para a vida (v 65) Jesus sabe de antematildeo quem tem este dom e quem natildeo inclusive quem seraacute o traidor (v 64)

666 O v 66 encerra a secccedilatildeo e ao mesmo tempo prepara o que segue a secccedilatildeo final Enquanto no v 60 muitos disciacutepulos apenas ldquodizemrdquo que o discurso eacute duro e difiacutecil de se aceitar no fim das palavras correspondentes de Jesus eles tiram a conclusatildeo Ele natildeo facilitou sua decisatildeo de feacute apenas mostrou que se trata de uma decisatildeo que eacute possibilitada pela feacute Em vez de se dirigir a Deus [[230]] para solicitar essa graccedila os ouvintes abandonam Jesus e projeto de crerem nele As leitoras e leitores natildeo devem seguir esse exemplo mas acatar o convite de Jesus para crer nele por forccedila da graccedila concedida por Deus

Do ponto de vista da origem do texto Joatildeo se mostra devedor a Marcos como mostrou Ian D Mackay124 Ele aponta que Joatildeo trocou a ordem dos temas e dos textos de Mc 827ndash91 A confissatildeo de Pedro aparece no fim (Jo 667-69) o tema do FH enaltecido no comeccedilo (Jo 662) Parece que o escacircndalo da descida e da subida do FH em Joatildeo proveacutem do primeiro anuacutencio da paixatildeo morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus em Mc 831-33 A designaccedilatildeo de Pedro como ldquosatanaacutesrdquo em Mc 833 vira designaccedilatildeo de Judas em Jo 670 Em Joatildeo Pedro torna-se um exemplo da feacute e com isso natildeo se coadunava a designaccedilatildeo como ldquosatanaacutesrdquo que se encontrava em Marcos

123 124

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

128 129

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 36:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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Jesus e os Doze (667-71)

Consultando novamente a origem da composiccedilatildeo os vv 667-71 de Joatildeo revelam-se influenciados por Mc 827-30 e os versiacuteculos contiacuteguos Mc 831ndash91 Agraves duas perguntas de Mc 82729 corresponde a pergunta de Jesus em Jo 667 ldquoVoacutes tambeacutem quereis ir emborardquo Exige-se uma decisatildeo de feacute Em ambos os textos Pedro eacute apresentado como porta-voz da confissatildeo dos disciacutepulos O tiacutetulo com o qual Pedro professa sua feacute em 829 ldquoTu eacutes o Messiasrdquo natildeo eacute suficiente para Joatildeo Esse tiacutetulo estaria proacuteximo demais da opiniatildeo da multidatildeo que em Jo 615 queria proclamar Jesus rei rei messiacircnico que satisfaria as necessidades materiais do povo de Deus Por isso Joatildeo prefere outro tiacutetulo ldquoo Santo de Deusrdquo Esta escolha assusta porque esta designaccedilatildeo de Jesus eacute pronunciada em Marcos (124) por um democircnio quando da primeira expulsatildeo de democircnios125 Ian D Mackay cita as razotildees para esta ldquoreleiturardquo em Joatildeo126 Mesmo se o tiacutetulo fica isolado em Joatildeo ele eacute altamente adequado para expressar a dignidade e a precedecircncia de Jesus Assim ele evita um anticliacutemax e conduz as leitoras e leitores a uma confissatildeo mais profunda e mais de acordo com a teologia de seu evangelho A compreensatildeo deste tiacutetulo supera o saber humano e pertence ao mundo do aleacutem Nisso os dois tiacutetulos satildeo concordes

667 O grupo dos Doze aparece em Joatildeo somente neste lugar (vv 67 e 71 formando inclusatildeo) e em 2024 A expressatildeo deve ser vista em conexatildeo com o progresso da focalizaccedilatildeo em Jo 622-71 da ldquomultidatildeordquo aos ldquojudeusrdquo dos ldquojudeusrdquo aos ldquodisciacutepulosrdquo dos ldquodisciacutepulosrdquo aos ldquoDozerdquo e dos ldquoDozerdquo aos apoacutestolos individualmente nomeados Pedro e Judas Acima jaacute apontamos para a estrutura concecircntrica de Jo 6 Em Jo 61-21 estes grupos de pessoas encontram-se em ordem inversa (16-21 os disciacutepulos 1-15 disciacutepulos nomeados individualmente) Em Marcos eacute faacutecil identificar o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo com os Doze (cf Mc 827) Em Joatildeo natildeo acontece tal identificaccedilatildeo o grupo dos ldquodisciacutepulosrdquo eacute mais amplo (cf supra 660) A pergunta de Jesus se tambeacutem os Doze querem ir embora natildeo estaacute longe das suas palavras em Mc 834ndash91 com as quais ele exorta seus disciacutepulos a segui-lo ateacute as uacuteltimas consequecircncias

668 A resposta de Pedro natildeo se limita a uma profissatildeo de feacute expressa num tiacutetulo crisotloacutegico como em Marcos (Mc 829) PCcediledro exprieme em linguagem joanina a experiecircncia de seu crer em Jesus natildeo pode ir alhures Soacute Jesus tem palavras de vida eterna (cf v 63)

669 As palavras ldquoNoacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacute o Santo de Deusrdquo receberam explicaccedilotildees diversificadas No atual contexto natildeo permitem duacutevida de que exprimem seguranccedila e visatildeo de feacute uma vez adquiridas e agora permanentes (tempo perfeito grego) No ldquonoacutesrdquo Pedro fala natildeo soacute por si mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente Pode-se perguntar por que Pedro neste lugar do EJ aparece como porta-voz da feacute dos disciacutepulos Duas razotildees podem ser alegadas A primeira a dependecircncia de Joatildeo em relaccedilatildeo a Marcos neste lugar Essa dependecircncia eacute mais intensa aqui do que em outros lugares e isso tem a ver com a data de composiccedilatildeo mais tardia de Jo 6 E daiacute percebemos a outra razatildeo do papel de Pedro em Jo 667-71 a proximidade entre Jo 6 e Jo 21 Esta proximidade foi estudada por B Schwank127 Em ambos os capiacutetulos encontramo-nos agrave beira do lago de Tiberiacuteades Jesus aparece a seus disciacutepulos e prepara-lhes na beira do lago uma refeiccedilatildeo milagrosa A Pedro cabe um papel de destaque seja na confissatildeo de sua feacute e fidelidade seja como porta-voz e arrimo da feacute da comunidade O texto provavelmente nos desloca para o fim da era apostoacutelica 125 126 127

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

128 129

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 37:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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para um momento em que a feacute da comunidade joanina natildeo mais se apoiava unicamente no testemunho do Disciacutepulo Amado mas sempre mais tambeacutem na confissatildeo [[232]] e na proclamaccedilatildeo da feacute por Pedro em uniacutessono com a nascente igreja poacutes-apostoacutelica

670-71 A pertenccedila ao grupo dos ldquoDozerdquo natildeo garante a feacute em Jesus e a fidelidade a ele Todos foram escolhidos por Jesus (cf Jo 1318 1516 Mc 313s par) mas nem todos permanecem nesta feacute Um deles se tornaraacute traidor e recebe o nome de ldquodiabordquo ldquoantagonista escatoloacutegicordquo Lembramo-nos que essa designaccedilatildeo migrou de Pedro para Judas (cf Mc 833) Cita-se expressamente que ele pertencia ao grupo dos Doze Como ressaltou Ian D Mackay o QEvg natildeo podia mais aceitar uma imagem de Pedro que tanto se opusesse a Jesus que merecia ser chamado por este de ldquosatanaacutesrdquo Pedro devia servir de exemplo para a feacute da comunidade leitora Sua tripla negaccedilatildeo devia ser relatada pois pertencia agrave tradiccedilatildeo mas o Pedro joanino mostra arrependimento e volta agrave feacute em Jesus e ao seu amor inicial antes de receber a incumbecircncia de ser o pastor do rebanho de Jesus (Jo 2115-17)

A imagem negativa de Judas atinge no NT seu auge no EJ Ele eacute um diaacutebolos o traidor (671 132) Quando da unccedilatildeo de Jesus ele se opotildee como administrador da caixa comum dos disciacutepulos natildeo por motivos altruiacutestas mas porque era ladratildeo e desviava o dinheiro que lhe era confiado (Jo 1226)128 Esta tendecircncia de pintar Judas com tinta sombria prolonga-se na histoacuteria de Igreja ateacute nas versotildees barrocas da Legenda Aurea Segundo estudo de H-J Klauck129 chegou o momento para conceder a Judas mais justiccedila e para reconstruir a imagem deste companheiro dos Doze como disciacutepulo de Jesus que ficou decepcionado e ao qual natildeo necessariamente faltava boa vontade em todos os aspectos

III

Partimos da ideia de que Jo 6 eacute uma ldquoreleiturardquo posterior do esquema pascal do QE Jesus natildeo sobe mais ao Templo de Jerusaleacutem para as festas de romaria de seu povo e de sua comunidade de feacute mas celebra a nova Paacutescoa na Galileia tarra matildee de algumas comunjiddes cristatildes da primeira hora A Paacutescoa continua importante mas recebd um sentido novo Seraacute a festa da memoacuteriz d uacuteltima ceia de jesus com os seusm de seu adeus e de sua ressurreiccedilatildeo Natildeo eacute por acaso qeu neste capiacutetulo (e soacute aqui em joatildeo) se encontram enunciados sobre o corpo e o sangue de Jesus que satildeo entregues nsa eucaristgia Crist~sas e cristatildeos que no futuro celebrarem a ceia estaratildeo conscientes dasa raiacutezes judaicas de sua cleebraccedilatildeo e se recordar~ao das palavras de instituiccedilatildeo de jesuscom as quais ele ao modo de pai de fmaiolia dedicou aos seus os seus dons de oatildeo e de vinho Natildeo precisam mais subir a Jerusaleacutem emn sua assembleia para a refeiccedilatildeo sagrada entraratildeo no santuario encotraratildeo Deus em Cristo e receberccedilao vida eterna

Natildeo haacute contradiccedilatildeo entre o discurso figurativo de Jesus sobre o p~ccedilao da vida que peacute eloe mesmo aceito na fpeacute e sobre o patildeo que no qual ele se doa como elimento Aceitarf jesus na feacute signifca fiar-se totalmente nele e perceber nele aquele que se entregou a si mesmo para os seus A partir daqui eacute apenas um passo ateacute a paacuterticipaccedilatildeo fiel da ceia do Senhor O Senhor entregue agrave morte eacute recebido na feacute em sua palavra mas tgambeacutem n osacramento Palavrfa e sacramento se completgam e natildeo devem ser contrapostos um a outro Isto eacute teologia ecumecircnica vaacutelida

Tambpouco existe oposiccedilatildeo entre a salvaccedilatildeo que jesus daacute agora no feacute e a vida eterna que se manifetarfaacute algum dia no fim dos tempos Se o evnagelistga justapotildee enunciados

128 129

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 38:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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sobre a salvaccedilatildeo presente e a rfessurreiccedilatildeo no uacuteltimo dia conveacutem entender esses enunciados como complementares Eacute a mesma salvaccedilatildeo e a mesma vida eterna que Jesus daacute aos seus jaacute agora na feacute e que no fim da histoacuteria se manifestaratildeo

Jo 6 colabora assim para a decisatildeo pessoal da feacute das leitroas e leitores Molstrmos que o capiacutetulo estaacute baseado ao mesmo tempo sobre uma estrutura concecircntrica e uma estrutura linear No iniacutecio do capiacutetulo alguns disciacutepulos indiviuais foram mencikonados nominalmente e depois falu-sde sucessivmaente dos disciacutepulos em conjunto da muoltiatildeos e dos ldquojudeusrdquo A prtir do v 60 aparecerfma novametne os disciacutepulos no palco depois os Doze e no fim novametne disciacutepulos mencionados nominalmente Pedro e judas Este movimento em direccedilatildeo a grupos cdaa vez menores e enfim acirc pessoa individual eacute significzativo tambeacutem para as leitores e leitores Eles devedm decidir-se ndash pela confissatildeo de feacute de Pedro ou pela traiccedilatildeo de Judas ldquoA quem iremos noacutes Senhor Tu tens palavras de vida eterna Noacutes chegamos a crer e a reconhecer tu eacutes o Santo de Deusrdquo

3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)

Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)1 Depois disso Jesus percorria a Galileacuteia natildeo queria circular na Judeacuteia porque os judeus procuravam mataacute-lo 2 Estava proacutexima a festa dos judeus a festa das Tendas 3 Os irmatildeos de Jesus disseram-lhe ldquoSai daqui e vai para a Judeacuteia para que tambeacutem os teus disciacutepulos vejam as obras que fazes 4 Ningueacutem faz algo em segredo quando procura ser publicamente conhecido Jaacute que fazes essas coisas manifesta-te ao mundordquo 5 Pois nem os seus irmatildeos acreditavam nele 6 Jesus entatildeo disse a eles ldquoAinda natildeo chegou o tempo oportuno para mim Para voacutes ao contraacuterio o tempo eacute sempre oportuno 7 A voacutes o mundo natildeo tem como odiar mas a mim odeia porque eu dou testemunho dele mostrando que suas obras satildeo maacutes 8 Voacutes podeis subir para a festa Eu natildeo subo para esta festa porque meu tempo oportuno ainda natildeo se completourdquo 9 Dito isso permaneceu na Galileacuteia 10 Depois que seus irmatildeos subiram para a festa Jesus subiu tambeacutem natildeo publicamente mas em segredo 11 Os judeus entatildeo o procuravam na festa e perguntavam ldquoOnde estaacute elerdquo 12 Muito se murmurava a seu respeito no meio do povo Uns diziam ldquoEle eacute bomrdquo outros ldquoNatildeo ele ilude o povordquo13 Ningueacutem no entanto falava dele publicamente por medo dos judeus 14 Laacute pelo meio da festa Jesus subiu ao templo e comeccedilou a ensinar 15 Os judeus comentavam admirados ldquoComo esse sujeito eacute tatildeo letrado sem nunca ter recebido instruccedilatildeordquo 16 Jesus respondeu ldquoO meu ensinamento natildeo vem de mim mesmo mas daquele que me enviou 17 Se algueacutem estaacute disposto a fazer a sua vontade saberaacute se meu ensinamento eacute de Deus ou se falo por mim mesmo 18 Quem fala por si mesmo procura a sua proacutepria gloacuteria mas quem procura a gloacuteria daquele que o enviou eacute verdadeiro e nele natildeo haacute falsidade 19 Moiseacutes natildeo vos deu a Lei No entanto nenhum de voacutes cumpre a Lei Por que procurais matar-merdquo 20 A multidatildeo respondeu ldquoTu tens um democircnio Quem eacute que te quer matarrdquo 21 Jesus replicou ldquoFiz uma obra soacute e voacutes todos ficastes admirados 22 Moiseacutes vos deu a circuncisatildeo (embora ela natildeo venha de Moiseacutes mas dos patriarcas) por isso fazeis a circuncisatildeo mesmo no dia de saacutebado 23 Entatildeo se algueacutem pode receber a circuncisatildeo num dia de saacutebado para natildeo faltar com a Lei de Moiseacutes por que estais indignados comigo por ter curado um homem todo em dia de saacutebado 24 Natildeo julgueis pelas aparecircncias julgai de acordo com a justiccedilardquo

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
Page 39:  · Web viewJesus se revela a seu povo (Jo 5,1–10,42)

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25 Alguns de Jerusaleacutem diziam ldquoNatildeo eacute este a quem procuram matar 26 Olha ele fala publicamente e ningueacutem lhe diz nada Seraacute que os chefes reconheceram que realmente ele eacute o Cristo 27 Mas este noacutes sabemos de onde eacute ora quando vier o Cristo ningueacutem saberaacute de onde eacuterdquo 28 Enquanto pois ensinava no templo Jesus exclamou ldquoSim voacutes me conheceis e sabeis de onde eu sou Ora eu natildeo vim por conta proacutepria aquele que me enviou eacute verdadeiro mas voacutes natildeo o conheceis 29 Eu o conheccedilo porque venho dele e foi ele quem me enviourdquo 30 Eles procuravam entatildeo prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos porque sua hora ainda natildeo tinha chegado 31 Da multidatildeo muitos acreditavam nele E diziam ldquoQuando vier o Cristo acaso faraacute mais sinais do que esterdquo 32 Os fariseus perceberam que a multidatildeo murmurava tais coisas a respeito de Jesus Os sumos sacerdotes e os fariseus mandaram entatildeo guardas para prendecirc-lo 33 Mas Jesus lhes disse ldquoPor pouco tempo ainda estou convosco depois vou para aquele que me enviou 34 Voacutes me procurareis e natildeo me encontrareis E laacute onde eu estarei voacutes natildeo podeis irrdquo 35 Os judeus comentavam ldquoPara onde iraacute de modo que natildeo o poderemos encontrar Acaso iraacute agrave Diaacutespora entre os gregos Iraacute ensinar aos gregos 36 Que significa a palavra que ele falou lsquoVoacutes me procurareis e natildeo me achareisrsquo e lsquoLaacute onde eu estiver voacutes natildeo podeis irrsquordquo37 No uacuteltimo e mais importante dia da festa Jesus de peacute exclamou ldquoSe algueacutem tem sede venha a mim e beba 38 quem crecirc em mimrdquo ndash conforme diz a Escritura ldquoDo seu interior correratildeo rios de aacutegua vivardquo 39 Ele disse isso falando do Espiacuterito que haviam de receber os que acreditassem nele pois natildeo havia o Espiacuterito porque Jesus ainda natildeo tinha sido glorificado 40 Tendo ouvido essas palavras alguns da multidatildeo afirmavam 41 ldquoVerdadeiramente ele eacute o profetardquo Outros diziam ldquoEle eacute o Cristordquo mas outros discordavam ldquoO Cristo pode vir da Galileacuteia 42 Natildeo diz a Escritura que o Cristo seraacute da descendecircncia de Davi e viraacute de Beleacutem o povoado de Davirdquo 43 Daiacute surgiu divisatildeo na multidatildeo por causa dele 44 Alguns queriam prendecirc-lo mas ningueacutem lhe pocircs as matildeos 45 Os guardas entatildeo voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntavam ldquoPor que natildeo o trouxestesrdquo 46 Responderam ldquoNingueacutem nunca falou como este homemrdquo 47 Os fariseus disseram-lhes ldquoVoacutes tambeacutem vos deixastes iludir 48 Acaso algueacutem dos chefes ou dos fariseus acreditou nele 49 Mas essa gente que natildeo conhece a Leihellip satildeo uns malditosrdquo 50 Nicodemos poreacutem aquele que tinha ido a Jesus anteriormente observou embora sendo um dentre eles 51 ldquoSeraacute que a nossa Lei julga algueacutem antes de ouvir ou saber o que ele fezrdquo 52 Eles responderam ldquoTu tambeacutem eacutes da Galileacuteia Examina e veraacutes que da Galileacuteia natildeo surge profetardquo [753ndash811]

Jesus e a aduacuteltera (753-811) 53 E cada um voltou para sua casa 8 1 Jesus foi para o Monte das Oliveiras 2 De madrugada voltou ao templo e todo o povo se reuniu ao redor dele Sentando-se comeccedilou a ensinaacute-los 3 Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adulteacuterio Colocando-a no meio disseram a Jesus 4 rdquoMestre esta mulher foi flagrada cometendo adulteacuterio 5 Moiseacutes na Lei nos mandou apedrejar tais mulheres E tu que dizesrdquo 6 Eles perguntavam isso para experimentaacute-lo e ter motivo para acusaacute-lo Mas Jesus inclinando-se comeccedilou a escrever no chatildeo com o dedo 7 Como insistissem em perguntar Jesus ergueu-se e disse ldquoQuem dentre voacutes natildeo tiver pecado atire a primeira pedrardquo 8 Inclinando-se de novo continuou a escrever no chatildeo 9 Ouvindo isso foram saindo um a um a comeccedilar pelos mais velhos Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio em peacute 10 Ele levantou-se e disse ldquoMulher onde estatildeo eles

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Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
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Beutler C 40

Ningueacutem te condenourdquo 11 Ela respondeu ldquoNingueacutem Senhorrdquo Jesus entatildeo lhe disse ldquoEu tambeacutem natildeo te condeno Vai e de agora em diante natildeo peques maisrdquo

Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)12 Jesus falou ainda aos judeus ldquoEu sou a luz do mundo Quem me segue natildeo caminharaacute nas trevas mas teraacute a luz da vidardquo 13 Os fariseus entatildeo disseram ldquoO teu testemunho natildeo vale como verdadeiro porque daacutes testemunho de ti mesmordquo 14 Jesus respondeu ldquoEmbora eu decirc testemunho de mim mesmo o meu testemunho eacute verdadeiro porque eu sei de onde venho e para onde vou Mas voacutes natildeo sabeis de onde venho nem para onde eu vou 15 Voacutes julgais segundo a carne eu natildeo julgo ningueacutem 16 e se eu julgo o meu julgamento eacute verdadeiro porque eu natildeo estou soacute mas o Pai que me enviou estaacute comigo 17 Na vossa Lei estaacute escrito que o testemunho de duas pessoas vale como verdadeiro 18 Ora eu dou testemunho de mim mesmo e tambeacutem o Pai que me enviou daacute testemunho de mimrdquo 19 Eles entatildeo perguntaram ldquoOnde estaacute o teu Pairdquo Jesus respondeu ldquoVoacutes natildeo conheceis nem a mim nem a meu Pai Se me conhececircsseis conheceriacuteeis tambeacutem o meu Pairdquo 20 Ele falou essas coisas enquanto ensinava no templo junto agrave sala do tesouro Ningueacutem o prendeu porque sua hora ainda natildeo tinha chegado21 Jesus outra vez lhes disse ldquoEu vou embora e voacutes me procurareis mas morrereis no vosso pecado Para onde eu vou voacutes natildeo podeis irrdquo 22 Os judeus entatildeo comentavam ldquoAcaso ele iraacute se matar Pois ele diz lsquoPara onde eu vou voacutes natildeo podeis irrsquordquo 23 Ele continuou a falar ldquoVoacutes sois daqui de baixo eu sou do alto Voacutes sois deste mundo eu natildeo sou deste mundo 24 Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados Se natildeo acreditais que lsquoeu soursquo morrereis nos vossos pecadosrdquo 25 Eles lhe perguntaram ldquoQuem eacutes tu entatildeo Jesus respondeu ldquoA princiacutepio isto mesmo que vos estou falandordquo 26 Tenho muitas coisas a dizer a vosso respeito e a julgar tambeacutem Mas aquele que me enviou eacute verdadeiro e o que ouvi dele eacute o que eu falo ao mundordquo 27 Eles poreacutem natildeo compreenderam que estava lhes falando do Pai 28 Por isso Jesus continuou ldquoQuando tiverdes elevado o Filho do Homem entatildeo sabereis que lsquoeu soursquo e que nada faccedilo por mim mesmo mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou 29 Aquele que me enviou estaacute comigo Ele natildeo me deixou sozinho porque eu sempre faccedilo o que eacute do seu agradordquo30 Como falasse estas coisas muitos passaram a crer nele 31 Jesus entatildeo disse aos judeus que tinham passado a crer nele ldquoSe permanecerdes em minha palavra sereis verdadeiramente meus disciacutepulos 32 e conhecereis a verdade e a verdade vos tornaraacute livresrdquo 33 Eles responderam ldquoNoacutes somos descendentes de Abraatildeo e nunca fomos escravos de ningueacutem Como podes dizer lsquoVoacutes vos tornareis livresrsquordquo 34 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo todo aquele que comete o pecado eacute escravo do pecado 35 O escravo natildeo permanece para sempre na casa O filho sim ele permanece na casa para sempre 36 Se pois o Filho vos libertar sereis verdadeiramente livres 37 Bem sei que sois descendentes de Abraatildeo No entanto procurais matar-me porque minha palavra natildeo encontra espaccedilo em voacutes 38 Eu comunico o que eu vi junto do Pai e voacutes o que ouvistes do Pai fazei-ordquo39 Eles responderam ldquoNosso pai eacute Abraatildeordquo Jesus entatildeo lhes disse ldquoSe sois filhos de Abraatildeo deveriacuteeis praticar as obras de Abraatildeo 40 Agora no entanto procurais matar-me porque vos falei a verdade que ouvi de Deus Isto Abraatildeo natildeo fez 41 Voacutes fazeis as obras do vosso pairdquo Eles disseram entatildeo a Jesus ldquoNoacutes natildeo nascemos do adulteacuterio Soacute temos um pai Deusrdquo 42 Jesus respondeu ldquoSe Deus fosse vosso pai certamente me amariacuteeis pois eu saiacute da parte de Deus para vir aqui Eu natildeo vim por conta proacutepria foi ele quem me enviou 43 Por que natildeo entendeis o que eu declaro Eacute porque natildeo sois

Beutler C 41

capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

Beutler C 42

18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

Beutler C 43

e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

Beutler C 44

Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
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                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
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capazes de escutar a minha palavra 44 O vosso pai eacute o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai Ele era assassino desde o comeccedilo e natildeo se mantinha na verdade porque nele natildeo haacute verdade Quando ele fala mentira fala o que eacute proacuteprio dele pois ele eacute mentiroso e pai da mentira 45 Em mim pelo contraacuterio natildeo acreditais porque falo a verdade 46 Quem de voacutes pode acusar-me de pecado Se eu digo a verdade por que natildeo acreditais em mim 47 Quem eacute de Deus escuta a Palavra de Deus Voacutes natildeo escutais porque natildeo sois de Deusrdquo48 Os judeus responderam ldquoNatildeo temos razatildeo de dizer que eacutes um samaritano e que tens um democircniordquo 49 Jesus respondeu ldquoEu natildeo tenho democircnio Eu honro meu pai mas voacutes me desonrais 50 Eu natildeo procuro a minha gloacuteria Existe Aquele que a procura e que tambeacutem julga 51 Ameacutem ameacutem vos digo se algueacutem observar a minha palavra nunca veraacute a morterdquo 52 Os judeus entatildeo disseram ldquoAgora estamos certos de que tens um democircnio Abraatildeo morreu e os profetas tambeacutem e tu dizes lsquoSe algueacutem observar a minha palavra jamais provaraacute a mortersquo 53 Porventura eacutes maior do que nosso pai Abraatildeo que morreu E tambeacutem os profetas morreram Quem tens a pretensatildeo de serrdquo 54 Jesus respondeu ldquoSe eu me glorificasse a mim mesmo minha gloacuteria natildeo valeria nada Meu Pai eacute quem me glorifica aquele do qual dizeis lsquoEacute nosso Deusrsquo 55 No entanto voacutes natildeo o conheceis Mas eu o conheccedilo e se dissesse que natildeo o conheccedilo eu seria um mentiroso como voacutes Mas eu o conheccedilo e observo a sua palavra 56 Vosso pai Abraatildeo rejubilou-se por ver o meu dia e ele viu e alegrou-serdquo 57 Os judeus disseram-lhe entatildeo ldquoAinda natildeo tens cinquumlenta anos e viste Abraatildeordquo 58 Jesus respondeu ldquoAmeacutem ameacutem vos digo antes que Abraatildeo existisse eu sourdquo 59 Entatildeo pegaram pedras para o apedrejar mas Jesus escondeu-se e saiu do templo

A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)1 Jesus ia passando quando viu um cego de nascenccedila 2 Os seus disciacutepulos lhe perguntaram ldquoRabi quem pecou para que ele nascesse cego ele ou seus paisrdquo 3 Jesus respondeu ldquoNem ele nem seus pais pecaram Mas deste modo as obras de Deus se manifestaratildeo nele 4 Eacute preciso que faccedilamos as obras daquele que me enviou enquanto eacute dia Vem a noite quando ningueacutem poderaacute trabalhar 5 Enquanto estou no mundo sou a luz do mundordquo 6 Dito isso cuspiu no chatildeo fez lama com a saliva e aplicou-a nos olhos do cego 7 Disse-lhe entatildeo ldquoVai lavar-te na piscina de Siloeacuterdquo (que quer dizer Enviado) O cego foi lavou-se e voltou enxergando 8 Os vizinhos e os que sempre viam o cego pedindo esmola diziam ldquoNatildeo eacute ele que ficava sentado pedindo esmolardquo 9 Uns diziam ldquoSim eacute elerdquo Outros afirmavam ldquoNatildeo eacute ele mas algueacutem parecido com elerdquo Ele poreacutem dizia ldquoSou eu mesmordquo 10 Entatildeo lhe perguntaram ldquoComo eacute que se abriram os teus olhosrdquo 11 Ele respondeu ldquoO homem chamado Jesus fez lama aplicou-a nos meus olhos e disse-me lsquoVai a Siloeacute e lava-tersquo Eu fui lavei-me e comecei a verrdquo 12 Perguntaram-lhe ainda ldquoOnde ele estaacuterdquo Ele respondeu ldquoNatildeo seirdquo13 Entatildeo levaram aquele que tinha sido cego aos fariseus 14 Ora foi num dia de saacutebado que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego 15 Por sua vez os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista Respondeu-lhes ldquoEle aplicou lama nos meus olhos e eu fui lavar-me e agora vejordquo 16 Alguns dos fariseus disseram entatildeo ldquoEsse homem natildeo vem de Deus pois natildeo observa o saacutebadordquo outros no entanto diziam ldquoComo pode um pecador fazer tais sinaisrdquo E havia divisatildeo entre eles 17 Voltaram a interrogar o homem que antes era cego ldquoE tu que dizes daquele que te abriu os olhosrdquo Ele respondeu ldquoEacute um profetardquo

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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
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18 Os judeus natildeo acreditaram que ele fora cego e que tinha comeccedilado a ver ateacute que chamassem os pais dele 19 Perguntaram-lhes ldquoEste eacute o vosso filho que dizeis ter nascido cego Como eacute que ele estaacute enxergando agora 20 Os seus pais responderam ldquoSabemos que este eacute o nosso filho e que nasceu cego 21 Como estaacute enxergando isso natildeo sabemos E quem lhe abriu os olhos tambeacutem natildeo o sabemos Perguntai a ele ele eacute maior de idade e pode falar sobre si mesmordquo 22 Seus pais disseram isso porque tinham medo dos judeus pois estes jaacute tinham decretado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Cristo 23 Foi por isso que os pais disseram ldquoEle eacute maior de idade perguntai a elerdquo 24 Os judeus outra vez chamaram o que tinha sido cego e disseram-lhe ldquoDaacute gloacuteria a Deus Noacutes sabemos que esse homem eacute um pecadorrdquo 25 Ele respondeu ldquoSe eacute pecador eu natildeo sei Soacute sei que eu era cego e agora vejordquo 26 Eles perguntaram ldquoO que ele te fez Como ele te abriu os olhosrdquo 27 Ele respondeu ldquoEu jaacute vos disse e natildeo me escutastes Por que quereis ouvir de novo Acaso quereis tornar-vos disciacutepulos delerdquo 28 Os fariseus entatildeo comeccedilaram a insultaacute-lo dizendo ldquoTu sim eacutes disciacutepulo dele Noacutes somos disciacutepulos de Moiseacutes 29 Noacutes sabemos que Deus falou a Moiseacutes mas esse natildeo sabemos de onde eacuterdquo 30 O homem respondeu-lhes ldquoIsso eacute de admirar Voacutes natildeo sabeis de onde ele eacute No entanto ele abriu-me os olhos 31 Sabemos que Deus natildeo ouve os pecadores mas ouve aquele que eacute piedoso e faz a sua vontade 32 Jamais se ouviu dizer que algueacutem tenha aberto os olhos a um cego de nascenccedila 33 Se esse homem natildeo fosse de Deus natildeo conseguiria fazer nadardquo 34 Eles responderam-lhe ldquoTu nasceste todo no pecado e nos queres dar liccedilatildeordquo E expulsaram-no 35 Jesus ficou sabendo que o tinham expulsado Quando o encontrou perguntou-lhe ldquoCrecircs no Filho do Homemrdquo 36 Ele respondeu ldquoQuem eacute Senhor para que eu creia nelerdquo 37 Jesus disse ldquoTu o estaacutes vendo eacute aquele que estaacute falando contigordquo 38 Ele exclamou ldquoEu creio Senhorrdquo E ajoelhou-se diante de Jesus 39 Entatildeo Jesus disse ldquoEu vim a este mundo para um julgamento a fim de que os que natildeo vecircem vejam e os que vecircem se tornem cegosrdquo 40 Alguns fariseus que estavam com ele ouviram isso e lhe disseram ldquoPorventura tambeacutem noacutes somos cegosrdquo 41 Jesus respondeu-lhes ldquoSe focircsseis cegos natildeo teriacuteeis culpa mas como dizeis lsquoNoacutes vemosrsquo o vosso pecado permanece

O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)

10 1 ldquoAmeacutem ameacutem vos digo quem natildeo entra no paacutetio das ovelhas pela porta mas sobe por outro lugar esse eacute ladratildeo e bandido 2 Quem entra pela porta eacute o pastor das ovelhas 3 Para este o porteiro abre as ovelhas escutam a sua voz ele chama a cada uma pelo nome e as leva para fora 4 E depois de fazer sair todas as que satildeo suas ele caminha agrave sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem sua voz 5 A um estranho poreacutem natildeo seguem porque natildeo conhecem a sua vozrdquo 6 Jesus contou-lhes essa paraacutebola mas eles natildeo entenderam o que ele queria dizer 7 Jesus disse entatildeo ldquoAmeacutem ameacutem vos digo eu sou a porta das ovelhas 8 Todos aqueles que vieram antes de mim satildeo ladrotildees e bandidos mas as ovelhas natildeo os escutaram 9 Eu sou a porta Quem entrar por mim seraacute salvo poderaacute entrar e sair e encontraraacute pastagem 10 O ladratildeo vem soacute para roubar matar e destruir Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundacircncia11 ldquoEu sou o pastor por excelecircncia O pastor por excelecircncia daacute a vida por suas ovelhas 12 O mercenaacuterio que natildeo eacute pastor e a quem as ovelhas natildeo pertencem vecirc o lobo chegar e foge e o lobo as ataca e as dispersa 13 Por ser apenas mercenaacuterio ele natildeo se importa com as ovelhas 14 Eu sou o pastor por excelecircncia Conheccedilo as minhas ovelhas

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e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

Beutler C 45

Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
                    • I
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Beutler C 43

e elas me conhecem 15 assim como o Pai me conhece e eu conheccedilo o Pai Eu dou minha vida pelas ovelhas 16 Tenho tambeacutem outras ovelhas que natildeo satildeo deste paacutetio tambeacutem a essas devo conduzir e elas escutaratildeo a minha voz e haveraacute um soacute rebanho e um soacute pastor 17 Eacute por isso que o Pai me ama porque dou a minha vida E assim eu a recebo de novo 18 Ningueacutem tira a minha vida mas eu a dou por proacutepria vontade Eu tenho poder de daacute-la como tenho poder de recebecirc-la de novo Tal eacute o encargo que recebi do meu Pairdquo 19 Essas palavras causaram nova divisatildeo entre os judeus 20 Muitos deles diziam ldquoEle tem um democircnio perdeu o juiacutezo Por que o escutaisrdquo 21 Outros diziam ldquoEstas palavras natildeo satildeo de algueacutem que tem um democircnio Acaso um democircnio pode abrir os olhos aos cegosrdquo

I

Na base do QE considerado narrativamente estaacute pelo que parece o ciclo das festas judaicas de peregrinaccedilatildeo por ocasiatildeo das quais Jesus sobe a Jerusaleacutem Retirando-se a Paacutescoa na Galileia de Jo 64 que fazendo uma releitura interrompe este ciclo segue-se depois da primeira festa da Paacutescoa em Jo 213 e da festa das Semanas que suspeitamos em 51 agora em Jo 72 a festa das Tendas E Jesus depois de uma hesitaccedilatildeo inicial potildee-se a caminho Na pesquisa impotildee-se sempre mais qa opniatildeo de que a inteira secccedilatildeo 71ndash1042 eacute marcada por esta festa F J Moloney130 vecirc a influecircncia da festa das Tendas sobretudo em Jo 7ndash8 Nosso conhecimento dessa festa apoia-se antes de tudo no tratado Sukkot da Mixnaacute mas tambeacutem em outros testemunhos rabiacutenicos e biacuteblicos Para a explicaccedilatildeo do EJ mostram-se significativos sobretudo trecircs elementos fundamentais desta festa

- o rito cotidiano da retirada de aacutegua da piscina de Siloeacute (Suk 49-10)

- a celebraccedilatildeo da luz (Suk 51-4)

- o rito da volta ao Templo (Suk 54)

O primeiro rito consistia numa procissatildeo feita todos os dias da festa agrave piscina de Siloeacute e na qual se tomava aacutegua da piscina para levaacute-la ateacute o Templo Esta procissatildeo era acompanhada de cacircnticos e do Grande Halel (Sl 113ndash118) e terminava no recinto o Templo onde o sacerdote encarregado do ofiacutecio do Templo deitava a aacutegua junto com vinho em duas jarras perfuradas pelas quais o liacutequido se espalhava sobre o altar No tempo do profeta Zacarias esse rito tinha uma conotaccedilatildeo messiacircnica (Zc 14)

O segundo rito consistia numa iluminaccedilatildeo noturna do Paacutetio das Mulheres no Templo por meio de quatro grandes luminaacuterias alimentadas com azeite A luz era levada ao Tempo pelos israelitas em meio agrave cantoria sobretudo dos cacircnticos de peregrinaccedilatildeo Segundo Suk 53 natildeo havia jardim em Jerusaleacutem que natildeo fosse iluminado por esta luz que vinho do Templo A celebraccedilatildeo era toda alegria e o povo danccedilava Em Zc 146-8 a luz recebe um sentido escatoloacutegico O rito da luz lembra a tradiccedilatildeo da coluna de luz que acompanhava os israelitas em sua saiacuteda noturna do Egito (Ex 1321)

O terceiro rito descrito em Suk 54 consistia numa oraccedilatildeo que se fazia na entrada oriental do Templo com o rosto voltado para o oeste e portanto com as costas viradas para o sol E neste momento os participantes da procissatildeo rezavam ldquoOs nossos pais que chegaram a este lugar viravam as costas para o Templo e de rosto para o oriente adoravam o sol voltados para o oriente Os nossos olhos ao contraacuterio se voltam para o Senhorrdquo130

Beutler C 44

Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
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Para E J Moloney (e quanto aos dois primeiros ritos tambeacutem para outros autores) esses ritos satildeo da maior importacircncia para a compreensatildeo de Jo 7ndash8 Deste modo ficam compreensiacuteveis as palavras de Jesus sobre os rios de aacutegua viva em Jo 737s e sua autopredicaccedilatildeo ldquoEu sou a luz do mundordquo em 812 Aleacutem disso considerando os ritos descritos entende-se melhor o apelo de Jesus para natildeo venerar outros deuses mas soacute o Deus uacutenico que nele mesmo se manifesta131

A extensa dissertaccedilatildeo de L Devillers132 tem muito em comum com o artigo de Moloney mas estende o arco mais longe As duas pesquisas distinguem-se pelo fato de Devillers incluir tambeacutem Jo 91ndash1039 Por um lado o capiacutetulo da cura do cego de nascenccedila (Jo 9) com o subsequente discurso do Bom Pastor (101-21) segue-se imediatamente ao relato da presenccedila de Jesus na festa das Tendas Por outro lado a palavra de Jesus ldquoEu sou a luz do mundo (95) e o simbolismo de ldquoluzrdquo e ldquotrevasnoiterdquo no cap 9 quadram muito bem com o tema da luz em Jo 7ndash8 Segundo Devillers a citaccedilatildeo de mais uma festa a Dedicaccedilatildeo em Jo 1022 natildeo significa necessariamente o fim da secccedilatildeo determinada pela festa das Tendas Jesus continua em Jerusaleacutem Os ouvintes satildeo os mesmos O tema do Pastor eacute retomado (1026-29) Aleacutem disso a festa da Dedicaccedilatildeo eacute considerada desde sua origem pelos judeus como uma segunda festa da Tendas133 O ciclo que comeccedilou com a celebraccedilatildeo da festa das Tendas termina segundo Devillers em Jo 1039 ou seja no momento em que Jesus sai definitivamente do Templo para se retirar na regiatildeo aleacutem do Jordatildeo onde ele recebido com feacute (Jo 1040-42)

Semelhante delimitaccedilatildeo do texto eacute proposta por L Schenke134 com base na elaboraccedilatildeo dramaacutetica da estrutura dessa parte Contrariamente a R Bultmann que vecirc a ordem em Jo 7ndash10 perturbada ele julga que a sequecircncia atual do texto eacute bastante loacutegica e compreensiacutevel Segundo ele o texto pode ser dividido da seguinte maneira

(1) Preluacutedio 71-9

Lugar Galileia Tempo pouco antes de Tendas Conteuacutedo conflito com os irmatildeos de Jesus

(2) Primeiro noacute dramaacutetico 710ndash859

Quatro cenas 710-31 7 32-44 7 45ndash820 821-59 No fim das trecircs primeimras cenas haacute uma tentativa de prender Jesus no fim da quarta a tentativa de apedrejaacute-lo

(3) Interluacutedio 91ndash1021

Em 91-39 estamos no ldquomundo narradordquo em 940ndash1021 no ldquomundo refletidordquo Haacute divisatildeo

(4) segundo noacute dramaacutetico 1032-39

As controveacutersias de 710ndash859 satildeo retomadas e assim tambeacutem o discurso do Pastor de Jo 101-18 No fim estaacute a tentativa de apedrejar Jesus

A unidade do texto mostra-se numa seacuterie de analepses e prolepses dentro da secccedilatildeo inteira Isso alimenta a memoacuteria das leitoras e leitores e prepara ensinamentos posteriores Um exemplo impressionante eacute o ldquoenaltecimentordquo do FH em Jo 828 A fala desse evento soacute se torna compreensiacutevel em vista da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus

131 132 133 134

Beutler C 45

Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
    • I
    • II
      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
          • 2 A Paacutescoa na Galileia (Jo 61-71)
            • I
            • II
              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
                • III
                  • 3 Jesus na festa das Tendas (Jo 71ndash1021)
                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
                    • O bom pastor e seus contraacuterios (101-21)
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Com os dois autores que mencionamos por uacuteltimo reconhecemos a secccedilatildeo maior Jo 71ndash1039 com 1040-42 como conclusatildeo narrativa Contudo afastamo-nos deles por iniciarmos nova secccedilatildeo em 1022 com a festa da Dedicaccedilatildeo A razatildeo estaacute na importacircncia do ciclo festivo judaico para a estrutura do EJ Decerto a Dedicaccedilatildeo natildeo eacute uma das trecircs festas de romaria prescritas e Jesus natildeo sobe ao Templo Contudo pode ter sentido destacar como tal a secccedilatildeo que comeccedila com a menccedilatildeo da festa da Dedicaccedilatildeo em 1022 Antes da uacuteltima Paacutescoa a de Jo 1155 Jesus teraacute assim percorrido todo o ciclo festivo de sua comunidade de feacute

  • Jesus se revela a seu povo (Jo 51ndash1042)
  • 1 Jesus na festa das Semanas (51-47)
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      • A cura do aleijado junto agrave piscina de Betesda
      • O diaacutelogo sobre a observacircncia do saacutebado (59d-18)
      • Jesus natildeo age por iniciativa proacutepria (519-30)
      • Jesus natildeo daacute testemunha de si proacuteprio (531-40)
      • Jesus natildeo procura sua proacutepria honra (541-47)
        • III
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            • I
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              • A multiplicaccedilatildeo dos patildees (61-15)
              • Jesus anda sobre as aacuteguas (616-21)
              • O discurso de Jesus sobre o patildeo da vida (622-29)
              • Jesus e os disciacutepulos (660-66)
              • Jesus e os Doze (667-71)
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                    • Jesus na festa da Tendas em Jerusaleacutem (71-52)
                    • Jesus e a aduacuteltera (753-811)
                    • Controveacutersias de Jesus em Jerusaleacutem Jesus e Abraatildeo (812-59)
                    • A cura do cego de nascenccedila Discussotildees em torno de Jesus (91-41)
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