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Há quem imagine a vida acadêmica, notadamente a pesquisa acadêmica, como uma prática monótona e repetitiva, confinada a labora-tórios brancos e a métodos/técnicas previsíveis. Certamente essas pessoas não conhecem o universo das Ciências Humanas e, nesse contex-to, a área de Arquitetura e Urbanismo. Mais que isso, com certeza essas pessoas não conhecem o Laboratório Arquitetura, Subjetividade e Cultura (LASC).

Preocupado com as ambiências da vida cotidia-na, o LASC mostra que nosso dia-a-dia é uma fonte inesgotável de investigações. Que tal ter que ir a um jogo de futebol, a um boteco, a uma roda de samba ou a um culto como parte do tra-balho de campo? Você se deixaria perder numa grande cidade pelo simples prazer de se reen-contrar e, nesse processo, reinventar-se? Qual o potencial de vitalidade de uma área hoje esque-cida? Como nossa corporeidade se reflete no passado, presente e futuro dos nossos bairros?

Fazer pesquisa no Brasil não é uma tarefa simples; ir além disso, aliando profundidade e seriedade investigativas com sensibilidade, cria-tividade, entusiasmo e bom humor, é um enorme desafio. Ao completar 20 anos, o LASC mostra que é possível! Além disso, mostra que boas ideias e práticas humanistas formam pesquisa-dores que se espalham por várias instituições e mantém sólidos laços de amizade, reforçando as linhas teórico-metodológicas que os ligam.

Celebrar esse encontro e dividir essa vivência é, no fundo, a proposta e o sentido do “ARQUI-tividades . subjeTETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar”. Convido a todos a folhearem o livro, a identificarem e se identifica-rem com suas quatro grandes sessões temáticas (representações sociais, etnografias, corporeida-des e narrativas visuais), e, sobretudo, a curtirem a viagem! Boa leitura.

Gleice Elali, UFRN

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Apresentação

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Tecendo caminhos pela sensibilidade

nas pesquisas arquiteturais

O ano em que o LASC – Laboratório Arquitetu-ra, Subjetividade e Cultura – completa 20 anos de sua oficialização (2019) mostra-se uma oportunidade de olhar para trás e fazer um balanço dos avanços, mas, também, dos percalços pelos quais passamos ao buscar sedimentar, de forma crítica, nossa contribuição cien-tífica e nossos projetos futuros.

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ARQUIt i v idades . sub jeTETURAS . metodo log ias para a aná l i se sens íve l do lugar

Neste ano, também, sagramos um momento crucial de nossas atividades de internacionalização ao recebermos o Edital CAPES-PrInt logo após um período profícuo de cooperação técnico-científica com a Rede Inter-nacional Ambiances, o que referenda as parcerias e inúmeras atividades que temos realizado com companheiros de pesquisa na Europa, América do Norte e América do Sul desde 2008.

O grande número de interessados em candidatarem-se ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura (Proarq) nos últimos anos, na linha de pesquisa a que o LASC está vinculado (Cultura, Paisagem e Ambien-te Construído), nos parece um indício de reconhecimento e aprovação de nossas propostas. Por isso, apresentar um volume em forma de livro, que compila alguma das mais atuais pesquisas realizadas pelo LASC no âmbito de suas parcerias internacionais (estágios doutorais e pesquisas imbricadas à temática das ambiências), além de modelos cronológicos de nossas muitas modalidades de pesquisa, parece oportuno e desejável. Mas, nem sempre foi assim.

Olhando por uma perspectiva histórica, as sementes do LASC já gran-jeavam terreno para serem cultivadas há mais tempo. No final da década de 1980, muito antes de o CNPq lançar o diretório de grupos de pesqui-sa, nós criamos o primeiro grupo de pesquisa da FAU/UFRJ, o Grupo ‘Habitar’, independente de programas de pós-graduação. Naquela época, a própria pesquisa em arquitetura e urbanismo era incipiente. A grande maioria dos pesquisadores da área de arquitetura e urbanismo era obriga-da a buscar acolhimento em brechas acadêmicas, tais como planejamento urbano, geografia, sociologia, educação ou antropologia.

A abordagem sensível sobre o espaço construído também não era muito comum em nossa área, nas últimas décadas do século XX. Em uma escola de tradição modernista, que assistia, ao mesmo tempo, a criação de seu primeiro Programa de Pós-graduação com o apoio da COPPE, que, como se sabe, possui uma visão mais objetiva e tecnicista da pesquisa em arqui-tetura, reforçava este distanciamento das abordagens qualitativas.

Nem todos os pesquisadores em AU entendiam, por exemplo, que o viés etnográfico seria um meio “suficientemente científico” pois, segundo nos diziam, não era baseado em “dados confiáveis”. Mas, era impossível

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desistir. Porque tornou-se impensável, para nós, ir a campo (na cidade) e não se maravilhar com seus usos e movimentos, sua pregnância sensorial, com a dinâmica das pessoas e o impacto que a dimensão não mensurável poderia produzir para a vitalidade dos espaços físicos. Como não ficar fascinado com a capacidade dos lugares em alojar e produzir novas iden-tidades, ou dos sons e cheiros em fazer trabalhar memórias, os dos valores simbólogicos e religiosos aderidos ao espaço construído?

‘Ver’ a cidade acontecer, descobrir como os corpos interagem no espaço ou como as diferenças fundam territórios, recriando-o, ressignificando-o; descobrir que a cada passo no chão de concreto as pessoas não apenas se introduzem no lugar urbano mas, principalmente, negociam seu próprio lugar no mundo. Essa fascinação nos une até hoje no LASC, e é o grande motivo de não cessarmos de pesquisar. E, se lá no início, não encontramos muitos interlocutores, logo foram aparecendo figuras marcantes que nos inspiraram e construiram grande rede de trocas e conhecimento.

Foram passos decisivos o contato com o arquiteto e antropólogo Carlos Nelson Ferreira dos Santos e, na própria FAU, Vicente del Rio - nosso colega e amigo, que inaugurava no Brasil pesquisas que ligavam a arquite-tura com a psicologia ambiental. O próprio nome ‘LASC’ foi oficializado enquanto grupo de pesquisa na ocasião em que organizamos, juntamente com Vicente del Rio e Paulo Afonso Rheingantz, um Congresso dedicado à interlocução entre psicologia e arquitetura e urbanismo, em 1999.

Do início do século XXI, em diante, nossas parcerias aumentaram junto a nossos elos de inspiração, como Jean François Augoyard e Jean-Paul Thibaud, colegas de pesquisas atuais, assim como Nicolas Tixier e Rachel Thomas, ação reforçada pelo convênio técnico-científico estabelecido com o Cresson-ENSAG em 2014. Os professores François Laplantine e Jorge Santiago, da Université de Lyon 2, igualmente são parceiros técni-cos e sempre presentes em bancas de defesas, livros conjuntos e eventos. No Canadá temos a parceria de Mario Côté, da Université du Québec à Montréal e, mais recentemente, Niels Albertsen da Aarhus Arkitektskolen na Dinamarca e Barbara Piga, do Instituto Politécnico de Milão. Aqui no Brasil o LeMetro nos assegura contínua pareceria através das colaborações de Marco Antonio Mello, Felipe Berocan, Neiva Vieira, Soraya Simões e Leticia Luna.

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E, principalmente, nossos grupos parceiros dentro do Próprio Proarq: ProLugar, Gae e SEL, além do Grupo ‘Pensamento, História e Crítica’, respectivamente com a participação dos professores Paulo Afonso Rhei-gantz, Giselle Arteiro, Vera Tangari e Fabiola Zonno, assim como tantos outros colegas que juntos ajudaram a enriquecer os estudos da arquitetura, da fenomenologia e do desenho urbano em seu campo ampliado.

Nossas pesquisas abordam o cotidiano das cidades e as questões advindas de pensar o espaço sensível, assim como os aspectos culturais e subjetivos da construção do espaço, mas não o espaço cartesiano que é apresentado em um sistema de representação. Em parceria com antropólogos, psi-cólogos, sociólogos e outros cientistas sociais, lançamos olhares curiosos sobre as vivências proporcionadas pelos espaços públicos e privados; os processos de apropriação, a construções de afetos e a empatia espacial nos interessam; acompanhamos as mudanças do mundo pelo viés da experi-ência, assistimos as transformações sociais e espaciais causadas pela era das mídias sociais. São muitos os desafios a serem enfrentados e dúvidas a serem dirimidas pela pesquisa, uma pesquisa que não aconteceria se não estivesse fincada em um solo inter e multidisciplinar.

O LASC, assim, é hoje formado por um grupo relativamente pequeno, com cerca de 20 pesquisadores (entre mestrandos, doutorandos e bolsistas de iniciação científica), mas que grupo! Nos perguntamos como é possí-vel reunir tanta gente interessada, empolgada e entusiasmada ao mesmo tempo. A felicidade é um combustível infinito.

Por isso, nos orgulhamos ao apresentar este livro, nascido de muito trabalho conjunto por meio de orientação feita por nós, coordenadoras. Os textos que compõem este livro, que ‘brincam’ com o jogo de palavras presentes nas imbricações metodológicas de nosso trabalho científico (a arquitetura como princípio, as subjetividades como medium), revelam caminhos percorridos por entre pesquisas, mas também a ação essencial de todos(as) os(as) pesquisadores(as) envolvidos(as) em ensino e extensão, uma vez que são o reflexo de pessoas em constante ação de ensino-apren-dizagem e de dedicação profissional aos próprios temas, muitas vezes trandisciplinarmente.

Pesquisadores oriundos de diversas áreas do conhecimento, um traço marcante do LASC, expõem seus trajetos de pesquisa de forma didáti-

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ca e científica – no momento em que confrontam seu objeto de estudo frente às necessidades de sistematização do processo – e, depois, de forma poética e livre – ao demonstrarem como o objeto os afetou. Nos seus vinte anos de atividades ininterruptas, alçançados em 2019, o LASC não apenas bordeja pelo tripé da pesquisa, ensino e extensão, mas também por uma estreita relação de companheirismo e incentivo mútuo; entre sorrisos, abraços, palavras de ânimo e advertências, a pesquisa como obra aberta tem se produzido.

A temática das ambiências, como enorme ‘guarda-chuva’, assim como diversos conceitos transversais à arquitetura e urbanismo, trouxeram um panorama riquíssimo de meios e estratégias para se pensar determinadas questões nos espaços físicos e na cidade contemporânea – esta, que nos interessa, por hospedar a diferença, o desejo e a complexidade; esta, que por meio dos corpos atuantes, podemos relativizar. Arquitetura e urbanis-mo não se explicam por si só, nesse contexto, mas por tantos conceitos que amparam a experiência humanizadora que acontece pela sensibilidade.

Sensibilizar-se é uma ação primordial. Primeiro, porque interpola todo ser humano em sua relação básica com o mundo interno, que se apresenta, frente ao mundo externo que o circunda. Somos afetados pelas informa-ções que recebemos e todas elas, levadas ao sistema nervoso central, nos dão respostas voluntárias ou involuntárias. Sensibilizar começa no ho-mem, mas é necessário um meio para que essa ação tenha alguma reação. Assim, uma cidade (como grande estrutura de pesquisa) pode ser sensível à medida que é reativa ao estado de sensibilidade humana, e é a propria humanidade. Uma cidade, uma praça, uma rua e um beco são os atos daqueles que neles atuam.

Ressensibilizar por sua vez, mote que adotamos em recente evente pro-duzido para explorar as relações de pesquisa nacionais e internacionais realizadas pelo LASC01, é uma busca, nos coloca em estado de retorno. Se pudemos alguma vez ser sensíveis a algo e, de certo modo, a contem-

01 Evento realizado pelo LASC com patrocínio da Rede Internacional de Ambiências, CAPES-PrInt e Faperj, tendo se realizado entre 2 e 5 de outubro de 2019 e intitulado RESSENSIBILIZANDO CIDADES . AMBIÊNCIAS URBANAS E SENTIDOS (<https://workshoplasc2019.wixsite.com/ressensitizingcities>).

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poraneidade e suas pujanças nos tiraram isso, ou deliberadamente nos propusemos a perder – para que a velocidade e o tempo não nos engolis-sem – as ambiências estão aí como ‘estado-de-coisa’, para mostrar que é preciso olhar novamente para a dimensão interior que se expõe ao mundo exterior. Refazer, recriar, retecer. Ressensibilizar é palavra de ordem, pois nos impele a querer, novamente, ser afetável. Este cerne está em todas as pesquisas apresentadas neste livro.

Pensando neste imenso trajeto, os capítulos presentes neste livro sinalizam – como mencionamos – a teia dinâmica que o LASC tem produzido nos recentes anos e colocam, como gigantesco espaço de debate e referência, um arcabouço singelo de tantos outros caminhos que já foram traçados por diversos pesquisadores em muitos lugares do globo terrestre, em ou-tros momentos do grupo.

Apesar de estruturado como um volume de quatro eixos que podem ser lidos em qualquer ordem ou momento, cada um dos eixos agrupa temá-ticas consoantes desenvolvidas por pesquisas recentes, fazendo com que a compreensão deles (Etnografias, Corporeidades, Narrativas e Representa-ções Sociais) seja também uma forma de categorização das metodologias empreendidas.

Não obstante essa apresentação temática, elencada em grandes grupos de conhecimento tecidos dentro do LASC, percebemos que a apresentação do porquê da escolha de cada objeto de estudo – de forma inaugural – poderia, também, ‘inflamar’ os leitores de toda a carga afetiva que acaba por unir pesquisador e objeto de pesquisa e que, acreditamos, torna todo o trabalho mais prazeroso e eficaz. Essa apresentação é feita por breves textos colocados, pelos autores, após cada capítulo metodológico.

Assim, entre-tecidos, os textos oferecem muito mais do que caminhos para se pesquisar de forma sensível em arquitetura e urbanismo; são, de fato, caminhos para se encontrar com as as atividades, as fazeduras e o sujeito, antes de tudo – os seres sencientes que fabricam as cidades e os lugares que habitamos.

Cristiane Rose Duarte & Ethel Pinheiro

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Weaving paths for sensitivity in

architectural research

The year in which LASC – ‘Architecture, Subjec-tivity and Culture Lab’ - celebrates 20 years of its offi-cialization (2019) presents an opportunity to look back and take stock of the advances, but also of the difficul-ties we have gone through when seeking sedimenta-tion, to our scientific contribution and future projects.

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In this year, we also marked a crucial moment in our internationaliza-tion activities when we received the CAPES-PrInt award after a fruitful period of technical-scientific cooperation with the International Ambiances Network, which endorses the partnerships and countless activities we have been carrying out with our partners in Europe, North America and South America since 2008.

The large number of people interested in applying for the Postgraduate Program in Architecture (Proarq) in recent years, in the line of research to which LASC is linked to (Culture, Landscape and Built Environment) seems to us to be a sign of recognition and approval of our proposals. For this reason, handing a book which compiles some of the most recent re-search carried out by LASC in the framework of its international partner-ships (doctoral internships and related research to ambiances), as well as chronological models of our many research modalities, seems timely and desirable. But it was not always so.

From a historical perspective, LASC seeds have already been gaining ground for longer cultivation many years ago. In the late 1980s, long before CNPq launched the ‘research group directory’ we created the first FAU / UFRJ research group, the ‘Habitar’ Group, independent of post-graduate programs. At that time, research in architecture and urbanism itself was incipient. The vast majority of researchers in the field of archi-tecture and urbanism were obliged to seek shelter in academic gaps such as urban planning, geography, sociology, education or anthropology.

The sensitive approach to built space was also not very common in our area in the last decades of the twentieth century. In a school of modernist tradition, which was at the same time assisting the creation of its first Postgraduate Program with the support of COPPE, which, as is well known, has a more objective and technical view of architectural research, reinforced this distancing from qualitative approaches.

Not every Arch and Urb researcher understood, for example, that ethno-graphic bias would be a “sufficiently scientific” medium because, we were told, it was not based on “reliable data”. But it was impossible to give up. Because it has become unthinkable for us to plunge into field surveys

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(in the city) and not marvel at its uses and movements, its sensory preg-nancies, the dynamics of people and the impact that the unmeasurable dimension could have on the vitality of spaces. How not to be fascinat-ed by the capacity of places to house and produce new identities, or the sounds and smells to make memories, or the symbolic and religious values attached to the built space?

‘Watching the city happen’, discovering how bodies interact in space or how differences form territories, re-signifying it; finding that with every step on the concrete floor people not only enter the urban place but main-ly negotiate their own place in the world. This fascination unites us to this daily task at LASC, and it is the great reason for us not to stop research-ing. And if we did not meet many interlocutors at the beginning, then remarkable figures appeared that inspired us and built a great network of exchanges and knowledge.

Decisive steps were taken with the first contact with architect and anthro-pologist Carlos Nelson Ferreira dos Santos and, at FAU/UFRJ, Vicente del Rio - our colleague and friend, who inaugurated in Brazil the research that linked architecture with environmental psychology. The very name ‘LASC’ was made official as a research group at the time we organized, together with Vicente del Rio and Paulo Afonso Rheingantz, a Congress dedicated to the interlocution between psychology and architecture and urbanism in 1999.

From the beginning of the 21st century onwards, our partnerships in-creased along with our inspiring subjects such as Jean François Augoyard and Jean-Paul Thibaud, current research colleagues, as well as Nicolas Tixier and Rachel Thomas, reinforced by the established technical-sci-entific agreement with Cresson-ENSAG in 2014. Professors François Laplantine and Jorge Santiago, from ‘Université de Lyon 2’, are also technical partners and always present in Thesis defenses, joint books and events. In Canada we have the partnership of Mario Côté from ‘Universi-té du Québec to Montréal’ and, more recently, Niels Albertsen from Aar-hus Arkitektskolen in Denmark and Barbara Piga from the Polytechnic Institute of Milan. Marco Antonio Mello, Felipe Berocan, Neiva Vieira,

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Soraya Simões and Leticia Luna are also our most friendly contacts from LeMetro/UFRJ.

We especially address our partner groups within Proarq/UFRJ: ProLugar, Gae and SEL, as well as the ‘Thought, History and Criticism Group’, respectively with the participation of professors Paulo Afonso Rheigantz, Giselle Arteiro, Vera Tangari and Fabiola Zonno, and many other col-leagues who together have helped to enrich the study of architecture, phenomenology and urban design in their expanded field.

LASC is, therefore, formed today by a relatively small group, with about 20 researchers (including Master’s students, Doctoral students and under-graduate scholarships), but what a group! We wondered how it is possible to bring together so many interested, excited and enthusiastic people at the same time. Happiness is an infinite fuel!

Therefore, we are proud to present this book, born of a lot of joint work through the guidance by us, the coordinators. The texts that make up this book, which ‘rule’ with the wordplay present in the methodological imbrications of our scientific work (architecture as a principle, subjectivities as medium), reveal paths taken by research, but also the essential action of all. The researchers involved in teaching and extension, since they are a re-flection of people in constant action of teaching-learning and professional dedication to their own subjects, are often transdisciplinary.

Researchers from various fields of knowledge, a ‘trademark’ of LASC, ex-pose their research paths in a didactic and scientific way - at the moment they confront their object of study against the needs of process system-atization - and then, in a poetic and free way - by demonstrating how the object affected them. In its twenty years of uninterrupted activity LASC not only borders on the tripod of research, teaching and extension, but also on a close relationship of fellowship and mutual encouragement; be-tween smiles, hugs, words of encouragement and warnings, research works as an open field to be produced.

The theme of ambiances, such as a huge ‘umbrella’, as well as various con-cepts across architecture and urbanism, have brought a rich panorama of

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the means and strategies for thinking about certain issues in the physical spaces and in the contemporary city - which we are interested in so as to host the difference, desire and complexity. Architecture and urbanism are not explained by themselves in this context, but by so many concepts that support the humanizing experience that happens through sensitivity.

Sensitizing is a prime action. First, because it interpolates every human being in his basic relationship with the internal world, which presents himself, in front of the external world that surrounds him/her. We are affected by the information we receive and all of it, taken to the central nervous system, gives us voluntary or involuntary responses. Sensitization begins in man/woman, but a means is needed for this action to have some reaction. Thus, a city (like a large research structure) can be sensitive as it is reactive to the state of human sensibility, and IS humanity itself. A city, a square, a street and an alley are the acts of those who act in them.

Resensitize, motto that we adopted in recent event produced to explore the national and international research relations carried out by LASC01, is a search, puts us in a state of return. If we could ever be sensitive to some-thing, and in a way, contemporaneity and its strengths have taken us away from it, or we deliberately set out to lose — so that speed and time would not engulf us — ambiances are there as a ‘state of mind’, ‘thing’ to show that one must look again at the inner dimension that exposes itself to the outer world. Redo, recreate, retain. Resensitizing is then a watchword, as it impels us to want to be affable again. This crux lies in all the research presented in this book.

With this immense journey in mind, the chapters in this book signal - as we have mentioned - the dynamic web that LASC has been producing in recent years and put, as a huge space for debate and reference, a simple framework of so many other paths that have already been traced by many researchers in many parts of the globe, at other times.

01 The event was coordinated by LASC with the support of the International Ambiances Network, CAPES-PrInt and Faperj, and ran from October 2nd to 5th 2019. It was called RESENSITIZING CITIES. URBAN AMBIANCES AND SENSES (<https://workshoplasc2019.wixsite.com/ressensitizingcities>).

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Although structured as a volume of four axes that can be read in any order or at any time, each axis groups themes according to recent research, making their understanding (Ethnographies, Corporealities, Narratives and Social Representations) also a way of categorization of the methodol-ogies undertaken.

Notwithstanding this thematic presentation, listed in large knowledge groups woven within the development of LASC, we realize that the presentation of the choice of each object of study - in an inaugural way - could also ‘inflame’ the readers of all the affective charge that ends up uniting researcher and research object and that, we believe, makes all work more enjoyable and effective. This presentation is made by brief texts placed by the authors after each methodological chapter.

Thus, texts offer much more than avenues for sensitive research in archi-tecture and urbanism; They are, in fact, ways of meeting the activities, the crops, and the subject, first of all - the sentient beings that make up the cities and places we inhabit.

Cristiane Rose Duarte & Ethel Pinheiro

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1. ReprentaçõesSociais

29. Alice BrasileiroProposta metodológica para identificação de aspectos culturais dosusuários em ambientesde escritórios

47. Claudia CastellanoUm espaço sagrado para as religiões afro-brasileiras: dimensões culturais e conflitos no Rio de Janeiro

67. Estela AlmeidaEtnotopografia e o morar: desafios de uma imersão experiencial

85. Marilia Chaves Entrelace de métodos para desvendar o entrelaçamento urbano

100 lado B

2. Etnografias

121. André CarvalhoArquiteturas nasfeiras ao ar livre:Intersubjetividade,superfícies de contatoe evento

137. Natália de Melo[Con]viver e [trans]formarpela ambiência.Metodologias para oespaço construído

155. Nathália CarvalhoSubjetividade e Métodos:A Etnotopografia e aapreensão do in-visívelem ambiências noturnas

172lado B

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3. Corporeidades

189. Bárbara ThomazErrâncias Sensíveis:analisando a EmpatiaEspacial em contextosurbanos

207. Felipe BosiPadrões corpográficosdo uso de smartphones:caso Convento de NossaSenhora da Penha

227. Regina CohenMobilidade, Caminhabilidade e Acessibilidade: Percursos Empáticos pelas Ambiências da Cidade

246lado B

4. Narrativas visuaise imagéticas

263. Ilana SancovschiPercursos Imaginados:vivenciando ambiências a partir da literatura

281. Juliana QueirozA pesquisa no meiovirtual: as narrativaspor trás das imagens demorar selecionadas noPinterest

298 lado B

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1.Representações

Sociais

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Proposta metodológica para identificação de

aspectos culturais dos usuários em ambientes

de escritóriosAlice Brasileiro

Como habitante e usuário de uma obra arquite-tônica, o Homem apropria-se de seus espaços e de-senvolve com ela uma relação identitária. Ao analisar um ambiente sob a ótica de aspectos culturais, vemos que cada cultura se relaciona com os espaços de uma forma própria, e lhes atribui valores que são exclusivos dela. Segundo Schein (1992), por exemplo, a maioria das culturas tem regras bastante claras sobre como definir espaço pessoal e íntimo, pelo uso de uma va-riedade de indicações como divisões, paredes, barrei-ras sonoras, con tato visual, posição do corpo e outros mecanismos pessoais. Por isso, é fato que o modo de ocupação e a avaliação que se faz de um ambiente pode mudar consideravelmente, dependendo dos aspectos culturais provenientes de seus usuários. Entendemos, assim, que as metodologias de avaliação do ambiente construído poderiam ter seus resultados ampliados, se nelas fossem incluídos parâmetros de ordem cultural, convergindo, por meio da interdisciplinaridade, para um resultado mais completo.

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Dessa forma, o objetivo geral da pesquisa que deu origem ao presente texto é a construção de uma proposta metodológica que permita identifi-car, nos ambientes de escritórios, aspectos culturais de seus usuários, e é o processo dessa construção o tema do presente trabalho. Em sua forma fi-nal de pesquisa, a proposta apresenta um método principal, a observação, e os seguintes métodos complementares: croquis de campo, entrevistas informais, questionários, Poema dos Desejos, mapeamento territorial e análise das redes sociais. A elaboração de toda a proposta demandou um período de intensa e constante pesquisa e prospecção em campo; todo o processo contou com distintas etapas e resultou num extenso material01 que será aqui apresentado de forma abreviada.

A pesquisa sobre dimensões culturais

Para atingir seu objetivo, a pesquisa contou inicialmente com estudos teóricos em área interdisciplinar, tanto sobre fundamentos da arquitetura, como também sobre psicologia ambiental, antropologia e administração. Foi necessária a imersão em outras áreas do conhecimento para que fosse possível abordar tanto as nuances antropológicas do uso e ocupação de um ambiente de trabalho (escritórios), quanto também considerar os aspectos inerentes à administração organizacional.Por meio do estudo de autores diversos, como Hofstede (1997, 2001), Hall (1977, 1994), Trompenaars (1994), Fischer (1994) e Sommer (1973), entre outros, foram estabelecidas as dimensões que pudessem ser adequa-das à análise de ambientes de trabalho – escritórios – que, resumidamente, podem ser assim descritas:

• Hierarquia – demonstra como as relações de poder existentes no local podem ser vistas no espaço.• Controle de incertezas – é uma sensação subjetiva, de inquietude, frente a situações incertas, não previs-tas, as quais as pessoas tentam, por meio de mecanis-

01 Todo o material se encontra disponível em BRASILEIRO, 2007.

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mos próprios, se resguardar para evitar que aconte-çam.• Coletivismo – revela o nível de envolvimento entre as pessoas; se aquele grupo pode ser considerado um “corpo social” ou se é apenas o conjunto de vários indi-víduos.• Delimitação de territórios – mostra como ocorrem as diversas formas de estabelecer limites de territórios dentro da organização, sejam eles de uso individual ou de um grupo, coletivamente.

A construção da propostaprimeiras definições

Após os estudos teóricos, compreendemos que a proposta metodológica deveria ser baseada principalmente na observação discreta (COSNIER, 2001) ou passiva (SPRADLEY, 1980) do ambiente e das atividades nele desenvolvidas. A opção pela observação como método principal da proposta justifica-se porque, para se chegar à compreensão do significado de dimensões culturais, tanto os métodos normalmente utilizados nas avaliações ambientais quanto os utilizados nas pesquisas sociais não dão conta da real dimensão do significado procurado. Assim, a observação, paciente e tão constante quanto possível, nos moldes de uma observação etnográfica, busca, no ambiente e na sua dinâmica de uso, as dimensões culturais estabelecidas. A adoção de um viés etnográfico na observação se faz necessária pelo fato de que a análise feita é de cunho essencialmente qualitativo, necessário para alcançarmos resultados mais representativos de como as subjetividades dos grupos de usuários podem estar refletidas no ambiente. Contudo, o uso da observação unicamente não é suficiente para obtermos as respostas buscadas na pesquisa. É necessário utilizar métodos que complementem o que foi observado, como forma de ratificar e/ou questionar o material então coletado.

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os escritórios estudados

Desenvolvemos nossa pesquisa de campo em três escritórios, que aqui serão denominados Alfa, Beta e Gama. Alfa é uma empresa de seguros, situada na cidade do Rio de Janeiro; Beta e Gama são secretarias de uma prefeitura fluminense. A diversidade de ramos de negócio e de gestões contribuiu tanto para a ampliação do leque de dinâmicas e usos obser-vados, quanto para a constatação de que certas características de fundo cultural se mantêm, mesmo em escritórios em princípio tão diferentes entre si.Inicialmente, a pesquisa de campo e a consequente construção da propos-ta metodológica foram realizadas concomitantemente em dois escritórios (Alfa e Beta). Após algum tempo, a proposta pôde ser reavaliada e foi passando por algumas modificações, fruto dos resultados que estavam sendo obtidos. Como nossas pesquisas de campo foram desenvolvidas simultaneamente nas duas instituições, uma do setor privado e outra do setor público, pudemos verificar até que ponto determinada estratégia funcionava produzindo respostas ou não, em uma sistemática que era re-troalimentada à medida que a coleta de informações em campo progredia. Quando começamos a pesquisa no terceiro escritório, também do setor público, a proposta pôde ser testada após as transformações, chegando à conformação apresentada como o resultado da pesquisa, embora conside-remos que o assunto sobre a análise cultural não se encerra (e nem pode-ria) em nosso estudo, representando um campo extremamente fértil para pesquisas posteriores.

a pesquisa em campo

I. A observaçãoNossa pesquisa de campo iniciou-se na empresa Alfa. Para observar, é necessário transpor algumas dificuldades, e a primeira delas é a estranheza que a presença do observador causa no ambiente (entenda-se nas pessoas). A esse respeito, Edgerton e Langness (1974, p.32) nos afirmam que

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os seres humanos têm uma habilidade impressionante de supor o que os cientistas sociais querem deles e alteram seu comportamento para agradar, confundir ou enganar aqueles que têm a audácia de ‘estudá-los’ (...). Mas nenhuma técnica tem se mostrado tão eficaz a esse respeito quanto a observa-ção participante02 prolongada03.

É pela constante permanência do observador no ambiente que sua pre-sença vai deixando de ser estranhada (ou mesmo notada) pelos usuários (SOMMER, 1973; EDGERTON; LANGNESS, 1974; GEERTZ, 1989), deixando assim de representar um obstáculo à naturalidade dos eventos que ali se desenvolvem. Todo esse processo ocorre no período de tempo que chamamos de impregnação (COSNIER, 2001), que é um período no qual o pesquisador permanece no ambiente apenas observan-do e fazendo anotações, familiarizando-se e permitindo que o ambiente também se “familiarize” com a sua presença. A duração desta fase depende do observador, mas também da complexidade do ambiente, entendida aqui como o conjunto de interações existentes no local, função direta da quantidade de pessoas que o utilizam simultaneamente, o que torna mais difícil e demorada a imersão do pesquisador.Passada a fase de impregnação, o pesquisador começa a ter uma maior compreensão do que acontece à sua volta. É quando a observação entra em sua 2a fase, que denominamos de observação paciente e constante. Não há um momento específico para isso, e essa é uma apreensão que cada pesquisador, em cada ambiente, irá adquirir de uma maneira peculiar. Portanto, fazendo parte desse processo, percebemos que, após dois meses, algumas mudanças foram sendo inevitavelmente introduzidas em nossa proposta metodológica. Pudemos constatar que as primeiras observações continham muito mais anotações sem utilidade posterior do que as reali-zadas após um certo tempo. Assim, verificamos que as anotações estavam ficando mais consistentes.

02 Muito embora os autores estejam considerando uma observação participante, na realidade são descritas várias situações em que não há efetiva participação do observador; apenas a observação em si.

03 Tradução livre da autora.

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Nossa pesquisa mostrou alguns pontos e situações específicas recorrentes, que revelavam as dimensões culturais. Essas recorrências podem ser con-sideradas como indicadores, que auxiliaram a configurar uma sistemati-zação da observação, servindo muitas vezes um mesmo indicador a mais de uma dimensão simultaneamente. O levantamento dos indicadores foi elaborado a partir da própria observação, como se fosse um mapeamento. Ao final de cada dia de trabalho, ao reler nossas anotações no caderno de campo, fomos sinalizando quais itens indicavam a existência de uma ou mais dimensões e, ao listar todos juntos, com o material produzido em vários dias de observação, foi possível começar a perceber a citada recor-rência de alguns deles. Os indicadores não constituem propriamente um roteiro de observação; são o resultado da imersão que o pesquisador faz no ambiente. Portanto, cada indicador anotado não produz simplesmente um “sim” ou “não”, mas respostas extensas, que devem esclarecer determinada situação no ambiente pesquisado. Os indicadores obtidos pela observação de situações recorrentes em nossa pesquisa de campo foram:

Acesso / Mobiliário / Fluxos / Permuta de equipamentos / Reprodução de músicas / Locais de socialização / Distância entre as pessoas / Símbolos coletivos / Interações entre as pessoas / Personalização / Posicionamento de objetos pessoais / Existência de grupos / Alcance visual entre superior e subordinados / Exposição de normas e avisos / Demonstração de cuidados com o ambiente.

Apesar desses indicadores terem se revelado recorrentes nos três escri-tórios estudados (o que sinaliza uma certa perenidade na sua existência), existe a possibilidade de que outros estudos de caso produzam outros indicadores. Os resultados da pesquisa apontam para a importância de efetuar as análises finais e conclusões em função do todo – da observação de todos os indicadores e do resultado que juntos eles produzem, bem como das informações obtidas por meio dos outros métodos também.

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II. Croquis de campoEste método complementar consiste em um produto gráfico da observa-ção, formado por desenhos arquitetônicos, croquis e esquemas. Para uso em nossa pesquisa, nos baseamos inicialmente nos trabalhos de Cos-nier (2001) e Oliveira Filho; Duarte; Santos (2002). Este estudo gráfico contribui para a descrição espacial dos eventos e sua verificação física no ambiente. Sua elaboração em campo pode ser considerada tanto como uma ferramenta de observação ou como uma ferramenta de análise, para possibilitar uma melhor compreensão ou até mesmo a comparação de uma situação com outra. Podem ser utilizadas cores, para facilitar a emer-são de características que lhes sejam próprias, tais como concentrações de uso, aspectos funcionais, fluxos e zonas de conflitos espaciais (Figura 1).

III. Entrevistas informaisÀ medida que a observação prossegue, surgem lacunas que somente ela não responde, por isso, utilizamos os métodos complementares, necessá-rios para a condução da pesquisa. De forma não-programada por nós, a pesquisa mostrou que conversas informais com usuários, às vezes até na hora de um “cafezinho”, forneciam informações valiosas e, assim, optamos por fazer destas mais um método complementar de pesquisa, as “entrevis-tas informais”. Concordamos com Spradley (1980), quando afirma que uma das mudan-ças ocorridas durante a pesquisa de campo é ser o pesquisador reconheci-do pelas pessoas que fazem parte daquela situação social, havendo assim oportunidade para existir uma interação mais intensa entre as duas partes;

1. Fluxos ocorridos em um determinado instante, em um dos escritórios. Cada cor corresponde a uma pessoa, as paradas que faz e o sentido de seu deslocamento.

Fonte: autora.

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também concordamos com Edgerton e Langness (1974), que preconizam que, em um método de cunho etnográfico, uma entrevista formal frequen-temente faz as pessoas sentirem-se tensas, rígidas, ao passo que, em uma conversa descontraída, sentem-se mais desprendidas para falar e conversar. No entanto, segundo esses mesmos autores, as entrevistas informais pos-suem um ponto fraco, por não poderem ser sistemáticas ou confrontadas por outros pesquisadores, mas entendemos ser sua complementaridade essencial para o preenchimento de parte das lacunas deixadas pela obser-vação, principalmente porque, no ambiente de trabalho, um dos maiores problemas que o pesquisador enfrenta é o receio, por parte dos funcioná-rios, de que alguma das informações fornecidas possa ser utilizada contra eles e, durante uma conversa informal, esse receio tende a diminuir04.

IV. Questionários05

Nossa pesquisa mostrou que há questões que são mais bem respondidas pelos usuários quando estes têm tempo e/ou privacidade para responder, como enumerar os pontos negativos do ambiente. Assim, mesmo com as entrevistas informais, permanecem questões a serem respondidas, normal-mente aquelas em que os funcionários se sentem constrangidos ao dar a resposta porque pode envolver uma crítica aos colegas ou ao ambiente de trabalho e, por extensão, ao seu empregador. Verificamos que, se for aberta a possibilidade de as pessoas responderem às perguntas garantindo o seu anonimato, a chance de obter respostas verdadeiras é significativamen-te maior. Por isso, esse fator foi determinante para que os questionários fossem utilizados.Com o uso de questionários, pudemos obter, de forma direta, respostas às perguntas sobre os sentimentos das pessoas em relação ao seu local de tra-balho. O objetivo era confrontar essas respostas diretas com o que vinha

04 Sobre as entrevistas informais, incorporadas em nossa proposta metodológica, podemos compará-las às entrevistas “não estruturadas”, classificadas por Frucci in Ornstein et. al. (1995) como aquelas em que o interlocutor é incentivado a falar livremente sobre hipóteses que o pesquisador deseja verificar.

05 Os questionários foram elaborados a partir das pesquisas de campo efetuadas no grupo ProLugar, do PROARQ-FAU-UFRJ. As pesquisas utilizadas como base para a montagem de nossos questionários foram as de Abrantes (2004), Simões (2005), Faria (2005), Alvarenga (2005) e Rodrigues (2005).

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sendo observado, em relação aos locais mais e menos apropriados pelas pessoas; os mais e menos quistos; o que desagradava às pessoas no local de trabalho; o que eles mudariam, se lhes fosse dada a oportunidade, entre outras. Dessa forma, foi possível perceber que alguns comportamentos e tendências de uso dos ambientes eram praticados, embora nem sempre de forma declarada ou consciente. Além disso, a pesquisa mostrou que várias opiniões conflitantes com colegas ou com as chefias só foram emitidas nesse método, justamente pela sua forma anônima de respostas.

V. Poema dos Desejos06

Para complementar nossa busca, foi necessário utilizar uma ferramenta de caráter aberto e exploratório, que permitisse livre expressão dos usuários, tal como se apresenta o Poema dos Desejos (SANOFF, 2001). Tradicio-nalmente, é uma ferramenta utilizada para descobrir como o corpo de usuários gostaria que fosse o ambiente em questão (e tem se mostrado bastante frutífera07), mas, no caso específico de nossa pesquisa, ele também foi utilizado como auxiliar na descoberta das dimensões culturais pre-sentes no ambiente, sinalizando pontos nos quais a observação devia ser intensificada, como a resposta a seguir:

“[Gostaria que] tivesse o valor e o reconhecimento que ele realmente merece, muitas vezes somos válvulas de escape para problemas que nem sempre têm a ver com nosso setor e, quando têm, a culpa geralmente não é nossa. Trabalhamos com mais de 120 corretoras e não recebemos nenhuma reclamação faz algum tempo, mas parece que sempre arranjam um jeito de reclamar da gente...!”

A partir de respostas como essa, podíamos ter sinais para focar a atenção em pontos como o relacionamento com as chefias, por exemplo, o que, por sua vez, contribuía para a descoberta da dimensão Hierarquia. Com a aplicação do Poema dos Desejos, por menos que algumas respostas

06 Apesar de sabermos das limitações que poderiam existir, optamos por aplicar o Poema dos Desejos como uma pergunta do questionário, para reduzir o número de abordagens feitas aos usuários.

07 Vide os resultados obtidos por Simões, 2005; Faria, 2005; Alvarenga, 2005; Rodrigues, 2005; Abrantes, 2004; Brasileiro, Dezan, Rheingantz e Duarte, 2004.

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tivessem um caráter ambiental, esclareciam-se pontos como esse, de insa-tisfação profissional. Como reflexo espacial dessa resposta, era observável, em alguns setores, a pouca interação entre chefia e subordinados, o que tornava a sala “grande” para os poucos fluxos e deslocamentos ocorridos (como comparação, víamos que, em outros setores e em outros escritórios analisados, os fluxos e deslocamentos eram causados não só por necessi-dades profissionais, mas também por interações sociais, como pudemos averiguar com a análise das redes sociais, a ser visto posteriormente).

VI. Mapeamento territorialInspirado nos métodos visuais indicados por Thorne (1995), o mapea-mento territorial é um método complementar específico para a procura dos limites territoriais de cada um, podendo servir aos territórios coleti-vos também. Pode consistir na disponibilização para o usuário da planta baixa humanizada do local onde ele trabalha (não somente do ambiente que utiliza, mas a totalidade dos espaços que constituem a empresa, como refeitórios, auditórios, circulações etc.), para que ele marque graficamente a área considerada como sendo o seu território de trabalho. Este méto-do mostra a apropriação vista pela ótica do usuário; é útil não somente para obter informações, como para confrontar as situações observadas pelo pesquisador e as que o usuário admite acontecer. Depois de algumas tentativas que não produziram resultados satisfatórios, foi adotada uma estratégia de aplicação, feita durante a observação; ao ter oportunidade de conversar com os funcionários, perguntávamos:

“Qual local do escritório você se sente melhor, mais à vontade?”.

Essa era a pergunta-chave, que poderia ser seguida por outras, dependen-do da resposta a ser fornecida. Por estar em interação direta com o usu-ário, era possível conduzir o diálogo na direção necessária para obtermos a resposta sobre o local realmente considerado como território. A busca demorou mais tempo a ser feita porque dependia das oportunidades de diálogo com as pessoas, contudo, pudemos obter respostas mais espon-tâneas e que confirmavam as informações provenientes da observação, considerando os fluxos e as interações existentes.

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VII. Análise das redes sociais08

Com o decorrer da observação e da aplicação dos métodos complemen-tares utilizados até então, as dimensões culturais que buscávamos no ambiente vinham se revelando de forma satisfatória em nossa pesquisa, com exceção de uma, que ainda tínhamos dificuldade em visualizar: o coletivismo. Considerando essa situação, percebemos que poderia ser a hora de utilizar um outro mecanismo de estudo: a análise das redes sociais. Este procedimento sinalizou alguns pontos da observação que deviam ser reforçados, e que posteriormente confirmaram o que a análise das redes sugeria.As redes sociais são conjuntos formados por “nós” e suas respectivas liga-ções (BORGATTI; FOSTER 2003). Os “nós” também são chamados de atores e, nas ciências sociais, podem ser representados por “sujeitos sociais” (MARTELETO; SILVA, 2004), como indivíduos, grupos ou organizações. A análise das redes parte do princípio de que são elas que estruturam as diversas dimensões do social (MARQUES, 1998), e para sua montagem são utilizados sociogramas, que, basicamente, são desenhos dos conjuntos formados pelos “nós” (atores sociais) e linhas entrelaçadas (ligações entre eles) 09. Contudo, é na montagem do sociograma que reside a principal adaptação que fizemos, para o seu uso em avaliações ambientais. Sua análise foi feita não em um sociograma morfologicamente abstrato, mas embasado no próprio suporte espacial, isto é, no próprio ambiente em estudo. As ligações entre os atores são analisadas na medida em que elas são refletidas espacialmente, gerando fluxos, servindo como vetores de apinhamento e conflitos espaciais, além de auxiliar na descoberta de grupos sociais superpostos aos grupos administrativos.Para a montagem das redes (que, em nosso caso, eram fechadas, definidas pela totalidade dos funcionários), utilizamos, além dos dados da observação,

08 Não se trata, aqui, de redes sociais digitais, mas de análises sociológicas muito anteriores à popularização da internet para interações sociais instantâneas. Ver Marques (1998); Guimarães e Melo (2005); Borgatti ; Foster (2003); Matheus e Silva (2006).

09 Há softwares específicos para montar o sociograma, são recomendados especialmente para redes com mais de 10 “nós” (GUIMARÃES; MELO, 2005), já que a dificuldade em sua montagem aumenta na mesma proporção da quantidade de “nós”.

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uma rápida entrevista individual com os funcionários que utilizavam os am-bientes observados, fazendo duas perguntas:

1. Com quem você normalmente tem que interagir para poder desenvolver seu trabalho?

2. Com quem você costuma manter vínculos sociais? (contato extra-trabalho).

As perguntas tinham por objetivo confrontar as ligações declaradas pelos próprios indivíduos com o que vinha sendo observado no uso dos ambientes, além de ajudar a esclarecer, dependendo do caso, por que o indivíduo de um determinado setor interagia mais com colegas de outros setores do que com os do seu próprio setor. De posse das respostas, fizemos um mapeamento espacial das relações sociais das empresas, para confrontar com as interações observadas; a partir daí, tornou-se mais clara para nós a percepção de um deslocamento ocorrido por necessidade do trabalho ou por mero contato social, que também tinha na empresa parte de seu suporte espacial. Podemos ver um exemplo de mapa de relações sociais de um dos setores dos escritórios analisados, na Figura 2.

Setor 1 Setor 2 (ego) Setor 3

2. Mapa das relações sociais partindo do Setor 2. As linhas partem das cadeiras com as cores correspondentes, mostrando a rede de relações sociais que aquele

funcionário mantém com os demais. As cadeiras em cor cinza no centro da sala são dos clientes, e a única cadeira de funcionário que também está na cor cinza

pertence a uma pessoa que não possui contato social com nenhum colega de trabalho. Fonte: autora.

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No exemplo, fica fácil a visualização de que há alguns funcionários no setor ego, no caso, o setor 2, que mantêm muitos vínculos sociais dentro da empresa, assim como também é possível facilmente perceber funcioná-rios de outros setores com os quais os funcionários do setor 2 não mantêm qualquer ligação social (mesas de outros setores que não recebem nenhu-ma linha). Com a aplicação da análise das redes sociais, findamos a incorporação de métodos complementares à observação em nossa proposta metodológica. Principalmente porque, com o leque de métodos utilizados, conseguimos perceber nos ambientes as dimensões culturais por nós procuradas – hie-rarquia, coletivismo, controle das incertezas e delimitação de territó-rios. Na proposta apresentada, é importante ressaltar que a complemen-taridade entre os métodos é fundamental para o sucesso das descobertas. A observação inicial desperta dúvidas, que podem ser total ou parcial-mente respondidas pelos métodos complementares e, posteriormente, são confirmadas novamente pela observação, em um ritmo de descobertas sequenciais. No entanto, sem a observação, os métodos complementa-res funcionam apenas de forma isolada, havendo pouca conexão entre as informações advindas de sua aplicação. Como informação adicional, acrescentamos que foge às possibilidades de tamanho do presente artigo a exposição dos rebatimentos espaciais das dimensões culturais, o que, no entanto, pode ser verificado em Brasileiro (2007).

Considerações finaisAs avaliações do ambiente construído têm representado uma maneira efi-caz de investigação e pesquisa, como forma de analisar e produzir conhe-cimento para fomentar novos projetos de arquitetura. Porém, argumenta-mos que além de parâmetros técnicos, o Homem também está sujeito a parâmetros subjetivos e culturais, não sendo passíveis de serem medidos com instrumentos que funcionem objetivamente, e esta é uma área do conhecimento em que não encontramos muitas pesquisas disponíveis. Por esse motivo, no âmbito de pesquisas desenvolvidas nos grupos LASC/PROARQ/UFRJ e ProLugar/PROARQ/UFRJ, tentamos, com este estudo, iniciar uma proposta metodológica que consiga se aproximar da análise das aspirações e dos aspectos culturais dos usuários de escritórios.

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Consideramos que, ao aplicar a proposta metodológica, um arquiteto terá mais informações para projetar ambientes mais adequados aos futuros usuários de seu projeto. Da mesma forma, entendemos que se a propos-ta não for utilizada, não será por esse motivo que o projeto não poderá ser um bom projeto de arquitetura, mas certamente, ao ser utilizada, ela contribuirá para que o projeto seja desenvolvido com maior sensibilida-de, com mais possibilidades de responder aos aspectos subjetivos de seus ocupantes. Dessa maneira, esperamos contribuir para ser a conformação dos ambientes de trabalho tal que estes não necessitem de modificações tão logo os usuários nele se instalem, pela falta de adequação cultural do meio ao Homem10.

10 Cabe também lembrar que toda esta proposta metodológica foi desenvolvida para uma determinada faixa econômica, e um determinado grupo cultural; portanto, a sua utilização em locais cujos hábitos ou a cultura sejam outros, é possível não ser a listagem de indicadores das dimensões culturais aplicável da forma na qual foi elaborada, podendo, no entanto, o pesquisador elaborar seus próprios indicadores, a partir de sua observação.

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Referências

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Alice Brasileiro é Professora Associada da Faculdade de Arquitetu-ra e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Departamento de Tecnologia da Construção. Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992), recebendo Dignidade Acadê-mica Cum Laude; mestrado (2000) e doutorado em Arquitetura (2007), ambos pelo Programa de Pós Graduação em Arquitetura da UFRJ. Participante dos Grupos de pesquisa certificados pelo CNPq Laboratório de Arquitetura, Sub-jetividade e Cultura (LASC), vinculado ao PROARQ/FAU/UFRJ e AMBEE/FAU/UFRJ, vinculado ao DTC/FAU/UFRJ. Tem experiência na área de Ar-quitetura, atuando principalmente nos seguintes temas: eficiência energética em edificações, habitação e aspectos culturais do ambiente construído.

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Um espaço sagrado para as religiões afro-brasileiras:

dimensões culturais e conflitos no Rio de

JaneiroClaudia Castellano de Menezes

A pesquisa que embasa o presente artigo teve por objeto o espaço físico público sacralizado por crenças religiosas afro-brasileiras no Rio de Janeiro, com en-foque em sua dimensão cultural e nas relações que se estabelecem entre os diversos atores que compõem a cena urbana, notadamente o segmento religioso e o poder público. Nos debruçamos, em nossa pesquisa, na compreensão de como o candomblé constrói sua espa-cialidade com base no sentimento de pertencimento, na apropriação espacial partilhada e nas possibilidades de diálogo e convívio nos espaços públicos florestados.

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Diferentes tradições religiosas realizam seus rituais na natureza, em espe-cial àquelas ligadas aos cultos afro-brasileiros (Umbanda e Candomblé). Para estes, o espaço natural — as áreas de clareiras, rios, córregos, cacho-eiras, lagos, matas, montes, pedreiras etc. — são locais propícios para a comunicação com suas divindades e território ideal para a realização de práticas religiosas. O Rio de Janeiro é uma cidade marcada pela presença de grandes massas verdes (arbóreas, arbustivas e frutíferas) localizadas em unidades de conservação, como é o caso do Parque Nacional da Tijuca (PNT), um espaço de Mata Atlântica situado em pleno coração da cidade do Rio de Janeiro e que, durante o calendário religioso, recebe um fluxo de adeptos cada vez maior para a realização das suas práticas rituais.O fato é que as práticas religiosas do segmento afro-brasileiro produzem resíduos, que interferem diretamente na paisagem e provocam danos potenciais e efetivos no meio natural gerando conflitos entre religiosos, sociedade e Estado. Nossa pesquisa nasceu a partir da preocupação da Secretaria do Estado de Ambiente (SEA) do Estado do Rio de Janeiro com a possível degradação dos espaços naturais na área de floresta urbana que faz parte do PNT e dos constantes conflitos motivados a partir das práticas de rituais afro-brasileiros. Para a SEA, era possível preservar as práticas religiosas a partir da manutenção de ações positivas de educação ambiental e preservação da natureza, ao mesmo tempo em que seria prati-cável atender aos desejos dos religiosos, com o reconhecimento, de forma oficial pelo Estado, desse espaço da Floresta da Tijuca que há muito tempo já era utilizado para a realização dos rituais.

A partir da etnografia dos eventos, observações de cunho etnográfico, croquis de campo, mapeamento das cosmolocalidades, reuniões e entrevis-tas com os sujeitos sociais envolvidos no projeto, informações midiáticas, fotografias e levantamento iconográfico, foi possível conhecer algumas lógicas culturais rebatidas no espaço e no seu uso e compreender como estes atores traçaram estratégias para implementarem o Espaço Sagrado da Curva do S, fazendo da própria natureza do parque urbano não só um palco passivo, mas um instrumento ativo que estrutura condições para novas relações e interações nos espaços.

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A ideia do Espaço Sagrado

Para as tradições ligadas aos cultos do segmento afro-brasileiros, as áreas florestadas possuem caráter sagrado e ganham destaque sobre todos os demais espaços urbanos de convívio público. Para os religiosos, o espaço natural é a representação imagética dos orixás, divindades do panteão afro-brasileiro e, por isso, considerados espaços de domínio dessas dei-dades. Esses diferentes ambientes e paisagens são carregados de signifi-cados e simbolismos, que compõem um território ideal para a realização de rituais e práticas religiosas, como as oferendas, reconhecidas pelos adeptos como presentes, agrados ou alimentos para as divindades. Essas práticas produzem resíduos, já que são utilizados elementos orgânicos que se deterioram e se tornam veículo de contaminação. Além disso, objetos são deixados no meio ambiente (embalagens, sacos, louças, garrafas etc.), causando poluição ambiental e colocando em risco tanto a vida dos fre-quentadores, quanto a fauna da região, sem contar, ainda, com as velas que são acesas nas raízes das árvores e ameaçam a flora, por contribuírem com possíveis incêndios na mata.

Na intenção de compatibilizar os interesses ambientais do Estado e a reivindicação dos religiosos do segmento afro-brasileiro, na busca por uma convivência pacífica e harmônica, que minimizasse os atos de intolerância e os conflitos causados, em virtude da realização das práticas religiosas e a consequente poluição ambiental, foi criado Projeto Meio Ambiente e Espaços Sagrados. Para estudar e viabilizar as propostas, foi formado um grupo de trabalho interdisciplinar e interinstitucional, que contou com a participação de representantes do PNT, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), da Secreta-ria Estadual de Educação, do Instituto Superior de Estudos da Religião (ISER), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), do Museu de Belas Artes e diferentes terreiros e organizações religiosas afro-brasileiras.No ano de 2004, por ocasião do II Seminário Meio Ambiente e Espaços Sagrados, lideranças religiosas, pesquisadores e técnicos ambientais, apon-taram a localidade para a implantação do Projeto do Espaço Sagrado: a

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Curva do S. Esse é um espaço público com uma área de 4.500m² de Mata Atlântica, localizada na Avenida Edson Passos s/nº, no Alto da Boa Vista. O local é uma floresta urbana com grande riqueza de flora e fauna, que possui ambientes diversificados com paisagens de cachoeiras, rios, relevos, platôs e matas. Na compreensão do grupo envolvido, a área apresentava as condições ide-ais para o estabelecimento de um espaço em que a religiosidade afro-bra-sileira fosse respeitada e reconhecida:

• por ser utilizada há muito tempo por praticantes das religiões afro-brasileira;• por apresentar pequena infraestrutura;• por abrigar os elementos naturais indispensáveis para a realização de rituais e oferendas;• por oferecer aos usuários privacidade e ter seus atra-tivos naturais longe da estrada e protegidos dos olhares de quem passa;• e estar de acordo com as consultas aos oráculos, estando, portanto, em concordância com os desejos dos orixás.

1. Localização da Curva do S no Parque Nacional da Tijuca no Rio de Janeiro. Fonte: Google Maps

(editado), 2014.

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De acordo com a Superintendência de Educação Ambiental da Secreta-ria do Estado de Ambiente (SEAM), a comissão interdisciplinar gestora do projeto do espaço sagrado propôs um projeto de arquitetura prevendo a construção de dois blocos em alvenaria, com vestiários e banheiros no meio do espaço de mata, que não foi aprovada por ser considerada “agres-siva” ao meio natural e de grande impacto ambiental e paisagístico na área. Em paralelo a esse fato, a proposta de transformar a área em Espaço Sagrado para uso ritualístico foi apresentada ao presidente do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP) e ao então Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro, César Maia.Em uma nota publicada no Jornal O Dia, no dia 1º de abril de 2004, o prefeito Cesar Maia se posicionou contrário à criação do que ele deno-minou “macumbódromo”01 na região do Alto da Boa Vista. Tal termo, impregnado de sentido pejorativo, consolidou a recusa da prefeitura à ideia proposta pelo grupo de trabalho.

O projeto, então, ficou suspenso até 2011, quando ganhou novo fôlego. Nesse ano, para o desenvolvimento das ações públicas e ações afirmati-vas, e com o objetivo de intermediar o diálogo entre os grupos distintos, a SEAM/SEA, em parceria com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), instituiu o Programa Ambiente em Ação e o Núcleo Elos da Diversidade, para regulamentar o espaço destinado a atender tanto à preservação da natureza quanto às práticas culturais associadas aos rituais das religiões afro-brasileiras. O projeto do Espaço Sagrado da Curva do S passou a ocupar uma pauta no governo do Estado do Rio de Janeiro, que pretendia que esse fosse um projeto piloto detonador de um programa maior a ser implantado em todo o país.Foi nesse contexto que a SEAM/SEA entrou em contato com nossa equi-pe do Laboratório de Arquitetura, Subjetividade e Cultura (LASC), com

01 Palavra derivada da “macumba”: antigo instrumento de percussão de origem africana, que era outrora usado em terreiros de cultos afro-brasileiros; designação genérica dos cultos afro-brasileiros originários do nagô e que receberam influências de outras religiões africanas, e tb. ameríndias, católicas, espíritas e ocultistas. (Dicionário Digital Houaiss). O termo, no entanto, é utilizado de forma pejorativa para designar os cultos e rituais da tradição afro-brasileira.

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vistas ao desenvolvimento de um projeto de intervenção urbana e paisa-gística que sustentasse, ao mesmo tempo, a cultura e a ambiência sincréti-ca característica do Rio de Janeiro (PINHEIRO, 2013).

A produção do Espaço Sagrado da Curva do S

O trabalho da equipe do LASC, envolvida na elaboração do Espaço Sagrado da Curva do S, sustentava que o projeto de intervenção urbana e paisagística poderia transformar-se em um meio de diálogo que reduzisse os conflitos no espaço público. Muitos desses conflitos têm origem na intolerância e, em grande parte, possuem forte motivação religiosa, envol-vem crenças e doutrinas que se misturam a fatores políticos, econômicos, culturais, raciais e étnicos.Para a elaboração do nosso projeto de intervenção, seria necessário pri-meiramente, compreender as lógicas culturais rebatidas no espaço, por meio de uma imersão nas vivências desse grupo religioso.

Quando da fundamentação sobre o tema e aprofundamento na questão das religiões afro-brasileiras, tivemos a certeza de que toda religião se ancora em um sistema de crenças, práticas e ritos em torno do Sagrado, do qual emanam sentimentos de identidade entre os membros do grupo que compartilham os mesmos valores, objetivos e visão de mundo. Todo esse processo dá origem ao que Hall (1997) define como territórios de afirmação de uma identidade cultural. A percepção dessa identidade cole-tiva possibilita estabelecer laços sociais, gerando reconhecimento (HALL, 1997) e também legitimidade cultural. Construídos por meio das relações sociais, os territórios de afirmação são essenciais para o processo de trans-missão e perpetuação da tradição e são visíveis a partir da apropriação de um espaço, seja de forma física ou simbólica.

Para o desenvolvimento de nosso estudo, nos debruçamos nas reflexões teóricas e analíticas de uma revisão bibliográfica feita mediante levan-tamentos de dados contidos nos projetos já desenvolvidos nas pesquisas do LASC, principalmente na temática da ambiência urbana e da ótica

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cultural, que nos permitiram priorizar uma dimensão mais simbólica e subjetiva do espaço.Adotamos o viés interdisciplinar, principalmente relacionada à interface entre a Arquitetura e Urbanismo e a Antropologia Urbana. Com o foco nesse diálogo interdisciplinar, nosso estudo contemplou as observações de cunho etnográfico, suporte para obtenção dos dados em campo. Aproxi-mamo-nos da Etnografia e sua variação, a Etnotopografia, como cunhada pelo LASC, aplicada para as pesquisas em Arquitetura e Urbanismo que envolvem grupos socioculturais em um determinado lugar. A análise et-notopográfica, estratégia adotada em nossa pesquisa, é um desdobramento do método etnográfico para uma “etnografia espacial” (BRASILEIRO, 2007). Está baseada no princípio de observação do espaço, possibilitan-do o entendimento do universo cultural que se modifica e se recria no local de estudo. Por meio da Etnotopografia, foi possível a compreensão de questões que apontem o sentimento de pertencimento e apropriação espacial entre as pessoas e lugares, a descrição de referências espaciais, aspectos morfológicos e visuais, além das observações relacionadas aos comportamentos e aos eventos (festas e rituais) que ocorrem no ambiente analisado, assim como a interpretação do Lugar envolvendo as ambiências, o universo cultural do grupo, seu ethos e visões de mundo.De forma semelhante ao etnógrafo que escreve em seu diário de campo, para o arquiteto, a expressão se dá por meio de desenho; sendo assim, du-rante a pesquisa de campo, nossas anotações foram registradas nos croquis de campo, uma ferramenta de observação e interpretação imediata, que nos permitiu compreender, através das configurações espaciais, as lógicas culturais do espaço da Curva do S e seu uso.

A observação direta e participativa nos permitiu intervir em ações como a preparação de relatórios, organização de oficinas e na elaboração da carti-lha Cuidando das florestas e das águas, que orienta os adeptos do segmen-to afro-brasileiro a executar suas práticas culturais/religiosas em unidades de conservação e áreas naturais protegidas por lei.As entrevistas e reuniões com sacerdotes, sacerdotisas e técnicos ambien-tais eram momentos de discussão teórica e técnica sobre o projeto, apre-sentando os resultados alcançados nas etapas já realizadas e traçando os

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próximos passos e estratégias a serem seguidas para a materialização do Espaço Sagrado da Curva do S.

A fotografia, quando permitida pelos religiosos, foram de grande rele-vância em virtude da agilidade com que os registros puderam ser feitos. O fato de registrar momentos capturando detalhes e elementos, que por vezes são despercebidos em decorrência dos limites temporais que a pes-quisa sempre impõe, nos permitiu armazenar informações e recorrer a elas para análises posteriores.

O mapeamento das cosmolocalidades, os levantamentos iconográficos e as informações midiáticas nos auxiliaram na compreensão do espaço sagrado e nas relações sociais travadas entre os diferentes indivíduos.A partir de tais procedimentos, foi possível desvendar os territórios apre-endidos pelo ritual religioso e os ambientes que compõem os valores do sistema religioso afro-brasileiro, sua apropriação, manutenção, organiza-ção, além da interpretação das ambiências e do sentido de pertencimento, a luta pela legitimação cultural e espacial das paisagens constituídas pela ideia de “espaço sagrado” e a dinâmica das relações sociais e dos conflitos no espaço urbano.

O Espaço SagradoDurante o período de pesquisa de campo, observamos os locais da Curva do S muito utilizados pelos religiosos para a realização dos rituais. Esses lugares foram estudados a partir do conceito das cosmolocalidades ela-borado por Silva (2013), para compreender os significados desses espaços específicos. De acordo com a autora, as cosmolocalidades são espaços demarcados por elementos simbólicos, imateriais e espirituais, que perpas-sam os campos territoriais e identitários. Verificamos, na Curva do S, que a entrada, o caminho, o rio, as cachoeiras, a pedreira, uma árvore são locais reconhecidos pelos religiosos da tradição afro-brasileira como um local de influência de uma deidade/divindade e/ou energia mística, designando um ponto de força, território ou o domínio espacial específico do sagrado.

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Algumas cosmolocalidades nos foram apontadas por um babalawô02, que acompanhava nossas visitas em campo, outras, no entanto, foram facilmente identificadas pela apropriação material efetuada por meio de objetos com valor simbólico e oferendas, como a cosmolocalidade do orixá Exu, orixá de origem yoruba, que aparece nos mitos como divindade da comunicação, dos caminhos, percursos e encruzilhadas. Bastide (1971) explica que Exu é mensageiro entre as divindades e entre o ser humano e as divindades, sendo, portanto, o responsável por fazer a ponte entre este mundo e mundo dos orixás, especialmente durante as consultas aos oráculos (PRANDI, 2001), e sempre o primeiro a receber as oferendas para acalmá-lo e dele obter a promessa de não perturbar a boa ordem da cerimônia que se aproxima (VERGER,1981). A cosmolocalidade de Exu foi a primeira que desvendamos. Uma árvore logo no acesso de entrada para o interior da Curva do S é o local onde os religiosos deixam oferen-das e acendem velas.

Outras cosmolocalidades observadas na Curva do S:

Oxóssi (divindade das matas e florestas), Ossaim (das folhas), Obaluayê/Omulu (da terra), Xangô (da pedreira), Yansã/Oyá (do bambuzal), Oxum (das águas – cachoeiras), Yemanjá (das águas – cachoeira), Oxalá (das águas celestes – cultuado também na cachoei-ra), Nanã (das águas – cachoeira).

02 Babalawô: entre os iorubas, sacerdote dedicado ao culto de Ifá, epifania da adivinhação. No Brasil, guiaespiritual de certos candomblés jejes-nagôs dedicado a Ifá.

2. Cosmolocalidade de Exu. Fonte: Arquivo da autora,

2013.

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As cosmolocalidades do Espaço Sagrado da Curva do S englobam ele-mentos físicos, sensações térmicas, lumínicas, sonoras, culturais e subjeti-vas que envolvem o ambiente e seus ocupantes (DUARTE et all, 2008), constituindo a ambiência ritual. Esta é uma construção simbólica moldada de acordo com crenças, hábitos e a visão de mundo do grupo afro-brasilei-ro que desperta no religioso sua vertente afetiva e emocional, motivando a apropriação espacial, o sentimento de pertencimento e a afetividade. Dessa forma, possibilita uma vivência e uma percepção diferente do coti-diano, que geram sensações que afetam o corpo produzindo como respos-ta experiências que fazem com que as pessoas experimentem a essência material e espiritual de forma integrada, mergulhando o indivíduo num estado de tensão e excitação e provocando reações corporais induzindo, inclusive, à experiência do transe. Essas ambiências não devem abordar o espaço apenas como uma “(...) matéria que deve ser percebida, mas também

3. Planta das Cosmolocalidades na Curva do s. Fonte: arquivo da autora, 2016.

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como um instrumento social no espaço (...)” (AUGOYARD, in THIBAUD, 2004, p. 25) que influenciam as relações e também os conflitos.A observação dos rituais de iniciação e de festas realizadas nas diferentes cosmolocalidades nos forneceu importantes dados sobre as lógicas de ocu-pação do espaço, e isso tudo foi levado em conta na elaboração do projeto de intervenção urbana e paisagística, por exemplo, a festa realizada para os orixás infantis03.

Nossa proposta de projeto de intervenção urbanística e paisagística pro-curou abordar a área da Curva do S como um espaço cultural público, a ser usufruído por todos, independentemente da questão religiosa, e que funcionasse como um ponto de encontro e lazer dos cidadãos da cidade do Rio de Janeiro. Além de respeitar as especificidades do espaço, consi-derado sagrado para alguns, buscamos resolver as questões de degradação ambiental, uma vez que esta era uma das principais razões dos conflitos com os demais frequentadores do local.

O projeto de intervenção na Curva do S primou pela mínima intervenção possível no espaço natural, prevalecendo o principal valor: a natureza local. Utilizou materiais naturais e propôs oficina de separação e reciclagem do material usado nas oferendas (como utensílios de barro e louça), o reapro-veitamento de velas através de reciclagem e renovação do material, a criação de uma área para composteira, com a finalidade de trans-formação dos resíduos orgânicos em adubo, a formação de um “berçário” para a distribui-ção de mudas de plantas utilizadas em rituais, como “jardim das folhas sagradas”, doissanitários e vestiários acessíveis, além de deta-lhes como as “golas” com nichos em pedra ao

03 Orixás infantis: Erês (no candomblé) e Ibejis (na umbanda).

4. Festa para os orixás infantis.

Fonte: LASC, 2013.

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redor das árvores, que poderiam ser utilizados como bancos e para a colo-cação das oferendas e velas, respectivamente, evitando, assim, um prejuízo ambiental.O projeto foi apresentado em diversas instâncias, em terreiros e eventos realizados em locais públicos e privados, além de ser largamente veiculado na mídia impressa e digital, tendo sido aprovado por religiosos, sociedade civil, ambientalistas e o poder público.

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5. Golas ao redor das árvores. Fonte: LASC, 2019.

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ConflitosApesar do Brasil ser um país laico, a partir do Decreto nº 119-A, de 07/01/1890, e essa condição estar mantida por dispositivos na Constitui-ção Federal promulgada em 1988, e dos diálogos travados por anos entre Estado, religiosos e sociedade civil, ocorreu uma reviravolta que compro-meteu toda a concretização do projeto: houve uma mudança no pano-rama político no ano de 2014. Com a saída do então secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro, Carlos Minc, assumiu o cargo o deputado Índio da Costa, político com diferentes interesses e comprome-tido com a bancada política vinculada a grupos evangélicos. Seguindo, portanto, a orientação de seus apoiadores e atendendo à solicitação de sua bancada partidária, o novo secretário vetou a continuação do projeto do Espaço Sagrado da Curva do S.

Como as políticas públicas são propostas de acordo com os interesses políticos, o projeto de implantação do Espaço Sagrado da Curva do S, nascido a partir da negociação e do diálogo entre os grupos diferentes, foi atingido pela postura rígida das autoridades públicas. Retomando as pala-

6. Master Plan. Fonte: LASC, 2019.

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vras da superintendente Lara Moutinho da Costa, o projeto, voltado para “o enfrentamento da intolerância religiosa e a proteção contra a degradação ambiental associado ao uso religioso da natureza”, que buscou delinear iniciativas da gestão pública que respeitassem e garantissem a diversidade das expressões culturais em observância às necessidades de conservação da natureza, “não saíram do papel e foram engavetados”.

À guisa de conclusãoToda a dúvida e a incerteza do momento final do projeto e dos novos rumos que a política tomou fortaleceram a certeza dos religiosos de que, para seguir em frente com a “luta”, é preciso união para articular e restabe-lecer alianças e traçar novas estratégias de atuação e possibilidade de diá-logos e convívios no espaço público, visibilidade e legitimação da tradição, respeito e direitos dos religiosos no meio urbano.A intolerância pública/individual lançada sobre diversos grupos religio-sos, geralmente materializada em recortes espaciais, selou o fim de todas as atividades relacionadas à educação ambiental e a efetiva construção e

7. Acesso ao Parque, baseado em projeto final do Espaço Sagrado da Curva do S. Fonte: LASC, 2019.

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operacionalização do projeto do Espaço Sagrado da Curva do S. Entre-tanto, esse fato não impediu que o segmento afro-brasileiro continuasse se articulando, se reconstruindo e reafirmando sua identidade por meio das ambiências geradas por suas práticas nos espaços públicos urbanos, sendo isso também uma forma de autoproteção identitária por meio da apro-priação do espaço, comprovando que a luta pela sobrevivência do uso e das práticas adotadas pelo candomblé passa por muitos níveis de permissão social, reiterando que é justamente na força da ambiência que reside o valor de permanência.

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Claudia Castellano de Menezes é Arquiteta e Urbanista, possui doutorado (2017) e mestrado (2012) em Arquitetura, ambos com bolsa da CAPES pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e graduação em Arquitetura e Urbanismo (1988) pela Universidade Santa Úrsula, dedicando anos de experiência profissional em projetos de arquitetura, de interiores e acompanhamento de obras. Atuan-do no ensino da graduação desde 2013, integra o quadro de docentes do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Gama e Souza, além de integrar o grupo de pesquisas no Laboratório Arquitetura, Subjetividade e Cultura do Programa de Pós-graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LASC/PROARQ/UFRJ) abordando os temas: ambiências urbanas, percepção do ambiente, espaço urbano e cultura urbana.

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Etnotopografia e o morar: desafios de uma

imersão experiencial

01 Grupo de pessoas que optam por viver junto para realizar seu estilo de vida compartilhado ou propósito comum (CHRISTIAN, 2003). Desenvolvidas intencionalmente, diferem-se das comunidades naturais e espontâneas.

Estela Almeida

Esta pesquisa de mestrado teve como objeto de estudo a moradia urbana em casas comunitárias, um tipo de habitação recente e crescente nas cidades bra-sileiras. Englobado no movimento de comunidades intencionais01, em geral, as casas comunitárias urbanas são formadas por um grupo, em torno de cinco a dez integrantes, que não necessariamente têm vínculos de amizade entre si. Trata-se de pessoas que se juntam para viver em uma mesma residência, cujos quartos são individuais, em sua maioria, ou compartilhados, e os demais ambientes de uso comum. Apesar de se asse-melhar a outras moradias coletivas como, por exemplo, as repúblicas – similares na estrutura, mas baseadas primordialmente na economia de gastos –, o que move esses moradores é essencialmente um ideal de vida co-munitário. Logo, o espaço construído não tem a finali-dade principal de abrigo provisório de baixo custo; ao contrário, ganha protagonismo. O lugar vira condição essencial para tal proposta de vida, meio pelo qual ele se torna possível (MERLEAU-PONTY, 1945) e onde as interações e o convívio social pretendidos se desen-volvem visando a construção do ambiente comunitá-rio.

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Importante ressaltar que a casa comunitária não se limita à moradia, pois, além de frequentemente contemplar o ambiente de trabalho dos morado-res, também é utilizada para atividades abertas ao público, como palestras, cursos, festas e saraus. Algumas casas possuem um quadro de atividades fixas, com aulas de yoga, dança, teatro, entre outras, que não necessaria-mente são oferecidas pelos próprios moradores. Há abertura para propos-tas de pessoas de fora e, então, a realização se dá de forma conjunta. O tema emerge do interesse sobre a complexa relação entre indivíduo e espaço construído. A ciência do surgimento de inúmeras casas comuni-tárias em diversas capitais do país revelou-se para a pesquisadora como um fato relacionado ao estudo pessoa-ambiente, já que a busca desses sujeitos por determinada moradia é motivada por uma ânsia por mudança de comportamento pessoal e de modo de vida nas grandes cidades. Logo, a casa comunitária assume a condição de elemento influenciador de seus moradores. Embora haja um questionamento sociocultural abrangente, não especificamente direcionado à moradia, a proposta adotada só se reali-za por meio do suporte espacial constituído pela casa. Assim, indagamo--nos sobre os possíveis significados simbólicos da casa comunitária, nos quais se apoiam esses movimentos urbanos em busca de um reposiciona-mento frente à metrópole contemporânea.

1. Palestra na ACasa, Cosme Velho, Rio de Janeiro.Fonte: Acesso em 2018, disponível em: https://www.facebook.com/acasacomunidade.

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Sem a pretensão de enquadrar formalmente tal modo de morar, o que visamos foi compreender as aspirações e demandas espaciais dos indiví-duos que, por meio do ambiente construído habitacional, buscam novos significados para o morar urbano e para a construção identitária do grupo e de si mesmos. Na esfera do debate sobre a produção contemporânea dos espaços e das novas configurações domésticas, a pesquisa foi realizada junto a duas casas comunitárias localizadas na cidade do Rio de Janeiro, em busca dos significados desse habitar como espacialização cultural e subjetiva dos moradores. Por meio do método etnotopográfico02, nosso objetivo foi investigar a construção desse modo de morar emergente na metrópole contemporânea, compreendendo seu processo de Moldagem do Lugar03 no espaço construído escolhido para tal moradia. Nesse recorte da pesquisa, abordaremos o desenvolvimento da metodologia aplicada, relatando os desafios de conciliar a pesquisa etnotopográfica a um objeto de estudo de natureza doméstica.

Construção metodológicaDesde o princípio, a intenção foi estudar o tema a partir da etnotopogra-fia, em alinhamento com os estudos desenvolvidos pelo LASC/UFRJ. Segundo Duarte (2011), aliado à metodologia tradicional de pesquisa em arquitetura, um estudo de cunho etnográfico é necessário para a compre-ensão da experiência urbana. No entanto, por ser o objeto de estudo uma residência, o desenvolvimento da metodologia foi um ponto de especial atenção para a pesquisadora. Como realizar uma observação profunda, produzir uma “descrição densa” (GEERTZ, 1973), sendo o lugar em questão uma moradia? Projetando a situação planejada inicialmente, de visitas constantes às casas, questões como invasão de privacidade, cons-trangimento e perda da naturalidade se apresentavam como obstáculos.

02 Ao conjunto de métodos que tomam as bases das ciências sociais para interpretar os espaços construídos temos denominado “etnotopografia”. A Análise Etnotopográfica se relaciona a uma aplicação de estudos de um grupo sociocultural em um determinado lugar, com base e suporte no espaço em si (DUARTE, 2011).

03 Referente ao processo como objeto de interesse, considerando Moldagem como metáfora do processo que leva o espaço a ser um Lugar (DUARTE, 1993).

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Por isso, a ida a campo, ainda que informalmente, fez-se necessária já du-rante o desenvolvimento teórico, para vislumbrar possíveis soluções para a prática metodológica.

etnografia, etnotopografia e arquitetura

A influência de um método oriundo da antropologia é plausível ao depararmos com um objeto de estudo tão atual. Como a pesquisa esta-va relacionada a questões contemporâneas e carecia de material teórico diretamente ligado ao tema, o cunho etnográfico – testemunho direto de uma atualidade presente (AUGÉ, 1992) – teve papel primordial. Segundo Malinowski (1922), o objetivo fundamental da pesquisa etnográfica de campo é compreender o esquema básico de vida dos observados, sendo imprescindível que os fenômenos culturais sejam analisados na totalidade de seus aspectos. O objeto da etnografia é esse conjunto de significantes que produz os fenômenos – tornando-os fatos culturais – e que permite que sejam percebidos e identificados, cabendo à pesquisa indagar o que está sendo transmitido com a sua ocorrência e através de sua agência (GEERTZ, 1973). Direcionando o método para a arquitetura, chega-se à observação dos lugares a partir dos usos dos grupos sociais. Duar-te (2011) analisa que a descrição etnográfica depende das qualidades de observação, sensibilidade ao outro e conhecimento sobre o contexto estudado, e destaca a importância do método, pois os espaços criados pelas pessoas frequentemente “falam” mais fielmente sobre sua dinâmica de uso do que suas próprias palavras. A etnotopografia utilizada teve embasamento no interacionismo simbóli-co04, que fundamenta-se em três premissas: o sujeito dirige suas ações para os objetos de acordo com o que significam para ele; o significado desses objetos surge como consequência da interação social mantida com outras pessoas; os significados são modificados por um processo interpretativo desenvolvido pelo sujeito a partir de suas interações. Entendendo por

04 Termo cunhado por Blumer (1982), desenvolvido a partir de formulações de Mead (1934), em referência a uma abordagem do estudo de grupos humanos e seu comportamento.

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objeto tudo o que pode ser percebido – como pessoas e espaços – tal abor-dagem mostra-se pertinente nesta pesquisa, pois, a princípio, observava-se nas casas comunitárias uma alteração nos usos (sob a forma de intera-ções espaciais) socialmente estabelecidos de uma moradia, admitindo-se outros significados envolvidos. Por interação, consideramos não apenas o processo entre moradores – decorrente das possibilidades propiciadas pelo espaço –, mas também a própria interação simbólica entre morador e ambiente construído. Assim, interpretamos a casa como possível elemento de orientação e produção de visão de mundo para os moradores.

primeiras abordagens

No momento inicial da pesquisa, embora houvesse dúvidas metodoló-gicas, não nos ocorria que sua execução encontraria dificuldades em ser aceita pelos moradores das casas comunitárias, afinal, a postura delas é de receptividade e abertura a experiências. Além dos eventos que promovem, predispõem-se a receber visitantes para uma simples conversa ou para de-senvolver algum projeto dentro da proposta colaborativa. Em sua essência coletiva, estima-se que a casa inspire a participação do outro, visando uma transição social urbana. Ainda no início do estudo teórico, quando algumas questões prosseguiam difusas em relação ao objeto de estudo, o direcionamento sugerido para a pesquisadora era que logo iniciasse o contato com as casas possíveis de serem estudadas. Com a hesitação habitual dos primeiros meses de pes-quisa, a insegurança de proceder de maneira equivocada, comprometendo talvez preciosos contatos, criou certa tensão sob a primeira tentativa de abordagem. Iniciamos comparecendo em eventos ocorridos fora das casas e divulgados ao grande público, como debates e palestras a respeito do modo de morar, nos quais moradores de algumas casas estavam envolvi-dos. A pesquisadora sempre se identificou a partir do interesse no tema, principalmente por motivos acadêmicos. Após o evento, explicava melhor a intenção da pesquisa, buscando consolidar contatos. Sempre houve uma recepção atenta e respeitosa pelos moradores, mas uma espécie de resis-tência permeava as primeiras abordagens, impedindo que o contato re-

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sultasse em uma visita à casa. Por isso, a primeira ida a campo foi na Casa Anitcha05 que, por questões de proximidade, já havia sido visitada pela pesquisadora antes mesmo da intenção de desenvolver a pesquisa acadê-mica. Isso porque, antes de se tornar uma moradia comunitária em 2016, já era desde 2008 uma casa colaborativa, promovendo atividades ligadas, principalmente, à sustentabilidade.

Tal visita foi em um evento propício à pesquisa: uma roda de conversa sobre o movimento de moradias comunitárias, na qual pessoas interes-sadas no assunto pudessem tirar suas dúvidas sobre o funcionamento da casa e trocar suas impressões. Durante a conversa, uma pergunta feita pela pesquisadora – que já havia identificado suas motivações acadêmi-cas – não foi bem recebida. A falta de tato de iniciante, sobretudo em método empírico, levou ao ímpeto do questionamento com uma possível sombra de julgamento. Uma palavra mal interpretada foi o suficiente para uma reação mais enfática de um morador, o que apresentou por ora duas situações. Primeiro, que a experiência da pesquisa etnográfica certamente necessitaria, e provavelmente acarretaria, em uma reflexão sobre a postura de pesquisadora.

05 Após a formação do grupo e sua acomodação no espaço escolhido, há a definição de um nome que identifique a casa de acordo com os valores pretendidos pelos sujeitos.

2. Roda de conversa na Casa Anitcha, Grajaú, Rio de Janeiro. Fonte: Acesso em 2019, disponível em: https://www.viradasustentavel.org.br

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Situar-nos, um negócio enervante que só é bem-sucedido parcialmente, eis no que consiste a pesquisa etnográfica como experiência pessoal. Tentar formular a base na qual se imagina, sempre excessivamente, estar-se situando, eis no que consiste o texto antropológico como empreendimento científico (GEERTZ, 1973, p. 10)

Para observar mais e supor menos, a comunicação clara e isenta tornou-se, também, uma grande preocupação e finalidade. Relembrando Evans-Pri-tchard (2005, p. 300), ficou explícito na prática que “o que se traz de um estudo de campo depende muito do que se leva para ele”. O segundo ponto foi perceber que a questão acadêmica era outro empeci-lho na entrada em campo. Ainda sem saber sobre a ocupação da pesquisa-dora, uma moradora alertou em sua fala para a importância da valorização da vivência em si entre as pessoas que estão tentando construir uma nova forma de vida no meio urbano. Disse que era necessário sair do discurso e das preocupações acadêmicas para vivenciar a transformação pretendida, pois somente por meio da experiência vivida seria possível esse entendi-mento e, portanto, essa construção.

imersão experiencial

Após as primeiras abordagens sem sucesso, buscamos ampliar a identifica-ção de casas comunitárias na cidade. Até então, nossa sugestão era realizar a pesquisa por meio de seguidas visitas durante o período integral do dia, ou seja, por determinado período, a pesquisadora visitaria diariamente o espaço. Após negociações sem sucesso com duas casas, compreendemos que nossa abordagem com propósitos acadêmicos, e determinado objetivo explicitado, não era compatível com o caráter comunitário e experimental dos grupos, em busca de soluções de vida e convívio social. Ainda que, por motivos éticos, não houvesse a hipótese de omitir o viés acadêmico do contato, demonstrava-se necessário um envolvimento menos formal e pragmático entre pesquisador e casa. O cunho etnográfico da pesquisa tornou-se cada vez mais evidente, revelando a enorme diferença entre relacionar-se esporadicamente com o objeto de estudo e estar efetivamen-

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te em contato com ele (MALINOWSKI, 1922). Além disso, ponderando sobre a aplicação dos instrumentos possíveis para utilização em campo, ficou clara a imprescindibilidade da pesquisa ser realizada a partir de uma verdadeira imersão. Como as casas habitualmente recebem visitantes interessados no modo de morar, buscamos uma estratégia que minimizas-se o aspecto intrusivo da metodologia. Assim, foi definida a realização da pesquisa de campo a partir de uma imersão como moradora temporária de duas casas, pelo período de duas semanas em cada, utilizando essencial-mente a observação etnotopográfica, no intuito de identificar as questões vivenciadas em termos espaciais, culturais e subjetivos. Com a vivência cotidiana, não se faria necessária a aplicação dos instrumentos metodoló-gicos durante todo o tempo de estada na casa, evitando o constrangimen-to dos moradores e favorecendo o caráter neutro da pesquisadora, então mesclada à rotina. Devido a essa decisão metodológica, tornou-se evidente a inviabilidade do não envolvimento entre pesquisador e objeto de estudo. Logo, optamos por enaltecer o caráter subjetivo da pesquisa, admitindo a inadequação de uma pretensa neutralidade. Consideramos, assim, a influência da aborda-gem experiencial que, segundo Rheingantz et al. (2009), destaca a vivência do pesquisador observador em um determinado ambiente em uso, na qual este também se torna sujeito de uma experiência produzida no processo de interação com o ambiente e seus usuários. No entanto, assumimos o caráter de imersão da pesquisa, já que enquanto abordagem trata de uma “forma de aproximação”; imergir é “embrenhar-se”, “ficar concentrado em”, “deixar de ser visto”. A partir de um olhar mais de perto, é possível que a própria experiência subjetiva revele descobertas e significados da interação produzida nos lu-gares. No entanto, a imersão experiencial demanda alguns cuidados, como a consideração do “período de impregnação” (COSNIER, 2001), quando ocorre a familiarização do observador com o ambiente e o inverso. É im-portante iniciar a pesquisa de campo apenas observando, à medida em que as interações se naturalizem. Outro desafio é o maior envolvimento entre pesquisador e campo, principalmente em imersão sob forma de moradia. Se faz necessário manter um distanciamento mínimo para que haja estra-nheza ao relatar determinados fatos (BRASILEIRO, 2007), o que torna

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a utilização do caderno de campo06 ainda mais imprescindível. Como na observação por longos períodos pode haver um envolvimento excessivo do pesquisador, a ponto de não mais perceber atividades e fatos significativos para a investigação, as reflexões pessoais cotidianas e as próprias sensações afetivas registradas também servem, na posterior análise, para a elucidação do caráter científico de cada relato.

a primeira imersão

Para compreender melhor as questões significativas na análise da rela-ção entre moradores e casa comunitária, bem como para a definição dos métodos aplicados de acordo com a observação etnotopográfica, optamos por ir a campo ainda no desenvolvimento da fundamentação teórica. Já na intenção de realizar a pesquisa como moradora temporária, conseguimos o contato de uma casa até então não contactada, a Casa Ânima. Após al-gumas semanas de tentativas de contato frustradas, conseguimos em uma ligação telefônica explicar de forma mais clara a pesquisa e, enfim, marcar uma visita à casa, em um dia de evento público. De imediato, essa entrada em campo causou o estranhamento necessário para a imersão científica, conforme expressa o relato:

Enquanto outras comunidades intencionais associam como “comunidade” apenas vizinhos próximos, valorizando a inte-ração com aqueles que se conhece e convive cotidianamente, me parece que os moradores da casa comunitária entendem o conceito como algo maior, estendendo essa concepção à estrutura urbana. A abertura e disponibilidade da casa aos desconhecidos interessados é algo frequente e habitual. Após a última reunião presenciada, refleti sobre a situação quase inimaginável que havia ocorrido de maneira trivial há poucas horas: no Rio de Janeiro, em um bairro com altos índices de assalto, cerca de 50 pessoas estavam assistindo a

06 Referência da etnografia, o caderno de campo é utilizado também na etnotopografia como suporte à observação, evitando posterior esquecimento. Serve para o relato do que é visto e sentido pelo pesquisador, permitindo considerar a própria experiência subjetiva.

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uma palestra em uma casa com muro baixo e portão aberto. Em um nível superior à rua e em grande parte envidraçada, qualquer um de fora era capaz de visualizar muito bem o movimento da casa, localizada em uma rua sem saída, resi-dencial e sem quase movimento de pedestre. Várias pessoas atrasadas para a palestra entravam diretamente, o acesso era totalmente liberado. Em nenhum momento qualquer pessoa parecia demonstrar receio de tal situação, muito menos os moradores. Nos momentos de intervalo, as pessoas, desco-nhecidas umas das outras, conversavam naturalmente, até sobre questões íntimas. Ao final, homens e mulheres ofere-ciam e combinavam caronas. Estranhos, confiando uns aos outros. Aquelas 50 pessoas não moravam ali, estavam apenas momentaneamente presentes naquela casa, mas, de alguma forma, aquele lugar compartilhado parecia influenciar a todos, criando uma experiência comunitária por algumas horas. (Trecho do caderno de campo referente à etnografia realizada em 20/02/2018, na “Apresentação mensal de Comunicação Não-Violenta no Rio de Janeiro”, realizada na Casa Ânima.)

Após conversarmos pessoalmente e chegarmos a um acordo de datas, a imersão foi realizada no mês seguinte. Consonante com a ideia de Evans--Pritchard (2005), sobre a necessidade de um exigente treinamento para que se saiba como e o que observar em uma pesquisa de campo, determi-nada experiência inicial foi fundamental para definir in loco os métodos mais adequados. A intenção foi vivenciar os primeiros dias sem aplicar instrumentos metodológicos, entendendo que o início da primeira vivên-cia seria mais produtivo, permitindo que a observação etnotopográfica guiasse o desenvolvimento da pesquisa de campo. Porém, estávamos aten-tos às ocorrências durante a primeira imersão, podendo aplicar ferramen-tas complementares de acordo com as demandas observadas. Ao longo da imersão, compreendemos que a realização ideal da pesquisa estava baseada na observação etnotopográfica cotidiana, por isso, houve necessidade de permanência da pesquisadora na casa praticamente todo o tempo durante as duas semanas de imersão. Além de afinar os instrumen-tos metodológicos pensados anteriormente, a vivência na Casa Ânima foi essencial para ajustar algumas posturas da pesquisadora. Ficou evidente a inadequação de andar pela casa com o caderno de campo à mostra, o que

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poderia constranger e atrapalhar o contato com os moradores. Também interpretamos como acertada a decisão de respeitar o período de im-pregnação, sem aplicar durante este ínterim nenhum instrumento, fora a observação. Acreditamos que o fato de não ter feito de pronto medições, desenhos e perguntas mais assertivas contribuiu para a maior naturalidade na interação entre morador e pesquisadora. Alguns moradores, inclusi-ve, manifestaram o “esquecimento” da pesquisa, conforme registrado no caderno de campo:

H. comenta que eu estou “muito moradora”, que ele sente como se eu realmente estivesse morando na casa. K. concor-da, falando que já tinha me dito isso. (Trecho do caderno de campo referente à etnografia realizada em 18/03/2018 [10º dia de imersão] na Casa Ânima.)

Após o período de impregnação, quando as questões mais significativas para tal modo de morar já estavam evidenciadas, foram determinados os instrumentos complementares a serem utilizados: mapeamento de mani-festações07 e entrevistas.

07 Ferramenta que espacializa em planta as expressões de afeto, repulsa e qualquer outro evento social que ocorra em campo (DUARTE, 2011).

3. Confraternização entre pesquisadora e moradores durante a imersão experiencial na Casa Ânima, Tijuca, Rio de Janeiro. Fonte: Arquivo Casa Ânima, 2018.

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O mapeamento das manifestações atentou para a relação entre indivíduo/grupo e espaço construído. Visamos, por meio dele, identificar as dinâ-micas de uso e pontuar as interações vivenciadas pelos moradores com o espaço, com a indicação da ocorrência de apropriações, expressões de privacidade e condutas individuais e coletivas. A aplicação do instrumento se deu regularmente, tanto durante a rotina cotidiana residencial, quanto nos eventos, quando buscou-se mapear o comportamento dos moradores em momentos “públicos”, assim como dos visitantes que, nessa ocasião, encontravam-se imersos na vivência da casa.

4. e 5. Plantas sínteses resultantes do mapeamento das manifestações realizado na imersão na ACasa, Santa Teresa, Rio de Janeiro. Fonte: Autora, 2018.

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Durante a experiência, percebemos que seria necessária a aplicação de dois tipos de entrevista: a informal, de maneira contínua à imersão, e a semies-truturada, ao final da pesquisa na casa. Com a realização das atividades cotidianas em conjunto com os moradores, assuntos rotineiros motivavam opiniões sobre pontos importantes, imbuídas de informações oportunas para a pesquisa. Método fundamental para a apreensão de fatos ligados à história pregressa do grupo, os questionamentos informais foram feitos após o surgimento de dúvidas na observação (BRASILEIRO, 2007). Desta maneira, evitamos indagações gratuitas e incoerentes, que poderiam desgastar a relação com os moradores. Ao final da imersão, após consoli-dada a presença constante da pesquisadora no ambiente e contribuindo para a construção de um sentimento de confiança (BRASILEIRO, 2007) junto aos moradores, foram realizadas as entrevistas individuais semies-truturadas. Sua realização na parte final da pesquisa possibilitou que as perguntas desenvolvidas estivessem de acordo com as observações obtidas durante a imersão e, por isso, tratando de questões específicas pertinentes para determinado grupo e/ou indivíduo. Após o término da imersão, o caderno de campo e as entrevistas transcri-tas foram analisados de acordo com os principais temas que emergiram, cada um destacado com uma cor de grifo, resultando na elaboração de ca-tegorias de análise. Para agregar à escrita a dimensão experiencial propos-ta, optamos por ressaltar nas análises os trechos produzidos nas entrevistas e relatos do caderno de campo. Nesse recorte, não abordaremos as desco-bertas imersivas, mas cabe frisar que as análises da observação etnotopo-gráfica revelaram inúmeros fenômenos espaciais ocorridos cotidianamente em ambas as casas comunitárias visitadas.

6. e 7. Páginas grifadas do caderno de campo da pesquisadora e da transcrição das entrevistas realizadas nas imersões na Casa Ânima e ACasa, Rio de Janeiro. Fonte:

Autora, 2018.

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Considerações finais

“será que é possível ter um espaço, uma casa, onde a gente teria as mesmas bases e princípios de vida compartilhada, de comunidade, só que no espaço urbano?”. Me fiz essa pergunta e falei “essa é a oportunidade de experimentar que resposta possível essa pergunta teria. Ou que novas pergun-tas iam surgir a partir dessa pergunta”. Só que experimen-tando, vivendo. (Trecho da entrevista realizada na A Casa com o morador T.)

A partir desse relato de um morador entrevistado, fazemos um paralelo com o processo da pesquisa. Ao iniciarmos esta trajetória, a grande ques-tão latente era sobre a factibilidade da moradia comunitária urbana: como se dava e qual seria a relevância do espaço construído na construção da comunidade. Ao longo da experiência de campo, enquanto essas questões se elucidavam, outras reflexões mais abrangentes surgiam. A partir da real vivência do modo de morar, novas perguntas afloraram daquela originária que levou a essa verdadeira imersão. Foi crucial para a pesquisa o momento da compreensão de adequar a metodologia ao objeto de estudo. Algumas ocasiões foram necessárias para vislumbramos que só poderíamos prosseguir com sucesso se alçásse-mos o tema à prioridade absoluta, renunciando a conveniência de crenças pré-estabelecidas e a zona de conforto (pessoal e acadêmica), e assumindo o risco do recomeço. Mesmo após um ano de pesquisa, foi a partir da primeira imersão que, de fato, ela se desenrolou com legitimidade. É notório que a utilização da metodologia etnotopográfica através de imersão foi determinante no resultado alcançado. As questões que ronda-vam o então embasamento teórico foram mantidas após a realização de visitas pontuais às casas, mas significativamente revisadas após a primeira imersão, quando os principais temas, relevantes a esse morar, desponta-ram nitidamente para a pesquisadora, alterando os rumos da pesquisa. Ao vivenciar a experiência, foi possível um aprofundamento nas questões realmente significantes para os moradores, escapando das suposições ante-cipadas que não iam ao encontro do verdadeiro cerne da questão. Efetuar apenas uma “abordagem”, uma “aproximação”, possivelmente trataria o

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objeto de estudo de maneira superficial. Por ser uma moradia, composta essencialmente do cotidiano vivido, era necessária a estadia para realizar a pesquisa de maneira completa e genuína. Acreditamos que somente dessa maneira – não apenas questionando a partir da observação, mas observan-do no âmbito da rotina doméstica – foi possível entender a importância espacial da casa para o grupo de moradores e obter a compreensão subje-tiva das ressignificações espaciais domésticas, bem como sua relevância no entorno, abrindo caminhos científicos no contexto dos modos de morar contemporâneos. Enquanto nas participações nas rodas de conversas, antes das imersões, tínhamos acesso aos ideais dos moradores em relação à moradia que buscavam construir, durante as imersões observamos como eles realmente lidavam cotidianamente com as questões do morar. A todo momento, situações relativas ao espaço se mostraram relevantes em torno dos temas que envolviam a comunidade. A Moldagem que cada grupo construía, aos olhos próximos da pesquisadora, demonstrou de forma clara a influência que o espaço construído exerceu na vivência de cada grupo, inferindo no âmbito comunitário pretendido. A experiência espacial, de maneira bem distinta em cada casa, determinou demandas, hábitos e estabeleceu valores e interpretações para conceitos culturais, atuando diretamente na orga-nização social. Logo, concluímos que ocorria nessas casas comunitárias expressiva utilização do espaço para a construção social desse modo de habitar. Mais surpreendentemente, o cotidiano trivial desnudou os verdadeiros significados pretendidos com esse modo de morar. Ao contrário do foco inicial da pesquisa, que tratava da busca da comunidade através da mo-radia, percebemos in loco que a grande questão desses sujeitos não era a construção comunitária; o que a fundamentava, na verdade, era a ânsia de ressignificação da moradia urbana, em busca de mais qualidade de vida na cidade. A formação da comunidade não era somente um fim em si, mas uma possibilidade de se repensar o morar urbano na contemporaneidade, visando maior convívio social. Identificamos uma renovada compreensão sobre o morar e chegamos ao final da pesquisa com outra inquietação mais abrangente aflorada: afinal, o que é morar no contexto da cidade contemporânea? Ainda precisamos

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de um ambiente construído próprio para nos sentirmos em casa? Podería-mos ter essa percepção subjetiva a partir de outras experiências que não as vivenciadas na figura do lar, seja tradicional ou não? Provavelmente imer-saremos nessas novas indagações, munidos do entusiasmo de embarcar na etnotopografia, imbuídos de todo amadurecimento e aprendizado que essa singular experiência propôs.

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Estela Almeida é Mestre em Arquitetura pelo Programa de Pós-Gra-duação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PROAR-Q-UFRJ). Especialização em Sustentabilidade no Projeto: Design, Arqui-tetura e Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Designer de Interiores graduada pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA-UFRJ). Pesquisadora do Labo-ratório Arquitetura, Subjetividade e Cultura (LASC-UFRJ), com interesse e produção nos temas: psicologia ambiental; morar urbano; etnografia; aspectos subjetivos e culturais do ambiente construído.

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Entrelace de métodos para desvendar o

entrelaçamento urbanoMarilia Chaves Lima

Na emergência de um cenário global de inten-sificação dos fluxos informacionais fundamentados nas possibilidades tecnológicas da virtualidade e da velocidade, consideramos necessária a compreensão acerca dos novos modos de sociabilidade e possibili-dades existenciais engendrados nos recortes de cidade que concorrem para se tornarem hiper-conectadas. A partir dessa premissa, desenvolvemos entre 2017 e 2019 uma pesquisa de mestrado focada na compreen-são acerca das formas de sociabilidade em praças pú-blicas reformadas segundo princípios de marketing urbano (DUARTE, 2006; SELDIN, 2017), já que es-tes ambientes costumam se caracterizar por uma mis-celânea de tempos históricos, por processos de subs-tituição de populações e confrontos entre modos de viver. Como estudo de caso para a pesquisa, adotamos a Praça Mauá, no centro da cidade do Rio de Janeiro, praça reformada para as olimpíadas de 2016, em que coabitam diversas temporalidades, ritmos e modos de apropriação cotidiana, viabilizando a investigação de nosso principal objetivo: compreender e caracterizar o fenômeno que nomeamos como “entrelaçamento ur-bano”. Identificamos que este ocorre quando o espaço físico é capaz de suscitar e sustentar, simultaneamente, lugares e ambiências distintos e múltiplos.

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As ambiências são a soma do ambiente físico e funcional, dos usos e dos diversos componentes sensoriais, que variam ao longo do tempo e dos dias (DUARTE & PINHEIRO, 2013). Entretanto, observamos no recorte escolhido não apenas uma variação de ambiências ao longo das horas, mas a percepção de que o lugar possuía caráteres sobrepostos ao mesmo tempo. Nosso entendimento, portanto, aproximou-se de um estudo desenvol-vido por Lira (2014), que distinguiu micro e macro-ambiências. Afinal, identificamos no caso estudado a possibilidade de uma macro-ambiência apresentar aos usuários diversas oportunidades de vivenciar micro-ambi-ências, que funcionam como espécies de universos paralelos com os quais é possível se sincronizar em um ambiente. Em outras palavras, traze-mos uma leitura sobre a possibilidade de um mesmo lugar físico abrigar simultaneamente lugares emocionais e subjetivos diversos e, por vezes, até contraditórios, compreendendo que:

as ambiências operam como tradutoras de significa-dos, no momento em que possibilitam o partilha-mento dos mais diversos elementos sígnicos através de um sistema de linguagem que não se restringe à questão verbal, mas vai além das dimensões construídas por palavras e textos repassados por gerações (DUARTE et al, 2012).

Desta forma, estabeleceu-se como objetivo geral compreender mecanis-mos a partir dos quais um mesmo espaço físico pode ser assimilado de formas distintas (a depender do uso e do tipo de relação que se estabelece com o meio) e se, de fato, essas assimilações engendram lugares diversos e sobrepostos. Adotamos, então, o conceito de lugar como porção de espaço significada (DUARTE, 2002) e assumimos como objeto de estudo os usos e apropriações cotidianas - micropolíticas (DELEUZE & GUATTARI, 2012). Portanto, para capturar e avaliar este fenômeno, nossos objetivos específicos foram assim definidos: identificar os modos de usar o espaço através de observações etnográficas; identificar expressividades e quais territórios elas são capazes de delimitar; identificar a caracterização dada ao lugar pelos usuários (percepção dos usuários); identificar relações entre

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pontos notáveis no espaço físico e o caráter que o lugar adquire numa esfera psíquica, através de entrevistas; verificar a resistência da memória de outros tempos do lugar; identificar, nas narrativas, redes de lugares cujo caráter está associado (entrelaçado) ao recorte estudado; correlacionar usos, expressividades e lugares entrelaçados; conceituar o fenômeno do entrelace.A pesquisa teve como finalidade uma caracterização do recorte quanto aos praticantes do espaço, seus territórios e suas percepções sobre a ambiência do lugar, enquadrando-se, portanto, como uma pesquisa qualitativa. Como é bastante comum nesse tipo de investigação, foi necessário aplicar um “entrelace” de métodos, com múltiplas fontes de evidência e vários níveis de coleta de dados para obter cartografias capazes de mostrar a formação de afetos e produções de significados. Este desenho indicava desde o iní-cio maior volume de dados primários, decorrentes da própria investigação in-loco e com material produzido pela pesquisadora. Contudo, também buscamos fontes de dados secundários para investigar questões relativas à memória, identidade e ligação entre afetos presentes e antigos, já que o recorte é de suma importância para a história da diáspora africana e a formação da cidade do Rio de Janeiro.

1. Colagem-síntese dos usos observados no local e da ideia de uma ambiência complexa. Elaboração da autora, 2019.

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Por uma questão didática, dividimos a coleta de dados em três partes: a aproximação inicial, que possibilitou o reconhecimento do recorte, sua delimitação e refinamento das questões da pesquisa, por meio do método da deriva ( JACQUES, 2003); a primeira coleta de dados, que possibilitou o mapeamento dos territórios, usos e modos de apropriação, por meio da etnotopografia (DUARTE & PINHEIRO, 2013), dos croquis etnográfi-cos (DUARTE, 2013), da pesquisa documental no acervo do Iphan e de entrevistas informais; e a segunda coleta de dados, composta pelas en-trevistas semiestruturadas (YIN, 2017), obtendo dados sobre significado, caráter do lugar e a compreensão da rede de lugares associados ao recorte, na subjetividade das pessoas. Compreender essa rede foi uma forma de captar como o caráter do lugar oscila de forma mais complexa, para além de sua identificação com afetos e adjetivos.

Aproximação inicial ao objeto de estudoderiva e narrativas etnográficas

Na fase de delimitação do recorte de estudo, optou-se pelo método da deriva, uma técnica de exploração direta de um terreno que indica a pas-sagem rápida por ambiências variadas, sem pontos de visita pré-definidos, compondo percursos de acordo com o que o terreno solicita, ou com os encontros que surgem. ( JACQUES, 2003, p. 89). Tal condução não tem a ver com o acaso, mas com as psicogeografias que existem nas relações entre sujeito e mundo. Nas primeiras quatro visitas, que correspondem a esse período inicial para delimitação do estudo, fizemos derivas registra-das por meio de fotografias e textos escritos a posteriori, para lembrar da experiência. Esse método possibilitou que tivéssemos a percepção inicial de como se estabelecem os territórios mais demarcados e as fronteiras e os usos mais proeminentes, que permitiram traçar várias hipóteses sobre os modos de sociabilidade do lugar, coincidindo com a informação de que através da deriva é possível compreender melhor os limites precisos de unidades de atmosfera, ou territórios – no sentido de zonas onde determi-nadas expressividades dominam (DEBORD apud JACQUES, 2003, p. 90).Após essa aproximação inicial ao objeto de estudo, quando delimitamos

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o recorte, iniciamos a fase de observações etnográficas, apenas compondo narrativas etnográficas escritas, segundo o método tradicional. Mas, ainda assim, em conjunção ao método de deriva, da seguinte maneira: antes de cada parada para observar, primeiramente fazíamos deambulações pelo lugar, prestando atenção ao encontro com determinados eventos, barreiras físicas, limites sociais e físicos, e então parávamos para narrar aqueles que acreditávamos serem eventos notáveis. Classificamos como acontecimen-tos notáveis os usos capazes de mobilizar atenção para si, servindo como episódios de contemplação ou atrativos daqueles que frequentam a praça, seja pela unicidade de movimento, seja pela inovação no modo de pro-ceder alguma tarefa. Identificamos que a dança, os mergulhos, a pesca, o skate e o patins, as performances artísticas tinham essa capacidade. Após esse período de impregnação no lugar e confronto do corpo da pesqui-sadora com o corpo da cidade e de seus ocupantes, decidimos, então, aprofundar as observações por meio da espacialização das narrativas e de sua qualificação sensível com o croqui etnográfico.

Primeira coleta de dadosetnotopografias, croquis etnográficos

e entrevistas informais

Para realizar o mapeamento de práticas e suas lógicas de funcionamento por meio dos grupos de pessoas, as ferramentas mais adequadas foram as de cunho etnográfico, já largamente utilizadas pelo LASC em suas pesquisas (DUARTE, 2013; DUARTE & PINHEIRO, 2012). Isso se dá através da estadia prolongada de observações e investigação da população estudada, observando a impregnação dos costumes e práticas dos grupos para debruçar-se sobre o estranho e seu significado, tendo consciência de que, para apreender o ponto de vista dos outros, é preciso partilhar sua realidade, descrição do mundo e marcas simbólicas, tendo em mente a se-guinte pergunta: “o que está acontecendo aqui [neste pequeno mundo]?” (BOUMARD, 1999). Aplicamos durante duas observações iniciais a etnografia tradicional, escrita, mas logo observamos a necessidade de espacialização e de registro

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de outras informações sensíveis. Por isso, escolhemos na primeira fase a etnotopografia e o croqui etnográfico. Denomina-se de etnotopografias a aplicação de estudos de um grupo sócio-cultural em um determinado lugar, com base e suporte no espaço em si (DUARTE, 2010). No primeiro dia de observações, foram selecionados pontos de observação (pontos de paragem para proceder às anotações de campo), após uma deriva por toda a praça, sem uma lógica estruturada a priori, mas à procura de aconteci-mentos notáveis ou dinâmicas mais heterogêneas e intensas, bem como de lugares com boa amplitude visual.

A segunda ferramenta etnográfica utilizada foi o croqui etnográfico, forma de registro das observações em que predomina o desenho a cores, buscan-do captar e traduzir informações sensíveis do lugar, registrando sensações (além das visuais), bem como informações estéticas e gestuais dos usuários do espaço. Esse método permitiu observar qualitativamente os usos e seus praticantes, registrando não somente usos e territórios de apropriação de grupos, mas o perfil de seus membros, observando linguagens, posturas, gestos, classes sociais, gênero, e obtendo algumas informações por meio de conversas informais geradas pela curiosidade em relação ao desenho. O cunho dessas informações varia desde impressões sobre o lugar, hábitos, locais de moradia, até a memória do que havia antes ali. Não registramos em campo a descrição destas conversas, destacando e anotando apenas dados e frases sintéticos e relevantes. Geralmente, o interesse despertado pela prática do desenho atraía conversas que, por sua vez, induziam a parar a atividade, e os desenhos permaneciam inacabados até a possibilidade de

2. Colagem de Croquis etnográficos realizados no recorte de estudo.

Elaboração da autora, 2019.

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retomar a desenhar. A aplicação dessa ferramenta foi feita seguindo duas lógicas, que foram construídas no próprio processo das observações:

• Chegar ao lugar, promover a deriva01 e procurar o melhor acontecimento no momento para registrar. Fazer os registros daquele acontecimento e esperar alguns minutos para ver a organização da cena após o acontecimento, registrando também essa parte. Procurar outro acontecimento-chave02 para registrar.• Escolher um ponto do lugar para passar 1h, a princípio (caso houvesse mais acontecimentos interessantes, estender esse tempo indeterminadamente). Em seguida, registrar sequências de acontecimentos durante esse tempo de obser-vação. Sempre esperar no mínimo 15min após o término de uma ação interessante, como um período de estabilidade que autoriza a busca de um outro ponto de observação de ações diferenciadas.

As duas lógicas utilizadas alternadamente foram úteis para traçar as principais apropriações do lugar, mas posteriormente compreendemos que permanecer registrando e observando acontecimentos “comuns” era tão importante quanto registrar acontecimentos-chave, e que a permanência em um mesmo ponto durante horas poderia oferecer uma melhor noção da variabilidade de práticas que os pontos da praça permitem. Se as primeiras etnografias foram capazes de oferecer uma leitura so-bre quais eram os tipos de corpos e seus agenciamentos e territórios no lugar, o mais importante do croqui etnográfico é que ele rendeu infor-mações mais detalhadas acerca dos modos de usar, das micro-operações e apropriações táticas (DE CERTEAU, 2014, p. 110) do espaço urbano,

01 Sentimos essa necessidade de buscar ações do corpo no lugar, as derivas, devido à amplitude e impossibilidade de domínio visual de todo o espaço de uma só vez. Permanecer muito tempo em um ponto onde nada de diferente acontecia, geralmente, significava perder um acontecimento relevante em outro ponto.

02 Classificamos acontecimentos-chave como acontecimentos-ações capazes de atrair atenção para si.

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compreendendo melhor os agenciamentos maquínicos (DELEUZE & GUATTARI, 2014b), ou seja, os movimentos dos corpos e sua inter-re-lação. Estes dados foram analisados em classificações cruzadas, sendo que a primeira diz respeito ao grau de atividade dos corpos, desde as ações de corpo mais ativo, até as de corpo mais parado, mostrando a amplitude de práticas corporais nos espaços e as ligações entre elas. Sentiu-se, nessa fase, a necessidade de investigar melhor questões relativas ao passado do lugar e, então, fez-se entrevistas-piloto, informais (13 no total). A grande contribuição dessas entrevistas foi que elas possibilitaram perceber afetos básicos, bem como fundamentar e definir melhor a per-cepção sobre os territórios na Praça. Foi nessa parte da pesquisa que des-cobrimos a grande associação do termo higiene mental para as bordas de contato com a água, especialmente por parte de quem fazia atividades de pesca ou contemplação. Vários termos eram usados para se referir a esse estado mental atingido no lugar: “limpar a cabeça”, “distração”, “higiene mental”, “lugar de relaxamento”, “terapia mental”, “esquecer problemas”. Também foi por meio das entrevistas que notamos que poderia haver certa oposição entre os territórios marcados pelo Museu de Arte do Rio (MAR) e pelo Museu do Amanhã, sendo que a zona deste último (e não ele em si) foi mais associada ao lugar de relaxamento e distração, enquanto a do MAR, uma zona de encontro. Outro ponto interessante, em duas das entrevistas informais feitas com moradores do morro da providência e da Maré, foi o vislumbre de possibilidades outras para o espaço constru-ído. Os entrevistados deram sugestões de modificações que poderiam ser feitas para melhorar, segundo sua percepção, o espaço da praça e do Mu-seu do Amanhã – o qual, aliás, só pareceu despertar afetos generalizados de beleza ou de desprezo. Após essas entrevistas, já com boa percepção do território, fizemos alguns croquis esboçando o que seria esse lugar se a parte física da praça expressasse os desejos dos entrevistados.

Segunda coleta de dadosentrevistas semiestruturadas

Para comprovar nossa questão principal – a capacidade de um lugar abrigar diversos outros lugares – foi imprescindível partir para métodos

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de coleta de dados que pudessem acessar a percepção e o pensamento das pessoas. As observações etnográficas foram úteis no sentido de indicar a formação de redes de lugares, agenciamentos, expressividades que levam a territorializações, entretanto, a confirmação dessas redes teria que ser validada pelos próprios usuários. Dessa forma, a aplicação de entrevistas se mostrou uma alternativa eficaz para obtenção desses dados. Também tínhamos outras questões que pediam mais confirmação e aprofunda-mento, como o conhecimento acerca da carga histórica do lugar e do peso simbólico da escravidão. Para atingir esses objetivos, pensamos então em entrevistas semiestruturadas, com quatro perguntas norteadoras atrela-das a esses significados, afetos, memória e possíveis traumas relacionados ao lugar (ou seja, foram pensadas observando a necessidade de analisar não somente o dito, mas também excessivamente dito e o ocultado). As perguntas dessa segunda fase de entrevistas foram refinadas a partir da amostragem piloto de entrevistas informais no lugar.Quanto às amostras de análise, a coleta foi pensada em duas fases. Na pri-meira fase, de triagem, seriam feitas amostras aleatórias em cada macro--zona do recorte de estudo. Separamos a região em macro-zonas a partir das observações etnocartográficas. Tal divisão foi feita por uma questão operacional e também para posteriormente podermos analisar os dados topológicamente, pois as observações mostraram padrões de uso diferen-tes em cada zona, como seria de se esperar, devido à territorialização dos espaços e às zonas de influência dos equipamentos locais, de modo que é interessante para a análise observar se as percepções correspondem à zona na qual se inserem.Outra grande categorização feita, para facilitar a análise por meio de com-paração, foi a separação das entrevistas em dois grupos maiores de usuá-rios, que definimos como “turistas” e “locais”, enquadrando cada usuário nesses grupos de acordo com sua auto-declaração e lugar de origem. Essa triagem prévia se mostrou interessante para análise posterior sobre com base em quais condicionantes ocorriam os padrões de resposta. Dentro dessas categorias maiores, tomamos nota ainda sobre o gênero, a idade e o tipo de atividade desenvolvida no momento anterior à entrevista, no intuito de verificar possíveis correlações entre respostas e condicionamen-tos. Dessa maneira, montamos um formulário de campo para facilitar e

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organizar a coleta de dados, composto pelas quatro perguntas e de uma parte a ser preenchida segundo as observações da pesquisadora, que dizem respeito às zonas de entrevista, ao local do entrevistado, categoria e núme-ro da ficha de acordo com categoria. Colocamos números em cada ficha como alternativa para preservar dados pessoais, não recolhendo qualquer informação dos entrevistados, a não ser suas assinaturas para os termos de consentimento livre e esclarecido, exigidos pela Plataforma Brasil.

Tabulação e análise dos dadosA coleta dos dados ocorreu com uma amostra aleatória de 44 entrevista-dos, sendo 28 locais e 16 turistas. As respostas não foram gravadas, mas durante a conversa com os entrevistados eram descritas o máximo de in-formações possíveis e, sempre ao final das entrevistas, era feita uma reme-moração em que se acrescentava qualquer informação faltante. Posterior-mente, a tabulação dos dados foi feita em duas etapas. Consideramos uma boa forma de mensurar a prevalência dos afetos montar uma tabela com entrevistados versus afetos e lugares citados em cada categoria. Separamos os afetos e localidades referentes ao presente e ao passado do lugar. Na primeira tabulação, fizemos a triagem desses termos utilizados em cada entrevista. Na segunda tabulação, mais refinada, agrupamos os termos similares: por exemplo, quando as pessoas se referiam ao lugar como pra-zeroso e gostoso, compreendemos se tratar do mesmo afeto. Compilamos os dados numa lógica de código binário, em que cada 1 corresponderia a “sim” para o afeto ou lugar citado e cada 0 ou célula vazia corresponderia a “não”. Dessa forma, ao somar as linhas, é possível obter o número de vezes em que as variáveis foram citadas nas entrevistas. Escolhemos essa forma porque ela privilegia a contagem dos atributos citados, facilitando a análise dos dados.Para a segunda tabulação, mais refinada, analisamos as variáveis referentes a afetos e vimos o que seria possível reagrupar. Também classificamos os afetos em 9 tipos: dinamismo, diversidade democrática, conexão, estese, estética, estados mentais, desconexão, pragmatismo, novidade e ideias abrangentes/idealizações. O enquadramento nessas categorias foi feito a partir de revisão das entrevistas, buscando confirmar o sentido e os tons

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em que os afetos foram citados, bem como buscando uma reflexão a quais processos cada um deles pertencia. Diferenciamos dinamismo de diversi-dade democrática, por exemplo, porque embora o segundo também indi-que movimento, vida e diversidade de pessoas, é ainda mais específico que o primeiro, ao se referir a termos como “inclusivo” ou “democrático”, no sentido da sensação de que o lugar abriga diversidade de usuários. Já no grupo de conexão, observamos que, quando o discurso tocava em termos como “reunião”, “troca” e “se sentir entre iguais”, havia implícitos proces-sos de fortalecimento de laços pessoais e contatos mais aprofundados do que a mera estadia no mesmo ambiente. No grupo de estese, agrupamos tudo que se referia às sensações em maior ligação com o corpo: agradável, gostoso, prazeroso, confortável, calorento. Em estética, unimos referências à beleza do lugar, que já atribui a noção de valor ao ambiente percebido. Em estados mentais, agrupamos tudo que se referiu, de maneira clara, a processos “terapêuticos” ou de “higiene mental”, bem como estados de contemplação, “distração”, sensação de paz e tranquilidade. Palavras como vazio, estranho, contraditório, contrastante e diferente denotaram uma desconexão com o lugar, um momento de percepção no qual não se tem referencial sobre a constituição de lugares como aquele ou em que há um sentimento de apartação ou ausência de significado. Agrupamos as pala-vras que se referiam ao lugar como um passeio econômico ou um lugar para ganhar dinheiro da venda ambulante, e também a caracterização de “seguro”, como razões pragmáticas para o uso do espaço. A categoria de novidade contempla palavras como “reforma”, “ousadia”, “surpreendente”. E, por fim, agrupamos descrições mais generalistas ao lugar, que se refe-riam a cultura, conhecimento e turismo. Esse agrupamento das caracte-rísticas citadas nas narrativas foi bastante interessante para fornecer uma visão mais equilibrada, pois, ao analisar as categorias afetivas e não somen-te afetos soltos, foi possível entender processos (de estranhamento, foco na sensação, incapacidade de significar mais profundamente), em vez de características isoladas. Dessa maneira, esse método composto para análise de afetos e significados se mostrou interessante, por permitir duas escalas de avaliação, uma quanto aos termos específicos utilizados (referentes a características atribuídas) e outra quanto às macro-categorias (referentes a processos). Por exemplo, dentre os usuários locais, a palavra mais citada

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foi “beleza”, pertencente à categoria estética, mas contabilizando todas as palavras de cada categoria, a com mais relevância foi a que se referia aos estados mentais.

ConclusõesA metodologia e coleta de dados desenvolvida possibilitou comprovar di-ferentes padrões de percepção e processos afetivos de acordo com o grupo de usuários distinguidos por meio das observações (turistas versus locais03). Também foi possível identificar quais pontos eram comuns e o grau de clareza em relação aos caráteres percebidos. Um bom exemplo é o de que a ambiência de um lugar-praia predominou na associação à Praça Mauá, nos dois grupos, mas no de turistas a ideia era mais ampla, enquanto no grupo dos locais essa ambiência praia se delineava com maior precisão e similaridade morfológica e funcional ao lugar de estudo. A questão da entrevista sobre lugares associados se mostrou também bastante relevante para esta análise, possibilitando enxergar também que o imaginário dos praticantes menos assíduos se encontrava permeado por projeções de cenários pré-concebidos. O mesmo recorte obteve associações de cará-ter tão distintas quanto praia e shopping, vazio e dinâmico, no mesmo momento de entrevista, mas de acordo com grupos de usuários distintos. Outro ponto demonstrado foi o que se refere à criação de significados e afetos positivos na nova configuração do lugar: ao contrário do que se supunha, dada a problemática da gentrificação, os frequentadores locais, mais assíduos, demonstraram maior formação de vínculos no lugar e asso-ciação com afetos positivos, enquanto os turistas associaram a ideias vagas e sensações de frustração. Apresentamos, ainda, a seguir, três conclusões principais do estudo:

• Corpos fundando lugares – o possível, o incorpóreo e o invisível – Ficou nítido que os atos corpóreos são capazes de enunciar signifi-cados (DELEUZE & GUATTARI, 2013) e instaurar lugares por

03 A posteriori, notamos que esses grupos distinguem-se, verdadeiramente, de acordo com frequência e tipo de deslocamentos e permanências na zona estudada.

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meio de uma rede de costumes e práticas cotidianas. Identificamos porções de espaço significado (lugares) muito marcantes, mas que não necessariamente estavam concretizados. Comprovamos que as primeiras instâncias de fundação do lugar são os corpos, e que estes expressam interpretações possíveis para futuras edições físicas do ambiente construído.

• Entrelaçamento, sobreposição de redes e micropolítica da empa-tia – O cruzamento de dados dos afetos citados, usos observados e lugares análogos, associados pelos usuários nas narrativas, permitiu identificar caráteres de lugar, que, mesmo não materializados na estrutura da praça (como o caráter Mauá-praia ou Mauá-quadra), existiam por meio da vontade dos usuários, evocando e se sincro-nizando, nas instâncias de subjetividade, a outros lugares na cidade, por sua vez, muito bem caracterizados fisicamente, como a praia ou parques com amplas estruturas voltadas ao lazer e aos esportes. O entrelaçamento, longe de ser uma realidade em integração com-pleta, refere-se à condição na qual convivem, sobrepostas, redes de “partículas” (usos, pessoas, edifícios) em sincronia (fortes relações). Não é uma só rede, em que todas as partes se relacionam todo o tempo, mas são várias redes, que coabitam no espaço, não neces-sariamente estabelecendo vínculos entre si, mas variando constan-temente. A micropolítica expressa-se nesses vínculos, nas relações existentes e em suas qualidades. Esses vínculos emocionais são ra-

3. Corpos fundando lugares. Fotos e Elaboração da autora, 2019.

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pports capazes de sustentar o entrelaçamento do tecido social. Essa constatação evoca uma capacidade empática/democrática do lugar, reforçando os estudos sobre ‘Empatia Espacial’ (NASCIMENTO, 2018; DUARTE, 2013). Após o estudo, reforçamos a ideia de que é a capacidade empática de um espaço que estabelece sua capacidade democrática.

• Temporalidades, presenças e estados mentais: a reapropriação cotidiana do tempo – A relevância da categoria de afetos que se relaciona a estados mentais, cruzadas com dados de uso que de-monstravam práticas em grupo e fortalecimento de laços sociais nas margens do lugar, chamou atenção para a importância dos espaços que, sem usos predeterminados, eram editados pelos usuários, numa entrega à ação, à presença do corpo e dos corpos em coletividade. Constatou-se que o estar junto traz potencial de cura através dos encontros, mas somente quando estes são de qualidade em espaços de tempo onde é possível formar laços, ou redes que suportam os indivíduos (FISCHER, 1993). O termo higiene mental, bastante associado ao lugar, demonstrou uma busca pela vivência de tem-pos mortos ou ociosos, em contrapartida à busca pelo lazer como obrigação e como subproduto do tempo produtivo (THIRRY--CHERQUES, 2010). Embora essa questão estivesse permeando nossos interesses desde o início, somente com os resultados finais de campo conseguimos demarcar a importância da potencialidade dos espaços públicos de promoverem acesso ao ócio para manutenção da saúde mental.

Por fim, o estudo permite afirmar o potencial transformativo contido nas práticas dos usuários de um espaço, responsáveis por consolidar lugares e caráteres. E permite questionar de que modos é possível colocar em práti-ca o desígnio de lugares que sejam abertos a uma amplificação de possibi-lidades existenciais na cidade.

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Marilia Chaves Lima é Arquiteta e Urbanista pela UFPE (2016), Mestre em Arquitetura (PROARQ-UFRJ, 2019) com ênfase em qualidade do ambiente construído – escala urbana. Realizou pesquisas nas áreas de urbanis-mo, psicologia ambiental, qualidade do ambiente construído, cultura, mercado imobiliário e turismo. Investiga sobre micropolítica, experiência cotidiana, espaços marginais e de intervalo, incorporando, atualmente, noções de biopo-lítica. Experiência em projetos urbanos, habitação de interesse social, projetos de interiores e arquitetônicos de até médio porte.

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1. Representações

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Como ser um estranho

em sua própria pesquisa

01 Prof. Cristiane Duarte.

Alice Brasileiro

Era um desafio. Primeiro, porque até chegarmos (eu e minha orientadora01) à definição sobre como seria feito, foi um processo que demandou tempo e muito estudo. Eu queria contribuir para as metodologias de avaliação de desempenho do ambiente construído, mas não em aspectos quantitativos; queria entender por que um mesmo ambiente podia de igual modo agradar a tantos usuários e desagradar a tantos outros. A resposta é subjetiva, claro. E sem dú-vida passa pelo viés cultural de quem utiliza o ambiente. Depende da sua história, das suas próprias referências. Para entender como isso acontecia, eu tive que estudar e descobrir muitas coisas novas. Foram descobertas que passaram pela surpresa ao saber que não existe uma definição única para “cultura”, até o cumprimento de disciplinas em outros programas de pós, nas áreas de antropologia e sociologia. Descobri a etnografia e que ela seria o meu viés meto-dológico. No ano seguinte, iniciei minha pesquisa de campo, não sem passar pela dificuldade em encontrar locais para isso. Não é fácil conseguir que instituições abram suas portas para um pesquisador (espe-cialmente no meu caso, que duraria meses). Com a ajuda de bons amigos e um pouco de sorte, consegui inicialmente dois locais, de-pois um terceiro. Sou imensamente grata a todos que me ajudaram nessa fase, incluindo os dirigentes das organizações e especialmen-te seus funcionários, que, sem escolha, tiveram que conviver com minha presença no dia a dia.

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Essa fase da pesquisa durou um ano e meio, mas o primeiro ano foi especialmente intenso, pois me dediquei exclusivamente à pesquisa de campo do doutorado. Minha semana era dividida pelos escritó-rios que eu estudava e a cada dia eu “batia cartão” em um deles, às vezes chegando antes do expediente começar, outras saindo após o expediente terminar. O Eu observava. Observava e anotava. Observava e desenhava. Eu conduzia uma observação de cunho etnográfico; nunca tive a pretensão de fazer uma etnografia propriamente dita, mas foi bem difícil, às vezes, até constrangedor para mim. Quando iniciamos um doutorado, nem sempre sabemos exatamente os caminhos pelos quais a pesquisa irá percorrer. Hoje, olhando para trás, não sei se eu teria coragem de fazer essa investigação, caso soubesse ante-riormente como seria.Imagine você, no seu local de trabalho e, um dia, seu superior chega e anuncia: “Gente, essa aqui é a Alice. Ela é arquiteta, está fazendo uma pesquisa de doutorado sobre escritórios, vai ficar aqui conosco durante um tempo, vai ficar observando o modo de vocês usarem o escritório, vai fazer anotações, algumas perguntas. Não se preocu-pem com a presença dela”. É claro que os funcionários estranharam minha presença! Acho que pensaram que eu era uma espiã da chefia, mas felizmente posso dizer que nunca sofri nenhuma pressão nesse sentido. Porém, houve um estranhamento, lógico. Nas primeiras semanas, eu podia sentir nitidamente o quão estranha eu era para eles. Eu passava os dias com um caderno de anotações ou notebook, escrevendo, às vezes desenhando; ia anotando sobre diversas situações de uso do espaço – quem se sentava em qual lugar, quem falava com quem, quem trabalhava com quem, como aconteciam as interações entre as chefias superiores/intermediárias e os subordinados, como era a lógica, enfim, do uso do escritório. Eu entendo que eles não sabiam exatamente o que eu tanto escrevia, e muito mais escrevia do que falava. Então, eu era um ser muito estranho naquele meio. Era a época do software de mensagens instantâneas “MSN” e, em alguns

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momentos, eu sentia, nitidamente, que o assunto nos teclados dos computadores era eu. Novamente, sem nenhuma pretensão, não conseguia parar de lembrar de Malinowski, no longínquo início do século XX, que ao entrar em uma tribo para observar dezenas de pessoas, também era observado por todas elas...Com o tempo, contudo, fui sendo vista com mais normalidade na-queles ambientes. Já surgiam falas dirigidas a mim sobre o elevador que demorava ou o ar condicionado que estava em manutenção. Também em encontros na copa, ao tomar um café... Aos poucos, fui sendo “incorporada” pelos usuários, como se fosse mais uma funcionária do local, eu acho. Creio que perderam o receio pela minha presença e, de fato, nas minhas observações e anotações, foi o momento em que fui percebendo uma maior consistência dos fatos, uma convergência entre o observado e o que eventualmente eu conversava com eles. Havia momentos em que eu precisava fazer perguntas e as respostas vinham com menos “parcimônia”. Mesmo assim, em várias ocasiões, ao observar determinada cena entre duas ou mais pessoas, eventualmente, meus olhos se cruzavam com os olhos de uma delas e nossos olhares se comunicavam. Elas sabiam que estavam sendo observadas, eu estava prestando atenção nelas, em sua conversa, em seus atos. Não havia como não me constran-ger, nesses momentos. Mas foi um aprendizado também. Com o tempo, fui sabendo lidar melhor com o fato (era minha pesquisa, afinal) e elas também; foram aprendendo, aos poucos, a se acostu-mar com minha presença paciente e constante.Foi um período difícil, mas também foi um imenso aprendizado. Aprendi sobre as questões culturais que me propus a pesquisar, mas mais (e melhor) do que isso, aprendi sobre pessoas porque, sem elas, não existe a cultura, que tanto persegui em meu doutorado.

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O espaço físico sacralizado por crenças

religiosas afro-brasileirasClaudia Castellano de Menezes

Podemos escolher qual o caminho e como caminhar; escolher entrar para o universo acadêmico marcou um período iniciático de experiências ímpares. Iniciamos nossos estudos no mestrado com o tema sobre habitação popular, substituído após a apresentação de um seminário na dis-ciplina Arquitetura e Projeto do Lugar. A mudança foi radical. O interesse pelo novo tema iniciou-se como um desafio: compreender fisicamente e simbolicamente espaços de materialização cultural e social dos locais de ritual das religiões afro-brasileiras. Nos propu-semos a entender que elementos materiais e imateriais expressos no espaço terreiro (territórios sagrados e locais de resistência em virtude do preconceito que se abateu sobre a tradição afro-brasilei-ra) que, atuando em conjunto com as ambiências próprias do lugar, poderiam influenciar e até interferir nas vivências, experiências, no comportamento humano e até mesmo nas reorganizações espa-ciais.A inexperiência sobre o tema nos instigou a penetrar nesse espaço, de modo que nos aventurássemos, ultrapassando barreiras culturais e pessoais, entre elas, certamente, o preconceito para com o desco-nhecido.O mergulho profundo, mantendo o distanciamento necessário para o estudo científico, algumas vezes, encontrava-se comprometido, por nos vermos envolvidos em um mundo mágico, de contempla-ção do desconhecido. Tivemos a necessidade de nos iniciarmos na religião, para que pudéssemos participar, experienciar e vivenciar

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rituais não públicos que nos permitiriam compreender melhor a relação cultura-espaço. Observamos estudos acadêmicos e publicações sobre terreiros nas áreas de Antropologia, Sociologia e Psicologia, o que não acontece na Arquitetura. Nesta, espaços ritualísticos e religiosos como cate-drais e templos são objetos de pesquisas das disciplinas de História da Arquitetura, em detrimento de espaços religiosos afro-brasilei-ros. O resultado disso é a falta de literatura produzida sobre o tema, ocasionando pouca compreensão da cultura-espaço partícipe de nossas raízes históricas brasileiras. No doutorado, demos continuidade ao tema. Abordamos o espaço físico sacralizado por crenças religiosas afro-brasileiras no Rio de Janeiro, com enfoque em sua dimensão cultural, nas relações que se estabelecem entre os diversos atores que compõem a cena urbana, notadamente o segmento religioso e o poder público, e na questão do conflito e das relações de poder empreendidas no espaço físico público.Aproveitamos uma oportunidade surgida quando da parceria entre o governo do Estado do Rio de Janeiro e os pesquisadores do LASC/PROARQ/UFRJ, objetivando a consolidação do Projeto de Revitalização do Espaço Sagrado da Curva do S, na Floresta da Tijuca, Rio de Janeiro, foco de interesse do estado, sociedade civil e religiosos que o reconhecem como espaço sagrado e utilizado para rituais religiosos por muito tempo. A preocupação da Secretaria do Estado de Ambiente do Rio de Janeiro em relação à possível degradação dos espaços naturais na área de floresta urbana e dos constantes conflitos motivados pelas práticas rituais das oferendas às divindades afro-brasileiras, além da preservação da tradição cultural afro-brasileira, seria possível a partir da manutenção de ações positivas de educação ambiental num ambiente paisagístico que sustentasse conjuntamente a cultu-ra e a ambiência sincrética característica do Rio de Janeiro.As culturas afro-brasileiras foram tidas como um produto do ima-ginário e/ou identidade social bastante rechaçado desde o início da escravidão no Brasil. Por muito tempo segregada e encoberta por

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preconceitos e intolerâncias no convívio social, em suas relações históricas e no direito de reconhecimento e legitimação da tradi-ção, conta ainda hoje com a utilização dos espaços públicos para a realização de rituais, gerando, muitas vezes, uma convivência nem sempre harmônica. Apesar de todo o dispositivo legal de reconhe-cimento, proteção e preservação das tradições afro-brasileiras, ain-da não é possível apagar marcas de uma ideologia do passado que insiste em conviver no cenário urbano e social brasileiro, vitimando as tradições culturais afro-brasileiras e causando conflitos, ações de intolerância, no espaço público. Mesmo que a intolerância tenha selado o fim do projeto do Espaço Sagrado, consideramos que houve avanços. Como para toda ação há sempre uma reação, observamos o contraponto a essa intolerân-cia: uma reação plantada no espaço urbano no sentido de legiti-mação e fortalecimento de sua identidade e respeito pela tradição afro-brasileira nos dias de hoje.

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A complexa relação entre pesquisadora e

objeto de estudoEstela Almeida

A pesquisa científica é mesmo um processo intenso, com dúvidas, inseguranças e angústias. Ainda mais para um iniciante no mes-trado, tudo, do embasamento teórico à metodologia, é terreno instável. Neste caso em particular, lidamos com mais uma hesi-tação, essa em um ponto crucial para qualquer pesquisa: o objeto de estudo. Desde o início do processo, ainda na escolha do tema, houve uma complexa relação entre pesquisadora e objeto de estudo. Dizem que se deve escolher para um estudo científico algo em que se acredite muito ou se duvide tanto quanto. Sem dúvidas, inicia-mos esta trajetória no segundo grupo. A primeira impressão causa-da, a partir do conhecimento da emergência de casas comunitárias nas principais metrópoles do país, era de uma espécie de moradia coletiva glamourizada. No entanto, parecia ser o tema perfeito para estudar a troca de influências entre espaço e grupo social, já que aqueles sujeitos buscavam alterações pessoais de vida por meio desta moradia. Além disso, havia um interesse particular em estu-dar outros modos de morar, autênticos, esgueirados do contexto impositivo habitacional. O processo espontâneo, produzido pelos próprios sujeitos, também suscitava entusiasmo investigativo.A desconfiança, que no fundo contestava a prática comunitária, fora o discurso propagado, dificultou não só a entrada em campo, mas também a isenção e neutralidade necessárias para entender o embasamento da pesquisa. Ao mesmo tempo, também sentimos recorrentemente uma descrença por parte de alguns pesquisadores, que evocavam a ideia de “novos hippies” com conotação pejorativa, julgando que não houvesse relevância acadêmica. Isso desmotivou

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e pôs em dúvida a continuidade do tema. Neste processo, dois epi-sódios foram decisivos para a certeza do prosseguimento, quando, em debates sobre o modo de morar, determinadas situações nos revelou a postura pretensiosa e equivocada até então adotada. Primeiro: escutar e observar mais; falar menos. Segundo: não se distinguir; incluir-se. A decisão de morar nas casas comunitárias para fazer a pesquisa veio depois, através de uma reflexão na escrita do trabalho final da disciplina Método Etnográfico, quando emergiu um entendimento profundo sobre o objeto de estudo e a própria pesquisadora.A partir dessa decisão, a pesquisa deu uma guinada, inclusive aos olhos dos que estavam ao redor, acompanhando e auxiliando. Ela a conferiu credibilidade. De fato, após a primeira imersão, a pesquisa mudou profundamente, assim como a relação entre pesquisadora e objeto de estudo. Muito impactada pela intensidade da imersão em campo, o desafio passou a ser outro: a necessidade de manter certa distância, não comprometendo a imprescindível cientificidade. E que desafio! Uma pesquisa de imersão em espaço de morar envolve todas as questões da convivência doméstica que conhecemos: di-vidir responsabilidades, incomodar-se, ceder, acessar a intimidade do Outro e revelar a sua própria. Imagine viver isso tudo enquanto mantém o foco em perceber as questões espaciais referentes ao estudo acadêmico. Era entrevista enquanto lavava a louça junto e observação etnotopográfica 24h por dia. Se a pesquisa de campo é sempre desgastante, o que dizer de morar no próprio campo? Os primeiros dias, ainda em adaptação, e o últimos, já pelo cansaço, fo-ram os mais difíceis. Por vezes, surgia a vontade de voltar para casa, por excesso de movimentação ou por solidão. Mas, sem dúvidas, é nítido que foi a escolha metodológica acertada, pois não podería-mos falar desse morar sem experienciar tão de perto.Academicamente, a percepção subjetiva da pesquisadora se deu de maneira distinta nas duas casas onde foi moradora temporária. A relação mantida entre grupo/espaço/pesquisadora serviu de ilus-tração do que a observação etnotopográfica alcançou e se refletiu na escrita de análise. Após as imersões, fomos tomados por uma

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reconfortante segurança em relação à pesquisa, pois a relevância do tema e a genuinidade encontrada em campo revigorou o pro-cesso como um todo. Pessoalmente, muita coisa mudou. A pes-quisa e sua metodologia foram transformadoras, em nossa visão de mundo, produzindo ponderações sobre aspectos particulares e há muito estabelecidos, além de reconsiderar a forma de lidar com o Outro. Por isso, foi tão gratificante, ao final da pesquisa, ouvir, de um membro da banca, que a intensa leitura foi uma importante oportunidade de reflexão sobre si mesma, fazendo-a repensar sobre o próprio modo de morar e de ser. Finalizamos o processo com o sentimento de concretização, pois nada nos soa tão exitoso quanto provocar uma legítima reflexão no leitor sobre sua própria existência.

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Do cotidiano em trânsito ao

transitar na pluralidade cotidiana

01 Tomei a liberdade de chamar carros, ônibus, trens, aviões de máquinas de mover-se, como o fariam Deleuze e Guattari (2011, p. 11-12).

Marília Chaves

Minha motivação inicial para desenvolver o mestrado foi a te-mática da dessensibilização cotidiana da vida enclausurada, sem vínculos, vivida entre congestionamentos e edifícios fechados, intensificada pela marca da velocidade e da virtualidade na rotina. A difusão desse ritmo de vida e do modelo de cidade fundamenta-do no carro me incomodava e me impactava diretamente na cidade onde sempre morei: Recife. Mas eu sabia que esse problema não era só meu e não era só dessa cidade. Eu tinha sede de rua, de gente, de parques, de viver no ritmo do meu corpo e não das máquinas de mover-se01. Fui aprovada no mestrado do Proarq com um projeto de pesquisa que versava sobre essa problemática e estabelecia como objetivo fazer um estudo comparativo entre grupos distintos de usuários: os que viviam no ritmo de seu corpo e os que viviam o ritmo veloz condicionado pelas máquinas. Eu queria compreender se a percepção desses dois grupos sobre os ambientes urbanos era fundamentalmente distinta, e como se caracterizava. Tão logo comecei a cursar as disciplinas do programa, compreendi que este estudo seria inviável para um mestrado: muito amplo e cujos objetivos e motivações não pareciam claros o suficiente. Isso me fez questionar a ideia fixa que eu carregava: a de que o meu mal--estar diante da velocidade era regra. A complexa paisagem carioca foi me comunicando que tantos eram os modos de vida quanto

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permitiam os desvios do desejo e as condições para realizá-los. Eu ainda questionava se o bem-estar e o desejo pelo isolamento e pela vida veloz não seriam fruto mesmo de uma dessensibilização, mas comecei, a partir deste impasse inicial, a nutrir um entendimen-to mais profundo de que a questão urbana é, para a sensibilidade humana, uma disputa entre desejos, modos de desejar, modos de querer existir. Meu olhar recém-chegado e ultrassensível à reali-dade carioca não tardou a adicionar elementos à trama inicial das minhas questões de pesquisa, sobretudo enxergando na cidade o contraste entre as muitas cenas de caos acelerado escorrendo com a paisagem, plano de fundo que suplicava parada e atenção. Essas reflexões surgiam de forma claramente relacionada, para mim – e apenas para mim –, à minha inquietação inicial: a oposição entre velocidade, virtualidade, e vagar, presença, atenção, problemática sobre de que modos direcionávamos nossa atenção, cercada pelo fluxo virtual de imagens e informações, e como isso influenciava os ambientes urbanos.

Ciente dessa rede de temas correlatos, concluí que deveria inves-

tir em um recorte da cidade capaz de oferecer contato com essas demandas da contemporaneidade. E tanto a paisagem quanto meus estudos científicos anteriores (através dos quais pude descobrir a relação entre fluxos virtuais de imagens e a produção das reformas urbanas recentes), apontavam que eu deveria explorar o recorte da zona portuária, recentemente reformada para uma olimpíada, onde eu esperava encontrar um ambiente dormente, cênico, higienizado. Ao explorar a região me surpreendi com alguns pontos da Praça Mauá, onde pessoas pescavam, mergulhavam, conversavam to-mando sol e contemplavam longamente a paisagem. Me senti bem, imediatamente, naquele microcosmo que contradizia tudo que eu esperava e se fazia sentir como um alívio, uma zona de pausa. Esta conexão foi apenas o início de uma grande vontade investigativa de compreender de que maneira pareciam se unir ali duas ambiências

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tão distintas, e saber como os demais frequentadores enxergavam esse lugar “entrelaçado”, simultaneamente lugar do trânsito e da pausa, para posteriormente compreender que a autonomia dos praticantes do espaço encontra meios de resistir, semeando inúme-ras potencialidades para resgatar alternativas aos efeitos negativos da reificação da vida urbana. O entrelaçamento urbano tanto diz respeito a esta permeabilidade dos universos incorporais midiati-zados sobre o real, quanto às possibilidades de, a partir da fluidez e dos excessos, encontrar autenticidades e identidades, fundadas nas práticas subjetivas, abertas às linhas de fuga do desejo. A partir desta consciência, permanece na linha do horizonte a motivação para descobrir como potencializar ambientes urbanos capazes de acolher diversas necessidades existenciais, harmonicamente.

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2.Etnografias

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Arquiteturas nas feiras ao ar livre:

Intersubjetividade, superfícies de contato

e eventoAndré Luiz Carvalho Cardoso

O ensaio aqui apresentado é parte da tese de dou-toramento “Arquitetura nas feiras ao ar livre: Paradig-mas para construções de mercados populares contem-porâneos” (CARDOSO, 2011), defendida em 2011 pelo PROARQ/FAU/UFRJ. O recorte apresentado tem como foco os percursos metodológicos construí-dos em uma ampliação do campo, a partir de atravessa-mentos entre arquitetura e cultura.

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Desde 1994, venho coletando materiais sobre diversas feiras livres tradi-cionais, do Rio de Janeiro e do Nordeste (fotos, entrevistas, observação participante, etc.). Nos materiais coletados, e nas análises posteriormen-te desenvolvidas, pude observar que, nesses locais de troca, as relações intersubjetivas suplantam as materialidades das construções, fossem elas precárias ou não. Por isso, mesmo em espaços requalificados, em que a arquitetura era usada como ferramenta de transformação, na tentativa de fixação estrutural, esta arquitetura acabava sendo subvertida e reapropriada pelos agentes sociais. As feiras são lugares dominados pela mobilidade01.

Considerando o objetivo desta análise tratar de metodologia, torna-se inevitável questionar a própria noção de método, já que sempre ficamos suscetíveis a fixar situações em categorias de análise mais repetitivas. O uso da etnografia, configurada por trabalho de campo, observação partici-pante e tempo prolongado de convivência na feira, me colocou em contato com a ideia de “evento”. Diferente de categorias mais identitárias e fixas, o evento se constrói em performances, ritos, acontecimentos. O “estar na feira” me fazia partícipe em seduções e recusas no âmbito das próprias relações políticas tensionadas por personagens distintos: os feirantes, o poder público, arquitetos, engenheiros, etc.

Arquitetura nas feiras ao ar livreAo enveredarmos numa feira, deparamos-nos com as complexidades características daquilo que pensamos como cidade que, nos termos de Lefebvre, “é a obra a ser associada mais com a obra de arte do que com o simples produto material. Se há uma produção da cidade e das relações sociais na cidade, é uma produção e reprodução de seres humanos, mais do que uma produção de objetos” (LEFEBVRE, 2001, p. 46). Isso passa

01 Marc Augé nos oferece alguns caminhos para pensar mobilidade: “[...] Pensar a mobilidade é pensá-la em diversas escalas para tentar compreender as contradições que minam nossa história [...] Pensar a mobilidade é também aprender a repensar o tempo. [...] Pensar a mobilidade no espaço, mas ser incapaz de concebê-la no tempo, essa é finalmente a característica do pensamento contemporâneo preso na armadilha de uma aceleração que o entorpece e o paralisa [...]” (AUGÉ, 2010, pp. 99-102)

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a ser o imperativo para escolhas e os recortes desenvolvidos nesta pesqui-sa. Falo, aqui, do centro frenético de uma cidade. As feiras podem servir como metáforas e metonímias, como reproduções diminutas das cidades que as abrigam e como interpretações da vida, do trabalho, do lazer, das relações interpessoais, das hierarquias, dos sentidos de pertencimento.Na dinâmica desta espécie de “micro-urbanismo” das feiras, vemos repro-duções adaptadas das dinâmicas existentes na cidade. Lá estão as ruas, separadas em principais e secundárias, estão os centros e periferias que ca-racterizam dicotomias urbanas. Perpassando tais “cidades”, estão também as demarcações entre público e privado. Tudo isso, na maioria das vezes, só é possível perceber depois de nos despirmos da impressão inicial de se estar diante de um grande caos. Pois, como nos afirmara Claude Lévi-S-trauss, “toda paisagem apresenta-se de início como uma imensa desor-dem, que nos deixa livres para escolhermos o sentido que preferirmos lhe atribuir” (LÉVI-STRAUSS, 1989 p. 54). Ao mesmo tempo, entender tais divisões separadamente, coloca-nos diante de uma armadilha, ao analisar-mos as cidades e as feiras. A construção da tese teve como hipótese a ideia de que a arquitetura nesses espaços tradicionais de troca, as feiras livres, caracteriza-se por sua dimensão temporal, a partir da qual as dinâmicas da vida e das trocas em comunhão com a materialidade de objetos, muitas vezes banais, transfi-guram-se em arquitetura. Configura-se, desta forma, uma arquitetura que reside numa espécie de entre-lugar, que se dá a partir de superfícies de contato vivenciadas numa relação intersubjetiva entre atores sociais, sendo estimulada pela troca e pela efemeridade do evento.Tal hipótese, a priori, possui um caráter abrangente, se pensarmos que toda arquitetura, seja um supermercado, um ponto de ônibus ou até mes-mo uma barraca de camping, guarda a temporalidade como característica na interação entre a construção e seus usuários. Não fosse assim, não seria arquitetura.  Mas, aqui, reside um grande desafio para projetos de requali-ficação e para permanência e manutenção da memória ou por seu com-pleto aniquilamento objetivando um futuro. Contudo, uma diferença deve ser considerada: a ideia de arquitetura como “produto fechado”. As feiras são exemplos emblemáticos de como a arquitetura pode ser colocada à prova no seu objetivo de permanência.

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A diferença principal, portanto, estaria no entendimento ou na possibili-dade de compreender que projetos arquitetônicos para espaços populares, como as feiras aqui estudadas, devem guardar em sua origem a dimensão transitória ou a dimensão da interatividade, sendo compreendida por seus projetistas como uma “obra aberta”02. O usuário é co-autor da obra e essa obra (arquitetura) só se dá nesta relação.Percebo, nessa questão vinculada a uma ideia de arquitetura como obra aberta, uma obra em processo, a possibilidade de ter, na arquitetura popu-lar das feiras livres, o laboratório pertinente para se discutir este tema tão caro à arquitetura contemporânea. Sabemos que, para muitas disciplinas como a antropologia, sociologia, geografia humana e até mesmo as artes visuais, esta temática pode parecer já superada e não fazer, hoje, o menor sentido; entretanto, na arquitetura, essa discussão revela-se cada vez mais presente.Para capturar ou, antes disso, para elaboração das categorias que nortea-ram essa análise, foram fundamentais as pesquisas de campo desenvolvi-das a partir dos conceitos da etnografia. As condições apriorísticas, carac-terísticas de muitos modelos de pesquisas formalistas, foram substituídas pelo caminho empírico adotado como método antropológico. Serve-nos, então, o caminho apontado por Clifford Geertz, ao descrever uma das funções principais do etnógrafo, que deve primeiro apreender para depois explicar. Assim, seguimos como base as teorias etnográficas descritas por James Clifford (2002), com ênfase na observação, linguagem local, rigor científico, observação participante, observação metódica, informantes, etc.A pesquisa de campo desenvolvida me proporcionou o desafio de viven-ciar importantes e tradicionais feiras brasileiras. Nas capitais, podemos destacar: a Feira de Caxias, no Rio de Janeiro, a Feira de São Joaquim em Salvador – Bahia, e o Complexo do Ver-o-Peso em Belém do Pará. Des-taco também minhas incursões em feiras do interior do nordeste brasileiro como: a Feira de Caruaru, em Pernambuco, a Feira de Paulo Afonso, no sertão da Bahia; a Feira de Santana do Ipanema, no sertão de Alagoas; Feira do troca em Juazeiro do Norte, sertão do Ceará; Feira de Sousa, no sertão da Paraíba, dentre outras. Esta oportunidade de estar nesses

02 Termo clássico dos estudos de Umberto Eco ao analisar as “formas e inderteminação nas poéticas contemporâneas” (ECO, 1971).

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tradicionais espaços de troca do Brasil, tanto nas capitais como no interior, colocou-me diante das questões abordadas sobre uma suposta arquitetura característica nesses locais. Porém, para o escopo da tese, foram privile-giadas duas feiras tradicionais, a saber, a Feira de São Joaquim e a Feira do Ver-o-Peso, ainda que em alguns momentos outras feiras pesquisadas tenham servido como referencia, exemplificando categorias de análise.Destaca-se como característica fundamental para escolha das duas feiras como objetos de estudo da pesquisa, a passagem pelo processo de requa-lificação. No Mercado Ver-o-Peso, pude pesquisar as complexidades de uma espaço que passou pela reforma. Na Feira de São Joaquim, o que es-tava em destaque era a liminaridade de um momento de transição. Desde 2006, são discutidas propostas de reformas entre Sindicatos de Feirantes, Governo e escritório de arquitetura.O trabalho de campo que fundamenta esta pesquisa foi desenvolvido de forma intermitente ao longo de quase dez anos. Destaca-se a Feira de São Joaquim como a feira mais visitada durante todos esses anos03.O registro iconográfico dessas feiras e suas arquiteturas é iniciado em meus primeiros contatos com a Feira de São Joaquim, no ano de 1994, ainda na faculdade de arquitetura. Influenciado por meu encontro, na Bahia, com o artista plástico Carybé e por seu relato apaixonado sobre esta feira baiana, nunca mais parei de observá-la e registrá-la.A partir da afirmação de Carybé, de que “o primeiro lugar a ser visitado numa viagem é a feira, pois entendemos ali a identidade mais forte dos habitantes” (CARYBÉ apud CAMPOS, 1998, p. 52), tornei-me uma espé-cie de turista aprendiz, parafraseando Mario de Andrade, que buscava nas cidades visitadas encontrar nas feiras a “identidade dos seus habitantes”.As várias pesquisas de campo nas diversas feiras visitadas se deram de for-ma variada. No Mercado Ver-o-Peso, por exemplo, os trabalhos de campo e o registro iconográfico para pesquisa foram realizados em cinco dias de intenso convívio na feira no mês de dezembro de 2011.Num ensaio sobre narrativa, Victor Turner argumenta que “as perfor-mances sociais encenam histórias poderosas – míticas e também de senso

03 As entrevistas e relatos começam a ser desenvolvidos a partir de 2003, quando inicio minha pesquisa sobre feiras, na Pós-Graduação em Sociologia Urbana pela UERJ.

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comum – que proporcionam ao processo social uma retórica, “uma forma de enredo e um significado” (CLIFFORD, 2002, p. 63). Assim, podemos afirmar e reconhecer as feiras, aqui investigadas, como espaços de cons-tantes “performances sociais” que encenam, cotidianamente, inéditas e po-derosas histórias. O que trago, então, como método narrativo, é um relato com fragmentos de minha participação em algumas dessas “performances sociais”, uma imersão, um estar-na-feira.Nas cidades e nas feiras, tudo é dinâmico. Dependendo do horário, temos feiras sobre feiras, personagens que aparecem e desaparecem. Às 05:00h, lá estamos diante do desembarque de produtos, com personagens específicos, nomeados: mateiros, barqueiros, balanceiros, arrumadores, carregadores etc. Ao meio-dia, a feira pode ser tomada pelo público trabalhador do entorno que quer alimentos baratos, pequenos lanches. Se for sábado ou domingo, a feira é festa. Aliás, a feira é sempre festa, há sempre cervejas e cachaças abertas sobre mesas, no interior das barracas, no cantinho, nas esquinas, sobre as caixas que antes serviram de engradado para carrega-mento de produtos e depois voltarão a suas funções. Às duas da tarde, passado o refestelamento do almoço, com o calor abrasante embaçando a paisagem, caixas e carrinhos de mão servem como cama para o cochilo rápido, para a sesta. À noite, podemos ter o completo sumiço da feira, ou outras possibilidades de apropriação, o forró, o namoro, a prostituição, a possibilidade do ilícito. Aliás, se tratarmos de lícito ou ilícito, cairemos na eterna tentativa de normatização das práticas populares. Portanto, enten-der as feiras a partir de categorias fixas nos induz ao erro; o mais aconse-lhável é entendê-las, as categorias, como flutuantes, trocando de formas e funções.Falo, por isso, de uma lógica de funcionamento que se confunde com a própria lógica das cidades. Afinal, esses seculares espaços de troca encon-tram-se fortemente imbricados com as cidades. Muitas vezes, as feiras fundavam as cidades. Temos, como exemplo, no Brasil, a Feira de Caruaru, que dá origem e nome à cidade de Caruaru, em Pernambuco.Nos levantamentos bibliográficos e nas várias incursões feitas a campo, fi-cou claro, corroborando a afirmação de Luiz Mott (2004), que entender a feira é um caminho interdisciplinar. Ao mesmo tempo, diante de observa-ções arquitetônicas, percebeu-se que a feira se expandia para além de suas

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construções. Como afirma Duarte (1993), observando um dia de feira no espaço público, “a praça parece se alargar em dias de feiras e seus limites vão muito além dos limites físicos das ruas que os cercam”. Então, esses “limites físicos” também são expandidos nas delimitações das próprias ruelas e barracas das feiras. A arquitetura não poderia ser estuda-da, em si, como uma análise da forma, mas a que nos interessa é ressigni-ficada em seu uso, nas trocas, inserida no espaço da rua “cujos significados construídos pelas ações cotidianas o diferenciam e o tornam uma catego-ria sociológica inteligível”. (LEITE, 2004, p. 19).O princípio organizador desta pesquisa, então, baseou-se na constatação de que as transformações arquitetônicas por que vêm passando tradicio-nais feiras populares brasileiras, desde o inicio do século XXI, no Brasil, como no caso estudado no mestrado do CLGTN, mostram-nos que os projetos arquitetônicos de intervenção nesses espaços ainda apontam di-ficuldades ao se relacionar com o cotidiano da vida, com a imaterialidade característica destes locais de trocas.Observa-se como problema nos espaços transformados uma tentativa de uso da arquitetura, ora por parte dos poderes públicos ora por parte dos próprios arquitetos, como ferramenta de domesticação e regulação das praticas informais que caracterizam as feiras livres tradicionais. E ao intervir usando a arquitetura como ferramenta de apropriação, impon-do a forma como molde para as praticas populares que caracterizam-se pelas práticas transitórias, esses agentes responsáveis pelas transformação acabam criando contradições. Contudo, o diálogo entre essa arquitetura imposta e a imaterialidade do evento faz emergir um “entre” mutável, vivo e dinâmico, que se distingue tanto das intenções dos interventores quanto das características anteriores dos comércios populares.Sabemos que tais processos de intervenção urbana modificam e acabam gerando novas memórias para esses locais, principalmente quando se trata de lugares como as feiras livres, ricos em histórias, e que vêm passando, ao longo dos tempos, por várias modificações. Como muitos desses comér-cios populares ainda não foram modificados, buscou-se fazer uma análise observando tanto os mercados já transformados como estes ainda não modificados. Verificamos, com isso, como os espaços de trocas são influen-ciados pelos processos de enobrecimentos e como estas novas arquiteturas são influenciadas pela transitoriedade das relações intersubjetivas.

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Constam muito poucas bibliografias sobre feiras livres. Bibliografias de feiras que tenham discussões arquitetônicas são muito mais escassas no Brasil. Para esta pesquisa, foram encontrados poucos estudos que relacio-nem os dois temas aqui pesquisado (arquitetura e feira livre). Assim, ao vincular esses dois temas, como recorte de estudo, buscamos preencher uma lacuna tanto como suporte teórico acadêmico e, sobretudo, servindo como bibliografia de auxílio a projetos e projetistas.É importante destacar os vários informantes entrevistados, fundamentais para esta pesquisa. Destaco alguns que serviram como interlocutores, como “vozes” que possibilitam os percursos etnográficos trilhados nesta tese. São eles:

Marcílio – Presidente do Sindicato dos Feirantes de Sal-vador e representante oficial dos feirantes da Feira de São Joaquim, em Salvador – Bahia; Naia Alban – arquiteta responsável pelo projeto de requalifi-cação desenvolvido para Feira de São Joaquim; Seu Pascoal – Vendedor de Farinhas da Feira de São Joa-quim; Edmilson Rodrigues – arquiteto e prefeito de Belém, na época, foi que criou o concurso nacional para reforma do Mercado Ver-o-Peso; Rodrigo Azevedo – arquiteto carioca, fez parte do grupo vencedor que desenvolveu sob coordenação do arquiteto e professor Flávio Ferreira o projeto de requalificação do Mer-cado Ver-o-Peso, em Belém do Pará; Leila – erveira e representante das “cheirosas” vendedoras do setor de ervas do Mercado Ver-o-Peso.

Minha observação em campo recaiu, com isso, nos contatos interpessoais, na funcionalidade do evento marcado pelas trocas e nas possíveis relações que esta não fisicalidade intersubjetiva empreende com a arquitetura, passando a ser também parte indissociável desta. Para isso, três categorias de análise apresentam-se como conceitos fundamentais para a confirma-ção da hipótese que se propôs. São elas: intersubjetividade, superfície de

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contato e evento. Dentro dessas categorias sustentadas inicialmente pelos conceitos que as nomeiam, construiu-se, em toda pesquisa, discussões teóricas, conceituais que dialogaram com as mesmas. Passamos, então, a apresentar essas categorias.

IntersubjetividadeAo falarmos de intersubjetividades, estamos, nos termos de Buber (2001), falando das relações sociais, da inter-relação que “envolve o diálogo, o encontro e a responsabilidade entre dois sujeitos e/ou a relação que existe entre o sujeito e o objeto”. Intersubjetividade, então, nos serve como base para o entendimento das relações que se constroem nesses espaços de troca, nas feiras livres. Algo que transcende as relações corporificadas no objeto arquitetônico. Espaços que se caracterizam pela “vida em diálogo”. Esclarecimento este que encontramos no capítulo de introdução, escrito por Newton Zuben, para o livro Eu e tu, e que nos afirmaria a pertinência em utilizar o filósofo Martin Buber como base para o conceito de inter-subjetividade utilizado.As pistas para chegarmos à ideia de intersubjetividade estão presentes na “experiência etnográfica” de James Clifford (2002). Esse autor, que cita várias vezes o termo em sua obra, destaca um certo status exemplar da prática etnográfica a partir do “envolvimento intersubjetivo”, no qual tanto os sujeitos que circulam nas feiras quanto os feirantes estão imbricados.A ideia de intersubjetividade apresenta-se, dessa forma, como chave para o entendimento e reconhecimento dos tradicionais espaços de troca. Espaços, segundo Braudel, de uma atividade de “mão na mão, olhos nos olhos” (BRAUDEL, 1996, p.15).Constroem-se, a partir dessas relações sociais, espaços que se ampliam para além do simples ato de comprar e vender as chamadas mercadorias. Mumford também nos mostra que, desde sua formação, os espaços de troca sempre foram esses locais de inter-relações, em que “provavelmente não existe sequer um mercado urbano onde a troca de notícias e opiniões, pelo menos no passado, não desempenhou um papel quase tão importante quanto a troca de mercadorias”. (MUMFORD, 2008, p. 179). Lugares de

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trocas ampliadas onde, ao observarmos e exercermos essas inter-relações, acabamos por chegar àquilo que Mauss chamou de “Dádiva”04.Assim, as feiras livres acabam por se transformar em importantes espa-ços de trabalho, sociabilidade e lazer, tendo nessa dinâmica intersubjetiva sua dimensão de “não fisicalidade”, que acaba por construir a essência do que buscamos entender como arquitetura das feiras livres. Nessa não fisicalidade da intersubjetividade estaria o que buscamos como dimensão transitória, móvel, efêmera dessas arquiteturas e que acaba por construir o que se busca preservar como patrimônio imaterial. Por isso, o ofício do arquiteto se emparelha com o ofício do etnógrafo.Essas relações, caracterizadas pelas intersubjetividades, instauram-se e constroem superfícies materiais para que o “evento” se dê. São “ações que se convertem em trajetórias espaço-temporais da matéria”. (SANTOS, 2009, p.93) Santos, em suas teorias sobre A natureza do espaço, oferece--nos a base que procuramos para formular aquilo que entendemos como arquitetura dos espaços populares de troca, das feiras, e que se caracteriza por essa “inseparabilidade entre ação05 e objeto”. Para Santos, “o espaço reúne a materialidade e a vida que a anima”. Assim, “a ação é ação em uma paisagem e é a paisagem que dá forma a ação”. Então, onde se colocaria a arquitetura no conceito de feira? Por que a necessidade de construir superfícies ou suportes para relações intersubjeti-vas momentâneas? Chegamos, então, a essas construções, que são geradas pelas ações, pela troca. Seguindo a definição de Braudel, vamos nomeá-las aqui de superfícies de contato. 

04 “Nas economias e nos direitos que precederam os nossos, nunca se constatam, por assim dizer, simples trocas de bens, de riquezas e de produtos num mercado estabelecido entre indivíduos. Em primeiro lugar, não são indivíduos, são coletividades que se obrigam mutuamente, trocam e contratam; as pessoas presentes ao contrato são pessoas morais [...] Ademais, o que eles trocam não são exclusivamente bens e riquezas, bens móveis e imóveis, coisas úteis economicamente. São, antes de tudo, amabilidades, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres, crianças, danças, festas, feiras, dos quais o mercado é apenas um dos momentos, e nos quais a circulação de riqueza não é senão um dos termos de um contrato bem mais geral e bem mais permanente” (MAUSS, 2003, p. 190 e 191).

05 “Ação, como a corrente de intervenções causais reais, ou observadas, de seres corpóreos num processo continuo de acontecimentos no mundo.” (SANTOS, 2009, p.79)

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Superfícies de contato

A ideia de superfície de contato, destacada no texto de Braudel, chamou--nos a atenção para a possibilidade de entender uma materialidade que se dá antes e depois do evento, uma materialidade que poderíamos conside-rar como uma pré e uma pós-arquitetura das feiras. Essa materialidade faz parte de um processo que poderíamos chamar de arquitetura como superfí-cie de contato, usada como base para que, no encontro entre objetos e pes-soas, a arquitetura dos espaços de troca aconteça em sua plenitude: “Entre ‘vida material’ (no sentido econômico muito elementar) e vida econômica, a superfície de contato, que não é continua, materializa-se em milhares de pontos modestos” (BRAUDEL, 1996, p. 7, grifo meu).Em uma feira livre, podemos destacar muitos objetos que se transformam em superfícies de contato para que as trocas se deem. Dentre os vários exemplos, podemos citar alguns bem característicos, como: caixotes, lonas, carrinhos de mão, tabuleiros etc.

Nas várias incursões feitas a esses locais de troca, pude registrar, através de fotografias, sequências de imagens, uma amostragem dos processos de transformação do objeto, em que, por exemplo, um carrinho de mão pode ser utilizado para o transporte da mercadoria, para a sua comercialização e até mesmo como espaço para descanso. Através das análises e dos registros que ilustram essa situação, pude construir o entendimento que buscava sobre a materialidade descrita por Braudel como “pontos modestos” que operam como “superfícies de contato” nas feiras livres. Essas pesquisas empíricas e observações sobre as superfícies de contato tornam-se fundamentais, pois, em tais superfícies, encontramos a dimen-são material que nos servirá como ferramenta de análise para auxiliar na comprovação da hipótese central da tese.Aqui, lembramos que a hipótese desta tese busca uma arquitetura das feiras livres que acreditamos caracterizar-se por sua relação entre super-fícies de contato e intersubjetividades, criando uma dimensão transitória, efêmera ou da mobilidade, que só pode ser percebida na relação “espaço--temporal” do evento, nos termos de Santos (2009). 

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EventoNa crença de que a arquitetura das feiras livres e mercados populares acontece na interrelação entre a materialidade dos objetos e a imateria-lidade da vida, chegamos a uma dimensão transitória. Encontramos, na ideia de evento descrita por Milton Santos, a dimensão espaço-tempo-ral que nos serviu como base conceitual desse entendimento. O evento “permite unir o mundo ao lugar; a História que se faz e a História já feita; o futuro é o passado que aparece como presente. O evento aparece como essa grande chave para unir também a noção de espaço e tempo [...] como um todo único” (SANTOS, 1999, p.1).Temos, então, na noção de evento, descrita por Santos, a construção do entendimento que buscamos sobre arquitetura das feiras livres. Corrobo-ra-se, assim, com a ideia de uma arquitetura transitória que se caracteriza pela temporalidade e acontece numa espécie de “entre”, de limiar, consti-tuído pela junção da imaterialidade das relações sociais com a materiali-dade dos objetos e fortalece a ideia participacionista, que, nos termos dos Situacionistas, cria “situações” e, nos de Tschumi, “eventos”. O arquiteto Bernard Tschumi chega até mesmo a vincular a noção de evento como uma das naturezas da arquitetura: “O papel de incidentes isolados – tantas vezes descartados no passado – evidencia que a natureza da arquitetu-ra nem sempre se encontra na construção. Eventos, desenhos, textos, expandem as fronteiras de construções socialmente justificáveis.” (NES-BITT, 2006, p.181, grifo meu).

Considerações finaisAs feiras livres nos apresentam suas arquiteturas-lugares quando procura-mos, despidos de nossas “crises de niilismo”, compreender as construções daqueles espaços. Nesse sentido, esta pesquisa identifica como ponto fundamental a ampliação de uma postura profissional. Dessa forma, nós, arquitetos, podemos enveredar, nas feiras livres, a partir de uma mirada etnográfica. A partir do entendimento de que as arquiteturas nas feiras ca-racterizam-se por sua dimensão imaterial, vinculando inter-relações, usos, contrausos, eventos, podemos afirmar que, na análise de uma feira livre,

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estamos refazendo a ideia de arquitetura. Suas características transitórias nos fazem considerar que o entendimento sobre tais estruturas deve rever as características de permanência e tipologias.Assim, é possível verificar nas feiras que os objetos só se tornam arquite-turas mediante as práticas sociais que lhes exprimem sentido. A arquite-tura das feiras caracteriza-se por essa imbricação forma-conteúdo, criando um terceiro lugar, um limiar que acaba por defini-la como uma arquitetura “viva”.Nas feiras livres pesquisadas, eu estava lá, algumas vezes arquiteto, ou-tras etnógrafo, outras vezes um comprador de ervas, outras como turista aprendiz, outras ainda rememorando minhas feiras do subúrbio, onde me criei. Independentemente dos papéis que eu estava desempenhando, em todas elas fui um construtor de arquiteturas nas relações intersubjetivas que desempenhei. Se tal arquitetura é construída no evento, fui co-autor em cada visita, arquiteto de intersubjetividades. Ao comprar farinhas, cerâmicas, dendês, no momento da troca, pude exercer minha profissão, perfazendo ou desmanchando cenas, situações, arquiteturas, por fim.

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André Luiz Carvalho Cardoso é Arquiteto e Urbanista. Doutor e Mestre em Arquitetura pelo PROARQ/FAU/UFRJ. Especialista em So-ciologia Urbana pela IFCH/UERJ. Professor Adjunto do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola Superior de Desenho Industrial, professor do Programa de Pós-Graduação em Design – PPDESDI/UERJ, Vice–Dire-tor da ESDI/UERJ. Desenvolve pesquisas sobre arquiteturas autóctones, a função social do arquiteto e a compreensão do espaço arquitetônico para arte. Atua com investigações e projetos relacionados à habitação de interesse social, direito à cidade, insurgências arquitetônicas, emergências socioambientais e sociologia urbana. No campo das artes visuais, atua com expografia e desen-volve investigações sobre exposições de arte contemporânea e interferências urbanas.

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[Con]viver e [trans]formar

pela ambiência. Metodologias para o

espaço construídoNatália Rodrigues de Melo

Enquanto pesquisadora do Laboratório Arquite-tura, Subjetividade e Cultura, desde 2011, tive a pos-sibilidade de melhor compreender conceitos que de-batem o espaço construído das cidades e entendê-los principalmente pelo viés subjetivo e cultural. Dentre alguns desses conceitos, destaco a Ambiência, pois ela entrelaça, como bem colocou Duarte (2011), aspectos funcionais, formais e ambientais dos espaços antes tra-tados como fatores isolados.

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A ambiência, segundo Thibaud (2004), precede e condiciona um espaço com todos seus elementos – físicos e sensíveis – em conjunto com as re-lações humanas e pode ser considerada, de acordo com Augoyard (2004), uma atmosfera material e moral que envolve um lugar e as pessoas que delem fazem parte. Assim, podemos dizer que a ambiência permeia todos os espaços de nossa vida cotidiana, porém, sem que nós percebamos de imediato a sua existência. Entretanto, ela está lá, passando como um rio que se modifica diariamente, mas sempre unificando tudo que faz parte do lugar. São as ambiências que possibilitam a interação entre a percepção, as emoções e as ações das pessoas em suas representações sociais e culturais.Esse conceito, no entanto, não é fechado, uma vez que sua principal carac-terística é nos levar a refletir sobre tipos de experiência, percepção e ação em determinados e específicos contextos urbanos, segundo Duarte (2011). Dessa forma, a definição de ambiência está muito mais próxima do campo empírico do que do teórico, e isso implica num caráter pragmático do conceito que, para ser tematizado, requer um retorno ao concreto com ações de observação e vivência.Envolta no fascínio por esse conceito e buscando contribuir para o aprimoramento do significado da ambiência, realizei pesquisas junto ao LASC, cuja compreensão do espaço urbano foi construída, sobretudo, por trabalhos empíricos dentro dessa atmosfera. Sob a batuta de Cris-tiane Duarte e Regina Cohen, desenvolvemos no mestrado uma análise sobre a acessibilidade das cidades históricas, partindo do pressuposto de que as pessoas com deficiência criam estratégias sensoriais, cognitivas e de deslocamento para engendrar uma relação de afeto com a ambiência de uma localidade reconhecida como patrimônio. Mesmo com grandes dificuldades de acesso existentes aos bens tombados e com a falta de pla-nejamento dessas cidades para as pessoas com deficiência, verificamos que a ambiência contribui para uma construção identitária com o lugar, bem como possibilita, através do pertencimento e da apropriação do espaço, entender melhor as falhas urbanas e lançar proposições para melhorias da acessibilidade. O trabalho foi intitulado Pelos percursos da acessibilidade: afeto e apropriação nas ambiências de uma cidade histórica. Estudo de caso em Ouro Preto, MG.No curso do doutoramento, novamente sob a orientação de Cristiane Duarte, mas agora em parceria de Paula Uglione, mudamos um pouco o

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lócus de análise e nos fixamos nos estádios de futebol reformados para a Copa do Mundo que ocorreu no Brasil em 2014. Na tese O grande palco futebolístico. Ambiência e memória no estádio do maracanã pós-reforma para a copa de 2014, partimos do fato de que as reformas/reconstruções dos estádios geraram discussões sobre as imposições a respeito dos novos hábitos de torcer, o aumento de preços dos ingressos e a transformação ar-quitetônica dos espaços. Diante desses argumentos, nós verificamos que a ambiência tem papel preponderante na reinterpretação dos novos espaços físicos, surgidos pelas reformas dos estádios para os megaeventos, além de funcionar como o elo entre o passado e a situação atual. A atmosfera do lugar, portanto, foi capaz de possibilitar a [re]significação dos espaços por meio das práticas e das crenças compartilhadas nesta nova situação. Como a ambiência, é fácil sentir, porém, difícil explicar, segundo Au-goyard (2007); fez-se necessário, para ambas as pesquisas, um arsenal metodológico muito bem desenhado e ancorado em uma investigação empírica. Cercamo-nos, assim, de um leque metodológico interdiscipli-nar que abarcasse uma diversidade de experiências a fim de trazer maior completude a um conceito complexo e em constate construção. Assim sendo, o objetivo deste ensaio é, em breves linhas, descrever um pouco da metodologia utilizada nesses dois trabalhos desenvolvidos junto ao LASC e elucidar a importância da ambiência em cada um deles.

Tecendo relações- etnotopografia

O primeiro caminho que escolhemos seguir em nossas pesquisas foi pela etnografia, ou melhor, pela etnotopografia, pois era preciso sentir a am-biência dos lugares pelo “olhar” do pesquisado. A etnotopografia consiste em uma “etnografia espacial”. Em pleno desenvolvimento pelo LASC, a metodologia visa, por meio de instrumentos voltados para a interpretação e conhecimento de ambientes construídos, apreender usos, valores e signi-ficados dentro de uma sociedade. Segundo Duarte et. al. (2007), por meio da criação de ferramentas que têm base no leque interdisciplinar das ciências humanas, porém adaptadas

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à linguagem e à sensibilidade próprias a pesquisadores da área de arquite-tura e urbanismo, a análise etonotopográfica busca analisar “a configuração dos atributos do espaço a fim de estabelecer os tipos identitários dos sig-nificados e das imagens urbanas coletivas assim como para a compreensão do espaço enquanto materialização das culturas, subjetividades e projetos de vida” (DUARTE et al., 2007, p. 4). As principais características da análise etonotopográfica, e que a diferenciam da análise etnográfica, são, primeiramente, relacionar uma aplicação de estudos de um grupo socio-cultural em um determinado lugar, com base e suporte no espaço em si e, em seguida, usar resultados gráficos e visuais passíveis de serem interpre-tados pelo pesquisador das áreas de arquitetura e urbanismo.Utilizamos a etnotopografia atrelada à observação participante que consiste no “exame” minucioso de sujeitos em um determinado contexto. Segundo Becker (1999), não se trata de uma observação comum, mas voltada para uma descrição de um problema previamente definido. Essa observação coloca o pesquisador imerso nas vivências de pessoas e permite uma melhor compreensão da mobilidade do corpo no cotidiano da cidade, facilitando a criação de subsídios mais consistentes para a análise. Na nossa primeira pesquisa, a etnotopografia nos possibilitou fazer parte do cotidiano das pessoas com deficiência, principalmente nos desloca-mentos pelas ruas da cidade histórica de Ouro Preto. Observamos o com-portamento das pessoas de acordo com os acessos encontrados na cidade e atentávamos para as estratégias criadas para driblar os obstáculos e se de alguma forma elas conseguiam criar alguma relação de afeto. Em nossa segunda análise, a etnotopografia atuou como principal ferra-menta de investigação dos sujeitos enquanto torcedores dentro da Arena Maracanã. Queríamos, em campo, nos misturar aos mais diversos fãs, de todos os clubes cariocas, a fim de entender a relação de cada um deles – em seus grupos ou separados – com o espaço futebolístico. O nosso desejo era vivenciar com esses torcedores os sentimentos causados pela mudança no estádio ocorrida para a Copa de 2014 e desvendar todos os detalhes da relação com um lugar novo e reformado, mas que ainda parecia pulsar movido pela paixão do futebol. Segundo Laplantine (2004), a etnografia é uma atividade decididamente perceptiva, buscando, numa abordagem micro-sociológica, observar o mais

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atentamente possível tudo que encontramos, sobretudo, os comportamen-tos mais banais. Sendo a etnotopografia um desdobramento da etnografia, mas com base e suporte no espaço em si, vinculamos a completude desse método para uma abordagem da ambiência. Como a ambiência nos con-duz a pensar a partir das experiências das pessoas com o meio físico e das relações sensíveis que estabelecem com o ambiente e com outras pessoas, o uso dessa ferramenta auxilia na compreensão de condutas, de vivências e de trocas estabelecidas pelos diferentes grupos com uma determinada ambiência de um espaço construído.

Percursos comentados & roteiros sensoriais

- pelos percursos da acessibilidade

Os Percursos Comentados e os Roteiros Sensoriais deram origem aos Percursos da Acessibilidade. Este método surgiu, pois sabíamos que preci-sávamos de algo, além da etnotopografia, para nos auxiliar na compreen-são da ambiência enquanto propulsora dos deslocamentos e afetos pelas pessoas com deficiência.Sobre os Percursos Comentados, este foi desenvolvido por Jean-Paul Thibaud, em 2003, e o objetivo é detalhar, por meio de percursos em um determinado espaço construído, a percepção que os usuários têm de uma ambiência. O método procura verificar o que o ordenamento material de uma ambiência convoca com relação aos fenômenos sensíveis sonoros, lu-mínicos, olfativos e também às formas sociais e aos modos de relação com o outro. Por meio desses percursos, busca-se entender como o ordenamen-to material influencia os fenômenos perceptíveis e na maneira de agir e interagir. Os Percursos Comentados nos fornecem informações acerca da percepção ambiental como fator de influência nas próprias experiências dos sujeitos pesquisados. “Trata de pedir às pessoas que progridam em espaços e que descrevam durante o seu andamento, a sua percepção e as suas sensa-ções” (THIBAUD, 2002, p.4). O objetivo de utilização do método é, por-tanto, coletar dados da percepção em movimento dos passantes, durante

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uma caminhada, de cerca de 20 minutos, em um determinado espaço (seja de um edifício, seja de um local público aberto). Assim, é possível sele-cionar as pessoas pesquisadas, que podem ser passantes regulares ou não, para saber quais são as suas percepções e sensações do espaço em que são convidadas a caminhar e descrever o que sentem com relação à ambiência (luz, odor, barulho, enfim, todas as impressões). Os percursos comentados são capazes de evocar memórias que refletem as relações de afeto, repulsa, envolvimento, enfim, sensações diversas, que mostram como a ambiência dos lugares é importante, à medida que não envolve somente o espaço físico. Uma representação de símbolos e lin-guagens despertam sentimentos e uma relação entre o ente e o meio num reconhecimento de si com o outro. Segundo Thibaud (2002; 2003), os locais possuem uma eficácia própria e os próprios fenômenos auxiliam na orientação do local. Por exemplo, no caso das pessoas com deficiência, elas possuem necessidades específicas e, em caso de espaços globais, a falta de equipamentos direcionados pode ser suplantada por elementos sensíveis que servem de apoio a elas, ajudando assim na orientação. Alguns elementos são atrelados às maneiras de se relacionar, como locais que atraem mais flâneurs, outros conflitos, insegu-rança, incertezas... ou seja, os espaços não são neutros. O método dos Roteiros Sensoriais, impetrado pelo Programa “Sentidos Urbanos: Patrimônio e Cidadania”, nasceu por influência dos estudos da fenomenologia Pontyana no curso de Turismo da Universidade Federal de Ouro Preto, MG (UFOP). Ele utiliza instrumentos educativos, sensoriais, artísticos, culturais e patrimoniais como objeto de trabalho, ampliando e fortalecendo a identidade cultural e o sentido de pertencimento da comunidade a fim de possibilitar melhor reflexão acerca dessa riqueza (VILLASCHI, 2011). Por meio de roteiros de cerca de uma hora e meia, o programa busca levar as pessoas por caminhos cotidianos, porém, inusitados da cidade de Ouro Preto, para que possam conhecer melhor a sua cidade e reconhecer o valor dos lugares através dos sentidos. Esses roteiros orientados evidenciam aspectos cotidianos através dos sentidos do corpo humano em relação ao espaço construído, apreendido pela percepção acionada pelos aspectos construtivos e sensoriais, instigada pelos orientadores que, no final, inci-

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tam a sintetizar o que foi vislumbrado, seja em histórias, mapas mentais ou desenhos. São utilizadas técnicas de percepção nos roteiros e que buscam provocar e instigar a vivência plena de ambiências, visando à promoção da mera con-templação e recepção pacífica de informações históricas para a experiência partícipe dos elementos da cultura local. As transformações desejadas são os sujeitos mais sensíveis quanto ao uso do espaço, potencializando a frui-ção dos lugares, no exercício integral e integrado da troca e da experiência cotidianas. Por meio de um olhar [re]significado, busca-se um [re]conhecimento do espaço e, dessa forma, mais respeito e amorosidade com o patrimônio cultural, despertar um sentimento de pertencimento social e empoderamento do legado cultural. Além dos roteiros previamente definidos e que sistematizam a caminhada em ambos os métodos, os Sentido Urbanos prezam pela fenomenologia da percepção como forma de educar para o patrimônio cultural, ao mesmo tempo em que captura observações e colocações importantes para o tema da acessibilidade. Ambos se complementam, no sentido de elucidar os fenômenos sensoriais que reverberam na urbe e servem como condição de deslocamento e acesso atrelados aos atributos físicos e formais, que, juntos, são parte da mesma atmosfera, que condiciona os lugares.

Mapeamento sensível das ambiências urbanas

Como resultado dos Percursos da Acessibilidade, nós criamos o Mapeamen-to Sensível das Ambiências Urbanas. Após as observações e os percursos realizados com as pessoas com deficiência, conseguimos extrair elementos sobre a ambiência das ruas pesquisadas que puderam ser cartografados. A observação de cada ambiência e cada particularidade desses espaços possibilitou a compressão das apropriações e afetações que as pessoas de-senvolvem pelo Lugar. Assim, ao examinarmos a cidade histórica de Ouro Preto, observamos aspectos únicos ligados a essas ambiências do físico, do emocional, do cultural, do histórico e principalmente do humano e seus movimentos situados nessa teia de elementos sensoriais.

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A nossa pesquisa teve por recorte espacial as ruas São José e Getúlio Vargas e, nelas, coletamos os dados sensoriais e emocionais dos usuários. Usamos como base o método de diagnóstico de barreiras de acessibilidade em áreas urbanas desenvolvido por Duarte, Cohen e Brasileiro e Silva (2013) para o levantamento físico dos percursos. O Mapeamento Sensível das Ambiências Urbanas foi inédito e usado a primeira vez no trabalho de mestrado “Pelos percursos da acessibilidade”. Entretanto, ele foi parte de uma variação da metodologia de mapeamento denominada “mapeamento das manifestações”, desenvolvida pelo LASC, que consiste em espacializar em planta baixa gráficos ou desenhos as manifestações de afeto, as relações interpessoais ou qualquer outro evento social que ocorra em campo, tornando mais claras as situações de inter-dependência de fatores emocionais, culturais e espaciais e permitindo a emergência de situações subjetivas a serem mais facilmente exploradas. Os ícones utilizados no mapeamento foram símbolos de acessibilidade demarcados previamente de acordo com a metodologia do diagnóstico (DUARTE, COHEN, BRASILEIRO e SILVA, 2013), como inclinação acentuada, degrau, buraco, barreira aérea, objeto muito alto e passagem estreita. Em seguida, criamos ícones para sensações, emoções e afetos, e acentuamos no mapa a reverberação de como eles apareciam na fala dos pesquisados.Optamos pelo mapeamento sistêmico da ambiência, observando prin-cipalmente a acessibilidade diante do patrimônio cultural. Assim, con-seguimos categorizar a ambiência das ruas pesquisadas neste mapa e conseguimos perceber a importância dessa atmosfera para a circulação do espaço, a apropriação e afetação, algumas vezes repúdio pelo local, mas principalmente notar como os sujeitos a sentem e atribuem seus valores de acordo com ela. Por fim, conseguimos perceber, diante do mapeamento das ambiências, que as pessoas foram capazes de criar estratégias de deslocamento pelo lo-cal. Percebemos que as pessoas puderam se orientar com base nos aspectos sensoriais e pela identificação com o físico. Esse aspecto somente é possí-vel uma vez experienciando a ambiência que torna o ambiente legível. A partir deste trabalho, percebemos que as pessoas puderam refletir sobre o lugar de forma mais consciente e perceberam que podem sugerir e interfe-rir melhorias dignas para todos.

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Arquivo mnemônico do lugar

Uma das ferramentas que usamos na nossa pesquisa de doutorado foi um trabalho que teve inspiração no “Arquivo Mnemônico do Lugar” sem, no entanto, segui-lo em sua totalidade, uma vez que esse arquivo é uma me-todologia que capta a memória da cidade. Em nosso caso, nós queríamos conhecer os significados e [re]significados e, para tanto, interessava-nos observar as ideias que surgiam dos relatos dos nossos informantes. Cabe informar que o Arquivo Mnemônico do Lugar é uma ferramenta criada pelo LASC, a partir dos estudos de Uglione (2008), e vem sendo aperfeiçoado com a utilização em diversas pesquisas de campo. Segundo Uglione e Duarte (2012), o Arquivo Mnemônico do Lugar é “baseado na escrita de história a partir de espaços construídos de uma cidade” (s/p).

1. Mapeamento Sensível das Ambiências Urbanas. Fonte: Melo, 2013

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A ferramenta trata da condição inexata da memória dos lugares, vislum-brando que todo lugar é “inventado” construído pela força significadora da subjetividade. É a partir desta “invenção” que as Narrativas dos Luga-res trazem a força comunicadora da memória das ambiências a partir do momento que são lembrados. Trata-se de um conjunto de intervenções metodológicas que visam potencializar o “trabalho” da memória, incluin-do-se, no processo metodológico, a interpretação discursiva enquanto tarefa fundamental para a compreensão dos fenômenos sociais e humanos. Em seu processo, ela mobiliza a participação das pessoas, potencializando afetos e condutas de apropriação em relação aos lugares e requer interpre-tação discursiva como fundamento para a compreensão dos fenômenos sociais e humanos; em seu produto, lança mão de um material narrativo que “expressa a importância, as significações, as formas de uso dos lugares para as pessoas, e que explicita o caráter social, psicológico e coletivo das construções dos significados dos produtos.” (UGLIONE & DUARTE, 2012, p. 2). Pode ser entendida como uma ferramenta não normativa e não conclusiva, ou seja, não oferece padrões ou regras acerca dos lugares, contudo, ela pode oferecer importantes indicadores para reflexões acer-ca dos sentidos e significados dos lugares para as pessoas, o que a torna uma ferramenta rica e válida para a arquitetura e para o urbanismo, entre outros campos de estudos dos lugares.O Arquivo Mnemônico do Lugar pauta-se sobremaneira nas conceitu-ações psicológicas acerca da memória, preconizadas por Sigmund Freud, destacando-se a compreensão da memória como “máquina de escritura”, teorizada pelo autor. Uma máquina que é ativada frente a uma tarefa de rememoração, por exemplo, quando a alguém é solicitado que fale de suas lembranças sobre um determinado lugar. A partir desse momento, de uma demanda de recordações, um complexo processo de organização e reorga-nização de traços mnemônicos seria ativado, remontando os arquivos que comporiam a memória. Para Freud (1990), o psiquismo seria uma máqui-na de memória, ou seja, reorganizar arquivos (de afetos, imagens, pensa-mentos) seria o incessante e fundamental trabalho humano de dar sentido e significado para a realidade vivenciada. A ferramenta se utiliza de relatos [re]escritos pelo pesquisador/ouvinte sobre lugares específicos de uma cidade, a partir de relatos orais contados

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por narradores presentes na cidade. Percorrendo as metáforas presentes nos depoimentos dos narradores, tomadas a partir das “zonas de sombra”, as ambiências lembradas, suscitadas através das lembranças, fazem surgir os valores e significados dos lugares da cidade. (UGLIONE, 2008). A tônica é sempre a reverberação das falas dos sujeitos. Logo, todo o pro-cesso de investigação e montagem do Arquivo perpassará por aquilo que mais foi relatado e se fortaleceu na narrativa.A ferramenta segue as seguintes etapas: definição do lugar, rememoração, registro de traços, construção de narrativas, filtragem e organização dos traços. Por meio da marcação dos traços no texto, é possível, de forma gráfica, analisar o contexto das narrativas urbanas que emergem das falas dos habitantes.

Quadro de relatos Da mesma forma que no Arquivo Mnemônico do lugar, tratamos em nossa pesquisa do doutorado da condição inexata dos lugares acreditando que todo lugar é “inventado”, construído pela força significadora da sub-jetividade. Ademais, entendemos que a ambiência, nosso conceito-chave, pode ser apreendida em um lugar outrora apropriado, mas modificado por reformas. Buscamos, assim, observar os relatos sem autoria dos informan-tes, transformando as entrevistas em uma massa polifônica e buscando averiguar a presença de traços. Usamos a técnica do agrupamento de relatos em um quadro único e, assim como no Arquivo Mnemônico do Lugar, buscamos identificar as ideias e metáforas mais significantes que emergiram do texto. Essas

2. Exemplos do arquivo mnemônico do Lugar. Fonte: Uglione, 2008.

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metáforas presentes nos depoimentos, captadas por fragmentos e traços, surgiram de ideias repetidas e constantes que emergiram dos relatos e nos permitiram elegê-las enquanto vestígio da relação dos torcedores com o Maracanã. De fato, segundo Uglione (2008), o sujeito faz uma ascensão ao simbólico por meio da linguagem e assim constrói a sua verdade.As etapas do método foram: escolha do local; observação e abordagem dos torcedores para capturar os relatos; registro dos relatos em frases soltas por meio de traços que se reverberavam; identificação e realce das principais ideias e metáforas por meio da filtragem; e, por fim, análise dos significa-dos que emergiam de cada relato. Posteriormente a essas etapas, criamos os extratos metafóricos com base nos metáforas e fragmentos a elas relacionados. As descrições e análises foram desenvolvidas com base nessas metáforas, porém, havendo a inter-posição das anotações originadas com as observações de campo, realizadas a partir da análise etnotopográfica. Esses extratos foram essenciais na busca por respostas sobre os significados atribuídos pelos frequentadores ao Maracanã novo e ao antigo estádio.A etimologia da palavra extrato é uma pequena parte que pode ser retira-da de um texto, passagem, resumo, trecho ou fala. No caso da pesquisa em questão, utilizamos a palavra extrato como uma síntese, ideia ou essência do que emergiu da reverberação da fala dos envolvidos, evidenciado como a ideia principal das narrativas sobre o significado do Maracanã. Para chegarmos aos extratos empregados, usamos palavras que se repetiam e que em alguns momentos eram igualmente comuns nos diversos comen-tários dos informantes. Para os extratos metafóricos, nos amparamos em Uglione (2008), que atesta que a metáfora numa narrativa sinaliza tanto o que foi significativo nas vivências, mas que foi reprimido, quanto “efeitos de sucesso” da memória, pois a metáfora é um traço que consegue na sua repetição se conectar às inscrições psíquicas e chega “encadeada” na cons-ciência atribuindo significações do lugar. Segundo a autora:

“A metáfora é uma ‘invenção’ do inconsciente para garantir a simbolização de um traço, até então, ‘apagado’ na memória” (UGLIONE, 2008, p. 67).

3. Exemplos do Quadro de Relatos. Fonte: Melo, 2018

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Ao todo, identificamos cinco extratos que denominamos: Campo de Ba-talha, Colosso, Lugar Mágico, Engomadinho e Teatro de Sonhos e Emoções. Ao final do Quadro de Relatos, afirmamos que essa ferramenta nos levou a pensar as relações do torcedor a partir das oscilações dos sentimentos de cada um que frequenta o estádio. Podemos, com base nos dados esta-tísticos levantados, ter um resultado mais exato que mensura e avalia o processo de retomada ou repulsa do Maracanã. Porém, o quadro de relatos nos mostrou que os significados sempre buscam um contraponto, uma oscilação, como se todo novo significado precisasse ter um respaldo da grandeza e da importância do local tem para seus usuários.As figuras abaixo dão um panorama do impacto que o novo Maracanã tem ocasionado na vida do público e como a relação com o espaço re-formulado perpassa pelas oscilações entre as referências passadas e o que existe de novo, além das imposições/rupturas com as formas de transgre-dir/readequar ao estádio.

3. Exemplos do Quadro de Relatos. Fonte: Melo, 2018

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O uso do Quadro de Relatos nos auxiliou no encadeamento das ideias deveras soltas do caderno de campo que coletamos. Ao final, conseguimos examinar um a um dos extratos e chegamos a concluir que mesmo com as alterações “traumáticas” que aconteceram no Maracanã e que repre-sentaram uma ruptura nos hábitos e visões do torcedor, ainda foi possível encontrar traços do passado e como eles impactam nas novas ocupações e novas aderências com o atual Maracanã.

ConsideraçõesA ambiência, enquanto tema-chave das pesquisas, destaca-se por ser a amálgama entre fatores físicos e sensíveis do lugares construídos, ser mul-tidisciplinar, trazendo elementos da sociologia, antropologia, filosofia para o espaço, e, sobretudo, por estar amparada e amparar conceitos como a experiência, a memória, a identidade, a alteridade e tantos outros que nos levam a compreender do ambiente.Em ambos os métodos exemplificados neste ensaio, a ambiência mos-trou-se principal ente transformador dos espaços. Ao pesquisarmos a acessibilidade, percebemos que os espaços não são neutros, uma vez que a atmosfera que paira sobre eles ajuda a criar alguma forma orientação e/ou perceber que cada um pode interferir ou fazer interferir nos locais, seja por meio do conhecimento subjetivo e social que se faz dele, ou reverbe-rando com outros sujeitos a importância de pensar um local mais plural. No estádios reformados, a ambiência cria condições para que as narrativas sejam capazes de acionar lembranças e de [re]significar o lugar através de hábitos e práticas reestruturadas pelos novos usos. A forma resistente das torcidas, a capacidade de se reinventar em meio a atmosfera do lugar, fazem o espaço novamente apropriado e, consequentemente, esses lugares podem vislumbrar um porvir.  O LASC, enquanto um dos grandes laboratórios construtores e difusores do tema da ambiência e de tantos outros sobre a construção subjetiva, cultural e social do ambiente construído, leva-nos a pensar no nosso papel de afetados e de quem afeta o lugar e o outro. Assim sendo, aprendemos em meio às explosões de ideias muito mais que conceitos e definições, mas e, sobretudo, um modo de [con]viver e [trans]formar o meio e as trocas estabelecidas nele.

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Natália Rodrigues de Melo é Doutora (2018) e Mestre em Ar-quitetura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Graduada em Turismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (2010). Realizou doutorado-sandu-íche no Institut d’Urbanisme et Géographie Alpine da Université Grenoble Alpes, França, e concluiu o Master en Géographie, parcours Tourisme, Inno-vation, Transition no mesmo instituto (2019). Atualmente, é pesquisadora do Laboratório Arquitetura, Subjetividade e Cultura, LASC, atuando principal-mente com os seguinte temas: turismo, cultura, memória, futebol e ambiência.

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Subjetividade e Métodos:

A Etnotopografia e a apreensão do in-visível

em ambiências noturnasNathália Moreira Carvalho

Ambiências urbanas, mais do que um agrupa-mento de percepções do espaço, são um instrumento social. Entendidas como atmosferas materiais e morais que abraçam, além das sensações, os elementos cultu-rais e subjetivos relacionados ao Lugar e seus indivídu-os, as ambiências agregam o status sensorial e poético ao meio espacial.

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Como a noite guarda em si características tão próprias, há uma necessi-dade de desvendá-la, através das suas arquiteturas pintadas e pintoras de sombras, das imagens e devaneios dos sujeitos e, inclusive dos eufemis-mos que substituem as atitudes afirmativas do dia. É exatamente nesse momento que se faz de suma importância a abordagem plural das ambi-ências, que busca um afastamento das restrições puramente positivistas ou normativas; possibilitando que sejam destacados, por meio do ato de perceber, dos sujeitos e das práticas culturais e sociais do espaço, os mais variados contatos estabelecidos na vida urbana.No entanto, mesmo diante da importância de se considerar a cidade e, principalmente, a cidade noturna sob pontos de vista interdisciplinares e pautados na experiência dos indivíduos, grande parte dos estudos e pro-jetos ainda são feitos de modo estritamente objetivo. O que se constata é que o próprio caráter difuso da noite acaba contribuindo com sua supres-são, visto que seu entendimento mais aprofundado exige investimento de tempo e dinheiro, e nem sempre resulta em números e gráficos, comu-mente exigidos devido às metas emergenciais perseguidas por muitos pla-nejadores, mas que nem sempre geram soluções satisfatórias e econômicas.Assim, visando divulgar e estimular a pesquisa científica voltada para a subjetividade em Arquitetura e Urbanismo e incentivar um olhar mais aprofundado sobre ambiências urbanas (principalmente noturnas), é que se propõe este artigo, cuja base teórica se consolida a partir de nomes como Amphoux, Augoyard, Duarte, Laplantine, Rheingantz, Thibaud, e outros; e tem como tema os métodos/instrumentos de análise relacionados à pesquisa subjetiva em Arquitetura e Urbanismo, a partir de ambiências noturnas na cidade do Rio de Janeiro.Extraído da dissertação de Mestrado da autora, sobre relações subjetivas em ambiências noturnas cariocas01, este texto apresentará estratégias e táticas etnotopográficas utilizadas na pesquisa de campo como meio de se analisar holisticamente ambiências noturnas contemporâneas.

01 A dissertação de mestrado Ambiências Noturnas: Arquiteturas e Subjetividades em Cenários Urbanos Cariocas buscou analisar, a partir de táticas etnotopográficas, relações estabelecidas entre indivíduos, ambiências noturnas e os componentes subjetivos (mistério, o medo, a liberdade e a intimidade) a elas vinculados. Cf. CARVALHO, N. M., 2013.

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As conclusões apontam que tratar de ambiências e buscar fórmulas, voltando-se para uma compreensão mais global do assunto, é, na reali-dade, exterminar a própria temática e toda sua essência, que se pauta na multiplicidade. Por isso, defende-se que o principal método passe a ser o processo em si, fluido e experimental, moldável e reconstruído a partir de cada tática e suas descobertas em campo. Os números obtidos por meio de questionários ou entrevistas podem ser colaboradores durante a investiga-ção de categorias de análise, mas está nas entrelinhas capturadas através da imersão em campo a chave para se desvendar – ou proteger – a subjeti-vidade atrelada ao espaço.

A percepção do In-visívelPerceber a partir de determinada ambiência é entrelaçar aquilo que é visto com o não visto, é incluir o in-visível02 no processo de desvendar o entorno, deixando-se tomar pelos múltiplos estímulos, sobretudo, da própria imaginação. Principalmente em se tratando de ambiências notur-nas, quando a escuridão, mesmo diluída em luzes, gera áreas de sombra, apagando contornos e limites.Experienciar uma ambiência noturna diz respeito, portanto, a um novo olhar, livre da nitidez da visão diurna e que liberta singularidades identitá-rias. Tem-se aí, como sugere Dias (2008), um universo que se transformou em outro, mantendo-se no mesmo suporte espacial. Haveria, então, diante da imensidão da noite, não uma perda da visão, mas o seu contrário – uma imersão profunda naquilo que é captado pelos órgãos, o que significa abrir caminho aos demais sentidos e descobrir que uma paisagem só se revela em sua totalidade e essência através de nuan-ças interiores e ao mesmo tempo desvinculadas do ato objetivo de ver. Por isso, não se considera aqui a ilusão como um engano, mas sim uma

02 In-visível é um termo também utilizado por Dias (2008) e proposto neste trabalho para enfatizar o percebido a partir das ambiências noturnas. O prefixo “in” se refere tanto ao negativo do visível, ou seja, o que não pode ser captado pelos olhos, como tudo aquilo compreendido dentro do campo visual. Pode significar uma ausência da visão, uma percepção que inclui estímulos além dos visuais ou tratar de uma visão introspectiva.

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percepção dada através de outras densidades, gerada também a partir do in-visível, meio onde somos absolutamente.O in-visível não possui forma e se encontra num constante ponto de ebu-lição. Está sempre em vias de... e surge no limiar da visão. É uma instância presente que pulsa ao contato com o Outro. Sempre está à espera, em qualquer espaço, pronto para se mostrar em meio ao olhar. (DIAS, 2008).Nesse sentido, aprender a olhar, perceber através de uma ambiência e compreender uma espacialidade além do visível é admitir o inesperado e possibilitar que ricos diálogos culturais sejam estabelecidos, não só entre o ambiente e aquele que o investiga, como revela Duarte (2010), mas prin-cipalmente entre este investigador-pesquisador e seu sentimento espacial.É por meio de uma busca aprofundada dessas relações proporcionadas e impulsionadoras de ambiências que a etnografia se edifica. Assim, além de corresponder à “organização textual do visível”, como descreve Laplan-tine (2004, p.29), pode-se dizer que essa abordagem metodológica trata também da escrita do in-visível, já que depende da percepção sensível ao outro, do aprofundamento em relação a este e da capacidade do etnógrafo de raciocinar e imaginar. No entanto, apesar da etnografia ser um importante método de análise das arquiteturas e ambiências, não se pode dizer que arquitetos sejam espe-cialistas nisso como os antropólogos, que são treinados para tal. Contudo, defende-se, em sintonia com Duarte (2010), que o material colhido pelos estudiosos de espaços possa agregar valores relacionados ao ambiente construído à descrição etnográfica realizada por antropólogos. É, então, diante da busca de uma percepção in-visível do outro a partir do espaço, que emerge a Etnotopografia.

Etnotopografia A Etnotopografia é um conjunto de táticas metodológicas de análise de espaços, elaborado, sistematizado e trabalhado desde os anos 2000 pelo Laboratório de pesquisa Arquitetura Subjetividade e Cultura-LASC. Tra-ta-se da aplicação de estudos realizados a partir de um grupo sociocultural em um dado lugar, tendo como base e suporte o próprio espaço, erguido objetiva e subjetivamente.

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Dentro do campo da Pesquisa Qualitativa, a Etnotopografia se estabelece a partir do processo de raciocínio indutivo, em que as questões vão sendo reformuladas durante o desenrolar da pesquisa, visando proporcionar uma compreensão mais ampla do problema. Além disso, com uma abordagem mais naturalista e interpretativa, ou seja, buscando a interpretação dos fenômenos a partir dos significados que os sujeitos dão a eles em seus próprios ambientes naturais, acredita-se ser possível a construção de uma análise mais holística e sensível a partir das ambiências, em que não só os indivíduos e suas ações são levados em conta, mas especialmente as intera-ções e afetações desses (dos indivíduos) com o espaço. Em meio às ambiências, os sujeitos e suas atitudes perante a sociedade são observados, mas o que mais se destaca numa análise etnotopográfica são as relações estabelecidas no espaço que, sob características lumínicas, sonoras, dimensionais, olfativas, táteis e imaginárias, reafirmam-se como tais a partir da edificação de Lugares.Para Duarte (1994), o espaço construído é capaz de passar mais informa-ções sobre seus usuários do que pode ser descoberto através de questioná-rios e entrevistas, mas para isso se faz indispensável a escolha de um bom percebedor e “intérprete” de arquiteturas. A respeito da pesquisa etnotopográfica, principalmente esta, dedicada às ambiências noturnas, cabe destacar que, além da visão, os demais sentidos precisam ser analisados e fortemente considerados. A pele, por exemplo, passa a ser um dos grandes captadores de estímulos do meio, até porque, como sugere Serres (2001), a noite confunde os olhos, os ouvidos, o nariz, mas não a pele. Ela (a pele) extrapola o limite do objeto. Algumas áre-as em ambiências noturnas confundem a habilidade do indivíduo mais atento, mas permitem revelar o in-visível e o imaginário pelo arrepio, por exemplo.

Assim perduram na pele graus tênues de visível ou audí-vel, os claros-escuros e os sussurros; nela permanecem o invisível do visível, os inaudíveis da música, a surda carícia da brisa leve, os imperceptíveis, como restos ou marcas das altas energias duras. A suavidade do sensual povoa a pele. (SERRES, 2001, p.67)

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A pele, de acordo com Serres (2001), seria então uma maneira de se privilegiar a temporalidade de Henri Bergson, aproximando o campo das ambiências do da intuição do pesquisador.O resultado desse processo, que trata de uma descrição ativa participante, será formado por variadas e incontáveis menções ao espaço, mas também estará repleto de observações relacionadas aos comportamentos e dinâ-micas ocorridos no ambiente analisado. Com isso, tem-se uma descrição mais completa das ambiências, em que são abordadas questões relevantes e de suma importância para a compreensão do universo cultural constan-temente modificado e ressignificado no local de estudo. Em sintonia com Duarte (2010) e Magnani (2002), defende-se aqui uma espécie de moldagem perceptiva do pesquisador em arquitetura, a partir de um olhar mais próximo e imerso na situação vivenciada e observada, em que se faz possível a identificação, a descrição e a reflexão de elemen-tos que fogem dos enfoques vindos de olhares considerados “de fora e de longe” (MAGNANI, 2002, p.17), geralmente defendidos por pesquisado-res mais ligados ao positivismo.Desse modo, inserido na situação e enxergando o detalhe, o arquiteto “etnotopográfico” registra em seu diário de campo comentários sobre a relação de formas, luzes e sombras, a interferência dos cheiros e ruídos, a descrição de cores e texturas, vazios e cheios arquitetônicos, materiais de revestimento, interação entre pessoas e espaços, memórias e quaisquer outras observações que julgar pertinentes.Brasileiro (2007), por exemplo, apresentou em sua tese a pesquisa etno-topográfica realizada em escritórios, na qual revelou relações de hierar-quias, incertezas e limites estabelecidos a partir de lógicas e organizações espaciais. Como parte de sua análise, ela descreve o caso observado de um indivíduo que ocupa um cargo superior na empresa:

Podemos citar como exemplo: um superior, que pelo cargo ocupado, tem duas mesas à sua disposição (“hierarquia”, colocadas no canto de uma sala, tendo ele um anteparo às suas costas e outro em uma de suas laterais (“controle de incerteza” quanto a uma exposição visual indesejada), e que por dispor de mais espaço, num “canto” só seu, tem mais possibilidade de personalizar sua estação (“delimitação de

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territórios”) do que um outro funcionário, no meio do salão, que não conta com nenhum anteparo para pendurar um simples calendário, se fosse o caso. (BRASILEIRO, 2007, p.224).

Com a etnotopografia, pode-se dizer, então, que há uma busca constante por mais atenção à imersão na ambiência relacionada ao objeto de estu-do, ao estranhamento inicial que permite a dúvida perante aquilo que é familiar e à percepção das sensações mais sutis, pertencentes ao universo do in-visível.

Estratégia e táticas etnotopográficas

A pluralidade e heterogeneidade espaço-temporal das ambiências no-turnas, somada às relações entre indivíduo e meio, necessitam de uma estratégia metodológica híbrida que possa ser moldada e reconstruída a partir das descobertas em campo, capaz de coletar não só as informações objetivas do espaço, como as mais diversas percepções subjetivas. Assim, dentro do campo da Estratégia Qualitativa, a partir de abordagens inte-grativas, a Etnotopografia foi proposta como meio condutor da pesquisa de mestrado da autora.

A etnotopografia não diz respeito a apenas uma técnica, mas uma série de táticas que vêm complementar a descrição das ambiências e nutrir as aná-lises realizadas após a pesquisa de campo. As descrições de cenas, momen-tos, interações, espacialidades, não devem necessariamente ser realizadas somente sob forma de texto num caderno de campo, principalmente em se tratando de uma visão oriunda de um pesquisador que também se de-dica à compreensão do espaço. Croquis, fotografias, filmagens, entrevistas, mapeamentos são meios importantes para se alcançar uma descrição mais completa do visível e do in-visível, por isso, algumas ferramentas utiliza-das na pesquisa de dissertação serão apresentadas a seguir.

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Etnografia Constitui um conjunto de significantes, em que eventos, fatos e contextos são captados, interpretados e registrados. Segundo Geertz (2008), a etno-grafia deve ser definida pelo seu tipo de esforço intelectual, e não somente pelas relações estabelecidas, pela transcrição de textos ou realização de mapeamentos. Ou seja, trata de uma relação prolongada, de imersão e posicionamento do pesquisador sobre o Outro, seja este indivíduo ou o espaço. A etnografia foi considerada uma importante ferramenta para essa pesquisa de mestrado, principalmente por assumir, como sustentam Ivenicki e Canen (2016), o papel do autor como sujeito com identidade, detentor de cultura e visão de mundo, que acaba conduzindo ou afetando de alguma forma aquilo que é percebido e vivenciado enquanto ambiência. Assim, buscou-se manter o rigor caro à ciência, mesmo sem haver neu-tralidade do pesquisador, ou seja, assumiu-se o autor como sujeito partici-pante, que também compõe, imprime, sua marca e ressignifica a ambiência analisada.

1. e 2. Etnografia – páginas do Caderno de Campo. Fonte: autora, 2013.

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Croquis de Campo Baseado nos trabalhos de Cosnier e Oliveira Filho (apud DUARTE, 2010), corresponde à produção gráfica da observação etnográfica por meio de rabiscos, desenhos arquitetônicos, esquemas e croquis. Sua contribuição está relacionada com a descrição espacial das situações e sua visualização no meio físico e não com a forma de apresentação (DUARTE, 2010). Capaz de representar intensidades e impressões absolutamente subjetivas captadas do meio, essa ferramenta agrega uma espécie de força/energia às descrições etnográficas. É direta e essencial. Assim como o etnógrafo escreve o que percebe em seu diário de campo, a expressão do arquiteto se dá por meio de desenho. No caso dessa pesquisa sobre ambiências notur-nas, foi uma ferramenta bastante útil, visto que outras possibilidades de registro de imagem, como a fotografia ou a filmagem, além de fornecerem resultados nem sempre coerentes com a situação real, geravam certo des-conforto em alguns sujeitos.

Mapeamento de ManifestaçõesSegundo Duarte (2010), essa ferramenta consiste em demonstrar, em um desenho já pronto e dimensionado do espaço (normalmente em planta), relações, movimentos, manifestações, emoções e outros dados captados em campo. Existem duas abordagens básicas: os mapas centrados no lugar, que são aqueles produzidos a partir da observação do espaço e de tudo que ocorre neste; e mapas centrados no indivíduo, quando a intenção do

3., 4. e 5. Croquis de Campo – Copacabana, Rocinha e Cinelândia. Fonte: autora, 2013.

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pesquisador está no comportamento da pessoa e como esta interage no espaço (RHEINGANTZ et al. 2009). No caso da pesquisa de campo realizada em ocasião do mestrado da autora, utilizou-se o mapeamento voltado para o espaço, uma vez que a proposta era analisar cenários notur-nos e suas ambiências. Pode-se dizer que a contribuição dessa ferramenta foi bastante grande, principalmente quando conjugados e sobrepostos mapeamentos de focos diversos, como de estímulos sonoros, lumínicos, movimentação e dos componentes subjetivos, possibilitando uma análise gráfica voltada para o entendimento comum entre a percepção descrita (por meio de entrevistas), os estímulos captados in loco e os componentes subjetivos espacializados.

EntrevistasComo na etnografia a visão do pesquisador, mesmo partindo de dentro e de perto, não é capaz de reproduzir em totalidade o que o Outro percebe do espaço, conside-ra-se a entrevista um bom modo de se aproximar ainda mais do objeto de estudo e de como ele é apro-priado pelos indivíduos. Defini-das por Bingham e Moore (apud RHEINGANTZ et al., 2009) como um relato verbal voltado para o esclarecimento de um objeti-vo pré-estipulado, as entrevistas garantem a captação de informa-ções a respeito das pessoas, de suas emoções, crenças e valores, mas

6. e 7. Mapeamento de Manifestações: Componentes Subjetivos (Rocinha jul. e out/2012). Fonte: autora, 2013.

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também precisa ser estimulada e percebida pelo pesquisador, que deve se manter atento aos sinais mais sutis do respondente. Defende-se que num trabalho como este, em que o foco está na subjetividade, mesmo diante de respostas simples e ágeis, o entrevistado deixa transparecer reações importantes de serem observadas e analisadas posteriormente. No caso desta pesquisa, as entrevistas possibilitaram desde o esclarecimento de dúvidas em relação aos cenários analisados, a questionamentos inerentes às ambiências noturnas, o que contribuiu para uma leitura mais comple-ta e menos individual do objeto de estudo. O uso de entrevistas, tanto estruturadas (semelhantes ao formato de questionário com perguntas e respostas curtas realizadas na presença do pesquisador), quanto semies-truturadas (ferramenta baseada num roteiro básico capaz de orientar o pesquisador), veio da própria necessidade surgida em meio ao processo de imersão em campo, em que existiram dois momentos: um, voltado para a coleta de opiniões rápidas e norteadoras do trabalho, e um segundo mo-mento, pautado na compreensão mais densa dos ambientes eleitos como cenários. Acredita-se que a informalidade buscada durante esse processo tenha sido de suma importância no alcance de uma maior aproximação entre o entrevistador e o entrevistado, conseguindo-se obter verdades mais íntimas do usuário do espaço. Brasileiro (2007) atenta, inclusive, para a utilização desse instrumento – entrevista informal – após a observação do pesquisador já iniciada e estruturada, para que existam diferentes percep-ções do etnógrafo (sem e com a interferência dos indivíduos pertencentes ao espaço analisado).

Re-des-cobertos: o processo em campo

O contato inicial com a noite do Rio de Janeiro, por meio de uma imer-são desassociada de conceituações e limites, possibilitou a percepção mais emocional do espaço, em que os estímulos eram captados em sua essência, sem interferência de outrem. A partir de um determinado momento, jun-tamente com idas a campo, iniciou-se a pesquisa teórica sobre a temática,

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o que modificou o olhar sobre o espaço noturno, trazendo mais foco ao processo.A escolha dos cenários de análise veio num momento posterior aos primeiros escritos sobre o tema e às primeiras coletas de informações em campo. Assim, aos apontamentos feitos por moradores da cidade, foram sendo sobrepostas impressões iniciais descritas no caderno de campo, até que se determinou os três locais a serem pesquisados: Rocinha, Cine-lândia e Copacabana. O que veio somar a esse processo de seleção dos cenários foram as características dos mesmos, principalmente em relação às suas configurações espaciais e imagéticas que, por serem tão diferentes entre si, abririam novas possibilidades de olhar.Iniciado o processo de delimitação espacial da pesquisa, surgiu uma segunda problemática que envolvia as categorias de análise – os com-ponentes subjetivos a serem destacados como mais relevantes diante de ambiências noturnas. A definição veio a partir das respostas levantadas nas entrevistas estruturadas aplicadas com moradores da cidade de diferentes idades. Essa tática metodológica, ágil e simples, contribuiu muito com o encaminhamento das abordagens posteriores. A partir dos elementos mais destacados e considerados como mais relevantes em relação às ambiências noturnas, chegou-se então à definição das categorias de análise: quatro componentes subjetivos – Mistério, Medo, Liberdade e Intimidade –, que envolveriam, de alguma forma, os demais apontados pelos respondentes da pesquisa.Estabelecidos os enquadramentos e abordagens a respeito das categorias supracitadas, o processo da pesquisa exigiu uma nova imersão em campo, desta vez, com embasamentos teóricos mais fortes. Às etnografias foram sendo adicionados mapeamentos de manifestações e croquis de campo, além das fotografias. O uso da câmera fotográfica auxiliou o processo, mas, no caso dessa pesquisa, não pôde ser considerado ideal, tanto pelo estranhamento e desconforto percebido em alguns sujeitos que sentiam sua privacidade invadida, quanto pelo risco de roubo ou até mesmo a di-ficuldade de captura de imagens fieis à realidade observada em áreas com pouca luminosidade. Com isso, pode-se dizer que os desenhos – croquis e mapeamentos – foram de suma importância na compreensão visual das impressões captadas em campo, inclusive porque nestes é possível impri-

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mir sensações e sentimentos, assim como destacar intensidades de estímu-los disponíveis no ambiente.Com o decorrer da pesquisa de campo, as ferramentas foram sofrendo ajustes. As entrevistas informais são um exemplo. Realizadas num pri-meiro momento sem qualquer tipo de roteiro, eram aplicadas como forma de esclarecimento de algumas dúvidas levantadas durante as etnografias e croquis. O registro no próprio caderno de campo e ausência de critérios previamente estabelecidos dificultavam muito o processo de transcrição e análise. Então, a partir das questões mais pertinentes, construiu-se um modelo semiestruturado de entrevista que possibilitou acréscimos de acor-do com o que era captado. Assim, a ferramenta passou a assumir grande importância para a pesquisa, principalmente porque permitia um melhor agrupamento das respostas e uma análise comparativa. Durante o processo de pesquisa em campo, realizado entre os meses de julho e novembro de 2012 (além do primeiro mês – junho – de imersão inicial), pode-se dizer que as primeiras semanas refletiram certo descon-forto tanto da pesquisadora em relação aos sujeitos e espaços observados, quanto desses mesmos indivíduos em relação à pesquisa. Esse desconforto inicial proporcionou uma série de julgamentos do espaço noturno, que com o tempo foram sendo transformados em outros componentes subjeti-vos ou foram sendo diluídos pela sensação de familiaridade adquirida nos cenários. A própria relação com os entrevistados foi também sendo modificada. Em todos os três cenários, as respostas iniciais às entrevistas eram pouco com-prometidas e bastante superficiais. A intimidade conquistada aos poucos foi agregando à ferramenta o caráter da informalidade (sem que se per-desse o rigor científico). Estabelecidas como uma conversa despretensiosa e sem vínculos, as entrevistas passaram a envolver o respondente, tornan-do-o um colaborador que não seria julgado por seus pensamentos, nem reconhecido futuramente por suas palavras. Com isso, as frases curtas e às vezes vagas aos poucos ganhavam opiniões mais densas, inclusive acompa-nhadas de apontamentos específicos em relação aos lugares noturnos. Enfim, pode-se dizer que essas idas e vindas durante a aplicação do método foram complexas, mas não deixaram de contribuir de alguma maneira com as análises finais, uma vez que o próprio desconhecimen-

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to inicial auxiliou na percepção das ambiências noturnas sob a ótica do Outro externo, não pertencente ao espaço, e, posteriormente, daquele inserido no contexto urbano e considerado parte do Lugar. A evolução do processo como um todo, desde o aporte teórico ao modo de aproximação em relação às ambiências e seus sujeitos, apesar de cansativo e demorado, muitas vezes parecendo vago ou pouco objetivo, pela ausência de números comprobatórios, fez com que os métodos fossem crescendo e ganhando sentido ao longo do trabalho, uma vez que o estudo de ambiências envolve a experimentação e as descobertas requerem imersão.

Considerações finaisCompreender a cidade enquanto meio complexo e múltiplo, em que as ambiências dão o tom mais profundo do espaço, é se propor a enxergar o in-visível, desvendar temporalidades e mergulhar em subjetividades. Dessa maneira, não cabe mais uma análise puramente objetiva e direta, como ainda se vê sendo praticado por alguns planejadores, políticos e projetis-tas. É preciso estabelecer um contato mais profundo com os sujeitos, sua cultura e seu espaço, a fim de traçar planos e soluções que ressignifiquem e/ou alimentem o sentimento protetor do Lugar.A Etnotopografia, com sua permeabilidade e fluidez, possibilita que ela mesma enquanto estratégia metodológica, seja reinventada e adaptada às necessidades de cada processo, sem que seu rigor científico seja colocado à prova. Assim, ela se expande tanto quanto as ambiências e se torna capaz de abraçar as mais variadas situações espaço-temporais.A aplicação das táticas metodológicos apresentadas nesse artigo não cons-titui um caminho nítido de se vislumbrar o meio urbano, e sim trata-se de um comprometimento com a subjetividade inerente à arquitetura, que reclama por olhares sensíveis, capazes de enxergar além do que pode ser visto. Apesar de existirem inúmeras formas de se descobrir relações estabele-cidas nos espaços, propôs-se o uso das táticas supracitadas como meio adaptável de se desvendar e fabricar ambiências noturnas em conjunto com os Outros.

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É importante frisar que não se pretende aqui fazer do arquiteto um etnógrafo, nem tampouco levantar bandeiras em prol de métodos como sendo os melhores. A proposta aqui é convidar o leitor a uma experimen-tação subjetiva do espaço, onde ferramentas mais fluidas possibilitem o registro de intensidades e impressões de entrelaçamentos arquitetônicos, temporais, sensoriais e emocionais, em que nem tanto a percepção visual, mas a percepção multissensorial se torna o principal meio comunicante do espaço “in-visível” e imaginário, garantindo uma melhor apreensão do Lugar enquanto construção cultural.

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Nathália Moreira Carvalho é Arquiteta e Urbanista pela Uni-versidade Federal de Juiz de Fora; Doutoranda em Ciências da Arquitetura no Programa de Pós-graduação em Arquitetura ProARQ-FAU/UFRJ; Mestre em Ciências da Arquitetura pelo Programa de Pós-graduação em Arquitetura ProARQ-FAU/UFRJ e Especialista em Iluminação pelo Instituto de Pós--Graduação IPOG (Belo Horizonte-MG). Desenvolveu e coordenou pro-jetos de iluminação em diferentes escalas como Arquiteta de Iluminação no escritório LD Studio. Atualmente é Professora de Percepção Visual no curso de Pós-graduação do Instituto Jamile Tormann e Pesquisadora do Laboratório Arquitetura, Subjetividade e Cultura (LASC-ProARQ-UFRJ), onde realiza pesquisas voltadas às Ambiências Noturnas, Iluminação, Alteridade, Percep-ção e Subjetividade em Arquitetura.

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2.Etnografias

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Arquitetura, (Des)subjetividade e

cultura: por construções de alteridades da

mesmidadeAndré Carvalho

“o amigo não é o outro eu, mas uma alteridade imanente na “mesmidade”, um tornar-se o outro do mesmo. A amizade é essa dês-subjetivação no coração mesmo da sensação mais intima de si”. (AGAMBEN, Giorgio. O que é o contem-porâneo?. Chapecó SC: Argos, 2009, p. 90)

Compreender as relações entre arquitetura e cultura me mobiliza, desde a graduação. Tal lugar de fala se estabelece na construção de um Rio de Janeiro periférico, suburbano, a partir do qual pertenço a uma família em que fui um dos primeiros a alcançar uma gradu-ação. Do olhar de um suburbano, pobre, que decide estudar arqui-tetura e urbanismo nos anos de 1990, surgem interesses indisso-ciáveis entre arquitetura e sociedade. Distante socialmente do que constituía o campo do arquiteto e da arquitetura, estabelecia muito mais contato com o que se chama “autoconstrução”, ou “arquite-turas possíveis”, nos termos de Maricato (1982), o que leva, ainda nos dias atuais, a sociedade brasileira a ter 85% de suas construções desenvolvidas sem a presença profissional de arquitetos e engenhei-ros. A arquitetura, com isso, torna-se ofertada por e para as cama-das mais abastadas da sociedade. Passei boa parte de minha graduação tentando compreender a função social do arquiteto. Diante de um ensino baseado em modelos eurocêntricos e formalistas, minha geração, que estudara arquitetura nos últimos anos do século XX, também teve como desafio as grandes transformações digitais no campo da construção

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civil. Estamos falando também de um Rio de Janeiro que viven-ciou o declínio da assinatura de projetos arquitetônicos e que se viu desafiado por modelos de especulação imobiliária.O domínio das novas ferramentas computacionais, sobretudo o AutoCAD, garantia, para jovens recém-formados da época, um lu-gar no mercado de trabalho, mas não uma reflexão ampliada sobre as relações entre arquitetura, cultura e sociedade. Assim, diante de mundos que pareciam não dialogar, algumas questões despertavam, em mim, uma visão crítica sobre o papel social do arquiteto. En-contrei esse lugar de reflexão em uma pós-graduação em Sociologia Urbana da UERJ, na qual autores da sociologia, antropologia e geografia humana, ampliaram minha visão sobre o campo da ar-quitetura e do urbanismo. Seria, então, um caminho sem volta em minha busca por uma formação mais humana como pesquisador no campo da Arquitetura e Urbanismo.Os estudos iniciais em locais populares de troca se desenvolveram ainda na Pós-graduação em Sociologia Urbana da UERJ, quando a tradicional Feira dos Nordestinos, que acontecia no Campo de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, passou, no inicio dos anos 2000, por um processo de transformação que a levaria para dentro do desativado Pavilhão de São Cristóvão, projeto do arquiteto Sergio Bernardes. Com isso, tive que enfrentar o campo, a etnografia, as metodologias de pesquisa, raras no estudo da arquitetura, e pre-cisava fazer entrevistas, observar e participar dos ritos cotidianos daquele espaço de trocas. Durante três anos acompanhei todos os processos de transformação da feira no Centro de Tradições e encontrei na etnografia a possibilidade de compreender as inter-subjetividades que marcam as relações entre arquitetura e cultura, entre forma e sociedade.Escolhi continuar minha construção como pesquisador no campo da arquitetura, em um Programa de Pós-Graduação de Arquitetura – PROARQ/FAU/UFRJ. Encontrei algumas visões que demar-cavam o campo e definiam: “no programa de arquitetura, deve se tratar de teóricos da arquitetura”. Mas tive a sorte de encontrar dois grupos de pesquisa que estavam abertos ao dialogo de um

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possível “campo orientado”, marcado por uma construção transdis-ciplinar. Em 2006, defendi, no PROARQ/UFRJ, minha disserta-ção de mestrado “Arquitetura Encapsulando a Informalidade: da Feira dos Paraíbas ao Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordes-tinas” sobre as transformações arquitetônicas da tradicional Feira dos Nordestinos, no bairro de São Cristóvão, Rio de Janeiro. A finalização do mestrado me colocava diante da angústia de ter que concluir uma pesquisa, quando descobertas importantes pareciam começar a se revelar. Porém, fui percebendo que as novas questões e questionamentos descobertos se ampliavam para além da pesquisa que era desenvolvida e que, portanto, não caberiam mais no que a dissertação se propunha. Logo após a conclusão da dissertação, re-solvi continuar trilhando, no doutorado, os caminhos que se apre-sentavam nas relações arquitetônicas nas feiras livres. Foi assim que me aproximei do LASC, a partir do que desenvolvi minha tese de doutorado, “Arquitetura nas feiras ao ar livre: Paradigmas para construções de mercados populares contemporâneos”, defendida em março de 2011.Apesar de complementares, essas pesquisas têm importantes dife-renças a serem consideradas. A principal delas foi trazer para o foco da discussão, no doutorado, uma metodologia aplicada ao entendi-mento e às influências da arquitetura nos locais populares de troca: as feiras ao ar livre ou simplesmente feiras livres como conhecemos no Brasil.No período aqui relatado, muitas mudanças ocorreram no mundo, na arquitetura e em mim. As angústias do suburbano arquiteto da década 1990 parecem ter se transformado em questões emergen-ciais em 2019, lançando duas perguntas: Arquitetura para que? Arquitetura para quem?A contemporaneidade traz para arquitetura o desafio de encontrar esta “com-divisão”, do reconhecimento de pares, amigos, e a ob-servação sobre problemas mais gerais, para além de necessidades individuais, seja do arquiteto, do cliente, da comunidade ou de propostas levantadas e pós-produzidas para uma “arquitetura sem cliente”, onde a partir da qual um grupo detecta problemas e busca

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soluções, inclusive, de viabilização de reformas. Hoje, a solução de problemas envolve muitas questões, distantes da forma, mas incluídas na sociedade, nas relações ambientais, na consciência de populações marginalizadas, expatriadas, marcadas pela desigualda-de social.

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Tecendo um pesquisador

Natália Rodrigues de Melo

Em 2008, eu conheci a pesquisa. Fomos apresentadas pelo projeto “Sentidos Urbanos: Patrimônio e Cidadania”, vinculado ao curso de turismo da Universidade Federal de Ouro Preto, UFOP. Nes-te projeto, além das leituras e produções escritas concernentes a qualquer pesquisa, tivemos que “ir à campo” com uma metodologia de roteiros sensoriais que nos conectava com pessoas e suas rela-ções com o espaço urbano. Essa conexão aguçou meu interesse em continuar investigando.Movida por esse desejo, ingressei em 2011 no mestrado com um projeto baseado nos Sentidos Urbanos, porém, com uma proposta de unir os roteiros sensoriais a uma pesquisa sobre acessibilidade em cidades históricas. Como eu havia realizado vários roteiros dentro dos Sentidos Urbanos e sabia que a pesquisa empírica me fascinava, foi extremamente estimulante poder estar novamente com os sujeitos nas ruas de Ouro Preto. Entretanto, esse novo viés de abordagem me amedrontava, pois jamais havia trabalhado com pessoas com deficiência. Aprendi, então, que a pesquisa é, sobretu-do, desafiadora.No desenrolar do mestrado, tive várias discussões com minhas orientadoras, Cristiane Duarte e Regina Cohen, e também com os demais pesquisadores do LASC. A partir desses debates, fui apresentada a um dos principais conceitos do grupo, a Ambiência. Enquanto definição, a ambiência vai além de apreender elemen-tos físicos de um espaço urbano. Parte-se do pressuposto que os espaços são compostos e passíveis de análise à partir de elementos físicos, ambientais, sensíveis e das relações das pessoas de forma integrada e que dão sentido a cada um desses lugares. Embora eu já tivesse trabalhado com temas como o espaço urbano, a identidade, a memória e a fenomenologia, eu jamais havia pensa-do que existiria um conceito que abarcaria todos esses temas juntos

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e entrelaçados. Inicialmente, foi deveras complexo compreender a ambiência, pois tratava-se de um conceito em construção – e ainda é – ao mesmo tempo que cercado de sutilezas e detalhes percebidos mais in loco que na teoria. Porém, a pesquisa empírica é instigante e, então, passei a incorporar a ambiência à minha investigação com o objetivo de entender como as pessoas com deficiência se relacio-nam com uma cidade tão restritiva acessivelmente quanto Ouro Preto. Pela demanda preferencialmente empírica que a ambiência requer para ser apreendida, e pela minha motivação enquanto pesquisa-dora de “ir à campo”, decidimos realizar uma etnografia/etnotopo-grafia com as pessoas com deficiência e, em seguida, usar o método dos roteiros sensoriais aliado aos Percursos Comentados, que foi desenvolvido pelo Jean-Paul Thibaud e o pessoal do Cresson, da Escola de Arquitetura de Grenoble, na França. A base desse mé-todo está em percursos que as pessoas progridem e relatam o que sentem no local por onde estão passando, tendo como referência fatores sensoriais, perceptivos e físicos que compõem a ambiência. Este método serve principalmente para entender como o ordena-mento material influencia nos fenômenos perceptíveis e na maneira de agir e interagir. A partir da utilização deste método, atrelado aos Sentidos Urbanos, eu fui progredindo na ambiência, sentindo-a com mais atenção e melhor entendendo os espaços e a construção que as pessoas fazem deles, além de ir compreendendo essa atmos-fera enquanto conceito.Em 2014, dei início ao doutorado. Embora mais familiarizada com a ambiência e com as pesquisas de campo, o tema de investigação foi mudado e direcionamos nosso foco para a análise da atmosfera dos estádios de futebol reformados para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil e de como os torcedores estavam entendendo/sentin-do essas mudanças. Essa escolha era uma premissa pessoal, pois sou torcedora e me senti afetada com as reformas desses estádios. Como eram muitos os estádios renovados para a ocasião do Me-gaevento, optamos por analisar somente o Maracanã, reformulado e também muito criticado por essas mudanças sofridas. Novamen-

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te, realizamos uma etnografia/etnotopografia, mas, dessa vez, que-ríamos nos integrar aos torcedores, a fim de captar, por meios de observações e também de narrativas deles próprios, se a ambiência seria capaz de acionar lembranças e de [re]significar o lugar através de hábitos e práticas reestruturadas pelos novos usos. Mais uma vez, precisávamos de um método que nos auxiliasse na busca por resultados e foi então que recorremos ao Arquivo Mne-mônico do Lugar. Este método foi desenvolvido integralmente pelo LASC a partir de pesquisas de Paula Uglione - que se tornou minha coorientadora de doutorado – e nos auxiliou à medida que precisávamos captar, das narrativas dos torcedores, elementos da memória do lugar, assim como símbolos e traços que faziam surgir valores e significados desse local reformulado. Conseguimos, então, extrair metáforas que surgiram de ideias repetidas e constantes nos depoimentos e criamos um quadro mais elucidativo sobre os vestígios da relação do torcedor com o Maracanã. Ao final, eu pude partilhar das mesmas sensações que os entrevistados e perceber/ver/sentir que a pesquisa havia me transformado muito mais do que eu tinha transformado a pesquisa em todos esses anos.

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Entre escuros e vazios: o processo de

re-des-coberta na pesquisa subjetiva

01 Frase extraída de entrevista realizada no cenário Rocinha com criança de 9 anos.

02 Referência à pesquisa de mestrado da autora “Ambiências Noturnas: Arquiteturas e Subjetividades em Cenários Urbanos Cariocas”, defendida em 2013 e que buscou analisar, a partir de táticas etnotopográficas, relações estabelecidas entre indivíduos, ambiências noturnas e os componentes subjetivos (mistério, o medo, a liberdade e a intimidade) a elas vinculados.

Nathália Moreira Carvalho

“A noite é o escuro e o escuro é o vazio.”01 Começar o texto por essa frase significa reavivar a alma ou a essência do que foi o processo de pesquisa de mestrado02, que, pautado na subjetividade, buscou o contato próximo com os sujeitos e, a partir da interpretação e do significado, permitiu-se experimentar questões e estratégias surgi-das no durante. Esse pequeno conjunto de palavras, que encadeia o vazio e o escuro à noite, foi dito por um menino de nove anos em meio à pesquisa, quando muitas idas a campo e análises já tinham sido realizadas. Surgiu num momento de descontração, depois de um dia exaustivo, sem muitas respostas satisfatórias. Brotou durante uma brincadeira com ar de entrevista (ou vice-versa), realizada com um grupo de crianças que pareciam se divertir ao serem ouvidas, tornando-se, por isso, “famosas” (como diziam). Mal sabiam elas que elas mes-mas eram o outro que a pesquisa evitava olhar, fosse pelo excesso de devaneios difíceis de traduzir ou pela euforia quase incontrolável e desfocada. Mal sabia eu que nelas morava a resposta difícil de se alcançar.Não havia ali programação prévia e tudo começou a partir de uma pergunta solta feita com um microfone imaginário: “O que é a noi-

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te?”. O registro das respostas foi feito juntamente com desenhos, risadas, desentendimentos e histórias. O tempo passava e coloria, de nomes, endereços, verdades e fantasias, as narrativas que até en-tão eram ocultadas pelos entrevistados anteriores – jovens, adultos e idosos, que inicialmente foram pensados como mais prontos aos esclarecimentos, mas que carregavam o peso do crivo. A tal frase, dita com ar de obviedade, também foi recebida da mes-ma forma. Foi anotada, mas não esquecida. Ecoou... ecoou e ga-nhou novo sentido quando foi emparelhada com o silêncio de John Cage, que guarda um vazio repleto de presenças.

As cascatas de pensamentos e novas dúvidas trouxeram os mape-amentos e análises já prontos de volta à mesa. Estes, por sua vez, exigiram que os olhos retornassem ao campo. Uma vez, escutei que, depois de muito avançar, é hora de começar. Aí estava o recomeço tão caro às pesquisas qualitativas, que se retroalimentam de si mes-mas e a cada passo se fortalecem. Por que áreas bastante iluminadas eram percebidas como escuras? Por que nem sempre as regiões sombreadas eram assim reparadas? Quem estava presente nesses locais tidos como bastante ou pouco iluminados? Onde habitava a noite?Uma nova cena foi se descortinando. Os outros – estranhos –, às vezes muitos, preenchiam de vazio a ambiência noturna, tornavam o espaço perceptivelmente escuro, vazio de presenças identificáveis. A luz, por sua vez, era vista como sinal de existência, de um outro--eu. Desde a janela acesa que permitia enxergar o in-visível, àquele que trazia em si mesmo a própria luz. Aos poucos, foram se tornan-do mais nítidas as relações subjetivas estabelecidas pelos indivíduos na cidade. A noite não seria mais um ente externo, mas habitante do interior dos sujeitos.Depois de tantos escritos e até aparentemente um fim (enganoso aos que buscam a objetividade), os rumos foram se redesenhando e sendo re-des-cobertos... Mas ao que se prestaria esse ensaio senão a um resgate de memó-rias?

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De tudo, o grande valor dessa proposta de inspiração ao sensível está basicamente ligado a três das muitas questões importantes de serem levantadas numa pesquisa subjetiva em arquitetura: O en-volvimento apaixonado pelo tema pesquisado, que possibilita que os famosos “encontros fortuitos” surjam, já que o olhar, a imagi-nação e a intuição se mantêm atentos e focados, prontos a receber aparentes acasos; o olhar atento e aberto ao outro (inclusive aquele sujeito diverso do que é previamente apontado como ideal) cons-truindo e demolindo preconceitos constantemente; e a aceitação da re-des-coberta constante e infindável. Se permitir cobrir, des-cobrir, recobrir e redescobrir o mesmo assunto, o mesmo conto, o novo lado em busca não só de uma verdade, mas de um constructo holístico.

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3. Corporeidades

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Errâncias Sensíveis: analisando a Empatia

Espacial em contextos urbanos

Bárbara Thomaz L. Nascimento

Mesmo sendo a materialidade uma forte carac-terística dos lugares é inevitável não se atribuir tam-bém aos espaços físicos certo tom emocional, o qual surge através da ambiência. É comum que palavras como triste, pulsante, revigorante, melancólico, e tantas outras que fazem referência ao tom emocional/sensiti-vo, sejam usadas para descrever os lugares, justamente porque as ambiências nos estimulam proprioceptiva-mente e porque, para imergir numa ambiência, é preci-so perceber ‘de acordo com’ ela.

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Se definimos os lugares a partir do que sentimos, enquanto presentes, e de como nos sentimos, podemos dizer que os vivenciamos a partir dessa rela-ção. Desse modo, entendemos que a adesão espacial é um forte indicativo de que existe uma conexão sensível com o meio físico. Nesse processo, o corpo é o meio pelo qual conhecemos e experienciamos materialmente e sensivelmente os espaços. Como afirma Merleau-Ponty (1994, p. 206), o espaço é praticamente uma superfície de existência, apreendido por meio da nossa existência e onde “a espacialidade do corpo é o desdobramento do seu ser de corpo, a maneira pela qual ele se realiza como corpo.” Nesse sentido, entende-se que a afetação surge como ponto chave para se explorar como o corpo adere ao espaço, uma ação que depende da empatia a uma determinada ambiência. O colocar-se no lugar do Outro, que é a definição geral da Empatia, seria um indicativo de uma conexão sensível materializada através de uma ação/reação corpórea. Assim, nos dispu-semos a explorar o que se cunhou no LASC de Empatia Espacial: um termo que descreve a corporificação do ensejo de estar no Outro, nesse caso, o espaço físico. As primeiras menções acerca da relação da experiência empática com o espaço sensível surgiram em pesquisas de campo realizadas em 2014 pelo LASC (DUARTE et al, 2014). Tais pesquisas tinham como enfoque a tradução das ambiências urbanas e estavam voltadas à observação de es-paços públicos, sua dinâmica e sua ambiência. Nessa época, foi observado que estar exposto a uma ambiência urbana — o que teoricamente insti-garia ao engajamento coletivo — necessariamente não levava à fundação de uma experiência coletiva. Foi então que se adotou, primeiramente em forma de hipótese, a palavra Empatia para explicar o que seria a pré-dis-posição ao engajamento coletivo. Após incursões teóricas e estudos de campo, adotou-se o termo Empatia Espacial, que toma como premissa os estudos centrados na Einfühlung (VISCHER, 1853; LIPPS, 1905), abordagem alemã da segunda metade do século XIX. Modalidade especial do nosso vínculo emocional com o mundo, Einfühlung se refere à nossa propensão em projetar nossos sen-timentos em objetos e que, consequentemente, leva a uma identificação tanto com o inanimado quanto com nós mesmos (CAZAL, 2014). Tradu-zida por Titchener (1909) como Empatia, Einfühlung trata relação entre o

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sujeito e o objeto a partir do sentimento despertado por este último e tem as obras de arte como objeto de estudo. Esse interesse pela arte favoreceu com que a arquitetura fizesse parte dos estudos da Einfühlung a partir da exploração da relação entre aparência estética e sentimento. Segundo os teóricos da Einfühlung, as obras de arte eram passíveis de serem examinadas sob a ótica da Empatia, devido a uma fusão entre o que vemos e sentimos (VISCHER, 1994). Esta seria a comprovação de que temos a propensão de projetar nossas emoções em elementos que toma-mos como simbólicos (PALLASMAA, 2014). Como artefato humano, a cidade, e principalmente seus espaços públicos coletivos, também têm essa predisposição (ou necessidade) de nos afetar e promover a frutificação das mais variadas sinestesias compartilhadas. Assim, entendemos que a Empatia poderia estar relacionada tanto à fabricação de tais espaços como à experiência coletiva que somos levados a vivenciar.Como os objetos estéticos tratados pela Einfühlung, de cada espaço da ci-dade emanam ambiências. Relacionada às diversas sensações derivadas do Lugar, as ambiências, como descreve Augoyard (1979), derivam da junção entre os aspectos físicos e os sentidos que os percebem. É exatamente por admitir que os espaços despertam em nós a necessidade de um elo, que não só o internalizamos, mas também nos projetamos nele; um ato que entendemos ser equiparado à construção de uma empatia, e que torna pertinente a delimitação do termo Empatia Espacial.A existência de uma Empatia Espacial como um possível elemento asso-ciado à tradução das ambiências já havia sido explorada em outras pesqui-sas realizadas pelo LASC (DUARTE e PINHEIRO, 2016). Entretanto, como a aplicação no contexto da fundação da experiência coletiva é uma abordagem pouco recorrente, o interesse e a curiosidade levaram ao com-promisso de desenvolver o tema na tese de doutorado. Entre os objetivos do trabalho, estava o delineamento da Empatia Espacial enquanto ferra-menta conceitual e metodológica voltada ao estudo da adesão ao meio e sua influência na fundação de experiências coletivas em espaços públicos. Nesse sentido, o presente artigo traz um recorte da tese, a fim de apresen-tar os caminhos metodológicos utilizados na pesquisa, meios pelos quais foi possível analisar e aferir a Empatia Espacial, solidificando-a enquanto tema de estudo.

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Observando a Empatia Espacial: a busca pelo método

A busca de compreender o papel de Empatia Espacial na adesão espa-cial levou a uma estruturação do que até então era uma ideia que tinha forma de conceito. A construção de um método/ferramenta que estivesse mais de acordo com o estudo também seria essencial, uma vez que, ainda durante o estudo piloto, já se havia constatado que era possível identificar a ocorrência da Empatia Espacial, mas não sua aferição. Sendo assim, em um primeiro momento, recorreu-se a um estudo pilo-to pautado na observação do espaço sensível, o que trouxe as primeiras hipóteses acerca da experiência empática e os possíveis direcionamentos a serem tomados na pesquisa. Para tal estudo, dois espaços públicos foram escolhidos para uma análise comparativa com foco na experiência coleti-va: a Praça São Salvador em Laranjeiras e a Praça Edmundo Bitencourt, em Copacabana. A escolha desses lugares se deu por (1) serem espaços de resistência de práticas sociais, de uso e de atividade que se destacam no bairro em que estão localizadas; (2) estarem próximas a áreas de gran-de movimentação e localizadas na mesma região (zona sul do Rio de Janeiro), majoritariamente residencial; (3) terem morfologia semelhan-te (cercadas de edifícios, forma retangular que se configura como uma convergência de ruas que a contornam). A partir desses dois lugares, foi iniciada uma observação etnográfica, método cada vez mais utilizado por grupos de pesquisa e metodologias de projeto em arquitetura e urbanismo, em especial pelo LASC. Como método de investigação e análise originado da antropologia, a et-nografia se caracteriza pelo trabalho de campo, observação participante e observância da alteridade, demandando práticas específicas no trato com o Outro, enquanto objeto de estudo. Observar implica saber ouvir, ver, fazer uso de todos os sentidos. É preciso ponderar sobre o momento certo para se aproximar ou se distanciar e, por vezes, esperar mais do que o imagina-do. Assim, faz-se necessário o período de impregnação, que é o momento no qual o pesquisador se familiariza com a situação na qual está inserido e, ao mesmo tempo, favorece que sua presença seja absorvida pelo contexto ao qual observa.

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Geralmente, após o período de impregnação, são feitas anotações, em um caderno de campo, enfatizando em detalhes tudo o que foi visto: a dinâ-mica do uso do espaço, comportamento das pessoas, impressões e emoções do pesquisador, a descrição de como é o lugar, assim como outros fatos vistos e considerados importantes para a compreensão da “atmosfera”. A observação foi realizada para além dos moldes que seguem os preceitos básicos descritos pela etnografia, fazendo-se o uso de croquis de campo e notações gráficas – que configuram o instrumental de todo arquiteto e urbanista – e remetendo, assim, à ferramenta cunhada pelo LASC: a etnotopografia. Nesta ferramenta os croquis de campo são tomados como suporte investigativo, um produto gráfico da observação, podendo ser a eles acrescentados desenhos arquitetônicos, croquis e esquemas sempre que necessário. A elaboração dos croquis é realizada em campo, o que o

1. Exemplos de aproximação corporal, interação e comportamento. Os croquis 1 e 2 são da Praça São Salvador, enquanto o 3 é da Praça de Copacabana.

Fonte: A autora, setembro de 2017.

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torna uma ferramenta tanto de observação como de interpretação imedia-ta, possibilitando até comparações entre situações (DUARTE, 2013). Segundo estudos sobre os neurônios espelho, as raízes da Empatia estão no corpo e, da mesma maneira da identificação projetiva, é um processo ocorre inconscientemente (PALLASMAA, 2013). Por isso, no processo de observação da experiência empática não foi levado em consideração apenas o que acontece com o corpo próprio dotado de sensibilidade, mas também com o corpo físico. Assim, através da observação participante se traçou paralelos entre o embasamento teórico, as reações corporais e ações coletivas capturadas. Com isso, foi possível identificar a repetição de certos padrões de comportamento e ação, o que mais à frente foi um importante ponto na compreensão de como as pessoas se conectam com os lugares.

Através dos croquis e anotações resultantes da observação, foi possí-vel perceber o que Etlin (1998) chama de qualidade espacial de nosso relacionamento com outras pessoas, a qual está relacionado à versatili-dade de ampliação e redução do tamanho da bolha do espaço pessoal (HALL,1990). A observação da variação do tamanho dessa bolha foi im-portante para o estudo da Empatia Espacial, já que segundo Minkowski (1967), todos nós temos um instinto à proteção que usamos no nosso espaço pessoal, sendo este a representação quase primitiva de um dina-mismo espacial que marca a nossa relação afetiva com outro ser huma-no. Como no espaço pessoal estão presentes importantes características psicológicas, que evidenciam o quanto estamos envolvidos, a partir dele podemos notar a existência ou ausência do estreitamento dos laços emo-cionais (MINKOWSKI, 1967). Assim, se partimos do princípio de que por meio da Empatia nos envolvemos com o Outro, estabelecemos esse laço emocional, subentendemos que observar o quanto comprometemos nosso espaço pessoal pode fornecer informações sobre a intensidade de nosso engajamento em uma coletividade.Foi a partir de tais observações realizadas nos espaços públicos escolhidos que a importância do papel do corpo na experiência empática foi com-preendida de uma maneira mais profunda. O corpo não é só um caminho de conexão empática, mas também um identificador de sua ocorrência a partir de ações/reações. Por meio dele, adotamos posturas que são aciona-

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das e/ou copiadas a partir do que é expresso pelo Outro. Seja esse Outro o meio ou um sujeito, o corpo aparece como um liame ou a indicação da incidência da Empatia, ou seja, respondemos a tudo o que sentimos desde nossa corporeidade. Logo, entendemos que era necessário considerar o corpo no entendimento da construção de relação entre Empatia e espaço, sobretudo como indicativo para o mapeamento de possíveis Empatias às ambiências. E, para que isso fosse possível, era preciso construir um méto-do que explorasse a experiência empática de uma maneira mais ativa, com a imersão do corpo que não só observa, mas que também que se deixa afetar pela coletividade.

Explorando a Empatia Espacial: o diário de campo e a imersão em Grenoble

O corpo é o meio pelo qual experienciamos a nós mesmo e o mundo, num ato de auto reconhecimento. No processo de adesão espacial e experiência empática, o corpo não é o limite do conhecimento, mas sim a ferramenta de experimentação: o instrumento de medida para aferir a Empatia Es-pacial. Foi com esse raciocínio, corroborado a partir da observação etno-gráfica, que se construiu uma abordagem metodológica durante o estágio doutoral realizado no laboratório CRESSON, em Grenoble na França, voltada especificamente para o estudo da experiência empática. Antes de Grenoble, trabalhos de campo explorando a relação entre corpo e experiência empática já haviam sidos realizados no Brasil. Em tais estudos, os sinais emitidos pelo corpo e pelo engendramento espacial que eram observados serviram de parâmetro para levantar hipóteses sobre a Empatia Espacial e sua relação com a experiência coletiva. No entanto, a proposta de uma imersão em Grenoble trouxe uma inversão de parâme-tros: o corpo não seria um indicativo da ocorrência da Empatia Espacial e sim um meio pelo qual ela ocorreria. Era necessário deixar o corpo ser afetado, ser parte da multidão e da cidade. Para isso, o pesquisador deveria vivenciar os espaços de forma livre e engajada, deixando que a afetação guiasse o corpo e sua “aclimatação”, que é um processo de adaptação do corpo às ambiências (THIBAUD, 2018).

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Para a experiência de Grenoble, a princípio não se tomou nenhuma me-todologia em específico. A intenção era explorar a cidade como um todo, etapa chamada de macro exploração, que daria a indicação de quais espa-ços pontuais deveriam ser considerados para um estudo mais detalhado, chamada de micro exploração. Para tal, foi feita uma imersão urbana pau-tada no caminhar com o intuito de que, ao se movimentar espacialmente, as conjecturas pudessem acontecer. Toda a experiência vivenciada deveria ser registrada em um diário. A ideia era que se vivesse situações, eventos e práticas que deveriam ser documentados e, só depois de analisados, seriam identificados os fatores que levariam ao compartilhamento da experiência. Esse compartilhamento poderia ser considerado de dois lados: do ponto de vista das práticas socioespaciais, que se abre para o sujeito, e da abertu-ra/fechamento deste sujeito para certas práticas socioespaciais. A experiência, que deveria ser iniciada como forma de conhecimento dos lugares e guiada pelo corpo afetado, teve um importante ponto como destaque: foi uma experiência realizada por uma estrangeira em Grenoble, que não possuía nenhum conhecimento prévio da cidade. Essa é uma das características mais ricas da experiência de campo, já que foi por meio da errância, de um corpo imerso um contexto cultural diferente e desconhe-cido, que os primeiros contatos com os lugares se defloraram. Na macro exploração, a cidade deveria ser percorrida “às cegas” e as caminhadas deveriam ser aleatórias, sem construir rotina. A motivação que guiava a experiência era a busca de ser parte da cidade, de fazer parte das dinâmi-cas, dos lugares e consequentemente ser um dos atores de sua cotidianida-de. Os lugares, espaços públicos a serem estudados mais detalhadamente seriam, então, uma escolha corporal, o resultado do corpo imerso na coletividade, consolidando assim a micro exploração.O diário começa guiado pela indagação sobre como nos enquadramos com a coletividade – “e se?” ou “quando?” queremos isso, “como?” fazer parte de algo. Em resumo, seria: “como os espaços me chamam, por onde me chamam, o que me fazem sentir para que possa ser considerado por mim como um chamado”? Para que pudesse trazer os resultados, a expe-riência deveria seguir um curso natural, relatando inclusive os momentos de desconforto, medo, estranhamento e toda e qualquer outra impressão ou sensação – positiva ou negativa – que surgisse enquanto se imerso na cidade.

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Durante os cinco meses de duração da experiência (julho-novem-bro/2017), foi documentada toda a rotina que pautava a vida, os hábitos, os encontros e os desencontros e os lugares descobertos por onde a pes-quisadora era convidada/proibida a estar/permanecer/passar. O que guia-va sua descoberta era a rotina da pesquisadora no cotidiano da cidade, os lugares e as pessoas que surgiam. O diário se tornou uma documentação do cotidiano do lugar e a liberdade na documentação dos fatos permitiu que as informações fossem reunidas das mais diversas formas: pela escrita, fotografia, gravação de vídeo/áudio, desenhos. Ao fim, o diário forneceu subsídios para o desenvolvimento de um método, construído a partir do que foi registrado a partir desse processo.

O método: errâncias sensíveis

O método foi construído intuitivamente a partir da afetação, derivada de um processo exploratório a partir dos trajetos, das mudanças de itinerário e da aclimatação do corpo às ambiências, partindo daí a decisão de perma-necer ou seguir nos lugares. O diário, forma de registro dessa experiência, surgiu por meio da documentação, como uma expressão dos ritmos e dos tons das diferentes vivências e afetações: o importante não era documen-tar o que se via, sentia, e sim que a captura fosse uma consequência do que se sentia e vivenciava. Durante o tempo da experiência, realizada em horários e dias variados, caminhou-se pela cidade sem trajetos ou lugares pré-determinados. O caminhar era sempre iniciado por uma narração do percurso, documenta-do em um gravador onde também eram registradas as tomadas de decisão e as sensações locais, enquanto o ‘chamado da cidade’ conduzia o ritmo e os encontros. O corpo e a oportunidade da deriva guiavam o processo e, assim, o itinerário era construído aos poucos, a partir do que se sentia e com as ações que a coletividade direcionava a tomar. A caminhada é iniciada de forma solitária e livre de qualquer postura ana-lítica, caracterizando o que no método foi chamado de Fala do Eu. Neste momento, seguia-se o ritmo da experiência e, com isso, existiram momen-

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tos de caminhar mais calmo, mais rápido ou até mesmo de paradas ou longas permanências. Por isso, embora seja iniciada a partir da gravação do relato, a maneira com que a experiência era registrada, variava. Soma-se à narração do pesquisador em seu momento de Fala do Eu algumas foto-grafias, vídeos, croquis, frases soltas que foram chamados de Registro-cha-ve. Esses breves registros que serviram para guiar o pesquisador na hora de documentar sua experiência no diário eram também indicativos da aclimatação, servindo de base para identificar a conexão com os espaços.As paradas eram feitas de maneira intuitiva e poderiam se tornar uma longa permanência no lugar. Nesse momento, foi comum ver que o diário continha relatos mais elaborados e, principalmente, croquis. Nos momen-tos de paradas, os quais são guiados também pela afetação, a pesquisadora relatava o lugar que se encontrava, descrevendo as pessoas, eventos e sen-sações que ali vivenciava. Era o momento de ouvir e sentir o lugar, carac-terizando assim, a Fala Dele, do lugar, enquanto espaço público coletivo. Entretanto, ao longo do trajeto solitário e da narração em primeira pessoa, ocorriam algumas interrupções. Assim, somava-se em alguns momentos da fala do pesquisador a Fala do Outro, sobretudo, em momentos de pa-rada. Às vezes, a fala era tomada pelo Outro que “interrompia” a narração do Eu. Em outros, a pesquisadora sentia a necessidade de ceder sua fala, conversar com o Outro; uma decisão tomada de maneira intuitiva. Esse segundo momento de fala foi incorporado ao método, um momento cha-mado “é você quem fala”. Nas primeiras errâncias, o momento de fala do outro sinalizava uma abertura ao engajamento. No entanto, ao longo da experiência e a partir da análise das primeiras caminhadas, percebeu-se que também poderia ser um ponto interessante explorar a Fala do Outro, daquele que interrompe ou que é convidado a falar. Assim, sempre que surgia essa possibilidade, a pesquisadora convidava a pessoa a participar do experimento. Pedia-se para que a pessoa a levasse a um lugar público, que representasse um sen-timento ou uma sensação que estava sentido naquele momento.Caso aceitasse o convite para fazer parte da experiência, a pessoa guiaria a pesquisadora por um trajeto livre, sem itinerário preestabelecido. Até che-gar ao ponto final escolhido pelo convidado, era pedido para que a pessoa narrasse se caminho, explicando suas tomadas de decisões e sensações

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durante o percurso. Durante o trajeto a pesquisadora, além de gravar a narração do convidado, documentava as reações e as ações que se manifes-tavam corporalmente. Entre os fatos documentados, estava a variação no ritmo do caminhar, as paradas, assim como as sensações e os sentimentos despertados na própria pesquisadora. Esse momento foi chamado de Fala do Nós, já que o trajeto é tomado do ponto de vista de duas pessoas: da pesquisadora e de seu convidado, com uma narrativa que se completa. É importante enfatizar que a documentação deveria ser feita de maneira a não interromper o ritmo da caminhada do Outro. Assim, a escolha de parar ou de continuar, ou até mesmo de caminhar rápido, era do Outro e nunca porque se precisava documentar. Ao fim, com a análise do diário, fi-cou evidente a existência de três momentos, que interessantemente podem ser relacionados com as fases do processo empático – desenvolvidos no conjunto teórico sobre Empatia Espacial e que por motivo de continuida-de deste artigo, não caberá detalhar aqui: ressonância, compartilhamento e engajamento.

Vivenciando a experiência empática Quando somos afetados, somos inundados de sensações que podem levar a considerar o Outro ou nos fecharmos completamente. Durante a análise, realizada depois do encerramento da imersão em Grenoble e análise do diário, foi possível notar três momentos que fizeram parte da experiência: o primeiro deles foi identificado como ressonância que é o fator que nos leva à abertura ou ao fechamento em relação ao Outro (STERN, 1989).Podemos dizer que a ideia de ressonância está intimamente relacionada aos elementos sensíveis da ambiência. Nos processos empáticos, a res-sonância aparece entre a captura de sentimento e a projeção, sendo um elo conector que ocorre de maneira inconsciente e que é praticamente a solidificação da manifestação empática (STERN, 1989). No caso da Empatia Espacial, em que estávamos buscando o ensejo de estar no Outro – o espaço físico – os momentos de ressonância são perceptíveis no diário quando existem lugares que levavam a redução do ritmo do caminhar, culminando em intervalos de parada.

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O segundo momento, o de compartilhamento era quando a fala do pes-quisador, a Fala do Eu era cedida ou tomada pelo Outro. Embora a fala cedida ou tomada fosse uma deixa para o momento da Fala do Nós, considerava-se o momento de compartilhamento como o simples fato de se identificar ou criar uma conexão. O aceite por parte do Outro também ilustrava a predisposição, tanto em compartilhar como em engajar em uma relação conjunta. Já o terceiro momento, o engajamento, pode ser caracterizado a partir de duas ocorrências: a primeira seria a decisão por parte do pesquisador de permanecer em um lugar, momento que é caracterizado pelo Ele (o espaço que fala). A outra ocorrência iniciaria com o compartilhamento do percur-so por parte do convidado, que ao escolher fazer o percurso conjuntamen-te chegaria a um lugar de permanência. Um ponto interessante acerca desses três momentos são os elementos sensíveis que os caracterizam. Segundo Stern (1989), a ressonância está associada à maneira pela qual se é afetado pela abrangência visual, pelos sons e pelas formas, ou seja, a natureza sensorial. Existiram momentos no diário em que narração destacava mais elementos visuais, em outros ela tendia a ir mais para uma narrativa sonora e até mesmo olfativa. Pelas análises realizadas a partir do que foi coletado no diário, o que se pode dizer é que a aclimatação a uma ambiência, processo que culminaria em uma Empatia Espacial, passa pelo visual (cores e formas), pelo sonoro (sons) e chega ao olfativo (cheiros). As cores que aparecem no diário a partir dos croquis desenhados também são fortes indicativos de engaja-mento coletivo. Lugares cuja cores foram representadas em tons pasteis e/ou frios caracterizam se associação ao caminhar rápido, enquanto cores mais quentes se associam à momentos de caminhar lento e pausado, assim como a tendência a permanecer no lugar.Fatores estéticos relacionados ao lugar experienciado, assim como refe-rências arquitetônicas, aparecem nos relatos associados às memórias. Em quase todos os relatos, elementos arquitetônicos apareciam relacionados as memórias da vida, como infância, juventude. Sempre que descreviam elementos relacionado a sua história pessoal, as pessoas reduziam o ritmo do caminhar. Os lugares que eram mais propensos a ocorrência da fala do Outro – tu que fala – eram descritos muito mais a partir dos seus eventos e de suas atividades do que seus elementos estéticos.

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Por fim, podemos dizer que o ritmo em que somos levados a experenciar os lugares está relacionado diretamente aos elementos que são apreen-didos. Sendo o corpo o meio pela qual se vivencia a Empatia Espacial, entendemos que o ritmo está relacionado não só com a afetação, mas tam-bém com compartilhamento sensível da ambiência e seu encadeamento com as dinâmicas do que acontece no espaço. Nesse sentido, entendemos que a Empatia Espacial é estruturadora dessa experiência do meio, tor-nando-a muitas vezes mais intensa, consistindo em uma forma de conexão onde as interações são os elos.

ConclusãoQuando revelados a partir de seu uso cotidiano, os espaços urbanos de qualquer cidade se apresentam a nós bem além de suas características físicas, como primeiramente somos levados a crer. Muitos fatores, visíveis e invisíveis, sensíveis e intermediados, influenciam não só O QUE vemos nos lugares, mas COMO interagimos com ele e, consequentemente, o modificamos diante de nossas ações. É neste espaço da experiência sen-sível, de forma individual e coletiva, que naturalmente um ‘enraizamento’ pode acontecer para que determinados sentidos aflorem de forma positi-va/negativa e possibilitem a construção do sentido de associação do Eu ao Outro e ao Lugar de maneira intensa. Os caminhos metodológicos aqui relatados permitiram não só estudar a Empatia Espacial, mas experenciá-la intuitivamente por meio de dife-rentes espaços da cidade. Os primeiros direcionamentos que auxiliaram a construção do método foram obtidos a partir da observação etnográfica, a qual reforçou a importância da imersão corporal na compreensão e análise dos aspectos sensíveis do lugar. Mas foi apenas vivenciando a Empatia Espacial na experiência de Grenoble que entendemos que, assim como a ambiência urbana, ela é um conceito fundante – sendo através desta que a experiência espacial é estruturada. O método construído para o estudo da Empatia espacial deixa evidente que é por intermédio da experiência e da realidade sensível, compreen-dida corporalmente, que o aprendizado se dá originalmente (PINHEI-RO, 2010). Mas, é quando sentimos algo, seja por um objeto ou pessoa,

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que estamos propensos a nos abrir à sensibilidade que emana deste algo e, consequentemente, nos abrir à compreensão (STEIN, 1964). Assim, se partimos do princípio de que é através da Empatia Espacial que nos envolvemos com o Outro-objeto, ou seja, estabelecemos esse laço emo-cional com o espaço físico, subentendemos que o compartilhamento da experiência pode nos fornecer informações sobre a intensidade de nosso engajamento em uma coletividade.

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Bárbara Thomaz L. Nascimento possui graduação em Ar-quitetura e Urbanismo e título de Mestre em Dinâmicas do Espaço Habitado pela Universidade Federal de Alagoas. Doutora em Arquitetura pelo Programa de Pós-graduação em Arquitetura na Universidade do Rio de Janeiro (PRO-ARQ/UFRJ) integrante do grupo de pesquisa Arquitetura, Subjetividade e Cultura (LASC/UFRJ). Desenvolveu estágio doutoral (doutorado sanduí-che) no Centre de Recherche sur l´Espace Sonore et l´environnement urbain (CRESSON) na École nationale Superiéure d’Architecture de Grenoble (ENSAG) financiado pela Capes. Atua principalmente nos seguintes temas: Espaço público, Imagem urbana, Ambiências urbanas, Empatia Espacial, Etnografia, Estética Emocional.

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Padrões corpográficos do uso de smartphones:

caso Convento de Nossa Senhora da Penha

Felipe Azevedo Bosi

Percepção e mente são fundamentos da nossa rela-ção com o que está posto a nossa frente. Merleau-Pon-ty (1999) nos descreve a percepção como um processo corporificado que tem como horizonte o nosso próprio plano de vivência. McDowell (1996) aponta que essa mesma percepção já é sempre conceituada, sendo um conteúdo sempre pronto para o pensamento. Ambas as perspectivas apontam para a percepção como um ato que já conjuga um julgamento prévio daquilo que está posto a nossa frente como tal-e-tal. Clark e Chalmers (1994), assim como Rowlands (2009; 2010), também apontam para a nossa mente algo mais complexo e ca-paz de expandir parte dos seus processos para além do confinamento do nosso eu cartesiano.

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Somando-se a isso, temos o advento de uma Quarta Revolução Industrial: o domínio da esfera digital no mundo e a ascensão dos sistemas ciber-físicos capazes de comunicarem-se entre si e com os humanos. Temos uma forte expansão do uso dos dispositivos digitais, apontando para uma mudança na nossa percepção e no funcionamento dos nossos processos mentais. Segundo pesquisa realizada pelo Google (GOOGLE BARO-METER, 2017), a porcentagem de brasileiros que acessa a internet diaria-mente cresceu de 12% em 2012 para 58% em 2016 e o número de brasilei-ros que tem um smartphone cresceu de 14% em 2012 para 62% em 2016. Paul Virílio e Juhani Pallasmaa (VIRÍLIO, 1991; PALLASMAA, 2011 e 2013a) realizaram uma análise sobre os impactos das mídias contem-porâneas sobre nossa relação com a arquitetura e com o que está posto a nossa frente. Para eles, estaríamos nos relacionando de forma acelerada e excessivamente imagética com aquilo que nos circunda. Debord (2011) também aponta que as imagens que consumimos passaram a mediar nossa relação com o mundo, distanciando-nos daquilo que, na experiência, seria próximo. Todavia, as discussões sobre o impacto que o uso dos smartpho-nes tem sobre a nossa experiência corpórea de um lugar ainda são inci-pientes. A questão sobre se os dispositivos móveis realmente interferem na nossa relação com o lugar ainda está em aberto.

Percepção, Corpo e CorpografiaA experiência de algo sempre começa com a percepção e o corpo é o agente desta mecânica. Segundo Merleau-Ponty (1999), uma nova manei-ra de compreender a percepção é oferecida pela Gestalt e pela fenomeno-logia de Husserl. Segundo estas posturas, a percepção é compreendida por meio de uma noção de campo e de um direcionamento nosso em relação ao mundo, não existindo sensações elementares, nem objetos isolados. A percepção não é o conhecimento exaustivo e total de um objeto separado da consciência do sujeito, mas uma relação provisória e incompleta de origem corpórea.Para Pallasmaa, “a consciência humana é uma consciência corpórea; o mundo se estrutura em torno de um centro corpóreo e sensorial” (2013b, p. 14), sendo que a existência humana seria sempre uma existência cor-

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pórea, onde toda nossa subjetividade seria vivida de modo corporificado. Para o arquiteto, “nem é a cabeça o único lugar do pensamento cogniti-vo, uma vez que nossos sentidos e nossa existência corpórea estruturam, produzem e armazenam diretamente conhecimentos existenciais silencio-sos” (PALLASMAA, 2013b, p. 14). Fazer arquitetura, nessa visão, seria lidar com conjuntos de subjetividades que se corporificam nos hábitos dos usuários de um local. McDowell (1996), apesar de não trabalhar com a nossa corporeidade, pode nos auxiliar a entender a relação entre corpo, pensamento e relações espaciais. Nos seus estudos sobre nosso acesso ao mundo, McDowell se-para aquilo que é pensável do pensamento em si. Para ele, nosso acesso ao mundo primeiro se dá por uma percepção já conceituada no formato do que é pensável, gerando um conteúdo em potencial para ser pensamento; já no exercício do pensamento, o pensável, que já é conceitual, passa a for-mular proposições e se torna parte do falável (MCDOWELL, Op. cit.).Trazendo as ideias de McDowell para o âmbito da corporeidade de Merleau-Ponty, o corpo é o interpretante daquilo que está posto-a-frente, se envolvendo por completo, de modo múltiplo e a partir de suas possi-bilidades com o que é percebido. O corpo se “desenha” para isso que está posto-a-frente, absorvendo o que McDowell chamou de pensável, conteú-do para o pensamento, algo com potencial para estar no pensamento, mas que ainda não o é, entendendo-o e conceituando-o.Nesse caminho, o conceito de corpografia nos auxilia a pensar a relação entre o nosso corpo e este conteúdo pensável. Britto e Jacques (2008) nos dizem que a experiência urbana fica marcada no corpo como uma forma de “grafia”, que elas chamam de corpografia. A corpografia urbana seria “uma espécie de cartografia corporal, em que não se distinguem o obje-to cartografado e sua representação, tendo em vista o caráter contínuo e recíproco da dinâmica que os constitui” (BRITTO & JACQUES, 2012, p. 149-150). Nessa corpografia não haveria uma separação entre o corpo e aquilo que é cartografado.A corpografia urbana seria, então, uma grafia sobre a cidade realizada pelo corpo e gravada no próprio corpo, “a memória urbana inscrita no corpo” (BRITTO & JACQUES, 2008, p. 79). O nosso corpo grafaria as nos-sas relações com o espaço urbano nele mesmo, demarcando a fluidez do

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espaço, os obstáculos encontrados, formas que desenvolvemos para lidar com estes obstáculos, revelando aquilo “que o projeto urbano exclui [... e] explicitando as micro práticas cotidianas do espaço vivido” (BRITTO & JACQUES, 2008, p. 80)14.Jacques (2008) nos diz que, a partir da corpografia, deixamos de pensar a cidade como uma espécie de cenário passamos a pensá-la como um outro “corpo” que interage com os corpos de seus usuários. Dessa forma, reali-zamos “desenhos” corpóreos para lidar com esse outro corpo que nos dá tanto um conjunto de condições interativas como uma série de limitado-res. Essas corpografias feitas para lidar com o espaço podem ser mapeadas e representadas de modo a termos um catálogo de imagens sobre a relação de um grupo de pessoas com um determinado local.Britto (2012) nos incentiva a pensar a relação entre corpo e cidade como uma relação de coimplicação, onde o corpo implicaria a cidade e a cidade implicaria o corpo. Desse modo, tudo o que afetaria o corpo, consequen-temente, afetaria nossa relação com a cidade e também a cidade em si. Assim como qualquer modificação na cidade, incluindo criação/interação/modificação de algo digital, causaria uma modificação em nossa corpogra-fia e em nossa situação corpórea.De modo complementar às ideias de Britto, Jacques e Dias, Pallasmaa (2013a) nos diz que o corpo não é somente algo físico que interpreta o que está posto à frente, mas que ele é enriquecido pelo nosso pensamen-to, imaginação, pelo nosso passado e por aquilo que projetamos para o futuro. Assim como na corpografia, vemos o percebido ser “impresso” no corpo, para Pallasmaa, o pensamento também se “imprime” no corpo, enriquecendo-o e gerando padrões de motricidade que nos auxiliaria tanto a lidar com as coisas do mundo como a dar significado para aquilo que está posto a nossa frente. Nossa aproximação ao que está posto a nossa frente nunca é neutra, ela sempre vem carregada com nossas experiências passadas, hábitos e conhecimentos sedimentados já “impressos” no corpo, definindo uma atitude própria e característica de contato com as coisas. Estes conhecimentos, hábitos e experiências “impressos” no corpo guiam e delimitam nossas possibilidades de agir e pensar.Para além das corpografia e do ato de pensar como algo somente inserido no âmbito daquilo que é referente ao humano diretamente, Andy Clark

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e David Chalmers (1994) argumentam que também podemos realizar ações que participam do nosso processo de pensar, ações que nos auxiliam a adquirir informações do nosso entorno apenas para nos ajudar a con-seguir conhecimento. Devido a esse tipo de ação, ambos acreditam que tanto a ação como aquilo que é alvo da ação fazem parte de um conjunto de processos cognitivos, entendendo cognição como faculdade de adquirir conhecimento. Para Clark e Chalmers (1994), assim como para Rowlands (2009), isso significa que os nossos processos mentais ou cognitivos não teriam uma posição espacial específica. Wittgenstein (2007), em seu O Livro Azul, também corrobora com essas mesmas ideias, ao afirmar que, enquanto realizamos o ato de escrever, nosso pensamento se localizaria no papel e na caneta; ao falarmos, nosso pensamento passaria a estar na nossa boca.Para os autores acima, nossos processos mentais têm a capacidade de se estenderem para fora do nosso corpo, utilizando-se do meio externo para conseguir e para guardar informações. É por meio desse mecanismo que os dispositivos digitais, como o smartphone, adquirem o potencial de mo-dificar a nossa relação corpórea com o espaço. Os celulares dão a possibi-lidade de o usuário expandir os processos cognitivos de sua própria mente amalgamada para dentro do digital em busca de informações, imagens e relatos sobre um determinado local. Os dados adquiridos nas buscas são julgados pela sua percepção corporificada e passam a fazer parte, ou não, do seu repertório corpóreo-conceitual, detendo potencial para modificar a corpografia do usuário de um local.

O métodoO método utilizado para alcançarmos dados sobre os padrões corpográfi-cos da percepção do lugar mediada por smartphones foi baseado em um processo tríplice de aproximação, que aqui focaremos na segunda etapa do processo01. Nesta segunda etapa de pesquisa, fizemos uma visita ao local

01 Na primeira etapa da pesquisa, colhemos dados através de um questionário web e decidimos o local de estudo a partir tanto da facilidade de acesso para o pesquisador como de resultados colhidos por uma pergunta desse mesmo questionário. Já a terceira etapa desta pesquisa foi baseada em uma visita dupla e guiada ao local de estudo (cf. BOSI, 2019).

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de estudo de caso para estudar os padrões corpográficos dos seus usuários. Os participantes dessa etapa não foram escolhidos ou abordados de modo direto. Nossos informantes para essa etapa foram aqueles que já esta-vam visitando o local e que apareceram no recorte fotográfico dado por ângulos que determinaremos no local. Para realizar este estudo, utilizamos a técnica de sequenciais de imagens espaçadas e a técnica de diferenciação de frames.Nesta pesquisa, fizemos uma visita de campo ao Convento da Penha, onde alguns ângulos foram definidos para fixar uma câmera e capturar ima-gens a cada seis segundos, durante 20 minutos. Cada uma das fotografias tiradas é um frame e a comparação entre dois frames diferentes dá na diferenciação de frames. Essa ferramenta foi utilizada para obter imagens de um único dia durante uma visita que durou cerca de 2:30 horas.A técnica de sequenciais de imagens espaçadas consiste em se manter uma câmera fotográfica em um ângulo constante tirando várias fotografias de acordo com um tempo predeterminado, criando um “álbum” com diversas imagens que registram as mudanças que ocorrem em um só ângulo de acordo com o tempo escolhido.Já a diferenciação de frames é uma técnica que se utiliza de um software desenvolvido para comparar duas imagens diferentes e demarcar os pixels que são diferentes. Nessa técnica, cada imagem é tratada como um frame. O software, a partir das duas primeiras imagens, cria uma terceira em que o que está em branco é o que foi mantido nas duas imagens analisadas e o que está em preto representa as diferenças02. A explicação para as imagens adquirirem esse caráter é devido ao enfoque que esse alto contraste traz para aquilo que está em movimento ou onde ocorreu alguma mudança. A técnica compara cada pixel de uma imagem com a outra buscando res-ponder à pergunta se há ou não diferenças entre estes pixels. Devido à na-tureza bivalente dessa pergunta, só são permitidos dois valores de resposta. A partir desses dois valores, conseguimos focar nas corpografias desenvol-vidas pelos usuários e, com o auxílio da sequência de imagens originais, conseguimos descobrir quais destas estão conectadas ao uso de celulares.

02 Para esta pesquisa criamos um software utilizando da linguagem de programação Python.

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Os dados coletados por essas ferramentas podem ser tanto quantitativos (quantidade de pessoas que circulam por um caminho, velocidade destas pessoas) como qualitativos (tipo de movimentos que elas realizam, pos-turas, padrões corpóreos). Devido à nossa pesquisa estar ligada aos “de-senhos” que nosso corpo faz para interpretar nossa relação com um local, os dados coletados nesta etapa de pesquisa foram analisados de forma qualitativa, tentado desvelar as qualidades (ou predicados) corpográficas que são características dos usuários do lugar que estão utilizando os seus smartphones.

O Convento de Nossa Senhora da PenhaO Convento de Nossa Senhora da Penha (CNSP) está localizado num penhasco sem nome em Vila Velha, Espírito Santo, estando a 154 metros de altura, em relação ao nível do mar, e a 500 metros de distância do mar. Esse penhasco está no bairro histórico da Prainha, onde teria sido iniciada a colonização do Estado do Espírito Santo, é circundado pelo 38º Batalhão de Infan-taria do Exército Brasileiro e contém a maior faixa de Mata Atlântica da cidade de Vila Velha, estendendo-se por volta de 50 hectares de terra. Atualmente, a área do Con-vento incluí um largo que serve de estacionamento e área de eventos, uma lancho-nete/livraria, dois mirantes, uma capela dedicada a São Francisco de Assis, um museu, uma residência para hóspedes, ruínas das antigas senzalas e a Capela-Mor.

1. O complexo do Convento da Penha. Fonte: GOOGLE MAPS, 2018a.

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Todo esse complexo totaliza 632.226 m² (CONVENTO, 2018). Na figu-ra abaixo, temos a localização e a totalidade do complexo do CNSP. Para subirmos até o Convento, passamos ou por um caminho largo des-tinado a pedestre e veículos ou pela escadaria/rampa antiga chamada de Ladeira da Penitência. Chegando ao topo, encontramos a entrada de veí-culo, o largo (Figura 2) e a lanchonete/livraria. Em frente ao Largo, temos a Capela de São Francisco de Assis. Ao lado da Capela de São Francisco de Assis, temos o Mirante 2 (Figura 3). Seguindo em frente, chegamos ao mirante 1. Finalizando o Largo do Convento, temos um altar fixo.Subindo em direção à edificação do Convento em si, temos uma varanda frontal (Figura 4). A partir da varanda frontal, temos acesso as duas entra-das públicas do Convento (Figura 5), posto que parte dessa mesma edifi-

cação serve de mora-dia para os freis que servem no convento. O público leigo pode entrar na edificação por duas portas, uma delas dá para o preâm-bulo da igreja e depois para a Capela-mor (Figura 5), enquanto a segunda porta dá para um corredor lateral que segue a igreja e dá para uma varanda que circunda os fundos e a outra lateral da igreja.

2. Largo do Convento. Fonte: Acervo do autor, 2018.

3. Mirante 2. Fonte: Acervo do autor, 2018.

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Resultados e discussõesNossa primeira aproximação aos frames foi uma análise separada dos frames que destacam melhor os padrões motores ligados ao uso de dispositivos digitais móveis. Identificamos cada imagem ten-do como base o tempo da primeira foto-grafia tirada em cada ângulo como sendo a de tempo T = 0 segundos. Depois, ana-lisamos a diferenciação entre os frames com distância temporal entre 6 segundos, 30 segundos e 60 segundos, também focando somente na diferenciação de frames que demonstra melhor os padrões motores ligados ao uso de dispositivos digitais. Nas imagens realizadas com essa técnica, identificamos tanto o tempo da primeira fotografia utilizada, como da se-gunda. Na figura abaixo, segue um mapa identificando os três ângulos escolhidos para aplicação da técnica.

O primeiro ângulo escolhido foi o que se encontra na Figura 8, no qual foi identificado um grupo de pessoas que estavam utilizando o celular enquanto estavam apoiados numa mureta, que

4. Varanda frontal. Fonte: Acervo do autor, 2018.

5. Entradas da edificação do Convento.

Fonte: Acervo do autor, 2018.

6. Capela-mor. Fonte: Acervo do autor, 2018.

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vemos nas Figura 9, Figura 10 e Figura 11.A diferenciação de frames feita no ângulo somente captou esse pequeno grupo de pessoas que

7. Ângulos escolhidos para diferenciação de frames.

Fonte: Editado de GOOGLE MAPS, 2018a.

8. Ângulo 1. T = 0 segundos. Fonte: Acervo do autor, 2018.

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pareciam absortos nos seus dispositivos digitais móveis, realizando somente pequenos movimentos corpóreos en-quanto concentravam os seus olhares na tela dos aparelhos. Esse grupo permaneceu para-do por cerca de 8:30 minutos no mesmo local. Os padrões motores desse grupo incluem um apoio ou local para sentar e ficar “quie-to”, uma posição arqueada, como que buscando “entrar” no dispositivo que dá acesso ao espaço digital, e uma falta de movimentações no espaço físico, indicando um maior número de deslocamentos ocorrendo no digital.

9. Ângulo 1. T = 4:30 minutos. Fonte: Acervo do autor, 2018.

10. Ângulo 1. T = 8:30 minutos. Fonte: Acervo do autor, 2018.

11. Ângulo 1. Diferenciação de frames entre T = 54 segundos e T = 60 segundos. Fonte: Acervo do autor. 2018.

12. Ângulo 1. T = 9:00 minutos. Fonte: Acervo do autor, 2018.

13. Ângulo 1. Diferenciação de frames entre T = 9:18 minutos e T = 9:24 minutos. Fonte: Acervo pessoal do autor, 2018.

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Já entre nas Figura 12 e Figura 13, vemos uma mulher andando enquanto acessa o celular. Essas imagens demonstram que, apesar da mesma estar utilizando o celular, ela mantém um deslocamento no espaço. Esse des-locamento nos aponta para uma maneira de se utilizar de um celular que mantém um deslocamento no espaço físico, mas mantendo a cabeça numa postura que a permite manter o olhar no dispositivo.

Um segundo ângulo foi escolhido para realizar outra diferenciação de frames. O local escolhido foi o Mirante 2, o mirante artificial feito com placas de aço, que vemos na Figura 14. A partir desse local, as pessoas têm uma boa vista da baía de Vitória. Por conta desta vista, nossa técnica revelou diver-sas imagens de pessoas tirando “selfies” tanto sozinhas como em grupos. Nas Figura 15, Figura 16 e Figura 17 vemos pessoas tirando “selfies” em mais de um ângulo diferente.

A fotografia do tipo “selfie” é um mo-delo de fotografia que surgiu por meio da capacidade dos dispositivos digitais móveis de mostrar o que a câmera está

14. Ângulo 2. T = 0 segundos. Fonte: Acervo do autor, 2018.

15. Ângulo 2. Diferenciação de frames entre T = 1:12 minutos e T = 1:18 minutos. Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.

16. Ângulo 2. Diferenciação de frames entre T = 1:36 minutos e T = 1:42 minutos. Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.

17. Ângulo 2. T = 1:18 minutos. Fonte: Acervo do autor, 2018.

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capturando antes mesmo de fotografar. Este tipo de foto pede daquele que está tirando a foto uma série de padrões motores que são característicos deste ato, como o de levantar a câmera em busca de um ângulo mais alto do que a cabeça da pessoa e o de esticar os braços em busca de afastar o dispositivo e aumentar o campo da fotografia.A partir do ato da “selfie”, temos uma interação com o Lugar a partir do dispositivo digital móvel que passa a espelhar o espaço físico em um espaço digital. Nessa relação, recortamos uma parcela do espaço físico para participar da fotografia conosco, anali-sando esteticamente partes do Lugar a partir das lentes do dispositivo, crian-do uma hibridez entre o espaço físico que serve de base para a fotografia e o espaço digital que espelha o físico, mas também o modifica tanto pela ação das próprias lentes fotográficas e do olhar do próprio fotógrafo, como também pelas mudanças de padrões corpóre-os que esta causa naqueles que estão sendo fotografados. Não só aquele que fotografa uma “selfie” tem que mu-dar sua postura e esticar seus braços, como outras pessoas que possam estar participando da fotografia tem de direcionar o seu olhar para a câmera, e também o conjunto do direciona-mento da câmera com o espelhamento da imagem pelo dispositivo faz com as pessoas observem o que está atrás e abaixo do olhar delas como se estivesse a frente e acima.Um terceiro ângulo também foi escolhido em busca de imagens que revelassem outras formas de interação

18. Ângulo 3. T = 0 segundos. Fonte: Acervo do autor, 2018.

19. Ângulo 3. T = 3:18 minutos. Fonte: Acervo do autor, 2018.

20. Ângulo 3. Diferenciação de frames entre T = 3:18 minutos e T = 3:24 minutos. Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.

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com os dispositivos digitais móveis que demonstrassem padrões motores causados por uma Experiência Híbrida do Lugar. O local escolhido foi a varanda frontal, que vemos na Figura 18. A partir deste ângulo, também vemos diversas pessoas tirando fotografias e “selfies” da paisagem, confor-me vemos nas Figura 19 e Figura 20.

A partir dos dados colhidos com as técnicas de sequência de imagens espaçadas e a de diferenciação de frames conseguimos observar alguns padrões corpográficos/motores ligados ao uso de dispositivos digitais móveis no Lugar. O primeiro padrão corpográfico identificado é caracteri-zado pelo olhar baixo, focado no dispositivo, como uma compensação com relação aos deslocamentos que esses estão realizando dentro do espaço digital. Esse mesmo conjunto corpográfico tem variações em pé, em que a pessoa procura uma porção mais afastada do espaço ou uma parede para utilizar de apoio em busca de um local onde esta não será incomodada pelos passantes, e variações sentadas, a partir do qual o mesmo resultado é conseguido sentando-se em algum local.

O segundo padrão corpográfico identificado é caracterizado pelo ato de andar vagarosamente enquanto observa o dispositivo digital móvel. Nesse padrão, vemos o olhar baixo, da mesma forma como o identificado no padrão corpográfico acima, entretanto, a pessoa se desloca no espaço físico de forma mais lenta que o normal.

O último padrão corpográfico identificado por esta técnica é o dos padrões pedidos para se realizar a fotografia do tipo “selfie”. O ato de se esticar o braço e olhar para a tela do dispositivo em busca de se ver e registrar o que está atrás de nós muda nossa dinâmica de relacionamento com o físico. Nela, passamos a perceber o físico através do dispositivo e mudamos nossa relação com esse físico, devido à presença do dispositivo e da abertura que ele dá para o digital através do mecanismo fotográfico. Como vimos, todos os participantes da fotografia “selfie” modificam suas posturas e seu olhar para longe do lugar, em direção ao dispositivo que em geral está acima de suas cabeças, mas ao mesmo tempo observam o lugar refletido no mesmo dispositivo.

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ConclusõesO corpo é o centro de toda a nossa experiência, seja ela física, digital ou imaginária – a por meio da incorporação da palavra e da escrita. Ele con-segue acionar o digital e o transferir para a experiência do mundo físico da mesma forma que o ato de dançar traz a música para o corpo e a transfor-ma em movimentos ritmados. São padrões corpográficos que transferem intenções, intencionalidades, ideias e afetividades da consciência para o mundo e do mundo para a consciência.Ao nos utilizarmos de um método específico, com características similares as metodologias e técnicas de pesquisas utilizadas em Big Data, para cap-tura de imagens em série e análise comparativa entre elas, colhemos dados que nos permitiram uma apreciação de traços específicos da corpografia dos diferentes usuários. O conjunto de técnicas que utilizamos não só nos possibilitou capturar um grande acervo de imagens, como conseguimos compará-las por cálculos realizados meio de software, direcionando-nos diretamente para o que precisamos focar e para detalhes que poderiam não ser percebidos sem o auxílio de um computador.As mesmas técnicas contribuíram com a pesquisa a partir da criação de um acervo de imagens que representam os eventos que ocorreram em recortes espaço-temporais escolhidos do local de estudo. Esse acervo se apresenta como um conjunto de dados de pesquisa que nos permite estabelecer uma linha temporal dos diversos acontecimentos, a partir de um tempo inicial, e admite uma interpretação não-linear e a posteriori pelo pesquisador. A partir dessa abordagem, foi possível identificar a ocorrência de um ato, como o de digitar, voltar a imagens anteriores para analisar os precedentes deste ato e comparar o conjunto de imagens relativas a este ato com outros atos ligados ao uso de celulares, demonstrando similarida-des e repetições, caracterizando estas repetições como padrões.O experimento realizado na apreciação do Convento de Nossa Senhora da Penha mostrou que, mesmo dentro das estruturas regulatórias do Es-tado e das estruturas sociais, as novas corpografias geradas pelas relações individuais com o digital também pedem novos desenhos urbanos/arqui-tetônicos e trazem a público novos valores. Isso aumenta a importância social de se estar sempre conectado, alimentando um perfil pessoal, tro-cando mensagens ou consumindo imagens e informações de conhecidos ou de influencers digitais.

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Por meio do método escolhido, conseguimos perceber alguns dos padrões corpográficos gerados por uma tentativa de se obter o máximo de inte-ração com o digital. Tais padrões estão ligados a uma retração do corpo, direcionamento do olhar para tela e busca por uma porção do espaço mais calma, onde o indivíduo possa se deslocar melhor no digital.O ato de realizar uma fotografia do tipo “selfie” também é um forte exem-plo de uma ação que pede determinados padrões corpográficos, como a triangulação da mão ao segurar o celular e a diminuição da interação com o lugar. Aqui, há uma mudança da forma como recebemos os dados do lu-gar. A partir da “selfie”, passamos a olhar o espaço físico de forma espelha-da, gerando uma troca de coordenadas corpóreas, em que, para fotografar o que está atrás e abaixo da pessoa, ela levanta os braços num movimento que leva o dispositivo digital para frente e acima dela.Por fim, é importante destacar que, para se comprovar uma mudança corpórea a nível de criação de padrões corpográficos, é necessária uma metodologia que permita aos pesquisadores coletarem e analisarem um grande volume e variedade de dados numa velocidade compatível com estas mesmas características. Apesar de não se utilizar de ferramentas do tipo Big Data, a técnica de diferenciação de frames permite tanto capturar um grande volume e variedade de dados como os simplifica de modo a possibilitar uma melhor interpretação e identificação de dados relevantes pelo pesquisador. No nosso caso, dados relativos a mudanças e padrões corpóreos.

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Felipe Azevedo Bosi é Doutor em Ciências da Arquitetura pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro e bacharelando em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Tenho também mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universida-de Federal do Espírito Santo e sou bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela mesma universidade. Minhas áreas de atuação são epistemologia, filosofia da mente e filosofia da percepção na apreensão do espaço arquitetônico.

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Mobilidade, caminhabilidade e

acessibilidade:percursos empáticos pelas ambiências da

cidadeRegina Cohen

A acessibilidade foi fruto de uma luta das pesso-as com deficiência pela garantia dos direitos à cidade e teve início em 1962 nos Estados Unidos. O movimento surgiu na cidade americana de Berkeley, pioneira nes-sa questão, e, no Canadá, muitas delas são apreciadas pelo nível de acesso que proporcionam. Algumas cida-des europeias também têm trabalhado em seus plane-jamentos com a inclusão de todos. Em Barcelona, os projetos evoluíram em conjunto com diversos setores, culminando com os Jogos Olímpicos de 1992, quando a cidade teve de ser adaptada. Muitas cidades america-nas também possuem projetos de acessibilidade.

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Mais de vinte anos depois, o Brasil iniciou mudanças e algumas cidades da América Latina também se tornam acessíveis com soluções pontuais. O modelo vigente, de que as pessoas deviam se adaptar aos espaços, cedeu lugar a um mais empático e humano, que incorpora o direito do cidadão à sua cidade. Nesse sentido, a mobilidade e a motricidade são importan-tes nos estudos sobre ambiências. A motricidade diz respeito aos movi-mentos do corpo, mas antecede a mobilidade que significa se deslocar de um ponto a outro. Em 03 de janeiro de 2012, foi criada no Brasil a Lei Nº 12.587 que instituiu diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, objetivando a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas no território do Município (Art. 1º.). O documento aponta para uma política que contribua com o acesso à cidade, sendo reforçado nos princípios da acessibilidade universal. Assim, essas são importantes diretrizes para mudanças, sem uma visão estanque da acessibilidade. “Esperava-se” que os regulamentos de acessibilidade tornassem as cidades mais receptivas para pessoas com deficiência, mos-trando que projetos não podem seguir dimensões e habilidades-padrão. Essas pessoas organizam a cidade de acordo com sua locomoção, seus percursos, suas maneiras de caminhar e sua mobilidade. A vivência nos espaços depende das “experiências motoras e sensoriais, visuais, olfativas, auditivas, ligadas à prática urbana, aos deslocamentos nas multidões, aos transtornos dos transportes e aos espetáculos oferecidos pelas diferentes partes da cidade” ( Jodelet, In Del Rio, Duarte e Rheingantz, 2002, p. 33), caracterizando a mobilidade urbana como será tratado neste artigo.

Contextualizando a abordagemEste texto trata da mobilidade, buscando o entendimento dos percursos cotidianos nas ambiências, considerando as diversas formas de caminhar, de sentir, de viver, de conhecer e se empatizar pelas ambiências per-corridas. Para transformar percursos em lugares de ação e de sensações, tratarei da motricidade, que une o corpo ao ambiente, da mobilidade e da percepção situada. Apresentarei, brevemente, a relação de empatia com as ambiências e conceitos de affordances, mobilidade, ambiência, acessibilida-de emocional e empatia.

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o método utilizado como fundamento

Utilizei o “Método dos Percursos Comentados”, desenvolvido por Jean--Paul Thibaud01, que privilegia a ação e o envolvimento da pessoa. Foram realizados itinerários acompanhando pessoas cegas ou com deficiência física, em locais estratégicos diversificados.Foram realizadas rotas a partir de um ponto fixo e encontro em local predeterminado para relato do percurso efetuado. O objetivo foi entender ambiências que estabelecem empatia, unindo caminhos físicos e senti-mentos, percurso e discurso, espaço e lugar, corpo deficiente e movimento. Foram atos como: caminhar, ver, desviar-se, perceber e descrever. Como Thibaud, valorizaram-se três níveis de ação das pessoas caminhando pelas ruas e o relato descritivo de seu caminho e da sua experiência urbana:

• A importância do contexto – avaliar o caráter situado dos fenômenos observados. • A valorização do cidadão – o cidadão atuando no meio e como produtor do espaço público. • Abordagens da fenomenologia – o espaço com ca-racterísticas próprias para aqueles que aí se locomovem, aí sonham, aí falam.

Tratou-se de percorrer e compreender as características do lugar que con-figuram a percepção em movimento pelo espaço.

Quando nos referimos tanto à fenomenologia quanto à ecologia da percepção, parece ilusório querer dissociar a per-cepção do movimento. Este princípio de percepção motriz não diz respeito apenas a uma ontologia da carne ou de uma

01 Jean-Paul Thibaud é diretor do centro de pesquisas sobre o meio ambiente urbano UMR CNRS 1563, em Cresson, na Faculdade de Arquitetura de Grenoble. O método encontra-se em THIBAUD, Jean-Paul. La méthode des parcours commentés. In : GROSJEAN, Michèle & THIBAUD, Jean-Paul (Org.). L’Espace Urbain em Méthodes. Marseille: Éditions Parenthèses, 2001 [Collection Eupalinos – série Architecture et Urbanisme].

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prática do corpo que percebe, ele torna-se operante para escolher a construção sensorial do espaço público. (THI-BAUD, 2001, p.83)

Para as Pessoas com Deficiência, surgem complexidades em ambientes inadequados, afetando sua experiência. Uma urbe com ambientes de não pertencimento resulta das barreiras físicas existentes.

provocações para uma reflexão sobre AMBIÊNCIA E EMPATIA

Expresso aqui uma inquietação com nossa incapacidade de olharmos para o Outro: por que estamos menos empáticos?Se considerarmos a “empatia” como a disponibilidade de estar no lugar do outro, entendendo sentimentos, emoções, sonhos e desejos, pode represen-tar uma perspectiva para mudança e inclusão social. Além de mais inca-pazes de enxergar fora de nós mesmos, estamos fechando possibilidades de nos abrirmos para o Outro: o vulnerável, o que causa desconforto, “nos tornamos incapazes de nos empatizar”.Atualmente, realiza-se um exercício importante para a construção de ambientes mais justos, possibilitando a capacidade de as pessoas olharem além de si mesmas, através da empatia, da acessibilidade para todos, da inclusão social e de um olhar mais cuidadoso para a diversidade humana.Para transformar esse quadro, devemos também entender, como definido por Jean-François Augoyard, o significado de uma “Ambiência” que nasce do encontro entre as características físicas do espaço, a corporeidade com a habilidade de sentir, mover-se, e transformar-se em uma “experiência afetiva”.

percursos empáticos de pessoas com deficiência pelas ambiências

Se partirmos dos trabalhos produzidos pelo “Laboratório de Arquitetura, Subjetividade e Cultura (LASC)” e considerarmos a “empatia espacial”

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a partir do conceito de “ambiências”, também observaremos a ação das pessoas no espaço. Significa dizer que o sentimento será síntese de dados sensoriais, de ordem visual, tátil, auditiva, cinestésica, olfativa e térmica. Assim, reflete-se acerca dos sentimentos do Outro: quais seus afetos, me-dos e frustrações para acessar os espaços? Para o LASC, testar o conceito de empatia espacial e defini-la segundo atributos do espaço, significa de-monstrar que ela “só se associa mediante vínculos sensoriais na apreensão do espaço”, estabelecendo relação com o conceito de ambiência:

A ambiência – enquanto expressão e resultante de uma forma de vida acompanha constantemente nossos fatos e gestos na maneira de uma base contínua que não pode ser interrompida. – nossas maneiras de sentir e de perceber, de agir e de interagir com o outro necessariamente se atualizam sobre o ’fundo da ambiência’. – um operador particularmen-te poderoso da experiência. (THIBAUD; AMPHOUX & CHELKOFF, 2004, p. 149.)

A ambiência alarga a ideia de espaço na perspectiva de associar o corpo com atividades sensório-motoras no deslocamento pela cidade e nas per-cepção e ação situadas em determinado contexto. Um exemplo concreto do pedestre no ambiente público e da acessibilidade é fornecido por Ra-chel Thomas (2004) que analisa a percepção em situações de mobilidade problemáticas e as dificuldades de movimento de certas pessoas.Quando nos locomovemos e nos relacionamos com outras pessoas, podemos esbarrar ou nos afastar para evitar o encontro. Esse é um claro momento de não empatia pelo Outro. Ao mesmo tempo, podemos viver emoções ao nos situarmos no espaço. Para avançar na discussão, a defici-ência foi tratada como uma situação de empatia com as ambiências. Para Rachel Thomas uma “situação urbana deficiente” desloca dificuldades para o universo urbano de ação. O caráter situado da percepção condiciona a deficiência às características dos ambientes e à acessibilidade, afetan-do percursos e a empatia espacial. Da mesma forma, para Jean-François Augoyard, esses percursos estabelecerão afetos associando as Pessoas com Deficiência que percebem com o seu objeto percebido.

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Uma ambiência nasce do encontro entre as características físicas do espaço, minha corporeidade com sua habilidade de sentir, mover-se, e transformar-se em uma EXPERIÊNCIA AFETIVA. (AUGOYARD, 2008, p.59)

Dentre essas conceituações, encontramos a satisfação concreta de percur-sos empáticos por ambiências e a interelação entre Acessibilidade Emo-cional, Mobilidade e Caminhabilidade.

O conceito de Acessibilidade Emocional“Acessibilidade Emocional” é um conceito desenvolvido por Duarte e Cohen (2012) considerando a acessibilidade de forma mais ampla do que o simples atendimento das normas de acessibilidade. 

A ‘Acessibilidade Emocional’ acontece quando o Lugar demonstra capacidade de acolher, gerar empatia e afeto em seus usuários. Este conceito busca ressaltar que o plane-jamento da acessibilidade ao espaço construído vai muito além de um conjunto de medidas de acessibilidade e se vol-ta, principalmente, para a necessidade de adoção de aspectos emocionais e afetivos das ambiências. (DUARTE, C.R. & COHEN, R., 2012, p.8).

Espaços acessíveis que seguem as recomendações de normas técnicas e legislações de acessibilidade podem não corresponder aos anseios de todos. Percursos longos geram cansaço, apesar de rampas com inclinação ou pavimentação adequadas para pessoas com muletas ou em cadeira de rodas. Recursos táteis para cegos podem não ser suficientes para percursos pela ambiência. Algumas medidas para facilitar o deslocamento, a percep-ção e a orientação podem não estar em sintonia entre si. A acessibilidade foi repensada por Duarte & Cohen (2012), como premissa, avançando na autonomia para a locomoção de pessoas com deficiência nos seus percursos empáticos pelas ambiências da cidade. Trata-se de evidenciar uma ambiência física, sensorial e sensível vivida, apropriada e penetrada, configurando experiências urbanas peculiares, não obstante características físicas ou suas “affordances”, como demonstrado a seguir.

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As Affordances de Gibson versus a Cognição de Rapoport

Affordance é o que o meio oferece, (...). Eu quero com isto me reportar tanto ao meio ambiente quanto ao animal de maneira que não existe nenhum outro termo. Ele implica a complementaridade do animal e do meio ambiente. (GIB-SON, 1986, p. 127.)

A teoria das affordances de James Gibson (1986) enfoca as características físicas do ambiente e coloca em evidência o espaço como favorecedor da empatia espacial. No sentido prático, são as possibilidades que uma ambiência fornece, mostrando a dicotomia do mundo subjetivo com o ambiente objetivo da cidade. Transfere a dificuldade da pessoa para o próprio espaço. Entretanto, existem fatores interiores ao sujeito na relação com lugares de uma cidade. Amos Rapoport considera o envolvimento da área cognitiva (perceber, conhecer); da área afetiva (sensações, sentimentos, emoções) e da área conativa – a ação no ambiente. (RAPOPORT, 1978, p. 42).Pode-se considerar, ainda, que essas reflexões não poderiam se sustentar sozinhas. A Fenomenologia da Percepção de Maurice Merleau-Ponty (1996) também fornece importantes reflexões sobre espaços transforma-dos em lugares para a identificação com a cidade. A percepção oferece um espetáculo articulado, através do corpo quando “intenções motoras recebem do mundo as respostas que precisa”. (MERLEAU-PONTY, 1996, p. 337).As análises de Merleau-Ponty sobre a percepção como fenômeno e expe-riência do corpo próprio ajudam a compreender a identificação com a ci-dade. Certamente, o ambiente físico é importante, mas não único. Pode-se dizer que “a consciência do próprio corpo do observador no mundo é uma parte da experiência” (GIBSON, 1986, p. 207). E como o espaço é vivido através da ação, é a experiência desse corpo em movimento que se torna importante na análise da mobilidade e da caminhabilidade feita aqui.

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Mobilidade urbana e caminhabilidade Pode-se dizer que a experiência se constitui da mobilidade da pessoa, da sua possibilidade de caminhar ou percorrer e de sua percepção situada em contexto. Traduzimos a identificação como a experiência de ambientes que se transformam em lugares.O ato de caminhar é fundamental na mobilidade para a vida na cidade, caminhar é a maneira dominante para os percursos. A má qualidade da infraestrutura, contudo, dá um recado muito duro para pedestres, pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, de que eles não são bem--vindos aos lugares urbanos. A busca de consciência acerca do caminhar ajuda na perspectiva da mobilidade urbana resultante das características corporais das pessoas ou de seu lugar na cidade. Muitos reconhecem os

1. Cidade Caminhável. Fonte: Instituto para o Transporte e Políticas de Desenvolvimento (ITDP)

2. e 3. Diretrizes para calçadas em projetos urbanos. Fonte: ilustração do Núcleo Pró-acesso, 2013.

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modos ativos como cruciais para a qualidade de vida. O Programa das Na-ções Unidas para Estabelecimentos Humanos (UN-Habitat) e o Instituto para Transporte e Políticas de Desenvolvimento (ITDP) são referência em ruas seguras, utilizáveis e acessíveis. Caminhar ou deslocar-se na cidade é, essencialmente, apropriar-se co-tidianamente das ambiências, com empatia, percebendo a cidade e seus detalhes. A escolha pelo modo mais democrático de se locomover muitas vezes está atrelada a fatores externos como as condições físicas dos indiví-duos e as infraestruturas que facilitem e estimulem essa opção.A caminhabilidade leva em conta, principalmente, a acessibilidade no meio urbano e a facilidade de se deslocar na cidade. Analisam-se as con-dições do caminho ou do percurso empático. Nesse aspecto, a percepção ao caminhar, a opção por uma forma de deslocamento – também está in-timamente ligada à qualidade dos ambientes. Passeios com princípios para a construção de uma calçada estimulam deslocamentos.O meio urbano, com todas as suas vicissitudes, é o lócus da diversidade, do contato com o Outro. Sendo assim, todo espaço urbano deve espelhar esse conceito, no qual o acesso universal precisa ser garantido na forma menos restrita possível, por meio de percursos empáticos pelas ambiências. Pesquisadores buscam as “fórmulas” possíveis para uma cidade “caminhá-vel” (walkable cities) com o prazer de caminhar livremente por ruas e calçadas. Assim, repensamos o verdadeiro significado de “acessibilidade”,

4. Início de percurso pelo Boulevard Olímpico, Praça Mauá, Rio de

Janeiro. Fonte da autora

5. Percurso pelo Boulevard Olímpico, Praça Mauá, Rio de

Janeiro. Fonte da autora

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pensando no espaço que favorece empatia com os lugares. Para isso, estes devem permitir percursos, serem agradáveis, convidativos e compreensí-veis, facilitando o encontro e a troca com o Outro. A acessibilidade é mais que a eliminação de barreiras. Tratar da mobilidade urbana é associar ações para os deslocamentos, para caminhar. A mobilidade urbana demanda calçadas confortáveis, nivela-das, sem buracos e obstáculos, reforçando que praças, ruas e calçadas são locais de encontro e de convivência. Para tanto, a cidade deve permitir uma fruição de seus espaços e a circulação entre eles. Diante das muitas insatisfações com as cidades atuais, o governo brasileiro traçou estratégias. Em 2003, foi criado o Ministério das Cidades no Bra-sil. Questões de acessibilidade e mobilidade foram debatidas nas Confe-rências das Cidades e no Estatuto da Cidade (Lei 10257/2001), buscando garantir o direito a cidades sustentáveis (Informa 5. Setembro 2005. www.planosdiretores.com.br). Ainda, ciente de seu papel na eliminação das bar-reiras, e como promotor dos princípios do desenho universal, o governo criou programas de acessibilidade, como parte das atividades da Secretaria Nacional de Transporte e de Mobilidade Urbana (SeMob), com a consci-ência de que cidades precisam mudar. Mobilidade envolve afetividades no ato de se movimentar e perceber uma ambiência.

A pesquisa com alguns resultadosa cidade percebida – os percursos comentados

Se alguém me dissesse antes que tocar sentado poderia ser bom, eu não acreditaria. Pulava sem parar, perdia até cinco quilos por show. Sentado, posso ler as expressões dos rostos que vejo. Recomeço tendo este ponto de vista. Não tinha a noção das limitações, das necessidades de quem está na cadeira. Mas pequenos degraus do dia-a-dia chamam muita atenção. (VIANNA, 2005, p.9.)

O músico Herbert Vianna, que sofreu um acidente e se locomove em cadeira de rodas, fala de sua experiência como pessoa sentada que cami-nha pelas ruas da cidade. A referência sobre sua percepção com relação a

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uma pessoa em pé é interessante para a abordagem feita neste artigo. Para analisar a experiência que as pessoas com deficiência têm dos espaços, Cohen e Duarte (2004) apontam para importantes fatores norteadores do processo cognitivo, que foram alguns dos pontos na análise da cidade percebida em cada percurso, descrito e contextualizado. Será feita menção apenas a alguns percursos comentados:

“A gente tem que olhar sempre para o chão pra ver onde vai apoiar a muleta. As pessoas caminham olhando o todo e eu caminhei, olhando o chão, a calçada. Encontrei muita coisa na rua, porque eu tive que olhar onde eu estava colocando a muleta” (Depoimento de pessoa com deficiência dado em Entrevista durante Pesquisa de Campo)

As “affordances” percebidas pelas pessoas cegas estavam nos obstáculos para caminhar e descrever o que se percebia através de outros sentidos. No caso de quem possui visão subnormal, a iluminação em certas horas influencia a maneira como se orienta:

“À noite, as luzes da cidade me tiram a noção de espaço e me deixam perdido. Mudanças de ambiente, de luminosi-dade, me confundem. Eu fico perdido. Um cego total não tem esse problema. A mudança do dia pra noite também me perturba totalmente. Os faróis dos carros me complicam”. (Depoimento de pessoa com deficiência dado em Entre-vista durante Pesquisa de Campo)

A experiência das pessoas cegas e a forma como perceberam o percurso foram feitas a partir de algumas referências sonoras para “caminhar, perce-ber e descrever”:

“Este barulho identifica que aqui tem a pista dos carros e es-tou na beira do meio-fio. Dá pra perceber os carros passando pela rua. A gente vai usando a bengala e pelo barulho iden-tifico por onde andar.” (Depoimento fornecido por pessoa com deficiência durante Entrevista na Pesquisa de Campo)

Na Cidade do Rio de Janeiro, a acessibilidade é tímida, não existe o direi-to à cidade.

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“Nós percorremos todo calçadão de Campo Grande e en-contramos diversos obstáculos como buracos, paralelepípedo e falta de acesso a bancos e lojas. Não têm rampas e somos obrigados a andar na rua por causa da falta de acesso nas calçadas” (Depoimento de pessoa com deficiência dado em Entrevista durante Pesquisa de Campo).

No percurso feito no bairro da Lapa eram descritos sons como o de uma bomba, de um gerador e de um ar condicionado, além dos cheiros identi-ficados ao caminhar, que orientaram quando chegava ao final da experiên-cia comentada.

“Ouço um rádio ali dentro, passou um cheiro de creolina aqui no ar. Sinto que desinfetante a calcada. Chego à esqui-na, escuto o barulho do gerador, do início do trajeto. Acre-dito que estou concluindo a volta na quadra” (Depoimento fornecido por pessoa com deficiência durante Entrevista na Pesquisa de Campo).

As dificuldades na Rua Visconde de Pirajá em Ipanema foram motivos de tristeza. Toda legislação existente não é suficiente para a melhoria do deslocamento de pessoas com deficiência. Assim foi a experiência vivida da cidade e do bairro de Ipanema:

“Essa é uma coisa que além de constrangedora, nos deixa muito abalada emocionalmente na medida em que a gente vê os nossos direitos sendo mais limitados que a nossa pró-pria deficiência.”(Depoimento fornecido por pessoa com deficiência durante Entrevista na Pesquisa de Campo)

No percurso no bairro da Tijuca, a pessoa demonstrou clara consciência de sua imagem corporal e de como a deficiência afetou sua locomoção. Foi descrito o que é visto estando sentada na cadeira de rodas. A Praça Saens Peña foi percebida com dificuldades, camelôs e caixas no chão.

“Entre os camelôs, barulhos, pessoas e cheiros, mais um buraco, mais uma tampa da rede de esgotos que só atrapa-lha”. (Depoimento fornecido por pessoa com deficiência durante Entrevista na Pesquisa de Campo)

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No final do percurso, registrou-se um comentário muito importante sobre a cidade vivida:

“A praça é muito bonita. Eu já vim aqui, já curti a paisagem, mas hoje, a paisagem era a última coisa que me preocupava num trajeto que não conhecia, e tenho que passar por pes-soas, por buracos, por obstáculos. Por mais bonito que seja o local, eu acho que o que pesa para uma pessoa com deficiên-cia é superar essas dificuldades, e isso tira muito da curtição, do prazer” (Depoimento fornecido por pessoa com defici-ência durante Entrevista na Pesquisa de Campo).

6. Percurso de uma pessoa cega no bairro da Lapa, Rio de Janeiro.

Fonte da autora.

7. Percurso no Calcadao de Campo Grande, Rio de Janeiro.

Fonte da autora.

8. e 9. Percurso pela Rua Visconde de Piraja, Ipanema, Rio de Janeiro.

Fonte da autora.

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Refletindo sobre os percursos comentadosOs percursos comentados e os depoimentos deram uma visão geral do que as cidades pesquisadas significam no dia-a-dia das Pessoas com Defici-ência. Foram encontradas muitas dificuldades: falta de rampas, buracos, desníveis na calçada, pavimentação ruim, poças de chuva, carros estaciona-dos que impedem a “rota acessível”, etc.A percepção das ambiências foi dificultada por características físicas. O fato de terem que prestar atenção por onde caminhavam tirou o prazer de curtir os espaços. O controle dos obstáculos no caos com camelôs e desordem urbana foram preocupações comuns nos percursos. Podem--se acrescentar aos percursos os sentimentos de constrangimento, medo, insegurança, cansaço, estresse, frustração, tristeza, impotência, angústia e muita emoção. Ao final do último percurso realizado na Cidade do Rio de Janeiro, quando nos dirigíamos para o estacionamento, eu mesma olhei ao redor da Praça, onde passei minha infância, e, sentada em minha cadeira de rodas, admirei aquele lugar de tantas boas recordações.Como existe um número enorme de sentimentos, de memórias, de dese-jos, de sonhos e de imagens que cada Pessoa com Deficiência tem da sua cidade, existe também um número de combinações para compor a cidade de cada uma delas. Como cada cidade, bairro, praça ou estação de ônibus pode ser vista na sua relação entre a pessoa e o lugar que habita?

Considerações finais ou tentando concluirPercebe-se uma evolução na maneira como a cidade tem sido analisada. As abordagens vão desde a Ecologia Urbana, Antropologia, Psicologia Ambiental, até trabalhos em Sociologia e Fenomenologia. Os estudos aconteceram de acordo com dois movimentos: em um primeiro momento, o espaço era tratado separadamente, segundo uma perspectiva arquitetôni-ca ou sociológica. Raramente havia articulação destas dimensões e o meio físico era o reflexo da estrutura social ou determinante do comportamen-to. Com novas concepções de estudo da cidade, colocadas neste artigo, tornou-se mais evidente a necessidade de entendimento dos lugares para o comportamento das pessoas com deficiência, intimamente ligados aos

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seus ambientes subjetivos e caracterizados como espaços psicológicos com aspectos sensoriais visuais, auditivos, olfativos e térmicos e cinestésicos que são os de movimento e das sensações que estão presentes nos desloca-mentos.Para uma avaliação na perspectiva de acompanhamento de itinerários urbanos, a relação entre corpo e ambiente ganhou evidência maior com conceitos de diversas disciplinas. Tratou-se de valorizar ambientes sensí-veis, a ação dos habitantes, a percepção situada em determinado contexto e a vida dentro de uma abordagem interacionista mais complexa. A troca de olhares, os encontros e os contatos humanos, a empatia, exercem influ-ência importante na maneira como as pessoas são percebidas e na maneira como percebem o ambiente social e urbano. Busquei compreender a realidade a partir de uma percepção em movi-mento, para compreender características do lugar, a percepção da pes-soa caminhando, sentimentos e afetividades, considerando o “inevitável colocar em movimento da percepção”. Utilizei outros enfoques. Na área da Psicologia Ambiental, James J. Gibson (1986) com sua Abordagem Ecológica da Percepção trata da percepção de um corpo em movimento. O autor fala da noção de estímulos que um corpo é capaz de receber do meio ambiente. O que interessa mais especificamente é a consciência de movimentos corpóreos e a mobilidade do corpo sendo caracterizadas como fatores importantes da empatia das Pessoas com Deficiência nas ambiências da cidade.Gibson (1986) estabelece uma relação e pode-se pensar nas affordances ou características ambientais como condições necessárias para a percepção. O processo requer aspectos cognitivos e afetivos que estas pessoas desenvol-vem para se locomover. A mobilidade adquire dimensão prático-sensível, proporcionando sentimentos e sensações que animarão os lugares, o que é negado por Gibson. Entretanto, Thibaud (2001) considera que a dimensão física não deve ser superestimada, abandonando um modelo “baseado nos estímulos” por um modelo “baseado na experiência”. Em outras palavras, as ambiências se materializam segundo característi-cas físicas (AFFORDANCES), mas também segundo sensações que são capazes de evocar no ato de se deslocar pela cidade. Quando a mobilidade se concretiza de forma positiva, os ambientes são penetrados, utilizados

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e apropriados, conferindo a expressão de um lugar ou sua ambiência do movimento. Os problemas colocados podem apontar para possíveis mudanças. Repensando as concepções de percepção situada e de sensações vividas ao caminhar em um determinado contexto ambiental a acessibili-dade é repensada, avançando no conhecimento das ambiências, subsidian-do estratégias para uma mobilidade e uma caminhabilidade mais livres e para a construção de percursos empáticos pelas ambiências das cidades com a expressão de uma afetividade motora.

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Regina Cohen é Arquiteta, Doutora em Psicossociologia de Comu-nidades e Ecologia Social (UFRJ), Pós-doutora FAPERJ, Coordenadora do Núcleo Pró-Acesso PROARQ/FAU/UFRJ; Representante do Brasil na G3ict – The Global Initiative for Inclusive ICTs, Smart Cities for All (SC4A) e Consultora Internacional em Acessibilidade ICAC-BE; Visiting Assistant Professor (FULBRIGHT/CAPES) Syracuse University, NY, Estados Unidos (2014); Conselheira do CAU RJ; Comissão de Acessibilidade do CAU RJ; Co-missão de Acessibilidade da Prefeitura do Rio; Gerente da Empresa ACESSO SEM LIMITES.

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Uma questão de Empatia

Bárbara Thomaz L. Nascimento

O início do doutorado foi marcado por várias mudanças, sendo a mais significativa a mudança de Maceió, minha cidade natal, para vir morar no Rio de Janeiro. A decisão de fazer um doutorado foi tomada no final do mestrado, época em que conheci trabalhos desenvolvidos pelo Laboratório Arquitetura, Subjetividade e Cultura (LASC/Proarq). Logo me identifiquei com os temas, que eram correlatos ao que desenvolvia na dissertação e, antes mesmo de pensar em um tema para o doutorado, já tinha em mente qual Laboratório gostaria de me engajar. Ao longo do primeiro ano de doutorado vi meu tema mudar várias vezes. As discussões que surgiam a cada reunião do LASC ao mes-mo tempo que me levavam a repensar meu objeto de estudo, faziam o tema da vez cair por terra: ora por não ter ineditismo, ora por não conseguir desenvolver algo mais estruturado. Oito meses depois de começar o doutorado, estava apresentando o tema oficialmente pela primeira vez em uma reunião, quando Cristiane comentou que embora estivesse estruturado e coerente, não sentia empolgação da minha parte. E que, pela duração do doutorado, gostar do que se ia estudar era fundamental. Então ela perguntou: “É isso mesmo que te queima por dentro?” Naquele dia, saí da reunião com a certeza de um tema, mas com a dúvida se deveria seguir com ele. Ao falar das dúvidas com Ethel – minha orientadora – a sugestão foi de vivenciar e observar a cidade e ver os questionamentos que surgiam. Mencionei que já havia feito isso e que não havia surtido efeito. Por ser recém-chegada, as pessoas me recomendavam luga-res do Rio “que todo arquiteto tem que conhecer”, por serem novos, reformados, bonitos. De fato, eram, mas não traziam nenhuma empolgação para mim. Mesmo assim, segui indo aos lugares reco-mendados, a maioria espaços públicos, mas que não despertavam em mim vontade de permanência. Para mim, a vontade de não ficar

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ali era uma questão pessoal. Mal sabia eu que isso era o que me queimava por dentro.Era quase final do ano quando, em uma reunião, ao relatar uma experiência urbana, Cristiane fez uso da expressão “falta de empa-tia” para explicar a sua falta de conexão com um certo lugar. Ouvir aquilo foi um estalo, pois nomeava o que sentia em alguns lugares. Na época, não se tinha certeza da pertinência acadêmica em fazer uso da palavra naquele contexto, mas Empatia era a melhor descri-ção. Aos poucos, a associação do termo com as questões espaciais e urbanas foi permeando as reuniões do LASC e parecia ser a respos-ta mais plausível para muitas inquietações e discussões colocadas em pauta. E foi então que comecei a me perguntar se a não per-manência em lugares voltados para a experiência coletiva era uma questão de Empatia. As primeiras leituras mostraram que havia certo sentido em re-lacionar a Empatia ao sentimento vinculado ao espaço. Então, dispostos a compreender e delinear o que seria a chamada Empatia Espacial o laboratório foi fazer a observação empírica na Pedra do Sal. Neste momento, foi construída a primeira suposição que per-meou as discussões por algum tempo: a existência de um elemento de reconhecimento espacial que incentivava o engajamento. Com o estudo realizado na Pedra do Sal, um artigo foi escrito para ser apresentado em um evento na Bahia. Ao final do evento, fomos todos levados para conhecer um espaço público no Pelourinho, na época era recém-reformado com a intenção de reunir pessoas. Embora fosse esteticamente belo e bem cuidado, eu não sentia vontade de permanecer daquele lugar. O incômodo me fez ir em busca de lugar mais “acolhedor” e, quando o encontrei, nele perma-neci até Ethel, que também estava no evento, passou por ali, me viu e foi até mim. Ficamos ali conversando até que ela perguntou por que eu havia “fugido” do grupo. A explicação era que no outro lugar não tinha “rolado” Empatia (usávamos sempre a palavra entre nós). E foi quando ela falou que talvez eu devesse pensar em trabalhar o tema Empatia no doutorado, pois aquele primeiro lugar em que estávamos, embora bonito, não era tão convidativo. Que ali onde

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ela havia me encontrado parecia propiciar a reunião e a permanên-cia coletiva mais que o espaço restruturado.Depois disso, cada lugar que observávamos parecia corroborar a existência de Empatia Espacial e a necessidade de sua delimitação enquanto conceito. Além de achar o tema instigante para uma pesquisa, a Empatia Espacial era algo que parecia explicar muitas das minhas impressões e incômodos em relação a alguns lugares da cidade. E foi, diante da curiosidade e das lacunas que impossibili-tavam uma aplicabilidade mais consistente desta ideia em forma de conceito, que se assumiu o compromisso de ir um pouco adiante e fundamentar essa estrutura conceitual dentro de uma tese.

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O estudo das relações entre

corpo-lugar-celularFelipe Bosi

Os caminhos durante a minha pesquisa junto ao LASC foram complexos e tortuosos, cheios de dúvidas e de dificuldades no entendimento daquilo que eu queria e deveria estudar. Entrei para o Laboratório como orientando de doutorado da Profa. Ethel Pinheiro, com um projeto de pesquisa voltado para estudos feno-menológicos de residências cariocas de estilo eclético. Contudo, dentro do laboratório e em contato com minha orientadoral, des-cobri mais sobre os estudos de subjetividade e ambiências na área de arquitetura e urbanismo.

Apesar do grande impacto que o LASC teve sobre a minha pes-quisa, também tive a influência de um segundo grupo de pesquisa que me levou ao estudo da Teoria da Mente Amalgamada, o grupo ‘Epistemologia, Mente e Linguagem’. A pesquisa que desenvolvi durante a minha estadia no LASC teve um forte cunho multidis-ciplinar, envolvendo pesquisas de ponta na Filosofia Analítica, em especial as linhas de Epistemologia, Filosofia da Mente e Filosofia da Percepção. Por meio desse segundo grupo de pesquisa, entrei em contato com o que estava em produção nessas áreas.

A partir de discussões com a minha orientadora e com o restante do grupo de pesquisa, descobri minha necessidade individual de entender como os smartphones modificam, ou tem potencial para modificar, nossa relação com os lugares e locais em que estamos. Todavia, eu ainda estava muito focado em uma relação mental/perceptiva que tinha poucas possibilidades de estudo dentro de um campo que não fosse da especulação filosófica, algo que não era do meu total interesse.

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Buscando um estudo mais focado no impacto que isto tem na experiência de lugares, parti para uma tentativa de tentar entender como ocorre o somatório do digital dentro daquilo que é físico e que experienciamos na nossa relação com o mundo e com o que está posto a nossa frente. A este somatório, demos o nome de Ex-periência Híbrida do Lugar. Esse nome foi surgir depois de diver-sas discussões em busca de alguma nomenclatura que conseguisse explicitar em parte a relação que conseguimos perceber, que ocorre quando um celular é utilizado durante uma visita a algum local, uma espécie de adição de um novo layer de dados sobre o conjunto da experiência do físico.

Entendendo que a busca era por provar uma hibridez entre o físico e o digital, ocorrendo quando nos utilizamos de celulares, decidi buscar por algo que provasse um impacto físico causado pelo digi-tal. Dentro deste escopo, fui indicado a buscar o conceito de cor-pografia. A partir da corpografia, consegui uma forma de analisar o impacto que o digital tem sobre a experiência corpórea de um lugar.Para decidir se estava no caminho certo da pesquisa e para con-firmar os dados que colhi a partir das leituras filosóficas, fiz um questionário que enviamos pela web através de Facebook, Insta-gram e Reddit com perguntas relativas ao uso de celular e outros dispositivos digitais enquanto as pessoas visitavam algum local não determinado. Esse questionário também foi utilizado para auxi-liar a definir um estudo de caso. O estudo de caso definido foi o Convento de Nossa Senhora da Penha, principal local de turismo do Espírito Santo e um dos locais mais visitados do país, apesar de estar fora de rotas de turismo tradicionais.

Já no contato direto com o local de estudo, algumas dificuldades extras, como a não participação das pessoas na pesquisa (diver-sas pessoas abordadas se negaram a não utilizar o celular durante uma etapa específica da pesquisa), mas os dados coletados foram importantes e curioso. Isso possibilitou diferentes interpretações, inclusive percepções não esperadas, daquilo que realmente acon-

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tece in loco, demonstrando a necessidade de mais pesquisas na área e de novas possibilidades projetuais, em arquitetura, voltadas para essas novas interações digitais e corpóreas com lugar - algo que fez crescer um desejo de continuidade e ratificou a paixão pelo assunto.

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Meus discursos e meus percursos

pela cidadeRegina Cohen

Faço aqui um depoimento pessoal de experiências, sonhos, desejos e medos. A acessibilidade faz parte dos meus percursos e discursos sobre a cidade. Limitar-me-ei à minha perspectiva de usuária com deficiência e como negocio para que a cidade se torne mais acessível e facilite meu caminhar.Meus diferentes itinerários delineiam um quadro de não acessibili-dade aos espaços da cidade. Os gestores fazem excelentes discursos e vivemos a ilusão de que as coisas serão resolvidas. Acionamos hierarquias de poder, fazemos um trabalho de persuasão, mas a cidade caminha devagar e o melhor ainda é muito pouco em relação à quantidade de deficientes que percorrem os espaços. As condições dos meus percursos diários são influenciadas por diversos aspectos — os serviços são ruins, os empresários não adaptam os ônibus, rampas para travessia de ruas ou vagas especiais de estacionamento não são respeitadas pela população e vamos percorrendo uma cadeia no processo de melhoria da cidade. Impe-dir o percurso e o caminhar com barreiras urbanas, arquitetônicas e atitudinais fazem parte dos discursos e de um contexto amplo da prática social de exclusão. Como conjugar minha relação entre o espaço com o meu movimento? Meu desafio tem sido transformar meus sonhos em realidade, espaços percebidos em lugares para o movimento, ou cidades vividas e imaginadas na minha experiência urbana satisfatória e feliz. As cidades transmitem informações através de todos os meus sentidos, mas às vezes minha percepção é dominada por apenas um deles. São urbes constituídas de muitas pessoas com passados, tem-peramentos, ocupações e habilidades bastante diversas. As análises de Kevin Lynch sobre “a imagem da cidade” mostram que a manei-

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ra como percebemos a cidade, ou os elementos marcantes nos quais elas se apoiam, variam muito. Minha experiência faz parte das minhas imagens contidas em todas as possibilidades, com a hipóte-se de todos os lugares particulares e tantos modos de conceber uma cidade quantos são as urbes existentes. Minha cidade torna-se real quando consigo me locomover com minha cadeira de rodas e onde me é possível habitar todas as ambiências e usá-las. Minha cidade é feita de sonhos e imaginários, mas também de sentimentos de afeto. Assim, vislumbro muitas possibilidades. O importante é entender como se criam distâncias e fronteiras que muito influenciam na vida física e psíquica das pessoas com alguma deficiência. A urbe exclui tudo que considera desvio ou marginal e me mostra a frag-mentação da cidade nos locais que me são proibidos pela falta de acessibilidade. Como diz a célebre frase de que para o caminhante não há caminho, mas ele faz seu caminho ao andar, cabe restituir a possibilidade de caminhar. Cada ambiente faz algo com meus percursos e discursos possíveis e com todos os sonhos que eu tiver deles. Caminho, tentando me relacionar com a cidade, criando uma poética que torne a realidade mais amena porque fala para mim de outros caminhos. Sou aquele caminhante que percorre como João do Rio e Walter Benjamin, encontrando na alma encantadora das ruas da minha cidade estes espaços que apareceram fechados. Abri todos eles e os tornei aces-síveis. Perdi-me na multidão dos calçadões de pedestres, saboreei a arquitetura e a boemia, senti-me perturbada com o tumulto e burburinho das feiras, mas encontrei muita emoção nos caminhos percorridos. Como em Heidegger e Bachelard, busquei uma mo-rada nesses lugares. Agora, escrevo sobre este espaço secreto vivido no meu sonho. Isso envolve minha sublimação das asperezas da calçada que despertam outros sonhos, outros desejos, outros afetos. Defino percursos e caminhadas fundamentais pelas quais a cida-de se revela para mim. Às vezes, vejo a praça pela qual costumava passar todos os dias, com ar bucólico e me sinto privilegiada por

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morar em um bairro alegre e fácil de percorrer com minha cadeira de rodas. Apesar das muitas dificuldades, amo minha Cidade do Rio de Janeiro e acho que não moraria em nenhum outro lugar. Para Bachelard, a poesia tem felicidade própria independente da situação que quer ilustrar. Não sou triste e não quero ser vista sob o olhar da piedade, mas não é muito simples percorrer aos sobres-saltos causados pelas características das ruas. Minha imaginação assume aqui o poder de efetuar mudanças em algumas cidades, apontando para um futuro. Acredito que o Rio será uma cidade linda e invento a minha cidade, antes recusada, mas transformada na cidade que contem todos os percursos possíveis. Inauguro uma poética que pode nascer destes meus desejos e percursos que realizo para chegar aos lugares, cidades, ruas e caminhos. Além de pesquisadora e arquiteta, e também na qualidade de pes-soa com deficiência, crio uma poética baseada em minha própria experiência. Na minha cidade consigo caminhar, mesmo sobre as rodas da minha cadeira. Não encontro buracos, degraus ou pedras. As calçadas são lisas e macias. Existem rampas em todas as esqui-nas. Na minha cidade, as ruas não morreram, são alegres e cheias de árvores com pássaros. Tem informações para quem não ouve e consegue orientar quem não vê. A minha cidade fica no Brasil, mas existe apenas nos meus sonhos.

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4.Narrativas visuais

e imagéticas

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Percursos Imaginados: vivenciando

ambiências a partir da literatura

Ilana Sancovschi

Q uando pensamos em estudar as relações entre indivíduo e espaço e compreender as ambiências en-gendradas por essas relações, parece-nos óbvia a ne-cessidade de presenciá-las, participar dessas experiên-cias espaciais de forma concreta. Mas, e se buscamos entender relações que já aconteceram, ou que se pro-jetam para um futuro? E se estar presente não é uma possibilidade? Como podemos estudar, pesquisar e até mesmo sentir uma ambiência nessas circunstancias?

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Nossa proposta aqui é apresentar uma ferramenta de pesquisa que, respondendo a essas questões, aprofunda-se em análises de ambiências sensíveis e culturais, por meio de narrativas literárias. Relativizar a experi-ência concreta, aderir a ideia de uma leitura sensível e compreender que a presença pode acontecer na transversalidade de textos e narrativas literá-rias nos levou ao desenvolvimento de uma nova ferramenta metodológica a ser aplicada em pesquisas sobre ambiências sensíveis. Essa ferramenta, que se apropria de técnicas da etnografia e se apoia em uma outra ferra-menta de leitura espacial já consolidada – “percursos comentados” (THI-BAUD, 2002) –, permite-nos mergulhar em espaços diversos, de forma simultânea ou paralela, e encontrar lugares que passam por nós muitas vezes despercebidos. Nossa pesquisa partiu da vontade de encontrar um lugar que, impregna-do de determinada cultura – no nosso caso a cultura judaica, fortalecesse ou consolidasse uma ideia de lugar coletivo. Ou melhor, um lugar que representasse essa cultura, numa espécie de “comunidade imaginada”01. Importante destacar que estamos falando de um lugar simbólico, um lugar “entre” (PINHEIRO, 2010)02, que se constitui em diversos tempos por meio dos fragmentos simbólicos deixados constituindo e moldando as ambiências culturais estabelecidas nas relações entre o indivíduo judeu e os seus espaços de habitar.

A pesquisaPara que se faça entender a necessidade e a aplicabilidade da ferramenta metodológica por nós desenvolvida, falaremos um pouco sobre a pesquisa, seus objetivos e o caminho tomado por ela. Nossa pesquisa se propôs a

01 Nos referimos aqui ao conceito utilizado por Anderson (2008), que apresenta a comunidade imaginada como aquela em que seus membros não possuem um relacionamento face a face. Embora o termo seja utilizado para caracterizar nações referenciadas em um território físico, entendemos que a “comunidade judaica”, mesmo espalhada por diversos territórios físicos, constitui-se em referência a um território simbólico.

02 Para nós, Lugar Judaico se constrói, de forma similar ao que defende Santana, no “desejo por uma representação e vivência simbólicas” (PINHEIRO, 2010, p.128).

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comprovar a existência de um “Lugar Judaico” (SANCOVSCHI, 2017). Um Lugar que se define pelas marcas de uma cultura imprecisa e frag-mentada03. Um Lugar extraterritorial, que não está preso ao espaço físico, contaminado pela cultura judaica. Um Lugar que conecta indivíduos, que se constitui em uma “comunidade imaginada”. Um Lugar que se estabele-ce num continuum, que se relaciona com o passado histórico e se conecta a um futuro esperado. Um Lugar que se constrói a partir de uma “memória ficcional” (UGLIONE,2008)04. Um Lugar que simboliza, dessa forma, uma coesão social e que, finalmente, pode ocupar vários espaços de forma simultânea. Pontuo aqui três circunstâncias que, de certa forma, condicionaram nosso caminho. Primeiro, a pesquisa tratou de um Lugar que se forma de maneira inconsciente, tal qual sugere Yi-Fu Tuan (1983). “A maioria dos lugares não são criações deliberadas, pois são construídas para satisfazer necessidades práticas” (TUAN, 1983, p.184). Isso nos impossibilitou de descobri-lo por meio de entrevistas, ou localizá-lo pelo conhecimento da história dos judeus. Segundo, o Lugar que buscamos não é um Lugar que se encontra em um espaço físico determinado; ele supostamente seria encontrado na reincidência de características de significação dispersas nos lugares e tempos da vida judaica. E, por fim, foi necessário nos afastarmos tanto dos entendimentos do espaço, quanto dos entendimentos da vida judaica, visto que, de alguma forma, tínhamos isso naturalizado em nós05. Como conceito centralizador de nossa pesquisa, tratamos das Ambiências Sensíveis. A partir delas, vemos os espaços não somente como suporte, mas como agente. As Ambiências extrapolam as dimensões físicas dos espaços, incorporando por meio de dimensões sensíveis e dinâmicas uma série de subjetividades inscritas nas relações dos indivíduos com e no es-

03 Ver Sorj, 2004.

04 Segundo Uglione (2008), a “memória ficcional” tem a capacidade de (re) arranjar traços e rastros estabelecidos por lembranças e esquecimentos, construindo um novo Lugar.

05 Importante ressaltar que tenho uma formação judaica, inclusive de contexto ortodoxo, o que pode representar em determinados momentos um desafio a mais, já que o tema da ambiência judaica que analiso leva em consideração judeus de identidade secularizada, cuja identidade não é perpassada de forma absoluta pela religião.

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paço. Dessa forma, para estudar as relações entre uma identidade cultural e seus espaços e alcançar as subjetividades ali inscritas, entendemos como necessidade a vivência das suas ambiências. Aqui, encontramos o principal entrave que nos levou a desenvolver uma nova ferramenta metodológica que nos encaminhasse a uma experiência sensível e concreta dos espaços sem que estivéssemos presentes fisicamente neles. Nos baseando em uma premissa estabelecida por Yi-Fu-Tuan (1983, p. 204), que afirma ser suficiente uma “estória, um trecho descritivo ou uma gravura de um livro” para estabelecermos uma relação com um lugar ou um ambiente, decidimos incursar nos espaços por meio de narrativas literárias, colocando, assim, em prática um entrecruzamento entre espaço e narrativa, tal qual sugere Ricoeur (1998), buscando, no entanto, a dialé-tica da memória e do projeto arquitetônico06 nas narrativas. As narrativas nos permitiram um olhar desnaturalizado07, assim como uma experiência única de lugares e tempos diversos de forma simultânea e/ou paralela. As-sim, através da literatura, tivemos um panorama de três lugares08 afastados entre si e de nós, em momentos diversos no tempo.Com os objetos de um estudo comparado definidos na literatura, foi necessário desenvolver uma metodologia de análise dos espaços que se aplicasse ao nosso campo de pesquisa09 e nos permitisse estabelecer com os espaços inscritos nas narrativas literárias uma relação concreta, uma vivência sensível. Baseados, então, em um método de análise de espaços já consolidado em nosso campo, o método dos “Percursos comentados” (THIBAUD, 2002), desenvolvemos uma ferramenta metodológica paralela, que se aplica a espaços narrados. A essa ferramenta chamamos de “Percursos Imaginados” (SANCOVSCHI, 2017), uma vez que ela nos

06 Tomamos o projeto arquitetônico, mencionado por Ricoeur, não somente como “projeto arquitetônico em seu sentido técnico, mas principalmente ao projeto de lugares como resultado de aspirações coletivas e individuais do homem” (DUARTE et. al, 2007, <p. >).

07 Fomos conduzidos pelos lugares por meio de leituras das narrativas; não tínhamos, assim, um olhar direto dos lugares. Tivemos, nesse sentido, uma vivência mediada.

08 Ver SANCOVSCHI, 2017.

09 Campo este que estuda as relações de subjetividade e cultura com Arquitetura e Urbanismo.

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possibilitou percorrer, no imaginário, os espaços presentes em cada uma das obras literárias que escolhemos. A seguir, apresentaremos a ferramenta “percursos imaginados”, suas etapas, e exemplos de sua aplicação.

O “Percurso Imaginado”: uma etnotopografia por meio da literatura

A ferramenta por nós desenvolvida parte de uma ideia de “Leitura Sensí-vel” para experienciar os espaços representados pela literatura. A ideia da “Leitura Sensível” vem da referência de dois teóricos da arte e literatura, Sontag (1964) e Gumbrecht (2014), ambos autores propõe uma sensibili-zação da leitura. Sontag (1964) reivindica que a leitura de uma obra de arte deve procurar saber o que ela é mais do que o que ela significa. Para a autora, “O que é importante, agora, é recobrarmos os sentidos. Devemos aprender a ver mais, escutar mais, sentir mais. [...] No lugar de uma hermenêutica, pre-cisamos de um erotismo da arte” (Ibid., p.10, tradução nossa). Na mesma direção, Gumbrecht defende que textos literários devem ser lidos a partir de uma experiência sensorial – “leitura pelo Stimmung”. Para o autor, a leitura, por este princípio, tem a capacidade de fazer presente em nós uma ambiência de um outro lugar, justamente o que buscamos em nossa pesquisa. Nesse sentido, a partir dessas referências, propomos uma aproxi-mação corpo-texto, que permitiu a nós, leitores, um envolvimento senso-rial com os espaços narrados e representados. Assim, antes de buscarmos a compreensão da obra literária em si, abrimos nossos sentidos para uma vivência nesse espaço imaginado, buscando assim “ver mais, escutar mais, sentir mais. [...]” (SONTAG, 1964, p.10, tradução nossa). A esse modo de leitura, chamamos em nossa pesquisa de “Leitura Sensível”.A ideia de “Leitura Sensível” foi o ponto de partida para a ferramenta de pesquisa desenvolvida e aplicada por nós. A “Leitura Sensível” nos per-mitiu alcançar a experiência sensível dos/nos espaços, estabelecendo uma relação de certa forma concreta com as ambiências narradas. A aproxima-ção corpo-texto/corpo-espaço foi fundamental para a consolidação dos “Percursos Imaginados”. A partir da “Leitura Sensível”, apropriamo-nos

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das experiências vivenciadas num percurso imaginado, estabelecendo en-tão as análises das ambiências que se definem nas narrativas literárias. Nesse contexto, a ferramenta “Percursos Imaginados” foi construída den-tro do âmbito das pesquisas do Laboratório Arquitetura Subjetividade e Cultura (LASC)10. O LASC vem desenvolvendo e aplicando ferramentas metodológicas, com bases nas ciências sociais, com o objetivo de estudar e compreender espaços habitados e construídos relacionando-os a seus grupos socioculturais. A essas ferramentas, o Laboratório convencionou chamar de ferramentas etnotopográficas, traçando assim um paralelo com as etnografias produzidas por antropólogos (DUARTE, 2010). Como já mencionamos acima, a ferramenta criada por nós se baseou no método dos “Percursos comentados” (THIBAUD, 2002), já consolidado em pesquisas focadas nas questões das sensações e percepções nos/dos es-paços, ou seja, focadas nas ambiências. O método dos “Percursos comen-tados” está pautado em três etapas simultâneas ou consecutivas, são elas: caminhar, perceber, descrever. Essa ferramenta, que se apoia na importân-cia do contexto, na ligação entre experiência e a descrição dela, e ainda na movimentação que mobiliza uma percepção das ambiências, propõe um trabalho de campo que demanda a indivíduos presentes naquele espaço que atravessem um percurso definido descrevendo ao longo de sua cami-nhada tudo que lhes é perceptível (visão, cheiros, barulhos, etc.). Estabelecendo, assim, uma referência a este método, os “Percursos Imagi-nados” (SANCOVSCHI, 2017), estão pautados também em três etapas, sejam elas: ler, “caminhar”, perceber. Traçamos, então, a partir da “Leitura Sensível”, percursos fictícios, caminhadas imaginárias, dentro dos espaços representados nas narrativas. Aqui, diferente dos “percursos comenta-dos”, não temos um caminho definido por nós. A partir das leituras, nos lançamos nos espaços propostos pelos narradores. Andamos por eles como “flaneurs”11 na cidade, cortando caminhos, sentindo suas ambiências, e a

10 Vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PROARQ-UFRJ)

11 “Desse modo, se o flaneur se torna sem querer detetive, socialmente a transformação lhe assenta muito bem, pois justifica sua ociosidade. Sua indolência é apenas aparente. Nela se esconde a vigilância de um observador que não perde de vista o malfeitor. Assim o observador vê abrirem-se a sua autoestima vastos domínios.” (BENJAMIN, 2004.)

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partir disso os examinamos. Dessa maneira, as três etapas dos percursos imaginados se estabelecem da seguinte forma:

• Ler – fazemos uma “leitura sensível” das obras lite-rárias escolhidas para pesquisa. Nesse momento, es-tabelecemos uma aproximação corpo-texto, onde nos colocamos frente ao texto de forma a vivenciar suas experiências narradas. • “Caminhar” – a partir das narrativas inseridas nas obras literárias, deixamos-nos levar por percursos ima-ginados, caminhando assim dentro dos espaços repre-sentados, acompanhando os narradores. Fazemos dessa forma uma caminhada imaginária.• Perceber – recorrendo à relação sensível que estabele-cemos com o texto, somos levados a uma percepção e a sensações também presentes nas narrativas, colocando--nos imersos em ambiências representadas.

Dessa forma, os “Percursos imaginados” nos permitem estabelecer, nos es-paços representados, uma vivência sensível, uma experiência das ambiên-cias ali narradas. A experiência concreta acontece, portanto, em um plano imaginário. Assim, a partir das experiências vivenciadas ao longo desses percursos, construímos de forma paralela as análises dos espaços e am-biências, tecendo as associações a simbolismos e significações da cultura judaica que buscávamos na composição de um Lugar.

Vivenciando os espaços: a aplicação do “Percurso Imaginado”

Como vimos, o “Percurso Imaginado” estabelece no campo do imaginá-rio uma vivência de ambiências sensíveis encontradas na literatura. Os próprios narradores nos guiam por seus caminhos, registrados na litera-tura. Propomos, então, que nos acompanhem em algumas das “paradas”

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que fizemos ao longo desses percursos de modo que possam visualizar a aplicabilidade da ferramenta desenvolvida. Essas paradas nos levaram a examinar, de forma mais detalhada, as relações das ambiências vivenciadas em cada local com a cultura judaica. Nossa pesquisa traçou “percursos imaginados” na obra de três autores consagrados da literatura judaica, levando-nos a uma vivência do shtetl12, na narrativa de Isaac Bashevis Singer; o Bom Fim, na narrativa de Mo-acyr Scliar e o “Lar Nacional” na narrativa de Amos Oz. Percorremos esses lugares tal qual percorremos lugares no plano material, sentindo suas ambiências, estabelecendo relações com os espaços. Dessa forma, foi pos-sível reconhecer as características intrínsecas a esses lugares, por meio de ambiências vivenciadas em outros tempos e espaços por um grupo cultural específico, aqui representado pelo grupo judaico. É importante destacar que tais características não são exclusivas de espaços e ambiências judaicas, elas podem ser encontradas em outras circunstâncias, no entanto, a forma como elas se combinam e se repetem, forjam o que chamamos em nossa pesquisa de “Lugar Judaico”. Dividimos as características de significação dos espaços vivenciados da vida judaica em quatro aspectos, que estão fortemente conectados uns aos outros: temporalidade, espacialidade, sensorialidade e sensibilidade. Esses aspectos nos permitem uma compreensão mais direta dos espaços, assim como possibilitam a aplicabilidade em outras pesquisas que se referem a espaços culturais13. Uma vez que nosso espaço aqui é restrito, limitaremos-nos a fazer três “paradas” nos percursos vivenciados por nós. Cada uma dessas paradas exemplifica um ou mais dos aspectos citados acima. Na primeira “parada” vivenciamos e analisamos os espaços do Shtetl da obra de Singer.

Quando o relógio da igreja de Frampol bateu onze horas, Roize Temerl voltou para casa. Em sua luxuosa cama de

12 Shtetl é o termo em Iídiche para cidade. Comumente usado para designar lugares habitados por uma maioria Judaica. Em nosso trabalho, dedicamos alguns parágrafos para explicar o que é o Shtetl (Ver: SANCOVSCHI, 2017, pp. 62-63)

13 Referimo-nos aqui a espaços influenciados e constituídos nas relações com uma determinada cultura.

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dossel, ficou revirando como alguém que está com febre. [...] durante longo tempo, Natã ficou parado ao lado da janela, olhando para fora. O céu de Elul estava cheio de estrelas. A coruja no teto da sinagoga guinchava com voz humana. A gritaria dos gatos lembrava mulheres em trabalho de parto. Grilos cricrilavam e serras invisíveis pareciam estar zunindo dentro do tronco das arvores. O nitrir dos cavalos que ti-nham pastado toda a noite atravessava os campos junto com os gritos dos pastores. Natã, que estava no andar de cima, abarcava toda a cidadezinha com um só olhar, a sinagoga, a igreja, o matadouro, a casa de banhos pública, o mercado, e as ruas laterais onde viviam os gentios. Reconheceu cada abrigo, cada barracão, cada tábua de seu próprio quintal. Um bode arrancava um pouco de casca de uma árvore. Um rato do campo saia do celeiro para voltar a seu ninho. Natã ficou observando por um longo tempo. Tudo em volta era familiar e ao mesmo tempo estranho, real e fantasmagórico, como se não estivesse mais entre os vivos e só seu espírito flutuasse ali. Lembrava de uma frase hebraica que se aplicava a ele, mas não conseguia recordar as palavras exatas. Finalmente, depois de tentar longo tempo, lembrou: alguém que vê sem ser visto. (SINGER, 2004, p. 95)

A passagem acima nos mostra o início do nosso percurso pelo shtetl, no qual podemos destacar principalmente os aspectos da espacialidade (compartilhada) e da temporalidade. Um olhar externo e desatento pode estranhar o início desse percurso, que retrata as interferências sonoras de uma igreja no shtetl, afinal, a proposta desta vivência é o entendimento das relações entre a cultura judaica e o espaço. No entanto, estamos propon-do aqui um olhar minucioso e atento, um olhar de dentro, uma vivência participativa do espaço narrado. Assim, a proposta é, antes de tudo, sentir as ambiências, sem que as ideias pré-concebidas interfiram neste proces-so. Com esse intuito, seguimos adiante. As badaladas do relógio da igreja ressoam por toda Frampol. No shtetl, a maioria da população é judia, mas nesse lugar vivem também cristãos. A igreja, instituição religiosa, centro de congregação de indivíduos de fé cristã, é frequentemente reconhecida como ponto de referência nas cidades. Assim acontece também no shtetl, ela se apresenta como um marco físico, que, de certa maneira, orienta os percursos da pequena cidade. As badaladas do relógio da igreja, nes-

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se caso, também funcionam como marco temporal da vida nesse lugar, consequentemente também da vida judaica. Na ambiência narrada acima, uma sensação de tensão e ansiedade é experienciada através dos sons que reverberam pelo espaço. A visão de um céu limpo e cheio de estrelas liga o indivíduo ao plano celeste. Elul, último mês do calendário judaico, é o mês no qual os judeus se preparam para a chegada do novo ano e para o “Dia do Perdão”, momento esse reconhecidamente decisivo dentro do ciclo anual judaico. Aqui, percebemos que a espacialidade e a temporalidade no Lugar judaico possuem marcos não somente judaicos, mas sofre interfe-rências das culturas com as quais compartilham espaço. Nesse sentido, a referência judaica é forte, porém contaminada. A Segunda parada, no percurso imaginado a partir da obra de Scliar. No trecho apresentado a seguir, os aspectos que mais se destacam são a tem-poralidade e a sensibilidade.

O verão chegava e com ele, Chanuka, a Festa das Luzes, Joel e Nathan acenderam velinhas, lembrando os Macabeus. Depois viria o Pessach e eles comeriam pão ázimo, recor-dando a saída do Egito; e depois a Sexta-Feira da Paixão. E por fim o Sábado de Aleluia, dia em que até as pedras da Rua Fernandes Vieira estavam cheias de ódio contra os judeus. Os cinamomos baixavam seus ramos para feri-los, o feroz cão “Melâmpio” vinha do arrabalde para persegui-los latindo. Os goim caçavam judeus por todo o Bom Fim. No dia seguinte estariam reconciliados e jogariam futebol no campo da Avenida Cauduro, mas no Sábado de Aleluia era preciso surrar pelo menos um judeu. (SCLIAR, 2014, p.85)

Ao entrar nesse espaço, percebemos imediatamente a dupla temporali-dade vivenciada pelos judeus, compondo essa ambiência. Nesse lugar, as festividades judaicas e cristãs se sobrepõem e, somado a isso, sentimos os reflexos da estação do ano. Assim, o calor do verão se mistura com as luzes de Chanukah14, na ambiência judaica que aqui se constrói15. Interessante

14 Chanukah, também conhecido como Festa das Luzes, é marcado por oito dias de comemoração em memória dos Macabeus e a recuperação do Templo, destacado pelo milagre das luzes, que fez com que a chama, da menorah, candelabro, de um único dia multiplicar por oito dias.

15 Essa ambiência se desenhará de forma diferenciada em cada lugar habitado pelos judeus; na Europa ou em Israel, por exemplo, a ambiência de Chanukah se associa a temperaturas baixas do inverno.

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notar, ainda, que as festividades judaicas, em geral, aqui representadas pela festa de Chanukah e Pessach16, são comemoradas em lembrança de outros momentos e lugares da vida judaica, o que acaba por trazer para ambiên-cia a experiência de um lugar passado em um momento presente, tornan-do, também nesse sentido, difusa a temporalidade vivenciada nesse Lugar Judaico. Passadas as festas judaicas, o espaço é tomado por festas cristãs, que tam-bém alteram as ambiências vivenciadas pelos judeus. Porém, as vivências judaicas, nesses momentos, segundo a narrativa, em nada se parecem com as vivências cristãs. Ou seja, quanto à sensibilidade, cada indivíduo, seja ele judeu ou cristão, percebe e sente essa ambiência de uma maneira. A narrativa, que nos é contada por um judeu, apresenta uma ambiência tem-porária de perseguição e ódio, no Sábado de Aleluia, que remonta à morte de Jesus, mas essa ambiência é rapidamente dissolvida em um simples jogo de futebol, que concilia indivíduos dos dois lados em um espaço de confraternização17. Assim, em relação ao aspecto da sensibilidade, perce-bemos que a sensação de ser “estrangeiro” (SIMMEL,[1908]1983) e de perseguição envolvem essa ambiência. Nossa última parada, na obra de Amos Oz, leva-nos novamente ao aspec-to da temporalidade. Porém, agora, o que percebemos, é que a tempora-lidade judaica interfere diretamente na constituição dos espaços; somado a isso, uma sensorialidade e uma sensibilidade especificas são capazes de fazer nascer uma fronteira invisível entre espaços.

Do Terra Sancta, uma caminhada de dez minutos até a Torre de Davi, redonda, onde a cidade se interrompia de re-pente, e atravessávamos campos vazios, chegando à estação de trem, no Emek Refaim, o vale das Almas. À esquerda se viam as pás do moinho de vento do bairro de Yemin Moshé, e mais acima, no declive a nossa direita, as últimas casas

16 Pessach, a “Páscoa Judaica”, é também conhecida como a festa da libertação, celebrando a libertação dos escravos judeus do Egito. O ritual de comemoração dessa festa segue uma série de símbolos em memória aos tempos de escravidão passado pelos judeus, tendo como símbolo mais conhecido a Matzah, o pão ázimo.

17 A partir da vivência dessa ambiência, pode-se dizer que a “integração” do judeu no Brasil foi, de modo geral, bem aceita, ainda que isso não exclua a existência de uma tensão nos espaços.

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de Talbye. Que tensão nos dominava quando saíamos dos limites da cidade judia! Caminhávamos sem uma palavra: era como ultrapassar um marco invisível de fronteira e en-trar em um país estranho.[...] Continuando na direção sul, descíamos a ladeira a caminho de Hebron e passávamos por casas amplas e confortáveis, construídas em pedras rosada, residência de ricos efêndis e de árabes cristãos que exerciam profissões liberais, e de altos funcionários do governo do mandato britânico, e de membros do Supremos Conselho Árabe: Mordom Bey El-Matnaui, o Hadji Rashid El-Afifi, o Dr. Emil Aduan El-Bustani, o advogado Henry Taulili Totaach e outros figurões endinheirados do bairro de Bak´a. Ali todas as lojas estavam abertas, e dos cafés se ouviam vo-zes e música, como se tivéssemos deixado o próprio shabat para trás, impedido de passar por um muro imaginário que atravessasse a estrada em algum lugar entre Iemin Moshé e o albergue escocês. (OZ, 2015, p. 56-57)

A passagem acima nos deixa claro que ultrapassamos as fronteiras da cidade judia. Os marcos que dividem os espaços são invisíveis, mas as sensações emanadas por essa fronteira simbólica são perceptíveis. Aqui, o narrador que nos conduz, judeu, é um estranho, entramos agora em um lugar que não faz parte da vida judaica. E, assim estranhos como o narrador, vivenciamos as sensações que ele nos relata. Estamos longe do silêncio penetrante das ruas da cidade judia durante o shabat18. O declive da ladeira nos leva a um lugar completamente diferente; aqui, as lojas abertas movimentam as ruas, a música e as vozes que saem dos cafés enchem o ambiente. É como se o marco invisível, a fronteira imaginária, tivesse impedido que o shabat ultrapassasse para esse lugar, definindo que esse não é um lugar judaico. Esse trecho nos permite, de uma forma bem clara, sentir as várias nuances desse Lugar Judaico de que falamos. A temporalidade marcada pelo shabat transforma espaços por meio de seus silêncios e movimentos, que contrastam firmemente com os lugares não judaicos vivenciados nesse momento. As sensações de não pertencimento

18 Shabat (do Hebraico) nome dado ao sétimo dia da semana, dia sagrado, de descanso, no judaísmo, em referência ao descanso de Deus após os seis dias de criação.

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se espalham pela narrativa, trazendo à tona novamente a sensação de ser “estrangeiro”. (SIMMEL, 1983[1908])

A percepção do lugar judaico a partir do Percurso Imaginado

Como apresentamos acima, nossa pesquisa seguiu caminhos que nos levaram a buscar o entendimento dos espaços e a percepção de ambiências sensíveis, mesmo que não fosse possível a presença física de nossos corpos no campo. Assim, nossa proposta foi a criação de uma ferramenta que estabelecesse uma relação concreta com os espaços na transversalidade de textos e narrativas literárias. Dessa forma, nasceu a ferramenta “Percursos Imaginados” que apresentamos nesse artigo. A partir das vivências que compartilhamos na última parte do artigo, é possível verificar que uma “Leitura Sensível” – esta que aproxima corpo e texto, abrindo os sentidos do leitor para a experiência no espaço imagi-nado – nos permite imergir nos “Percursos Imaginados” que nos levam a percepção dos espaços e ambiências, consolidando, assim o campo para nossa pesquisa. Com os Percursos Imaginados, foi possível, em nossa pesquisa, analisarmos espaços e ambiências vivenciadas por judeus em diferentes tempos e localidades. É importante notar que, em nossa pesquisa, intencionalmente aproxima-mos três autores que falam de espaços e a partir de Lugares diferentes. Mesmo que enquadradas em uma literatura ficcional, todas as narrativas pesquisadas por nós misturam os planos material/real e planos imaginá-rios. A obra de Singer, por exemplo, traz um reflexo de suas experiências na infância e adolescência na Polônia (a religião, a vida no shtetl, a cultura ídiche). O shtetl é um cenário frequente na ficção de Singer, e seus perso-nagens estão longe da caricatura ou da ingenuidade (SCLIAR, 2004). Já a obra de Scliar é marcada, na maior parte das vezes, por uma experiência judaica específica estabelecida na formação e consolidação do bairro do Bom Fim, bairro judaico em Porto Alegre. Nesse sentido, o Bom Fim da ficção de Scliar não passa estéril de suas vivências da infância. Por fim, o Lar Nacional retratado na obra de Oz está fortemente contaminado por sua própria experiência vivida e influenciada por seus pais na consolidação

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do Estado de Israel, levando em conta ainda um forte posicionamento político do autor. Assim, a partir da riqueza de vivências das narrativas literárias delineamos os aspectos que compõe o Lugar Judaico que en-contramos ao final de nossa pesquisa, comprovando, então, ser possível perceber e sentir espaços a partir dos “ Percursos Imaginados”. Esperamos que este artigo possa contribuir por meio da ferramenta que desenvolvemos com novas pesquisas sobre Lugares reais e/ou imaginários.

Agradecimentos Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-soal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio na concessão de bolsa de mestrado e doutorado, e ao LASC/PROARQ/UFRJ, pelo apoio institucional.

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Ilana Sancovschi é Doutoranda no Programa de Pós Graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PROARQ/UFRJ). Mestre em arquitetura pelo Programa de Pós Graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PROARQ/UFRJ). Graduada em Ar-quitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro (FAU/UFRJ). Pesquisadora no Laboratório Arquitetura, Subjetividade e Cultura (LASC). Atuante na área de arquitetura residencial, reformas e interiores. Atua também na área de artes visuais e cerâmica com trabalhos que envolvem as temáticas da cidade, arquitetura, sub-jetividade e memória.

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A pesquisa no meio virtual: as narrativas

por trás das imagens de morar selecionadas no

Pinterest

01 Dissertação de mestrado desenvolvida no LASC/PROARQ e defendida em março de 2019, sob a orientação da Professora Dra. Cristiane Rose S. Duarte.

Juliana Queiroz

Com a constante interação entre o mundo online e o mundo off-line, a sociedade contemporânea vem vivenciando, cada vez mais, a realidade do uso de ima-gens em redes sociais. Nesse contexto, este artigo é um recorte da pesquisa01 desenvolvida durante o curso de mestrado que teve como objetivo geral investigar se e como os usuários do website Pinterest se relacionam com as imagens de ambientes de morar compartilha-das no site e se estas participam da construção identi-tária desse usuário.

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Em concordância com diversos autores explorados na pesquisa, enten-demos que o usuário do site, ao selecionar imagens de sua preferência, é capaz de se encontrar em um estado de “daydreaming”, transportando-se para um lugar imaginado a partir dessas imagens. Assim, nos questiona-mos se o ato do devaneio e a seleção de imagens feita no site evidenciam as mudanças que estão ocorrendo em relação ao consumo de imagens de morar nos dias de hoje e se podem representar uma busca por metáforas da própria identidade do usuário.

IntroduçãoO Pinterest surgiu como uma rede social que prometia uma experiência agradável e diferenciada – um catálogo de imagens que incentiva os usuá-rios a descobrirem e salvarem ideias (figura 1). Enquanto em redes sociais como Facebook e Instagram os usuários têm como objetivo ter um feedback – comentários e likes – de suas postagens, o Pinterest é uma atividade mais solitária, na qual o usuário não precisa interagir com a sua rede de segui-dores; a interação se dá, a princípio, somente pelo compartilhamento das imagens postadas. Para os estudantes de Arquitetura e Urbanismo, as imagens de ambientes de interiores postadas no site servem como referências para projetos. No mundo profissional, além de inspiração, essas imagens contribuem para consolidar uma boa comunicação com clientes. Entretanto, verificou-se que pessoas que não tinham vínculo profissional com Arquitetura ou

1. Chamada na página de criação de login explicando “o que é o Pinterest”. Fonte:

Pinterest <https://br.pinterest.com/>. Acesso em: 16 de maio de 2018.

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Design de Interiores também começaram a usar as imagens postadas no Pinterest como inspiração para suas próprias casas. No contexto habitacional, a questão da construção identitária é muito tra-tada, a relação pessoa/ambiente construído – muito abordada pelo grupo de pesquisa LASC02 (no qual esta pesquisa está inserida) – nos indica de que forma um indivíduo cria vínculos identitários com o ambiente que ele habita.

O lar é uma coleção e uma concretização de imagens pesso-ais de proteção e intimidade, que permite a alguém reconhe-cer e recordar sua própria identidade. (PALLASMAA, 2017, p. 21)

No mundo online atual, onde o consumo é imediato e as leituras são cada vez mais superficiais, Sun (2017) entende que um novo tipo de arquitetura “fast-consumption” está surgindo, na qual a imagem é mais importante que a construção em si. Abordar uma rede social em pesquisa acadêmica significa estar à mercê de suas constantes atualizações e estatísticas. Significa também, muitas vezes, não ter acesso direto ao usuário e não conseguir investigar sem entrar em contato com os usuários. O perfil do usuário, além de poder ser privado (isto é, somente amigos tem acesso ao seu conteúdo), pode também não significar nada para quem o vê de fora; olhar um perfil do Pinterest e ten-tar compreender a identidade daquele usuário seria somente especulação. Levando essas condições em consideração, metodologicamente, para esta pesquisa, tínhamos o Pinterest como campo de estudo, mas precisaríamos da fala dos usuários para uma melhor compreensão dos compartilhamen-tos das imagens postadas. Assim, utilizamos como ferramenta de pesquisa o questionário online semiestruturado com perguntas objetivas e subje-tivas/abertas, preservando o anonimato do respondente, para extrair as narrativas dos usuários através de suas imagens selecionadas.

02 LASC, Laboratório de Arquitetura, Subjetividade e Cultura é um grupo vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura (PROARQ) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a coordenação da professora Dra. Cristiane R. S. Duarte, que desenvolve pesquisas e análises sobre a inter-relação pessoa-espaço construído.

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Identidade imagética e o consumo de imagens nas redes sociais

Há um grande debate no meio da antropologia digital sobre se as pessoas mantêm suas identidades do mundo offline no mundo online. A facilidade de construir uma identidade online, muitas vezes, torna-se um atrativo para viver diferentes personalidades. Castells (2002) se questiona, assim como grande parte da população da década de 90, se a Internet gera maiores e diferentes níveis de conexão na sociedade ou se isola as pessoas atrás de seus computadores.

A Internet favorece a criação de novas comunidades, comunidades virtuais, ou, pelo contrário, está induzindo ao isolamento pessoal, cortando os laços das pessoas com a sociedade e, por fim, com o mundo “real”? (CASTELLS, 2002, p. 442)

A facilidade que a sociedade contemporânea possui para consumir e se comunicar através das imagens que circulam nas redes sociais nos faz pen-sar na importância que elas têm na vida cotidiana das pessoas. Para Pallas-maa (2013), a imagem mudou a maneira de vivenciarmos o mundo e de nos comunicarmos a respeito dele, dominou o nosso cotidiano e a razão dela ser um meio tão poderoso está na sua influência sobre o imaginário humano. Esse imaginário humano, de forma dinâmica, é capaz de atribuir significados a essas imagens, usando-as como matéria para construções simbólicas. Pallasmaa (2013) entende que a sociedade contemporânea possui um certo fascínio por fragmentos e coleções e, devido à alta veloci-dade da tecnologia e à abundância de informações, os usuários da Internet recebem as informações de forma fragmentada para um melhor consumo. Embora a palavra ‘consumo’ seja reduzida à compra e ao uso de objetos, a sociedade contemporânea consome imagens, diariamente, por meio de imagens em sites e rede sociais. Campbell (2001) evidencia que “a ativida-de fundamental do consumo não é a compra ou o uso dos produtos, mas a procura do prazer imaginativo que a imagem do produto se empresta”. Pode-se compreender que, em determinados momentos da vida, procu-ramos estímulos mentais e, assim, construímos determinadas imagens

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mentais para alimentar a vontade de evasão de uma realidade, muitas ve-zes indesejada, por meio do consumo de fantasias. Ao selecionar e admirar centenas de imagens no Pinterest, o usuário pode se encontrar entrando em um estado de devaneio, a partir do qual a mente se permite divagar pelas imagens. Esse estado é definido pelo conceito de daydreaming que, como diz Carvalho (2015), significa uma experiência de sonhar acordado sendo orientada pelas imagens postadas.

Construção de narrativas nas imagens de morar

Bachelard (2000) diz que a casa do futuro, muitas vezes, é mais evidente do que todas as casas que tivemos no passado, pois ao contrário da casa em que nascemos, trabalhamos diariamente na casa sonhada. Para ele, a casa do passado, a do presente e a do futuro são casas diferentes, porém, apesar de ser dinâmica, ela é continua; é ela que sempre buscamos.

o morar é um constante processo no qual as transformações sociais e espaciais se misturam e se interferem todo o tempo, atualizando significados e identidades. Impossível de ser produzida de uma só vez, a casa pressupõe continuidade. (ALMEIDA, 2019, p. 27)

A grandeza, com a qual tratamos a casa, acontece por ela ser a nossa orientação no mundo. É ela que determina de onde viemos, de onde somos e para onde vamos, é nosso ponto central de identificação, e reflete nossas histórias, a família, nossas angústias e, principalmente, nossas felici-dades. A casa nos permite sonhar e lembrar: lembrar não só da disposição dos móveis, mas também de como nos sentidos naquele lugar em deter-minado momento de nossa vida. Atribuímos significados as imagens e (re)construímos histórias por meio delas. Para Squire (2011), narrativas, independente do seu meio midiático, são visões particulares, histórias trazidas como fenômenos, construídas para resumir uma verdade de quem a está contando, um momento para trans-mitir uma imagem mental. Narrativas são “uma cadeia de signos com sentidos sociais, culturais e/ou históricos particulares” (Squire, 2011).

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Qualquer imagem que contenha signos reconhecíveis históricos ou cul-turais sendo vistos por pessoas pode gerar uma leitura, uma interpretação, podendo funcionar como gatilho para a construção de narrativas. Assim, um ambiente fotografado será sempre o mesmo em sua essência, mas terá inúmeras interpretações, pois os significados que atribuímos aos objetos não estão atrelados a eles em si, mas sim às nossas construções mentais.

Construção metodológicaPara muitos pesquisadores que se debruçam sobre a metodologia etno-gráfica, a etnografia é a escrita do visível. As pesquisas do LASC têm a etnografia como referência base para suas ferramentas metodológicas, principalmente, quando o trabalho visa a analisar a relação entre pessoas e o espaço construído. Desde o início desta pesquisa, percebemos que a etnografia, e até mesmo a etnotopografia03, não seria totalmente pertinente em uma pesquisa na qual a internet é o campo de estudo. Assim, procu-ramos em vertentes da etnografia uma maneira de abordar esse mundo virtual e entender como poderíamos proceder com a pesquisa. O método da etnografia virtual é considerado a versão online da etno-grafia. Enquanto em uma etnografia o(a) etnógrafo(a) se insere em um meio físico offline, o(a) etnógrafo(a) virtual se insere no mundo online. O trabalho de pesquisa, então, consiste em análises de dados e conversas, ou testemunhos feitos por meio das comunidades online, em que o(a) próprio(a) pesquisador(a) está inserido e até mesmo poderá interagir com seus colegas online. Visto que o Pinterest não é uma rede social na qual grupos de pessoas se formam, a etnografia virtual, apesar de nos trazer no-ções de métodos de análise, não seria uma metodologia adequada. Porém, foi pela etnografia virtual que nos deparamos com a antropologia digital.Ainda caracterizada como uma subdisciplina da antropologia, a antropo-logia digital visa ter uma perspectiva da compreensão da vida humana e

03 Ao conjunto de métodos que tomam as bases das ciências sociais para interpretar os espaços construídos temos denominado “etnotopografia”. A Análise Etnotopográfica estaria, assim, relacionada a uma aplicação de estudos de um grupo sociocultural em um determinado lugar; com base e suporte no espaço em si. (DUARTE, 2010).

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sua cultura (HORST & MILLER, 2012). O meio digital permite não só que grupos tenham vozes a serem escutadas e estudadas, mas que os indi-víduos também. Quando uma pessoa cria um perfil no Pinterest, ela está criando uma voz virtual para ela. Dessa forma, entendemos que podemos acessar o perfil de um usuário e vasculhar suas centenas imagens salvas, entretanto, ali temos acesso somente a uma vitrine, ou seja, aquilo que o usuário nos permite visualizar. Como mencionado anteriormente, nesta pesquisa, não seria suficiente somente explorar perfis no Pinterest escolhidos por meio de recortes de gênero ou sociais. Precisaríamos também entender, pela fala dos usuários, como ocorre o processo de salvar as imagens em pastas pessoais e o que essas imagens salvas significavam para cada pessoa. Com o alto uso da internet nos dias de hoje, questionários online são for-mas rápidas e eficazes de obter informações. Apesar de existirem algumas desvantagens em relação ao método, as vantagens sobrepõem às desvanta-gens, quando temos um questionário de baixíssimo custo, produzido pelo próprio grupo de pesquisa, de rápido envio e retorno dos participantes, com uma logística simplificada, podendo atingir um grande número de respondentes territorialmente dispersos, com análise dos dados automati-zada e, principalmente, sem a presença inibidora de um entrevistador:

É nesse sentido que os resultados dessas enquetes podem ser muito úteis, ajudando arquitetos [...] a antecipar atividades e comportamentos nos espaços do cotidiano, como meio de conceber espaços mais em fase com os modos de vida atuais. Elas também permitem vislumbrar de que maneiras seus respondentes estão vivenciando sua intimidade perceber algo sobre suas visões de mundo e como enxergam grandes temas atuais ligados ao habitar [...]. (TRAMONTANO E QUEIROZ, 2013, p. 88)

O questionário – desenvolvimento e aplicação

Para a elaboração do questionário, foi traçado um recorte geográfico e, para mantermos uma proximidade cultural e um melhor entendimento

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das respostas, somente usuários brasileiros responderam ao questionário. Não houve restrição quanto ao gênero, nem quanto ao recorte socioeco-nômico dos respondentes, somente quanto à restrição de serem usuários do Pinterest. Contudo, houve uma restrição quanto ao campo de atuação profissional. Profissionais da área de Arquitetura e Urbanismo ou do Design de Interiores, devido às suas formações acadêmicas e atuação no mercado profissional, possuem o olhar comprometido, o que interfere na visão espacial e até mesmo no uso do site, visto que muitos profissionais possuem perfis e pastas com intuitos profissionais para conquistar e/ou se comunicar com clientes. Durante as reuniões do Grupo de Pesquisa LASC, foi desenvolvido um questionário piloto com as seguintes perguntas:

• Você tem alguma pasta no seu perfil que tem imagens relacionadas a ambientes internos de casas e apartamen-tos? Caso você tenha, por favor escolha 3 imagens de sua preferência.• Por que você selecionou estas imagens?• Você tem algum critério para a escolha dessas ima-gens?• Você tentou reproduzir esses ambientes na sua casa de alguma forma? E por quê?• O que você pensa ao olhar para esse ambiente?• Quando você olha para essa imagem, você se imagina neste ambiente? Como?

Esse questionário foi enviado e respondido por um pequeno grupo-teste, de seis pessoas, o que possibilitou a revisão de certas perguntas e a consci-ência da necessidade de criar outras. O questionário foi aplicado durante as reuniões do grupo de pesquisa até chegarmos a sua versão final.Queríamos que os participantes se sentissem o mais à vontade possível, então, elaboramos um questionário online e anônimo, em que não tería-mos acesso à identidade da pessoa e também não poderíamos rastrear as suas pastas no site. Dessa forma, os participantes ficariam livres para nos mostrar e contar o que desejassem.

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Depois de pronto, o questionário ficou ativo em um website chamado Online Pesquisa04, durante dois meses e, ao longo desse tempo, foi divul-gado amplamente pelas próprias redes sociais, como o WhatsApp, o Ins-tagram e o Facebook. A chamada para a pesquisa foi postada em páginas pessoais e em grupos voltados para a pesquisa acadêmica.

A estrutura do questionárioO questionário foi estruturado em cinco blocos: (1) dados demográficos dos respondentes; (2) a experiência no Pinterest; (3) o processo de criação de pastas; (4) a apropriação das imagens; e (5) a relação dos respondentes com suas imagens.

Bloco 1

Dados Demográficos:• Seu gênero• Sua idade• Sua área de atuação

Bloco 2

O objetivo foi investigar o hábito, a frequência e o tempo de navegação no Pinterest. De modo indireto, objetivava-se que estas perguntas, associadas às perguntas do Bloco 3, permitissem avaliar a potencialidade dos usuários serem susceptíveis ao devaneio.A primeira pergunta:

Qual sua maneira de usar o Pinterest?• “Entro no Pinterest todo dia, mas só dou uma olhada rápida nas imagens e saio.”• “Entro todo dia, estou sempre procurando e salvando novas imagens e atualizando as minhas pastas.”

04 https://www.onlinepesquisa.com/s/consumodeimagens

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• “Só entro no site quando preciso procurar exemplos para me ajudar em algo específico.”• “Criei um perfil, mas quase nunca entro lá.”

A segunda pergunta, que teve como objetivo avaliar a frequência e o tem-po que os participantes gastavam utilizando o site:

Você tem noção do tempo que passa olhando as imagens do Pinterest?

• “Tenho, é rápido, eu entro, procuro algo específico e saio.”• “Depende, às vezes eu entro no site para procurar algo rapidinho e acabo me perdendo no meio de todas as imagens.”• “Sim, fico muito tempo no site, entro nele com frequ-ência e adoro ficar olhando e procurando novas imagens para salvar nas minhas pastas.”

A terceira pergunta – Se você é uma das pessoas que se perde no meio das imagens, por acaso, você gosta dessa sensação de “se perder” en-quanto usa o Pinterest? – explorou o termo “se perder”, conhecido entre os usuários mais assíduos do Pinterest como, no meio de tantas imagens circulando em scroll infinito, poder acabar esquecendo o seu objetivo ini-cial ao entrar no site (caso tivesse um). Assim, achamos pertinente per-guntar se os participantes que experenciavam essa sensação de “se perder” gostavam dela.

Bloco 3

O terceiro bloco do questionário objetivou captar o verdadeiro interesse pessoal dos participantes, ao criarem suas pastas referentes à moradia e alimentá-las com imagens de ambientes internos de morar.Com a primeira pergunta – Qual o nome da sua pasta (ou pastas) que possui fotos e imagens que representam ambientes internos de mo-radias? – queríamos entender se a denominação das pastas transmite o propósito de criação e também se, ao nomeá-las, os usuários transferem

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algum afeto ou parte de sua identidade para as imagens salvas dentro da mesma.A segunda pergunta do bloco – Por que resolveu criar essa(s) pasta(s) com fotos de moradias? – objetivou conhecer o verdadeiro propósito da existência das pastas.Com a terceira – Alguma vez já tentou reproduzir, de alguma forma, essas imagens do Pinterest em sua moradia? Se sim, o quê? – esperáva-mos que, com uma pergunta aberta, os usuários exporiam se/e como as imagens coletadas se transformaram em realidade em suas casas, seja por meio de pequenos detalhes, como objetos de decoração, móveis e cores de paredes ou em projetos de ambientes inteiros.

Bloco 4

Quando passamos a usar o site com mais frequência e analisá-lo com fins acadêmicos, passamos a perceber que a maioria das imagens de ambientes de morar não possui pessoas usufruindo do ambiente fotografado. Muitas imagens postadas demonstram ambientes quase cenográficos, são ambien-tes organizados, limpos de qualquer indício de que pessoas ali habitam, quase “estéreis”.Portanto, perguntamos: Agora, uma curiosidade: ao olhar o seu perfil do Pinterest... as imagens salvas por você, que mostram ambientes inter-nos de morar, a maior parte delas possui pessoas dentro dos ambientes ou eles estão vazios? O objetivo foi perceber se os participantes tinham consciência desse fato nas imagens que salvavam. No questionário, a resposta foi apresentada na forma de múltipla escolha: com pessoas e sem pessoas. A segunda pergunta do bloco – Por que acha que a maioria das suas imagens salvas são assim? – objetivava, mais uma vez, a confirmação se a escolha por imagens sem pessoas era consciente e a razão que levava a isto.

Bloco 5

No último bloco do questionário, solicitamos aos participantes que nos enviassem até três fotografias de suas próprias pastas, para que pu-

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déssemos “conhecê-los” um pouco melhor e, ao mesmo tempo, incluir essas imagens enquanto narrativas associada às respostas. Na questão 12, perguntamos o porquê de cada escolha das imagens enviadas. Queríamos entender o critério na hora da seleção.Na penúltima questão – O que pensa ao olhar para cada um desses ambientes? – tínhamos como objetivo compreender como se dava o processo que envolve desde a visualização da imagem no site, sua “leitura”, o julgamento de sua relevância e a definição de incorporá-la em uma pasta pessoal.Na última pergunta do questionário – Qual a sua relação com as imagens que mostram ambientes internos? – Ao olhar para elas você por acaso se imagina naquele ambiente que está vendo? – abordamos a compreensão de identidade espacial de cada participante, com as imagens dos ambien-tes de morar selecionadas em suas pastas.O objetivo foi compreender se os participantes, ao olharem para essas imagens, se imaginam dentro do ambiente fotografado e se, por acaso, ocorre um processo de identificação entre sujeito e espaço e/ou projeção pessoal para dentro daquele espaço fotografado.

Análises e descobertasA partir das respostas obtidas no questionário, conseguimos extrair alguns dados reveladores. Das 28 respostas regulares (as que foram respondidas de forma comple-ta), 23 foram de mulheres e 5 foram de homens. Sendo assim, 82% das respostas femininas e 18% masculinas. Assim como o próprio Pinterest (que tem 81% de usuários do gênero feminino05), o maior número de par-ticipantes na pesquisa foi do gênero feminino. A maior parte dos partici-pantes disse que só entra no site para buscar algo específico, entretanto, 21 pessoas responderam que, apesar de entrarem no site rapidinho, acabam se perdendo nas imagens. Constatamos, conforme a fundamentação teórica, que muitos dos participantes se deixam levar pelo devaneio ao utilizar o

05 Segundo dados disponíveis em https://www.omnicoreagency.com/pinterest-statistics/

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site, mas nem todos o fazem de forma prazerosa. Uma de nossas indaga-ções era se a profissão exercida pelo usuário influenciava na forma que este utilizava o site e, apesar de termos correlacionado as repostas, compreen-demos que não é possível afirmar que exista de fato uma relação entre a área de atuação do usuário do Pinterest e sua possibilidade de se entregar ao devaneio.Após constatar que a maioria dos usuários do Pinterest possui grande possibilidade de se entregar com prazer ao devaneio, um resultado que surpreende é o expressivo número de respondentes que disse já ter “re-produzido, de alguma forma, essas imagens do Pinterest em sua moradia”, mais especificamente, 20 dos 28 parti-cipantes (70%).Em relação às pastas dos participantes, foi possível identificar três tipos de nomenclatura. As que recebem no-mes amplos e genéricos – home, ideias design, decor, ideias para a casa, etc. (39%) –, as que recebem nomes mais específicos de acordo com o ambien-te – quarto casal, banheiro, jardins, quarto de bebê, etc. (43%) – e, por fim, pessoas que nomeiam suas pastas com conotações mais pessoais – home is where your bed is, minha casa, organi-zador pessoal, etc. (14%). Ao fazermos uma análise que avalia conjuntamente o tipo de pasta com a conversão da imagem em ação, percebemos que não é o processo organização de imagens em pastas e suas respectivas nomeações que altera o resultado da conversão das imagens virtuais em imagens reais nos espaços de morar dos respondentes, nem tampouco está relacionado com a atuação profissional do usuário.

2. e 3. Exemplo de imagens enviadas pelos participantes.

Fonte: Imagem enviada por uma respondente entre 19

e 30 anos que atua na área administrativa e figura enviada

por uma respondente entre 19 e 30 anos que atua na área jurídica,

respectivamente.

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Como mencionado anteriormente, muitas imagens que circulam no Pinterest são de ambientes isentos de pessoas e até mesmo de personali-dade. Eles trabalham como demonstradores, uma narrativa do que pode ser feito naquele ambiente. Todos os respondentes foram unânimes em admitir que selecionam imagens sem pessoas e a maioria justificou a falta de pessoas ser mais fácil para a visualização do ambiente.As imagens enviadas foram diversas (figuras 2 e 3). A maioria buscou transmitir uma ideia geral do que costuma buscar ao navegar no site, oito pessoas mostraram as imagens que inspiraram suas reformas e duas pesso-as enviaram as imagens salvas recentemente. Foi revelador para a pesquisa que as imagens enviadas possam retratar, para os participantes, características específicas, afetos e sentimentos. É o exemplo de uma participante que disse se sentir “feliz” ao olhar para suas imagens e espera que um dia seu apartamento seja como as imagens que ela separa. Muitos participantes também demonstraram buscar uma maior organização espacial, como se a arrumação ajudasse a ordenar a vida cotidiana. Por meio dos depoimentos coletados, sentiu-se que o Pinterest pode ser uma janela de fuga do cotidiano para muitas pessoas, um local de evasão. Como comentado por Cooper (2006), é a percepção que o morador tem da casa que aponta sua identidade. As aspirações desse morador dizem muito sobre ele e, em uma espiral de relacionamento imagem-usuário, um acaba por moldar o outro.

Considerações finaisEm um estudo que tem por base a antropologia digital não é possível fazer afirmativas com base em análises quantitativas do questionário, mas há certos indicativos que podem ser aferidos quando contrapostos aos as-pectos qualitativos das respostas. Portanto, o que buscamos neste trabalho foi extrair tendências, verificar possibilidades e, sobretudo, ouvir as vozes

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que se colocam por trás das imagens selecionadas por nossos respondentes como forma de expressão cultural e reconstrução do “si-mesmo”06.Acreditamos que alguns aspectos do questionário, caso alterados, pode-riam trazer melhores resultados. Algumas perguntas poderiam ser ajus-tadas, pois restaram algumas dúvidas. Apesar das inúmeras vantagens de utilizar o questionário online como ferramenta de pesquisa, acreditamos que os participantes podem ter uma certa dificuldade em se expressar de uma forma mais extensa. Podemos dizer que sentimos falta de uma des-crição um pouco mais detalhada em determinadas perguntas. O questionário permitiu o reconhecimento da construção de algumas narrativas, isto é, por meio da articulação das respostas textuais com as imagens, foi possível reconhecer indivíduos por detrás de imagens, fazen-do com que elas ganhassem personalidade. Após as análises, o conjunto de imagens enviadas por alguns dos participantes ganhou um sentido pró-prio; elas deixaram de ser imagens do Pinterest e passaram a representar os espaços desejados/planejados por eles numa inegável lógica conjunta.As narrativas auxiliaram na percepção das emoções dos participantes rela-cionadas aos seus espaços de morar refletidos nas imagens que eles salvam no Pinterest. Desejo, inveja, ansiedade, calma, felicidade foram algumas das emoções captadas a partir da escrita dos participantes. Por tratarmos de imagens de morar, compreendemos a influência que o “lar” possui em nossas identidades e, dessa forma, entendemos que as imagens que repre-sentam o “morar” conseguem evocar diversas emoções e sentimentos nos participantes. Realizar uma pesquisa em um campo virtual é um processo de infinitas possibilidades, dependendo da abordagem que se deseje, e acreditamos que, com a constante evolução do virtual, muito ainda pode ser feito. Esperamos que esta pesquisa possa ter contribuído para esse imensurável caminho.

06 O Si-mesmo, ou Self, é “uma imagem arquetípica do potencial mais pleno do homem, ou seja, da totalidade. Ele ocupa a posição central da psique como um todo e, portanto, do destino do indivíduo” (MOURÃO, 2014, s/p). Segundo Jung, o “si-mesmo” (ou self ) é maior do que o ego do indivíduo, é o reconhecimento de si perante o mundo.

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Juliana Queiroz é Arquiteta e Urbanista graduada pela PUC-Rio (2015) com intercâmbio na Universidade de Lisboa. Mestre em Arquitetura pelo Programa de Pós-graduação em Arquitetura (PROARQ) da FAU/UFRJ (2019) e pesquisadora do laboratório de pesquisa LASC (Laboratório Ar-quitetura, Subjetividade e Cultura). Experiência profissional em análises de conforto ambiental para edificações, estudos de impacto de vizinhança (EIV), projetos de Design Gráfico e, principalmente, em projetos de Arquitetura de Interiores, residencial e comercial e projetos de mobiliário.

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4.Narrativas visuais

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O início do percurso

Ilana Sancovschi

Olhando, hoje, para trás, parece que o caminho que percorri ao longo minha pesquisa foi simples e rápido. Mas, lembrando de cada momento, posso sentir os buracos e pedras em que tropecei para alcançar um objetivo. Digo um objetivo, porque quando che-gamos lá queremos alcançar muitos outros, e pesquisa que segue... Minha ideia embrionária era entender o que levava a arquitetura de interiores produzir residências homogeneizadas a diferentes tipos de clientes, diferentes tipos de pessoas. Hoje, vejo que dificilmen-te chegaria a uma resposta para essa questão. Pelo menos, não na arquitetura. E, logicamente, essa ideia foi engavetada. Mas, desse embrião, algo permanecia inquieto no meu pensamen-to: existem diferentes tipos de clientes, diferentes tipos de pessoas. Essas pessoas carregam consigo suas identidades (certas ou incer-tas), uma cultura, ou várias delas. E a minha maior inquietação (e ela permanece até hoje) era: como essas diferenças se reverberam pelos espaços? Nesse momento, posso dizer, que a minha intuição dizia que os indivíduos se relacionam de forma diferentes com os espaços. E, logo mais adiante, já envolvida com as pesquisas do LASC, conheci autores e pesquisadores que já falavam sobre o assunto. Estar envolvida com essas reflexões me trouxe então uma sensação de acolhimento momentâneo, era como se eu descobrisse que as minhas inquietações não eram só minhas, eu fazia parte de um coletivo.Decidi, então, que o tema de minha pesquisa seria a relação entre cultura e espaço. Mas como chegar nesse lugar? Aqui se esvai a mi-nha sensação de acolhimento. Tudo parecia obvio demais e compli-cado demais. Precisava de um objeto de estudo. Não foi fácil chegar onde finalmente cheguei. Para pesquisar a relação entre cultura e

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espaço, parecia-me claro que eu deveria buscar uma cultura fora do “padrão” se é que existe algum padrão (e não existe). Minha própria identidade se pronunciou nesse momento, e resolvi que deveria estudar as relações entre a cultura judaica e seus espaços, compli-cando-me ainda mais. O que é cultura judaica? Quais os limites dela? Enfim, poderia escrever páginas e páginas sobre o problema que criei para mim mesma. Da minha ideia embrionária, derivou a ideia de pesquisar casas de judeus. Tinha a impressão de que encontraria nelas uma noção de casa especifica. Cheguei a fazer duas pesquisas de campo (que seguem guardadas) que me apontavam algumas coisas interessan-tes, mas que ainda não respondiam minhas perguntas. Todas as pessoas com quem eu conversava sobre minha pesquisa colocavam em cheque minha hipótese. Ou, então, levavam a questão para o lado da religião, falavam de questões ou normas práticas da vida de um judeu religioso. Eu tinha certeza que esse não era o caminho que eu queria seguir. Estava em busca de um Lugar (me refiro aqui ao espaço tomado de significado, tal qual fala Tuan (1983), em que cultura e espaço se embrenhassem e se entranhassem. Como nesse momento era uma pesquisadora de mestrado, o meu tempo estava se esgotando e eu precisava encontrar esse Lugar Simbólico que estava procurando para comprovar minha ideia. Então, um insight me levou a literatura. Logicamente um insight não aparece do nada, tinha guardado comigo uma bagagem de lei-turas (inclusive de autores judeus), que me levavam a crer ser possí-vel investigar lugares a partir de suas narrativas. Na minha primeira memória, percorri pelas histórias de Amos Oz, escritor israelense que constrói uma narrativa bastante sensível dos cenários da vida judaica em Israel. Depois, fui aos poucos recorrendo a outras lei-turas e personagens. A literatura me trouxe a boa notícia de que eu poderia, não sem antes desenvolver um método de pesquisa, expe-rienciar espaços e lugares dispersos no tempo e também no mun-do. Isso me possibilitou encontrar o Lugar Simbólico que parecia sempre existir. Entender que o plano imaginário constrói também a imagem dos nosso Lugares reais. Essa pesquisa, no entanto, não

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aquietou minhas indagações. Sigo na busca de reflexos das culturas nos espaços e de entender a forma como isso pode acontecer segue me inquietando.

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Um mergulho no Pinterest e suas imagens

de morarJuliana Queiroz

Enviei meu anteprojeto de pesquisa, extensas dez páginas, sem saber muito bem o que era pesquisa acadêmica. Estudei, escrevi e reescrevi, mas só aprendi como escrever já dentro do mestrado. Objeto, objetivo, fundamentação teórica, qual a diferença entre método e metodologia? Eu só sabia meu questionamento ou pelo menos achava que sabia. Há anos, eu usava o website chamado Pinterest para fazer pesqui-sas de inspiração projetual, mas fui percebendo o quanto pessoas que não tinham vínculo profissional com a área estavam usando as imagens como inspiração também, a ponto de dizerem que os profissionais – Arquitetas(os) e Designers – não eram mais neces-sários, pois era só procurar no Pinterest. Cheguei na minha primeira orientação dizendo em baixo e bom tom: “eu... quero entender como se dá essa nova relação das pessoas com as imagens de Arquitetura postadas nas redes sociais e como ela está afetando a Arquitetura”. E tive como resposta: “Que ima-gens?”, “Que pessoas?”, “Afetando a Arquitetura? Tá meio amplo isso aí, não acha?!”. Estamos falando do lado B da pesquisa, certo? No começo, fiquei muito perdida. Quanto mais me questionavam, mais não sabia o que queria. Como decidir? Dentro de milhares possibilidades, teria que escolher uma questão para investigar. Nos formamos Arqui-tetas(os) e Urbanistas, uma profissão que, em seu próprio nome, já são duas; a amplitude de atuação é vasta e ter que escolher um único tema de pesquisa pode ser difícil.

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Me identificar com autores foi primordial para tudo começar a fazer sentido. Pallasmaa, sem saber da minha existência, guiou-me para um mundo que fazia sentido! Chegou um momento em que tudo foi se alinhando. Cristiane (Rose Duarte), minha orientado-ra, sugeriu textos que me abriram os olhos e me ajudou a entender e organizar o que eu queria. Juntas, achamos outros autores que falavam a minha língua e, aos poucos, como um quebra-cabeça, a pesquisa foi se formando. Chega um determinado momento em que a quantidade de infor-mação coletada começa a atrapalhar, sobretudo, quando você passa a ler só pela esperança de achar algo milagroso que irá ajudar a finalizar a dissertação inteira. Então, chega o momento de parar e analisar as informações que você já possui. Nesse momento, sabíamos que queríamos entender a relação que os usuários do Pinterest – que não estavam relacionados à área de Interiores Residencial – possuíam com as imagens de morar pos-tadas no site. Eu estava focada em uma rede social, em um recorte demográfico, em um tipo de imagem, em um tipo de Arquitetura, e sabia que estava lidando com o consumo dessas imagens nos dias atuais. É difícil reduzir a escala da pesquisa. A ideia inicial era entrar nas casas dos usuários para analisar se estavam levando aquilo que sal-vavam no Pinterest para dentro dos seus ambientes. Porém, era isso mesmo que queríamos avaliar? Sabíamos que queríamos questionar os usuários, mas como fazer esse questionamento? Encontrei uma autora, na área de antropologia, que tratava do Pinterest como seu campo de estudo e, também ela, inicialmente, queria visitar os usuários escolhidos em suas casas. Chegou a entrar em contato com eles e, apesar de ter mantido uma boa relação por escrito, eles se incomodaram um pouco com a ideia de ter uma desconhecida “fuxicando” seus perfis e agora querendo entrar em suas casas. Pensei, então, que a última coisa que gostaria de fazer era deixar os participantes da pesquisa desconfortáveis. Então, optamos por um questionário anônimo online, condizente com o uso do Pinterest.

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O Pinterest é um website e, para entendê-lo com afinco, tive que mergulhar naquele mundo e analisá-lo de todas as formas possíveis. Por meio da antropologia digital, percebemos que muitos dos usu-ários usavam a plataforma como uma forma de escape do mundo real, para alimentar uma identidade pessoal diferente da que temos na vida “civil”. Então, se os usuários estavam ali para sonhar, mui-tos deles não necessariamente teriam concretizado aquele sonho dentro de suas casas, mas isso não significava que o consumo não estava acontecendo. Colin Campbell mostrou que a atividade prin-cipal do consumo não é o ato da compra em si, mas sim o prazer imaginativo que a imagem daquele produto nos dá.Foi com a noção de consumo moderno que conseguimos amarrar a pesquisa. A ideia de consumirmos imagens virtuais expandiu a pesquisa não só para a relação entre pessoa e imagem, mas permitiu o reconhecimento de sonhos, desejos e narrativas construídas em cima de cada uma das imagens salvas no Pinterest. Conseguimos compreender como as imagens de moradia, mesmo que virtuais, conversam com nossas identidades e percebemos que sentir cone-xões com as imagens postadas no Pinterest pode não ser tão sim-ples quanto compartilhá-las.

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Sobre asorganizadoras

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Cristiane Rose DuarteDocente concursada da UFRJ desde 1983, Professora Titular aposentada-da da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Graduada em Arquitetura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1981) e Architecte DPLG pela École dArchitecture de Paris-La Villette (1983), Mestrado pela Université de Paris XII (Paris--Val-de-Marne) (1985) e Doutorado pela Université de Paris I (Panthé-on-Sorbonne) (1993). Pós-doutorado na University of California, Berke-ley (2014). Pesquisadora 1A do CNPq. Coordenadora do Laboratório de pesquisa ‘Arquitetura, Subjetividade e Cultura’ – LASC/Proarq.

Ethel PinheiroProfessora Associada concursada da FAU/UFRJ. Formada em Arqui-tetura e Urbanismo pela FAU/UFRJ (2001) com Magna cum Laude, Mestrado (2004) e Doutorado (2010) pelo Programa de Pós-graduação em Arquitetura – Proarq, professora do quadro permanente do Proarq/UFRJ. Coordenadora de Editoria do Proarq (2015-2019), Coordenado-ra do TFG FAU/UFRJ (2018-2019), Editora-chefe da revista científica CADERNOS PROARQ e Coordenadora eleita do Proarq/UFRJ para o biênio 2020-2021. Coordenadora do Laboratório de pesquisa ‘Arquitetu-ra, Subjetividade e Cultura’ – LASC/Proarq.

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Alina SantiagoGraduação em Arquitetura e Urbanismo pela UnB - Universidade de Brasília; especialização em Planejamento Habitacional pela UnB; Mestra-do pela Université de Paris XII - IUP (Creteil-França); Doutorado pela Universite de Paris I (Pantheon-Sorbonne - França); Pós-doutorado no IREST - Université de Paris 1 (Pantheon-Sorbonne - França). Atuação docente: Universidade Federal de Santa Catarina (1983-2012); Faculdade IMED - Passo Fundo (desde 2015). PósARQ/UFSC (atual). Atuação em pesquisa: Grupo de Pesquisa Desenho urbano e paisagem (CNPq) desde 1997 e Grupo de Pesquisa de Informática na Arquitetura - INFOARQ/UFSC, com ênfase em paisagismo, turismo, planejamento urbano e turís-tico, sistema de informação geográfica, arquitetura da paisagem.

Angélica Benatti AlvimGraduação em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo; Mestrado e Doutorado pela Universidade de São Paulo - FAU/USP. Atuação docente: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie (desde 1991); presidente da Asso-ciação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanis-mo (ANPARQ) – (2015/2016). Bolsista de Produtividade em Pesquisa CNPq - nível 2. Atuação em pesquisa: Grupo de Pesquisa Urbanismo Contemporâneo: redes, sistemas e processos. Áreas de ensino e pesquisa: Urbanismo, com ênfase em projeto urbano, mobilidade e meio ambiente.

Conselho editorial

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Ana Maria FernandesGraduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo; Mestrado na Université Paris-Est Créteil Val-de-Marne; Doutorado em Aménagement et Environnement na Université de Paris XII (Paris-Val--de-Marne); Pós-doutorado na Columbia University e na École d’Archi-tecture Paris Malaquais. Atuação docente: Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia - UFBA (atual). Bolsista de Produtividade em Pesquisa CNPq - nível 1A. Atuação em pesquisa: Grupo de pesqui-sa Lugar Comum. Áreas de ensino e pesquisa: História e Memória da Cidade e do Urbanismo; Produção da Cidade, Espaços Públicos, Espaços Comuns; Política e Direito à Cidade.

Antônio Tarcísio ReisGraduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Especialização na Newcastle University; Doutora-do pela Post-Graduate Research School - Oxford Brookes University e Pós-doutorado pela University of Sydney. Atuação docente: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (atual). Consultor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, da CAPES e revisor de periódicos. Áreas de ensino e pesquisa: análise e avaliação espacial, per-cepção ambiental, desenho urbano, projeto da habitação social, segurança e estética urbana.

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Damien Masson, Université de Cergy-Pontoise Graduação em Urbanismo; Doutorado pela Université Pierri Mendès--France (Grenoble II). Atuação docente: Universidade de Cergy-Pontoise (atual). Atuação em pesquisa: Laboratório MRTE e Laboratoire Ambian-ces Architectures Urbanités (AAU). Áreas de ensino e pesquisa: Mobi-lidade urbana diária: usos, práticas, experiências de transporte público urbano; Ambiências, ambientes sensíveis e som urbano; Representações e cartografias sensíveis.

Evelyn Furquim WerneckGraduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Mestrado e Doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, com doutorado sanduíche na École des Hautes Études en Sciences Sociales e Pós-doutorado na Université Paris X (CAPES) e Estágio Sênior no Collège de France (CNPq). Atuação Docente: Instituto Metodista Bennett (1998-2005); Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (atual). Bolsista de Produtividade em Pesquisa CNPq - nível 1B. Atuação em pesquisa: Laboratório de Estudos do Espaço Teatral e Memória Urbana; Estudos do Espaço Teatral e Estudos de Áreas Histó-ricas - Memória, Espaço e Projeto Urbano. Áreas de ensino e pesquisa: Patrimônio cultural, história da arquitetura, arquitetura teatral, história da cidade e do urbanismo.

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Gleice ElaliGraduação em Arquitetura e Urbanismo e Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN; Mestrado e Doutorado na Universidade de São Paulo e Pós-doutorado na Universidade de Lisboa. Atuação docente: Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Bolsis-ta de Produtividade em Pesquisa CNPq – nível 2. Atuação em pesquisa: grupo de pesquisa Inter-Ações Pessoa-Ambiente (UFRN) e grupo de pesquisa Projetar (UFRN). Áreas de ensino e pesquisa: relações pesso-a-ambiente como subsídio à atividade projetual, percepção, cognição e avaliação ambiental, apego ao lugar, criatividade, processos de concepção do objeto arquitetônico.

Leandro Silva MedranoGraduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (FAU/USP); Mestrado na Universitat Politecnica de Catalunya; Doutora-do na Universidade de São Paulo e Pós-doutorado na Universitad Poli-tecnica de Madrid. Atuação docente: Universidade de Campinas (2003-2013) e Universidade de São Paulo (atual). Bolsista de Produtividade em Pesquisa CNPq – nível 2. Atuação em pesquisa: Grupo de Estudos do Contemporâneo do CEAv-Unicamp; Projeto Temático FAPESP Archi-tecture and Urbanism, addressing the social space in the 21st”, em par-ceria: Harvard (EUA), TUDelft (Holanda). Áreas de ensino e pesquisa: Teoria da arquitetura e do urbanismo, urbanismo, desenho urbano, espaço urbano, habitação coletiva, habitação de interesse social e ensino superior.

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Luiz Eirado AmorimGraduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Doutorado na Bartlett School of Graduate Stu-dies - University College London e Pós Doutorado no Instituto Superior Técnico – Portugal. Atuação docente: Taubman College of Architecture and Urban Planning - University of Michigan (2004); Universidade Federal da Paraíba (UFPB) (atual); Universidade Federal de Pernambuco (atual). Bolsista de Produtividade em Pesquisa CNPq – nível 1A. Atuação em pesquisa: Laboratório de Estudos Avançados em Arquitetura (lA2) e Grupo de Pesquisa de Morfologia da Arquitetura e do Urbanismo. Áreas de ensino e pesquisa: Arquitetura moderna, história e teoria da arquitetura e espaço doméstico.

Marcelo TramontanoGraduação em Arquitetura pela Ecole Nationale Supérieure d’Architec-ture de Grenoble e em Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Univer-sidade Católica de Campinas; Mestrado pela Ecole D’Architecture de Grenoble; Doutorado pela Universidade de São Paulo e Pós-Doutorado na Ecole Nationale Supérieure D’Architecture de Paris-Malaquais. Atuação docente: Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (desde 1990). Atuação em pesquisa: coordenador do No-mads.usp (Núcleo de Estudos de Habitares Interativos) e editor-chefe do periódico V!RUS (issn 2175-974x). Áreas de ensino e pesquisa: Habitares contemporâneos urbanos e sua história; arquitetura, parametrização e cultura digital; BIM e processos de projeto; informatização do quotidiano, políticas culturais; design de mobiliário; plataformas online em processos decisórios participativos para intervenções urbanas.

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Nicolas Remy, Polytechnic School of Thessaly - Dep. Arch Graduação em Física; Pós-doutorado pela Polytechnic School of Nantes com aplicação em arquitetura. Atuação docente: Ecole Nationale Supé-rieure - Grenoble (2003-2006) e Marseilles (2006-2008); l’Université de Thessalie (atual). Atuação em pesquisa: Research Centre on Sonic Space and the Urban Environment e Laboratório Ambiences, Architectures Urbanités (AAU). Áreas de ensino e pesquisa: Ambiência; relação entre física, teorias da percepção e arquitetura.

Paulo Afonso RheingantzGraduação em Arquitetura e Urbanismo pelo Instituto Metodista Ben-nett; Mestrado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Pós-doutorado no City and Regional Planning Department, California Polytechnic State University, San Luis Obispo. Atuação docente: Professor Colaborador Voluntário do Programa de Pós-graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (atual) e do Programa de Pós-gra-duação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas (atual); Professor Visitante Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas (atual). Bolsista de Produ-tividade em Pesquisa CNPq - nível 1D. Atuação em pesquisa: Grupo de Pesquisa Lugares e Paisagens - ProLUGAR. Áreas de ensino e pesquisa: Ensino de Projeto de Arquitetura; Avaliação Pós-Ocupação e Qualidade do Lugar na perspectiva dos estudos Ciência-Tecnologia-Sociedade.

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Rainer Kazig, CNRS - UMR 1563/ CRESSON Graduação em Geografia Humana; Doutorado e Pós-doutorado pela Te-chnical University of Munich. Atuação em pesquisa: Pesquisador da Unité Mixte de Recherche CNRS Ambiances Architecture Urbanités; co-dire-tor da International Ambiances Network; e co-editor da série Routledge “Ambiances, Atmospheres and Sensory Experiences of Space”. Áreas de ensino e pesquisa: Espaços públicos; estética cotidiana; percepção ambien-tal; geografia sensorial (atmosferas e afetos).

Stael Pereira CostaGraduação em Arquitetura e Urbanismo pela Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais; Mestrado em Urban Design - Oxford Polytechinic e Doutorado pela Universidade de São Paulo. Atuação docente: Universidade Federal de Minas Gerais (atual). Atuação em pesquisa: Grupo de Pesquisa em Desenho Ambiental do CNPq e Laboratório da Paisagem vinculado ao Departamento de Urbanismo e ao PACPS (desde 2008). Áreas de ensino e pesquisa: Planejamento e Projeto do Espaço Urbano com ênfase em morfologia urbana; paisagem urbana; desenho urbano; percepção do ambiente construído e ambiente.

Vera TangariGraduação em Arquitetura e Urbanismo pelo Instituto Metodista Ben-nett; Mestrado em Urban Planning, com concentração em Urban Design, pela University of Michigan e Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo. Atuação docente: Universidade Federal do Rio de Janeiro (atual). Bolsista de Produtividade em Pesquisa CNPq - nível 2. Atuação em pesquisa: Grupo de Pesquisa Arquitetura da Paisa-gem e Sistema de Espaços Livres no Rio de Janeiro. Áreas de ensino e pesquisa: Paisagem; morfologia urbana; desenho urbano.

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Acessibilidade: 138, 141, 143, 144, 150, 178, 227, 229, 231, 232, 235, 237, 242, 256, 257

Acessibilidade Emocional: 228, 232

Afetação: 144, 190, 195, 197, 198, 201

Afeto: 142, 144, 232, 257, 291

Alteridade: 150, 174, 192

Ambiências: 10, 13, 14, 53, 54, 56, 62, 85, 86, 106, 115, 138, 143, 144, 145, 146, 147, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 163, 164, 165, 166, 168, 182, 189, 191, 195, 197, 227, 228, 229, 230, 232, 235, 240, 241, 242, 252, 257, 263, 264, 265, 267, 268, 269, 270, 271, 273, 275

Ambiências noturnas: 156, 157, 159, 161, 163, 165, 166, 168, 182

Ambiências Sensíveis: 264, 265, 269, 275

Ambiências urbanas: 13, 143, 144, 145, 156, 190

Ambientes de morar: 281, 292

Ambientes de trabalho: 30, 42

Antropologia: 10, 30, 53, 70, 102, 107, 124, 150 175, 192, 240, 284, 286, 294, 305, 306

Apropriação: 12, 38, 47, 52, 53, 54, 55, 56, 62, 85, 86, 90, 126, 127, 138, 144, 146, 289

Arquitetura: 9, 10, 11, 12, 13, 14, 30, 41, 42, 51, 53, 68, 70, 106, 107, 121, 122, 123, 123, 125, 127, 128, 130, 131, 132, 134, 140, 146, 156, 160, 168, 174, 175, 176, 179, 191, 192, 208, 209, 229, 230, 248, 252, 254, 256, 268, 282, 283, 288, 300, 304, 305

Caderno de campo: 34, 75, 76, 77, 79, 150, 161, 162, 166, 167, 193

Caminhabilidade: 232, 233, 234, 235, 242

Casa: 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 111, 270, 271, 285, 288, 293, 294, 301

Casas comunitárias: 67, 68, 69, 71, 73, 79, 81, 110, 111

Cidade: 11, 13, 32, 48, 51, 57, 69, 73, 81, 82, 85, 87, 88, 89, 96, 98, 114, 115, 122, 123, 126, 138, 140, 142, 143, 145, 146, 147,

Índiceremissivo

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156, 166, 179, 183, 191, 195, 196, 197, 201, 209, 210, 213, 227, 228, 231, 232, 233, 234, 235, 236, 237, 238, 239, 240, 241, 248, 250, 256, 257, 258, 268, 270, 276, 274

Coletivismo: 31, 39, 41

Complexidade: 13, 33, 122, 125, 230

Comunidade: 67, 68, 75, 80, 81, 142, 176, 264, 265, 284, 286

Conflitos: 35, 39, 48, 49, 52, 54, 57, 60, 107, 108, 142

Contemporaneidade: 81, 115, 176

Convento de Nossa Senhora da Penha: 212, 213, 214, 221, 253

Corpo: 11, 13, 29, 31, 36, 37, 41, 56, 88, 90, 91, 94, 96, 97, 104, 114, 116, 140, 142, 190, 193,194, 195, 196, 197, 198, 201, 208, 209, 210, 211, 220, 212, 222, 228, 229, 230, 233, 238, 240, 252, 267, 269, 275, 292

Corpografia: 208, 209, 210, 211, 212, 221, 222, 253

Croquis de campo: 30, 35, 48, 53, 163, 166, 193

Cultura: 9, 10, 29, 42, 43, 44, 45, 52, 52, 63, 64, 65, 82, 83, 95, 99, 102, 104, 107, 121, 134, 137, 140, 144, 153, 158, 162, 168, 170, 171, 174, 175, 196, 205, 230, 248, 264, 265, 266, 268, 269, 270, 271 272, 275, 279, 283, 287, 296, 297, 300, 301, 302, 310, 316, 318

Derivas: 88, 90

Desenho Universal: 236, 243

Dispositivos digitais: 208, 211, 215, 217, 218, 219, 220, 253

Diversidade: 32, 45, 51, 61, 63, 94, 139, 230, 235

Einfühlung: 190, 191

Emoções: 138, 144, 149, 163, 164, 191, 193, 230, 231, 233, 295

Empatia Espacial: 12, 97, 99, 189, 190, 191, 192, 194, 195, 198, 201, 202, 203, 205, 230, 231, 233, 243, 249, 250

Epistemologia: 99, 225, 252

Errância: 189, 196, 197, 198

Escritórios: 29, 30, 32, 34, 35, 38, 40, 41, 103, 160

Espaço Sagrado: 47, 48, 49, 51, 52, 54, 56, 60, 61, 62, 107, 108

Espaços públicos: 12, 47, 62, 98, 99, 108, 190, 191, 192, 194, 196, 203, 248, 315, 320

Etnografia: 14, 48, 53, 70, 75, 76, 77, 83, 89, 91, 99, 102, 103, 118, 122, 124, 134, 139, 140, 141, 158, 162, 164, 166, 167, 170, 172, 175, 179, 180, 192, 193, 205, 264, 268, 286

Etnotopografia: 53, 67, 69, 70, 75, 82, 87, 89, 139, 140, 141, 155, 158, 159, 161, 168, 179, 180, 193, 267, 286

Evento: 11, 13, 33, 35, 48, 53, 58, 71, 72, 78, 77, 78, 88, 121, 122, 123, 127, 128, 129,

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130, 131, 132, 133, 144, 162, 196, 198, 200, 213, 221, 249

Experiência: 12, 13, 43, 44, 45, 56, 64, 65, 69, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 79, 80, 81, 82, 88, 99, 106, 129, 134, 138, 139, 141, 143, 144, 150, 156, 190, 191, 192, 194, 195, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 202, 208, 209, 210, 220, 221, 228, 229, 230, 231, 232, 233, 234, 236, 237, 238, 241, 243, 249, 253, 256, 257, 258, 263, 264, 266, 267, 268, 269, 272, 273, 275, 278, 282, 285, 289, 296, 297, 316

Feiras livres: 122, 123, 127, 128, 129, 130, 131, 132,133, 177

Fenomenologia: 12, 82, 142, 143, 178, 203, 208, 223, 229, 232, 240, 244

Filosofia da mente: 225, 252

Hierarquia: 30, 37, 41, 123, 160, 256

Identidade: 11, 52, 62, 87, 107, 108, 116, 125, 134, 142, 150, 162, 178, 243, 265, 266, 278, 282, 283, 284, 285, 288, 231, 292, 294, 295, 300, 301, 307

Imersão: 30, 33, 34, 52, 67, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 111, 126, 157, 161, 162, 165, 166, 167, 168, 195, 196, 199, 201

Incertezas: 30, 41, 142, 160

Intersubjetividade: 121, 128, 129, 130, 131, 133, 175

Intervenção urbana e paisagística: 52, 57

Intolerância Religiosa: 61, 64

Lugar Judaico: 264, 265, 270, 272, 273, 274, 275, 276, 277

Lugar Simbólico: 264, 301

Mapeamento: 30, 34, 38, 40, 48, 54, 77, 78, 87, 89, 143, 144, 145, 171, 162, 163, 164, 166, 183, 195

Mapeamento territorial: 30, 38

Maracanã: 139, 140, 148, 149, 150, 151, 179, 180

Meio Ambiente: 49, 60, 64, 229, 233, 241, 314

Memória: 11, 87, 90, 92, 123, 127, 139, 142, 145, 146, 148, 150, 151, 152, 153, 160, 178, 180, 183, 200, 203, 209, 240, 244, 265, 266, 272, 273, 277, 278, 279, 301, 315, 316

Metáforas: 123, 147, 148, 180, 282

Metrópole: 64, 68, 69, 110

Micropolítica: 86, 96, 97, 99

Mobilidade: 122, 131, 134, 140, 227, 228, 231, 232, 233, 234, 236, 241, 242

Modos de sociabilidade: 85, 88

Moldagem do Lugar: 69, 83

Morar urbano: 69, 81, 83

Motricidade: 210, 228

Narrativas: 87, 88, 89, 95, 96, 146, 147, 148, 160, 180, 183, 260, 264, 266, 268, 269, 278, 276, 277, 283, 285, 286, 292, 295, 298, 301, 306

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Observação participante: 33, 122, 124, 140, 192, 194

Oferendas: 49, 50, 55, 57, 58, 107

Percepção: 40, 52, 56, 65, 82, 86, 87, 88, 91, 92, 94, 95, 111, 114, 138, 141, 142, 143, 157, 158, 161, 164, 165, 168, 169, 171, 203, 207, 208, 209, 211, 223, 225, 228, 229, 231, 232, 233, 234, 235, 236, 240, 241, 242, 244, 252, 256, 268, 269, 275, 294, 295, 315, 317, 319, 320

Percursos Imaginados: 263, 266, 267, 268, 269, 270, 275, 276

Pertencimento: 47, 53, 54, 56, 123, 138, 142, 143, 230, 274

Pesquisa de campo: 32, 34, 35, 53, 54, 74, 76, 102, 103, 111, 124, 135, 154, 161, 164, 167, 237, 238, 239

Pesquisa qualitativa: 87, 159

Pinterest: 281, 282, 283, 285, 286, 287, 288, 289, 290, 291, 292, 293, 294, 295, 296, 304, 305, 306

Poema dos desejos: 30, 37

Ressonância: 99, 199, 200

Selfie: 218, 219, 220, 222

Sentidos: 13, 123, 142, 146, 152, 157, 159, 170, 178, 179, 191, 192, 201, 209, 223, 237, 256, 267, 275, 285

Sentimentos: 36, 52, 140, 142, 149, 167, 190, 199, 229, 230, 231, 233, 240, 241, 257, 294, 295

Smartphones: 207, 208, 211, 216, 254

Sociedade: 48, 58, 60, 107, 139, 159, 174, 175, 177, 281, 283

Subjetividade: 12, 31, 51, 65, 87, 96, 137, 140, 146, 147, 155, 156, 157, 158, 165, 168, 171, 174, 182, 209, 230, 248, 252, 265, 266, 268

Território: 11, 31, 38, 41, 48, 49, 52, 54, 86, 87, 88, 90, 91, 92, 106, 135, 161, 229, 264

Vivência: 12, 52, 56, 73, 74, 76, 78, 80, 81, 96, 106, 138, 140, 141, 143, 148, 196, 201, 206, 228, 264, 266, 267, 269, 270, 271, 273, 275, 276, 277

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

REITORA

VICE-REITOR

DECANA DO CENTRO DE LETRAS E ARTES

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

DIRETORA

VICE-DIRETOR

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA

COORDENADORA

VICE-COORDENADORA

COORDENAÇÃO ADJUNTA DE EDITORIA

CONSELHO EDITORIAL

Alina SantiagoAngélica Benatti AlvimAna Maria FernandesAntônio Tarcísio ReisDamien MassonEvelyn Furquim WerneckGleice ElaliLeandro Silva MedranoLuiz Eirado AmorimMarcelo TramontanoNicolas RemyPaulo Afonso RheingantzRainer KazigStael Pereira CostaVera Regina Tângari

APOIO

Profª. Drª. Denise Pires de Carvalho

Prof. Dr. Carlos Frederico Leão Rocha

Profª. Drª. Cristina Tranjan

Profª. Drª. Andrea Queiroz Rego

Prof. Dr. Guilherme Lassance

Profª. Drª. Giselle Arteiro N. Azevedo

Profª. Drª. Monica Santos Salgado

Profª. Drª. Ethel Pinheiro

UFSCMackenzie SPUFBAUFRGSUniversité de Cergy-PontoiseUERJUFRNFAU USPUFPEFAU USPPolytechnic School of ThessalyUFRJCNRS- UMR 1563/ CRESSONUFMGUFRJ

FINANCIAMENTO

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DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

DUARTE, Cristiane Rose de Siqueira e PINHEIRO, Ethel (Organizadoras)

ARQUItividades . subjeTETURAS . metodologias para a análise sensível do lugar / 1ªed.–RiodeJaneiro:RioBooks,ProgramadePós-GraduaçãoemArquitetura- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - PROARQ - FAU-UFRJ, 2019. 328p.:il.,16x23cm. ISBN:978-85-88341-74-6

1. Arquitetura 2. Ambiencias 3. Metodologias em Arquitetura e UrbanismoCDD 720

1a edição, 2019PROJETO EDITORIALLASC/PROARQ - Programa de Pós-graduação em Arquitetura

COORDENAÇÃO EDITORIALCristiane Rose DuarteEthel PinheiroDenise Corrêa

PRODUTORA EDITORIAL E GRÁFICAMaristela Carneiro

REVISÃO DE TEXTOSMaristela CarneiroEthel PinheiroIlana SancovischiLeonardo MunizAlgo Mais Soluções

CAPA E PROJETO GRÁFICOVinicius Schelck

DIAGRAMAÇÃOVinicius Schelck

IMPRESSÃO E ACABAMENTORio Books

Todos os direitos desta edição são reservados ao selo edi-torial da Faculdade de Arquitetura e urbanismo da Universi-dade Federal do Rio de Janeiro, do Programa de Pós-Gra-duação emArquitetura –PROARQFAU-UFRJ, àEditoraGrupo Rio Ltda. e aos autores. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocopias e gravação) ou arquivada em qualquer sistema de banco de dados sem permissão escrita dos editores. Os artigos e as imagens reproduzidas nos textos são de inteira responsabilidade de seus autores.Todos os esforços foram feitos no sentido de se encontrar a fonte dos direitos autorais de todo o material contido nesse livro. Os editores gostariam de ouvir os detentores dos direi-tos autorais para corrigir qualquer erro ou omissão.

RIO BOOKSAv. Pedro Calmon, 550 - TérreoRio de Janeiro - RJTelefone:+55(21)2252-0084CEP21941-901

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EDITORIA [email protected]

Programa de Pós Graduação em arquitetura da FAU-UFRJ(PROARQ)Av.PedroCalmon,550,Sala.433Prédio da Reitoria, Ilha do Fundão RiodeJaneiro-RJ21941-590Telefone:+55(21)3938-0288

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Cristiane Rose DuarteDocente concursada da UFRJ desde 1983, Professora Titular aposentadada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Graduada em Arquitetura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1981) e Architecte DPLG pela École dArchitecture de Pa-ris-La Villette (1983), Mestrado pela Université de Paris XII (Paris-Val-de-Marne) (1985) e Doutorado pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne) (1993). Pós-doutorado na University of California, Berkeley(2014).Pesquisadora1AdoCNPq.Coor-denadora do Laboratório de pesquisa ‘Arquitetura, SubjetividadeeCultura’–LASC/Proarq.

Cthel PinheiroProfessora Associada concursada da FAU/UFRJ. Formada em Arquitetura e Urbanismo pela FAU/UFRJ (2001) com Magna cum Laude, Mestrado (2004)eDoutorado(2010)peloProgramadePós-graduaçãoemArquitetura–Proarq,profes-sora do quadro permanente do Proarq/UFRJ. Coordenadora de Editoria do Proarq (2015-2019), Coordenadora do TFG FAU/UFRJ (2018-2019), Editora-chefe da revista científica CADERNOS PROARQ e Coordenadora eleita do Proarq/UFRJ para o biênio 2020-2021. Coordenadora do Labo-ratório de pesquisa ‘Arquitetura, Subjetividade e Cultura’–LASC/Proarq.

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