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DOMINGO E SEGUNDA-FEIRA 02 E 03 DE JULHO DE 2017 Folha da Manhã 11 G U I L H E R M E ESCREVE Eleito em 1989 na sucessão de Sarney (que chegou ao Planalto por morte de Tancredo Neves, via eleição indireta no Colégio Elei- toral), Fernando Collor foi a resposta empol- gante para uma nação ansiosa por escolher seu presidente pelo voto direto. Dois anos mais tarde e tudo acabaria em frustração: impeachment por denúncias de corrupção e a renúncia pouco antes de ser condenado pelo Senado. Assumindo Itamar Franco, o Brasil retoma- va o caminho da segurança e tranquilidade, passando o bastão para Fernando Henrique. Eleito e reeleito, nos oito anos do governo FHC o País passou por sobressaltos, mas nada que o tirasse do rumo. Lula/Dilma – A vez do PT chegaria com as eleições de Lula em 2002 e 2006, e Dilma, em 2010 e 2014. Numa visão de hoje para trás, do período petista, vê-se algo bizarro: Lula só não sofreu impeachment em 2005, com o Mensalão, porque a oposição fez contas de que, faltando um ano para a eleição, se ele saísse, o PT poderia colocar outro... Então, deixaram-no para chegar desidratado no pleito. E o Petrolão, espécie de versão 2 do primeiro escândalo, também iniciado em seu governo, só foi descoberto no mandato de Dilma. Assim, enquanto Dilma sofreu impeach- ment pelas pedaladas fiscais e edição de créditos suplementares, Lula saiu ileso de dois gigantescos escândalos, muito mais sus- cetíveis de queda. Tanto é verdade que o hoje ex-presidente é réu em cinco ações penais, com possibilidade de ser preso. Então, foi por mera circunstância e muita sorte que Lula não caiu quando à frente do Planalto, o que faria com que o Brasil, ora discutindo a queda de seu terceiro presiden- te da República, estaria a analisar a retirada do quarto. Nos primeiros 40 anos do Brasil Repú- blica, antes da Revolução de 30, os pre- sidentes eleitos, direta ou indiretamente não todos, mas a maioria – não tinham, digamos assim, maior cumplicidade com a democracia. Os tempos eram outros e o mundo ainda iria assistir a ascensão de grandes ditado- res. Logo, o Brasil vivia uma república com cara de império e, quando pouco, o con- servadorismo estava fortemente presente nos 12 presidentes que antecederam a era Vargas. Eleitos pós anos 50 – Coincidência ou não, o Brasil não teve ‘boa convivência’ com os eleitos pelo voto popular, nem mes- mo no retorno de Getúlio, que se suicidou em 1954 para não ser deposto. Depois dele, só Juscelino Kubitschek completou o man- dato: Jânio Quadros renunciou e João Gou- lart sofreu o golpe que traria a ditadura. Independente do sistema democrático represen- tativo estar em xeque mundo afora (a eleição de Donald Trump nos EUA e os recuos isolacionistas na Europa assim comprovam), o Brasil parece ser um País pouco afeito à democracia. Se até o finalzinho do século passado não foi regra, mas exceção que vigorou em pequenos inter- valos, a partir da redemocratização via voto direto, de 1989 para cá – quase 30 anos que respondem pelo período mais longo de democracia na história do Brasil – o retrospecto é o seguinte: seis presi- dentes, sendo dois afastados por impeachment e Michel Temer, denunciado, pode ser o terceiro a perder o mandato. Ou seja, a metade. Registre-se que Lula da Silva só não engrossa a fileira porque do Mensalão livrou-se com o argu- mento de que “não sabia de nada”, enquanto o Pe- trolão, que começou em seu governo, só veio à tona com Dilma Rousseff. A partir do áudio que revelou diá- logo comprometedor entre o pre- sidente Temer e o empresário Joesley Batista, ponto mais críti- co da delação que chocou o País, o governo entrou em colapso. O Planalto vem tentando de todas as formas buscar saídas para o beco escuro em que se meteu. Usa a economia como salvo-conduto (e uma economia, diga-se, em crise) sem, contudo, colher resultados. Ao contrário, a denúncia do procurador-ge- ral da República, Rodrigo Janot, acusando Temer por corrupção passiva, abre largo caminho para que o presidente seja retira- do do cargo. Se cair – possibilidade que hoje se mos- tra meio a meio, ora pendendo a favor de Temer, ora não – o vice, que por ironia conspirou para a queda de sua antecessora e companheira de chapa – será o terceiro presidente da República a perder o manda- to em 28 anos. Marca – Independente de conseguir ou não os votos necessários (1/3 + 1) para barrar a denúncia na Câmara e evitar o jul- gamento no Supremo, a acusação da PRG coloca em Temer uma marca da qual não se livrará: primeiro presidente da história do Brasil a ser formalmente denunciado por crime de corrupção no exercício do mandato. PORTA AFORA SINA Frustração com Collor abre sequência desastrosa ‘Problema’ vem de longe A corrupção é tamanha, que não fosse pelo trauma da ditadura que durou 20 anos – matou e torturou – e o Brasil talvez estivesse buscando ‘soluções’ ortodoxas para combater a terrível praga que destrói o País ATRAÇÃO FATAL PELO DISTÚRBIO Na era recente do voto direto, seis eleitos, dois afastados e um denunciado. Lula seria o 4º, se não tivesse escapado > OS PRESIDENTES Jânio renunciou (1961) Jango foi deposto (1964)

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Page 1: > OS PRESIDENTES Na era recente aTraÇÃo faTaL PeLo · 2017. 7. 2. · trolão, que começou em seu governo, só veio à tona com Dilma Rousseff. A partir do áudio que revelou diá-logo

domingo e segunda-feira 02 e 03 de julho de 2017 folha da manhã 11

G u i l h e r m e

esc

rev

e

Eleito em 1989 na sucessão de Sarney (que chegou ao Planalto por morte de Tancredo Neves, via eleição indireta no Colégio Elei-toral), Fernando Collor foi a resposta empol-gante para uma nação ansiosa por escolher seu presidente pelo voto direto. Dois anos mais tarde e tudo acabaria em frustração: impeachment por denúncias de corrupção e a renúncia pouco antes de ser condenado pelo Senado.

Assumindo Itamar Franco, o Brasil retoma-va o caminho da segurança e tranquilidade, passando o bastão para Fernando Henrique. Eleito e reeleito, nos oito anos do governo FHC o País passou por sobressaltos, mas nada que o tirasse do rumo.

Lula/Dilma – A vez do PT chegaria com as eleições de Lula em 2002 e 2006, e Dilma, em 2010 e 2014. Numa visão de hoje para trás, do período petista, vê-se algo bizarro: Lula só não sofreu impeachment em 2005, com

o Mensalão, porque a oposição fez contas de que, faltando um ano para a eleição, se ele saísse, o PT poderia colocar outro... Então, deixaram-no para chegar desidratado no pleito. E o Petrolão, espécie de versão 2 do primeiro escândalo, também iniciado em seu governo, só foi descoberto no mandato de Dilma.

Assim, enquanto Dilma sofreu impeach-ment pelas pedaladas fiscais e edição de créditos suplementares, Lula saiu ileso de dois gigantescos escândalos, muito mais sus-cetíveis de queda. Tanto é verdade que o hoje ex-presidente é réu em cinco ações penais, com possibilidade de ser preso.

Então, foi por mera circunstância e muita sorte que Lula não caiu quando à frente do Planalto, o que faria com que o Brasil, ora discutindo a queda de seu terceiro presiden-te da República, estaria a analisar a retirada do quarto.

Nos primeiros 40 anos do Brasil Repú-blica, antes da Revolução de 30, os pre-sidentes eleitos, direta ou indiretamente – não todos, mas a maioria – não tinham, digamos assim, maior cumplicidade com a democracia.

Os tempos eram outros e o mundo ainda iria assistir a ascensão de grandes ditado-res. Logo, o Brasil vivia uma república com cara de império e, quando pouco, o con-servadorismo estava fortemente presente nos 12 presidentes que antecederam a era Vargas.

Eleitos pós anos 50 – Coincidência ou não, o Brasil não teve ‘boa convivência’ com os eleitos pelo voto popular, nem mes-mo no retorno de Getúlio, que se suicidou em 1954 para não ser deposto. Depois dele, só Juscelino Kubitschek completou o man-dato: Jânio Quadros renunciou e João Gou-lart sofreu o golpe que traria a ditadura.

Independente do sistema democrático represen-tativo estar em xeque mundo afora (a eleição de Donald Trump nos EUA e os recuos isolacionistas na Europa assim comprovam), o Brasil parece ser um País pouco afeito à democracia.

Se até o finalzinho do século passado não foi regra, mas exceção que vigorou em pequenos inter-valos, a partir da redemocratização via voto direto, de 1989 para cá – quase 30 anos que respondem pelo período mais longo de democracia na história do Brasil – o retrospecto é o seguinte: seis presi-dentes, sendo dois afastados por impeachment e Michel Temer, denunciado, pode ser o terceiro a perder o mandato. Ou seja, a metade.

Registre-se que Lula da Silva só não engrossa a fileira porque do Mensalão livrou-se com o argu-mento de que “não sabia de nada”, enquanto o Pe-trolão, que começou em seu governo, só veio à tona com Dilma Rousseff.

A partir do áudio que revelou diá-logo comprometedor entre o pre-sidente Temer e o empresário Joesley Batista, ponto mais críti-co da delação que chocou o País,

o governo entrou em colapso.O Planalto vem tentando de todas as

formas buscar saídas para o beco escuro

em que se meteu. Usa a economia como salvo-conduto (e uma economia, diga-se, em crise) sem, contudo, colher resultados. Ao contrário, a denúncia do procurador-ge-ral da República, Rodrigo Janot, acusando Temer por corrupção passiva, abre largo caminho para que o presidente seja retira-do do cargo.

Se cair – possibilidade que hoje se mos-tra meio a meio, ora pendendo a favor de Temer, ora não – o vice, que por ironia conspirou para a queda de sua antecessora e companheira de chapa – será o terceiro presidente da República a perder o manda-to em 28 anos.

Marca – Independente de conseguir ou

não os votos necessários (1/3 + 1) para barrar a denúncia na Câmara e evitar o jul-gamento no Supremo, a acusação da PRG coloca em Temer uma marca da qual não se livrará: primeiro presidente da história do Brasil a ser formalmente denunciado por crime de corrupção no exercício do mandato.

PORTA AFORA SINA

frustração com collor abre sequência desastrosa ‘Problema’ vem de longe

A corrupção é tamanha, que nãofosse pelo trauma da ditadura quedurou 20 anos – matou e torturou –e o Brasil talvez estivesse buscando‘soluções’ ortodoxas para combatera terrível praga que destrói o País

aTraÇÃofaTaL PeLodisTÚrBio

Na era recentedo voto direto,

seis eleitos,dois afastados eum denunciado.Lula seria o 4º,se não tivesse

escapado

> OS PRESIDENTES

Jânio renunciou (1961)

Jango foi deposto (1964)