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O trabalho “Educação em tempos de pandemia: reflexões sobre as implicações doisolamento físico imposto pela COVID-1 9” está l icenciado com uma Licença CreativeCommons - Atribuição 4.0 Internacional

Capa e Projeto Gráfico: KaMenezes (@kaikamenezes) e Pietro Bompet(@pietrobompet)

Imagem de Capa: KaMenezes elaborada a partir de trabalho coletivo doGrupo de Pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologias(GEC | FACED | UFBA)

Foto: Ian Menezes

FICHA CATALOGRÁFICA:

Educação em tempos de pandemia: reflexões sobre as implicações do isolamento físico impostopela COVID-1 9 / organizadores: Nelson De Luca Pretto, Maria Helena Silveira Boni l la, Ivânia PaulaFreitas de Souza Sena. – Salvador: Edição do autor, 2020.1 8 p.

1 . Educação - Brasi l . 2. Isolamento social. 3. COVID-1 9. 4. Ensino a distância. I . Título. I I . Pretto,Nelson De Luca. I I I . Boni l la, Maria Helena Silveira. IV. Sena, Ivânia Paula Freitas de Souza.

CDD 370.981

Organizadores

Nelson De Luca PrettoMaria Helena Silveira Boni l laIvânia Paula Freitas de Souza Sena

Colaboradores

Caio Marcelo FormigaCarla Azevêdo de AragãoDaniel Si lva PinheiroJosei lda Sampaio de SouzaKelly Ludkiewicz AlvesRafael Alberto González GonzálezSalete de Fátima Noro Cordeiro

Edição

Carla Azevedo de AragãoKelly Ludkiewicz AlvesLi l ian Bartira SilvaPietro Matheus Bompet Fontoura Alves

Revisão | Normalização

Salete de Fátima Noro CordeiroJosei lda Sampaio de Souza

Bibl iotecária Sandra Batista de Jesus - CRB-5/1 914

O Grupo de Pesquisa Educação,Comunicação e Tecnologias (GEC), daFaculdade de Educação da UniversidadeFederal da Bahia, há 25 anos desenvolvepesquisas e ações de ensino e extensão.Ao longo desse tempo, tem buscadoqualificar a discussão sobre a relação entrea Educação, a Comunicação e asTecnologias; formar professoras/es ealunas/os para uma atuação cidadãpropositiva, colaborativa, autoral, crítica ecriativa, pautada em valores democráticos eno fortalecimento dos direitos humanos;desenvolver propostaseducativas que possib-i l i tem a incorporaçãodas tecnologias naspráticas pedagógicasem todos os níveiseducacionais, numaperspectiva nãoinstrumental, primando pela l iberdade eabertura do conhecimento, questionandoideias estabelecidas e largamentedisseminadas, quer pela mídia corporativa,quer pelo mercado, quer pelas políticaspúblicas, quer ainda pelos próprios sujeitossociais, ideias que relegam esses sujeitos ameros consumidores de produtos, ideais econhecimentos produzidos fora de seucontexto.

Neste momento em que, globalmente,enfrentamos uma crise sem precedentes,porque combina fatores sanitários globais,políticos, econômicos, educacionais, entreoutros, não podemos perder de vista queestamos em meio a uma ameaça à vida (emdiferentes dimensões e proporções). Para asociedade brasi leira, em particular, real izaro enfrentamento desta situação desde suaspeculiares e, por vezes, fragi l izadas

estruturas, já é um grande desafio, todavia,esse enfrentamento se torna ainda maiordevido ao confl i to político, em exposiçãodiariamente pelas mídias, que impede aefetividade do Estado na garantia depolíticas de assistência aos maisvulneráveis e amplia a insegurança dapopulação, que não sabe, ao certo, comoproceder para se manter em segurança.

Nesse cenário, expl icitamos aqui nossoposicionamento sobre diversos aspectosque estão postos no contexto social e

educacional brasi leiro,buscando contribuir comas reflexões e análises queestão sendo produzidaspor outros grupos depesquisadores eeducadores, bem comopela sociedade em geral,

que necessita que nós, acadêmicos,estejamos articulados em rede, sol idários eengajados no enfrentamento dos prob-lemas, que são coletivos.

Nossa reflexão/contribuição está expressa,prel iminarmente, no conjunto de pontos queseguem, os quais servem de balizadorespara que possamos desencadear eaprofundar a reflexão sobre os temas queestão atualmente em evidência e ao mesmotempo fomentar o debate público, aberto ecolaborativo, a fim de contribuirmos com aconstrução de conhecimento que possacircular por diferentes mídias e grupos, deforma a chegar a um público cada vez maisvasto.

VIVEMOS UMCONTEXTODE PANDEMIA!

Educação em Tempos dePandemia

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1 . O fato que nos mobil iza, mundialmente,neste início de 2020, é que o planeta foiatacado por um vírus invisível. Vivemos umcontexto de pandemia!

2. O assunto em todas as rodas (em rede)do momento é a avassaladora propagaçãoda COVID-1 9, doença ocasionada pelocoronavírus SARS-CoV-2, que surgiu em201 9, e que se espalha de forma invisível,obrigando uma grande parcela dapopulação mundial a manter-se sob oregime de confinamento em casa. Estamedida tem nos parecido, em função daposição adotada pela maioria dos países,como sendo uma forma minimamenteaceitável de enfrentar o problema. E umaestratégia para que o confinamento sejabem sucedido está sendo, em todo omundo, a suspensão das atividadeseducacionais, em todos os níveis - daeducação básica à pós-graduação.

3. No momento em que acontece asuspensão das atividades presenciais nasescolas e universidades, afetando mais de90% dos estudantes do mundo¹ , necessáriose faz pensar em alternativas para que ouniverso de mais de 1 3 milhões deestudantes no ensino superior e quase 48milhões de estudantes da educação básica²

brasi leira possa continuar com atividadesformativas, sejam elas as formais, docurrículo escolar, ou as informais, aquelasnotadamente associadas ao uso da internetpara fi lmes, vídeos e as já conhecidas efamosas lives, sejam ainda por meio deleitura ou de outros tipos de jogos ou brin-cadeiras.

4. Sem escolas, alunos de todas as idadese de todas as camadas sociaispermanecem, teoricamente, em casa.Dizemos teoricamente porque não podemosminimizar o debate a respeito dascondições de habitação e de vida dapopulação brasi leira. Em um país com umaenorme desigualdade social, como o Brasi l ,é necessário especificar que essa casa,para as classes média e alta, se constituinuma edificação com diversos cômodos,que permite arranjos para odesenvolvimento de atividades individuais ecoletivas; já para as classes populares, acasa é, muitas vezes, um único cômodo,onde convivem muitas pessoas, depequenos a idosos, o que tornapraticamente impossível permanecer nesseespaço o dia todo, ou desenvolver qualquertipo de atividade que exija o mínimo deconcentração e dedicação, como sãogeralmente aquelas l igadas à experiência

REFLEXÕES PARA O DEBATE

2¹ Segundo o monitoramento da UNESCO, até 8 de abri l de 2020, mais de 1 50 países implementaramfechamentos em todo o país. Vários outros países implementaram o fechamento de escolas de formalocalizada e, se esses fechamentos se tornarem em âmbito nacional, milhões de estudantes a mais sofrerãointerrupções na educação. Mais informações em: https://pt.unesco.org/news/atual izacoes-da-unesco-resposta-do-setor-educacao-covid-1 9-na-america-latina-e-no-caribe, ht-tps://pt.unesco.org/covid1 9/educationresponse e https://pt.unesco.org/news/comissao-futuros-da-educacao-da-unesco-apela-ao-planejamento-antecipado-o-aumento-das. Acesso em: 1 2 maio 2020.

²No ano de 201 9, foram registradas 47,9 milhões de matrículas nas 1 80,6 mil escolas de educação básica noBrasi l , incluindo particulares e públicas. No setor público são 38.739.461 matrículas. Dados: BRASIL.Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Censo da Educação Básica201 9: Resumo Técnico. Brasíl ia, 2020. E: BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas EducacionaisAnísio Teixeira (Inep). Censo da Educação Básica 201 9: notas estatísticas. Brasíl ia, 2020. No que se refereao monitoramento do fechamento das escolas, temos dados disponíveis no site da Consed:https://consed. info/about/. Acesso em: 1 2 maio 2020.

educacional. No entanto, com esse enormecontingente juveni l sem aula nas escolas,começam a surgir, aqui e em diversospaíses, soluções para que a educaçãocontinue, em casa, sob a responsabil idadedos grupos famil iares. Portanto, ashashtags #fiqueemcasa e #aescolacontinuatêm significados absolutamente diferentespara uma ou outra realidade, uma ou outraclasse social.

5. Do ponto de vista das famíl ias de baixarenda, são muitas as questões postas,destacando-se, para começar, ainexistência de infraestrutura física e deconectividade domici l iar³ para que qualqueratividade de ensino formal possa acontecer.No entanto, os principais desafios paraessas famíl ias, hoje, são de outra natureza;obviamente passam também pelaeducação, mas não se encerram nela.muita fome espalhada pelo país, que sópode ser combatida pela manutenção dasfontes de renda, uma vez que o auxíl ioemergencial do governo federal, aprovadopelo Congresso Nacional, além deinsuficiente, para dar conta da precária edesigual real idade da população, não estáchegando para todos que a ele têm direito.Uma boa parte das famíl ias com alunos nasescolas públicas vive do trabalho informalou é empregada, com contratos que estãosuspensos ou sob ameaças, o que colocaem tensão o cotidiano dessas famíl ias.Cotidiano que, em muitos locais, se vêainda mais afetado pelo fato de, semescola, não haver merenda escolar4, o queonera ainda mais os custos de subsistênciadas famíl ias. Isso, somado ao medo dadoença, ao risco de ainda sofrer com oatendimento de saúde pública, já próximode um colapso, e outras formas desofrimentos e adoecimentos mentais

decorrentes do isolamento prolongado,passando pelos confl i tos famil iares, tudo seinterpõe ao processo. Portanto, apreocupação com a suspensão das aulas e,mais do que tudo, com a educação dascrianças, se mescla às demais dificuldadesenfrentadas pelas famíl ias, sobretudo,quando os modelos e rotinas das aulasremotas não são capazes de dialogar econtribuir com a organização do cotidianofamil iar, tornando-se, na verdade, mais umdos problemas a serem enfrentados.

6. Para as famíl ias de classes maisabastadas, a novidade é a convivênciacotidiana entre todos os seus membros,algo que há muito já havia sido relegado aum segundo plano. A própria educação defi lhos foi terceirizada, de uma maneira geral,assumindo a escola, inclusive, o papel daeducação doméstica, emocional e mesmoda vida cotidiana das crianças e jovens. Eagora, o que fazer com essa turma cheia deenergia, ou com a ânsia dos adolescentesque estão em casa dia e noite? Comomantê-los ativos ao mesmo tempo que paise mães possam assegurar um espaço parao trabalho a distância, sem perder de vistaas dificuldades com o trabalho doméstico?

7. O debate sobre a educação domici l iar(homeschooling) vem ganhando espaço noBrasi l ao longo dos últimos anos e foiintensificado no governo Bolsonaro, quetem conduzido propostas deenfraquecimento da escola pública, atravésde medidas como o corte de recursos, oesvaziamento da perspectiva crítica daformação escolar, da convivência com odiferente, em termos de conhecimentos,culturas e valores, e da desvalorização dodocente e do conhecimento histórico-científico, numa perspectiva formativa que

3³A pesquisa TIC Domicíl ios 201 8 indica que, no Nordeste, apenas 27% dos lares possuem internet ecomputador. Observando, em relação às classes C, o acesso é de 43%, e em relação às classes D e E, caipara 7%. A conexão em escolas públicas urbanas se dão da seguinte forma: via cabo (33%), fibra ótica(26%), l inha telefônica DSL (21 %), via rádio (6%) e discada (1 %). Fonte: CGI.br/NIC.br, Centro Regional deEstudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) , Pesquisa sobre o uso dasTecnologias de Informação e Comunicação nas Escolas Brasi leiras - TIC Educação 201 8. Disponível em:http://data.cetic.br/cetic/explore?idPesquisa=TIC_EDU. Acesso em: 29 abr. 2020.

4Apesar do Congresso Nacional ter aprovado a Lei 1 3.987, para autorizar, em caráter excepcional, durante operíodo de suspensão das aulas, em razão de situação de emergência, a distribuição de gênerosalimentícios adquiridos com recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) aos pais ouresponsáveis dos estudantes das escolas públicas de educação básica, a mesma não foi regulamentadapelo Ministério da Educação. A mídia tem divulgado a suspensão do Pnae e as iniciativas isoladas deestados e municípios para a distribuição da merenda escolar às famíl ias.

esteja além da aplicabi l idade imediata. Ofortalecimento de uma concepção pautadana desescolarização ganha força no paíspari passu ao desmantelamento dasuniversidades públicas, sobretudo, doscursos de licenciaturas, por meio daredução de investimentos em pesquisas,aumento dos instrumentos de controle(como as avaliações) e as imposições daBase Nacional Comum para Formação(BNC-Formação), que validam o discursoda aprendizagem pela observação eexperiência, minimizando a relevância debases teórico-científicas sólidas, comoelemento fundante da formação profissionaldocente.

Com a pandemia, esse processo deprecarização da Educação pública ganhaforça, ao ser incorporado pelo governo,como solução para a dificuldade de ofertapresencial, ao promover a substituição dasatividades presenciais por atividades adistância, uti l izando recursos emetodologias da Educação a Distância(EAD). Tal substituição foi regulamentadapelo Parecer 05/2020, do ConselhoNacional de Educação (CNE), o qual prevêa reorganização do calendário escolar e apossibi l idade de cômputo de atividades nãopresenciais para fins de cumprimento dacarga horária mínima anual em razão dapandemia da COVID-1 9. O objetivo é que,ao final da situação de emergência, hajauma redução da carga horária presencial aser reposta e, ao mesmo tempo, que osestudantes mantenham uma rotina básicade atividades escolares, mesmo afastadosdo ambiente físico da escola. O que vemosé uma mescla de homeschooling com EAD,ou seja, a escola envia atividades para osalunos realizarem em casa, cabendo aospais ou responsáveis o acompanhamento eresponsabil idade pelo desenvolvimento dasmesmas.

8. A Educação a Distância está presente nasociedade desde muito tempo, por iniciativado estado ou de organizações privadas,

como uma alternativa para aqueles/as queestão fora dos grandes centros ou queremotimizar o tempo evitando deslocamentos, eque precisam de formação (complementarou básica). Desde o seu histórico início, aEAD era oferecida via soluçõesassíncronas, com uti l ização de materialimpresso enviado pelo serviço de correiopostal ou pela uti l ização do rádio e da TVcomo veículos para transmissão deconteúdos educativos. Com a internet,passou a ser designada com outrasnomenclaturas, tais como educação online,e-learning, m-learning, ao mesmo tempoque outros debates foram surgindo sobre osnovos papéis e novas possibi l idades dessamodalidade de educação. Desde meadosdo século XX já se discute, em âmbitonacional e internacional, sobre aimportância da educação a distância comosendo uma significativa modalidade deeducação capaz de contribuir com aformação do cidadão. Esse debate temgerado, inclusive entre os nossos paresmais próximos no campo da própriaeducação, muitas indagações. Discute-sedesde a concepção de educação que estásubjacente aos cursos e programasoferecidos, principalmente pelas instituiçõesprivadas, mas não só nelas, até a qualidadedos cursos oferecidos. Isso tem levado auma comparação da qualidade dos cursosEAD com a dos cursos presenciais,gerando, assim, uma crítica aos doismodelos, uma vez que nessa discussãoestá posta a crítica à Educação como umtodo: os currículos, o sistema de avaliação,a formação de professores, a infraestruturadas instituições de ensino, dentre outroselementos que compõem a organizaçãoeducacional; o modelo comunicacionaladotado numa e noutra modalidadeeducacional; e o mercado educacional, queganha força com a oferta da EAD.

9. Com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB9.394), de 1 996, a EAD ganha força,especialmente nas universidades. Primeirocom uma tentativa de articular as

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universidades públicas com o ConsórcioUniversidade Virtual Pública do Brasi l(Unirede), em 1999, hoje a AssociaçãoUnirede5. Depois, com a implantação daUniversidade Aberta do Brasi l (UAB), quetinha como interessante princípio não criaralgo novo, mas sim aproveitar a capacidadeinstalada das Instituições Federais deEnsino Superior Públicas (IFES), apesar deque, em algum momento, circulou um croquide uma possível sede para a UAB. A grandequestão desse, como tantos outros projetos,é que os mesmos chegam às universidadespor suas reitorias e, na maioria dos casos,por lá mesmo se instalam, estimulados pelopróprio desenho do programa ou projeto.Ou seja, não se institucionaliza a educaçãoa distância no interior das universidades,fazendo com que alguns professorespassem a ser envolvidos nos projetosenquanto indivíduos, recebendo bolsasespeciais, uma vez que nos projetos EADtrabalham para além de suas cargashorárias didáticas nos departamentos. Naprática, mais uma vez, toda essa expertise,que poderia ser aproveitada e disseminadapela Instituição, fica concentrada em umsetor da administração central, comprofessores aprendendo de forma voluntáriaa fazer educação a distância e, muitasvezes, sob olhar de estranhamento do seupróprio departamento. Fora isso, o sistemaestá fortemente baseado na contratação(precária!) de tutores (em última instância,professores não nominados como tais) ,para acompanhar os alunos, o que fragi l izae desvaloriza ainda mais os própriosprofessores e o sistema. Muitos cursosforam e ainda são ofertados pelasinstituições públicas, mas é pequena aavaliação desses mais de dez anos deexistência da UAB. Além disso, asmudanças dos últimos governos fizeramcom que os recursos para a UAB e para asUniversidades integrantes do sistemafossem reduzidos ainda mais.

1 0. Mudanças na estrutura do MEC fizeramcom que a Secretaria de Educação aDistância (SEED) fosse extinta e algunsprojetos foram deslocados para aCoordenação de Aperfeiçoamento dePessoal de Nível Superior (CAPES), cujaexpertise sempre foi a avaliação eacompanhando da Educação Superior, maisparticularmente dos Programas de Pós-Graduação. Nessa reestruturação, aCAPES foi dividida, tendo a chamada“Capes do B” a responsabil idade de cuidarda Educação Básica. Ali foi alocada a UABe toda uma linha de formação deprofessores. Outros projetos, l igados àincorporação das tecnologias nas escolas,foram alocados em outras Secretarias,ficando os mesmos sem o apoionecessário, como constatamos na pesquisaque realizamos sobre o projeto UmComputador por Aluno6, que foiinterrompido, como tantos outros projetos,programas e políticas educacionais.

11 . Nossa ação, enquanto grupo depesquisa, desde sua origem, esteve ligadaa um processo ativista pela construção demelhores condições teóricas, metodológicase práticas para o processo educacional epor uma postura crítica frente às políticaspúblicas implementadas. Uma críticarealizada a partir de dentro, pois sempre asacompanhamos de perto, seja realizandopesquisas, seja participando dos processosformativos demandados às universidades.No âmbito da Universidade Federal daBahia, iniciamos quando a internet chegavaàs universidades, na década de 1 990, tendoo professor Nelson Pretto vividointensamente esse processo, comoassessor do reitor Felippe Serpa. Oprofessor coordenou, articulado com outroscolegas, e com o, à época, Centro deProcessamento de Dados, odesenvolvimento de propostas para seremapresentadas a um coletivo de reitores dasuniversidades baianas7, que incluísse aimplantação de uma grande rede estadual

55Disponível em: https://www.aunirede.org.br/portal/quem-somos/historico. Acesso em:11 maio 2020.

6QUARTIERO, Elisa Maria; BONILLA, Maria Helena S; FANTIN, Monica (org. ) .: entusiasmos e desencantos de uma política pública. Salvador: Edufba, 201 5.

7No âmbito do Protocolo de Integração das Instituições de Ensino Superior doNordeste (PINE), no caso o PINE-Bahia.

(denominada Rede Bahia), parte do projetode implantação da internet no Brasi l , paraconectar universidades, centros depesquisa e escolas públicas do Estado daBahia, criando uma grande espinha dorsal(backbone) que poderia favorecer apesquisa, a educação e a cultura. Hoje,mais de duas décadas depois, essa redenão foi efetivamente implantada, ou seja,nossas escolas e universidades aindacarecem de infraestrutura e de serviços debanda larga de qualidade. A velocidade dabanda disponibi l izada está muito abaixo danecessária para fazermos uma educaçãoconectada de qualidade, com os sujeitos daeducação estando distantes ou não.Importante aqui lembrar que o conceito debanda larga de qualidade que estamos hojea uti l izar não está associado a gigabytes,mas sim à velocidade oferecida para que ocidadão possa fazer uso da rede com o quelhe interessar, com tráfego de informaçõescontínuo, ininterrupto e com capacidadesuficiente para as aplicações de dados, voze vídeo mais comuns ou socialmenterelevantes. E isso já estava expresso nodocumento base do Programa Nacional deBanda Larga (PNBL)8, instituído em 201 0, eque também foi descontinuado nosgovernos seguintes. A não implantação doPNBL, em sua plenitude, resultou quecontinuemos dependentes dos serviços deinternet oferecidos pelo mercado detelecomunicações, que concentra sua ofertanos grandes centros com densidadepopulacional e que podem gerar lucro paraas empresas. Como resultado, hoje, emtempos de confinamento e com o aumentoda oferta de produtos multimídia, temosmuitas dificuldades de acesso aos materiaisjá disponíveis, em grande parte do territórionacional, especialmente nas regiões maisafastadas dos grandes centros populacion-ais.

1 2. Durante a gestão do professor FelippeSerpa na reitoria da UFBA, foi viabi l izado aimplantação de um servidor (denominado

Zumbi) para conectar as ONG da Bahia e,em parceria com a Prefeitura Municipal deSalvador, conectou-se a primeira escolapública à internet, a Escola Municipal NovoMarotinho. Alguns orientandos do nossogrupo de pesquisa9 atuaram diretamente natentativa de construir políticas públicasmunicipais que considerassem a internet etodos os recursos tecnológicos digitaisdisponíveis à época como estruturantes deuma educação revolucionária. Nessa épocanasceu um verdadeiro mantra do nossogrupo: “não queremos a internet nasescolas e, sim, as escolas na internet”. Maisuma vez e sempre, o nosso foco é aautonomia de professores e alunos comoprodutores e não como consumidores, sejade tecnologias ou de informações.Queríamos – e cada vez mais queremos –esses sujeitos como fazedores do seupróprio tempo.

1 3. Ainda importante destacar que, nagestão do reitor Serpa na UFBA, havia umaintensa articulação entre as universidadespúblicas da Bahia, à época apenas a UFBAe as quatro estaduais: UniversidadeEstadual de Feira de Santana (UEFS),Universidade de Santa Cruz (UESC),Universidade do Sudoeste da Bahia (UESB)e Universidade do Estado da Bahia (Uneb),mais a Universidade Catól ica de Salvador(UCSAL), em um programa denominado deProtocolo de Integração das Instituições deEnsino Superior do Nordeste (PINE), emsua dimensão regional, o PINE-Bahia.Nesse período, participamos do esforçocoletivo de buscar, já nos idos dos anos1 990, organizar um Consórcio Regionalpara avançar na temática da educação adistância e, para tal, real izamos um MiniFórum de Educação a Distância. É desseperíodo a elaboração da proposta de um“Programa Interuniversitário de Formação aDistância de Professores de Primeiro eSegundo Graus, no estado da Bahia.” Suaelaboração envolveu um grupo deprofessores das universidades integrantes

68Disponível em: https://pt.sl ideshare.net/Culturadigital/documento-base-do-programa-nacional-de-banda-larga. Acesso em: 11 maio 2020

9Especialmente, os professores Lynn Alves e Arnaud Soares, depois pós-graduandosno nosso Grupo de Pesquisa.

1 0Denominação dada, à época, aos atuais Ensino Fundamental e Ensino Médio,respectivamente.

do PINE-Bahia e tinha como principalobjetivo cooperar para a melhoria do ensinode primeiro e segundo graus10 e sepropunha, através das universidadessediadas no estado da Bahia, que jáofereciam cursos de licenciatura destinadosao magistério de primeiro e segundo graus,institucionalizar um programa de formação eatualização de professores em serviço.Dizíamos, no documento original doPrograma: “projeto está sendo viabi l izado apartir da criação de um consórcio entre asuniversidades envolvidas, coordenado porum grupo interuniversitário constituído porum professor representante de cada umadestas Instituições, visando uma ação maisintegrada das Universidades baianas. Oobjetivo maior deste programa é o degraduar professores portadores de diplomaprocedentes das Escolas Normais eprofessores leigos, bem como atualizar osdocentes portadores de diploma de nívelsuperior, através da instalação de umprograma específico de Educação Aberta,Continuada e a Distância, cabendo aoConsórcio das Universidades, inclusive, aemissão de diploma para fins do exercícioprofissional.”

1 4. As questões referentes à conectividadedesencadearam um outro debate,amplamente difundido e denominado de“inclusão digital”, e que vem nosmobil izando desde o início dos anos 2000.Nesse debate, uma pergunta sempre esteveposta: inclusão em quê?11 Isso porque,desde os primeiros momentos, no final dadécada de 1 990, quando muitos paísesdebatiam os seus Programas Sociedade daInformação (SocInfo), sempre pontuamosque a conexão das pessoas à internet erafundamental, mas ela deveria seguir algunsprincípios que considerávamos – e aindaconsideramos – fundamentais para darsustentação a essas políticas. Nãopodíamos aceitar que essa “inclusão”estivesse associada à usurpação dos dados

pessoais dos cidadãos; não poderíamospensar que essa “inclusão” se desse apartir de soluções proprietárias (ainda nãofalávamos nas plataformas como hoje12 ) ;defendíamos desde cedo que cada escola eprofessor precisariam ser autores e nãoapenas atores desses processosformativos, de tal forma que se propiciassea implantação de um “círculo virtuoso deprodução de culturas e conhecimentos”13 ;defendíamos a necessidade de pensar aprodução dos materiais para a educaçãocom licenciamento aberto e criativo, commuita atenção para que os formatos,também eles, fossem abertos e l ivres;preconizávamos um/uma professor/aformado plenamente para o uso intensivo ecriativo das tecnologias digitais, de formaque o mesmo compreendesse e vivesseplenamente a cultura digital, seja emcursos, aulas, atividades presenciais ou adistância, performando aqui lo quedenominamos de “um professor com umjeito hacker de ser”14 , tudo isso, entretantas outras questões que foram seconfigurando como nossas agendas depesquisas (e ativismo) na Faculdade deEducação da UFBA.

1 5. Todos esses princípios e diretrizesestavam e estão fortemente articulados comum outro movimento ativista quedesencadeamos na década de 1 990: abusca pela l iberdade de acesso a todos osrecursos produzidos pela humanidade,material izado, inicialmente, pela defesa eimplantação do software l ivre, que seconstituiu um tema estruturante em nossasações. A partir de nossa ação (pesquisa,ensino e extensão), na Faculdade deEducação da UFBA, nos integramos aosdesenvolvedores, ativistas e movimentosem torno do software l ivre do Brasi l etambém de outros países, em defesa daliberdade do conhecimento15. Buscandoinserir a FACED/UFBA nesse movimento,temos desenvolvido desde então projetos

711BONILLA, Maria Helena Silveira; PRETTO, Nelson De Luca (org. ) . :polêmicas contemporâneas. Salvador: Edufba, 2011 .1 2SRNIEK, N. . Caja Negra Editora, 201 8.1 3PRETTO, Nelson De Luca. (2017). : Escritos ereflexões. Salvador: Edufba, 2017.14Idem1 5Destacamos aqui que a reunião de fundação do Projeto Software Livre Bahia (PSL-Ba) aconteceu no auditório I da Faced/UFBA, em outubro de 2003, com a presença deCláudio Prado, na época assessor para cultura digital do Ministério da Cultura.

para uso, estudo, pesquisa e produção deconteúdos, a partir de sistemas livres, aexemplo dos projetos Tabuleiro Digital,Rádio Faced Web, Ponto de Cultura(Ciberparque Anísio Teixeira, emIrecê/Bahia), WebTV, webconferência,plataforma para produção ecomparti lhamento de vídeos, entre tantosoutros. Também inserimos o debate sobreseus fundamentos políticos, fi losóficos eculturais, bem como a produção deconteúdos abertos, em nossas ações deensino e extensão.

1 6. A internet se popularizou em todo omundo. Os governos começaram aperceber a sua importância para aeducação; verdade que, muitos deles, comobjetivos distintos daqueles que aquiestamos defendendo. A partir da década de1 980, inicia o movimento pela inserção doscomputadores nos processos pedagógicos,a partir de grupos articulados em torno docampo denominado Informática Educativa,e que se baseavam nas proposições deSeymor Papert, do MIT, com a linguagemde programação LOGO. Esse movimentochega às políticas públicas, com o projetoEducom. Na sequência, surgiram diversosoutros programas, incluindo a criação de umcanal nacional de televisão ligado ao MEC(TV Escola), mesmo desarticulado com a jáexistente rede de televisões educativas – naépoca denominada de Sistema Nacional deRadiodifusão Educativa (SINRED) –, aimplantação de Programas e Projetos paralevar computadores para as escolas(Proinfo), e para fornecer um computadorpor aluno (UCA), estimulado pela ação deNicolas Negroponte, também do MIT,quando propôs um computador portáti l deUS$1 00. Temos muitos escritos sobre oassunto16. Fomos vendo nascer e, o maisgrave, morrer, políticas públicas quedenominamos, desde sempre,“esquizofrênicas”, por entender que cadaMinistério ou Secretaria, nos âmbitosestaduais e municipais, elaboravam, comseus expertes, políticas que sequer

conseguiam dialogar entre si. Um diálogonecessário entre campos, como educaçãocom cultura, ou com comunicações, eoutros que demandavam uma articulaçãomais intensa, por exemplo, com o dasegurança e da saúde, uma vez que sem oenfrentamento desses desafios (segurançae saúde), difici lmente planos para aeducação, mesmo que simples, passariamdo papel à prática.

17. Ao longo de diversos governos de basespolíticas distintas, se aprofundam osprocessos de reformas educacionais quevão dando fisionomia à Educação no Brasi l .A década de 1 990 é marco das grandesreformas que se seguiram, todas ancoradasna matriz deixada pelos organismosinternacionais – Banco Mundial, BIRD,OCDE, OMC, UNESCO –, por meio dosvários documentos derivados daConferência Mundial de Educação paraTodos, real izada pelo UNICEF, UNESCO,PNUD e Banco Mundial, em 1990, aexemplo da Declaração Mundial deEducação para Todos (1 990) e Prioridadesy estratégias para la educación – exame delBanco Mundial (1 996). Decorrente destasorientações, atendendo às necessidades dacrise estrutural do capital ismodesencadeada desde a década de 1 970,implantam-se os Parâmetros CurricularesNacionais (PCN), que passaram ainfluenciar o currículo da Educação Básicae da Formação de Professores, no mesmoviés dessa investida dos grandes órgãoseconômicos no currículo da educação dospaíses da periferia do capital.

1 8. Seguiram-se reformas também nasáreas de financiamento, gestão e avaliaçãoda educação, as quais se constituíramcentrais para dar à educação pública umcaráter cada vez mais próximo da lógica dagestão empresarial que os PCNreforçaram, a partir da introdução deconceitos como, por exemplo, competênciase habil idades. A partir da década de 1 990, aEducação passou a ser medida e avaliada

81 6BONILLA, Maria Helena Silveira; PRETTO, Nelson de Luca.

. 2000. Disponível em:https://blog.ufba.br/gec/fi les/201 3/07/texto-pol iticas-Boni l la-Pretto.pdf. Acesso em: 1 5maio 2020; BONILLA, Maria Helena Silveira. Políticas públicas para inclusão digitalnas escolas. , Ano XXII , n. 34, p. 40-60, jun. 201 0; QUARTIERO, ElisaMaria; BONILLA, Maria Helena S; FANTIN, Monica (org. ) . : entusiasmos edesencantos de uma política pública. Salvador: Edufba, 201 5.

(de forma estrita) por indicadoresinternacionais e nacionais que sedeslocariam, gradativamente, do conjuntode outros insumos fundantes para amelhoria efetiva da qualidade da educação,como propôs a Campanha Nacional peloDireito à Educação, no início dos anos2000, ao apresentar o Custo AlunoQualidade Inicial para Educação Básica(CAQi). Seguindo as orientações do BancoMundial, de “modernização da educação”(tal qual se propunha para setores base daeconomia, como o da agricultura), ampliam-se as relações entre a educação e odesenvolvimento econômico, exigindo daeducação não apenas novos conteúdospara a formação da população, mas todoum ajuste na direção e na forma daspolíticas públicas (da educação básica esuperior) , que passariam a se pautar emmecanismos de controle que assegurassemos objetivos destes organismos. Metas eindicadores institucionais reforçariam apremissa da gestão com base naprodutividade (produzir mais com menos)como sendo sinônimo de eficiência equalidade. A assunção dos resultados daaprendizagem e não mais da educação (noseu conjunto de fatores), invadiram o mundodas escolas e instituições de ensinosuperior, passando a direcionar o debatenacional. Deste modo, os insumosapontados no CAQi, por exemplo, foramperdendo relevância e os objetivos daeducação, gradativamente, afastados dosprincípios constitucionais e deslocados dossistemas de ensino, das instituições(escolas e universidades), dos professores,passando a seguir determinações externasque impunham como fim exclusivo daeducação a formação para o trabalho(mercado). Ou seja, a partir do final dadécada de 1 990, o discurso de"modernização da educação" (que, emsíntese, defende adequar a escola àsregras e necessidades do mercado) ganhouespaço no cenário brasi leiro, e seintensificou, nos últimos anos, pela forteinfluência de fundações e empresas

privadas que passaram a pautar políticaspúblicas para a educação básica e superior.Este processo vem sendo estudado pordiversos pesquisadores no Brasi l , comdestaque para os trabalhos do professorLuiz Carlos de Freitas17, que trouxe à tona acrescente presença do que chamou de“reformadores empresariais da Educação”.Destacam-se nesse grupo, FundaçãoLemann, Instituto Ayrton Senna, InstitutoInspirare, dentre outros que compõem osmovimentos Todos pela Educação e Todospela Base, além das grandes empresas dasplataformas web, como Google, Facebook,Microsoft, entre outras.

1 9. Foi sob a influência desses“reformadores empresariais da Educação”que andaram as recentes reformascurriculares, a exemplo da Base NacionalComum Curricular (BNCC), Reforma doEnsino Médio e Base Nacional deFormação de Professores (BNC-Formação),definidas com crescente autonomia pelosgrandes grupos empresariais, a exemplodos que integram o Movimento Todos pelaEducação, que, no atual contexto, vemdefinindo a direção, a forma e o conteúdoda Educação no Brasi l , sobretudo, para aeducação pública, contando com o aval doConselho Nacional de Educação (CNE),União Nacional dos Dirigentes Municipaisde Educação (UNDIME), Conselho Nacionalde Secretários de Educação (CONSED).Importante destacar ainda que a ascensãodos empresários no cenário das políticaseducacionais ocorre na mesma medida quehá um afastamento/enfraquecimento dasIES públicas, tanto do debate, como doprocesso de condução destas políticas.Esses grupos e, em especial, as empresasassociadas a eles, têm exercido fortepressão desde o governo FernandoHenrique Cardoso, no sentido de que ossistemas públicos adotem sistemas delivros, aposti las, sequências, websites,equipamentos para a formação deprofessores e de materiais didáticos para osalunos. Tal pressão ocorre, especialmente,

917Blog do Professor Luiz Carlos de Freitas. Disponível em:https://avaliacaoeducacional.com/. Acesso em: 1 2 maio 2020.

via formato e objetivos das avaliações emlarga escala, que contam com um potentetrabalho midiático de convencimento detoda a sociedade de que o bomdesempenho em testes e provas é afinal idade máxima da educação. É sob esteargumento que estas empresas, que seautodefinem como detentoras de expertiseem propor elevar indicadores educacionais,se impõem aos sistemas de ensino, sendo odiscurso da eficiência, qualidade ecompetitividade cada dia mais definidor dosrumos da gestão educacional e suas polític-as.

20. Temos claro que a Base NacionalComum Curricular, aprovada para aEducação Básica e Superior (l icenciaturas),está fortemente associada a um processode avaliação em grande escala, evidentenos seus documentos, onde encontramosos tais códigos (ex: EM13CHS302) queantecedem cada um dos objetivos(comportamentais?!) , códigos esses queviabi l izam a sua leitura por máquinas(computadores) que vão possibi l i tar asistemas informáticos analisar asperformances de escolas, professores ealunos, no sentido de cumprirem o que aliestá preconizado. Em última instância,instala-se um mecanismo de controlepermanente das atividades de professores eescolas, mecanismos esses já denunciadosexaustivamente por acadêmicos esindicatos de professores e que reforçam aconcepção de uma educação comoreprodutora dos interesses do grandecapital, muito bem representado noconteúdo das reformas educacionais emcurso.

21 . Após 25 anos atuando, produzindoconhecimentos, implicando-nos nasquestões educacionais de nosso tempo, nosdeparamos agora com inúmeros desafios(novos e antigos) potencial izados por umacrise global, ocasionada pela pandemia daCOVID-1 9. Para enfrentar tal crise,necessitamos, amparados nos

conhecimentos acumulados, nos mobil izar,reforçando posicionamentos que jávínhamos defendendo, mas, ao mesmotempo, buscando novos aprendizados quenos ajudem a compreender o novo contextoe atuar sobre ele. Necessário e urgentecompreender que a pandemia provocou eprovocará ainda mais mudanças em todasas áreas e que a educação precisa tambémse reestruturar para os novos e difíceistempos que virão. Os modelos de ontem jánão servem. Necessitamos e queremosnovas educações!1 8

22. Como vimos discutindo até aqui, temosagora a obrigação de estarmos todos emcasa, alunos e professores, vivendo sob umgoverno equivocado e controverso, que demaneira irresponsável tem promulgado umasérie de portarias para que as aulaspresenciais possam ser realizadas adistância em toda a educação básica euniversidades. Muitas universidadesfederais, no afã de resolver seus problemasde calendário, anunciam que seusprofessores passariam a dar as aulasonline, as denominadas aulas remotas,usando os recursos tecnológicosdisponíveis na instituição ou fora dela. Asuniversidades e faculdades privadaspassaram, imediatamente, a transferir seuscursos para as redes, cobrando de seusprofissionais um intenso trabalho, induzindoa adoção de pacotes prontos fornecidos,como já referido, por grandes gruposempresariais.

23. Aos professores está sendo atribuída aresponsabil idade de assumirem os custosda infraestrutura física e tecnológica, nãoplanejada para o uso intensivo dos diasatuais. Parte-se do pressuposto de que osprofessores tenham (ou lhes obrigam a ter!)disponível em suas casas condiçõesadequadas, como: espaço isolado,mobil iário ergonomicamente desenhado eequipamentos para que seja possívelreal izar, com comodidade e tranqui l idade,as atividades a distância. No tocante às

1 01 8PRETTO, Nelson De Luca. . Salvador: Edufba, 2005;PRETTO, Nelson De Luca. : escritos e reflexões,Salvador: Edufba, 2017.

1 9Disponível em: direitosnarede.org.br. Acesso em: 11 maio 2020.

conexões, é importante considerar que asua qualidade, já há muito vem sendodenunciada pelo coletivo Coalizão Direitosna Rede19, uma vez que, mesmo comcontratos privados de serviço de internet,são oferecidos pacotes com velocidadesmuito aquém daquelas contratadas.Destaque-se que a própria rede sempreesteve entregue aos operadores privadosque, com a conivência da Agência Nacionalde Telecomunicações (Anatel) e dosgovernos, ficam livres para venderem umserviço sem maiores obrigações quanto àqualidade de sua entrega. Se a realidade degrande parte dos professores aponta para afalta de estrutura e mesmo doconhecimento básico necessário para l idarcom a produção de materiais onl ine, abre-se então a possibi l idade das secretariasbuscarem as saídas para a continuidade docalendário escolar e do currículo nospacotes empresariais, em sua maioria, deoferta dita “gratuita” (ver item seguinte enota 1 8). Essa medida, não apenas estreitaa relação dos gestores com as empresasque vendem educação, também contribuipara se afastar o currículo do projetopolítico-pedagógico da escola e o professordo currículo e das demandas concretas eespecíficas dos estudantes. Material iza-se,assim, mais um passo para a legitimaçãodas possibi l idades de uma redução, aindamaior, da educação ao ensino, do ensino àmera realização de atividades quedispensam o professor, e da relação daescola com demais mediações sociais queela proporciona. Ou seja, esvazia-sesignificativamente a escola como espaço deconvivência e de debate político.

24. Nesse ínterim, rapidamente, as grandesempresas e plataformas digitais (Microsoft,Google, Facebook, entre outras), que aolongo dos tempos recentes vêm buscando,de forma insistente, estarem presentes nossistemas de educação, tanto privado comopúblico (tendo uma pequena e heróicaresistência nesse último caso), anunciamplanos mirabolantes, colocando à

disposição, “gratuitamente”20 , todos osseus recursos para que a educaçãocontinue, apesar da pandemia. Para isso,contam com o apoio do Conselho Nacionalde Educação (CNE) que está propondo umconjunto de “orientações” a partir do uso deatividades remotas para a educação básicae superior, chegando, inclusive, a indicarnominalmente tais plataformas (ParecerCNE/CP nº 5/2020, páginas 1 2, 14 e 1 921 ) .Essa corrida desenfreada para dar umaresposta social diante da pandemia tem sedesdobrado em parcerias que evidenciam oprojeto de desvalorização da formação dossujeitos, de privatização da educaçãopública e do fortalecimento dos valores docapital na educação. Também evidencia osriscos da entrega dos dados escolares (daescola, dos alunos, dos professores, dospais) a essas empresas, o que implicacontrole e vigi lância sobre uma parcelasignificativa da população. As reformas e opercurso do Conselho Nacional deEducação/MEC, desde o golpe de 201 6,que afastou do governo a presidenta DilmaRousseff, sinal izam o avanço de um projetode educação que está nos rondando desdea década de 1 990 e que ganha força com aassunção dos governos Michel Temer e,agora, Jair Bolsonaro. Compromete-se,dessa forma, a educação como direito detodos, uma educação de qualidade quefortaleça os princípios da democracia e dacidadania.

25. As tentativas de escolas e universidadesde fazerem o que estão chamandoeufemisticamente de “ensino remoto” jáestão revelando depoimentos alarmantes.Para as famíl ias mais pobres, a dificuldadeé acompanhar as atividades propostas,principalmente em razão das desigualdadessociais já mencionadas. Para as famíl iascujos pais estão no “trabalho remoto” emcasa (= home-office) – e que os desabafosconvertidos em memes evidenciam quenada têm de home, são somente office –, aresponsabil idade pelo acompanhamentodos fi lhos não tem funcionado muito bem.

1120Usamos as aspas justamente porque esse gratuito não tem nada de gratuito, pois opagamento é feito com os dados dos usuários.

21Disponível em: https://www.semesp.org.br/wp-content/uploads/2020/05/Parecer-CNE-CP_5_2020.pdf. Acesso em: 1 3 maio 2020

Replicar a rotina escolar presencial para oambiente de casa, inclusive com o intervalopara o recreio no meio da manhã ou datarde, tem deixado pais, mães eresponsáveis em estado de grande es-tresse.

26. Não são poucas, portanto, asdificuldades que se fazem presentes. E,mesmo assim, precisamos pensar sobre “oque fazer”, pois não acreditamos noimobil ismo frente aos desafios postos pelocontemporâneo, agravado pela pandemiada COVID-1 9, o que certamente nos levaráa pensar, para um futuro bem próximo,sobre modificações significativas nasformas como nos relacionamos e como asatividades públicas irão ocorrer. A questãocentral é pensarmos sobre a própriaconcepção de educação e de currículo. Oprofessor, de maneira geral, usa com certatranqui l idade as redes digitais em sua vidacotidiana, mas encontra dificuldade dearticulá-las com o cotidiano dos processosformativos, pois o que lhe é cobrado estáengessado pelo currículo fechado, a gradecurricular, agora intensificado pela BaseNacional Comum Curricular (BNCC). Assim,o que ele sabe fazer, em rede, estáintegrado em outra lógica, mais l ibertária,sem controle, mais caótica, ou seja, sãoduas lógicas que ainda não se articulamnos espaços educacionais. O resultadodisso é a culpabi l ização do professor pelofracasso do uso das tecnologias digitais naeducação. O que já ocorria em tempos derelativa “normalidade”22 , intensifica-seagora com o contexto de isolamento.Estamos vivendo uma crise, crise esta quepossibi l i taria uma revolução radical (deraiz!) em todos os processos educativos.Não podemos pensar em trazer a sala deaula tradicional, com seus tempos eespaços, para as redes online. Precisamos,

no mínimo, implantar outros processosformativos que estejam centrados numaperspectiva de fortalecimento da autoria, daformação para a cidadania, com sistemasdescentral izados que fortaleçam a escolaenquanto um “ecossistema pedagógico deaprendizagem, comunicação e produção deculturas e conhecimentos”23.

27. O que entendemos, a partir de nossaspesquisas na Faculdade de Educação daUFBA, é que existem inúmeraspossibi l idades para que se estabeleça umarelação interativa entre professores ealunos, de tal forma a que se possa, comuso intensivo das tecnologias digitais emrede, promover uma educação queefetivamente forme cidadãos, não só nosconteúdos específicos de um ou outrocampo de conhecimento, mas umaformação que lhe permita ser o quedenominamos de um “leitor desconfiado domundo”.

28. O contexto de pandemia não pode serargumento, nem tampouco um motivadorpara que façamos agora, de formadesorganizada e imediatista, como se temfeito até aqui, conforme já indicamos24,arranjos para que gestores, professores ealunos possam, neste momento, atuar comas tecnologias digitais, como se fossemações absolutamente normais no cotidianode todos. Não podemos compactuar com aideia de usar esses recursos parasimplesmente seguir os conteúdos queestavam sendo ofertados em sala de aulapresencial de maneira remota. Para além dadificuldade de um atendimento universal detodos os alunos, temos que considerartambém as condições concretas dosprofessores, seja do ponto de vista materialseja do emocional. Nesse sentido, énecessário pensar sobre a assistência

1 222Insistimos que essa normalidade desde muito não existe, pois a corretauniversal ização da educação básica e a ampliação do acesso às universidadespúblicas não foram acompanhadas de condições concretas de formação e deinfraestrutura para que os professores pudessem atuar. Paralelo a isso, as questõesmais amplas do próprio sistema, com o país (e o mundo) vivendo profundasdesigualdades sociais e econômicas, não nos possibi l i ta, em hipótese alguma, dizerque vivíamos uma “normalidade” (Ver: SANTOS, Boaventura de Sousa.

. Coimbra: Edições Almedina, 2020).

23PRETTO, Nelson De Luca. : Escritos e reflexões.Edufba, 2017.

psicológica para alunos, famíl ias eprofessores, como elemento fundamentalneste processo de mudanças profundas emnossas rotinas de aprendizagem. Diante deuma situação atípica, como a da pandemiae tudo o que ela acarreta, torna-se maisevidente o cuidado em relação à cargaemocional que atravessa esses processos.Suprir as necessidades desses alunos emisolamento, no que concerne às suasdemandas afetivas e emocionais, onde oprofessor, agora distante, é a referênciadesse aluno no contexto presencial,também passa a ser uma preocupação queprecisa estar presente na interação online.Sabemos que não será possível, paramuitas famíl ias, acompanhar e organizar arotina escolar em casa, uma vez que, emmuitos casos, têm dificuldades relacionadasàs condições de trabalho e de formação deseus membros, dificuldades estas quepodem se intensificar com relação aoacompanhamento dos/as fi lhos/as menores,que muitas vezes precisam de uma atençãomais próxima, como também é o caso dascrianças em fase de alfabetização ou comdeficiência. Assim, o fornecimento deatenção psicológica a professores, alunos esuas famíl ias também é umaresponsabil idade do Estado, através desuas redes de ensino, já que essas pessoastambém necessitam de atenção e cuidados,para muito além daqui lo que envolve umaeducação no formato instrumental. Como aeducação online poderá trazer esse amparopara alunos/as, professores/as e famíl ias?Como o atendimento psicológico está sendopensado para atender a essas crianças ejovens que agora estão em um contextoatípico, do qual sequer podemos mensurarsuas consequências? Como a educaçãoonline vai chegar para as crianças cujasfamíl ias não têm acesso à internet bandalarga ou aos dispositivos tecnológicos?

29. É importante destacar que o foco donosso debate não é se os modelos quebuscaremos construir atenderão àeducação a distância, educação online ou

ensino remoto. Isso não significa queestamos propondo que somente com todasas condições concretas satisfeitas teremospossibi l idade de usar as tecnologias digitaisnos processos formativos, seja agora,durante o isolamento, ou num futuropróximo, com as condições adversas quecertamente teremos. Não, não propomosisso, como, al iás, nunca propusemos.Desde muito tempo trouxemos para nossasagendas de pesquisa e atuação umacélebre frase do grupo Titãs, que diz: “tudoao mesmo tempo, aqui e agora”. Semdúvida, há muito a ser feito neste momento,e muito do que há de ser feito nós jáestamos apontando há algum tempo,através de nossas pesquisas e nossasatuações como intelectuais públicos, emartigos acadêmicos, artigos na mídia,programas de rádio e televisão e com aplena ocupação dos espaços na web,inclusive com “intervenções” de nossaspesquisas nas redes de educação pública25.

30. Fazer algo neste momento não estánecessariamente l igado à tarefa de cumprira carga horária prevista no artigo 24 da LDBde 1 996, sobre as 800 horas para osensinos fundamental e médio e tambémpara a educação infanti l , distribuídas em, nomínimo, 200 dias letivos. A situaçãoemergencial permite outras possibi l idades,do ponto de vista legal, para que, comtranqui l idade, possamos enfrentar osdesafios sem ficar à margem da lei, comopor exemplo, no caso da educação básicaofertada à população rural, para a qual oartigo 28 da LDB prevê adaptações docalendário e do currículo escolar, de acordocom as necessidades e peculiaridades davida rural e de cada região. Assim, pensar aeducação em nosso país envolve diversas

Esse é odesafio de hoje!

1 324QUARTIERO, Elisa Maria; BONILLA, Maria Helena S; FANTIN, Monica (org. ) .

: entusiasmos e desencantos de uma política pública. Salvador: Edufba, 201 5.

25A mais recente pesquisa, intitulada Conexão escola-mundo: espaços inovadorespara formação cidadã, tem apoio do CNPq e está em fase de final ização. Todas aspesquisas e projetos do GEC estão disponíveis em nosso site: https://blog.ufba.br/gec/

variáveis, o que torna o assunto complexo.A escola pública é um espaço não apenaspara a busca do conhecimentosistematizado, mas é também um lugar deconvivência, de diversidade, de formação ede aprendizagens sobre democracia,cidadania, sol idariedade, entre tantas outrasvivências possíveis no espaço da escola.Diante de tal crise, como criar dispositivosde aprendizagem que garantam qualidadepedagógica e que possam chegar a todos?A educação necessita primar pelademocratização do seu acesso, e comofazer isso, sobretudo neste contexto depandemia, quando se revela de forma maisacentuada o fosso em relação à distribuiçãode internet banda larga, o que afeta,sobretudo, as populações que frequentam aeducação pública, os professores e asescolas?

31 . Estamos em um contexto profícuo de umamplo debate sobre o que estamosexperienciando e sobre o futuro dahumanidade e do planeta, feito por diversosintelectuais em todo o mundo. A enormeprofusão de textos, com as mais distintastendências e abordagens, nos coloca,portanto, numa condição especial paraolhar o passado, pensar o presente e,principalmente, construir possibi l idadesfuturas para a educação.

32. Assim, muito pode ser feito tomandocomo princípio a valorização da professorae do professor. Valorizar significa, nestemomento de emergência, dar-lhes suporteemocional e concreto para que possam,confinados onde estiverem, com suascondições reais, poderem participar, juntos,da construção desse presente atípico e dofuturo que almejamos. Isso pode serrealizado com um programa emergencial deatendimento psicológico para que tenhammelhores condições de compreender suasituação nesse momento dramático.Queremos dizer, com isso, que não épossível simplesmente cobrar dessesprofissionais que continuem a fazer o que já

vinham fazendo, como se nada estivesseacontecendo. Do ponto de vista material,precisamos, emergencialmente, garantir, aomaior número possível de professores,condições de acesso à internet comqualidade através de seus equipamentospessoais. Essa é uma política que precisaser desenhada para que, em um futuro quenão pode estar muito distante, sejagarantido o acesso dos professores e dosalunos à rede com qualidade, seja peladisponibi l ização dos materiais ou dossuportes, como parte fundamental daspolíticas públicas de acesso edemocratização da educação e das tecno-logias.

33. Formação. Tema sempre presente emnossas pesquisas e debates, precisa agoraser encarado emergencialmente comoimportante ação no sentido de garantir queas escolas, universidades e profissionais daeducação não sejam conduzidos, ouempurrados, para as soluções privadasofertadas pelas grandes empresas,plataformas e fundações dos reformadoresempresariais da educação, que querem, emúltima instância, fidel izar esse conjunto deprofissionais (e alunos) em suas soluções.Segundo dados do Censo Escolar 201 9,existem, no Brasi l , 2,2 milhões de docentesna Educação Básica, dos quais 599 miltrabalham na educação infanti l , 1 ,4 milhãoatuam no ensino fundamental, estando 752mil nos anos iniciais e 756 mil nos anosfinais, e um total de 507,9 mil professoresque atuam no ensino médio26. Diante dessaconfiguração, que propostas seriam viáveispara a formação desse contingente deprofessores, dos diferentes segmentos?Necessário pensar em uma formaçãovoltada para a atuação em rede, eminterações síncronas e assíncronas, emprodução de conteúdos, interagindo ecomunicando em plataformas digitais nãoproprietárias, as quais muitos dessesprofessores nunca acessaram. Também faz-se urgente refletir sobre avaliaçõesdiferenciadas e em uma didática que não

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seja a mera transposição das aulaspresenciais para um espaço ou plataformadigital. É hora de, coletivamente,construirmos uma política em torno doaberto, l ivre e criativo, que pouco foivalorizado ao longo dos anos, e que está anos levar a essa situação de quasedependência das soluções proprietárias.São muitas as propostas de formação queexistem e não pensamos que seja o casode se adotar modelo único27. Aspossibi l idades de experimentação – quedeveria ser a tônica de qualquer processoformativo, em todos os níveis – precisamser estimuladas. Mais do que tudo,trabalharmos na perspectiva do comum(commons) é fundamental. Esse tem sidoum importante ensinamento desse tempode pandemia e, como diz Raul Oliván, doGoverno Aberto de Aragon/Espanha, “essesentimento de euforia, entre o orgulho depertencer e a êxtase de uma comunhãomassiva, ainda que efêmera, tornou-se umbreve refúgio da fel icidade coletiva, umaconquista temporária que tem ainda maissignificado no meio de uns dias que, poroutro lado, estão sendo ingratos para amaioria das pessoas e, em muitas ocasiões,completamente dramáticos”28.

34. “Professores em rede fazedores do seupróprio tempo”. Esse é mais um dos nossosmantras, presente em todas as reflexõessobre as possibi l idades e oportunidadespara uma formação de professores quecontemple, de forma efetiva, as tecnologiasdigitais. Agora, se garantidas as condiçõesmínimas, pode ser que essa formação se

torne realidade, mas, para tal, essa redeprecisa, como sempre dizemos, serqualificada, permanente, centrada nahorizontal idade e nas trocas constantes, enão numa rede de distribuição, como ummeio de comunicação de massa que seestabelece sem a interação entre osprofessores. Nesta rede colaborativaentraremos todos e, desse modo, a mesmase fortalecerá, pois teremos redes e sub-redes que, organizadas de maneirarizomática, darão sustentação a ummovimento de formação contínua dosprofissionais da educação e da sociedadecomo um todo, envolvendo também as uni-versidades.

35. Esse processo formativo e de pesquisadeve estar centrado numa política deprodução e não de consumo deinformações. Nesse sentido, estarão seconsolidando de maneira permanente aprodução de diversos materiais em distintossuportes, tais como textos, áudios, vídeos,animações, programas computacionais,jogos educativos, entre outros, articulandode forma intensa educação, cultura, ciênciae tecnologia. Instala-se, na escola, o talcírculo virtuoso de produção de culturas econhecimentos, que tanto nos referimos aolongo de todos esses anos, desde osprimeiros estudos sobre as políticas dosl ivros didáticos29.

36. Nesse contexto, em especial, osconteúdos específicos de cada componentecurricular seriam adaptados para dialogarcom temas associados aos campos da

1 527As propostas desenvolvidas pelo GEC para formação de professores podem ser acessadas em:BONILLA, Maria Helena Silveira; PRETTO, Nelson de Luca. : as TIC estruturandodinâmicas curriculares horizontais. : ARAÚJO, Bohumila; FREITAS, Katia Siqueira de. (org).

: experiências em formação inicial e formação continuada. Salvador:ISP/UFBA, 2007. p.73-92. BONILLA, Maria Helena Silveira; HALMANN, Adriane Lizbehd. Formação deprofessores do campo e tecnologias digitais: articulações que apontam para outras dinâmicas pedagógicas epotencial izam transformações da realidade. , Goiânia, v.36, n.1 , p. 285-308, jan/jun. 2011 . SILVA,Maria Léa Guimarães.

: o discurso e a prática dos cursos de formação de professores. 2014. 1 86 f.Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador,2014. VELOSO, Maristela Midlej Si lva de Araújo. : redesda criação no cotidiano da escola. 2014. 278 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação,Universidade Federal da Bahia. , Salvador, 2014.

28No original: “esa sensación de euforia, entre el orgul lo de pertenencia y el éxtasis de una comuniónmulti tudinaria, por efímera que sea, se ha convertido en un breve refugio de fel icidad colectiva, unaconquista temporal que tiene aún más significado en medio de unos días que, por lo demás, están siendoingratos para la mayoría o, en demasiadas ocasiones, completamente dramáticos”. Disponível em:https://raulol ivan.com/2020/04/06/mapa-de-los-sentidos-comunes. Acesso em: 06 mar. 2020.

29PRETTO, Nelson De Luca. . Editora da Universidade Federal daBahia/Editora da Unicamp, 2ª ed. , 1 995.

saúde, meio ambiente, política, história, afim de possibi l i tar uma formação cidadãampla para o conhecimento e,consequentemente, o enfrentamento dasquestões que configuram e têm sidoexpostas pela pandemia. Essas discussõespoderiam perpassar tanto a educaçãobásica quanto superior, pois ampliam ouniverso formativo dos estudantes e suasfamíl ias. Seria, assim, mais umapossibi l idade a se considerar, sobretudo naeducação básica, para além do âmbito dasatividades e conteúdos extracurriculares,estimulando uma interação orgânica com ocurrículo. É nesse sentido que a escolaamplia sua dimensão formativa-educativa,ultrapassando o ensino na sua tradicionalforma, para garantir apoio aos estudantes esuas famíl ias, levando informações eprovocando práticas cotidianas voltadaspara o autocuidado, para a saúde e asegurança coletiva, a sol idariedade, osdireitos humanos, a empatia, ações criativaspara l idar com as tensões psicológicas(agravadas pelo longo período deisolamento), estimulando a arte, ampliandoo acesso à cultura, aos temas vitais daecologia e tantas outras pautas importantesque se voltam aos objetivos educacionaismais amplos: a formação humana e aconstrução de uma sociedade justa e igual.Essa seria, sem dúvida, uma proposta quequalificaria ainda mais a escola, ampliariaas dimensões do currículo e daria efetivacontribuição aos nossos milhares deestudantes e suas famíl ias. Teríamosescolas devidamente articuladas com avida, com a sua essência mais fundamentalque é a humanidade, a preocupação com acoletividade e com o destino do planeta.

37. Escolas e Universidades têm papelimportante nesse contexto e um desafiosobressalente: chegar até os estudantes, afim de disponibi l izar o apoio necessário paraatravessar essa crise que afeta, maisdrasticamente, as populaçõessocioeconomicamente mais vulneráveis.Quanto às Universidades, somam-se ainda

esforços no sentido de contribuir compesquisas que fortaleçam a busca porsoluções para os impactos da doença sobrea população.

38. Apontaremos alguns possíveiscaminhos, dialogando com o que já vemsendo proposto por vários manifestos decoletivos docentes e de Associações eSociedades Científicas como: a AssociaçãoNacional pela formação dos Profissionaisda Educação (ANFOPE), AssociaçãoNacional de Pós-Graduação e Pesquisa emEducação (ANPEd), Fórum Nacional deEducação do Campo (FONEC), CampanhaNacional pelo Direito à Educação, CentroAcadêmico de Educação do Campo eDesenvolvimento Territorial (CAECDT) daUniversidade do Estado da Bahia (Uneb),entre outros.

39. A escola deve voltar-se para outrosconteúdos formativos, isso implica aconstrução de conhecimentos que secontraponham à lógica atual dedesumanização, que conduziu ahumanidade ao grande caos social, político,econômico, ecológico, psicológico, quevivemos. A educação básica e superiorprecisam extrapolar seus currículos básicos,à luz da realidade concreta que a todosdesafia, sobretudo, quando é precisocompreender a lógica dessa realidade parase criar formas de superá-la. O momentorequer sol idariedade, capacidade de pensarno coletivo, fraternidade, consciênciaecológica, planetária, comunitária,criatividade para l idar com a ansiedade,com o medo; requer criar laços deafetividade, empatia e esperança. Sãoconteúdos que se opõem à indiferença, quetiram de foco a competitividade e oindividualismo tão comuns no cotidiano. Aeducação básica e a superior precisamoferecer conhecimentos mais profundos,numa perspectiva comprometida com odesvelamento das questões que fundam asociedade, para que se amplie aconsciência histórico-crítica dos estudantes,

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dando-lhes condições de compreender ocomplexo social da vida pautada pelo lucro,a exploração e as desigualdades. Éfundamental que, no cenário em curso, osestudantes tenham acesso aos conteúdosque os permitam ler e compreender arealidade social, sobretudo, nos aspectoseconômicos, ambientais e políticos quedeterminam as ações do Estado, emdiversas nações do mundo, e que, nocontexto brasi leiro, são marcadas por con-tradições.

40. Esse é, pois, um especial momento pararepensarmos tudo, no coletivo. O quebuscamos nesse texto foi justamente trazerpara o foco do debate algumas dasquestões que para nós são centrais. Dessaforma e de maneira sintética, destacamos:i . As potencial idades das tecnologiasdigitais de informação e comunicação, comdestaque para internet, rádio e televisão,devem estar voltadas para o fim máximo daEducação. É importante que se assegure àsfamíl ias informações confiáveis, em umalinguagem capaz de orientar,principalmente, sobre as ações seguraspara prevenção do contágio e manutençãoda saúde. Assim, é imperioso avançar comum pensar coletivo sobre como astecnologias digitais podem ser integradas àsescolas, numa perspectiva que nãoenfraqueça a escola como ambienteformativo; que não enfraqueça osprofessores como o elemento diferenciadono processo de ensino-aprendizagem; quenão enfraqueça a relação dos sujeitos comas comunidades, com as lutas sociais; quenão enfraqueça a autonomia dos sistemasde ensino.i i São inúmeras as possibi l idades daeducação a distância, da presença dastecnologias no cotidiano das escolas, nasnecessárias buscas por mais autonomia,valorização e condições de trabalho deprofessoras e professores, de integração dosistema público de educação, com umamaior aproximação do ensino superior coma educação básica, entre outros.

i i i . Necessário que avancemos, de novo, nocoletivo, na busca e desenvolvimento desoluções l ivres que possam ser uti l izadasna Educação, em todos os níveis, emsubstituição às plataformas privadas quecada dia mais ocupam espaços nasociedade e nos sistemas educativos.iv. É urgente que avancemos naimplantação de políticas públicas quefortaleçam a produção de materiaiscientíficos, culturais e educativos l ivres eabertos, numa perspectiva de produção deconhecimentos, com a criação efortalecimento dos já existentes repositóriosou bancos de materiais educacionais.

41 . É preciso repensar o futuro da vida emsociedade em todos os seus aspectos, eisso inclui o próprio futuro da educação e daescola, sobretudo, diante da possibi l idadeiminente de ampliação prolongada ouindeterminada de isolamento social.Necessário que resgatemos cada vez maiso nosso papel de intelectuais públicos – ecomo gostamos de dizer, ativista – para quepossamos ampliar o debate para além doestabelecido. Convidamos, pois, para leiturae contamos com o seu envolvimento noaprofundamento dessas reflexões a partirde um amplo debate sobre as provocaçõesque ele convoca.

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