cruzeiro', do mestre irineu, fun-dador da religião. são 130 hinos que todos cantam enquanto...

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Massa empurra Galo ao ataque PARAGUAI TIRA BRASIL DE NOVO ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS FESTA DE CRAQUES Alex se divertiu em seu jogo de despedida, ontem, no Mineirão, em que o Cruzeiro da Tríplice Coroa venceu por 6 a 2 o time dos Ídolos Eternos. CAPA YURI CORTEZ/AFP DOMINGO 771809 987014 9 ISSN 1809-9874 9 MG: R$ 3,50 NÚMERO 26.802 EDIÇÃO 84 PÁGINAS FECHAMENTO DA EDIÇÃO: 22H30 B E L O H O R I Z O N T E , D O M I N G O , 2 8 D E J U N H O D E 2 0 1 5 www.em.com.br E E M M Assinaturas e serviço de atendimento: Belo Horizonte: (31) 3263-5800 - Outras localidades: 0800 031 5005 Assinatura Uai: 0800 031 5000 WhatsApp: (31) 8502-4023 Em um espaço no Bairro Ipiranga, fraternidade combina umbanda e santo-daime, dos povos da floresta amazônica, em rituais regados a chá de ayahuasca Todas as semanas, mais de 200 pessoas se reúnem no Centro Espiritualista Fraternidade Kayman, no Bairro Ipiranga, Região Nordeste de BH, a pouco mais de cinco quilômetros da Praça 7, em rituais de umbandaime, uma união da umbanda, de inspiração africana, e do santo-daime, manifestação religiosa de origem amazônica. Nos cultos, são servidas doses do chá da ayahuasca, infusão feita com cipó jagube (Banisteriopsis caapi) e folha rainha (Psychotria viridis), base do daime. Para muitos, a bebida é um alucinógeno, mas os fiéis preferem chamar de enteógeno, abrangendo conceito de ligação religiosa e abertura de canais com o sagrado. Os repórteres Daniel Camargos (textos) e Alexandre Guzanshe (fotos) participaram da celebração. Eles contam como tudo transcorre e os efeitos sobre o corpo e a mente. PÁGINAS 17 A 19 E VEJA VÍDEO NO EM.COM.BR Queda de braço entre a cantora Taylor Swift e a Apple por pagamento pela inserção de seu mais recente álbum no novo serviço de streaming da empresa, vencida pela loira, mostra o poder da pop star e que as discussões em torno do acesso à música digital ainda renderão muitos capítulos. CAPA Cresce o número de pessoas que vão além da medicina buscar práticas e terapias que aliviem dores e sofrimento. CAPA E PÁGINAS 3 E 4 Livro e exposição em Paris contam a história do botão, que pontua estilos e define luxo, feito de plástico ou ouro puro. CAPA E PÁGINA 8 Encruzilhada musical na web EFEITOS DA CRISE Desafio dobrado da indústria láctea Depois de grandes investimentos nas fábricas nos últimos anos, laticínios sofrem com a queda de consumo imposta pela economia em retração e ainda precisam diversificar a oferta, inclusive com produtos sem lactose, para alérgicos. PÁGINAS 9 E 10 Delação atrasa a viagem de Dilma aos EUA A delação premiada do presidente da UTC, Ricardo Pessoa, que relatou doação de dinheiro desviado da Petrobras para sua campanha de 2014, levou a presidente a fazer nova reunião de emergência com ministros e embarcar com uma hora e meia de atraso. O governo insiste que foram doações legais, mas a oposição subiu o tom pelo impeachment. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, teve embolia pulmonar e só deve chegar aos EUA hoje. PÁGINAS 3 E 4 PEDÁGIO NA BR-262 COMEÇA COBRANÇA EM 5 PRAÇAS ENTRE BETIM E CAMPO FLORIDO PÁGINA 20 R E P O R T A G E M E S P E C I A L Em um dos ritos, a Gira de Incorporação, médiuns recebem espíritos de caboclos, pretos velhos, crianças e outras entidades ( ) ‘Ao olhar o tronco da árvore, me vem a imagem de que aquilo é a pata de um dinossauro’ Repórter descreve um dos efeitos da ayahuasca ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS PÁGINA 3 A história da Copa América de 2011 se repetiu. Nos pênaltis, o Paraguai eliminou o Brasil (4 a 3), nas quartas de final. No tempo normal, a Seleção vencia por 1 a 0, até Thiago Silva cometer penalidade infantil, ao pôr a mão na bola dentro da área, permitindo o empate. Com a eliminação, Neymar terá de cumprir dois jogos de supensão nas Eliminatórias. PÁGINA 6

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Massa empurraGalo ao ataque

PARAGUAI TIRABRASIL DE NOVO

ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS

FESTA DE CRAQUESAlex se divertiu em seu jogo dedespedida, ontem, no Mineirão,em que o Cruzeiro da Tríplice Coroavenceu por 6 a 2 o time dosÍdolos Eternos. CAPA

YURI CORTEZ/AFP

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MIN

GO

771809 9870149

ISSN 1809-9874

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●● M G : R $ 3 , 5 0 ●● N Ú M E R O 2 6 . 8 0 2 ●● 2 ª E D I Ç Ã O ●● 8 4 P Á G I N A S ●● F E C H A M E N T O D A E D I Ç Ã O : 2 2 H 3 0

B E L O H O R I Z O N T E , D O M I N G O , 2 8 D E J U N H O D E 2 0 1 5

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Assinaturas e serviço de atendimento: Belo Horizonte: (31) 3263-5800 - Outras localidades: 0800 031 5005Assinatura Uai: 0800 031 5000

WhatsApp: (31) 8502-4023

Em um espaço no Bairro Ipiranga, fraternidade combinaumbanda e santo-daime, dos povos da floresta

amazônica, em rituais regados a chá de ayahuasca

Todas as semanas, mais de 200 pessoas se reúnem no Centro Espiritualista Fraternidade Kayman, no Bairro Ipiranga, Região Nordeste de BH, a pouco mais de cincoquilômetros da Praça 7, em rituais de umbandaime, uma união da umbanda, de inspiração africana, e do santo-daime, manifestação religiosa de origem amazônica.

Nos cultos, são servidas doses do chá da ayahuasca, infusão feita com cipó jagube (Banisteriopsis caapi) e folha rainha (Psychotria viridis), base do daime. Para muitos,a bebida é um alucinógeno, mas os fiéis preferem chamar de enteógeno, abrangendo conceito de ligação religiosa e abertura de canais com o sagrado. Os repórteres

Daniel Camargos (textos) e Alexandre Guzanshe (fotos) participaram da celebração. Eles contam como tudo transcorre e os efeitos sobre o corpo e a mente.

P Á G I N A S 1 7 A 1 9 E V E JA V Í D E O N O E M .COM . B R

Queda de braço entre a cantoraTaylor Swift e a Apple porpagamento pela inserção deseu mais recente álbum nonovo serviço de streaming daempresa, vencida pela loira,mostra o poder da pop star eque as discussões em torno doacesso à música digital aindarenderão muitos capítulos.CAPA

● Cresce o número de pessoasque vão além da medicinabuscar práticas e terapias quealiviem dores e sofrimento.CAPA E PÁGINAS 3 E 4

● Livro e exposição em Pariscontam a história do botão,que pontua estilos e defineluxo, feito de plástico ou ouropuro. CAPA E PÁGINA 8

Encruzilhadamusical na web

EFEITOS DA CRISE

Desafio dobradoda indústria lácteaDepois de grandes investimentos nasfábricas nos últimos anos, laticínios sofremcom a queda de consumo imposta pelaeconomia em retração e ainda precisamdiversificar a oferta, inclusive com produtossem lactose, para alérgicos. PÁGINAS 9 E 10

Delação atrasaa viagem deDilma aos EUAA delação premiada do presidente da UTC,Ricardo Pessoa, que relatou doação dedinheiro desviado da Petrobras para suacampanha de 2014, levou a presidente afazer nova reunião de emergência comministros e embarcar com uma hora e meiade atraso. O governo insiste que foramdoações legais, mas a oposição subiu o tompelo impeachment. O ministro da Fazenda,Joaquim Levy, teve embolia pulmonar e sódeve chegar aos EUA hoje. PÁGINAS 3 E 4

PEDÁGIO NA BR-262COMEÇA COBRANÇA EM 5 PRAÇASENTRE BETIM E CAMPO FLORIDOPÁGINA 20

R E P O R T A G E M E S P E C I A L

Em um dos ritos, a Gira de Incorporação,médiuns recebem espíritos de caboclos,

pretos velhos, crianças e outras entidades

( )‘Ao olhar o tronco da árvore, me vem a imagem de que aquilo é a pata de um dinossauro’ – Repórter descreve um dos efeitos da ayahuasca

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A história da Copa América de 2011 serepetiu. Nos pênaltis, o Paraguai eliminouo Brasil (4 a 3), nas quartas de final. Notempo normal, a Seleção vencia por 1 a 0,até Thiago Silva cometer penalidade infantil,ao pôr a mão na bola dentro da área,permitindo o empate. Com a eliminação,Neymar terá de cumprir dois jogos desupensão nas Eliminatórias. PÁGINA 6

LEIA MAIS SOBRE UMBANDAIMEPÁGINAS 18 E 19

O casal Gustavo e Vivianee os filhos voltaram a sedivertir na Praça daAssembleia, cujas obrasestão na fase final.

ÁREA DE LAZER

PÁGINA 21

GERAISESTADO DE MINAS ● D O M I N G O , 2 8 D E J U N H O D E 2 0 1 5 ● E D I T O R : A n d r é G a r c i a ● T E L E F O N E S : ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 2 4 4 / 3 2 6 3 - 5 1 0 5 ● E - M A I L : g e r a i s . e m @ u a i . c o m . b r W h a t s A p p : ( 3 1 ) 8 5 0 2 - 4 0 2 3

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O c h á q u e m i s t u r a Á f r i c a e A m a z ô n i a e m B H

ção (termo usado entre os daimis-tas para definir uma visão estimu-lada pelo chá) quando tomou aayahuasca pela primeira vez. “Eupude ver que religião significa re-ligar. Unir todas as linhas de pen-samento e força. Em nome doamor. Em nome da paz. Em nomedo bem. Eu via que todas as reli-giões eram boas para mim”, des-crevePierry.Foicomaautorizaçãodele que a equipe de reportagemdoEstado de Minasacompanhouumacerimôniadeumbandaimeeuma do santo-daime.

A cerimônia do umbandaimeé chamada de desenvolvimentomediúnico e começa por volta de19h30, sempre às quintas-feiras.Quem deseja beber a ayahuascaprecisa preencher uma ficha. En-tre os questionamentos estão per-guntas sobre eventual uso de al-gum medicamento ou droga.Após o preenchimento, é feitauma entrevista com Pierry. Se onovo participante é liberado, pagaR$ 30. Quem não deseja beber ochá pode participar sem pagar na-da. Outra condição para tomar ainfusão é permanecer no local atéofimdacerimônia,queduracercade quatro horas.

Na quinta-feira em que o EMacompanhou os ritos, ocorreuuma Gira de Incorporação. Gira éadesignaçãodasessãoreligiosadeumbanda; incorporação significaque entidades serão incorporadaspelosmédiuns,queafirmamrece-ber espíritos de caboclos, pretosvelhos, crianças e demais entida-des,guiadospelabatidadosataba-ques, por músicas e hinos, os pon-tos de Umbanda.

AcerimôniacomeçacomPier-ry, já incorporado como Pai Joãode Aruanda, rezando um pai nos-so e uma ave-maria. Com a voz al-terada, remetendo a um senhorbem mais velho que os 44 anosque tem, o fundador convoca to-dos a repetir: “Eu sou feliz! Eu soufeliz porque eu sou filho de Deus.Eu sou feliz porque eu sou eu”. To-dosentoamasfrasesemuníssono.

Às 19h50, é servida a primeira

também foram usados aayahuasca e o rumã (rapé).

Às 21h, é servida a segundadose do daime. Dez cadeiras sãodispostas no centro do salão ePierry (Pai João) dá as instruçõespara os médiuns incorporaremos pretos velhos. Um senhoracende um grande cachimbo e fi-ca de pé no meio das cadeiras.Pretos velhos e seus cavalos – co-mo os médiuns são chamados –tomam seus lugares.

Os filhos da casa usam roupastotalmente brancas e colares(guias) de contas coloridas. Os queestão na organização da gira con-vidam,umaum,ospresentesare-ceber atendimento dos médiunsincorporados. Do lado direito dosalão, há uma porta para a chama-da “sala de cura”. Com cinco ma-cas,umaluzazuladaeaparedede-coradaporváriosquadros, incluin-do médicos que Pierry relata in-corporar. Lá, outros filhos da casafazem atendimento espiritual en-quanto ocorre a gira.

Após uma hora, terminam osatendimentos. Pierry(Pai João) ba-te o atabaque com força, e os mú-sicos voltam a tocar e a cantar. É avez de os médiuns incorporaremcrianças(erês).Sãodistribuídasba-las,docesepirulitos,eamovimen-tação no centro da roda se aproxi-ma de um estado de êxtase, commuitas pessoas deitadas e com ospés para cima.

Quase 22h30. As luzes sãoapagadas, Rasu Yawanawá tocaviolão e canta uma bela músicaem seu idioma nativo, por qua-se 10 minutos. Todos assistemassentados. Na segunda músi-ca, com a batida do violão maissincopada, os filhos da casa vol-tam a receber entidades e bai-lar no meio do salão. A cerimô-nia termina com Pierry (PaiJoão) rezando um pai-nosso euma ave-maria.

Do lado de fora da Fraternida-de, na rua Pio X, já é sexta-feira.Poucas luzes estão acessas nas ja-nelasdosprédiosvizinhosaolocal.Os motoristas dos poucos carrosque passam em alta velocidadepela Avenida Cristiano Machadodificilmente imaginam a cerimô-niaqueacaboudeaconteceraape-nas três quarteirões de uma dasprincipais vias da capital.

Jesus Cristo, Oxalá, São Jorge,Ogum, São Sebastião, Oxossi, Nos-sa Senhora da Conceição, Oxum,São Jerônimo e Xangô; Krishna,Ganesha e Shiva; Curupira, cabo-clos, águia, golfinho, lobo, boto, sa-cis e demais seres encantados dafloresta ladeiam outras imagensnos vários altares do Centro Espi-ritualista Fraternidade Kayman,onde ocorrem os rituais de um-bandaime – uma união da um-banda, de inspiração africana, e dosanto-daime, manifestação reli-giosa de origem amazônica – emBelo Horizonte. As grutas são ilu-minadas em diferentes cores, emharmonia com o teto densamen-teenfeitadoporpequenasbandei-ras multicoloridas. Quem observapela primeira vez o espaço – emum terreno de 1.200 metros qua-dradosnoBairroIpiranga,Nordes-te de Belo Horizonte, distante ape-nas 5,2 quilômetros da Praça Sete– pisca algumas vezes para ajustara visão a vários matizes. Se é noitede quinta-feira, é preciso focarmais do que as vistas.

As mais de 200 pessoas quevão à fraternidade todas as sema-nasparaascerimôniasdoumban-daime entram em sintonia ao rit-mo dos atabaques, assistem aosmédiuns incorporarem entidadese recebem passes. Quem deseja,toma o chá da ayahuasca, bebidaelaborada com a mistura do cipójagube (Banisteriopsis caapi) coma folha rainha (Psychotria viridis),base do santo-daime. Há quemconsidere a beberagem um aluci-nógeno. O termo é repudiado pe-los fiéis, que preferem a palavraenteógeno, pois abrange a ideia deligação religiosa.

A Fraternidade Kayman foifundada há quase 13 anos por Ro-bespierry Caetano, médium e paide santo, que incorpora Pai Joãode Aruanda, um preto velho. Pier-ry, como é conhecido, ficou famo-so em 1992, por ter vislumbrado –segundo ele, por contato espiri-tual – a localização de parte dosdestroços do helicóptero que ma-tou o político Ulysses Guimarães.Após ganhar notoriedade, ele via-jou por todos os estados brasilei-ros por sete anos, realizando cirur-gias espirituais. De acordo comseus cálculos, fez mais de 1 milhãode operações, usando como ins-trumento mais complexo umaprosaica faca de cozinha.

MISSÃONascido em uma fazendaemOuroVerdedeGoiás,Pierryes-colheu Belo Horizonte para viverdesde o ano 2000. Decidiu abrir aFraternidade após ter uma mira-

dose de ayahuasca. Enquanto for-ma-se a fila, Pierry (Pai João) pre-ga: “Tem gente que vem tomar odaime para ficar maluco. O daimeé para acabar com a maluquice”.Para beber o chá, os homens de-vem estar com os pés descalços,vestindo calça e blusa cobrindo osombros. As mulheres tambémprecisam estar descalças, comsaias longas e blusas cobrindoombros e a barriga.

Com todos em silêncio, é pos-sível escutar o barulho dos coposde vidro vazios de daime tilintan-do na bandeja. “O daime é para to-dos,masnemtodossãoparaodai-me”, diz, quebrando o silêncio,Pierry (Pai João). Depois de 10 mi-nutos, começam os preparativospara a gira. Um filho da casa, o de-fumador, passa por todo o salãodefumandooambiente,enquantoésaudadoporumamúsica.Quan-do a fumaça se aproxima das pes-soas, elas rodopiam e fazem umgestual,comasmãoscomosecha-massem a fumaça.

Asmúsicassãoexecutadasporumtriodeatabaqueseumcorodevozes femininas. Todos ajudamritmando com palmas. Aquelesquemanifestammediunidadeco-meçam a incorporar as entidades.Osfilhosbatizadosnacasa,quees-tão sentados nas primeiras cadei-ras, são os primeiros a se levantar,e se dirigem ao centro da roda.Dançam, giram e algumas mulhe-res tampam o rosto com os cabe-loscompridosjogadosparafrente.Aincorporação,geralmente,épre-cedidaporumtremorintenso,emque os braços do médium balan-çam tanto que parecem sem con-trole. Fiéis mais experientes ficama postos para auxiliar visitantesque manifestem mediunidade ecomecem a incorporar.

INSPIRAÇÃODAFLORESTAAo ladode Pierry, na frente dos altares ealinhado com os músicos, estãodois indígenas da tribo Yawana-wá, do Acre: o pajé Tatá Yawana-wá, de 102 anos, e o neto dele, Ra-su Yawanawá. Além de adotar aumbanda e o santo- daime, a Fra-ternidade Kayman se vale de ritosindígenas. Rasu e Tatá estavam lápois participaram de duas paje-lanças na Fraternidade, em que

“TEM GENTE QUEVEM TOMAR O

DAIME PARA FICARMALUCO. O DAIME

É PARA ACABARCOM A MALUQUICE”

● ROBESPIERRY CAETANO,INCORPORADO COMOPAI JOÃO DE ARUANDA

DANIEL CAMARGOS Participantes da cerimôniasão servidos com umadose de ayahuasca. O cháé oferecido duas vezesdurante o ritual religiosoinspirado na umbanda eno santo-daime

UmbandaimeFOTOS: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS

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Veja o vídeo dacerimônia

‘O GOSTO É BEMAMARGO E ACOLORAÇÃO,

MARROM-ESCURO. OASPECTO É DENSO.MUITOS SAEM DA

FILA FAZENDOCARETA. COMO JÁ

SABIA DISSO, LEVEIBALAS DE HORTELÃ

NO BOLSO,QUE CHUPEI

IMEDIATAMENTEAPÓS TOMAR O CHÁ’

GERAIS

E S T A D O D E M I N A S ● D O M I N G O , 2 8 D E J U N H O D E 2 0 1 5

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DANIEL CAMARGOS

“São 21h36. Eu e o fotógrafoAlexandre Guzanshe estamosacompanhando o Trabalho de SãoJoão, um dos mais importantes dadoutrina do santo-daime, iniciadoàs 18h de um sábado, 20 de junho,na Fraternidade Kayman, no Bair-ro Ipiranga, Região Nordeste deBH. A data é reservada exclusiva-mente a rituais ligados ao chá. Co-meço a notar os efeitos daayahuasca no meu organismoapós beber a segunda dose. Iaguardar o microfone – usado paracaptar o áudio da cerimônia –quando percebo que minha mãoestá 'mole'. Pego o bloco de anota-ções para escrever as sensações,pois tenho receio de não conse-guir me lembrar de nada. Fico umtempo paralisado, tentando recor-dar a grafia da palavra microfone.

No trabalho, como é chama-da a cerimônia do santo-daime,homens ficam de um lado daigreja e mulheres, do outro. Aocentro, observo uma mesa com aCruz de Caravaca, o Cruzeiro. Osadeptos da religião usam roupabranca, com paletó e gravata, de-nominada farda. As mulherestrajam saia comprida e uma co-roa. A cerimônia começa com to-dos rezando um terço. Na se-quência, bebem a primeira dosede daime. Eu também.

O gosto é bem amargo e a co-loração, marrom-escuro. O aspec-to é denso. Muitos saem da fila fa-zendo careta. Como já sabia disso,levei balas de hortelã no bolso,que chupei imediatamente apóstomar o chá. Ao escrever este tex-to, cinco dias depois da experiên-cia, volto a fazer careta só de recor-dar o sabor.

O bailado começa. Durante acerimônia seguem o hinário 'OCruzeiro', do Mestre Irineu, fun-dador da religião. São 130 hinosque todos cantam enquantodançam, em um compasso repe-titivo – dois para esquerda; doispara a direita. Alguns tocam umchocalho e em parte do hináriomúsicos com violão, baixo, gui-tarra e zabumba fazem o acom-panhamento, posicionados nocentro da roda.

Logo após servirem a segundadose,euolhoparaoGuzanshe.Per-guntoseeleestábem. 'Minhavistaestáenfumaçada;quandofechoosolhos vejo pontos vermelhos', eleconta. Meu colega também senteque a pressão arterial está baixa.Paraevitarumdesmaio,senta, ins-pira e expira pausadamente. Logoapós a primeira dose do chá, duasmulheres caem no chão, desmaia-das.Foramacudidas, levantaramevoltaramabailaratéofim:às5h30do outro dia.

PURIFICAÇÃO Canso de bailar efico sentado nas cadeiras dispos-tas no fundo do salão. Os fiéismais fervorosos não gostam daatitude. Entendem que sair daroda pode quebrar a corrente deenergia. Já são mais de 22h e, aoouvir o barulho das pessoas vo-mitando no jardim, do lado defora do salão, faço o mesmo. Noléxico daimista, vomitar não épassar mal. Faz parte do proces-so de limpeza.

A profusão de cores e luzes dosalão, as bandeirinhas no teto, osaltares multicoloridos, a música eo movimento do bailado me dei-xam atordoado. Começo a enxer-gar texturas nas cores. Em algunsmomentos, tenho a sensação deque a minha blusa de lã preta es-tá soltando fragmentos, como sefossem pixels.

Saio do salão e me deito nobanco de cimento, embaixo deuma mangueira. Ao olhar o tron-co da árvore, me vem a imagemde que aquilo é a pata de um di-nossauro. Meu pensamento vailonge, em uma perseguição de di-nossauros ao estilo de StevenSpielberg. Consigo desviar o olharda árvore e, ao encarar o chão decimento pintado, me recordo dacasa de uma tia, no interior, local

presente nos bons momentos dainfância em que sempre me sentimuito confortável. Lá, o piso erasemelhante.

O criador do LSD, Albert Hof-mann, escreveu no livro LSD –minha criança problema que viuna droga uma possibilidade de re-cuperar o encantamento que vi-venciou na infância. 'Foram expe-riências que moldaram os princi-pais esboços de minha visão domundo e me convenceram daexistência de uma realidade mi-lagrosa, poderosa, insondável,que estava oculta da visão coti-diana', relata, na introdução daobra. Refletindo sobre a 'miração'– como os daimistas preferemchamar as alucinações – de umlocal da minha infância que sem-pre me agradou, faço uma relação

entre as duas substâncias psicoa-tivas: a ayahuasca e o LSD.

Um homem fardado, com ca-belo estilo black power, responsá-vel por fiscalizar o comportamen-to e acudir as pessoas que estãovomitando, vem conversar comi-go. Interrompe minhas mirações.Fala da importância de ficar den-tro do salão, para sentir a energia.Conta em forma de parábolas his-tórias de superação e força. Eu re-torno ao salão, mas sigo ataranta-do com as luzes e cores.

MAIS UMA DOSE Por volta demeia-noite, um intervalo. Duran-te a pausa – uma hora –, fico sen-tado próximo a uma fogueira eaos poucos as mirações vão ces-sando. No retorno, é servida a ter-ceira dose do Daime. Mas não mearrisco a beber mais. Pierry (PaiJoão de Aruanda) conclama quetodos tomem pelo menos umpouco, pois, segundo ele, é impor-tante para manter a força.

Sigo no processo de 'limpeza',mas agora por outra via, e no va-so sanitário. Ao voltar ao salão,sinto um alívio grande e passobom período da segunda parteda cerimônia dormindo sentado.O trabalho termina às 5h30. Jáem casa, acordo por volta de 11he vivencio uma sensação de paz etranquilidade, totalmente distin-ta de uma ressaca.

Após a experiência, eu sigoateu, mas com um profundo res-peito – um pouco de inveja, con-fesso – pelo sentimento de fé daspessoas. O ambiente na Fraterni-dade Kayman é de amizade e res-peito, todos se tratam bem e osdiscursos são sempre de amor etolerância. 'Nós somos todosiguais. Nós somos todos filhos deum único Deus. Não tem comopensar diferente', ensina Pierry.”

Meu encontro com daimeQUÍMICA DA FÉ

Os fiéis ao santo-daime repudiam aquelesque classificam a ayahuasca como uma drogaou alucinógeno. No livro Mergulho na luz – Psi-cografia em expansão de consciência com oSanto Daime (Infinitum Editora), o autor, Júlioda Mata, atribui a orientação ao espírito BomMoço e explica: “A ayahuasca é uma substân-cia psicoativa que expande a percepção huma-na, produzindo um estado alterado de cons-ciência. As experiências com ela são de carátermístico, pessoal e real para o visionário. Peladefinição técnica de alucinógeno, a ayahuascanão poderia ser considerada uma substânciaalucinógena, por não produzir os efeitos adver-sos descritos na definição de alucinógeno”.

Resolução do Conselho Nacional de Po-líticas sobre Drogas (Conad), órgão vincula-do ao Ministério da Justiça, de 2006, permi-tiu o uso do chá para fins religiosos. Em2010, a resolução foi revista, esclarecendoquestões sobre a proibição da comercializa-ção da bebida. O princípio ativo da bebera-gem é a dimetiltriptamina (DMT) presentena folha rainha (Psychotria viridis), uma dosingredientes do daime.

O farmacologista Rodrigo Guabiraba expli-ca que o DMT é um análogo da serotonina,neurotransmissor ligado às sensações de bem-estar e recompensa nos mamíferos. “O DMT éeliminado do corpo pela monoamina oxidase(MAO), substância presente em vários tecidosdo corpo, e, claro, no sistema nervoso central”,explica o farmacologista, pós-doutor em imu-nofarmacologia pela Universidade de Glasgow,na Escócia, e pesquisador do Institut Nationalde la Recherche Agronomique (Inra), na França.

Guabiraba detalha, porém, que o cipó jagu-be (Banisteriopsis caapi), que também entra nareceita do chá, tem em sua composição alcaloi-des que inibem a MAO e favorecem a ativida-de do DMT no organismo. Foi o químico e psi-quiatra húngaro Stphen Szára, na década de1950, que começou a estudar o DMT e suaspropriedades psicoativas e alucinogênicas,pois trabalhava na mesma época com o LSD,destaca Guabiraba.

EFEITOS COLATERAIS O farmacologista apon-ta que estudos recentes não mostram grandesefeitos de dependência ligados ao DMT. “Podeser observada depressão pós-uso, como noLSD. Mas o abuso, sem dúvida, pode levar à de-pressão permanente e distúrbios diversos emindivíduos suscetíveis, como esquizofrênicos,mas não necessariamente dependência”, deta-lha Guabiraba. “O problema do daime, além dopossível abuso, é o uso sem vigilância e fora doritual”, complementa.

Em vez de alucinógeno, os adeptos do san-to-daime preferem a expressão enteógeno –substância que leva à inspiração ou a algumarevelação. “O daime contém compostos quecausam alucinações, ligadas ou não ao bem-es-tar, em que a intensidade da experiência podeestar ligada à fisiologia do indivíduo e à formae à composição do chá. Porém, o ritual tem umpapel fundamental, pois predispõe o indiví-duo a ter sensações que, provavelmente, nãoseriam sentidas se a bebida fosse tomada emcampo neutro – por isso, o conceito de enteó-geno”, afirma Guabiraba.

FOTOS: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS

Repórter relata asalucinações, asreações fisiológicas eas sensações tardiasrelacionadas aoconsumo daayahuasca em ritual.Para os fiéis, umaexperiência que trazrevelações divinas

Fundador dafraternidade que aliarituais da umbanda edo santo-daime falasobre ChicoXavier, a descobertada ayahuasca e comorecebeu do Sol opresente para criara Kayman

DANIEL CAMARGOS

Robespierry Caetano, o Pierry,fundador da Fraternidade Kayman,que une a umbanda ao santo-daimeem Belo Horizonte, planeja criar umacomunidade, ou uma ecovila, emalguma área rural próximo à capital.Quer erguer uma igreja e um terreiro.“Um local em que as pessoas possamplantar e produzir aquilo que con-somem”, vislumbra. A segunda partedo plano é transformar o espaço daFraternidade Kayman, no Bairro Ipi-ranga, em local para realização decirurgias espirituais.

Pierry diz ter descoberto suamediunidade ainda criança, quan-do vivia com os pais em umafazenda, em Ouro Verde de Goiás.Aos 21 anos, decidiu procurar omédium Chico Xavier, em Ubera-ba, no Triângulo Mineiro. Ele lem-bra que entrou na fila para conver-sar com Chico diversas vezes, masnão conseguia, devido ao grandenúmero de pessoas e à velocidadedo andamento da fila.

“Na sétima vez, eu tinha acabadode passar por ele quando recebi o PaiJoão. Foi então que o Emmanuel(um dos espíritos incorporados porChico Xavier) nos chamou. Ele disseque eu tinha um dom e uma missãomuito grandes”, relata Pierry.

No ano seguinte, após a mortedo deputado Ulysses Guimarães,em 12 de outubro de 1992, Pierry dizter recebido um recado espiritual dopolítico, informando sobre a local-ização do helicóptero, que haviacaído no litoral sul do Rio de Janeiro.“Meu pai vendeu umas vacas e medeu o dinheiro viajar. Cheguei aParati (RJ) e fui até o local onde aMarinha fazia as buscas. Disse quesabia onde estava o helicóptero,mas todos riram e me mandaramembora”, recorda.

REVELAÇÕES Quando estava sain-do, Pierry diz ter incorporado PaiJoão, que começou a conversar comum tenente: “Você é filho da donaMarta de Mogi Mirim e tem umirmão que está sofrendo muito,mas vai conseguir sair do vício dasdrogas”, disse. Segundo Pierry, omilitar ficou assustado e aceitou aajuda. Com a localização indicadapelo médium, foi encontrado oprimeiro destroço do helicóptero, otanque de combustível. A ajuda setornou notícia e foi destaque emtodos os jornais do país. Pierry ficoufamoso, foi personagem de umareportagem do Fantástico, na TVGlobo, e entrevistado por Jô Soares,à época no SBT.

“No dia em que chegou, mer-gulhadores desceram num pontoindicado por ele e encontraram otanque de combustível do aparelhoacidentado”, destacou a edição doEstado de Minas. O corpo deUlysses nunca foi localizado.

CIRURGIAS Em 1996, quando Pierryconheceu Belo Horizonte, tambémfoi notícia no EM. Uma foto na capada edição de 13 de fevereiromostrava o médium com uma facade cozinha na mão e tratando o péde uma senhora. “Centenas de pes-soas, das mais diferentes crenças,enfrentam diariamente uma longafila em frente ao Exoteric Center, naAvenida Augusto de Lima, para

serem atendidas pelo médium”,publicou o jornal, na capa.

Segundo Pierry, nessas cirurgias,ele trabalhava com os médicos – jádesencarnados – Custódio VilelaRibeiro e Lazarino, este último ummexicano com aparência feminina.

Em apenas um dia, Pierry atendeu700 pessoas. “Minha vinda a BH foideterminada pelo plano espiritual,a fim de que eu pudesse resgataruma missão. A cidade tem muitaenergia espiritual e aqui me sintobem”, explicou ao EM, há 19 anos.

No ano seguinte, em janeiro de1997, Pierry voltou às páginas doEM. Ele estava atendendo emMontes Claros, no Norte de Minas. Areportagem destacava que as filaschegavam a dois quarteirões. Aoperária Maria Isaura Lopesprocurou o atendimento porquetinha um problema no útero. “Vime estou curada”, disse.

Pierry calcula que nos sete anosdedicados ao atendimento espiritu-ais, entre 1993 e 2000, operou 1,08milhão de pessoas no país, percor-rendo 80 cidades apenas em Minas.“Eu chegava a um lugar e procuravaum local, geralmente alguma enti-dade de assistência social, pedindoum espaço. Em troca, arrecadava ali-mentos e roupas para distribuir àspessoas carentes”, relata.

Em 2000, Pierry decidiu se fixarem BH. Fundou a Sociedade Mineirade Amparo Social (Somas), queseguia as linhas kardecista e deumbanda, no Bairro Renascença,Região Nordeste de BH. “Eu estavadescrente e meu mentor espiritualpercebeu. Foi quando o Pai João meorientou a tomar o santo-daime”,lembra o médium.

GERAIS

E S T A D O D E M I N A S ● D O M I N G O , 2 8 D E J U N H O D E 2 0 1 5

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Um diálogo com os astros‘Curado’ pelo chá

Pierry recorda que não teve tempo depesquisar e que, por coincidência, havia noSomasalgunsadeptosdosanto-daime.“Pai Joãosabia que eles eram daimistas, e pediu quefizessem um trabalho de cura para ver se euvoltava a ficar animado”, recorda Pierry. “Passa-dos uns 40 minutos, eu comecei a sentir odaime, mas muito leve. Comecei até a ques-tionar: 'O que estou fazendo tomando esse chá?Issopodeserumadroga'”, lembraPierry.Opres-idente da sessão, porém, falou para ele esperarmais 15 minutos. “Eu senti o daime muito forte.Achei que ia morrer, pois minha pressão caiu eeu comecei ter a sensação de que estava viran-do água. Saí da cadeira e caí. Achei que estavatendo um AVC ou algo parecido. Mas aícomeçou uma miração”, relata, referindo-se auma visão estimulada pela bebida.

Pierrylembratervistoumvaledemorteeterficado com medo. Porém, segundo ele, Pai Joãode Aruanda pediu que seguisse na miração. Pas-sou a enxergar um jardim alegre, com muitospássaros. “Tinha uma estrada que chegava a umcastelo, em um lugar muito alto. Eu cheguei aesselugarevidoissentinelasvigiandoaportadeentrada. Observei a porta e vi que tinha muitosentesqueridos,pessoasamigasquehaviamdes-encarnado, quando, de repente, uma voz mechamou e eu olhei. Era o Sol”, detalha.

O Sol, descreve Pierry, tinha olhos, boca enariz e apresentou a ele a Lua, dizendo que eracasadocomelaequeasestrelaseramseusfilhose filhas. “De repente, ele me perguntou: ‘Vocêquer fazer um pedido?’”, recorda. Pierry diz terpedido um espaço maior para poder trabalharcom a doutrina do santo-daime. “Ele imediata-mente disse: ‘Pois não’. Aí veio uma ânsia devômito. Eu consegui levantar e fiz a limpeza,como chamamos”, explica, referindo-se ao fatode ter vomitado. No dia seguinte, segundo Pier-ry, um conhecido o procurou e contou quetinha sonhado com ele. “Ele disse que sonhouque eu precisava de um espaço maior e que eletinha que me trazer aqui nesse lugar (onde fun-ciona a Kayman)”, relembra.

A Fraternidade Kayman foi fundada em 31de agosto de 2002, sete meses após a visão dePierry. A casa tem 140 filhos batizados na linhade umbanda e capacidade para receber até 260pessoas durante as cerimônias. Quem passapela Rua Pio X e vê a placa com o nome daFraternidade e um discreto portão dificilmenteimaginaaconfiguraçãodolocal.Noterrenocompoucos metros de frente e bem comprido, háalgumas casas, onde Pierry e outras pessoasvivem, e várias construções com motivos reli-giosos – Casa de Exu, Senzala (espaço paraatendimento dos preto velhos) e o grande salão,com altares e espaço para as cerimônias. Entreos filhos da casa, estão pessoas de diversas class-essociaiseprofissões, incluindopsicólogos,pub-licitários, médicos, engenheiros, advogados emuitos estudantes. A maioria do público é for-mada por pessoas abaixo de 30 anos.

Raimundo Irineu Serra, nascido noMaranhão, migra para o Acre, em 1912, aos

20 anos, para trabalhar na extração daborracha. Em suas andanças pela Amazônia,

estabelece contato com índios, que lheapresentam a ayahuasca, bebida ritual

produzida com ervas da floresta.

Após ter revelações religiosas motivadaspelo uso do chá, Mestre Irineu, como

passaria a ser chamado, organiza rituaise funda a primeira manifestação

religiosa totalmente brasileira, em 1930,o santo-daime.

Os trabalhos do daime são de dois tipos:concentração e bailado. Na concentração, os

fiéis bebem o chá e buscam uma conexãocom o ser interior. Já no bailado, cantam uma

série de hinos (hinário) e bailam em passorepetitivo. A cerimônia pode durar até 12

horas, sempre regada a várias doses do chá.

Com a morte do Mestre Irineu, em 1971, háuma divisão entre os praticantes do daime.A viúva do fundador, Peregrina, comanda a

igreja em Alto Santo, em Rio Branco, noAcre. Sua decisão é não expandir os ritos

para outras localidades.

Um dos principais discípulos de MestreIrineu, Sebastião Mota Melo cria o Centro

Eclético da Fluente Luz UniversalRaimundo Irineu Serra (Cefluris). Essa

vertente se abre a mochileiros e hippiesem busca da bebida, que, no imaginário

coletivo, provoca alucinações.

Padrinho Sebastião, como passa a serchamado pelos adeptos, faz intenso

intercâmbio cultural com os viajantes. Partedos mochileiros que conheceram a Cefluris –

localizada no Sul do Amazonas, no localchamado Céu de Mapiá –retornam para suas

cidades e começam a abrir igrejas emdiversas partes do território nacional.

Padrinho Sebastião inicia a abertura dosanto-daime ao espiritismo kardecista eà Umbanda. No fim da década de 1970,chega ao Céu de Mapiá o paraibano José

Lito, conhecido como Ceará. Ele temgrande influência sobre Padrinho

Sebastião, a quem detalha os princípiosda umbanda.

Na Região Serrana do Rio de Janeiro, a mãede santo Baixinha é apresentada ao daime

por um dos viajantes que retornam daAmazônia. Em 1985, Padrinho Sebastião vaiao Rio e se encontra com Mãe Baixinha. Osdois se tornam próximos e é firmada uma

aliança entra a umbanda e o santo-daime.

O umbandaime ainda está emdesenvolvimento e há variações entre as

casas que praticam a linha. A FraternidadeKayman, de Belo Horizonte, é ligada

diretamente ao terreiro da Mãe Baixinha(que morreu em novembro do ano

passado).

A ORIGEMSAIBA COMO UMA

BEBIDA RITUAL DOSPOVOS DA AMAZÔNIA

SE ASSOCIOU APRINCÍPIOS

RELIGIOSOS E CHEGOUÀ UMBANDA, DANDO

ORIGEM AOUMBANDAIME

Mestre Irineu

Padrinho Sebastião O daime se espalha Espiritismo A união Umbandaime

Santo-daime Duas fases Morte e ruptura

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ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS

Médium e pai de santo, Pierry fundou a Fraternidade Kayman há 13 anos, após ter uma visão estimulada pela ayahusca

MISTURA DE RELIGIÕESNÃO É BEM VISTA

A Fraternidade Kayman é a referênciaem umbandaime em Minas Gerais.No Brasil, existem dois outros centrosconhecidos, o Reino do Sol, na capitalpaulista e Flor da Montanha, emLumiar, no Rio Janeiro. Este último é,inclusive, o pioneiro em umbandaimeno país, quando iniciou as cerimôniasna década de 1980 com a Mãe deSanto Baixinha. O diretor cultural daFederação Brasileira de Umbanda,José Carlos Gentil, entende que amistura das religiões não é boa.“Com todo o respeito que tenho pelosanto-daime, mas não faz parte daumbanda tomar o chá”, acreditaGentil. Mas ele pondera que todas asreligiões têm “um elo de ligaçãouma com as outras”.