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Anais da Semana Acadêmica de Comunicação
Jornalismo e Universidade: Reescrevendo o Amanhã
COORDENADORES
Wagner Costa
Juliana Lofego
Rio Branco, Acre
2016
Comissão organizadora
Professores Responsáveis
Juliana Lofêgo
Wagner Costa
Alunos
Alex Sandro de Almeida Lima
Alice Maria Nunes de Souza
Aline Manoela Rocha de Moura
Ana Flávia de Almeida Soares
Ana Luiza de Lima Silva
Andressa Larissa de Souza Bezerra
André Luiz de Lima Araújo
Bleno Caleb de Paula
Carla Cabral da Cunha
Daiane Lopes Pereira
Daniel do Nascimento Lopez
Dryelem Leite Alves
Faidhy da Costa Acosta
Francisco Victor Teixeira Garcia de Lima
Gabriel Afonso Rotta
Gercilene Carvalho da Silva
Ítala Batista de Oliveira
João Renato Jácome de Andrade
José Faustino Vieira Neto
Larissa Costa Silva
Lucas Silva de Sousa
Maria da Liberdade Figueiredo Meireles
Maria José de Barros Santos
Murilo Santos de Lima
Raylanderson Rodrigues da Frota
Roseane da Silva Dantas
Thalis da Cruz Gutierres
Thiago Bezerra Francisco
Wellington de Mota Castro
Apresentação
Ao longo de seus 15 anos de atividade, o Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Acre tem se constituído em um importante celeiro de formação de profissionais. Após enfrentar as dificuldades comuns a cursos em processo de implantação, atualmente percebe-se uma outra realidade: melhor estrutura física dos laboratórios, um maior número de docentes e, mais recentemente, agudas alterações em seu projeto político pedagógico. São outros tempos, tempos de mudança.
Em sua edição 2016, a Semana Acadêmica de Comunicação tomou o aniversário de 15 anos do curso como um dos eixos para trabalhar o tema Jornalismo e Universidade: reescrevendo o amanhã. O evento se propôs a ser um espaço de discussão das relações construídas entre a universidade e a socie-dade. Percebe-se, cada vez mais, que a sociedade necessita de um jornalismo ético e comprometido com o social, o que requer um profissional com melhor formação.
A programação do evento contemplou diferentes faces do campo da comunicação. Minicursos, palestras, mesa redonda, apresentação de trabalhos científicos e uma intensa programação cultural mo-vimentaram, durante três dias, alunos, professores, técnicos, profissionais da área e pessoas da comuni-dade interessadas pelos temas que envolvem o jornalismo.
A Seacom tem se constituído, ainda, em um importante espaço de fomento da pesquisa em co-municação no Estado do Acre. Este ano, foram apresentados 16 trabalhos que se debruçaram sobre questões que são candentes à área. Feminismo, ética no jornalismo e a história da imprensa acreana foram temas que apareceram em maior número e que mostram o mosaico diverso que se desenha para a pesquisa em nosso estado.
Juliana Lôfego
Wagner Costa
Organizadores da Seacom
ÍNDICE
A FALTA DE APURAÇÃO E A CONDENAÇÃO NO JORNALISMO: UMA
ANÁLISE DO LIVRO BAR BODEGA
8
Autoria: Amanda Pinheiro Rocha Co-autoria: Daniel Alves Scarcello e Francielle Maria Modesto Mendes A MORTE DE UMA CRIANÇA NA UPA 24 HORAS A CRISE DESENCADEASA
NA SAÚDE DO ACRE
22
Autoria: Glauco Capper da Rocha Co-autoria: Jardel Costa Angelim A MULHER E A MÍDIA: UMA RELAÇÃO VIOLENTA
Autoria:Fabiana Nogueira Chaves A RELAÇÃO ENTRE JORNALISMO E LITERATURA NO LIVRO ROTA 66 - A
HISTÓRIA DA POLÍCIA QUE MATA, DE CACO BARCELLOS
46
Autoria: Maria de Fatima Bandeira de SOUZA2 Co-autoria: Francisco Aquinei Timóteo QUEIRÓS3 A TELEVISÃO EM MUDANÇA: ENTRELAÇANDO POSSIBILIDADES PARA O
TELEJORNALISMO
61
Autoria:Daniel Alves Scarcello Co-autoria: Wagner da Costa Silva ANÁLISE DO DOCUMENTÁRIO "O ACRE EXISTE": AYAHUASCA COMO
ELEMNETO DE REPRESENTAÇÃO DO ESTADO
72
Autoria: Leandra Beatriz Haerdrich Cunha Co-autoria: Francielle Maria Modesto Mendes APONTAMENTOS SOBRE O VARADOURO- JORNAL DAS SELVAS 84
Autoria: Lauane Laura da Silva AS LETRAS IMPRESSAS NA SUSTENTAÇÃO E QUESTIONAMENTOS DO
PODER POLÍTICO NO ACRE
98
Autoria: Nayara Lessa
CAMPANHA "ACRE SOLIDÁRIO": A COBERTURA NA AGÊNCIA DE
NOTÍCIAS DO ACRE
108
Autoria: Priscila Cristina Miranda Araújo Co-autoria: Francielle Maria Modesto Mendes DA COR DO PECADO: UMA ANÁLISE SOBRE A CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE NEGRA NA TELENOVELA DA REDE GLOBO
120
Autoria: Caio Nélio de Freitas Fulgêncio Co-autoria Francielle Maria Modesto Mendes DIA INTERNACIONAL DA MULHER PELOS JORNAIS A GAZETA, O RIO
BRANCO E PÁGINA 20 NOS ANOS DE 2012 E 2013
135
Autoria: Anaís Cordeiro de Medeiros
GLOBO 50 ANOS A RELAÇÃO DE AMOR E ÓDIO ENTRE A EMISSORA
CARIOCA E O TELESPECTADOR BRASILEIRO
150
Autoria: Luan Cesar de Oliveira Co-autoria: Anaís Cordeiro de Medeiros, Natan Peres da Silva Lima,Denis Henrique
Araújo, Francielle Maria Modesto Mendes
INDÍOS, AYAHUASCA E CHICO MENDES: ESTERIÓTIPOS DO ACRE
DESTACADOS NO DOCUMENTÁRIO ‘O ACRE EXISTE’
165
Autoria: Daiane Lopes Pereira Co-autoria:Elisa Pedrina C. dos Santos e Francielle Maria Mendes Modesto LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E RESPEITO À PESSOA: O CASO DO
PROFESSOR ACUSADO DE ESTUPRO
179
Autoria:Estela Maciel Co-autoria: Francielle Maria Modesto Mendes O MEIO AMBIENTE COMO QUESTÃO POLÍTICA: UM ESTUDO SOBRE A
COBERTURA DA ENCHENTE DE 2015 PELA AGÊNCIA DO ACRE
188
Autoria: Fernando Augusto dos Santos Co-autoria: Francielle Maria Modesto Mendes OS PROJETOS DE PESQUISA E EXTENSÃO SOBRE HISTÓRIA E
JORNALISMO: REFLEXÕES E APONTAMENTOS PARA O USO DE FONTES
HEMEROGRÁFICAS E DE EXTENSÃO
203
Autoria: Nedy Bianca Medeiros de Albuquerque Franco Co-autoria: Neuzilene de Azevedo E Inaiane Lima Melo REDES SOCIAIS E FEMINISMO NO CONTEXTO ACREANO: RELATO DE UMA
EXPERIÊNCIA
212
Autoria: Ana Luiza Lima Co-autoria: Wagner da Costa Silva
8
Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
A FALTA DE APURAÇÃO E A CONDENAÇÃO NO JORNALISMO: UMA
ANÁLISE DO LIVRO BAR BODEGA1
Amanda Pinheiro Rocha2
Daniel Alves Scarcello3
Francielle Maria Modesto Mendes4
Universidade Federal do Acre, Rio Branco, Acre
Resumo: Este trabalho tem como objetivo discutir as questões éticas na veiculação de
matérias jornalísticas sobre crimes, tendo como base o caso “Bar Bodega”, do livro “Bar
Bodega: Um crime de imprensa”, do Carlos Dorneles, publicado em 2007. Pretende-se
analisar a forma como a imprensa noticiou o caso, sem investigar, apurar ou ouvir todas as
partes envolvidas no crime, usando apenas uma fonte como principal para a realização das
matérias, neste caso, a Polícia Civil de São Paulo. Com base em autores como Rogério
Christofoletti, Maria Elisabete Antonioli e Luciene Tófoli, o artigo busca identificar
princípios éticos que não foram respeitados ou considerados neste caso e as consequências
que isso pode causar na vida das pessoas envolvidas.
Palavras-chave: Ética; Apuração; Condenação.
Introdução
A importância da função do jornalista, o tamanho das consequências dos seus atos,
principalmente no que diz respeito à veiculação de informações, deve ser algo de
conhecimento de todo profissional da área. A responsabilidade em apurar, investigar cada
mínimo detalhe e, por fim narrar, os fatos, é a principal característica a ser seguida no meio
jornalístico. Para Maria Elisabete Antonioli, o comunicador social, em todas suas
possibilidades de atuação, deve saber o impacto que o trabalho dele desempenha na
sociedade:
1 Trabalho apresentado na Linha Temática LT1 – Jornalismo da V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio
Branco - AC – 21 a 23/09/2016 na Universidade Federal do Acre. 2 Estudante do oitavo período de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Universidade Federal
do Acre, e-mail: [email protected]. 3 Estudante do oitavo período de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Universidade Federal
do Acre, e-mail: [email protected]. 4 Orientadora do trabalho. Professora doutora do curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade
Federal do Acre, e-mail: [email protected].
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
O comunicador social, seja o jornalista, o publicitário, o bacharel em Rádio e TV e
demais comunicólogos, tem em suas mãos uma imensa responsabilidade pelo eu
produz e pelo eu veicula, haja vista a repercussão e o impacto que seu trabalho pode
apresentar junto ao público, como também, pelas mudanças que muitas vezes provoca
na sociedade. (ANTONIOLI, 2009, p.85)
A autora reforça ainda a responsabilidade para os jornalistas, que trabalham com
questões éticas e de grandes discussões no meio acadêmico e social. Essa responsabilidade
será discutida a partir da cobertura jornalística descrita no livro “Bar Bodega”, de Carlos
Dorneles, lançado em 2007. Tendo em vista que as primeiras notícias veiculadas mostravam
fatos que não estavam comprovados e que depois foram negados pela justiça, pretende-se
avaliar a forma ou a falta de apuração do caso durante o caso, além da condenação que muitos
meios de comunicação e profissionais de jornalismo fizeram sobre os principais suspeitos
apresentados pela polícia.
As questões éticas devem ser seguidas do princípio da apuração da notícia ao final, na
veiculação. Ter responsabilidade na divulgação de informações é um dos princípios básicos
da rotina jornalística, tendo em vista que um pequeno erro divulgado pode causar incontáveis
problemas às pessoas envolvidas.
Desta forma, este trabalho pretende avaliar e mostrar como a cobertura da mídia no
caso Bar Bodega interferiu na vida dos acusados e questionar a ética nas práticas jornalísticas,
se foram ou não executadas na cobertura do caso pela imprensa de São Paulo.
O caso Bar Bodega
O caso que ficou conhecido como Bar Bodega, aconteceu em agosto de 1996, no bar
de Luis Gustavo e dos irmãos atores Tato e Cássio Gabus Mendes. O Bar Bodega, localizado
no bairro Moema, na zona norte de São Paulo, virou cena de um crime que é relatado no
primeiro capítulo do livro. Três homens entraram no local, por volta das duas e meia da
madrugada de um sábado, rendem funcionários e anunciam um assalto. Após alguns
contratempos os homens saem deixando um ferido e matando dois jovens (DORNELES,
2007).
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
As vítimas são Adriana Ciola, estudante de odontologia de 23 anos de idade e Renato
Tahan, um dentista de 26 anos. De acordo com Dorneles, o fato de as vítimas serem jovens da
classe média de São Paulo, num bar famoso da cidade foi o “ingrediente explosivo e de
exploração fácil” por parte da imprensa. Para o autor, o caso teve ainda a soma de interesses
políticos, pois a época foi próxima à campanha para prefeito e alguns candidatos se
aproveitaram para criar um clima de pânico na cidade, com a “ajuda” da imprensa. Dorneles
cita o candidato Celso Pitta, que estava surpreendendo as pesquisas com um discurso baseado
“na tese de que São Paulo estava à beira do caos, tomada por bandidos sem medo de uma
polícia que não tinha coragem de ser dura” (DORNELES, 2007, p.34).
Segundo o autor, vários jornais nacionais e regionais como Jornal Nacional, Jornal da
Band, Jornal da Record, A Folha de São Paulo, O Jornal da Tarde, Jornal da Tarde,
utilizavam outros casos de violência, que não teriam ligação nenhuma com o do bar, para
colaborar com esta imagem de cidade violenta. “Os leitores dos maiores jornais de São Paulo
passaram a receber de quatro a oito páginas diárias de crimes de violência” (DORNELES,
2007, p.38). A repercussão gerou, ainda, o movimento intitulado Reage São Paulo, composto
pela classe média paulista, que realizava manifestos, missas e se pronunciava pedindo com
pedidos de soluções para o caso.
Este foi o clima e a situação no qual os jornalistas e os policiais que cobriram o caso
estavam trabalhando: com uma grande pressão e cobrança social e política. Neste meio
tempo, segundo o autor, o jovem de 17 anos, chamado Cleverson foi levado à delegacia por
roubar um carro, mas ao chegar lá foi “reconhecido” por um policial como um dos envolvidos
no caso do bar. De acordo com Dorneles, o jovem foi forçado, por meio de torturas, a assumir
a participação no crime. “E em menos de uma hora estava pronta a confissão do líder do
bando Bar Bodega, autor de um crime que a imprensa classificou como dos mais bárbaros que
a cidade já viu” (DORNELES, 2007, p.33).
No decorrer do livro, Dorneles narra que Cleverson continuou sendo torturado até
inventar nomes dos outros envolvidos no caso. A solução rápida para dar fim às torturas era a
confissão do crime, e, também, indicar os outros envolvidos. Os suspeitos citados nas
confissões foram pegos pela polícia e passaram pelo mesmo processo, cada um falando mais
nomes e levando outras pessoas para o caso. Dentre as agressões, estavam desde
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
espancamentos à mão, à ficar pendurado em pau-de-arara e apanhar com pedaços de madeira
e panos enrolados.
Somente em outubro de 1996 que, após a investigação do promotor Eduardo Araújo
da Silva, que desconfiou das provas e negligência na investigação do caso, que os “suspeitos”
foram liberados da prisão, por falta de provas. O caso, que antes gerou muita insatisfação e
indignação não só da população como da imprensa, deu espaço a um grande silêncio. A alta
sociedade de São Paulo já não podia mais acusar os jovens negros, da periferia, de terem
cometido o crime.
Em março de 1997, os novos acusados foram julgados e condenados de 23 a 48 anos
de prisão (DORNELES, 2007). Mas até esse período, Cleverson e os outros acusados já
carregavam as consequências de um erro jornalístico: a morte social. Rogério Christofoletti
(2008) desmitifica a ideia de que a ética é algo abstrato e conta que apesar de não
conseguirmos ver e tocar a ética, as consequências dela ou da ausência dela, podem afetar o
“plano material”.
Mas as implicações de uma escolha ética podem intervir materialmente sobre a vida
de pessoas e grupos sociais. Isto é, se o editor decidir estampar a fotografia do
acusado na capa do jornal, e mais à frente for revelado que o réu não estava envolvido
no crime, haverá consequências. Ele pode ser descriminado socialmente, perder o
emprego e passar por privações e constrangimentos. Pode ser perseguido em seu
bairro, humilhado em locais públicos, por exemplo. (CRHISTOFOLLETI, 2008, p.
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Acusar uma pessoa de cometer um crime, pode implicar no que o autor chama de
“morte social”. Os veículos de comunicação são aceitos por boa parte da sociedade como uma
“narração da verdade” sobre o cotidiano. As pessoas comentam sobre as notícias,
compartilham, argumentam, e, no pior dos casos, julgam com suas próprias opiniões o que
está sendo noticiado. Uma acusação de crime gera a revolta da população, que também não se
pergunta se realmente há provas por trás do que está sendo noticiado. A condenação vem
pronta em um prato para os que acreditam cegamente no que é noticiado.
O autor usa o caso da Escola Base para exemplificar o conceito. Na época, em 1994 os
donos de uma escola foram acusados de abuso sexual com as crianças, com grande
repercussão da imprensa e mais tarde foi descoberto que a situação não era verdadeira. Mas e
depois que uma sociedade inteira já deu a sentença da acusação dos suspeitos, como apagar o
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que foi dito sobre as pessoas? O mais interessante é que podemos usar a mesma definição
para os acusados pelo Bar Bodega, pois, como Christofoletti (2008) define, na morte social,
as vidas dos envolvidos jamais voltará a ser a mesma:
Mesmo que o caso tenha sido arquivado, e os acusados inocentados, eles nunca mais
puderam voltar às suas vidas normais. (...) suas vidas não retornaram ao que era antes,
e nunca mais serão as mesmas. A maior perversidade de erros desse tipo é a
irresponsabilidade de serem revertidos. (CHRISTOFOLETTI, 2008, p.19)
No caso do Bar Bodega os primeiros suspeitos foram soltos, mas tiveram dificuldades
para continuar a conviver no meio social, trabalhar e realizar sonhos. Um deles, o Natal,
chegou a começar o trabalho numa banca de frutas, mas durou apenas dois dias, segundo
relatos da irmã para Dorneles.
O julgamento da sociedade é tão cruel que, por mais que tenha sido provado que o
acusado não estava envolvido no crime, ainda assim, ficam sempre os rótulos da primeira
acusação. E os julgamentos nem sempre afetam somente aos acusados, mas, também, a
família. Como a irmã de Natal relata a Dorneles, “O dono da banca disse que ele podia ser um
bom menino, mas “ia acabar afastando a freguesia com essa fama do Bodega”. Flávia, na
época com treze anos, teve que abandonar a escola, tinha virado “a irmã do bandido”
(DORNELES, 2007).
Outro, Benedito, acabou se envolvendo em outros crimes, mas conseguiu se casar e
arranjar um trabalho como colhedor de café, apenas seis meses no ano. Com muitas
dificuldades na vida, a família também acredita na influência do caso: “Se não fosse o
Bodega, Benedito teria mais condições de enfrentar a morte da irmã e não cair na vida que
levou” (DORNELES, 2007, p.194).
Apurando a apuração
Como vimos anteriormente, a imprensa tem responsabilidade pelo material que
divulga, e se torna, então, responsável pelas consequências do que isso pode gerar. Portanto
vamos avaliar primeiro um dos preceitos e regras básicas do jornalismo e da construção da
notícia, a apuração ou checagem de informações.
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
Pelo livro “Bar Bodega” é possível perceber que a imprensa se utilizou principalmente
de uma fonte, a fonte oficial, que seria a Polícia Civil de São Paulo, e acreditou nela para
poder respaldar todas suas matérias. Sem investigar mais a fundo e até mesmo sem checar
corretamente os dados oferecidos, tendo em vista que, se eles tivessem procurado ouvir
melhor as pessoas que estavam no bar, para fazer a checagem do que estava no boletim,
provavelmente teriam percebido as muitas incongruências, a começar pela descrição dos
suspeitos.
Para Christofoletti (2008) a apuração é algo tão marcante e característico do
jornalismo que a sua ausência pode impossibilitar a definição de algum trabalho como
jornalístico. Segundo o autor, o jornalismo tem o compromisso de oferecer informação
confiável, que só pode ser oferecida com a instigação do profissional.
Sem a dúvida, sem a desconfiança, repórteres e editores aceitariam passivamente as
informações de suas fontes, podendo se converter em meros transmissores das
versões que interessam a essas fontes. O jornalismo fica sem crítica, sem contraponto,
sem o contraditório, sem o outro lado. (...) Quer dizer: o jornalismo deixa de ser
jornalismo” (CHRISTOFOLETTI, 2008, p.42).
O autor reforça duas práticas jornalísticas que, de acordo com o livro “Bar Bodega”,
não foram realizadas pela maior parte dos meios de comunicação de veicularam o caso: a falta
de apuração e a busca pelo outro lado da notícia. Segundo Dorneles, na primeira entrevista
dada pela polícia, o 15º Distrito Policial teve o final de semana mais movimentado com
dezenas de repórteres e autoridades. No dia, assim como durante o resto da cobertura, o furo e
a agilidade em fornecer as informações foram mais fortes. “Repórteres de rádio passavam as
últimas informações instantaneamente, mal tinham sido recebidas. A disputa pela
exclusividade, mais uma vez, estava acirrada. As chefias, nas redações, cobrando novidades”
(DORNELES, 2007, p.52).
Ainda de acordo com o autor, a polícia realizou, na segunda-feira seguinte, uma
apresentação dos acusados numa coletiva de imprensa, após “muita pressão da imprensa”. É
onde percebemos a necessidade da Polícia em mostrar cumprimento de serviço perante à
sociedade, que pedia por medidas, e a despreocupação da imprensa em verificar as
informações, afinal, realizava também, mais um dever saciando o público com mais um
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capítulo do caso. Dorneles descreve que o delegado apresentou os suspeitos já como
criminosos e que a polícia não tinha mais dúvida sobre eles, “que alguns confessaram, que
outros naturalmente negam e elogiou muito o trabalho da própria polícia, que rapidamente
solucionou o caso” (DORNELES, 2007, p.53).
Dessa forma, o autor conta que no mesmo dia os suspeitos já estavam em todos os
telejornais e que no dia seguinte também estampados nas primeiras páginas. As fotos eram
grandes, com os assassinos de perfil e Cléverson de costas (DORNELES, 2007). As
informações repassadas pela polícia e durante a entrevista com os acusados, sob a presença da
polícia, foram as únicas fontes utilizadas pela imprensa, mas que pelo jeito, foram o suficiente
para repercutir o caso. De tanta revolta, a população falava até sobre pena de morte e
reforçava as discussões da redução da maioridade penal, devido à idade de Cleverson, que era
apontado como o principal criminoso, além do mais frio.
Pelo livro parece fácil identificar que nem a polícia e nem a imprensa agiram
corretamente na hora de afirmar suas convicções. Antonioli (2009) reforça a posição da
imprensa sobre o caso, comparando as atitudes iguais as tomadas no caso da Escola Base. “A
verdade não foi buscada e a imprensa optou, em mais um caso, por ouvir apenas uma fonte,
ou seja, a polícia” (ANTONIOLI, 2009, p.94). Questões éticas da constituição, nem o
conceito de morte social foram refletidos na hora de criar manchetes como as citadas por
Dorneles: “Folha: ‘Acusado de roubo já havia matado trezes’ e Estadão: ‘Assassino do Bar
Bodega matou pela segunda vez” (DORNELES,2007, p.60).
Levando em conta que meses depois nenhum desses homens tinha qualquer ligação
com o crime, é possível identificar o que Christofoletti chama de afrouxamento moral,
movidos por várias questões, algumas já citadas. O tema envolvia muitos interesses, pela
parte dos políticos, dos policiais, da família, da população que tanto se manifestava, todos
queriam saber sobre o assunto. São esses ingredientes: alta exigência, pressão constante e
grande concorrência que levam ao afrouxamento, que “Para furar seu colega de profissão, um
jornalista acaba desprezando procedimentos básicos que não só comprometem a qualidade
técnica de sua reportagem, como também contrariam a orientação ética de sempre ouvir todos
os lados da história, por exemplo” (CHRISTOFOLETTI, 2008, p. 44)
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
Em manchetes e matérias exibidas no livro, Dorneles mostra que a família dos
acusados praticamente não tinha espaço, enquanto a família das vítimas e a polícia sempre
estavam nas matérias. A relação dos veículos de comunicação com a polícia também nos leva
a uma rápida reflexão ética, sobre a relação com as fontes. O autor também cita que no
mesmo fim de semana ocorreram 49 assassinatos em São Paulo, sendo a maioria em regiões
periféricas, mas nenhuma foi noticiada.
Como uma instituição oficial que investiga o caso, a polícia é uma fonte que deve ser
escutada, mas não pode ser a única. Para Christofoletti esta é uma relação tensa que existe na
área, pois a polícia é sempre entrevistada, tendo em vista que existem matérias policiais
diariamente, a instituição é, então, uma fonte necessária para a rotina da maioria dos veículos.
Em “Ética no Jornalismo”, Luciene Tófoli (2008) explica esta relação com fontes
institucionais ou profissionais. Elas precisam existir e ser ouvidas, pois, em alguns casos,
somente elas têm poder e propriedade para falar sobre determinado assunto, se tornando
informantes regulares. A autora afirma também que a situação é interessante tanto para
jornalistas que necessita da informação quanto para as fontes que querem ou não divulgar
algo. Tófoli acredita que se cria uma dependência entre eles, que precisa atenção pelo “fato de
que o profissional da comunicação corre o risco de ser agendado pela fonte oficial,
publicando, muitas vezes, assuntos que não sejam nem do interesse público ou coletivo, ou
até mesmo mentirosos” (TÓFOLI, 2008, p.57).
Mas como perceber até que ponto a informação é verdadeira e até onde é possível
acreditar em tudo? Para Christofoletti, cultivar as fontes já é uma relação difícil, pois “é
preciso aproximar-se dela, ganhar sua confiança, extrair as informações necessárias e manter
um bom relacionamento de modo que, em momento oportuno, se possa voltar a ela e
novamente se abastecer com outros dados” (CHRISTOFOLETTI, 2008, p.48).
Finalizando os questionamentos sobre a apuração do caso por parte da imprensa, que
acreditou unicamente na versão da polícia, Tófoli reforça que a veiculação de mentiras ou
matérias erradas vai contra o Código de Ética do Jornalista. Em sua avaliação, a autora
contextualiza o caso de jornalistas que precisa do mimetismo midiático que seria a “imitação”
ou pautar suas notícias de acordo com o noticiário anterior. Apesar de o “Bar Bodega” não
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
citar tal problema, podemos atribuir o erro jornalístico na reprodução fiel da polícia como
verdade.
Provada depois como mentira, as notícias veiculadas na época se enquadraram todas
contra o Código de Ética que a autora reforça na seguinte afirmação: “Se publica notícias sem
a devida apuração ou checagem, legitimando matérias incorretas ou até mesmo falsas”
(TÓFOLI, 2008, p.61).
Jornalista afirma?
A falta de apuração por parte da imprensa, a indignação da população e a “certeza” da
polícia com relação aos criminosos fez com que os jornais, noticiários e até os jornalistas
confirmassem os autores do crime, se sensibilizassem, tomassem partido e acusassem os
suspeitos. Observando as informações, imagens e manchetes apresentadas no “Bar Bodega”,
eram poucos os veículos que se preocupavam em utilizar termos como “suspeitos” ou
“acusados” para se referir os homens apresentados pela polícia. Pelo contrário, as manchetes
afirmavam que o único adolescente tinha matado o dentista, por exemplo: “No Diário de São
Paulo, uma entrevista exclusiva com Cléverson começa com a seguinte frase: ‘Triste,
carrancudo, cheio de ódio e amargura. Assim é Cléverson, que executou o dentista no dia do
assalto” (DORNELES, 2007, p.60).
De acordo com Dorneles, a imprensa nunca procurou ouvir todos os lados do caso.
Mesmo com todas as denúncias feitas pelas famílias dos acusados, não foi publicada uma
matéria sequer com a versão deles, apenas com o lado que era mostrado pela Polícia Civil de
São Paulo: “A imprensa, tão ciosa no estabelecimento de fontes na polícia, nunca se
preocupou em estabelecer fontes do outro lado. Mesmo quando parentes dos acusados
denunciavam que eles estavam sendo torturados para confessar, ninguém deu ouvidos”
(DORNELES, 2007, p. 108).
Outro telejornal também se referia ao adolescente como “um dos assassinos do Bar
Bodega”, e quando a polícia apresentou o novo suspeito por liderar o assalto a manchete do
Diário Popular, de setembro de 1996, afirmou “Preso o líder da quadrilha que assassinou dois
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
no bar bodega”. O título e a reportagem são caracterizados como “equivocados e ditados
pelos passos da polícia” pelo autor Carlos Dorneles. Este fato da aparição de um novo líder
também levou o autor a questionar a imprensa que parecia pouco se importar com as
mudanças que o caso levava. Segundo Dorneles, usando “como fonte sempre a polícia”, as
notícias mudavam os acusados pelos tiros (DORNELES, 2007).
O caso do Bodega começou a mudar com a entrada do promotor Eduardo Araújo da
Silva, de 29, e que era desconhecido na mídia, segundo Dorneles. O promotor foi chamado
para investigar o caso pelo Ministério Público, em segredo, após complicações no caso, pois
os funcionários do bar estariam se reunindo por não entender o caminho das investigações
além de não reconhecerem os acusados. “O processo tinha virado uma bagunça, mas a
imprensa não tinha a menor ideia do que se passava. Nem tinha interesse em saber”
(DORNELES, 2007, p.110).
Após muita dificuldade, entrevistas, uma nova reconstituição do caso, além de falas
dos acusados sobre as torturas policiais, Eduardo da Silva constata que não há provas para
manter os homens presos e anuncia a liberação deles. A notícia não foi dada e nem recebida
com muita aprovação, o capitulo do “Bar Bodega” que a fala sobre as manchetes da soltura
dos suspeitos se chama “O Massacre” e a acusação por parte dos jornalistas entra neste
momento.
Segundo Dorneles, o promotor aceitou o convite para ser entrevistado no radiojornal
da Bandeirantes, Jornal Gente. O magistrado foi entrevistado por José Paulo, Salomão Ésper,
José Nello e a participação de Renato Lombardi. O autor coloca grande parte da entrevista e
destaca as perguntas dos jornalistas, que também vamos questionar aqui. Ao falar sobre a
postura de um dos presos de mudar informações, José Paulo acusa um deles. “JOSÉ PAULO:
E depois de ter conversado é que ele mudou a história. Aliás, como fazem todos os bandidos”
(DORNELES, 2007, p.153)
É interessante observar que durante quase toda a entrevistas, os apresentadores fazem
questionamentos contínuos e até repetitivos sobre as investigações do promotor, situação que
até então não teria acontecido nenhuma vez com as investigações policiais apresentadas
anteriormente. O promotor ouve perguntas como “JOSÉ PAULO: Esse relato que o senhor
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fez foi baseado em depoimentos de testemunhas?”. O jornalista Lombardi afirma que, para a
polícia, o relatório do promotor parecia mais uma peça de defesa dos acusados enquanto José
Paulo reforçou contestando que polícia estava desmoralizada por isso. Em outros
questionamentos, o jornalista acredita que o promotor está “muito ligado” à lei, “JOSÉ
PAULO (em voz alta irritado): Mas o senhor não está muito ligado aí à lei, em cumprir a lei e
tal. Mas e os de bem, como é que ficam?” (DORNELES, 2007, p.162).
Em resposta à outra pergunta do jornalista José Paulo, o promotor afirma que “O
Ministério Público defende a sociedade” e recebe outra resposta do jornalista afirmando que
neste caso, o Ministério não teria defendido. A entrevista só muda de tom com a intervenção
do jornalista Salomão Ésper, que confirma a coação a promotoria por meio dos
entrevistadores dizendo ainda que não são juristas e sim radialistas (DORNELES, 2007).
Levando em conta os termos utilizados nas manchetes da acusação dos criminosos,
vale verificar também como a imprensa se manifestou com relação à soltura dessas mesmas
pessoas. A atitude de afirmar, como fez chamando os acusados de criminosos ou assassinos,
não foi igual desta vez. Quando o caso mudou os meios de comunicação preferiram fazer o
que deveria ser feito desde o início e jogar tudo na voz do promotor. Títulos como “Acusação
de tortura é falsa, diz delegado”, “Promotor denuncia tortura e libera acusados do Caso
Bodega” e “Promotor alega ‘ausência temporária de indícios” são alguns dos exemplos que
Dorneles traz, os caracterizando como uma pressão da imprensa contra o promotor.
Ainda de acordo com os relatos do autor, o promotor foi bombardeado pela imprensa e
chegou a receber cartas ofensivas. A imprensa simplesmente ignorou o relatório e nenhuma
investigação foi feita para apurar as denúncias de agressão. Os meios de comunicação
optaram por “desmerecê-lo”: “Mas a decisão de soltar os presos, esta sim, continuou a ser
bombardeada, como se uma coisa não tivesse nada a ver com a outra” (DORNELES, 2007,
p.166).
Segundo Dorneles, em 1997, com a condenação dos novos acusados, o juiz José
Ernesto de Mattos transferiu grande de parte da sentença à imprensa. Ele afirmava que os
veículos de comunicação exerceram uma “pressão insuportável”, além de não dar importância
para a dignidade humana, esquecer valores e utilizar a imagem das pessoas como diversão.
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Como cita Dornelles, a imprensa infringiu não somente o Código de Ética, mas,
também, a Constituição Federal, e interferiu, como também é possível afirmar que mudou a
vida das pessoas envolvidas de forma negativa. Mesmo após ser provado que os primeiros
acusados eram inocentes, eles não conseguiram ter uma nova oportunidade, uma vida
diferente, nem a chance de recomeçar, pois estavam marcados pelo preconceito e julgamento
da sociedade, que já tinha a sentença definitiva, baseada nas informações dadas pela
imprensa.
Considerações finais
Podemos concluir, com base no que o próprio Carlos Dorneles cita no “Bar Bodega”,
que a imprensa, que tanto reforçou que os primeiros acusados eram culpados, era quem estava
cometendo um crime. Na pressa de noticiar, de ser o primeiro a veicular, de ter um “furo”, a
imprensa muitas vezes atropela alguns dos princípios básicos do jornalismo.
Boa parte da sociedade toma como verdade o que a imprensa diz, pois acredita que se
determinado assunto é veiculado, é porque o jornalista que está por trás disso ouviu todas as
pessoas necessárias para que o fato fosse comprovado por meio das falas de quem estava
envolvido. Claro que também é necessário que o cidadão passe a questionar mais tudo o que
lê e ouve, mas é primeiramente papel da imprensa trabalhar em função da sociedade,
transmitindo as informações com o máximo de verdade possível.
O caso Bar Bodega foi apenas um entre tantos outros casos que são vistos diariamente
sobre a falta de apuração e divulgação de informações erradas, mal investigadas. O que não é
possível contabilizar, são os prejuízos causados pela falta de esforço ou o mínimo de
empenho em ouvir todos os lados e não ser tendencioso ou culpar as pessoas que ainda não
receberam a sentença final. Se a Polícia Civil representou o papel da “fonte oficial” no caso, a
imprensa deveria desempenhar o papel de colaborar como questionadora de todos os dados.
Não é preciso ir muito distante, basta acessar um site qualquer para confirmarmos que
nem sempre as matérias contém todas as informações necessárias. Muitas vezes, quem
deveria informar, acaba deixando muito mais questionamentos ao expectador/leitor do que
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antes. No caso “Bar Bodega”, um dos maiores erros da imprensa foi não buscar ouvir todos os
lados da história. Percebeu-se, então, que a imprensa infringiu não apenas seu próprio código
de ética, como a Constituição de 1988, de acordo com o artigo 5, “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (ANTONIOLI, 2009,
p.95).
Se a imprensa tivesse se mostrado mais questionadora nesse caso, antes de noticiar os
primeiros acusados, possivelmente perceberiam o desencontro de dados entre as acusações da
Polícia Civil e as pessoas que estavam no bar no momento do crime. Se investigassem
melhor, talvez as manchetes pudessem estampar informações sobre a acusação e o não
reconhecimento dos acusados por parte das vítimas. Se tivessem ouvido as famílias dos
jovens da periferia, teriam questionado a polícia sobre as torturas.
Até quanto vale noticiar de forma apressada/incorreta para alcançar o público? É
perceptível que em muitos casos vale ignorar algumas fontes, ultrapassar questões éticas e
“destruir” a vida de pessoas para garantir a produção diária. Mas e a sociedade? Defendeu o
caso, cobrou justiça, mas em nenhum momento foi justa. Após a inocentação dos primeiros
acusados, o caso foi silenciado, nem imprensa, nem os cidadãos, nem a polícia, puderam
mudar o estrago que foi feito na vida dos jovens que foram massacrados pela
irresponsabilidade no caso. Como Dorneles afirma, a imprensa assumiu outro papel na
repercussão do caso:
De há muito tempo a imprensa afastou-se da função de noticiar o fato e
assumiu ares de julgadora, na ânsia desesperada de noticiar escândalos e
explorar a miséria humana, sem se dar conta dos seus limites. Passaram a
acusar, julgar e penalizar com excreção pública (DORNELES,2007, p.174).
Em muitos casos os jornalistas esquecem dos princípios básicos do jornalismo e
tomam posições e isso pode ter grandes consequências na vida das pessoas. Enquanto isso
continuar acontecendo, milhares de outros “Cleversons” poderão ter suas vidas destruídas por
um erro. O ideal é que cada vez mais a imprensa trabalhe com empenho em ouvir todas as
fontes, apurar cada detalhe, para, por fim, noticiar.
Referências Bibliográficas
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ANTONIOLI, Maria Elizabete. Ética e formação do jornalista. In: LIBERAL, Márcia
Mello Costa de. (Org). A ética a serviço da comunicação. São Paulo: Altamira Editorial,
2009.
CHRISTOFOLETTI, Rogério. Ética no Jornalismo. São Paulo: Contexto, 2008.
DORNELES, Carlos. Bar Bodega: um crime de imprensa. São Paulo: Globo, 2007.
TÓFOLI, Luciene. Ética no Jornalismo. Coleção Ética nas Profissões. Petrópolis, RJ: Vozes,
2008.
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A MORTE DE UMA CRIANÇA NA UPA 24 HORAS
A CRISE DESENCADEADA NA SAÚDE DO ACRE
Glauco Capper da Rocha1
Jardel Costa Angelim2
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar a crise de imagem através dos
discursos da Secretaria de Saúde do Acre (Sesacre) ao lidar com a morte de um bebê na
Unidade de Pronto Atendimento 24 Horas (UPA), no dia 15 de fevereiro de 2016. A
divergência de discursos, bem como as afirmações precoces sobre não haver negligência,
intensificou o cenário de crise perante a sociedade e a imprensa local. O assunto ganhou
uma série de desdobramentos que culminou em escândalo para rede pública de saúde.
Como aporte teórico para este estudo serão adotadas as concepções de Roberto Neves,
Wesley Cardia, Wilson Bueno, Mário Rosas, Maxwell MCcombs, entre outros, a fim de
compreender o posicionamento da Sesacre para contornar a crise e a não existência de
um plano para gerenciá-la.
Palavras-chave: Crise; Sesacre; Saúde; Morte de um bebê; Negligência.
Este trabalho aborda um caso singular ocorrido no estado do Acre. Trata-se da
morte de uma criança de apenas quatro meses de vida na Unidade de Pronto Atendimento
de Rio Branco, UPA 24h. A família acusa a unidade de negligência e a Secretaria Estadual
de Saúde (Sesacre) se defende ao discordar desse ponto. Mas para chegar a isso, os
gestores cometem uma série de falhas perante a sociedade e até diante do ocorrido.
O que talvez a equipe tenha pensado foi que o caso se tornaria efêmero, o que
esteve longe de acontecer. Neste sentido, uma crise aflorou diante da tentativa de
minimizar o fato. Contradições e repostas rasas agravaram o problema. Ora, a família
ficou sem resposta e os MCM aproveitaram o cenário para explorar o assunto, que é de
interesse da coletividade.
1 Jornalista formado pela Universidade Federal do Acre (UFAC). Estudante do curso de pós-graduação
Comunicação e Política pela UFAC. 2 Jornalista formado pela Universidade Federal do Acre (UFAC). Estudante do curso de pós-graduação
Comunicação e Política pela UFAC.
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Antes de entrar nesses pontos supracitados é pertinente observar primeiro que a
saúde é um direito garantido pela Constituição de 1988. Um exemplo claro são os artigos
196 e 197.
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença
e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação. São de relevância
pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor,
nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle,
devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e,
também, por pessoa física ou jurídica de direito privado
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, p.116 e 117).
Portanto, é obrigação do governo cuidar e zelar pelos cidadãos brasileiros. O
assunto aqui a ser discorrido apresenta um desequilíbrio a imagem da pasta. A própria
Sesacre mudou o discurso quando foi “apertada” pelas informações e pelo fim trágico do
bebê, que culminou com depoimentos de acusação das vítimas (família da criança) ao
passar por toda a situação. Para enveredar por essa análise e seus desdobramentos, é
necessário apresentar alguns conceitos básicos para entender o cerne da questão.
A DOENÇA CHAMADA CRISE
A saúde no Acre sempre foi tratada como a “menina dos olhos” do governo petista.
O discurso é de que o Acre possui uma saúde equiparada com os grandes centros do
mundo. Isso sempre foi questionado pelos acrianos. Em matéria veiculada no portal
AC24Horas3, com o título: “Internauta cobra Sebastião Viana a “Saúde de Primeiro
Mundo4” no Huerb5”, é possível saber como a gestão tentou criar essa imagem.
Nesse sentido, entra o ethos de Tião Viana, de tentar construir uma imagem de
seu governo, de uma preocupação com a saúde e de que no Acre a área é tratada como
3 www.ac24horas.com. 4 Matéria disponível em:
<http://www.ac24horas.com/2013/10/18/internautacobradesebastiaovianaasaudedeprimeiromundonohuerb/>
Acessado em: 27 de fevereiro de 2016. 5 Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco.
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exemplo para o mundo. “Todo discurso, oral ou escrito, supõe um ethos: implica certa
representação do corpo de seu responsável, do enunciador que se responsabiliza por ele”
(MAINGUENEAU, 1998, p. 60). Para quem precisa da saúde pública no Acre, isso, de
acordo com a manchete do portal citado anteriormente, é uma falácia.
A ideologia, por sua vez, nesse modo de a conceber, não é vista como
conjunto de representações, como visão de mundo ou como ocultação
da realidade. Não há, aliás, realidade sem ideologia. Enquanto prática
significante, a ideologia aparece como efeito da relação necessária do
sujeito com a língua e com a história para que haja sentido. E como não
há uma relação termo-a-termo entre linguagem/mundo/pensamento
essa relação torna-se possível porque a ideologia intervém com seu
modo de funcionamento imaginário. São assim as imagens que
permitem que as palavras “colem” com as coisas (...) (ORLANDI,
2009, p. 48).
A proposta do governo é elevar sua ideologia criando na imaginação das pessoas
a ideia de que a saúde no Acre é perfeita. “A saúde de primeiro mundo” é a tentativa de
vender esse pensamento para demonstrar que no estado o esforço pela saúde é contínuo e
obtém resultados. A tentativa de maquiar não surte efeito em parte da população, uma vez
que os serviços oferecidos apresentam falhas, como retratado pelos jornais e sites locais,
como exemplo, a matéria publicada no AC24horas citada anteriormente.
Essa área é alvo rotineiro de problemas e situações que desencadeiam crises. Essas
crises, caso não sejam bem administradas, proporcionam uma instabilidade. O escândalo
muda a direção do que era aparentemente tranquilo e começa a apresentar um turbilhão
de dificuldades.
A rotina é para muitos um sinônimo de segurança. A normalidade
histórica, a sucessão de fatos e eventos mês após mês, ano após ano,
confere às pessoas uma sensação de segurança. A crise é justamente
essa quebra de estabilidade e de falta de previsibilidade em que os
indivíduos e empresas serão confrontados pelo inesperado. O que as
pessoas não imaginam é que a ocorrência de crise está dentro do estado
natural das coisas. As crises não são mais situações bizarras e
absolutamente inusitadas, mas manifestações de uma nova ordem;
resultado de um mundo infinitamente mais complexo e sofisticado.
Esse incremento do emaranhado de conjunturas faz da vida das pessoas,
de governos e das empresas, estruturas cada vez mais afeitas a crises.
(CARDIA, 2015, p. 21).
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Por isso, é pertinente entender que as crises podem acontecer, em qualquer
circunstância. Na saúde, por exemplo, isso é ainda mais previsível, tendo em vista que
lida diretamente com a vida. Quando a crise aporta ocorre uma desestruturação que pode
levar a uma queda momentânea ou uma mancha permanente. Na morte da criança Pedro
Lucas Muniz, uma possível negligência afetou a estrutura da unidade de saúde, bem como
da secretaria.
Quando uma crise é criada a partir do erro, omissão ou negligência, e não pela
ordem natural das coisas, pode ser ainda mais lesiva. Nesse sentido, “os atos ou elisões
praticados por empresas ou instituições cujos resultados geraram consequências danosas
para a natureza, para grupos de pessoas e até mesmo para países inteiros (...)” (CARDIA,
2015, p. 22) podem ser ainda mais prejudicial à imagem de quem está a frente do
problema. A consequência é uma tensão ainda maior alinhada a uma crise de imagem:
(...) Não precisa de muito para se transformar em crise de imagem.
Basta ganhar a mídia e, de alguma forma, ferir o conceito, o juízo, a
apreciação que um grupo ou a sociedade como um todo tem daquela
pessoa ou instituição pública ou privada. Uma vez que ocorra essa
quebra de paradigma entre o que é esperado da imagem de uma pessoa
ou instituição, e que esse rompimento do modelo idealizado extrapole
os limites dos muros e ganhe espaço nas rádios, jornais, internet, TVs,
etc., haverá crise de imagem. (CARDIA, 2015, p. 23 e 24).
As teorias da comunicação explicam esse caminho. Para um episódio se
transformar em notícia alguns fatores são levados em conta. Na hipótese do newsmaking,
os acontecimentos são potencializados e transformados em notícia. Com essa hipótese
aparece o gatekeeping que filtra a informação antes de passá-la (HOHLFELDT, 2015).
Nasce, então, o conceito de noticiabilidade.
A noticiabilidade está regrada por valores-notícia, conjunto de
elementos e princípios através dos quais os acontecimentos são
avaliados pelos meios de comunicação de massa e seus profissionais
em sua potencialidade de produção de resultados e novos eventos, se
transformados em notícia (...) (HOHLFELDT, 2015, p. 208).
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Com base nas ideias de Hohlfeldt (2015), para um assunto se transformar em
notícia é necessário um conjunto de regras, entre elas são analisadas a relevância do
assunto, sua importância, o interesse coletivo, atualidade, qualidade e o desvio da
informação, entre outros. Esse último trata dos assuntos ruins, que chamam mais a
atenção do cidadão, interessado em ver pautas que abordam escândalos.
Com esses caminhos, é possível entender o motivo da morte da criança de 4 meses
na Upa de Rio Branco ter se transformado em notícia. Os desdobramentos levaram ao
encaixe de todos esses conceitos detalhados anteriormente. O assunto, não obstante,
ganhou notoriedade da imprensa acriana.
Além de evocar os conceitos de noticiabilidade, o óbito também se tornou o
assunto das conversas cotidianas das pessoas que viram o caso nos noticiários. Eis, então,
outra teoria da comunicação para compreender essa análise. A teoria do agendamento ou
agenda setting. Nessa vertente, mais uma vez é perceptível a construção da crise e como
ela se desencadeia. A Teoria da Agenda prevê uma correlação positiva alta entre a agenda
da mídia e a subsequente agenda pública (MCCOMBS, 2009).
A Teoria da Agenda não é o retorno à teoria da bala ou hipodérmica
sobre os poderosos efeitos da mídia. Nem os membros da audiência são
considerados autômatos esperando para serem programados pelos
veículos noticiosos. Mas a Teoria da Agenda atribui um papel central
aos veículos noticiosos por serem capazes de definir itens para a agenda
pública (MCCOMBS, 2009, p. 24).
O agendamento evoca a elaboração da realidade de acordo com a narração
midiática. As pessoas constroem uma imagem dos fatos com a influência da mídia. Essa
influência corrobora para incentivar as preferências das pessoas. É a partir daí que o
público vai debater os temas colocados em voga pelos MCM. No objeto aqui analisado,
o público foi levado a comentar a morte do bebê, uma vez que gerou comoção e foi
repercutido pela imprensa no geral.
Essa teoria também traz ao ambiente jornalístico outra técnica habitual, a da suíte,
quando um tema ganha notoriedade seguidamente em um jornal. Dessa forma, o tema vai
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entrelaçando ainda mais o receptor da mensagem, que ouve repetida vezes o mesmo
assunto, todavia com novas informações e desdobramentos.
Mais adiante, isso vai ser perceptível. Primeiro, uma matéria é veiculada tratando
da morte de Pedro Lucas Muniz, depois a família acusa o hospital de negligência, em
seguida a Sesacre apresenta seu pronunciamento e por último convoca uma coletiva de
imprensa para falar sobre as investigações declarando que não ocorreu falha técnica.
Aqui entra a influência da mídia na opinião pública. Se aconteceu uma morte,
significa que há alguma causa. Como não foi esclarecida e a mídia veiculou os fatos,
certamente haverá uma crise, tendo em vista a falta de transparência no ocorrido. Diante
desse contexto, a opinião pública pode pender a acreditar que houve erro na gestão e na
operacionalização do sistema de saúde.
(...) A Opinião Pública, por sua vez, mudou seu perfil e nível cultural.
Melhorou sua capacidade de organizar-se, de reivindicar e de participar.
Aperfeiçoou seu instrumental de combate. Embora ainda tenha
rompantes semelhantes aos que tinha na Idade Média, sofisticou o
processo de formação de sua opinião (...) (NEVES, 2002, p. 16).
Através dos Mass Media as pessoas passaram também a ter espaço em suas
reivindicações. Mais organizada e influente, a opinião pública pode construir ou
desconstruir um governo. A formação do cidadão ocorre, também, pelo noticiário. Com
a revolta de uma família pela morte de uma criança e a desconfiança de equívocos por
parte da unidade, a população, de uma forma universalizada, tende a apoiar e se
compadecer dessa história. Ao recordar da “Saúde de Primeiro Mundo” ventilada pelo
atual governo (2016), a opinião pública vai debater e produzir informações que discordem
dessa ideia.
O cenário de crise dentro da Sesacre já estava anunciado. Poucos dias antes de
acontecer a morte do menino, houve uma troca no alto escalão da pasta. Saiu o secretário
Armando Melo, alegando problemas pessoais, e entrou o então diretor do Departamento
Estadual de Trânsito (Detram/AC), Gemil de Abreu Junior. A informação foi divulgada
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oficialmente no portal do governo do estado com o título: Governo anuncia mudanças na
chefia de órgãos públicos6.
A MORTE DE UM BEBÊ
No dia 15 de fevereiro de 2016, o site de notícias Contilnet lançou a seguinte
matéria: “Pai acusa UPA de negligência na morte de criança de 3 meses”, no qual
descreve o óbito de um bebê de apenas quatro de vida meses (existe a divergência entre
o site da Contilnet e a Sesacre quanto a idade de vida do bebê. Neste trabalho adotaremos
a idade que a Sesacre disponibilizou em seu site), após ser internado com ‘sintomas de
virose’, de acordo com as informações do site www.contilnetnoticias.com.br7. Ainda
sobre o texto que foi disponibilizado, o bebê estava com febre e secreção nasal, sendo
diagnosticado pelo médico plantonista. Após a realização da nebulização, o bebê passou
a ter convulsões e apresentar roxidão, conforme descrito no texto disponível no site,
sendo, por conseguinte o óbito registrado. A circunstância da morte do bebê — após
parada cardíaca8 — não foi definida pela UPA no atestado de óbito. O que levou a
divergências nos discursos da família, imprensa e Sesacre.
Neves (2002) adverte para situações de conflitos de discursos, que, para ele,
agrava-se na divergência de informações prestadas a sociedade, já demonstrando
sintomas de crise. A morte do bebê Pedro Lucas Muniz, noticiada pela imprensa local,
como negligência, desdobrou-se em novas versões após o pronunciamento oficial da
Secretaria de Saúde em coletiva, realizada no dia 18 de fevereiro, um dia após a
6Matéria disponível no link
<http://www.saude.ac.gov.br/wps/portal/saude/saude/principal/!ut/p/c5/vZFNb4JAEIZ_Cz9AdtnlYzliuso
CK9%C2%ADIXAjahoAgJjYS%C2%ADPVd46Hpofag6cxlkndmnsk7oA%E2%80%A61/2> Acessado em
27 de fevereiro de 2016, às 19:21hs. 7Disponível através do link
<http://contilnetnoticias.com.br/2016/02/15/paiacusaupadenegligencianamortedecriancade3mesesdireca
ovaiapurarcaso/> Acessado em 27 de fevereiro de 2016, às 19:02hs. 8 Entende-se aqui que parada cardíaca é uma situação de emergência que pode levar à morte em poucos
minutos. No caso do bebê, a parada cardiorrespiratória não deve ser considerada é causa mortis, mas,
apenas sequelas de sintomas anterior a que ocasiona a parada. Fonte:
<www.primeirossocorros.com.br/parada-cardiorespiratoria-o-que-fazer/> Link acessado em 28 de
fevereiro de 2016 às 14:15h
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publicação da matéria no seu portal institucional: “Sesacre solicita apoio do MPE na
investigação de morte de bebê na UPA”, onde diz que:
A Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre), por meio da Secretaria Adjunta de Atenção à Saúde, solicitou acompanhamento da Promotoria Especializada de Defesa da Saúde do Ministério Público Estadual (MPE), no processo administrativo aberto para apurar o óbito do bebê Pedro Lucas Muniz, de quatro meses, na última segunda-feira, 15, na
Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Segundo Distrito
(SESACRE, publicado no dia 17/02/20169).
Cardia (2015) define crise como “o momento decisivo de uma situação para
melhor ou para pior... um evento, estágio ou momento decisivo ou crucial”
(WEBSTER’S, 1990, Apud, CARDIA, 2015, p.17). O que realça a afirmação de Cardia
(2015) nos feitos da Sesacre, referente aos posicionamentos adotados, é a contradição que
agrava a situação da instituição perante a sociedade. Na coletiva realizada para a imprensa
local, o secretário em exercício, Kleyber Guimarães, declarou não haver erros médicos;
o secretário-adjunto de Planejamento e Gestão, Irailton Lima, afirmou está sendo apurado
a questão do atendimento; dessa forma, as duas falas não se complementam, mas se
contradizem, esboçando a quebra da ordem natural das coisas (CARDIA, 2015).
Não estamos tratando de erros aqui, mas de informações que foram
postas em todos os relatórios que foram feitos durante o percurso do
atendimento profissional. Houve sim todo o atendimento necessário,
inclusive, nas mudanças da equipe médica. Todos os profissionais
atuaram com defesa à vida (Kleber Guimarães em entrevista coletiva
para a imprensa).
Daquilo que já apuramos, não houve negligência, isso é fato. Agora erro técnico não dá ainda para afirmar se houve ou não. Estamos tão seguros na maneira de conduzir que convocamos o MPAC. Nada será encoberto, mas não podemos também admitir que se faça um julgamento prévio ou condenação prévia da equipe (Irailtom Lima em
entrevista coletiva para a imprensa10).
9Disponível no link
<http://www.saude.ac.gov.br/wps/portal/saude/saude/principal/!ut/p/c5/vZFNb4JAEIZ_Cz9AdtnlYzliuso
CK9%C2%ADIXAjahoAgJjYS%C2%ADPVd46Hpofag6cxlkndmnsk7oA%E2%80%A61/2> Acessado em
27 de fevereiro de 2016, às 19:21hs. 10Disponível no link
<http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2016/02/naohouveerroafirmasaudesobremortedebebeemupadacapit
al.html> Acessado em 27 de fevereiro de 2016 às 21:35.
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Reafirma–se: o que define crise não é a presunção de inocência, mas a existência
de conflitos de discursos (NEVES, 2002). O que se percebe é ausência de um plano de
crise ou de gerenciamento dela. Tendo em vista a nota lançada no site oficial solicitando
acompanhamento do MPE e, no dia seguinte, em coletiva para a imprensa, a afirmação
de não haver erros (negligência), mas que não se pode afirmar se houve erro técnico.
CRISE
Em Rio Branco, a saúde vem sendo pauta constante nos sites de notícias e
telejornais. De acordo com as matérias relacionadas neste estudo, atendimento ruim e
falta de profissionais são as maiores queixas da população11. Mas, no discurso do atual
governador do estado, Tião Viana — médico infectologista — a saúde passa bem12. “Eu
estou muito orgulhoso desse momento, pois há 12 anos estamos tentando melhorar o
sistema de saúde pública e hoje o serviço de urgência se completa no Acre”, declarou o
então governador Tião Viana em solenidade de entrega de uma das etapas do PS de Rio
Branco.
Ao se analisar mais detalhadamente o discurso, observa-se um sujeito ideológico
que, na concepção de Helena Nagamine Brandão (2012), em seu livro “Introdução à
análise do discurso”, faz da ideologia um instrumento de dominação de classes, porque
a classe dominante faz com que suas ideias, passem a ser ideias de todos.
No entanto, o que as ideologias fazem, segundo Marx e Engels, é
colocar os homens e suas relações de cabeça para baixo, como
ocorre com a refração da imagem numa câmera escura.
Metaforicamente, essa inversão da imagem, isto é, o “descer do
céu para a terra em vez de ir da terra para o céu”, que ele denuncia
11 Fato corroborado através das matérias citadas ao longo do texto e seus respectivos links para consulta. 12 O pronto-socorro de Rio Branco teve início das obras em 2010 e o prazo de execução seria de 14
meses. As obras não estão finalizadas em fevereiro de 2016. Também foi firmado acordo para contratação
de 100 novos médicos, o que ainda não se concretizou; Disponível no link
<http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2015/11/entregadehospitalemriobrancoestaatrasadahamaisde3anos
.html> Acessado em 28 de fevereiro de 2016 às 14:43h.
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nos filósofos alemães, representa o desvio de percurso que
consiste em partir das ideias para chegar à realidade (BRANDÃO,
2012, p.20).
Ao criar essa consciência nos homens de uma visão ilusória da realidade como
se fosse realidade, a ideologia organiza-se como um sistema lógico de representações
(BRANDÃO, 2012). Recorre-se à preocupação de Neves (2002) quando diz que opinião
pública, nesse sentido, é uma ilusão, pois fica claro que se torna possível as pessoas
chegarem a um sentido comum das ocorrências dos fatos e a um propósito unificado
(NEVES, 2002, p. 14). Na memória discursiva (disponibilizada pelo emissor através de
propagandas na TV e agência de notícias do Estado através de matérias), percebe-se
incoerência com a realidade — aqui construída através dos fatos narrados sobre o bebê
que veio a óbito.
Ao procurar a UPA em busca de atendimento para o filho, Pedro Lucas Muniz,
José Carlos e Meury Marinho, pais de Pedro, carregam uma memória discursiva formada
através de um sujeito ideológico esmerado na mídia paga, sobre a existência de
atendimento de saúde que é referência para outros países13; e, doravante, a influência da
opinião pública quanto ao atendimento recebido na prática e contestado através das pautas
negativas em sites notícias e meios de comunicação.
Para as duas condições o mesmo diagnóstico: crise. O que afirmaria tal sentença
seria a credibilidade e a reputação da Sesacre (abalada ao longo dos anos) que, para Neves
(2002), consiste na Imagem do órgão, algo que se constrói ao longo dos anos com
paciência e disciplina:
Numa crise, se a empresa tiver que perder muito, que esse “muito” seja
tudo — dinheiro, tempo, paciência, saúde — menos a reputação. Que
seja “dinheiro”, por exemplo. “Dinheiro” se recupera de outras formas
e mais rápido. “Reputação”, pra ser recuperada — quando é possível —
leva tempo. E não há dinheiro que a recompre. A “reputação” é a única
alavanca que uma empresa tem após uma crise para trazê-la de volta ao
mundo dos bons (NEVES, 2002, p. 23).
13 Supracitado.
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Nesse ato, Wilson Bueno (2009) também aponta na mesma direção. Em seu livro
“Comunicação empresarial: políticas e estratégias”, ele fala que qualquer que seja a
crise, traz embutida a capacidade de abalar seriamente a credibilidade da empresa [ou
órgão] (BUENO, 2009). Sendo assim, desafinaria o discurso protocolado nas mídias pela
Sesacre de que a saúde “anda” bem, pois sua imagem está comprometida e abalada pela
Opinião Pública estampada como manchetes nos veículos de comunicação reclamando a
precariedade nos serviços.
ENFRENTAMENTO DA CRISE
Em seu livro, Cardia (2015), cita o entendimento de Elizabeth Noelle-Neumann,
para o gerenciamento da crise através do silenciamento de um grupo ou de uma só pessoa
que tem opiniões diversas. Como, no presente estudo, não se aborda sobre a espiral do
silêncio - teoria estudada pela comunicação, cita-se aqui apenas para contextualizar a
forma com que a Sesacre, nas primeiras tomadas de decisões para enfrentar a crise
instaurada pela morte do bebê na UPA24horas, se engaja, a fim de dizer a sociedade ―
quem primeiro questionou através das redes sociais ― que a saúde não errou.
Ocorre aqui o que Bueno (2009) coloca em seu livro de que, “mal a notícia ruim
correu, já está na internet, alimentando o jornalismo on-line e um troca-troca nervoso de
informações nos grupos de discursão (BUENO, 2009, p. 219). Ao pronunciar para a
imprensa afirmando “não ter havido negligência”, a Sesacre se apossou de um discurso
de poder (BRANDÃO, 2012) sobre o ocorrido. Antes de qualquer apuração do MPE ou
posicionamentos de demais autoridades envolvidas, ela ‘afirma’ não ter havido erro. Não
convém neste estudo a abordagem maciça sobre discurso ideológico, nem a constância
em analisar a memória discursiva advinda da pasta. Impregna-se aqui a discursão sobre
os posicionamentos que deixam claro o não gerenciamento da crise instaurada, como
sugere Bueno (2009), Cardia (2015) e Rosa (2001), entre outros autores.
Para esse enfrentamento, Cardia (2015) adverte que, fácil de resolver ou não,
uma vez iniciada a crise ela terá que ser gerenciada até que seja debelada (CARDIA,
2015). A crise iniciada, porém, não admitida pela pasta, de acordo com Rosa (2001), não
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é recomendada, pois, as ações ― principalmente ― humanas, possuem vulnerabilidades.
Dessa forma a coletiva, como primeira ação para o enfrentamento da crise pela secretaria
de saúde, começa pela tentativa de apagar os possíveis erros ocorridos.
Rosa (2001) instrui, também, a adoção da verdade como ponto de partida para o
enfrentamento da crise. Diante de todos os percalços enfrentados pela saúde no Estado
nos últimos anos, advêm conjecturar ou, quem sabe, afirmar, o despreparo e ausência de
estratégias para o enfrentamento de crises. Nas ações idealizadas pela Sesacre, as atitudes
não partem de um plano de Gerenciamento de Crise, PGC como assim descreve Cardia
(2009).
É preciso entender que planificar, planejar e estruturar um plano para o
evento de uma crise não é desperdício de dinheiro. Menos ainda de
tempo e energia daqueles que forem escalados para a missão. É sinal de
providência, inteligência, e de autopreservação. E não apenas para
grandes organizações. Isso é válido para médias empresas, órgãos
governamentais e políticos, governos estatual, municipal e federal,
pessoas de importância no mundo artístico, esportivo, e profissionais
liberais ― por exemplo, grandes escritórios de advocacia (CARDIA,
2015, p. 56).
Para a regência do enfrentamento da crise, Cardia (2015) compara ao
funcionamento de uma orquestra. Cada integrante passa a desempenhar um papel
essencial para o contorno dos problemas. “Gerenciar uma crise não é tarefa para uma
pessoa só (CARDIA, 2009, p. 64). Crise é crise (BUENO, 2009). Para o autor,
dependendo de sua origem, há muito pouco a se fazer. Mas, o mal gerenciamento agrava
e repercute na imprensa e com seus profissionais. Isso incute no equilíbrio entre
transparência e postura ética (BUENO, 2009).
Certo de que a verdade é um dos aspectos mais difíceis e complexos de manejar
durante uma crise de imagem (ROSA, 2001, p. 71), a Sesacre começou o enfrentamento
de maneira ‘correta’ ― na primeira ação onde declara investigar o ocorrido com a
presença do MPE. Mas, no dia seguinte, assume as claras que não tem culpa alguma. O
que Rosa (2001) considera é que existem situações que seu desfecho pode ser simples,
dependendo da “senha” que se use, ou, ao contrário, imbrique para outras complicações
(ROSA, 2001).
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Cardia (2015) cita quatro pontos de gerenciamento de crise do especialista,
Michael Hillyard:
1. Antecipação: um compromisso de analisar, buscar antever, prever
e buscar manter-se afastado de situações de emergência;
2. Preparação: providenciar o planejamento, treinamento, e resposta
coletiva antes que crises ocorram;
3. Resposta: implementar um trabalho coletivo de um grupo
predeterminado para agir em caso de a crise ocorrer;
4. Sabedoria: aprender a partir do evento ocorrido de forma a
prevenir ou melhorar a resposta em caso de crise futura
(HILLYARD, 2000, apud, CARDIA, 2015, p. 65).
Na morte do bebê, as duas primeiras etapas do que é descrito por Cardia (2015),
sobre os passos de Michael Hillyard para gerenciar crises, são ignoradas. Na terceira
etapa, os posicionamentos divergem entre as duas respostas14 pronunciadas pela Sesacre.
Rosa (2001) diz que a verdade deve ser adotada como um valor ético e moral em si, mas
pode ser utilizada também como uma questão estratégica (ROSA, 2001). E o que ocorreu,
de fato, foi a desconstrução de uma informação em detrimento de uma afirmativa durante
a coletiva, eximindo-se a Sesacre da culpa. O que, porventura, agrava a situação de crise
enfrentada pela pasta, esquecendo-se do que Rosa (2001) diz, que as ações humanas
possuem vulnerabilidades. Nesse caso, expõe a fragilidade da pasta em não possuir um
plano, nem mesmo usar artifícios coerente para enfrentá-la.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao contrário do que se pode imaginar, as crises são previsíveis e podem até ser
evitadas. Há de se considerar, entretanto, que essa previsibilidade nem sempre funciona.
14 Resposta 1: A Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre), por meio da Secretaria Adjunta de Atenção à
Saúde, solicitou acompanhamento da Promotoria Especializada de Defesa da Saúde do Ministério Público
Estadual (MPE), no processo administrativo aberto para apurar o óbito do bebê Pedro Lucas Muniz, de
quatro meses, na última segunda-feira, 15, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Segundo Distrito
(SESACRE, publicado no dia 17/02/2016 ).
Resposta 2: Não estamos tratando de erros aqui, mas de informações que foram postas em todos os
relatórios que foram feitos durante o percurso do atendimento profissional. Houve sim todo o atendimento
necessário, inclusive, nas mudanças da equipe médica. Todos os profissionais atuaram com defesa à vida
(Kleber Guimarães em entrevista coletiva para a imprensa).
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Mas se for pensada todas as possibilidades que podem desenrolar uma crise, certamente
elas ocorrerão com menor frequência.
Se preparar para a crise não significa que ela vai se concretizar. Isso não demonstra
fraqueza ou pessimismo, pelo contrário, pode ser o início da fuga de desastres. Para
Cardia (2015), quem se prepara para a crise está sendo apenas preventivo, antecipando-
se a situações que mais cedo ou mais tarde podem bater à porta (CARDIA, 2015). Outra
observação de do autor é conhecer o nível de danos que poderá ocasionar. E o quanto
pode custar se não for contida (CARDIA, 2015, p. 52).
No caso do óbito do bebê, a Sesacre teria possibilidade de prever que ocorrências
como essa poderiam vir à tona. Se tivessem pensado antes, a crise de imagem, fruto da
veiculação da notícia, certamente seria suavizada ou lidariam de forma sensata ao
informar a sociedade. Já com a morte anunciada, seria importante colocar em prática o
plano de gerenciamento de crise, para saber como atuar em histórias que abalam a imagem
da instituição. Mesmo que, para Cardia (2015) os planos dificilmente preverão tudo. Por
mais que os profissionais encarregados se esforcem, somente a crise em si trará à mesa
todas as circunstâncias com as quais se depararão. Mesmo assim, o planejamento deverá
antecipar o maior número possível de situações.
O plano vai subsidiar no roteiro de ações e decisões a serem tomadas. Com o
gerenciamento da crise, os gestores podem adotar os discursos mais pertinentes para
evitar os imbróglios de um fato indesejável. Sem esse conjunto de informações, a mancha
na imagem pode ser atenuada e explorada com maior eficácia pelos veículos de
comunicação. Diante da crise, não se pode trabalhar com amadorismo.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BUENO, Wilson da Costa. Comunicação empresarial: políticas e estratégias. São
Paulo. Saraiva, 2009.
BRANDÃO, Helena Hathsue Nagamine. Introdução à análise do discurso. Campinas.
Editora Unicamp, 2012.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado, 1988.
CARDIA, Wesley. Crise de imagem e gerenciamento de crises. Rio de Janeiro. Mauad,
2015.
HOHLFELDT, Antonio; MARTINO, Luiz C.; FRANÇA, Vera Veiga (Orgs.). Teorias
da comunicação: conceitos, escolas e tendências. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
MAINGUENEAU, Dominique. Os termos-chave da análise do discurso. Belo
Horizonte: UFMG, 1998.
MCCOMBS, Maxwell. A Teoria da Agenda: a mídia e a opinião pública. Petrópolis,
Rio de Janeiro: Vozes, 2009.
NEVES, Roberto de Castro. Crises empresariais com a opinião pública: como evita-
las e administrá-las. Rio de Janeiro. Mauad, 2002.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso: princípios & procedimentos. 8. ed.
Campinas: Pontes, 2009.
ROSA, Mário. A síndrome de Aquiles. São Paulo. Editora Gente, 2001.
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A MULHER E A MÍDIA: UMA RELAÇÃO VIOLENTA1
Fabiana Nogueira chaves2
Universidade Federal do Acre, Rio Branco - AC
Resumo: O trabalho discute as diferentes formas como a mulher é representada pela
mídia e como essa representação ratifica padrões machistas: ora tratando-a como objeto
de consumo sexual, ora como serviçal doméstica. Discute como a mídia procura instituir
um padrão de mulher a ser seguido, dentro dos preceitos de uma sociedade patriarcal,
onde a mulher é muito mais a função social a ela destinada do que um ser humano. O
trabalho analisa como a violência doméstica é retratada pela mídia como fator isolado,
descontextualizada da sociedade em que está inserida: machista e violenta para com as
mulheres. Condena-se a violência física enquanto ratificam-se todas as demais formas de
violência sofridas pelas mulheres.
Palavras-chave: Mulher, mídia, violências, machismo.
Não podemos negar que nas sociedades ocidentais a condição das mulheres
progrediu espetacularmente no decorrer do século XX. As mulheres fizeram muitas
conquistas, mas ainda têm muitas pela frente. Homens e mulheres, apesar das conquistas
femininas, ainda não possuem o mesmo espaço na sociedade.
Não obstante, vemos claramente que, apesar de diplomas e
competências comparáveis, a diferenciação das
responsabilidades hierárquicas e das remunerações permanece. A
escolha de trajetórias e de carreiras não é igualitária; as condições
de vida cotidiana tais como são organizadas e financiadas por
nossa sociedade também não o são. Aqui, os partidos políticos
desdenham a paridade, preferindo pagar multas a conceder
postos elegíveis a candidatas. Ali, redes e confrarias tecem com
fios de vidro o telhado invisível que impede mulheres de atingir
os pontos mais altos. Assim que o poder se mostra (...) ele
continua a usar gravata (Ockrent.C, 2011, p.15)
1 Trabalho apresentado no LT5 - Interfaces Comunicacionais, durante a SEACOM 2016, na universidade
Federal do Acre. 2 Fabiana é mestra em Comunicação Social pela Universidade de São Paulo, produtora cultural e
pesquisadora da Universidade Federal do Acre.
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Em pleno século XXI, mulheres ainda têm suas vidas ameaçadas pelo fato de
serem mulheres. O primeiro direito que se busca, então, é o direito de viver, sem
discriminação ligada ao sexo.
São muitas as violências sofridas pelas mulheres em todo o mundo, seja na vida
pública ou na vida privada, nos países desenvolvidos ou subdesenvolvidos. Falamos então
de violências contra as mulheres, no plural. Humilhação, precariedade, violência
conjugal, violência sexual, assédio, prostituição, tráfico de pessoas, abusos,
criminalidade, desemprego: as mulheres são sempre as primeiras vítimas.
Para tentar minimizar todos os tipos de discriminações e violências sofridas pelas
mulheres, cartas, declarações e instrumentos jurídicos, respaldados pelo movimento
feminista, surgiram.
A partir de 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU), sob pressão do
movimento feminista, contribuiu para inscrever o princípio da igualdade entre mulheres
e homens no direito internacional. A carta da ONU tem como objetivo conduzir os estados
a eliminarem, em suas legislações, discriminações contra as mulheres e buscar uma
política de igualdade. Em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma
que:
Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer
espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política
ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, ou qualquer outra condição. (Declaração Universal
dos Direitos Humanos, ONU, 1948).
A Conferência Mundial dos Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993,
seguiu os preceitos da carta da ONU, porém já especificando a situação de exclusão das
mulheres:
Os direitos humanos das mulheres e das crianças do sexo
feminino constitui parte inalienável, integral e indivisível, dos
direitos humanos universais. A plena participação das mulheres,
em condições de igualdade, na vida política, civil, econômica,
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social e cultural nos níveis nacional, regional e internacional, e a
erradicação de todas as formas de discriminação, com base no
sexo, são objetivos prioritários da comunidade internacional
(Conferência Mundial dos Direitos Humanos, Viena, 1993).
A partir dessa conferência, várias outras declarações e instrumentos jurídicos
começaram a tratar com especificidade a questão do respeito aos direitos humanos das
mulheres: a Conferência Mundial sobre os Direitos das Mulheres, que ocorreu em Pequim
em 1995, é um exemplo. A transformação fundamental em Pequim foi o reconhecimento
da necessidade de mudar o foco da mulher para o conceito de gênero, reconhecendo que
toda a estrutura da sociedade, e todas as relações entre homens e mulheres dentro dela,
tem que ser reavaliadas.
Já em 1979, A Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Mulheres é o primeiro documento internacional em
que consta, além das especificidades das diversas formas de violências sofridas pelas
mulheres, a questão da importância da educação no processo de mudança, se referindo
tanto à educação das mulheres, quanto a importância de uma educação que vise à
igualdade:
A eliminação de todo conceito estereotipado dos papéis
masculino e feminino em todos os níveis e em todas as formas de
ensino mediante o estímulo à educação mista e a outros tipos de
educação que contribuam para alcançar este objetivo e, em
particular, mediante a modificação dos livros e programas
escolares e adaptação dos métodos de ensino”. (Convenção das
Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de
discriminação contra as mulheres, 1979)
A necessidade de instrumentos jurídicos que venham a minimizar a situação de
violência em que vivem as mulheres em nossa sociedade, se deve diretamente a existência
de uma sociedade historicamente patriarcal e machista, com uma falsa aparência de
igualdade que encobre uma estrutura falocêntrica.
Há na atitude dos homens de hoje uma duplicidade que cria na
mulher um dilaceramento doloroso; eles aceitam em grande
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medida que a mulher seja um semelhante, uma igual; e, no
entanto, continuam a exigir que ela permaneça o inessencial; (...)
os êxitos autônomos da mulher estão em contradição com sua
feminilidade, porquanto se exige da ‘verdadeira mulher’ que se
torne objeto, que seja o Outro. (Beauvoir. S, 1967, p. 308)
Assim, e importante ressaltar que, muitas das violências contra as mulheres ainda
são ratificadas pela lei (seja diretamente ou por omissão) e socialmente aceitas, portanto
o trabalho de mudança da realidade exige um casamento entre mudanças na legislação e
a inserção da temática “igualdade de gênero” em todos os níveis de ensino e na mídia.
Quando se fala em mudanças na legislação, é necessário ressaltar a necessidade
de uma legislação reguladora da mídia, que controle os conteúdos veiculados, pois no
processo de criação de uma sociedade igualitária, a mídia, com seus conteúdos
estereotipados, aparece como um grande entrave, naturalizando e atenuando as violências
contra as mulheres.
A mídia e a naturalização do machismo
A exploração entre os seres humanos iniciou com a exploração do homem sobre
a mulher, e assim seguem todas as formas de violência em que a mulher é educada pela
sociedade patriarcal a aceitar seu papel social imposto, sua condição de classe subalterna,
de propriedade do homem, sua condição de inessencial, sua condição de objeto
sensualizado.
Em toda a história humana, o que se fez foi padronizar as características
sexuais do homem e da mulher. A mulher é vista como o sexo frágil e
o homem como forte, criando essa relação de dominação e
subordinação (Vieira.V; Charf. C, 2012, p. 204).
A mulher, o segundo sexo em nossa sociedade, sofre também a violência imposta
pela mídia. A violência de ver seu corpo fragmentado como seios e nádegas nas mais
diversas propagandas da indústria da publicidade, a violência de ver a dupla jornada de
trabalho naturalizada pelas propagandas e novelas, a violência de ser desumanizada e
vista apenas como um corpo a ser consumido, a violência de ver os crimes de violência
doméstica e feminicídio atenuados pelo jornalismo, a violência de ser futilizada.
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Partimos do pressuposto de que nossa sociedade é machista: uma sociedade feita
por homens e para os homens, onde a mulher passa a ser mais um objeto de diversão
disponível. Neste sentido o papel da mídia não pode ser negligenciado, contribuindo para
perpetuar a reificação da mulher. A mulher é apenas mais um objeto de diversão possível
ao mundo masculino dentro dessa mídia, talvez o mais cobiçado dentre todos.
São as mulheres os principais alvos da indústria cosmética, da indústria
do fitness, das clínicas de cirurgia plástica e dos inúmeros serviços
estéticos. São elas que precisam estar bonitas para, supostamente,
seduzir os homens. Todas querem ficar com o corpo sequinho e
malhado, querem bumbuns grandes e seios maiores ainda, ou seja, todas
querem se encaixar em um padrão de beleza ditado pela indústria e pela
mídia, a fim de produzirem uma sedução também ditada pela mesma
indústria e pela mesma mídia. Os padrões estéticos nunca foram tão
rigorosos, tão milimétricos. E não são somente os padrões corpóreos, a
moda dita incessantemente novos padrões. A moda também está
padronizada. Padronizada para vestir mulheres magras. (Chaves. F.N,
2010, p. 216)
A transformação da mulher em objeto sensualizado produz graves consequências
dentro de nossa sociedade. Desumanizar a mulher, deixar de vê-la como um ser humano,
ou seja, um igual, faz com que todas as violências e desrespeitos a seus direitos humanos
sejam ratificados e socialmente aceitos.
O grande problema da imagem feminina exibida nos meios de comunicação está
não só na ideia de que a função primordial da mulher é embelezar o mundo, mas
principalmente na ausência de discussão sobre o quanto essa postura desumaniza a mulher
e produz uma visão utilitária sobre ela. Além disso, impõe padrões estéticos
discriminatórios e que contradizem explicitamente os estudos e tratados de direitos
humanos das últimas décadas. Além do padrão de beleza, a mulher ainda é submetida à
indústria da moda:
O objetivo das modas, às quais está escravizada, não é revelá-la
como um indivíduo autônomo, mas ao contrário privá-la de sua
transcendência para oferecê-la como uma presa aos desejos
masculinos; não se procura servir seus projetos mas, ao contrário,
entravá-los. (Beauvoir. S, 1970, p. 296).
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O simples fato de ainda ser socialmente aceita essa percepção de “embelezamento
do mundo” já mostra o quão pouco as mulheres são valorizadas. Sob essa perspectiva,
elas ainda não são reconhecidas como sujeitos de direito, com vontade própria, mas como
prestadoras de serviço, atendendo aos padrões estéticos e de comportamento vigentes e
tendo suas capacidades intelectuais tratadas como características secundárias, a serem
admiradas apenas se a função estética for devidamente cumprida.
A raiz de todas as formas de violência contra a mulher está nesta aceitação social
de que ela seja um objeto, uma imagem que deve cumprir uma função a outro (o homem).
Porém as medidas tomadas para diminuir a discriminação em relação ao gênero ainda são
bastante incipientes neste sentido, prioritariamente focadas na prevenção da violência
doméstica e no planejamento familiar consciente. Embora esses sejam assuntos
importantes, seu tratamento descontextualizado (não abordando a violência doméstica
como o ápice das várias formas de violência sofridas pelas mulheres e socialmente
aceitas), faz com que a discussão sobre o papel da mídia na construção de desigualdades
e ratificação de violências pareça desnecessária.
Nesse sentido o papel da mídia deturpa e empobrece o discurso sobre violência de
gênero. A mídia aceita as diversas objetificações da mulher e ao mesmo tempo diz ser
contra a violência doméstica, dicotomizando um problema que é único, que é fruto da
mesma causa.
Os meios de comunicação, por outro lado, não veiculam a memória pública
inocentemente, na medida em que possuem um mecanismo ideológico próprio. Ao
selecionar, ordenar e enunciar os acontecimentos da história, os meios de comunicação
apresentam-se como um lugar de tensão em que operam forças que levam tanto ao
enfraquecimento da memória e ao esquecimento quanto à sua estabilização (Ribeiro,
1996).
As propagandas, por exemplo, constroem e disseminam a imagem de uma mulher
sexualmente desejável e disponível a todo tipo de assédio. Ela é identificada como aquilo
que todos os homens devem aspirar e possuir, podendo ser incorporada pelas mulheres
como aquilo que elas devem ser ou se tornar para poder obter uma valorização social. À
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proporção que associam comportamentos, valores, atitudes a um ou a outro gênero, as
representações midiáticas ajudam a formular o que reconhecemos como feminilidade e
masculinidade, estando imbuídas, portanto, as relações de poder entre os gêneros,
reiterando e construindo desigualdades.
É importante ressaltar que, em muitos casos, a propaganda, assim como diversos
temas tratados levianamente em programas de auditório, não somente promovem o
machismo, mas também fazem apologia a crimes de assédio, de estupro, de crimes de
exposição pública pornográfica e até de violência doméstica.
No jornalismo podemos citar os casos de feminicídio e violência doméstica
atenuados pelas manchetes de “crime passional”. Quando se fala em crime passional
atenua-se a culpa do agressor. É uma forma de justificar o crime por um motivo nobre: a
paixão. Crime passional não existe, o que existe é feminicídio e violência doméstica,
crimes ligados ao machismo, à sensação de posse do homem sobre a mulher e a
transformação da mulher em objeto. O jornalismo apresenta o tema descontextualizado
da realidade social em que está inserido, muitas vezes, nem sequer citando a existência
da Lei Maria da Penha e quais os tipos de violência previstos nesta lei. Dessa maneira, o
jornalismo, que tem como função primordial prestar um serviço a sociedade, acaba por
fazer o contrário.
A mídia manipula, estereotipa e colabora para perpetuação de todas as formas de
violência contra as mulheres.
Legislação, mulher e mídia
É válido se perceber que a legislação que regula o sistema brasileiro de difusão
dos meios de comunicação está desatualizada e ao mesmo tempo, constata-se a ausência
de um código de conduta.
No que diz respeito à regulamentação dos meios de comunicação de massa, como
é o caso da televisão, a Constituição Federal de 1988 dedica todo um capítulo a
comunicação, prevendo inclusive a criação de um Conselho de Comunicação Social.
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Porém, um levantamento realizado no ano de 2005, pelo Conselho dos Direitos da
Pessoa Humana, ligado ao Ministério da Justiça, revela que, entre estatutos, códigos, leis
e decretos, há no país 11 mecanismos de defesa contra TVs que exploram situações
degradantes, violentas, racistas e outras formas de discriminação. Não existe, contudo,
registro de nenhum tipo de mecanismo, regulamentação ou autoregulamentação
enfocando a imagem de mulheres e meninas nos meios de comunicação. A partir de 2006,
podemos falar apenas de uma pequena citação na lei Maria da Penha, responsabilizando
os meios de comunicação de massa:
III — o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores
éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis
estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência
doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III
do art. 1º, no inciso IV do art. 3º e no inciso IV do art. 221 da
Constituição Federal; (...)
VIII — a promoção de programas educacionais que disseminem
valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana
com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;
IX – O destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de
ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à
equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência
doméstica e familiar contra a mulher. (BRASIL. Lei n° 11.340,
de 7 de Agosto de 2006, Maria da Penha).
Vivemos em uma sociedade que condena a violência física enquanto ratifica todas
as demais formas de violência sofridas pelas mulheres. Necessitamos, urgentemente, de
uma regulamentação da mídia no que concerne ao respeito e valoração dos direitos
humanos das mulheres.
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
Bibliografia:
BEAUVOIR, S. O Segundo Sexo: a experiência vivida. Vol. 2. 4 Ed: Difusão europeia do livro,
SP, 1967;
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A RELAÇÃO ENTRE JORNALISMO E LITERATURA NO LIVRO ROTA 66 - A
HISTÓRIA DA POLÍCIA QUE MATA, DE CACO BARCELLOS1
Maria de Fatima Bandeira de SOUZA
2
Francisco Aquinei Timóteo QUEIRÓS3
Universidade Federal do Acre, Rio Branco, AC
Resumo
O presente artigo tem como objetivo fazer uma análise da obra Rota 66 – a história da
polícia que mata, de Caco Barcellos, tomando por base as características do Jornalismo
Literário. O livro, publicado pela primeira vez em 1992, resultado de uma extensa
investigação jornalística promovida pelo autor, entre o período de 1970 e 1990, sobre a
atuação das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), batalhão que integra a Polícia
Militar do Estado de São Paulo. A obra parte do caso Rota 66, em que três rapazes de
classe média alta são perseguidos e assassinados pelos policiais. A partir desse episódio,
o jornalista reconstrói vários outros casos de perseguições e mortes provocadas por
policiais e cria um banco de dados para comprovar a violência praticada por estes. O
trabalho foi realizado por meio de pesquisa bibliográfica com o intuito de promover
uma reflexão teórica sobre a área de jornalismo e literatura e a proximidade de ambas
como alternativa na produção de reportagens. No trabalho, discute-se as características
do Jornalismo Literário como o relato cena a cena, a descrição extensa de características
físicas e simbólicas de personagens, a inserção de diálogos completos, o foco narrativo,
bem como o ponto de vista e fluxo de consciência. Para a fundamentação teórica foram
utilizados autores como Edvaldo Pereira Lima, Felipe Pena, Hayden White, Juan de
Moraes Domingues, Rogério Borges e Cândida Vilares Gancho, que promovem uma
discussão sobre a influência que o texto literário pode exercer na produção de
reportagens.
Palavras-chave: jornalismo; literatura; Caco Barcellos.
O Jornalismo Literário ultrapassa elementos básicos do jornalismo informativo,
como o lead e a pirâmide invertida, para contextualizar a informação de maneira
abrangente e promover uma reflexão sobre temas diversos. Este artigo busca analisar de
1 Trabalho apresentado na Linha Temática de Jornalismo da V Seacom da Ufac.
2 Graduada em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal do Acre, email:
Orientador do trabalho. Professor do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre, email:
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que forma as características comuns do jornalismo literário (relato cena a cena,
descrição extensa de características físicas e simbólicas, registro de diálogos e o foco
narrativo) estão presentes no livro Rota 66 – A História da Polícia que Mata, de Caco
Barcelos.
O livro foi publicado pela primeira vez em 1992 e ganhou o Prêmio Jabuti, em
1993, na categoria Reportagem. Na obra, o repórter realiza uma extensa investigação
jornalística, entre os anos de 1970 e 1990, sobre a ação das Rondas Ostensivas Tobias
de Aguiar (Rota), batalhão da Polícia Militar de São Paulo. O autor inicia a partir do
caso Rota 66, em que três jovens de classe média alta são perseguidos e brutalmente
assassinados durante uma ação policial. Barcellos mostra que os policiais tinham o
hábito de matar pessoas inocentes com a justificativa de que eram bandidos, e que esses
crimes eram acobertados e até incentivados pelos militares. Rota 66 apresenta a
reconstrução de vários casos de perseguições e mortes praticadas por policiais, além de
como se deu a investigação jornalística, em que o repórter criou um banco de dados para
identificar as vítimas das ações policiais e mostrar dados estatísticos que comprovam a
violência que os militares praticavam.
1. Características do jornalismo literário
Edvaldo Pereira Lima (2004) denomina Jornalismo Literário ou Literatura da
Realidade como o uso de técnicas da literatura na captação, redação e edição de textos
jornalísticos. Felipe Pena (2006) também mostra outro conceito e acrescenta mais
algumas características do gênero:
Para começar, o próprio conceito de Jornalismo Literário, que é
caracterizado como uma modalidade de prática da reportagem de
profundidade e do ensaio jornalístico utilizando recursos de
observação originários da (ou inspirados pela) Literatura. Traços
básicos: imersão do repórter na realidade, voz autoral, estilo, precisão
de dados e informações, uso de símbolos (inclusive metáforas),
digressão e humanização (PENA, 2006, p. 105).
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O autor prossegue afirmando que muitos jornalistas que se sentem insatisfeitos
com as “amarras” do jornalismo tradicional vão buscar alternativas para a produção de
matérias que fogem de recursos padronizadores do jornalismo informativo. O
Jornalismo Literário é uma dessas alternativas. Pena (2006) apresenta alguns dos
objetivos imprescindíveis desse gênero, os quais ele denomina de “estrela de sete
pontas”.
A primeira ponta dessa estrela significa potencializar os recursos jornalísticos. O
profissional não deve ignorar os princípios narrativos da imprensa diária, como, por
exemplo, uma apuração rigorosa, a observação atenta, a abordagem ética, a capacidade
de se expressar claramente, entre outros recursos.
O Jornalismo Literário também extrapola os limites do acontecimento cotidiano.
Segundo Pena (2004), isso significa que o jornalista rompe com dois preceitos básicos
do jornalismo: periodicidade e atualidade. O jornalista não está mais preso ao deadline,
a hora de fechamento do jornal, nem em relatar os fatos de maneira imediata. O objetivo
é proporcionar uma visão ampla da realidade, o que leva a terceira característica: a
contextualização dos acontecimentos de forma abrangente. O profissional não aborda
fatos isolados, mas estabelece relações entre eles, apura as informações, compara
diferentes abordagens e os localiza em um espaço temporal de longa duração.
Pena (2006) considera que o jornalista também deve exercitar a cidadania,
refletindo na maneira em que um tema pode contribuir para a formação dos cidadãos. Já
a quinta característica citada pelo autor refere-se a romper com as técnicas do lead e da
pirâmide invertida, consagradas pelo jornalismo tradicional.
A penúltima característica indica evitar os definidores primários, ou seja, as
fontes oficiais, aquelas que sempre são entrevistadas sobre determinado assunto: o
governador, o ministro, o advogado, o historiador, o psicólogo. O jornalista que
ultrapassa aspectos do jornalismo diário deve buscar vários pontos de vista, fugindo de
opiniões legitimadas. É necessário ouvir o cidadão comum, as fontes anônimas.
Por último está a perenidade. Pena (2006) diz que as reportagens literárias são
aprofundadas, fogem de uma abordagem superficial dos fatos. Muitas matérias acabam
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caindo no esquecimento, mas um texto que contextualiza os acontecimentos e explora
as diferentes opiniões tem mais chances de atrair o leitor. O objetivo é a permanência.
A partir do exposto, nota-se que o Jornalismo Literário é uma construção social
da realidade. A utilização de técnicas literárias e a construção da narrativa impregnada
pela subjetividade do repórter, não diminui o “valor de verdade” dessas reportagens
como retrato do cotidiano. Ao contrário, o Jornalismo Literário potencializa os recursos
do jornalismo tradicional e apresenta um maior aprofundamento dos fatos.
1.2 A ficcionalização da realidade
É necessário, no entanto, observar as peculiaridades que envolvem a realidade
narrada ou construída pelo jornalista. Ao se falar em construção da realidade, a ideia de
ficção emerge como possível característica da nova prática. Juan de Moraes Domingues
(2012) relata sobre o Novo Jornalismo, afirmando que este caracteriza-se pelo uso de
técnicas literárias capazes de ficcionalizar os fatos, além de mudar o jornalismo
tradicional que era pouco atrativo e sem vida (DOMINGUES, 2012, p.164). Trata-se de
uma narrativa criada pelo jornalista a fim de atrair o leitor para um novo modo de
visualizar a notícia, não se tratando apenas de um registro factual.
Acerca desse pensar literário, Hayden White (1994) assevera que a forma de
escrita dos historiadores e do escritor imaginativo são similares, podendo por vezes se
confundir, do ponto de vista formal, ou como “artefatos verbais”. Isto porque, tanto
história quanto ficção pretendem verbalizar a realidade por meio da linguagem. O autor
acredita que história e ficção podem ter a mesma finalidade de apresentar a realidade,
com diferenças apenas na forma de enunciar as narrativas, por exemplo, a ficção,
apresenta a sua noção de realidade de maneira indireta, mediante técnicas figurativas, já
a história, tem uma maneira direta de fazê-lo, registrando uma série de proposições que
supostamente devem corresponder detalhe por detalhe a algum domínio extratextual de
acontecimentos.
White (1994) explica que, no início do século XIX, o historiador procurava
excluir quaisquer traços de ficção que porventura viesse a contar em seu discurso. Era a
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chamada “desmitificação” ou “desficcionalização” do discurso. Assim, o discurso
histórico era realizado tão somente com base na observação e descrição exata dos
eventos, de modo a determinar a mais perfeita verdade do “real”. O que White acredita
ser impossível para o historiador é escrever sem recorrer às técnicas literárias utilizadas
pelos poetas, ou ficcionistas.
Mas o que vem a ser ficção no jornalismo? Já se sabe que a ideia de ficção é
ligada ao Jornalismo literário, mas não se pode levar em conta o seu significado em
essência, pois ficção não se trata de falta de verdade. Pelo contrário, como afirma
Rogério Borges (2013), no terreno da ficção, a invenção seja em que medida for está
autorizada. Sendo assim, a noção de verdade ou mentira se distingue em cada caso.
Verdade e mentiras não devem se confundir, mas podem conviver e
até compartilhar espaços, desde que a identificação de cada qual
permaneça clara. A melhor maneira para fazer isso é encarar os
discursos da realidade (jornalismo, história) e os discursos da ficção
(romances, contos) e suas hibridizações (Jornalismo Literário,
romance histórico) como o que são em essência: discursos (BORGES,
2013, p. 117).
Portanto, tanto a ficção quanto a história são discursos. A ficção se relaciona
com o real na medida em que preenche suas lacunas permitindo que se viva algo que a
realidade não proporcionou (BORGES, 2013, p. 116). Em discursos híbridos, como o
Jornalismo Literário, essa característica se acentua, já que o sujeito que constrói o relato
promove uma mescla mais intensa de elementos e se dá o direito a ousadias e
rompimentos discursivos. (BORGES, 2013, p. 128).
O discurso jornalístico é inundado de construções múltiplas que retiram sua ideia
de “verdade absoluta” e o aproximam do que se costuma designar por ficção. Se o
conceito de ficção liga-se inexoravelmente a uma realidade possível – mas não
verificável -, análises mais aprofundadas de discursos, como o histórico e o jornalístico,
revelam o incômodo registro de que eles também retratam uma leitura possível da
realidade, mas não ela em essência. Em certa medida, ficcionalizam, ainda que com
outros propósitos e com menos liberdade que a literatura.
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A ficcionalização do jornalismo, portanto, tende a modificar o discurso pré-
estabelecido de relatos puramente descritivos, para então utilizar-se de técnicas literárias
a fim de enriquecer o texto. O jornalismo tradicional passa a adquirir traços da
literatura, em que através da ficção é possível andar em campos imaginativos, antes
negados pelas práticas jornalísticas. É a pura “construção da realidade”, na qual o
construtor é o próprio jornalista, através de seu texto que geralmente apresenta
características ficcionais.
2. O jornalismo literário em Rota 66
A seguir são apresentadas, por meio da obra Rota 66, as principais técnicas
literárias que são utilizadas na construção de reportagens com viés mais literário. É
importante destacar que tais recursos são provenientes do Novo Jornalismo4,
movimento norte-americano que ocorreu durante a década de 1960 e que propunha o
distanciamento da linguagem objetiva e de elementos padronizadores do jornalismo
tradicional, por meio de narrativas jornalísticas mescladas com técnicas literárias.
2.1 Construção de cenas e detalhes simbólicos
A construção de cenas constitui-se na principal característica do Jornalismo
Literário. Nesse recurso, o fato é formado por várias cenas que são narradas como um
imenso quadro, assemelhando-se a uma projeção cinematográfica. Dessa forma, a
narrativa torna-se dinâmica e viva, e o leitor experimenta os acontecimentos como se
eles estivessem ocorrendo diante de seus olhos. Logo nos primeiros capítulos, já se
percebe que Barcellos faz uso desse recurso para dar dinamicidade e provocar suspense
no leitor.
4 O Novo Jornalismo ocorreu em um período marcado por grandes transformações sociais, culturais e
comportamentais. Em oposição às regras de objetividade, como o lead e pirâmide invertida, diversos escritores se
consagraram nessa vertente do jornalismo literário. Entre eles podem ser citados: Tom Wolfe, Truman Capote,
Norman Mailer, Gay Talese e John Hersey.
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A Veraneio cinza nunca esteve tão perto. A 200, 300 metros, 15
segundos. A sirene parece um ruído de um monstro enfurecido. Os
faróis piscam sem parar. O farolete portátil de 5 mil watts lança luzes
no retrovisor de todos os carros à frente. Os motoristas, assustados,
abrem caminho com dificuldade por causa do trânsito movimentado
nesta madrugada de quarta-feira, no Jardim América. A Veraneio,
com manobras bruscas, vai chegando perto, cada vez mais perto dos
três homens do Fusca azul (...)
O motorista do Fusca azul, Francisco Noronha, sem tirar o pé do
acelerador, reduz da quarta marcha para a terceira, em seguida para a
segunda, e, ao girar o volante à esquerda, a roda dianteira bate no
canteiro divisor de pista. Sem perder o controle, imediatamente ele
gira à direita e segue em direção à calçada oposta. Sobre o meio-fio.
Quase atropela um grupo de jovens, que tenta proteção junto ao muro.
Ao desviar deles, por sorte, bate com a traseira em um poste na
esquina. (BARCELLOS, 2013, p. 15).
Essa técnica também permite que o narrador faça a composição do espaço onde
os fatos ocorrem. No trecho abaixo, o jornalista orquestra os elementos da narrativa
permitindo ao leitor imaginar os acontecimentos e imergir na história. O autor
especifica os personagens envolvidos na cena, o local onde se passam os fatos, o tempo
em que as ações ocorrem. Além disso, detalha os elementos presentes no cenário (a
característica da casa, as armas utilizadas, a quantidade de tiros dados).
Há duas horas ele [Oseas Antonio dos Santos] resiste à artilharia de
mais de cinquenta policiais. Abrigado em uma casa simples de
alvenaria, sem pintura, afastada 10 metros da calçada, tem um
revólver e não se sabe quanta munição. Enfrenta delegados,
investigadores, soldados, sargentos, armados de revólver, bomba,
fuzil, metralhadora. Enquanto os policiais não param de atirar, ele
quase não revida. Demora dez, quinze minutos para dar um tiro lá de
dentro. Na primeira hora de combate revelou uma incrível pontaria.
Nas seis vezes em que acionou o gatilho acertou a metade dos tiros:
feriu o soldado Celso Vendramini e o investigador Roberto Sanches e
matou o tenente Rage Paulo Neto, da Polícia Militar (BARCELLOS,
2013, p. 259).
Ao mesmo tempo em que o autor reconstrói os fatos cena a cena, outra técnica é
utilizada na narrativa jornalística em estudo: o detalhamento das características
simbólicas das personagens. Esse recurso refere-se ao registro dos hábitos, gestos,
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roupas, costumes, modos de se comportar, cenários, além dos ares, olhares, poses, que
constituem o status de vida de uma pessoa, ou seja, o padrão de comportamento por
meio do qual esta expressa sua posição no mundo. A presença dessas características
enriquece a descrição feita de um personagem e permite ao leitor conhecer um pouco da
conduta deste e o contexto em que está inserido.
Tal recurso se faz presente na obra Rota 66 logo nos primeiros capítulos, em que
o autor apresenta os três personagens envolvidos na perseguição policial, utilizando
detalhes, aparentemente supérfluos para construir um perfil de cada um deles.
Noronha, aos 17 anos, é uma unanimidade. As garotas adoram o jeito,
o charme do skatista radical. Inquieto, irreverente, às vezes rebelde.
Não é exatamente um rapaz bonito: 1,68 metro de altura, ombros
largos, corpo de atleta; cabelos castanhos e crespos, longos e
despenteados, sempre repartidos ao meio e a barba por fazer
(BARCELLOS, 2013, p. 19).
O espanhol Carlos Ignacio Rodriguez de Medeiros, o Pancho, gosta de
chamar a atenção. É capaz de perder horas do dia criando artifícios,
com usar o enorme chapéu de toureiro, para conseguir se destacar na
turma do Paulistano. Filho de mãe viúva, 19 anos, passou a infância e
parte da juventude na Venezuela, onde era campeão juvenil de
motociclismo (BARCELLOS, 2013, p. 37-38).
Augusto, 1,75 metro de altura, é o maior dos três rapazes. Também é o
mais vaidoso. Gosta de vestir-se de acordo com a última moda
(BARCELLOS, 2013, p. 65).
Além da descrição de personagens, há o detalhamento intensivo de cenários, que
também é utilizado para contextualizar onde as ações ocorrem. No trecho a seguir,
Barcellos descreve a sala do IML onde será feita a investigação jornalística das mortes
provocadas pela ação da PM.
A primeira visão era de fato assustadora. Alguns armários sem porta
mostravam grandes garrafas de vidro com pedaços de corpos
mergulhados em formol. Mãos. Pés. Cabelos. Fetos deformados.
Olhos. Muitos vidros cheios de olhos flutuantes. Álbuns e mais álbuns
com fotografias de cadáveres em todos os estágios de putrefação.
Livros de capa preta. Velhos instrumentos um dia usados nos exames
de necropsia. Cadeiras quebradas. Pedaços de macas. Máquinas de
escrever emperradas. Apontei o centro da sala, para mostrar ao diretor
o motivo de meu interesse. Uma montanha de pastas e papéis velhos
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cobertos de pó. Ele sabia muito bem do que se tratava (BARCELLOS,
2013, p. 156).
2.2 Utilização de diálogos: apresentação da personagem
O registro de diálogos é outro recurso utilizado no livro e só é possível mediante
a coleta de informações com as diversas fontes. Mesmo que o repórter não tenha
presenciado os acontecimentos, é feita uma reconstrução das falas dos personagens por
meio dos depoimentos das testemunhas e familiares das pessoas envolvidas nos casos.
No trecho a seguir é descrita a conversa mantida entre Caco Barcellos e o tenente do
setor de Relações Públicas da Polícia Militar, que convocou o repórter a dar explicações
sobre uma reportagem em que é descrita uma sessão de tortura praticada pelos PMs.
Percebem-se que há pontos de vista conflitantes acerca da prática de violência pelos
agentes, e por meio da disposição de detalhes, a própria narrativa constrói um ambiente
que envolve o leitor.
- O comandante manda perguntar se tu já leste os jornais hoje,
repórter.
- O senhor viu que a declaração do comandante saiu na íntegra, sem
cortes?
- Tu leste alguma notícia de tortura nos outros jornais, repórter? - De fato, não. E o comandante leu sobre a tortura? Ele vai tomar
alguma providência?
Ele vira-se de frente, dedo em riste para o teto, ameaçador. - Esta notícia denigre a imagem da Brigada Militar. Tu és o culpado,
repórter.
- Eu não torturo ninguém, tenente. Seus comandados é que torturam.
- Tu vai pagar por isso. O comandante está envergonhado. - Se tortura é motivo de vergonha, tenente, a solução é muito simples:
basta não torturar.
- Estás demitido. Por favor, nunca mais apareça neste quartel.
- Até amanhã, tenente!
- Até nunca! (BARCELLOS, 2013, p. 53)
O repórter registra os diálogos na narrativa jornalística como forma de obter
maior credibilidade. O leitor percebe que não é o narrador quem está falando dos
acontecimentos, mas as próprias fontes. As personagens são definidas de maneira mais
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rápida do que se houvesse uma narração em terceira pessoa. Nos diálogos, registra-se
também a forma como as pessoas se expressam. A personagem fala por si mesmo.
2.3 O foco narrativo
De acordo com Cândida Vilares Gancho (2006), a ótica do autor quanto às
ocorrências da história é denominado de foco narrativo, que se modifica de acordo com
os diversos pontos de vista que o narrador pode adquirir no texto. O foco narrativo
divide-se em duas formas: na primeira pessoa, o narrador insere-se na história, podendo
ser classificado como narrador testemunha ou narrador protagonista. Já na terceira
pessoa, é quando o narrador se posiciona fora dos acontecimentos. Este último pode ser
dividido em narrador intruso, aquele “que fala com o leitor ou que julga diretamente o
comportamento das personagens” (GANCHO, 2006, p.32), ou parcial, em que há uma
identificação com determinado personagem e este ganha maior espaço na história.
O foco narrativo no livro Rota 66 não é linear. Em alguns capítulos, a narração
ocorre em primeira pessoa, em que o repórter participa diretamente da história. Já em
outras partes da obra, os fatos são narrados em terceira pessoa, tendo como
características a onisciência e a onipresença, pois o narrador tudo sabe sobre a história e
está em todos os lugares. Este último está presente na maior parte do livro.
Principalmente na primeira parte do livro, o autor pretende chamar a atenção do
leitor ao provocar suspense no relato dos fatos. Várias vezes, a narrativa da perseguição
policial aos rapazes ocupantes do Fusca azul é interrompida para apresentar fatos
ocorridos horas antes do crime ou traçar um perfil dos envolvidos no caso. O narrador,
em seu desempenho onisciente, descreve:
Agora já são cinco Veraneios e 25 homens atrás do carro de Noronha.
Ele sabe, pelo ruído das sirenes, que a perseguição está mais intensa,
embora não veja, pelos espelhos, nenhum carro da polícia atrás dele.
Mas, logo à frente, a sorte dos três homens do Fusca azul começa a
mudar. Eles fogem pela Peixoto Gomide. Entram na Oscar Freire e,
em poucos minutos, estão de volta a Nove de Julho, onde são
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surpreendidos pela barreira de uma viatura, parada no meio da pista
em posição oblíqua (...)
À espera do inimigo, o motorista da Rota 66 acelera muito, sem
movimentar o carro, ainda parado no meio da pista. Ao lado dele, no
banco dianteiro, o comandante da equipe, sargento José Felício
Soares, tem uma metralhadora sobre o colo. Atrás, entre dois PMs,
está o soldado Antônio Sória (...)
Duas horas antes de cruzar com os homens da Rota 66, os longos
cabelos do menor Francisco Noronha estavam entre as mãos da
namorada, Iara Jamra, que os acariciava enquanto ele fazia o que mais
gostava na vida: namorar em um passeio noturno de carro, em baixa
velocidade (...) (BARCELLOS, 2013, p. 17-18).
A partir do trecho apresentado, percebe-se que o narrador tudo sabe sobre os
acontecimentos. A narrativa da perseguição não chega a ser concluída, e o ritmo é
quebrado para dar lugar à narração dos últimos momentos de Noronha antes de
encontrar os policiais da Rota. Dessa forma, o autor deixa o leitor curioso pelo o que
virá na próxima cena.
A utilização da narração em terceira pessoa também aparece por meio do que
Gancho (2006) classifica como narrador intruso, quando este julga os acontecimentos e
comportamentos das personagens. À medida em que reconstrói os acontecimentos,
Barcellos, como narrador onisciente, se posiciona de maneira crítica, levando o leitor a
refletir sobre as ações da PM e questionar a legitimidade destas.
Agora mais de cem policiais militares, pelas ruas e no comando, estão
envolvidos na repressão ao suposto furto de um toca-fitas. Antes da
primeira rajada de metralhadora, o gasto público desta operação era no
mínimo 10 mil dólares, somando apenas o custo da gasolina, o valor
do trabalho de cada policial e os danos nas colisões de trânsito. Agora,
a cada novo disparo de metralhadora, o gasto equivale ao prejuízo do
furto de noventa toca-fitas. Parece inacreditável, mas é isso mesmo:
para salvar um toca-fitas, os homens da Rota estão gastando, por
minuto, o equivalente ao preço de mais de noventa toca-fitas
(BARCELLOS, 2013, p. 58).
O foco narrativo em primeira pessoa aparece principalmente na terceira parte da
obra. Gancho (2006) diz que o narrador em primeira pessoa participa diretamente do
enredo como um personagem, tendo seu campo de visão limitado. Pode ser dividido em
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dois tipos: o narrador testemunha e o narrador protagonista. Quanto ao primeiro, Ligia
Chiappini Moraes Leite (2001) afirma que o narrador testemunha possui um ângulo de
visão mais limitado, uma vez que vive os acontecimentos descritos em um papel
secundário, passando a noção de “verossimilhança”. Isso é o que ocorre em
determinados capítulos onde o autor expõe as histórias dos protagonistas da trama:
Conseguimos identificar 36 das 42 vítimas de Conte Lopes registrada
em nosso Banco de Dados. Constatamos que em muitos casos, a morte
poderia ter sido evitada, sem nenhum prejuízo à sociedade ou risco a
pessoas inocentes. Nosso levantamento deixa claro que sua tática mais
comum sempre foi agir de surpresa contra os suspeitos, sem lhe dar
qualquer possibilidade de defesa. Como frequentemente escolhe casos
especiais para agir, é comum ter ao seu lado PMs com um poderio de
fogo muito superior ao da vítima, esta quase sempre acuada e em
grande desvantagem (BARCELLOS, 2013, p. 276).
Já a segunda variante, o narrador testemunha, é aquele que exerce o papel de
personagem central na história. Exemplo desse tipo no livro pode se encontrado no
segundo capítulo, “Doutor Barriga”, em que o autor descreve sua experiência com a
perseguição dos policiais aos habitantes da periferia, descrevendo uma ocasião de sua
infância, na cidade de Porto Alegre. Nesse ponto do texto, ele foi um personagem da
história.
Estamos escondidos a 200 metros da rua, num matagal alagado, com
as pernas cobertas de água até os joelhos. Corpos curvados, em
silêncio absoluto. Ouvimos o ruído da RP em marcha à ré. Vemos o
delegado e dois investigadores com as lanternas iluminando a cerca de
arame farpado. Em seguida um dos policiais salta com facilidade a
vala do esgoto e cruza a cerca, no mesmo ponto por onde havíamos
passado. Nosso desespero aumenta quando a gente vê o delegado, com
arma em punho, se preparando para invadir o terreno dos padres. Na
última vez que perseguiu meus amigos, ele jurou que na próxima
atiraria no primeiro que visse fugindo. Não podemos perdê-lo de vista
um segundo sequer. (BARCELLOS, 2014, p. 27).
Conforme Domingues (2012, p. 184) Barcellos, “em alguns momentos, lança
mão da narrativa em primeira pessoa. E, em outros, misturas ambos os pontos de
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vistas”. É um recurso que dinamiza o texto. Isso pode ser verificado no trecho destacado
a seguir, retirado do capítulo O Futebol.
É grande o movimento de soldados na entrada, vigiando uma fila de
rapazes que aguardam a vez de serem espancados. Alguns já foram
obrigados a se despir, estão apenas de cuecas [...]. Já estamos em
condições de ver dois meninos agachados, costas marcadas de
porrada, limpando com um pano molhado o próprio sangue do chão.
Para meu azar logo fui reconhecido [...] (BARCELLOS, 2013, p. 50).
Grande parte do parágrafo é escrito em terceira pessoa e o leitor experimenta a
descrição de toda a cena de agressão praticada pelos policiais. Mas logo no final o ponto
de vista do narrador muda: “Para meu azar logo fui reconhecido” está na primeira
pessoa do singular, o próprio repórter se insere nos acontecimentos, narra os fatos pela
sua ótica particular.
Atrelado ao foco narrativo, outra técnica utilizada no jornalismo literário é o ponto
de vista e fluxo de consciência. Segundo Tom Wolfe (2005), essa técnica consiste em
apresentar cada cena ao leitor sob a perspectiva de uma personagem particular, dando a
sensação de estar dentro da cabeça deste, experimentando a realidade emocional da
mesma forma que o personagem experimenta. Essa técnica pode ser observada no
objeto de estudo desta pesquisa, o livro Rota 66 – a história da polícia que mata.
Dez minutos depois, Guazelli é o primeiro a tentar identificar os
corpos no Instituto Médico Legal. Ao avançar pelos corredores
gelados está nervoso e abatido, mas ainda tem esperança dos mortos
não serem seus amigos. Na grande sala das geladeiras, a primeira
imagem que ele vê é o corpo de uma senhora de cerca de 70 anos. Ao
lado, mesmo não querendo ver, seus olhos descobrem o cadáver de
uma criança vítima de atropelamento. Guazelli começa a chorar antes
mesmo de o funcionário se aproximar trazendo duas macas em sua
direção. Há uma etiqueta de papelão amarrada ao pulso do primeiro
corpo submetido ao reconhecimento (BARCELLOS, 2012, p. 70-71).
Considerações Finais
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O jornalismo, nos dias atuais, tem sido objeto de muitas transformações, seja no
seu fazer, seja nos seus resultados ou nas suas possibilidades, particularmente as
tecnológicas. Ele sofre de uma crise histórica, a partir dos rumos que tem tomado
justamente essa tecnologia digital, que supera, em velocidade, alcance e diversidade o
antigo tráfego da notícia.
Dessa forma, pode ser compreendida a obra em estudo. O autor, Caco Barcellos,
utiliza técnicas consagradas pelo Novo Jornalismo para reconstruir os crimes praticados
pelos policiais da Rota. Esses acontecimentos tiveram uma cobertura superficial pelos
jornais da época, os quais, na grande maioria das vezes, apenas reproduziam as
informações oficiais da PM, sem nenhum questionamento.
O caso Rota 66 foi o que obteve maior aprofundamento na cobertura justamente
por envolver jovens de classe média alta. Esse fato foi escolhido como ponto de partida
para a obra, e a partir dele, Barcellos reconstruiu outras mortes cometidas pela Rota,
mas que não mereceram o mesmo tratamento da imprensa.
O Jornalismo Literário busca ir além dos acontecimentos do cotidiano e é
justamente o que o autor buscou fazer em seu livro, ao mostrar a complexidade do caso
Rota 66. Utilizando técnicas literárias, foram reconstruídos acontecimentos, mas isso
não torna o seu trabalho “menos jornalístico”, uma vez que a exigência de uma
apuração rigorosa, a seleção das fontes, o trabalho de documentação estão fortemente
presentes.
Referências
BARCELLOS, Caco. Rota 66: a história da polícia que mata. Rio de Janeiro: Record,
15ª Ed, 2014.
BORGES, Rogério. Jornalismo literário: Análise do discurso. Série Jornalismo a
Rigor. Florianópolis: Insular, V.7, 2013.
DOMINGUES, Juan de Moraes. A ficção do Novo Jornalismo nos livros-reportagem
de Caco Barcellos e Fernando Morais. Tese (Doutorado em Comunicação). Porto
Alegre: PUC-RS, 2012.
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GANCHO, Cândida Villares. Como analisar narrativas. São Paulo, SP: Ática, 2ª ed.,
2006.
LEITE, Ligia Chiappini Moraes. O Foco Narrativo. São Paulo: Ática, 10ª edição,
2001.
LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do
jornalismo e da literatura. São Paulo: Manole, 2004.
PENA, Felipe. Jornalismo literário. São Paulo: Contexto, 2006.
WHITE, Hayden. Teoria literária e escrita da história. Estudos históricos. Rio de
Janeiro, vol. 7, 1994.
. Trópicos do Discurso: Ensaios sobre a Crítica da Cultura. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994.
WOLFE, Tom. Radical chique e o novo jornalismo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2005.
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A TELEVISÃO EM MUDANÇA: ENTRELAÇANDO POSSIBILIDADES PARA
O TELEJORNALISMO
Daniel Alves Scarcello1
Wagner da Costa Silva2
Universidade Federal do Acre - Ufac
Resumo
O artigo discute os novos caminhos trilhados pelo telejornalismo, área que tem tentado
se reinventar diante da emergência de novas mídias como, por exemplo, a internet e as
redes sociais. Mudanças em sua linguagem, no comportamento dos apresentadores e da
interação com os telespectadores, são algumas das experimentações que o público já
percebe. Paternostro (2006), Cashmore (1998) e Rezende (2000) formam o referencial
teórico do trabalho.
Palavras-chave: televisão; telejornalismo; novas narrativas.
Breve história de um meio
Foi três anos após o surgimento do telefone que surgiram os primeiros rascunhos
do projeto da o que viria a ser o aparelho de TV. Em “... e a televisão se fez”, Ellis
Cashmore (1998) conta que o desenho de um casal assistindo um jogo de tênis numa tela
foi publicado na revista Punch,em 1879. O desenho era de George duMaurier, e
representaria uma das primeiras imagens do desejo de se ter um objeto parecido.Durante
os anos, nomes como Paul Nipkow, Heinrich Hertz, Guglielmo Marconi, Boris Rosing e
Thomas Edison vão fazendo descobertas e criações que colaboram para o surgimento da
TV. Em 1884, por exemplo, Heinrich Hertz comprova a existência de ondas
eletromagnéticas e a partir desta descoberta, o italiano Guglielmo Marconi constrói um
aparelho que codifica essas ondas em sinais elétricos, que podem ser transmitidos sem
fio, era a ideia do rádio em 1901. No mesmo ano, Boris Rosing pesquisa um sistema
baseado num tubo que envia e recebe imagens.
1 Estudante de Graduação 8º. semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre - UFAC, email:
2
Orientador do trabalho. Professor do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre - UFAC, email:
62
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Tempos depois, em 1923, segundo Paternostro (2006), o migrante russo nos
Estados Unidos, Vladimir Zworykin, inventa e patenteia o iconoscópio. A invenção é um
“um tubo a vácuo com uma tela de células fotoelétricas” e é responsável por fazer uma
varredura de imagem eletrônica e é a base do olho da Tv. No mesmo ano, o inglês John
Baird também demonstrou uma transmissão de imagens e foi contratado pela BBC
(British Broadcasting Corporation). E assim vão se instalando antenas em Nova Iorque
(1931), em Paris (1935) e na Inglaterra a coroação do rei Jorge VI é transmitida em 1936.
Apesar de ter mecanismos e vários processos instalados, Paternostro afirma que o
iconoscópio exigia muita luz e a imagem que ele reproduzia possui problemas. Mas o
próprio Zworykin teria desenvolvido a solução numa válvula que equilibrava a luz e
melhorava a qualidade da imagem, quando adaptada a câmera. Para a autora, a partir de
1940 a TV se afirma como um sistema totalmente eletrônico.
Em “ ... e a televisão se fez”, Ellis Cashmore comenta que apenas a partir da década de
1950 a TV pôde ser considerada um meio de comunicação de massa. Ainda em 1939, a
Radio Corporation of America (RCA) começou transmissões regulares para poucos
aparelhos de tv.
Foi dia 18 de setembro de 1950, em precários estúdios na cidade de São Paulo,
que surgiu a TV Tupi Difusora, marcando o início da televisão no Brasil. Foi Assis
Chateaubriand quem trouxe cerca de duzentos equipamentos contrabandeados, em 1949,
às escondidas, para instalar a indústria televisiva no país antes de México e Cuba, que
também começaram suas TVs no mesmo ano.
Chateaubriand fez Brasil ser o pioneiro na América Latina ao instalar a TV Tupi
de São Paulo. Segundo Vera Iris Paternostro, o primeiro programa era um show dirigido
por Cassiano Gabus Mendes, com artistas de sucesso da época, como Mazzaropi, Walter
Foster, Hebe Camargo, Lolita Rodrigues e Lima Duarte, era o TV na Taba. A autora conta
ainda que após uma das câmeras quebrar no estúdio, o programa teve um atraso de
quarente minutos, mas quando entrou no ar, teve quase duas horas de duração. Paternostro
conta que até o sexto mês, o canal possui cinco horas de programação por dia, das 18h às
23h, com filmes, espetáculos de auditório e noticiário.
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Sérgio Mattos também destaca pontos importantes na programação da TV
brasileira. Em seu cronograma, o primeiro telejornal do país é lançado um dia após a
inauguração da TV, era o “Imagens do Dia” em 19 de setembro. A primeira novela a ser
transmitida pela TV também começou a ser exibida na mesma época, em dezembro.
Quatro meses depois, em janeiro de 1951, a segunda emissora de TV do Brasil entrava
no ar, era a TV Tupi do Rio de Janeiro. Até o fim de 1950, existiam seis emissoras no
país: “TVs Tupi, Record (1953) e Paulista (1952) em São Paulo; Tupi (1955) e Excelsior
(1959) no Rio de Janeiro; Itacolomi (1956) em Belo Horizonte” (PATERNOSTRO, 2000,
p.30).
Foi aos poucos que a TV conquistou seu lugar no país, nos primeiros 10 anos, na
verdade, foram de dificuldades e nesta época o rádio ainda reinava na casa dos brasileiros.
Adjetivos como improvisado, aventureiro e amador são facilmente encontrados nos livros
de história da TV Brasileira, para definir o período de sua instalação no país. Segundo
Marialva Carlos Barbosa, as emissoras enfrentavam dificuldades para produzir uma nova
linguagem e a população não tinha acesso ao aparelho que ainda era caro nesta fase.
Telejornalismo no Brasil: tecendo histórias
O primeiro telejornal brasileiro foi o “Imagens do Dia”, que foi ao ar pela primeira
vez no dia seguinte a inauguração da TV no Brasil. Segundo Rezende (2000), a equipe
era pequena, formada por quatro pessoas, que produziam material com as principais
notícias do dia que iam ao ar no período da noite, na TV Tupi, canal 6. O segundo
telejornal brasileiro a existir foi o Telenotícias Panair, em janeiro de 1952, na mesma
emissora.
Foi também na TV Tupi que surgiu o primeiro telejornal brasileiro que fez
sucesso, O Repórter Esso, segundo Vera Iris Paternostro. O noticiário começou a ser
transmitido em 17 de junho de 1953 em São Paulo, e depois (1954) no Rio de Janeiro.
Segundo Paternostro, em São Paulo o apresentador e diretor era Kalil Filho, enquanto os
cariocas acompanhavam as notícias com Gontijo Teodoro. Os dois eram locutores
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conhecidos do rádio, liam textos objetivos e ficavam enquadrados no plano americano,
entrando sempre às 20h.
O nome do programa levava o nome do anunciante, que comprava o espaço na
TV, prática do início da TV brasileira. O noticiário trazia informações nacionais e
internacionais. Guilherme Jorge de Rezende (2000), destaca que uma importante
mudança que o Repórter Esso trouxe foi a introdução de mais imagens na TV, que neste
começo, era mais baseada na fala do que no visual. Com poucos noticiários na época, a
TV perdia pela instantaneidade do rádio, pela logística que demanda a revelação e
montagem de filmes, demorando até 12 horas para conseguir transmitir uma imagem:
E essa situação só se alterou com o Repórter Esso, em que o apoio de
um anunciante de grande porte e o acordo com a agência de notícias
norte-americana United Press International (UPI) proporcionou a
libertação da narração exclusivamente oral e o uso mais frequente de
matérias ilustradas (REZENDE, 2000, p.107)
Enquanto Vera Iris Paternostro defende que os apresentadores, mesmo vindos do
rádio, já começavam a criar e narrar com uma linguagem mais “televisiva”, Guilherme
Rezende afirma que o Repórter Esso é um dos principais exemplos do formato e situação
que o jornal de TV possuiu no início da TV Tv no Brasil: radiofônico e precário. Rezende
defende que, com baixo nível de qualidade, os telejornais apresentavam falhas tanto por
carência tecnológica quanto pela inexperiência dos profissionais, que em sua maioria,
vinham do rádio. As dificuldades técnicas que atrapalhavam coberturas externas, faziam
com que a maior parte dos noticiários fossem ocupados com o apresentador, ao vivo do
estúdio. Rezende (2000, p.106) cita que os primeiros telejornais tinham um “texto
telégráfico” e a apresentação copiava a locução de rádio, forte e vibrante.
“O uso da câmera de filmar de 16 milímetros, sem som direto, principal
inovação técnica à disposição do telejornalismo brasileiro na década de
1950, não bastou para atenuar a influência da linguagem radiofônica
sobre os telejornais” (REZENDE, 2000, p.106)
Ciro Marcondes Filho (1994) reforça essa ideia, informando que a tv e a maioria
de seus produtos sofreram uma certa rejeição do público. Faltava a linguagem própria e
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o telejornalismo se preocupava em “ler” as notícias numa voz “boa” e “empostada” como
era no rádio. Sobre o Repórter Esso ele reforça:
O apresentador simplesmente colocava-se diante das câmeras e lia
literalmente as notícias que faziam parte de seu script. Era um
radiojornal com imagens e em nada se diferenciava daquele tipo de
produto comunicativo, ágil e dinâmico, que havia sido o grande
radiojornalismo dos anos 40 e 50, (MARCONDES FILHO, 1994, p.48)
Outras características da época eram os cenários, com uma cortina na parede do
fundo, uma mesa e o letreiro como nome do patrocinador, além da subordinação dos
telejornais aos interesses dos anunciantes. Rezende faz uma ressalva de que, como visto
anteriormente, poucas pessoas tinham acesso a tv na época e quase não havia repercussão
das falhas entre o público. Para o autor, o telejornalismo demorou a ser a principal fonte
de informação para a população, pois o rádio, como veículo mais imediato na transmissão
de conteúdos, continuava despertando o interesse de um grande número de pessoas,
A linguagem do telejornalismo: novos enredos
Algumas câmeras, um cenário com uma bancada, microfones, luzes, um
apresentador e vários técnicos e jornalistas envolvidos. Está pronto mais um jornal para
entrar no ar. Mas como funciona e como se construiu a linguagem dos telejornais?
Souza (2010) explorou a linguagem dos jornais no artigo “Linguagem do Jornal
Nacional: como se constrói um telejornal? ”, e conclui que o telejornal é um produto
jornalístico que utiliza principalmente dois tipos de linguagens para ser produzido: a
jornalística e a audiovisual, A linguagem audiovisual é encontrada no cinema, no vídeo,
na tv, na internet e nas mídias digitais. A autora diz que a linguagem audiovisual, assim
como sua formação morfológica, une a linguagem do áudio e a visual, tornando a junção
do som e da imagem em movimento como sua principal característica.
Para discutir algumas das características do telejornalismo, Rezende (2000)
começa o diferenciando dos veículos impressos. O imediatismo seria o primeiro ponto,
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
que neste caso também é uma característica do rádio, pois na tv os fatos podem ser
noticiados no mesmo momento em que ocorrem.
O autor cita que as diferenças entre o rádio e a tv são muito complexas, mas pode-
se introduzir uma característica que é fundamental para se compreender a diferença entre
os dois meios: a imagem, considerado por ele como o atributo mais importante do veículo
televisão. “A possibilidade de exibir imagens dos fatos e não somente uma descrição
verbal. Essa particularidade exerce uma influência que se reflete diretamente no modo de
produção telejornalístico. ” (REZENDE,2000, p.72)
Rezende (2000) observa que na TV o jornal disputa espaço com a publicidade e o
entretenimento, tipos de conteúdo que ainda conseguem ocupar mais tempo na tela do
que as notícias. Mesmo dividindo o espaço da página com propagandas, a informação é
o principal destaque dos veículos impressos. Essa particularidade traz mais uma
peculiaridade para a construção do texto da tv. Já levando em conta que o público não
pode voltar a informação e com pouco tempo para informar, o jornalista de tv precisa
falar de forma clara e fazer com o que o seu texto ganhe o tom de uma conversação.
O texto telejornalístico cumpre a função fática, procurando consolidar-
se como um contato informal com o telespectador. Ao escrever sua
matéria, o jornalista de TV tem de pensar em tornar o texto inteligível
para o locutor, a quem cabe Lê-lo de forma compreensível para a
audiência (REZENDE,2000, p.87)
Com o tempo e o surgimento de novos meios de comunicação, cada veículo se
transforma e se modifica de algum jeito, seja para se adaptar a uma nova tecnologia ou
para conquistar um novo público. Marcondes Filho (1994) recorda as alterações que o
jornalismo impresso sofreu com a chegada do telejornalismo. Até 1970, os impressos
conseguiam se manter com o que ele chama de jornalismo clássico, em que o texto, a
matéria crítica, reportagem, com retóricas, pontos de vista e ideologias. Depois deste
período, com a popularização da TV, as inovações tecnológicas e, principalmente, as
mudanças dos hábitos visuais do público, o impresso acabou tendo que se adaptar.
O telespectador já não tem mais o mesmo interesse pelo jornal, já não
tem mais tanta paciência com os textos longos e cansa-se da aridez das
páginas impressas. É o momento em que a revolução da informática
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também entra nas redações de jornais e que esses, diante da crise de
identificação com o leitor, começam a reformular seu padrão gráfico. A
parte visual de um jornal começa a sofrer a concorrência dos hábitos
desenvolvidos pela televisão e tem que se recompor. O jornal perde sua
austeridade. (MARCONDES FILHO, 1994, p.49)
O autor explica que o público teve os sentidos reeducados por poderem ver mais
imagens em menos tempo, assistir programas em cores e assistir as notícias no momento
em que acontecem, tudo por meio da TV. Desta forma, criou-se um vício no público em
geral, que tornou a leitura do jornal antiquado (MARCONDES FILHO, 1994). Tais
fatores fizeram com que o jornal impresso passou a colocar mais manchetes na sua capa,
com mais chamadas para matérias nas páginas internas, mais blocos surgiram para blocar
mais as notícias, os textos diminuíram e as fotos mais coloridas.
Mas a com o tempo, a TV também chegou no seu momento de “vítima”. A internet
chegou como uma ameaça para a televisão e, Michael Woolf (2015) explica que a internet
chegou apostando na principal fonte dos telejornais, a informação.
“A mídia digital foi padronizada na crença de que a informação era a
moeda: afinal, o novo meio poderia fornecer informações mais
rapidamente, com menos custos e diretamente a cada usuário
individual, e não mais coletivo, o sonho funcional do início da web, e
depois colocado em prática pelo Facebook e Twitter, era um jornal feito
só para você. Como a mídia digital estava matando os jornais, ela
também estava, à sua maneira, imitando-os” (WOLFF, 2015,p.34)
Wolff afirma que a mídia digital surgiu com uma ideia de “antitelevisão”, pois iria
oferecer uma experiência individual e interativa que a televisão “jamais poderia oferecer”.
O autor recorda que, no início, a internet possuía um crescimento febril e
consequentemente causava um grande entusiasmo e curiosidade na população.
Ironicamente, Wolff compara este entusiasmo com o mesmo existente no surgimento da
TV (WOLFF, 2015)
Desde a criação da TV, a linguagem coloquial e a proximidade com o público são
pontos considerados importantes para uma boa comunicação em programas, inclusive nos
telejornais. Os autores e manuais sempre frisam a necessidade de usar um português
correto gramaticalmente, mas com formas, palavras e expressões utilizadas numa
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conversação de rua. Mas parece que só o coloquial não é suficiente, até porque a
linguagem não é apenas verbal, as pessoas não conversam apenas com o uso das palavras,
fatores como roupa, postura, gestos e expressões implicam no “papo” que alguém pode
ter com outra pessoa.
No artigo “O Telejornalismo no Brasil na Atualidade: Em Busca do
Telespectador”, Aline Silva Corrêa Maia afirma que, em 2011, os telejornais
necessitavam e discutiam formas de modificar seus formatos e linguagens, que afetam
desde figurinos, cenários e principalmente como informar o público, de que forma falar e
exibir os conteúdos do jornal para torná-lo mais atrativo e, principalmente, sem perder o
conteúdo. Entre os motivos para essa busca por modificações, a autora cita não apenas a
Internet, mas também os outros canais de TV e novas tecnologias.
(...)com o passar do tempo, os avanços tecnológicos (como o videoteipe e os
satélites) associados à consolidação da TV como principal meio de informação
e entretenimento no Brasil fizeram emergir a necessidade de constante
reformulação da linguagem e do formato dos telejornais – que desempenham
um papel central no conhecimento do mundo, por parte dos indivíduos, ao
apresentarem as notícias diariamente de uma forma sistematizada e
hierarquizada (MAIA, 2011, p.2)
Aprofundando os motivos que provocaram esta necessidade de mudança, a autora
argumenta que os avanços tecnológicos dentro dos próprios meios de comunicação
também provocam as alterações nos formatos, é preciso estar sempre se adaptando e
atualizando de acordo com as novas ferramentas utilizadas, pois o público também está
mais exigente já que agora ele também sabe como funciona o processo de produção da
notícia e dos programas de TV. Para ela, a ordem e o desafio estar em surpreender o
público de hoje, que está mais atualizado, inteirado e exigente.
A ordem é surpreender o telespectador, apresentando os mesmos
assuntos de forma diferente, abrindo mais espaço para a conversa e o
debate. Este comportamento nas redações também se deve, em parte,
ao gradual aumento do poder de consumo por parte de classes sociais
mais baixas no atual contexto socioeconômico brasileiro, o que tem
ampliado também a demanda por informação (MAIA, 2011, p.2)
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
Percebe-se então que, mesmo sem perder seu lugar, a TV precisou se adaptar a
um novo cenário composto pelos avanços tecnológicos e por um público cada vez mais
exigente e conhecedor de sua realidade. Quem antes sentava na frente da televisão para
assistir aos telejornais, por exemplo, agora assiste aos programas por meios de celulares,
tablets ou nas redes sociais.
A informalidade, seja por meio da linguagem ou pela liberdade do apresentador
ao vivo, aos poucos tem sido vista como uma das alternativas para manter os telejornais
em sintonia com o que acontece com o público. Em relação aos telejornais da Rede Globo,
a emissora sempre apresentou a preocupação em se aproximar do público. Maia (2011),
utilizou da experiência trabalhando na afiliada da Rede Globo em Juiz de Fora, a TV
Panorama, para abordar as questões repassadas e desafios vividos em funções como
produção, editoria e editoria chefe, nesse momento de mudança para o telejornalismo.
Em busca do telespectador – tendo a proximidade como meta a fim de
garantir a audiência (e, consequentemente, o patrocínio dos
anunciantes) – os telejornalistas têm sido instigados a pensar uma forma
diferente de fazer o noticiário de TV, com linguagem mais próxima e
afetiva. A ordem nas redações é ousar, criar, sem medo de errar; romper
paradigmas por muitos anos cultivados, mas que têm se revelado
ineficientes na conquista do telespectador na atualidade (MAIA,2011,
p.10).
Esse cenário de mudança, na visão da jornalista, implica em um maior
entrosamento da equipe de todo o jornal. Uma das questões mais reforçadas era a
possibilidade de se fazer um programa mais “improvisado”, “falado” e “conversado”, o
que necessita de muita organização para que seja bem feito. “Era preciso aumentar o
tempo de debate e conversa no telejornal, estimular a improvisação e até abandonar
formatos tradicionais como a exibição de uma notícia com a cabeça, seguida pelo VT e
finalizada com uma nota pé”. (MAIA, 2011).
Como principal exemplo, ela cita o jornal local do Rio de Janeiro da Rede Globo,
o RJTV. Maia explica que após uma pesquisa, a equipe constatou que o horário de
transmissão do jornal é um dos mais concorridos, o horário do almoço, e que o público
não estava tão satisfeito com o conteúdo e formato do programa. Como solução, o RJTV
teve mudanças consideráveis como a tirada do casal de apresentadores, deixando apenas
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um jornalista no comando; seis comentaristas se revezam nos programas para discutir
diferentes temas e as notícias ganharam mais tempo no jornal para serem exploradas; nas
roupas, homem não usavam mais gravata e, mulheres, sem blazer; e o TP não transcreve
mais o jornal todo, apenas contem palavras-chaves guiando o apresentador e
comentaristas, que já devem saber sobre o assunto que vão falar.
As mudanças foram implementadas a fim de favorecer a informalidade e o dinamismo do telejornal. Adaptações também foram feitas na edição
dos conteúdos. O princípio na redação passou a ser: como explorar e
transmitir de forma criativa o material que as equipes trazem da rua
(MAIA, 2011, p.11)
Apesar das inovações implantadas em outros jornais, o Jornal Nacional, de acordo
com Brittos e Rühee (2007), demorou para assimilar mudanças significativa. Enquanto
os outros telejornais da casa ampliavam cenários para deixar o apresentador mais livre ou
faziam mais interação entre a dupla de apresentadores, o JN ainda se segurava e mantinha
um estilo mais formal de apresentação.
No artigo “A Construção dos Âncoras”, os autores mostram que no JN os planos
mais frequentes ainda eram os closes e os planos médios. O médio é mais utilizado
quando existe um quadro ou gráfico ilustrando a notícia atrás do apresentador, senão o
close é utilizado. Sobre o plano geral, elas afirmam que geralmente o Plano Geral
acontece no final de cada bloco, quando os apresentadores anunciam as chamadas.
Com relação a interação entre os apresentadores, a pesquisa mostra que não é uma
novidade para os jornais da Globo, desde 2005, pelo menos, mas eram características
exclusivas para o Jornal Hoje e o Bom dia Brasil. “Nesses programas, dependendo do
tema que estava em pauta, os âncoras se permitiam estender o assunto e brincar entre si e
com o público” (Brittos e Ruhee,2007, p.65)
Considerações em aberto
O trabalho mostra que o telejornalismo busca construir novas linguagens, tendo
em vista que reconhece a chegada de novos meios que trazem modificações na forma
como o público consome informação e entretenimento. Para não perder seu espaço, o
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telejornalismo tem lançado mão de uma linguagem mais informal, próxima daquela que
o público tece em seu cotidiano. Percebe-se, ainda, a humanização de seus repórteres e
apresentadores, que agora buscam conversar com que está do outro lado da tela. Em um
mundo construído nas redes sociais, como o que vivemos atualmente, é preciso que o
telejornalismo se reinvente.
Referências
BRITTOS, Valério Cruz e RUHEE,Paloma. A construção dos âncoras
nos telejornais nacionais da Globo. Salvador, 2007.
CASHMORE, Ellis. ... e a televisão se fez – São Paulo: Summus, 1998.
MAIA, Aline Silva Corrêa. O Telejornalismo no Brasil na Atualidade: Em Busca do
Telespectador. Salvador,2011.
MARCONDES FILHO, Ciro. Televisão: Scipione,1994.
PATERNOSTRO, Vera Íris. O Texto na TV: manual de telejornalismo – Rio de Janeiro:
Elsevier,2006.
REZENDE, Guilherme Jorge de. Telejornalismo no Brasil: um perfil editorial – São
Paulo: Summus, 2000
WOLFF, Michael. Televisão é a nova televisão. São Paulo: Globo, 2015.
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ANÁLISE DO DOCUMENTÁRIO “O ACRE EXISTE”: AYAHUASCA COMO
ELEMENTO DE REPRESENTAÇÃO DO ESTADO1
Leandra Beatriz Haerdrich Cunha2
Francielle Maria Modesto Mendes3
Resumo
Este artigo pretende analisar o documentário “O Acre Existe”, como um produto
cinematográfico que difunde a representação religiosa do estado do Acre, estereotipando
a localidade, a partir do enfoque dado à utilização ritualística do chá da Ayahuasca4. Nesta
pesquisa, usaremos os conceitos de representação social, abordados pelos autores, Joliane
Olschowsky, Pedrinho Guareschi, Rafael Augustus Sêga, Denise Jodelet e Serge
Moscovici. E para a compreensão de como o documentário também pode difundir
representações sociais conceituaremos esse gênero de cinema, com base nos autores
Sérgio Puccini Soares e Henrique Codato. Para aprofundar os conhecimentos sobre a
relação das representações com a linguagem dos estereótipos, o presente artigo também
será fundamentado no autor, Durval Muniz de Albuquerque Júnior. E para esclarecimento
de alguns termos específicos da Ayahuasca também foi consultado os autores Beatriz
Caiuby Labate e Wladimyr Sena Araújo.
Palavras-chave: representação social; Ayahuasca; “O Acre Existe”
Apresentação
O objetivo deste trabalho é verificar a representação religiosa do estado do Acre,
exibida no filme, “O Acre Existe”. Sabendo que se trata de um documentário,
apontaremos a ligação do gênero com a difusão de representações sociais, um fenômeno
portador de estereótipos que simbolizam a realidade de um grupo social. A tessitura da
1 Trabalho apresentado na Linha Temática Interfaces Comunicacionais da V Seacom da UFAC 2 Estudante do 8ºperíodo do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre, email:
[email protected] 3 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre, email:
[email protected] 4 Bebida psicotrópica ingerida ritualmente por populações indígenas da América do Sul e também utilizada
em algumas religiões de populações não indígenas no Brasil, isto é, a União do Vegetal, o Santo Daime e
a Barquinha, ver também LABATE, Beatriz Caiuby; ARAÚJO, Wladimyr Sena. O uso ritual da ayahuasca.
2002, p. 15, 16.
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narrativa do filme, elaborada pela linguagem do cinema/documentário, constrói uma
representação do costume religioso do estado, que se manifesta principalmente nas
imagens de algumas sequências de cenas exibidas e na seleção de oito entrevistados.
Nessa perspectiva, será analisado o destaque dado à utilização religiosa do chá da
Ayahuasca, que por meio do poder disseminador da linguagem cinematográfica difunde
um estereótipo relacionando o estado como lugar de utilização do chá. Também
discorreremos sobre o conceito de documentário-que embora transmita a falsa impressão
de ser o registro mais próximo da realidade, também apresenta a intervenção do
documentarista, assim como o cinema ficcional
Portanto, a partir da ênfase no Daime5, “O Acre Existe” representa um Acre
Ayahuasqueiro6, um estado que parece ser fonte de consumo do chá, um espaço
geográfico em que pessoas de outros lugares e acreanos são apresentados com uma
condição em comum, o consumo religioso da bebida.
1. No jogo das representações sociais
As representações sociais (RS) atuam como “imagens mentais que utilizamos para
fazer o mundo ter sentido, para interagir com os outros e efetivar a comunicação”
(OLSCHOWSKY, 2007, p. 42). Ao agir no campo mental as RS são tanto individuais,
como coletivas, e de acordo com Pedrinho Guareschi (2000) elas são elementos que
configuram a “realidade” de alguém ou de um grupo, se incorporando pelo campo social.
Uma representação social, como definida e entendida por essa teoria é, ao
mesmo tempo, individual, pois ela necessita ancorar-se em um sujeito, como
é, do-mesmo modo, social, pois existe "na mente e na mídia", como diria
MOSCOVICI. Ela está na cabeça das pessoas, mas não é a representação de
uma única pessoa; para ser social ela necessita "perpassar" pela sociedade,
existir a certo nível de generalização. (GUARESCHI, 2000, p.36)
Para Sandra Jatahy Pesavento (2008) as representações devem ser observadas,
principalmente, a partir das significações que carregam. Pesavento afirma que elas portam
o simbólico, “dizem mais do que aquilo que mostram ou enunciam, carregam sentidos
5 O chá da Ayahuasca também é conhecido como Daime 6 O estado do Acre adjetivado pelo uso ritualístico do Chá da Ayahuasca
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ocultos, que construídos social e historicamente, se internalizam no inconsciente coletivo
e se apresentam como naturais, dispensando reflexão”. (PESAVENTO, 2008, p.41)
Para Rafael Sêga (2000) as representações sociais manifestam-se a partir de
diversos meios, elas dependem da contextualização, comunicação, e significações
pertencentes a um grupo. Marcadas por ser resultado de uma visão prática, as (RS)
conduzem os olhares, a respeito do grupo representado, manipulando os traços da
realidade e apresentando estereótipos pois:
O social intervém de várias formas: pelo contexto concreto no qual se situam
grupos e pessoa, pela comunicação que se estabelece entre eles, pelo quadro
de apreensão que fornece sua bagagem cultural, pelos códigos, símbolos,
valores e ideologias ligados às posições e vinculações sociais específicas. Em
outras palavras, a representação social é um conhecimento prático, que dá
sentido aos eventos que nos são normais, forja as evidências da nossa realidade
consensual e ajuda a construção social da nossa realidade. (SÊGA, 2000,
p.128)
Representar não é dizer verdades, mas apresentar uma perspectiva que não
corresponde ao todo privilegiando só uma parte. De acordo com Joliane Olschowsky
(2007) é “Através das Representações Sociais, o imaginário é reforçado como conteúdo
compartilhado que tende a perpetuar imagens criadas e legitimadas por uma estrutura
ideológico específica”. (OLSCHOWSKY, 2007, p. 16)
As representações sociais não se disseminam de forma solitária, pois estão
materializadas em várias formas de produção. O filme, por exemplo, atua como grande
potência na veiculação destas representações na medida em que as representações
“(..)procuram ocupar um espaço especifico, e podem ser compreendidas como um
conhecimento do senso comum, socialmente construído e socialmente partilhado, que se
vê nas mentes das pessoas e na mídia (...)”. (GUARESCHI, 2000, p.38)
No cunho das representações, “O Acre Existe” é uma produção fílmica que
caracteriza o estado, a partir do enfoque dado ao uso religioso do chá da Ayahuasca.
Entrevistados como, Cícero, Zé Kleuber, o indígena Paulo, Davi, Neguinho, Tiago Tosh,
Seu Jorge e Pelé, aparecem relatando as experiências espirituais relacionadas
exclusivamente com o consumo da bebida.
Quando se fala de alguém, ou como no caso, dos costumes religiosos dos
habitantes de determinada região, se ganha a responsabilidade de disseminar uma
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representativade e propagar representações sociais do local. Para Denize Jodelet (2001),
as representações sociais fabricam um sistema, e quando são compartilhadas pelos
membros de um grupo, possibilitam o aparecimento de uma perspectiva da realidade, em
que a maioria dos indivíduos convenciona-se a acreditar.
Nesse viés, o cinema funciona como o compartilhamento das representações
sociais conhecidas na sociedade e estas representações “têm influência na edificação das
condutas: opinião, atitude, estereótipo, sobre os quais intervêm os sistemas de
comunicação mediática”. (JODELET, 2001, p.12) E, é a partir do mecanismo de
propagação da comunicação que as representações se consolidam e perduram
estereótipos.
2. Difusões das representações no cinema/documentário
O documentário, enquanto produto cinematográfico, assim como o cinema
ficcional, também constitui uma representação da realidade, que é apresentada do outro
lado da tela, a partir de imagens que foram selecionadas através do ponto de vista do
documentarista. Em estudos referentes ao cinema documental, o autor Sérgio Puccini
ressalta:
Esse equívoco na concepção do processo de construção do filme documentário,
sustentado pela falsa idéia de que o gênero exige menos preparação ou menos
da intervenção criativa do cineasta, vem sendo constantemente refutado por
documentaristas e teóricos verdadeiramente envolvidos com a prática.
Documentário é também resultado de um processo criativo do cineasta
marcado por várias etapas de seleção, comandadas por escolhas subjetivas
desse realizador. (PUCCINI, 2009, P.176, 177)
O processo técnico de seleção implica em um direcionamento do olhar que
constrói um discurso a ser disseminado por meio do produto cinematográfico. Sendo
assim, deve haver uma sequência, uma estrutura narrativa que somente na montagem
poderá ser desenvolvida.
De posse de todo o material captado, será apenas na sala de montagem que o
diretor, assessorado por seu montador, terá total controle do universo de
representação do filme. O percurso é marcado pela perspectiva daquilo que
está por vir, a captura de um real que gradualmente vai sendo moldado até se
transformar em filme. Estamos falando da construção de um discurso
sedimentado em ocorrências do real. Se existe um discurso, o filme, quer seja
ele narrativo ou não, existirá sempre alguém que o profere, um sujeito da
enunciação. (SOARES, 2007, p. 21)
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Esse processo que configura a representação no documentário é responsável por
agregar ao filme um sentido, ordenar um discurso, por meio da estruturação do material
produzido. Pois esse:
(...) é o momento em que a articulação das seqüências do filme, entre
entrevistas, depoimentos, tomadas em locação, imagens de arquivo, entre
outras imagens colocadas à disposição do repertório expressivo do
documentarista, em consonância com o som, trará o sentido do filme”.
(SOARES, 2007, p.23)
A produção de um documentário implica no processo de montagem que organiza
uma mensagem a ser repassada. Nesse sentido, acontece “o procedimento pelo qual a
ditadura do corte e do fragmento impõe a aceleração do olhar em detrimento da
experiência da duração e da continuidade”. (COMOLLI, 2008 apud CODATO, 2010, p.
49). Para Henrique Codato (2010):
Uma nova dinâmica, tanto social quanto artística se estabelece, fazendo com
que o cinema seja pensado não apenas como uma máquina de registrar imagens
do cotidiano, mas como elemento ordenador de um discurso que, muito mais
do que mostrar imagens em movimento, serve também para organizá-las,
inaugurando uma forma de discurso próprio, servindo também aos interesses
do pensamento científico. (CODATO, 2010, p.49)
Os quatro documentaristas do filme, a partir da representação religiosa do Acre,
dão sentido a existência do estado focalizando a maneira estereotipada do consumo do
chá da Ayahuasca. A manipulação das cenas que se relacionam com os efeitos da
Ayahuasca e a escolha de oito ayahuasqueiros para dedicar boa parte do filme em relatos
e cânticos referentes ao consumo da bebida constroem essa narrativa de representação.
3. O poder de difusão de representação da imagem cinematográfica
Na medida em que as representações sociais se disseminam no cinema por meio
do poder de difusão das imagens, conjecturamos uma dinâmica em que uma se relaciona
com a outra. Assim, podemos predizer que a “noção de representação se estabelece como
potência maior da imagem cinematográfica, revelando os mecanismos que se encontram
por trás da impressão da realidade, da inscrição verdadeira (...)”. (CODATO, 2010, p.55)
3.1 Cenas e cenários
Levando em conta, o poder das imagens na formação de um discurso
cinematográfico, ao analisar a construção imagética de “O Acre Existe”, pode-se perceber
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que o filme contém cenas que conotam misticismo a partir do uso do Chá da Ayahuasca.
Logo nos primeiros dez minutos do documentário, imagens da floresta, pessoas e rios,
são apresentadas sob a perspectiva, a da miração7. (O ACRE EXISTE, 2013).
Essas imagens técnicas, enquanto mecanismos de comunicação, atuam como
meios de transmissão de mensagens. Através da exibição, em “O Acre Existe”, as
imagens geram representações sociais que dirigem o olhar de quem as recebe, em um
processo de sedução que concebe a realidade desejada pelo outro:
Analogicamente, a imagem cinematográfica pode ser entendida como a
expressão do desejo do outro, pois ela é a apreensão do olhar alheio. Melhor
dizendo, ela é a representação de seu desejo, que uma vez reproduzida na tela
de uma sala escura, se transforma em objeto que se pode simbolicamente
possuir. Assim, a principal função da imagem é seduzir o olhar a fim de buscar,
na representação, sentido e significação. (CODATO, 2010, p.55)
Percebe-se, então, dentro do universo midiático que as imagens cinematográficas
também têm a função de organizar ideias. Pois a finalidade das imagens na construção
das ideias é fundamental, porque como apontou Moscovici, “(...) a representação iguala
toda imagem a uma ideia e toda ideia a uma imagem” (MOSCOVICI, 2003 apud
OLSCHOWSKY, 2007, p. 43), sendo assim se torna inviável conceber uma ideia sobre
algo, sem que uma imagem não nos fosse apresentada.
Nesse sentido, as imagens alucinantes, que estão em destaque logo no começo do
filme, totalizam as referências de espiritualidade do estado. A difusão dessas
representações retrata um estado visto pela miração, o estereótipo do Acre da Ayahuasca
configurados no filme é um mecanismo que leva o espectador a uma falsa sensação de
conhecimento do todo a partir de ayahuasqueiros demonstrados, a partir do estereótipo
exibido.
4. Estereótipos na linguagem das Representações Sociais
Dentro do discurso das representações sociais, podemos identificar os estereótipos
como os recortes que “dizem” a realidade de forma simplificada, eles referem-se a algo
7 A Miração é uma visão espiritual atingida em estado de consciência expandida durante a utilização
ritualística do chá da Ayahuasca, ver também em LABATE, Beatriz Caiuby; ARAÚJO, Wladimyr Sena. O
uso ritual da ayahuasca. 2002, p. 250.
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ou a alguém por meio de uma descrição caricata. Segundo Albuquerque Júnior (2012),
este tipo de representação, é justamente aquela que marca alguém ou algum grupo
preconceituosamente, pelo simples fato deste pertencer ou advir de um território, de um
lugar, de uma cidade, de um estado, de uma região.
Neste sentido, “O Acre Existe” relaciona o estado com a Ayahuasca, e se enquadra
no que Albuquerque Junior (2012) chama de discurso da estereotipia, que tem como base
o preconceito geográfico. “O estereótipo nasce de uma caracterização grosseira, rápida e
indiscriminada do grupo estranho, este é dito em poucas palavras, é reduzido a poucas
qualidades que são ditas como sendo essenciais”. (ALBUQUERQUE JR, 2012, p. 13).
Nessa perspectiva, representar também implica estereotipar, dizer quem o outro é,
sem apresentar outras óticas, sem demonstrar outras abordagens. A estereotipia na
linguagem das representações reduz o outro grupo de forma em que ele não pode ser
enxergado com outras características ou atribuições, ele é apresentado sem nenhuma
divergência, pois a estereotipia também é:
Uma fala em que as diferenças e multiplicidades são apagadas em nome da
fabricação de uma unidade superficial, de uma semelhança sem profundidade.
O estereótipo pretende dizer a verdade do outro em poucas linhas e desenhar
seu perfil em poucos traços, retirando dele qualquer complexidade, qualquer
dissonância, qualquer contradição. (ALBUQUERQUE JR, 2012, p. 13)
O costume religioso do estado é compreendido no filme sem problematizações, a
repetição dos discursos espirituais dos Ayahuasqueiros atrelados às imagens de miração,
imagens que demonstram os efeitos do consumo da Ayahuasca, exibem essa “realidade”
no estado. Associa o território acreano ao consumo da bebida, pois “o estereotipo lê o
outro sempre de uma única maneira, de uma forma simplificadora e acrítica, levando uma
imagem e uma verdade do outro que não é passível de discussão ou problematização”.
(ALBUQUERQUE JR, 2012, p. 13)
4.1 Entrevistados que representam o Acre da Ayahuasca
Em “O Acre Existe” identificamos acreanos e pessoas de outros estados, com um
aspecto em comum: o consumo religioso da bebida. O alcance pela espiritualidade une os
sujeitos ao mesmo discurso, e a apropriação da imagem dos ayahuasqueiros configura
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uma linguagem cinematográfica que representa o estado a partir deste estereótipo
religioso.
A participação de Cícero França, artista popular acreano e um dos fundadores do
grupo artístico Jabutí Bumbá8, agrega muitos aspectos de representação ao documentário,
no que diz respeito à relação que ele tem com o chá da Ayahuasca. Neste viés, a atuação
de Cícero, também consolida a visão do Acre Ayahuasqueiro. Logo no início do filme,
uma cena demonstra Cícero, tocando um violão e entoando o cântico Caboclo da Floresta,
que relaciona a Ayahuasca com o livramento do mal (O ACRE EXISTE, 2013):
Sou caboclo da floresta, minhas penas são de Arara, o meu arco é de pupunha,
minhas flechas de Taquara. O lugar aonde eu moro tem festejo natalino, a
alegria que eu tenho só vem dos seres divinos, tenho força curandeira do meu
mestre o beija flor. Foi a nossa mãe rainha que trouxe com todo amor, minha
bebida caiçuma para todo o festival. Ayahuasca curandeira nos livrai de
todo mal. (grifo nosso)(CÍCERO, Caboclo da Floresta,)
Cícero por meio da música e dos relatos espirituais enfatiza a forte ligação que
tem com a utilização religiosa do chá. Durante o documentário, ele aparece quatro vezes
narrando as sensações que uma pessoa tem quando toma a Ayahuasca: “Quando tu tiver
no cipó, tu não esquece que tu tomou cipó, não vai pensar que você tá aqui em baixo não,
porque não está, lá em cima é outra coisa”. (O ACRE EXISTE, 2013)
A atuação de Cícero no filme expõe constantemente falas espirituais, retratando o
poder do consumo religioso da bebida:
Quando a gente entra em transe que sai desse mundo material para o mundo
espiritual a gente pensa que, opa tô livre, vou respirar, não, não é assim não, aí
você vai também conhecer o mundo que tem lá, porque do mesmo jeito que
tem em baixo tem em cima. (O ACRE EXISTE, 2013)
Em outro momento do filme observamos a participação de Davi, um personagem
que aparece explicando como se dá o feitio do chá da Ayahuasca, provavelmente ele é
membro de alguma religião ayahuasqueira (esse detalhe não está identificado no filme).
“E a folha representa essa energia do feminino, o feitio, o trabalho é uma parte em que as
8 O Jabuti-Bumbá é uma manifestação artística contemporânea iniciada em 2005 na cidade de Rio Branco
(AC), organizada por uma família acriana. O grupo tem como referência o Boi-bumbá do Maranhão, além,
de ser um misto de outras manifestações culturais brasileiras e amazônicas, como a catira, cacuriá e a
religião do Santo Daime. Dsiponivel em: http://alb.com.br/arquivo-
morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/sem05/COLE_3836.pdf
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mulheres catam as folhas, as jovens e as crianças, enquanto os homens têm o trabalho do
Cipó da fornalha, um trabalho mais pesado, da lenha, do sacrifício”. (O ACRE EXISTE,
2013)
Zé Kleuber, cantor popular, que está no estado há 38 anos, conta durante o
documentário que tinha como interesse conhecer o Peru, porém em virtude de uma
miração, recebeu comandos espirituais para ficar no Acre. Segundo o discurso dele, aqui
era o lugar da Ayahuasca, cultura religiosa indígena que tanto buscava conhecer. A fala
do cantor reforça a narrativa construída no filme, do Acre como fonte da Ayahuasca.
Os Incas, uns índios, uns nativos, me apareceram na miração e disseram: “Você
não quer ir pra Cusco no Peru? Eu falei, quero. Você não quer conhecer a
cultura Inca da Ayahuasca? Eu disse: quero. Então, eles disseram não precisa
ir mais para o Peru, a Ayahuasca é aqui onde nós estamos , nesta floresta, no
Acre.(O ACRE EXISTE, 2013)
O grafiteiro Tiago Tosh é um carioca que foi para o Acre principalmente por causa
da religião do Santo Daime9. Segundo seu relato no filme, Tiago sofreu com a repreensão
dos pais e amigos, antes de ir ao estado, mas para ele o que realmente importava era a
nova visão que a religião Ayahuasqueira apresentava.
Não é uma coisa em vão, tá ligado, você vai à igreja, por exemplo, na católica,
você reza e acha que tá tudo bem, pode ter todos os pecados do mundo mas tá
sempre tudo bem. Lá no Daime não, tu não se engana nem ninguém se engana,
quando você toma o Daime tu sabe de todas as paradas que tu fez, os teus erros,
coisa que só você sabe, que ninguém mais sabe, tudo fica transparente parece
como se fosse um espelho. (O ACRE EXISTE, 2013)
Neguinho e Seu Jorge também constroem a retratação do poder que a Ayahuasca
tem de comandar a vida das pessoas no Acre. Em determinada cena, encontramos Seu
Jorge recordando suas primeiras experiências com a bebida. Ele fala no filme, que em
uma das mirações que teve, viu um chapéu de palha e depois de onze anos está
construindo ele (O ACRE EXISTE, 2013). Ou seja, o que ele viu no mundo espiritual
está sendo materializado, sendo assim, o poder divino está sempre atrelado à vida “real”
dos sujeitos que tomam a Ayahuasca, dos sujeitos que estão no Acre.
9 Religião brasileira ayahuasqueira, ver em LABATE, Beatriz Caiuby; ARAÚJO, Wladimyr Sena. O uso
ritual da ayahuasca. 2002, p.235.
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Neguinho é um personagem que aparece em cenários peculiares, com vestes
humildes e pouco despreocupadas com o luxo. Uma das cenas mais curiosas do
documentário é uma em que ele está em meio à floresta, sentado no tronco de uma árvore,
cantando uma música da religião do Santo Daime que agradece a Deus, por estar em um
lugar em que a Ayahuasca/Daime10 nunca irá faltar, pois onde ele está (Acre), o Daime
(Ayahuasca) também está. “Graças um Deus, aonde eu estou tem Daime, graças um Deus
Daime nunca me faltou. Sou uma árvore rosiante em uma flor, graças um Deus aonde o
Daime está estou”. (O ACRE EXISTE, 2013)
O Indígena Paulo também discursa a respeito das experiências que a Ayahuasca
proporciona. A colocação dele enfatiza ainda mais o poder do Chá na vida de quem o
consome de forma espirituosa. Paulo tem um grande destaque, pois sua aparição está
fundida com as imagens que conotam a miração, enquanto também discursa sobre a
experiência do chá.
Você vê um outro lado que não conhece em você, as vezes você até não se
reconhece quando percebe já se transformou em outra coisa, você começa a
valorizar tudo o que tem, você reconhece que poder tem o sol, que poder tem
a lua, que poder têm as estrelas, que poder tem o vento, quando você entra na
parte espiritual. (O ACRE EXISTE,2013)
Relativizando a participação do indígena Paulo podemos perceber grande
contribuição dele para a difusão da representação religiosa do estado. Ele ritualiza o chá
da Ayahuasca antes que os documentaristas a ingerissem, cena que embalada no canto
indígena, apresenta a logo do filme, em que há a afirmação da existência do estado
aparece estereotipada pelo consumo da bebida. (O ACRE EXISTE, 2013).
Considerações Finais
Por fazer parte do gênero documental, “O Acre Existe” é um produto
cinematográfico que como qualquer outra narrativa constrói uma representação do que
está sendo exibido. As imagens e a escolha dos participantes do documentário focalizam
a utilização ritualística do chá da Ayahuasca.
10 Dentro da religião do Santo Daime, o chá da Ayahuasca também é reconhecido como Daime.
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Ressalta-se que os participantes ayahuasqueiros não foram escolhidos
aleatoriamente, mas encaixados na narrativa do documentário, configurando o processo
de montagem do filme. Nesse sentido, a ênfase dada aos discursos dessas pessoas
caracteriza uma representação, um estereótipo.
Portanto, o estado do Acre, é representado como um espaço geográfico marcado
pelo uso ritualístico da bebida, seja por indígenas, seja por membros de religiões
ayahuasqueiras, seja por pessoas de outros estados que estão na localidade (justamente
pelo chá).
A reflexão consiste na percepção de como a representação do estereótipo
religioso, que visa o estado do Acre como o lugar da Ayahuasca, compromete as noções
que envolvem as variações religiosas existentes na região. Nesse sentido, surti a
necessidade de compreender “O Acre Existe” como um produto cinematográfico
contribuinte para a apresentação e disseminação deste estereotipo.
Referências bibliográficas
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lugar: as fronteiras da discórdia. Cortez Editora, 2007.
CODATO, Henrique. Cinema e representações sociais: alguns diálogos possíveis. Verso e
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http://www.revistas.unisinos.br/index.php/versoereverso/article/viewFile/44/8 Acesso em 12
jun.2015.
GUARESCHI, Pedrinho A. Representações sociais e ideologia (Social Representations and
Ideology). Revista de Ciências Humanas, Brasil, n. 2, 2000.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/viewFile/24122/21517 , Acesso em 10
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JODELET, Denise. Folie et représentations sociales. Paris: PUF, 1989. Representações sociais:
um domínio em expansão. In: JODELET, D. (org.). As Representações sociais. Rio de Janeiro:
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LABATE, Beatriz Caiuby; ARAÚJO, Wladimyr Sena. O uso ritual da Ayahuasca. 2002.
O ACRE EXISTE. Direção Bruno Graziano, Milton Leal, Paulo Silva Junior e Raoni Gruber.
Estúdio 1+2. DVD (144 min), 2013.
OLSCHOWSKY, J. C. Mulheres na Ciência: Representação ou Ficção. 2007. Tese de
Doutorado. Tese de Doutorado, Escola de Comunicações e Artes da USP. São Paulo, 2007.
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PESAVENTO, Sandra Jatahi. História & História Cultural. 2. ed. 2. reimp. Belo Horizonte:
Autêntica, 2008.
PUCCINI, S. J. Introdução ao roteiro de documentário. Revista Digital de Cinema
Documentário, n. 6, 2009 Disponível em: http://www.doc.ubi.pt/06/artigo_sergio_puccini.pdf
Acesso em 15 jun.2015.
SÊGA, Rafael Augustus. O conceito de representação social nas obras de Denise Jodelet e Serge
Moscovici. Anos 90, v. 8, n. 13, 2000.
SOARES, S J. P. Documentário e Roteiro de Cinema: da pré-produção à pós-produção.
2007. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Multimeios do Instituto de Artes,
Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2007.
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APONTAMENTOS SOBRE O VARADOURO – JORNAL DAS SELVAS1
Lauane Laura da SILVA2
Universidade Federal do Acre, Rio Branco, Acre.
RESUMO: O presente trabalho visa apresentar apontamentos acerca do Varadouro –
Jornal das Selvas, que circulou em Rio Branco, capital do Acre, de 1977 a 1981, como
veículo de imprensa alternativa, nos anos finais da Ditadura Civil Militar brasileira.
Neste sentido o texto aqui exposto tem poucas alterações daquele que já foi apresentado
com o título de “Comunicação alternativa: apontamentos sobre o Varadouro – Jornal
das Selvas” no Grupo de Trabalho de História da Mídia Alternativa no IV Encontro
Regional Norte de História da Mídia, ocorrido no último mês de maio deste ano na
Universidade Federal do Acre e promovido pela Associação Brasileira de Pesquisadores
de História da Mídia- ALCAR. De tal modo que, a semelhança daquele, também este se
constituiu das reflexões para a elaboração do trabalho monográfico a fim de obtenção
do título de bacharel em História junto a UFAC. Embora a característica de
obrigatoriedade acadêmica, o objetivo do escrito foi e continua sendo dialogar sobre o
periódico enquanto fonte da produção historiográfica regional, dentro da História do
Tempo Presente, relacionando tais perspectivas às palavras de Morin sobre
incompletude do saber e a conexão de conhecimentos que nos são alertados em seu livro
Introdução ao Pensamento Complexo, partindo daí para a análise das vinte e quatro
edições do Varadouro - Jornal das Selvas observando a sua linha editorial, o lugar
social, as principais temáticas abordadas e seus financiadores. O texto de agora, assim
como a monografia tem contribuições das atividades e leituras desenvolvidas no Projeto
de Iniciação Científica História e Jornalismo: reflexões e apontamentos para o uso de
fontes hemerográficas, bem como do Projeto de Extensão História e Jornalismo, sob a
coordenação da Professora Doutora Nedy Bianca M. de Albuquerque Franco,
vinculados ao Centro de Filosofia e Ciências Humanas desta IFES e aos Grupos de
Pesquisa Gênero, Conhecimento, Meio Ambiente e Cultura Afro-Brasileira e Núcleo de
Pesquisa da Cena Contemporânea (NUPECC).
PALAVRAS-CHAVE: Varadouro – Jornal das Selvas, História, Imprensa.
1 Trabalho científico submetido a SEACOM 2016 – UFAC, LT1 - Jornalismo (história, teoria do
jornalismo, teoria da comunicação, gêneros jornalísticos). 2
Acadêmica do Curso de Bacharelado em História do CFCH/UFAC, orientanda PIBIC/UFAC 2015-2016
do Projeto de Iniciação Científica História e Jornalismo: reflexões e apontamentos para o uso de
fontes hemerográficas, email: [email protected]
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Os efeitos de 31 de março de 1964 resultaram no Brasil na instauração de uma
Ditadura Civil Militar, que era tramada por diferentes segmentos sociais antes mesmo
da posse de João Goulart como presidente, já que:
[...] Havia muito, tal intervenção era discutida em instituições, como a
Escola Superior de Guerra (ESG), criada em 1948, ou o Instituto de Pesquisa
e Estudos Sociais (Ipes), fundado em 1962 por lideranças empresariais.
Outro indício de que o golpe vinha sendo tramado havia tempos ficou
registrado nos documentos da operação “Brother Sam”, através do qual se
prevê, caso houvesse resistência, que o governo norte-americano
“doaria”110 toneladas de armas e munições ao Exército Brasileiro. (DEL
PRIORE, VENÂNCIO, 2010, p. 277)
A mudança de regime político trouxe consequências ao país dentre elas, a
censura aos veículos de comunicação, incluindo ai a criação de alternativas as propostas
das Reformas de Base com atenção especial às questões de posse e acesso às terras.
Neste sentido foi criado com o Decreto Nº 1.110 de julho de 1970 o Instituto Nacional
de Reforma Agrária, que deveria “implementar a política de reforma agrária e realizar o
ordenamento fundiário nacional”3, paralelamente a isto o Governo Civil Militar reduziu
os recursos destinados a produção de borracha.
Esta situação conduziu a substituição de seringais acreanos por fazendas
destinadas a pecuária e alguns empreendimentos agrícolas, que geraram conflitos em
áreas rurais com repercussão social para as cidades. As populações tradicionais daqueles
seringais tomaram vários rumos. Alguns passaram a se deslocar tanto para as terras de
países vizinhos, outros foram para espaços urbanos e passaram a constituir novos locais
de moradia, como foi o caso do bairro João Eduardo em Rio Branco. E ainda existiram
os que ofereceram resistência com os Empates, as brigas judiciais e a formação de
organizações de trabalhadores rurais.
Dentro deste contexto, a Igreja Católica Apostólica Romana passava por
reorientações internas, ditadas pelas mudanças sociais globais da Guerra Fria, que
3 Dados obtidos junto ao endereço eletrônico da autarquia. Disponível em:
<http://www.incra.gov.br/content/o-incra>. Acesso em: 27 ago 2016.
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ficaram marcadas pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) e Conferência de Medellín
(1968) levando a constituição da Teologia como prática libertadora, ou seja:
Uma teologia que adequasse a Igreja Católica, aos moldes da
sociedade que neste período sofria com as ditaduras advindas dos golpes
militares, que no Brasil teve inicio em 1964 e perdurou ate 1985. [...]A
Teologia da Libertação é uma corrente teológica que engloba diversas
teologias cristãs desenvolvidas no terceiro mundo que, a partir dos anos
1970, baseadas na opção preferencial pelos pobres, contra a pobreza e pela
sua libertação. (PRADO, 2012)
Por conta disso tudo, no Acre a Igreja Católica, sob a liderança de religiosos
como D. Moacyr, começou a exercer influência na criação de um jornal, cujo nome era
Varadouro, como uma forma de comunicação alternativa. Esse periódico tinha como
subtítulo Jornal das Selvas, com o fim de dar voz aos moradores das matas acreanas e
aos que tinham sido obrigados ao êxodo. Além de ter surgido por causa da censura aos
veículos de comunicação, Varadouro- O Jornal das Selvas foi um grande propagador
dos serviços e pastorais da Igreja, vez que ela exercia uma forte presença e apoio ao
periódico, subsidiando as suas primeiras edições, conforme se lê em Costa Sobrinho:
Com os recursos para o pagamento da edição adiantados pela Igreja,
os próximos passos foram encontrar uma gráfica. As oficinas da imprensa
oficial se dispuseram a fazer o serviço. Para resolver o problema da falta de
chumbo para a composição do jornal, o pessoal do Varadouro teve de
comprar às pressas 300 quilos de metal em São Paulo. Daí então surgiu a
necessidade urgente de construir uma empresa para legalizar as atividades do
alternativo: Macauã Produções Gráficas e Publicações LTDA. (COSTA
SOBRINHO, 2001)
Então vamos compreendendo o “lugar de produção” do Varadouro, bem como
as forças que tinham peso sobre o que ali era escrito. E para traçarmos o perfil do
Varadouro e analisarmos seus diferentes aspectos, também enfrentaram os
questionamentos quanto ao papel do jornal como fonte. Neste sentido, devemos
recordar que desde muito tempo existem várias criticas em relação à imprensa escrita
como fonte historiográfica, sobretudo no caso acreano do Varadouro, pois
argumentavam que o número de pessoas que não tinham escolaridade e nem ao menos
sabiam ler era muito grande, sendo assim, o uso do jornal como fonte era mal visto por
alguns pesquisadores, contudo:
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A utilização da imprensa periódica como fonte para a pesquisa
histórica brasileira ganhou terreno, ainda de forma tímida e lenta, na década
de 1970 após a superação de antigas posturas que marcaram a prática
historiográfica, notadamente as noções de “fonte suspeita” e “repertório da
verdade.” (TELES, 2013)
Luciano Teles explica ainda, que a era comum a desconfiança dos historiadores
quanto “a imprensa periódica”, visto que o seu uso pedia atenção em dobro, para não
causar comprometimento da objetividade cara a “disciplina histórica”. Somam-se ainda
as palavras de Heloisa Farias Cruz e Maria do Rosário Peixoto quanto à relevância “dos
meios de comunicação na atualidade faz da reflexão sobre a comunicação social um
campo interdisciplinar estratégico para a compreensão da vida contemporânea.”
(CRUZ; PEIXOTO, 2007).
Devemos ainda lembrar que a imprensa escrita tem grande relevância no meio
social, pois tenta produzir a compreensão do cotidiano de uma forma mais ampla e
objetiva. E por isso, as críticas de historiadores se motivam pelo imediatismo da
imprensa, por uma ausência de reflexão aprofundada sobre os temas abordados e pelas
intencionalidades dos textos dos veículos de comunicação.
Apesar disso, ou por conta disso, somente a partir da década de 1970
começaram a se reconhecer a importância dos impressos e a preocupação de se escrever
uma História da Imprensa, mesmo sendo essa preocupação um tanto antiga. Ainda que
já tenham sido superados os “preconceitos” em relação à imprensa escrita como fonte,
relutavam para que se pudessem escrever uma História por meio da imprensa, neste
sentido:
Não se pode desprezar o peso de certa tradição, dominante durante o
século XIX e as décadas iniciais do XX, associada ao ideal de busca da
verdade dos fatos, que se julgava atingível por intermédio dos documentos,
cuja a natureza estava longe de ser irrelevante. Para trazer à luz o acontecido,
o historiador livre de seu objeto de estudo e senhor de métodos de crítica
textual precisa, deveria valer-se de fontes marcadas pela objetividade,
neutralidade, fidedignidade, credibilidade, além de suficientemente
distanciadas de seu próprio tempo. Estabeleceu-se uma hierarquia qualitativa
dos documentos para qual o especialista deveria estar atento. Nesse contexto,
os jornais pareciam pouco adequados para a recuperação do passado, uma
vez que essas “enciclopédias do cotidiano” continham registros
fragmentados do presente, realizados sob o influxo de interesses,
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compromissos e paixões. Em vez de permitirem captar o ocorrido, dele
forneciam imagens parciais, distorcidas e subjetivas. (LUCA, 2008)
Dos argumentos de Tânia De Luca compreende-se que os jornais eram
entendidos como fontes pouco confiáveis para a busca da “verdade verdadeira” dentro
de uma leitura de documentos. Daí entender que isso estava associado à ideia de
historiografia positivista, em que os documentos oficiais não trariam intencionalidades,
enquanto que os textos jornalísticos estivessem cheios delas. Neste sentido, os
periódicos seriam então pouco válidos a escrita da História. E ainda quanto aos temores
do uso das fontes hemerográficas nos recorda Laura Antunes Maciel em seu artigo “O
popular na imprensa: linguagens e memórias” que:
[...] os estudos sobre imprensa escrita desenvolvem-se em diversas direções, desde os trabalhos voltados para a realização de uma história da imprensa; os estudos sobre linguagem e a técnica do fazer jornalístico, destacando mudanças nos meios e alterações na linguagem jornalística; passando pelos inúmeros trabalhos historiográficos que utilizam a imprensa como fonte de informação, sem maiores reflexões sobre a função social da imprensa, até trabalhos recentes que abordam a imprensa periódica na perspectiva da História Social como uma pratica social que constitui memórias e viveres
urbanos. (MACIEL, 2008)4
Portanto, a realização de uma história da imprensa se desenvolve a partir de
pesquisas voltadas para o uso de jornais enquanto fontes historiográficas válidas, desde
que analisadas não como exclusivas ou fidedignas, mas repletas de intenções. Diante
dessas questões e da argumentação da História do Acre como algo recente, se
compreende a significativa produção de material com base no uso da chamada História
Oral, em desfavor do trabalho com imprensa escrita nos cursos de História (tanto
licenciatura, quanto bacharelado) da UFAC.
Todavia, a predileção em trabalhar com imprensa escrita se deu pela
possibilidade de rediscutir o Varadouro como fonte, a fim de romper com a ideia de
“jornal sagrado de resistência à pecuarização”. A escolha por desconstruir o caráter
sagrado do Varadouro como “arauto da resistência”, veio da observação do uso de suas
4 MACIEL, Laura Antunes, docente, Universidade Federal Fluminense. O popular na imprensa:
linguagens e memórias
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citações e de inúmeras alusões ao jornal como veículo de oposição apontado em vários
autores, como Carlos Alberto de Souza (em sua tese5, em seu livro didático
6 e artigo
7),
ou no livro didático de José Dourado, Valdir Calixto e Josué Fernandes8, tal qual na
dissertação de Cidreira9, no texto do Bernardo Kucinski
10, ou em Michelle Portela
11 e
até mesmo no livro de Pedro Vicente Costa Sobrinho12
. Então, tendo sido o Varadouro
– Jornal das Selvas durante anos tornado na prosa histórica um veículo sagrado de
comunicação, não se pode deixar de pensar sobre o lugar de produção discutido por
Michel de Certeau, tendo em mente que:
“Lugar de produção” foi a expressão que Certeau celebrizou para
expressar a idéia de que o historiador, em sua prática e operação
historiográfica, escreve ele mesmo a partir de um lugar, de mais uma
inscrição em uma sociedade e em uma comunidade historiográfica atualizada
pela própria época, de um enredamento que o situa em uma instituição
(universitária, por exemplo), de uma teia de intertextualidade que o
influenciam de muitas maneiras. O historiador, homem de seu tempo,
acompanha os ditos e enfrenta os interditos proporcionados por esse lugar,
que se instala ademais em uma complexa estrutura de poder. O seu trabalho
torna-se possível nesse “lugar de produção” específico, que precisa ser
adequadamente compreendido, para cada caso, quando se trata de
compreender a historiografia ou um trabalho historiográfico. O próprio leitor
ou beneficiário do produto historiográfico, ele mesmo mergulhado em suas
circunstancias e perfeitamente inscrito em uma sociedade e no próprio lugar
que torna possível as suas condições de leitura e a sua atividade como leitor,
5 SOUZA, Carlos Alberto Alves de. Varadouros da Liberdade: Empates nos modos de vida dos
seringueiros de Brasiléia – Acre. Tese de Doutorado em História Social, na Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. São Paulo: 1996. 6
SOUZA, Carlos Alberto Alves de. História do Acre: novos temas, nova abordagem. 1. ed. Rio Branco-
Acre: Instituto de Pesquisa ENVIRA, 2002. 7
SOUZA, Carlos Alberto Alves de. “Varadouros da Liberdade”: cultura e trabalho entre os trabalhadores
seringueiros do Acre. In: Revista Projeto História. São Paulo: 1998, v. 16, p.221-231. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/viewFile/11202/8210>. Acesso em: 10 de ago. 2014. 8
CALIXTO, Valdir de Oliveira; SOUZA, Josué Fernandes de; SOUZA, José Dourado de. Acre: uma história em construção. Rio Branco: Fundação Cultural, 1985. 9
CIDREIRA, Jefferson Henrique. Rádio difusora acreana, jornal Varadouro e outras mídias: discurso
oficial e discurso de resistência na Amazônia Acreana (1971-1981). Dissertação em Letras-Linguagens e
Identidades. Universidade Federal do Acre, Rio Branco: 2013. 10
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo:
Scritta, 1991. 11
PORTELA, Michelle da Costa. A mulher seringueira em Varadouro – um jornal das selvas. In: Simpósio Temático 19 – Intersecções entre gênero e sociodiversidade amazônica. Seminário
Internacional Fazendo Gênero 8: Corpo, Violência e Poder, 25 a 28 de agosto de 2008, UFSC. 12
SOBRINHO, Pedro Vicente Costa. Comunicação Alternativa e Movimentos Sociais na Amazônia
Ocidental. – João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2001. 234p.
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também interfere, à sua maneira, neste lugar de produção que demarca as
condições de trabalho do historiador. (BARROS, 2012)
O lugar de produção destina-se ao fazer-se história, ou seja, a forma como o
historiador irá se submeter ao trabalho com jornais enquanto fonte histórica, e o local
onde o jornal é criado e para onde é destinado. Então, compreende-se a escolha do nome
do periódico dentro da mensagem que se buscava passar, vez que na cultura acreana, a
expressão “varadouro” significa caminho aberto no meio da selva. Entende-se que eles
buscavam discutir a nova conjuntura em que o Estado se encontrava. Mas, o local físico
de produção do jornal Varadouro situava-se na capital do Acre, a cidade de Rio Branco,
rua Cel. João Donato, 291, bairro do Bosque. Nos levando a afirmar que embora o
endereço tivesse relação com o nome do jornal, o motivo de optarem pela nomenclatura
se deu por tentarem representar um caminho, ou seja, um “varadouro” na imprensa da
época. Daí sua inserção como uma forma alternativa, devido à censura que os meios de
comunicação sofreram.
De acordo com as leituras de editoriais se observa que o Jornal das Selvas se
destinava a contar o momento histórico do Acre de então e de sua gente, uma vez que o
Estado tinha passado por algumas transformações e precisava colocar em discussão os
problemas da região, daquela época e principalmente de sua gente.
Para entender o impacto das mudanças causadas pela substituição do
extrativismo vegetal pela pecuária, devemos lembrar que o Acre até a primeira década
do século XX não era oficialmente parte do Brasil, isto porque, de acordo com as
partilhas de terras no período colonial e imperial o território pertenceu inicialmente a
Espanha e depois a Bolívia. Mas, a propriedade nem sempre anda junto com a posse.
Neste sentido, a partir da segunda metade do século XIX ocorreram ocupação e
povoamento brasileiro no Acre, embora isso tenha levado ao assassinato de populações
indígenas que o habitavam.
O motivo da invasão e permanência de brasileiros em terras acrianas se dava
em função da produção de borracha, através da extração de látex coletado nas árvores
de seringueira, conhecidas cientificamente com o nome de hevea brasiliensis. Com o
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látex retirado de diversas árvores de seringas pelos seringueiros brasileiros, mediante o
processo de coagulação por defumação se produzia a “pela” de borracha. Neste formato,
a borracha era conduzida por rios até as casas aviadoras de Manaus e Belém, a fim de
serem comercializadas internacionalmente como matéria-prima a diferentes indústrias,
especialmente para a automobilística.
Junto com o crescimento da procura da borracha pelo mercado internacional
foi ocorrendo o aumento de ingresso de brasileiros em terras acrianas para a extração da
borracha, já que paralelamente a isto aconteceram fatores climáticos, econômicos e
políticos que estimularam este processo, graças às grandes secas nordestinas e a
introdução de imigrantes como mão de obra livre para trabalhar nas lavouras do sudeste.
Somado a isso, existia ainda ações dos governos do Pará e Amazonas interessados no
aumento da produção gomífera.
Assim, com o aumento da quantidade de brasileiros entrando em terras
acreanas, consideradas bolivianas, surgiram problemas sociais, políticos, econômicos e
militares. Pois, ainda que o Acre fosse oficialmente boliviano, conforme reconheceu o
Império e mesmo o governo republicano nos seus primeiros anos, na região não se
encontrava povoados e habitantes bolivianos. Isto porque, a população indígena que
existia no Acre durante o século XIX não tinha cidadania boliviana e nem era
considerada como integrante da sociedade do país vizinho. Desse modo, era como se
para brasileiros e bolivianos os indígenas não representassem uma forma de
povoamento.
De tal modo que os quesitos políticos, econômicos e militares se reuniam e
levaram a “questão do Acre” e seu desenvolvimento, já que entre 1899 a 1903
ocorreram conflitos políticos e militares motivados por questões econômicas, a exemplo
da formação do Bolivian Syndicate, da criação da República do Acre por Luiz Galvez,
do conflito armado liderado por Plácido de Castro (chamado incorretamente de
Revolução Acreana), que foram solucionados com a assinatura do Tratado de Petrópolis
em 17 de novembro de 1903.
Mas, se com o Tratado de Petrópolis se resolveram as disputas com a Bolívia
pela posse do Acre, somente em 1909 se solucionaram os problemas com o Peru (que
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também queria um pedaço das terras, acrianas). Mas, apesar de tudo isso, o Acre e sua
produção de borracha nativa perderia sua importância no mercado internacional devido
à concorrência dos seringais de cultivo, já que “a produção silvestre foi definitiva
suplantadas em 1913. Nesse ano, enquanto o Brasil produziu 39.370 toneladas, a
produção asiática alcançou 47.618 toneladas.” (SINGER: 1997, p. 329)
A “suplantação” da produção de borracha acreana pelos seringais de cultivo
instalados na Malásia se deve a ação do “ladrão no fim do mundo”, como também ficou
conhecido Sir Henry A. Wickman que transportou as primeiras mudas da seringueira
em 1876 do rio Tapajós até o jardim botânico de Kew situado na capital inglesa
(JACKSON, 2011)13
. Estas sementes originadas da “biopirataria” serviram como base
para a formação de seringais de cultivo instalados em colônias inglesas e holandesas na
Malásia, que controlaram a produção de borracha até a Segunda Guerra Mundial. E
embora vários tenham sido as tentativas para valorizar, estimular e melhorar a qualidade
da produção gomífera amazônica, como o Plano de Defesa da Borracha de 1912, o
Plano Stevenson de1922 e a cessão de terras na Amazônia, a exemplo da Fordlândia de
1927 (SINGER, 1997:330-6) a produção de borracha nativa na Amazônia brasileira só
retoma posição internacional de destaque com a Segunda Guerra Mundial.
Contudo, ao final do conflito a produção gomífera acreana torna-se mais uma
vez secundária. E a crise nos seringais amazônicos se intensificou com a instalação da
Ditadura Civil Militar após março de 1964 no Brasil. E é nesse contexto que se deve
entender a importância do Varadouro – o jornal das selvas como fonte principal desta
monografia;
Assim, se em 1877, ano da grande seca no nordeste brasileiro, o Acre era
propagandeado pelos governos do Amazonas e Pará como possibilidade de riqueza fácil
e alternativa as despossuídos de terras, cem anos mais tarde, quando da primeira edição
do Varadouro - o jornal das selvas – ainda se apresentava a região como solução para a
13 JACKSON, Joe. Tradução: Saulo Adriano. Biografia e Memórias, História e Reportagem. Editora
Objetiva, 2011
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reforma agrária brasileira. E era no intuito de combater os efeitos negativos da nova
orientação migratória e da reorientação da economia local que o Varadouro surgia.
A linha editorial do periódico defendia a publicação do Varadouro de 15 em 15
dias e o lugar de produção era até um fator determinante para isso, só ressaltando que o
material para produção do jornal vinha de fora e muitas vezes eles não conseguiam
gráfica para rodar o jornal para publicação, o que fazia com que atrasasse a publicação
do mesmo.
O que nos faz voltar às atenções ao corpo redacional do Varadouro ou Jornal
das Selvas, que era composto por um editor: Silvio Martinello, redatores: Celia Pedrina
Rodrigues Alves, Elson Martins da Silveira, Luiz C. Carneiro, Rosa Maria Carcelen,
Silvio Martinello, Terry Vale de Aquino, fotógrafo: Adalberto Dantas, arquivo: Jalva da
Silveira. Enquanto que o corpo técnico era composto por um diretor responsável: Elson
Martins da Silveira e um diretor-financeiro: Abrahim Farhat Neto. O jornal oficialmente
era de uma empresa chamada Macauã LTDA.
Não foi caracterizado no jornal se havia responsáveis por colunas e segmentos
específicos, pois eles não identificaram isso nos periódicos, mas conseguimos perceber
a existência de colabores e que a participação deles se dava através das cartas (que eram
até frequentes).
Observa-se que os membros do Varadouro ainda exercem funções na imprensa
ou na vida pública atual. Abrahim Farhat Neto que era diretor-financeiro do jornal atua
em movimentos sociais e milita no Partido dos Trabalhadores, Já Silvio Martinello
continua desempenhando o papel de jornalista e escreve colunas para o jornal A Gazeta:
O Varadouro sempre circulou com anúncios em suas páginas. Suas
grandes tiragens eram um atrativo para que as empresas veiculassem suas
mensagens publicitárias. O governo do Acre, através de suas estatais, não se
negou a anunciar nas páginas do jornal, mesmo sabendo que o alternativo
não abria mão de sua autonomia e linha editorial; diferenciando de modo
claro e cristalino o que era material da redação, do que era coisa paga: Pão,
pão! Queijo, queijo!” (COSTA SOBRINHO, 2001)
No entanto, as edições iniciais do jornal das Selvas foram custeadas pela Igreja
Católica, já que ainda não se tinha investimentos de empresas que pudessem anunciar
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no periódico. E embora na primeira edição o editorial no levasse a compreender que o
intuito, o público alvo do jornal eram as pessoas que viviam a margem de sociedade,
verificamos tanto pelas leituras de Costa Sobrinho, quanto pelos anúncios, que os
leitores do periódico não eram apenas aquelas que não tinham estudo, que não tinha voz
e nem vez em nossa sociedade. Ou seja, embora os temas falassem das coisas dos
seringueiros, os ribeirinhos, posseiros, indígenas, todos aqueles trabalhadores que não
tinham oportunidade e nem uma perspectiva de melhores condições de vida, seus
leitores não se limitavam apenas nestes grupos sociais.
De tal forma que, encerramos recordando que o jornal não conseguia se manter
apenas da vendas dos periódicos, tendo duração de apena 4 anos. No entanto, os custos
das publicações eram feitas pelas vendas de exemplares e anúncios nas edições. A
relação entre o público alvo e o jornal se dava por meio de cartas e essas cartas eram
enviadas para o endereço sede do jornal ou eles ligavam para o número de contato que
era disponibilizado junto com o endereço abaixo de cada edição. Os temas tratados no
Varadouro eram muito diversificados e tratavam sobre floresta, meio ambiente, questão
fundiária, mulheres, indígenas. Temáticas pertinentes a serem debatidas naquela época e
ainda hoje, mas, embora as pesquisas estejam inconclusas, o que podemos observar é
que o “jornal nanico” tinha contradições entre os seus anúncios e editoriais.
REFERÊNCIAS
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
AS LETRAS IMPRESSAS NA SUSTENTAÇÃO E QUESTIONAMENTOS DO
PODER POLÍTICO NO ACRE
Nayara Lessa1
Mestranda pela Universidade Federal do Acre – Letras: Linguagens e Identidades – Rio
Branco, Acre – Brasil – Email: [email protected]
Resumo
O artigo que apresentamos, cuja temática se cruza com minha vida profissional e
estudantil, servindo de bases para minha dissertação de mestrado, é mais uma tentativa
de explorar esse instigante universo dos sentidos e formas escritas que foram utilizadas
pelas elites letradas para exporem sua forma de pensar e de legitimar suas aspirações de
poder.
Os veículos de comunicação desde os tempos passados, assim como hoje, nasciam
como instrumentos de poder. Essas ferramentas habilitavam vários grupos políticos a
dizer o que achavam ser a verdade. Essa era uma alternativa que esses grupos
encontravam, por meio das palavras impressas, em uma sociedade iletrada e pobre, que
seus problemas e desafios seriam extintos com a autonomia do território. Surge desde
então no Acre, essa característica de subserviência proposital e conivente com as forças
dominantes, como se verá, não se apartará de nenhum momento político que passará o
Acre.
Palavras – chaves: poder, comunicação, Acre.
1 – Introdução
O destacado pensador francês, Michel Focault (2005, p.06), disse certa vez que
“A história não tem "sentido", o que não quer dizer que seja absurda ou incoerente. Ao
contrário, é inteligível e deve poder ser analisada em seus menores detalhes, mas
segundo a inteligibilidade das lutas, das estratégias, das táticas.” Dentro desse universo
de inteligibilidade, tomando em conta as estratégias de poder que surgem e que se
locomovem, na chamada história do Acre, a imprensa escrita exerceu e exerce um papel
1 Nayara Maria Pessoa Lessa – Trabalho apresentado na Linha Temática 1 de Jornalismo da V Seacom da Ufac.
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
preponderante para expressar, dizer, afirmar e legitimar tanto as classes que se
sustentam no poder político, como as que a ele almejam.
Nesse jogo de lutas marcantes, vibrantes, cujo prêmio é dominar o
território/espaço de enunciação, os jornais foram armas e armaduras dos projetos
ideológicos e interesses privados, personificados em discurso que, se apresentava para a
coletividade.
O artigo que apresentamos, cuja temática se cruza com minha vida profissional e
estudantil, servindo de bases para minha dissertação de mestrado, é mais uma tentativa
de explorar esse instigante universo dos sentidos e formas escritas que foram utilizadas
pelas elites letradas para exporem sua forma de pensar e de legitimar suas aspirações de
poder. O corte temporal que optamos vai das iniciais manifestações do Acre como parte
integrante da Federação Brasileira, no início do século XX, até o surgimento do Estado
Novo com Getúlio Vargas. Tudo isso numa região onde o analfabetismo era a ordem
do dia e onde a própria história se faz na exclusão que o país lhe materializava2.
2 – Depois das armas, as letras
1904 é a data comemorativa do encerramento dos conflitos entre brasileiros e
bolivianos pelo território que hoje se conhece como Acre. Longe de entrar nas questões
historiográficas que abordam e que condenam a forma como foi contado esse evento3, o
certo é que se fazia necessário inserir não apenas um espaço geográfico à Federação. Os
enormes montantes de recursos oriundos com o extrativismo da borracha, o território
acreano até então não tinha sido pensado. Segundo Bento da Silva:
Após a assinatura do Tratado de Petrópolis, que põe termo
diplomático ao conflito entre brasileiros e bolivianos, a inserção do
2 Nesse universo de luta por expressividade também deve ser considerado os movimentos alternativos que
utilizaram os meios impressos para divulgar suas ideias e pensamentos. Embora não seja prioritariamente
o foco do presente trabalho, como fora detalhadamente abordado na obra de Pedro Vicente (2001) Comunicação Alternativa e Movimentos Sociais na Amazônia Ocidental, esses levantes discursivos
também serão considerados, a fim de que possamos entender como a palavra impressa ajudava nas
construções dos fulcros ideológicos dos diversos grupos políticos que se propagavam no cenário acreano. 3
O grande peso que o Positivismo exerceu na confecção das narrativas historiográficas acreanas sempre
suscitou fortes críticas dos pensadores atuais. Sobre o assunto, ver Gomes Esteves, Do "manso" ao
Guardião da Floresta, 2010, Andrade de Paula, "(Des)envolvimento Insustentável da Amazônia Ocidental", 2012. Além desses autores citados a Universidade Federal do Acre, principalmente, possui
uma enormidade de trabalhos, dissertações e teses, que debatem e protestam contra essa visão positivista
que privilegiou, ao longo dos tempos, a história dos poderosos, bem como buscaram re-significar os sentidos das experiências sociais dos povos que viveram nesse espaço geográfico.
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Acre no mapa brasileiro ocorre de fato e de direito. No entanto, um
problema precisava ser resolvido: que estatuto jurídico se aplicar na
nova unidade federativa que se anexava à nação? Três alternativas
estavam postas para aquela questão: a) ser o novo território
administrado pela União; b) anexa-lo ao Estado amazonense; ou, c)
eleva-lo à condição de Estado autônomo da Nação brasileira.
Prevaleceu a primeira alternativa, uma saída que antes de tudo
beneficiava o Governo Federal no âmbito econômico e político,
desagradando, por sua vez, tanto às oligarquias locais quanto as
regionais, ligadas ao extrativismo da borracha e que tinham enorme
interesse em ter o controle sobre o novo território tornado brasileiro.
(Bento da Silva, 2012, p. 31)
Assim, o poder central passou a administrar diretamente o novo território, rico
em uma matéria-prima que fomentava as indústrias dos países desenvolvidos e que
tinha sido o objeto das disputas travadas anteriormente: a borracha. Como fruto dessa
organização administrativa, foi criado, então três departamentos: o Alto Acre, Alto
Purus e o do Alto Juruá4. Era uma maneira de controlar melhor, levando em conta as
particularidades geográficas que marcam a região, pois, já tinham percebido que as
bacias hidrográficas tendiam a não só isolar, mas também refletir possíveis formas
diferentes de se montar as sociedades nessas três microrregiões. Nomeados pelo poder
central, os interventores tentavam ao menos uniformizar as vontades e conter os ímpetos
das elites locais.
Essa mágoa com o arranjo proposto e imposto pelo centro do poder político
brasileiro já foram percebidos e expressos com veemência nos primeiros jornais
impresso do território. Datados de 1906 e de 1908, o Cruzeiro do Sul e o Alto Purus,
respectivamente, cedo utilizavam suas páginas para demonstrar os descontentamentos
das elites regionais com o trato dado ao Acre. Esquecidos e desprotegidos, esses jornais
sustentavam as revoltas particulares, num discurso que se auto legitimava para falar em
nome de todos. Como se outra formação administrativa fosse garantir melhorias para os
milhares de seringueiros que, locados e confinados no interior da floresta, eram a base
de um sistema de elevado índice de exploração e degradação humana.
O silenciamento dos sujeitos responsáveis pela produção da riqueza da região.
Pouco se encontrou nos periódicos da época alusões mais incisivas sobre os
mecanismos de exploração que justificavam e definiam o modelo extrativista do látex.
Analisando esse singular momento histórico na Amazônia, propiciado por esse sistema
4 Tempos mais tarde, em 1912, foi criado o Departamento do Alto Tarauacá, desmembrado do Alto Juruá.
Sobre o tema ver Bento da Silva (2012).
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produtivo, Martinello (1988), citando impressões do Senador Eloy de Souza assim
pontua:
[...] nunca em parte alguma do globo houve exemplo de tamanho sacrifício,
nem indústria alguma custou jamais em um país de civilização ocidental, um
tão crescido número de vidas pelo abandono criminosos, despercebido como
estamos de qual ali se perde o mais valioso capital da nação. Os dois relatos
firmados pela autoridade do Dr. Oswaldo Cruz, um referente à defesa
sanitária na construção da Madeira-Mamoré, e o outro, mais recente,
indicando o plano geral da companhia da salubridade a ser empreendida no
Vale do Amazonas, permitiram avaliar os claros abertos no efetivo da
população brasileira com a exploração da borracha, [...] (APUD, Eloy de
Souza, 1967, p. 51). (MARTINELLO, 1988, p. 46)
Afora a omissão citada, O Juruá, na sua edição número 01, no ano de 1906, traz
um discurso altamente conivente com aquilo que se desejava os grupos de poder locais.
Nesse relatório, o coronel Thaumaturgo de Oliveira aponta inúmeras dificuldades
encontradas por ele para gerir o departamento que lhe fora incumbido. Suas queixas são
enormes, mas o que nos interessa é que, ao final do documento, sua aguda consciência
de que escrevia tanto atendia aos interesses dos donos do poder da cidade:
Ao finalizar esse meu segundo relatório, faço votos para que a emérita
presidência do Exm. Sr. Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves, de que
V.Exc.é um poderoso esteio, se encerre com uma esplendente glória – a
sanção da lei da autonomia estadual do Acre. A situação presente é deveras
insustentável, como se viu pelas desastrosas administrações interinas deste
departamento. E sem estabilidade e responsabilidade não há governo que
possa tornar-se prestável. (O JURUÁ, n 01, 03/05/1906, p. 01)
Semelhante lamúria podemos encontrar no Jornal o Alto Purus num texto
editorial bem significativo. Nesse espaço, o editor, após pontuar as recorrentes queixas
de isolamento, falta de assistência do governo central, escassez de recursos e outros
males que assolavam o departamento, alude um tema para todos os protestantes da
ordem administrativa instalada:
Mesmo pondo de parte a consideração de ter sido o Acre conquistado ao
estrangeiro pelos seus próprios habitantes, isto é, pelos que na época da luta
eram domiciliados no atual Departamento do Acre, os únicos que
sacrificaram nessa cruzada benemérita, e o fato, sem precedência na historia
pátria, de ter o território indenizado em curtíssimo prazo ao seu primeiro
possuidor, fazendo efetiva a palavra honrada e patriótica do governo da
União, vê-se sem análise muito cuidadosa, o direito que assiste a essa parte
do país a ter sua autonomia e desenvolvimento, usando em boa parte ou no
todo, os enormes lucros auferidos do seu trabalho pelos cofres públicos e
empregando-os em seu futuro e progresso, como é de toda justiça e
imprescindível necessidade. [...]. (O Alto Purus 01, 04/02/1909, p. 01)
Parafraseando o citado editorial, o que se vê é que os jornais impressos que
surgiam no território do Acre eram, no geral, vozes a serviços de mentalidades sociais
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que detinham o poder econômico local e que estavam insatisfeitos não apenas com a
situação politica em que se encontrava o Acre, mas sim na certeza de que esse formato
não era de todo útil aos interesses particulares. Queriam, como está claro no referido
jornal participar das polpudas divisas oriundas com as taxações que sofriam o
extrativismo da borracha. Não pretendiam socializar, ou dito de outra maneira, não
cogitavam uma maior participação do povo nas discursões e debates que tivesse como
objeto o futuro da região. Queriam mesmo era poder ter acesso aos recursos para eles
que saiam do Acre e iam promovê-los e serem destinados a outros fins.
Nasciam assim, esses veículos de comunicação, como instrumentos de poder,
ferramentas que habilitavam que grupo poderia dizer a verdade. Era uma tentativa de
legitimar seus discursos mais particulares, por meio das palavras impressas, no seio de
uma sociedade iletrada e carente que deveria aceitar que seus problemas e desafios
seriam sanados com a autonomia do território. Essa característica nascente, de
subserviência proposital e conivente com as forças dominantes, como se verá, não se
apartará de nenhum momento político que passará o Acre.
Em 1921, após as inúmeras críticas que se fazia ao modelo de organização do
território acreano, instala-se um período marcado por governadores nomeados pelo
presidente da República, extinguindo-se o anterior formato de interventores
departamentais. Esse marco, no que pese as epidérmicas mudanças na grade
administrativa, não representou relevantes alterações do ponto de vista social. Serviu
mais para ratificação do poder central, e para novos ensaios de barganhas políticas como
os líderes políticos locais que sempre se manifestaram contra o modelo anterior (Bento
da Silva 2012).
O jornal Folha do Acre, com toda a poética bajuladora possível, alude a esse
novo momento do Território com as seguintes palavras:
O primeiro dia do ano que começa ficará esculpido em letras refulgentes nos
fastos da história acreana. E a cidade de Rio Branco, pedaço do Acre, de
onde irrompera o movimento patriótico que reivindicou para nossa pátria essa
região amada, além de obter a glória de ser o centro, o ponto para onde
convergiram todas as festas, por ter sido escolhida como capital do território,
teve ainda mais a ventura de ver recair a escolha do primeiro governador na
pessoa do sr. Epaminondas Jácome, cidadão que tem convivido em nosso
meio, ex-intendente deste município, aqui bastante estimado e relacionado
por todas as classes sociais.
De modo que tudo cooperou para que a população de Rio Branco se enchesse
de justo entusiasmo, concorrendo com ardor para as festas em homenagem ao
primeiro magistrado do território, não só do dia da chegada de s. exc. Como
nos dias subsequentes. [...]. (Folha do Acre, n 02, 09/85/1921, p. 02)
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Por mais que Epaminondas Jácome5
fosse uma figura bastante conhecida no
circuito político do território, percebe-se existir uma tentativa de fabricar o novo, o
fantástico, o ato que alinharia as ideias e esfriaria as diferenças ideológicas. Por isso, se
verifica a tentativa de falar em nome de todos, mostrando sem cuidados mais
elementares o uso do termo “população de Rio Branco” em sua nota editorial. Não era
tanto a preocupação de que essa mensagem chegasse até os menos interessados pelos
rumores e acontecimentos políticos. Pretendia-se, na verdade, fortalecer o símbolo de
prestígio das personalidades, por meio de sua figuração nas páginas de um símbolo de
comunicação tão importante para consolidar nos iletrados as letras da informação. Dito
de outra forma, fazia parte do projeto de dominação ter uma ferramenta que mesmo sem
ser usado para seu fim principal, a leitura, servia para mostrar que a legitimação da
figura política se media pela presença ou não nesses veículos.
Havia muito mais intenções para além dos adjetivos e elogios tecidos ao novo e
primeiro governador do Território. Uma rede de interesses e motivações faziam as
pontes entre os governantes que chegavam e as classes que dominavam a economia
extrativista e o comércio no território6. O clamor contido no peito das elites regionais
pela autonomia do Acre era amenizado pela importante participação desses sujeitos na
máquina pública. Isso só se dava com todo o mecanismo de influência operando em
forca máxima, pois do contrário o ostracismo seria certo. A esse respeito, Elder
Andrade de Paula diz muito acertadamente que:
Nestas circunstancias, o controle dos postos na burocracia estatal e/ou de
mandatos eletivos, passa a ter uma importância estratégica fundamental como
parte dos negócios da classe dominante local. Esta apropriação do aparato
governamental pelas oligarquias resultou num tipo de patrimonialismo de
base societal muito similar àquele analisado por Franco (1997). Este aspecto
constitui-se, portanto, num dos elementos fundamentais para se compreender
os conflitos políticos intraclasses dominante, que deram contorno à
“modernização” no Acre. (PAULA, 2005, p. 63)
3 – O Estado Novo e o Acre nos jornais da época
Uma nova fase na política brasileira começaria a partir de 1937 com o
surgimento do chamado Estado Novo: momento histórico em que Getúlio Vargas, então
5 Epaminondas Jácome tinha sido prefeito departamental e vivia no Acre por muito tempo, tendo mesmo
participado dos conflitos entre os brasileiros e os bolivianos pela posse do território acreano e tido por
herói na narrativa oficial. 6
Andrade de Paula afirma que o poder oligárquico no Acre tinha auferido muitos benefícios
anteriormente com a ausência do Estado. Isso representava a livre ação dos grupos políticos que
dominavam o cenário em todos os seguimentos da sociedade. A lei e a ordem saiam de suas
conveniências e necessidades, personificando em suas imagens o próprio poder. A esse respeito ver
Andrade de Paula p. 60 da obra (Des) Envolvimento Insustentável na Amazônia Ocidental.
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presidente do país, aponta com novos rumos para a nação. Essas mudanças estavam
muito alinhadas com os novos ventos que sopravam na Europa, onde duelavam duas
ideologias bem definidas, democracia liberal e nacionalismos totalitaristas. Uma tendo à
frente a Inglaterra e França; outra encontrava, nos modelos de alemães e italianos, Hitler
e Mussolini respectivamente, suas melhores expressões.
Internamente, o que se verificou foi uma tendência proposta por Vargas de
assimilação e controle da estrutura de todo o Estado, bem como uma vigilância eficiente
dos núcleos de poder espalhado por todo território nacional. Ao mesmo tempo em que
visualmente perfilava os ditames totalitaristas, Vargas também vai flertar com o outro
lado, elaborando uma política dúbia, sem definição completa, que se entendia mais
quando se verificava seu fim: melhorias nas estruturas produtivas do país.
Abordando esse momento histórico, Bento da Silva aponta que:
[...] com o advento da ditadura varguista, finda a fase dos interventores
Federais. Porém, o Acre permaneceu sendo governado por indicações
emanadas do palácio do Catete, mesmo na fase de ocaso do Estado Novo.
Contudo, é neste período, após o fim do Estado Novo, que o Acre passa ter
partidos políticos de expressão nacional organizados em todo o Território.
Sendo que as agremiações de maior significado e peso foram o Partido Social
Democrático – PSD e o Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, tendo à frente
figuras que serão sem dúvida as maiores referências personalistas da política
local nos anos 40 e 50: José Guiomard Santos (PSD) e Oscar Passos (PTB).
Ambos irão travar, juntamente com seus seguidores, disputas acirradas não só
em épocas de eleições, como também nas indicações dos cargos federais para
seus correligionários e na luta pela viabilidade, ou não, da autonomia
acreana. (Bento da Silva, 2012, p. 46)
4-O mundo de casa é uma fronteira
Para Friedrich Ratzel a fronteira é concebida como involucro do Estado que
pode ser alterada, já que é considerada como a “pele” do corpo territorial do Estado,
dilatável de acordo com sua vontade e poder. O termo fronteira se refere a uma linha
divisória – concreta ou imaginária – entre algo que conhecemos e que, em certo sentido
nos pertence e algo que desconhecemos.
“O ‘poder’ corresponde à habilidade humana de não apenas agir,
mas de agir em uníssono, em comum acordo. O poder jamais é
propriedade de um individuo; pertence ele a um grupo e existe
apenas enquanto o grupo se mantiver unido. Quando dizemos
que alguém está ‘no poder’ estamos na realidade nos referindo ao
fato de encontrar-se esta pessoa investida de poder, por um certo
número de pessoas, para atuar em seu nome. No momento em
que o grupo, de onde originara-se o poder (potestas in populo,
sem um povo ou um grupo não há poder), desaparece, ‘o seu
poder’ também desaparece” (ARENDT, 1985:24)
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É na origem um termo de divisão que designa um limite de domínio, ou seja,
das fronteiras politicas que possuem além das “funções estratégicas ou geo-militares
(defensiva e ofensiva) e diplomáticas, a de surgirem como barreira alfandegaria,
migratória ou sanitária” (FOUCHER, 1991, 39).
A fronteira é considerada também como a zona de interação de “cidadãos
fronteiriços”, que além de ser com frequência bilíngue, se beneficia do ambiente multi-
cultural característica de uma zona fronteiriça. Nos seus mais variados aspectos como:
trabalho, contravenção, consumo, defesa e disputa; reconhecendo, que o outro lado da
fronteira tem outra lei.
Retomando ao conceito de território, é imperioso que saibamos
despi-lo do manto de impotência com o qual se encontra, via de
regra, adornado. A palavra território normalmente evoca o
“território nacional” e faz pensar no Estado – gestor por
excelência do território nacional -, em grandes espaços, em
sentimentos patrióticos (ou mesmo chauvinistas), em governo,
em dominação, em “defesa do território pátrio”, em
guerras..(SOUZA, 1995, 81).
As fronteiras são as estruturas espaciais elementares, de forma linear, com
função de descontinuidade geopolítica, de marca e de referencia, sobre os três registros
do real, do simbólico e do imaginário. A função da realidade é o limite espacial do
exercício de uma soberania em suas modalidades próprias: linha aberta, entreaberta e
fechada. O simbólico remete ao pertencimento a uma comunidade politica inscrita num
território que lhe pertence. O imaginário conota a relação ao outro, vizinho, amigo ou
inimigo, portanto a relação consigo mesmo, a sua própria historia e de seus mitos
fundadores, ou destruidores. (FOUCHER 1991:38).
Unir ou separar é o que fazem fronteiras e limites. Unem ou separam
territórios. É a formação de um território, por conseguinte, assim como as fronteiras é
parte das relações de poder. Não é natural e sim faz parte de disputa de poderes. O
termo fronteira é usualmente confundido com a ideia de limite, de uma linha divisória.
Fronteiras e limites usualmente são associados a mesma coisa, ou não são. O limite é o
“sinal de contato entre os dois ou mais territórios” e a fronteira e o “sinal de contato
entre dois ou mais territórios” (HISSA, 2002: 34). O sentido da fronteira em sua origem
não era de fim, mas do começo do Estado, o lugar para onde ele tenderia a se expandir.
(FOUCHER, 1986).
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Conclusão
É imprescindível que, diante dos argumentos expostos, o território acreano sempre
foi palco para os desmandos políticos. Assim estudar sobre esse tema, pesquisar e analisar
as fontes nos possibilitou aprofundar-se no conhecimento acadêmico, ter um crescimento
profissional e desenvolver a ampliação do olhar sobre a realidade da política e do
jornalismo acreano, vivenciados no período proposto.
O poder politico vivenciado na época analisada, assim como hoje, necessitava ser
visto de alguma forma. Os jornais eram simples diários políticos. A importância em ser
citado nesses jornais impressos era sinônimo de prestígio e poder. Exatamente o que
procuravam e procuram os políticos do passado e do presente.
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
CAMPANHA “ACRE SOLIDÁRIO”: A COBERTURA NA AGÊNCIA DE
NOTÍCIAS DO ACRE1
Priscila Cristina Miranda de Araújo
2
Francielle Maria Modesto Mendes3
Universidade Federal do Acre, Rio Branco, AC
Resumo
Essa pesquisa busca analisar dez matérias relacionadas à campanha O Acre Solidário
publicadas pela Agência de Notícias do Acre, site do governo do Estado, no período da
alagação do ano de 2015. O objetivo do trabalho é discutir o sentimento de
solidariedade instigado pelos textos jornalísticos do site e a promoção das autoridades
políticas locais por intermédio da campanha. A campanha O Acre Solidário tem como
objetivo arrecadar alimentos e utensílios para os atingidos pela alagação. A campanha
não busca soluções prolongadas e sim apenas resolver o problema evidente no
momento, mesmo ele sendo recorrente. Como referencial bibliográfico foram usados
autores como: Eni P. Orlandi (2010), Eugênio Bucci (2004), Manuel Castelles (1999),
entre outros.
Palavras-chave: Acre Solidário, Cobertura Jornalística, Agência de Notícias do Acre.
Introdução
O presente artigo faz parte do projeto de pesquisa intitulado “Jornalismo e Meio
Ambiente – os diálogos possíveis”. O objetivo dessa pesquisa é analisar e debater os
textos publicados no site Agência de Notícias do Estado de Acre referente à campanha
Acre Solidário na alagação que ocorreu em 2015.
O site Agência de Notícias do Acre foi fundado em novembro de 2007 e
funciona como parte do Sistema Público de Comunicação do Governo do Estado do
1 Trabalho apresentado na Linha Temática LT5 - Interfaces Comunicacionais da V Semana Acadêmica de
Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016 na Universidade Federal do Acre. 2
Acadêmica do 8º período de Comunicação Social/ Jornalismo da Universidade Federal do Acre.
E-mail:[email protected] 3Orientadora do trabalho. Professora doutora do curso de Comunicação Social/Jornalismo da
Universidade Federal do Acre. Email: [email protected].
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Acre. O idealizador e criador da Agência de Notícias do Acre foi o jornalista Itaan
Arruda Dias.
Na pesquisa foram encontrados 53 textos relacionados à campanha do Acre
Solidário, no período de 6 de janeiro e 6 de maio de 2015. Para a análise, foram
escolhidos dez textos: “Acre Solidário: doações da PM serão entregues às famílias de
Tarauacá”, “Acre Solidário anuncia campanha para ajudar desabrigados”, “Servidores
públicos realizam trabalho voluntário em abrigos”, “Entidades e organizações aderem à
campanha do Acre Solidário”, “Artistas em ação solidária realizam show Águas de
Março em Rio Branco”, “Campanhas de arrecadação se espalham pelo país”, “Povo
acreano se solidariza com afetados pela alagação”, “Acre Solidário recebe doações de
empresa parceira”, “União: Fecomércio entrega doações ao Acre Solidário e Rio Branco
Amiga” e “Doações fazem a diferença no apoio às vítimas da alagação”.
Acre Solidário
O Acre Solidário é uma campanha que foi criada em 2011, com o objetivo de
arrecadar donativos às famílias atingidas pelas cheias no Acre. Em janeiro de 2015,
apresentou um novo slogan: Acre Solidário – Atitude e Cidadania. Segundo os
organizadores do movimento, a iniciativa não é ONG nem instituição.
Frente a essa questão de solidariedade, a Agência publicou a matéria intitulada
“Acre Solidário presta contas de ações e lança nova logomarca do movimento”, escrita
pela repórter Ana Paula Pojo em 09 de junho de 2015. O texto inicia apontando a
prestação de contas da campanha de arrecadação feita no período da enchente de 2015 e
o lançamento da nova logomarca.
Segundo matéria4
publicada pela Agência para prestação de contas, o Acre
Solidário conseguiu arrecadar 437 toneladas de cestas básicas e 475 toneladas de
produtos diversos. Mais de 78 mil peças de roupas foram doadas e a conta SOS
enchente Rio Acre recebeu doações de muitos estados do Brasil, resultando em mais de
4 A publicação está disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/acre-solidario-presta-contas-de-acoes-e-
lanca-nova-logomarca-do-movimento/. Acessado em 10 de maio de 2016.
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R$ 800 mil reais, totalizando quase 10 mil cestas básicas distribuídas.
A solidariedade promovida
Para Telma Mariasch (2004), os movimentos de solidariedade surgem a partir de
experiências de exclusão social do outro, uma oportunidade para começar uma
campanha com o objetivo de gerar comoção e com isso ganhar visibilidade política e
social.
Multidões dispostas a assumir suas vidas e lutar pelos direitos que
surgem dos seus desejos; grupos que, através da solidariedade,
adquirem uma nova vida, se singularizam. Experiências espalhadas de
minorias mostram que, se é necessário, logo, é possível.
(MARIASCH, 2004, online).
É possível notar nos textos analisados que, diversos grupos sociais e instituições
estão envolvidos direta e indiretamente com a campanha. Nas matérias aqui estudadas é
possível perceber o envolvimento de muitos órgãos e empresas.
Manuel Castells (1999) traz uma importante reflexão sobre o envolvimento das
grandes empresas. As empresas, inclusive as responsáveis por uma grande emissão de
poluentes, passaram a incluir a questão ambiental em sua agência de relações públicas, e
também em seus novos e mais promissores mercados. Segue o pensamento do autor:
Em todo o mundo, a velha oposição simplista entre os conceitos de
desenvolvimento para os pobres e preservação para os ricos tem-se
transformado em um debate em diversos níveis acerca da
possibilidade real de desenvolvimento sustentado para cada país,
cidade ou região (CASTELLS, 1999, p.141).
O autor (1999) traz a reflexão sobre o conceito de “desenvolvimento” para os
pobres e de “preservação” para os ricos. Segundo ele, o mundo inteiro está debatendo
questões ambientais o que faz com que as grandes empresas se atentem a esse tema e
procurem de alguma forma se inserir no debate sobre as questões a respeito do Meio
Ambiente.
A campanha do Acre Solidário tem um objetivo muito pontual e claro, arrecadar
e distribuir alimentos e utensílios para os atingidos pelas enchentes. No entanto, não se
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escuta falar da campanha além desse período de calamidade. A campanha não busca
soluções prolongadas e sim resolver o problema evidente no momento, apesar de ser
recorrente. Ao analisar os textos publicados pelo site, é possível perceber o
desenvolvimento diário da campanha. Nas matérias é revelado os nomes dos envolvidos
que, aparecem tanto, talvez até mais, que os atingidos pela calamidade. O cidadão
comum que foi afetado não tem voz.
Para Eni Orlandi (2010), entre o dizer e o não dizer desenrola-se todo um espaço
de interpretação no qual o sujeito se move. É preciso, portanto, analisar também o não
dito, as vozes que aparecem e que ocultam outras. O cidadão que não é escutado dá
espaço para falas de empresários que usam a solidariedade para se promover
Na matéria “Acre Solidário: doações da PM serão entregues às famílias de
Tarauacá”, publicada no dia 09/02/2015, escrita por Rayele Oliveira, relata que a
primeira-dama do Estado, coordenadora do programa Acre Solidário, Marlúcia Cândida
recebeu mais de 180 sacolões entregues pela turma de soldados da Polícia Militar e
agradeceu o empenho: “Fico muito feliz em ver a mensagem do Acre Solidário tocando
ainda mais as pessoas que já têm um bom coração. Essas doações vão ajudar muitas
famílias” (OLIVEIRA, 2015, online).
Nas falas da primeira dama é possível notar o apelo a esse sentimento de
solidariedade. Movido por esse apelo muitas pessoas se sentem na obrigação de ajudar.
Os sentimentos de tentar fazer seu papel como cidadão é instigado, porém o que não é
analisado é o não dito, o papel do estado. Não se questiona os problemas e muito menos
as soluções dadas pelo estado para amenizar a situação. O que deveria ser decidido e
resolvido pelo estado é transferido para o cidadão comum.
Nas entrelinhas das matérias sobre a campanha, é possível perceber que o
cidadão comum é instigado a ser solidário como uma tentativa de resolver um problema
recorrente no estado. A calamidade causada pelas alagações acontece todo ano e o
governo tenta soluções provisórias para diminuir as consequências, porém o assunto só
vem à tona quando a tragédia realmente acontece. Vários fatores influenciam essas
questões. Mas cabe ao estado a responsabilidade de uma solução permanente.
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Já na matéria “Acre Solidário anuncia campanha para ajudar desabrigados”,
publicada em 23/02/2015 e escrita por Ana Paula Pojo, é possível notar que o foco não é
os benefícios da campanha e sim quem está coordenando. Logo, no início, é possível
perceber os nomes dos envolvidos e só, posteriormente, são citadas as famílias
atingidas.
A vice-governadora Nazaré Araújo, juntamente com a diretora da
Casa Civil, Walnízia Cavalcante, a secretária de Comunicação,
Andréa Zílio, e o porta-voz do governo, Leonildo Rosas,
anunciou, nesta segunda-feira, 23, que o Acre Solidário
inicia campanha para ajudar as famílias atingidas pelas enchentes que
ocorrem no estado. (POJO, 2015, online)
Mariasch (2004) destaca que há uma tendência no sujeito de querer ser solidário
para atrair atenção para si. Isso faz com os envolvidos ganhem mais visibilidade do que
a própria campanha. A autora afirma que muitas campanhas atuam como um
assistencialismo:
Através da desconstrução da “função” de tais campanhas solidárias,
elas se posicionam como um assistencialismo que atua como mero
paliativo, reforçando em certo sentido a aceitação da exclusão e da
miséria, sem se orientar para a transformação de suas causas.
(MARIASCH, 2004, p. 164).
O pensamento de Mariasch reforça a ideia de que a campanha adota medidas
paliativas, sem interesse em uma prevenção permanente, ou até mesmo um
acompanhamento dos atingidos pela catástrofe. O sentimento de solidariedade é
reforçado sem reflexão das causas da alagação, que vão além da catástrofe natural.
Na matéria “Servidores públicos realizam trabalho voluntário em abrigos”
publicada no dia 27/02/2015 e escrita por Márcia Moreira, relata o envolvimento de
todas as secretarias do Estado: “O trabalho integra os servidores públicos e auxiliará no
atendimento social em Rio Branco, Xapuri, Brasileia e Epitaciolândia” (MOREIRA,
2015, online).
A secretária de Gestão Administrativa, Sawana Carvalho, explica na matéria que
os órgãos unem esforços para ajudar as famílias: “Todos os anos os servidores públicos
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prestam esse trabalho voluntário. É um trabalho de solidariedade” (MOREIRA, 2015,
online).
Ao dizer que todos os anos os servidores públicos realizam esse trabalho
voluntário, Carvalho demostra conformismo com a situação. O sentimento de que a
alagação sempre acontecerá e que todo ano haverá voluntários, não instiga a pensar em
uma possível solução, um fim para esse ciclo.
Na matéria seguinte, “Entidades e organizações aderem à campanha do Acre
Solidário”, publicada em 01/03/2015, escrita por Rose Farias, aborda a ação humanitária
do Acre Solidário, a adesão de várias entidades, organizações e colaboradores entre eles
estão, a Liga de Quadrilhas Juninas do Acre (Liquajac), os empresários do setor de
entretenimento, a União do Som Automotivo do Acre (USA), a operadora Vivo,
produção do show do Rappa, Clube de Motociclistas, a loja Vidon e outros voluntários.
Nota-se uma preocupação em identificar os apoiadores da campanha. Para Eugênio
Bucci (2004), “um traço especialmente interessante nessa solidariedade de mercado é a
sua relação com a visibilidade”. E o autor completa:
Essa solidariedade não precisa ser sentida ou, por assim vivenciada,
mas precisa ser vista, exibida, mostrada, ostentada. Mas não assim, de
chofre, de uma vez. Estamos aqui falando de uma espécie de
ostentação que se faz por dissimulações. Para muitos, e há os que
dizem isso abertamente, a solidariedade é um investimento (BUCCI,
2004, p. 183).
Segundo Bucci (2004), há uma necessidade de se tornar visível. É possível notar
que todos os doadores e colaboradores do Acre Solidário são citados e identificados.
Alguns exaltados e elogiados, tornando esses sujeitos mais visíveis que os próprios
atingidos pela enchente.
A matéria “Artistas em ação solidária realizam show Águas de Março em Rio
Branco”, publicada em 02/03/2015, escrita em Rose Farias, relata o gesto solidário de
um grupo de artistas que realizará um show chamado “Águas de Março” com o apoio
cultural da Fundação Elias Mansour (FEM). Segue trecho da matéria:
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Os artistas usarão a sua arte para ajudar às famílias atingidas. É o
momento de também motivar às pessoas, de dar força e ânimo para
que toquemos à vida para frente, mesmo com uma situação tão difícil.
É um momento de doar e se doar (FARIAS, 2015, online).
Na matéria fica evidente que todos os setores do governo estão mobilizados para
o exercício da solidariedade. Novamente, encontra-se um apelo para o cidadão se
solidarizar e também doar. O trecho “tocar a vida em frente mesmo com uma situação
difícil” é o reflexo do sentimento de otimismo que é instigado.
Já o texto “Campanhas de arrecadação se espalham pelo país”, publicada
03/03/2015 e escrita por Miriane Teles, relata que a catástrofe natural ganha repercussão
nacional. No texto, é citada a campanha de arrecadação do publicitário André Medeiros,
acreano que mora em Brasília. Medeiros criou uma página na internet chamada
“ACREdite na Solidariedade”.
Esses textos refletem o alcance da campanha e os envolvidos. Mas em nenhuma
das matérias é possível encontrar um debate mais amplo, que revele as origens dessa
catástrofe. Não há uma reflexão histórica, o que se vê é um fragmento do resultado de
falhas humanas.
Na matéria “Povo acreano se solidariza com afetados pela alagação” publicado
em 04/03/2015 e escrita por Larissa Costa aborda o sentimento de solidariedade do
povo acreano. Nesse texto, algumas empresas e pessoas são citadas. Na fala de uma
colaboradora: “A necessidade da população que está precisando em Rio Branco nos
motivou a tomar essa iniciativa” (COSTA, 2015, online).
O que foi silenciado no discurso também é absorvido pelos que o consumem e
deve ser analisado. Para Orlandi (2010), o não dito é tão importante quanto o que é dito.
Para a autora, há muitas interpretações e conceitos embutidos nas entrelinhas. Na
análise, é importante fazer novas leituras entre o dizer e o não dizer.
Se as novas maneiras de ler, inauguradas pelo dispositivo teórico da
análise de discurso, nos indicam que o dizer tem relação com o não
dizer, isto deve ser acolhido
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metodologicamente e praticado na análise. (ORLANDI, 2010, online).
Na matéria “Acre Solidário recebe doações de empresa parceira”, publicada em
04/03/2015, escrita em Rayele Oliveira, relata as contribuições de entidades, instituições
públicas e empresas de setor privado. O gerente geral do Atacadão Cláudio Bonfim diz
que:
Neste momento é essencial que cada um faça a sua parte para que a
população possa enfrentar a situação da forma menos dolorosa
possível. A gente sente muito porque até muitos de nossos
colaboradores estão sofrendo com a alagação e tendo dificuldades
para vir ao trabalho. Fazemos o que é possível. (OLIVEIRA, 2015,
online).
Na matéria “União: Fecomércio entrega doações ao Acre Solidário e Rio Branco
Amiga”, publicada em 14/03/2015, e escrita por Rayele Oliveira, há relato de que a
Federação do Comércio entregou um montante de R$ 2,5 milhões convertidos em cestas
básicas, kits de limpeza e de higiene, fraldas descartáveis e outros produtos ao Acre
Solidário e Rio Branco Amiga, coordenados pelas primeiras-damas do Estado, Marlúcia
Cândida, e do município, Gicélia Viana. Durante a entrega, o prefeito de Rio Branco,
Marcus Alexandre, falou da importância de unir forças: “Ninguém sozinho suportaria
tanta tragédia. Só com a ajuda de todos é que conseguimos passar por tudo isso”.
(OLIVEIRA, 2015, online).
A frase do prefeito instiga a pensar na responsabilidade de toda a população e
silencia a responsabilidade do estado quanto às soluções emergentes. Orlandi (2010)
traz um importante debate sobre o silêncio. O não dito fica em silêncio. Um silêncio que
indica que o sentido pode sempre ser outro: “as relações de poder em uma sociedade
como a nossa produzem sempre a censura, de tal modo que há sempre silêncio
acompanhado as palavras”. (ORLANDI, 2010, p. 83).
A matéria “Doações fazem a diferença no apoio às vítimas da alagação”,
publicada em 24/03/2015, e escrita por Samuel Bryan afirma que as cidades acreanas
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estão vivendo a maior alagação de sua história em 2015, a situação de calamidade
pública atingiu grande parte do Estado. Mais de 130 mil pessoas foram afetadas pela
cheia dos rios.
E com milhares de desabrigados, só o poder público estadual não foi
capaz de cuidar da situação. Por intermédio principalmente do apoio
do governo federal e do movimento Acre Solidário, outro elemento
faz a diferença neste momento difícil: a solidariedade. (BRYAN,
2014, online)
Para Mariasch (2004), ser “solidário está na moda, é politicamente correto e se
apresenta no cenário social como possível saída para as mazelas da humanidade em
tempos de globalização imperial, de exclusão e crescente miséria” (MARIASCH, 2004,
p. 163).
Solidariedade ambiental x Precaução
Clarisse Marques (2012) traz um importante questionamento sobre a
solidariedade. Ela questiona se a solidariedade, como fundamento de preservação
ambiental, “justifica a imposição de limites aos sujeitos existentes frente aos sujeitos
não-nascidos por meio da exigência de uma postura de prevenção, em nome da
promoção do direito ao meio ambiente”. (MARQUES, 2012). Para a autora (2012), é
possível mudar a tendência de um comportamento de estado de urgência e antecipar as
consequências.
Além disso, a solidariedade ambiental trouxe consigo a discussão
sobre a necessidade de uma mudança de perspectiva que possa
introduzir na rede de decisões uma sistemática de antecipação das
consequências capaz de substituir a tendência de um comportamento
de estado de urgência. Ou seja, que o comportamento tendente a
cristalizar o provisório como permanente possa ser substituído por
uma noção ampliada de futuro. (MARQUES, 2012, online).
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Raquel Duarte Venturato Landdman e Norma Valencio (2014) fizeram um
estudo intitulado “A Alagação Ofende”. No estudo, as pesquisadoras debatem as
consequências dessas alagações, os motivos evidentes mais que nem sempre são
refletidos nos meios de comunicação. Entre as causas, citam a acelerada urbanização
das cidades. Uma urbanização desorganizada.
Que fatores levam as enchentes a se tornarem um desastre no Acre?
Por um lado, a forma acelerada de urbanização das maiores cidades
acreanas tem sido similar ao que ocorre no restante das cidades na
Amazônia brasileira, onde se destaca o inchaço das periferias urbanas
desatendidas nos serviços de infraestrutura básica e demais políticas
públicas. (LANDDMAN; VALENCIO, 2014, online)
Landdman e Velancio (2014) trazem uma importante reflexão sobre as
enchentes recorrentes no Acre. Em nenhum dos 53 textos publicados, e muito menos
nos 10 textos analisados foi possível encontrar uma reflexão sobre a urbanização
acelerada da cidade e, principalmente, ao redor do rio, onde se localiza o centro
comercial da cidade.
Segundo Landdman e Velancio (2014), o “inchaço” das periferias urbanas é
descontrolado e, portanto, não acompanhado pelo estado. Não há preocupação com a
infraestrutura básica e demais políticas públicas para abrigar ou locomover essas
pessoas. Essa solidariedade ambiental pode ser substituída por cautela e prevenção.
Considerações finais
Nos textos retirados do site Agência de Notícias do Acre referente à campanha O
Acre Solidário foi possível observar que o conteúdo discursivo demostra a promoção
das autoridades políticas locais. Quando acontece uma catástrofe como a alagação, que
desabriga muitas famílias, o estado deveria tomar como um momento importante para
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se discutir questões ambientais e habitacionais. Porém, não é o que se encontra nos
textos publicados pelo site.
O enfoque é nas ações dos gestores, o governador Tião Viana, sua esposa, a
vice-governadora Nazaré Araújo e alguns ministros, pertencentes ao mesmo grupo
político dos gestores locais. Nas matérias, os nomes dos envolvidos é mais evidente do
que os atingidos pela calamidade. As vítimas são deixadas de lado para dar lugar ao
protagonismo dos envolvidos. A busca por resolver um problema evidente silencia o
debate sobre as consequências dessa catástrofe.
Na análise, foi possível perceber que a superficialidade dos textos não gera o
pensamento crítico do leitor em um momento que deveria ser usado para refletir os
problemas sociais e ambientais. Foi possível analisar o discurso, o não dito, as vozes
que aparecem e que ocultam outras. O cidadão que não é escutado dá espaço para falas
de pessoas que usam a solidariedade como autopromoção social e política.
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DA COR DO PECADO: UMA ANÁLISE SOBRE A CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE NEGRA NA TELENOVELA DA REDE GLOBO1
Caio Nélio de Freitas FULGÊNCIO2
Francielle Maria Modesto MENDES3
Universidade Federal do Acre, Rio Branco, AC
RESUMO: Este artigo tem a finalidade de analisar a representação do negro na
telenovela “Da Cor do Pecado”, exibida originalmente de 26 de janeiro a 28 de agosto
de 2004, pela Rede Globo, a primeira trama produzida pela emissora tendo como
protagonista uma atriz negra. O intuito é verificar, por meio da construção da identidade
dos personagens, se houve a reprodução de estereótipos até então recorrentes na história
da teledramaturgia brasileira. O folhetim conta a vida da vendedora de ervas
maranhense Preta de Souza, interpretada por Taís Araújo, e sua luta para ser feliz ao
lado do carioca Paco Lambertini, vivido por Reynaldo Gianecchini. O amor inter-racial
entre os dois é o fio condutor de toda a obra, que apresenta no decorrer dos capítulos
inúmeras situações de racismo expressas, sobretudo, na postura dos vilões, como
Bárbara Campos Sodré, vivenciada pela atriz Giovanna Antonelli. Ao estudar as
características de alguns personagens, é possível perceber que, na época, a televisão
ainda não estava preparada para lidar com a presença do negro no maior destaque de
uma telenovela. A pesquisa foi realizada por meio de análise bibliográfica,
principalmente a partir de estudos de Stuart Hall e Zygmunt Bauman para esboçar os
conceitos de identidade, além de entender os processos da construção identitária e suas
fragmentações. Para a análise, também foi utilizada a vasta pesquisa de Joel Zito Araújo
sobre os tipos de representações que o negro vem tendo na dramaturgia televisiva com o
objetivo de verificar quais estereótipos foram mais perpetuados durante o tempo.
Palavras-chave: Identidade; Negro; Telenovela.
A telenovela está presente no dia a dia da maioria dos brasileiros, sendo um
dos produtos de televisão mais consumidos do país. O gênero possui grande importância
na construção de um imaginário social, sobretudo as produções da Rede Globo, maior
ícone da teledramaturgia do Brasil. Por isso, torna-se necessária uma análise sobre os
tipos de identidades que são construídas nos folhetins por meio dos personagens
criados, principalmente no que diz respeito à figura do negro, reproduzida quase sempre
de forma subalterna.
1 Trabalho aprsentado na Linha Temática de Interfaces Comunicacionais da V Seacom da Ufac. 2 Estudante de Graduação 8° semestre do Curso de Jornalismo da Ufac. 3 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Jornalismo da Ufac.
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O conceito de identidade sofreu claras modificações no decorrente da história,
saindo da perspectiva de algo unificado, indivisível, até a noção de que o indivíduo é
fragmentado, “composto não de uma, mas de várias identidades” (HALL, 2011, p.12).
Para Hall (2011), o sujeito – nos diversos momentos de sua existência – vai assumindo
diferentes identidades não unificadas e, muitas vezes, contraditórias, fazendo com que
as identificações se desloquem. Com a multiplicação dos sistemas de representação
cultural, como a telenovela, o indivíduo acaba confrontado com inúmeras possiblidades
identitárias.
Se por um lado, Hall (2011) defende que as estruturas sociais exteriores
modificam o sujeito em um processo praticamente inconsciente, Bauman (2004)
considera a identidade negociável, fruto de decisões que se toma no decorrer dos
acontecimentos vivenciados. Para o autor, o processo de construção dessa identidade –
em um mundo “repartido em fragmentos mal coordenados” (2004, p.18) – não pode ser
encarado como uma tarefa passível de ser finalizada, mas como algo continuamente
repetido.
Dessa forma, Bauman (2004) defende o protagonismo do indivíduo nessa
contínua construção, galgada na compreensão de que existe um deslocamento total ou
parcial do ser. “As ‘identidades’ flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas
outras infladas e lançadas pelas pessoas em nossa volta, e é preciso estar em alerta
constante para defender as primeiras em relação às últimas”. (BAUMAN, 2004, p.19).
Trata-se, portanto, de uma condição totalmente ambivalente, que envolve as identidades
escolhidas e aquelas que, de alguma forma, são impostas, ou apresentadas, por outras
estruturas sociais. Sendo assim, a identidade é constantemente inventada.
A identidade só nos é revelada como algo a ser inventado, e não
descoberto; como alvo de um esforço, “um objetivo”; como uma coisa
que ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre
alternativas e então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais –
mesmo que, para que essa luta seja vitoriosa, a verdade sobre a
condição precária e eternamente inconclusa da identidade deva ser, e
tenda a ser, suprimida e laboriosamente oculta. (BAUMAN, 2004,
p.22).
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Nesse sentido, em conformidade com Bauman (2004), Pollak (1992)
acrescenta que a formação da identidade também depende de fatores que escapam ao
indivíduo, como as relações com o outro. Não é possível construir a si mesmo sem o
processo de negociações diretas. As experiências vividas na atualidade têm como
característica o fato das identidades percorrerem – se movimentarem – de forma livre,
sendo de incumbência de cada sujeito capturar aquela (as) que mais lhe agradar,
utilizando, para isso, as ferramentas que estiverem disponíveis.
A mídia oferece aos espectadores uma gama de identidades por meio das mais
diversas produções. Para Fernandes e Faria (2007), ela apresenta as possibilidades para
que os indivíduos possam construir o próprio senso de classe, raça e etnia, por exemplo.
Sendo assim, os meios de comunicação – bem como produtos, como a telenovela –
colaboram na construção da identidade e, ainda, na determinação do que seja o “outro”.
Por meio da teledramaturgia, conforme as autoras, a televisão acaba carregando em si o
desejo de construir a realidade, movido por processos políticos com o objetivo de
homogeneizar o público.
A telenovela habita nesse contexto de impacto. Para Motter (2003), esse
produto teleficcional pode ser considerado, entre o público brasileiro, como de maior
poder de influência no imaginário nacional, participando, de forma ativa, na construção
da realidade. Tudo isso, em um processo duradouro “em que ficção e realidade se
nutrem uma da outra, ambas se modificam, dando origem a novas realidades”.
(MOTTER, 2003, p.174).
Diante desse poder da mídia, é perceptível que a identidade negra na
teledramaturgia foi construída de forma quase sempre estigmatizada, por meio de
personagens subalternos ou estereotipados. Com base nos estudos de Araújo (2000),
pode-se visualizar que, desde as primeiras participações, em 1964, a figura do negro
sofreu uma série de negações ou subversões. Escravos, empregadas domésticas cômicas
alcoviteiras e jagunços foram algumas das mais comuns representações durante a
história.
Nem mesmo a década de 1970, quando a maioria dos folhetins decidia mostrar
os conflitos dos brasileiros pela ascensão social, o negro teve uma abordagem
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diferenciada. Para Araújo (2008), apesar de esboçar a criação de outras referências
sobre o assunto, os anos de 1980 e 1990 praticamente não trouxeram telenovelas que
tratassem a discriminação racial contra o negro brasileiro de forma direta. A ausência,
conforme o autor, era corroborada pelo padrão estético vigente que via na cor branca o
ideal de beleza no país. Exemplo disso era a “exclusiva escolha de loiras como
apresentadoras ideias de programas infantis e de modelos brancos para galãs e
mocinhas” (ARAÚJO, 2008, p.981).
O negro em “Da Cor do Pecado”
A telenovela “Da Cor do Pecado” foi escrita pelo autor João Emanuel Carneiro
para o horário das 19h – período do dia que, normalmente, são exibidas histórias
direcionadas à família, sem grandes discussões sociais. O folhetim foi ao ar do dia 26 de
janeiro a 28 de agosto de 2004. Segundo publicação da UOL4, o último capítulo chegou
a alcançar uma média de 50 pontos no Ibope, com picos de até 55. Durante toda a
exibição, a trama atingiu uma média geral de 47 pontos. Na totalidade, a telenovela
contabilizou 185 capítulos na exibição original e chegou a ser reprisada duas vezes.
A história se passa em São Luís, capital do Maranhão, e traz a luta de Preta de
Souza, interpretada por Taís Araújo, e Paco Lambertini, protagonizado por Reynaldo
Gianecchini, para viver uma história de amor, que tem como fio condutor diversos
conflitos raciais. Paco mora no Rio de Janeiro e, mesmo filho do milionário Afonso
Lambertini (Lima Duarte), recusa-se a receber dinheiro do pai e a participar dos
negócios, vivendo de maneira simples.
Preta é uma menina negra, de origem pobre, que ajuda a mãe Lita (Solange
Couto) em uma barraca de ervas no Centro de São Luís. Importantes aspectos da cultura
afro-brasileira são marcantes na personagem, como o hábito de dançar tambor de
crioula – expressão cultural praticada predominante pelas mulheres especialmente em
4 Disponível em: < http://virgula.uol.com.br/famosos/ida-cor-do-pecadoi-alavanca-ibope-no-ultimo-
capitulo/> Acesso em: 10 de dezembro 2015.
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louvor a São Benedito, conforme o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional5.
As problemáticas envolvendo “Da Cor do Pecado” – a primeira telenovela
produzida pela Rede Globo tendo uma personagem negra no centro da trama – se
iniciam no próprio título e vinheta. A música de abertura, samba clássico que possui o
mesmo nome da trama, de composição de Bororó, complementa as imagens que
mostram detalhes do corpo de uma mulher negra.
Da cor do pecado6
Esse corpo moreno, cheiroso e gostoso que você tem É um corpo delgado, da cor do pecado, que faz tão bem
Esse beijo molhado, escandalizado que você deu
Tem sabor diferente que a boca da gente jamais esqueceu
E quando você me responde umas coisas com graça
A vergonha se esconde Porque se revela a maldade da raça
Esse corpo de fato tem cheiro de mato
Saudade, tristeza, essa simples beleza
Esse corpo moreno, morena enlouquece
Eu não sei bem porquê
Só sinto na vida o que vem de você.
A letra de Bororó correlaciona o corpo da mulher negra “cheiroso e gostoso” à
sensualidade, o que, segundo Barbosa (2004), representa uma das concepções
amplamente difundidas no Brasil desde os tempos coloniais. Referências facilmente
lembradas por Gilberto Freyre em Casa-Grande e Senzala, ao falar da presença escrava
feminina na iniciação sexual dos filhos dos senhores de engenho. Freyre (2003) relata o
crescimento e predileção do menino “sempre rodeado de negra ou mulata fácil”
(FREYRE, 2003, p.368). Mulheres que, na condição de servas, ficaram associadas à
sexualidade exacerbada e acabavam sendo usadas pelos homens ricos também como
escravas sexuais.
Lima (2001) reitera que o estereótipo da mulher negra sensual é um dos mais
conhecidos e explorados em praticamente todo tipo de obra, seja literária ou televisiva.
Para ela, com o passar do tempo, a cor da pele negra tornou-se “um signo para invocar
5 Disponível em: < http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/63> Acesso em: 10 de fevereiro de 2016. 6 Canção de Bororó, interpretada pela cantora (negra) Luciana Mello.
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sensualidade e outros atributos a ela ligados” (LIMA, 2001, p.93), basta lembrar das
passistas de escolas de samba tantas vezes representadas nas telenovelas, como Andreia
(Débora Nascimento) e Gislaine (Juliana Alves) em Duas Caras (2007) ou, mais
recentemente, a ex-rainha de bateria que volta ao posto Juliene Matos, que é vivida pela
atriz Cris Vianna, em Império (2014).
Lima (2001) defende que o estereótipo da sensualidade associada à pessoa
negra, apesar do lado minimamente positivo de uma tentativa de valorização da beleza,
também reforça mitos racistas ligados à capacidade intelectual, como aqueles que
“veem no negro bom desempenho apenas no que diz respeito à força física, ficando a
emoção e a inteligência como privilégio de branco” (LIMA, 2001, p.93).
Para Barbosa (2004), além de remeter à questão sexual, o título da trama
também acaba por fazer uma associação discutível – a relação do ser negro ao pecado.
A transgressão contra Deus, na verdade, é umas das teorias para o próprio surgimento
do racismo, como aponta Munanga (2003), fazendo referência ao nono capítulo de
Gênesis, livro bíblico, em que Noé amaldiçoa os descendentes de Cam, um dos seus
filhos, que seria ancestral da raça negra. Na maldição, Noé diz que os filhos de Cam
serão escravizados pela descendência dos irmãos.
Na trama, o racismo está presente, sobretudo, na figura de Bárbara Campos
Sodré (Giovanna Antonelli) e de Afonso Lambertini, pai de Paco. A vilã, como explana
Barbosa (2004), representa o preconceito de forma mais escancarada e agressiva – o que
sempre está relacionado nas novelas ao personagem que representa uma postura sem
escrúpulos, mau caráter, e nunca como um problema social real e presente no cotidiano.
“É como se a prática racista tivesse relação direta somente com as pessoas de reputação
duvidosa” (BARBOSA, 2004, p.7).
Em diversos momentos, Bárbara não polpa expressões que diminuem e
denigrem Preta, como quando descobre o relacionamento da moça com Paco, no quinto
capítulo da novela. A vilã faz questão de acentuar as características físicas de Preta.
“Todos os meus piores pressentimentos eram verdade. Ele [Paco] está com outra
mulher, está com uma negra, ‘negrinha’. Uma ‘negrinha’ maldita e desgraçada. Por que
ele me trocou por uma negra?” (DA COR DO PECADO, 2004).
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Afonso Lambertini, por sua vez, de acordo com Barbosa (2004), expressa o
racismo “à brasileira”, relativista. Por ter carinho e simpatia por Raí (Sérgio Malheiros),
seu neto biológico, o empresário tenta manter uma relação superficial com Preta,
mesmo não aceitando a ideia de Paco ter tido um filho com uma mulher negra e pobre.
Demora praticamente a novela inteira até que o avô reconheça o neto. O personagem
carrega o racismo na medida em que, “pelas diferenças biológicas e características
físicas, faz o julgamento de valores éticos e morais dos negros que estão a sua volta”
(BARBOSA, 2004, p.8).
Afonso é o racista que “tem jeito”, pois demonstra tolerar um negro
“incolor” (Felipe), mas mesmo assim o coloca em segundo lugar na
empresa. Afonso também não esconde seu amor pelo neto, filho de
Preta. É o tipo que pode migrar de uma postura abertamente racista
para a de “racismo cordial”, ou mitigado. (OLIVEIRA; PAVAN, s.d.,
p.10).
Trata-se claramente do recorrente mito da democracia racial, explicado por
Araújo (2008), que torna mais fácil reconhecer o mulato, moreno, mestiço, caboclo do
que o negro propriamente dito. A postura racista de Afonso também é visível em
relação ao tratamento que dá a Felipe, seu braço direito na empresa. O ponto alto disso é
o momento em que o empresário nomeia outra pessoa para o cargo de vice-presidente
da área de comunicação social do grupo, no capítulo 18 da trama. Mesmo visivelmente
desapontado por não ganhar o cargo e sabendo de próprio potencial, Felipe continua
trabalhando para o grupo e se sujeitando ao patrão. Por isso, é possível, por meio da
construção do personagem Afonso, perceber ainda o recorrente estereótipo da
inferioridade do negro diante de pessoas da cor branca.
É comum o negro não ser considerado um indivíduo e sim a
representação coletiva de um grupo marcado por uma estereotipia
negativa. É isso que se vivencia no mundo real e é representado na
ficção. De forma consciente ou não, a reprodução de estereótipos e,
consequentemente, o racismo e a branquitude estão presentes na
televisão. (BARBOSA, 2004, p.9).
A opinião de Barbosa (2004) também é embasada em outro momento da
telenovela, quando um documento importante da empresa desaparece e as suspeitas de
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Afonso recaem imediatamente contra Felipe, funcionário antigo e até então de
confiança.
O personagem Felipe Garcia (Rocco Pitanga), por sua vez, aparece na trama
como o único negro aparentemente bem-sucedido profissionalmente. Ele cursou o
ensino superior e, em quase toda a história, aparenta ser uma peça importante na
administração da empresa. O que poderia aparecer na telenovela como uma ascensão da
figura negra acaba o enquadrando no mesmo patamar dos outros personagens.
Toda a capacidade profissional de Felipe, no entanto, parece não ter nenhuma
serventia sem a benevolência de Afonso, apresentado como a única pessoa capaz de
empregá-lo. Ainda no início do folhetim, cansado dos abusos e humilhações do patrão,
Felipe pede demissão, mas, após várias tentativas de conseguir outro trabalho, mesmo
com um bom currículo. Ele aceita a oferta de Afonso, voltando à firma e aos abusos do
patrão.
Santos, Silva e Rocha (2012) pontuam que a identidade construída em Felipe é
a do “‘negro de alma branca’, ‘bonzinho’, submisso, fiel ao patrão branco, de valores
‘embranquecidos’” (SANTOS; SILVA; ROCHA, 2012, p.87). Como lembra Araújo
(2008), a ideologia do branqueamento, muito presente nas produções televisuais no
Brasil, diz respeito ao negro que não possui em si características que remetem
propriamente ao povo negro, do ponto de vista da valorização cultural. Pelo contrário,
apesar da cor da pele, o personagem carrega aspectos muito mais atribuídos aos
brancos, bem como a característica de sujeição a eles, endossando um discurso de
superioridade racial.
Felipe aceita ser subalterno em dois momentos importantes de sua
vida: aceita ser subalterno na empresa que trabalha, aceita ser
subalterno no coração da mulher que ama (Preta). Tanto na empresa,
como no coração de Preta, os primeiros são brancos. A sua posição de
negro bem-sucedido aparece como resultado de ser bem comportado
(isto é, não entrar em confronto com os seus antagonistas brancos)
(OLIVEIRA; PAVAN; s.d., p.10).
Paco, por sua vez, surge como o homem branco rico, porém sem apego ao
dinheiro, totalmente honesto e puro. Um verdadeiro príncipe encantado dos contos de
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fadas, expressão citada algumas vezes em diálogos no início do folhetim. Segundo
Santos, Silva e Rocha (2012), na trama, Paco “representou a altivez, a dignidade, era
bondoso, e ao mesmo tempo corajoso e ativo na trama” (SANTOS, SILVA; ROCHA,
2012, p.87).
Além disso, segundo Oliveira e Pavan (s.d.), Paco demonstra total tolerância
racial na relação com Preta, apontando para a ideia defendida pela telenovela de que o
amor vence todas as coisas, inclusive o preconceito. O racismo demonstrado em “Da
Cor do Pecado” aparece também, algumas vezes, às avessas, como na forma que Preta
se refere à Lita, mãe dela, que se opõe à relação do casal. “Ela é cheia de preconceito.
Acha que todo homem branco do Sul vem só para se aproveitar das ‘neguinha’ do
Maranhão” (DA COR DO PECADO, 2004). Outro momento é quando a mãe fala da
predileção por Dodô, ex-namorado de Preta, por ele ser negro, e Preta a repreende.
“Preto tem que casar com preto e branco tem que casar com branco. A senhora está
parecendo aquele Leôncio, da Escrava Isaura. Está racista que nem ele” (DA COR DO
PECADO, 2004).
Diante das representações incluídas na telenovela, torna-se relevante
compreender, à luz de Hall (2006), que a cultura popular possui o maior domínio sobre
a cultura global. O autor defende que a cultura popular se tornou o espaço onde é
realizada uma mercantilização de valores e ideias, havendo o engendramento cultural
com circuitos de poder e capital. Em outras palavras, trata-se do fato de interesses
dominantes estarem exercendo influência sobre a cultura popular e a presença de
estereótipos, como os que podem ser vistos em nuances das personagens negras de “Da
Cor do Pecado”, existem por determinados motivos.
Sobre essas relações de poder existentes no campo das representações, em
conformidade com Hall (2006), Faria e Fernandes (2007) defendem a ideia de que a
teledramaturgia não interfere na realidade através de uma narrativa desligada de
vertentes ideológicas. O intuito com isso, segundo as autoras, é galgar a construção da
realidade. “Sendo essa construção perpassada nitidamente por processos de controle
político da realidade que objetivam homogeneizar o coletivo” (FARIA; FERNANDES,
2007, p.4).
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No entanto, para Hall (2006), não importa quanto o negro é representado de
forma subversiva na cultura popular, porque, nesse contexto, existe a necessidade de
visualizar além. Todas as características, como expressividade, musicalidade, oralidade
e narrativa, permitem que venham à superfície “elementos de um discurso que é
diferente – outras formas de vida, outras tradições de representação” (HALL, 2006,
p.324). Portanto, mesmo em meio aos estereótipos, a figura do negro em produções
televisivas, por exemplo, possui grande importância.
Para Faria e Fernandes (2007), por trazer uma protagonista negra no horário
das 19h na maior produtora de telenovela no país, “Da Cor do Pecado” representa um
avanço à medida que conseguiu levar, mesmo que indiretamente, no amor inter-racial, a
discussão do racismo como um conflito de natureza definitiva, ou seja, permanecendo
na trama do início até o final. É importante lembrar que, segundo as autoras, a escassez
de protagonistas negros nas tramas se deve, em concordância a Araújo (2008), à
necessidade das produções em mostrar o Brasil como um suposto lugar onde habita a
democracia racial e reafirmar na figura do “mulato” a maior expressão da identidade
nacional.
Preta possuía uma identidade com algumas nuances. Se por um lado
demonstrava força e independência financeira, como quando decidiu vender tapiocas
para se manter no Rio de Janeiro, por outro assumia uma postura de passividade no que
diz respeito à relação com Paco. Em alguns momentos, ela lutou para provar ao homem
branco e rico que seu amor era verdadeiro e que não estava interessada no dinheiro dele.
Devido a isso, acabava se portando como “vítima, frágil, que necessita de apoio,
proteção, dó” (OLIVEIRA; PAVAN, s.d., p.9).
A perspectiva de inferioridade da moça se revela antes mesmo de descobrir que
Paco é rico, apontando para uma relação de desigualdade racial e até estética. Ainda no
primeiro capítulo da telenovela, quando ainda eram praticamente desconhecidos, Preta
desacredita no amor sincero de Paco. “Um rapaz bonito como você, lá do Sul, deve ser
de boa família, deve ter uma namorada, vai querer o quê comigo? A gente não tem
futuro” (DA COR DO PECADO, 2004). A dúvida referente às diferenças dos dois se
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repete também em outros momentos em expressões como: “o que alguém como você
pode querer comigo?” (DA COR DO PECADO, 2004).
O que é perceptível em “Da Cor do Pecado” é que, apesar do romance inter-
racial suscitar a temática do racismo durante toda a trama, a ideia do “amor vence tudo”
termina por tentar diminuir a discussão, fato recorrente nas telenovelas, conforme Lima
(2001). Normalmente, os conflitos puramente amorosos acabam por diluir um debate
sobre o assunto, o que poderia ocasionar reflexões relevantes sobre a sociedade
brasileira.
Aliada à falta de profundidade na abordagem do tema, a construção das
identidades negras nas telenovelas, incluindo “Da Cor do Pecado”, muitas vezes
deformadas e ainda baseadas em alguns estereótipos, gera, segundo Lima (2001), outras
identidades na vida real que refletem aquelas vistas na televisão.
Santos, Silva e Rocha (2012) afirmam que, apesar de ter se apresentado como
uma forma de valorização do negro, sobretudo pelo fato de ter escalado uma atriz negra
como protagonista, “Da Cor do Pecado” revelou indicadores de um novo racismo,
“quando novas estratégias de desvalorização, em geral mais sofisticadas, são utilizadas
para a discriminação racial” (SANTOS, SILVA; ROCHA, 2012, p.87).
Por outro lado, é indiscutível, e também precisa ser apontada, a importância da
presença negra no centro de uma telenovela de tão grande audiência na Rede Globo.
Araújo (2008) considerou o papel de Preta de Sousa, dentro desse contexto, um fator
inédito principalmente para a autoestima de crianças e adolescentes afro-brasileiras,
“quebrando paradigmas e estereótipos sobre o negro brasileiro” (ARAÚJO, 2008,
p.981).
Considerações finais
“Da Cor do Pecado” foi um marco na história da televisão brasileira,
sobretudo, em relação à presença do negro nas produções teleficcionais da Rede Globo,
ícone do gênero também no exterior. A importância da telenovela é confirmada
principalmente quando se leva em consideração a quantidade de tempo que um negro
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esteve no ar e, consequentemente, habitando na casa e no imaginário dos
telespectadores.
Se no passado praticamente todos os personagens negros eram relegados a
tramas secundárias, tendo pouca relevância no desenvolver da história, Preta de Souza,
por meio de sua luta pela felicidade, mesmo que indiretamente, faz importantes
reflexões sobre o andamento da sociedade da época. Ainda que não tenha tido a
proposta direta de refletir sobre o papel do negro no Brasil, “Da Cor do Pecado”
revelou, por intermédio da construção dos personagens (negros e brancos), que o gênero
telenovela ainda não sabia lidar com um negro no centro de uma produção.
A repetição, mesmo que sutil, de estereótipos como a sensualidade da mulher
negra e a superioridade profissional branca mostraram um reportório ainda limitado de
formas de representação da população negra na teledramaturgia. As imagens e música
da própria abertura da novela podem ser encaradas como uma tentativa de valorização
estética da pele negra, ainda que por muitos anos essa correlação tenha sido
extremamente explorada e, por isso, se tornado um lugar-comum e até pejorativa.
Se por um lado houve a exaltação dos atributos físicos, por outro não foi
possível visualizar a ascensão profissional do negro. Porém, com isso, também houve a
perpetuação de um referencial bastante comum: a ausência de negros em cargos
importantes – fator que, apesar da gradativa modificação na vida real, também pode ser
visualizado no cotidiano. O personagem Felipe Garcia representa essa realidade de
forma escancarada, porque, mesmo qualificado profissionalmente, aparece
condicionado a ser bem-sucedido mediante submissão a um patrão branco que
frequentemente o humilha.
As situações de racismo vivenciadas por Felipe vão além do mercado de
trabalho. No dia a dia, o personagem se vê obrigado a adotar uma postura sempre
submissa diante dos superiores brancos, algo não muito distinto de personagens
anteriores mostrados nas telenovelas, configurando também um estereótipo.
A criança Raí, filho de Paco e Preta, também revela aspectos importantes na
telenovela. A empatia que o personagem suscita em relação ao avô – diferente das
evidentes diferenças que Afonso tem com Preta – demonstra outro aspecto aprisionador
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dos personagens negros na teledramaturgia brasileira. Por meio de Raí, visualiza-se que
a telenovela lida melhor com a figura do mulato. O discurso, então, tenta mascarar a
dificuldade em se lidar com a pessoa negra, reflexo ainda de uma mentalidade enraizada
nos anos de escravidão.
Outro ponto importante observado em “Da Cor do Pecado” é a questão do
relacionamento inter-racial entre Preta e Paco, apresentado na trama como algo distante
da realidade, apesar da história se passar na atualidade – a primeira fase no ano de 1996
e a segunda em 2004. Ter esse tipo de relação como mote de uma produção
contemporânea acaba representando um retrocesso na medida em que denota – uma vez
que não houve discussão sobre o tema – que a aproximação dos dois ainda pode ser um
escândalo na sociedade.
Além disso, o amor entre Paco e Preta é alvo, sobretudo na figura da mãe da
heroína, de uma espécie de racismo ao contrário, o que pode ser extremamente
prejudicial na representação do negro. Esse tipo de preconceito desvirtua
completamente os papéis do oprimido e do opressor. Em um país que vivenciou mais de
três séculos de escravidão, com reflexos presentes até os dias atuais, ver na televisão um
branco sofrer preconceito, ser injustiçado, cria terríveis referenciais na luta por
igualdade racial.
À medida que “Da Cor do Pecado” – a primeira novela da emissora a ser
protagonizada por um negro – se propõe a representar personagens ainda inferiores,
acaba ocorrendo o reforço de um imaginário social muito conhecido na história da
televisão. Além disso, entendendo o gênero como um importante mecanismo de criação
de identidades, pode-se afirmar que a subalternização do negro se torna extremamente
prejudicial para o telespectador, que permanece sem bons referenciais.
Por fim, apesar de tudo, é importante reconhecer a relevância de “Da Cor do
Pecado” em comparação a todas as telenovelas produzidas anteriormente, que
trouxeram imagens bastante cruéis no que diz respeito à figura do negro. No entanto,
fica evidente que, diferente da ideia de que o folhetim foi um oásis diante do histórico
de ausências, a trama não foi escrita para exaltar a cor ou trazer reflexões relevantes
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sobre as desigualdades, tendo em vista que reproduziu vários dos estereótipos
amplamente difundidos na televisão.
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DIA INTERNACIONAL DA MULHER PELOS JORNAIS
A GAZETA, O RIO BRANCO E PÁGINA 20 NOS ANOS DE 2012 E 20131
Anaís Cordeiro de Medeiros2
RESUMO: Este artigo é um recorte da monografia “Análise de conteúdo das matérias
do Dia Internacional da Mulher dos jornais A Gazeta, O Rio Branco e Página 20 de
2012 e 2013” apresentada em dezembro de 2015 como Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC) no curso de Comunicação Social com habilitação em jornalismo na Universidade
Federal do Acre (Ufac). Para o estudo monográfico foi realizada a análise de conteúdo
de 21 matérias e este artigo pretende trazer a discussão dessas matérias. O objetivo é
verificar como os textos jornalísticos apresentam a figura da mulher no Dia
Internacional da Mulher em matérias veiculadas em três dos principais jornais de Rio
Branco, capital do Acre, em 2012 e 2013. O estudo buscar apontar os erros e acertos de
repórteres e editores nas reportagens que remetem às mulheres no dia em que elas são
ou deveriam ser a notícia. Neste artigo foram utilizados teóricos do jornalismo como
Juarez Bahia, Clóvis Rossi, Ciro Marcondes Filho e Mario Erbolato.
PALAVRAS-CHAVE: questão de gênero; Dia Internacional da Mulher; jornalismo.
“As grandes datas devem ser pautadas com antecedência, a fim de que haja
possibilidade para prepará-las” (ERBOLATO, 2008. p. 180). A afirmação de Mário
Erbolato evidencia a importância do planejamento para que o jornalista seja capaz de
cobrir não só fatos do dia-a-dia, mas preparar conteúdos de uma forma mais
aprofundada. Neste capítulo, será feita a análise de conteúdo das edições do Dia da
Mulher dos anos de 2012 e 2013 dos jornais A Gazeta, O Rio Branco e Página 20,
totalizando seis edições e 21 matérias.
Compreende-se que o Dia Internacional da Mulher é um dia que representa a
luta pela igualdade entre mulheres e homens. O combate à opressão feminina e a
subordinação da mulher para com o homem, devem estar presentes nas páginas dos
1 Trabalho apresentado na Linha Temática de Jornalismo da V Seacom da Ufac
2 Graduada no curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Universidade Federal do
Acre (Ufac), e-mail: [email protected]
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jornais, já que, segundo o Artigo 3 do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, o
exercício da profissão é uma atividade de caráter social. Mais do que um dia de
comemoração, em que mulheres são presenteadas com flores, chocolates e um dia de
beleza, a data deve lembrar que, apesar dos avanços, há muito que se fazer, até que
mulheres e homens desfrutem dos mesmos direitos e liberdades. Este dia, é uma
oportunidade para que o jornalista contribua para combater a desigualdade social.
Em 1975, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o dia 8 de março
como Dia Internacional da Mulher, mas a origem da escolha desta data ainda é tema de
discussões para pesquisadores, como expõe a socióloga Eva Alterman Blay (2001), no
ensaio “8 de Março: Conquistas e Controvérsias”. Para ela, a história da data é
reproduzida carregada de distorções.
No Brasil, a associação entre o incêndio que vitimou centenas de mulheres em
uma fábrica têxtil, nos Estados Unidos, é constantemente utilizada para contextualizar a
data. Inclusive, poderemos identificar um exemplo desta associação em uma das
matérias analisadas a seguir neste trabalho. No entanto, a socióloga defende que o
incêndio na fábrica Triangle Shirtwaist Company, ocorrido não no dia 8, mas 25 de
março de 1911, apesar de ter contribuído para estimular as manifestações já existentes,
que reivindicavam melhores condições de trabalho não só femininas, mas dos
trabalhadores em geral, não tem ligação direta com a instituição do Dia Internacional da
Mulher. Ela explica:
Na década de 60, o 8 de Março foi sendo constantemente escolhido
como o dia comemorativo da mulher e se consagrou nas décadas
seguintes. Certamente esta escolha não ocorreu em consequência do
incêndio na Triangle, embora este fato tenha se somado à sucessão de
enormes problemas das trabalhadoras em seus locais de trabalho, na
vida sindical e nas perseguições decorrentes de justas reivindicações.
(BLAY, 2001. p. 605)
Para Basthi (2011), a imprensa é capaz de contribuir para a produção de
conhecimento voltado ao desenvolvimento da consciência social da sociedade. Esse
poder é subutilizado quando o editor opta por reproduzir matérias de assessoria de
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imprensa, superficiais, e que até desqualificam o Dia Internacional da Mulher,
reforçando a ideia de que este seja apenas um dia comemorativo.
De acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia, edição 2015, encomendada pela
Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República ao Ibope, os jornais
impressos são a fonte de informação mais confiável dos brasileiros. Apesar de a
pesquisa ter apontado que o principal veículo do país continua sendo a televisão, com
97% de preferência dos brasileiros, o levantamento apontou que 53% dos entrevistados
que usam o jornal impresso afirmam confiar sempre ou muitas vezes em seu conteúdo.
A pesquisa ouviu mais de 18 mil pessoas, em quase 850 municípios. Tendo em vista a
confiabilidade dos brasileiros nos jornais impressos apresentada na pesquisa, deve-se
questionar com mais seriedade e rigor o conteúdo reproduzido por esses veículos, afim
de que estes não estejam sendo, na verdade, reprodutores de ideias que não caminham
lado a lado com a realidade da sociedade, e principalmente, das mulheres.
A dificuldade em obter as edições dos jornais analisados foi um dos maiores
empecilhos durante a produção deste trabalho. Inicialmente, a pesquisa estava voltada
para estudar edições recentes dos quatro principais jornais de Rio Branco: A Gazeta, O
Rio Branco, Página 20 e também A Tribuna. No entanto, A Tribuna não possuía um
arquivo disponível para pesquisa (nem físico, e nem digital), o que ocasionou a exclusão
do jornal desta análise.
As edições de 2014 também estariam presentes na pesquisa, mas a falta da
edição do jornal O Rio Branco deste ano impossibilitou a inclusão das edições de 2014
na pesquisa. Esta edição do jornal não fora encontrada nem em versão física nem em
versão digital. As edições de 2015, ano em que essa pesquisa foi produzida, também
não foram analisadas, pois o especial do jornal Página 20 foi produzido pela própria
pesquisadora, quando estagiava no mesmo, o que torna a análise imprópria.
Desta forma, os anos de 2012 e 2013 foram escolhidos por se tratarem das
edições mais recentes que continham matérias nos jornais A Gazeta, O Rio Branco e
Página 20. Esses jornais também possuíam uma grande quantidade de matérias do Dia
Internacional da Mulher (21 matérias no total) o que possibilitaria uma mais ampla
análise de conteúdo.
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8 DE MARÇO DE 2012
O primeiro texto analisado, do jornal A Gazeta, edição 7.749, de 8 de março de
2012, traz já na capa uma manchete que sugere uma reportagem especial relacionada à
mulher e ao mercado de trabalho. Com o título “Elas conquistaram um lugar que não é
mais só deles”, a matéria apresenta de forma pouco aprofundada, a oficial do Corpo de
Bombeiros, Francisca Fragoso dos Santos. A jovem que trabalha há quatro anos como
militar é usada para ilustrar a presença de mulheres em “profissões consideradas
masculinas”, uma abordagem já recorrente, que se repete, por exemplo, na edição 4.496,
no ano de 2013, do jornal Página 20.
A matéria mostra-se superficial por, apesar dar enfoque à escolha da profissão da
personagem, não esclarece, por exemplo, o motivo de Francisca Fragoso ter escolhido
seguir a carreira de militar. Além disso, apesar de afirmar ter sofrido “preconceitos”, a
matéria não trouxe nenhum relato que ilustrasse a situação.
Ao optar por abordar a mulher no mercado de trabalho, a matéria poderia ter
escolhido um direcionamento que discutisse a desigualdade salarial entre mulheres e
homens, a jornada dupla de trabalho da mulher, e até mesmo a necessidade de
construções de creches de viabilizem que mães estudem e/ou trabalhem mesmo quando
as crianças ainda são pequenas.
Ainda nesta edição, o jornal A Gazeta apresenta um exemplo da invasão das
assessorias de imprensa nos jornais, assim como apontou Adghirni (2004). A matéria,
produzida na Agência de Notícias do Tribunal de Justiça do Acre, de caráter unicamente
informativo, fala sobre o levantamento estatístico que possibilitou traçar o perfil dos
agressores e vítimas que passam pela Vara de Violência Doméstica e Familiar de Rio
Branco.
Uma matéria de assessoria tem, como único objetivo, divulgar as ações
desenvolvidas pelo órgão, como no caso da matéria produzida pela assessoria do
Tribunal de Justiça. Para Adghirni, a produção do assessor e a do jornalista se
diferencia:
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Deixando de lados as inúmeras definições de jornalismo consagradas,
vamos simplificar e dizer que jornalismo é investigativo e produz
notícias para o público consumidor dos veículos comerciais enquanto
que o assessor de imprensa produz pautas, na forma de press releases
ou não, decorrentes de uma atividade muito complexa, mas pode ser
resumida como um trabalho que consiste em ajudar o cliente a
discernir o que é notícia ou não e a se relacionar com a imprensa.
(ADGHIRNI, 2004. p. 13).
Desta forma, questiona-se o editor do veículo que opta por reproduzir uma
matéria de uma assessoria. Mesmo que a matéria trate de uma questão ligada à mulher,
no caso, a violência doméstica, da forma com que é apresentada ela não beneficia a
sociedade, ou as mulheres vítimas de violência, mas unicamente divulga as ações
desenvolvidas pelo assessorado, a Vara de Violência Doméstica e Familiar e o Tribunal
de Justiça. Lembrando que, assim como defende Bahia (2009), o editor deve buscar
constantemente atender o leitor e suas necessidades, não as de órgãos ou empresas.
Em 2012, o jornal O Rio Branco, na edição 10.244, apresenta uma reportagem
especial, central do jornal, dedicado às mulheres, a maioria acreanas, que se destacaram
por chegar a cargos de poder e liderança. As histórias das políticas Marina Silva, Nalú
Golveia, Ariane Cadaxo, na época vereadora de Rio Branco; da delegada Áurea Denne;
da gestora pública Sawana Carvalho, na época diretora do Departamento Estadual de
Trânsito do Acre (Dentran/AC); além da luta de Maria da Penha pela criminalização da
violência doméstica e a vitória de Dilma Rousseff à presidência da República,
ilustraram o destaque da mulher nos espaços de poder. No entanto, uma história destoa
das demais.
Em meio às histórias de mulheres que se sobressaíram no cenário político
acreano e brasileiro, apesar deste não ser dos mais favoráveis, como pudemos ver na
primeira parte deste trabalho, está a dona de casa Jeovânia Negreiros, de 32 anos.
Segundo o texto, ela é a responsável pelos afazeres domésticos, cuidados com as
crianças e ainda com o marido, estando presa a essa rotina. “É uma rotina dura, mas
com fé em Deus eu me renovo todos os dias”, diz ela. (CAVALCANTE, 2012. p. 5)
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Com a história da dona de casa, podemos observar uma série de construções
culturais de gênero, combatidas não só no Dia da Mulher, mas por algumas das
mulheres citadas na própria matéria. A reportagem possui traços de contradição, isso
porque as atribuições da personagem Jeovânia Negreiros, não conversam com a
liberdade e conquistas das demais personagens da matéria.
A reportagem apresenta uma lacuna quando apresenta Negreiros, uma dona de
casa na qual outras mulheres poderiam se identificar com mais facilidade, de forma
descontextualizada e distante do cenário promissor de mulheres de destaque na
sociedade. Caso a matéria tivesse interesse em fazer o contraste entre as realidades das
personagens, abrangendo as histórias com mais detalhes, e incluindo outras mulheres
que, assim como Negreiros, possuem mais deveres do que direitos, a reportagem se
apresentaria de outra forma.
A última matéria referente ao Dia Internacional da Mulher, no jornal O Rio
Branco, edição 10.244, não será analisada neste trabalho por compreender-se que se
trata de uma matéria de serviço informando a transferência do feriado pelo Estado e
prefeitura. Em 2012, o jornal Página 20, edição 4.666 (Anexos 06, 07,08 e 09), traz a
trajetória da secretária municipal da Mulher, Rosali Scalabrin, que naquele ano seria
homenageada pelo Senado Federal por seu trabalho social. Na época, Scalabrin estava à
frente da Coordenadoria da Mulher, em Rio Branco.
No texto são contadas as histórias da secretária e da Casa Rosa Mulher,
organismo municipal fundado em Rio Branco em 1994, e que presta atendimentos para
mulheres de vítimas de violência que vivem em situação de baixa renda. A homenagem
prestada pelo Senado, a outorga do Diploma Bertha Lutz, também recebeu destaque na
matéria, e teve sua história contada.
O extenso especial, no entanto, não foi produzido pelo jornal, mas trata-se de
uma matéria da assessoria de imprensa da prefeitura de Rio Branco, justamente a
instituição que estava tendo uma de suas funcionárias e órgão subordinado,
homenageados. A matéria não está assinada pela assessoria.
Independentemente do trabalho desempenhado por Rosali Scalabrin, e do
serviço prestado pela Casa Rosa Mulher, que não são questionados neste trabalho, mas a
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reprodução de conteúdo de uma assessoria dá margem que apenas uma versão da
história seja contada, além de promover o órgão, abrindo mão da criticidade que, de
acordo com Clóvis Rossi (1988), é um elemento fundamental do jornalismo.
No jornalismo, e ainda mais na reportagem, o jornalista deve colher informações
exaustivamente no intuito de explorar o assunto ao máximo, e por isso, não deve se
basear em apenas um lado da história, como reforça Juarez Bahia, “É fundamental ouvir
todas as versões de um fato, para que a verdade apurada não seja apenas a verdade que
se pensa que é, e sim a verdade que se demonstra e, tanto possível, se comprova”
(BAHIA, 2009. p. 62).
Como já mencionado, a história do Dia Internacional da Mulher é reproduzida
no Brasil como uma homenagem diretamente relacionada ao incêndio da fábrica
norteamericana Triangle Shirtwaist Company, no entanto, a socióloga Eva Alterman
Blay (2001) afirma que a história vem sendo contada e recontada através de distorções
históricas. Na edição 4.666 do Página 20, o mito é reproduzido em um box,
acompanhando os números de atendimentos prestados pela Casa Rosa Mulher.
Seguindo o pensamento anterior de Jurez Bahia, é questionável, em uma época
que a internet pode suprir as limitações de informação, cultura e conhecimento de
qualquer jornalista disposto a ir além do que já está exposto, que uma única e
questionável versão de um fato histórico seja reproduzido como verdade.
Sente-se o descaso do jornalista no aprofundamento da pesquisa, com o intuito
de que o que seja reproduzido seja o mais próximo da realidade. Reconhece-se neste
sentido, assim como expõe Marcondes (2002), que a superficialidade e
irresponsabilidade tornaram-se características do conteúdo produzido pelos jornalistas,
onde a apuração correta dos fatos perde cada vez mais espaço para o imediatismo. Bahia
reforça, “a apuração dos fatos está na essência do jornalismo” (BAHIA, 2009. p. 69).
Ainda como parte do especial produzido pela assessoria da prefeitura, há a
participação de um dos seus profissionais, o fotógrafo Marcus Vicentte, em um
concurso que preparou uma exposição voltada para o conhecimento da realidade das
mulheres na sociedade contemporânea. A imagem mostrada nesta exposição é de uma
ribeirinha, no Parque Estadual do Schandless, localizado na região centro-oeste do Acre,
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preparando o solo para ser semeado. Apesar de o registro ter sido feito em 2009, poderia
ter partido dos responsáveis pelo jornal que recebeu essa matéria a ideia de ser feita uma
criativa reportagem, que descartaria e/ou complementaria a matéria enviada pela
assessoria. “Quem é essa mulher?”, “Qual o nome dela?”, “Como ela vive?”, “Como
atualmente vivem as mulheres ribeirinhas no Acre?”, “Qual a história dessas
mulheres?”, são perguntas que poderiam ter sido feitas e questionadas pelo jornalista.
De acordo com Erbolato (2008), a notícia encontra leitores, quando conta a
história de pessoas, mostrando suas dificuldades e desafios, que sirvam de lições para os
demais. O editor, que deve procurar incansavelmente a adesão do público ao conteúdo
produzido sob sua responsabilidade, deve saber que não irá encontrar leitores,
reproduzindo matérias de assessorias.
Ainda neste especial, deu-se espaço para, mais uma vez, promover ações ligadas
à prefeitura, divulgando, através da matéria “Secretaria Municipal da Saúde celebra o
dia da mulher”, ações oferecidas às funcionárias da secretaria. No entanto, que
relevância ações internas como essas teriam para o leitor? Além da desqualificação do
Dia Internacional da Mulher, com comemorações promovendo um “dia de beleza” às
funcionárias, a promoção de um evento como esse retoma a discussão de que a
reprodução dessas matérias tanto limita o espaço produtivo no jornal, quanto tem como
único beneficiário o assessorado.
8 DE MARÇO DE 2013
O jornal A Gazeta do dia 8 de março de 2013, edição 8.038, traz a cobertura de
um evento promovido pelo governo Estadual, cuja matéria recebeu uma grande
manchete na capa do jornal. No primeiro parágrafo, a matéria informa o leitor quanto a
origem do dia 8 de março, e a reprodução da história do incêndio na fábrica repete-se
mais uma vez. A matéria fala sobre o evento institucional de forma superficial a partir
de entrevista dada as autoridades envolvidas, mas não trabalha com a criticidade. Bahia
(2009) orienta que a função do repórter não se limita a apurar fatos e registrar citações.
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
Neste sentido, além de reproduzir os acontecimentos do evento, a matéria
poderia incluir a opinião não só daquelas autoridades envolvidas no evento, mas de
pessoas comuns, e suas aspirações quanto às ações empreendidas pelo Governo de
enfrentamento contra a violência, por exemplo. Dar a oportunidade de pessoas comuns
serem incluídas em discussões políticas, mesmo que somente através de matérias
jornalísticas, também é uma poderosa forma de inclusão.
Ainda nesta edição, o jornal A Gazeta inclui a cobertura de uma sessão na
Câmara de Vereadores, que homenageou o Dia Internacional da Mulher. A matéria,
“Data é lembrada pela câmara de Rio Branco”, assim como a que cobriu o evento
promovido pelo Governo Estadual, é básica e não se apresenta de uma forma criativa.
Apesar de produzidas por jornalistas do veículo, assemelham-se a matérias de
assessoria, que abrem mão da criticidade.
Pode-se observar ainda que, nessa matéria, é mais perceptível as características
de notícia, do que de reportagem em si, demonstrando a ausência, nesta edição, de uma
reportagem a respeito do Dia Internacional da Mulher. Segundo Bahia, “Tomada como
método de registro, a notícia se esgota no anúncio; a reportagem, porém, nos mostra
como isso se deu” (BAHIA, 2009. p. 62). Ao não trabalhar de forma aprofundada em
uma data que faz parte do calendário mundial, o jornal distancia-se da realidade. Mário
Erbolato (2008) destaca ainda que os jornais impressos, mais do que qualquer outro
veículo, devem apresentar a informação de forma aprofundada, infelizmente esta não é
uma realidade dos jornais analisados.
Mário Erbolato defende que, entre noticiar e interpretar, a interpretação é o mais
difícil de fazer, pois, segundo ele, “[...] no processo de pesquisa, de investigação e de
análise dos acontecimentos, os fatores subjetivos têm mais oportunidades de se
manifestar do que quando simplesmente são descritos os fatos.” (ERBOLATO, 2008. p.
35). Mesmo assim, o editor possui o poder e função de orientar o jornalista para que
não fique preso somente aos fatos, e desenvolva um texto capaz de atrair leitores. Além
disso, o jornalista deve ter a capacidade do domínio da linguagem para atrair os leitores.
Ao entrevistar os vereadores de Rio Branco, o jornalista poderia tê-los
questionado a respeito de leis e mecanismos discutidos na casa para assegurar a
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equidade de gênero, por exemplo, no entanto, perdeu a oportunidade de questionar o
poder público, o que confirma a teoria de Marcondes (2008), que afirma que jornalistas,
ao depararem-se com um mercado sempre em mutação e vivendo seus dilemas pessoas,
tornam-se incapazes de um tratamento mais denso nas matérias do cotidiano.
Na editoria de esportes, no entanto, é possível encontrar uma reportagem que,
apesar de não ter sido produzida pelo jornal A Gazeta, sendo uma reprodução de outro
veículo local, o site Globo Esporte Acre, poderia ter sido explorada pelo jornal A
Gazeta. A matéria “Cláudia Malheiro: a primeira técnica de um time masculino no
Brasil”, conta a história profissional de Cláudia Malheiro, que de jogadora veio a
comandar um time de futebol masculino. O editor perde ao não explorar essa história,
que atrairia leitores interessados não só na trajetória da técnica, como em futebol em si.
Na edição 8.039, de 8 de março de 2013 do jornal O Rio Branco, seis matérias
compõe o especial dedicado a data. Com os títulos : “Programação do Mês da Mulher é
aberta oficialmente”, “Sexta Temcomemora o mês da mulher com show acústico de
servidoras públicas”, “No dia Internacional da mulher, Hemoacre incentiva população
feminina a doar sangue”, “Via Verde Shopping tem programação especial no Dia da
Mulher”, “Biblioteca da Floresta comemora Dia da Mulher com homenagens”, e
“Seminário debate o papel das mulheres no Bolsa Família”.
As matérias não conversam entre si, cada uma aborda assuntos diferentes e
também foram produzidas por assessorias, tanto governamentais, como privadas, como
no caso da matéria “Via Verde Shopping tem programação especial no Dia da Mulher”,
fazendo deste um especial mais uma vez voltado para a divulgação das ações de
assessorados do que voltado à sociedade.
Em 2013, o jornal Página 20, em sua edição 4.956, trabalha, assim como fez o
jornal A Gazeta na edição 7.749 de 8 de março de 2012, com a inserção de mulheres em
“profissões consideradas masculinas”. A matéria produzida pelo jornalista do veículo
possui o título “A força está com elas” e conta a história de Julia Luma, de 55 anos, e
Lídia Maria, 28. As duas fizeram curso de mecânica em 2012 e começaram a trabalhar
na área. Além delas, Dayane Sampaio dos Santos, 27 anos, também conta sua
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experiência de participar do curso de mecânica do Programa Nacional de acesso ao
Ensino Técnico (Pronatec).
A matéria produzida pelo jornalista contratado pelo veículo, no entanto, não é a
de destaque na central, mas secundária a um texto produzido pela assessoria da
Federação das Industrias do Acre (Fieac). A produção da assessoria ocupa mais da
metade da central, com o título “Invasão Feminina”, referindo-se também à inclusão da
mulher em “profissões o consideradas masculinas”.
Além da repetida crítica à publicação de matérias de assessoria de imprensa nos
veículos analisados, entende-se que a falta de criatividade dos responsáveis pela edição
em particular, evidenciada com a repetição de um direcionamento, faz com que os
jornais locais percam características importantes do jornalismo e, por diversas vezes,
limitem o espaço produtivo do jornal.
A edição do dia 8 de março de 2013 do jornal Página 20 traz também outras
quatro matérias ao longo da edição que estão relacionadas às mulheres. Todas foram
assinadas por jornalistas, no entanto, esses profissionais produziram este conteúdo na
função de assessores ligados à Agência de Notícias do Acre e Departamento de Trânsito
do Acre (Detran/AC), o que faz destas matérias produções de assessorias de imprensa.
As matérias “Programação do Mês da Mulher é Aberta Oficialmente” (anexo 22)
e “Sexta Tem comemora o Mês da Mulher com show acústico de servidoras públicas”
são exatamente as mesmas matérias que foram publicadas pelo jornal O Rio Branco na
edição de 2013. Esse retrato demonstra que os jornais analisados apresentam-se como
cópias uns dos outros, oferecendo aos leitores exatamente o mesmo conteúdo. Apenas a
diagramação foi feita de forma diferente. A matéria “Programação do Mês da Mulher é
Aberta Oficialmente” ainda repete sem qualquer novidade a cobertura do evento que
ganhou destaque no jornal A Gazeta, mas em matéria produzida por jornalista do
próprio veículo.
Desta forma, assim como afirma Juarez Bahia (2009), é questionável que os
jornais analisados não busquem produzir os próprios conteúdos, reinventando-se e
produzindo matérias inovadoras que cumpram seu papel na sociedade.
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A matéria “Mulher no Volante, prudência constante” (anexo 23) produzida pela
assessoria do Detran/AC, defende a prudência das mulheres no trânsito, com a intenção
de desconstruir o estereótipo de que as mulheres não são motoristas perspicazes. Já no
título da matéria, questiona o ditado popular “Mulher no volante, perigo constante”. A
matéria criativa poderia ter sido usada como mote na produção de conteúdos produzidos
pelo próprio veículo Página 20.
“Brava Gente - Lúcia Carlos, a “mãe” do Samu no Acre” é uma matéria de perfil
que conta a história de uma enfermeira que comanda o Serviço Móvel de Urgência
(Samu) no Acre. Lúcia de Fátima Carlos Paiva Luna recebe destaque pelo trabalho que
desempenha em um cargo de chefia. Isso não é apresentado na matéria como antagônico
a seu papel de mãe, com todas as suas peculiaridades, o que contribui para que a
imagem da mulher que é mãe e desempenha cargos de chefia seja cada vez mais
encarada de forma natural.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi exposto em todo este trabalho, mesmo quando há necessidade
dos jornais A Gazeta, O Rio Branco e Página 20 se prepararem para cobrir uma data
como o Dia Internacional da Mulher, que faz parte do calendário mundial, os jornais
pecam pela falta de planejamento, aprofundamento, criticidade e criatividade. Os
jornalistas destes veículos parecem ainda não entender que, muito além de um dia de
comemorações, o Dia Internacional da Mulher é uma data para reconfirmar lutas que
ainda não foram vencidas, não somente pelas mulheres, mas por toda a sociedade.
Percebe-se ainda que esses jornais não trabalham de forma efetiva as pautas e
necessidades das mulheres, mesmo no dia 8 de março , excluindo de suas páginas
reflexões, discussões e entrevistas sobre a construção social da mulher, a sua
hipersexualização, dupla jornada de trabalho e a violência contra a mulher nos espaços
públicos e privados.
Até mesmo assuntos ligados a políticas públicas voltadas para as mulheres,
recorrentes nas páginas dessas edições, foram exploradas de maneira superficial e
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improdutiva. Percebe-se que há, desta forma, um distanciamento do jornalista, e aqui
reforça-se do editor, particularmente, que é o responsável pelo conteúdo do veículo, da
questão de gênero e pelo comprometimento em debater assuntos que contribuam para à
promoção dos direitos humanos.
A invasão de matérias das assessorias de imprensa nas páginas dos jornais
analisados sugere também um questionamento: se o poder público não realizasse ações
voltadas para o Dia Internacional da Mulher, os jornais rio-branquenses não fariam
qualquer menção à data? Atuam em Rio Branco também, duas secretarias voltadas para
políticas públicas para as mulheres, uma estadual e uma municipal, a Secretaria de
Mulheres do Estado do Acre (SEP/Mulheres) e a Secretaria Adjunta da Mulher em Rio
Branco (Semam). Diante disto, questiona-se se esses órgãos produzem conteúdos
utilizando-se de estatísticas, pesquisas, estudos de caso, capazes de fornecer insumos
para a produção dos jornalistas das redações, ou se essas assessorias trabalham
unicamente para promover as ações do Governo.
Apesar desta realidade em que a desigualdade é reforçada principalmente pelo
conteúdo inapropriado, é possível enxergar a mídia como aliada na promoção da
igualdade de gênero. Por isso a importância desse questionamento feito às mídias, a
análise e reflexão que este trabalho visou empreender.
A ausência de pauteiros nas redações dos jornais A Gazeta, O Rio Branco e
Página 20 apresenta-se como um fator que prejudica os periódicos, já que os editores
não conseguem dar conta de pautar os jornalistas para que estes produzam conteúdos
criativos e dentro dos princípios que regem o jornalismo, como a precisão na apuração,
ineditismo e benefício social.
As análises da realidade das mulheres ainda são pouco consistentes. Esta não é
uma realidade exclusiva dos jornais estudados e até mesmo do jornalismo brasileiro.
Ainda é preciso superar a barreira da sub-representação das mulheres não somente no
Acre ou no Brasil, mas em todo o mundo.
Referências Bibliográficas
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
GLOBO 50 ANOS: A RELAÇÃO DE AMOR E ÓDIO ENTRE A EMISSORA
CARIOCA E O TELESPECTADOR BRASILEIRO1
Anaís Cordeiro de Medeiros2
Luan Cesar de Oliveira3
Natan Peres da Silva Lima 4
Denis Henrique Araújo5
Francielle Maria Modesto Mendes6
Resumo
Um dos maiores conglomerados de mídia do mundo, de acordo com Miguel (2002) e
Lima (2004) é o Grupo Globo, que mantém na TV aberta uma emissora líder de
audiência. Este trabalho tem como finalidade relatar aspectos históricos importantes dos
50 anos da Rede Globo de Televisão, pontuando sua relação ética no jornalismo e suas
interferências na sociedade brasileira. O texto aborda ainda a ascensão da emissora
durante o regime militar, o vínculo com o telespectador, a rejeição de alguns formatos
televisivos incorporados após o cinquentenário e a consequente queda de audiência.
Para fundamentar esta análise serão utilizados, além dos autores já citados, Bergano
(2010), Barbosa (2010), Bucci (2000), Fadul (1994) e outros estudiosos ligados ao
tema.
Palavras-chave: Mídia, Televisão, Rede Globo.
Televisão no Brasil: um breve resgate histórico
A televisão no Brasil, na forma de estação transmissora de imagens e sons, com
sinal aberto ao público, surgiu na década de 1950. Esse foi o ano de implantação e
inauguração da primeira emissora televisiva do país, a TV Tupi Difusora, em São Paulo.
Ela fazia parte dos Diários Associados, primeiro grande conglomerado de comunicação
do país que agregava rádios, revistas, jornais e emissoras de televisão. A iniciativa de
trazer o novo veículo de comunicação se deu pelo empreendedorismo de Assis
Chateubriand, proprietário dos Diários Associados.
1Trabalho apresentado ao GT História do Jornalismo do IV Encontro Regional Norte de História da Mídia, realizado
em 19 e 20 de maio de 2016. 2 Graduada em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Acre (UFAC). 3 Graduando do curso do curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo da Universidade Federal do
Acre (UFAC). 4 Graduando do curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo da Universidade Federal do Acre (UFAC). 5 Graduando do curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo da Universidade Federal do Acre
(UFAC). 6 Professora do curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo da Universidade Federal do Acre.
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Mesmo com o pioneirismo, os primeiros passos da televisão brasileira se deram
de forma amadora. Barbosa (2010) vê esse início como uma fase experimental e sem
identidade da programação que as emissoras do país disponibilizavam para o público.
Apesar disso, o desenvolvimento do novo meio deu-se de forma rápida. No dia 20 de
janeiro de 1951 entrava em operação a TV Tupi do Rio de Janeiro, ano em que inicia a
fase de expansão do veículo no país.
Esse primeiro momento caracteriza-se pelo improviso, pela pouca
disponibilidade de receptores, em função também de seus altos custos, e,
sobretudo, pela experimentação de uma nova linguagem que levaria, pelo
menos, duas décadas para se estruturar.” (BARBOSA, 2010, p. 17).
De acordo com Barbosa (2010), ainda no ano de 1950, foram concedidas mais
duas concessões de emissoras de televisão. Surgiam em novembro daquele ano a TV
Record de São Paulo e a TV Jornal do Comércio de Recife. Proprietário de duas
estações, Chateubriand lançou em 1951, mesmo ano em que começaram a ser
produzidos os primeiros receptores televisivos no Brasil, uma ampla campanha no
intuito de estimular e alavancar a compra dos aparelhos. Ainda segundo a autora:
(...) o preço continuava proibitivo para a maioria da população: custava três
vezes mais do que um produto também objeto de desejo da classe média
ascendente: as radiolas. Em 1952 existiam em todo o país cerca de 11 mil
televisores. (BARBOSA, 2010, p. 20).
Mesmo com o alto custo dos receptores e o pouco número deles espalhados pelo
país, Barbosa (2010) destaca que as décadas de 1950 e 1960 representaram a eclosão em
massa de estações transmissoras de imagens e sons. Estava implantada com sucesso
absoluto a televisão no Brasil.
Apesar disso, os anos 1950 seriam marcados também pela expansão da
televisão como uma rede de imagens nas principais cidades do país: de 1955
a 1961 são inauguradas 21 novas emissoras. Em 1955, começa a funcionar a
TV Itacolomi (de Belo Horizonte). Quatro anos depois é a vez da TV Piratini
(de Porto Alegere) e a TV Cultura (de São Paulo). Em 1960, são inauguradas
a TV Itapoan (de Salvador), TV Brasília, TV Rádio Clube (de Recife), TV
Paraná, TV Ceará, TV Goiânia, TV Mariano Procópio (de Juiz de Fora), Tupi
Difusora (de São José do Rio Preto). E, no ano seguinte, seria a vez da TV
Vitória, TV Coroados, TV Borborema (de Campina Grande), TV Alterosa
(de Belo Horizonte), TV Baré, TV Uberaba, TV Florianópolis, TV Aracajú,
TV Campo Grande e TV Corumbá. (BARBOSA, 2010 p. 20).
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A televisão brasileira se consolidou e popularizou nos anos 1960. Alexandre
Bergano, no livro História da Televisão no Brasil, afirma que foi nesse período que
houve o que pode ser chamado e classificado como a fase de profissionalismo das
emissoras do país. Com isso, surgem “certas práticas de „como fazer televisão‟, assim
como outras são abandonadas, esquecidas ou profundamente transformadas.”
(BERGANO, 2010, p. 59). Os programas televisivos, que até então tinham a maneira de
ser herdada do rádio e do teatro, passam a criar uma linguajem própria.
A televisão foi gradativamente perdendo a característica de “lazer noturno
familiar” para, ao estender cada vez mais sua programação para o horário
vespertino e matutino, firmar-se como instrumento de “lazer” e de
“informação” para todos os seus membros, para isso ajustando-se, cada vez
mais, à rotina de horários de uma casa. A pioneira, nesse caso, foi a TV
Excelsior, do Rio de Janeiro, que, em 1963, passou a combinar uma
programação vertical (diferentes programas em um mesmo dia) com uma
horizontal (um mesmo programa exibido todos os dias no mesmo horário).
(BERGANO, 2010, p. 64).
TV Globo: o embrião de um conglomerado e a relação com a ética
É nesse contexto que em 1965, 15 anos após a inauguração da primeira estação
televisa do Brasil e um ano após a instalação do Regime Militar no país, entra em
operação a TV Globo, no Rio de Janeiro. Roberto Marinho, proprietário da emissora, já
comandava na década de 1960 o jornal O Globo, criado em 1925 por Irineu Marinho,
pai de Roberto, e a Rádio Globo, fundada em 1944. O novo meio de comunicação era o
passo inicial para a construção de um dos maiores conglomerados de comunicação do
mundo, as Organizações Globo, hoje chamada Grupo Globo, conforme pontua Lima
(2004).
A TV Globo do Rio de Janeiro, que entrou em funcionamento em 1965, foi o
primeiro passo para a construção da maior rede de comunicação do país e, ao
mesmo tempo, da empresa líder de um conglomerado econômico-financeiro
– as Organizações Globo – com interesses em áreas tão diversas que vão
desde os meios de comunicação de massa até uma fábrica de bicicletas.
(LIMA, 2004, p. 142).
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De acordo com Miguel (2002), a emissora carioca logo no início de suas
operações contou com apoio técnico e financeiro do grupo americano Time-Life. Lima
(2004) e Miguel (2002) apontam que tal financiamento com capital estrangeiro infringia
as legislações da época, que proibiam participação estrangeira em empresas de
comunicação do Brasil. Com a TV Globo desobedecendo as regras impostas na época,
uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi instaurada para investigar a estação
de Roberto Marinho. “De qualquer maneira, o aporte dos parceiros estrangeiros
permitiu que a Globo logo se destacasse tecnicamente das outras emissoras brasileiras e
alavancasse seu predomínio.” (MIGUEL, 2002, p. 34).
As estreitas relações com o Regime Militar, que tinha apoio expresso de Roberto
Marinho, também colaboraram para que a emissora carioca se expandisse nas décadas
em que os generais comandaram o país. O Regime via na televisão brasileira a maneira
de promover a “integração nacional” e propagar o “milagre brasileiro”, bandeira do
Governo Militar. Tal fato beneficiou a Globo, que de acordo com Lima usufruiu dos
satélites da Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel) para sua expansão – o
marco seria a criação do Jornal Nacional, primeiro noticiário em rede do Brasil – e o
encerramento da CPI Globo Time-Life.
Fica claro, a partir de então, o comprometimento recíproco entre o regime
autoritário e a Rede Globo. Esse comprometimento, iniciado por ocasião do
escândalo Time-Life, solidificou-se nos períodos Médici (1969-1974) e
Geisel (1974-1979), atingindo seu limite máximo no governo do general João
Batista Figueiredo (1979-1985), quando a Rede Globo, então já consolidada,
transformou-se em um verdadeiro “ministério da informação”, paralelo ao
governo e tão poderoso que se tornou capaz de desobedecer às
recomendações do próprio regime autoritário, por exemplo, no
encaminhamento da sucessão presidencial de 1985.” (LIMA, 2004, p. 158).
Bucci (2000) questiona a associação dos meios de comunicação aos grupos de
poder, sejam eles políticos ou econômicos. Para o autor, isso é prejudicial para a
democracia e para o cidadão comum. Já que manter estreitos laços com algum tipo de
regime, como fez a Rede Globo durante a Ditadura Militar nos governos exercidos por
ela, pode levar a ocultação de fatos importantes e beneficiar tais grupos: “A imprensa
deve informar a todos sem privilegiar os mais abastados, e também dar voz às diversas
correntes de opinião.” (BUCCI, 200, p. 12). O autor faz o seguinte questionamento:
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Como pode a imprensa fiscalizar o poder – um de seus deveres supremos – se
ela se converteu em um negócio transnacional, oligopolizado em
conglomerados de mídia que trafica influência junto aos governos para
conseguir mais concessões de canais e mais facilidades de financiamentos
públicos? (BUCCI, 2000, p. 12).
Para o autor, “os meios de comunicação fizeram de seus proprietários e de seus
funcionários figuras arrogantes, que se julgam acima de qualquer limite quando se trata
de garantir seus interesses e de se divertir com seus caprichos.” (BUCCI, 2000, p. 11).
A reflexão mostra como os atos adotados por Roberto Marinho, que durante muitas
décadas utilizou o poder dos meios de comunicação do seu conglomerado para
favorecer a si próprio e aos interesses do grupo que comandou durante vários anos,
foram errôneos e antiéticos no âmbito do jornalismo.
Bucci argumenta que “o poder dos conglomerados ameaça atropelar os
princípios democráticos” (BUCCI, 2000, p. 14). A afirmação vai de encontro com certas
posições adotadas pelas empresas de Roberto Marinho, tanto do jornal O Globo como a
Rede Globo de Televisão, ao longo das décadas. Hoje esses posicionamentos são
considerados “erros” e alguns foram assumidos pelo Grupo Globo, pois tais
posicionamentos tentaram interferir na vida política e democrática do país durante e,
posteriormente, o fim do Regime Militar no Brasil.
Em um histórico editorial intitulado “Apoio editorial ao golpe de 64 foi um
erro”, veiculado pelo jornal O Globo no ano de 2013, as Organizações Globo
assumiram o apoio que as empresas e a emissora de Roberto Marinho, que encabeça
todo o conglomerado, deram ao Regime Militar até a sua dissolução em 1985. O
reconhecimento do dito erro se deu devido à pressão durante as manifestações de junho,
como assume o próprio editorial: “Desde as manifestações de junho, um coro voltou às
ruas: “A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura”. De fato, trata-se de uma verdade,
e, também de fato, de uma verdade dura” (O GLOBO, 2013, online).
Naquele contexto, o golpe, chamado de “Revolução”, termo adotado pelo
GLOBO durante muito tempo, era visto pelo jornal como a única alternativa
para manter no Brasil uma democracia. Os militares prometiam uma
intervenção passageira, cirúrgica. Na justificativa das Forças Armadas para a
sua intervenção, ultrapassado o perigo de um golpe à esquerda, o poder
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voltaria aos civis. Tanto que, como prometido, foram mantidas, num primeiro
momento, as eleições presidenciais de 1966. (O GLOBO, 2013, online).
Mesmo reconhecendo o erro, o editorial faz uma meia culpa quando afirma que
a situação política do país estava em uma fase delicada, e que segundo o próprio texto,
via-se a beira de um golpe articulado por Jânio Quadros, militares que o apoiavam e que
havia temor comunista, já que durante o Golpe de 64, de acordo com o editorial, o
mundo estava vivenciando a Guerra Fria.
O editorial afirma ainda que tal apoio se deu devido a outros veículos terem feito
o mesmo. “O GLOBO, de fato, à época, concordou com a intervenção dos militares, ao
lado de outros grandes jornais, como “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”,
“Jornal do Brasil” e o “Correio da Manhã”. (O GLOBO, 2013, online).
Conquistando audiência
Apesar do Grupo Globo ser um dos maiores conglomerados de mídia do mundo,
como apontam e comprovam Miguel (2002) e Lima (2004), no segundo semestre de
2015, o topo do pódio nem sempre foi da família Marinho. O conglomerado, que
atualmente engloba rádio, canais na televisão aberta e fechada, revistas, livros, discos,
cinema, jornal impresso, e outros; nasceu pequeno, com a fundação do jornal O Globo
em 1925 e só tomou força após firmar a parceria com o Grupo Time-Life e com o golpe
militar de 1964. Lima afirma que a solidificação do Grupo Globo fez com que a
empresa se tornasse “capaz de desobedecer recomendações do próprio regime
autoritário”. (LIMA, 2004. p. 157).
Segundo o autor, em 1968, as Organizações Globo já tinham concessões
próprias de emissoras de televisão nos três principais mercados do Brasil: Rio de
Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Ele mostra que ao longo dos anos 1970 a emissora
foi conquistando mais e mais concessões em todo o país. Miguel (2002) expõe que um
marco fundamental para que a Globo tenha conquistado tanto poder ao longo dos seus
50 anos de história, está relacionado diretamente com o Regime Militar no processo de
“integração nacional”. Com a criação do Jornal Nacional, em 1969, projeto almejado
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pelos militares, pela primeira vez o Brasil tinha um noticiário assistido ao vivo em todas
as regiões do país.
Com um forte poderio político e econômico, o monopólio da Rede Globo seguiu
crescendo. Lima (2004) apresenta dados que apontam que em 1982 a Globo se tornaria
a quarta maior rede de televisão do mundo composta por emissoras geradoras, afiliadas
e estações repetidoras, que totalizavam 47 emissores. Cobria 93% da população e 99%
dos 15,8 dos domicílios com TV existentes na época. Esses altos índices de audiência
alcançados pela extensão da emissora no Brasil, país de dimensões continentais, fez
com que a emissora estivesse à frente de canais concorrentes.
O domínio da audiência e a concentração de verbas publicitárias eliminavam
qualquer possibilidade de competição verdadeira. Dados extraídos da revista
propaganda (4/1980, p, 20-22 e 36-42), em edição especial sobre os 15 anos
da Rede Globo, mostram que para uma verba anual total de aproximadamente
500 milhões de dólares injetados na televisão brasileira, 350 milhões, ou seja,
70%,eram aplicados na Rede Globo. (LIMA, 2004, p. 161).
Apesar de a TV Globo ter difundido uma boa imagem do Regime e de suas
realizações, ela também se beneficiou com a parceria. De acordo com Miguel, é
“errôneo imaginar que a Globo foi um mero instrumento do governo militar. Ela possuía
sua própria estratégia de poder e aproveitou as oportunidades abertas pelo regime para
ampliá-lo” (MIGUEL, 2002. p. 36).
As concessões de canais, através de manobras e acordos políticos, e apoio a
Ditadura Militar, fizeram com que a Rede Globo conquistasse o espaço e o poder que
possui hoje. O abuso de poder do conglomerado é um caso em que a ética foi esquecida
para que a emissora, em benefício próprio, alcançasse ainda mais poder. Ao apoiar um
regime visando beneficiar-se, a Globo fere a ética. Conforme afirma Bucci:
Exigir que ajam com responsabilidade social e com consciência, que não
abusem do poder de que estão investidos, que não se valham dele para
destruir reputações e para deformar as instituições democráticas é exigir que
o espírito que se encontra na origem do jornalismo não seja corrompido
(BUCCI, 200, p. 11).
O monopólio global impediu por anos o desenvolvimento também de outras
emissoras. Um dos motivos para isso é porque as verbas de propagandas iam quase que
totalmente para emissora que liderava a audiência nacional. A falta de concorrência,
segundo Fadul (1994), é negativa, já que estimula que as emissoras estejam buscando
constantemente aprimorar seu conteúdo.
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Em países como França, Itália, Inglaterra e Japão, que possuem regulação para
rádio e televisão, as emissoras educativas destacam-se por seus conteúdos de qualidade,
brigando pela audiência no mesmo patamar que as emissoras comerciais. No Brasil,
toda tentativa de regulação da mídia é acompanhada por críticas e acusações vindas das
grandes empresas de comunicação acusando o Governo de querer implantar a censura e
ditadura.
Em matéria intitulada “Oposição critica proposta de Berzoini para regulação da
mídia”, publicada no dia 3 de janeiro de 2015 no site do jornal O Globo, a repórter
Isabel Braga relata em uma matéria que políticos criticavam o ministro das
Comunicações, Ricardo Berzoini, após este afirmar que reabriria o debate sobre a
regulamentação econômica da mídia. Na fala dada ao jornal ao líder do PSB na Câmara,
o deputado Júlio Delgado afirma:
Não há o que debater no Congresso Nacional sobre regulamentação
econômica da mídia como deseja o novo ministro das Comunicações,
Ricardo Berzoini. A liberdade de imprensa foi uma das maiores conquistas da
redemocratização brasileira” (BRAGA, 2015, online).
Outros opositores a regulamentação também possuem falas extensas durante a
matéria, o ministro não tem nenhuma.
A matéria ainda possui uma retranca em que expõe superficialmente a
regulamentação das mídias já existente no Brasil. Como se nada mais pudesse ser feito
para aprimorar a regulamentação. Em sua obra, Miguel (2002) afirma que o Grupo
Globo sempre foi contrário a regulamentação da mídia no Brasil por este processo
representar uma ameaça ao monopólio da família Marinho. Apesar da atual realidade da
emissora ser diferente, e a larga vantagem adquirida pela Globo nos anos 1980 e 1990
ter sido diminuída a partir de fortes investimentos das demais emissoras, principalmente
da Rede Record, a hegemonia global ainda se sobressai, como ressalta Miguel:
A posição hegemônica da Rede Globo nos meios de comunicação brasileiros
não é explicada apenas pelos números – que, na verdade, são bem menos
impressionantes hoje do que eram há quinze anos. Para o público
estadunidense, acostumado a um padrão tripolar com ABS, CBS, e NBC
dividindo a audiência e as verbas publicitárias em fatias mais ou menos
iguais, a supremacia da Globo ainda é espantosa. Ela possui todos os
programas campeões de audiência e é líder inconteste em quase todas as
faixas de horário, muitas vezes abrindo larga margem sobre suas
competidoras, Mas já ficaram para trás os tempos em que suas maiores
atrações eram vistas por 70% ou mais do público e a principal rede
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concorrente, o Sistema Brasileiro de Televisão contentava-se com o slogan
“líder absoluto do segundo lugar” reconhecendo que a primazia nem estava
em cogitação (MIGUEL, 2002, p. 34).
A afirmação do autor demonstra bem o comportamento do público brasileiro na
hora de optar por entretenimento. O monopólio da emissora carioca sempre foi uma
questão discutida entre os estudiosos, já que em países como Estados Unidos e
Inglaterra, desenvolvidos e com uma economia sólida, as corporações de comunicação
não estabeleceram um virtual monopólio de audiência e receita, de acordo com Miguel
(2004). Na obra, ele próprio ressalta a preocupação de um país como o Brasil, com um
alto índice de analfabetismo7
e onde a televisão cobre mais de 90% do território
nacional, ter uma única emissora televisiva predominando na maioria das casas.
“Um novo tempo que começou”8
A Rede Globo decidiu no ano de 2015, em comemoração aos 50 anos de
fundação, realizar mudanças na programação, que vão desde os formatos das novelas
aos telejornais. De acordo com Marinho et al. (2011) as alterações ocorreram devido a
chegada da era digital: “Ela obriga a que todas as empresas que se dedicam a fazer
jornalismo expressem de maneira formal os princípios que seguem cotidianamente.”
(MARINHO, 2011, online).
As alterações no estilo das novelas, jornais e em toda programação não foram
bem aceitas pela audiência. Costa (2014) aponta que as mudanças na TV Globo foram
anunciadas, em abril de 2014, pelo diretor-geral da emissora, Carlos Henrique Schroder,
como estratégia para enfrentar a queda de audiência e preparar o grupo para o futuro.
Porém, as mudanças fizeram com que a emissora, que era líder absoluta de audiência,
perdesse este título após ter a principal novela derrotada por um folhetim da
concorrência na grande São Paulo, de acordo com Fernando Borges (2015).
7 O autor apresenta logo na introdução da obra (p.23) dados do censo de 1991. Naquele contexto, o
analfabetismo atingia 20% da população adulta e ele considera que devem ser somados a esse grupo os
muitos analfabetos funcionais. Miguel (2004) também faz um comparativo com dados do fim dos anos
80, tomando como base índices apresentados por Conti (1999), que mostravam que a tiragem somada dos
principais jornais não alcançava 1 milhão de exemplares, o que equivalia a menos de 1% da população. 8
Referência ao jingle veiculado pela emissora desde 1971 para comemorar o fim do ano
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Segundo Fernando Borges (2015), em setembro de 2015 a novela Os Dez
Mandamentos (2015), da Rede Record, teve mais audiência do que a novela da Globo,
A Regra do Jogo (2015). Antes disso, apenas Pantanal (1990), novela de Benedito Ruy
Barbosa exibida pela TV Manchete, teve mais audiência que uma novela exibida pela
Globo no mesmo horário.
Essa queda de audiência na programação da emissora é percebida desde a estreia
do programa É de Casa, em agosto de 2015, conforme Altamiro Borges (2015). O que
também aconteceu com o Jornal Nacional que perdeu em audiência para a reprise da
novela O Rei do Gado (1996). Além da redução de audiência, uma pesquisa do Ibope
Media confirma ainda a queda no faturamento em anúncios publicitários nas TVs,
Jornais, revistas e rádios do Grupo Globo, é o que diz Altamiro Borges (2015).
Borges (2015) afirma ainda que no primeiro semestre de 2015, a redução no
faturamento com anúncios publicitários foi de 8,5% na comparação com o mesmo
período do ano anterior. O que é decorrente do crescimento da internet e da queda de
credibilidade dos variados veículos do conglomerado, como afirma o autor.
A nova estratégia da Rede Globo prioriza a inovação e assume os riscos de perda
de audiência. “A audiência deixará de ser a meta principal, mas uma das consequências
de uma programação „interessante e relevante‟.” (SCHRODER, 2014 apud COSTA,
2014). Os registros feitos sobre a queda drástica da audiência do Jornal Nacional, em
2015, são motivados de acordo com Martins (2015) pelos seguintes fatores: crise das
novelas da Globo, concorrência com a Record, disputa com os serviços on demand e
ascensão dos canais concorrentes.
Além destes fatores, Martins (2015) acredita que os índices decrescentes da
emissora revelam uma crise na confiabilidade com a maior parte da população. Para
sustentar a teoria, a autora relata que isso ocorre porque os telespectadores estão
cercados de veículos de comunicação que têm tornado as pessoas especialistas em
mídia.
Acredito que haja sintomas visíveis para assegurar, sim, um amadurecimento
nosso, o público, que agora somos consumidores de mídia mais preparados.
São mais canais de crítica circulando, mais debate público, mesmo em redes
sociais, mais olhares variados e, consequentemente, mais desconfiança. São
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mais vozes que se levantam a partir do próprio público e agora buscam
legitimidade. Afinal, hoje todos temos alguma ferramenta de comunicação
em mãos e parecemos francamente dispostos a publicar nossas versões sobre
os fatos neste vasto mundo da internet. (MARTINS, 2015, online).
Nos protestos de 2013, que ocorreram em todo país, os repórteres da Rede
Globo foram hostilizados em varias coberturas jornalísticas, o que é explicado por
Medeiros (2013), como representação de ódio dos telespectadores à emissora e ao
direcionamento das coberturas dos protestos. “O ódio contra a Globo é unânime”,
(MEDEIROS, 2013, ONLINE).
Ainda assim, o autor afirma que a unanimidade é “burra” por não criticar
também as outras emissoras de TV do país que realizaram as coberturas dos protestos e
defende a Globo ao criticar as outras empresas de explorarem os sentimentos da
população e de não terem compromisso com a verdade.
Apesar de tudo, a Rede Globo não transmite jornalismo sensacionalista por
apresentadores inescrupulosos que mantêm audiência elevada não pelo
compromisso com a verdade, mas com a exploração de sentimentos viscerais
de uma população cada vez mais sedenta de sangue. Tampouco a Rede
Globo, ao contrário de quase todas as outras emissoras, dedica sua
programação a perniciosos pastores evangélicos que têm como objetivo
ludibriar, vender falsas esperanças e propagar intolerância e preconceito,
recrutando fiéis através do medo, da intimidação, de promessas de curas,
bênçãos, glórias e poderes sobrenaturais. Estes programas representam um
flagrante atentado à Constituição, aos valores republicanos e ao Estado
democrático de direito. (MEDEIROS, 2013, online).
Porém, os ataques à emissora fizeram com que a Rede Globo viesse a público
assumir erros cometidos, como forma de se desculpar com a população e criou o
Memória Globo, que reúne textos que assumem erros e posicionamentos da emissora.
No primeiro editorial, de vários que contam erros do conglomerado, a Globo diz que
mesmo se não houvesse as manifestações contra a emissora os textos seriam publicados.
Entre as falhas assumidas, as Organizações Globo reconhecem que o apoio à ditadura
militar foi um erro, assim como a cobertura das Diretas Já e a manipulação do debate
entre dos presidenciáveis do segundo turno da eleição de 1989, Luiz Inácio Lula da
Silva e Fernando Collor.
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A culpa é da Globo: algumas explicações
Por encabeçar um dos maiores conglomerados de mídia do mundo e ainda ser a
emissora líder de audiência no Brasil, constantemente a Rede Globo é alvo de protestos
e críticas relacionadas ao modo como as coberturas de grande importância são
organizadas. A “má fama” da emissora carioca foi conquistada devido a
posicionamentos considerados incoerentes, caso do apoio dado à Ditadura Militar, do
favorecimento do Fernando Collor durante as eleições presidenciais de 1989 e outras
situações (MIGUEL, 2002; LIMA, 2004).
Fadul (1994) explica que discursos contra a Indústria Cultural e os meios de
comunicação de massa são repassados pela Escola e academia, o que acaba por refletir
na visão “frankfurtiana” da maioria dos brasileiros sobre o poder de manipulação da
televisão, principalmente da TV Globo, um dos principais meios de comunicação do
país. Para ela, “esses dois conceitos, Indústria Cultural e Comunicação de Massa, têm
de ser vistos a partir de uma perspectiva histórica.” (FADUL, 1994, p.54).
A autora explana o conceito de Indústria Cultural desenvolvido por Adorno e
Horkheimer na obra Dialética do Iluminismo. Ela contextualiza a criação do conceito
afirmando que os teóricos vivenciaram a propaganda nazista, advinda do Estado, e a
mobilização das massas feita pelas empresas, indústrias e comércio americanos. A
semelhança entre as duas “táticas” foi a utilização do rádio e do cinema. Sobre isso,
reflete Fadul: “É importante aprender com esses exemplos, pois eles podem-nos ensinar
a mobilizar uma sociedade não para o autoritarismo, mas para a libertação, a
criatividade e a emancipação.” (FADUL, 1994, p. 55). A autora afirma ainda:
A partir das ideias do livro Indústria Cultural e Cultura de Massa, tentou-se
definir uma indústria muito especial, que produz não uma mercadoria
qualquer, mas sim uma mercadoria que possui um valor simbólico muito
grande, embora ela se organize da mesma forma que uma fábrica de
automóveis (...) Sua produção é em grande escala – basta ver as tiragens dos
jornais e audiências da televisão e do rádio –; tem um baixo custo, porque se
beneficia da economia de escala; é padronizada, pois é a eterna repetição do
mesmo. Foi a partir dessas três características que Adorno e Horkheimer
tentaram mostrar como essa indústria realizava uma verdadeira manipulação
das consciências. (FADUL, 1994, p. 55-56).
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Fadul explica que o termo “frankfurtiano” serve para se referir a “uma certa
coerência teórica entre aqueles que denunciavam a sociedade de massa, como a suprema
forma de totalitarismo e de perversão da cultura.” (FADUL, 1994, p. 56). De acordo
com a estudiosa, ainda prevalece no Brasil a mesma definição de 1947 para essa
indústria. Essa visão, segundo ela, é reforçada principalmente na Escola, que incutiu nos
alunos que “a Indústria Cultural é um mal a ser evitado”. Ela argumenta que cursos
superiores também reforçam essa visão.
Os argumentos de Fadul retratam muito bem a visão “frankfurtiana” que a
grande maioria dos brasileiros têm em relação à Rede Globo, que comprovadamente já
exerce certa influência no cenário político brasileiro. Porém, a autora afirma que “os
meios de comunicação de massa não são os únicos inimigos das classes trabalhadoras e
da sociedade brasileira.” (FADUL, 1994, p.58). Ela completa que esses meios
“reforçam uma dominação que começa na fábrica, no escritório, na Escola, na família,
na Universidade.” (FADUL, 1994, p.58). Argumenta a autora:
Eles são coadjuvantes importantes, mas não são coadjuvantes. A dominação
já existe na sociedade, mas eles são realmente um reforço e um impulso
muito grandes (...) É preciso educar os alunos para não aceitarem a televisão
que aí está, porque esta não é a televisão. Mas é preciso estudar e conhecer os
meios de comunicação de massa. (FADUL, 1994, p. 59).
Assim, como propõe a pesquisadora, há uma grande necessidade de que os
brasileiros, em especial os que têm a oportunidade de acesso ao conhecimento, tenham
um entendimento da Indústria Cultural para que a visão de que os males da sociedade
são causados por ela seja desprendida do imaginário coletivo. Essa compreensão da
Indústria Cultural, reforça Fadul, tem que se dar em suas várias manifestações em
diversos países do mundo: “A partir daí será possível fazer com que a recepção se dê de
uma „outra‟ forma, interferindo tanto na ficção quanto no noticiário.” (FADUL, 1994,
p.59).
Considerações Finais
Apesar de todas as criticas referentes à emissora, a Rede Globo não é o único
grupo midiático a construir um discurso a favor de seus interesses. Torna-se necessário
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o consenso dos veículos de comunicação em selecionar os assuntos e temas de interesse
pessoal e que possam ser usados no dia a dia, no convívio social. Além disso, é
necessário que o telespectador reveja o modo de se “apropriar” das informações
despejadas ou divulgadas, selecionando-as de forma concisa para o real aproveitamento.
A concentração de críticas referentes à Rede Globo pode ser observada a sua
liderança frente às outras emissoras, somado ao fato da TV ser um meio de
comunicação de fácil acesso, levando a um número elevado de pessoas informações que
criam ambientes de discussões. Dessa forma, gera-se o descontentamento com os
posicionamentos da emissora.
A partir desses pontos de críticas ao Grupo Globo, pode-se entender a crise de
confiabilidade que a emissora vem vivendo com uma parte da população, o que está
resultando no decréscimo da audiência frente aos outros veículos televisivos. Os
protestos de 2013 demonstraram de forma prática a crítica social referente à forma
como as informações são repassadas pela emissora, além de incentivar a mudança nos
quesitos tratamento e divulgação de notícias conflituosas.
Fadul (1994) expõe que os meios de comunicação de massa, aqui se destaca a
Rede Globo, apesar de seu poder, são reflexos de um cenário que já é desigual por si só,
mas que ganha força por meio dos meios, um cenário que surge logo na Escola. Para a
autora, a Escola forma alunos que recusam a Indústria Cultural por ela própria não
compreender e, consequentemente, tolerá-la. Fadul considera que isso acontece porque
a Escola não procura conhecer essa indústria para poder criticá-la. Por isso, mesmo que
a Rede Globo possua inúmeros casos em que a ética foi esquecida em benefício de
interesses políticos e econômicos, não se pode acusá-la de ser causadora de todos os
males, injustiças sociais, e falhas da imprensa brasileira.
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BRAGA, Isabel. Oposição critica proposta de Berzoini para regulação da mídia,
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INDÍOS, AYAHUASCA E CHICO MENDES: ESTERIÓTIPOS DO ACRE
DESTACADOS NO DOCUMENTÁRIO ‘O ACRE EXITE’ 1
Resumo
Daiane Lopes PEREIRA2
Elisa Pedrina C. dos SANTOS³
Franciele Maria Modesto Mendes3
Universidade Federal do Acre - UFAC
O presente artigo visa analisar o documentário O Acre Existe, buscando apresentar a
grande quantidade de estereótipos dados ao estado do Acre. Destacando a visão
preconceituosa de que no Acre só existem pessoas de baixa renda, que o daime é a
religião oficial ou que a ayahuasca é uma bebida consumida por todos no estado, entre
outros. Para a fundamentação da pesquisa, utilizaremos diálogos e exemplos contidos
no filme, e o livro Preconceito Contra a Origem Geográfica e de Lugar: As fronteiras
da discórdia de Durval Muniz de Albuquerque Jr.
Palavras-chave: O Acre Existe; Cultura Acreana; Estereótipos.
O documentário O Acre Existe que estreou dia 22 de novembro de 2013 e foi
exibido na 4ª Edição do Festival Internacional Pachamama– Cinema de Fronteira, no
Cine Teatro Recreio, em Rio Branco – Acre, é dirigido por Bruno Graziano, Milton
Leal, Paulo Silva Jr. e Raoni Gruber, e expõe uma visão bem clichê desse estado
brasileiro.
O filme que teve como objetivo apresentar a realidade e identidade cultural das
pessoas do estado do Acre, terminou por não mostrar nenhuma novidade, pelo contrário,
apenas disseminar ainda mais estereótipos. O filme resumiu o Acre em ayahuasca4,
índios e Chico Mendes, acentuando o consumo da ayahuasaca e do rapé 5 como algo
1 Trabalho apresentado na Linha Temática de Jornalismo da V Seacom da Ufac 2 Estudante do 8º período do Curso de Jornalismo, da Universidade Federal do Acre (UFAC). E-mail:
[email protected] ³ Estudante do 6º período do Curso de Jornalismo, da Universidade Federal do Acre (UFAC). E-mail:
[email protected] 3 Orientador do trabalho. Professora Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e Mestre em
Letras pela Universidade Federal do Acre (UFAC), onde atua como docente do curso de Comunicação
Social/Jornalismo. E-mail: [email protected] 4 Refere-se a uma bebida alucinógena produzida a partir da decocção de duas plantas nativas da floresta amazônica.
5 Um pó feito geralmente de tabaco e outras ervas e cinzas de árvores que são moídos e transformados em um pó fino
e aromático que é aspirado ou soprado pelas narinas.
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que parece ser comum na rotina dos acreanos, o Acre como uma terra de índios,
florestas e que é sempre lembrado por Chico Mendes.
Os estereótipos
Muitos acreanos que saem para visitar outros estados sofrem com milhares de
perguntas ou piadas a respeito do local onde moram. Aliás, não é necessário nem sair do
estado para que sofram esses preconceitos, na internet e, principalmente, nas redes
sociais, comentário depreciativo é muito comum. Historicamente, é dito que o Acre é
um lugar que não existe, ruim de se viver e que no local não existe civilização, mas
quem criou esses discursos? Por que esse imaginário perpetua mesmo em uma era de
tanta comunicação e fácil conhecimento?
O Acre está localizado no norte do país e faz divisa com a Bolívia e o Peru. O
estado possui 164.123,040 km, divididos em 27 municípios, com aproximadamente 800
mil habitantes. Mas são muitos preconceitos formados e acentuados ao longo dos anos
sobre a região norte. Em seu livro Preconceito contra a origem geográfica e de lugar:
As fronteiras da discórdia, Albuquerque Júnior, destaca:
O preconceito quanto a origem geográfica é justamente aquele que
marca alguém pelo simples fato deste pertencer ou advir de um
território, ou de um espaço, de um lugar, de uma vila, de uma cidade,
de uma província, de um estado, de uma região, de uma nação, de um
país, de um continente, considerado por outro ou outra, quase sempre
mais poderoso ou poderosa, como sendo inferior, rústico, bárbaro,
selvagem, atrasado, subdesenvolvido, menor, menos civilizado,
inóspito, habitado por um povo cruel, feio, ignorante, racialmente ou
culturalmente inferior. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2012, p. 11).
O documentário O Acre Existe é repleto de estereótipos relacionados a cultura
acreana. Segundo Albuquerque Júnior, o estereótipo é um tipo de discurso de quem se
considera superior a outro, esses discursos geralmente são caricaturais, ou seja,
escolhem alguma característica do determinado grupo e a exageram de forma, quase
sempre, depreciativa:
O discurso da estereotipia é um discurso assertivo, imperativo,
repetitivo, caricatural. É uma fala arrogante de quem se considera
superior ou está em posição de hegemonia, uma voz segura
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autossuficiente que se arroga no direito de dizer o que o outro é em
poucas palavras. O estereótipo nasce de uma caracterização grosseira,
rápida e indiscriminada do grupo estranho; este é dito em poucas
palavras, é reduzido a poucas qualidades que são ditas como sendo
essenciais. O estereótipo é uma espécie de esboço rápido do que é o
outro. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2012. p.13)
A visão estereotipada do filme é comparada com a visão que os primeiros
expedidores tiveram ao chegar a Amazônia. As imagens de apoio sempre ressaltando a
exuberância da floresta. “Ressaltando elementos do imaginário que trazem em si a
construção da Amazônia como uma imagem ocidental internacionalizada através da
difusão provida por relatos da Europa”. (PIZARRO, 2012, p.62).
Os produtores buscaram propagar o conhecimento de uma realidade que
segundo eles precisa ser revelada: a realidade acreana. Porém, não se deram conta que
trouxeram com eles conceitos já formados sobre o lugar e foram exatamente esses
conceitos que os guiaram nas filmagens. Ou seja, foi válida a tentativa de mostrar o
Acre, porém erraram em discorrer pelos mesmos assuntos que os acreanos sempre são
lembrados – indígenas, ayahuasca, Chico Mendes, entre outros – e não apresentarem
nenhuma novidade do local.
Com seus primeiros minutos filmados em estradas e mais estradas, já se tem a
ideia de lugar muito distante, onde a civilização ainda não chegou. As imagens em
seguida, mostram como o local é imaginado, paisagens com muita fauna, flora e índios,
tudo muito monótono. Alguns conceitos parecem, que já estavam entranhados no local,
Durval Muniz de Albuquerque Júnior, diz que é muito difícil desfazer conceitos e
definições que já foram dados a um lugar:
O que é mais problemático, é que nenhum contato conseguirá, muitas
vezes, desfazer a definição previamente dada. É a estas definições
prévias, definições ou descrições que não advêm do conhecimento do
outro, mas que nascem da hostilidade, da distância ou do
desconhecimento do outro, que chamamos de preconceito.
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2012. p. 10).
A cultura indígena é um dos principais focos do documentário. Na Amazônia,
está concentrando uma grande quantidade de tribos indígenas, atraindo assim a atenção
daqueles que se interessam e tem fascínio pelos costumes indígenas. Aqui, se compara
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a visão dos produtores do filme com o olhar dos primeiros expedidores na Amazônia,
onde procuram enaltecer a beleza e riqueza da natureza local. Como Pizarro (2012)
observa, essa visão mostra formas idealizadas pelo outro a partir de algumas
características.
A Amazônia é, tal como hoje a percebemos desde seu descobrimento
pelos olhos do homem ocidental, a história dos discursos que a
construíram, em diferentes momentos histórico e dos quais recebemos
uma informação parcial, que permite fundamentalmente identificar o
discurso dos europeus sobre ela. (PIZARRO, 2012, p. 33)
O índio que aparece no filme é aquele ser bem característico, encontrado em
livros e documentários: homens primitivos, com rostos pintados e cocás6. A narrativa
criada em cima desse discurso surpreende aos próprios acreanos que assistem ao
documentário, muitos moradores do estado sabem que a presença indígena na cidade,
não é tão comum, como dá a entender durante o filme.
Em 2014, a Fundação Nacional do Índio – FUNAI realizou uma pesquisa sobre
número da população indígena no Brasil. Nessa tabela o estado do Acre ocupa o 4º
lugar, ficando atrás de estados como Amazonas, Roraima e Pará. Segundo o Censo
2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 15.921 dos 733.559
habitantes acreanos são indígenas. Esses dados apontam que o Norte é a região que mais
possui índios, mas que sua maioria não está concentrada no Acre. Nesses dados, vemos
como muitos tratam os estados do Norte como um único lugar, sem diferenciá-los.
Alguns personagens indígenas usam o espaço no documentário para relatar os
problemas que enfrentam.
Na aldeia Mutum, a pajé7 Mariazinha, relata um pouco de sua vida e de seus
sofrimentos, entre eles, a ruptura com as identidades indígenas ainda quando criança:
“Eu não me lembro quando o meu povo ainda se pintava, os patrões moravam de um
lado do rio e a gente do outro, o contato do branco perdeu muito isso” (O ACRE
EXISTE, 2013). Os rituais indígenas voltaram a ser praticados só depois que a mãe dela
6 Um adorno feito de penas, símbolo de nobreza para os índios. Para o indígena o uso do cocá ultrapassa limites do
estético e imprime em suas penas e sementes a ordenação da aldeia, o significado da vida, a importância do ser.
Dados disponíveis: http://www.portalamazonia.com.br/secao/amazoniadeaz/interna.php?id=433 7 Maior liderança espiritual indígena.
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buscou as raízes indígenas e as trouxe de volta. Essa perca de identidade cultural,
mostra como ao longo do tempo o índio foi se descaracterizando e ficando mais
parecido com o homem da cidade.
Na fala do indígena Gilberto, observam-se como são dadas as relações humanas
entre indígenas e o homens brancos, quando ele relata sobre a bebida do índio
(provavelmente a ayahuasca) e a bebida do branco, a cachaça. Por certas brigas
acontecidas durante o episódio, o índio conclui que a bebida deles é a de paz e a do
outro é a de guerra. O índio não possui a mesma visão que o homem da cidade, não
aceita tudo que vem de fora como sendo melhor do que é produzido por eles. Talvez
esse seja um dos motivos pelos quais eles serem considerados tão hostis. Por não ter o
mesmo pensamento da sociedade que se considera civilizada, o índio é apresentado não
civilizado, sendo objeto de dominação e exploração.
O pensamento da sociedade indígena é bastante diferente: geralmente
não existe o mesmo conceito de propriedade como no mundo
"envolvido". Também a maneira como se faz decisões em respeito à
aldeia ou à tribo não é na mesma forma linear hierárquica. Estas e
outras diferenças da mentalidade indígena levaram a muitos
preconceitos contra os índios, como que eles seriam mentirosos e não
confiáveis. Estes preconceitos sempre serviram como justificativa para
a discriminação e extinção dos índios. (POVOS INDÍGENAS NO
ACRE8)
É importante relatar que os índios também são alvo da exploração daqueles que
deveriam cuidar de seus interesses. Existem governantes que apenas se aproveitam
economicamente dos índios para promover um ganho em cima dessa cultura, sem se
preocupar com as reais necessidades indígenas como brigas territoriais ou saúde,
problemática que é, inclusive, abordada de forma rápida no documentário. Em um
determinado, momento aparecem indígenas fazendo um manifesto por conta das
precárias condições de saúde que lhes é oferecido.
Nas cenas entre cortadas, podemos ver tradicionais e exóticos rituais indígenas,
como a pajé que parece estar fazendo um rito de cura em uma criança ou os produtores
do filme experimentando a ayahuasca. Imagens como essas sem um contexto ou uma
8 Dados disponíveis em: http://www.amazonlink.org/ACRE/amazonas/seringueiros/indigenous.htm
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boa apresentação, tendem a aprofundar ainda mais velhas opiniões mal formadas sobre
o tradicional e exótico.
Não se pode negar que a população indígena no Acre é uma realidade, existem
tribos espalhadas pelo interior do estado. Segundo o site oficial do Governo do Estado
do Acre, a estimativa da população indígena é de 14.451 indivíduos, que estão divididos
entre 146 aldeias diferentes e ocupam 13,61% do território acreano9.
Os criadores do filme dão a entender que não tinham conhecimento da história
do Acre ou de como se deu seu processo de estadualização. Essa falta de conhecimento
leva Bruno Graziano, Milton Leal, Raoni Gruber e Paulo Silva a mostrarem apenas o
que lhes convém, no caso o que chamou atenção no estado, o Acre dos índios, da
ayahuasca, do rapé, do Santo Daime e de Chico Mendes.
Muitos personagens falam sobre a ayahuasca, contando sobre a origem e seus
efeitos. Alguns explicando a diferença entre a bebida e Santo Daime, buscando
demonstrar seu conhecimento e tentando impressionar diante “das câmeras”. A grande
importância e visibilidade dada a religião no documentário, cria no imaginário que esta
é a religião predominante no estado. Provavelmente o fato do fundador do Santo
Daime10 ter tido seus primeiros contatos com a ayahuasca no Acre, realça esse
estereótipo.
A pesquisa Novo Mapa das Religiões feita pela Fundação Getúlio Vargas
mostra que a religião que mais se acentua no Acre é o catolicismo com 50,73%, seguida
por 36,64 % dos evangélicos de diversas vertentes11, o restante da porcentagem está
dividido entre religiões espiritas, afro-descentes e os sem religião.
A fala do grafiteiro Tosh, um dos muitos personagens mostrados no filme, deixa
claro como é vista, por alguns, a questão religiosa no lugar: “os evangélicos dominam
tudo (...)”, mostrando assim que essa visão de Santo Daime como única religião acreana
9 Dados disponíveis em: http://www.ac.gov.br/wps/portal/acre/Acre/estado-acre/sobre-o-acre 10 Raimundo Irineu Serra, fundador da Doutrina do Santo Daime, chegou no Acre por volta de 1912, para trabalhar
como seringueiro. Também trabalhou como funcionário na Comissão de Limites na delimitação da fronteira do Acre
com a Bolívia e o Peru. E foi nesta época que conheceu a ayahuasca.
11 Dados disponível em http://www.cps.fgv.br/cps/bd/rel3/REN_texto_FGV_CPS_Neri.pdf. Acesso em 17 de
outubro de 2015.
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está equivocada. Nenhuma pesquisa mostra o Daime como uma religião forte e nem
com um grande número de adeptos no estado.
Os 37 personagens mostrados ao longo do filme têm uma personalidade
excêntrica, os cineastas não mostraram a cidade e seu povo, com suas rotinas, culturas e
realidades distintas, eles buscaram apenas retratar o diferente, sem se preocupar com
suas peculiaridades.
O primeiro personagem, Seu Francisco, conta a respeito da sua preferência em
viver na zona rural e fala da cidade como se ela ainda estivesse no início de processo de
formação da urbanização. “Quando eu cheguei no estado do Acre, em 1995, de volta,
ninguém conhecia o Acre, era uma tristeza, pode se dizer é uma cidade, até chegando lá
você vai ver, que tem aspecto assim de uma cidade” (O ACRE EXISTE, 2013). Essa
fala tem um grande peso na questão de aceitação do estereótipo que lhe foi imposto.
Durval explica quem sofre o preconceito acaba aceitando essa opinião e a
disseminando.
O passado continua convivendo com o presente, muito do que somos,
fazemos, pensamos, gostamos, odiamos, nos vem do passado, nos
chega através das gerações anteriores [...] muitos dos nossos
preconceitos ,das nossas formas de caracterizar os outros, de ver os
habitantes de dados lugares e países, foram pensados e produzidos em
outro momento, em outro contexto histórico, motivados de situações
diferentes das de hoje, mas que, no entanto continuam se repetindo em
opiniões, imagens e estereótipos, que não sabemos direito de onde
vêm e, o pior, muitas vezes achando que aquilo que dizemos é uma
realidade incontestável, naturalizando assim o que não é natural.
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2012, p.19)
A distância do Acre em relação aos restantes estados do país é um dos fatores
que contribuem para o seu desconhecimento. O isolamento do estado sofrido pelo alto
custo das passagens aéreas e a precária situação das estradas, qual fazem ligação com o
restante do país dificultando tanto a saída como a entrada ao estado.
E para quem só conhece o Acre, através de histórias ou livros, outro tema que
não pode ser deixado de lado é Chico Mendes. Sindicalista e Ativista ambiental, Chico
nasceu em Xapuri, era filho de seringueiros, foi analfabeto até os 18 anos. Mais adulto,
ele percebeu que os seringueiros estavam sendo roubados pelos patrões, foi então que
iniciou um movimento sindical em defesa dos direitos dos trabalhadores dos seringais.
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A partir daí ele criou os empates, movimentos onde os seringueiros se reuniam para
impedir as derrubadas na floresta, isso fez que ele chamasse a atenção da mídia. Chico
Mendes morreu em 1988, mas sua imagem até hoje é exaltada, como amigo e protetor
da Amazônia (PAULA; SILVA, 2006).
Essa imagem de homem bom e benévolo, pode ser percebida através das falas e
atitudes de algumas pessoas entrevistadas no filme. O morador da cidade de Xapuri, Zé
da barraquinha, conta da influência que o sindicalista teve com o delegado da região na
época, ao soltar o pai dele. Zé conta da consideração e admiração que tem pelo seu
‘parceiro das cachaças’, segundo ele mesmo fala. Outro personagem que destaca o
seringueiro é seu primo, o guia turístico Nilson. Além de usar uma camisa com a foto
do seringueiro, Nilson fala sobre a importância dele não só para a Amazônia, mas
também para o mundo:
Na verdade, de início ele pensou que estava salvando os seringueiros, os
tradicionais, mais depois ele observou que a luta dele não era em vão, ele
estava lutando para salvar uma Amazônia, e salvar a Amazônia ele percebeu
rodando o mundo a fora, na Europa, nos estados unidos e nos outros lugares
que ele andou, ele observou que lá não tinha mais floresta e o oxigênio que
eles precisavam vinha da floresta, então ele não estava mais só defendendo só
os seringueiros, nem a floresta, ele estava defendendo a vida da
humanidade.(NILSON, 2013)
Para o jornalista Altino Machado, um dos personagens do filme, algumas
características foram dadas a Chico Mendes de forma exagerada:
Eu não vejo o Chico Mendes nem como esse mito, esse deus e também não
vejo ele como um irresponsável, ou preguiçoso, um cachaceiro ou qualquer
outra coisa que digam negativamente sobre ele. Acho que ele foi um homem
do seu tempo que contribuiu enormemente, pesadamente para melhorar a
imagem do Acre, da Amazônia e até do Brasil (MACHADO, 2013).
O guia turístico, Nilson, é um acreano típico disseminador dos estereótipos da
região. Através da profissão de guia turístico, ele propala muitos dizeres sobre a
floresta, ao mostrar garrafas com insetos peçonhentos, como escorpiões e aranhas, ele
busca realçar os medos já existentes no imaginário popular: “Essa aqui é a Tucandeira, é
a formiga venenosa, e você tem que ter cuidado, se ela ferrar é 24 horas chorando feito
criança, bolando em uma cama, você delira mesmo, dá íngua, dá lesão” (O ACRE
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EXISTE, 2013). Ou seja, com essa fala, ele estabelece uma diferença como quem quer
assustar ou impressionar, apresentando o Acre como um lugar exótico e bizarro.
Durval Muniz de Albuquerque Jr. explica que isso acontece em virtude de
sermos seres culturais, que criamos linguagens e identidades, para produzir sentido na
sociedade, demarcando assim domínio em seu território. Para Woodward, citado pela
pedagoga Suyan Pires, em seu artigo Representações de Gênero em Ilustrações de
Livros Didáticos, é por meio dos significados produzidos pelas representações que
damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos (WOODWARD, 2000, apud
PIRES, 2004).
Considerações Finais
O filme apresenta apenas fragmentos de uma realidade. Os personagens formam
um cenário simples, criando assim a ilusão que no Acre só existem pessoas com essas
características: financeiramente carentes, índios, daimistas, admiradores de Chico
Mendes, entre outros. Eles formam um mosaico entre cultura, religião e outros aspectos.
O fato é, os produtores não possuíam nenhum conhecimento mais aprofundado
sobre o local e diziam que não tinham roteiro, apenas filmaram aquilo que lhes
chamaram atenção. Quando um homem busca desconstruir um imaginário ou
estereotipo de determinado território, ele mesmo precisa se desvincular do seu
etnocentrismo, precisa parar de usar a sua própria cultura como balança para medir as
outras.
É impossível generalizar e caracterizar toda população acreana com apenas
alguns aspectos. Em um vídeo12 para o canal oficial do filme O Acre Existe, um dos
produtores, Bruno Graziano, explica que a ideia de fazer o filme tinha como único
requisito, filmar um documentário sobre o lugar onde eles menos conheciam, onde
menos tinham ouvido falar, o que resultou no Acre. Em vista disso, se aproveitaram da
piada que o Acre não existe, para descontruir esse imaginário. Entretanto, a tentativa,
12 Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SvV6WXfsURE. Acesso em 27 de outubro de 2016.
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não teve bons resultados, pois ao tentar descontruir eles ampliaram ainda mais essa
visão estereotipada.
Historicamente, o Acre era tratado como um ‘não lugar’, para onde só se vinham
pobres, prostitutas, pessoas que eram banidas por um ou outro motivo. O fato de no
começo a Amazônia ser um lugar hostil para habitação daqueles que se consideravam
civilizados, criou o medo e a aversão por essa parte do Brasil. Como por muito tempo
foi repassado de pai para filho que o Acre é um lugar de mato, bichos perigosos e
índios.
De mãe d’agua à terra de índio, a região norte em geral é cercada de mitos e
lendas, folclore e imaginário, e o mais surpreendente é a aceitação dessas histórias
fantásticas. Para entender sobre um local desconhecido ou uma cultura é necessário
pesquisar sua realidade, analisar ideias antiquadas, corrigir os erros e ampliar a visão de
mundo. Em um momento tão globalizado e de tanta comunicação, é preciso se
questionar e questionar obras produzidas, pois na maioria das vezes elas sempre
abordam os mesmos eixos e mesmos preconceitos criados ao longo dos anos. É
importante criticar conceitos pré-impostos e buscar informações, para enfim tirar as
próprias conclusões.
Por fim, o documentário O Acre Existe, prova ser apenas mais uma produção
artística que dissemina estereótipos e preconceitos existentes sobre o local. O filme não
traz o reconhecimento da identidade do povo acreano e não levanta nenhuma questão
nova sobre a identidade ou cultura, somente enfatiza os aspectos que já existem na
memória de quem não conhece o Acre.
REFERÊNCIAS
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geográfica e de lugar: As fronteiras da discórdia. 2 edição. São Paulo: Cortez, 2012.
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Disponível em <http://www.cps.fgv.br/cps/bd/rel3/REN_texto_FGV_CPS_Neri.pdf>.
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Demográfico. Disponível em <
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Medicina da Rainha da Floresta, RAPÉ: SUA UTILIZAÇÃO E INDICAÇÕES.
Disponível em: <http://medicinadarainha.blogspot.com.br/2010/04/rape-sua-utilizacao-
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O Acre Existe [Festival Pachamama]. Disponível
em:<https://www.youtube.com/watch?v=SvV6WXfsURE>. Acesso em 03 de
novembro de 2015.
PIRES, Suyan. Representações de Gênero em Ilustrações de Livros Didáticos.
Disponível em:
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<http://www.psicopedagogia.com.br/new1_artigo.asp?entrID=608#.VjjjGberTIU>.
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PIZARRO, Ana, 1941. Amazônia: As vozes do rio: Imaginário e modernização – Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2012.
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<http://www.ac.gov.br/wps/portal/acre/Acre/estado-acre/sobre-o-acre> Acesso em 28
de outubro de 2015.
Universo Místico, O QUE É A AYAHUASCA? Disponível
em:<http://www.universomistico.org/s/ayahuasca/o-que-e-ayahuasca-.html>. Acesso
em: 27 de outubro de 2015.
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LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E RESPEITO À PESSOA: O CASO DO
PROFESSOR ACUSADO DE ESTUPRO (Trabalho apresentado na Linha Temática de Jornalismo da V Seacom da Ufac)
Estela Maciel MELO1
Francielle Maria Modesto MENDES2
Universidade Federal do Acre, Rio Branco, AC
Resumo
O direito de informação é tão importante quanto outros direitos, como a preservação da
honra, da intimidade, da privacidade, ou seja, do próprio direito personalíssimo. É nesse
sentido que se faz necessário o estudo da temática envolvendo a liberdade de
informação jornalística e o direito do cidadão que responde por crimes na esfera
jurídico-penal, de ter garantido o respeito ao princípio da presunção de inocência.
Através deste trabalho se pretende discutir de que modo ocorre a relação entre mídia e
judiciário, no sentido de que em alguns momentos a imprensa é capaz de estabelecer
prejulgamentos, sobretudo quando tende a transformar um acusado em um bode
expiatório, em alguém que deva ser condenado publicamente antes de uma decisão
judicial. E conforme é sabido, a mídia exerce grande poder de influência no meio social,
o que é capaz de intervir na opinião pública e até no âmbito da justiça.
Palavras-chave: justiça; liberdade; informação.
O objetivo deste artigo é trazer a reflexão no que diz respeito aos limites da
atuação jornalística e o questionamento de até onde vai a liberdade de expressão e
informação do jornalista diante da cobertura de casos criminais, proporcionando ao
leitor a ampliação de conhecimentos e interligando a esfera jurídica e comunicacional.
Além disso, visa possibilitar aos estudantes de comunicação uma análise crítica no que
se refere ao exercício profissional.
1 Estudante de Graduação 8º. semestre do Curso de Jornalismo da UFAC, email: [email protected]
2 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Jornalismo da UFAC, email: [email protected]
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Para a consumação do objetivo proposto serão utilizados exemplos reais, tais
como o caso da Escola Base, de São Paulo e um caso local, de Rio Branco-AC, de um
professor da rede pública de ensino que sofreu com a interferência midiática ao ser
acusado de estupro de vulnerável de um aluno. Como fundamentação teórica destacam-
se autores como Estela Bonjardim, Eugênio Bucci, Vincenzo Ferrari, Francisco Karam,
dentre tantos outros importantes para a compreensão da temática.
Cumpre mencionar que este artigo é um desdobramento, uma síntese da
monografia de Jornalismo desta autora. Nesse sentido, destaca-se que não é fácil
garantir a coexistência de princípios constitucionais, sem a supremacia ou predomínio
de um sobre o outro. Porém, não se pode esquecer que tanto o direito à liberdade de
informação jornalística como demais direitos do cidadão merecem igual proteção.
De acordo com Andrade (2007), tanto a mídia quanto o Judiciário desempenham
relevante função social, porém, a imprensa ao fixar pautas e divulgar o que acredita ser
conveniente, selecionando, hierarquizando e divulgando notícias, tem a capacidade de
influir na opinião pública, por exemplo, distorcendo informações referentes a um
processo judicial em trâmite.
Conforme Bonjardim (2002), é essencial que a imprensa faça denúncias e
exponha fatos que interferem na vida das pessoas, porém, deve atuar de maneira
responsável. Por vezes, evidencia-se a existência de conflitos, pois, por exemplo, de um
lado está o direito à liberdade de informação e de outro, os direitos à honra, intimidade,
vida privada e imagem de uma pessoa que seja suspeita ou acusada pela prática de
determinado crime.
Assim, entende-se que o exercício da atividade jornalística deve pautar-se na
observância do respeito à pessoa, seja ela célebre ou anônima, sem violar quaisquer
direitos do cidadão. Segundo Karam (1997), o jornalista deve atentar-se para a
dimensão social da profissão, verificando se a atuação profissional é pautada na
pluralidade de versões dos fatos e a maior transparência possível ao noticiar sobre um
caso.
Para o autor supracitado, a informação é exata quando o jornalista age de tal
maneira que não se limita a obtenção de poucas declarações ou documentos parciais, e
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sim, vai em busca da verdade, checando as informações e ouvindo os diversos lados de
uma situação. Com isso, compreende-se que se os profissionais da área observassem
melhor os aspectos em questão, existiria um jornalismo mais consciente.
A relação entre Mídia e Poder Judiciário
A complexidade da temática dá-se tendo em vista que a imprensa quer informar
sobre casos criminais, mesmo que em algumas situações não observe os devidos
cuidados éticos, agindo de forma sensacionalista e desmedida, sobretudo ao realizar
prejulgamentos. Nesse sentido, Andrade (2007) diz que o Judiciário visa resguardar os
direitos do acusado, sem sofrer com pressões midiáticas, o que seria o ideal e, assim,
proporcionar o andamento do processo judicial de forma a assegurar um julgamento
com todas as garantias conferidas constitucionalmente ao processado por um delito,
como, por exemplo, a presunção de inocência.
No entendimento de Bucci (2000), o bom jornal tem a verdade como um
princípio norteador, evitando práticas que entrem em atrito com a capacidade de noticiar
com precisão. O autor entende o seguinte: “O jornal deve defender o direito de livre
discurso e a liberdade de imprensa, e deve respeitar o direito do indivíduo à
privacidade”. (BUCCI, 2000, p. 229). Ante o exposto, é compreensível que tanto o
direito à informação quanto os demais direitos do cidadão possuam relevância e
encontram-se em condição de igualdade.
De acordo com Andrade (2007), há intervenção da imprensa no trâmite justo e
correto de um processo através da pressão da opinião pública. A partir do momento em
que a distorção realizada pelos veículos de comunicação para manipular a opinião
pública se estende ao órgão jurisdicional competente para o julgamento de causas
penais, verificam-se distorções ocorridas no decorrer do andamento do processo. Isso
ocorre porque, eventualmente, a mídia extrapola as suas funções.
Segundo Ferrari (2000), a cobertura jornalística em um caso judiciário pode,
conforme a popularidade dos envolvidos ou seu poder econômico, com a qualidade e a
seriedade dos informes, levar juízes e jurados a proferir sentenças no sentido de
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absolver ou condenar. O referido cenário é capaz de fazer desviar o curso da justiça,
fazendo com que o acusado inocente transforme-se em um bode expiatório pela pressão
da opinião pública ou ao contrário, o réu pode ser colocado no lugar da vítima, ou até
mesmo conseguir a absolvição judiciária graças à possibilidade de influir nos meios de
comunicação de massa.
Liberdade de informação e sua proteção
Ao se falar sobre liberdade de informação, deve ser dito que ela adveio de um
processo histórico, é fruto da luta pela livre expressão e liberdade de imprensa. Segundo
Karam (1997), a luta pela liberdade de imprensa existe já há alguns séculos e se origina
na própria luta pela liberdade literária oprimida pela Igreja. Com o surgimento dos
primeiros jornais periódicos, no final do século XVI, a luta adquiriu nova proporção em
escala social.
Nesse contexto, Karam (1997) menciona que o processo histórico chega a dois
momentos, quais sejam: a Independência dos Estados Unidos, em 1776, cenário em que
a liberdade de imprensa passa a ser vista como suporte da própria liberdade social, e a
Revolução Francesa, que, a partir de 1789, proclamou também a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, asseverando que a liberdade de expressar ideias e
opiniões era um dos direitos mais importantes da humanidade.
A busca pelo direito à informação como direito público no século XVI
acompanhava a efervescência intelectual e política do Renascimento e da Reforma.
Ainda de acordo com Karam (1997), a luta pelo direito à informação já ao final do
século XVIII se desdobrava na própria noção de cidadania que as duas revoluções,
americana e francesa, fizeram surgir. Assim, também crescia a oportunidade de acesso a
novas ideias, opiniões e concepções.
Ao final do século XIX, com o aumento da industrialização na sociedade
contemporânea, a informação jornalística passou a circular de maneira global, tendo sua
importância crescentemente reconhecida e discutida em variados foros do mundo. Para
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Bucci (2009), o direito à informação é tido como fundamental desde as primeiras
declarações de direitos no século XVIII.
Conforme Bucci (2000), a imprensa adveio das revoluções que forjaram a
democracia moderna. A Constituição dos Estados Unidos, estabelecida na Convenção
Federal de 1787, recebeu sua primeira emenda em 1791, garantindo a liberdade
jornalística ao dizer que o Congresso não poderia legislar no sentido de cercear a
liberdade de imprensa. “No limiar das democracias modernas, ganhou corpo,
legitimidade e lugar social, o que ainda hoje anima a imprensa.” (BUCCI, 2000, p. 10).
Bonjardim (2002) diz que a partir da Declaração Universal dos Direitos do
Homem, assinada em dezembro de 1948, em Paris, a liberdade de informação
fortaleceu-se cada vez mais. Cumpre destacar que o direito social à informação,
entendido como o direito de as pessoas receberem informações e saberem o que está
acontecendo no mundo, é consagrado no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos
Humanos.
A manifestação do pensamento, a criação, a expressão, a informação e a livre
divulgação dos fatos, protegidas constitucionalmente no inciso XIV do artigo 5º da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, devem ser interpretadas em
conjunto com a inviolabilidade à honra e à vida privada (CF, art. 5º, X), bem como com
a proteção à imagem (CF, art. 5º, XXVII, a), “sob pena de responsabilização do agente
divulgador por danos materiais e morais” (CF, art. 5º, V e X) (MORAES, 2011, p. 866).
Nesse sentido, Bonjardim (2002) diz que a Constituição Federal, no capítulo dos
direitos e garantias individuais, no inciso IX do art. 5º, dispõe que é livre a expressão da
atividade intelectual e de comunicação, independentemente de censura ou licença. É
exatamente para resguardar essa liberdade de comunicação que o art. 220 da Carta
Magna assegura que não se admitirá censura, por ser esta incompatível com a
normalidade democrática. Para que a imprensa possa exercer com liberdade e segurança
sua função social é que a censura é repudiada pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Andrade (2007) relembra que o direito à liberdade de informação na atuação
jornalística não é absoluto, sobretudo porque tem como limite os direitos inerentes à
personalidade. Além disso, o autor entende que o direito à liberdade de informação é,
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em regra, plenamente satisfeito pela mídia, não sendo comum a ocorrência de abusos
em seu exercício. Todavia, em alguma situação excepcional, pode ocorrer descuido por
parte do jornalista, através do abuso deste direito, cenário em que erros, exageros,
chegam, por vezes, a malferir arbitrariamente outros direitos igualmente protegidos.
A ética na atividade jornalística
Sobre a temática, Bonjardim diz: “é possível se ter uma imprensa, ao mesmo
tempo, livre e responsável, desde que esta compreenda seu próprio papel e o
desempenhe bem”. (BONJARDIM, 2002, p. 80). Para a autora, a imprensa não pode
deixar de empreender esforços sérios no sentido de definir suas responsabilidades, pois
os jornalistas, além de pessoas individuais, são também sociais, cujas ações afetam os
demais. Assim, como instrumento de formação da opinião pública, a imprensa tem o
dever de informar com respeito à verdade e aos direitos do cidadão, desempenhando, na
realidade, relevante função social.
Conforme Nalini (2009), a imprensa tem a capacidade de construir e destruir
reputações, criar verdades e conduzir a opinião pública. O autor assevera que por ser a
informação inserida no mercado como um bem da vida com valor comercial apurável,
há jornalistas que, visando alcançá-la, não se deixam hesitar caso entendam ser preciso
ferir outros interesses. Se de um lado existem profissionais que se importam com a
preservação da ética na imprensa, de outro, há aqueles que preferem o deboche e a
irresponsabilidade, atuando sem se preocupar com a missão de informar e de transmitir
informações consubstanciadas na verdade.
De acordo com Karam (1997), a ética ao refletir sobre a moral, proporciona um
momento de afirmação de valores, isso porque é necessário que jornalisticamente
falando, exista no cotidiano a reflexão sobre os limites de atuação profissional, bem
como a possibilidade de superação nos impasses que envolvam questões morais.
Segundo o autor, a crise ética no jornalismo está, por exemplo, no desleixo, preguiça e
incompetência na apuração precisa dos fatos e em sua formulação de texto, sendo, dessa
maneira, necessário profundo debate ético sobre esses assuntos.
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Para Bonjardim (2002), é importante que os veículos de comunicação exerçam
seu próprio controle através de uma postura ética e responsável, aumentando os
cuidados na averiguação dos fatos que objetivam noticiar. Afinal, é sabido que qualquer
denúncia evidenciada pela imprensa pode assumir ares de verdade inquestionável, sendo
vista como uma verdade pelo público. É por isso que cabe em um primeiro momento à
imprensa evitar os abusos que afrontam os princípios democráticos e prejudicam a
honra e a imagem do cidadão, sobretudo daquele que responde a processos na esfera
judiciária.
Liberdade de informação e respeito à pessoa - demonstração de casos concretos
Bonjardim (2002) diz que, objetivando informar, a imprensa submete
investigados ou acusados de um determinado crime a verdadeiro julgamento popular,
cujas consequências, negativas, são normalmente irreparáveis. Após serem marcados
perante o público como criminosos, pouco interessa a garantia constitucional do estado
de inocência, pois, se tornam vinculados àquela imagem, que tende a ser mais forte do
que qualquer presunção de inocência. Assim, sejam eles absolvidos ou condenados pela
justiça, já foram previamente condenados pelo público.
Como exemplo, há o caso da Escola Base, ocorrido em São Paulo em 1994, em
que uma sucessão de equívocos destruiu a vida das pessoas nele envolvidas. No referido
caso, a própria imprensa refletiu sobre os abusos cometidos no exercício da atividade
jornalística, bem como sobre o quanto a veiculação de informações que devassam a
intimidade e expõem indevidamente a imagem de um suspeito pode ser algo marcante e
prejudicial.
No caso da Escola Base, cidadãos comuns que trabalhavam na escola foram
acusados de abusar sexualmente de alunos. A imprensa não apenas acolheu acusações
infundadas, como amplificou, assumindo como verdades absolutas as denúncias mais
inconsistentes. As pessoas acusadas tiveram o patrimônio saqueado, a honra maculada e
a privação da própria liberdade. Ao perceber que falhou, a imprensa tentou se desculpar.
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Contudo, já era tarde, pois, mesmo absolvidos judicialmente, os acusados tiveram suas
vidas marcadas para sempre.
Já no que se refere à análise do caso exemplificativo a nível local, cumpre dizer
que a situação ocorreu em Rio Branco, Acre, em março de 2010, na qual um professor
da rede pública de ensino foi acusado de ter abusado sexualmente de um de seus alunos.
Posteriormente, não foram comprovadas as acusações e houve a absolvição do
professor. Entretanto, a repercussão midiática foi realizada de forma negativa e o
professor teve transtornos na vida pessoal.
Os danos causados ao professor foram irreparáveis, pois, além de até hoje não
ter esquecido do drama vivenciado, na época consequências mais graves ocorreram,
como: prisão, perda financeira, saída do emprego, julgamento público etc. Nesse
sentido, Bonjardim (2002) diz que o acusado ou suspeito por um crime, depois de
marcado perante o público como sendo criminoso, está inevitavelmente atrelado à essa
imagem. Seja o acusado culpado ou inocente, já foi anteriormente rotulado no âmbito
social, porque a mídia tem o poder de influenciar a opinião pública, sobretudo diante de
casos criminais.
Sobre a emblemática situação, o professor expõe em entrevista disponível na
monografia desta autora, o drama vivenciado. Comenta sobre a postura da imprensa
local diante da divulgação do caso e como foi a repercussão midiática. Assim, diz o
seguinte:
Alguns veículos foram covardes, mentirosos, difamadores. Teve um veículo de
comunicação que disse que eu era um homicida, que eu já tive outros casos de
pedofilia, que eu já tinha outras acusações. É tanto que a justiça vasculhou a
minha vida inteira, mas não havia nem um fato, nem parecido. Pelo contrário,
meus alunos foram pra rua, foram protestar, e nesse momento teve um lado
bom, que a imprensa também mostrou isso, embora de forma menos evidente,
mas mostrou, só que bem depois, depois que as pessoas se mobilizaram,
professores, pais de alunos, enfim, a comunidade, quem me conhecia me
defendeu, foi para as ruas, protestaram lá em frente ao Fórum. A mídia mostrou
isso aí, mas também, foi só no momento, depois que as coisas esfriaram. Mas,
no primeiro momento que eu tinha sido acusado, foi aquela avalanche de
notícias, evidenciaram muito mais e eu tentando sair disso tudo. (SOUSA, 2014,
entrevista).
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A partir do demonstrado acima, verifica-se que a imprensa, embora exerça
relevante função social, é capaz de intervir negativamente na vida de cidadãos que
respondam a processos judiciais ou estejam sob investigação. É claro que é um dever
jornalístico mostrar os problemas sociais e divulgar fatos de interesse da coletividade,
mas, a partir do momento em que a imprensa extrapola esse dever de denúncia, há a
existência de distorções.
O que deveria ser evitado no âmbito jornalístico é o sensacionalismo em torno
de crimes e de seus suspeitos autores, o comentário tendencioso, bem como as
informações escandalosas que possuem o intuito de impressionar a opinião pública. De
acordo com Bonjardim (2002), quando em uma matéria se verifica infundada violação à
intimidade de uma pessoa, ou quando os jornais têm em mira apenas interesses
mercantis na exploração das notícias, agindo de maneira afoita e sensacionalista, o
direito a informação deixa de ser legítimo e passa a atender apenas a interesses
inescrupulosos.
Não é raro perceber que em alguns casos, embora excepcionais, a imprensa atua
de modo a destruir sumariamente vidas e reputações. Isso porque, a mídia diante de
algumas situações age como se pouco importasse o princípio da presunção de inocência.
Assim, o próprio receptor das notícias tende a transformar toda acusação veiculada pela
imprensa em prova definitiva de culpa e condenação. E, como é sabido, as informações
transmitidas auxiliam na construção da realidade social, porém, ao atuar proferindo
vereditos de forma infundada, a imprensa presta enorme desserviço à população.
Nesse sentido, entende-se que o princípio da presunção de inocência e o respeito
à pessoa ficam comprometidos quando a mídia intervém de maneira negativa,
proferindo julgamentos com força sentencial perante à sociedade. Ao buscar, diante de
um caso criminal, encontrar um bode expiatório, alguém que embora inocente, pague e
seja considerado culpado ou até mesmo condenado publicamente, a imprensa não
observa o seu papel social, pois, demonstra não ter tomado os devidos cuidados éticos e
nem o comprometimento necessário com a veracidade dos fatos.
Conclusão
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
Deve ser dito que em algumas situações a mídia não compreende que é
necessário garantir ao acusado o respeito à honra, privacidade, intimidade, dentre outros
direitos tão importantes como a liberdade de informação. É possível constatar o referido
cenário nos casos analisados, a partir dos momentos em que a imprensa extrapolou o
seu dever de denúncia, quando, por exemplo, interveio negativamente ao buscar mostrar
à sociedade uma resposta imediata, promovendo um discurso voltado para o
punitivismo e estabelecendo prejulgamentos no que diz respeito ao processo do
professor.
A temática é complexa e delicada, pois, nem sempre existe uma relação
harmoniosa entre a liberdade de informação e o direito do acusado a um julgamento
justo. Mas, o que se buscou evidenciar neste trabalho é que a pessoa acusada no âmbito
criminal deve ser respeitada e usufruir da plenitude de seus direitos, sem interferências
externas que ensejem um decreto condenatório de forma antecipada. O fato de alguém
ser suspeito pelo cometimento de um crime não lhe retira o direito de receber a proteção
constitucional assegurada a todo cidadão, seja ele célebre ou anônimo. No caso do
professor, ficou evidente que a imprensa local nem sempre atuou de modo respeitoso.
No processo de construção de uma notícia, a verdade dos fatos é um ponto muito
importante. Se o jornalista não observa a veracidade das informações que leva à
sociedade, ele não cumpre o seu papel social e não desempenha a sua atividade de
forma ética. Por isso, é fundamental que o profissional da comunicação se paute no
respeito ao cidadão e à sociedade, informando de maneira correta os acontecimentos,
evitando erros. Ao atuar em observância aos preceitos éticos, há um equilíbrio entre a
liberdade de informação jornalística e a responsabilidade do profissional de imprensa, o
que precisa ser uma conquista diária.
Desse modo, é possível a coexistência da liberdade de informação e a garantia
dos direitos de um acusado, desde que a imprensa esteja ciente da relevância social de
seu papel e assim, atue de modo mais responsável. Agindo assim, evita-se o
cometimento de distorções e inverdades, como o que ocorreu no caso do professor, que
se viu abalado ante a notoriedade midiática dada ao seu processo. A mídia não precisa
atuar condenando pessoas publicamente para chamar a atenção ou obter audiência e
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
sim, deve ter uma postura responsável, conciliando interesses econômicos e sociais,
contemplando não apenas interesses mercadológicos, mas, sobretudo, cumprindo o seu
dever, que é de informar com responsabilidade a população.
Referências
ANDRADE, Fábio Martins de. Mídia e Poder Judiciário – A Influência dos Órgãos da Mídia
no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
BONJARDIM, Estela Cristina. O acusado, sua imagem e a mídia. São Paulo: Max Limonad,
2002.
BUCCI, Eugênio. Sobre Ética e Imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
BUCCI, Eugênio. A imprensa e o dever da liberdade: a independência editorial e suas
fronteiras com a indústria do entretenimento, as fontes, os governos, os corporativismos, o
poder econômico e as ONGs. São Paulo: Contexto, 2009.
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(org). Democracia e Informação no Final do Século XX. Rio de Janeiro: UERJ, 2000. p 163-
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KARAM, F. J. Jornalismo, ética e liberdade. São Paulo: Summus editorial, 1997.
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acusado de estupro. Monografia de Jornalismo – UFAC.
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NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
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O MEIO AMBIENTE COMO QUESTÃO POLÍTICA: UM ESTUDO SOBRE A
COBERTURA DA ENCHENTE DE 2015 PELA AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DO
ACRE1
Fernando Augusto dos SANTOS2
Francielle Maria Modesto MENDES3
Universidade Federal do Acre, Rio Branco, AC
Resumo O presente trabalho analisa a cobertura da alagação 2015 pela Agência de
Notícias do Acre, concentrando-se no modo como as autoridades políticas se apropriam
do tema meio ambiente para construir seus discursos políticos. Diante disso, serão
analisadas dez matérias publicadas entre março e abril do referido ano que personificam
as autoridades políticas para que adquiram visibilidade perante a mídia. Como
referencial bibliográfico, foram usados os pensamentos dos seguintes autores: Durval
Muniz Albuquerque Junior (2012), Wilson da Costa Bueno (2007) e Schirley Luft
(2005).
Palavras-chave: Cobertura Jornalística; Política; Meio ambiente; Agência de Notícias
do Acre
Introdução
A apropriação do discurso frente às questões ambientais através dos meios de
comunicação é uma alternativa adotada por grupos políticos e chefes de estado para
atingir um grande público frente a essa lógica de desenvolvimento. Os meios de
comunicação tornam-se espaço de difusão, propagação e midiatização de atividades
políticas e ganham espaços de debates na sociedade, ao mesmo tempo em que
autoridades políticas se apropriam de tais meios para potencializar seus discursos.
Diante disso, este trabalho discorre sobre os discursos das autoridades políticas
nas matérias publicadas durante a enchente de 2015.
1 Trabalho apresentado na V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016 na
Universidade Federal do Acre. 2 Estudante de Graduação do 8º período do Curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do
Acre (UFAC). Email: [email protected] 3 Orientadora do trabalho. Professora doutora do curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal
do Acre. Email: [email protected]
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Para o estudo, foi realizada uma catalogação de matérias publicadas no site entre
6 de janeiro e 6 de maio de 2015 totalizando 461 textos veiculados na editoria “Meio
Ambiente e Alagação”, criada especificamente para o período de cobertura da enchente.
O trabalho é resultado do projeto de pesquisa “Jornalismo e Meio Ambiente – os
diálogos possíveis” aprovado pela Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação e Diretoria
de Pesquisa (DPQ) da Universidade Federal do Acre – UFAC, através do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica e Tecnológica (PIBIC)
Após a catalogação, as matérias foram separadas em quatro categorias: serviços,
solidariedade, personificação da figura política e questão ambiental. Desse universo
coletado, foram usados somente dez textos jornalísticos para o presente estudo
pertencentes ao item personificação da figura pública..
Os textos são os seguintes: “Governador leva apoio às famílias desabrigadas no
Parque de Exposição”, escrito pela repórter Ana Paula Pojo, em 25 de fevereiro de
2015; “Governador Tião Viana intensifica ações de apoio integrado ao Alto Acre”, por
Ana Paula Pojo, em 24 de fevereiro de 2015; “Tião Viana diz ao El País que Acre vive
cheia histórica na região”, por Ana Paula Pojo, em 25 de fevereiro de 2015; o artigo “A
lição do Acre em meio ao caos”, por Nayanne Santana, em 24 de março de 2015;
“Nazaré Araújo sobrevoa municípios para averiguar as dimensões da cheia”, por
Marcelo Torres, em 21 de fevereiro de 2015; “Tião apresentará ao governo federal
ações para auxiliar cidades alagadas”, por Ana Paula Pojo, em 22 de fevereiro de 2015;
“Governador leva auxílio às famílias atingidas pela enchente em Xapuri”, por Ana
Paula Pojo, em 22 de fevereiro de 2015; “Nazaré Araújo entrega kits de medicamentos
em Porto Acre”, por Jane Vasconcelos, em 08 de março de 2015; “Primeira-dama
realiza visita solidária aos abrigados no Sesi”, por Rose Farias, em 16 de março de 2015
e “Nazaré Araújo reforça pedido para que pessoas sejam voluntárias”, por Jane
Vasconcelos, em 18 de março de 2015.
Assim, este trabalho desenvolve uma análise de como a cobertura sobre a maior
enchente da história do Acre está centrada na personificação de algumas figuras
políticas do estado, além de estudar como esses gestores se apropriam do discurso sobre
alagação para transmitir uma imagem de governo preocupado com o povo.
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Agência de Notícias
A Agência de Notícias do Acre é um site de notícias institucional do Governo do
Acre criado em 2007 na gestão do governador petista Binho Marques (2007-2010). A
Agência faz parte do Sistema Público de Comunicação e atua, principalmente, na
cobertura das ações do governador do estado do Acre, Tião Viana (PT-AC), e de sua
equipe, que em 2016 já está no seu segundo mandato.
Sobre as enchentes no Acre
O Acre é um dos 27 estados brasileiros localizado na região Norte. Faz divisa
com os estados do Amazonas e Rondônia e fronteira com dois países: Peru e Bolívia.
As enchentes que atingem o estado ocorre nos seus rios principais: Acre, Purus, Juruá,
Tarauacá e Iaco.
Segundo o Relatório de Avaliação de Danos e Prejuízos na Área Rural da
Alagação 2015, divulgado pelo Governo do Estado do Acre, em março de 2015, em Rio
Branco, a cota de transbordamento do Rio Acre é de 14 metros. Em 1988, o rio atingiu a
marca dos 17,12 m; em 1997, 17,66 m, em 2006, 16,72 m e em 2012, 17,64 metros.
Já no ano de 2015, a enchente atingiu a cota de 18,40 metros, maior já registrada
no Estado e considerada a mais rigorosa e de maior impacto social em toda a história
das cheias dos rios do estado. A alagação atingiu os municípios de Rio Branco, Porto
Acre, Xapuri, Epitaciolândia, Brasiléia, Assis Brasil, Plácido de Castro, Sena Madureira
e Tarauacá, situados às margens dos principais rios que banham o Acre.
Em março do referido ano as prefeituras de Rio Branco, Xapuri, Brasiléia e
Tarauacá decretaram Estado de Calamidade Pública, que foi homologado pelo governo
estadual e reconhecido pelo Governo Federal, por meio da Secretaria Nacional de
Defesa Civil do Ministério da Integração. O mesmo procedimento ocorreu com os
decretos de Situação de Estado de Emergência dos demais municípios afetados pelas
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
enchentes. Segundo dados apontados pelo documento, somente na zona rural os
municípios amargaram um prejuízo econômico que ultrapassou R$ 146 milhões.
A cobertura jornalística
A escolha dos textos da Agência de Notícias deu-se por ser o único veículo de
comunicação a ter uma editoria de “Meio ambiente e alagação”, criada durante o
período da enchente de 2015. A página era atualizada várias vezes ao dia e fornecia os
números sobre o aumento do rio, as medidas tomadas pelos órgãos públicos, além de
outras informações relevantes.
No Brasil, o discurso sobre economias sustentáveis, desenvolvimento
sustentável e sustentabilidade passou a ser amplamente publicizado e debatido a partir
de 1992 com a realização da ECO-92, no Rio de Janeiro. (RAMOS apud CARVALHO;
SCHIMANSK, 2012).
Fenômenos climáticos como secas extremas, aumento da temperatura e
alagações passaram a ser um dos assuntos mais preocupantes e debatidos pela sociedade
contemporânea. Os prejuízos econômicos causados por esses fenômenos preocupam
chefes de estado e grandes empresas, passando a interferir na vida do cidadão. Dada a
complexidade e consequências dessas calamidades, faz-se necessário debater e colocar
em prática ações para minimizar os efeitos de uma crise ambiental que se alastra e
interfere no cenário social das pessoas e na economia mundial.
Discutem-se muito sobre responsabilidade e destruição do planeta em eventos
ambientais com participação de líderes do mundo todo. Algumas personalidades
mundiais defendem que é hora de frear o desenvolvimento e buscar medidas para
minimizar os agravos. Muitas são as vertentes dessas discussões, há também busca por
interesses econômicos, e no meio desse processo está inserido o cidadão, que nem
sempre opina ou tem conhecimento dos rumos das decisões tomadas. Diante dessa
problemática, compete aos veículos de comunicação o papel de nortear e proporcionar
informações a um maior número de pessoas.
Os veículos midiáticos contribuem para a sociedade assumir cuidados
individuais e servem para informar a população sobre ações das autoridades. Por outro
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lado, assume a missão de mostrar as causas do problema, a responsabilidade da
sociedade e do poder público perante o que está acontecendo e quais ações podem ser
tomadas para evitar ou minimizar as consequências das crises ambientais.
Numa situação de alagação, como a ocorrida no Acre em 2015, os veículos de
comunicação do estado noticiaram com grande enfoque as ações do governo para
minimizar os efeitos da enchente na vida das pessoas, tais como as campanhas de
arrecadação, a presença de personalidades políticas no estado, caso da presidente da
república e de ministros.
Mais do que informar e mostrar ações realizadas pelo poder público, os veículos
devem atuar de forma preventiva e investigativa para elucidar problemas de cunho
ambiental. Porém, na cobertura houve ausência de um debate sobre as causas desses
problemas. Mais do que noticiar as ações do governo é função dos meios de
comunicação, isso inclui a Agência de Notícias, esclarecer como o poder público está
atuando na distribuição dos recursos e o que vem sendo feito para minimizar o impacto
do problema enfrentado.
Como dito antes, do universo de 461 matérias recolhidas na editoria “Meio
ambiente e alagação”, 50 foram selecionadas para categoria Personificação da Figura
Pública. Foi possível constatar que todos os títulos enfocavam o governador Tião Viana,
a vice-governadora Nazaré Araújo, ministros que vieram ao Acre para acompanhar a
situação de calamidade pública, a presidente Dilma Rousseff e as ações de solidariedade
da primeira dama, Marlúcia Cândida. Para análise do presente trabalho, foram
escolhidos dez textos para investigação, pois se entendeu na pesquisa que grande parte
dos textos catalogados discutia os mesmos temas e sob os mesmos aspectos.
Conforme afirma Lima (2004), não há política sem mídia. Ele afirma que depois
do desenvolvimento da mídia, um evento para ser “evento público”, não está limitado à
partilha de um lugar comum. “O público pode estar distante no tempo e no espaço.
Dessa forma, a mídia suplementa a forma tradicional de constituição do público, mas
também a estende, transforma e o substitui” (LIMA, 2004, p. 51). Para o autor, essa
nova situação provoca consequências imediatas tanto para quem deseja ser político
profissional quanto para a prática da política. Tal pensamento justifica a tentativa de
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visibilidade do governo do Acre em promover suas ações perante a sociedade, já que os
atores políticos tem que disputar visibilidade na mídia favorável de seu ponto de vista.
Para o autor:
A ocupação desse espaço institucional pela mídia é apontada como um
das causas da crise generalizada dos partidos em diferentes sistemas
políticos. Além disso, atribui-se a preferência da mídia pela cobertura
jornalística dos candidatos, promovendo uma crescente
“personalização” da política e do processo político que estaria sendo
representado como uma disputa entre personalidades políticas.
(WATTENBERG, 1991, 1994 apud LIMA, 2004, p. 52).
A matéria intitulada “Governador leva apoio às famílias desabrigadas no Parque
de Exposição”, mostra governador do Acre e prefeito de Rio Branco em visita aos
desabrigados como forma de demonstrar a solidariedade e respeito dos gestores aos
atingidos pela alagação. É possível perceber isso no trecho a seguir:
A ação do governo em favor da população atingida pela cheia
histórica que ocorre no estado é intensa. Em Rio Branco, o governador
Tião Viana, acompanhado pelo prefeito, Marcus Alexandre, visitou
nesta quarta-feira, 25, as famílias desabrigadas que estão alojadas no
Parque de Exposição. (POJO, 2015, online).
A repórter apresenta uma fala do governador: “Aqui tem sido feito um trabalho
de equipe, com voluntários, e todos se voltando para ajudar o prefeito Marcus
Alexandre” (POJO, 2015, online). Mais a frente, é citada uma fala do prefeito em que
afirma que todo apoio está sendo dado aos acreanos. Ele chama o momento vivido de
desafio.
Essas águas vindas aqui de Rio Branco são provenientes de lá [Assis
Brasil] e desde o início o governo está mobilizando todas as suas
forças. Estamos juntos enfrentando esse desafio, proporcionando toda
a estrutura para atender a população aqui no Parque de Exposições.
(POJO, online, 2015).
A fala do prefeito deixa claro que não serão trazidas ao debate as causas da
enchente, o site não irá apontar responsabilidades ambientais e nem destacará o papel da
sociedade nesse contexto. A fala da autoridade trata o assunto como desafiador, mas um
processo meramente natural para esses moradores da Amazônia brasileira.
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O discurso que exalta as ações do governo continua na matéria “Governador
Tião Viana intensifica ações de apoio integrado ao Alto Acre”. A repórter dá um tom
enfático a figura do chefe de estado, conforme trecho seguinte:
O governador Tião Viana seguiu bem cedo para essas cidades a fim de
intensificar as ações de apoio e solidariedade que o governo
desenvolve de maneira integrada, em favor das centenas de famílias
atingidas pela inundação do rio. (POJO, online, 2015).
Nesse trecho, há um enquadramento para mostrar à sociedade que o político está
engajado e comprometido com a população. Palavras como apoio e solidariedade são
usadas para mostrar preocupação com as pessoas. Todo esse discurso é intencional na
tentativa de aproximar o público do gestor nesse cenário controverso que o estado vive.
O veículo apresenta as ações para reforçar a imagem do governador, o que evidencia a
fragmentação do debate ambiental em detrimento do político.
Mais do que noticiar fatos e apresentar somente dados, o jornalismo de um modo
geral, sobretudo, o ambiental, deve ter compromisso com o interesse público. Portanto,
mesmo um site criado para priorizar a gestão de um grupo político tem compromissos
sociais que não devem ser ignorados, um deles é a conscientização ambiental. Conforme
aponta Bueno (2007):
A pauta ambiental deve enxergar as questões sobre as quais ela se
debruça a partir de uma lente angular e não de uma teleobjetiva. Não é
razoável afunilar demais o foco (ver a árvore sem ter em mente a
floresta) porque a problemática ambiental caracteriza-se sobretudo por
essa perspectiva abrangente. Não se pode inclusive como tem ocorrido
com frequência em nossa cobertura ambiental, privilegiar aspectos
como o econômico e o científico sem levar em conta as vertentes
sociais, culturais e políticas. (BUENO, 2007, p. 41).
Na linha de pensamento de Bueno, é necessário estabelecer uma relação com a
matéria “Tião Viana diz ao El País que Acre vive cheia histórica na região”, escrita pela
repórter Ana Paula Pojo, em 25 de fevereiro de 2015. O texto aponta o trabalho de
atendimento à população, em conjunto com as prefeituras, a bancada federal e outras
autoridades envolvidas. A matéria apresenta dados divulgados pelo governador, em que
ele afirma que mais de duas mil pessoas estão desabrigadas, e esse número só não é
maior em razão da entrega de casas feitas pelo governo, por meio do Minha Casa,
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Minha Vida, que tirou 7.057 pessoas das áreas de risco para viverem em
empreendimentos com saneamento básico adequado e dignidade de vida. Mais a frente,
a matéria cita que em breve serão entregues mais mil moradias na capital. O governador
se concentra em apresentar dados econômicos, promovendo uma política assistencialista
perante a mídia.
O artigo “A lição do Acre em meio ao caos”, escrito pela repórter Nayane
Santana, apresenta um relato sobre a visita do ministro da Previdência Social Carlos
Eduardo Gabas:
Entre as chegadas e partidas ministeriais, uma me chamou a atenção:
Carlos Eduardo Gabas, ministro da Previdência Social. Durante
coletiva o representante da presidência fez um relato diante de
câmeras e dezenas de jornalistas. Um testemunho sobre o que dias
atrás eu também observara. Gabas disse que, quando acompanhado
por sua equipe chegou ao Acre, imaginava que encontraria um estado
desorganizado, que veria pessoas desesperadas pelas ruas. Mas,
enganou-se. Declarou-se positivamente surpreendido pelo exemplo
que encontrou em meio ao caos. Mas por que não nos surpreendemos
com isso? (SANTANA, 2015, online).
O texto da repórter enfatiza que a situação está sob controle no Acre, não há
pessoas desesperadas por causa da enchente. O governo estadual e federal estão
cuidando de tudo, segundo a jornalista. As pessoas estão sendo atendidas, portanto, não
há motivos para pânico, caos ou preocupação. O texto apresenta poucos fatos e
concentra-se nas impressões da jornalista. No pensar de Marilena Chauí, essa é uma
prática comum de articulistas de jornais e revistas “que não nos informam sobre fatos,
acontecimentos e situações, mas gastam páginas inteira nos contando seus sentimentos,
suas impressões e opiniões sobre pessoas, lugares e objetos” (CHAUÍ, 2006, p. 7).
A matéria “Nazaré Araújo sobrevoa municípios para averiguar as dimensões da
cheia” cita que a vice-governadora sobrevoou Brasileia e Epitaciolândia, municípios
vizinhos na região do Alto Acre, para verificar a situação do Rio Acre e ter dimensão da
situação da enchente que atinge esses municípios: “De acordo com a governadora esse
momento é muito importante estarmos unidos para enfrentar aquilo que nos traz a
natureza com a cheia dos nossos rios” (TORRES, 2015, online).
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
A frase citada pela vice isenta o poder público de ter responsabilidades pela
alagação. Ela transfere os encargos da enchente à natureza, minimiza a questão, e
enfatiza a imprevisibilidade do episódio, apesar das enchentes serem anuais. Dessa
forma, não há necessidade de propor soluções para acontecimentos que são naturais e
imprevisíveis.
A fala da autoridade ressalta também sentimento e emoção, Araújo propõe união
como se isso fosse suficiente e papel do estado no momento da calamidade. A ênfase na
união substitui medidas práticas e eficazes dos gestores públicos. Marilena Chauí
(2006) afirma que as relações sociais e políticas, muitas vezes, “perdem suas
especificidades e passam a operar sob a aparência da vida privada, portanto referidas a
preferências, sentimentos, emoções, gostos, agrado e aversão” (CHAUÍ, 2006, p. 9).
Em seguida, a gestora destaca a ajuda humanitária como objetivo de ajudar às
famílias que passam por esse momento de aflição. O debate sobre as possíveis causas da
alagação não é apresentado novamente, nem tampouco se destaca qual é o papel dos
políticos e da sociedade diante dessa situação. No dizer de Nilson Lage, “os problemas
se esvaziam no sentimentalismo ou se disfarçam na manipulação da simplificação e do
inimigo único” (LAGE, 2012, p. 31). O inimigo único aqui é o transbordamento dos
rios em todo o estado.
O destaque pessoal do gestor pode ser visto também na matéria intitulada “Tião
apresentará ao governo federal ações para auxiliar cidades alagadas”, escrito pela
repórter Ana Paula Pojo, em 22 de fevereiro de 2015. A jornalista pontua o trabalho
desenvolvido pelo estado e nomeia essas ações de solidárias:
Esse é o momento de dar continuidade a caminhada de solidariedade.
Na segunda-feira estarei falando com o ministro da integração, o
general da Defesa Civil e com a Secretaria Nacional de Habitação
sobre a etapa seguinte após a redução das águas. O objetivo é avançar
nas políticas de habitação, para viabilizar a construção de casas em
áreas que não sejam afetadas pela enchente e com infraestrutura
adequada (POJO, 2015, online).
No trecho anterior, o governador propõe uma medida eficaz para a população,
que não é apenas remediadora do problema: as políticas públicas de habitação. Se uma
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
parte da população for realmente retirada dos locais alagadiços e transferida para um
local adequado para morar isso será uma ação de fato eficaz.
Ações concretas são raras no discurso do governador e da vice-governadora.
Eles concentram-se mais em prestar solidariedade aos atingidos, o que se resume em
visitas aos abrigos, palavras de conforto e incentivo. Faz-se aqui menção ao pensamento
de Durval Albuquerque Junior (2012), quando afirma existir na região Nordeste
brasileira a indústria da seca. De acordo com o autor, não é conveniente para os grupos
políticos resolverem esse problema naquela localidade do país, pois a continuidade dele
mantém não só o apoio financeiro contínuo do governo federal, mas também o destaque
a alguns políticos. Obviamente, esses recursos recebidos não são usados corretamente
ou são usados apenas como paliativos, portanto, a questão permanece incomodando a
população nordestina há mais de um século. Como dito pelo autor:
As elites deste espaço descobrem a força da arma que têm nas mãos,
como este fenômeno e o cortejo de misérias que acarretava tornavam
este tema um argumento quase irresistível na hora de se pedir
recursos, em nome de socorrer as vítimas do flagelo, obras públicas,
em nome de empregá-los em trabalho regular ou cargos públicos, em
nome de organizar e promover a distribuição dos socorros. O que se
chamará, mais tarde, de indústria das secas é gestada neste momento,
assim como o discurso da seca, que a sustentará, a justificará e a
promoverá (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2012, p. 93).
O mesmo acontece no Acre. Vive-se a indústria da alagação. É conveniente para
os políticos não resolver o caso para que se mantenham em evidência nos meios de
comunicação e para que sejam citados como gestores que trabalham em benefício de
todos, e muito se preocupam com as “tragédias naturais” que atingem a população.
Outra matéria que enfoca as ações do executivo na alagação recebe o seguinte
título “Governador leva auxílio às famílias atingidas pela enchente em Xapuri”. A
matéria publicada em 22 de fevereiro de 2015 afirma que o chefe do executivo “segue
em ritmo intenso com as ações em favor das cidades atingidas pela enchente na região
do Alto Acre” (POJO, 2015, online). O texto destaca que a preocupação do governo é
prestar toda a solidariedade às famílias e não deixar que o prejuízo material afete-as.
Novamente, a jornalista se apropria do termo solidariedade para justificar as ações
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administrativas que estão sendo tomadas pelo governo estadual. Na ocasião, o
governador repete a fala de Nazaré Araújo sobre a enchente ser um fenômeno natural:
“O importante é que estamos preparados e o resultado que buscamos é que a população
sinta a solidariedade, a confiança, as mãos dadas, para que possamos superar esse ciclo
da natureza que afeta o Acre e a Amazônia” (POJO, 2015, online). O que se nota na
Agência é aquilo que o Nilson Lage diz ser comum nos veículos de comunicação atuais,
os textos concentram-se em “destacar o lado emocional da situação e evidenciar de
alguma forma suas agruras reais” (LAGE, 2012, p. 31).
Diante da atual crise ambiental, os veículos de comunicação continuam sendo
fontes de informação para maioria do público. O papel desses veículos revela-se
decisivo nos processos de formação de opinião sobre a problemática ambiental. São
necessárias ações nas esferas públicas e privadas comprometidas com responsabilidade
socioambiental.
As matérias “Nazaré Araújo reforça pedido que as pessoas sejam voluntárias”,
“Nazaré Araújo entrega kits de medicamentos em Porto Acre” e “Primeira-dama realiza
visita solidária aos abrigados no SESI” destacam mais as ações individuais dessas
pessoas do que necessariamente trazem elementos pertinentes dentro do cenário sócio
ambiental. Pode se notar que o enfoque na solidariedade e ajuda humanitária constroem
uma ideologia que oferece o efeito de confiabilidade e aproximação. A presença de uma
autoridade no meio do povo faz com que ele tenha a sensação de pertencimento a um
grupo, dá a sensação de acolhimento e apoio por parte do poder público.
As enchentes que atingem o estado do Acre já se tornaram históricas e
previsíveis. Todos os anos os municípios vivem a situação do alagamento. Muitos dos
bairros atingidos estão na margem de rios e igarapés. As cidades acreanas cresceram
sem planejamento urbano, o que tem ampliado o número de moradores próximos às
regiões alagadiças. Por outro lado, a degradação das matas ciliares, as queimadas, o
desmatamento da floresta amazônica causam um desequilíbrio natural. Frente a esses
transtornos, a sociedade não está isenta de culpa.
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Diante dessa problemática, ampliar o debate e fomentar ações que trabalhem a
prevenção, mesmo que os resultados só cheguem em longo prazo deve ser a alternativa
em relação à gestão ambiental.
Esse comprometimento começa nos níveis gerenciais mais elevados
da organização, em que a alta administração estabelece a política
ambiental e assegura que o sistema de gestão ambiental seja
implementado. Como parte desse comprometimento, a alta
administração designa o seu representante específico, com
responsabilidade e autoridades definidas para implantação do sistema
de gestão ambiental, além do treinamento necessário para assegurar a
capacitação do pessoal, especialmente daqueles que desempenham
funções especializadas de gestão ambiental e de responsabilidade
social. (TACHIZAWA, 2009, p.126 apud ALVES, BALTAZAR,
2010, p.129).
O pensamento de Tachizawa citado por Alves e Baltazar (2010) explica a
necessidade do governo acreano de criar medidas contingenciais urgentes de prevenção
e controle dos efeitos da alagação. É sabido que todos os anos, entre os meses de
fevereiro a maio, o estado do Acre passa por um período chuvoso intenso. Essas chuvas
provocam alagações que atingem a maior parte dos municípios do estado e provocam
prejuízos, tanto econômico quanto social e ambiental. Porém, há uma carência dos
veículos locais de jornalismo preventivo (LUFT, 2005).
A prática do jornalismo preventivo, no caso das alagações no estado, pode
conduzir a uma agenda responsável, dimensionando os riscos reais do problema. Uma
cobertura jornalística cuidadosa será de grande importância para preparar a sociedade
dos diferentes municípios do estado, tanto da cidade quanto da zona urbana, exigindo
ações efetivas por parte das autoridades públicas.
Além dos veículos de comunicação cumprirem seu papel de informar,
conscientizar e esclarecer ao cidadão que suas ações contribuem para potencializar os
danos ambientais, vale destacar que não se trata apenas de ensinar as pessoas a adotar
cuidados higiênicos para se prevenir na época da enchente, noticiar a alagação e o
impacto causado, mas também encorajar cidadãos a participar ativamente em ações
preventivas que minimizem os transtornos provocados pela enchente principalmente nas
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áreas urbanas como diminuir a produção excessiva de lixo e ocupação irregular às
margens dos rios.
Considerações finais
Foi possível concluir que os dez textos estudados, que foram extraídos da
Agência de Notícias do Acre, possuem conteúdos discursivos muito parecidos, com o
intuito de promover as autoridades políticas locais perante o público. O enfoque é nas
ações dos gestores, o governador Tião Viana, sua esposa, a vice-governadora Nazaré
Araújo e alguns ministros, pertencentes ao mesmo grupo político dos gestores locais.
Apesar da Agência ser um site vinculado ao governo do estado do Acre, ela faz
parte do Sistema Público de Comunicação, por isso sua função sempre será prestar
serviço à sociedade. Isso significa que além de informar as medidas paliativas tomadas
pelo governador e sua equipe, o veículo precisa estabelecer um debate sobre o meio
ambiente e suas implicações para a população.
A forma personalista trabalhada pelo atual gestor do estado pode prejudicar o
trabalho de um jornalismo preventivo e eficaz, que atua não só nas consequências, mas
também nas causas de alguns acontecimentos importantes, caso da alagação. Ações
preventivas podem evitar, inclusive, eventos futuros mais graves e que envolvam um
número maior de pessoas.
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OS PROJETOS DE PESQUISA E EXTENSÃO SOBRE HISTÓRIA E JORNALISMO: REFLEXÕES
E APONTAMENTOS PARA O USO DE FONTES HEMEROGRÁFICAS E DE EXTENSÃO” 1
Inaiane Lima MELO
2
Neuzilene Silva de AZEVEDO 3
Nedy Bianca Medeiros de Albuquerque FRANCO 4
Universidade Federal do Acre, Rio Branco, AC
Resumo
O presente texto irá abordar a criação, os objetivos e ações de dois projetos que
relacionam “História e Jornalismo”, cuja constituição se inspira na transdiciplinaridade,
no conhecimento multidimensional a luz da “Introdução ao Pensamento Complexo” de
Edgar Morin. Os projetos se configuram em uma oficina denominada de “História e
Imprensa: diálogos, reflexões e apontamentos para o uso de fontes hemerográficas” e na
iniciação científica “História e Jornalismo: reflexões e apontamentos para o uso de
fontes hemerográficas”. Possuem aprovação do Centro de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Federal do Acre e vinculam-se aos Grupos de Pesquisas de Gênero,
Conhecimento, Meio Ambiente e Cultura Afro-Brasileira estando inseridos nas
discussões sobre conhecimento histórico, ao passo que se enquadram também no
Núcleo de Pesquisa e Estudo da Cena Contemporânea na perspectiva de estudos
literários sobre os textos hemerográficos. Embora a pretensão seja de que a dupla tenha
fluxo continuo, suas atividades inaugurais transcorrem ao longo do último semestre
letivo de 2015 e dos dois semestres letivos de 2016 (lembrando que a dissonância entre
calendário gregoriano e letivo é fruto do reajuste feito pelo Conselho Universitário em
função da última greve de docentes e servidores da UFAC), buscando refletir sobre os
diálogos entre a História e o Jornalismo, com especial atenção para o emprego dos
textos da imprensa escrita como tema e instrumental a ser inquirido. Em concomitância
a isto, se acrescem os projetos e as produções de monografias de bacharelandos em
História e dos cursistas do Aperfeiçoamento UNIAFRO: política de promoção da
igualdade racial. Dentro deste contexto, esta comunicação pretende tratar do
desenvolvimento destas intervenções, com a finalidade de promover a troca de
experiências entre os cursos do Centro de Filosofia e Ciências Humanas.
1 Trabalho científico submetido a SEACOM 2016 – UFAC, LT1 - Jornalismo (história, teoria do jornalismo, teoria
da comunicação, gêneros jornalísticos). 2 Acadêmica do terceiro período do Curso de Licenciatura em História do CFCH/UFAC, orientanda PIVIC/UFAC 2015-2016 do Projeto de Iniciação Científica História e Jornalismo: reflexões e apontamentos para o uso de
fontes hemerográficas, email: [email protected] 3 Acadêmica do Curso de Bacharelado em História do CFCH/UFAC, email: [email protected] . 4 Doutora em História Social pela USP, com a tese “A Cavalo dado não se olham os dentes”: O Bolivian Syndicate e a Questão do Acre na imprensa (1890 a 1909). Professora do Curso de História do CFCH/UFAC, email:
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Palavras-chave: História, jornalismo, pesquisa, extensão, intercâmbio.
Tendo em mente a obra de Morin e a propositura de buscar um conhecimento
multidimensional constituíram-se neste ano os projetos de extensão e de pesquisa
denominados de “História e Jornalismo” com o intuito de estudar as suas ligações no
desenvolvimento de pesquisas, nas escolhas de temáticas, nos objetos de estudo,
desconfianças e dificuldades de trato dos periódicos como fontes.
Os projetos pretendem ser de fluxo contínuo e surgiram a partir dos estudos
desenvolvidos para a tese “ ‘A Cavalo dado não se olham os dentes’: O Bolivian
Syndicate e a aquisição do Acre pelo Brasil nos periódicos belenenses, manauaras e
acrianos de 1890 a 1909”, pois, ao estudar a temática a então doutoranda percebeu que:
[...] pesquisar sobre textos jornalísticos veiculados em jornais
brasileiros durante o período de 1890 a 1909, cuja temática foi a Questão do
Acre e de modo mais específico o Bolivian Syndicate, esbarrou nos estigmas
relacionados ao uso dos jornais como fontes históricas, no analfabetismo da
maior parte das populações do quadrilátero do levantamento hemerográfico
para esta pesquisa, assim como nas dificuldades para identificar o lugar de
produção dos periódicos.
A nódoa pelo trato com os jornais enquanto fontes era advento da
mitológica discussão sobre a intencionalidade dos documentos e por
consequência, sobre sua viabilidade como manancial de pesquisa.
Igualmente incômodo era considerar que na virada do XIX para o XX a
maior parte da população brasileira – tanto na capital federal, quanto nos
rincões amazônicos – era analfabeta e desta feita, nos parecia uma incógnita
a possibilidade de pensar e empregar os textos jornalísticos como elementos
de repercussão dos debates sobre o Acre dentro destes grupamentos sociais.
Acrescia-se a isto, a obstrução do desenvolvimento do estudo por conta da
caracterização acerca do que eram os jornais, os jornalistas, os donos da
imprensa escrita e os seus públicos. (ALBUQUERQUE FRANCO, 2015, p.
20)
Assim, ainda os jornais estudados para elaboração do trabalho de doutoramento
tenham sido aqueles da virada dos séculos XIX para o XX, os dilemas acerca da
intencionalidade, representatividade, viabilidade da pesquisa, bem como da
configuração do lugar de produção, dos produtores e destinatários destes textos ainda é
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constante na relação entre História e Imprensa. Contudo, tais impasses encontraram
acalanto em historiadores como Laura Antunes Maciel ao lermos que:
[...] a compreensão sobre as disputas e lutas que marcam a produção social
da memória, bem como aos lugares privilegiados para a construção de
sentidos para o presente –dos quais a imprensa desempenha papel central – e
às práticas de memorização do acontecer social, nem sempre merecem
atenção de nós historiadores. Trata-se de buscar as formas como se
constroem sentidos e interpretações, por meio da imprensa refletindo sobre a
forma como se articulam as diversas forças capazes de produzir
representações históricas [...] (MACIEL, 2008, p.1)
Representações históricas que em Heloísa de Farias Cruz e Maria do Rosário
Peixoto se coadunam também no significado dos veículos de comunicação para
compreensão dos modos de vida contemporâneos, vez que:
A importância crucial dos meios de comunicação na atualidade faz da
reflexão sobre a comunicação social um campo interdisciplinar estratégico
para a compreensão da vida contemporânea. Sistemas de satélites e cabos,
novas tecnologias e redes de informação, a comunicação sem fio e digital,
televisão aberta e a cabo, rádio, computador, celular, jornais, revistas, sites
blogs, emails, chats, torpedos, sinalizam o grande emaranhado de
tecnologias, artefatos e mensagens que invadem nosso cotidiano
configurando as redes de comunicação e informação que se organizam na
atualidade e que se impõem para a reflexão nas diferentes áreas de pesquisa
e ensino.
Particularmente em relação à imprensa, é fácil constatar que seu uso,
faz algum tempo,encontra-se disseminado nos ambientes de trabalho das
ciências sociais e das humanidades. (CRUZ, PEIXOTO, 2007, p. 254)
Representações históricas que têm sido desprezadas na UFAC a julgar pela
observação da crescente quantidade de trabalhos historiográficos baseados quase que
exclusivamente na História Oral em desfavor do emprego de fontes hemerográficas, tal
qual se pode verificar nos trabalhos feitos no DINTER USP/UFAC (2011-2015) e
mesmo nas graduações de História na UFAC. Entretanto:
[...] partindo de premissas básicas de que “fontes hemerográficas” englobam
periódicos de diversar ordens (sejam revistas ou jornais científicos, extra-
científicos, de movimentos clássistas entre outros, de discussão política, etc),
com distintas finalidades, financiadores e públicos. Recordando ainda das
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
diferentes temporalidades em que foram produzidos e vinculados. E por fim
considerando que os periódicos podem e tem se propagado tanto em meio
físico quanto digital (sobretudo neste último com grade velocidade) nos
vemos impelidos a pensar no quão representativas de uma época e de uma
sociedade podem ser as fontes hemerográficas.[...]
Na verdade, a discussão sobre o peso das fontes hemerográficas é
amíude e ecoante, em especial ao empregá-las para pesquisas sobre países
como o Brasil, onde temos em grande parte de nossa História o letramento
como excludente social, não obstante os dados de redução do analfabetismo
na atualidade (e sem adentrarmos nas polêmicas sobre analfabetos
funcionais). Esse debate sobre representatividade da maior parte da
população nos jornais escritos se intensifica ao usarmos de um recorte de
tempo mais longínquo da contemporaneidade.[...] (ALBUQUERQUE
FRANCO, 2016)
Neste contexto, tanto ao longo da escrita da referida tese quanto no decorrer da
produção e maturação de outras obras foram se configuraram os formatos dos projetos
de pesquisa e de extensão ora comentados, que estão hoje aprovados pelo Centro de
Filosofia e Ciências Humanas. Projetos que em conformidade a ideia de
multidimensionalidade dos saberes se concatenam com ao estudo dos rudimentos da
produção historiográfica do Grupo de Pesquisa de Gênero, Conhecimento, Meio
Ambiente e Cultura Afro-Brasileira, assim como as análises literárias promovidas pelo
Núcleo de Pesquisas e Estudos da Cena Contemporânea sobre textos jornalísticos.
Então, em 2016 (ainda dentro do segundo semestre letivo de 2015, conforme há
de se recordar de divergências decorrentes dos ajustes feitos pelo CONSU/UFAC para a
acomodação de calendário após a última greve de professores e servidores desta IFES)
se iniciaram as atividades dos projetos.
No campo extensionista foi elaborada a oficina “História e Imprensa: diálogos,
reflexões e apontamentos para o uso de fontes hemerográficas”, que já está inscrita e
aprovada no X Simpósio Linguagens e Identidades da/na Amazônia Sul-Ocidental a
acontecer no Campus Rio Branco da UFAC, em novembro de 2016. A oficina prevê
público de 15 pessoas e terá como ponto de partida reflexões sobre a História e
Jornalismo na investigação científica, historiando o surgimento da imprensa escrita no
Brasil, abordando as noções fundamentais sobre a pesquisa em História e as fontes
207
Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
históricas hemerográficas, discutindo os seus lugares de produção, intercâmbios,
funções e desusos historiográficos.
A opção por este modelo piloto de oficina em face da compreensão de que os
diálogos entre História e Imprensa incorrem por vezes naquilo que Ribeiro e
Herschmann chamaram de “impasses teóricos e problemas metodológicos”. Dilemas e
dificuldade que são para os autores a regionalidade dos estudos, ausência de pesquisas
de grau comparativo, falta de obras síntese, o uso equivocado do sudeste brasileiro
como parâmetro compatativo, ênfase na atuação individual, narrativa em desfavor da
análise, memorialismo, foco em História Política.(RIBEIRO, HERSCHMANN, 2008, p.
18-22)
Em concomitância as ações de extensão, desde agosto de 2016 (dentro do segundo
semestre letivo de 2015) desenvolve-se o projeto de iniciação científica denominado de
“História e Jornalismo: reflexões e apontamentos para o uso de fontes hemerográficas”,
com alunas das graduações de História5, que se justifica em face das dificuldades de
compreensão dos acadêmicos sobre a seleção e trato com fontes hemerográficas. De tal
sorte que a ideia é instrumentalizar aos graduandos para fazerem bom uso dos jornais
como fontes de pesquisa.
Tendo a iniciação científica por objetivos dar noções históricas sobre o alvorecer
da conexão entre História e Jornalismo em terras brasileiras, apresentar fundamentos da
pesquisa com fontes impressas e digitais hemerográficas, além de passar sugestões de
metodologias de trabalho com essas fontes. O método de trabalho se divide em
encontros presenciais com leituras e discussões sobre a bibliografia indicada, será
marcado por três etapas interdependentes, constituídas da fase de pesquisas em fontes
hemerográficas a serem executadas tanto na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional,
quanto no Centro de Documentação Histórica da UFAC e em acervos de jornais da
cidade de Rio Branco. E dessas atividades devem resultar artigos para apresentação no
seminário de iniciação científica, assim como os relatórios semestrais.
5 Sendo uma aluna bolsista e outra voluntária. Aduz dizer que uma aluna é do curso de licenciatura e outra do
bacharelado em História da UFAC.
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Ao segmento de ensino se acrescem as produções de monografias de
bacharelandos em História e dos cursistas do Aperfeiçoamento UNIAFRO: política de
promoção da igualdade racial. No campo monográfico estão sendo desenvolvidas
pesquisas no curso de bacharelado em História da UFAC dois trabalhos, que
empregando o Varadouro – Jornal das Selvas como fonte hemerográfica, versam sobre
o papel da mulher e as relações de conflitos fundiários. Ainda no referido bacharelado
temos um terceiro trabalho que aborda o preconceito em torno das casas de umbanda e
candomblé, tema que também é trabalhado em um dos trabalhos de conclusão do curso
de aperfeiçoamento da UNIAFRO.
Finalizando nossa conversa acerca dos projetos de pesquisa e extensão sobre
História e Jornalismo, esperamos que ao noticiarmos o que estamos fazendo nos cursos
de licenciatura e bacharelado da História da UFAC com a imprensa enquanto fonte e
objeto, possamos ter maior interação entre as diferentes graduações e pós-graduações
não apenas vinculadas ao Centro de Filosofia e Ciências Humanas, mas aos diferentes
Centros de nossa IFES.
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REDES SOCIAIS E FEMINISMO NO CONTEXTO ACREANO: RELATO DE
UMA EXPERIÊNCIA
Ana Luiza LIMA1
Wagner da Costa Silva2
Universidade Federal do Acre - Ufac
Resumo
Este artigo se propõe discutir uma experiência de debates sobre o feminismo
desenvolvida na cidade de Rio Branco – Acre, que tem as redes sociais, em especial o
facebook, como elemento de articulação, seja para atrair um público maior, ou para a
decisão dos temas que entrarão em discussão. O evento tem mostrado que as redes
sociais são um importante elemento de integração, uma ponte entre aquel@s que
desejam conhecer mais sobre o feminismo, @s que conhecem e @s que tomam
conhecimento do movimento ou do evento por meio de compartilhamentos na rede.
Palavras-chave: Feminismo; Redes Sociais; Acre; Bate Papo Feminista
Redes sociais: tecendo considerações
Feminismo é um movimento que luta pelo fim do sexismo, da exploração sexista
e da opressão. Este conceito é trazido pela escritora estadunidense Bell Hooks, no ano
de 1984, em obra que discute a teoria feminista. Passados mais de 30 anos, ele continua
muito atual. Hooks afirma em seu livro que a ideia era massificar esse conceito, no qual
o real motivo das desigualdades entre homens e mulheres é o sexismo. Para a autora, o
diálogo é fundamental para evitar interpretações errôneas sobre o que é realmente o
movimento feminista. Hooks também mostra como a mídia de massa patriarcal é
fundamental quando se trata da falta de informações ou mesmo ideias erradas sobre
feminismo, é uma mídia que dialoga com mais vigor com o universo do masculino.
Recentemente, a internet e as redes sociais têm se constituído em importantes
braços do movimento feminista, pois vem quebrando o poder dos grandes
conglomerados midiáticos que, em sua maioria, são comandados por homens. As redes
têm encurtado caminhos e colocado a discussão para um maior número de pessoas.
1 Estudante de Graduação 6º. semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre - UFAC
2 Orientador do trabalho. Professor do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre - UFAC, email:
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Abrindo possibilidades de debates, cumprindo um papel de ser elo, um elemento de
integração entre diferentes públicos, uma ponte.
Além de permitir a livre produção e distribuição de conteúdo
colaborativo em todos os ambientes sociais, com custo reduzido
e oportunidade de repassar informações sem dependência dos
grandes grupos empresariais, a mídia social, hoje, facilita a
interação. Esses fatores transformam a história e o entendimento
da sociedade em relação aos conteúdos, modernizando as formas
de vivência. (GUEDES, 2013, p13)
O movimento feminista, com cada vez mais força, faz das redes sociais um
espaço de ressignificação, para se fazer visto, ganhar visibilidade, uma ferramenta para
compartilhamento e discussão de suas idéias. Entendo as redes como uma regeografia
de espaços, em que emissor-receptor mudam suas posições e passam a estar do mesmo
lado, que produtor-consumidor entram em diálogo e fazem surgir novas temáticas,
demandas, colocam em evidência o que estava à sombra, escondido, invisibilizado.
Um espaço de empoderamento, de publicização e de troca de idéias que não
encontram, muitas vezes, espaços nas mídias tradicionais, mas que nas redes sociais
reverberam, ganham vida ao serem compartilhadas, curtidas, comentadas. São vias que
alimentam o movimento, que contribuem para a publicização de questões, fomentando o
debate, que não morre, ganha vida pelos caminhos ainda pouco conhecidos e
enigmáticos das redes sociais, que são definidas por Recuero (2009) da seguinte forma:
Uma rede social é definida como um conjunto de dois
elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da
rede) e suas conexões (interações ou laços sociais) (Wasserman
e Faust, 1994; Degenne e Forse, 1999). Uma rede, assim, é uma
metáfora para observar os padrões de conexão de um grupo
social, a partir das conexões estabelecidas entre diversos atores.
A abordagem de rede tem, assim, seu foco na estrutura social,
onde não é possível isolar os atores sociais e nem suas conexões.
(RECUERO, 2009, p. 24)
Para a autora, as redes são espaços de visibilidade que permitem aos indivíduos,
mesmo estando offline, manter-se em diálogo com outros, articulando, discutindo,
vendo e sendo visto. “A rede, portanto, centra-se em atores sociais, ou seja, indivíduos
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com interesses, desejos e aspirações, que têm papel ativo na formação de suas conexões
sociais” (RECUERO, 2009, p.143)
Por meios das conexões criadas nas redes, os diferentes sujeitos podem se
organizar em torno de questões que são caras a eles, que os motivam para a luta, o
questionamento, podem construir movimentos para defender causas que não obtém
espaço relevante nas mídias tradicionais, como o jornal impresso, o rádio ou a televisão,
por exemplo.
Bato Papo Feminista: uma experiência acreana
O Bate Papo Feminista surgiu devido a uma necessidade compartilhada por
muitas mulheres acreana de encontros pessoais e com embasamento teórico para
discussão de conceitos feministas. A partir de postagens relacionadas ao movimento no
facebook foi criado um grupo no whatsapp e, a partir desse grupo, nasceu o primeiro
encontro e a equipe organizadora.
A ideia era criar um lugar de referência para pessoas que estavam começando a
estudar feminismo, criar um espaço onde houvesse a possibilidade da troca de ideias
pessoalmente, dado que não havia nada similar no estado, mesmo com alguns grupos
feministas já articulados e tendo histórias de militâncias datadas da década de 80.
Uma das dificuldades do inicio do projeto foi a organização, já que eram pessoas
diferentes, cada uma com sua vida, trabalho, universidade, família, que tinham que se
desdobrar mais uma vez para o funcionamento do projeto. Posto isso, ressalte-se a
importância das redes sociais como elemento de articulação do projeto. Parte da
organização é feita através das redes sociais, por chats ou eventos criados na rede e que
objetivam atrair a atenção de um maior número de pessoas, o que vem sendo alcançado.
Sem a internet talvez não existisse o projeto Bate Papo Feminista, isto porque é a
partir dela que parte do trabalho é realizado. O encontro da organização; a escolha dos
temas, convidados, locais, horários e de divulgação; o contato com as pessoas que irão
palestrar; a reserva de espaços; e a própria divulgação que é feita quase que
exclusivamente através das redes sociais.
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Há mais ou menos dez anos, as redes sociais se tornaram armas
eficazes na mobilização de pessoas. Hoje, mais que nunca, os
grupos agem nas redes sem medo de repressão ou censura. Se
fortalecem e lutam por seus ideais, incentivando a participação
de pessoas com os mesmo anseios e desejos em comum. Por
este motivo, a internet se torna um meio de comunicação cada
vez mais popular. (GUEDES, 2013, p.29)
Eventos e temas:
1. O que é feminismo
Mediado pela professora Margarete Edul Prado, da Universidade Federal do Acre,
no dia 11 de abril de 2015, na Biblioteca da Floresta. No bate papo, a professora trouxe
conceitos básicos sobre feminismo, gênero e papel da mulher na sociedade. A partir das
obras de teóricas feministas o debate foi guiado e apresentada a história do movimento
feminista dividido nas três ondas. A primeira, datada do século XIX até o inicio do
século XX, ocorreu primeiramente no Reino Unido e Estados Unidos, tinha como mote
as reivindicações pelo direito ao voto e a vida pública. É nesse momento que surge o
movimento Sufragista.
A segunda onda teve inicio na década de 60 e durou até a década de 80, neste
período as reivindicações das mulheres eram voltadas para temas como valorização do
trabalho da mulher, o direito ao prazer, contra a violência sexual, e no Brasil também
lutou contra a ditadura militar. Um marco teórico desta época e que, até os dias de hoje,
Ao total foram realizados 9 encontros, dos quais 6 na Biblioteca da Floresta
Marina Silva, 1 no Sesc de Rio Branco e 2 em praças públicas no centro da capital
acriana. O apoio que a iniciativa recebeu foi do espaço utilizado para realização dos
eventos e das pessoas que se disponibilizaram para participar dos encontros.
Cada edição do Bate Papo Feminista contou com uma média de 40 pessoas, em
públicos rotativos, ou seja, em cada encontro tinha um público diferente do presente no
encontro anterior. Participam dos encontros estudantes, profissionais de diversas áreas,
mulheres adultas, jovens, mães e filhas que vão, aos sábados à tarde, conversar sobre
feminismo.
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é considerada por muitas como a bíblia do feminismo é o livro “O Segundo Sexo”, de
Simone de Beauvoir, nele afirma-se que as diferenças entre homens e mulheres são
questões sociais, não biológicas.
“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino
biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea
humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da
civilização que elabora esse produto intermediário entre o
macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a
mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um
Outro. Enquanto existe para si, a criança não pode apreender-se
como sexualmente diferenciada. Entre meninas e meninos, o
corpo é, primeiramente, a irradiação de uma subjetividade, o
instrumento que efetua a compreensão do mundo: é através dos
olhos, das mãos e não das partes sexuais que apreendem o
universo.” (BEAUVOIR, 1967, p.9)
A terceira onda feminista se inicia nos anos 90, visa intensificar e debater
paradigmas da onda anterior. É no fim do século XX que o feminismo realmente se
divide, visto que a maioria das reivindicações das ondas anteriores eram voltadas para
mulheres brancas, ou mesmo da burguesia. O feminismo negro surge nesse período e se
inicia o debate sobre questões de gênero. Há a defesa da „micropolítica‟ ou o que
chamamos hoje de interseccionalidade, visto a necessidade de um recorte de classe e
raça no debate feminista.
2. Mulheres na mídia
Mediado pela jornalista e militante feminista Fabiana Nogueira Chaves, no dia 09 de
maio de 2015, na Biblioteca da Floresta. Neste encontro foi abordado a maneira com e a
mulher é retratada na mídia, as campanhas publicitárias, o conteúdo das revistas
voltadas para o púbico feminino e mesmo a culpabilização da mulher em casos de
violência. As grandes empresas midiáticas e de publicidade brasileiras são controladas
por homens, e a maioria do que é produzido é feito para homens. Esse conteúdo é
utilizado para perpetuar o papel do feminino na sociedade, vai de mulher bela, recatada
e do lar a mulher objeto.
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A mídia é uma das maiores disseminadoras de preconceitos em
nossa sociedade. As mulheres, foram transformadas em objeto
de consumo ou em escravas domésticas, deixaram de ser
pessoas. Basta assistir uma propaganda de cerveja ou de sabão
em pó para perceber isso. Ao mesmo tempo a mídia tenta criar
uma falsa aparência de igualdade entre os sexos. Assim, ratifica
o machismo promovendo violências de gênero. (CHAVES,
2010, p. 218)
3. Feminismo negro
Mediado pela cientista social Jaycelene Brasil, no dia 13 de junho de 2015, na
Biblioteca da Floresta. O feminismo negro leva em consideração questões de raça,
classe e gênero em suas pautas, visto que sofrem um outro tipo de opressão. Isso fica
evidente quando observamos o mapa da violência no Brasil elaborado pela Faculdade
Latino-Americana de Estudos Sociais em que mostra que o índice de assassinatos de
mulheres negras aumentou 54% enquanto o de mulheres brancas reduziu 10% entre os
anos de 2003 a 2013.
Não era a discriminação de gênero ou a opressão sexista que
impedia as mulheres privilegiadas de todas as raças de trabalhar
fora de casa, mas o fato de que os trabalhos disponíveis para elas
seriam os mesmos trabalhos não qualificados e de baixa
remuneração abertos a todas as mulheres trabalhadoras. Elites de
mulheres com altos níveis de educação ficavam em casa ao
invés de realizar o tipo de trabalho que grandes números de
mulheres da classe média baixa e da classe trabalhadora
realizavam (HOOKS, 2010, p.38)
4. Relacionamentos abusivos
Mediado pela professora Madge Porto,da Universidade Federal do Acre, o encontro foi
realizado dia 11 de julho de 2015 na Biblioteca da Floresta. Foi a partir dos estudos
realizados por Tânia Navarro Swain que a professora Madge Porto construiu sua
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apresentação, trazendo o dispositivo amoroso como o principal causador da
permanência de mulheres em relacionamentos abusivos. Assim como o dispositivo
materno e heterosexualidade compulsória. O vídeo “Não tire o batom vermelho” do
canal no youtube Jout Jout Prazer, foi utilizado no inicio do bate papo para mostrar para
as pessoas presentes que casos de violência em relacionamento não se resumem a
abusos físico e sexuais e que o mais frequente e díficil de detectar é o abuso emocional
e psicológico.
“O amor está para as mulheres o que o sexo está para os
homens: necessidade, razão de viver, razão de ser, fundamento
identitário. O dispositivo amoroso investe e constrói corpos-em-
mulheres, prontos a se sacrificar, a viver no esquecimento de si
pelo amor de outrem.(...) O dispositivo amoroso, assim, cria
mulheres e, além disso, dobra seus corpos às injunções da beleza
e da sedução, guia seus pensamentos, seus comportamentos na
busca de um amor ideal, feito de trocas e emoções, de partilha e
cumplicidade.” (Swain, 2006, p.10-11)
5. Transativismo
O encontro foi mediado por Antonella Albuquerque e Bruna Ruby, no dia 15 de agosto
de 2015, na Biblioteca da Floresta. Elas são militantes transativistas e integram a
Associação de Travestis e Transexuais do Acre (Attrac), na qual Antonella é presidenta.
Através de histórias de vivências e militâncias foram compartilhados relatos e ideias
sobre a violência e luta das mulheres trans e travestis. Por ser um tema bastante
controverso dentro do próprio feminismo, a ideia era levar para debate as questões de
identidade de gênero e sexualidade como processos ainda em construção e possibilitar o
acesso à informações sobre a temática.
“Pessoas que se identificam com alguma das expressões da
transgeneralidade enfrentam um primeiro desafio: reconhecer a
si mesmas e fazer decisões pessoais sobre se e quando irão se
apresentar aos outros da forma como se identificam. Cada um(a)
tem o seu tempo. É preciso compreender que essa atitude não é
simples de se tomar, nem fácil de pôr em prática, porém é
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Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016
necessária, para que elas possam ser quem são por inteiro, entre
seus amigos, na família, no trabalho, na rua.” (JESUS, 2012,
p.10)
6. Feminismo no Enem
2015, como parte da programação dos 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra a
mulher. O evento foi realizado em praça pública no centro da cidade de Rio Branco. Na
O evento foi mediado psicóloga Carolina Sátiro Macedo, no dia 28 de novembro de
semana do Enem casos de queda de direitos e da própria violência contra a mulher
vieram à tona de maneira naturalizada: Delegacia da Mulher que limita roupas e proíbe
a entrada de crianças; Twitter com avalanche de discurso pedófilo e a defesa desses
homens falando em pedofilia como 'doença' ou como 'apenas preferência sexual ainda
não compreendida pela sociedade; Projeto que dificulta o atendimento de mulheres em
casos de estupro; Proibição da venda de pílula do dia seguinte e restrição para o acesso a
métodos abortivos e/ou contraceptivos. A partir da escolha feita para a redação da prova
e pelos casos acima citados, foi decidido a temática abordada neste encontro, que não
tratou apenas da importância dessa discussão a nível nacional, como apresentou dados
do Mapa da Violência no Brasil lançado em 2015.
“A violência contra a mulher não é um fato novo. Pelo contrário,
é tão antigo quanto a humanidade. O que é novo, e muito
recente, é a preocupação com a superação dessa violência como
condição necessária para a construção de nossa humanidade. E
mais novo ainda é a judicialização do problema, entendendo a
judicialização como a criminalização da violência contra as
mulheres, não só pela letra das normas ou leis, mas também, e
fundamentalmente, pela consolidação de estruturas específicas,
mediante as quais o aparelho policial e/ou jurídico pode ser
mobilizado para proteger as vítimas e/ou punir os agressores”
(WAISELFISZ, 2015, p.7)
7. O mito do instinto materno
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além de trabalhos voluntários com a Trupe SouRiso que leva teatro, dança, poesia e
música para dentro dos hospitais acreanos. Nilce Souza foi a representante acreana no
Seminário Nacional de Lésbica e Mulheres Bissexuais - Senalesbi 2016. E Sandrinha da
Silva é presidenta e fundadora da Associação de Lésbicas do Acre.
Segundo encontro mediado pela professora Madge Porto, o evento foi realizado dia
12 de março de 2016, no auditório da Biblioteca da Floresta. Esse bate papo teve uma
apresentação inicial menor que a de costume, e teve sua conversa guiada quase que
totalmente pelo público presente. O evento, que a principio tinha sido pensado para
debater a pressão social em cima das mulheres para se tornarem mães, acabou se
transformando em uma conversa sobre as dificuldades da maternidade, como a
sociedade cobra da mulher coisas que não cobraria de um homem com relação aos
filhos dos dois, casos de violência obstétrica e demais relatos.
O Bate Papo Feminista realizado no dia 9 de abril de 2016, no auditório da
Bilbioteca da Floresta, contou com a participação de Yasmim O‟hana, Nilce Souza e
Sandrinha da Silva. Lésbicas que militam pela causa, cada uma a sua maneira, Yasmim
O‟hana é música e trabalha na Secretária do Estado do Acre de Gestão Administrativa,
Mulheres lésbicas sofrem com o machismo além da lesbofobia, e por estar nesse
meio termo acabam sendo invisibilizadas pelos dois movimentos. Nota-se uma maior
notoriedade para os relacionamentos homoafetivos masculinos, o G do movimento
LGBT aparece com mais frequencia que todas as outras letras.
“As lésbicas têm sido historicamente destituídas de sua
existência política através de sua “inclusão” como versão
feminina da homossexualidade masculina. Equacionar a
existência lésbica com a homossexualidade masculina, por
serem as duas estigmatizadas, é o mesmo que apagar a realidade
feminina mais uma vez. Parte da história da existência lésbica
está, obviamente, a ser encontrada em contextos onde as
próprias lésbicas, na ausência de uma comunidade feminina
8. Visibilidade lésbica
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Segundo dados coletados pelo 9º anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
uma mulher foi estuprada a cada 11 minutos no Brasil no ano de 2014, resultando em
um total de 47.646 estupros registrados nesse período. Já é um número alarmante, mas o
documento ainda esclarece que estimasse que apenas 35% dos casos de crimes sexuais
são notificados. Já dados coletados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) mostram que 67% dos casos de violência entre as mulheres são cometidos por
parentes próximos ou conhecidos das famílias; 70% das vítimas de estupro são crianças
e adolescentes e são raros os casos em que os agressores são punidos
coerente, têm compartilhado um tipo de vida social e de causa
comum com homens homossexuais.” (RICHE, 2010 p.36- 37)
Outro ponto interessante a ser tocado nessa temática é que, além de todas as
dificuldades passadas por um individuo que não se enquadra na heteronormatividade
imposta socialmente, mulheres lésbicas são constantemente fetichizadas e invalidadas
pelo falocentrismo que enxerga como sexo apenas as relações com penetração. A falta
de informação sobre esse tipo de relação faz com que até mesmo médicos
ginecologistas não consigam fazem um atendimento adequado. O sexo lésbico só se
torna válido quando usado para deleite masculino.
Ato realizado dia 01 de junho de 2016, diferente de todos os outros bate papos,
dessa vez não teve uma pessoa dando palestra para guiar e também mediar o debate
como nas edições anteriores. Com a divulgação do vídeo de um estupro coletivo
ocorrido no Rio de Janeiro e devido a mobilização nacional, principalmente nas redes
sociais, viu-se a necessidade de realizar-se um ato na cidade de Rio Branco para poder
discutir o tema. Sem a necessidade de uma pessoa para explicar os conceitos teóricos
sobre cultura do estupro, os próprios relatos, vivências e experiências compartilhados
em praça pública foram o guia para uma compreensão real sobre o impacto da cultura
do estupro na vida de cada mulher.
9. Precisamos falar sobre cultura do estupro
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Considerações
O artigo mostra que as redes sociais ocupam um importante papel enquanto instrumento
de visibilidade e articulação dos movimentos sociais, em especial do movimento
feminista. No caso em questão, que é a experiência do Bate Papo Feminista realizado no
Acre, elas foram o instrumento que permitiu o nascimento e a permanência do projeto.
Além do mais, a partir da articulação nas redes, a iniciativa consegue agregar novas
mulheres que se interessam pela temática e trazer à luz questões importantes para a
compreensão do movimento e da sociedade atual.
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Brasília.
O termo cultura do estupro começou a ser utilizado em 1970 pelo movimento
feminista da segunda onda. Ele se refere a mecanismos culturais (mídia e cultura
popular) responsáveis por repassar valores, normas e práticas em que as pessoas acabam
naturalizando, aceitando ou mesmo justificando esse tipo de violência.
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