seacomufac.files.wordpress.com · comissão organizadora professores responsáveis juliana lofêgo...

224

Upload: vuongnhu

Post on 05-Dec-2018

237 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline
Page 2: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

Anais da Semana Acadêmica de Comunicação

Jornalismo e Universidade: Reescrevendo o Amanhã

COORDENADORES

Wagner Costa

Juliana Lofego

Rio Branco, Acre

2016

Page 3: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline
Page 4: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

Comissão organizadora

Professores Responsáveis

Juliana Lofêgo

Wagner Costa

Alunos

Alex Sandro de Almeida Lima

Alice Maria Nunes de Souza

Aline Manoela Rocha de Moura

Ana Flávia de Almeida Soares

Ana Luiza de Lima Silva

Andressa Larissa de Souza Bezerra

André Luiz de Lima Araújo

Bleno Caleb de Paula

Carla Cabral da Cunha

Daiane Lopes Pereira

Daniel do Nascimento Lopez

Dryelem Leite Alves

Faidhy da Costa Acosta

Francisco Victor Teixeira Garcia de Lima

Gabriel Afonso Rotta

Gercilene Carvalho da Silva

Ítala Batista de Oliveira

João Renato Jácome de Andrade

José Faustino Vieira Neto

Larissa Costa Silva

Lucas Silva de Sousa

Maria da Liberdade Figueiredo Meireles

Maria José de Barros Santos

Murilo Santos de Lima

Raylanderson Rodrigues da Frota

Roseane da Silva Dantas

Thalis da Cruz Gutierres

Thiago Bezerra Francisco

Wellington de Mota Castro

Page 5: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

Apresentação

Ao longo de seus 15 anos de atividade, o Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Acre tem se constituído em um importante celeiro de formação de profissionais. Após enfrentar as dificuldades comuns a cursos em processo de implantação, atualmente percebe-se uma outra realidade: melhor estrutura física dos laboratórios, um maior número de docentes e, mais recentemente, agudas alterações em seu projeto político pedagógico. São outros tempos, tempos de mudança.

Em sua edição 2016, a Semana Acadêmica de Comunicação tomou o aniversário de 15 anos do curso como um dos eixos para trabalhar o tema Jornalismo e Universidade: reescrevendo o amanhã. O evento se propôs a ser um espaço de discussão das relações construídas entre a universidade e a socie-dade. Percebe-se, cada vez mais, que a sociedade necessita de um jornalismo ético e comprometido com o social, o que requer um profissional com melhor formação.

A programação do evento contemplou diferentes faces do campo da comunicação. Minicursos, palestras, mesa redonda, apresentação de trabalhos científicos e uma intensa programação cultural mo-vimentaram, durante três dias, alunos, professores, técnicos, profissionais da área e pessoas da comuni-dade interessadas pelos temas que envolvem o jornalismo.

A Seacom tem se constituído, ainda, em um importante espaço de fomento da pesquisa em co-municação no Estado do Acre. Este ano, foram apresentados 16 trabalhos que se debruçaram sobre questões que são candentes à área. Feminismo, ética no jornalismo e a história da imprensa acreana foram temas que apareceram em maior número e que mostram o mosaico diverso que se desenha para a pesquisa em nosso estado.

Juliana Lôfego

Wagner Costa

Organizadores da Seacom

Page 6: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

ÍNDICE

A FALTA DE APURAÇÃO E A CONDENAÇÃO NO JORNALISMO: UMA

ANÁLISE DO LIVRO BAR BODEGA

8

Autoria: Amanda Pinheiro Rocha Co-autoria: Daniel Alves Scarcello e Francielle Maria Modesto Mendes A MORTE DE UMA CRIANÇA NA UPA 24 HORAS A CRISE DESENCADEASA

NA SAÚDE DO ACRE

22

Autoria: Glauco Capper da Rocha Co-autoria: Jardel Costa Angelim A MULHER E A MÍDIA: UMA RELAÇÃO VIOLENTA

Autoria:Fabiana Nogueira Chaves A RELAÇÃO ENTRE JORNALISMO E LITERATURA NO LIVRO ROTA 66 - A

HISTÓRIA DA POLÍCIA QUE MATA, DE CACO BARCELLOS

46

Autoria: Maria de Fatima Bandeira de SOUZA2 Co-autoria: Francisco Aquinei Timóteo QUEIRÓS3 A TELEVISÃO EM MUDANÇA: ENTRELAÇANDO POSSIBILIDADES PARA O

TELEJORNALISMO

61

Autoria:Daniel Alves Scarcello Co-autoria: Wagner da Costa Silva ANÁLISE DO DOCUMENTÁRIO "O ACRE EXISTE": AYAHUASCA COMO

ELEMNETO DE REPRESENTAÇÃO DO ESTADO

72

Autoria: Leandra Beatriz Haerdrich Cunha Co-autoria: Francielle Maria Modesto Mendes APONTAMENTOS SOBRE O VARADOURO- JORNAL DAS SELVAS 84

Autoria: Lauane Laura da Silva AS LETRAS IMPRESSAS NA SUSTENTAÇÃO E QUESTIONAMENTOS DO

PODER POLÍTICO NO ACRE

98

Autoria: Nayara Lessa

CAMPANHA "ACRE SOLIDÁRIO": A COBERTURA NA AGÊNCIA DE

NOTÍCIAS DO ACRE

108

Autoria: Priscila Cristina Miranda Araújo Co-autoria: Francielle Maria Modesto Mendes DA COR DO PECADO: UMA ANÁLISE SOBRE A CONSTRUÇÃO DA

IDENTIDADE NEGRA NA TELENOVELA DA REDE GLOBO

120

Autoria: Caio Nélio de Freitas Fulgêncio Co-autoria Francielle Maria Modesto Mendes DIA INTERNACIONAL DA MULHER PELOS JORNAIS A GAZETA, O RIO

BRANCO E PÁGINA 20 NOS ANOS DE 2012 E 2013

135

Autoria: Anaís Cordeiro de Medeiros

Page 7: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

GLOBO 50 ANOS A RELAÇÃO DE AMOR E ÓDIO ENTRE A EMISSORA

CARIOCA E O TELESPECTADOR BRASILEIRO

150

Autoria: Luan Cesar de Oliveira Co-autoria: Anaís Cordeiro de Medeiros, Natan Peres da Silva Lima,Denis Henrique

Araújo, Francielle Maria Modesto Mendes

INDÍOS, AYAHUASCA E CHICO MENDES: ESTERIÓTIPOS DO ACRE

DESTACADOS NO DOCUMENTÁRIO ‘O ACRE EXISTE’

165

Autoria: Daiane Lopes Pereira Co-autoria:Elisa Pedrina C. dos Santos e Francielle Maria Mendes Modesto LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E RESPEITO À PESSOA: O CASO DO

PROFESSOR ACUSADO DE ESTUPRO

179

Autoria:Estela Maciel Co-autoria: Francielle Maria Modesto Mendes O MEIO AMBIENTE COMO QUESTÃO POLÍTICA: UM ESTUDO SOBRE A

COBERTURA DA ENCHENTE DE 2015 PELA AGÊNCIA DO ACRE

188

Autoria: Fernando Augusto dos Santos Co-autoria: Francielle Maria Modesto Mendes OS PROJETOS DE PESQUISA E EXTENSÃO SOBRE HISTÓRIA E

JORNALISMO: REFLEXÕES E APONTAMENTOS PARA O USO DE FONTES

HEMEROGRÁFICAS E DE EXTENSÃO

203

Autoria: Nedy Bianca Medeiros de Albuquerque Franco Co-autoria: Neuzilene de Azevedo E Inaiane Lima Melo REDES SOCIAIS E FEMINISMO NO CONTEXTO ACREANO: RELATO DE UMA

EXPERIÊNCIA

212

Autoria: Ana Luiza Lima Co-autoria: Wagner da Costa Silva

Page 8: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

8

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

A FALTA DE APURAÇÃO E A CONDENAÇÃO NO JORNALISMO: UMA

ANÁLISE DO LIVRO BAR BODEGA1

Amanda Pinheiro Rocha2

Daniel Alves Scarcello3

Francielle Maria Modesto Mendes4

Universidade Federal do Acre, Rio Branco, Acre

Resumo: Este trabalho tem como objetivo discutir as questões éticas na veiculação de

matérias jornalísticas sobre crimes, tendo como base o caso “Bar Bodega”, do livro “Bar

Bodega: Um crime de imprensa”, do Carlos Dorneles, publicado em 2007. Pretende-se

analisar a forma como a imprensa noticiou o caso, sem investigar, apurar ou ouvir todas as

partes envolvidas no crime, usando apenas uma fonte como principal para a realização das

matérias, neste caso, a Polícia Civil de São Paulo. Com base em autores como Rogério

Christofoletti, Maria Elisabete Antonioli e Luciene Tófoli, o artigo busca identificar

princípios éticos que não foram respeitados ou considerados neste caso e as consequências

que isso pode causar na vida das pessoas envolvidas.

Palavras-chave: Ética; Apuração; Condenação.

Introdução

A importância da função do jornalista, o tamanho das consequências dos seus atos,

principalmente no que diz respeito à veiculação de informações, deve ser algo de

conhecimento de todo profissional da área. A responsabilidade em apurar, investigar cada

mínimo detalhe e, por fim narrar, os fatos, é a principal característica a ser seguida no meio

jornalístico. Para Maria Elisabete Antonioli, o comunicador social, em todas suas

possibilidades de atuação, deve saber o impacto que o trabalho dele desempenha na

sociedade:

1 Trabalho apresentado na Linha Temática LT1 – Jornalismo da V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio

Branco - AC – 21 a 23/09/2016 na Universidade Federal do Acre. 2 Estudante do oitavo período de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Universidade Federal

do Acre, e-mail: [email protected]. 3 Estudante do oitavo período de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Universidade Federal

do Acre, e-mail: [email protected]. 4 Orientadora do trabalho. Professora doutora do curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade

Federal do Acre, e-mail: [email protected].

Page 9: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

9

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

O comunicador social, seja o jornalista, o publicitário, o bacharel em Rádio e TV e

demais comunicólogos, tem em suas mãos uma imensa responsabilidade pelo eu

produz e pelo eu veicula, haja vista a repercussão e o impacto que seu trabalho pode

apresentar junto ao público, como também, pelas mudanças que muitas vezes provoca

na sociedade. (ANTONIOLI, 2009, p.85)

A autora reforça ainda a responsabilidade para os jornalistas, que trabalham com

questões éticas e de grandes discussões no meio acadêmico e social. Essa responsabilidade

será discutida a partir da cobertura jornalística descrita no livro “Bar Bodega”, de Carlos

Dorneles, lançado em 2007. Tendo em vista que as primeiras notícias veiculadas mostravam

fatos que não estavam comprovados e que depois foram negados pela justiça, pretende-se

avaliar a forma ou a falta de apuração do caso durante o caso, além da condenação que muitos

meios de comunicação e profissionais de jornalismo fizeram sobre os principais suspeitos

apresentados pela polícia.

As questões éticas devem ser seguidas do princípio da apuração da notícia ao final, na

veiculação. Ter responsabilidade na divulgação de informações é um dos princípios básicos

da rotina jornalística, tendo em vista que um pequeno erro divulgado pode causar incontáveis

problemas às pessoas envolvidas.

Desta forma, este trabalho pretende avaliar e mostrar como a cobertura da mídia no

caso Bar Bodega interferiu na vida dos acusados e questionar a ética nas práticas jornalísticas,

se foram ou não executadas na cobertura do caso pela imprensa de São Paulo.

O caso Bar Bodega

O caso que ficou conhecido como Bar Bodega, aconteceu em agosto de 1996, no bar

de Luis Gustavo e dos irmãos atores Tato e Cássio Gabus Mendes. O Bar Bodega, localizado

no bairro Moema, na zona norte de São Paulo, virou cena de um crime que é relatado no

primeiro capítulo do livro. Três homens entraram no local, por volta das duas e meia da

madrugada de um sábado, rendem funcionários e anunciam um assalto. Após alguns

contratempos os homens saem deixando um ferido e matando dois jovens (DORNELES,

2007).

Page 10: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

10

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

As vítimas são Adriana Ciola, estudante de odontologia de 23 anos de idade e Renato

Tahan, um dentista de 26 anos. De acordo com Dorneles, o fato de as vítimas serem jovens da

classe média de São Paulo, num bar famoso da cidade foi o “ingrediente explosivo e de

exploração fácil” por parte da imprensa. Para o autor, o caso teve ainda a soma de interesses

políticos, pois a época foi próxima à campanha para prefeito e alguns candidatos se

aproveitaram para criar um clima de pânico na cidade, com a “ajuda” da imprensa. Dorneles

cita o candidato Celso Pitta, que estava surpreendendo as pesquisas com um discurso baseado

“na tese de que São Paulo estava à beira do caos, tomada por bandidos sem medo de uma

polícia que não tinha coragem de ser dura” (DORNELES, 2007, p.34).

Segundo o autor, vários jornais nacionais e regionais como Jornal Nacional, Jornal da

Band, Jornal da Record, A Folha de São Paulo, O Jornal da Tarde, Jornal da Tarde,

utilizavam outros casos de violência, que não teriam ligação nenhuma com o do bar, para

colaborar com esta imagem de cidade violenta. “Os leitores dos maiores jornais de São Paulo

passaram a receber de quatro a oito páginas diárias de crimes de violência” (DORNELES,

2007, p.38). A repercussão gerou, ainda, o movimento intitulado Reage São Paulo, composto

pela classe média paulista, que realizava manifestos, missas e se pronunciava pedindo com

pedidos de soluções para o caso.

Este foi o clima e a situação no qual os jornalistas e os policiais que cobriram o caso

estavam trabalhando: com uma grande pressão e cobrança social e política. Neste meio

tempo, segundo o autor, o jovem de 17 anos, chamado Cleverson foi levado à delegacia por

roubar um carro, mas ao chegar lá foi “reconhecido” por um policial como um dos envolvidos

no caso do bar. De acordo com Dorneles, o jovem foi forçado, por meio de torturas, a assumir

a participação no crime. “E em menos de uma hora estava pronta a confissão do líder do

bando Bar Bodega, autor de um crime que a imprensa classificou como dos mais bárbaros que

a cidade já viu” (DORNELES, 2007, p.33).

No decorrer do livro, Dorneles narra que Cleverson continuou sendo torturado até

inventar nomes dos outros envolvidos no caso. A solução rápida para dar fim às torturas era a

confissão do crime, e, também, indicar os outros envolvidos. Os suspeitos citados nas

confissões foram pegos pela polícia e passaram pelo mesmo processo, cada um falando mais

nomes e levando outras pessoas para o caso. Dentre as agressões, estavam desde

Page 11: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

11

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

espancamentos à mão, à ficar pendurado em pau-de-arara e apanhar com pedaços de madeira

e panos enrolados.

Somente em outubro de 1996 que, após a investigação do promotor Eduardo Araújo

da Silva, que desconfiou das provas e negligência na investigação do caso, que os “suspeitos”

foram liberados da prisão, por falta de provas. O caso, que antes gerou muita insatisfação e

indignação não só da população como da imprensa, deu espaço a um grande silêncio. A alta

sociedade de São Paulo já não podia mais acusar os jovens negros, da periferia, de terem

cometido o crime.

Em março de 1997, os novos acusados foram julgados e condenados de 23 a 48 anos

de prisão (DORNELES, 2007). Mas até esse período, Cleverson e os outros acusados já

carregavam as consequências de um erro jornalístico: a morte social. Rogério Christofoletti

(2008) desmitifica a ideia de que a ética é algo abstrato e conta que apesar de não

conseguirmos ver e tocar a ética, as consequências dela ou da ausência dela, podem afetar o

“plano material”.

Mas as implicações de uma escolha ética podem intervir materialmente sobre a vida

de pessoas e grupos sociais. Isto é, se o editor decidir estampar a fotografia do

acusado na capa do jornal, e mais à frente for revelado que o réu não estava envolvido

no crime, haverá consequências. Ele pode ser descriminado socialmente, perder o

emprego e passar por privações e constrangimentos. Pode ser perseguido em seu

bairro, humilhado em locais públicos, por exemplo. (CRHISTOFOLLETI, 2008, p.

18)

Acusar uma pessoa de cometer um crime, pode implicar no que o autor chama de

“morte social”. Os veículos de comunicação são aceitos por boa parte da sociedade como uma

“narração da verdade” sobre o cotidiano. As pessoas comentam sobre as notícias,

compartilham, argumentam, e, no pior dos casos, julgam com suas próprias opiniões o que

está sendo noticiado. Uma acusação de crime gera a revolta da população, que também não se

pergunta se realmente há provas por trás do que está sendo noticiado. A condenação vem

pronta em um prato para os que acreditam cegamente no que é noticiado.

O autor usa o caso da Escola Base para exemplificar o conceito. Na época, em 1994 os

donos de uma escola foram acusados de abuso sexual com as crianças, com grande

repercussão da imprensa e mais tarde foi descoberto que a situação não era verdadeira. Mas e

depois que uma sociedade inteira já deu a sentença da acusação dos suspeitos, como apagar o

Page 12: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

12

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

que foi dito sobre as pessoas? O mais interessante é que podemos usar a mesma definição

para os acusados pelo Bar Bodega, pois, como Christofoletti (2008) define, na morte social,

as vidas dos envolvidos jamais voltará a ser a mesma:

Mesmo que o caso tenha sido arquivado, e os acusados inocentados, eles nunca mais

puderam voltar às suas vidas normais. (...) suas vidas não retornaram ao que era antes,

e nunca mais serão as mesmas. A maior perversidade de erros desse tipo é a

irresponsabilidade de serem revertidos. (CHRISTOFOLETTI, 2008, p.19)

No caso do Bar Bodega os primeiros suspeitos foram soltos, mas tiveram dificuldades

para continuar a conviver no meio social, trabalhar e realizar sonhos. Um deles, o Natal,

chegou a começar o trabalho numa banca de frutas, mas durou apenas dois dias, segundo

relatos da irmã para Dorneles.

O julgamento da sociedade é tão cruel que, por mais que tenha sido provado que o

acusado não estava envolvido no crime, ainda assim, ficam sempre os rótulos da primeira

acusação. E os julgamentos nem sempre afetam somente aos acusados, mas, também, a

família. Como a irmã de Natal relata a Dorneles, “O dono da banca disse que ele podia ser um

bom menino, mas “ia acabar afastando a freguesia com essa fama do Bodega”. Flávia, na

época com treze anos, teve que abandonar a escola, tinha virado “a irmã do bandido”

(DORNELES, 2007).

Outro, Benedito, acabou se envolvendo em outros crimes, mas conseguiu se casar e

arranjar um trabalho como colhedor de café, apenas seis meses no ano. Com muitas

dificuldades na vida, a família também acredita na influência do caso: “Se não fosse o

Bodega, Benedito teria mais condições de enfrentar a morte da irmã e não cair na vida que

levou” (DORNELES, 2007, p.194).

Apurando a apuração

Como vimos anteriormente, a imprensa tem responsabilidade pelo material que

divulga, e se torna, então, responsável pelas consequências do que isso pode gerar. Portanto

vamos avaliar primeiro um dos preceitos e regras básicas do jornalismo e da construção da

notícia, a apuração ou checagem de informações.

Page 13: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

13

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Pelo livro “Bar Bodega” é possível perceber que a imprensa se utilizou principalmente

de uma fonte, a fonte oficial, que seria a Polícia Civil de São Paulo, e acreditou nela para

poder respaldar todas suas matérias. Sem investigar mais a fundo e até mesmo sem checar

corretamente os dados oferecidos, tendo em vista que, se eles tivessem procurado ouvir

melhor as pessoas que estavam no bar, para fazer a checagem do que estava no boletim,

provavelmente teriam percebido as muitas incongruências, a começar pela descrição dos

suspeitos.

Para Christofoletti (2008) a apuração é algo tão marcante e característico do

jornalismo que a sua ausência pode impossibilitar a definição de algum trabalho como

jornalístico. Segundo o autor, o jornalismo tem o compromisso de oferecer informação

confiável, que só pode ser oferecida com a instigação do profissional.

Sem a dúvida, sem a desconfiança, repórteres e editores aceitariam passivamente as

informações de suas fontes, podendo se converter em meros transmissores das

versões que interessam a essas fontes. O jornalismo fica sem crítica, sem contraponto,

sem o contraditório, sem o outro lado. (...) Quer dizer: o jornalismo deixa de ser

jornalismo” (CHRISTOFOLETTI, 2008, p.42).

O autor reforça duas práticas jornalísticas que, de acordo com o livro “Bar Bodega”,

não foram realizadas pela maior parte dos meios de comunicação de veicularam o caso: a falta

de apuração e a busca pelo outro lado da notícia. Segundo Dorneles, na primeira entrevista

dada pela polícia, o 15º Distrito Policial teve o final de semana mais movimentado com

dezenas de repórteres e autoridades. No dia, assim como durante o resto da cobertura, o furo e

a agilidade em fornecer as informações foram mais fortes. “Repórteres de rádio passavam as

últimas informações instantaneamente, mal tinham sido recebidas. A disputa pela

exclusividade, mais uma vez, estava acirrada. As chefias, nas redações, cobrando novidades”

(DORNELES, 2007, p.52).

Ainda de acordo com o autor, a polícia realizou, na segunda-feira seguinte, uma

apresentação dos acusados numa coletiva de imprensa, após “muita pressão da imprensa”. É

onde percebemos a necessidade da Polícia em mostrar cumprimento de serviço perante à

sociedade, que pedia por medidas, e a despreocupação da imprensa em verificar as

informações, afinal, realizava também, mais um dever saciando o público com mais um

Page 14: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

14

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

capítulo do caso. Dorneles descreve que o delegado apresentou os suspeitos já como

criminosos e que a polícia não tinha mais dúvida sobre eles, “que alguns confessaram, que

outros naturalmente negam e elogiou muito o trabalho da própria polícia, que rapidamente

solucionou o caso” (DORNELES, 2007, p.53).

Dessa forma, o autor conta que no mesmo dia os suspeitos já estavam em todos os

telejornais e que no dia seguinte também estampados nas primeiras páginas. As fotos eram

grandes, com os assassinos de perfil e Cléverson de costas (DORNELES, 2007). As

informações repassadas pela polícia e durante a entrevista com os acusados, sob a presença da

polícia, foram as únicas fontes utilizadas pela imprensa, mas que pelo jeito, foram o suficiente

para repercutir o caso. De tanta revolta, a população falava até sobre pena de morte e

reforçava as discussões da redução da maioridade penal, devido à idade de Cleverson, que era

apontado como o principal criminoso, além do mais frio.

Pelo livro parece fácil identificar que nem a polícia e nem a imprensa agiram

corretamente na hora de afirmar suas convicções. Antonioli (2009) reforça a posição da

imprensa sobre o caso, comparando as atitudes iguais as tomadas no caso da Escola Base. “A

verdade não foi buscada e a imprensa optou, em mais um caso, por ouvir apenas uma fonte,

ou seja, a polícia” (ANTONIOLI, 2009, p.94). Questões éticas da constituição, nem o

conceito de morte social foram refletidos na hora de criar manchetes como as citadas por

Dorneles: “Folha: ‘Acusado de roubo já havia matado trezes’ e Estadão: ‘Assassino do Bar

Bodega matou pela segunda vez” (DORNELES,2007, p.60).

Levando em conta que meses depois nenhum desses homens tinha qualquer ligação

com o crime, é possível identificar o que Christofoletti chama de afrouxamento moral,

movidos por várias questões, algumas já citadas. O tema envolvia muitos interesses, pela

parte dos políticos, dos policiais, da família, da população que tanto se manifestava, todos

queriam saber sobre o assunto. São esses ingredientes: alta exigência, pressão constante e

grande concorrência que levam ao afrouxamento, que “Para furar seu colega de profissão, um

jornalista acaba desprezando procedimentos básicos que não só comprometem a qualidade

técnica de sua reportagem, como também contrariam a orientação ética de sempre ouvir todos

os lados da história, por exemplo” (CHRISTOFOLETTI, 2008, p. 44)

Page 15: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

15

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Em manchetes e matérias exibidas no livro, Dorneles mostra que a família dos

acusados praticamente não tinha espaço, enquanto a família das vítimas e a polícia sempre

estavam nas matérias. A relação dos veículos de comunicação com a polícia também nos leva

a uma rápida reflexão ética, sobre a relação com as fontes. O autor também cita que no

mesmo fim de semana ocorreram 49 assassinatos em São Paulo, sendo a maioria em regiões

periféricas, mas nenhuma foi noticiada.

Como uma instituição oficial que investiga o caso, a polícia é uma fonte que deve ser

escutada, mas não pode ser a única. Para Christofoletti esta é uma relação tensa que existe na

área, pois a polícia é sempre entrevistada, tendo em vista que existem matérias policiais

diariamente, a instituição é, então, uma fonte necessária para a rotina da maioria dos veículos.

Em “Ética no Jornalismo”, Luciene Tófoli (2008) explica esta relação com fontes

institucionais ou profissionais. Elas precisam existir e ser ouvidas, pois, em alguns casos,

somente elas têm poder e propriedade para falar sobre determinado assunto, se tornando

informantes regulares. A autora afirma também que a situação é interessante tanto para

jornalistas que necessita da informação quanto para as fontes que querem ou não divulgar

algo. Tófoli acredita que se cria uma dependência entre eles, que precisa atenção pelo “fato de

que o profissional da comunicação corre o risco de ser agendado pela fonte oficial,

publicando, muitas vezes, assuntos que não sejam nem do interesse público ou coletivo, ou

até mesmo mentirosos” (TÓFOLI, 2008, p.57).

Mas como perceber até que ponto a informação é verdadeira e até onde é possível

acreditar em tudo? Para Christofoletti, cultivar as fontes já é uma relação difícil, pois “é

preciso aproximar-se dela, ganhar sua confiança, extrair as informações necessárias e manter

um bom relacionamento de modo que, em momento oportuno, se possa voltar a ela e

novamente se abastecer com outros dados” (CHRISTOFOLETTI, 2008, p.48).

Finalizando os questionamentos sobre a apuração do caso por parte da imprensa, que

acreditou unicamente na versão da polícia, Tófoli reforça que a veiculação de mentiras ou

matérias erradas vai contra o Código de Ética do Jornalista. Em sua avaliação, a autora

contextualiza o caso de jornalistas que precisa do mimetismo midiático que seria a “imitação”

ou pautar suas notícias de acordo com o noticiário anterior. Apesar de o “Bar Bodega” não

Page 16: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

16

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

citar tal problema, podemos atribuir o erro jornalístico na reprodução fiel da polícia como

verdade.

Provada depois como mentira, as notícias veiculadas na época se enquadraram todas

contra o Código de Ética que a autora reforça na seguinte afirmação: “Se publica notícias sem

a devida apuração ou checagem, legitimando matérias incorretas ou até mesmo falsas”

(TÓFOLI, 2008, p.61).

Jornalista afirma?

A falta de apuração por parte da imprensa, a indignação da população e a “certeza” da

polícia com relação aos criminosos fez com que os jornais, noticiários e até os jornalistas

confirmassem os autores do crime, se sensibilizassem, tomassem partido e acusassem os

suspeitos. Observando as informações, imagens e manchetes apresentadas no “Bar Bodega”,

eram poucos os veículos que se preocupavam em utilizar termos como “suspeitos” ou

“acusados” para se referir os homens apresentados pela polícia. Pelo contrário, as manchetes

afirmavam que o único adolescente tinha matado o dentista, por exemplo: “No Diário de São

Paulo, uma entrevista exclusiva com Cléverson começa com a seguinte frase: ‘Triste,

carrancudo, cheio de ódio e amargura. Assim é Cléverson, que executou o dentista no dia do

assalto” (DORNELES, 2007, p.60).

De acordo com Dorneles, a imprensa nunca procurou ouvir todos os lados do caso.

Mesmo com todas as denúncias feitas pelas famílias dos acusados, não foi publicada uma

matéria sequer com a versão deles, apenas com o lado que era mostrado pela Polícia Civil de

São Paulo: “A imprensa, tão ciosa no estabelecimento de fontes na polícia, nunca se

preocupou em estabelecer fontes do outro lado. Mesmo quando parentes dos acusados

denunciavam que eles estavam sendo torturados para confessar, ninguém deu ouvidos”

(DORNELES, 2007, p. 108).

Outro telejornal também se referia ao adolescente como “um dos assassinos do Bar

Bodega”, e quando a polícia apresentou o novo suspeito por liderar o assalto a manchete do

Diário Popular, de setembro de 1996, afirmou “Preso o líder da quadrilha que assassinou dois

Page 17: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

17

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

no bar bodega”. O título e a reportagem são caracterizados como “equivocados e ditados

pelos passos da polícia” pelo autor Carlos Dorneles. Este fato da aparição de um novo líder

também levou o autor a questionar a imprensa que parecia pouco se importar com as

mudanças que o caso levava. Segundo Dorneles, usando “como fonte sempre a polícia”, as

notícias mudavam os acusados pelos tiros (DORNELES, 2007).

O caso do Bodega começou a mudar com a entrada do promotor Eduardo Araújo da

Silva, de 29, e que era desconhecido na mídia, segundo Dorneles. O promotor foi chamado

para investigar o caso pelo Ministério Público, em segredo, após complicações no caso, pois

os funcionários do bar estariam se reunindo por não entender o caminho das investigações

além de não reconhecerem os acusados. “O processo tinha virado uma bagunça, mas a

imprensa não tinha a menor ideia do que se passava. Nem tinha interesse em saber”

(DORNELES, 2007, p.110).

Após muita dificuldade, entrevistas, uma nova reconstituição do caso, além de falas

dos acusados sobre as torturas policiais, Eduardo da Silva constata que não há provas para

manter os homens presos e anuncia a liberação deles. A notícia não foi dada e nem recebida

com muita aprovação, o capitulo do “Bar Bodega” que a fala sobre as manchetes da soltura

dos suspeitos se chama “O Massacre” e a acusação por parte dos jornalistas entra neste

momento.

Segundo Dorneles, o promotor aceitou o convite para ser entrevistado no radiojornal

da Bandeirantes, Jornal Gente. O magistrado foi entrevistado por José Paulo, Salomão Ésper,

José Nello e a participação de Renato Lombardi. O autor coloca grande parte da entrevista e

destaca as perguntas dos jornalistas, que também vamos questionar aqui. Ao falar sobre a

postura de um dos presos de mudar informações, José Paulo acusa um deles. “JOSÉ PAULO:

E depois de ter conversado é que ele mudou a história. Aliás, como fazem todos os bandidos”

(DORNELES, 2007, p.153)

É interessante observar que durante quase toda a entrevistas, os apresentadores fazem

questionamentos contínuos e até repetitivos sobre as investigações do promotor, situação que

até então não teria acontecido nenhuma vez com as investigações policiais apresentadas

anteriormente. O promotor ouve perguntas como “JOSÉ PAULO: Esse relato que o senhor

Page 18: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

18

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

fez foi baseado em depoimentos de testemunhas?”. O jornalista Lombardi afirma que, para a

polícia, o relatório do promotor parecia mais uma peça de defesa dos acusados enquanto José

Paulo reforçou contestando que polícia estava desmoralizada por isso. Em outros

questionamentos, o jornalista acredita que o promotor está “muito ligado” à lei, “JOSÉ

PAULO (em voz alta irritado): Mas o senhor não está muito ligado aí à lei, em cumprir a lei e

tal. Mas e os de bem, como é que ficam?” (DORNELES, 2007, p.162).

Em resposta à outra pergunta do jornalista José Paulo, o promotor afirma que “O

Ministério Público defende a sociedade” e recebe outra resposta do jornalista afirmando que

neste caso, o Ministério não teria defendido. A entrevista só muda de tom com a intervenção

do jornalista Salomão Ésper, que confirma a coação a promotoria por meio dos

entrevistadores dizendo ainda que não são juristas e sim radialistas (DORNELES, 2007).

Levando em conta os termos utilizados nas manchetes da acusação dos criminosos,

vale verificar também como a imprensa se manifestou com relação à soltura dessas mesmas

pessoas. A atitude de afirmar, como fez chamando os acusados de criminosos ou assassinos,

não foi igual desta vez. Quando o caso mudou os meios de comunicação preferiram fazer o

que deveria ser feito desde o início e jogar tudo na voz do promotor. Títulos como “Acusação

de tortura é falsa, diz delegado”, “Promotor denuncia tortura e libera acusados do Caso

Bodega” e “Promotor alega ‘ausência temporária de indícios” são alguns dos exemplos que

Dorneles traz, os caracterizando como uma pressão da imprensa contra o promotor.

Ainda de acordo com os relatos do autor, o promotor foi bombardeado pela imprensa e

chegou a receber cartas ofensivas. A imprensa simplesmente ignorou o relatório e nenhuma

investigação foi feita para apurar as denúncias de agressão. Os meios de comunicação

optaram por “desmerecê-lo”: “Mas a decisão de soltar os presos, esta sim, continuou a ser

bombardeada, como se uma coisa não tivesse nada a ver com a outra” (DORNELES, 2007,

p.166).

Segundo Dorneles, em 1997, com a condenação dos novos acusados, o juiz José

Ernesto de Mattos transferiu grande de parte da sentença à imprensa. Ele afirmava que os

veículos de comunicação exerceram uma “pressão insuportável”, além de não dar importância

para a dignidade humana, esquecer valores e utilizar a imagem das pessoas como diversão.

Page 19: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

19

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Como cita Dornelles, a imprensa infringiu não somente o Código de Ética, mas,

também, a Constituição Federal, e interferiu, como também é possível afirmar que mudou a

vida das pessoas envolvidas de forma negativa. Mesmo após ser provado que os primeiros

acusados eram inocentes, eles não conseguiram ter uma nova oportunidade, uma vida

diferente, nem a chance de recomeçar, pois estavam marcados pelo preconceito e julgamento

da sociedade, que já tinha a sentença definitiva, baseada nas informações dadas pela

imprensa.

Considerações finais

Podemos concluir, com base no que o próprio Carlos Dorneles cita no “Bar Bodega”,

que a imprensa, que tanto reforçou que os primeiros acusados eram culpados, era quem estava

cometendo um crime. Na pressa de noticiar, de ser o primeiro a veicular, de ter um “furo”, a

imprensa muitas vezes atropela alguns dos princípios básicos do jornalismo.

Boa parte da sociedade toma como verdade o que a imprensa diz, pois acredita que se

determinado assunto é veiculado, é porque o jornalista que está por trás disso ouviu todas as

pessoas necessárias para que o fato fosse comprovado por meio das falas de quem estava

envolvido. Claro que também é necessário que o cidadão passe a questionar mais tudo o que

lê e ouve, mas é primeiramente papel da imprensa trabalhar em função da sociedade,

transmitindo as informações com o máximo de verdade possível.

O caso Bar Bodega foi apenas um entre tantos outros casos que são vistos diariamente

sobre a falta de apuração e divulgação de informações erradas, mal investigadas. O que não é

possível contabilizar, são os prejuízos causados pela falta de esforço ou o mínimo de

empenho em ouvir todos os lados e não ser tendencioso ou culpar as pessoas que ainda não

receberam a sentença final. Se a Polícia Civil representou o papel da “fonte oficial” no caso, a

imprensa deveria desempenhar o papel de colaborar como questionadora de todos os dados.

Não é preciso ir muito distante, basta acessar um site qualquer para confirmarmos que

nem sempre as matérias contém todas as informações necessárias. Muitas vezes, quem

deveria informar, acaba deixando muito mais questionamentos ao expectador/leitor do que

Page 20: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

20

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

antes. No caso “Bar Bodega”, um dos maiores erros da imprensa foi não buscar ouvir todos os

lados da história. Percebeu-se, então, que a imprensa infringiu não apenas seu próprio código

de ética, como a Constituição de 1988, de acordo com o artigo 5, “ninguém será considerado

culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (ANTONIOLI, 2009,

p.95).

Se a imprensa tivesse se mostrado mais questionadora nesse caso, antes de noticiar os

primeiros acusados, possivelmente perceberiam o desencontro de dados entre as acusações da

Polícia Civil e as pessoas que estavam no bar no momento do crime. Se investigassem

melhor, talvez as manchetes pudessem estampar informações sobre a acusação e o não

reconhecimento dos acusados por parte das vítimas. Se tivessem ouvido as famílias dos

jovens da periferia, teriam questionado a polícia sobre as torturas.

Até quanto vale noticiar de forma apressada/incorreta para alcançar o público? É

perceptível que em muitos casos vale ignorar algumas fontes, ultrapassar questões éticas e

“destruir” a vida de pessoas para garantir a produção diária. Mas e a sociedade? Defendeu o

caso, cobrou justiça, mas em nenhum momento foi justa. Após a inocentação dos primeiros

acusados, o caso foi silenciado, nem imprensa, nem os cidadãos, nem a polícia, puderam

mudar o estrago que foi feito na vida dos jovens que foram massacrados pela

irresponsabilidade no caso. Como Dorneles afirma, a imprensa assumiu outro papel na

repercussão do caso:

De há muito tempo a imprensa afastou-se da função de noticiar o fato e

assumiu ares de julgadora, na ânsia desesperada de noticiar escândalos e

explorar a miséria humana, sem se dar conta dos seus limites. Passaram a

acusar, julgar e penalizar com excreção pública (DORNELES,2007, p.174).

Em muitos casos os jornalistas esquecem dos princípios básicos do jornalismo e

tomam posições e isso pode ter grandes consequências na vida das pessoas. Enquanto isso

continuar acontecendo, milhares de outros “Cleversons” poderão ter suas vidas destruídas por

um erro. O ideal é que cada vez mais a imprensa trabalhe com empenho em ouvir todas as

fontes, apurar cada detalhe, para, por fim, noticiar.

Referências Bibliográficas

Page 21: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

21

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

ANTONIOLI, Maria Elizabete. Ética e formação do jornalista. In: LIBERAL, Márcia

Mello Costa de. (Org). A ética a serviço da comunicação. São Paulo: Altamira Editorial,

2009.

CHRISTOFOLETTI, Rogério. Ética no Jornalismo. São Paulo: Contexto, 2008.

DORNELES, Carlos. Bar Bodega: um crime de imprensa. São Paulo: Globo, 2007.

TÓFOLI, Luciene. Ética no Jornalismo. Coleção Ética nas Profissões. Petrópolis, RJ: Vozes,

2008.

Page 22: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

22

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

A MORTE DE UMA CRIANÇA NA UPA 24 HORAS

A CRISE DESENCADEADA NA SAÚDE DO ACRE

Glauco Capper da Rocha1

Jardel Costa Angelim2

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar a crise de imagem através dos

discursos da Secretaria de Saúde do Acre (Sesacre) ao lidar com a morte de um bebê na

Unidade de Pronto Atendimento 24 Horas (UPA), no dia 15 de fevereiro de 2016. A

divergência de discursos, bem como as afirmações precoces sobre não haver negligência,

intensificou o cenário de crise perante a sociedade e a imprensa local. O assunto ganhou

uma série de desdobramentos que culminou em escândalo para rede pública de saúde.

Como aporte teórico para este estudo serão adotadas as concepções de Roberto Neves,

Wesley Cardia, Wilson Bueno, Mário Rosas, Maxwell MCcombs, entre outros, a fim de

compreender o posicionamento da Sesacre para contornar a crise e a não existência de

um plano para gerenciá-la.

Palavras-chave: Crise; Sesacre; Saúde; Morte de um bebê; Negligência.

Este trabalho aborda um caso singular ocorrido no estado do Acre. Trata-se da

morte de uma criança de apenas quatro meses de vida na Unidade de Pronto Atendimento

de Rio Branco, UPA 24h. A família acusa a unidade de negligência e a Secretaria Estadual

de Saúde (Sesacre) se defende ao discordar desse ponto. Mas para chegar a isso, os

gestores cometem uma série de falhas perante a sociedade e até diante do ocorrido.

O que talvez a equipe tenha pensado foi que o caso se tornaria efêmero, o que

esteve longe de acontecer. Neste sentido, uma crise aflorou diante da tentativa de

minimizar o fato. Contradições e repostas rasas agravaram o problema. Ora, a família

ficou sem resposta e os MCM aproveitaram o cenário para explorar o assunto, que é de

interesse da coletividade.

1 Jornalista formado pela Universidade Federal do Acre (UFAC). Estudante do curso de pós-graduação

Comunicação e Política pela UFAC. 2 Jornalista formado pela Universidade Federal do Acre (UFAC). Estudante do curso de pós-graduação

Comunicação e Política pela UFAC.

Page 23: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

23

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Antes de entrar nesses pontos supracitados é pertinente observar primeiro que a

saúde é um direito garantido pela Constituição de 1988. Um exemplo claro são os artigos

196 e 197.

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante

políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença

e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e

serviços para sua promoção, proteção e recuperação. São de relevância

pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor,

nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle,

devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e,

também, por pessoa física ou jurídica de direito privado

(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, p.116 e 117).

Portanto, é obrigação do governo cuidar e zelar pelos cidadãos brasileiros. O

assunto aqui a ser discorrido apresenta um desequilíbrio a imagem da pasta. A própria

Sesacre mudou o discurso quando foi “apertada” pelas informações e pelo fim trágico do

bebê, que culminou com depoimentos de acusação das vítimas (família da criança) ao

passar por toda a situação. Para enveredar por essa análise e seus desdobramentos, é

necessário apresentar alguns conceitos básicos para entender o cerne da questão.

A DOENÇA CHAMADA CRISE

A saúde no Acre sempre foi tratada como a “menina dos olhos” do governo petista.

O discurso é de que o Acre possui uma saúde equiparada com os grandes centros do

mundo. Isso sempre foi questionado pelos acrianos. Em matéria veiculada no portal

AC24Horas3, com o título: “Internauta cobra Sebastião Viana a “Saúde de Primeiro

Mundo4” no Huerb5”, é possível saber como a gestão tentou criar essa imagem.

Nesse sentido, entra o ethos de Tião Viana, de tentar construir uma imagem de

seu governo, de uma preocupação com a saúde e de que no Acre a área é tratada como

3 www.ac24horas.com. 4 Matéria disponível em:

<http://www.ac24horas.com/2013/10/18/internautacobradesebastiaovianaasaudedeprimeiromundonohuerb/>

Acessado em: 27 de fevereiro de 2016. 5 Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco.

Page 24: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

24

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

exemplo para o mundo. “Todo discurso, oral ou escrito, supõe um ethos: implica certa

representação do corpo de seu responsável, do enunciador que se responsabiliza por ele”

(MAINGUENEAU, 1998, p. 60). Para quem precisa da saúde pública no Acre, isso, de

acordo com a manchete do portal citado anteriormente, é uma falácia.

A ideologia, por sua vez, nesse modo de a conceber, não é vista como

conjunto de representações, como visão de mundo ou como ocultação

da realidade. Não há, aliás, realidade sem ideologia. Enquanto prática

significante, a ideologia aparece como efeito da relação necessária do

sujeito com a língua e com a história para que haja sentido. E como não

há uma relação termo-a-termo entre linguagem/mundo/pensamento

essa relação torna-se possível porque a ideologia intervém com seu

modo de funcionamento imaginário. São assim as imagens que

permitem que as palavras “colem” com as coisas (...) (ORLANDI,

2009, p. 48).

A proposta do governo é elevar sua ideologia criando na imaginação das pessoas

a ideia de que a saúde no Acre é perfeita. “A saúde de primeiro mundo” é a tentativa de

vender esse pensamento para demonstrar que no estado o esforço pela saúde é contínuo e

obtém resultados. A tentativa de maquiar não surte efeito em parte da população, uma vez

que os serviços oferecidos apresentam falhas, como retratado pelos jornais e sites locais,

como exemplo, a matéria publicada no AC24horas citada anteriormente.

Essa área é alvo rotineiro de problemas e situações que desencadeiam crises. Essas

crises, caso não sejam bem administradas, proporcionam uma instabilidade. O escândalo

muda a direção do que era aparentemente tranquilo e começa a apresentar um turbilhão

de dificuldades.

A rotina é para muitos um sinônimo de segurança. A normalidade

histórica, a sucessão de fatos e eventos mês após mês, ano após ano,

confere às pessoas uma sensação de segurança. A crise é justamente

essa quebra de estabilidade e de falta de previsibilidade em que os

indivíduos e empresas serão confrontados pelo inesperado. O que as

pessoas não imaginam é que a ocorrência de crise está dentro do estado

natural das coisas. As crises não são mais situações bizarras e

absolutamente inusitadas, mas manifestações de uma nova ordem;

resultado de um mundo infinitamente mais complexo e sofisticado.

Esse incremento do emaranhado de conjunturas faz da vida das pessoas,

de governos e das empresas, estruturas cada vez mais afeitas a crises.

(CARDIA, 2015, p. 21).

Page 25: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

25

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Por isso, é pertinente entender que as crises podem acontecer, em qualquer

circunstância. Na saúde, por exemplo, isso é ainda mais previsível, tendo em vista que

lida diretamente com a vida. Quando a crise aporta ocorre uma desestruturação que pode

levar a uma queda momentânea ou uma mancha permanente. Na morte da criança Pedro

Lucas Muniz, uma possível negligência afetou a estrutura da unidade de saúde, bem como

da secretaria.

Quando uma crise é criada a partir do erro, omissão ou negligência, e não pela

ordem natural das coisas, pode ser ainda mais lesiva. Nesse sentido, “os atos ou elisões

praticados por empresas ou instituições cujos resultados geraram consequências danosas

para a natureza, para grupos de pessoas e até mesmo para países inteiros (...)” (CARDIA,

2015, p. 22) podem ser ainda mais prejudicial à imagem de quem está a frente do

problema. A consequência é uma tensão ainda maior alinhada a uma crise de imagem:

(...) Não precisa de muito para se transformar em crise de imagem.

Basta ganhar a mídia e, de alguma forma, ferir o conceito, o juízo, a

apreciação que um grupo ou a sociedade como um todo tem daquela

pessoa ou instituição pública ou privada. Uma vez que ocorra essa

quebra de paradigma entre o que é esperado da imagem de uma pessoa

ou instituição, e que esse rompimento do modelo idealizado extrapole

os limites dos muros e ganhe espaço nas rádios, jornais, internet, TVs,

etc., haverá crise de imagem. (CARDIA, 2015, p. 23 e 24).

As teorias da comunicação explicam esse caminho. Para um episódio se

transformar em notícia alguns fatores são levados em conta. Na hipótese do newsmaking,

os acontecimentos são potencializados e transformados em notícia. Com essa hipótese

aparece o gatekeeping que filtra a informação antes de passá-la (HOHLFELDT, 2015).

Nasce, então, o conceito de noticiabilidade.

A noticiabilidade está regrada por valores-notícia, conjunto de

elementos e princípios através dos quais os acontecimentos são

avaliados pelos meios de comunicação de massa e seus profissionais

em sua potencialidade de produção de resultados e novos eventos, se

transformados em notícia (...) (HOHLFELDT, 2015, p. 208).

Page 26: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

26

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Com base nas ideias de Hohlfeldt (2015), para um assunto se transformar em

notícia é necessário um conjunto de regras, entre elas são analisadas a relevância do

assunto, sua importância, o interesse coletivo, atualidade, qualidade e o desvio da

informação, entre outros. Esse último trata dos assuntos ruins, que chamam mais a

atenção do cidadão, interessado em ver pautas que abordam escândalos.

Com esses caminhos, é possível entender o motivo da morte da criança de 4 meses

na Upa de Rio Branco ter se transformado em notícia. Os desdobramentos levaram ao

encaixe de todos esses conceitos detalhados anteriormente. O assunto, não obstante,

ganhou notoriedade da imprensa acriana.

Além de evocar os conceitos de noticiabilidade, o óbito também se tornou o

assunto das conversas cotidianas das pessoas que viram o caso nos noticiários. Eis, então,

outra teoria da comunicação para compreender essa análise. A teoria do agendamento ou

agenda setting. Nessa vertente, mais uma vez é perceptível a construção da crise e como

ela se desencadeia. A Teoria da Agenda prevê uma correlação positiva alta entre a agenda

da mídia e a subsequente agenda pública (MCCOMBS, 2009).

A Teoria da Agenda não é o retorno à teoria da bala ou hipodérmica

sobre os poderosos efeitos da mídia. Nem os membros da audiência são

considerados autômatos esperando para serem programados pelos

veículos noticiosos. Mas a Teoria da Agenda atribui um papel central

aos veículos noticiosos por serem capazes de definir itens para a agenda

pública (MCCOMBS, 2009, p. 24).

O agendamento evoca a elaboração da realidade de acordo com a narração

midiática. As pessoas constroem uma imagem dos fatos com a influência da mídia. Essa

influência corrobora para incentivar as preferências das pessoas. É a partir daí que o

público vai debater os temas colocados em voga pelos MCM. No objeto aqui analisado,

o público foi levado a comentar a morte do bebê, uma vez que gerou comoção e foi

repercutido pela imprensa no geral.

Essa teoria também traz ao ambiente jornalístico outra técnica habitual, a da suíte,

quando um tema ganha notoriedade seguidamente em um jornal. Dessa forma, o tema vai

Page 27: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

27

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

entrelaçando ainda mais o receptor da mensagem, que ouve repetida vezes o mesmo

assunto, todavia com novas informações e desdobramentos.

Mais adiante, isso vai ser perceptível. Primeiro, uma matéria é veiculada tratando

da morte de Pedro Lucas Muniz, depois a família acusa o hospital de negligência, em

seguida a Sesacre apresenta seu pronunciamento e por último convoca uma coletiva de

imprensa para falar sobre as investigações declarando que não ocorreu falha técnica.

Aqui entra a influência da mídia na opinião pública. Se aconteceu uma morte,

significa que há alguma causa. Como não foi esclarecida e a mídia veiculou os fatos,

certamente haverá uma crise, tendo em vista a falta de transparência no ocorrido. Diante

desse contexto, a opinião pública pode pender a acreditar que houve erro na gestão e na

operacionalização do sistema de saúde.

(...) A Opinião Pública, por sua vez, mudou seu perfil e nível cultural.

Melhorou sua capacidade de organizar-se, de reivindicar e de participar.

Aperfeiçoou seu instrumental de combate. Embora ainda tenha

rompantes semelhantes aos que tinha na Idade Média, sofisticou o

processo de formação de sua opinião (...) (NEVES, 2002, p. 16).

Através dos Mass Media as pessoas passaram também a ter espaço em suas

reivindicações. Mais organizada e influente, a opinião pública pode construir ou

desconstruir um governo. A formação do cidadão ocorre, também, pelo noticiário. Com

a revolta de uma família pela morte de uma criança e a desconfiança de equívocos por

parte da unidade, a população, de uma forma universalizada, tende a apoiar e se

compadecer dessa história. Ao recordar da “Saúde de Primeiro Mundo” ventilada pelo

atual governo (2016), a opinião pública vai debater e produzir informações que discordem

dessa ideia.

O cenário de crise dentro da Sesacre já estava anunciado. Poucos dias antes de

acontecer a morte do menino, houve uma troca no alto escalão da pasta. Saiu o secretário

Armando Melo, alegando problemas pessoais, e entrou o então diretor do Departamento

Estadual de Trânsito (Detram/AC), Gemil de Abreu Junior. A informação foi divulgada

Page 28: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

28

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

oficialmente no portal do governo do estado com o título: Governo anuncia mudanças na

chefia de órgãos públicos6.

A MORTE DE UM BEBÊ

No dia 15 de fevereiro de 2016, o site de notícias Contilnet lançou a seguinte

matéria: “Pai acusa UPA de negligência na morte de criança de 3 meses”, no qual

descreve o óbito de um bebê de apenas quatro de vida meses (existe a divergência entre

o site da Contilnet e a Sesacre quanto a idade de vida do bebê. Neste trabalho adotaremos

a idade que a Sesacre disponibilizou em seu site), após ser internado com ‘sintomas de

virose’, de acordo com as informações do site www.contilnetnoticias.com.br7. Ainda

sobre o texto que foi disponibilizado, o bebê estava com febre e secreção nasal, sendo

diagnosticado pelo médico plantonista. Após a realização da nebulização, o bebê passou

a ter convulsões e apresentar roxidão, conforme descrito no texto disponível no site,

sendo, por conseguinte o óbito registrado. A circunstância da morte do bebê — após

parada cardíaca8 — não foi definida pela UPA no atestado de óbito. O que levou a

divergências nos discursos da família, imprensa e Sesacre.

Neves (2002) adverte para situações de conflitos de discursos, que, para ele,

agrava-se na divergência de informações prestadas a sociedade, já demonstrando

sintomas de crise. A morte do bebê Pedro Lucas Muniz, noticiada pela imprensa local,

como negligência, desdobrou-se em novas versões após o pronunciamento oficial da

Secretaria de Saúde em coletiva, realizada no dia 18 de fevereiro, um dia após a

6Matéria disponível no link

<http://www.saude.ac.gov.br/wps/portal/saude/saude/principal/!ut/p/c5/vZFNb4JAEIZ_Cz9AdtnlYzliuso

CK9%C2%ADIXAjahoAgJjYS%C2%ADPVd46Hpofag6cxlkndmnsk7oA%E2%80%A61/2> Acessado em

27 de fevereiro de 2016, às 19:21hs. 7Disponível através do link

<http://contilnetnoticias.com.br/2016/02/15/paiacusaupadenegligencianamortedecriancade3mesesdireca

ovaiapurarcaso/> Acessado em 27 de fevereiro de 2016, às 19:02hs. 8 Entende-se aqui que parada cardíaca é uma situação de emergência que pode levar à morte em poucos

minutos. No caso do bebê, a parada cardiorrespiratória não deve ser considerada é causa mortis, mas,

apenas sequelas de sintomas anterior a que ocasiona a parada. Fonte:

<www.primeirossocorros.com.br/parada-cardiorespiratoria-o-que-fazer/> Link acessado em 28 de

fevereiro de 2016 às 14:15h

Page 29: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

29

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

publicação da matéria no seu portal institucional: “Sesacre solicita apoio do MPE na

investigação de morte de bebê na UPA”, onde diz que:

A Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre), por meio da Secretaria Adjunta de Atenção à Saúde, solicitou acompanhamento da Promotoria Especializada de Defesa da Saúde do Ministério Público Estadual (MPE), no processo administrativo aberto para apurar o óbito do bebê Pedro Lucas Muniz, de quatro meses, na última segunda-feira, 15, na

Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Segundo Distrito

(SESACRE, publicado no dia 17/02/20169).

Cardia (2015) define crise como “o momento decisivo de uma situação para

melhor ou para pior... um evento, estágio ou momento decisivo ou crucial”

(WEBSTER’S, 1990, Apud, CARDIA, 2015, p.17). O que realça a afirmação de Cardia

(2015) nos feitos da Sesacre, referente aos posicionamentos adotados, é a contradição que

agrava a situação da instituição perante a sociedade. Na coletiva realizada para a imprensa

local, o secretário em exercício, Kleyber Guimarães, declarou não haver erros médicos;

o secretário-adjunto de Planejamento e Gestão, Irailton Lima, afirmou está sendo apurado

a questão do atendimento; dessa forma, as duas falas não se complementam, mas se

contradizem, esboçando a quebra da ordem natural das coisas (CARDIA, 2015).

Não estamos tratando de erros aqui, mas de informações que foram

postas em todos os relatórios que foram feitos durante o percurso do

atendimento profissional. Houve sim todo o atendimento necessário,

inclusive, nas mudanças da equipe médica. Todos os profissionais

atuaram com defesa à vida (Kleber Guimarães em entrevista coletiva

para a imprensa).

Daquilo que já apuramos, não houve negligência, isso é fato. Agora erro técnico não dá ainda para afirmar se houve ou não. Estamos tão seguros na maneira de conduzir que convocamos o MPAC. Nada será encoberto, mas não podemos também admitir que se faça um julgamento prévio ou condenação prévia da equipe (Irailtom Lima em

entrevista coletiva para a imprensa10).

9Disponível no link

<http://www.saude.ac.gov.br/wps/portal/saude/saude/principal/!ut/p/c5/vZFNb4JAEIZ_Cz9AdtnlYzliuso

CK9%C2%ADIXAjahoAgJjYS%C2%ADPVd46Hpofag6cxlkndmnsk7oA%E2%80%A61/2> Acessado em

27 de fevereiro de 2016, às 19:21hs. 10Disponível no link

<http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2016/02/naohouveerroafirmasaudesobremortedebebeemupadacapit

al.html> Acessado em 27 de fevereiro de 2016 às 21:35.

Page 30: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

30

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Reafirma–se: o que define crise não é a presunção de inocência, mas a existência

de conflitos de discursos (NEVES, 2002). O que se percebe é ausência de um plano de

crise ou de gerenciamento dela. Tendo em vista a nota lançada no site oficial solicitando

acompanhamento do MPE e, no dia seguinte, em coletiva para a imprensa, a afirmação

de não haver erros (negligência), mas que não se pode afirmar se houve erro técnico.

CRISE

Em Rio Branco, a saúde vem sendo pauta constante nos sites de notícias e

telejornais. De acordo com as matérias relacionadas neste estudo, atendimento ruim e

falta de profissionais são as maiores queixas da população11. Mas, no discurso do atual

governador do estado, Tião Viana — médico infectologista — a saúde passa bem12. “Eu

estou muito orgulhoso desse momento, pois há 12 anos estamos tentando melhorar o

sistema de saúde pública e hoje o serviço de urgência se completa no Acre”, declarou o

então governador Tião Viana em solenidade de entrega de uma das etapas do PS de Rio

Branco.

Ao se analisar mais detalhadamente o discurso, observa-se um sujeito ideológico

que, na concepção de Helena Nagamine Brandão (2012), em seu livro “Introdução à

análise do discurso”, faz da ideologia um instrumento de dominação de classes, porque

a classe dominante faz com que suas ideias, passem a ser ideias de todos.

No entanto, o que as ideologias fazem, segundo Marx e Engels, é

colocar os homens e suas relações de cabeça para baixo, como

ocorre com a refração da imagem numa câmera escura.

Metaforicamente, essa inversão da imagem, isto é, o “descer do

céu para a terra em vez de ir da terra para o céu”, que ele denuncia

11 Fato corroborado através das matérias citadas ao longo do texto e seus respectivos links para consulta. 12 O pronto-socorro de Rio Branco teve início das obras em 2010 e o prazo de execução seria de 14

meses. As obras não estão finalizadas em fevereiro de 2016. Também foi firmado acordo para contratação

de 100 novos médicos, o que ainda não se concretizou; Disponível no link

<http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2015/11/entregadehospitalemriobrancoestaatrasadahamaisde3anos

.html> Acessado em 28 de fevereiro de 2016 às 14:43h.

Page 31: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

31

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

nos filósofos alemães, representa o desvio de percurso que

consiste em partir das ideias para chegar à realidade (BRANDÃO,

2012, p.20).

Ao criar essa consciência nos homens de uma visão ilusória da realidade como

se fosse realidade, a ideologia organiza-se como um sistema lógico de representações

(BRANDÃO, 2012). Recorre-se à preocupação de Neves (2002) quando diz que opinião

pública, nesse sentido, é uma ilusão, pois fica claro que se torna possível as pessoas

chegarem a um sentido comum das ocorrências dos fatos e a um propósito unificado

(NEVES, 2002, p. 14). Na memória discursiva (disponibilizada pelo emissor através de

propagandas na TV e agência de notícias do Estado através de matérias), percebe-se

incoerência com a realidade — aqui construída através dos fatos narrados sobre o bebê

que veio a óbito.

Ao procurar a UPA em busca de atendimento para o filho, Pedro Lucas Muniz,

José Carlos e Meury Marinho, pais de Pedro, carregam uma memória discursiva formada

através de um sujeito ideológico esmerado na mídia paga, sobre a existência de

atendimento de saúde que é referência para outros países13; e, doravante, a influência da

opinião pública quanto ao atendimento recebido na prática e contestado através das pautas

negativas em sites notícias e meios de comunicação.

Para as duas condições o mesmo diagnóstico: crise. O que afirmaria tal sentença

seria a credibilidade e a reputação da Sesacre (abalada ao longo dos anos) que, para Neves

(2002), consiste na Imagem do órgão, algo que se constrói ao longo dos anos com

paciência e disciplina:

Numa crise, se a empresa tiver que perder muito, que esse “muito” seja

tudo — dinheiro, tempo, paciência, saúde — menos a reputação. Que

seja “dinheiro”, por exemplo. “Dinheiro” se recupera de outras formas

e mais rápido. “Reputação”, pra ser recuperada — quando é possível —

leva tempo. E não há dinheiro que a recompre. A “reputação” é a única

alavanca que uma empresa tem após uma crise para trazê-la de volta ao

mundo dos bons (NEVES, 2002, p. 23).

13 Supracitado.

Page 32: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

32

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Nesse ato, Wilson Bueno (2009) também aponta na mesma direção. Em seu livro

“Comunicação empresarial: políticas e estratégias”, ele fala que qualquer que seja a

crise, traz embutida a capacidade de abalar seriamente a credibilidade da empresa [ou

órgão] (BUENO, 2009). Sendo assim, desafinaria o discurso protocolado nas mídias pela

Sesacre de que a saúde “anda” bem, pois sua imagem está comprometida e abalada pela

Opinião Pública estampada como manchetes nos veículos de comunicação reclamando a

precariedade nos serviços.

ENFRENTAMENTO DA CRISE

Em seu livro, Cardia (2015), cita o entendimento de Elizabeth Noelle-Neumann,

para o gerenciamento da crise através do silenciamento de um grupo ou de uma só pessoa

que tem opiniões diversas. Como, no presente estudo, não se aborda sobre a espiral do

silêncio - teoria estudada pela comunicação, cita-se aqui apenas para contextualizar a

forma com que a Sesacre, nas primeiras tomadas de decisões para enfrentar a crise

instaurada pela morte do bebê na UPA24horas, se engaja, a fim de dizer a sociedade ―

quem primeiro questionou através das redes sociais ― que a saúde não errou.

Ocorre aqui o que Bueno (2009) coloca em seu livro de que, “mal a notícia ruim

correu, já está na internet, alimentando o jornalismo on-line e um troca-troca nervoso de

informações nos grupos de discursão (BUENO, 2009, p. 219). Ao pronunciar para a

imprensa afirmando “não ter havido negligência”, a Sesacre se apossou de um discurso

de poder (BRANDÃO, 2012) sobre o ocorrido. Antes de qualquer apuração do MPE ou

posicionamentos de demais autoridades envolvidas, ela ‘afirma’ não ter havido erro. Não

convém neste estudo a abordagem maciça sobre discurso ideológico, nem a constância

em analisar a memória discursiva advinda da pasta. Impregna-se aqui a discursão sobre

os posicionamentos que deixam claro o não gerenciamento da crise instaurada, como

sugere Bueno (2009), Cardia (2015) e Rosa (2001), entre outros autores.

Para esse enfrentamento, Cardia (2015) adverte que, fácil de resolver ou não,

uma vez iniciada a crise ela terá que ser gerenciada até que seja debelada (CARDIA,

2015). A crise iniciada, porém, não admitida pela pasta, de acordo com Rosa (2001), não

Page 33: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

33

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

é recomendada, pois, as ações ― principalmente ― humanas, possuem vulnerabilidades.

Dessa forma a coletiva, como primeira ação para o enfrentamento da crise pela secretaria

de saúde, começa pela tentativa de apagar os possíveis erros ocorridos.

Rosa (2001) instrui, também, a adoção da verdade como ponto de partida para o

enfrentamento da crise. Diante de todos os percalços enfrentados pela saúde no Estado

nos últimos anos, advêm conjecturar ou, quem sabe, afirmar, o despreparo e ausência de

estratégias para o enfrentamento de crises. Nas ações idealizadas pela Sesacre, as atitudes

não partem de um plano de Gerenciamento de Crise, PGC como assim descreve Cardia

(2009).

É preciso entender que planificar, planejar e estruturar um plano para o

evento de uma crise não é desperdício de dinheiro. Menos ainda de

tempo e energia daqueles que forem escalados para a missão. É sinal de

providência, inteligência, e de autopreservação. E não apenas para

grandes organizações. Isso é válido para médias empresas, órgãos

governamentais e políticos, governos estatual, municipal e federal,

pessoas de importância no mundo artístico, esportivo, e profissionais

liberais ― por exemplo, grandes escritórios de advocacia (CARDIA,

2015, p. 56).

Para a regência do enfrentamento da crise, Cardia (2015) compara ao

funcionamento de uma orquestra. Cada integrante passa a desempenhar um papel

essencial para o contorno dos problemas. “Gerenciar uma crise não é tarefa para uma

pessoa só (CARDIA, 2009, p. 64). Crise é crise (BUENO, 2009). Para o autor,

dependendo de sua origem, há muito pouco a se fazer. Mas, o mal gerenciamento agrava

e repercute na imprensa e com seus profissionais. Isso incute no equilíbrio entre

transparência e postura ética (BUENO, 2009).

Certo de que a verdade é um dos aspectos mais difíceis e complexos de manejar

durante uma crise de imagem (ROSA, 2001, p. 71), a Sesacre começou o enfrentamento

de maneira ‘correta’ ― na primeira ação onde declara investigar o ocorrido com a

presença do MPE. Mas, no dia seguinte, assume as claras que não tem culpa alguma. O

que Rosa (2001) considera é que existem situações que seu desfecho pode ser simples,

dependendo da “senha” que se use, ou, ao contrário, imbrique para outras complicações

(ROSA, 2001).

Page 34: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

34

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Cardia (2015) cita quatro pontos de gerenciamento de crise do especialista,

Michael Hillyard:

1. Antecipação: um compromisso de analisar, buscar antever, prever

e buscar manter-se afastado de situações de emergência;

2. Preparação: providenciar o planejamento, treinamento, e resposta

coletiva antes que crises ocorram;

3. Resposta: implementar um trabalho coletivo de um grupo

predeterminado para agir em caso de a crise ocorrer;

4. Sabedoria: aprender a partir do evento ocorrido de forma a

prevenir ou melhorar a resposta em caso de crise futura

(HILLYARD, 2000, apud, CARDIA, 2015, p. 65).

Na morte do bebê, as duas primeiras etapas do que é descrito por Cardia (2015),

sobre os passos de Michael Hillyard para gerenciar crises, são ignoradas. Na terceira

etapa, os posicionamentos divergem entre as duas respostas14 pronunciadas pela Sesacre.

Rosa (2001) diz que a verdade deve ser adotada como um valor ético e moral em si, mas

pode ser utilizada também como uma questão estratégica (ROSA, 2001). E o que ocorreu,

de fato, foi a desconstrução de uma informação em detrimento de uma afirmativa durante

a coletiva, eximindo-se a Sesacre da culpa. O que, porventura, agrava a situação de crise

enfrentada pela pasta, esquecendo-se do que Rosa (2001) diz, que as ações humanas

possuem vulnerabilidades. Nesse caso, expõe a fragilidade da pasta em não possuir um

plano, nem mesmo usar artifícios coerente para enfrentá-la.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao contrário do que se pode imaginar, as crises são previsíveis e podem até ser

evitadas. Há de se considerar, entretanto, que essa previsibilidade nem sempre funciona.

14 Resposta 1: A Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre), por meio da Secretaria Adjunta de Atenção à

Saúde, solicitou acompanhamento da Promotoria Especializada de Defesa da Saúde do Ministério Público

Estadual (MPE), no processo administrativo aberto para apurar o óbito do bebê Pedro Lucas Muniz, de

quatro meses, na última segunda-feira, 15, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Segundo Distrito

(SESACRE, publicado no dia 17/02/2016 ).

Resposta 2: Não estamos tratando de erros aqui, mas de informações que foram postas em todos os

relatórios que foram feitos durante o percurso do atendimento profissional. Houve sim todo o atendimento

necessário, inclusive, nas mudanças da equipe médica. Todos os profissionais atuaram com defesa à vida

(Kleber Guimarães em entrevista coletiva para a imprensa).

Page 35: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

35

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Mas se for pensada todas as possibilidades que podem desenrolar uma crise, certamente

elas ocorrerão com menor frequência.

Se preparar para a crise não significa que ela vai se concretizar. Isso não demonstra

fraqueza ou pessimismo, pelo contrário, pode ser o início da fuga de desastres. Para

Cardia (2015), quem se prepara para a crise está sendo apenas preventivo, antecipando-

se a situações que mais cedo ou mais tarde podem bater à porta (CARDIA, 2015). Outra

observação de do autor é conhecer o nível de danos que poderá ocasionar. E o quanto

pode custar se não for contida (CARDIA, 2015, p. 52).

No caso do óbito do bebê, a Sesacre teria possibilidade de prever que ocorrências

como essa poderiam vir à tona. Se tivessem pensado antes, a crise de imagem, fruto da

veiculação da notícia, certamente seria suavizada ou lidariam de forma sensata ao

informar a sociedade. Já com a morte anunciada, seria importante colocar em prática o

plano de gerenciamento de crise, para saber como atuar em histórias que abalam a imagem

da instituição. Mesmo que, para Cardia (2015) os planos dificilmente preverão tudo. Por

mais que os profissionais encarregados se esforcem, somente a crise em si trará à mesa

todas as circunstâncias com as quais se depararão. Mesmo assim, o planejamento deverá

antecipar o maior número possível de situações.

O plano vai subsidiar no roteiro de ações e decisões a serem tomadas. Com o

gerenciamento da crise, os gestores podem adotar os discursos mais pertinentes para

evitar os imbróglios de um fato indesejável. Sem esse conjunto de informações, a mancha

na imagem pode ser atenuada e explorada com maior eficácia pelos veículos de

comunicação. Diante da crise, não se pode trabalhar com amadorismo.

Page 36: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

36

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BUENO, Wilson da Costa. Comunicação empresarial: políticas e estratégias. São

Paulo. Saraiva, 2009.

BRANDÃO, Helena Hathsue Nagamine. Introdução à análise do discurso. Campinas.

Editora Unicamp, 2012.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.

Brasília, DF: Senado, 1988.

CARDIA, Wesley. Crise de imagem e gerenciamento de crises. Rio de Janeiro. Mauad,

2015.

HOHLFELDT, Antonio; MARTINO, Luiz C.; FRANÇA, Vera Veiga (Orgs.). Teorias

da comunicação: conceitos, escolas e tendências. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

MAINGUENEAU, Dominique. Os termos-chave da análise do discurso. Belo

Horizonte: UFMG, 1998.

MCCOMBS, Maxwell. A Teoria da Agenda: a mídia e a opinião pública. Petrópolis,

Rio de Janeiro: Vozes, 2009.

NEVES, Roberto de Castro. Crises empresariais com a opinião pública: como evita-

las e administrá-las. Rio de Janeiro. Mauad, 2002.

ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso: princípios & procedimentos. 8. ed.

Campinas: Pontes, 2009.

ROSA, Mário. A síndrome de Aquiles. São Paulo. Editora Gente, 2001.

Page 37: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

37

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

A MULHER E A MÍDIA: UMA RELAÇÃO VIOLENTA1

Fabiana Nogueira chaves2

Universidade Federal do Acre, Rio Branco - AC

Resumo: O trabalho discute as diferentes formas como a mulher é representada pela

mídia e como essa representação ratifica padrões machistas: ora tratando-a como objeto

de consumo sexual, ora como serviçal doméstica. Discute como a mídia procura instituir

um padrão de mulher a ser seguido, dentro dos preceitos de uma sociedade patriarcal,

onde a mulher é muito mais a função social a ela destinada do que um ser humano. O

trabalho analisa como a violência doméstica é retratada pela mídia como fator isolado,

descontextualizada da sociedade em que está inserida: machista e violenta para com as

mulheres. Condena-se a violência física enquanto ratificam-se todas as demais formas de

violência sofridas pelas mulheres.

Palavras-chave: Mulher, mídia, violências, machismo.

Não podemos negar que nas sociedades ocidentais a condição das mulheres

progrediu espetacularmente no decorrer do século XX. As mulheres fizeram muitas

conquistas, mas ainda têm muitas pela frente. Homens e mulheres, apesar das conquistas

femininas, ainda não possuem o mesmo espaço na sociedade.

Não obstante, vemos claramente que, apesar de diplomas e

competências comparáveis, a diferenciação das

responsabilidades hierárquicas e das remunerações permanece. A

escolha de trajetórias e de carreiras não é igualitária; as condições

de vida cotidiana tais como são organizadas e financiadas por

nossa sociedade também não o são. Aqui, os partidos políticos

desdenham a paridade, preferindo pagar multas a conceder

postos elegíveis a candidatas. Ali, redes e confrarias tecem com

fios de vidro o telhado invisível que impede mulheres de atingir

os pontos mais altos. Assim que o poder se mostra (...) ele

continua a usar gravata (Ockrent.C, 2011, p.15)

1 Trabalho apresentado no LT5 - Interfaces Comunicacionais, durante a SEACOM 2016, na universidade

Federal do Acre. 2 Fabiana é mestra em Comunicação Social pela Universidade de São Paulo, produtora cultural e

pesquisadora da Universidade Federal do Acre.

Page 38: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

38

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Em pleno século XXI, mulheres ainda têm suas vidas ameaçadas pelo fato de

serem mulheres. O primeiro direito que se busca, então, é o direito de viver, sem

discriminação ligada ao sexo.

São muitas as violências sofridas pelas mulheres em todo o mundo, seja na vida

pública ou na vida privada, nos países desenvolvidos ou subdesenvolvidos. Falamos então

de violências contra as mulheres, no plural. Humilhação, precariedade, violência

conjugal, violência sexual, assédio, prostituição, tráfico de pessoas, abusos,

criminalidade, desemprego: as mulheres são sempre as primeiras vítimas.

Para tentar minimizar todos os tipos de discriminações e violências sofridas pelas

mulheres, cartas, declarações e instrumentos jurídicos, respaldados pelo movimento

feminista, surgiram.

A partir de 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU), sob pressão do

movimento feminista, contribuiu para inscrever o princípio da igualdade entre mulheres

e homens no direito internacional. A carta da ONU tem como objetivo conduzir os estados

a eliminarem, em suas legislações, discriminações contra as mulheres e buscar uma

política de igualdade. Em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma

que:

Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades

estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer

espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política

ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,

nascimento, ou qualquer outra condição. (Declaração Universal

dos Direitos Humanos, ONU, 1948).

A Conferência Mundial dos Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993,

seguiu os preceitos da carta da ONU, porém já especificando a situação de exclusão das

mulheres:

Os direitos humanos das mulheres e das crianças do sexo

feminino constitui parte inalienável, integral e indivisível, dos

direitos humanos universais. A plena participação das mulheres,

em condições de igualdade, na vida política, civil, econômica,

Page 39: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

39

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

social e cultural nos níveis nacional, regional e internacional, e a

erradicação de todas as formas de discriminação, com base no

sexo, são objetivos prioritários da comunidade internacional

(Conferência Mundial dos Direitos Humanos, Viena, 1993).

A partir dessa conferência, várias outras declarações e instrumentos jurídicos

começaram a tratar com especificidade a questão do respeito aos direitos humanos das

mulheres: a Conferência Mundial sobre os Direitos das Mulheres, que ocorreu em Pequim

em 1995, é um exemplo. A transformação fundamental em Pequim foi o reconhecimento

da necessidade de mudar o foco da mulher para o conceito de gênero, reconhecendo que

toda a estrutura da sociedade, e todas as relações entre homens e mulheres dentro dela,

tem que ser reavaliadas.

Já em 1979, A Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as

Formas de Discriminação contra as Mulheres é o primeiro documento internacional em

que consta, além das especificidades das diversas formas de violências sofridas pelas

mulheres, a questão da importância da educação no processo de mudança, se referindo

tanto à educação das mulheres, quanto a importância de uma educação que vise à

igualdade:

A eliminação de todo conceito estereotipado dos papéis

masculino e feminino em todos os níveis e em todas as formas de

ensino mediante o estímulo à educação mista e a outros tipos de

educação que contribuam para alcançar este objetivo e, em

particular, mediante a modificação dos livros e programas

escolares e adaptação dos métodos de ensino”. (Convenção das

Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de

discriminação contra as mulheres, 1979)

A necessidade de instrumentos jurídicos que venham a minimizar a situação de

violência em que vivem as mulheres em nossa sociedade, se deve diretamente a existência

de uma sociedade historicamente patriarcal e machista, com uma falsa aparência de

igualdade que encobre uma estrutura falocêntrica.

Há na atitude dos homens de hoje uma duplicidade que cria na

mulher um dilaceramento doloroso; eles aceitam em grande

Page 40: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

40

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

medida que a mulher seja um semelhante, uma igual; e, no

entanto, continuam a exigir que ela permaneça o inessencial; (...)

os êxitos autônomos da mulher estão em contradição com sua

feminilidade, porquanto se exige da ‘verdadeira mulher’ que se

torne objeto, que seja o Outro. (Beauvoir. S, 1967, p. 308)

Assim, e importante ressaltar que, muitas das violências contra as mulheres ainda

são ratificadas pela lei (seja diretamente ou por omissão) e socialmente aceitas, portanto

o trabalho de mudança da realidade exige um casamento entre mudanças na legislação e

a inserção da temática “igualdade de gênero” em todos os níveis de ensino e na mídia.

Quando se fala em mudanças na legislação, é necessário ressaltar a necessidade

de uma legislação reguladora da mídia, que controle os conteúdos veiculados, pois no

processo de criação de uma sociedade igualitária, a mídia, com seus conteúdos

estereotipados, aparece como um grande entrave, naturalizando e atenuando as violências

contra as mulheres.

A mídia e a naturalização do machismo

A exploração entre os seres humanos iniciou com a exploração do homem sobre

a mulher, e assim seguem todas as formas de violência em que a mulher é educada pela

sociedade patriarcal a aceitar seu papel social imposto, sua condição de classe subalterna,

de propriedade do homem, sua condição de inessencial, sua condição de objeto

sensualizado.

Em toda a história humana, o que se fez foi padronizar as características

sexuais do homem e da mulher. A mulher é vista como o sexo frágil e

o homem como forte, criando essa relação de dominação e

subordinação (Vieira.V; Charf. C, 2012, p. 204).

A mulher, o segundo sexo em nossa sociedade, sofre também a violência imposta

pela mídia. A violência de ver seu corpo fragmentado como seios e nádegas nas mais

diversas propagandas da indústria da publicidade, a violência de ver a dupla jornada de

trabalho naturalizada pelas propagandas e novelas, a violência de ser desumanizada e

vista apenas como um corpo a ser consumido, a violência de ver os crimes de violência

doméstica e feminicídio atenuados pelo jornalismo, a violência de ser futilizada.

Page 41: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

41

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Partimos do pressuposto de que nossa sociedade é machista: uma sociedade feita

por homens e para os homens, onde a mulher passa a ser mais um objeto de diversão

disponível. Neste sentido o papel da mídia não pode ser negligenciado, contribuindo para

perpetuar a reificação da mulher. A mulher é apenas mais um objeto de diversão possível

ao mundo masculino dentro dessa mídia, talvez o mais cobiçado dentre todos.

São as mulheres os principais alvos da indústria cosmética, da indústria

do fitness, das clínicas de cirurgia plástica e dos inúmeros serviços

estéticos. São elas que precisam estar bonitas para, supostamente,

seduzir os homens. Todas querem ficar com o corpo sequinho e

malhado, querem bumbuns grandes e seios maiores ainda, ou seja, todas

querem se encaixar em um padrão de beleza ditado pela indústria e pela

mídia, a fim de produzirem uma sedução também ditada pela mesma

indústria e pela mesma mídia. Os padrões estéticos nunca foram tão

rigorosos, tão milimétricos. E não são somente os padrões corpóreos, a

moda dita incessantemente novos padrões. A moda também está

padronizada. Padronizada para vestir mulheres magras. (Chaves. F.N,

2010, p. 216)

A transformação da mulher em objeto sensualizado produz graves consequências

dentro de nossa sociedade. Desumanizar a mulher, deixar de vê-la como um ser humano,

ou seja, um igual, faz com que todas as violências e desrespeitos a seus direitos humanos

sejam ratificados e socialmente aceitos.

O grande problema da imagem feminina exibida nos meios de comunicação está

não só na ideia de que a função primordial da mulher é embelezar o mundo, mas

principalmente na ausência de discussão sobre o quanto essa postura desumaniza a mulher

e produz uma visão utilitária sobre ela. Além disso, impõe padrões estéticos

discriminatórios e que contradizem explicitamente os estudos e tratados de direitos

humanos das últimas décadas. Além do padrão de beleza, a mulher ainda é submetida à

indústria da moda:

O objetivo das modas, às quais está escravizada, não é revelá-la

como um indivíduo autônomo, mas ao contrário privá-la de sua

transcendência para oferecê-la como uma presa aos desejos

masculinos; não se procura servir seus projetos mas, ao contrário,

entravá-los. (Beauvoir. S, 1970, p. 296).

Page 42: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

42

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

O simples fato de ainda ser socialmente aceita essa percepção de “embelezamento

do mundo” já mostra o quão pouco as mulheres são valorizadas. Sob essa perspectiva,

elas ainda não são reconhecidas como sujeitos de direito, com vontade própria, mas como

prestadoras de serviço, atendendo aos padrões estéticos e de comportamento vigentes e

tendo suas capacidades intelectuais tratadas como características secundárias, a serem

admiradas apenas se a função estética for devidamente cumprida.

A raiz de todas as formas de violência contra a mulher está nesta aceitação social

de que ela seja um objeto, uma imagem que deve cumprir uma função a outro (o homem).

Porém as medidas tomadas para diminuir a discriminação em relação ao gênero ainda são

bastante incipientes neste sentido, prioritariamente focadas na prevenção da violência

doméstica e no planejamento familiar consciente. Embora esses sejam assuntos

importantes, seu tratamento descontextualizado (não abordando a violência doméstica

como o ápice das várias formas de violência sofridas pelas mulheres e socialmente

aceitas), faz com que a discussão sobre o papel da mídia na construção de desigualdades

e ratificação de violências pareça desnecessária.

Nesse sentido o papel da mídia deturpa e empobrece o discurso sobre violência de

gênero. A mídia aceita as diversas objetificações da mulher e ao mesmo tempo diz ser

contra a violência doméstica, dicotomizando um problema que é único, que é fruto da

mesma causa.

Os meios de comunicação, por outro lado, não veiculam a memória pública

inocentemente, na medida em que possuem um mecanismo ideológico próprio. Ao

selecionar, ordenar e enunciar os acontecimentos da história, os meios de comunicação

apresentam-se como um lugar de tensão em que operam forças que levam tanto ao

enfraquecimento da memória e ao esquecimento quanto à sua estabilização (Ribeiro,

1996).

As propagandas, por exemplo, constroem e disseminam a imagem de uma mulher

sexualmente desejável e disponível a todo tipo de assédio. Ela é identificada como aquilo

que todos os homens devem aspirar e possuir, podendo ser incorporada pelas mulheres

como aquilo que elas devem ser ou se tornar para poder obter uma valorização social. À

Page 43: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

43

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

proporção que associam comportamentos, valores, atitudes a um ou a outro gênero, as

representações midiáticas ajudam a formular o que reconhecemos como feminilidade e

masculinidade, estando imbuídas, portanto, as relações de poder entre os gêneros,

reiterando e construindo desigualdades.

É importante ressaltar que, em muitos casos, a propaganda, assim como diversos

temas tratados levianamente em programas de auditório, não somente promovem o

machismo, mas também fazem apologia a crimes de assédio, de estupro, de crimes de

exposição pública pornográfica e até de violência doméstica.

No jornalismo podemos citar os casos de feminicídio e violência doméstica

atenuados pelas manchetes de “crime passional”. Quando se fala em crime passional

atenua-se a culpa do agressor. É uma forma de justificar o crime por um motivo nobre: a

paixão. Crime passional não existe, o que existe é feminicídio e violência doméstica,

crimes ligados ao machismo, à sensação de posse do homem sobre a mulher e a

transformação da mulher em objeto. O jornalismo apresenta o tema descontextualizado

da realidade social em que está inserido, muitas vezes, nem sequer citando a existência

da Lei Maria da Penha e quais os tipos de violência previstos nesta lei. Dessa maneira, o

jornalismo, que tem como função primordial prestar um serviço a sociedade, acaba por

fazer o contrário.

A mídia manipula, estereotipa e colabora para perpetuação de todas as formas de

violência contra as mulheres.

Legislação, mulher e mídia

É válido se perceber que a legislação que regula o sistema brasileiro de difusão

dos meios de comunicação está desatualizada e ao mesmo tempo, constata-se a ausência

de um código de conduta.

No que diz respeito à regulamentação dos meios de comunicação de massa, como

é o caso da televisão, a Constituição Federal de 1988 dedica todo um capítulo a

comunicação, prevendo inclusive a criação de um Conselho de Comunicação Social.

Page 44: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

44

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Porém, um levantamento realizado no ano de 2005, pelo Conselho dos Direitos da

Pessoa Humana, ligado ao Ministério da Justiça, revela que, entre estatutos, códigos, leis

e decretos, há no país 11 mecanismos de defesa contra TVs que exploram situações

degradantes, violentas, racistas e outras formas de discriminação. Não existe, contudo,

registro de nenhum tipo de mecanismo, regulamentação ou autoregulamentação

enfocando a imagem de mulheres e meninas nos meios de comunicação. A partir de 2006,

podemos falar apenas de uma pequena citação na lei Maria da Penha, responsabilizando

os meios de comunicação de massa:

III — o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores

éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis

estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência

doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III

do art. 1º, no inciso IV do art. 3º e no inciso IV do art. 221 da

Constituição Federal; (...)

VIII — a promoção de programas educacionais que disseminem

valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana

com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

IX – O destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de

ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à

equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência

doméstica e familiar contra a mulher. (BRASIL. Lei n° 11.340,

de 7 de Agosto de 2006, Maria da Penha).

Vivemos em uma sociedade que condena a violência física enquanto ratifica todas

as demais formas de violência sofridas pelas mulheres. Necessitamos, urgentemente, de

uma regulamentação da mídia no que concerne ao respeito e valoração dos direitos

humanos das mulheres.

Page 45: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

45

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Bibliografia:

BEAUVOIR, S. O Segundo Sexo: a experiência vivida. Vol. 2. 4 Ed: Difusão europeia do livro,

SP, 1967;

BEAUVOIR, S. O Segundo Sexo: Fatos e Mitos. Vol. 1. 4 Ed: Difusão europeia do livro, SP,

1970;

BRASIL. Lei n° 11.340, de 7 de Agosto de 2006. (Maria da Penha) Disponível:

http://www.planalto.gov.br/ccivil/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm;

CHAVES. F.N. A sociedade capitalista e o feminino: sua estrutura falocêntrica e a questão

da aparência. In: Filho.C. M (org). Transporizações. São Paulo: Eca-Usp, 2010, p 216- 226;

CONFERÊNCIA MUNDIAL DOS DIREITOS HUMANOS, Viena, 1993;

CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE OS DIREITOS DAS MULHERES; Pequim, 1945

CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS

FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA AS MULHERES, ONU, 1979;

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, ONU, 1948;

OCKRENT. C. (org). O Livro negro da condição das mulheres. Rio de Janeiro: Difel, 2011;

RIBEIRO, A. P G. Fim de ano: tempo de rememorar. In: FAUSTO NETO, A. & PINTO, M. J.

(orgs). O indivíduo e as mídias – ensaios sobre comunicação, política, arte e sociedade no mundo

contemporâneo. Rio de Janeiro: Diadorim/ Compós, 1996, p. 34-42.

VIEIRA.V, CHARF.C (orgs). Mulheres e homens trabalhando pela paz e contra a violência

doméstica. São Paulo: Associação Mulheres pela Paz, 2012.

Page 46: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

46

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

A RELAÇÃO ENTRE JORNALISMO E LITERATURA NO LIVRO ROTA 66 - A

HISTÓRIA DA POLÍCIA QUE MATA, DE CACO BARCELLOS1

Maria de Fatima Bandeira de SOUZA

2

Francisco Aquinei Timóteo QUEIRÓS3

Universidade Federal do Acre, Rio Branco, AC

Resumo

O presente artigo tem como objetivo fazer uma análise da obra Rota 66 – a história da

polícia que mata, de Caco Barcellos, tomando por base as características do Jornalismo

Literário. O livro, publicado pela primeira vez em 1992, resultado de uma extensa

investigação jornalística promovida pelo autor, entre o período de 1970 e 1990, sobre a

atuação das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), batalhão que integra a Polícia

Militar do Estado de São Paulo. A obra parte do caso Rota 66, em que três rapazes de

classe média alta são perseguidos e assassinados pelos policiais. A partir desse episódio,

o jornalista reconstrói vários outros casos de perseguições e mortes provocadas por

policiais e cria um banco de dados para comprovar a violência praticada por estes. O

trabalho foi realizado por meio de pesquisa bibliográfica com o intuito de promover

uma reflexão teórica sobre a área de jornalismo e literatura e a proximidade de ambas

como alternativa na produção de reportagens. No trabalho, discute-se as características

do Jornalismo Literário como o relato cena a cena, a descrição extensa de características

físicas e simbólicas de personagens, a inserção de diálogos completos, o foco narrativo,

bem como o ponto de vista e fluxo de consciência. Para a fundamentação teórica foram

utilizados autores como Edvaldo Pereira Lima, Felipe Pena, Hayden White, Juan de

Moraes Domingues, Rogério Borges e Cândida Vilares Gancho, que promovem uma

discussão sobre a influência que o texto literário pode exercer na produção de

reportagens.

Palavras-chave: jornalismo; literatura; Caco Barcellos.

O Jornalismo Literário ultrapassa elementos básicos do jornalismo informativo,

como o lead e a pirâmide invertida, para contextualizar a informação de maneira

abrangente e promover uma reflexão sobre temas diversos. Este artigo busca analisar de

1 Trabalho apresentado na Linha Temática de Jornalismo da V Seacom da Ufac.

2 Graduada em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal do Acre, email:

[email protected] 3

Orientador do trabalho. Professor do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre, email:

[email protected]

Page 47: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

47

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

que forma as características comuns do jornalismo literário (relato cena a cena,

descrição extensa de características físicas e simbólicas, registro de diálogos e o foco

narrativo) estão presentes no livro Rota 66 – A História da Polícia que Mata, de Caco

Barcelos.

O livro foi publicado pela primeira vez em 1992 e ganhou o Prêmio Jabuti, em

1993, na categoria Reportagem. Na obra, o repórter realiza uma extensa investigação

jornalística, entre os anos de 1970 e 1990, sobre a ação das Rondas Ostensivas Tobias

de Aguiar (Rota), batalhão da Polícia Militar de São Paulo. O autor inicia a partir do

caso Rota 66, em que três jovens de classe média alta são perseguidos e brutalmente

assassinados durante uma ação policial. Barcellos mostra que os policiais tinham o

hábito de matar pessoas inocentes com a justificativa de que eram bandidos, e que esses

crimes eram acobertados e até incentivados pelos militares. Rota 66 apresenta a

reconstrução de vários casos de perseguições e mortes praticadas por policiais, além de

como se deu a investigação jornalística, em que o repórter criou um banco de dados para

identificar as vítimas das ações policiais e mostrar dados estatísticos que comprovam a

violência que os militares praticavam.

1. Características do jornalismo literário

Edvaldo Pereira Lima (2004) denomina Jornalismo Literário ou Literatura da

Realidade como o uso de técnicas da literatura na captação, redação e edição de textos

jornalísticos. Felipe Pena (2006) também mostra outro conceito e acrescenta mais

algumas características do gênero:

Para começar, o próprio conceito de Jornalismo Literário, que é

caracterizado como uma modalidade de prática da reportagem de

profundidade e do ensaio jornalístico utilizando recursos de

observação originários da (ou inspirados pela) Literatura. Traços

básicos: imersão do repórter na realidade, voz autoral, estilo, precisão

de dados e informações, uso de símbolos (inclusive metáforas),

digressão e humanização (PENA, 2006, p. 105).

Page 48: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

48

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

O autor prossegue afirmando que muitos jornalistas que se sentem insatisfeitos

com as “amarras” do jornalismo tradicional vão buscar alternativas para a produção de

matérias que fogem de recursos padronizadores do jornalismo informativo. O

Jornalismo Literário é uma dessas alternativas. Pena (2006) apresenta alguns dos

objetivos imprescindíveis desse gênero, os quais ele denomina de “estrela de sete

pontas”.

A primeira ponta dessa estrela significa potencializar os recursos jornalísticos. O

profissional não deve ignorar os princípios narrativos da imprensa diária, como, por

exemplo, uma apuração rigorosa, a observação atenta, a abordagem ética, a capacidade

de se expressar claramente, entre outros recursos.

O Jornalismo Literário também extrapola os limites do acontecimento cotidiano.

Segundo Pena (2004), isso significa que o jornalista rompe com dois preceitos básicos

do jornalismo: periodicidade e atualidade. O jornalista não está mais preso ao deadline,

a hora de fechamento do jornal, nem em relatar os fatos de maneira imediata. O objetivo

é proporcionar uma visão ampla da realidade, o que leva a terceira característica: a

contextualização dos acontecimentos de forma abrangente. O profissional não aborda

fatos isolados, mas estabelece relações entre eles, apura as informações, compara

diferentes abordagens e os localiza em um espaço temporal de longa duração.

Pena (2006) considera que o jornalista também deve exercitar a cidadania,

refletindo na maneira em que um tema pode contribuir para a formação dos cidadãos. Já

a quinta característica citada pelo autor refere-se a romper com as técnicas do lead e da

pirâmide invertida, consagradas pelo jornalismo tradicional.

A penúltima característica indica evitar os definidores primários, ou seja, as

fontes oficiais, aquelas que sempre são entrevistadas sobre determinado assunto: o

governador, o ministro, o advogado, o historiador, o psicólogo. O jornalista que

ultrapassa aspectos do jornalismo diário deve buscar vários pontos de vista, fugindo de

opiniões legitimadas. É necessário ouvir o cidadão comum, as fontes anônimas.

Por último está a perenidade. Pena (2006) diz que as reportagens literárias são

aprofundadas, fogem de uma abordagem superficial dos fatos. Muitas matérias acabam

Page 49: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

49

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

caindo no esquecimento, mas um texto que contextualiza os acontecimentos e explora

as diferentes opiniões tem mais chances de atrair o leitor. O objetivo é a permanência.

A partir do exposto, nota-se que o Jornalismo Literário é uma construção social

da realidade. A utilização de técnicas literárias e a construção da narrativa impregnada

pela subjetividade do repórter, não diminui o “valor de verdade” dessas reportagens

como retrato do cotidiano. Ao contrário, o Jornalismo Literário potencializa os recursos

do jornalismo tradicional e apresenta um maior aprofundamento dos fatos.

1.2 A ficcionalização da realidade

É necessário, no entanto, observar as peculiaridades que envolvem a realidade

narrada ou construída pelo jornalista. Ao se falar em construção da realidade, a ideia de

ficção emerge como possível característica da nova prática. Juan de Moraes Domingues

(2012) relata sobre o Novo Jornalismo, afirmando que este caracteriza-se pelo uso de

técnicas literárias capazes de ficcionalizar os fatos, além de mudar o jornalismo

tradicional que era pouco atrativo e sem vida (DOMINGUES, 2012, p.164). Trata-se de

uma narrativa criada pelo jornalista a fim de atrair o leitor para um novo modo de

visualizar a notícia, não se tratando apenas de um registro factual.

Acerca desse pensar literário, Hayden White (1994) assevera que a forma de

escrita dos historiadores e do escritor imaginativo são similares, podendo por vezes se

confundir, do ponto de vista formal, ou como “artefatos verbais”. Isto porque, tanto

história quanto ficção pretendem verbalizar a realidade por meio da linguagem. O autor

acredita que história e ficção podem ter a mesma finalidade de apresentar a realidade,

com diferenças apenas na forma de enunciar as narrativas, por exemplo, a ficção,

apresenta a sua noção de realidade de maneira indireta, mediante técnicas figurativas, já

a história, tem uma maneira direta de fazê-lo, registrando uma série de proposições que

supostamente devem corresponder detalhe por detalhe a algum domínio extratextual de

acontecimentos.

White (1994) explica que, no início do século XIX, o historiador procurava

excluir quaisquer traços de ficção que porventura viesse a contar em seu discurso. Era a

Page 50: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

50

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

chamada “desmitificação” ou “desficcionalização” do discurso. Assim, o discurso

histórico era realizado tão somente com base na observação e descrição exata dos

eventos, de modo a determinar a mais perfeita verdade do “real”. O que White acredita

ser impossível para o historiador é escrever sem recorrer às técnicas literárias utilizadas

pelos poetas, ou ficcionistas.

Mas o que vem a ser ficção no jornalismo? Já se sabe que a ideia de ficção é

ligada ao Jornalismo literário, mas não se pode levar em conta o seu significado em

essência, pois ficção não se trata de falta de verdade. Pelo contrário, como afirma

Rogério Borges (2013), no terreno da ficção, a invenção seja em que medida for está

autorizada. Sendo assim, a noção de verdade ou mentira se distingue em cada caso.

Verdade e mentiras não devem se confundir, mas podem conviver e

até compartilhar espaços, desde que a identificação de cada qual

permaneça clara. A melhor maneira para fazer isso é encarar os

discursos da realidade (jornalismo, história) e os discursos da ficção

(romances, contos) e suas hibridizações (Jornalismo Literário,

romance histórico) como o que são em essência: discursos (BORGES,

2013, p. 117).

Portanto, tanto a ficção quanto a história são discursos. A ficção se relaciona

com o real na medida em que preenche suas lacunas permitindo que se viva algo que a

realidade não proporcionou (BORGES, 2013, p. 116). Em discursos híbridos, como o

Jornalismo Literário, essa característica se acentua, já que o sujeito que constrói o relato

promove uma mescla mais intensa de elementos e se dá o direito a ousadias e

rompimentos discursivos. (BORGES, 2013, p. 128).

O discurso jornalístico é inundado de construções múltiplas que retiram sua ideia

de “verdade absoluta” e o aproximam do que se costuma designar por ficção. Se o

conceito de ficção liga-se inexoravelmente a uma realidade possível – mas não

verificável -, análises mais aprofundadas de discursos, como o histórico e o jornalístico,

revelam o incômodo registro de que eles também retratam uma leitura possível da

realidade, mas não ela em essência. Em certa medida, ficcionalizam, ainda que com

outros propósitos e com menos liberdade que a literatura.

Page 51: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

51

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

A ficcionalização do jornalismo, portanto, tende a modificar o discurso pré-

estabelecido de relatos puramente descritivos, para então utilizar-se de técnicas literárias

a fim de enriquecer o texto. O jornalismo tradicional passa a adquirir traços da

literatura, em que através da ficção é possível andar em campos imaginativos, antes

negados pelas práticas jornalísticas. É a pura “construção da realidade”, na qual o

construtor é o próprio jornalista, através de seu texto que geralmente apresenta

características ficcionais.

2. O jornalismo literário em Rota 66

A seguir são apresentadas, por meio da obra Rota 66, as principais técnicas

literárias que são utilizadas na construção de reportagens com viés mais literário. É

importante destacar que tais recursos são provenientes do Novo Jornalismo4,

movimento norte-americano que ocorreu durante a década de 1960 e que propunha o

distanciamento da linguagem objetiva e de elementos padronizadores do jornalismo

tradicional, por meio de narrativas jornalísticas mescladas com técnicas literárias.

2.1 Construção de cenas e detalhes simbólicos

A construção de cenas constitui-se na principal característica do Jornalismo

Literário. Nesse recurso, o fato é formado por várias cenas que são narradas como um

imenso quadro, assemelhando-se a uma projeção cinematográfica. Dessa forma, a

narrativa torna-se dinâmica e viva, e o leitor experimenta os acontecimentos como se

eles estivessem ocorrendo diante de seus olhos. Logo nos primeiros capítulos, já se

percebe que Barcellos faz uso desse recurso para dar dinamicidade e provocar suspense

no leitor.

4 O Novo Jornalismo ocorreu em um período marcado por grandes transformações sociais, culturais e

comportamentais. Em oposição às regras de objetividade, como o lead e pirâmide invertida, diversos escritores se

consagraram nessa vertente do jornalismo literário. Entre eles podem ser citados: Tom Wolfe, Truman Capote,

Norman Mailer, Gay Talese e John Hersey.

Page 52: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

52

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

A Veraneio cinza nunca esteve tão perto. A 200, 300 metros, 15

segundos. A sirene parece um ruído de um monstro enfurecido. Os

faróis piscam sem parar. O farolete portátil de 5 mil watts lança luzes

no retrovisor de todos os carros à frente. Os motoristas, assustados,

abrem caminho com dificuldade por causa do trânsito movimentado

nesta madrugada de quarta-feira, no Jardim América. A Veraneio,

com manobras bruscas, vai chegando perto, cada vez mais perto dos

três homens do Fusca azul (...)

O motorista do Fusca azul, Francisco Noronha, sem tirar o pé do

acelerador, reduz da quarta marcha para a terceira, em seguida para a

segunda, e, ao girar o volante à esquerda, a roda dianteira bate no

canteiro divisor de pista. Sem perder o controle, imediatamente ele

gira à direita e segue em direção à calçada oposta. Sobre o meio-fio.

Quase atropela um grupo de jovens, que tenta proteção junto ao muro.

Ao desviar deles, por sorte, bate com a traseira em um poste na

esquina. (BARCELLOS, 2013, p. 15).

Essa técnica também permite que o narrador faça a composição do espaço onde

os fatos ocorrem. No trecho abaixo, o jornalista orquestra os elementos da narrativa

permitindo ao leitor imaginar os acontecimentos e imergir na história. O autor

especifica os personagens envolvidos na cena, o local onde se passam os fatos, o tempo

em que as ações ocorrem. Além disso, detalha os elementos presentes no cenário (a

característica da casa, as armas utilizadas, a quantidade de tiros dados).

Há duas horas ele [Oseas Antonio dos Santos] resiste à artilharia de

mais de cinquenta policiais. Abrigado em uma casa simples de

alvenaria, sem pintura, afastada 10 metros da calçada, tem um

revólver e não se sabe quanta munição. Enfrenta delegados,

investigadores, soldados, sargentos, armados de revólver, bomba,

fuzil, metralhadora. Enquanto os policiais não param de atirar, ele

quase não revida. Demora dez, quinze minutos para dar um tiro lá de

dentro. Na primeira hora de combate revelou uma incrível pontaria.

Nas seis vezes em que acionou o gatilho acertou a metade dos tiros:

feriu o soldado Celso Vendramini e o investigador Roberto Sanches e

matou o tenente Rage Paulo Neto, da Polícia Militar (BARCELLOS,

2013, p. 259).

Ao mesmo tempo em que o autor reconstrói os fatos cena a cena, outra técnica é

utilizada na narrativa jornalística em estudo: o detalhamento das características

simbólicas das personagens. Esse recurso refere-se ao registro dos hábitos, gestos,

Page 53: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

53

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

roupas, costumes, modos de se comportar, cenários, além dos ares, olhares, poses, que

constituem o status de vida de uma pessoa, ou seja, o padrão de comportamento por

meio do qual esta expressa sua posição no mundo. A presença dessas características

enriquece a descrição feita de um personagem e permite ao leitor conhecer um pouco da

conduta deste e o contexto em que está inserido.

Tal recurso se faz presente na obra Rota 66 logo nos primeiros capítulos, em que

o autor apresenta os três personagens envolvidos na perseguição policial, utilizando

detalhes, aparentemente supérfluos para construir um perfil de cada um deles.

Noronha, aos 17 anos, é uma unanimidade. As garotas adoram o jeito,

o charme do skatista radical. Inquieto, irreverente, às vezes rebelde.

Não é exatamente um rapaz bonito: 1,68 metro de altura, ombros

largos, corpo de atleta; cabelos castanhos e crespos, longos e

despenteados, sempre repartidos ao meio e a barba por fazer

(BARCELLOS, 2013, p. 19).

O espanhol Carlos Ignacio Rodriguez de Medeiros, o Pancho, gosta de

chamar a atenção. É capaz de perder horas do dia criando artifícios,

com usar o enorme chapéu de toureiro, para conseguir se destacar na

turma do Paulistano. Filho de mãe viúva, 19 anos, passou a infância e

parte da juventude na Venezuela, onde era campeão juvenil de

motociclismo (BARCELLOS, 2013, p. 37-38).

Augusto, 1,75 metro de altura, é o maior dos três rapazes. Também é o

mais vaidoso. Gosta de vestir-se de acordo com a última moda

(BARCELLOS, 2013, p. 65).

Além da descrição de personagens, há o detalhamento intensivo de cenários, que

também é utilizado para contextualizar onde as ações ocorrem. No trecho a seguir,

Barcellos descreve a sala do IML onde será feita a investigação jornalística das mortes

provocadas pela ação da PM.

A primeira visão era de fato assustadora. Alguns armários sem porta

mostravam grandes garrafas de vidro com pedaços de corpos

mergulhados em formol. Mãos. Pés. Cabelos. Fetos deformados.

Olhos. Muitos vidros cheios de olhos flutuantes. Álbuns e mais álbuns

com fotografias de cadáveres em todos os estágios de putrefação.

Livros de capa preta. Velhos instrumentos um dia usados nos exames

de necropsia. Cadeiras quebradas. Pedaços de macas. Máquinas de

escrever emperradas. Apontei o centro da sala, para mostrar ao diretor

o motivo de meu interesse. Uma montanha de pastas e papéis velhos

Page 54: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

54

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

cobertos de pó. Ele sabia muito bem do que se tratava (BARCELLOS,

2013, p. 156).

2.2 Utilização de diálogos: apresentação da personagem

O registro de diálogos é outro recurso utilizado no livro e só é possível mediante

a coleta de informações com as diversas fontes. Mesmo que o repórter não tenha

presenciado os acontecimentos, é feita uma reconstrução das falas dos personagens por

meio dos depoimentos das testemunhas e familiares das pessoas envolvidas nos casos.

No trecho a seguir é descrita a conversa mantida entre Caco Barcellos e o tenente do

setor de Relações Públicas da Polícia Militar, que convocou o repórter a dar explicações

sobre uma reportagem em que é descrita uma sessão de tortura praticada pelos PMs.

Percebem-se que há pontos de vista conflitantes acerca da prática de violência pelos

agentes, e por meio da disposição de detalhes, a própria narrativa constrói um ambiente

que envolve o leitor.

- O comandante manda perguntar se tu já leste os jornais hoje,

repórter.

- O senhor viu que a declaração do comandante saiu na íntegra, sem

cortes?

- Tu leste alguma notícia de tortura nos outros jornais, repórter? - De fato, não. E o comandante leu sobre a tortura? Ele vai tomar

alguma providência?

Ele vira-se de frente, dedo em riste para o teto, ameaçador. - Esta notícia denigre a imagem da Brigada Militar. Tu és o culpado,

repórter.

- Eu não torturo ninguém, tenente. Seus comandados é que torturam.

- Tu vai pagar por isso. O comandante está envergonhado. - Se tortura é motivo de vergonha, tenente, a solução é muito simples:

basta não torturar.

- Estás demitido. Por favor, nunca mais apareça neste quartel.

- Até amanhã, tenente!

- Até nunca! (BARCELLOS, 2013, p. 53)

O repórter registra os diálogos na narrativa jornalística como forma de obter

maior credibilidade. O leitor percebe que não é o narrador quem está falando dos

acontecimentos, mas as próprias fontes. As personagens são definidas de maneira mais

Page 55: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

55

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

rápida do que se houvesse uma narração em terceira pessoa. Nos diálogos, registra-se

também a forma como as pessoas se expressam. A personagem fala por si mesmo.

2.3 O foco narrativo

De acordo com Cândida Vilares Gancho (2006), a ótica do autor quanto às

ocorrências da história é denominado de foco narrativo, que se modifica de acordo com

os diversos pontos de vista que o narrador pode adquirir no texto. O foco narrativo

divide-se em duas formas: na primeira pessoa, o narrador insere-se na história, podendo

ser classificado como narrador testemunha ou narrador protagonista. Já na terceira

pessoa, é quando o narrador se posiciona fora dos acontecimentos. Este último pode ser

dividido em narrador intruso, aquele “que fala com o leitor ou que julga diretamente o

comportamento das personagens” (GANCHO, 2006, p.32), ou parcial, em que há uma

identificação com determinado personagem e este ganha maior espaço na história.

O foco narrativo no livro Rota 66 não é linear. Em alguns capítulos, a narração

ocorre em primeira pessoa, em que o repórter participa diretamente da história. Já em

outras partes da obra, os fatos são narrados em terceira pessoa, tendo como

características a onisciência e a onipresença, pois o narrador tudo sabe sobre a história e

está em todos os lugares. Este último está presente na maior parte do livro.

Principalmente na primeira parte do livro, o autor pretende chamar a atenção do

leitor ao provocar suspense no relato dos fatos. Várias vezes, a narrativa da perseguição

policial aos rapazes ocupantes do Fusca azul é interrompida para apresentar fatos

ocorridos horas antes do crime ou traçar um perfil dos envolvidos no caso. O narrador,

em seu desempenho onisciente, descreve:

Agora já são cinco Veraneios e 25 homens atrás do carro de Noronha.

Ele sabe, pelo ruído das sirenes, que a perseguição está mais intensa,

embora não veja, pelos espelhos, nenhum carro da polícia atrás dele.

Mas, logo à frente, a sorte dos três homens do Fusca azul começa a

mudar. Eles fogem pela Peixoto Gomide. Entram na Oscar Freire e,

em poucos minutos, estão de volta a Nove de Julho, onde são

Page 56: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

56

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

surpreendidos pela barreira de uma viatura, parada no meio da pista

em posição oblíqua (...)

À espera do inimigo, o motorista da Rota 66 acelera muito, sem

movimentar o carro, ainda parado no meio da pista. Ao lado dele, no

banco dianteiro, o comandante da equipe, sargento José Felício

Soares, tem uma metralhadora sobre o colo. Atrás, entre dois PMs,

está o soldado Antônio Sória (...)

Duas horas antes de cruzar com os homens da Rota 66, os longos

cabelos do menor Francisco Noronha estavam entre as mãos da

namorada, Iara Jamra, que os acariciava enquanto ele fazia o que mais

gostava na vida: namorar em um passeio noturno de carro, em baixa

velocidade (...) (BARCELLOS, 2013, p. 17-18).

A partir do trecho apresentado, percebe-se que o narrador tudo sabe sobre os

acontecimentos. A narrativa da perseguição não chega a ser concluída, e o ritmo é

quebrado para dar lugar à narração dos últimos momentos de Noronha antes de

encontrar os policiais da Rota. Dessa forma, o autor deixa o leitor curioso pelo o que

virá na próxima cena.

A utilização da narração em terceira pessoa também aparece por meio do que

Gancho (2006) classifica como narrador intruso, quando este julga os acontecimentos e

comportamentos das personagens. À medida em que reconstrói os acontecimentos,

Barcellos, como narrador onisciente, se posiciona de maneira crítica, levando o leitor a

refletir sobre as ações da PM e questionar a legitimidade destas.

Agora mais de cem policiais militares, pelas ruas e no comando, estão

envolvidos na repressão ao suposto furto de um toca-fitas. Antes da

primeira rajada de metralhadora, o gasto público desta operação era no

mínimo 10 mil dólares, somando apenas o custo da gasolina, o valor

do trabalho de cada policial e os danos nas colisões de trânsito. Agora,

a cada novo disparo de metralhadora, o gasto equivale ao prejuízo do

furto de noventa toca-fitas. Parece inacreditável, mas é isso mesmo:

para salvar um toca-fitas, os homens da Rota estão gastando, por

minuto, o equivalente ao preço de mais de noventa toca-fitas

(BARCELLOS, 2013, p. 58).

O foco narrativo em primeira pessoa aparece principalmente na terceira parte da

obra. Gancho (2006) diz que o narrador em primeira pessoa participa diretamente do

enredo como um personagem, tendo seu campo de visão limitado. Pode ser dividido em

Page 57: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

57

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

dois tipos: o narrador testemunha e o narrador protagonista. Quanto ao primeiro, Ligia

Chiappini Moraes Leite (2001) afirma que o narrador testemunha possui um ângulo de

visão mais limitado, uma vez que vive os acontecimentos descritos em um papel

secundário, passando a noção de “verossimilhança”. Isso é o que ocorre em

determinados capítulos onde o autor expõe as histórias dos protagonistas da trama:

Conseguimos identificar 36 das 42 vítimas de Conte Lopes registrada

em nosso Banco de Dados. Constatamos que em muitos casos, a morte

poderia ter sido evitada, sem nenhum prejuízo à sociedade ou risco a

pessoas inocentes. Nosso levantamento deixa claro que sua tática mais

comum sempre foi agir de surpresa contra os suspeitos, sem lhe dar

qualquer possibilidade de defesa. Como frequentemente escolhe casos

especiais para agir, é comum ter ao seu lado PMs com um poderio de

fogo muito superior ao da vítima, esta quase sempre acuada e em

grande desvantagem (BARCELLOS, 2013, p. 276).

Já a segunda variante, o narrador testemunha, é aquele que exerce o papel de

personagem central na história. Exemplo desse tipo no livro pode se encontrado no

segundo capítulo, “Doutor Barriga”, em que o autor descreve sua experiência com a

perseguição dos policiais aos habitantes da periferia, descrevendo uma ocasião de sua

infância, na cidade de Porto Alegre. Nesse ponto do texto, ele foi um personagem da

história.

Estamos escondidos a 200 metros da rua, num matagal alagado, com

as pernas cobertas de água até os joelhos. Corpos curvados, em

silêncio absoluto. Ouvimos o ruído da RP em marcha à ré. Vemos o

delegado e dois investigadores com as lanternas iluminando a cerca de

arame farpado. Em seguida um dos policiais salta com facilidade a

vala do esgoto e cruza a cerca, no mesmo ponto por onde havíamos

passado. Nosso desespero aumenta quando a gente vê o delegado, com

arma em punho, se preparando para invadir o terreno dos padres. Na

última vez que perseguiu meus amigos, ele jurou que na próxima

atiraria no primeiro que visse fugindo. Não podemos perdê-lo de vista

um segundo sequer. (BARCELLOS, 2014, p. 27).

Conforme Domingues (2012, p. 184) Barcellos, “em alguns momentos, lança

mão da narrativa em primeira pessoa. E, em outros, misturas ambos os pontos de

Page 58: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

58

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

vistas”. É um recurso que dinamiza o texto. Isso pode ser verificado no trecho destacado

a seguir, retirado do capítulo O Futebol.

É grande o movimento de soldados na entrada, vigiando uma fila de

rapazes que aguardam a vez de serem espancados. Alguns já foram

obrigados a se despir, estão apenas de cuecas [...]. Já estamos em

condições de ver dois meninos agachados, costas marcadas de

porrada, limpando com um pano molhado o próprio sangue do chão.

Para meu azar logo fui reconhecido [...] (BARCELLOS, 2013, p. 50).

Grande parte do parágrafo é escrito em terceira pessoa e o leitor experimenta a

descrição de toda a cena de agressão praticada pelos policiais. Mas logo no final o ponto

de vista do narrador muda: “Para meu azar logo fui reconhecido” está na primeira

pessoa do singular, o próprio repórter se insere nos acontecimentos, narra os fatos pela

sua ótica particular.

Atrelado ao foco narrativo, outra técnica utilizada no jornalismo literário é o ponto

de vista e fluxo de consciência. Segundo Tom Wolfe (2005), essa técnica consiste em

apresentar cada cena ao leitor sob a perspectiva de uma personagem particular, dando a

sensação de estar dentro da cabeça deste, experimentando a realidade emocional da

mesma forma que o personagem experimenta. Essa técnica pode ser observada no

objeto de estudo desta pesquisa, o livro Rota 66 – a história da polícia que mata.

Dez minutos depois, Guazelli é o primeiro a tentar identificar os

corpos no Instituto Médico Legal. Ao avançar pelos corredores

gelados está nervoso e abatido, mas ainda tem esperança dos mortos

não serem seus amigos. Na grande sala das geladeiras, a primeira

imagem que ele vê é o corpo de uma senhora de cerca de 70 anos. Ao

lado, mesmo não querendo ver, seus olhos descobrem o cadáver de

uma criança vítima de atropelamento. Guazelli começa a chorar antes

mesmo de o funcionário se aproximar trazendo duas macas em sua

direção. Há uma etiqueta de papelão amarrada ao pulso do primeiro

corpo submetido ao reconhecimento (BARCELLOS, 2012, p. 70-71).

Considerações Finais

Page 59: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

59

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

O jornalismo, nos dias atuais, tem sido objeto de muitas transformações, seja no

seu fazer, seja nos seus resultados ou nas suas possibilidades, particularmente as

tecnológicas. Ele sofre de uma crise histórica, a partir dos rumos que tem tomado

justamente essa tecnologia digital, que supera, em velocidade, alcance e diversidade o

antigo tráfego da notícia.

Dessa forma, pode ser compreendida a obra em estudo. O autor, Caco Barcellos,

utiliza técnicas consagradas pelo Novo Jornalismo para reconstruir os crimes praticados

pelos policiais da Rota. Esses acontecimentos tiveram uma cobertura superficial pelos

jornais da época, os quais, na grande maioria das vezes, apenas reproduziam as

informações oficiais da PM, sem nenhum questionamento.

O caso Rota 66 foi o que obteve maior aprofundamento na cobertura justamente

por envolver jovens de classe média alta. Esse fato foi escolhido como ponto de partida

para a obra, e a partir dele, Barcellos reconstruiu outras mortes cometidas pela Rota,

mas que não mereceram o mesmo tratamento da imprensa.

O Jornalismo Literário busca ir além dos acontecimentos do cotidiano e é

justamente o que o autor buscou fazer em seu livro, ao mostrar a complexidade do caso

Rota 66. Utilizando técnicas literárias, foram reconstruídos acontecimentos, mas isso

não torna o seu trabalho “menos jornalístico”, uma vez que a exigência de uma

apuração rigorosa, a seleção das fontes, o trabalho de documentação estão fortemente

presentes.

Referências

BARCELLOS, Caco. Rota 66: a história da polícia que mata. Rio de Janeiro: Record,

15ª Ed, 2014.

BORGES, Rogério. Jornalismo literário: Análise do discurso. Série Jornalismo a

Rigor. Florianópolis: Insular, V.7, 2013.

DOMINGUES, Juan de Moraes. A ficção do Novo Jornalismo nos livros-reportagem

de Caco Barcellos e Fernando Morais. Tese (Doutorado em Comunicação). Porto

Alegre: PUC-RS, 2012.

Page 60: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

60

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

GANCHO, Cândida Villares. Como analisar narrativas. São Paulo, SP: Ática, 2ª ed.,

2006.

LEITE, Ligia Chiappini Moraes. O Foco Narrativo. São Paulo: Ática, 10ª edição,

2001.

LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do

jornalismo e da literatura. São Paulo: Manole, 2004.

PENA, Felipe. Jornalismo literário. São Paulo: Contexto, 2006.

WHITE, Hayden. Teoria literária e escrita da história. Estudos históricos. Rio de

Janeiro, vol. 7, 1994.

. Trópicos do Discurso: Ensaios sobre a Crítica da Cultura. São

Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994.

WOLFE, Tom. Radical chique e o novo jornalismo. São Paulo: Companhia das

Letras, 2005.

Page 61: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

61

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

A TELEVISÃO EM MUDANÇA: ENTRELAÇANDO POSSIBILIDADES PARA

O TELEJORNALISMO

Daniel Alves Scarcello1

Wagner da Costa Silva2

Universidade Federal do Acre - Ufac

Resumo

O artigo discute os novos caminhos trilhados pelo telejornalismo, área que tem tentado

se reinventar diante da emergência de novas mídias como, por exemplo, a internet e as

redes sociais. Mudanças em sua linguagem, no comportamento dos apresentadores e da

interação com os telespectadores, são algumas das experimentações que o público já

percebe. Paternostro (2006), Cashmore (1998) e Rezende (2000) formam o referencial

teórico do trabalho.

Palavras-chave: televisão; telejornalismo; novas narrativas.

Breve história de um meio

Foi três anos após o surgimento do telefone que surgiram os primeiros rascunhos

do projeto da o que viria a ser o aparelho de TV. Em “... e a televisão se fez”, Ellis

Cashmore (1998) conta que o desenho de um casal assistindo um jogo de tênis numa tela

foi publicado na revista Punch,em 1879. O desenho era de George duMaurier, e

representaria uma das primeiras imagens do desejo de se ter um objeto parecido.Durante

os anos, nomes como Paul Nipkow, Heinrich Hertz, Guglielmo Marconi, Boris Rosing e

Thomas Edison vão fazendo descobertas e criações que colaboram para o surgimento da

TV. Em 1884, por exemplo, Heinrich Hertz comprova a existência de ondas

eletromagnéticas e a partir desta descoberta, o italiano Guglielmo Marconi constrói um

aparelho que codifica essas ondas em sinais elétricos, que podem ser transmitidos sem

fio, era a ideia do rádio em 1901. No mesmo ano, Boris Rosing pesquisa um sistema

baseado num tubo que envia e recebe imagens.

1 Estudante de Graduação 8º. semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre - UFAC, email:

[email protected]

2

Orientador do trabalho. Professor do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre - UFAC, email:

[email protected]

Page 62: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

62

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Tempos depois, em 1923, segundo Paternostro (2006), o migrante russo nos

Estados Unidos, Vladimir Zworykin, inventa e patenteia o iconoscópio. A invenção é um

“um tubo a vácuo com uma tela de células fotoelétricas” e é responsável por fazer uma

varredura de imagem eletrônica e é a base do olho da Tv. No mesmo ano, o inglês John

Baird também demonstrou uma transmissão de imagens e foi contratado pela BBC

(British Broadcasting Corporation). E assim vão se instalando antenas em Nova Iorque

(1931), em Paris (1935) e na Inglaterra a coroação do rei Jorge VI é transmitida em 1936.

Apesar de ter mecanismos e vários processos instalados, Paternostro afirma que o

iconoscópio exigia muita luz e a imagem que ele reproduzia possui problemas. Mas o

próprio Zworykin teria desenvolvido a solução numa válvula que equilibrava a luz e

melhorava a qualidade da imagem, quando adaptada a câmera. Para a autora, a partir de

1940 a TV se afirma como um sistema totalmente eletrônico.

Em “ ... e a televisão se fez”, Ellis Cashmore comenta que apenas a partir da década de

1950 a TV pôde ser considerada um meio de comunicação de massa. Ainda em 1939, a

Radio Corporation of America (RCA) começou transmissões regulares para poucos

aparelhos de tv.

Foi dia 18 de setembro de 1950, em precários estúdios na cidade de São Paulo,

que surgiu a TV Tupi Difusora, marcando o início da televisão no Brasil. Foi Assis

Chateaubriand quem trouxe cerca de duzentos equipamentos contrabandeados, em 1949,

às escondidas, para instalar a indústria televisiva no país antes de México e Cuba, que

também começaram suas TVs no mesmo ano.

Chateaubriand fez Brasil ser o pioneiro na América Latina ao instalar a TV Tupi

de São Paulo. Segundo Vera Iris Paternostro, o primeiro programa era um show dirigido

por Cassiano Gabus Mendes, com artistas de sucesso da época, como Mazzaropi, Walter

Foster, Hebe Camargo, Lolita Rodrigues e Lima Duarte, era o TV na Taba. A autora conta

ainda que após uma das câmeras quebrar no estúdio, o programa teve um atraso de

quarente minutos, mas quando entrou no ar, teve quase duas horas de duração. Paternostro

conta que até o sexto mês, o canal possui cinco horas de programação por dia, das 18h às

23h, com filmes, espetáculos de auditório e noticiário.

Page 63: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

63

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Sérgio Mattos também destaca pontos importantes na programação da TV

brasileira. Em seu cronograma, o primeiro telejornal do país é lançado um dia após a

inauguração da TV, era o “Imagens do Dia” em 19 de setembro. A primeira novela a ser

transmitida pela TV também começou a ser exibida na mesma época, em dezembro.

Quatro meses depois, em janeiro de 1951, a segunda emissora de TV do Brasil entrava

no ar, era a TV Tupi do Rio de Janeiro. Até o fim de 1950, existiam seis emissoras no

país: “TVs Tupi, Record (1953) e Paulista (1952) em São Paulo; Tupi (1955) e Excelsior

(1959) no Rio de Janeiro; Itacolomi (1956) em Belo Horizonte” (PATERNOSTRO, 2000,

p.30).

Foi aos poucos que a TV conquistou seu lugar no país, nos primeiros 10 anos, na

verdade, foram de dificuldades e nesta época o rádio ainda reinava na casa dos brasileiros.

Adjetivos como improvisado, aventureiro e amador são facilmente encontrados nos livros

de história da TV Brasileira, para definir o período de sua instalação no país. Segundo

Marialva Carlos Barbosa, as emissoras enfrentavam dificuldades para produzir uma nova

linguagem e a população não tinha acesso ao aparelho que ainda era caro nesta fase.

Telejornalismo no Brasil: tecendo histórias

O primeiro telejornal brasileiro foi o “Imagens do Dia”, que foi ao ar pela primeira

vez no dia seguinte a inauguração da TV no Brasil. Segundo Rezende (2000), a equipe

era pequena, formada por quatro pessoas, que produziam material com as principais

notícias do dia que iam ao ar no período da noite, na TV Tupi, canal 6. O segundo

telejornal brasileiro a existir foi o Telenotícias Panair, em janeiro de 1952, na mesma

emissora.

Foi também na TV Tupi que surgiu o primeiro telejornal brasileiro que fez

sucesso, O Repórter Esso, segundo Vera Iris Paternostro. O noticiário começou a ser

transmitido em 17 de junho de 1953 em São Paulo, e depois (1954) no Rio de Janeiro.

Segundo Paternostro, em São Paulo o apresentador e diretor era Kalil Filho, enquanto os

cariocas acompanhavam as notícias com Gontijo Teodoro. Os dois eram locutores

Page 64: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

64

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

conhecidos do rádio, liam textos objetivos e ficavam enquadrados no plano americano,

entrando sempre às 20h.

O nome do programa levava o nome do anunciante, que comprava o espaço na

TV, prática do início da TV brasileira. O noticiário trazia informações nacionais e

internacionais. Guilherme Jorge de Rezende (2000), destaca que uma importante

mudança que o Repórter Esso trouxe foi a introdução de mais imagens na TV, que neste

começo, era mais baseada na fala do que no visual. Com poucos noticiários na época, a

TV perdia pela instantaneidade do rádio, pela logística que demanda a revelação e

montagem de filmes, demorando até 12 horas para conseguir transmitir uma imagem:

E essa situação só se alterou com o Repórter Esso, em que o apoio de

um anunciante de grande porte e o acordo com a agência de notícias

norte-americana United Press International (UPI) proporcionou a

libertação da narração exclusivamente oral e o uso mais frequente de

matérias ilustradas (REZENDE, 2000, p.107)

Enquanto Vera Iris Paternostro defende que os apresentadores, mesmo vindos do

rádio, já começavam a criar e narrar com uma linguagem mais “televisiva”, Guilherme

Rezende afirma que o Repórter Esso é um dos principais exemplos do formato e situação

que o jornal de TV possuiu no início da TV Tv no Brasil: radiofônico e precário. Rezende

defende que, com baixo nível de qualidade, os telejornais apresentavam falhas tanto por

carência tecnológica quanto pela inexperiência dos profissionais, que em sua maioria,

vinham do rádio. As dificuldades técnicas que atrapalhavam coberturas externas, faziam

com que a maior parte dos noticiários fossem ocupados com o apresentador, ao vivo do

estúdio. Rezende (2000, p.106) cita que os primeiros telejornais tinham um “texto

telégráfico” e a apresentação copiava a locução de rádio, forte e vibrante.

“O uso da câmera de filmar de 16 milímetros, sem som direto, principal

inovação técnica à disposição do telejornalismo brasileiro na década de

1950, não bastou para atenuar a influência da linguagem radiofônica

sobre os telejornais” (REZENDE, 2000, p.106)

Ciro Marcondes Filho (1994) reforça essa ideia, informando que a tv e a maioria

de seus produtos sofreram uma certa rejeição do público. Faltava a linguagem própria e

Page 65: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

65

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

o telejornalismo se preocupava em “ler” as notícias numa voz “boa” e “empostada” como

era no rádio. Sobre o Repórter Esso ele reforça:

O apresentador simplesmente colocava-se diante das câmeras e lia

literalmente as notícias que faziam parte de seu script. Era um

radiojornal com imagens e em nada se diferenciava daquele tipo de

produto comunicativo, ágil e dinâmico, que havia sido o grande

radiojornalismo dos anos 40 e 50, (MARCONDES FILHO, 1994, p.48)

Outras características da época eram os cenários, com uma cortina na parede do

fundo, uma mesa e o letreiro como nome do patrocinador, além da subordinação dos

telejornais aos interesses dos anunciantes. Rezende faz uma ressalva de que, como visto

anteriormente, poucas pessoas tinham acesso a tv na época e quase não havia repercussão

das falhas entre o público. Para o autor, o telejornalismo demorou a ser a principal fonte

de informação para a população, pois o rádio, como veículo mais imediato na transmissão

de conteúdos, continuava despertando o interesse de um grande número de pessoas,

A linguagem do telejornalismo: novos enredos

Algumas câmeras, um cenário com uma bancada, microfones, luzes, um

apresentador e vários técnicos e jornalistas envolvidos. Está pronto mais um jornal para

entrar no ar. Mas como funciona e como se construiu a linguagem dos telejornais?

Souza (2010) explorou a linguagem dos jornais no artigo “Linguagem do Jornal

Nacional: como se constrói um telejornal? ”, e conclui que o telejornal é um produto

jornalístico que utiliza principalmente dois tipos de linguagens para ser produzido: a

jornalística e a audiovisual, A linguagem audiovisual é encontrada no cinema, no vídeo,

na tv, na internet e nas mídias digitais. A autora diz que a linguagem audiovisual, assim

como sua formação morfológica, une a linguagem do áudio e a visual, tornando a junção

do som e da imagem em movimento como sua principal característica.

Para discutir algumas das características do telejornalismo, Rezende (2000)

começa o diferenciando dos veículos impressos. O imediatismo seria o primeiro ponto,

Page 66: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

66

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

que neste caso também é uma característica do rádio, pois na tv os fatos podem ser

noticiados no mesmo momento em que ocorrem.

O autor cita que as diferenças entre o rádio e a tv são muito complexas, mas pode-

se introduzir uma característica que é fundamental para se compreender a diferença entre

os dois meios: a imagem, considerado por ele como o atributo mais importante do veículo

televisão. “A possibilidade de exibir imagens dos fatos e não somente uma descrição

verbal. Essa particularidade exerce uma influência que se reflete diretamente no modo de

produção telejornalístico. ” (REZENDE,2000, p.72)

Rezende (2000) observa que na TV o jornal disputa espaço com a publicidade e o

entretenimento, tipos de conteúdo que ainda conseguem ocupar mais tempo na tela do

que as notícias. Mesmo dividindo o espaço da página com propagandas, a informação é

o principal destaque dos veículos impressos. Essa particularidade traz mais uma

peculiaridade para a construção do texto da tv. Já levando em conta que o público não

pode voltar a informação e com pouco tempo para informar, o jornalista de tv precisa

falar de forma clara e fazer com o que o seu texto ganhe o tom de uma conversação.

O texto telejornalístico cumpre a função fática, procurando consolidar-

se como um contato informal com o telespectador. Ao escrever sua

matéria, o jornalista de TV tem de pensar em tornar o texto inteligível

para o locutor, a quem cabe Lê-lo de forma compreensível para a

audiência (REZENDE,2000, p.87)

Com o tempo e o surgimento de novos meios de comunicação, cada veículo se

transforma e se modifica de algum jeito, seja para se adaptar a uma nova tecnologia ou

para conquistar um novo público. Marcondes Filho (1994) recorda as alterações que o

jornalismo impresso sofreu com a chegada do telejornalismo. Até 1970, os impressos

conseguiam se manter com o que ele chama de jornalismo clássico, em que o texto, a

matéria crítica, reportagem, com retóricas, pontos de vista e ideologias. Depois deste

período, com a popularização da TV, as inovações tecnológicas e, principalmente, as

mudanças dos hábitos visuais do público, o impresso acabou tendo que se adaptar.

O telespectador já não tem mais o mesmo interesse pelo jornal, já não

tem mais tanta paciência com os textos longos e cansa-se da aridez das

páginas impressas. É o momento em que a revolução da informática

Page 67: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

67

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

também entra nas redações de jornais e que esses, diante da crise de

identificação com o leitor, começam a reformular seu padrão gráfico. A

parte visual de um jornal começa a sofrer a concorrência dos hábitos

desenvolvidos pela televisão e tem que se recompor. O jornal perde sua

austeridade. (MARCONDES FILHO, 1994, p.49)

O autor explica que o público teve os sentidos reeducados por poderem ver mais

imagens em menos tempo, assistir programas em cores e assistir as notícias no momento

em que acontecem, tudo por meio da TV. Desta forma, criou-se um vício no público em

geral, que tornou a leitura do jornal antiquado (MARCONDES FILHO, 1994). Tais

fatores fizeram com que o jornal impresso passou a colocar mais manchetes na sua capa,

com mais chamadas para matérias nas páginas internas, mais blocos surgiram para blocar

mais as notícias, os textos diminuíram e as fotos mais coloridas.

Mas a com o tempo, a TV também chegou no seu momento de “vítima”. A internet

chegou como uma ameaça para a televisão e, Michael Woolf (2015) explica que a internet

chegou apostando na principal fonte dos telejornais, a informação.

“A mídia digital foi padronizada na crença de que a informação era a

moeda: afinal, o novo meio poderia fornecer informações mais

rapidamente, com menos custos e diretamente a cada usuário

individual, e não mais coletivo, o sonho funcional do início da web, e

depois colocado em prática pelo Facebook e Twitter, era um jornal feito

só para você. Como a mídia digital estava matando os jornais, ela

também estava, à sua maneira, imitando-os” (WOLFF, 2015,p.34)

Wolff afirma que a mídia digital surgiu com uma ideia de “antitelevisão”, pois iria

oferecer uma experiência individual e interativa que a televisão “jamais poderia oferecer”.

O autor recorda que, no início, a internet possuía um crescimento febril e

consequentemente causava um grande entusiasmo e curiosidade na população.

Ironicamente, Wolff compara este entusiasmo com o mesmo existente no surgimento da

TV (WOLFF, 2015)

Desde a criação da TV, a linguagem coloquial e a proximidade com o público são

pontos considerados importantes para uma boa comunicação em programas, inclusive nos

telejornais. Os autores e manuais sempre frisam a necessidade de usar um português

correto gramaticalmente, mas com formas, palavras e expressões utilizadas numa

Page 68: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

68

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

conversação de rua. Mas parece que só o coloquial não é suficiente, até porque a

linguagem não é apenas verbal, as pessoas não conversam apenas com o uso das palavras,

fatores como roupa, postura, gestos e expressões implicam no “papo” que alguém pode

ter com outra pessoa.

No artigo “O Telejornalismo no Brasil na Atualidade: Em Busca do

Telespectador”, Aline Silva Corrêa Maia afirma que, em 2011, os telejornais

necessitavam e discutiam formas de modificar seus formatos e linguagens, que afetam

desde figurinos, cenários e principalmente como informar o público, de que forma falar e

exibir os conteúdos do jornal para torná-lo mais atrativo e, principalmente, sem perder o

conteúdo. Entre os motivos para essa busca por modificações, a autora cita não apenas a

Internet, mas também os outros canais de TV e novas tecnologias.

(...)com o passar do tempo, os avanços tecnológicos (como o videoteipe e os

satélites) associados à consolidação da TV como principal meio de informação

e entretenimento no Brasil fizeram emergir a necessidade de constante

reformulação da linguagem e do formato dos telejornais – que desempenham

um papel central no conhecimento do mundo, por parte dos indivíduos, ao

apresentarem as notícias diariamente de uma forma sistematizada e

hierarquizada (MAIA, 2011, p.2)

Aprofundando os motivos que provocaram esta necessidade de mudança, a autora

argumenta que os avanços tecnológicos dentro dos próprios meios de comunicação

também provocam as alterações nos formatos, é preciso estar sempre se adaptando e

atualizando de acordo com as novas ferramentas utilizadas, pois o público também está

mais exigente já que agora ele também sabe como funciona o processo de produção da

notícia e dos programas de TV. Para ela, a ordem e o desafio estar em surpreender o

público de hoje, que está mais atualizado, inteirado e exigente.

A ordem é surpreender o telespectador, apresentando os mesmos

assuntos de forma diferente, abrindo mais espaço para a conversa e o

debate. Este comportamento nas redações também se deve, em parte,

ao gradual aumento do poder de consumo por parte de classes sociais

mais baixas no atual contexto socioeconômico brasileiro, o que tem

ampliado também a demanda por informação (MAIA, 2011, p.2)

Page 69: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

69

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Percebe-se então que, mesmo sem perder seu lugar, a TV precisou se adaptar a

um novo cenário composto pelos avanços tecnológicos e por um público cada vez mais

exigente e conhecedor de sua realidade. Quem antes sentava na frente da televisão para

assistir aos telejornais, por exemplo, agora assiste aos programas por meios de celulares,

tablets ou nas redes sociais.

A informalidade, seja por meio da linguagem ou pela liberdade do apresentador

ao vivo, aos poucos tem sido vista como uma das alternativas para manter os telejornais

em sintonia com o que acontece com o público. Em relação aos telejornais da Rede Globo,

a emissora sempre apresentou a preocupação em se aproximar do público. Maia (2011),

utilizou da experiência trabalhando na afiliada da Rede Globo em Juiz de Fora, a TV

Panorama, para abordar as questões repassadas e desafios vividos em funções como

produção, editoria e editoria chefe, nesse momento de mudança para o telejornalismo.

Em busca do telespectador – tendo a proximidade como meta a fim de

garantir a audiência (e, consequentemente, o patrocínio dos

anunciantes) – os telejornalistas têm sido instigados a pensar uma forma

diferente de fazer o noticiário de TV, com linguagem mais próxima e

afetiva. A ordem nas redações é ousar, criar, sem medo de errar; romper

paradigmas por muitos anos cultivados, mas que têm se revelado

ineficientes na conquista do telespectador na atualidade (MAIA,2011,

p.10).

Esse cenário de mudança, na visão da jornalista, implica em um maior

entrosamento da equipe de todo o jornal. Uma das questões mais reforçadas era a

possibilidade de se fazer um programa mais “improvisado”, “falado” e “conversado”, o

que necessita de muita organização para que seja bem feito. “Era preciso aumentar o

tempo de debate e conversa no telejornal, estimular a improvisação e até abandonar

formatos tradicionais como a exibição de uma notícia com a cabeça, seguida pelo VT e

finalizada com uma nota pé”. (MAIA, 2011).

Como principal exemplo, ela cita o jornal local do Rio de Janeiro da Rede Globo,

o RJTV. Maia explica que após uma pesquisa, a equipe constatou que o horário de

transmissão do jornal é um dos mais concorridos, o horário do almoço, e que o público

não estava tão satisfeito com o conteúdo e formato do programa. Como solução, o RJTV

teve mudanças consideráveis como a tirada do casal de apresentadores, deixando apenas

Page 70: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

70

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

um jornalista no comando; seis comentaristas se revezam nos programas para discutir

diferentes temas e as notícias ganharam mais tempo no jornal para serem exploradas; nas

roupas, homem não usavam mais gravata e, mulheres, sem blazer; e o TP não transcreve

mais o jornal todo, apenas contem palavras-chaves guiando o apresentador e

comentaristas, que já devem saber sobre o assunto que vão falar.

As mudanças foram implementadas a fim de favorecer a informalidade e o dinamismo do telejornal. Adaptações também foram feitas na edição

dos conteúdos. O princípio na redação passou a ser: como explorar e

transmitir de forma criativa o material que as equipes trazem da rua

(MAIA, 2011, p.11)

Apesar das inovações implantadas em outros jornais, o Jornal Nacional, de acordo

com Brittos e Rühee (2007), demorou para assimilar mudanças significativa. Enquanto

os outros telejornais da casa ampliavam cenários para deixar o apresentador mais livre ou

faziam mais interação entre a dupla de apresentadores, o JN ainda se segurava e mantinha

um estilo mais formal de apresentação.

No artigo “A Construção dos Âncoras”, os autores mostram que no JN os planos

mais frequentes ainda eram os closes e os planos médios. O médio é mais utilizado

quando existe um quadro ou gráfico ilustrando a notícia atrás do apresentador, senão o

close é utilizado. Sobre o plano geral, elas afirmam que geralmente o Plano Geral

acontece no final de cada bloco, quando os apresentadores anunciam as chamadas.

Com relação a interação entre os apresentadores, a pesquisa mostra que não é uma

novidade para os jornais da Globo, desde 2005, pelo menos, mas eram características

exclusivas para o Jornal Hoje e o Bom dia Brasil. “Nesses programas, dependendo do

tema que estava em pauta, os âncoras se permitiam estender o assunto e brincar entre si e

com o público” (Brittos e Ruhee,2007, p.65)

Considerações em aberto

O trabalho mostra que o telejornalismo busca construir novas linguagens, tendo

em vista que reconhece a chegada de novos meios que trazem modificações na forma

como o público consome informação e entretenimento. Para não perder seu espaço, o

Page 71: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

71

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

telejornalismo tem lançado mão de uma linguagem mais informal, próxima daquela que

o público tece em seu cotidiano. Percebe-se, ainda, a humanização de seus repórteres e

apresentadores, que agora buscam conversar com que está do outro lado da tela. Em um

mundo construído nas redes sociais, como o que vivemos atualmente, é preciso que o

telejornalismo se reinvente.

Referências

BRITTOS, Valério Cruz e RUHEE,Paloma. A construção dos âncoras

nos telejornais nacionais da Globo. Salvador, 2007.

CASHMORE, Ellis. ... e a televisão se fez – São Paulo: Summus, 1998.

MAIA, Aline Silva Corrêa. O Telejornalismo no Brasil na Atualidade: Em Busca do

Telespectador. Salvador,2011.

MARCONDES FILHO, Ciro. Televisão: Scipione,1994.

PATERNOSTRO, Vera Íris. O Texto na TV: manual de telejornalismo – Rio de Janeiro:

Elsevier,2006.

REZENDE, Guilherme Jorge de. Telejornalismo no Brasil: um perfil editorial – São

Paulo: Summus, 2000

WOLFF, Michael. Televisão é a nova televisão. São Paulo: Globo, 2015.

Page 72: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

72

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

ANÁLISE DO DOCUMENTÁRIO “O ACRE EXISTE”: AYAHUASCA COMO

ELEMENTO DE REPRESENTAÇÃO DO ESTADO1

Leandra Beatriz Haerdrich Cunha2

Francielle Maria Modesto Mendes3

Resumo

Este artigo pretende analisar o documentário “O Acre Existe”, como um produto

cinematográfico que difunde a representação religiosa do estado do Acre, estereotipando

a localidade, a partir do enfoque dado à utilização ritualística do chá da Ayahuasca4. Nesta

pesquisa, usaremos os conceitos de representação social, abordados pelos autores, Joliane

Olschowsky, Pedrinho Guareschi, Rafael Augustus Sêga, Denise Jodelet e Serge

Moscovici. E para a compreensão de como o documentário também pode difundir

representações sociais conceituaremos esse gênero de cinema, com base nos autores

Sérgio Puccini Soares e Henrique Codato. Para aprofundar os conhecimentos sobre a

relação das representações com a linguagem dos estereótipos, o presente artigo também

será fundamentado no autor, Durval Muniz de Albuquerque Júnior. E para esclarecimento

de alguns termos específicos da Ayahuasca também foi consultado os autores Beatriz

Caiuby Labate e Wladimyr Sena Araújo.

Palavras-chave: representação social; Ayahuasca; “O Acre Existe”

Apresentação

O objetivo deste trabalho é verificar a representação religiosa do estado do Acre,

exibida no filme, “O Acre Existe”. Sabendo que se trata de um documentário,

apontaremos a ligação do gênero com a difusão de representações sociais, um fenômeno

portador de estereótipos que simbolizam a realidade de um grupo social. A tessitura da

1 Trabalho apresentado na Linha Temática Interfaces Comunicacionais da V Seacom da UFAC 2 Estudante do 8ºperíodo do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre, email:

[email protected] 3 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre, email:

[email protected] 4 Bebida psicotrópica ingerida ritualmente por populações indígenas da América do Sul e também utilizada

em algumas religiões de populações não indígenas no Brasil, isto é, a União do Vegetal, o Santo Daime e

a Barquinha, ver também LABATE, Beatriz Caiuby; ARAÚJO, Wladimyr Sena. O uso ritual da ayahuasca.

2002, p. 15, 16.

Page 73: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

73

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

narrativa do filme, elaborada pela linguagem do cinema/documentário, constrói uma

representação do costume religioso do estado, que se manifesta principalmente nas

imagens de algumas sequências de cenas exibidas e na seleção de oito entrevistados.

Nessa perspectiva, será analisado o destaque dado à utilização religiosa do chá da

Ayahuasca, que por meio do poder disseminador da linguagem cinematográfica difunde

um estereótipo relacionando o estado como lugar de utilização do chá. Também

discorreremos sobre o conceito de documentário-que embora transmita a falsa impressão

de ser o registro mais próximo da realidade, também apresenta a intervenção do

documentarista, assim como o cinema ficcional

Portanto, a partir da ênfase no Daime5, “O Acre Existe” representa um Acre

Ayahuasqueiro6, um estado que parece ser fonte de consumo do chá, um espaço

geográfico em que pessoas de outros lugares e acreanos são apresentados com uma

condição em comum, o consumo religioso da bebida.

1. No jogo das representações sociais

As representações sociais (RS) atuam como “imagens mentais que utilizamos para

fazer o mundo ter sentido, para interagir com os outros e efetivar a comunicação”

(OLSCHOWSKY, 2007, p. 42). Ao agir no campo mental as RS são tanto individuais,

como coletivas, e de acordo com Pedrinho Guareschi (2000) elas são elementos que

configuram a “realidade” de alguém ou de um grupo, se incorporando pelo campo social.

Uma representação social, como definida e entendida por essa teoria é, ao

mesmo tempo, individual, pois ela necessita ancorar-se em um sujeito, como

é, do-mesmo modo, social, pois existe "na mente e na mídia", como diria

MOSCOVICI. Ela está na cabeça das pessoas, mas não é a representação de

uma única pessoa; para ser social ela necessita "perpassar" pela sociedade,

existir a certo nível de generalização. (GUARESCHI, 2000, p.36)

Para Sandra Jatahy Pesavento (2008) as representações devem ser observadas,

principalmente, a partir das significações que carregam. Pesavento afirma que elas portam

o simbólico, “dizem mais do que aquilo que mostram ou enunciam, carregam sentidos

5 O chá da Ayahuasca também é conhecido como Daime 6 O estado do Acre adjetivado pelo uso ritualístico do Chá da Ayahuasca

Page 74: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

74

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

ocultos, que construídos social e historicamente, se internalizam no inconsciente coletivo

e se apresentam como naturais, dispensando reflexão”. (PESAVENTO, 2008, p.41)

Para Rafael Sêga (2000) as representações sociais manifestam-se a partir de

diversos meios, elas dependem da contextualização, comunicação, e significações

pertencentes a um grupo. Marcadas por ser resultado de uma visão prática, as (RS)

conduzem os olhares, a respeito do grupo representado, manipulando os traços da

realidade e apresentando estereótipos pois:

O social intervém de várias formas: pelo contexto concreto no qual se situam

grupos e pessoa, pela comunicação que se estabelece entre eles, pelo quadro

de apreensão que fornece sua bagagem cultural, pelos códigos, símbolos,

valores e ideologias ligados às posições e vinculações sociais específicas. Em

outras palavras, a representação social é um conhecimento prático, que dá

sentido aos eventos que nos são normais, forja as evidências da nossa realidade

consensual e ajuda a construção social da nossa realidade. (SÊGA, 2000,

p.128)

Representar não é dizer verdades, mas apresentar uma perspectiva que não

corresponde ao todo privilegiando só uma parte. De acordo com Joliane Olschowsky

(2007) é “Através das Representações Sociais, o imaginário é reforçado como conteúdo

compartilhado que tende a perpetuar imagens criadas e legitimadas por uma estrutura

ideológico específica”. (OLSCHOWSKY, 2007, p. 16)

As representações sociais não se disseminam de forma solitária, pois estão

materializadas em várias formas de produção. O filme, por exemplo, atua como grande

potência na veiculação destas representações na medida em que as representações

“(..)procuram ocupar um espaço especifico, e podem ser compreendidas como um

conhecimento do senso comum, socialmente construído e socialmente partilhado, que se

vê nas mentes das pessoas e na mídia (...)”. (GUARESCHI, 2000, p.38)

No cunho das representações, “O Acre Existe” é uma produção fílmica que

caracteriza o estado, a partir do enfoque dado ao uso religioso do chá da Ayahuasca.

Entrevistados como, Cícero, Zé Kleuber, o indígena Paulo, Davi, Neguinho, Tiago Tosh,

Seu Jorge e Pelé, aparecem relatando as experiências espirituais relacionadas

exclusivamente com o consumo da bebida.

Quando se fala de alguém, ou como no caso, dos costumes religiosos dos

habitantes de determinada região, se ganha a responsabilidade de disseminar uma

Page 75: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

75

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

representativade e propagar representações sociais do local. Para Denize Jodelet (2001),

as representações sociais fabricam um sistema, e quando são compartilhadas pelos

membros de um grupo, possibilitam o aparecimento de uma perspectiva da realidade, em

que a maioria dos indivíduos convenciona-se a acreditar.

Nesse viés, o cinema funciona como o compartilhamento das representações

sociais conhecidas na sociedade e estas representações “têm influência na edificação das

condutas: opinião, atitude, estereótipo, sobre os quais intervêm os sistemas de

comunicação mediática”. (JODELET, 2001, p.12) E, é a partir do mecanismo de

propagação da comunicação que as representações se consolidam e perduram

estereótipos.

2. Difusões das representações no cinema/documentário

O documentário, enquanto produto cinematográfico, assim como o cinema

ficcional, também constitui uma representação da realidade, que é apresentada do outro

lado da tela, a partir de imagens que foram selecionadas através do ponto de vista do

documentarista. Em estudos referentes ao cinema documental, o autor Sérgio Puccini

ressalta:

Esse equívoco na concepção do processo de construção do filme documentário,

sustentado pela falsa idéia de que o gênero exige menos preparação ou menos

da intervenção criativa do cineasta, vem sendo constantemente refutado por

documentaristas e teóricos verdadeiramente envolvidos com a prática.

Documentário é também resultado de um processo criativo do cineasta

marcado por várias etapas de seleção, comandadas por escolhas subjetivas

desse realizador. (PUCCINI, 2009, P.176, 177)

O processo técnico de seleção implica em um direcionamento do olhar que

constrói um discurso a ser disseminado por meio do produto cinematográfico. Sendo

assim, deve haver uma sequência, uma estrutura narrativa que somente na montagem

poderá ser desenvolvida.

De posse de todo o material captado, será apenas na sala de montagem que o

diretor, assessorado por seu montador, terá total controle do universo de

representação do filme. O percurso é marcado pela perspectiva daquilo que

está por vir, a captura de um real que gradualmente vai sendo moldado até se

transformar em filme. Estamos falando da construção de um discurso

sedimentado em ocorrências do real. Se existe um discurso, o filme, quer seja

ele narrativo ou não, existirá sempre alguém que o profere, um sujeito da

enunciação. (SOARES, 2007, p. 21)

Page 76: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

76

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Esse processo que configura a representação no documentário é responsável por

agregar ao filme um sentido, ordenar um discurso, por meio da estruturação do material

produzido. Pois esse:

(...) é o momento em que a articulação das seqüências do filme, entre

entrevistas, depoimentos, tomadas em locação, imagens de arquivo, entre

outras imagens colocadas à disposição do repertório expressivo do

documentarista, em consonância com o som, trará o sentido do filme”.

(SOARES, 2007, p.23)

A produção de um documentário implica no processo de montagem que organiza

uma mensagem a ser repassada. Nesse sentido, acontece “o procedimento pelo qual a

ditadura do corte e do fragmento impõe a aceleração do olhar em detrimento da

experiência da duração e da continuidade”. (COMOLLI, 2008 apud CODATO, 2010, p.

49). Para Henrique Codato (2010):

Uma nova dinâmica, tanto social quanto artística se estabelece, fazendo com

que o cinema seja pensado não apenas como uma máquina de registrar imagens

do cotidiano, mas como elemento ordenador de um discurso que, muito mais

do que mostrar imagens em movimento, serve também para organizá-las,

inaugurando uma forma de discurso próprio, servindo também aos interesses

do pensamento científico. (CODATO, 2010, p.49)

Os quatro documentaristas do filme, a partir da representação religiosa do Acre,

dão sentido a existência do estado focalizando a maneira estereotipada do consumo do

chá da Ayahuasca. A manipulação das cenas que se relacionam com os efeitos da

Ayahuasca e a escolha de oito ayahuasqueiros para dedicar boa parte do filme em relatos

e cânticos referentes ao consumo da bebida constroem essa narrativa de representação.

3. O poder de difusão de representação da imagem cinematográfica

Na medida em que as representações sociais se disseminam no cinema por meio

do poder de difusão das imagens, conjecturamos uma dinâmica em que uma se relaciona

com a outra. Assim, podemos predizer que a “noção de representação se estabelece como

potência maior da imagem cinematográfica, revelando os mecanismos que se encontram

por trás da impressão da realidade, da inscrição verdadeira (...)”. (CODATO, 2010, p.55)

3.1 Cenas e cenários

Levando em conta, o poder das imagens na formação de um discurso

cinematográfico, ao analisar a construção imagética de “O Acre Existe”, pode-se perceber

Page 77: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

77

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

que o filme contém cenas que conotam misticismo a partir do uso do Chá da Ayahuasca.

Logo nos primeiros dez minutos do documentário, imagens da floresta, pessoas e rios,

são apresentadas sob a perspectiva, a da miração7. (O ACRE EXISTE, 2013).

Essas imagens técnicas, enquanto mecanismos de comunicação, atuam como

meios de transmissão de mensagens. Através da exibição, em “O Acre Existe”, as

imagens geram representações sociais que dirigem o olhar de quem as recebe, em um

processo de sedução que concebe a realidade desejada pelo outro:

Analogicamente, a imagem cinematográfica pode ser entendida como a

expressão do desejo do outro, pois ela é a apreensão do olhar alheio. Melhor

dizendo, ela é a representação de seu desejo, que uma vez reproduzida na tela

de uma sala escura, se transforma em objeto que se pode simbolicamente

possuir. Assim, a principal função da imagem é seduzir o olhar a fim de buscar,

na representação, sentido e significação. (CODATO, 2010, p.55)

Percebe-se, então, dentro do universo midiático que as imagens cinematográficas

também têm a função de organizar ideias. Pois a finalidade das imagens na construção

das ideias é fundamental, porque como apontou Moscovici, “(...) a representação iguala

toda imagem a uma ideia e toda ideia a uma imagem” (MOSCOVICI, 2003 apud

OLSCHOWSKY, 2007, p. 43), sendo assim se torna inviável conceber uma ideia sobre

algo, sem que uma imagem não nos fosse apresentada.

Nesse sentido, as imagens alucinantes, que estão em destaque logo no começo do

filme, totalizam as referências de espiritualidade do estado. A difusão dessas

representações retrata um estado visto pela miração, o estereótipo do Acre da Ayahuasca

configurados no filme é um mecanismo que leva o espectador a uma falsa sensação de

conhecimento do todo a partir de ayahuasqueiros demonstrados, a partir do estereótipo

exibido.

4. Estereótipos na linguagem das Representações Sociais

Dentro do discurso das representações sociais, podemos identificar os estereótipos

como os recortes que “dizem” a realidade de forma simplificada, eles referem-se a algo

7 A Miração é uma visão espiritual atingida em estado de consciência expandida durante a utilização

ritualística do chá da Ayahuasca, ver também em LABATE, Beatriz Caiuby; ARAÚJO, Wladimyr Sena. O

uso ritual da ayahuasca. 2002, p. 250.

Page 78: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

78

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

ou a alguém por meio de uma descrição caricata. Segundo Albuquerque Júnior (2012),

este tipo de representação, é justamente aquela que marca alguém ou algum grupo

preconceituosamente, pelo simples fato deste pertencer ou advir de um território, de um

lugar, de uma cidade, de um estado, de uma região.

Neste sentido, “O Acre Existe” relaciona o estado com a Ayahuasca, e se enquadra

no que Albuquerque Junior (2012) chama de discurso da estereotipia, que tem como base

o preconceito geográfico. “O estereótipo nasce de uma caracterização grosseira, rápida e

indiscriminada do grupo estranho, este é dito em poucas palavras, é reduzido a poucas

qualidades que são ditas como sendo essenciais”. (ALBUQUERQUE JR, 2012, p. 13).

Nessa perspectiva, representar também implica estereotipar, dizer quem o outro é,

sem apresentar outras óticas, sem demonstrar outras abordagens. A estereotipia na

linguagem das representações reduz o outro grupo de forma em que ele não pode ser

enxergado com outras características ou atribuições, ele é apresentado sem nenhuma

divergência, pois a estereotipia também é:

Uma fala em que as diferenças e multiplicidades são apagadas em nome da

fabricação de uma unidade superficial, de uma semelhança sem profundidade.

O estereótipo pretende dizer a verdade do outro em poucas linhas e desenhar

seu perfil em poucos traços, retirando dele qualquer complexidade, qualquer

dissonância, qualquer contradição. (ALBUQUERQUE JR, 2012, p. 13)

O costume religioso do estado é compreendido no filme sem problematizações, a

repetição dos discursos espirituais dos Ayahuasqueiros atrelados às imagens de miração,

imagens que demonstram os efeitos do consumo da Ayahuasca, exibem essa “realidade”

no estado. Associa o território acreano ao consumo da bebida, pois “o estereotipo lê o

outro sempre de uma única maneira, de uma forma simplificadora e acrítica, levando uma

imagem e uma verdade do outro que não é passível de discussão ou problematização”.

(ALBUQUERQUE JR, 2012, p. 13)

4.1 Entrevistados que representam o Acre da Ayahuasca

Em “O Acre Existe” identificamos acreanos e pessoas de outros estados, com um

aspecto em comum: o consumo religioso da bebida. O alcance pela espiritualidade une os

sujeitos ao mesmo discurso, e a apropriação da imagem dos ayahuasqueiros configura

Page 79: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

79

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

uma linguagem cinematográfica que representa o estado a partir deste estereótipo

religioso.

A participação de Cícero França, artista popular acreano e um dos fundadores do

grupo artístico Jabutí Bumbá8, agrega muitos aspectos de representação ao documentário,

no que diz respeito à relação que ele tem com o chá da Ayahuasca. Neste viés, a atuação

de Cícero, também consolida a visão do Acre Ayahuasqueiro. Logo no início do filme,

uma cena demonstra Cícero, tocando um violão e entoando o cântico Caboclo da Floresta,

que relaciona a Ayahuasca com o livramento do mal (O ACRE EXISTE, 2013):

Sou caboclo da floresta, minhas penas são de Arara, o meu arco é de pupunha,

minhas flechas de Taquara. O lugar aonde eu moro tem festejo natalino, a

alegria que eu tenho só vem dos seres divinos, tenho força curandeira do meu

mestre o beija flor. Foi a nossa mãe rainha que trouxe com todo amor, minha

bebida caiçuma para todo o festival. Ayahuasca curandeira nos livrai de

todo mal. (grifo nosso)(CÍCERO, Caboclo da Floresta,)

Cícero por meio da música e dos relatos espirituais enfatiza a forte ligação que

tem com a utilização religiosa do chá. Durante o documentário, ele aparece quatro vezes

narrando as sensações que uma pessoa tem quando toma a Ayahuasca: “Quando tu tiver

no cipó, tu não esquece que tu tomou cipó, não vai pensar que você tá aqui em baixo não,

porque não está, lá em cima é outra coisa”. (O ACRE EXISTE, 2013)

A atuação de Cícero no filme expõe constantemente falas espirituais, retratando o

poder do consumo religioso da bebida:

Quando a gente entra em transe que sai desse mundo material para o mundo

espiritual a gente pensa que, opa tô livre, vou respirar, não, não é assim não, aí

você vai também conhecer o mundo que tem lá, porque do mesmo jeito que

tem em baixo tem em cima. (O ACRE EXISTE, 2013)

Em outro momento do filme observamos a participação de Davi, um personagem

que aparece explicando como se dá o feitio do chá da Ayahuasca, provavelmente ele é

membro de alguma religião ayahuasqueira (esse detalhe não está identificado no filme).

“E a folha representa essa energia do feminino, o feitio, o trabalho é uma parte em que as

8 O Jabuti-Bumbá é uma manifestação artística contemporânea iniciada em 2005 na cidade de Rio Branco

(AC), organizada por uma família acriana. O grupo tem como referência o Boi-bumbá do Maranhão, além,

de ser um misto de outras manifestações culturais brasileiras e amazônicas, como a catira, cacuriá e a

religião do Santo Daime. Dsiponivel em: http://alb.com.br/arquivo-

morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/sem05/COLE_3836.pdf

Page 80: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

80

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

mulheres catam as folhas, as jovens e as crianças, enquanto os homens têm o trabalho do

Cipó da fornalha, um trabalho mais pesado, da lenha, do sacrifício”. (O ACRE EXISTE,

2013)

Zé Kleuber, cantor popular, que está no estado há 38 anos, conta durante o

documentário que tinha como interesse conhecer o Peru, porém em virtude de uma

miração, recebeu comandos espirituais para ficar no Acre. Segundo o discurso dele, aqui

era o lugar da Ayahuasca, cultura religiosa indígena que tanto buscava conhecer. A fala

do cantor reforça a narrativa construída no filme, do Acre como fonte da Ayahuasca.

Os Incas, uns índios, uns nativos, me apareceram na miração e disseram: “Você

não quer ir pra Cusco no Peru? Eu falei, quero. Você não quer conhecer a

cultura Inca da Ayahuasca? Eu disse: quero. Então, eles disseram não precisa

ir mais para o Peru, a Ayahuasca é aqui onde nós estamos , nesta floresta, no

Acre.(O ACRE EXISTE, 2013)

O grafiteiro Tiago Tosh é um carioca que foi para o Acre principalmente por causa

da religião do Santo Daime9. Segundo seu relato no filme, Tiago sofreu com a repreensão

dos pais e amigos, antes de ir ao estado, mas para ele o que realmente importava era a

nova visão que a religião Ayahuasqueira apresentava.

Não é uma coisa em vão, tá ligado, você vai à igreja, por exemplo, na católica,

você reza e acha que tá tudo bem, pode ter todos os pecados do mundo mas tá

sempre tudo bem. Lá no Daime não, tu não se engana nem ninguém se engana,

quando você toma o Daime tu sabe de todas as paradas que tu fez, os teus erros,

coisa que só você sabe, que ninguém mais sabe, tudo fica transparente parece

como se fosse um espelho. (O ACRE EXISTE, 2013)

Neguinho e Seu Jorge também constroem a retratação do poder que a Ayahuasca

tem de comandar a vida das pessoas no Acre. Em determinada cena, encontramos Seu

Jorge recordando suas primeiras experiências com a bebida. Ele fala no filme, que em

uma das mirações que teve, viu um chapéu de palha e depois de onze anos está

construindo ele (O ACRE EXISTE, 2013). Ou seja, o que ele viu no mundo espiritual

está sendo materializado, sendo assim, o poder divino está sempre atrelado à vida “real”

dos sujeitos que tomam a Ayahuasca, dos sujeitos que estão no Acre.

9 Religião brasileira ayahuasqueira, ver em LABATE, Beatriz Caiuby; ARAÚJO, Wladimyr Sena. O uso

ritual da ayahuasca. 2002, p.235.

Page 81: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

81

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Neguinho é um personagem que aparece em cenários peculiares, com vestes

humildes e pouco despreocupadas com o luxo. Uma das cenas mais curiosas do

documentário é uma em que ele está em meio à floresta, sentado no tronco de uma árvore,

cantando uma música da religião do Santo Daime que agradece a Deus, por estar em um

lugar em que a Ayahuasca/Daime10 nunca irá faltar, pois onde ele está (Acre), o Daime

(Ayahuasca) também está. “Graças um Deus, aonde eu estou tem Daime, graças um Deus

Daime nunca me faltou. Sou uma árvore rosiante em uma flor, graças um Deus aonde o

Daime está estou”. (O ACRE EXISTE, 2013)

O Indígena Paulo também discursa a respeito das experiências que a Ayahuasca

proporciona. A colocação dele enfatiza ainda mais o poder do Chá na vida de quem o

consome de forma espirituosa. Paulo tem um grande destaque, pois sua aparição está

fundida com as imagens que conotam a miração, enquanto também discursa sobre a

experiência do chá.

Você vê um outro lado que não conhece em você, as vezes você até não se

reconhece quando percebe já se transformou em outra coisa, você começa a

valorizar tudo o que tem, você reconhece que poder tem o sol, que poder tem

a lua, que poder têm as estrelas, que poder tem o vento, quando você entra na

parte espiritual. (O ACRE EXISTE,2013)

Relativizando a participação do indígena Paulo podemos perceber grande

contribuição dele para a difusão da representação religiosa do estado. Ele ritualiza o chá

da Ayahuasca antes que os documentaristas a ingerissem, cena que embalada no canto

indígena, apresenta a logo do filme, em que há a afirmação da existência do estado

aparece estereotipada pelo consumo da bebida. (O ACRE EXISTE, 2013).

Considerações Finais

Por fazer parte do gênero documental, “O Acre Existe” é um produto

cinematográfico que como qualquer outra narrativa constrói uma representação do que

está sendo exibido. As imagens e a escolha dos participantes do documentário focalizam

a utilização ritualística do chá da Ayahuasca.

10 Dentro da religião do Santo Daime, o chá da Ayahuasca também é reconhecido como Daime.

Page 82: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

82

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Ressalta-se que os participantes ayahuasqueiros não foram escolhidos

aleatoriamente, mas encaixados na narrativa do documentário, configurando o processo

de montagem do filme. Nesse sentido, a ênfase dada aos discursos dessas pessoas

caracteriza uma representação, um estereótipo.

Portanto, o estado do Acre, é representado como um espaço geográfico marcado

pelo uso ritualístico da bebida, seja por indígenas, seja por membros de religiões

ayahuasqueiras, seja por pessoas de outros estados que estão na localidade (justamente

pelo chá).

A reflexão consiste na percepção de como a representação do estereótipo

religioso, que visa o estado do Acre como o lugar da Ayahuasca, compromete as noções

que envolvem as variações religiosas existentes na região. Nesse sentido, surti a

necessidade de compreender “O Acre Existe” como um produto cinematográfico

contribuinte para a apresentação e disseminação deste estereotipo.

Referências bibliográficas

ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz. Preconceito contra a origem geográfica e de

lugar: as fronteiras da discórdia. Cortez Editora, 2007.

CODATO, Henrique. Cinema e representações sociais: alguns diálogos possíveis. Verso e

Reverso, Brasil, v. 24, n. 55, 2010, Disponível em

http://www.revistas.unisinos.br/index.php/versoereverso/article/viewFile/44/8 Acesso em 12

jun.2015.

GUARESCHI, Pedrinho A. Representações sociais e ideologia (Social Representations and

Ideology). Revista de Ciências Humanas, Brasil, n. 2, 2000.

https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/viewFile/24122/21517 , Acesso em 10

jun.2015

JODELET, Denise. Folie et représentations sociales. Paris: PUF, 1989. Representações sociais:

um domínio em expansão. In: JODELET, D. (org.). As Representações sociais. Rio de Janeiro:

Eduerj, 2002.

LABATE, Beatriz Caiuby; ARAÚJO, Wladimyr Sena. O uso ritual da Ayahuasca. 2002.

O ACRE EXISTE. Direção Bruno Graziano, Milton Leal, Paulo Silva Junior e Raoni Gruber.

Estúdio 1+2. DVD (144 min), 2013.

OLSCHOWSKY, J. C. Mulheres na Ciência: Representação ou Ficção. 2007. Tese de

Doutorado. Tese de Doutorado, Escola de Comunicações e Artes da USP. São Paulo, 2007.

Page 83: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

83

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

PESAVENTO, Sandra Jatahi. História & História Cultural. 2. ed. 2. reimp. Belo Horizonte:

Autêntica, 2008.

PUCCINI, S. J. Introdução ao roteiro de documentário. Revista Digital de Cinema

Documentário, n. 6, 2009 Disponível em: http://www.doc.ubi.pt/06/artigo_sergio_puccini.pdf

Acesso em 15 jun.2015.

SÊGA, Rafael Augustus. O conceito de representação social nas obras de Denise Jodelet e Serge

Moscovici. Anos 90, v. 8, n. 13, 2000.

SOARES, S J. P. Documentário e Roteiro de Cinema: da pré-produção à pós-produção.

2007. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Multimeios do Instituto de Artes,

Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2007.

Page 84: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

84

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

APONTAMENTOS SOBRE O VARADOURO – JORNAL DAS SELVAS1

Lauane Laura da SILVA2

Universidade Federal do Acre, Rio Branco, Acre.

RESUMO: O presente trabalho visa apresentar apontamentos acerca do Varadouro –

Jornal das Selvas, que circulou em Rio Branco, capital do Acre, de 1977 a 1981, como

veículo de imprensa alternativa, nos anos finais da Ditadura Civil Militar brasileira.

Neste sentido o texto aqui exposto tem poucas alterações daquele que já foi apresentado

com o título de “Comunicação alternativa: apontamentos sobre o Varadouro – Jornal

das Selvas” no Grupo de Trabalho de História da Mídia Alternativa no IV Encontro

Regional Norte de História da Mídia, ocorrido no último mês de maio deste ano na

Universidade Federal do Acre e promovido pela Associação Brasileira de Pesquisadores

de História da Mídia- ALCAR. De tal modo que, a semelhança daquele, também este se

constituiu das reflexões para a elaboração do trabalho monográfico a fim de obtenção

do título de bacharel em História junto a UFAC. Embora a característica de

obrigatoriedade acadêmica, o objetivo do escrito foi e continua sendo dialogar sobre o

periódico enquanto fonte da produção historiográfica regional, dentro da História do

Tempo Presente, relacionando tais perspectivas às palavras de Morin sobre

incompletude do saber e a conexão de conhecimentos que nos são alertados em seu livro

Introdução ao Pensamento Complexo, partindo daí para a análise das vinte e quatro

edições do Varadouro - Jornal das Selvas observando a sua linha editorial, o lugar

social, as principais temáticas abordadas e seus financiadores. O texto de agora, assim

como a monografia tem contribuições das atividades e leituras desenvolvidas no Projeto

de Iniciação Científica História e Jornalismo: reflexões e apontamentos para o uso de

fontes hemerográficas, bem como do Projeto de Extensão História e Jornalismo, sob a

coordenação da Professora Doutora Nedy Bianca M. de Albuquerque Franco,

vinculados ao Centro de Filosofia e Ciências Humanas desta IFES e aos Grupos de

Pesquisa Gênero, Conhecimento, Meio Ambiente e Cultura Afro-Brasileira e Núcleo de

Pesquisa da Cena Contemporânea (NUPECC).

PALAVRAS-CHAVE: Varadouro – Jornal das Selvas, História, Imprensa.

1 Trabalho científico submetido a SEACOM 2016 – UFAC, LT1 - Jornalismo (história, teoria do

jornalismo, teoria da comunicação, gêneros jornalísticos). 2

Acadêmica do Curso de Bacharelado em História do CFCH/UFAC, orientanda PIBIC/UFAC 2015-2016

do Projeto de Iniciação Científica História e Jornalismo: reflexões e apontamentos para o uso de

fontes hemerográficas, email: [email protected]

Page 85: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

85

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Os efeitos de 31 de março de 1964 resultaram no Brasil na instauração de uma

Ditadura Civil Militar, que era tramada por diferentes segmentos sociais antes mesmo

da posse de João Goulart como presidente, já que:

[...] Havia muito, tal intervenção era discutida em instituições, como a

Escola Superior de Guerra (ESG), criada em 1948, ou o Instituto de Pesquisa

e Estudos Sociais (Ipes), fundado em 1962 por lideranças empresariais.

Outro indício de que o golpe vinha sendo tramado havia tempos ficou

registrado nos documentos da operação “Brother Sam”, através do qual se

prevê, caso houvesse resistência, que o governo norte-americano

“doaria”110 toneladas de armas e munições ao Exército Brasileiro. (DEL

PRIORE, VENÂNCIO, 2010, p. 277)

A mudança de regime político trouxe consequências ao país dentre elas, a

censura aos veículos de comunicação, incluindo ai a criação de alternativas as propostas

das Reformas de Base com atenção especial às questões de posse e acesso às terras.

Neste sentido foi criado com o Decreto Nº 1.110 de julho de 1970 o Instituto Nacional

de Reforma Agrária, que deveria “implementar a política de reforma agrária e realizar o

ordenamento fundiário nacional”3, paralelamente a isto o Governo Civil Militar reduziu

os recursos destinados a produção de borracha.

Esta situação conduziu a substituição de seringais acreanos por fazendas

destinadas a pecuária e alguns empreendimentos agrícolas, que geraram conflitos em

áreas rurais com repercussão social para as cidades. As populações tradicionais daqueles

seringais tomaram vários rumos. Alguns passaram a se deslocar tanto para as terras de

países vizinhos, outros foram para espaços urbanos e passaram a constituir novos locais

de moradia, como foi o caso do bairro João Eduardo em Rio Branco. E ainda existiram

os que ofereceram resistência com os Empates, as brigas judiciais e a formação de

organizações de trabalhadores rurais.

Dentro deste contexto, a Igreja Católica Apostólica Romana passava por

reorientações internas, ditadas pelas mudanças sociais globais da Guerra Fria, que

3 Dados obtidos junto ao endereço eletrônico da autarquia. Disponível em:

<http://www.incra.gov.br/content/o-incra>. Acesso em: 27 ago 2016.

Page 86: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

86

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

ficaram marcadas pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) e Conferência de Medellín

(1968) levando a constituição da Teologia como prática libertadora, ou seja:

Uma teologia que adequasse a Igreja Católica, aos moldes da

sociedade que neste período sofria com as ditaduras advindas dos golpes

militares, que no Brasil teve inicio em 1964 e perdurou ate 1985. [...]A

Teologia da Libertação é uma corrente teológica que engloba diversas

teologias cristãs desenvolvidas no terceiro mundo que, a partir dos anos

1970, baseadas na opção preferencial pelos pobres, contra a pobreza e pela

sua libertação. (PRADO, 2012)

Por conta disso tudo, no Acre a Igreja Católica, sob a liderança de religiosos

como D. Moacyr, começou a exercer influência na criação de um jornal, cujo nome era

Varadouro, como uma forma de comunicação alternativa. Esse periódico tinha como

subtítulo Jornal das Selvas, com o fim de dar voz aos moradores das matas acreanas e

aos que tinham sido obrigados ao êxodo. Além de ter surgido por causa da censura aos

veículos de comunicação, Varadouro- O Jornal das Selvas foi um grande propagador

dos serviços e pastorais da Igreja, vez que ela exercia uma forte presença e apoio ao

periódico, subsidiando as suas primeiras edições, conforme se lê em Costa Sobrinho:

Com os recursos para o pagamento da edição adiantados pela Igreja,

os próximos passos foram encontrar uma gráfica. As oficinas da imprensa

oficial se dispuseram a fazer o serviço. Para resolver o problema da falta de

chumbo para a composição do jornal, o pessoal do Varadouro teve de

comprar às pressas 300 quilos de metal em São Paulo. Daí então surgiu a

necessidade urgente de construir uma empresa para legalizar as atividades do

alternativo: Macauã Produções Gráficas e Publicações LTDA. (COSTA

SOBRINHO, 2001)

Então vamos compreendendo o “lugar de produção” do Varadouro, bem como

as forças que tinham peso sobre o que ali era escrito. E para traçarmos o perfil do

Varadouro e analisarmos seus diferentes aspectos, também enfrentaram os

questionamentos quanto ao papel do jornal como fonte. Neste sentido, devemos

recordar que desde muito tempo existem várias criticas em relação à imprensa escrita

como fonte historiográfica, sobretudo no caso acreano do Varadouro, pois

argumentavam que o número de pessoas que não tinham escolaridade e nem ao menos

sabiam ler era muito grande, sendo assim, o uso do jornal como fonte era mal visto por

alguns pesquisadores, contudo:

Page 87: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

87

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

A utilização da imprensa periódica como fonte para a pesquisa

histórica brasileira ganhou terreno, ainda de forma tímida e lenta, na década

de 1970 após a superação de antigas posturas que marcaram a prática

historiográfica, notadamente as noções de “fonte suspeita” e “repertório da

verdade.” (TELES, 2013)

Luciano Teles explica ainda, que a era comum a desconfiança dos historiadores

quanto “a imprensa periódica”, visto que o seu uso pedia atenção em dobro, para não

causar comprometimento da objetividade cara a “disciplina histórica”. Somam-se ainda

as palavras de Heloisa Farias Cruz e Maria do Rosário Peixoto quanto à relevância “dos

meios de comunicação na atualidade faz da reflexão sobre a comunicação social um

campo interdisciplinar estratégico para a compreensão da vida contemporânea.”

(CRUZ; PEIXOTO, 2007).

Devemos ainda lembrar que a imprensa escrita tem grande relevância no meio

social, pois tenta produzir a compreensão do cotidiano de uma forma mais ampla e

objetiva. E por isso, as críticas de historiadores se motivam pelo imediatismo da

imprensa, por uma ausência de reflexão aprofundada sobre os temas abordados e pelas

intencionalidades dos textos dos veículos de comunicação.

Apesar disso, ou por conta disso, somente a partir da década de 1970

começaram a se reconhecer a importância dos impressos e a preocupação de se escrever

uma História da Imprensa, mesmo sendo essa preocupação um tanto antiga. Ainda que

já tenham sido superados os “preconceitos” em relação à imprensa escrita como fonte,

relutavam para que se pudessem escrever uma História por meio da imprensa, neste

sentido:

Não se pode desprezar o peso de certa tradição, dominante durante o

século XIX e as décadas iniciais do XX, associada ao ideal de busca da

verdade dos fatos, que se julgava atingível por intermédio dos documentos,

cuja a natureza estava longe de ser irrelevante. Para trazer à luz o acontecido,

o historiador livre de seu objeto de estudo e senhor de métodos de crítica

textual precisa, deveria valer-se de fontes marcadas pela objetividade,

neutralidade, fidedignidade, credibilidade, além de suficientemente

distanciadas de seu próprio tempo. Estabeleceu-se uma hierarquia qualitativa

dos documentos para qual o especialista deveria estar atento. Nesse contexto,

os jornais pareciam pouco adequados para a recuperação do passado, uma

vez que essas “enciclopédias do cotidiano” continham registros

fragmentados do presente, realizados sob o influxo de interesses,

Page 88: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

88

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

compromissos e paixões. Em vez de permitirem captar o ocorrido, dele

forneciam imagens parciais, distorcidas e subjetivas. (LUCA, 2008)

Dos argumentos de Tânia De Luca compreende-se que os jornais eram

entendidos como fontes pouco confiáveis para a busca da “verdade verdadeira” dentro

de uma leitura de documentos. Daí entender que isso estava associado à ideia de

historiografia positivista, em que os documentos oficiais não trariam intencionalidades,

enquanto que os textos jornalísticos estivessem cheios delas. Neste sentido, os

periódicos seriam então pouco válidos a escrita da História. E ainda quanto aos temores

do uso das fontes hemerográficas nos recorda Laura Antunes Maciel em seu artigo “O

popular na imprensa: linguagens e memórias” que:

[...] os estudos sobre imprensa escrita desenvolvem-se em diversas direções, desde os trabalhos voltados para a realização de uma história da imprensa; os estudos sobre linguagem e a técnica do fazer jornalístico, destacando mudanças nos meios e alterações na linguagem jornalística; passando pelos inúmeros trabalhos historiográficos que utilizam a imprensa como fonte de informação, sem maiores reflexões sobre a função social da imprensa, até trabalhos recentes que abordam a imprensa periódica na perspectiva da História Social como uma pratica social que constitui memórias e viveres

urbanos. (MACIEL, 2008)4

Portanto, a realização de uma história da imprensa se desenvolve a partir de

pesquisas voltadas para o uso de jornais enquanto fontes historiográficas válidas, desde

que analisadas não como exclusivas ou fidedignas, mas repletas de intenções. Diante

dessas questões e da argumentação da História do Acre como algo recente, se

compreende a significativa produção de material com base no uso da chamada História

Oral, em desfavor do trabalho com imprensa escrita nos cursos de História (tanto

licenciatura, quanto bacharelado) da UFAC.

Todavia, a predileção em trabalhar com imprensa escrita se deu pela

possibilidade de rediscutir o Varadouro como fonte, a fim de romper com a ideia de

“jornal sagrado de resistência à pecuarização”. A escolha por desconstruir o caráter

sagrado do Varadouro como “arauto da resistência”, veio da observação do uso de suas

4 MACIEL, Laura Antunes, docente, Universidade Federal Fluminense. O popular na imprensa:

linguagens e memórias

Page 89: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

89

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

citações e de inúmeras alusões ao jornal como veículo de oposição apontado em vários

autores, como Carlos Alberto de Souza (em sua tese5, em seu livro didático

6 e artigo

7),

ou no livro didático de José Dourado, Valdir Calixto e Josué Fernandes8, tal qual na

dissertação de Cidreira9, no texto do Bernardo Kucinski

10, ou em Michelle Portela

11 e

até mesmo no livro de Pedro Vicente Costa Sobrinho12

. Então, tendo sido o Varadouro

– Jornal das Selvas durante anos tornado na prosa histórica um veículo sagrado de

comunicação, não se pode deixar de pensar sobre o lugar de produção discutido por

Michel de Certeau, tendo em mente que:

“Lugar de produção” foi a expressão que Certeau celebrizou para

expressar a idéia de que o historiador, em sua prática e operação

historiográfica, escreve ele mesmo a partir de um lugar, de mais uma

inscrição em uma sociedade e em uma comunidade historiográfica atualizada

pela própria época, de um enredamento que o situa em uma instituição

(universitária, por exemplo), de uma teia de intertextualidade que o

influenciam de muitas maneiras. O historiador, homem de seu tempo,

acompanha os ditos e enfrenta os interditos proporcionados por esse lugar,

que se instala ademais em uma complexa estrutura de poder. O seu trabalho

torna-se possível nesse “lugar de produção” específico, que precisa ser

adequadamente compreendido, para cada caso, quando se trata de

compreender a historiografia ou um trabalho historiográfico. O próprio leitor

ou beneficiário do produto historiográfico, ele mesmo mergulhado em suas

circunstancias e perfeitamente inscrito em uma sociedade e no próprio lugar

que torna possível as suas condições de leitura e a sua atividade como leitor,

5 SOUZA, Carlos Alberto Alves de. Varadouros da Liberdade: Empates nos modos de vida dos

seringueiros de Brasiléia – Acre. Tese de Doutorado em História Social, na Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo. São Paulo: 1996. 6

SOUZA, Carlos Alberto Alves de. História do Acre: novos temas, nova abordagem. 1. ed. Rio Branco-

Acre: Instituto de Pesquisa ENVIRA, 2002. 7

SOUZA, Carlos Alberto Alves de. “Varadouros da Liberdade”: cultura e trabalho entre os trabalhadores

seringueiros do Acre. In: Revista Projeto História. São Paulo: 1998, v. 16, p.221-231. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/viewFile/11202/8210>. Acesso em: 10 de ago. 2014. 8

CALIXTO, Valdir de Oliveira; SOUZA, Josué Fernandes de; SOUZA, José Dourado de. Acre: uma história em construção. Rio Branco: Fundação Cultural, 1985. 9

CIDREIRA, Jefferson Henrique. Rádio difusora acreana, jornal Varadouro e outras mídias: discurso

oficial e discurso de resistência na Amazônia Acreana (1971-1981). Dissertação em Letras-Linguagens e

Identidades. Universidade Federal do Acre, Rio Branco: 2013. 10

KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo:

Scritta, 1991. 11

PORTELA, Michelle da Costa. A mulher seringueira em Varadouro – um jornal das selvas. In: Simpósio Temático 19 – Intersecções entre gênero e sociodiversidade amazônica. Seminário

Internacional Fazendo Gênero 8: Corpo, Violência e Poder, 25 a 28 de agosto de 2008, UFSC. 12

SOBRINHO, Pedro Vicente Costa. Comunicação Alternativa e Movimentos Sociais na Amazônia

Ocidental. – João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2001. 234p.

Page 90: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

90

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

também interfere, à sua maneira, neste lugar de produção que demarca as

condições de trabalho do historiador. (BARROS, 2012)

O lugar de produção destina-se ao fazer-se história, ou seja, a forma como o

historiador irá se submeter ao trabalho com jornais enquanto fonte histórica, e o local

onde o jornal é criado e para onde é destinado. Então, compreende-se a escolha do nome

do periódico dentro da mensagem que se buscava passar, vez que na cultura acreana, a

expressão “varadouro” significa caminho aberto no meio da selva. Entende-se que eles

buscavam discutir a nova conjuntura em que o Estado se encontrava. Mas, o local físico

de produção do jornal Varadouro situava-se na capital do Acre, a cidade de Rio Branco,

rua Cel. João Donato, 291, bairro do Bosque. Nos levando a afirmar que embora o

endereço tivesse relação com o nome do jornal, o motivo de optarem pela nomenclatura

se deu por tentarem representar um caminho, ou seja, um “varadouro” na imprensa da

época. Daí sua inserção como uma forma alternativa, devido à censura que os meios de

comunicação sofreram.

De acordo com as leituras de editoriais se observa que o Jornal das Selvas se

destinava a contar o momento histórico do Acre de então e de sua gente, uma vez que o

Estado tinha passado por algumas transformações e precisava colocar em discussão os

problemas da região, daquela época e principalmente de sua gente.

Para entender o impacto das mudanças causadas pela substituição do

extrativismo vegetal pela pecuária, devemos lembrar que o Acre até a primeira década

do século XX não era oficialmente parte do Brasil, isto porque, de acordo com as

partilhas de terras no período colonial e imperial o território pertenceu inicialmente a

Espanha e depois a Bolívia. Mas, a propriedade nem sempre anda junto com a posse.

Neste sentido, a partir da segunda metade do século XIX ocorreram ocupação e

povoamento brasileiro no Acre, embora isso tenha levado ao assassinato de populações

indígenas que o habitavam.

O motivo da invasão e permanência de brasileiros em terras acrianas se dava

em função da produção de borracha, através da extração de látex coletado nas árvores

de seringueira, conhecidas cientificamente com o nome de hevea brasiliensis. Com o

Page 91: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

91

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

látex retirado de diversas árvores de seringas pelos seringueiros brasileiros, mediante o

processo de coagulação por defumação se produzia a “pela” de borracha. Neste formato,

a borracha era conduzida por rios até as casas aviadoras de Manaus e Belém, a fim de

serem comercializadas internacionalmente como matéria-prima a diferentes indústrias,

especialmente para a automobilística.

Junto com o crescimento da procura da borracha pelo mercado internacional

foi ocorrendo o aumento de ingresso de brasileiros em terras acrianas para a extração da

borracha, já que paralelamente a isto aconteceram fatores climáticos, econômicos e

políticos que estimularam este processo, graças às grandes secas nordestinas e a

introdução de imigrantes como mão de obra livre para trabalhar nas lavouras do sudeste.

Somado a isso, existia ainda ações dos governos do Pará e Amazonas interessados no

aumento da produção gomífera.

Assim, com o aumento da quantidade de brasileiros entrando em terras

acreanas, consideradas bolivianas, surgiram problemas sociais, políticos, econômicos e

militares. Pois, ainda que o Acre fosse oficialmente boliviano, conforme reconheceu o

Império e mesmo o governo republicano nos seus primeiros anos, na região não se

encontrava povoados e habitantes bolivianos. Isto porque, a população indígena que

existia no Acre durante o século XIX não tinha cidadania boliviana e nem era

considerada como integrante da sociedade do país vizinho. Desse modo, era como se

para brasileiros e bolivianos os indígenas não representassem uma forma de

povoamento.

De tal modo que os quesitos políticos, econômicos e militares se reuniam e

levaram a “questão do Acre” e seu desenvolvimento, já que entre 1899 a 1903

ocorreram conflitos políticos e militares motivados por questões econômicas, a exemplo

da formação do Bolivian Syndicate, da criação da República do Acre por Luiz Galvez,

do conflito armado liderado por Plácido de Castro (chamado incorretamente de

Revolução Acreana), que foram solucionados com a assinatura do Tratado de Petrópolis

em 17 de novembro de 1903.

Mas, se com o Tratado de Petrópolis se resolveram as disputas com a Bolívia

pela posse do Acre, somente em 1909 se solucionaram os problemas com o Peru (que

Page 92: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

92

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

também queria um pedaço das terras, acrianas). Mas, apesar de tudo isso, o Acre e sua

produção de borracha nativa perderia sua importância no mercado internacional devido

à concorrência dos seringais de cultivo, já que “a produção silvestre foi definitiva

suplantadas em 1913. Nesse ano, enquanto o Brasil produziu 39.370 toneladas, a

produção asiática alcançou 47.618 toneladas.” (SINGER: 1997, p. 329)

A “suplantação” da produção de borracha acreana pelos seringais de cultivo

instalados na Malásia se deve a ação do “ladrão no fim do mundo”, como também ficou

conhecido Sir Henry A. Wickman que transportou as primeiras mudas da seringueira

em 1876 do rio Tapajós até o jardim botânico de Kew situado na capital inglesa

(JACKSON, 2011)13

. Estas sementes originadas da “biopirataria” serviram como base

para a formação de seringais de cultivo instalados em colônias inglesas e holandesas na

Malásia, que controlaram a produção de borracha até a Segunda Guerra Mundial. E

embora vários tenham sido as tentativas para valorizar, estimular e melhorar a qualidade

da produção gomífera amazônica, como o Plano de Defesa da Borracha de 1912, o

Plano Stevenson de1922 e a cessão de terras na Amazônia, a exemplo da Fordlândia de

1927 (SINGER, 1997:330-6) a produção de borracha nativa na Amazônia brasileira só

retoma posição internacional de destaque com a Segunda Guerra Mundial.

Contudo, ao final do conflito a produção gomífera acreana torna-se mais uma

vez secundária. E a crise nos seringais amazônicos se intensificou com a instalação da

Ditadura Civil Militar após março de 1964 no Brasil. E é nesse contexto que se deve

entender a importância do Varadouro – o jornal das selvas como fonte principal desta

monografia;

Assim, se em 1877, ano da grande seca no nordeste brasileiro, o Acre era

propagandeado pelos governos do Amazonas e Pará como possibilidade de riqueza fácil

e alternativa as despossuídos de terras, cem anos mais tarde, quando da primeira edição

do Varadouro - o jornal das selvas – ainda se apresentava a região como solução para a

13 JACKSON, Joe. Tradução: Saulo Adriano. Biografia e Memórias, História e Reportagem. Editora

Objetiva, 2011

Page 93: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

93

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

reforma agrária brasileira. E era no intuito de combater os efeitos negativos da nova

orientação migratória e da reorientação da economia local que o Varadouro surgia.

A linha editorial do periódico defendia a publicação do Varadouro de 15 em 15

dias e o lugar de produção era até um fator determinante para isso, só ressaltando que o

material para produção do jornal vinha de fora e muitas vezes eles não conseguiam

gráfica para rodar o jornal para publicação, o que fazia com que atrasasse a publicação

do mesmo.

O que nos faz voltar às atenções ao corpo redacional do Varadouro ou Jornal

das Selvas, que era composto por um editor: Silvio Martinello, redatores: Celia Pedrina

Rodrigues Alves, Elson Martins da Silveira, Luiz C. Carneiro, Rosa Maria Carcelen,

Silvio Martinello, Terry Vale de Aquino, fotógrafo: Adalberto Dantas, arquivo: Jalva da

Silveira. Enquanto que o corpo técnico era composto por um diretor responsável: Elson

Martins da Silveira e um diretor-financeiro: Abrahim Farhat Neto. O jornal oficialmente

era de uma empresa chamada Macauã LTDA.

Não foi caracterizado no jornal se havia responsáveis por colunas e segmentos

específicos, pois eles não identificaram isso nos periódicos, mas conseguimos perceber

a existência de colabores e que a participação deles se dava através das cartas (que eram

até frequentes).

Observa-se que os membros do Varadouro ainda exercem funções na imprensa

ou na vida pública atual. Abrahim Farhat Neto que era diretor-financeiro do jornal atua

em movimentos sociais e milita no Partido dos Trabalhadores, Já Silvio Martinello

continua desempenhando o papel de jornalista e escreve colunas para o jornal A Gazeta:

O Varadouro sempre circulou com anúncios em suas páginas. Suas

grandes tiragens eram um atrativo para que as empresas veiculassem suas

mensagens publicitárias. O governo do Acre, através de suas estatais, não se

negou a anunciar nas páginas do jornal, mesmo sabendo que o alternativo

não abria mão de sua autonomia e linha editorial; diferenciando de modo

claro e cristalino o que era material da redação, do que era coisa paga: Pão,

pão! Queijo, queijo!” (COSTA SOBRINHO, 2001)

No entanto, as edições iniciais do jornal das Selvas foram custeadas pela Igreja

Católica, já que ainda não se tinha investimentos de empresas que pudessem anunciar

Page 94: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

94

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

no periódico. E embora na primeira edição o editorial no levasse a compreender que o

intuito, o público alvo do jornal eram as pessoas que viviam a margem de sociedade,

verificamos tanto pelas leituras de Costa Sobrinho, quanto pelos anúncios, que os

leitores do periódico não eram apenas aquelas que não tinham estudo, que não tinha voz

e nem vez em nossa sociedade. Ou seja, embora os temas falassem das coisas dos

seringueiros, os ribeirinhos, posseiros, indígenas, todos aqueles trabalhadores que não

tinham oportunidade e nem uma perspectiva de melhores condições de vida, seus

leitores não se limitavam apenas nestes grupos sociais.

De tal forma que, encerramos recordando que o jornal não conseguia se manter

apenas da vendas dos periódicos, tendo duração de apena 4 anos. No entanto, os custos

das publicações eram feitas pelas vendas de exemplares e anúncios nas edições. A

relação entre o público alvo e o jornal se dava por meio de cartas e essas cartas eram

enviadas para o endereço sede do jornal ou eles ligavam para o número de contato que

era disponibilizado junto com o endereço abaixo de cada edição. Os temas tratados no

Varadouro eram muito diversificados e tratavam sobre floresta, meio ambiente, questão

fundiária, mulheres, indígenas. Temáticas pertinentes a serem debatidas naquela época e

ainda hoje, mas, embora as pesquisas estejam inconclusas, o que podemos observar é

que o “jornal nanico” tinha contradições entre os seus anúncios e editoriais.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Marialva. História Cultural da Imprensa: Brasil, 1800-1900. Rio de

Janeiro: Mauad X, 2010.

BARROS, José D’Assunção. A fonte histórica e seu lugar de produção. In: Caderno de

Pesquisa do CDHIS/UFU. v.25, n.2, jul./dez. 2012. p. 407-429. Disponível em:

<http://www.seer.ufu.br/index.php/cdhis/article/view/15209/11834> Acesso em: 04

mar. 2013.

CALIXTO, Valdir de Oliveira; SOUZA, Josué Fernandes de; SOUZA, José Dourado

de. Acre: uma história em construção. Rio Branco: Fundação Cultural, 1985.

Page 95: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

95

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

CRUZ, Heloísa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. Na oficina do

historiador: Conversas sobre História e Imprensa. In: Projeto História: História e

Imprensa, São Paulo, v. 35, ago./dez. 2007. Disponível em:

<http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/2221> Acesso em: 24 abril. 2016.

COSTA SOBRINHO, Pedro Vicente. Comunicação Alternativa e Movimentos Sociais

na Amazônia Ocidental. Paraíba: Editora UFPB, 2001.

DEL PRIORE, Mary; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil. Rio de

Janeiro: Planeta, 2010.

FERREIRA, Paulo Roberto. Mais de 180 anos de Imprensa na Amazônia. 2003.

Disponível em:

http://www.redealcar.jornalismo.ufsc.br/cd3/midia/paulorobertoferreira.doc. Acesso em

24 abril 2016

KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários nos tempos da imprensa

alternativa. São Paulo: Scritta, 1991.

LUCA, Tania Regina. A grande imprensa na primeira metade do século XX. In:

MARTINS, Ana Luiza; LUCA, Tania Regina. História da imprensa no Brasil. São

Paulo: Contexto, 2008.

MACIEL, Laura Antunes. Produzindo notícias e histórias: algumas questões em torno

da relação telégrafos e imprensa – 1880/1920. In: FENELON, Déa R.;

; ALMEIDA, Paulo Roberto (Org.). Muitas Memórias,

Outras Histórias. São Paulo: Olho d’Água, 2005.

. O popular na Imprensa: linguagens e memórias. In: Anais do

XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP.

São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008.

MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2005.

Page 96: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

96

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

PRADO, L.R. A Conferência de Medellín: um momento de reflexão do vaticano ii a luz

da realidade vivida na América Latina. Disponível em:

http://www.congressohistoriajatai.org/anais2012/Link%20(150).pdf . Acesso em:

28/08/2016

PORTELA, Michelle da Costa. A mulher seringueira em Varadouro – um jornal das

selvas. In: Simpósio Temático 19 – Intersecções entre gênero e sociodiversidade

amazônica. Seminário Internacional Fazendo Gênero 8: Corpo, Violência e Poder, 25 a

28 de agosto de 2008, UFSC.

SINGER, Paul. A Borracha na Economia Brasileira da primeira república. In:

CARDOSO, Fernando Henrique; FAUSTO, Boris [et.al.]. Brasil republicano,

estruturas de poder e economia. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. P.314-

336. (História geral da civilização brasileira; t.3.; v.8).

SOUZA, Carlos Alberto Alves de. Varadouros da Liberdade: Empates nos modos de

vida dos seringueiros de Brasiléia – Acre. Tese de Doutorado em História Social, na

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: 1996.

. “Varadouros da Liberdade”: cultura e trabalho entre os

trabalhadores seringueiros do Acre. In: Revista Projeto História. São Paulo: 1998, v. 16,

p.221-231. Disponível em:

<http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/viewFile/11202/8210>. Acesso em: 24

de abril de 2016.

. História do Acre: novos temas, nova abordagem. Rio

Branco: Instituto de Pesquisa ENVIRA, 2002.

TELES, Luciano E. C. O jornal como suporte documental e/ou recurso didático para

aliar transmissão e produção no conhecimento do Ensino de História. Revista Historien

da Universidade de Pernambuco, Campus de Petrolina, Departamento de História.

Disponível em: http://revistahistorien.com.br/arquivos/2014-01-07-12-26-

43Texto09_Luciano%20Everton%20Costa%20Teles.pdf. Acesso em: 14 jun 2014.

Page 97: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

97

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

TOCANTINS, Leandro. Formação Histórica do Acre. 4.ed. Brasília: Senado Federal,

2001. 2 vol.

Varadouro: o jornal das selvas. Ano I, número 1, maio de 1977, edição quinzenal.

WILLIAMS, Raymond; B. JANNUZZI, Ricardo (Tradução); CRUZ, Heloisa de Faria

(Revisão técnica). A imprensa e a cultura popular: uma perspectiva histórica. In:

Projeto História: História e Imprensa, São Paulo, v. 35, ago./dez. 2007. Disponível em:

<http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/2202/1308 > Acesso em: 24 abril.

2013.

JACKSON, Joe. Tradução: Saulo Adriano. Biografia e Memórias, História e

Reportagem. Editora Objetiva, 2011

Page 98: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

98

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

AS LETRAS IMPRESSAS NA SUSTENTAÇÃO E QUESTIONAMENTOS DO

PODER POLÍTICO NO ACRE

Nayara Lessa1

Mestranda pela Universidade Federal do Acre – Letras: Linguagens e Identidades – Rio

Branco, Acre – Brasil – Email: [email protected]

Resumo

O artigo que apresentamos, cuja temática se cruza com minha vida profissional e

estudantil, servindo de bases para minha dissertação de mestrado, é mais uma tentativa

de explorar esse instigante universo dos sentidos e formas escritas que foram utilizadas

pelas elites letradas para exporem sua forma de pensar e de legitimar suas aspirações de

poder.

Os veículos de comunicação desde os tempos passados, assim como hoje, nasciam

como instrumentos de poder. Essas ferramentas habilitavam vários grupos políticos a

dizer o que achavam ser a verdade. Essa era uma alternativa que esses grupos

encontravam, por meio das palavras impressas, em uma sociedade iletrada e pobre, que

seus problemas e desafios seriam extintos com a autonomia do território. Surge desde

então no Acre, essa característica de subserviência proposital e conivente com as forças

dominantes, como se verá, não se apartará de nenhum momento político que passará o

Acre.

Palavras – chaves: poder, comunicação, Acre.

1 – Introdução

O destacado pensador francês, Michel Focault (2005, p.06), disse certa vez que

“A história não tem "sentido", o que não quer dizer que seja absurda ou incoerente. Ao

contrário, é inteligível e deve poder ser analisada em seus menores detalhes, mas

segundo a inteligibilidade das lutas, das estratégias, das táticas.” Dentro desse universo

de inteligibilidade, tomando em conta as estratégias de poder que surgem e que se

locomovem, na chamada história do Acre, a imprensa escrita exerceu e exerce um papel

1 Nayara Maria Pessoa Lessa – Trabalho apresentado na Linha Temática 1 de Jornalismo da V Seacom da Ufac.

Page 99: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

99

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

preponderante para expressar, dizer, afirmar e legitimar tanto as classes que se

sustentam no poder político, como as que a ele almejam.

Nesse jogo de lutas marcantes, vibrantes, cujo prêmio é dominar o

território/espaço de enunciação, os jornais foram armas e armaduras dos projetos

ideológicos e interesses privados, personificados em discurso que, se apresentava para a

coletividade.

O artigo que apresentamos, cuja temática se cruza com minha vida profissional e

estudantil, servindo de bases para minha dissertação de mestrado, é mais uma tentativa

de explorar esse instigante universo dos sentidos e formas escritas que foram utilizadas

pelas elites letradas para exporem sua forma de pensar e de legitimar suas aspirações de

poder. O corte temporal que optamos vai das iniciais manifestações do Acre como parte

integrante da Federação Brasileira, no início do século XX, até o surgimento do Estado

Novo com Getúlio Vargas. Tudo isso numa região onde o analfabetismo era a ordem

do dia e onde a própria história se faz na exclusão que o país lhe materializava2.

2 – Depois das armas, as letras

1904 é a data comemorativa do encerramento dos conflitos entre brasileiros e

bolivianos pelo território que hoje se conhece como Acre. Longe de entrar nas questões

historiográficas que abordam e que condenam a forma como foi contado esse evento3, o

certo é que se fazia necessário inserir não apenas um espaço geográfico à Federação. Os

enormes montantes de recursos oriundos com o extrativismo da borracha, o território

acreano até então não tinha sido pensado. Segundo Bento da Silva:

Após a assinatura do Tratado de Petrópolis, que põe termo

diplomático ao conflito entre brasileiros e bolivianos, a inserção do

2 Nesse universo de luta por expressividade também deve ser considerado os movimentos alternativos que

utilizaram os meios impressos para divulgar suas ideias e pensamentos. Embora não seja prioritariamente

o foco do presente trabalho, como fora detalhadamente abordado na obra de Pedro Vicente (2001) Comunicação Alternativa e Movimentos Sociais na Amazônia Ocidental, esses levantes discursivos

também serão considerados, a fim de que possamos entender como a palavra impressa ajudava nas

construções dos fulcros ideológicos dos diversos grupos políticos que se propagavam no cenário acreano. 3

O grande peso que o Positivismo exerceu na confecção das narrativas historiográficas acreanas sempre

suscitou fortes críticas dos pensadores atuais. Sobre o assunto, ver Gomes Esteves, Do "manso" ao

Guardião da Floresta, 2010, Andrade de Paula, "(Des)envolvimento Insustentável da Amazônia Ocidental", 2012. Além desses autores citados a Universidade Federal do Acre, principalmente, possui

uma enormidade de trabalhos, dissertações e teses, que debatem e protestam contra essa visão positivista

que privilegiou, ao longo dos tempos, a história dos poderosos, bem como buscaram re-significar os sentidos das experiências sociais dos povos que viveram nesse espaço geográfico.

Page 100: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

100

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Acre no mapa brasileiro ocorre de fato e de direito. No entanto, um

problema precisava ser resolvido: que estatuto jurídico se aplicar na

nova unidade federativa que se anexava à nação? Três alternativas

estavam postas para aquela questão: a) ser o novo território

administrado pela União; b) anexa-lo ao Estado amazonense; ou, c)

eleva-lo à condição de Estado autônomo da Nação brasileira.

Prevaleceu a primeira alternativa, uma saída que antes de tudo

beneficiava o Governo Federal no âmbito econômico e político,

desagradando, por sua vez, tanto às oligarquias locais quanto as

regionais, ligadas ao extrativismo da borracha e que tinham enorme

interesse em ter o controle sobre o novo território tornado brasileiro.

(Bento da Silva, 2012, p. 31)

Assim, o poder central passou a administrar diretamente o novo território, rico

em uma matéria-prima que fomentava as indústrias dos países desenvolvidos e que

tinha sido o objeto das disputas travadas anteriormente: a borracha. Como fruto dessa

organização administrativa, foi criado, então três departamentos: o Alto Acre, Alto

Purus e o do Alto Juruá4. Era uma maneira de controlar melhor, levando em conta as

particularidades geográficas que marcam a região, pois, já tinham percebido que as

bacias hidrográficas tendiam a não só isolar, mas também refletir possíveis formas

diferentes de se montar as sociedades nessas três microrregiões. Nomeados pelo poder

central, os interventores tentavam ao menos uniformizar as vontades e conter os ímpetos

das elites locais.

Essa mágoa com o arranjo proposto e imposto pelo centro do poder político

brasileiro já foram percebidos e expressos com veemência nos primeiros jornais

impresso do território. Datados de 1906 e de 1908, o Cruzeiro do Sul e o Alto Purus,

respectivamente, cedo utilizavam suas páginas para demonstrar os descontentamentos

das elites regionais com o trato dado ao Acre. Esquecidos e desprotegidos, esses jornais

sustentavam as revoltas particulares, num discurso que se auto legitimava para falar em

nome de todos. Como se outra formação administrativa fosse garantir melhorias para os

milhares de seringueiros que, locados e confinados no interior da floresta, eram a base

de um sistema de elevado índice de exploração e degradação humana.

O silenciamento dos sujeitos responsáveis pela produção da riqueza da região.

Pouco se encontrou nos periódicos da época alusões mais incisivas sobre os

mecanismos de exploração que justificavam e definiam o modelo extrativista do látex.

Analisando esse singular momento histórico na Amazônia, propiciado por esse sistema

4 Tempos mais tarde, em 1912, foi criado o Departamento do Alto Tarauacá, desmembrado do Alto Juruá.

Sobre o tema ver Bento da Silva (2012).

Page 101: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

101

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

produtivo, Martinello (1988), citando impressões do Senador Eloy de Souza assim

pontua:

[...] nunca em parte alguma do globo houve exemplo de tamanho sacrifício,

nem indústria alguma custou jamais em um país de civilização ocidental, um

tão crescido número de vidas pelo abandono criminosos, despercebido como

estamos de qual ali se perde o mais valioso capital da nação. Os dois relatos

firmados pela autoridade do Dr. Oswaldo Cruz, um referente à defesa

sanitária na construção da Madeira-Mamoré, e o outro, mais recente,

indicando o plano geral da companhia da salubridade a ser empreendida no

Vale do Amazonas, permitiram avaliar os claros abertos no efetivo da

população brasileira com a exploração da borracha, [...] (APUD, Eloy de

Souza, 1967, p. 51). (MARTINELLO, 1988, p. 46)

Afora a omissão citada, O Juruá, na sua edição número 01, no ano de 1906, traz

um discurso altamente conivente com aquilo que se desejava os grupos de poder locais.

Nesse relatório, o coronel Thaumaturgo de Oliveira aponta inúmeras dificuldades

encontradas por ele para gerir o departamento que lhe fora incumbido. Suas queixas são

enormes, mas o que nos interessa é que, ao final do documento, sua aguda consciência

de que escrevia tanto atendia aos interesses dos donos do poder da cidade:

Ao finalizar esse meu segundo relatório, faço votos para que a emérita

presidência do Exm. Sr. Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves, de que

V.Exc.é um poderoso esteio, se encerre com uma esplendente glória – a

sanção da lei da autonomia estadual do Acre. A situação presente é deveras

insustentável, como se viu pelas desastrosas administrações interinas deste

departamento. E sem estabilidade e responsabilidade não há governo que

possa tornar-se prestável. (O JURUÁ, n 01, 03/05/1906, p. 01)

Semelhante lamúria podemos encontrar no Jornal o Alto Purus num texto

editorial bem significativo. Nesse espaço, o editor, após pontuar as recorrentes queixas

de isolamento, falta de assistência do governo central, escassez de recursos e outros

males que assolavam o departamento, alude um tema para todos os protestantes da

ordem administrativa instalada:

Mesmo pondo de parte a consideração de ter sido o Acre conquistado ao

estrangeiro pelos seus próprios habitantes, isto é, pelos que na época da luta

eram domiciliados no atual Departamento do Acre, os únicos que

sacrificaram nessa cruzada benemérita, e o fato, sem precedência na historia

pátria, de ter o território indenizado em curtíssimo prazo ao seu primeiro

possuidor, fazendo efetiva a palavra honrada e patriótica do governo da

União, vê-se sem análise muito cuidadosa, o direito que assiste a essa parte

do país a ter sua autonomia e desenvolvimento, usando em boa parte ou no

todo, os enormes lucros auferidos do seu trabalho pelos cofres públicos e

empregando-os em seu futuro e progresso, como é de toda justiça e

imprescindível necessidade. [...]. (O Alto Purus 01, 04/02/1909, p. 01)

Parafraseando o citado editorial, o que se vê é que os jornais impressos que

surgiam no território do Acre eram, no geral, vozes a serviços de mentalidades sociais

Page 102: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

102

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

que detinham o poder econômico local e que estavam insatisfeitos não apenas com a

situação politica em que se encontrava o Acre, mas sim na certeza de que esse formato

não era de todo útil aos interesses particulares. Queriam, como está claro no referido

jornal participar das polpudas divisas oriundas com as taxações que sofriam o

extrativismo da borracha. Não pretendiam socializar, ou dito de outra maneira, não

cogitavam uma maior participação do povo nas discursões e debates que tivesse como

objeto o futuro da região. Queriam mesmo era poder ter acesso aos recursos para eles

que saiam do Acre e iam promovê-los e serem destinados a outros fins.

Nasciam assim, esses veículos de comunicação, como instrumentos de poder,

ferramentas que habilitavam que grupo poderia dizer a verdade. Era uma tentativa de

legitimar seus discursos mais particulares, por meio das palavras impressas, no seio de

uma sociedade iletrada e carente que deveria aceitar que seus problemas e desafios

seriam sanados com a autonomia do território. Essa característica nascente, de

subserviência proposital e conivente com as forças dominantes, como se verá, não se

apartará de nenhum momento político que passará o Acre.

Em 1921, após as inúmeras críticas que se fazia ao modelo de organização do

território acreano, instala-se um período marcado por governadores nomeados pelo

presidente da República, extinguindo-se o anterior formato de interventores

departamentais. Esse marco, no que pese as epidérmicas mudanças na grade

administrativa, não representou relevantes alterações do ponto de vista social. Serviu

mais para ratificação do poder central, e para novos ensaios de barganhas políticas como

os líderes políticos locais que sempre se manifestaram contra o modelo anterior (Bento

da Silva 2012).

O jornal Folha do Acre, com toda a poética bajuladora possível, alude a esse

novo momento do Território com as seguintes palavras:

O primeiro dia do ano que começa ficará esculpido em letras refulgentes nos

fastos da história acreana. E a cidade de Rio Branco, pedaço do Acre, de

onde irrompera o movimento patriótico que reivindicou para nossa pátria essa

região amada, além de obter a glória de ser o centro, o ponto para onde

convergiram todas as festas, por ter sido escolhida como capital do território,

teve ainda mais a ventura de ver recair a escolha do primeiro governador na

pessoa do sr. Epaminondas Jácome, cidadão que tem convivido em nosso

meio, ex-intendente deste município, aqui bastante estimado e relacionado

por todas as classes sociais.

De modo que tudo cooperou para que a população de Rio Branco se enchesse

de justo entusiasmo, concorrendo com ardor para as festas em homenagem ao

primeiro magistrado do território, não só do dia da chegada de s. exc. Como

nos dias subsequentes. [...]. (Folha do Acre, n 02, 09/85/1921, p. 02)

Page 103: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

103

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Por mais que Epaminondas Jácome5

fosse uma figura bastante conhecida no

circuito político do território, percebe-se existir uma tentativa de fabricar o novo, o

fantástico, o ato que alinharia as ideias e esfriaria as diferenças ideológicas. Por isso, se

verifica a tentativa de falar em nome de todos, mostrando sem cuidados mais

elementares o uso do termo “população de Rio Branco” em sua nota editorial. Não era

tanto a preocupação de que essa mensagem chegasse até os menos interessados pelos

rumores e acontecimentos políticos. Pretendia-se, na verdade, fortalecer o símbolo de

prestígio das personalidades, por meio de sua figuração nas páginas de um símbolo de

comunicação tão importante para consolidar nos iletrados as letras da informação. Dito

de outra forma, fazia parte do projeto de dominação ter uma ferramenta que mesmo sem

ser usado para seu fim principal, a leitura, servia para mostrar que a legitimação da

figura política se media pela presença ou não nesses veículos.

Havia muito mais intenções para além dos adjetivos e elogios tecidos ao novo e

primeiro governador do Território. Uma rede de interesses e motivações faziam as

pontes entre os governantes que chegavam e as classes que dominavam a economia

extrativista e o comércio no território6. O clamor contido no peito das elites regionais

pela autonomia do Acre era amenizado pela importante participação desses sujeitos na

máquina pública. Isso só se dava com todo o mecanismo de influência operando em

forca máxima, pois do contrário o ostracismo seria certo. A esse respeito, Elder

Andrade de Paula diz muito acertadamente que:

Nestas circunstancias, o controle dos postos na burocracia estatal e/ou de

mandatos eletivos, passa a ter uma importância estratégica fundamental como

parte dos negócios da classe dominante local. Esta apropriação do aparato

governamental pelas oligarquias resultou num tipo de patrimonialismo de

base societal muito similar àquele analisado por Franco (1997). Este aspecto

constitui-se, portanto, num dos elementos fundamentais para se compreender

os conflitos políticos intraclasses dominante, que deram contorno à

“modernização” no Acre. (PAULA, 2005, p. 63)

3 – O Estado Novo e o Acre nos jornais da época

Uma nova fase na política brasileira começaria a partir de 1937 com o

surgimento do chamado Estado Novo: momento histórico em que Getúlio Vargas, então

5 Epaminondas Jácome tinha sido prefeito departamental e vivia no Acre por muito tempo, tendo mesmo

participado dos conflitos entre os brasileiros e os bolivianos pela posse do território acreano e tido por

herói na narrativa oficial. 6

Andrade de Paula afirma que o poder oligárquico no Acre tinha auferido muitos benefícios

anteriormente com a ausência do Estado. Isso representava a livre ação dos grupos políticos que

dominavam o cenário em todos os seguimentos da sociedade. A lei e a ordem saiam de suas

conveniências e necessidades, personificando em suas imagens o próprio poder. A esse respeito ver

Andrade de Paula p. 60 da obra (Des) Envolvimento Insustentável na Amazônia Ocidental.

Page 104: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

104

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

presidente do país, aponta com novos rumos para a nação. Essas mudanças estavam

muito alinhadas com os novos ventos que sopravam na Europa, onde duelavam duas

ideologias bem definidas, democracia liberal e nacionalismos totalitaristas. Uma tendo à

frente a Inglaterra e França; outra encontrava, nos modelos de alemães e italianos, Hitler

e Mussolini respectivamente, suas melhores expressões.

Internamente, o que se verificou foi uma tendência proposta por Vargas de

assimilação e controle da estrutura de todo o Estado, bem como uma vigilância eficiente

dos núcleos de poder espalhado por todo território nacional. Ao mesmo tempo em que

visualmente perfilava os ditames totalitaristas, Vargas também vai flertar com o outro

lado, elaborando uma política dúbia, sem definição completa, que se entendia mais

quando se verificava seu fim: melhorias nas estruturas produtivas do país.

Abordando esse momento histórico, Bento da Silva aponta que:

[...] com o advento da ditadura varguista, finda a fase dos interventores

Federais. Porém, o Acre permaneceu sendo governado por indicações

emanadas do palácio do Catete, mesmo na fase de ocaso do Estado Novo.

Contudo, é neste período, após o fim do Estado Novo, que o Acre passa ter

partidos políticos de expressão nacional organizados em todo o Território.

Sendo que as agremiações de maior significado e peso foram o Partido Social

Democrático – PSD e o Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, tendo à frente

figuras que serão sem dúvida as maiores referências personalistas da política

local nos anos 40 e 50: José Guiomard Santos (PSD) e Oscar Passos (PTB).

Ambos irão travar, juntamente com seus seguidores, disputas acirradas não só

em épocas de eleições, como também nas indicações dos cargos federais para

seus correligionários e na luta pela viabilidade, ou não, da autonomia

acreana. (Bento da Silva, 2012, p. 46)

4-O mundo de casa é uma fronteira

Para Friedrich Ratzel a fronteira é concebida como involucro do Estado que

pode ser alterada, já que é considerada como a “pele” do corpo territorial do Estado,

dilatável de acordo com sua vontade e poder. O termo fronteira se refere a uma linha

divisória – concreta ou imaginária – entre algo que conhecemos e que, em certo sentido

nos pertence e algo que desconhecemos.

“O ‘poder’ corresponde à habilidade humana de não apenas agir,

mas de agir em uníssono, em comum acordo. O poder jamais é

propriedade de um individuo; pertence ele a um grupo e existe

apenas enquanto o grupo se mantiver unido. Quando dizemos

que alguém está ‘no poder’ estamos na realidade nos referindo ao

fato de encontrar-se esta pessoa investida de poder, por um certo

número de pessoas, para atuar em seu nome. No momento em

que o grupo, de onde originara-se o poder (potestas in populo,

sem um povo ou um grupo não há poder), desaparece, ‘o seu

poder’ também desaparece” (ARENDT, 1985:24)

Page 105: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

105

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

É na origem um termo de divisão que designa um limite de domínio, ou seja,

das fronteiras politicas que possuem além das “funções estratégicas ou geo-militares

(defensiva e ofensiva) e diplomáticas, a de surgirem como barreira alfandegaria,

migratória ou sanitária” (FOUCHER, 1991, 39).

A fronteira é considerada também como a zona de interação de “cidadãos

fronteiriços”, que além de ser com frequência bilíngue, se beneficia do ambiente multi-

cultural característica de uma zona fronteiriça. Nos seus mais variados aspectos como:

trabalho, contravenção, consumo, defesa e disputa; reconhecendo, que o outro lado da

fronteira tem outra lei.

Retomando ao conceito de território, é imperioso que saibamos

despi-lo do manto de impotência com o qual se encontra, via de

regra, adornado. A palavra território normalmente evoca o

“território nacional” e faz pensar no Estado – gestor por

excelência do território nacional -, em grandes espaços, em

sentimentos patrióticos (ou mesmo chauvinistas), em governo,

em dominação, em “defesa do território pátrio”, em

guerras..(SOUZA, 1995, 81).

As fronteiras são as estruturas espaciais elementares, de forma linear, com

função de descontinuidade geopolítica, de marca e de referencia, sobre os três registros

do real, do simbólico e do imaginário. A função da realidade é o limite espacial do

exercício de uma soberania em suas modalidades próprias: linha aberta, entreaberta e

fechada. O simbólico remete ao pertencimento a uma comunidade politica inscrita num

território que lhe pertence. O imaginário conota a relação ao outro, vizinho, amigo ou

inimigo, portanto a relação consigo mesmo, a sua própria historia e de seus mitos

fundadores, ou destruidores. (FOUCHER 1991:38).

Unir ou separar é o que fazem fronteiras e limites. Unem ou separam

territórios. É a formação de um território, por conseguinte, assim como as fronteiras é

parte das relações de poder. Não é natural e sim faz parte de disputa de poderes. O

termo fronteira é usualmente confundido com a ideia de limite, de uma linha divisória.

Fronteiras e limites usualmente são associados a mesma coisa, ou não são. O limite é o

“sinal de contato entre os dois ou mais territórios” e a fronteira e o “sinal de contato

entre dois ou mais territórios” (HISSA, 2002: 34). O sentido da fronteira em sua origem

não era de fim, mas do começo do Estado, o lugar para onde ele tenderia a se expandir.

(FOUCHER, 1986).

Page 106: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

106

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Conclusão

É imprescindível que, diante dos argumentos expostos, o território acreano sempre

foi palco para os desmandos políticos. Assim estudar sobre esse tema, pesquisar e analisar

as fontes nos possibilitou aprofundar-se no conhecimento acadêmico, ter um crescimento

profissional e desenvolver a ampliação do olhar sobre a realidade da política e do

jornalismo acreano, vivenciados no período proposto.

O poder politico vivenciado na época analisada, assim como hoje, necessitava ser

visto de alguma forma. Os jornais eram simples diários políticos. A importância em ser

citado nesses jornais impressos era sinônimo de prestígio e poder. Exatamente o que

procuravam e procuram os políticos do passado e do presente.

Bibliografia

Livros

ARENDT, Hannah (1985/1969). Da violência. Brasilia, Editora da Universidade de

Brasília.

FOUCHER, M. L’Invention des Frontières. Paris: Fondation pour les Études de

Défense Nationale, 1986.

FOUCHER, Michel. Fronts et Frontières: un tour du monde géopolitique. Paris:

Fayard, 1991.

FOUCHER, Michel. Obsessão por Fronteiras. São Paulo: Radical Livros, 2009.

HISSA, Cássio Eduardo Viana. A Mobilidade das Fronteiras: interseções da geografia

na crise da modernidade. Belo Horizonte: Humanitas, 2006.

LLOSA, Mário Vargas, 2010, El sueño del celta, Santillana Ediciones Generales, S.L.

MARTINELLO, Pedro, 1985, A “Batalha da borracha” na segunda guerra mundial

e suas consequências para o vale amazônico. São Paulo, 1985, 368 p.;

MORAIS, Maria de Jesus. Acreanidade: invenção e re-invenção da identidade

acreana. Tese (doutorado em Geografia) Niterói, UFF, 2008.

Page 107: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

107

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

MORAIS, Maria de Jesus. O discurso da Acreanidade: ambiguidades e consensos.

In: Gerson Rodrigues Albuquerque, Maria Antonieta Antonnaci. (Org.). Desde as

Amazônias: colóquios.. 1ed.Rio Branco: Nepan, 2014, v. 1, p. 191-236.

MORAIS, Maria de Jesus.; PAULA, Elder Andrade de. . Nos Labirintos das

Fronteiras Amazônicas. In: VALÊNCIO, N., PAULA, E. A., Witkoski, A.. (Org.).

Processos de Territorialização e Identidades Sociais. Vol. 1. 1ed.São Carlos: RiMa,

2010, v. 1, p. 41-60.

PAULA, Elder Andrade de, (Des) Envolvimento insustentável na Amazônia

Ocidental: dos missionários do progresso aos mercadores da natureza. Rio Branco:

EDUFAC, 2005. 383 p. (Série Dissertações e Teses 7);

PAULA, Elder; Capitalismo verde e transgressões: Amazônia no espelho de

Caliban. Dourados. EDUFGD, 2013.

SILVA, Francisco Bento da, 1970 – Autoritarismo e personalismo no poder

executivo acreano, 1921-1964/Francisco Bento da Silva – Rio Branco: EDUFAC,

2012. 144 p. :il 15cm;

SOUZA, Marcelo Lopes de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e

desenvolvimento. In: CORREA, Roberto Lobato. Geografia: conceitos e temas. Rio de

Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

Jornais

Jornal Folha do Acre, Rio Branco, Acre, nº 02, 09/85/1921, p. 02

Jornal O Alto Purus, Sena Madureira, Acre, 01, 04/02/1909, p. 01

Jornal, O Juruá, Cruzeiro do Sul, nº 01, 03/05/1906, p. 01

Revista

MORAIS, Maria de Jesus. A questão fronteiriça como mito fundador do Acre e dos

acreanos. Muiraquitã (UFAC), v. 2, p. 123-140, 2014.

Page 108: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

108

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

CAMPANHA “ACRE SOLIDÁRIO”: A COBERTURA NA AGÊNCIA DE

NOTÍCIAS DO ACRE1

Priscila Cristina Miranda de Araújo

2

Francielle Maria Modesto Mendes3

Universidade Federal do Acre, Rio Branco, AC

Resumo

Essa pesquisa busca analisar dez matérias relacionadas à campanha O Acre Solidário

publicadas pela Agência de Notícias do Acre, site do governo do Estado, no período da

alagação do ano de 2015. O objetivo do trabalho é discutir o sentimento de

solidariedade instigado pelos textos jornalísticos do site e a promoção das autoridades

políticas locais por intermédio da campanha. A campanha O Acre Solidário tem como

objetivo arrecadar alimentos e utensílios para os atingidos pela alagação. A campanha

não busca soluções prolongadas e sim apenas resolver o problema evidente no

momento, mesmo ele sendo recorrente. Como referencial bibliográfico foram usados

autores como: Eni P. Orlandi (2010), Eugênio Bucci (2004), Manuel Castelles (1999),

entre outros.

Palavras-chave: Acre Solidário, Cobertura Jornalística, Agência de Notícias do Acre.

Introdução

O presente artigo faz parte do projeto de pesquisa intitulado “Jornalismo e Meio

Ambiente – os diálogos possíveis”. O objetivo dessa pesquisa é analisar e debater os

textos publicados no site Agência de Notícias do Estado de Acre referente à campanha

Acre Solidário na alagação que ocorreu em 2015.

O site Agência de Notícias do Acre foi fundado em novembro de 2007 e

funciona como parte do Sistema Público de Comunicação do Governo do Estado do

1 Trabalho apresentado na Linha Temática LT5 - Interfaces Comunicacionais da V Semana Acadêmica de

Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016 na Universidade Federal do Acre. 2

Acadêmica do 8º período de Comunicação Social/ Jornalismo da Universidade Federal do Acre.

E-mail:[email protected] 3Orientadora do trabalho. Professora doutora do curso de Comunicação Social/Jornalismo da

Universidade Federal do Acre. Email: [email protected].

Page 109: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

109

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Acre. O idealizador e criador da Agência de Notícias do Acre foi o jornalista Itaan

Arruda Dias.

Na pesquisa foram encontrados 53 textos relacionados à campanha do Acre

Solidário, no período de 6 de janeiro e 6 de maio de 2015. Para a análise, foram

escolhidos dez textos: “Acre Solidário: doações da PM serão entregues às famílias de

Tarauacá”, “Acre Solidário anuncia campanha para ajudar desabrigados”, “Servidores

públicos realizam trabalho voluntário em abrigos”, “Entidades e organizações aderem à

campanha do Acre Solidário”, “Artistas em ação solidária realizam show Águas de

Março em Rio Branco”, “Campanhas de arrecadação se espalham pelo país”, “Povo

acreano se solidariza com afetados pela alagação”, “Acre Solidário recebe doações de

empresa parceira”, “União: Fecomércio entrega doações ao Acre Solidário e Rio Branco

Amiga” e “Doações fazem a diferença no apoio às vítimas da alagação”.

Acre Solidário

O Acre Solidário é uma campanha que foi criada em 2011, com o objetivo de

arrecadar donativos às famílias atingidas pelas cheias no Acre. Em janeiro de 2015,

apresentou um novo slogan: Acre Solidário – Atitude e Cidadania. Segundo os

organizadores do movimento, a iniciativa não é ONG nem instituição.

Frente a essa questão de solidariedade, a Agência publicou a matéria intitulada

“Acre Solidário presta contas de ações e lança nova logomarca do movimento”, escrita

pela repórter Ana Paula Pojo em 09 de junho de 2015. O texto inicia apontando a

prestação de contas da campanha de arrecadação feita no período da enchente de 2015 e

o lançamento da nova logomarca.

Segundo matéria4

publicada pela Agência para prestação de contas, o Acre

Solidário conseguiu arrecadar 437 toneladas de cestas básicas e 475 toneladas de

produtos diversos. Mais de 78 mil peças de roupas foram doadas e a conta SOS

enchente Rio Acre recebeu doações de muitos estados do Brasil, resultando em mais de

4 A publicação está disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/acre-solidario-presta-contas-de-acoes-e-

lanca-nova-logomarca-do-movimento/. Acessado em 10 de maio de 2016.

Page 110: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

110

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

R$ 800 mil reais, totalizando quase 10 mil cestas básicas distribuídas.

A solidariedade promovida

Para Telma Mariasch (2004), os movimentos de solidariedade surgem a partir de

experiências de exclusão social do outro, uma oportunidade para começar uma

campanha com o objetivo de gerar comoção e com isso ganhar visibilidade política e

social.

Multidões dispostas a assumir suas vidas e lutar pelos direitos que

surgem dos seus desejos; grupos que, através da solidariedade,

adquirem uma nova vida, se singularizam. Experiências espalhadas de

minorias mostram que, se é necessário, logo, é possível.

(MARIASCH, 2004, online).

É possível notar nos textos analisados que, diversos grupos sociais e instituições

estão envolvidos direta e indiretamente com a campanha. Nas matérias aqui estudadas é

possível perceber o envolvimento de muitos órgãos e empresas.

Manuel Castells (1999) traz uma importante reflexão sobre o envolvimento das

grandes empresas. As empresas, inclusive as responsáveis por uma grande emissão de

poluentes, passaram a incluir a questão ambiental em sua agência de relações públicas, e

também em seus novos e mais promissores mercados. Segue o pensamento do autor:

Em todo o mundo, a velha oposição simplista entre os conceitos de

desenvolvimento para os pobres e preservação para os ricos tem-se

transformado em um debate em diversos níveis acerca da

possibilidade real de desenvolvimento sustentado para cada país,

cidade ou região (CASTELLS, 1999, p.141).

O autor (1999) traz a reflexão sobre o conceito de “desenvolvimento” para os

pobres e de “preservação” para os ricos. Segundo ele, o mundo inteiro está debatendo

questões ambientais o que faz com que as grandes empresas se atentem a esse tema e

procurem de alguma forma se inserir no debate sobre as questões a respeito do Meio

Ambiente.

A campanha do Acre Solidário tem um objetivo muito pontual e claro, arrecadar

e distribuir alimentos e utensílios para os atingidos pelas enchentes. No entanto, não se

Page 111: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

111

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

escuta falar da campanha além desse período de calamidade. A campanha não busca

soluções prolongadas e sim resolver o problema evidente no momento, apesar de ser

recorrente. Ao analisar os textos publicados pelo site, é possível perceber o

desenvolvimento diário da campanha. Nas matérias é revelado os nomes dos envolvidos

que, aparecem tanto, talvez até mais, que os atingidos pela calamidade. O cidadão

comum que foi afetado não tem voz.

Para Eni Orlandi (2010), entre o dizer e o não dizer desenrola-se todo um espaço

de interpretação no qual o sujeito se move. É preciso, portanto, analisar também o não

dito, as vozes que aparecem e que ocultam outras. O cidadão que não é escutado dá

espaço para falas de empresários que usam a solidariedade para se promover

Na matéria “Acre Solidário: doações da PM serão entregues às famílias de

Tarauacá”, publicada no dia 09/02/2015, escrita por Rayele Oliveira, relata que a

primeira-dama do Estado, coordenadora do programa Acre Solidário, Marlúcia Cândida

recebeu mais de 180 sacolões entregues pela turma de soldados da Polícia Militar e

agradeceu o empenho: “Fico muito feliz em ver a mensagem do Acre Solidário tocando

ainda mais as pessoas que já têm um bom coração. Essas doações vão ajudar muitas

famílias” (OLIVEIRA, 2015, online).

Nas falas da primeira dama é possível notar o apelo a esse sentimento de

solidariedade. Movido por esse apelo muitas pessoas se sentem na obrigação de ajudar.

Os sentimentos de tentar fazer seu papel como cidadão é instigado, porém o que não é

analisado é o não dito, o papel do estado. Não se questiona os problemas e muito menos

as soluções dadas pelo estado para amenizar a situação. O que deveria ser decidido e

resolvido pelo estado é transferido para o cidadão comum.

Nas entrelinhas das matérias sobre a campanha, é possível perceber que o

cidadão comum é instigado a ser solidário como uma tentativa de resolver um problema

recorrente no estado. A calamidade causada pelas alagações acontece todo ano e o

governo tenta soluções provisórias para diminuir as consequências, porém o assunto só

vem à tona quando a tragédia realmente acontece. Vários fatores influenciam essas

questões. Mas cabe ao estado a responsabilidade de uma solução permanente.

Page 112: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

112

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Já na matéria “Acre Solidário anuncia campanha para ajudar desabrigados”,

publicada em 23/02/2015 e escrita por Ana Paula Pojo, é possível notar que o foco não é

os benefícios da campanha e sim quem está coordenando. Logo, no início, é possível

perceber os nomes dos envolvidos e só, posteriormente, são citadas as famílias

atingidas.

A vice-governadora Nazaré Araújo, juntamente com a diretora da

Casa Civil, Walnízia Cavalcante, a secretária de Comunicação,

Andréa Zílio, e o porta-voz do governo, Leonildo Rosas,

anunciou, nesta segunda-feira, 23, que o Acre Solidário

inicia campanha para ajudar as famílias atingidas pelas enchentes que

ocorrem no estado. (POJO, 2015, online)

Mariasch (2004) destaca que há uma tendência no sujeito de querer ser solidário

para atrair atenção para si. Isso faz com os envolvidos ganhem mais visibilidade do que

a própria campanha. A autora afirma que muitas campanhas atuam como um

assistencialismo:

Através da desconstrução da “função” de tais campanhas solidárias,

elas se posicionam como um assistencialismo que atua como mero

paliativo, reforçando em certo sentido a aceitação da exclusão e da

miséria, sem se orientar para a transformação de suas causas.

(MARIASCH, 2004, p. 164).

O pensamento de Mariasch reforça a ideia de que a campanha adota medidas

paliativas, sem interesse em uma prevenção permanente, ou até mesmo um

acompanhamento dos atingidos pela catástrofe. O sentimento de solidariedade é

reforçado sem reflexão das causas da alagação, que vão além da catástrofe natural.

Na matéria “Servidores públicos realizam trabalho voluntário em abrigos”

publicada no dia 27/02/2015 e escrita por Márcia Moreira, relata o envolvimento de

todas as secretarias do Estado: “O trabalho integra os servidores públicos e auxiliará no

atendimento social em Rio Branco, Xapuri, Brasileia e Epitaciolândia” (MOREIRA,

2015, online).

A secretária de Gestão Administrativa, Sawana Carvalho, explica na matéria que

os órgãos unem esforços para ajudar as famílias: “Todos os anos os servidores públicos

Page 113: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

113

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

prestam esse trabalho voluntário. É um trabalho de solidariedade” (MOREIRA, 2015,

online).

Ao dizer que todos os anos os servidores públicos realizam esse trabalho

voluntário, Carvalho demostra conformismo com a situação. O sentimento de que a

alagação sempre acontecerá e que todo ano haverá voluntários, não instiga a pensar em

uma possível solução, um fim para esse ciclo.

Na matéria seguinte, “Entidades e organizações aderem à campanha do Acre

Solidário”, publicada em 01/03/2015, escrita por Rose Farias, aborda a ação humanitária

do Acre Solidário, a adesão de várias entidades, organizações e colaboradores entre eles

estão, a Liga de Quadrilhas Juninas do Acre (Liquajac), os empresários do setor de

entretenimento, a União do Som Automotivo do Acre (USA), a operadora Vivo,

produção do show do Rappa, Clube de Motociclistas, a loja Vidon e outros voluntários.

Nota-se uma preocupação em identificar os apoiadores da campanha. Para Eugênio

Bucci (2004), “um traço especialmente interessante nessa solidariedade de mercado é a

sua relação com a visibilidade”. E o autor completa:

Essa solidariedade não precisa ser sentida ou, por assim vivenciada,

mas precisa ser vista, exibida, mostrada, ostentada. Mas não assim, de

chofre, de uma vez. Estamos aqui falando de uma espécie de

ostentação que se faz por dissimulações. Para muitos, e há os que

dizem isso abertamente, a solidariedade é um investimento (BUCCI,

2004, p. 183).

Segundo Bucci (2004), há uma necessidade de se tornar visível. É possível notar

que todos os doadores e colaboradores do Acre Solidário são citados e identificados.

Alguns exaltados e elogiados, tornando esses sujeitos mais visíveis que os próprios

atingidos pela enchente.

A matéria “Artistas em ação solidária realizam show Águas de Março em Rio

Branco”, publicada em 02/03/2015, escrita em Rose Farias, relata o gesto solidário de

um grupo de artistas que realizará um show chamado “Águas de Março” com o apoio

cultural da Fundação Elias Mansour (FEM). Segue trecho da matéria:

Page 114: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

114

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Os artistas usarão a sua arte para ajudar às famílias atingidas. É o

momento de também motivar às pessoas, de dar força e ânimo para

que toquemos à vida para frente, mesmo com uma situação tão difícil.

É um momento de doar e se doar (FARIAS, 2015, online).

Na matéria fica evidente que todos os setores do governo estão mobilizados para

o exercício da solidariedade. Novamente, encontra-se um apelo para o cidadão se

solidarizar e também doar. O trecho “tocar a vida em frente mesmo com uma situação

difícil” é o reflexo do sentimento de otimismo que é instigado.

Já o texto “Campanhas de arrecadação se espalham pelo país”, publicada

03/03/2015 e escrita por Miriane Teles, relata que a catástrofe natural ganha repercussão

nacional. No texto, é citada a campanha de arrecadação do publicitário André Medeiros,

acreano que mora em Brasília. Medeiros criou uma página na internet chamada

“ACREdite na Solidariedade”.

Esses textos refletem o alcance da campanha e os envolvidos. Mas em nenhuma

das matérias é possível encontrar um debate mais amplo, que revele as origens dessa

catástrofe. Não há uma reflexão histórica, o que se vê é um fragmento do resultado de

falhas humanas.

Na matéria “Povo acreano se solidariza com afetados pela alagação” publicado

em 04/03/2015 e escrita por Larissa Costa aborda o sentimento de solidariedade do

povo acreano. Nesse texto, algumas empresas e pessoas são citadas. Na fala de uma

colaboradora: “A necessidade da população que está precisando em Rio Branco nos

motivou a tomar essa iniciativa” (COSTA, 2015, online).

O que foi silenciado no discurso também é absorvido pelos que o consumem e

deve ser analisado. Para Orlandi (2010), o não dito é tão importante quanto o que é dito.

Para a autora, há muitas interpretações e conceitos embutidos nas entrelinhas. Na

análise, é importante fazer novas leituras entre o dizer e o não dizer.

Se as novas maneiras de ler, inauguradas pelo dispositivo teórico da

análise de discurso, nos indicam que o dizer tem relação com o não

dizer, isto deve ser acolhido

Page 115: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

115

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

metodologicamente e praticado na análise. (ORLANDI, 2010, online).

Na matéria “Acre Solidário recebe doações de empresa parceira”, publicada em

04/03/2015, escrita em Rayele Oliveira, relata as contribuições de entidades, instituições

públicas e empresas de setor privado. O gerente geral do Atacadão Cláudio Bonfim diz

que:

Neste momento é essencial que cada um faça a sua parte para que a

população possa enfrentar a situação da forma menos dolorosa

possível. A gente sente muito porque até muitos de nossos

colaboradores estão sofrendo com a alagação e tendo dificuldades

para vir ao trabalho. Fazemos o que é possível. (OLIVEIRA, 2015,

online).

Na matéria “União: Fecomércio entrega doações ao Acre Solidário e Rio Branco

Amiga”, publicada em 14/03/2015, e escrita por Rayele Oliveira, há relato de que a

Federação do Comércio entregou um montante de R$ 2,5 milhões convertidos em cestas

básicas, kits de limpeza e de higiene, fraldas descartáveis e outros produtos ao Acre

Solidário e Rio Branco Amiga, coordenados pelas primeiras-damas do Estado, Marlúcia

Cândida, e do município, Gicélia Viana. Durante a entrega, o prefeito de Rio Branco,

Marcus Alexandre, falou da importância de unir forças: “Ninguém sozinho suportaria

tanta tragédia. Só com a ajuda de todos é que conseguimos passar por tudo isso”.

(OLIVEIRA, 2015, online).

A frase do prefeito instiga a pensar na responsabilidade de toda a população e

silencia a responsabilidade do estado quanto às soluções emergentes. Orlandi (2010)

traz um importante debate sobre o silêncio. O não dito fica em silêncio. Um silêncio que

indica que o sentido pode sempre ser outro: “as relações de poder em uma sociedade

como a nossa produzem sempre a censura, de tal modo que há sempre silêncio

acompanhado as palavras”. (ORLANDI, 2010, p. 83).

A matéria “Doações fazem a diferença no apoio às vítimas da alagação”,

publicada em 24/03/2015, e escrita por Samuel Bryan afirma que as cidades acreanas

Page 116: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

116

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

estão vivendo a maior alagação de sua história em 2015, a situação de calamidade

pública atingiu grande parte do Estado. Mais de 130 mil pessoas foram afetadas pela

cheia dos rios.

E com milhares de desabrigados, só o poder público estadual não foi

capaz de cuidar da situação. Por intermédio principalmente do apoio

do governo federal e do movimento Acre Solidário, outro elemento

faz a diferença neste momento difícil: a solidariedade. (BRYAN,

2014, online)

Para Mariasch (2004), ser “solidário está na moda, é politicamente correto e se

apresenta no cenário social como possível saída para as mazelas da humanidade em

tempos de globalização imperial, de exclusão e crescente miséria” (MARIASCH, 2004,

p. 163).

Solidariedade ambiental x Precaução

Clarisse Marques (2012) traz um importante questionamento sobre a

solidariedade. Ela questiona se a solidariedade, como fundamento de preservação

ambiental, “justifica a imposição de limites aos sujeitos existentes frente aos sujeitos

não-nascidos por meio da exigência de uma postura de prevenção, em nome da

promoção do direito ao meio ambiente”. (MARQUES, 2012). Para a autora (2012), é

possível mudar a tendência de um comportamento de estado de urgência e antecipar as

consequências.

Além disso, a solidariedade ambiental trouxe consigo a discussão

sobre a necessidade de uma mudança de perspectiva que possa

introduzir na rede de decisões uma sistemática de antecipação das

consequências capaz de substituir a tendência de um comportamento

de estado de urgência. Ou seja, que o comportamento tendente a

cristalizar o provisório como permanente possa ser substituído por

uma noção ampliada de futuro. (MARQUES, 2012, online).

Page 117: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

117

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Raquel Duarte Venturato Landdman e Norma Valencio (2014) fizeram um

estudo intitulado “A Alagação Ofende”. No estudo, as pesquisadoras debatem as

consequências dessas alagações, os motivos evidentes mais que nem sempre são

refletidos nos meios de comunicação. Entre as causas, citam a acelerada urbanização

das cidades. Uma urbanização desorganizada.

Que fatores levam as enchentes a se tornarem um desastre no Acre?

Por um lado, a forma acelerada de urbanização das maiores cidades

acreanas tem sido similar ao que ocorre no restante das cidades na

Amazônia brasileira, onde se destaca o inchaço das periferias urbanas

desatendidas nos serviços de infraestrutura básica e demais políticas

públicas. (LANDDMAN; VALENCIO, 2014, online)

Landdman e Velancio (2014) trazem uma importante reflexão sobre as

enchentes recorrentes no Acre. Em nenhum dos 53 textos publicados, e muito menos

nos 10 textos analisados foi possível encontrar uma reflexão sobre a urbanização

acelerada da cidade e, principalmente, ao redor do rio, onde se localiza o centro

comercial da cidade.

Segundo Landdman e Velancio (2014), o “inchaço” das periferias urbanas é

descontrolado e, portanto, não acompanhado pelo estado. Não há preocupação com a

infraestrutura básica e demais políticas públicas para abrigar ou locomover essas

pessoas. Essa solidariedade ambiental pode ser substituída por cautela e prevenção.

Considerações finais

Nos textos retirados do site Agência de Notícias do Acre referente à campanha O

Acre Solidário foi possível observar que o conteúdo discursivo demostra a promoção

das autoridades políticas locais. Quando acontece uma catástrofe como a alagação, que

desabriga muitas famílias, o estado deveria tomar como um momento importante para

Page 118: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

118

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

se discutir questões ambientais e habitacionais. Porém, não é o que se encontra nos

textos publicados pelo site.

O enfoque é nas ações dos gestores, o governador Tião Viana, sua esposa, a

vice-governadora Nazaré Araújo e alguns ministros, pertencentes ao mesmo grupo

político dos gestores locais. Nas matérias, os nomes dos envolvidos é mais evidente do

que os atingidos pela calamidade. As vítimas são deixadas de lado para dar lugar ao

protagonismo dos envolvidos. A busca por resolver um problema evidente silencia o

debate sobre as consequências dessa catástrofe.

Na análise, foi possível perceber que a superficialidade dos textos não gera o

pensamento crítico do leitor em um momento que deveria ser usado para refletir os

problemas sociais e ambientais. Foi possível analisar o discurso, o não dito, as vozes

que aparecem e que ocultam outras. O cidadão que não é escutado dá espaço para falas

de pessoas que usam a solidariedade como autopromoção social e política.

Referências bibliográficas

BRYAN, Samuel. Doações fazem a diferença no apoio às vítimas da alagação. Disponível

em: http://www.agencia.ac.gov.br/doacoes-fazem-a-diferenca-no-apoio-as-vitimas-da-alagacao/.

Acessado em 10 de maio de 2016.

BUCCI, Eugênio, KEHL, Maria Rita. Videologias: ensaios sobre televisão. São Paulo:

Boitempo, 2004.

CASTELLES, Manuel. O Poder da Identidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.

COSTA, Larissa. Povo acreano se solidariza com afetados pela alagação. Disponível em:

http://www.agencia.ac.gov.br/povo-acreano-se-solidariza-com-afetados-pela-alagacao/.

Acessado em 10 de maio de 2016.

FARIAS, Rose. Acre Solidário recebe doações de empresa parceira. Disponível em:

http://www.agencia.ac.gov.br/acre-solidario-recebe-doacoes-da-rede-de-humanizacao-para-a-

campanha-do-agasalho/. Acessado em 10 de maio de 2016.

FARIAS, Rose. Artistas em ação solidária realizam show Águas de Março em Rio Branco.

Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/artistas-em-acao-solidaria-realizam-show-aguas-

de-marco-em-rio-branco/. Acessado em 10 de maio de 2016.

Page 119: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

119

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

FARIAS, Rose. Entidades e organizações aderem à campanha do Acre Solidário.

Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/entidades-e-organizacoes-aderem-a-campanha-

do-acre-solidario/. Acessado em 10 de maio de 2016.

LANDMANN, Raquel Duarte Venturato; VALENCIO, Norma. A Alagação Ofende:

considerações sociológicas acerca de um desastre silente no Alto Juruá, Acre, Brasil. 2014. Disponível em: http://periodicos.ufpa.br/index.php/ncn/article/view/1830. Acessado em

06 de janeiro de 2016.

MARIASCH, Telma Lilia. Solidariedade por Convivência: Subjetividade e filosofia do

desejo. Disponível em: http://uninomade.net/wp-

content/files_mf/113003120826Solidariedade%20subjetividade%20coletiva%20e%20filosofia

%20do%20desejo%20-%20Telma%20Mariasch.pdf. Acessado dia 05 janeiro de 2016.

MARQUES, Clarissa. Meio Ambiente, solidariedade e futuras gerações. Disponível em:

www.periodicos.ufc.br/index.php/nomos/article/download/350/332. Acessado em 06 de janeiro

de 2016.

MOREIRA, Márcia. Servidores públicos realizam trabalho voluntário em abrigos.

Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/servidores-publicos-realizam-trabalho-voluntario-

em-abrigos/. Acessado em 10 de maio de 2016.

OLIVEIRA, Rayane. Acre Solidário: doações da PM serão entregues às famílias de

Tarauacá. Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/acre-solidario-doacoes-da-pm-serao-

entregues-as-familias-de-tarauaca/. Acessado em 22 de dezembro de 2015.

OLIVEIRA, Rayele. União: Fecomércio entrega doações ao Acre Solidário e Rio Branco

Amiga. Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/uniao-fecomercio-entrega-doacoes-ao-

acre-solidario-e-rio-branco-amiga/. Acessado em 10 de maio de 2016.

ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso. São Paulo: Pontes, 2010.

POJO, Ana Paula. Acre Solidário anuncia campanha para ajudar desabrigados. Disponível

em: http://www.agencia.ac.gov.br/acre-solidario-anuncia-campanha-para-ajudar-desabrigados/.

Acessado em 10 de maio de 2016.

POJO, Ana Paula. Acre Solidário presta contas de ações e lança nova logomarca do

movimento. Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/acre-solidario-presta-contas-de-

acoes-e-lanca-nova-logomarca-do-movimento/. Acessado em 10 de maio de 2016.

TELES, Miriane. Campanhas de arrecadação se espalham pelo país. Disponível em:

http://www.agencia.ac.gov.br/campanhas-de-arrecadacao-se-espalham-pelo-pais/. Acessado em

10 de maio de 2016.

Page 120: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

120

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

DA COR DO PECADO: UMA ANÁLISE SOBRE A CONSTRUÇÃO DA

IDENTIDADE NEGRA NA TELENOVELA DA REDE GLOBO1

Caio Nélio de Freitas FULGÊNCIO2

Francielle Maria Modesto MENDES3

Universidade Federal do Acre, Rio Branco, AC

RESUMO: Este artigo tem a finalidade de analisar a representação do negro na

telenovela “Da Cor do Pecado”, exibida originalmente de 26 de janeiro a 28 de agosto

de 2004, pela Rede Globo, a primeira trama produzida pela emissora tendo como

protagonista uma atriz negra. O intuito é verificar, por meio da construção da identidade

dos personagens, se houve a reprodução de estereótipos até então recorrentes na história

da teledramaturgia brasileira. O folhetim conta a vida da vendedora de ervas

maranhense Preta de Souza, interpretada por Taís Araújo, e sua luta para ser feliz ao

lado do carioca Paco Lambertini, vivido por Reynaldo Gianecchini. O amor inter-racial

entre os dois é o fio condutor de toda a obra, que apresenta no decorrer dos capítulos

inúmeras situações de racismo expressas, sobretudo, na postura dos vilões, como

Bárbara Campos Sodré, vivenciada pela atriz Giovanna Antonelli. Ao estudar as

características de alguns personagens, é possível perceber que, na época, a televisão

ainda não estava preparada para lidar com a presença do negro no maior destaque de

uma telenovela. A pesquisa foi realizada por meio de análise bibliográfica,

principalmente a partir de estudos de Stuart Hall e Zygmunt Bauman para esboçar os

conceitos de identidade, além de entender os processos da construção identitária e suas

fragmentações. Para a análise, também foi utilizada a vasta pesquisa de Joel Zito Araújo

sobre os tipos de representações que o negro vem tendo na dramaturgia televisiva com o

objetivo de verificar quais estereótipos foram mais perpetuados durante o tempo.

Palavras-chave: Identidade; Negro; Telenovela.

A telenovela está presente no dia a dia da maioria dos brasileiros, sendo um

dos produtos de televisão mais consumidos do país. O gênero possui grande importância

na construção de um imaginário social, sobretudo as produções da Rede Globo, maior

ícone da teledramaturgia do Brasil. Por isso, torna-se necessária uma análise sobre os

tipos de identidades que são construídas nos folhetins por meio dos personagens

criados, principalmente no que diz respeito à figura do negro, reproduzida quase sempre

de forma subalterna.

1 Trabalho aprsentado na Linha Temática de Interfaces Comunicacionais da V Seacom da Ufac. 2 Estudante de Graduação 8° semestre do Curso de Jornalismo da Ufac. 3 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Jornalismo da Ufac.

Page 121: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

121

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

O conceito de identidade sofreu claras modificações no decorrente da história,

saindo da perspectiva de algo unificado, indivisível, até a noção de que o indivíduo é

fragmentado, “composto não de uma, mas de várias identidades” (HALL, 2011, p.12).

Para Hall (2011), o sujeito – nos diversos momentos de sua existência – vai assumindo

diferentes identidades não unificadas e, muitas vezes, contraditórias, fazendo com que

as identificações se desloquem. Com a multiplicação dos sistemas de representação

cultural, como a telenovela, o indivíduo acaba confrontado com inúmeras possiblidades

identitárias.

Se por um lado, Hall (2011) defende que as estruturas sociais exteriores

modificam o sujeito em um processo praticamente inconsciente, Bauman (2004)

considera a identidade negociável, fruto de decisões que se toma no decorrer dos

acontecimentos vivenciados. Para o autor, o processo de construção dessa identidade –

em um mundo “repartido em fragmentos mal coordenados” (2004, p.18) – não pode ser

encarado como uma tarefa passível de ser finalizada, mas como algo continuamente

repetido.

Dessa forma, Bauman (2004) defende o protagonismo do indivíduo nessa

contínua construção, galgada na compreensão de que existe um deslocamento total ou

parcial do ser. “As ‘identidades’ flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas

outras infladas e lançadas pelas pessoas em nossa volta, e é preciso estar em alerta

constante para defender as primeiras em relação às últimas”. (BAUMAN, 2004, p.19).

Trata-se, portanto, de uma condição totalmente ambivalente, que envolve as identidades

escolhidas e aquelas que, de alguma forma, são impostas, ou apresentadas, por outras

estruturas sociais. Sendo assim, a identidade é constantemente inventada.

A identidade só nos é revelada como algo a ser inventado, e não

descoberto; como alvo de um esforço, “um objetivo”; como uma coisa

que ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre

alternativas e então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais –

mesmo que, para que essa luta seja vitoriosa, a verdade sobre a

condição precária e eternamente inconclusa da identidade deva ser, e

tenda a ser, suprimida e laboriosamente oculta. (BAUMAN, 2004,

p.22).

Page 122: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

122

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Nesse sentido, em conformidade com Bauman (2004), Pollak (1992)

acrescenta que a formação da identidade também depende de fatores que escapam ao

indivíduo, como as relações com o outro. Não é possível construir a si mesmo sem o

processo de negociações diretas. As experiências vividas na atualidade têm como

característica o fato das identidades percorrerem – se movimentarem – de forma livre,

sendo de incumbência de cada sujeito capturar aquela (as) que mais lhe agradar,

utilizando, para isso, as ferramentas que estiverem disponíveis.

A mídia oferece aos espectadores uma gama de identidades por meio das mais

diversas produções. Para Fernandes e Faria (2007), ela apresenta as possibilidades para

que os indivíduos possam construir o próprio senso de classe, raça e etnia, por exemplo.

Sendo assim, os meios de comunicação – bem como produtos, como a telenovela –

colaboram na construção da identidade e, ainda, na determinação do que seja o “outro”.

Por meio da teledramaturgia, conforme as autoras, a televisão acaba carregando em si o

desejo de construir a realidade, movido por processos políticos com o objetivo de

homogeneizar o público.

A telenovela habita nesse contexto de impacto. Para Motter (2003), esse

produto teleficcional pode ser considerado, entre o público brasileiro, como de maior

poder de influência no imaginário nacional, participando, de forma ativa, na construção

da realidade. Tudo isso, em um processo duradouro “em que ficção e realidade se

nutrem uma da outra, ambas se modificam, dando origem a novas realidades”.

(MOTTER, 2003, p.174).

Diante desse poder da mídia, é perceptível que a identidade negra na

teledramaturgia foi construída de forma quase sempre estigmatizada, por meio de

personagens subalternos ou estereotipados. Com base nos estudos de Araújo (2000),

pode-se visualizar que, desde as primeiras participações, em 1964, a figura do negro

sofreu uma série de negações ou subversões. Escravos, empregadas domésticas cômicas

alcoviteiras e jagunços foram algumas das mais comuns representações durante a

história.

Nem mesmo a década de 1970, quando a maioria dos folhetins decidia mostrar

os conflitos dos brasileiros pela ascensão social, o negro teve uma abordagem

Page 123: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

123

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

diferenciada. Para Araújo (2008), apesar de esboçar a criação de outras referências

sobre o assunto, os anos de 1980 e 1990 praticamente não trouxeram telenovelas que

tratassem a discriminação racial contra o negro brasileiro de forma direta. A ausência,

conforme o autor, era corroborada pelo padrão estético vigente que via na cor branca o

ideal de beleza no país. Exemplo disso era a “exclusiva escolha de loiras como

apresentadoras ideias de programas infantis e de modelos brancos para galãs e

mocinhas” (ARAÚJO, 2008, p.981).

O negro em “Da Cor do Pecado”

A telenovela “Da Cor do Pecado” foi escrita pelo autor João Emanuel Carneiro

para o horário das 19h – período do dia que, normalmente, são exibidas histórias

direcionadas à família, sem grandes discussões sociais. O folhetim foi ao ar do dia 26 de

janeiro a 28 de agosto de 2004. Segundo publicação da UOL4, o último capítulo chegou

a alcançar uma média de 50 pontos no Ibope, com picos de até 55. Durante toda a

exibição, a trama atingiu uma média geral de 47 pontos. Na totalidade, a telenovela

contabilizou 185 capítulos na exibição original e chegou a ser reprisada duas vezes.

A história se passa em São Luís, capital do Maranhão, e traz a luta de Preta de

Souza, interpretada por Taís Araújo, e Paco Lambertini, protagonizado por Reynaldo

Gianecchini, para viver uma história de amor, que tem como fio condutor diversos

conflitos raciais. Paco mora no Rio de Janeiro e, mesmo filho do milionário Afonso

Lambertini (Lima Duarte), recusa-se a receber dinheiro do pai e a participar dos

negócios, vivendo de maneira simples.

Preta é uma menina negra, de origem pobre, que ajuda a mãe Lita (Solange

Couto) em uma barraca de ervas no Centro de São Luís. Importantes aspectos da cultura

afro-brasileira são marcantes na personagem, como o hábito de dançar tambor de

crioula – expressão cultural praticada predominante pelas mulheres especialmente em

4 Disponível em: < http://virgula.uol.com.br/famosos/ida-cor-do-pecadoi-alavanca-ibope-no-ultimo-

capitulo/> Acesso em: 10 de dezembro 2015.

Page 124: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

124

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

louvor a São Benedito, conforme o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional5.

As problemáticas envolvendo “Da Cor do Pecado” – a primeira telenovela

produzida pela Rede Globo tendo uma personagem negra no centro da trama – se

iniciam no próprio título e vinheta. A música de abertura, samba clássico que possui o

mesmo nome da trama, de composição de Bororó, complementa as imagens que

mostram detalhes do corpo de uma mulher negra.

Da cor do pecado6

Esse corpo moreno, cheiroso e gostoso que você tem É um corpo delgado, da cor do pecado, que faz tão bem

Esse beijo molhado, escandalizado que você deu

Tem sabor diferente que a boca da gente jamais esqueceu

E quando você me responde umas coisas com graça

A vergonha se esconde Porque se revela a maldade da raça

Esse corpo de fato tem cheiro de mato

Saudade, tristeza, essa simples beleza

Esse corpo moreno, morena enlouquece

Eu não sei bem porquê

Só sinto na vida o que vem de você.

A letra de Bororó correlaciona o corpo da mulher negra “cheiroso e gostoso” à

sensualidade, o que, segundo Barbosa (2004), representa uma das concepções

amplamente difundidas no Brasil desde os tempos coloniais. Referências facilmente

lembradas por Gilberto Freyre em Casa-Grande e Senzala, ao falar da presença escrava

feminina na iniciação sexual dos filhos dos senhores de engenho. Freyre (2003) relata o

crescimento e predileção do menino “sempre rodeado de negra ou mulata fácil”

(FREYRE, 2003, p.368). Mulheres que, na condição de servas, ficaram associadas à

sexualidade exacerbada e acabavam sendo usadas pelos homens ricos também como

escravas sexuais.

Lima (2001) reitera que o estereótipo da mulher negra sensual é um dos mais

conhecidos e explorados em praticamente todo tipo de obra, seja literária ou televisiva.

Para ela, com o passar do tempo, a cor da pele negra tornou-se “um signo para invocar

5 Disponível em: < http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/63> Acesso em: 10 de fevereiro de 2016. 6 Canção de Bororó, interpretada pela cantora (negra) Luciana Mello.

Page 125: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

125

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

sensualidade e outros atributos a ela ligados” (LIMA, 2001, p.93), basta lembrar das

passistas de escolas de samba tantas vezes representadas nas telenovelas, como Andreia

(Débora Nascimento) e Gislaine (Juliana Alves) em Duas Caras (2007) ou, mais

recentemente, a ex-rainha de bateria que volta ao posto Juliene Matos, que é vivida pela

atriz Cris Vianna, em Império (2014).

Lima (2001) defende que o estereótipo da sensualidade associada à pessoa

negra, apesar do lado minimamente positivo de uma tentativa de valorização da beleza,

também reforça mitos racistas ligados à capacidade intelectual, como aqueles que

“veem no negro bom desempenho apenas no que diz respeito à força física, ficando a

emoção e a inteligência como privilégio de branco” (LIMA, 2001, p.93).

Para Barbosa (2004), além de remeter à questão sexual, o título da trama

também acaba por fazer uma associação discutível – a relação do ser negro ao pecado.

A transgressão contra Deus, na verdade, é umas das teorias para o próprio surgimento

do racismo, como aponta Munanga (2003), fazendo referência ao nono capítulo de

Gênesis, livro bíblico, em que Noé amaldiçoa os descendentes de Cam, um dos seus

filhos, que seria ancestral da raça negra. Na maldição, Noé diz que os filhos de Cam

serão escravizados pela descendência dos irmãos.

Na trama, o racismo está presente, sobretudo, na figura de Bárbara Campos

Sodré (Giovanna Antonelli) e de Afonso Lambertini, pai de Paco. A vilã, como explana

Barbosa (2004), representa o preconceito de forma mais escancarada e agressiva – o que

sempre está relacionado nas novelas ao personagem que representa uma postura sem

escrúpulos, mau caráter, e nunca como um problema social real e presente no cotidiano.

“É como se a prática racista tivesse relação direta somente com as pessoas de reputação

duvidosa” (BARBOSA, 2004, p.7).

Em diversos momentos, Bárbara não polpa expressões que diminuem e

denigrem Preta, como quando descobre o relacionamento da moça com Paco, no quinto

capítulo da novela. A vilã faz questão de acentuar as características físicas de Preta.

“Todos os meus piores pressentimentos eram verdade. Ele [Paco] está com outra

mulher, está com uma negra, ‘negrinha’. Uma ‘negrinha’ maldita e desgraçada. Por que

ele me trocou por uma negra?” (DA COR DO PECADO, 2004).

Page 126: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

126

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Afonso Lambertini, por sua vez, de acordo com Barbosa (2004), expressa o

racismo “à brasileira”, relativista. Por ter carinho e simpatia por Raí (Sérgio Malheiros),

seu neto biológico, o empresário tenta manter uma relação superficial com Preta,

mesmo não aceitando a ideia de Paco ter tido um filho com uma mulher negra e pobre.

Demora praticamente a novela inteira até que o avô reconheça o neto. O personagem

carrega o racismo na medida em que, “pelas diferenças biológicas e características

físicas, faz o julgamento de valores éticos e morais dos negros que estão a sua volta”

(BARBOSA, 2004, p.8).

Afonso é o racista que “tem jeito”, pois demonstra tolerar um negro

“incolor” (Felipe), mas mesmo assim o coloca em segundo lugar na

empresa. Afonso também não esconde seu amor pelo neto, filho de

Preta. É o tipo que pode migrar de uma postura abertamente racista

para a de “racismo cordial”, ou mitigado. (OLIVEIRA; PAVAN, s.d.,

p.10).

Trata-se claramente do recorrente mito da democracia racial, explicado por

Araújo (2008), que torna mais fácil reconhecer o mulato, moreno, mestiço, caboclo do

que o negro propriamente dito. A postura racista de Afonso também é visível em

relação ao tratamento que dá a Felipe, seu braço direito na empresa. O ponto alto disso é

o momento em que o empresário nomeia outra pessoa para o cargo de vice-presidente

da área de comunicação social do grupo, no capítulo 18 da trama. Mesmo visivelmente

desapontado por não ganhar o cargo e sabendo de próprio potencial, Felipe continua

trabalhando para o grupo e se sujeitando ao patrão. Por isso, é possível, por meio da

construção do personagem Afonso, perceber ainda o recorrente estereótipo da

inferioridade do negro diante de pessoas da cor branca.

É comum o negro não ser considerado um indivíduo e sim a

representação coletiva de um grupo marcado por uma estereotipia

negativa. É isso que se vivencia no mundo real e é representado na

ficção. De forma consciente ou não, a reprodução de estereótipos e,

consequentemente, o racismo e a branquitude estão presentes na

televisão. (BARBOSA, 2004, p.9).

A opinião de Barbosa (2004) também é embasada em outro momento da

telenovela, quando um documento importante da empresa desaparece e as suspeitas de

Page 127: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

127

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Afonso recaem imediatamente contra Felipe, funcionário antigo e até então de

confiança.

O personagem Felipe Garcia (Rocco Pitanga), por sua vez, aparece na trama

como o único negro aparentemente bem-sucedido profissionalmente. Ele cursou o

ensino superior e, em quase toda a história, aparenta ser uma peça importante na

administração da empresa. O que poderia aparecer na telenovela como uma ascensão da

figura negra acaba o enquadrando no mesmo patamar dos outros personagens.

Toda a capacidade profissional de Felipe, no entanto, parece não ter nenhuma

serventia sem a benevolência de Afonso, apresentado como a única pessoa capaz de

empregá-lo. Ainda no início do folhetim, cansado dos abusos e humilhações do patrão,

Felipe pede demissão, mas, após várias tentativas de conseguir outro trabalho, mesmo

com um bom currículo. Ele aceita a oferta de Afonso, voltando à firma e aos abusos do

patrão.

Santos, Silva e Rocha (2012) pontuam que a identidade construída em Felipe é

a do “‘negro de alma branca’, ‘bonzinho’, submisso, fiel ao patrão branco, de valores

‘embranquecidos’” (SANTOS; SILVA; ROCHA, 2012, p.87). Como lembra Araújo

(2008), a ideologia do branqueamento, muito presente nas produções televisuais no

Brasil, diz respeito ao negro que não possui em si características que remetem

propriamente ao povo negro, do ponto de vista da valorização cultural. Pelo contrário,

apesar da cor da pele, o personagem carrega aspectos muito mais atribuídos aos

brancos, bem como a característica de sujeição a eles, endossando um discurso de

superioridade racial.

Felipe aceita ser subalterno em dois momentos importantes de sua

vida: aceita ser subalterno na empresa que trabalha, aceita ser

subalterno no coração da mulher que ama (Preta). Tanto na empresa,

como no coração de Preta, os primeiros são brancos. A sua posição de

negro bem-sucedido aparece como resultado de ser bem comportado

(isto é, não entrar em confronto com os seus antagonistas brancos)

(OLIVEIRA; PAVAN; s.d., p.10).

Paco, por sua vez, surge como o homem branco rico, porém sem apego ao

dinheiro, totalmente honesto e puro. Um verdadeiro príncipe encantado dos contos de

Page 128: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

128

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

fadas, expressão citada algumas vezes em diálogos no início do folhetim. Segundo

Santos, Silva e Rocha (2012), na trama, Paco “representou a altivez, a dignidade, era

bondoso, e ao mesmo tempo corajoso e ativo na trama” (SANTOS, SILVA; ROCHA,

2012, p.87).

Além disso, segundo Oliveira e Pavan (s.d.), Paco demonstra total tolerância

racial na relação com Preta, apontando para a ideia defendida pela telenovela de que o

amor vence todas as coisas, inclusive o preconceito. O racismo demonstrado em “Da

Cor do Pecado” aparece também, algumas vezes, às avessas, como na forma que Preta

se refere à Lita, mãe dela, que se opõe à relação do casal. “Ela é cheia de preconceito.

Acha que todo homem branco do Sul vem só para se aproveitar das ‘neguinha’ do

Maranhão” (DA COR DO PECADO, 2004). Outro momento é quando a mãe fala da

predileção por Dodô, ex-namorado de Preta, por ele ser negro, e Preta a repreende.

“Preto tem que casar com preto e branco tem que casar com branco. A senhora está

parecendo aquele Leôncio, da Escrava Isaura. Está racista que nem ele” (DA COR DO

PECADO, 2004).

Diante das representações incluídas na telenovela, torna-se relevante

compreender, à luz de Hall (2006), que a cultura popular possui o maior domínio sobre

a cultura global. O autor defende que a cultura popular se tornou o espaço onde é

realizada uma mercantilização de valores e ideias, havendo o engendramento cultural

com circuitos de poder e capital. Em outras palavras, trata-se do fato de interesses

dominantes estarem exercendo influência sobre a cultura popular e a presença de

estereótipos, como os que podem ser vistos em nuances das personagens negras de “Da

Cor do Pecado”, existem por determinados motivos.

Sobre essas relações de poder existentes no campo das representações, em

conformidade com Hall (2006), Faria e Fernandes (2007) defendem a ideia de que a

teledramaturgia não interfere na realidade através de uma narrativa desligada de

vertentes ideológicas. O intuito com isso, segundo as autoras, é galgar a construção da

realidade. “Sendo essa construção perpassada nitidamente por processos de controle

político da realidade que objetivam homogeneizar o coletivo” (FARIA; FERNANDES,

2007, p.4).

Page 129: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

129

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

No entanto, para Hall (2006), não importa quanto o negro é representado de

forma subversiva na cultura popular, porque, nesse contexto, existe a necessidade de

visualizar além. Todas as características, como expressividade, musicalidade, oralidade

e narrativa, permitem que venham à superfície “elementos de um discurso que é

diferente – outras formas de vida, outras tradições de representação” (HALL, 2006,

p.324). Portanto, mesmo em meio aos estereótipos, a figura do negro em produções

televisivas, por exemplo, possui grande importância.

Para Faria e Fernandes (2007), por trazer uma protagonista negra no horário

das 19h na maior produtora de telenovela no país, “Da Cor do Pecado” representa um

avanço à medida que conseguiu levar, mesmo que indiretamente, no amor inter-racial, a

discussão do racismo como um conflito de natureza definitiva, ou seja, permanecendo

na trama do início até o final. É importante lembrar que, segundo as autoras, a escassez

de protagonistas negros nas tramas se deve, em concordância a Araújo (2008), à

necessidade das produções em mostrar o Brasil como um suposto lugar onde habita a

democracia racial e reafirmar na figura do “mulato” a maior expressão da identidade

nacional.

Preta possuía uma identidade com algumas nuances. Se por um lado

demonstrava força e independência financeira, como quando decidiu vender tapiocas

para se manter no Rio de Janeiro, por outro assumia uma postura de passividade no que

diz respeito à relação com Paco. Em alguns momentos, ela lutou para provar ao homem

branco e rico que seu amor era verdadeiro e que não estava interessada no dinheiro dele.

Devido a isso, acabava se portando como “vítima, frágil, que necessita de apoio,

proteção, dó” (OLIVEIRA; PAVAN, s.d., p.9).

A perspectiva de inferioridade da moça se revela antes mesmo de descobrir que

Paco é rico, apontando para uma relação de desigualdade racial e até estética. Ainda no

primeiro capítulo da telenovela, quando ainda eram praticamente desconhecidos, Preta

desacredita no amor sincero de Paco. “Um rapaz bonito como você, lá do Sul, deve ser

de boa família, deve ter uma namorada, vai querer o quê comigo? A gente não tem

futuro” (DA COR DO PECADO, 2004). A dúvida referente às diferenças dos dois se

Page 130: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

130

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

repete também em outros momentos em expressões como: “o que alguém como você

pode querer comigo?” (DA COR DO PECADO, 2004).

O que é perceptível em “Da Cor do Pecado” é que, apesar do romance inter-

racial suscitar a temática do racismo durante toda a trama, a ideia do “amor vence tudo”

termina por tentar diminuir a discussão, fato recorrente nas telenovelas, conforme Lima

(2001). Normalmente, os conflitos puramente amorosos acabam por diluir um debate

sobre o assunto, o que poderia ocasionar reflexões relevantes sobre a sociedade

brasileira.

Aliada à falta de profundidade na abordagem do tema, a construção das

identidades negras nas telenovelas, incluindo “Da Cor do Pecado”, muitas vezes

deformadas e ainda baseadas em alguns estereótipos, gera, segundo Lima (2001), outras

identidades na vida real que refletem aquelas vistas na televisão.

Santos, Silva e Rocha (2012) afirmam que, apesar de ter se apresentado como

uma forma de valorização do negro, sobretudo pelo fato de ter escalado uma atriz negra

como protagonista, “Da Cor do Pecado” revelou indicadores de um novo racismo,

“quando novas estratégias de desvalorização, em geral mais sofisticadas, são utilizadas

para a discriminação racial” (SANTOS, SILVA; ROCHA, 2012, p.87).

Por outro lado, é indiscutível, e também precisa ser apontada, a importância da

presença negra no centro de uma telenovela de tão grande audiência na Rede Globo.

Araújo (2008) considerou o papel de Preta de Sousa, dentro desse contexto, um fator

inédito principalmente para a autoestima de crianças e adolescentes afro-brasileiras,

“quebrando paradigmas e estereótipos sobre o negro brasileiro” (ARAÚJO, 2008,

p.981).

Considerações finais

“Da Cor do Pecado” foi um marco na história da televisão brasileira,

sobretudo, em relação à presença do negro nas produções teleficcionais da Rede Globo,

ícone do gênero também no exterior. A importância da telenovela é confirmada

principalmente quando se leva em consideração a quantidade de tempo que um negro

Page 131: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

131

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

esteve no ar e, consequentemente, habitando na casa e no imaginário dos

telespectadores.

Se no passado praticamente todos os personagens negros eram relegados a

tramas secundárias, tendo pouca relevância no desenvolver da história, Preta de Souza,

por meio de sua luta pela felicidade, mesmo que indiretamente, faz importantes

reflexões sobre o andamento da sociedade da época. Ainda que não tenha tido a

proposta direta de refletir sobre o papel do negro no Brasil, “Da Cor do Pecado”

revelou, por intermédio da construção dos personagens (negros e brancos), que o gênero

telenovela ainda não sabia lidar com um negro no centro de uma produção.

A repetição, mesmo que sutil, de estereótipos como a sensualidade da mulher

negra e a superioridade profissional branca mostraram um reportório ainda limitado de

formas de representação da população negra na teledramaturgia. As imagens e música

da própria abertura da novela podem ser encaradas como uma tentativa de valorização

estética da pele negra, ainda que por muitos anos essa correlação tenha sido

extremamente explorada e, por isso, se tornado um lugar-comum e até pejorativa.

Se por um lado houve a exaltação dos atributos físicos, por outro não foi

possível visualizar a ascensão profissional do negro. Porém, com isso, também houve a

perpetuação de um referencial bastante comum: a ausência de negros em cargos

importantes – fator que, apesar da gradativa modificação na vida real, também pode ser

visualizado no cotidiano. O personagem Felipe Garcia representa essa realidade de

forma escancarada, porque, mesmo qualificado profissionalmente, aparece

condicionado a ser bem-sucedido mediante submissão a um patrão branco que

frequentemente o humilha.

As situações de racismo vivenciadas por Felipe vão além do mercado de

trabalho. No dia a dia, o personagem se vê obrigado a adotar uma postura sempre

submissa diante dos superiores brancos, algo não muito distinto de personagens

anteriores mostrados nas telenovelas, configurando também um estereótipo.

A criança Raí, filho de Paco e Preta, também revela aspectos importantes na

telenovela. A empatia que o personagem suscita em relação ao avô – diferente das

evidentes diferenças que Afonso tem com Preta – demonstra outro aspecto aprisionador

Page 132: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

132

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

dos personagens negros na teledramaturgia brasileira. Por meio de Raí, visualiza-se que

a telenovela lida melhor com a figura do mulato. O discurso, então, tenta mascarar a

dificuldade em se lidar com a pessoa negra, reflexo ainda de uma mentalidade enraizada

nos anos de escravidão.

Outro ponto importante observado em “Da Cor do Pecado” é a questão do

relacionamento inter-racial entre Preta e Paco, apresentado na trama como algo distante

da realidade, apesar da história se passar na atualidade – a primeira fase no ano de 1996

e a segunda em 2004. Ter esse tipo de relação como mote de uma produção

contemporânea acaba representando um retrocesso na medida em que denota – uma vez

que não houve discussão sobre o tema – que a aproximação dos dois ainda pode ser um

escândalo na sociedade.

Além disso, o amor entre Paco e Preta é alvo, sobretudo na figura da mãe da

heroína, de uma espécie de racismo ao contrário, o que pode ser extremamente

prejudicial na representação do negro. Esse tipo de preconceito desvirtua

completamente os papéis do oprimido e do opressor. Em um país que vivenciou mais de

três séculos de escravidão, com reflexos presentes até os dias atuais, ver na televisão um

branco sofrer preconceito, ser injustiçado, cria terríveis referenciais na luta por

igualdade racial.

À medida que “Da Cor do Pecado” – a primeira novela da emissora a ser

protagonizada por um negro – se propõe a representar personagens ainda inferiores,

acaba ocorrendo o reforço de um imaginário social muito conhecido na história da

televisão. Além disso, entendendo o gênero como um importante mecanismo de criação

de identidades, pode-se afirmar que a subalternização do negro se torna extremamente

prejudicial para o telespectador, que permanece sem bons referenciais.

Por fim, apesar de tudo, é importante reconhecer a relevância de “Da Cor do

Pecado” em comparação a todas as telenovelas produzidas anteriormente, que

trouxeram imagens bastante cruéis no que diz respeito à figura do negro. No entanto,

fica evidente que, diferente da ideia de que o folhetim foi um oásis diante do histórico

de ausências, a trama não foi escrita para exaltar a cor ou trazer reflexões relevantes

Page 133: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

133

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

sobre as desigualdades, tendo em vista que reproduziu vários dos estereótipos

amplamente difundidos na televisão.

Referências

A NEGAÇÃO do Brasil. Direção: Joel Zito Araújo. Produção: Casa de Criação. São

Paulo – SP, 2000. 91 minutos, Color.

ARAÚJO, Joel Zito. O negro na telenovela, um caso exemplar da decadência do mito

da democracia racial brasileira. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n.3,

p. 979-985, set./dez. 2008.

BARBOSA, Luciene Cecília. Racismo e Branquitude: representações na telenovela “Da

Cor do Pecado”. In: XXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.

2004, Porto Alegre.

BARBOSA, Marialva Carlos. Imaginação televisual e os primórdios da TV no Brasil.

In: RIBEIRO, Ana Paula Goulard; ROXO, Marco; SACRAMENTO, Igor. História da

Televisão Brasileira. São Paulo: Contexto, 2010.

BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:

Zahar, 2004.

DA COR do Pecado. Novela de João Emanuel Carneiro. Escrita por João Emanuel

Carneiro com a colaboração de Ângela Carneiro, Vicent Villar e Vinícius Vianna.

Direção: Paulo Silvestrini e Maria de Médicis. Elenco: Taís Araújo, Reynaldo

Gianecchini, Lima Duarte, Giovanna Antonelli, Rocco Pitanga, Aracy Balabanian e

outros. Rio de Janeiro, 19h, 26 de janeiro de 2004 a 28 de agosto de 2004, 185

capítulos, cor. Disponível em: <http://cliptomaniabr.blogspot.com.br/2014/02/novela-

da-cor-do-pecado.html> Acesso em: 26 de novembro de 2015.

FARIA, Maria Cristina Brandão de; FERNANDES, Danubia de Andrade;

Representação da identidade negra na telenovela brasileira. Juiz de Fora, agos.

2007. Disponível em: <http://www.compos.org.br/seer/index.php/e-

compos/article/viewFile/178/179>. Acesso em: 10 de abril de 2016.

FLORES, Fabiano Rocha; SILVEIRA, Ada Cristina Machado. Identidade, um

fenômeno comunicacional: a necessária contemplação da esfera midiática em estudos

sobre identidade. In: MAGGIONI, Fabiano; PÉRSIGO, Patrícia M.; PERUZZOLO,

Adair C.; WOTTRICH, Laura H.. Práticas e Discursos Midiáticos: Representação,

Sociedade e Tecnologia. Santa Maria: Facos – UFSM, 2012.

Page 134: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

134

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o

regime da economia patriarcal. Recife: Global Editora e Distribuidora Ltda., 2003.

GLOBO, Memória. Disponível em: < http://memoriaglobo.globo.com/> Acesso em: 1°

de junho de 2015.

HALL, Stuart. Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Tradução: Guacira Lopes

Louro, Tomaz Tadeu da Silva. 11ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.

. Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte:

Editora UFMG, 2006.

LIMA, Solange M Couceiro de. A personagem na telenovela brasileira: alguns

momentos. Revista USP, São Paulo, n.48, p.88-99, dez. 2001.

MOTTER, Maria Lourdes. Ficção e realidade: a construção do cotidiano na telenovela.

São Paulo: Alexa Cultural, Comunicação & Cultura. Ficção Televisiva, 2003.)

MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racimo,

identidade e etnia. São Paulo, 2003. Disponível em:

<http://pt.slideshare.net/Geraaufms/uma-abordagem-conceitual-das-noes-de-raca-

racismo>. Acesso em: 10 de maio de 2016.

OLIVEIRA, Denis de; PAVAN, Maria Angêla. Identidades e estratégias nas relações

étnicas na telenovela “Da Cor do Pecado”, s.d. Disponível em:

<http://www.usp.br/nce/wcp/arq/identificacoeseestrategias_3texto.pdf>. Acesso em: 5

de maio de 2016.

POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro,

v. 5, n. 10, p. 200-2012, 1992.

SANTOS, Wellington Oliveira dos; SILVA, Paulo Vinicius Baptista da; ROCHA, Neli

Gomes. In: ARAÚJO, Joel Zito. O negro na TV pública. Brasília: Fundação Cultural

Palmares, 2012.

Page 135: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

135

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

DIA INTERNACIONAL DA MULHER PELOS JORNAIS

A GAZETA, O RIO BRANCO E PÁGINA 20 NOS ANOS DE 2012 E 20131

Anaís Cordeiro de Medeiros2

RESUMO: Este artigo é um recorte da monografia “Análise de conteúdo das matérias

do Dia Internacional da Mulher dos jornais A Gazeta, O Rio Branco e Página 20 de

2012 e 2013” apresentada em dezembro de 2015 como Trabalho de Conclusão de Curso

(TCC) no curso de Comunicação Social com habilitação em jornalismo na Universidade

Federal do Acre (Ufac). Para o estudo monográfico foi realizada a análise de conteúdo

de 21 matérias e este artigo pretende trazer a discussão dessas matérias. O objetivo é

verificar como os textos jornalísticos apresentam a figura da mulher no Dia

Internacional da Mulher em matérias veiculadas em três dos principais jornais de Rio

Branco, capital do Acre, em 2012 e 2013. O estudo buscar apontar os erros e acertos de

repórteres e editores nas reportagens que remetem às mulheres no dia em que elas são

ou deveriam ser a notícia. Neste artigo foram utilizados teóricos do jornalismo como

Juarez Bahia, Clóvis Rossi, Ciro Marcondes Filho e Mario Erbolato.

PALAVRAS-CHAVE: questão de gênero; Dia Internacional da Mulher; jornalismo.

“As grandes datas devem ser pautadas com antecedência, a fim de que haja

possibilidade para prepará-las” (ERBOLATO, 2008. p. 180). A afirmação de Mário

Erbolato evidencia a importância do planejamento para que o jornalista seja capaz de

cobrir não só fatos do dia-a-dia, mas preparar conteúdos de uma forma mais

aprofundada. Neste capítulo, será feita a análise de conteúdo das edições do Dia da

Mulher dos anos de 2012 e 2013 dos jornais A Gazeta, O Rio Branco e Página 20,

totalizando seis edições e 21 matérias.

Compreende-se que o Dia Internacional da Mulher é um dia que representa a

luta pela igualdade entre mulheres e homens. O combate à opressão feminina e a

subordinação da mulher para com o homem, devem estar presentes nas páginas dos

1 Trabalho apresentado na Linha Temática de Jornalismo da V Seacom da Ufac

2 Graduada no curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Universidade Federal do

Acre (Ufac), e-mail: [email protected]

Page 136: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

136

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

jornais, já que, segundo o Artigo 3 do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, o

exercício da profissão é uma atividade de caráter social. Mais do que um dia de

comemoração, em que mulheres são presenteadas com flores, chocolates e um dia de

beleza, a data deve lembrar que, apesar dos avanços, há muito que se fazer, até que

mulheres e homens desfrutem dos mesmos direitos e liberdades. Este dia, é uma

oportunidade para que o jornalista contribua para combater a desigualdade social.

Em 1975, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o dia 8 de março

como Dia Internacional da Mulher, mas a origem da escolha desta data ainda é tema de

discussões para pesquisadores, como expõe a socióloga Eva Alterman Blay (2001), no

ensaio “8 de Março: Conquistas e Controvérsias”. Para ela, a história da data é

reproduzida carregada de distorções.

No Brasil, a associação entre o incêndio que vitimou centenas de mulheres em

uma fábrica têxtil, nos Estados Unidos, é constantemente utilizada para contextualizar a

data. Inclusive, poderemos identificar um exemplo desta associação em uma das

matérias analisadas a seguir neste trabalho. No entanto, a socióloga defende que o

incêndio na fábrica Triangle Shirtwaist Company, ocorrido não no dia 8, mas 25 de

março de 1911, apesar de ter contribuído para estimular as manifestações já existentes,

que reivindicavam melhores condições de trabalho não só femininas, mas dos

trabalhadores em geral, não tem ligação direta com a instituição do Dia Internacional da

Mulher. Ela explica:

Na década de 60, o 8 de Março foi sendo constantemente escolhido

como o dia comemorativo da mulher e se consagrou nas décadas

seguintes. Certamente esta escolha não ocorreu em consequência do

incêndio na Triangle, embora este fato tenha se somado à sucessão de

enormes problemas das trabalhadoras em seus locais de trabalho, na

vida sindical e nas perseguições decorrentes de justas reivindicações.

(BLAY, 2001. p. 605)

Para Basthi (2011), a imprensa é capaz de contribuir para a produção de

conhecimento voltado ao desenvolvimento da consciência social da sociedade. Esse

poder é subutilizado quando o editor opta por reproduzir matérias de assessoria de

Page 137: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

137

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

imprensa, superficiais, e que até desqualificam o Dia Internacional da Mulher,

reforçando a ideia de que este seja apenas um dia comemorativo.

De acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia, edição 2015, encomendada pela

Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República ao Ibope, os jornais

impressos são a fonte de informação mais confiável dos brasileiros. Apesar de a

pesquisa ter apontado que o principal veículo do país continua sendo a televisão, com

97% de preferência dos brasileiros, o levantamento apontou que 53% dos entrevistados

que usam o jornal impresso afirmam confiar sempre ou muitas vezes em seu conteúdo.

A pesquisa ouviu mais de 18 mil pessoas, em quase 850 municípios. Tendo em vista a

confiabilidade dos brasileiros nos jornais impressos apresentada na pesquisa, deve-se

questionar com mais seriedade e rigor o conteúdo reproduzido por esses veículos, afim

de que estes não estejam sendo, na verdade, reprodutores de ideias que não caminham

lado a lado com a realidade da sociedade, e principalmente, das mulheres.

A dificuldade em obter as edições dos jornais analisados foi um dos maiores

empecilhos durante a produção deste trabalho. Inicialmente, a pesquisa estava voltada

para estudar edições recentes dos quatro principais jornais de Rio Branco: A Gazeta, O

Rio Branco, Página 20 e também A Tribuna. No entanto, A Tribuna não possuía um

arquivo disponível para pesquisa (nem físico, e nem digital), o que ocasionou a exclusão

do jornal desta análise.

As edições de 2014 também estariam presentes na pesquisa, mas a falta da

edição do jornal O Rio Branco deste ano impossibilitou a inclusão das edições de 2014

na pesquisa. Esta edição do jornal não fora encontrada nem em versão física nem em

versão digital. As edições de 2015, ano em que essa pesquisa foi produzida, também

não foram analisadas, pois o especial do jornal Página 20 foi produzido pela própria

pesquisadora, quando estagiava no mesmo, o que torna a análise imprópria.

Desta forma, os anos de 2012 e 2013 foram escolhidos por se tratarem das

edições mais recentes que continham matérias nos jornais A Gazeta, O Rio Branco e

Página 20. Esses jornais também possuíam uma grande quantidade de matérias do Dia

Internacional da Mulher (21 matérias no total) o que possibilitaria uma mais ampla

análise de conteúdo.

Page 138: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

138

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

8 DE MARÇO DE 2012

O primeiro texto analisado, do jornal A Gazeta, edição 7.749, de 8 de março de

2012, traz já na capa uma manchete que sugere uma reportagem especial relacionada à

mulher e ao mercado de trabalho. Com o título “Elas conquistaram um lugar que não é

mais só deles”, a matéria apresenta de forma pouco aprofundada, a oficial do Corpo de

Bombeiros, Francisca Fragoso dos Santos. A jovem que trabalha há quatro anos como

militar é usada para ilustrar a presença de mulheres em “profissões consideradas

masculinas”, uma abordagem já recorrente, que se repete, por exemplo, na edição 4.496,

no ano de 2013, do jornal Página 20.

A matéria mostra-se superficial por, apesar dar enfoque à escolha da profissão da

personagem, não esclarece, por exemplo, o motivo de Francisca Fragoso ter escolhido

seguir a carreira de militar. Além disso, apesar de afirmar ter sofrido “preconceitos”, a

matéria não trouxe nenhum relato que ilustrasse a situação.

Ao optar por abordar a mulher no mercado de trabalho, a matéria poderia ter

escolhido um direcionamento que discutisse a desigualdade salarial entre mulheres e

homens, a jornada dupla de trabalho da mulher, e até mesmo a necessidade de

construções de creches de viabilizem que mães estudem e/ou trabalhem mesmo quando

as crianças ainda são pequenas.

Ainda nesta edição, o jornal A Gazeta apresenta um exemplo da invasão das

assessorias de imprensa nos jornais, assim como apontou Adghirni (2004). A matéria,

produzida na Agência de Notícias do Tribunal de Justiça do Acre, de caráter unicamente

informativo, fala sobre o levantamento estatístico que possibilitou traçar o perfil dos

agressores e vítimas que passam pela Vara de Violência Doméstica e Familiar de Rio

Branco.

Uma matéria de assessoria tem, como único objetivo, divulgar as ações

desenvolvidas pelo órgão, como no caso da matéria produzida pela assessoria do

Tribunal de Justiça. Para Adghirni, a produção do assessor e a do jornalista se

diferencia:

Page 139: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

139

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Deixando de lados as inúmeras definições de jornalismo consagradas,

vamos simplificar e dizer que jornalismo é investigativo e produz

notícias para o público consumidor dos veículos comerciais enquanto

que o assessor de imprensa produz pautas, na forma de press releases

ou não, decorrentes de uma atividade muito complexa, mas pode ser

resumida como um trabalho que consiste em ajudar o cliente a

discernir o que é notícia ou não e a se relacionar com a imprensa.

(ADGHIRNI, 2004. p. 13).

Desta forma, questiona-se o editor do veículo que opta por reproduzir uma

matéria de uma assessoria. Mesmo que a matéria trate de uma questão ligada à mulher,

no caso, a violência doméstica, da forma com que é apresentada ela não beneficia a

sociedade, ou as mulheres vítimas de violência, mas unicamente divulga as ações

desenvolvidas pelo assessorado, a Vara de Violência Doméstica e Familiar e o Tribunal

de Justiça. Lembrando que, assim como defende Bahia (2009), o editor deve buscar

constantemente atender o leitor e suas necessidades, não as de órgãos ou empresas.

Em 2012, o jornal O Rio Branco, na edição 10.244, apresenta uma reportagem

especial, central do jornal, dedicado às mulheres, a maioria acreanas, que se destacaram

por chegar a cargos de poder e liderança. As histórias das políticas Marina Silva, Nalú

Golveia, Ariane Cadaxo, na época vereadora de Rio Branco; da delegada Áurea Denne;

da gestora pública Sawana Carvalho, na época diretora do Departamento Estadual de

Trânsito do Acre (Dentran/AC); além da luta de Maria da Penha pela criminalização da

violência doméstica e a vitória de Dilma Rousseff à presidência da República,

ilustraram o destaque da mulher nos espaços de poder. No entanto, uma história destoa

das demais.

Em meio às histórias de mulheres que se sobressaíram no cenário político

acreano e brasileiro, apesar deste não ser dos mais favoráveis, como pudemos ver na

primeira parte deste trabalho, está a dona de casa Jeovânia Negreiros, de 32 anos.

Segundo o texto, ela é a responsável pelos afazeres domésticos, cuidados com as

crianças e ainda com o marido, estando presa a essa rotina. “É uma rotina dura, mas

com fé em Deus eu me renovo todos os dias”, diz ela. (CAVALCANTE, 2012. p. 5)

Page 140: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

140

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Com a história da dona de casa, podemos observar uma série de construções

culturais de gênero, combatidas não só no Dia da Mulher, mas por algumas das

mulheres citadas na própria matéria. A reportagem possui traços de contradição, isso

porque as atribuições da personagem Jeovânia Negreiros, não conversam com a

liberdade e conquistas das demais personagens da matéria.

A reportagem apresenta uma lacuna quando apresenta Negreiros, uma dona de

casa na qual outras mulheres poderiam se identificar com mais facilidade, de forma

descontextualizada e distante do cenário promissor de mulheres de destaque na

sociedade. Caso a matéria tivesse interesse em fazer o contraste entre as realidades das

personagens, abrangendo as histórias com mais detalhes, e incluindo outras mulheres

que, assim como Negreiros, possuem mais deveres do que direitos, a reportagem se

apresentaria de outra forma.

A última matéria referente ao Dia Internacional da Mulher, no jornal O Rio

Branco, edição 10.244, não será analisada neste trabalho por compreender-se que se

trata de uma matéria de serviço informando a transferência do feriado pelo Estado e

prefeitura. Em 2012, o jornal Página 20, edição 4.666 (Anexos 06, 07,08 e 09), traz a

trajetória da secretária municipal da Mulher, Rosali Scalabrin, que naquele ano seria

homenageada pelo Senado Federal por seu trabalho social. Na época, Scalabrin estava à

frente da Coordenadoria da Mulher, em Rio Branco.

No texto são contadas as histórias da secretária e da Casa Rosa Mulher,

organismo municipal fundado em Rio Branco em 1994, e que presta atendimentos para

mulheres de vítimas de violência que vivem em situação de baixa renda. A homenagem

prestada pelo Senado, a outorga do Diploma Bertha Lutz, também recebeu destaque na

matéria, e teve sua história contada.

O extenso especial, no entanto, não foi produzido pelo jornal, mas trata-se de

uma matéria da assessoria de imprensa da prefeitura de Rio Branco, justamente a

instituição que estava tendo uma de suas funcionárias e órgão subordinado,

homenageados. A matéria não está assinada pela assessoria.

Independentemente do trabalho desempenhado por Rosali Scalabrin, e do

serviço prestado pela Casa Rosa Mulher, que não são questionados neste trabalho, mas a

Page 141: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

141

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

reprodução de conteúdo de uma assessoria dá margem que apenas uma versão da

história seja contada, além de promover o órgão, abrindo mão da criticidade que, de

acordo com Clóvis Rossi (1988), é um elemento fundamental do jornalismo.

No jornalismo, e ainda mais na reportagem, o jornalista deve colher informações

exaustivamente no intuito de explorar o assunto ao máximo, e por isso, não deve se

basear em apenas um lado da história, como reforça Juarez Bahia, “É fundamental ouvir

todas as versões de um fato, para que a verdade apurada não seja apenas a verdade que

se pensa que é, e sim a verdade que se demonstra e, tanto possível, se comprova”

(BAHIA, 2009. p. 62).

Como já mencionado, a história do Dia Internacional da Mulher é reproduzida

no Brasil como uma homenagem diretamente relacionada ao incêndio da fábrica

norteamericana Triangle Shirtwaist Company, no entanto, a socióloga Eva Alterman

Blay (2001) afirma que a história vem sendo contada e recontada através de distorções

históricas. Na edição 4.666 do Página 20, o mito é reproduzido em um box,

acompanhando os números de atendimentos prestados pela Casa Rosa Mulher.

Seguindo o pensamento anterior de Jurez Bahia, é questionável, em uma época

que a internet pode suprir as limitações de informação, cultura e conhecimento de

qualquer jornalista disposto a ir além do que já está exposto, que uma única e

questionável versão de um fato histórico seja reproduzido como verdade.

Sente-se o descaso do jornalista no aprofundamento da pesquisa, com o intuito

de que o que seja reproduzido seja o mais próximo da realidade. Reconhece-se neste

sentido, assim como expõe Marcondes (2002), que a superficialidade e

irresponsabilidade tornaram-se características do conteúdo produzido pelos jornalistas,

onde a apuração correta dos fatos perde cada vez mais espaço para o imediatismo. Bahia

reforça, “a apuração dos fatos está na essência do jornalismo” (BAHIA, 2009. p. 69).

Ainda como parte do especial produzido pela assessoria da prefeitura, há a

participação de um dos seus profissionais, o fotógrafo Marcus Vicentte, em um

concurso que preparou uma exposição voltada para o conhecimento da realidade das

mulheres na sociedade contemporânea. A imagem mostrada nesta exposição é de uma

ribeirinha, no Parque Estadual do Schandless, localizado na região centro-oeste do Acre,

Page 142: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

142

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

preparando o solo para ser semeado. Apesar de o registro ter sido feito em 2009, poderia

ter partido dos responsáveis pelo jornal que recebeu essa matéria a ideia de ser feita uma

criativa reportagem, que descartaria e/ou complementaria a matéria enviada pela

assessoria. “Quem é essa mulher?”, “Qual o nome dela?”, “Como ela vive?”, “Como

atualmente vivem as mulheres ribeirinhas no Acre?”, “Qual a história dessas

mulheres?”, são perguntas que poderiam ter sido feitas e questionadas pelo jornalista.

De acordo com Erbolato (2008), a notícia encontra leitores, quando conta a

história de pessoas, mostrando suas dificuldades e desafios, que sirvam de lições para os

demais. O editor, que deve procurar incansavelmente a adesão do público ao conteúdo

produzido sob sua responsabilidade, deve saber que não irá encontrar leitores,

reproduzindo matérias de assessorias.

Ainda neste especial, deu-se espaço para, mais uma vez, promover ações ligadas

à prefeitura, divulgando, através da matéria “Secretaria Municipal da Saúde celebra o

dia da mulher”, ações oferecidas às funcionárias da secretaria. No entanto, que

relevância ações internas como essas teriam para o leitor? Além da desqualificação do

Dia Internacional da Mulher, com comemorações promovendo um “dia de beleza” às

funcionárias, a promoção de um evento como esse retoma a discussão de que a

reprodução dessas matérias tanto limita o espaço produtivo no jornal, quanto tem como

único beneficiário o assessorado.

8 DE MARÇO DE 2013

O jornal A Gazeta do dia 8 de março de 2013, edição 8.038, traz a cobertura de

um evento promovido pelo governo Estadual, cuja matéria recebeu uma grande

manchete na capa do jornal. No primeiro parágrafo, a matéria informa o leitor quanto a

origem do dia 8 de março, e a reprodução da história do incêndio na fábrica repete-se

mais uma vez. A matéria fala sobre o evento institucional de forma superficial a partir

de entrevista dada as autoridades envolvidas, mas não trabalha com a criticidade. Bahia

(2009) orienta que a função do repórter não se limita a apurar fatos e registrar citações.

Page 143: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

143

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Neste sentido, além de reproduzir os acontecimentos do evento, a matéria

poderia incluir a opinião não só daquelas autoridades envolvidas no evento, mas de

pessoas comuns, e suas aspirações quanto às ações empreendidas pelo Governo de

enfrentamento contra a violência, por exemplo. Dar a oportunidade de pessoas comuns

serem incluídas em discussões políticas, mesmo que somente através de matérias

jornalísticas, também é uma poderosa forma de inclusão.

Ainda nesta edição, o jornal A Gazeta inclui a cobertura de uma sessão na

Câmara de Vereadores, que homenageou o Dia Internacional da Mulher. A matéria,

“Data é lembrada pela câmara de Rio Branco”, assim como a que cobriu o evento

promovido pelo Governo Estadual, é básica e não se apresenta de uma forma criativa.

Apesar de produzidas por jornalistas do veículo, assemelham-se a matérias de

assessoria, que abrem mão da criticidade.

Pode-se observar ainda que, nessa matéria, é mais perceptível as características

de notícia, do que de reportagem em si, demonstrando a ausência, nesta edição, de uma

reportagem a respeito do Dia Internacional da Mulher. Segundo Bahia, “Tomada como

método de registro, a notícia se esgota no anúncio; a reportagem, porém, nos mostra

como isso se deu” (BAHIA, 2009. p. 62). Ao não trabalhar de forma aprofundada em

uma data que faz parte do calendário mundial, o jornal distancia-se da realidade. Mário

Erbolato (2008) destaca ainda que os jornais impressos, mais do que qualquer outro

veículo, devem apresentar a informação de forma aprofundada, infelizmente esta não é

uma realidade dos jornais analisados.

Mário Erbolato defende que, entre noticiar e interpretar, a interpretação é o mais

difícil de fazer, pois, segundo ele, “[...] no processo de pesquisa, de investigação e de

análise dos acontecimentos, os fatores subjetivos têm mais oportunidades de se

manifestar do que quando simplesmente são descritos os fatos.” (ERBOLATO, 2008. p.

35). Mesmo assim, o editor possui o poder e função de orientar o jornalista para que

não fique preso somente aos fatos, e desenvolva um texto capaz de atrair leitores. Além

disso, o jornalista deve ter a capacidade do domínio da linguagem para atrair os leitores.

Ao entrevistar os vereadores de Rio Branco, o jornalista poderia tê-los

questionado a respeito de leis e mecanismos discutidos na casa para assegurar a

Page 144: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

144

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

equidade de gênero, por exemplo, no entanto, perdeu a oportunidade de questionar o

poder público, o que confirma a teoria de Marcondes (2008), que afirma que jornalistas,

ao depararem-se com um mercado sempre em mutação e vivendo seus dilemas pessoas,

tornam-se incapazes de um tratamento mais denso nas matérias do cotidiano.

Na editoria de esportes, no entanto, é possível encontrar uma reportagem que,

apesar de não ter sido produzida pelo jornal A Gazeta, sendo uma reprodução de outro

veículo local, o site Globo Esporte Acre, poderia ter sido explorada pelo jornal A

Gazeta. A matéria “Cláudia Malheiro: a primeira técnica de um time masculino no

Brasil”, conta a história profissional de Cláudia Malheiro, que de jogadora veio a

comandar um time de futebol masculino. O editor perde ao não explorar essa história,

que atrairia leitores interessados não só na trajetória da técnica, como em futebol em si.

Na edição 8.039, de 8 de março de 2013 do jornal O Rio Branco, seis matérias

compõe o especial dedicado a data. Com os títulos : “Programação do Mês da Mulher é

aberta oficialmente”, “Sexta Temcomemora o mês da mulher com show acústico de

servidoras públicas”, “No dia Internacional da mulher, Hemoacre incentiva população

feminina a doar sangue”, “Via Verde Shopping tem programação especial no Dia da

Mulher”, “Biblioteca da Floresta comemora Dia da Mulher com homenagens”, e

“Seminário debate o papel das mulheres no Bolsa Família”.

As matérias não conversam entre si, cada uma aborda assuntos diferentes e

também foram produzidas por assessorias, tanto governamentais, como privadas, como

no caso da matéria “Via Verde Shopping tem programação especial no Dia da Mulher”,

fazendo deste um especial mais uma vez voltado para a divulgação das ações de

assessorados do que voltado à sociedade.

Em 2013, o jornal Página 20, em sua edição 4.956, trabalha, assim como fez o

jornal A Gazeta na edição 7.749 de 8 de março de 2012, com a inserção de mulheres em

“profissões consideradas masculinas”. A matéria produzida pelo jornalista do veículo

possui o título “A força está com elas” e conta a história de Julia Luma, de 55 anos, e

Lídia Maria, 28. As duas fizeram curso de mecânica em 2012 e começaram a trabalhar

na área. Além delas, Dayane Sampaio dos Santos, 27 anos, também conta sua

Page 145: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

145

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

experiência de participar do curso de mecânica do Programa Nacional de acesso ao

Ensino Técnico (Pronatec).

A matéria produzida pelo jornalista contratado pelo veículo, no entanto, não é a

de destaque na central, mas secundária a um texto produzido pela assessoria da

Federação das Industrias do Acre (Fieac). A produção da assessoria ocupa mais da

metade da central, com o título “Invasão Feminina”, referindo-se também à inclusão da

mulher em “profissões o consideradas masculinas”.

Além da repetida crítica à publicação de matérias de assessoria de imprensa nos

veículos analisados, entende-se que a falta de criatividade dos responsáveis pela edição

em particular, evidenciada com a repetição de um direcionamento, faz com que os

jornais locais percam características importantes do jornalismo e, por diversas vezes,

limitem o espaço produtivo do jornal.

A edição do dia 8 de março de 2013 do jornal Página 20 traz também outras

quatro matérias ao longo da edição que estão relacionadas às mulheres. Todas foram

assinadas por jornalistas, no entanto, esses profissionais produziram este conteúdo na

função de assessores ligados à Agência de Notícias do Acre e Departamento de Trânsito

do Acre (Detran/AC), o que faz destas matérias produções de assessorias de imprensa.

As matérias “Programação do Mês da Mulher é Aberta Oficialmente” (anexo 22)

e “Sexta Tem comemora o Mês da Mulher com show acústico de servidoras públicas”

são exatamente as mesmas matérias que foram publicadas pelo jornal O Rio Branco na

edição de 2013. Esse retrato demonstra que os jornais analisados apresentam-se como

cópias uns dos outros, oferecendo aos leitores exatamente o mesmo conteúdo. Apenas a

diagramação foi feita de forma diferente. A matéria “Programação do Mês da Mulher é

Aberta Oficialmente” ainda repete sem qualquer novidade a cobertura do evento que

ganhou destaque no jornal A Gazeta, mas em matéria produzida por jornalista do

próprio veículo.

Desta forma, assim como afirma Juarez Bahia (2009), é questionável que os

jornais analisados não busquem produzir os próprios conteúdos, reinventando-se e

produzindo matérias inovadoras que cumpram seu papel na sociedade.

Page 146: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

146

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

A matéria “Mulher no Volante, prudência constante” (anexo 23) produzida pela

assessoria do Detran/AC, defende a prudência das mulheres no trânsito, com a intenção

de desconstruir o estereótipo de que as mulheres não são motoristas perspicazes. Já no

título da matéria, questiona o ditado popular “Mulher no volante, perigo constante”. A

matéria criativa poderia ter sido usada como mote na produção de conteúdos produzidos

pelo próprio veículo Página 20.

“Brava Gente - Lúcia Carlos, a “mãe” do Samu no Acre” é uma matéria de perfil

que conta a história de uma enfermeira que comanda o Serviço Móvel de Urgência

(Samu) no Acre. Lúcia de Fátima Carlos Paiva Luna recebe destaque pelo trabalho que

desempenha em um cargo de chefia. Isso não é apresentado na matéria como antagônico

a seu papel de mãe, com todas as suas peculiaridades, o que contribui para que a

imagem da mulher que é mãe e desempenha cargos de chefia seja cada vez mais

encarada de forma natural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi exposto em todo este trabalho, mesmo quando há necessidade

dos jornais A Gazeta, O Rio Branco e Página 20 se prepararem para cobrir uma data

como o Dia Internacional da Mulher, que faz parte do calendário mundial, os jornais

pecam pela falta de planejamento, aprofundamento, criticidade e criatividade. Os

jornalistas destes veículos parecem ainda não entender que, muito além de um dia de

comemorações, o Dia Internacional da Mulher é uma data para reconfirmar lutas que

ainda não foram vencidas, não somente pelas mulheres, mas por toda a sociedade.

Percebe-se ainda que esses jornais não trabalham de forma efetiva as pautas e

necessidades das mulheres, mesmo no dia 8 de março , excluindo de suas páginas

reflexões, discussões e entrevistas sobre a construção social da mulher, a sua

hipersexualização, dupla jornada de trabalho e a violência contra a mulher nos espaços

públicos e privados.

Até mesmo assuntos ligados a políticas públicas voltadas para as mulheres,

recorrentes nas páginas dessas edições, foram exploradas de maneira superficial e

Page 147: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

147

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

improdutiva. Percebe-se que há, desta forma, um distanciamento do jornalista, e aqui

reforça-se do editor, particularmente, que é o responsável pelo conteúdo do veículo, da

questão de gênero e pelo comprometimento em debater assuntos que contribuam para à

promoção dos direitos humanos.

A invasão de matérias das assessorias de imprensa nas páginas dos jornais

analisados sugere também um questionamento: se o poder público não realizasse ações

voltadas para o Dia Internacional da Mulher, os jornais rio-branquenses não fariam

qualquer menção à data? Atuam em Rio Branco também, duas secretarias voltadas para

políticas públicas para as mulheres, uma estadual e uma municipal, a Secretaria de

Mulheres do Estado do Acre (SEP/Mulheres) e a Secretaria Adjunta da Mulher em Rio

Branco (Semam). Diante disto, questiona-se se esses órgãos produzem conteúdos

utilizando-se de estatísticas, pesquisas, estudos de caso, capazes de fornecer insumos

para a produção dos jornalistas das redações, ou se essas assessorias trabalham

unicamente para promover as ações do Governo.

Apesar desta realidade em que a desigualdade é reforçada principalmente pelo

conteúdo inapropriado, é possível enxergar a mídia como aliada na promoção da

igualdade de gênero. Por isso a importância desse questionamento feito às mídias, a

análise e reflexão que este trabalho visou empreender.

A ausência de pauteiros nas redações dos jornais A Gazeta, O Rio Branco e

Página 20 apresenta-se como um fator que prejudica os periódicos, já que os editores

não conseguem dar conta de pautar os jornalistas para que estes produzam conteúdos

criativos e dentro dos princípios que regem o jornalismo, como a precisão na apuração,

ineditismo e benefício social.

As análises da realidade das mulheres ainda são pouco consistentes. Esta não é

uma realidade exclusiva dos jornais estudados e até mesmo do jornalismo brasileiro.

Ainda é preciso superar a barreira da sub-representação das mulheres não somente no

Acre ou no Brasil, mas em todo o mundo.

Referências Bibliográficas

Page 148: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

148

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

ADGHIRNI, Leal Zélia. O jornalismo entre a informação e a comunicação: como as assessorias

de imprensa agendam a mídia. Portal Intercom. Porto Alegre, 2004. Disponível em

<http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/148574136887311477556180163323847419149.pdf

> Acesso em 20 novembro 2015.

BAHIA, Juarez. Jornal, História e Técnica: As técnicas do jornalismo. Brasil: Mauad, 2009.

BASTHI, Angélica. Guia para Jornalistas sobre Gênero, Raça e Etnia. Disponível em: <

http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2013/01/guia_jornalistas.pdf>. Acesso em

10 novembro 2015.

BIBLIOTECA da Floresta comemora Dia da Mulher com homenagens. O Rio Branco. 8 mar.

2013.

BLAY, Alterman Eva. 8 de março: conquistas e controvérsias. Revista Estudos Feministas.

Florionópolis, fevereiro 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ref/v9n2/8643.pdf>

Acesso em: 10 novembro 2015.

CAMPOS, Tatiane. Programação do Mês da Mulher é aberta oficialmente. Página 20. 8 mar.

2013. Geral, Caderno 1. P. 8.

CAVALCANTE, Agnes. Protagonistas da Sociedade. O Rio Branco, Geral, Caderno A, p. 4-5.

DIAS, Evely. Elas conquistaram o espaço que não é mais só deles. A Gazeta, 8 mar. 2012.

Geral, Caderno 1. p. 5

DIAS, Evely. Ato em frente ao palácio marca abertura das atividades para o Mês da Mulher no

Acre. A Gazeta, 8-9 mar. 2013. Geral, Caderno 1. p. 5.

ERBOLATO, Mário L. Técnicas de codificação em jornalismo: Redação captação e edição

do jornal diário. São Paulo: Ática, 2008.

FENAJ. Federação Nacional dos Jornalistas. Código de ética dos jornalistas brasileiros.

Vitória, 4 ago. 2007. Disponível em:

<http://www.fenaj.org.br/federacao/cometica/codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.pdf>.

Acesso em: 11 novembro 2015.

FIEAC, Assessoria. Invasão feminina. Página 20, 8 mar. 2013. Especial, Caderno 1. p.10-11.

FOTO de Marcos Vicentti, da PMRB, é selecionada para mostra do Dia Internacional da Mulher

em São Paulo. Página 20. 8 mar 2013.

GONZAGA, André. Sexta Tem comemora o Mês da Mulher com show acústico de servidoras

públicas. Página 20. 8 mar. 2013. Geral, Caderno 1. P. 14.

HOJE é o Dia Delas. Página 20. 8 mar 2013

Page 149: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

149

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

JUBÉ, André; PERES, Bruno. Ibope: TV seque como principal meio mas jornais são mais

confiáveis. Disponível em <http://www.valor.com.br/brasil/3831384/ibope-tv-segue-como-

principal-meio-mas-jornais-sao-mais-confiaveis> Acesso em: 12 novembro 2015.

MAIA, Paulo João. Claudia Malheiro: A primeira técnica de um time masculino no Brasil. A

Gazeta, 8-9 mar. 2013. Esportes, Caderno 2. p. 11.

MARCONDES, Filho Ciro. Comunicação e Jornalismo. A saga dos cães perdidos. São Paulo:

Hacker Editores, 2002.

MEDEIROS, Anaís Cordeiro de. Análise de conteúdo das matérias do dia Internacional da

Mulher dos jornais A Gazeta, O Rio Branco e Página 20 de 2012 e 2013. Rio Branco. 2015.

NO dia Internacional da mulher, Hemoacre incentiva população feminina a doar sangue O Rio

Branco. 8 mar. 2013.

PINHEIRO, Dell. A força está com elas. Página 20, 8 mar. 2013. Especial, Caderno 1. p.11.

PINHEIRO, José. Data é lembrada pela Câmara de Rio Branco. A Gazeta, 8-9 mar. 2013.

Geral, Caderno 1. p. 5.

PREFEITURA DE RIO BRANCO, Assessoria. Página 20, 8 mar. 2012. Especial, Caderno 1. p.

9-12.

PROGRAMAÇÃO do Mês da Mulher é aberta oficialmente. O Rio Branco. 8 mar. 2013.

QUEIROZ, Onides Bonasccorsi. Brava Gente – Lúcia Carlos, a “mãe” do Samu no Acre.

Página 20. 8 mar. 2013. Geral, Caderno 1. P. 12.

ROSSI, Clóvis. O que é jornalismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988.

SECRETARIA municipal da Saúde celebra o dia da mulher. Página 20. 8 mar 2013.

SEMINÁRIO debate o papel das mulheres no Bolsa Família. O Rio Branco. 8 mar. 2013.

SEXTA Tem comemora o mês da mulher com show acústico de servidoras públicas O Rio

Branco. 8 mar. 2013.

SOUZA, Cristina. Mulher no volante, prudência constante!. Página 20. 8 mar. 2013. Geral,

Caderno 1. P. 12.

TJ/AC, Agência. Divulgado levantamento sobre a violência contra a mulher. A Gazeta, 8 mar.

2012. Geral, Caderno 1. p. 5.

VIA Verde Shopping tem programação especial no Dia da Mulher. O Rio Branco. 8 mar. 2013

Page 150: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

150

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

GLOBO 50 ANOS: A RELAÇÃO DE AMOR E ÓDIO ENTRE A EMISSORA

CARIOCA E O TELESPECTADOR BRASILEIRO1

Anaís Cordeiro de Medeiros2

Luan Cesar de Oliveira3

Natan Peres da Silva Lima 4

Denis Henrique Araújo5

Francielle Maria Modesto Mendes6

Resumo

Um dos maiores conglomerados de mídia do mundo, de acordo com Miguel (2002) e

Lima (2004) é o Grupo Globo, que mantém na TV aberta uma emissora líder de

audiência. Este trabalho tem como finalidade relatar aspectos históricos importantes dos

50 anos da Rede Globo de Televisão, pontuando sua relação ética no jornalismo e suas

interferências na sociedade brasileira. O texto aborda ainda a ascensão da emissora

durante o regime militar, o vínculo com o telespectador, a rejeição de alguns formatos

televisivos incorporados após o cinquentenário e a consequente queda de audiência.

Para fundamentar esta análise serão utilizados, além dos autores já citados, Bergano

(2010), Barbosa (2010), Bucci (2000), Fadul (1994) e outros estudiosos ligados ao

tema.

Palavras-chave: Mídia, Televisão, Rede Globo.

Televisão no Brasil: um breve resgate histórico

A televisão no Brasil, na forma de estação transmissora de imagens e sons, com

sinal aberto ao público, surgiu na década de 1950. Esse foi o ano de implantação e

inauguração da primeira emissora televisiva do país, a TV Tupi Difusora, em São Paulo.

Ela fazia parte dos Diários Associados, primeiro grande conglomerado de comunicação

do país que agregava rádios, revistas, jornais e emissoras de televisão. A iniciativa de

trazer o novo veículo de comunicação se deu pelo empreendedorismo de Assis

Chateubriand, proprietário dos Diários Associados.

1Trabalho apresentado ao GT História do Jornalismo do IV Encontro Regional Norte de História da Mídia, realizado

em 19 e 20 de maio de 2016. 2 Graduada em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Acre (UFAC). 3 Graduando do curso do curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo da Universidade Federal do

Acre (UFAC). 4 Graduando do curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo da Universidade Federal do Acre (UFAC). 5 Graduando do curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo da Universidade Federal do Acre

(UFAC). 6 Professora do curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo da Universidade Federal do Acre.

Page 151: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

151

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Mesmo com o pioneirismo, os primeiros passos da televisão brasileira se deram

de forma amadora. Barbosa (2010) vê esse início como uma fase experimental e sem

identidade da programação que as emissoras do país disponibilizavam para o público.

Apesar disso, o desenvolvimento do novo meio deu-se de forma rápida. No dia 20 de

janeiro de 1951 entrava em operação a TV Tupi do Rio de Janeiro, ano em que inicia a

fase de expansão do veículo no país.

Esse primeiro momento caracteriza-se pelo improviso, pela pouca

disponibilidade de receptores, em função também de seus altos custos, e,

sobretudo, pela experimentação de uma nova linguagem que levaria, pelo

menos, duas décadas para se estruturar.” (BARBOSA, 2010, p. 17).

De acordo com Barbosa (2010), ainda no ano de 1950, foram concedidas mais

duas concessões de emissoras de televisão. Surgiam em novembro daquele ano a TV

Record de São Paulo e a TV Jornal do Comércio de Recife. Proprietário de duas

estações, Chateubriand lançou em 1951, mesmo ano em que começaram a ser

produzidos os primeiros receptores televisivos no Brasil, uma ampla campanha no

intuito de estimular e alavancar a compra dos aparelhos. Ainda segundo a autora:

(...) o preço continuava proibitivo para a maioria da população: custava três

vezes mais do que um produto também objeto de desejo da classe média

ascendente: as radiolas. Em 1952 existiam em todo o país cerca de 11 mil

televisores. (BARBOSA, 2010, p. 20).

Mesmo com o alto custo dos receptores e o pouco número deles espalhados pelo

país, Barbosa (2010) destaca que as décadas de 1950 e 1960 representaram a eclosão em

massa de estações transmissoras de imagens e sons. Estava implantada com sucesso

absoluto a televisão no Brasil.

Apesar disso, os anos 1950 seriam marcados também pela expansão da

televisão como uma rede de imagens nas principais cidades do país: de 1955

a 1961 são inauguradas 21 novas emissoras. Em 1955, começa a funcionar a

TV Itacolomi (de Belo Horizonte). Quatro anos depois é a vez da TV Piratini

(de Porto Alegere) e a TV Cultura (de São Paulo). Em 1960, são inauguradas

a TV Itapoan (de Salvador), TV Brasília, TV Rádio Clube (de Recife), TV

Paraná, TV Ceará, TV Goiânia, TV Mariano Procópio (de Juiz de Fora), Tupi

Difusora (de São José do Rio Preto). E, no ano seguinte, seria a vez da TV

Vitória, TV Coroados, TV Borborema (de Campina Grande), TV Alterosa

(de Belo Horizonte), TV Baré, TV Uberaba, TV Florianópolis, TV Aracajú,

TV Campo Grande e TV Corumbá. (BARBOSA, 2010 p. 20).

Page 152: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

152

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

A televisão brasileira se consolidou e popularizou nos anos 1960. Alexandre

Bergano, no livro História da Televisão no Brasil, afirma que foi nesse período que

houve o que pode ser chamado e classificado como a fase de profissionalismo das

emissoras do país. Com isso, surgem “certas práticas de „como fazer televisão‟, assim

como outras são abandonadas, esquecidas ou profundamente transformadas.”

(BERGANO, 2010, p. 59). Os programas televisivos, que até então tinham a maneira de

ser herdada do rádio e do teatro, passam a criar uma linguajem própria.

A televisão foi gradativamente perdendo a característica de “lazer noturno

familiar” para, ao estender cada vez mais sua programação para o horário

vespertino e matutino, firmar-se como instrumento de “lazer” e de

“informação” para todos os seus membros, para isso ajustando-se, cada vez

mais, à rotina de horários de uma casa. A pioneira, nesse caso, foi a TV

Excelsior, do Rio de Janeiro, que, em 1963, passou a combinar uma

programação vertical (diferentes programas em um mesmo dia) com uma

horizontal (um mesmo programa exibido todos os dias no mesmo horário).

(BERGANO, 2010, p. 64).

TV Globo: o embrião de um conglomerado e a relação com a ética

É nesse contexto que em 1965, 15 anos após a inauguração da primeira estação

televisa do Brasil e um ano após a instalação do Regime Militar no país, entra em

operação a TV Globo, no Rio de Janeiro. Roberto Marinho, proprietário da emissora, já

comandava na década de 1960 o jornal O Globo, criado em 1925 por Irineu Marinho,

pai de Roberto, e a Rádio Globo, fundada em 1944. O novo meio de comunicação era o

passo inicial para a construção de um dos maiores conglomerados de comunicação do

mundo, as Organizações Globo, hoje chamada Grupo Globo, conforme pontua Lima

(2004).

A TV Globo do Rio de Janeiro, que entrou em funcionamento em 1965, foi o

primeiro passo para a construção da maior rede de comunicação do país e, ao

mesmo tempo, da empresa líder de um conglomerado econômico-financeiro

– as Organizações Globo – com interesses em áreas tão diversas que vão

desde os meios de comunicação de massa até uma fábrica de bicicletas.

(LIMA, 2004, p. 142).

Page 153: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

153

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

De acordo com Miguel (2002), a emissora carioca logo no início de suas

operações contou com apoio técnico e financeiro do grupo americano Time-Life. Lima

(2004) e Miguel (2002) apontam que tal financiamento com capital estrangeiro infringia

as legislações da época, que proibiam participação estrangeira em empresas de

comunicação do Brasil. Com a TV Globo desobedecendo as regras impostas na época,

uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi instaurada para investigar a estação

de Roberto Marinho. “De qualquer maneira, o aporte dos parceiros estrangeiros

permitiu que a Globo logo se destacasse tecnicamente das outras emissoras brasileiras e

alavancasse seu predomínio.” (MIGUEL, 2002, p. 34).

As estreitas relações com o Regime Militar, que tinha apoio expresso de Roberto

Marinho, também colaboraram para que a emissora carioca se expandisse nas décadas

em que os generais comandaram o país. O Regime via na televisão brasileira a maneira

de promover a “integração nacional” e propagar o “milagre brasileiro”, bandeira do

Governo Militar. Tal fato beneficiou a Globo, que de acordo com Lima usufruiu dos

satélites da Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel) para sua expansão – o

marco seria a criação do Jornal Nacional, primeiro noticiário em rede do Brasil – e o

encerramento da CPI Globo Time-Life.

Fica claro, a partir de então, o comprometimento recíproco entre o regime

autoritário e a Rede Globo. Esse comprometimento, iniciado por ocasião do

escândalo Time-Life, solidificou-se nos períodos Médici (1969-1974) e

Geisel (1974-1979), atingindo seu limite máximo no governo do general João

Batista Figueiredo (1979-1985), quando a Rede Globo, então já consolidada,

transformou-se em um verdadeiro “ministério da informação”, paralelo ao

governo e tão poderoso que se tornou capaz de desobedecer às

recomendações do próprio regime autoritário, por exemplo, no

encaminhamento da sucessão presidencial de 1985.” (LIMA, 2004, p. 158).

Bucci (2000) questiona a associação dos meios de comunicação aos grupos de

poder, sejam eles políticos ou econômicos. Para o autor, isso é prejudicial para a

democracia e para o cidadão comum. Já que manter estreitos laços com algum tipo de

regime, como fez a Rede Globo durante a Ditadura Militar nos governos exercidos por

ela, pode levar a ocultação de fatos importantes e beneficiar tais grupos: “A imprensa

deve informar a todos sem privilegiar os mais abastados, e também dar voz às diversas

correntes de opinião.” (BUCCI, 200, p. 12). O autor faz o seguinte questionamento:

Page 154: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

154

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Como pode a imprensa fiscalizar o poder – um de seus deveres supremos – se

ela se converteu em um negócio transnacional, oligopolizado em

conglomerados de mídia que trafica influência junto aos governos para

conseguir mais concessões de canais e mais facilidades de financiamentos

públicos? (BUCCI, 2000, p. 12).

Para o autor, “os meios de comunicação fizeram de seus proprietários e de seus

funcionários figuras arrogantes, que se julgam acima de qualquer limite quando se trata

de garantir seus interesses e de se divertir com seus caprichos.” (BUCCI, 2000, p. 11).

A reflexão mostra como os atos adotados por Roberto Marinho, que durante muitas

décadas utilizou o poder dos meios de comunicação do seu conglomerado para

favorecer a si próprio e aos interesses do grupo que comandou durante vários anos,

foram errôneos e antiéticos no âmbito do jornalismo.

Bucci argumenta que “o poder dos conglomerados ameaça atropelar os

princípios democráticos” (BUCCI, 2000, p. 14). A afirmação vai de encontro com certas

posições adotadas pelas empresas de Roberto Marinho, tanto do jornal O Globo como a

Rede Globo de Televisão, ao longo das décadas. Hoje esses posicionamentos são

considerados “erros” e alguns foram assumidos pelo Grupo Globo, pois tais

posicionamentos tentaram interferir na vida política e democrática do país durante e,

posteriormente, o fim do Regime Militar no Brasil.

Em um histórico editorial intitulado “Apoio editorial ao golpe de 64 foi um

erro”, veiculado pelo jornal O Globo no ano de 2013, as Organizações Globo

assumiram o apoio que as empresas e a emissora de Roberto Marinho, que encabeça

todo o conglomerado, deram ao Regime Militar até a sua dissolução em 1985. O

reconhecimento do dito erro se deu devido à pressão durante as manifestações de junho,

como assume o próprio editorial: “Desde as manifestações de junho, um coro voltou às

ruas: “A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura”. De fato, trata-se de uma verdade,

e, também de fato, de uma verdade dura” (O GLOBO, 2013, online).

Naquele contexto, o golpe, chamado de “Revolução”, termo adotado pelo

GLOBO durante muito tempo, era visto pelo jornal como a única alternativa

para manter no Brasil uma democracia. Os militares prometiam uma

intervenção passageira, cirúrgica. Na justificativa das Forças Armadas para a

sua intervenção, ultrapassado o perigo de um golpe à esquerda, o poder

Page 155: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

155

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

voltaria aos civis. Tanto que, como prometido, foram mantidas, num primeiro

momento, as eleições presidenciais de 1966. (O GLOBO, 2013, online).

Mesmo reconhecendo o erro, o editorial faz uma meia culpa quando afirma que

a situação política do país estava em uma fase delicada, e que segundo o próprio texto,

via-se a beira de um golpe articulado por Jânio Quadros, militares que o apoiavam e que

havia temor comunista, já que durante o Golpe de 64, de acordo com o editorial, o

mundo estava vivenciando a Guerra Fria.

O editorial afirma ainda que tal apoio se deu devido a outros veículos terem feito

o mesmo. “O GLOBO, de fato, à época, concordou com a intervenção dos militares, ao

lado de outros grandes jornais, como “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”,

“Jornal do Brasil” e o “Correio da Manhã”. (O GLOBO, 2013, online).

Conquistando audiência

Apesar do Grupo Globo ser um dos maiores conglomerados de mídia do mundo,

como apontam e comprovam Miguel (2002) e Lima (2004), no segundo semestre de

2015, o topo do pódio nem sempre foi da família Marinho. O conglomerado, que

atualmente engloba rádio, canais na televisão aberta e fechada, revistas, livros, discos,

cinema, jornal impresso, e outros; nasceu pequeno, com a fundação do jornal O Globo

em 1925 e só tomou força após firmar a parceria com o Grupo Time-Life e com o golpe

militar de 1964. Lima afirma que a solidificação do Grupo Globo fez com que a

empresa se tornasse “capaz de desobedecer recomendações do próprio regime

autoritário”. (LIMA, 2004. p. 157).

Segundo o autor, em 1968, as Organizações Globo já tinham concessões

próprias de emissoras de televisão nos três principais mercados do Brasil: Rio de

Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Ele mostra que ao longo dos anos 1970 a emissora

foi conquistando mais e mais concessões em todo o país. Miguel (2002) expõe que um

marco fundamental para que a Globo tenha conquistado tanto poder ao longo dos seus

50 anos de história, está relacionado diretamente com o Regime Militar no processo de

“integração nacional”. Com a criação do Jornal Nacional, em 1969, projeto almejado

Page 156: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

156

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

pelos militares, pela primeira vez o Brasil tinha um noticiário assistido ao vivo em todas

as regiões do país.

Com um forte poderio político e econômico, o monopólio da Rede Globo seguiu

crescendo. Lima (2004) apresenta dados que apontam que em 1982 a Globo se tornaria

a quarta maior rede de televisão do mundo composta por emissoras geradoras, afiliadas

e estações repetidoras, que totalizavam 47 emissores. Cobria 93% da população e 99%

dos 15,8 dos domicílios com TV existentes na época. Esses altos índices de audiência

alcançados pela extensão da emissora no Brasil, país de dimensões continentais, fez

com que a emissora estivesse à frente de canais concorrentes.

O domínio da audiência e a concentração de verbas publicitárias eliminavam

qualquer possibilidade de competição verdadeira. Dados extraídos da revista

propaganda (4/1980, p, 20-22 e 36-42), em edição especial sobre os 15 anos

da Rede Globo, mostram que para uma verba anual total de aproximadamente

500 milhões de dólares injetados na televisão brasileira, 350 milhões, ou seja,

70%,eram aplicados na Rede Globo. (LIMA, 2004, p. 161).

Apesar de a TV Globo ter difundido uma boa imagem do Regime e de suas

realizações, ela também se beneficiou com a parceria. De acordo com Miguel, é

“errôneo imaginar que a Globo foi um mero instrumento do governo militar. Ela possuía

sua própria estratégia de poder e aproveitou as oportunidades abertas pelo regime para

ampliá-lo” (MIGUEL, 2002. p. 36).

As concessões de canais, através de manobras e acordos políticos, e apoio a

Ditadura Militar, fizeram com que a Rede Globo conquistasse o espaço e o poder que

possui hoje. O abuso de poder do conglomerado é um caso em que a ética foi esquecida

para que a emissora, em benefício próprio, alcançasse ainda mais poder. Ao apoiar um

regime visando beneficiar-se, a Globo fere a ética. Conforme afirma Bucci:

Exigir que ajam com responsabilidade social e com consciência, que não

abusem do poder de que estão investidos, que não se valham dele para

destruir reputações e para deformar as instituições democráticas é exigir que

o espírito que se encontra na origem do jornalismo não seja corrompido

(BUCCI, 200, p. 11).

O monopólio global impediu por anos o desenvolvimento também de outras

emissoras. Um dos motivos para isso é porque as verbas de propagandas iam quase que

totalmente para emissora que liderava a audiência nacional. A falta de concorrência,

segundo Fadul (1994), é negativa, já que estimula que as emissoras estejam buscando

constantemente aprimorar seu conteúdo.

Page 157: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

157

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Em países como França, Itália, Inglaterra e Japão, que possuem regulação para

rádio e televisão, as emissoras educativas destacam-se por seus conteúdos de qualidade,

brigando pela audiência no mesmo patamar que as emissoras comerciais. No Brasil,

toda tentativa de regulação da mídia é acompanhada por críticas e acusações vindas das

grandes empresas de comunicação acusando o Governo de querer implantar a censura e

ditadura.

Em matéria intitulada “Oposição critica proposta de Berzoini para regulação da

mídia”, publicada no dia 3 de janeiro de 2015 no site do jornal O Globo, a repórter

Isabel Braga relata em uma matéria que políticos criticavam o ministro das

Comunicações, Ricardo Berzoini, após este afirmar que reabriria o debate sobre a

regulamentação econômica da mídia. Na fala dada ao jornal ao líder do PSB na Câmara,

o deputado Júlio Delgado afirma:

Não há o que debater no Congresso Nacional sobre regulamentação

econômica da mídia como deseja o novo ministro das Comunicações,

Ricardo Berzoini. A liberdade de imprensa foi uma das maiores conquistas da

redemocratização brasileira” (BRAGA, 2015, online).

Outros opositores a regulamentação também possuem falas extensas durante a

matéria, o ministro não tem nenhuma.

A matéria ainda possui uma retranca em que expõe superficialmente a

regulamentação das mídias já existente no Brasil. Como se nada mais pudesse ser feito

para aprimorar a regulamentação. Em sua obra, Miguel (2002) afirma que o Grupo

Globo sempre foi contrário a regulamentação da mídia no Brasil por este processo

representar uma ameaça ao monopólio da família Marinho. Apesar da atual realidade da

emissora ser diferente, e a larga vantagem adquirida pela Globo nos anos 1980 e 1990

ter sido diminuída a partir de fortes investimentos das demais emissoras, principalmente

da Rede Record, a hegemonia global ainda se sobressai, como ressalta Miguel:

A posição hegemônica da Rede Globo nos meios de comunicação brasileiros

não é explicada apenas pelos números – que, na verdade, são bem menos

impressionantes hoje do que eram há quinze anos. Para o público

estadunidense, acostumado a um padrão tripolar com ABS, CBS, e NBC

dividindo a audiência e as verbas publicitárias em fatias mais ou menos

iguais, a supremacia da Globo ainda é espantosa. Ela possui todos os

programas campeões de audiência e é líder inconteste em quase todas as

faixas de horário, muitas vezes abrindo larga margem sobre suas

competidoras, Mas já ficaram para trás os tempos em que suas maiores

atrações eram vistas por 70% ou mais do público e a principal rede

Page 158: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

158

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

concorrente, o Sistema Brasileiro de Televisão contentava-se com o slogan

“líder absoluto do segundo lugar” reconhecendo que a primazia nem estava

em cogitação (MIGUEL, 2002, p. 34).

A afirmação do autor demonstra bem o comportamento do público brasileiro na

hora de optar por entretenimento. O monopólio da emissora carioca sempre foi uma

questão discutida entre os estudiosos, já que em países como Estados Unidos e

Inglaterra, desenvolvidos e com uma economia sólida, as corporações de comunicação

não estabeleceram um virtual monopólio de audiência e receita, de acordo com Miguel

(2004). Na obra, ele próprio ressalta a preocupação de um país como o Brasil, com um

alto índice de analfabetismo7

e onde a televisão cobre mais de 90% do território

nacional, ter uma única emissora televisiva predominando na maioria das casas.

“Um novo tempo que começou”8

A Rede Globo decidiu no ano de 2015, em comemoração aos 50 anos de

fundação, realizar mudanças na programação, que vão desde os formatos das novelas

aos telejornais. De acordo com Marinho et al. (2011) as alterações ocorreram devido a

chegada da era digital: “Ela obriga a que todas as empresas que se dedicam a fazer

jornalismo expressem de maneira formal os princípios que seguem cotidianamente.”

(MARINHO, 2011, online).

As alterações no estilo das novelas, jornais e em toda programação não foram

bem aceitas pela audiência. Costa (2014) aponta que as mudanças na TV Globo foram

anunciadas, em abril de 2014, pelo diretor-geral da emissora, Carlos Henrique Schroder,

como estratégia para enfrentar a queda de audiência e preparar o grupo para o futuro.

Porém, as mudanças fizeram com que a emissora, que era líder absoluta de audiência,

perdesse este título após ter a principal novela derrotada por um folhetim da

concorrência na grande São Paulo, de acordo com Fernando Borges (2015).

7 O autor apresenta logo na introdução da obra (p.23) dados do censo de 1991. Naquele contexto, o

analfabetismo atingia 20% da população adulta e ele considera que devem ser somados a esse grupo os

muitos analfabetos funcionais. Miguel (2004) também faz um comparativo com dados do fim dos anos

80, tomando como base índices apresentados por Conti (1999), que mostravam que a tiragem somada dos

principais jornais não alcançava 1 milhão de exemplares, o que equivalia a menos de 1% da população. 8

Referência ao jingle veiculado pela emissora desde 1971 para comemorar o fim do ano

Page 159: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

159

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Segundo Fernando Borges (2015), em setembro de 2015 a novela Os Dez

Mandamentos (2015), da Rede Record, teve mais audiência do que a novela da Globo,

A Regra do Jogo (2015). Antes disso, apenas Pantanal (1990), novela de Benedito Ruy

Barbosa exibida pela TV Manchete, teve mais audiência que uma novela exibida pela

Globo no mesmo horário.

Essa queda de audiência na programação da emissora é percebida desde a estreia

do programa É de Casa, em agosto de 2015, conforme Altamiro Borges (2015). O que

também aconteceu com o Jornal Nacional que perdeu em audiência para a reprise da

novela O Rei do Gado (1996). Além da redução de audiência, uma pesquisa do Ibope

Media confirma ainda a queda no faturamento em anúncios publicitários nas TVs,

Jornais, revistas e rádios do Grupo Globo, é o que diz Altamiro Borges (2015).

Borges (2015) afirma ainda que no primeiro semestre de 2015, a redução no

faturamento com anúncios publicitários foi de 8,5% na comparação com o mesmo

período do ano anterior. O que é decorrente do crescimento da internet e da queda de

credibilidade dos variados veículos do conglomerado, como afirma o autor.

A nova estratégia da Rede Globo prioriza a inovação e assume os riscos de perda

de audiência. “A audiência deixará de ser a meta principal, mas uma das consequências

de uma programação „interessante e relevante‟.” (SCHRODER, 2014 apud COSTA,

2014). Os registros feitos sobre a queda drástica da audiência do Jornal Nacional, em

2015, são motivados de acordo com Martins (2015) pelos seguintes fatores: crise das

novelas da Globo, concorrência com a Record, disputa com os serviços on demand e

ascensão dos canais concorrentes.

Além destes fatores, Martins (2015) acredita que os índices decrescentes da

emissora revelam uma crise na confiabilidade com a maior parte da população. Para

sustentar a teoria, a autora relata que isso ocorre porque os telespectadores estão

cercados de veículos de comunicação que têm tornado as pessoas especialistas em

mídia.

Acredito que haja sintomas visíveis para assegurar, sim, um amadurecimento

nosso, o público, que agora somos consumidores de mídia mais preparados.

São mais canais de crítica circulando, mais debate público, mesmo em redes

sociais, mais olhares variados e, consequentemente, mais desconfiança. São

Page 160: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

160

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

mais vozes que se levantam a partir do próprio público e agora buscam

legitimidade. Afinal, hoje todos temos alguma ferramenta de comunicação

em mãos e parecemos francamente dispostos a publicar nossas versões sobre

os fatos neste vasto mundo da internet. (MARTINS, 2015, online).

Nos protestos de 2013, que ocorreram em todo país, os repórteres da Rede

Globo foram hostilizados em varias coberturas jornalísticas, o que é explicado por

Medeiros (2013), como representação de ódio dos telespectadores à emissora e ao

direcionamento das coberturas dos protestos. “O ódio contra a Globo é unânime”,

(MEDEIROS, 2013, ONLINE).

Ainda assim, o autor afirma que a unanimidade é “burra” por não criticar

também as outras emissoras de TV do país que realizaram as coberturas dos protestos e

defende a Globo ao criticar as outras empresas de explorarem os sentimentos da

população e de não terem compromisso com a verdade.

Apesar de tudo, a Rede Globo não transmite jornalismo sensacionalista por

apresentadores inescrupulosos que mantêm audiência elevada não pelo

compromisso com a verdade, mas com a exploração de sentimentos viscerais

de uma população cada vez mais sedenta de sangue. Tampouco a Rede

Globo, ao contrário de quase todas as outras emissoras, dedica sua

programação a perniciosos pastores evangélicos que têm como objetivo

ludibriar, vender falsas esperanças e propagar intolerância e preconceito,

recrutando fiéis através do medo, da intimidação, de promessas de curas,

bênçãos, glórias e poderes sobrenaturais. Estes programas representam um

flagrante atentado à Constituição, aos valores republicanos e ao Estado

democrático de direito. (MEDEIROS, 2013, online).

Porém, os ataques à emissora fizeram com que a Rede Globo viesse a público

assumir erros cometidos, como forma de se desculpar com a população e criou o

Memória Globo, que reúne textos que assumem erros e posicionamentos da emissora.

No primeiro editorial, de vários que contam erros do conglomerado, a Globo diz que

mesmo se não houvesse as manifestações contra a emissora os textos seriam publicados.

Entre as falhas assumidas, as Organizações Globo reconhecem que o apoio à ditadura

militar foi um erro, assim como a cobertura das Diretas Já e a manipulação do debate

entre dos presidenciáveis do segundo turno da eleição de 1989, Luiz Inácio Lula da

Silva e Fernando Collor.

Page 161: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

161

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

A culpa é da Globo: algumas explicações

Por encabeçar um dos maiores conglomerados de mídia do mundo e ainda ser a

emissora líder de audiência no Brasil, constantemente a Rede Globo é alvo de protestos

e críticas relacionadas ao modo como as coberturas de grande importância são

organizadas. A “má fama” da emissora carioca foi conquistada devido a

posicionamentos considerados incoerentes, caso do apoio dado à Ditadura Militar, do

favorecimento do Fernando Collor durante as eleições presidenciais de 1989 e outras

situações (MIGUEL, 2002; LIMA, 2004).

Fadul (1994) explica que discursos contra a Indústria Cultural e os meios de

comunicação de massa são repassados pela Escola e academia, o que acaba por refletir

na visão “frankfurtiana” da maioria dos brasileiros sobre o poder de manipulação da

televisão, principalmente da TV Globo, um dos principais meios de comunicação do

país. Para ela, “esses dois conceitos, Indústria Cultural e Comunicação de Massa, têm

de ser vistos a partir de uma perspectiva histórica.” (FADUL, 1994, p.54).

A autora explana o conceito de Indústria Cultural desenvolvido por Adorno e

Horkheimer na obra Dialética do Iluminismo. Ela contextualiza a criação do conceito

afirmando que os teóricos vivenciaram a propaganda nazista, advinda do Estado, e a

mobilização das massas feita pelas empresas, indústrias e comércio americanos. A

semelhança entre as duas “táticas” foi a utilização do rádio e do cinema. Sobre isso,

reflete Fadul: “É importante aprender com esses exemplos, pois eles podem-nos ensinar

a mobilizar uma sociedade não para o autoritarismo, mas para a libertação, a

criatividade e a emancipação.” (FADUL, 1994, p. 55). A autora afirma ainda:

A partir das ideias do livro Indústria Cultural e Cultura de Massa, tentou-se

definir uma indústria muito especial, que produz não uma mercadoria

qualquer, mas sim uma mercadoria que possui um valor simbólico muito

grande, embora ela se organize da mesma forma que uma fábrica de

automóveis (...) Sua produção é em grande escala – basta ver as tiragens dos

jornais e audiências da televisão e do rádio –; tem um baixo custo, porque se

beneficia da economia de escala; é padronizada, pois é a eterna repetição do

mesmo. Foi a partir dessas três características que Adorno e Horkheimer

tentaram mostrar como essa indústria realizava uma verdadeira manipulação

das consciências. (FADUL, 1994, p. 55-56).

Page 162: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

162

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Fadul explica que o termo “frankfurtiano” serve para se referir a “uma certa

coerência teórica entre aqueles que denunciavam a sociedade de massa, como a suprema

forma de totalitarismo e de perversão da cultura.” (FADUL, 1994, p. 56). De acordo

com a estudiosa, ainda prevalece no Brasil a mesma definição de 1947 para essa

indústria. Essa visão, segundo ela, é reforçada principalmente na Escola, que incutiu nos

alunos que “a Indústria Cultural é um mal a ser evitado”. Ela argumenta que cursos

superiores também reforçam essa visão.

Os argumentos de Fadul retratam muito bem a visão “frankfurtiana” que a

grande maioria dos brasileiros têm em relação à Rede Globo, que comprovadamente já

exerce certa influência no cenário político brasileiro. Porém, a autora afirma que “os

meios de comunicação de massa não são os únicos inimigos das classes trabalhadoras e

da sociedade brasileira.” (FADUL, 1994, p.58). Ela completa que esses meios

“reforçam uma dominação que começa na fábrica, no escritório, na Escola, na família,

na Universidade.” (FADUL, 1994, p.58). Argumenta a autora:

Eles são coadjuvantes importantes, mas não são coadjuvantes. A dominação

já existe na sociedade, mas eles são realmente um reforço e um impulso

muito grandes (...) É preciso educar os alunos para não aceitarem a televisão

que aí está, porque esta não é a televisão. Mas é preciso estudar e conhecer os

meios de comunicação de massa. (FADUL, 1994, p. 59).

Assim, como propõe a pesquisadora, há uma grande necessidade de que os

brasileiros, em especial os que têm a oportunidade de acesso ao conhecimento, tenham

um entendimento da Indústria Cultural para que a visão de que os males da sociedade

são causados por ela seja desprendida do imaginário coletivo. Essa compreensão da

Indústria Cultural, reforça Fadul, tem que se dar em suas várias manifestações em

diversos países do mundo: “A partir daí será possível fazer com que a recepção se dê de

uma „outra‟ forma, interferindo tanto na ficção quanto no noticiário.” (FADUL, 1994,

p.59).

Considerações Finais

Apesar de todas as criticas referentes à emissora, a Rede Globo não é o único

grupo midiático a construir um discurso a favor de seus interesses. Torna-se necessário

Page 163: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

163

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

o consenso dos veículos de comunicação em selecionar os assuntos e temas de interesse

pessoal e que possam ser usados no dia a dia, no convívio social. Além disso, é

necessário que o telespectador reveja o modo de se “apropriar” das informações

despejadas ou divulgadas, selecionando-as de forma concisa para o real aproveitamento.

A concentração de críticas referentes à Rede Globo pode ser observada a sua

liderança frente às outras emissoras, somado ao fato da TV ser um meio de

comunicação de fácil acesso, levando a um número elevado de pessoas informações que

criam ambientes de discussões. Dessa forma, gera-se o descontentamento com os

posicionamentos da emissora.

A partir desses pontos de críticas ao Grupo Globo, pode-se entender a crise de

confiabilidade que a emissora vem vivendo com uma parte da população, o que está

resultando no decréscimo da audiência frente aos outros veículos televisivos. Os

protestos de 2013 demonstraram de forma prática a crítica social referente à forma

como as informações são repassadas pela emissora, além de incentivar a mudança nos

quesitos tratamento e divulgação de notícias conflituosas.

Fadul (1994) expõe que os meios de comunicação de massa, aqui se destaca a

Rede Globo, apesar de seu poder, são reflexos de um cenário que já é desigual por si só,

mas que ganha força por meio dos meios, um cenário que surge logo na Escola. Para a

autora, a Escola forma alunos que recusam a Indústria Cultural por ela própria não

compreender e, consequentemente, tolerá-la. Fadul considera que isso acontece porque

a Escola não procura conhecer essa indústria para poder criticá-la. Por isso, mesmo que

a Rede Globo possua inúmeros casos em que a ética foi esquecida em benefício de

interesses políticos e econômicos, não se pode acusá-la de ser causadora de todos os

males, injustiças sociais, e falhas da imprensa brasileira.

Referências Bibliográficas

BARBOSA, Marialva Carlos. Anos 1950 – a televisão em formação. In: RIBEIRO, Ana

Paula Goulart; SACRAMENTO, Igor; ROXO, Marco (Orgs.). História da Televisão

no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010.

BERGANO, Alexandre. Anos 1950 – a televisão em formação. In: RIBEIRO, Ana

Paula Goulart; SACRAMENTO, Igor; ROXO, Marco (Orgs.). História da Televisão

no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010.

Page 164: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

164

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

BORGES, Altamiro. Audiência da TV Globo está derretendo!, 2015. Em: <

http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Midia/Audiencia-da-TV-Globo-esta-derretendo-

/12/34228>. Acesso em: 25 de outubro 2015.

BORGES, Fernando. Apocalipse Global: Pela primeira vez em 25 anos, Globo perde o

título de líder em novelas, 2015. Em: < http://br29.com.br/apocalipse-global-pela-

primeira-vez-em-25-anos-globo-perde-o-titulo-de-lider-em-novelas/>. Acesso em: 25

de outubro 2015.

BRAGA, Isabel. Oposição critica proposta de Berzoini para regulação da mídia,

2015. <http://oglobo.globo.com/economia/negocios/oposicao-critica-proposta-de-

berzoini-para-regulacao-da-midia-14960877>. Acesso em: 11 novembro 2015.

BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

COSTA, Luciano Martins. A TV Globo encara a ruptura, 2014. Em:

<http://observatoriodaimprensa.com.br/feitosdesfeitas/a_tv_globo_encara_a_ruptura/> .

Acesso em: 25 de outubro 2015.

FADUL, Anamaria. Indústria Cultural e Comunicação de Massa. Série Idéias. n. 17,

São Paulo: FDE, 1994. p. 53-59.

GLOBO, Memória. Erros, 2015. Em: <http://memoriaglobo.globo.com/erros>. Acesso

em: 02 de dezembro 2015.

LIMA, Venício A. de. Mídia: Teoria e Política. Rio de Janeiro: Fundação Perseu

Abramo, 2004, 2ª edição.

MARTINS , Maura Oliveira. O que a crise do „Jornal Nacional‟ fala sobre nós?,

2015. Em: < http://observatoriodaimprensa.com.br/rede-globo/o-que-a-crise-do-jornal-

nacional-fala-sobre-nos/>. Acesso em: 25 de outubro de 2015.

MARINHO, R. B.; MARINHO, R. J.; MARINHO, J. R. Princípios Editoriais do

Grupo Globo. 2011. Disponível em:

<http://grupoglobo.globo.com/principios_editoriais.php> Acesso em: 25 de outubro de

2015.

MEDEIROS, Alexandre. Por que apenas a Globo foi hostilizada nos protestos?,

2013. Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-

questao/_ed756_por_que_apenas_a_globo_foi_hostilizada_nos_protestos/>. Acesso em:

26 de outubro de 2015.

MIGUEL, Luis Felipe. Política e mídia no Brasil: episódios da história recente.

Brasília: Plano, 2002.

Page 165: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

165

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

INDÍOS, AYAHUASCA E CHICO MENDES: ESTERIÓTIPOS DO ACRE

DESTACADOS NO DOCUMENTÁRIO ‘O ACRE EXITE’ 1

Resumo

Daiane Lopes PEREIRA2

Elisa Pedrina C. dos SANTOS³

Franciele Maria Modesto Mendes3

Universidade Federal do Acre - UFAC

O presente artigo visa analisar o documentário O Acre Existe, buscando apresentar a

grande quantidade de estereótipos dados ao estado do Acre. Destacando a visão

preconceituosa de que no Acre só existem pessoas de baixa renda, que o daime é a

religião oficial ou que a ayahuasca é uma bebida consumida por todos no estado, entre

outros. Para a fundamentação da pesquisa, utilizaremos diálogos e exemplos contidos

no filme, e o livro Preconceito Contra a Origem Geográfica e de Lugar: As fronteiras

da discórdia de Durval Muniz de Albuquerque Jr.

Palavras-chave: O Acre Existe; Cultura Acreana; Estereótipos.

O documentário O Acre Existe que estreou dia 22 de novembro de 2013 e foi

exibido na 4ª Edição do Festival Internacional Pachamama– Cinema de Fronteira, no

Cine Teatro Recreio, em Rio Branco – Acre, é dirigido por Bruno Graziano, Milton

Leal, Paulo Silva Jr. e Raoni Gruber, e expõe uma visão bem clichê desse estado

brasileiro.

O filme que teve como objetivo apresentar a realidade e identidade cultural das

pessoas do estado do Acre, terminou por não mostrar nenhuma novidade, pelo contrário,

apenas disseminar ainda mais estereótipos. O filme resumiu o Acre em ayahuasca4,

índios e Chico Mendes, acentuando o consumo da ayahuasaca e do rapé 5 como algo

1 Trabalho apresentado na Linha Temática de Jornalismo da V Seacom da Ufac 2 Estudante do 8º período do Curso de Jornalismo, da Universidade Federal do Acre (UFAC). E-mail:

[email protected] ³ Estudante do 6º período do Curso de Jornalismo, da Universidade Federal do Acre (UFAC). E-mail:

[email protected] 3 Orientador do trabalho. Professora Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e Mestre em

Letras pela Universidade Federal do Acre (UFAC), onde atua como docente do curso de Comunicação

Social/Jornalismo. E-mail: [email protected] 4 Refere-se a uma bebida alucinógena produzida a partir da decocção de duas plantas nativas da floresta amazônica.

5 Um pó feito geralmente de tabaco e outras ervas e cinzas de árvores que são moídos e transformados em um pó fino

e aromático que é aspirado ou soprado pelas narinas.

Page 166: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

166

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

que parece ser comum na rotina dos acreanos, o Acre como uma terra de índios,

florestas e que é sempre lembrado por Chico Mendes.

Os estereótipos

Muitos acreanos que saem para visitar outros estados sofrem com milhares de

perguntas ou piadas a respeito do local onde moram. Aliás, não é necessário nem sair do

estado para que sofram esses preconceitos, na internet e, principalmente, nas redes

sociais, comentário depreciativo é muito comum. Historicamente, é dito que o Acre é

um lugar que não existe, ruim de se viver e que no local não existe civilização, mas

quem criou esses discursos? Por que esse imaginário perpetua mesmo em uma era de

tanta comunicação e fácil conhecimento?

O Acre está localizado no norte do país e faz divisa com a Bolívia e o Peru. O

estado possui 164.123,040 km, divididos em 27 municípios, com aproximadamente 800

mil habitantes. Mas são muitos preconceitos formados e acentuados ao longo dos anos

sobre a região norte. Em seu livro Preconceito contra a origem geográfica e de lugar:

As fronteiras da discórdia, Albuquerque Júnior, destaca:

O preconceito quanto a origem geográfica é justamente aquele que

marca alguém pelo simples fato deste pertencer ou advir de um

território, ou de um espaço, de um lugar, de uma vila, de uma cidade,

de uma província, de um estado, de uma região, de uma nação, de um

país, de um continente, considerado por outro ou outra, quase sempre

mais poderoso ou poderosa, como sendo inferior, rústico, bárbaro,

selvagem, atrasado, subdesenvolvido, menor, menos civilizado,

inóspito, habitado por um povo cruel, feio, ignorante, racialmente ou

culturalmente inferior. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2012, p. 11).

O documentário O Acre Existe é repleto de estereótipos relacionados a cultura

acreana. Segundo Albuquerque Júnior, o estereótipo é um tipo de discurso de quem se

considera superior a outro, esses discursos geralmente são caricaturais, ou seja,

escolhem alguma característica do determinado grupo e a exageram de forma, quase

sempre, depreciativa:

O discurso da estereotipia é um discurso assertivo, imperativo,

repetitivo, caricatural. É uma fala arrogante de quem se considera

superior ou está em posição de hegemonia, uma voz segura

Page 167: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

167

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

autossuficiente que se arroga no direito de dizer o que o outro é em

poucas palavras. O estereótipo nasce de uma caracterização grosseira,

rápida e indiscriminada do grupo estranho; este é dito em poucas

palavras, é reduzido a poucas qualidades que são ditas como sendo

essenciais. O estereótipo é uma espécie de esboço rápido do que é o

outro. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2012. p.13)

A visão estereotipada do filme é comparada com a visão que os primeiros

expedidores tiveram ao chegar a Amazônia. As imagens de apoio sempre ressaltando a

exuberância da floresta. “Ressaltando elementos do imaginário que trazem em si a

construção da Amazônia como uma imagem ocidental internacionalizada através da

difusão provida por relatos da Europa”. (PIZARRO, 2012, p.62).

Os produtores buscaram propagar o conhecimento de uma realidade que

segundo eles precisa ser revelada: a realidade acreana. Porém, não se deram conta que

trouxeram com eles conceitos já formados sobre o lugar e foram exatamente esses

conceitos que os guiaram nas filmagens. Ou seja, foi válida a tentativa de mostrar o

Acre, porém erraram em discorrer pelos mesmos assuntos que os acreanos sempre são

lembrados – indígenas, ayahuasca, Chico Mendes, entre outros – e não apresentarem

nenhuma novidade do local.

Com seus primeiros minutos filmados em estradas e mais estradas, já se tem a

ideia de lugar muito distante, onde a civilização ainda não chegou. As imagens em

seguida, mostram como o local é imaginado, paisagens com muita fauna, flora e índios,

tudo muito monótono. Alguns conceitos parecem, que já estavam entranhados no local,

Durval Muniz de Albuquerque Júnior, diz que é muito difícil desfazer conceitos e

definições que já foram dados a um lugar:

O que é mais problemático, é que nenhum contato conseguirá, muitas

vezes, desfazer a definição previamente dada. É a estas definições

prévias, definições ou descrições que não advêm do conhecimento do

outro, mas que nascem da hostilidade, da distância ou do

desconhecimento do outro, que chamamos de preconceito.

(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2012. p. 10).

A cultura indígena é um dos principais focos do documentário. Na Amazônia,

está concentrando uma grande quantidade de tribos indígenas, atraindo assim a atenção

daqueles que se interessam e tem fascínio pelos costumes indígenas. Aqui, se compara

Page 168: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

168

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

a visão dos produtores do filme com o olhar dos primeiros expedidores na Amazônia,

onde procuram enaltecer a beleza e riqueza da natureza local. Como Pizarro (2012)

observa, essa visão mostra formas idealizadas pelo outro a partir de algumas

características.

A Amazônia é, tal como hoje a percebemos desde seu descobrimento

pelos olhos do homem ocidental, a história dos discursos que a

construíram, em diferentes momentos histórico e dos quais recebemos

uma informação parcial, que permite fundamentalmente identificar o

discurso dos europeus sobre ela. (PIZARRO, 2012, p. 33)

O índio que aparece no filme é aquele ser bem característico, encontrado em

livros e documentários: homens primitivos, com rostos pintados e cocás6. A narrativa

criada em cima desse discurso surpreende aos próprios acreanos que assistem ao

documentário, muitos moradores do estado sabem que a presença indígena na cidade,

não é tão comum, como dá a entender durante o filme.

Em 2014, a Fundação Nacional do Índio – FUNAI realizou uma pesquisa sobre

número da população indígena no Brasil. Nessa tabela o estado do Acre ocupa o 4º

lugar, ficando atrás de estados como Amazonas, Roraima e Pará. Segundo o Censo

2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 15.921 dos 733.559

habitantes acreanos são indígenas. Esses dados apontam que o Norte é a região que mais

possui índios, mas que sua maioria não está concentrada no Acre. Nesses dados, vemos

como muitos tratam os estados do Norte como um único lugar, sem diferenciá-los.

Alguns personagens indígenas usam o espaço no documentário para relatar os

problemas que enfrentam.

Na aldeia Mutum, a pajé7 Mariazinha, relata um pouco de sua vida e de seus

sofrimentos, entre eles, a ruptura com as identidades indígenas ainda quando criança:

“Eu não me lembro quando o meu povo ainda se pintava, os patrões moravam de um

lado do rio e a gente do outro, o contato do branco perdeu muito isso” (O ACRE

EXISTE, 2013). Os rituais indígenas voltaram a ser praticados só depois que a mãe dela

6 Um adorno feito de penas, símbolo de nobreza para os índios. Para o indígena o uso do cocá ultrapassa limites do

estético e imprime em suas penas e sementes a ordenação da aldeia, o significado da vida, a importância do ser.

Dados disponíveis: http://www.portalamazonia.com.br/secao/amazoniadeaz/interna.php?id=433 7 Maior liderança espiritual indígena.

Page 169: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

169

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

buscou as raízes indígenas e as trouxe de volta. Essa perca de identidade cultural,

mostra como ao longo do tempo o índio foi se descaracterizando e ficando mais

parecido com o homem da cidade.

Na fala do indígena Gilberto, observam-se como são dadas as relações humanas

entre indígenas e o homens brancos, quando ele relata sobre a bebida do índio

(provavelmente a ayahuasca) e a bebida do branco, a cachaça. Por certas brigas

acontecidas durante o episódio, o índio conclui que a bebida deles é a de paz e a do

outro é a de guerra. O índio não possui a mesma visão que o homem da cidade, não

aceita tudo que vem de fora como sendo melhor do que é produzido por eles. Talvez

esse seja um dos motivos pelos quais eles serem considerados tão hostis. Por não ter o

mesmo pensamento da sociedade que se considera civilizada, o índio é apresentado não

civilizado, sendo objeto de dominação e exploração.

O pensamento da sociedade indígena é bastante diferente: geralmente

não existe o mesmo conceito de propriedade como no mundo

"envolvido". Também a maneira como se faz decisões em respeito à

aldeia ou à tribo não é na mesma forma linear hierárquica. Estas e

outras diferenças da mentalidade indígena levaram a muitos

preconceitos contra os índios, como que eles seriam mentirosos e não

confiáveis. Estes preconceitos sempre serviram como justificativa para

a discriminação e extinção dos índios. (POVOS INDÍGENAS NO

ACRE8)

É importante relatar que os índios também são alvo da exploração daqueles que

deveriam cuidar de seus interesses. Existem governantes que apenas se aproveitam

economicamente dos índios para promover um ganho em cima dessa cultura, sem se

preocupar com as reais necessidades indígenas como brigas territoriais ou saúde,

problemática que é, inclusive, abordada de forma rápida no documentário. Em um

determinado, momento aparecem indígenas fazendo um manifesto por conta das

precárias condições de saúde que lhes é oferecido.

Nas cenas entre cortadas, podemos ver tradicionais e exóticos rituais indígenas,

como a pajé que parece estar fazendo um rito de cura em uma criança ou os produtores

do filme experimentando a ayahuasca. Imagens como essas sem um contexto ou uma

8 Dados disponíveis em: http://www.amazonlink.org/ACRE/amazonas/seringueiros/indigenous.htm

Page 170: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

170

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

boa apresentação, tendem a aprofundar ainda mais velhas opiniões mal formadas sobre

o tradicional e exótico.

Não se pode negar que a população indígena no Acre é uma realidade, existem

tribos espalhadas pelo interior do estado. Segundo o site oficial do Governo do Estado

do Acre, a estimativa da população indígena é de 14.451 indivíduos, que estão divididos

entre 146 aldeias diferentes e ocupam 13,61% do território acreano9.

Os criadores do filme dão a entender que não tinham conhecimento da história

do Acre ou de como se deu seu processo de estadualização. Essa falta de conhecimento

leva Bruno Graziano, Milton Leal, Raoni Gruber e Paulo Silva a mostrarem apenas o

que lhes convém, no caso o que chamou atenção no estado, o Acre dos índios, da

ayahuasca, do rapé, do Santo Daime e de Chico Mendes.

Muitos personagens falam sobre a ayahuasca, contando sobre a origem e seus

efeitos. Alguns explicando a diferença entre a bebida e Santo Daime, buscando

demonstrar seu conhecimento e tentando impressionar diante “das câmeras”. A grande

importância e visibilidade dada a religião no documentário, cria no imaginário que esta

é a religião predominante no estado. Provavelmente o fato do fundador do Santo

Daime10 ter tido seus primeiros contatos com a ayahuasca no Acre, realça esse

estereótipo.

A pesquisa Novo Mapa das Religiões feita pela Fundação Getúlio Vargas

mostra que a religião que mais se acentua no Acre é o catolicismo com 50,73%, seguida

por 36,64 % dos evangélicos de diversas vertentes11, o restante da porcentagem está

dividido entre religiões espiritas, afro-descentes e os sem religião.

A fala do grafiteiro Tosh, um dos muitos personagens mostrados no filme, deixa

claro como é vista, por alguns, a questão religiosa no lugar: “os evangélicos dominam

tudo (...)”, mostrando assim que essa visão de Santo Daime como única religião acreana

9 Dados disponíveis em: http://www.ac.gov.br/wps/portal/acre/Acre/estado-acre/sobre-o-acre 10 Raimundo Irineu Serra, fundador da Doutrina do Santo Daime, chegou no Acre por volta de 1912, para trabalhar

como seringueiro. Também trabalhou como funcionário na Comissão de Limites na delimitação da fronteira do Acre

com a Bolívia e o Peru. E foi nesta época que conheceu a ayahuasca.

11 Dados disponível em http://www.cps.fgv.br/cps/bd/rel3/REN_texto_FGV_CPS_Neri.pdf. Acesso em 17 de

outubro de 2015.

Page 171: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

171

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

está equivocada. Nenhuma pesquisa mostra o Daime como uma religião forte e nem

com um grande número de adeptos no estado.

Os 37 personagens mostrados ao longo do filme têm uma personalidade

excêntrica, os cineastas não mostraram a cidade e seu povo, com suas rotinas, culturas e

realidades distintas, eles buscaram apenas retratar o diferente, sem se preocupar com

suas peculiaridades.

O primeiro personagem, Seu Francisco, conta a respeito da sua preferência em

viver na zona rural e fala da cidade como se ela ainda estivesse no início de processo de

formação da urbanização. “Quando eu cheguei no estado do Acre, em 1995, de volta,

ninguém conhecia o Acre, era uma tristeza, pode se dizer é uma cidade, até chegando lá

você vai ver, que tem aspecto assim de uma cidade” (O ACRE EXISTE, 2013). Essa

fala tem um grande peso na questão de aceitação do estereótipo que lhe foi imposto.

Durval explica quem sofre o preconceito acaba aceitando essa opinião e a

disseminando.

O passado continua convivendo com o presente, muito do que somos,

fazemos, pensamos, gostamos, odiamos, nos vem do passado, nos

chega através das gerações anteriores [...] muitos dos nossos

preconceitos ,das nossas formas de caracterizar os outros, de ver os

habitantes de dados lugares e países, foram pensados e produzidos em

outro momento, em outro contexto histórico, motivados de situações

diferentes das de hoje, mas que, no entanto continuam se repetindo em

opiniões, imagens e estereótipos, que não sabemos direito de onde

vêm e, o pior, muitas vezes achando que aquilo que dizemos é uma

realidade incontestável, naturalizando assim o que não é natural.

(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2012, p.19)

A distância do Acre em relação aos restantes estados do país é um dos fatores

que contribuem para o seu desconhecimento. O isolamento do estado sofrido pelo alto

custo das passagens aéreas e a precária situação das estradas, qual fazem ligação com o

restante do país dificultando tanto a saída como a entrada ao estado.

E para quem só conhece o Acre, através de histórias ou livros, outro tema que

não pode ser deixado de lado é Chico Mendes. Sindicalista e Ativista ambiental, Chico

nasceu em Xapuri, era filho de seringueiros, foi analfabeto até os 18 anos. Mais adulto,

ele percebeu que os seringueiros estavam sendo roubados pelos patrões, foi então que

iniciou um movimento sindical em defesa dos direitos dos trabalhadores dos seringais.

Page 172: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

172

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

A partir daí ele criou os empates, movimentos onde os seringueiros se reuniam para

impedir as derrubadas na floresta, isso fez que ele chamasse a atenção da mídia. Chico

Mendes morreu em 1988, mas sua imagem até hoje é exaltada, como amigo e protetor

da Amazônia (PAULA; SILVA, 2006).

Essa imagem de homem bom e benévolo, pode ser percebida através das falas e

atitudes de algumas pessoas entrevistadas no filme. O morador da cidade de Xapuri, Zé

da barraquinha, conta da influência que o sindicalista teve com o delegado da região na

época, ao soltar o pai dele. Zé conta da consideração e admiração que tem pelo seu

‘parceiro das cachaças’, segundo ele mesmo fala. Outro personagem que destaca o

seringueiro é seu primo, o guia turístico Nilson. Além de usar uma camisa com a foto

do seringueiro, Nilson fala sobre a importância dele não só para a Amazônia, mas

também para o mundo:

Na verdade, de início ele pensou que estava salvando os seringueiros, os

tradicionais, mais depois ele observou que a luta dele não era em vão, ele

estava lutando para salvar uma Amazônia, e salvar a Amazônia ele percebeu

rodando o mundo a fora, na Europa, nos estados unidos e nos outros lugares

que ele andou, ele observou que lá não tinha mais floresta e o oxigênio que

eles precisavam vinha da floresta, então ele não estava mais só defendendo só

os seringueiros, nem a floresta, ele estava defendendo a vida da

humanidade.(NILSON, 2013)

Para o jornalista Altino Machado, um dos personagens do filme, algumas

características foram dadas a Chico Mendes de forma exagerada:

Eu não vejo o Chico Mendes nem como esse mito, esse deus e também não

vejo ele como um irresponsável, ou preguiçoso, um cachaceiro ou qualquer

outra coisa que digam negativamente sobre ele. Acho que ele foi um homem

do seu tempo que contribuiu enormemente, pesadamente para melhorar a

imagem do Acre, da Amazônia e até do Brasil (MACHADO, 2013).

O guia turístico, Nilson, é um acreano típico disseminador dos estereótipos da

região. Através da profissão de guia turístico, ele propala muitos dizeres sobre a

floresta, ao mostrar garrafas com insetos peçonhentos, como escorpiões e aranhas, ele

busca realçar os medos já existentes no imaginário popular: “Essa aqui é a Tucandeira, é

a formiga venenosa, e você tem que ter cuidado, se ela ferrar é 24 horas chorando feito

criança, bolando em uma cama, você delira mesmo, dá íngua, dá lesão” (O ACRE

Page 173: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

173

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

EXISTE, 2013). Ou seja, com essa fala, ele estabelece uma diferença como quem quer

assustar ou impressionar, apresentando o Acre como um lugar exótico e bizarro.

Durval Muniz de Albuquerque Jr. explica que isso acontece em virtude de

sermos seres culturais, que criamos linguagens e identidades, para produzir sentido na

sociedade, demarcando assim domínio em seu território. Para Woodward, citado pela

pedagoga Suyan Pires, em seu artigo Representações de Gênero em Ilustrações de

Livros Didáticos, é por meio dos significados produzidos pelas representações que

damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos (WOODWARD, 2000, apud

PIRES, 2004).

Considerações Finais

O filme apresenta apenas fragmentos de uma realidade. Os personagens formam

um cenário simples, criando assim a ilusão que no Acre só existem pessoas com essas

características: financeiramente carentes, índios, daimistas, admiradores de Chico

Mendes, entre outros. Eles formam um mosaico entre cultura, religião e outros aspectos.

O fato é, os produtores não possuíam nenhum conhecimento mais aprofundado

sobre o local e diziam que não tinham roteiro, apenas filmaram aquilo que lhes

chamaram atenção. Quando um homem busca desconstruir um imaginário ou

estereotipo de determinado território, ele mesmo precisa se desvincular do seu

etnocentrismo, precisa parar de usar a sua própria cultura como balança para medir as

outras.

É impossível generalizar e caracterizar toda população acreana com apenas

alguns aspectos. Em um vídeo12 para o canal oficial do filme O Acre Existe, um dos

produtores, Bruno Graziano, explica que a ideia de fazer o filme tinha como único

requisito, filmar um documentário sobre o lugar onde eles menos conheciam, onde

menos tinham ouvido falar, o que resultou no Acre. Em vista disso, se aproveitaram da

piada que o Acre não existe, para descontruir esse imaginário. Entretanto, a tentativa,

12 Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SvV6WXfsURE. Acesso em 27 de outubro de 2016.

Page 174: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

174

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

não teve bons resultados, pois ao tentar descontruir eles ampliaram ainda mais essa

visão estereotipada.

Historicamente, o Acre era tratado como um ‘não lugar’, para onde só se vinham

pobres, prostitutas, pessoas que eram banidas por um ou outro motivo. O fato de no

começo a Amazônia ser um lugar hostil para habitação daqueles que se consideravam

civilizados, criou o medo e a aversão por essa parte do Brasil. Como por muito tempo

foi repassado de pai para filho que o Acre é um lugar de mato, bichos perigosos e

índios.

De mãe d’agua à terra de índio, a região norte em geral é cercada de mitos e

lendas, folclore e imaginário, e o mais surpreendente é a aceitação dessas histórias

fantásticas. Para entender sobre um local desconhecido ou uma cultura é necessário

pesquisar sua realidade, analisar ideias antiquadas, corrigir os erros e ampliar a visão de

mundo. Em um momento tão globalizado e de tanta comunicação, é preciso se

questionar e questionar obras produzidas, pois na maioria das vezes elas sempre

abordam os mesmos eixos e mesmos preconceitos criados ao longo dos anos. É

importante criticar conceitos pré-impostos e buscar informações, para enfim tirar as

próprias conclusões.

Por fim, o documentário O Acre Existe, prova ser apenas mais uma produção

artística que dissemina estereótipos e preconceitos existentes sobre o local. O filme não

traz o reconhecimento da identidade do povo acreano e não levanta nenhuma questão

nova sobre a identidade ou cultura, somente enfatiza os aspectos que já existem na

memória de quem não conhece o Acre.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Preconceito contra a origem

geográfica e de lugar: As fronteiras da discórdia. 2 edição. São Paulo: Cortez, 2012.

AMAZÔNIA DE A A Z. Cocar. Disponível em:>

http://www.portalamazonia.com.br/secao/amazoniadeaz/interna.php?id=433<. Acesso em

26 de agosto de 2016.

Page 175: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

175

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Amazonlink.org, Povos indígenas no Acre. Disponível

em:<http://www.amazonlink.org/ACRE/amazonas/seringueiros/indigenous.htm>

Acesso em 31 de outubro de 2015

Centro de Políticas Sociais, Fundação Getúlio Vargas. Novo Mapa das Religiões.

Disponível em <http://www.cps.fgv.br/cps/bd/rel3/REN_texto_FGV_CPS_Neri.pdf>.

Acesso em 28 de outubro de 2015.

CONTROLE REMOTO FILMES. O Acre Existe. 2013. 115min. Color.

FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO. Índios no Brasil. Disponível em:>

http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/quem-sao?start=2#<. Acesso em 26

de agosto de 2016.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. Área Territorial

Brasileira. Disponível em: <

http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/areaterritorial/principal.shtm>. Acesso em 28

de outubro de 2015.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. Censo

Demográfico. Disponível em <

http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/caracteristicas_da_popul

acao/caracteristicas_da_populacao_tab_municipios_zip_xls.shtm<. Acesso em 26 de

agosto de 2016.

Medicina da Rainha da Floresta, RAPÉ: SUA UTILIZAÇÃO E INDICAÇÕES.

Disponível em: <http://medicinadarainha.blogspot.com.br/2010/04/rape-sua-utilizacao-

e-indicacoes.html>. Acesso em 27 de outubro de 2015.

O Acre Existe [Festival Pachamama]. Disponível

em:<https://www.youtube.com/watch?v=SvV6WXfsURE>. Acesso em 03 de

novembro de 2015.

PIRES, Suyan. Representações de Gênero em Ilustrações de Livros Didáticos.

Disponível em:

Page 176: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

176

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

<http://www.psicopedagogia.com.br/new1_artigo.asp?entrID=608#.VjjjGberTIU>.

Acesso em: 27 de outubro de 2015.

PIZARRO, Ana, 1941. Amazônia: As vozes do rio: Imaginário e modernização – Belo

Horizonte: Editora UFMG, 2012.

Portal do Governo do Acre. Sobre o Acre. Disponível em

<http://www.ac.gov.br/wps/portal/acre/Acre/estado-acre/sobre-o-acre> Acesso em 28

de outubro de 2015.

Universo Místico, O QUE É A AYAHUASCA? Disponível

em:<http://www.universomistico.org/s/ayahuasca/o-que-e-ayahuasca-.html>. Acesso

em: 27 de outubro de 2015.

Page 177: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

177

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E RESPEITO À PESSOA: O CASO DO

PROFESSOR ACUSADO DE ESTUPRO (Trabalho apresentado na Linha Temática de Jornalismo da V Seacom da Ufac)

Estela Maciel MELO1

Francielle Maria Modesto MENDES2

Universidade Federal do Acre, Rio Branco, AC

Resumo

O direito de informação é tão importante quanto outros direitos, como a preservação da

honra, da intimidade, da privacidade, ou seja, do próprio direito personalíssimo. É nesse

sentido que se faz necessário o estudo da temática envolvendo a liberdade de

informação jornalística e o direito do cidadão que responde por crimes na esfera

jurídico-penal, de ter garantido o respeito ao princípio da presunção de inocência.

Através deste trabalho se pretende discutir de que modo ocorre a relação entre mídia e

judiciário, no sentido de que em alguns momentos a imprensa é capaz de estabelecer

prejulgamentos, sobretudo quando tende a transformar um acusado em um bode

expiatório, em alguém que deva ser condenado publicamente antes de uma decisão

judicial. E conforme é sabido, a mídia exerce grande poder de influência no meio social,

o que é capaz de intervir na opinião pública e até no âmbito da justiça.

Palavras-chave: justiça; liberdade; informação.

O objetivo deste artigo é trazer a reflexão no que diz respeito aos limites da

atuação jornalística e o questionamento de até onde vai a liberdade de expressão e

informação do jornalista diante da cobertura de casos criminais, proporcionando ao

leitor a ampliação de conhecimentos e interligando a esfera jurídica e comunicacional.

Além disso, visa possibilitar aos estudantes de comunicação uma análise crítica no que

se refere ao exercício profissional.

1 Estudante de Graduação 8º. semestre do Curso de Jornalismo da UFAC, email: [email protected]

2 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Jornalismo da UFAC, email: [email protected]

Page 178: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

178

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Para a consumação do objetivo proposto serão utilizados exemplos reais, tais

como o caso da Escola Base, de São Paulo e um caso local, de Rio Branco-AC, de um

professor da rede pública de ensino que sofreu com a interferência midiática ao ser

acusado de estupro de vulnerável de um aluno. Como fundamentação teórica destacam-

se autores como Estela Bonjardim, Eugênio Bucci, Vincenzo Ferrari, Francisco Karam,

dentre tantos outros importantes para a compreensão da temática.

Cumpre mencionar que este artigo é um desdobramento, uma síntese da

monografia de Jornalismo desta autora. Nesse sentido, destaca-se que não é fácil

garantir a coexistência de princípios constitucionais, sem a supremacia ou predomínio

de um sobre o outro. Porém, não se pode esquecer que tanto o direito à liberdade de

informação jornalística como demais direitos do cidadão merecem igual proteção.

De acordo com Andrade (2007), tanto a mídia quanto o Judiciário desempenham

relevante função social, porém, a imprensa ao fixar pautas e divulgar o que acredita ser

conveniente, selecionando, hierarquizando e divulgando notícias, tem a capacidade de

influir na opinião pública, por exemplo, distorcendo informações referentes a um

processo judicial em trâmite.

Conforme Bonjardim (2002), é essencial que a imprensa faça denúncias e

exponha fatos que interferem na vida das pessoas, porém, deve atuar de maneira

responsável. Por vezes, evidencia-se a existência de conflitos, pois, por exemplo, de um

lado está o direito à liberdade de informação e de outro, os direitos à honra, intimidade,

vida privada e imagem de uma pessoa que seja suspeita ou acusada pela prática de

determinado crime.

Assim, entende-se que o exercício da atividade jornalística deve pautar-se na

observância do respeito à pessoa, seja ela célebre ou anônima, sem violar quaisquer

direitos do cidadão. Segundo Karam (1997), o jornalista deve atentar-se para a

dimensão social da profissão, verificando se a atuação profissional é pautada na

pluralidade de versões dos fatos e a maior transparência possível ao noticiar sobre um

caso.

Para o autor supracitado, a informação é exata quando o jornalista age de tal

maneira que não se limita a obtenção de poucas declarações ou documentos parciais, e

Page 179: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

179

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

sim, vai em busca da verdade, checando as informações e ouvindo os diversos lados de

uma situação. Com isso, compreende-se que se os profissionais da área observassem

melhor os aspectos em questão, existiria um jornalismo mais consciente.

A relação entre Mídia e Poder Judiciário

A complexidade da temática dá-se tendo em vista que a imprensa quer informar

sobre casos criminais, mesmo que em algumas situações não observe os devidos

cuidados éticos, agindo de forma sensacionalista e desmedida, sobretudo ao realizar

prejulgamentos. Nesse sentido, Andrade (2007) diz que o Judiciário visa resguardar os

direitos do acusado, sem sofrer com pressões midiáticas, o que seria o ideal e, assim,

proporcionar o andamento do processo judicial de forma a assegurar um julgamento

com todas as garantias conferidas constitucionalmente ao processado por um delito,

como, por exemplo, a presunção de inocência.

No entendimento de Bucci (2000), o bom jornal tem a verdade como um

princípio norteador, evitando práticas que entrem em atrito com a capacidade de noticiar

com precisão. O autor entende o seguinte: “O jornal deve defender o direito de livre

discurso e a liberdade de imprensa, e deve respeitar o direito do indivíduo à

privacidade”. (BUCCI, 2000, p. 229). Ante o exposto, é compreensível que tanto o

direito à informação quanto os demais direitos do cidadão possuam relevância e

encontram-se em condição de igualdade.

De acordo com Andrade (2007), há intervenção da imprensa no trâmite justo e

correto de um processo através da pressão da opinião pública. A partir do momento em

que a distorção realizada pelos veículos de comunicação para manipular a opinião

pública se estende ao órgão jurisdicional competente para o julgamento de causas

penais, verificam-se distorções ocorridas no decorrer do andamento do processo. Isso

ocorre porque, eventualmente, a mídia extrapola as suas funções.

Segundo Ferrari (2000), a cobertura jornalística em um caso judiciário pode,

conforme a popularidade dos envolvidos ou seu poder econômico, com a qualidade e a

seriedade dos informes, levar juízes e jurados a proferir sentenças no sentido de

Page 180: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

180

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

absolver ou condenar. O referido cenário é capaz de fazer desviar o curso da justiça,

fazendo com que o acusado inocente transforme-se em um bode expiatório pela pressão

da opinião pública ou ao contrário, o réu pode ser colocado no lugar da vítima, ou até

mesmo conseguir a absolvição judiciária graças à possibilidade de influir nos meios de

comunicação de massa.

Liberdade de informação e sua proteção

Ao se falar sobre liberdade de informação, deve ser dito que ela adveio de um

processo histórico, é fruto da luta pela livre expressão e liberdade de imprensa. Segundo

Karam (1997), a luta pela liberdade de imprensa existe já há alguns séculos e se origina

na própria luta pela liberdade literária oprimida pela Igreja. Com o surgimento dos

primeiros jornais periódicos, no final do século XVI, a luta adquiriu nova proporção em

escala social.

Nesse contexto, Karam (1997) menciona que o processo histórico chega a dois

momentos, quais sejam: a Independência dos Estados Unidos, em 1776, cenário em que

a liberdade de imprensa passa a ser vista como suporte da própria liberdade social, e a

Revolução Francesa, que, a partir de 1789, proclamou também a Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão, asseverando que a liberdade de expressar ideias e

opiniões era um dos direitos mais importantes da humanidade.

A busca pelo direito à informação como direito público no século XVI

acompanhava a efervescência intelectual e política do Renascimento e da Reforma.

Ainda de acordo com Karam (1997), a luta pelo direito à informação já ao final do

século XVIII se desdobrava na própria noção de cidadania que as duas revoluções,

americana e francesa, fizeram surgir. Assim, também crescia a oportunidade de acesso a

novas ideias, opiniões e concepções.

Ao final do século XIX, com o aumento da industrialização na sociedade

contemporânea, a informação jornalística passou a circular de maneira global, tendo sua

importância crescentemente reconhecida e discutida em variados foros do mundo. Para

Page 181: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

181

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Bucci (2009), o direito à informação é tido como fundamental desde as primeiras

declarações de direitos no século XVIII.

Conforme Bucci (2000), a imprensa adveio das revoluções que forjaram a

democracia moderna. A Constituição dos Estados Unidos, estabelecida na Convenção

Federal de 1787, recebeu sua primeira emenda em 1791, garantindo a liberdade

jornalística ao dizer que o Congresso não poderia legislar no sentido de cercear a

liberdade de imprensa. “No limiar das democracias modernas, ganhou corpo,

legitimidade e lugar social, o que ainda hoje anima a imprensa.” (BUCCI, 2000, p. 10).

Bonjardim (2002) diz que a partir da Declaração Universal dos Direitos do

Homem, assinada em dezembro de 1948, em Paris, a liberdade de informação

fortaleceu-se cada vez mais. Cumpre destacar que o direito social à informação,

entendido como o direito de as pessoas receberem informações e saberem o que está

acontecendo no mundo, é consagrado no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos

Humanos.

A manifestação do pensamento, a criação, a expressão, a informação e a livre

divulgação dos fatos, protegidas constitucionalmente no inciso XIV do artigo 5º da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, devem ser interpretadas em

conjunto com a inviolabilidade à honra e à vida privada (CF, art. 5º, X), bem como com

a proteção à imagem (CF, art. 5º, XXVII, a), “sob pena de responsabilização do agente

divulgador por danos materiais e morais” (CF, art. 5º, V e X) (MORAES, 2011, p. 866).

Nesse sentido, Bonjardim (2002) diz que a Constituição Federal, no capítulo dos

direitos e garantias individuais, no inciso IX do art. 5º, dispõe que é livre a expressão da

atividade intelectual e de comunicação, independentemente de censura ou licença. É

exatamente para resguardar essa liberdade de comunicação que o art. 220 da Carta

Magna assegura que não se admitirá censura, por ser esta incompatível com a

normalidade democrática. Para que a imprensa possa exercer com liberdade e segurança

sua função social é que a censura é repudiada pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Andrade (2007) relembra que o direito à liberdade de informação na atuação

jornalística não é absoluto, sobretudo porque tem como limite os direitos inerentes à

personalidade. Além disso, o autor entende que o direito à liberdade de informação é,

Page 182: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

182

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

em regra, plenamente satisfeito pela mídia, não sendo comum a ocorrência de abusos

em seu exercício. Todavia, em alguma situação excepcional, pode ocorrer descuido por

parte do jornalista, através do abuso deste direito, cenário em que erros, exageros,

chegam, por vezes, a malferir arbitrariamente outros direitos igualmente protegidos.

A ética na atividade jornalística

Sobre a temática, Bonjardim diz: “é possível se ter uma imprensa, ao mesmo

tempo, livre e responsável, desde que esta compreenda seu próprio papel e o

desempenhe bem”. (BONJARDIM, 2002, p. 80). Para a autora, a imprensa não pode

deixar de empreender esforços sérios no sentido de definir suas responsabilidades, pois

os jornalistas, além de pessoas individuais, são também sociais, cujas ações afetam os

demais. Assim, como instrumento de formação da opinião pública, a imprensa tem o

dever de informar com respeito à verdade e aos direitos do cidadão, desempenhando, na

realidade, relevante função social.

Conforme Nalini (2009), a imprensa tem a capacidade de construir e destruir

reputações, criar verdades e conduzir a opinião pública. O autor assevera que por ser a

informação inserida no mercado como um bem da vida com valor comercial apurável,

há jornalistas que, visando alcançá-la, não se deixam hesitar caso entendam ser preciso

ferir outros interesses. Se de um lado existem profissionais que se importam com a

preservação da ética na imprensa, de outro, há aqueles que preferem o deboche e a

irresponsabilidade, atuando sem se preocupar com a missão de informar e de transmitir

informações consubstanciadas na verdade.

De acordo com Karam (1997), a ética ao refletir sobre a moral, proporciona um

momento de afirmação de valores, isso porque é necessário que jornalisticamente

falando, exista no cotidiano a reflexão sobre os limites de atuação profissional, bem

como a possibilidade de superação nos impasses que envolvam questões morais.

Segundo o autor, a crise ética no jornalismo está, por exemplo, no desleixo, preguiça e

incompetência na apuração precisa dos fatos e em sua formulação de texto, sendo, dessa

maneira, necessário profundo debate ético sobre esses assuntos.

Page 183: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

183

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Para Bonjardim (2002), é importante que os veículos de comunicação exerçam

seu próprio controle através de uma postura ética e responsável, aumentando os

cuidados na averiguação dos fatos que objetivam noticiar. Afinal, é sabido que qualquer

denúncia evidenciada pela imprensa pode assumir ares de verdade inquestionável, sendo

vista como uma verdade pelo público. É por isso que cabe em um primeiro momento à

imprensa evitar os abusos que afrontam os princípios democráticos e prejudicam a

honra e a imagem do cidadão, sobretudo daquele que responde a processos na esfera

judiciária.

Liberdade de informação e respeito à pessoa - demonstração de casos concretos

Bonjardim (2002) diz que, objetivando informar, a imprensa submete

investigados ou acusados de um determinado crime a verdadeiro julgamento popular,

cujas consequências, negativas, são normalmente irreparáveis. Após serem marcados

perante o público como criminosos, pouco interessa a garantia constitucional do estado

de inocência, pois, se tornam vinculados àquela imagem, que tende a ser mais forte do

que qualquer presunção de inocência. Assim, sejam eles absolvidos ou condenados pela

justiça, já foram previamente condenados pelo público.

Como exemplo, há o caso da Escola Base, ocorrido em São Paulo em 1994, em

que uma sucessão de equívocos destruiu a vida das pessoas nele envolvidas. No referido

caso, a própria imprensa refletiu sobre os abusos cometidos no exercício da atividade

jornalística, bem como sobre o quanto a veiculação de informações que devassam a

intimidade e expõem indevidamente a imagem de um suspeito pode ser algo marcante e

prejudicial.

No caso da Escola Base, cidadãos comuns que trabalhavam na escola foram

acusados de abusar sexualmente de alunos. A imprensa não apenas acolheu acusações

infundadas, como amplificou, assumindo como verdades absolutas as denúncias mais

inconsistentes. As pessoas acusadas tiveram o patrimônio saqueado, a honra maculada e

a privação da própria liberdade. Ao perceber que falhou, a imprensa tentou se desculpar.

Page 184: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

184

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Contudo, já era tarde, pois, mesmo absolvidos judicialmente, os acusados tiveram suas

vidas marcadas para sempre.

Já no que se refere à análise do caso exemplificativo a nível local, cumpre dizer

que a situação ocorreu em Rio Branco, Acre, em março de 2010, na qual um professor

da rede pública de ensino foi acusado de ter abusado sexualmente de um de seus alunos.

Posteriormente, não foram comprovadas as acusações e houve a absolvição do

professor. Entretanto, a repercussão midiática foi realizada de forma negativa e o

professor teve transtornos na vida pessoal.

Os danos causados ao professor foram irreparáveis, pois, além de até hoje não

ter esquecido do drama vivenciado, na época consequências mais graves ocorreram,

como: prisão, perda financeira, saída do emprego, julgamento público etc. Nesse

sentido, Bonjardim (2002) diz que o acusado ou suspeito por um crime, depois de

marcado perante o público como sendo criminoso, está inevitavelmente atrelado à essa

imagem. Seja o acusado culpado ou inocente, já foi anteriormente rotulado no âmbito

social, porque a mídia tem o poder de influenciar a opinião pública, sobretudo diante de

casos criminais.

Sobre a emblemática situação, o professor expõe em entrevista disponível na

monografia desta autora, o drama vivenciado. Comenta sobre a postura da imprensa

local diante da divulgação do caso e como foi a repercussão midiática. Assim, diz o

seguinte:

Alguns veículos foram covardes, mentirosos, difamadores. Teve um veículo de

comunicação que disse que eu era um homicida, que eu já tive outros casos de

pedofilia, que eu já tinha outras acusações. É tanto que a justiça vasculhou a

minha vida inteira, mas não havia nem um fato, nem parecido. Pelo contrário,

meus alunos foram pra rua, foram protestar, e nesse momento teve um lado

bom, que a imprensa também mostrou isso, embora de forma menos evidente,

mas mostrou, só que bem depois, depois que as pessoas se mobilizaram,

professores, pais de alunos, enfim, a comunidade, quem me conhecia me

defendeu, foi para as ruas, protestaram lá em frente ao Fórum. A mídia mostrou

isso aí, mas também, foi só no momento, depois que as coisas esfriaram. Mas,

no primeiro momento que eu tinha sido acusado, foi aquela avalanche de

notícias, evidenciaram muito mais e eu tentando sair disso tudo. (SOUSA, 2014,

entrevista).

Page 185: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

185

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

A partir do demonstrado acima, verifica-se que a imprensa, embora exerça

relevante função social, é capaz de intervir negativamente na vida de cidadãos que

respondam a processos judiciais ou estejam sob investigação. É claro que é um dever

jornalístico mostrar os problemas sociais e divulgar fatos de interesse da coletividade,

mas, a partir do momento em que a imprensa extrapola esse dever de denúncia, há a

existência de distorções.

O que deveria ser evitado no âmbito jornalístico é o sensacionalismo em torno

de crimes e de seus suspeitos autores, o comentário tendencioso, bem como as

informações escandalosas que possuem o intuito de impressionar a opinião pública. De

acordo com Bonjardim (2002), quando em uma matéria se verifica infundada violação à

intimidade de uma pessoa, ou quando os jornais têm em mira apenas interesses

mercantis na exploração das notícias, agindo de maneira afoita e sensacionalista, o

direito a informação deixa de ser legítimo e passa a atender apenas a interesses

inescrupulosos.

Não é raro perceber que em alguns casos, embora excepcionais, a imprensa atua

de modo a destruir sumariamente vidas e reputações. Isso porque, a mídia diante de

algumas situações age como se pouco importasse o princípio da presunção de inocência.

Assim, o próprio receptor das notícias tende a transformar toda acusação veiculada pela

imprensa em prova definitiva de culpa e condenação. E, como é sabido, as informações

transmitidas auxiliam na construção da realidade social, porém, ao atuar proferindo

vereditos de forma infundada, a imprensa presta enorme desserviço à população.

Nesse sentido, entende-se que o princípio da presunção de inocência e o respeito

à pessoa ficam comprometidos quando a mídia intervém de maneira negativa,

proferindo julgamentos com força sentencial perante à sociedade. Ao buscar, diante de

um caso criminal, encontrar um bode expiatório, alguém que embora inocente, pague e

seja considerado culpado ou até mesmo condenado publicamente, a imprensa não

observa o seu papel social, pois, demonstra não ter tomado os devidos cuidados éticos e

nem o comprometimento necessário com a veracidade dos fatos.

Conclusão

Page 186: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

186

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Deve ser dito que em algumas situações a mídia não compreende que é

necessário garantir ao acusado o respeito à honra, privacidade, intimidade, dentre outros

direitos tão importantes como a liberdade de informação. É possível constatar o referido

cenário nos casos analisados, a partir dos momentos em que a imprensa extrapolou o

seu dever de denúncia, quando, por exemplo, interveio negativamente ao buscar mostrar

à sociedade uma resposta imediata, promovendo um discurso voltado para o

punitivismo e estabelecendo prejulgamentos no que diz respeito ao processo do

professor.

A temática é complexa e delicada, pois, nem sempre existe uma relação

harmoniosa entre a liberdade de informação e o direito do acusado a um julgamento

justo. Mas, o que se buscou evidenciar neste trabalho é que a pessoa acusada no âmbito

criminal deve ser respeitada e usufruir da plenitude de seus direitos, sem interferências

externas que ensejem um decreto condenatório de forma antecipada. O fato de alguém

ser suspeito pelo cometimento de um crime não lhe retira o direito de receber a proteção

constitucional assegurada a todo cidadão, seja ele célebre ou anônimo. No caso do

professor, ficou evidente que a imprensa local nem sempre atuou de modo respeitoso.

No processo de construção de uma notícia, a verdade dos fatos é um ponto muito

importante. Se o jornalista não observa a veracidade das informações que leva à

sociedade, ele não cumpre o seu papel social e não desempenha a sua atividade de

forma ética. Por isso, é fundamental que o profissional da comunicação se paute no

respeito ao cidadão e à sociedade, informando de maneira correta os acontecimentos,

evitando erros. Ao atuar em observância aos preceitos éticos, há um equilíbrio entre a

liberdade de informação jornalística e a responsabilidade do profissional de imprensa, o

que precisa ser uma conquista diária.

Desse modo, é possível a coexistência da liberdade de informação e a garantia

dos direitos de um acusado, desde que a imprensa esteja ciente da relevância social de

seu papel e assim, atue de modo mais responsável. Agindo assim, evita-se o

cometimento de distorções e inverdades, como o que ocorreu no caso do professor, que

se viu abalado ante a notoriedade midiática dada ao seu processo. A mídia não precisa

atuar condenando pessoas publicamente para chamar a atenção ou obter audiência e

Page 187: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

187

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

sim, deve ter uma postura responsável, conciliando interesses econômicos e sociais,

contemplando não apenas interesses mercadológicos, mas, sobretudo, cumprindo o seu

dever, que é de informar com responsabilidade a população.

Referências

ANDRADE, Fábio Martins de. Mídia e Poder Judiciário – A Influência dos Órgãos da Mídia

no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

BONJARDIM, Estela Cristina. O acusado, sua imagem e a mídia. São Paulo: Max Limonad,

2002.

BUCCI, Eugênio. Sobre Ética e Imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

BUCCI, Eugênio. A imprensa e o dever da liberdade: a independência editorial e suas

fronteiras com a indústria do entretenimento, as fontes, os governos, os corporativismos, o

poder econômico e as ONGs. São Paulo: Contexto, 2009.

FERRARI, Vincenzo. Informação e Democracia. In: GUIMARÃES, César & JUNIOR, Chico

(org). Democracia e Informação no Final do Século XX. Rio de Janeiro: UERJ, 2000. p 163-

209.

KARAM, F. J. Jornalismo, ética e liberdade. São Paulo: Summus editorial, 1997.

MELO, Estela Maciel. Liberdade de informação e respeito à pessoa: o caso do professor

acusado de estupro. Monografia de Jornalismo – UFAC.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2011.

NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

Page 188: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

188

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

O MEIO AMBIENTE COMO QUESTÃO POLÍTICA: UM ESTUDO SOBRE A

COBERTURA DA ENCHENTE DE 2015 PELA AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DO

ACRE1

Fernando Augusto dos SANTOS2

Francielle Maria Modesto MENDES3

Universidade Federal do Acre, Rio Branco, AC

Resumo O presente trabalho analisa a cobertura da alagação 2015 pela Agência de

Notícias do Acre, concentrando-se no modo como as autoridades políticas se apropriam

do tema meio ambiente para construir seus discursos políticos. Diante disso, serão

analisadas dez matérias publicadas entre março e abril do referido ano que personificam

as autoridades políticas para que adquiram visibilidade perante a mídia. Como

referencial bibliográfico, foram usados os pensamentos dos seguintes autores: Durval

Muniz Albuquerque Junior (2012), Wilson da Costa Bueno (2007) e Schirley Luft

(2005).

Palavras-chave: Cobertura Jornalística; Política; Meio ambiente; Agência de Notícias

do Acre

Introdução

A apropriação do discurso frente às questões ambientais através dos meios de

comunicação é uma alternativa adotada por grupos políticos e chefes de estado para

atingir um grande público frente a essa lógica de desenvolvimento. Os meios de

comunicação tornam-se espaço de difusão, propagação e midiatização de atividades

políticas e ganham espaços de debates na sociedade, ao mesmo tempo em que

autoridades políticas se apropriam de tais meios para potencializar seus discursos.

Diante disso, este trabalho discorre sobre os discursos das autoridades políticas

nas matérias publicadas durante a enchente de 2015.

1 Trabalho apresentado na V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016 na

Universidade Federal do Acre. 2 Estudante de Graduação do 8º período do Curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do

Acre (UFAC). Email: [email protected] 3 Orientadora do trabalho. Professora doutora do curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal

do Acre. Email: [email protected]

Page 189: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

189

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Para o estudo, foi realizada uma catalogação de matérias publicadas no site entre

6 de janeiro e 6 de maio de 2015 totalizando 461 textos veiculados na editoria “Meio

Ambiente e Alagação”, criada especificamente para o período de cobertura da enchente.

O trabalho é resultado do projeto de pesquisa “Jornalismo e Meio Ambiente – os

diálogos possíveis” aprovado pela Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação e Diretoria

de Pesquisa (DPQ) da Universidade Federal do Acre – UFAC, através do Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação Científica e Tecnológica (PIBIC)

Após a catalogação, as matérias foram separadas em quatro categorias: serviços,

solidariedade, personificação da figura política e questão ambiental. Desse universo

coletado, foram usados somente dez textos jornalísticos para o presente estudo

pertencentes ao item personificação da figura pública..

Os textos são os seguintes: “Governador leva apoio às famílias desabrigadas no

Parque de Exposição”, escrito pela repórter Ana Paula Pojo, em 25 de fevereiro de

2015; “Governador Tião Viana intensifica ações de apoio integrado ao Alto Acre”, por

Ana Paula Pojo, em 24 de fevereiro de 2015; “Tião Viana diz ao El País que Acre vive

cheia histórica na região”, por Ana Paula Pojo, em 25 de fevereiro de 2015; o artigo “A

lição do Acre em meio ao caos”, por Nayanne Santana, em 24 de março de 2015;

“Nazaré Araújo sobrevoa municípios para averiguar as dimensões da cheia”, por

Marcelo Torres, em 21 de fevereiro de 2015; “Tião apresentará ao governo federal

ações para auxiliar cidades alagadas”, por Ana Paula Pojo, em 22 de fevereiro de 2015;

“Governador leva auxílio às famílias atingidas pela enchente em Xapuri”, por Ana

Paula Pojo, em 22 de fevereiro de 2015; “Nazaré Araújo entrega kits de medicamentos

em Porto Acre”, por Jane Vasconcelos, em 08 de março de 2015; “Primeira-dama

realiza visita solidária aos abrigados no Sesi”, por Rose Farias, em 16 de março de 2015

e “Nazaré Araújo reforça pedido para que pessoas sejam voluntárias”, por Jane

Vasconcelos, em 18 de março de 2015.

Assim, este trabalho desenvolve uma análise de como a cobertura sobre a maior

enchente da história do Acre está centrada na personificação de algumas figuras

políticas do estado, além de estudar como esses gestores se apropriam do discurso sobre

alagação para transmitir uma imagem de governo preocupado com o povo.

Page 190: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

190

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Agência de Notícias

A Agência de Notícias do Acre é um site de notícias institucional do Governo do

Acre criado em 2007 na gestão do governador petista Binho Marques (2007-2010). A

Agência faz parte do Sistema Público de Comunicação e atua, principalmente, na

cobertura das ações do governador do estado do Acre, Tião Viana (PT-AC), e de sua

equipe, que em 2016 já está no seu segundo mandato.

Sobre as enchentes no Acre

O Acre é um dos 27 estados brasileiros localizado na região Norte. Faz divisa

com os estados do Amazonas e Rondônia e fronteira com dois países: Peru e Bolívia.

As enchentes que atingem o estado ocorre nos seus rios principais: Acre, Purus, Juruá,

Tarauacá e Iaco.

Segundo o Relatório de Avaliação de Danos e Prejuízos na Área Rural da

Alagação 2015, divulgado pelo Governo do Estado do Acre, em março de 2015, em Rio

Branco, a cota de transbordamento do Rio Acre é de 14 metros. Em 1988, o rio atingiu a

marca dos 17,12 m; em 1997, 17,66 m, em 2006, 16,72 m e em 2012, 17,64 metros.

Já no ano de 2015, a enchente atingiu a cota de 18,40 metros, maior já registrada

no Estado e considerada a mais rigorosa e de maior impacto social em toda a história

das cheias dos rios do estado. A alagação atingiu os municípios de Rio Branco, Porto

Acre, Xapuri, Epitaciolândia, Brasiléia, Assis Brasil, Plácido de Castro, Sena Madureira

e Tarauacá, situados às margens dos principais rios que banham o Acre.

Em março do referido ano as prefeituras de Rio Branco, Xapuri, Brasiléia e

Tarauacá decretaram Estado de Calamidade Pública, que foi homologado pelo governo

estadual e reconhecido pelo Governo Federal, por meio da Secretaria Nacional de

Defesa Civil do Ministério da Integração. O mesmo procedimento ocorreu com os

decretos de Situação de Estado de Emergência dos demais municípios afetados pelas

Page 191: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

191

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

enchentes. Segundo dados apontados pelo documento, somente na zona rural os

municípios amargaram um prejuízo econômico que ultrapassou R$ 146 milhões.

A cobertura jornalística

A escolha dos textos da Agência de Notícias deu-se por ser o único veículo de

comunicação a ter uma editoria de “Meio ambiente e alagação”, criada durante o

período da enchente de 2015. A página era atualizada várias vezes ao dia e fornecia os

números sobre o aumento do rio, as medidas tomadas pelos órgãos públicos, além de

outras informações relevantes.

No Brasil, o discurso sobre economias sustentáveis, desenvolvimento

sustentável e sustentabilidade passou a ser amplamente publicizado e debatido a partir

de 1992 com a realização da ECO-92, no Rio de Janeiro. (RAMOS apud CARVALHO;

SCHIMANSK, 2012).

Fenômenos climáticos como secas extremas, aumento da temperatura e

alagações passaram a ser um dos assuntos mais preocupantes e debatidos pela sociedade

contemporânea. Os prejuízos econômicos causados por esses fenômenos preocupam

chefes de estado e grandes empresas, passando a interferir na vida do cidadão. Dada a

complexidade e consequências dessas calamidades, faz-se necessário debater e colocar

em prática ações para minimizar os efeitos de uma crise ambiental que se alastra e

interfere no cenário social das pessoas e na economia mundial.

Discutem-se muito sobre responsabilidade e destruição do planeta em eventos

ambientais com participação de líderes do mundo todo. Algumas personalidades

mundiais defendem que é hora de frear o desenvolvimento e buscar medidas para

minimizar os agravos. Muitas são as vertentes dessas discussões, há também busca por

interesses econômicos, e no meio desse processo está inserido o cidadão, que nem

sempre opina ou tem conhecimento dos rumos das decisões tomadas. Diante dessa

problemática, compete aos veículos de comunicação o papel de nortear e proporcionar

informações a um maior número de pessoas.

Os veículos midiáticos contribuem para a sociedade assumir cuidados

individuais e servem para informar a população sobre ações das autoridades. Por outro

Page 192: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

192

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

lado, assume a missão de mostrar as causas do problema, a responsabilidade da

sociedade e do poder público perante o que está acontecendo e quais ações podem ser

tomadas para evitar ou minimizar as consequências das crises ambientais.

Numa situação de alagação, como a ocorrida no Acre em 2015, os veículos de

comunicação do estado noticiaram com grande enfoque as ações do governo para

minimizar os efeitos da enchente na vida das pessoas, tais como as campanhas de

arrecadação, a presença de personalidades políticas no estado, caso da presidente da

república e de ministros.

Mais do que informar e mostrar ações realizadas pelo poder público, os veículos

devem atuar de forma preventiva e investigativa para elucidar problemas de cunho

ambiental. Porém, na cobertura houve ausência de um debate sobre as causas desses

problemas. Mais do que noticiar as ações do governo é função dos meios de

comunicação, isso inclui a Agência de Notícias, esclarecer como o poder público está

atuando na distribuição dos recursos e o que vem sendo feito para minimizar o impacto

do problema enfrentado.

Como dito antes, do universo de 461 matérias recolhidas na editoria “Meio

ambiente e alagação”, 50 foram selecionadas para categoria Personificação da Figura

Pública. Foi possível constatar que todos os títulos enfocavam o governador Tião Viana,

a vice-governadora Nazaré Araújo, ministros que vieram ao Acre para acompanhar a

situação de calamidade pública, a presidente Dilma Rousseff e as ações de solidariedade

da primeira dama, Marlúcia Cândida. Para análise do presente trabalho, foram

escolhidos dez textos para investigação, pois se entendeu na pesquisa que grande parte

dos textos catalogados discutia os mesmos temas e sob os mesmos aspectos.

Conforme afirma Lima (2004), não há política sem mídia. Ele afirma que depois

do desenvolvimento da mídia, um evento para ser “evento público”, não está limitado à

partilha de um lugar comum. “O público pode estar distante no tempo e no espaço.

Dessa forma, a mídia suplementa a forma tradicional de constituição do público, mas

também a estende, transforma e o substitui” (LIMA, 2004, p. 51). Para o autor, essa

nova situação provoca consequências imediatas tanto para quem deseja ser político

profissional quanto para a prática da política. Tal pensamento justifica a tentativa de

Page 193: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

193

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

visibilidade do governo do Acre em promover suas ações perante a sociedade, já que os

atores políticos tem que disputar visibilidade na mídia favorável de seu ponto de vista.

Para o autor:

A ocupação desse espaço institucional pela mídia é apontada como um

das causas da crise generalizada dos partidos em diferentes sistemas

políticos. Além disso, atribui-se a preferência da mídia pela cobertura

jornalística dos candidatos, promovendo uma crescente

“personalização” da política e do processo político que estaria sendo

representado como uma disputa entre personalidades políticas.

(WATTENBERG, 1991, 1994 apud LIMA, 2004, p. 52).

A matéria intitulada “Governador leva apoio às famílias desabrigadas no Parque

de Exposição”, mostra governador do Acre e prefeito de Rio Branco em visita aos

desabrigados como forma de demonstrar a solidariedade e respeito dos gestores aos

atingidos pela alagação. É possível perceber isso no trecho a seguir:

A ação do governo em favor da população atingida pela cheia

histórica que ocorre no estado é intensa. Em Rio Branco, o governador

Tião Viana, acompanhado pelo prefeito, Marcus Alexandre, visitou

nesta quarta-feira, 25, as famílias desabrigadas que estão alojadas no

Parque de Exposição. (POJO, 2015, online).

A repórter apresenta uma fala do governador: “Aqui tem sido feito um trabalho

de equipe, com voluntários, e todos se voltando para ajudar o prefeito Marcus

Alexandre” (POJO, 2015, online). Mais a frente, é citada uma fala do prefeito em que

afirma que todo apoio está sendo dado aos acreanos. Ele chama o momento vivido de

desafio.

Essas águas vindas aqui de Rio Branco são provenientes de lá [Assis

Brasil] e desde o início o governo está mobilizando todas as suas

forças. Estamos juntos enfrentando esse desafio, proporcionando toda

a estrutura para atender a população aqui no Parque de Exposições.

(POJO, online, 2015).

A fala do prefeito deixa claro que não serão trazidas ao debate as causas da

enchente, o site não irá apontar responsabilidades ambientais e nem destacará o papel da

sociedade nesse contexto. A fala da autoridade trata o assunto como desafiador, mas um

processo meramente natural para esses moradores da Amazônia brasileira.

Page 194: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

194

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

O discurso que exalta as ações do governo continua na matéria “Governador

Tião Viana intensifica ações de apoio integrado ao Alto Acre”. A repórter dá um tom

enfático a figura do chefe de estado, conforme trecho seguinte:

O governador Tião Viana seguiu bem cedo para essas cidades a fim de

intensificar as ações de apoio e solidariedade que o governo

desenvolve de maneira integrada, em favor das centenas de famílias

atingidas pela inundação do rio. (POJO, online, 2015).

Nesse trecho, há um enquadramento para mostrar à sociedade que o político está

engajado e comprometido com a população. Palavras como apoio e solidariedade são

usadas para mostrar preocupação com as pessoas. Todo esse discurso é intencional na

tentativa de aproximar o público do gestor nesse cenário controverso que o estado vive.

O veículo apresenta as ações para reforçar a imagem do governador, o que evidencia a

fragmentação do debate ambiental em detrimento do político.

Mais do que noticiar fatos e apresentar somente dados, o jornalismo de um modo

geral, sobretudo, o ambiental, deve ter compromisso com o interesse público. Portanto,

mesmo um site criado para priorizar a gestão de um grupo político tem compromissos

sociais que não devem ser ignorados, um deles é a conscientização ambiental. Conforme

aponta Bueno (2007):

A pauta ambiental deve enxergar as questões sobre as quais ela se

debruça a partir de uma lente angular e não de uma teleobjetiva. Não é

razoável afunilar demais o foco (ver a árvore sem ter em mente a

floresta) porque a problemática ambiental caracteriza-se sobretudo por

essa perspectiva abrangente. Não se pode inclusive como tem ocorrido

com frequência em nossa cobertura ambiental, privilegiar aspectos

como o econômico e o científico sem levar em conta as vertentes

sociais, culturais e políticas. (BUENO, 2007, p. 41).

Na linha de pensamento de Bueno, é necessário estabelecer uma relação com a

matéria “Tião Viana diz ao El País que Acre vive cheia histórica na região”, escrita pela

repórter Ana Paula Pojo, em 25 de fevereiro de 2015. O texto aponta o trabalho de

atendimento à população, em conjunto com as prefeituras, a bancada federal e outras

autoridades envolvidas. A matéria apresenta dados divulgados pelo governador, em que

ele afirma que mais de duas mil pessoas estão desabrigadas, e esse número só não é

maior em razão da entrega de casas feitas pelo governo, por meio do Minha Casa,

Page 195: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

195

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Minha Vida, que tirou 7.057 pessoas das áreas de risco para viverem em

empreendimentos com saneamento básico adequado e dignidade de vida. Mais a frente,

a matéria cita que em breve serão entregues mais mil moradias na capital. O governador

se concentra em apresentar dados econômicos, promovendo uma política assistencialista

perante a mídia.

O artigo “A lição do Acre em meio ao caos”, escrito pela repórter Nayane

Santana, apresenta um relato sobre a visita do ministro da Previdência Social Carlos

Eduardo Gabas:

Entre as chegadas e partidas ministeriais, uma me chamou a atenção:

Carlos Eduardo Gabas, ministro da Previdência Social. Durante

coletiva o representante da presidência fez um relato diante de

câmeras e dezenas de jornalistas. Um testemunho sobre o que dias

atrás eu também observara. Gabas disse que, quando acompanhado

por sua equipe chegou ao Acre, imaginava que encontraria um estado

desorganizado, que veria pessoas desesperadas pelas ruas. Mas,

enganou-se. Declarou-se positivamente surpreendido pelo exemplo

que encontrou em meio ao caos. Mas por que não nos surpreendemos

com isso? (SANTANA, 2015, online).

O texto da repórter enfatiza que a situação está sob controle no Acre, não há

pessoas desesperadas por causa da enchente. O governo estadual e federal estão

cuidando de tudo, segundo a jornalista. As pessoas estão sendo atendidas, portanto, não

há motivos para pânico, caos ou preocupação. O texto apresenta poucos fatos e

concentra-se nas impressões da jornalista. No pensar de Marilena Chauí, essa é uma

prática comum de articulistas de jornais e revistas “que não nos informam sobre fatos,

acontecimentos e situações, mas gastam páginas inteira nos contando seus sentimentos,

suas impressões e opiniões sobre pessoas, lugares e objetos” (CHAUÍ, 2006, p. 7).

A matéria “Nazaré Araújo sobrevoa municípios para averiguar as dimensões da

cheia” cita que a vice-governadora sobrevoou Brasileia e Epitaciolândia, municípios

vizinhos na região do Alto Acre, para verificar a situação do Rio Acre e ter dimensão da

situação da enchente que atinge esses municípios: “De acordo com a governadora esse

momento é muito importante estarmos unidos para enfrentar aquilo que nos traz a

natureza com a cheia dos nossos rios” (TORRES, 2015, online).

Page 196: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

196

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

A frase citada pela vice isenta o poder público de ter responsabilidades pela

alagação. Ela transfere os encargos da enchente à natureza, minimiza a questão, e

enfatiza a imprevisibilidade do episódio, apesar das enchentes serem anuais. Dessa

forma, não há necessidade de propor soluções para acontecimentos que são naturais e

imprevisíveis.

A fala da autoridade ressalta também sentimento e emoção, Araújo propõe união

como se isso fosse suficiente e papel do estado no momento da calamidade. A ênfase na

união substitui medidas práticas e eficazes dos gestores públicos. Marilena Chauí

(2006) afirma que as relações sociais e políticas, muitas vezes, “perdem suas

especificidades e passam a operar sob a aparência da vida privada, portanto referidas a

preferências, sentimentos, emoções, gostos, agrado e aversão” (CHAUÍ, 2006, p. 9).

Em seguida, a gestora destaca a ajuda humanitária como objetivo de ajudar às

famílias que passam por esse momento de aflição. O debate sobre as possíveis causas da

alagação não é apresentado novamente, nem tampouco se destaca qual é o papel dos

políticos e da sociedade diante dessa situação. No dizer de Nilson Lage, “os problemas

se esvaziam no sentimentalismo ou se disfarçam na manipulação da simplificação e do

inimigo único” (LAGE, 2012, p. 31). O inimigo único aqui é o transbordamento dos

rios em todo o estado.

O destaque pessoal do gestor pode ser visto também na matéria intitulada “Tião

apresentará ao governo federal ações para auxiliar cidades alagadas”, escrito pela

repórter Ana Paula Pojo, em 22 de fevereiro de 2015. A jornalista pontua o trabalho

desenvolvido pelo estado e nomeia essas ações de solidárias:

Esse é o momento de dar continuidade a caminhada de solidariedade.

Na segunda-feira estarei falando com o ministro da integração, o

general da Defesa Civil e com a Secretaria Nacional de Habitação

sobre a etapa seguinte após a redução das águas. O objetivo é avançar

nas políticas de habitação, para viabilizar a construção de casas em

áreas que não sejam afetadas pela enchente e com infraestrutura

adequada (POJO, 2015, online).

No trecho anterior, o governador propõe uma medida eficaz para a população,

que não é apenas remediadora do problema: as políticas públicas de habitação. Se uma

Page 197: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

197

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

parte da população for realmente retirada dos locais alagadiços e transferida para um

local adequado para morar isso será uma ação de fato eficaz.

Ações concretas são raras no discurso do governador e da vice-governadora.

Eles concentram-se mais em prestar solidariedade aos atingidos, o que se resume em

visitas aos abrigos, palavras de conforto e incentivo. Faz-se aqui menção ao pensamento

de Durval Albuquerque Junior (2012), quando afirma existir na região Nordeste

brasileira a indústria da seca. De acordo com o autor, não é conveniente para os grupos

políticos resolverem esse problema naquela localidade do país, pois a continuidade dele

mantém não só o apoio financeiro contínuo do governo federal, mas também o destaque

a alguns políticos. Obviamente, esses recursos recebidos não são usados corretamente

ou são usados apenas como paliativos, portanto, a questão permanece incomodando a

população nordestina há mais de um século. Como dito pelo autor:

As elites deste espaço descobrem a força da arma que têm nas mãos,

como este fenômeno e o cortejo de misérias que acarretava tornavam

este tema um argumento quase irresistível na hora de se pedir

recursos, em nome de socorrer as vítimas do flagelo, obras públicas,

em nome de empregá-los em trabalho regular ou cargos públicos, em

nome de organizar e promover a distribuição dos socorros. O que se

chamará, mais tarde, de indústria das secas é gestada neste momento,

assim como o discurso da seca, que a sustentará, a justificará e a

promoverá (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2012, p. 93).

O mesmo acontece no Acre. Vive-se a indústria da alagação. É conveniente para

os políticos não resolver o caso para que se mantenham em evidência nos meios de

comunicação e para que sejam citados como gestores que trabalham em benefício de

todos, e muito se preocupam com as “tragédias naturais” que atingem a população.

Outra matéria que enfoca as ações do executivo na alagação recebe o seguinte

título “Governador leva auxílio às famílias atingidas pela enchente em Xapuri”. A

matéria publicada em 22 de fevereiro de 2015 afirma que o chefe do executivo “segue

em ritmo intenso com as ações em favor das cidades atingidas pela enchente na região

do Alto Acre” (POJO, 2015, online). O texto destaca que a preocupação do governo é

prestar toda a solidariedade às famílias e não deixar que o prejuízo material afete-as.

Novamente, a jornalista se apropria do termo solidariedade para justificar as ações

Page 198: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

198

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

administrativas que estão sendo tomadas pelo governo estadual. Na ocasião, o

governador repete a fala de Nazaré Araújo sobre a enchente ser um fenômeno natural:

“O importante é que estamos preparados e o resultado que buscamos é que a população

sinta a solidariedade, a confiança, as mãos dadas, para que possamos superar esse ciclo

da natureza que afeta o Acre e a Amazônia” (POJO, 2015, online). O que se nota na

Agência é aquilo que o Nilson Lage diz ser comum nos veículos de comunicação atuais,

os textos concentram-se em “destacar o lado emocional da situação e evidenciar de

alguma forma suas agruras reais” (LAGE, 2012, p. 31).

Diante da atual crise ambiental, os veículos de comunicação continuam sendo

fontes de informação para maioria do público. O papel desses veículos revela-se

decisivo nos processos de formação de opinião sobre a problemática ambiental. São

necessárias ações nas esferas públicas e privadas comprometidas com responsabilidade

socioambiental.

As matérias “Nazaré Araújo reforça pedido que as pessoas sejam voluntárias”,

“Nazaré Araújo entrega kits de medicamentos em Porto Acre” e “Primeira-dama realiza

visita solidária aos abrigados no SESI” destacam mais as ações individuais dessas

pessoas do que necessariamente trazem elementos pertinentes dentro do cenário sócio

ambiental. Pode se notar que o enfoque na solidariedade e ajuda humanitária constroem

uma ideologia que oferece o efeito de confiabilidade e aproximação. A presença de uma

autoridade no meio do povo faz com que ele tenha a sensação de pertencimento a um

grupo, dá a sensação de acolhimento e apoio por parte do poder público.

As enchentes que atingem o estado do Acre já se tornaram históricas e

previsíveis. Todos os anos os municípios vivem a situação do alagamento. Muitos dos

bairros atingidos estão na margem de rios e igarapés. As cidades acreanas cresceram

sem planejamento urbano, o que tem ampliado o número de moradores próximos às

regiões alagadiças. Por outro lado, a degradação das matas ciliares, as queimadas, o

desmatamento da floresta amazônica causam um desequilíbrio natural. Frente a esses

transtornos, a sociedade não está isenta de culpa.

Page 199: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

199

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Diante dessa problemática, ampliar o debate e fomentar ações que trabalhem a

prevenção, mesmo que os resultados só cheguem em longo prazo deve ser a alternativa

em relação à gestão ambiental.

Esse comprometimento começa nos níveis gerenciais mais elevados

da organização, em que a alta administração estabelece a política

ambiental e assegura que o sistema de gestão ambiental seja

implementado. Como parte desse comprometimento, a alta

administração designa o seu representante específico, com

responsabilidade e autoridades definidas para implantação do sistema

de gestão ambiental, além do treinamento necessário para assegurar a

capacitação do pessoal, especialmente daqueles que desempenham

funções especializadas de gestão ambiental e de responsabilidade

social. (TACHIZAWA, 2009, p.126 apud ALVES, BALTAZAR,

2010, p.129).

O pensamento de Tachizawa citado por Alves e Baltazar (2010) explica a

necessidade do governo acreano de criar medidas contingenciais urgentes de prevenção

e controle dos efeitos da alagação. É sabido que todos os anos, entre os meses de

fevereiro a maio, o estado do Acre passa por um período chuvoso intenso. Essas chuvas

provocam alagações que atingem a maior parte dos municípios do estado e provocam

prejuízos, tanto econômico quanto social e ambiental. Porém, há uma carência dos

veículos locais de jornalismo preventivo (LUFT, 2005).

A prática do jornalismo preventivo, no caso das alagações no estado, pode

conduzir a uma agenda responsável, dimensionando os riscos reais do problema. Uma

cobertura jornalística cuidadosa será de grande importância para preparar a sociedade

dos diferentes municípios do estado, tanto da cidade quanto da zona urbana, exigindo

ações efetivas por parte das autoridades públicas.

Além dos veículos de comunicação cumprirem seu papel de informar,

conscientizar e esclarecer ao cidadão que suas ações contribuem para potencializar os

danos ambientais, vale destacar que não se trata apenas de ensinar as pessoas a adotar

cuidados higiênicos para se prevenir na época da enchente, noticiar a alagação e o

impacto causado, mas também encorajar cidadãos a participar ativamente em ações

preventivas que minimizem os transtornos provocados pela enchente principalmente nas

Page 200: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

200

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

áreas urbanas como diminuir a produção excessiva de lixo e ocupação irregular às

margens dos rios.

Considerações finais

Foi possível concluir que os dez textos estudados, que foram extraídos da

Agência de Notícias do Acre, possuem conteúdos discursivos muito parecidos, com o

intuito de promover as autoridades políticas locais perante o público. O enfoque é nas

ações dos gestores, o governador Tião Viana, sua esposa, a vice-governadora Nazaré

Araújo e alguns ministros, pertencentes ao mesmo grupo político dos gestores locais.

Apesar da Agência ser um site vinculado ao governo do estado do Acre, ela faz

parte do Sistema Público de Comunicação, por isso sua função sempre será prestar

serviço à sociedade. Isso significa que além de informar as medidas paliativas tomadas

pelo governador e sua equipe, o veículo precisa estabelecer um debate sobre o meio

ambiente e suas implicações para a população.

A forma personalista trabalhada pelo atual gestor do estado pode prejudicar o

trabalho de um jornalismo preventivo e eficaz, que atua não só nas consequências, mas

também nas causas de alguns acontecimentos importantes, caso da alagação. Ações

preventivas podem evitar, inclusive, eventos futuros mais graves e que envolvam um

número maior de pessoas.

Referências bibliográficas

ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. Preconceitos contra a origem

geográfica e de lugar: as fronteiras da discórdia. São Paulo: Cortez, 2012.

CARVALHO, Gabriel Ferreira; SCHIMANSK. Retórica ambiental: o discurso do

meio ambiente na política. Artigo apresentado no Congresso Internacional

Interdisciplinar em Sociais e Humanidades. Rio de Janeiro, 2012.

ALVES, Elizete Lanzomi. BALTAZAR, Iolmar Alves. Responsabilidade

socioambiental no âmbito do Judiciário. Um compromisso com as gerações

futuras. In: Revista da Academia Judicial de Santa Catarina. São Paulo: Conceito

Editorial, 2010.

Page 201: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

201

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

BUENO, Wilson da Costa. Comunicação, jornalismo e meio ambiente. São Paulo:

Mojoara Editorial, 2007.

CHAUÍ, Marilena. Simulacro do poder: uma análise da mídia. São Paulo: edição

Fundação Perseu Abramo, 2006.

FARIAS, Rose. Primeira-dama realiza visita solidária aos abrigados no Sesi.

Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/primeira-dama-realiza-visita-solidaria-

aos-abrigados-no-sesi/. Acessado em 22 de dezembro de 2015.

LAGE, Nilson. A ideologia e técnica da notícia. Florianópolis: Insular, 2012.

LIMA, Venício A. de. Sete teses sobre mídia e política. Revista USP, São Paulo, nº

61. Março/maio, 2004.

LUFT, Schirley. Jornalismo, meio ambiente e Amazônia: os desmatamentos nos

jornais O Liberal do Pará e A Crítica do Amazonas. São Paulo: Annablume: FAPESP,

2005.

POJO, Ana Paula. Governador leva auxílio às famílias atingidas pela enchente em

Xapuri. 2015a. Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/governador-leva-auxilio-

as-familias-atingidas-pela-enchente-em-xapuri/. Acessado em 11 de julho de 2015.

POJO, Ana Paula. Governador Tião Viana intensifica ações de apoio integrado ao

Alto Acre. 2015b. Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/governador-tiao-viana-

intensifica-acoes-de-apoio-integrado-ao-alto-acre/. Acessado em 11 de julho de 2015.

POJO, Ana Paula. Tião Viana diz ao El País que Acre vive cheia histórica na região.

2015c. Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/tiao-viana-diz-ao-el-pais-que-acre-

vive-cheia-historica-na-regiao/. Acessado em 11 de julho de 2015.

POJO, Ana Paula. Governador leva auxílio às famílias atingidas pela enchente em

Xapuri. 2015d. Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/governador-leva-auxilio-

as-familias-atingidas-pela-enchente-em-xapuri/. Acessado em 20 de dezembro de 2015.

POJO, Ana Paula. Tião apresentará ao governo federal ações para auxiliar cidades

alagadas. 2015e. Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/tiao-apresentara-ao-

governo-federal-acoes-para-auxiliar-cidades-alagadas/. Acessado em 20 de dezembro de

2015.

PORTO, Mauro P. Enquadramentos da Mídia e Política. In: ALBINO, Antonio.

RUBIM, Canelas (org). Comunicação e Política: Conceitos e Abordagens. Salvador:

Edufba, 2004.

Page 202: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

202

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Relatório de Avaliação de Danos e Prejuízos na Área Rural da Enchente de 2015 no

Acre produzido pelo Governo do Estado do Acre. Disponível em

http://iquiri.cpafac.embrapa.br/upload_files/relatorio_danos_prejuizos_enchente_de_20

15_1.pdf. Acesso em 15 de janeiro de 2016.

SANTANA, Nayanne. A lição do Acre em meio ao caos. Artigo. Agência de Notícias

do Acre. 2015. Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/a-licao-do-acre-em-meio-

ao-caos-artigo/. Acessado em: 25 de janeiro de 2016.

TORRES, Marcelo. Nazaré Araújo sobrevoa municípios para averiguar as

dimensões da cheia. 2015. Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/nazare-

araujo-sobrevoa-municipios-para-averiguar-as-dimensoes-da-cheia/. Acessado em: 25

de janeiro de 2015.

VASCONCELOS, Jane. Nazaré Araújo entrega kits de medicamentos em Porto

Acre. 2015a. Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/nazare-araujo-entrega-kits-

de-medicamentos-em-porto-acre/. Acessado em 20 de dezembro de 2015.

VASCONCELOS, Jane. Nazaré Araújo reforça pedido para que pessoas sejam

voluntárias. 2015b. Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/nazare-araujo-

reforca-pedido-para-que-pessoas-sejam-voluntarias/. Acessado em 20 de dezembro de

2015.

Page 203: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

203

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

OS PROJETOS DE PESQUISA E EXTENSÃO SOBRE HISTÓRIA E JORNALISMO: REFLEXÕES

E APONTAMENTOS PARA O USO DE FONTES HEMEROGRÁFICAS E DE EXTENSÃO” 1

Inaiane Lima MELO

2

Neuzilene Silva de AZEVEDO 3

Nedy Bianca Medeiros de Albuquerque FRANCO 4

Universidade Federal do Acre, Rio Branco, AC

Resumo

O presente texto irá abordar a criação, os objetivos e ações de dois projetos que

relacionam “História e Jornalismo”, cuja constituição se inspira na transdiciplinaridade,

no conhecimento multidimensional a luz da “Introdução ao Pensamento Complexo” de

Edgar Morin. Os projetos se configuram em uma oficina denominada de “História e

Imprensa: diálogos, reflexões e apontamentos para o uso de fontes hemerográficas” e na

iniciação científica “História e Jornalismo: reflexões e apontamentos para o uso de

fontes hemerográficas”. Possuem aprovação do Centro de Filosofia e Ciências Humanas

da Universidade Federal do Acre e vinculam-se aos Grupos de Pesquisas de Gênero,

Conhecimento, Meio Ambiente e Cultura Afro-Brasileira estando inseridos nas

discussões sobre conhecimento histórico, ao passo que se enquadram também no

Núcleo de Pesquisa e Estudo da Cena Contemporânea na perspectiva de estudos

literários sobre os textos hemerográficos. Embora a pretensão seja de que a dupla tenha

fluxo continuo, suas atividades inaugurais transcorrem ao longo do último semestre

letivo de 2015 e dos dois semestres letivos de 2016 (lembrando que a dissonância entre

calendário gregoriano e letivo é fruto do reajuste feito pelo Conselho Universitário em

função da última greve de docentes e servidores da UFAC), buscando refletir sobre os

diálogos entre a História e o Jornalismo, com especial atenção para o emprego dos

textos da imprensa escrita como tema e instrumental a ser inquirido. Em concomitância

a isto, se acrescem os projetos e as produções de monografias de bacharelandos em

História e dos cursistas do Aperfeiçoamento UNIAFRO: política de promoção da

igualdade racial. Dentro deste contexto, esta comunicação pretende tratar do

desenvolvimento destas intervenções, com a finalidade de promover a troca de

experiências entre os cursos do Centro de Filosofia e Ciências Humanas.

1 Trabalho científico submetido a SEACOM 2016 – UFAC, LT1 - Jornalismo (história, teoria do jornalismo, teoria

da comunicação, gêneros jornalísticos). 2 Acadêmica do terceiro período do Curso de Licenciatura em História do CFCH/UFAC, orientanda PIVIC/UFAC 2015-2016 do Projeto de Iniciação Científica História e Jornalismo: reflexões e apontamentos para o uso de

fontes hemerográficas, email: [email protected] 3 Acadêmica do Curso de Bacharelado em História do CFCH/UFAC, email: [email protected] . 4 Doutora em História Social pela USP, com a tese “A Cavalo dado não se olham os dentes”: O Bolivian Syndicate e a Questão do Acre na imprensa (1890 a 1909). Professora do Curso de História do CFCH/UFAC, email:

[email protected].

Page 204: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

204

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Palavras-chave: História, jornalismo, pesquisa, extensão, intercâmbio.

Tendo em mente a obra de Morin e a propositura de buscar um conhecimento

multidimensional constituíram-se neste ano os projetos de extensão e de pesquisa

denominados de “História e Jornalismo” com o intuito de estudar as suas ligações no

desenvolvimento de pesquisas, nas escolhas de temáticas, nos objetos de estudo,

desconfianças e dificuldades de trato dos periódicos como fontes.

Os projetos pretendem ser de fluxo contínuo e surgiram a partir dos estudos

desenvolvidos para a tese “ ‘A Cavalo dado não se olham os dentes’: O Bolivian

Syndicate e a aquisição do Acre pelo Brasil nos periódicos belenenses, manauaras e

acrianos de 1890 a 1909”, pois, ao estudar a temática a então doutoranda percebeu que:

[...] pesquisar sobre textos jornalísticos veiculados em jornais

brasileiros durante o período de 1890 a 1909, cuja temática foi a Questão do

Acre e de modo mais específico o Bolivian Syndicate, esbarrou nos estigmas

relacionados ao uso dos jornais como fontes históricas, no analfabetismo da

maior parte das populações do quadrilátero do levantamento hemerográfico

para esta pesquisa, assim como nas dificuldades para identificar o lugar de

produção dos periódicos.

A nódoa pelo trato com os jornais enquanto fontes era advento da

mitológica discussão sobre a intencionalidade dos documentos e por

consequência, sobre sua viabilidade como manancial de pesquisa.

Igualmente incômodo era considerar que na virada do XIX para o XX a

maior parte da população brasileira – tanto na capital federal, quanto nos

rincões amazônicos – era analfabeta e desta feita, nos parecia uma incógnita

a possibilidade de pensar e empregar os textos jornalísticos como elementos

de repercussão dos debates sobre o Acre dentro destes grupamentos sociais.

Acrescia-se a isto, a obstrução do desenvolvimento do estudo por conta da

caracterização acerca do que eram os jornais, os jornalistas, os donos da

imprensa escrita e os seus públicos. (ALBUQUERQUE FRANCO, 2015, p.

20)

Assim, ainda os jornais estudados para elaboração do trabalho de doutoramento

tenham sido aqueles da virada dos séculos XIX para o XX, os dilemas acerca da

intencionalidade, representatividade, viabilidade da pesquisa, bem como da

configuração do lugar de produção, dos produtores e destinatários destes textos ainda é

Page 205: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

205

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

constante na relação entre História e Imprensa. Contudo, tais impasses encontraram

acalanto em historiadores como Laura Antunes Maciel ao lermos que:

[...] a compreensão sobre as disputas e lutas que marcam a produção social

da memória, bem como aos lugares privilegiados para a construção de

sentidos para o presente –dos quais a imprensa desempenha papel central – e

às práticas de memorização do acontecer social, nem sempre merecem

atenção de nós historiadores. Trata-se de buscar as formas como se

constroem sentidos e interpretações, por meio da imprensa refletindo sobre a

forma como se articulam as diversas forças capazes de produzir

representações históricas [...] (MACIEL, 2008, p.1)

Representações históricas que em Heloísa de Farias Cruz e Maria do Rosário

Peixoto se coadunam também no significado dos veículos de comunicação para

compreensão dos modos de vida contemporâneos, vez que:

A importância crucial dos meios de comunicação na atualidade faz da

reflexão sobre a comunicação social um campo interdisciplinar estratégico

para a compreensão da vida contemporânea. Sistemas de satélites e cabos,

novas tecnologias e redes de informação, a comunicação sem fio e digital,

televisão aberta e a cabo, rádio, computador, celular, jornais, revistas, sites

blogs, emails, chats, torpedos, sinalizam o grande emaranhado de

tecnologias, artefatos e mensagens que invadem nosso cotidiano

configurando as redes de comunicação e informação que se organizam na

atualidade e que se impõem para a reflexão nas diferentes áreas de pesquisa

e ensino.

Particularmente em relação à imprensa, é fácil constatar que seu uso,

faz algum tempo,encontra-se disseminado nos ambientes de trabalho das

ciências sociais e das humanidades. (CRUZ, PEIXOTO, 2007, p. 254)

Representações históricas que têm sido desprezadas na UFAC a julgar pela

observação da crescente quantidade de trabalhos historiográficos baseados quase que

exclusivamente na História Oral em desfavor do emprego de fontes hemerográficas, tal

qual se pode verificar nos trabalhos feitos no DINTER USP/UFAC (2011-2015) e

mesmo nas graduações de História na UFAC. Entretanto:

[...] partindo de premissas básicas de que “fontes hemerográficas” englobam

periódicos de diversar ordens (sejam revistas ou jornais científicos, extra-

científicos, de movimentos clássistas entre outros, de discussão política, etc),

com distintas finalidades, financiadores e públicos. Recordando ainda das

Page 206: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

206

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

diferentes temporalidades em que foram produzidos e vinculados. E por fim

considerando que os periódicos podem e tem se propagado tanto em meio

físico quanto digital (sobretudo neste último com grade velocidade) nos

vemos impelidos a pensar no quão representativas de uma época e de uma

sociedade podem ser as fontes hemerográficas.[...]

Na verdade, a discussão sobre o peso das fontes hemerográficas é

amíude e ecoante, em especial ao empregá-las para pesquisas sobre países

como o Brasil, onde temos em grande parte de nossa História o letramento

como excludente social, não obstante os dados de redução do analfabetismo

na atualidade (e sem adentrarmos nas polêmicas sobre analfabetos

funcionais). Esse debate sobre representatividade da maior parte da

população nos jornais escritos se intensifica ao usarmos de um recorte de

tempo mais longínquo da contemporaneidade.[...] (ALBUQUERQUE

FRANCO, 2016)

Neste contexto, tanto ao longo da escrita da referida tese quanto no decorrer da

produção e maturação de outras obras foram se configuraram os formatos dos projetos

de pesquisa e de extensão ora comentados, que estão hoje aprovados pelo Centro de

Filosofia e Ciências Humanas. Projetos que em conformidade a ideia de

multidimensionalidade dos saberes se concatenam com ao estudo dos rudimentos da

produção historiográfica do Grupo de Pesquisa de Gênero, Conhecimento, Meio

Ambiente e Cultura Afro-Brasileira, assim como as análises literárias promovidas pelo

Núcleo de Pesquisas e Estudos da Cena Contemporânea sobre textos jornalísticos.

Então, em 2016 (ainda dentro do segundo semestre letivo de 2015, conforme há

de se recordar de divergências decorrentes dos ajustes feitos pelo CONSU/UFAC para a

acomodação de calendário após a última greve de professores e servidores desta IFES)

se iniciaram as atividades dos projetos.

No campo extensionista foi elaborada a oficina “História e Imprensa: diálogos,

reflexões e apontamentos para o uso de fontes hemerográficas”, que já está inscrita e

aprovada no X Simpósio Linguagens e Identidades da/na Amazônia Sul-Ocidental a

acontecer no Campus Rio Branco da UFAC, em novembro de 2016. A oficina prevê

público de 15 pessoas e terá como ponto de partida reflexões sobre a História e

Jornalismo na investigação científica, historiando o surgimento da imprensa escrita no

Brasil, abordando as noções fundamentais sobre a pesquisa em História e as fontes

Page 207: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

207

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

históricas hemerográficas, discutindo os seus lugares de produção, intercâmbios,

funções e desusos historiográficos.

A opção por este modelo piloto de oficina em face da compreensão de que os

diálogos entre História e Imprensa incorrem por vezes naquilo que Ribeiro e

Herschmann chamaram de “impasses teóricos e problemas metodológicos”. Dilemas e

dificuldade que são para os autores a regionalidade dos estudos, ausência de pesquisas

de grau comparativo, falta de obras síntese, o uso equivocado do sudeste brasileiro

como parâmetro compatativo, ênfase na atuação individual, narrativa em desfavor da

análise, memorialismo, foco em História Política.(RIBEIRO, HERSCHMANN, 2008, p.

18-22)

Em concomitância as ações de extensão, desde agosto de 2016 (dentro do segundo

semestre letivo de 2015) desenvolve-se o projeto de iniciação científica denominado de

“História e Jornalismo: reflexões e apontamentos para o uso de fontes hemerográficas”,

com alunas das graduações de História5, que se justifica em face das dificuldades de

compreensão dos acadêmicos sobre a seleção e trato com fontes hemerográficas. De tal

sorte que a ideia é instrumentalizar aos graduandos para fazerem bom uso dos jornais

como fontes de pesquisa.

Tendo a iniciação científica por objetivos dar noções históricas sobre o alvorecer

da conexão entre História e Jornalismo em terras brasileiras, apresentar fundamentos da

pesquisa com fontes impressas e digitais hemerográficas, além de passar sugestões de

metodologias de trabalho com essas fontes. O método de trabalho se divide em

encontros presenciais com leituras e discussões sobre a bibliografia indicada, será

marcado por três etapas interdependentes, constituídas da fase de pesquisas em fontes

hemerográficas a serem executadas tanto na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional,

quanto no Centro de Documentação Histórica da UFAC e em acervos de jornais da

cidade de Rio Branco. E dessas atividades devem resultar artigos para apresentação no

seminário de iniciação científica, assim como os relatórios semestrais.

5 Sendo uma aluna bolsista e outra voluntária. Aduz dizer que uma aluna é do curso de licenciatura e outra do

bacharelado em História da UFAC.

Page 208: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

208

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Ao segmento de ensino se acrescem as produções de monografias de

bacharelandos em História e dos cursistas do Aperfeiçoamento UNIAFRO: política de

promoção da igualdade racial. No campo monográfico estão sendo desenvolvidas

pesquisas no curso de bacharelado em História da UFAC dois trabalhos, que

empregando o Varadouro – Jornal das Selvas como fonte hemerográfica, versam sobre

o papel da mulher e as relações de conflitos fundiários. Ainda no referido bacharelado

temos um terceiro trabalho que aborda o preconceito em torno das casas de umbanda e

candomblé, tema que também é trabalhado em um dos trabalhos de conclusão do curso

de aperfeiçoamento da UNIAFRO.

Finalizando nossa conversa acerca dos projetos de pesquisa e extensão sobre

História e Jornalismo, esperamos que ao noticiarmos o que estamos fazendo nos cursos

de licenciatura e bacharelado da História da UFAC com a imprensa enquanto fonte e

objeto, possamos ter maior interação entre as diferentes graduações e pós-graduações

não apenas vinculadas ao Centro de Filosofia e Ciências Humanas, mas aos diferentes

Centros de nossa IFES.

Referências

ALBUQUERQUE FRANCO, Nedy Bianca Medeiros de. A cavalo dado não se olham os

dentes: O Bolivian Syndicate e a Questão do Acre na Imprensa (1890-1909). São Paulo: USP,

2015. 207 f. Tese (Doutorado em História Social) Apresentada junto ao Curso de Doutorado

Interinstitucional (DINTER) em História Social da Universidade de São Paulo/Universidade

Federal do Acre.

. História e Jornais: diálogos sobre a produção historiográfica.

Comunicação apresentada no IV Encontro Regional Norte de História da Mídia, organizado

pela Associação Brasileira de Pesquisadores da História da Mídia/ALCAR, ocorrido em Rio

Branco, AC, entre 19 a 20 de maio de 2016.

ALMEIDA, Juliele Rabêlo de; OLIVEIRA ROVAI, Marta Gouveia de (Org.). Introdução à

História Pública. São Paulo: Letra e Voz, 2011.

BARBOSA, Marialva. História Cultural da Imprensa: Brasil, 1900-2000. Rio de Janeiro:

Mauad X, 2007.

Page 209: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

209

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

História Cultural da Imprensa: Brasil, 1800-1900. Rio de Janeiro:

Mauad X, 2010.

BARROS, José D’Assunção. A fonte histórica e seu lugar de produção. In: Caderno de

Pesquisa do CDHIS/UFU. v.25, n.2, jul./dez. 2012. p. 407-429. Disponível em:

<http://www.seer.ufu.br/index.php/cdhis/article/view/15209/11834> Acesso em: 04 mar. 2013.

CAMARGO, Ana Maria de Almeida. A imprensa periódica como fonte para a História do

Brasil. In: PAULA, Eurípides Simões de (org.). Anais do V Simpósio Nacional dos

Professores Universitários de História. São Paulo: Seção Gráfica da FFLCH/USP, 1971, v. 2.

CRUZ, Heloísa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. Na oficina do historiador:

Conversas sobre História e Imprensa. Projeto História: História e Imprensa, São Paulo, v. 35,

ago./dez. 2007. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/2221>

Acesso em: 3 set. 2013. P. 254.

DEL PRIORE, Mary. O castelo de papel: uma história de Isabel de Bragança, princesa

imperial do Brasil, e Gastão de Orléans, conde d’EU. Rio de Janeiro: Rocco, 2013. P.167.

FERREIRA, Marieta de Moraes. História do tempo presente: desafios. Cultura Vozes,

Petrópolis, v.94, nº 3, p.111-124, maio/jun., 2000. Disponível em:

http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/517.pdf. Acesso em: 22 maio 2014.

FERREIRA, Paulo Roberto. Mais de 180 anos de imprensa na Amazônia. Trabalho

apresentado no 3º Encontro Nacional de História da Mídia, promovido pela Rede Alfredo de

Carvalho, realizado de 14 a 16 de abril de 2005, em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, no

campus da Feevale. Apresentado no Grupo de Trabalho de História da Mídia Impressa.

Disponível em: <http://www.redealcar.com.br/. 2005. Acesso em 08 jun. 2014.

FIORUCCI, Rodolfo. Considerações acerca da História do Tempo Presente. In: Revista Espaço

Acadêmico, n. 125,out. 2011. Disponível em:

http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/12565. Acesso em:

22 maio 2014.

GALVÃO, Walnice Nogueira. No calor da hora: a guerra de canudos nos jornais. 3.ed. São

Paulo: Ática, 1994.

Page 210: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

210

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários: Nos Tempos da Imprensa Alternativa.

São Paulo, Escrita Editorial, 1991.

LUCA, Tania Regina de. Fontes impressas: História dos, nos e por meio dos periódicos. In:

PINSKY, Carla Bassanezi (Org.) Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005.

LUCCHESI, Anita. Por um debate sobre História e Historiografia Digital. Boletim Historiar, n. 02, mar. /abr. 2014, p. 45-57<| http://seer.ufs.br/index.php/historiar. Disponível em:

http://seer.ufs.br/index.php/historiar Acesso em: 15 jun 2015.

MACIEL, Laura Antunes. O popular na imprensa: linguagens e memórias. In: Anais do XIX

Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo,

08 a 12 de setembro de 2008. Disponível em:

http://www.anpuhsp.org.br/sp/downloads/CD%20XIX/PDF/Autores%20e%20Artigos/Laura%2

0Antunes%20Maciel.pdf . Acesso em: 15 mar 2016.

. “Produzindo notícias e histórias: algumas questões em torno da

relação telégrafo e imprensa – 1880 /1920. In: FENELON, Déa Ribeiro (Org.). Muitas

memórias, outras histórias. São Paulo: Olho d’Água, 2005.

MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2005.

MOTTA, Luiz Gonzaga (Org.) Imprensa e poder. Brasília: Ed. UNB, São Paulo: Imprensa

Oficial do Estado, 2002.

PADRÓS, Enrique Serra. Os desafios na produção do conhecimento histórico sob a perspectiva

do Tempo Presente. In: Anos 90, Porto Alegre, v. 11, n. 19/20, p. 190-223, jan./dez. 2004.

Disponível em: http://www.seer.ufrgs.br/anos90/article/viewFile/6356/3807. Acesso em: 22

maio 2014.

PILAGALLO, Oscar. História da Imprensa Paulista: jornalismo e poder de D. Pedro I a

Dilma. São Paulo: Três Estrelas, 2012.

PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Oralidade e letramento na Província do Amazonas (1850-

1889). In: Fronteiras do tempo: Revista de Estudos Amazônicos, n. 4, 2013, p. 139-162.

Page 211: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

211

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

RIBEIRO, Ana Paula Goulart; HERSCHMANN, Micael. História da Comunicação no Brasil:

um campo em construção. In: (Org.) Comunicação e história:

interfaces e novas abordagens. Rio de Janeiro: Mauad X: Globo Universidade, 2008.

RIZZINI, Carlos. O livro, o jornal e a tipografia no Brasil: 1500-1822. São Paulo: Imprensa

Oficial, 1988, p.310.

ROMANCINI, Richard; LAGO, Claudia. História do jornalismo no Brasil. Florianópolis:

Insular, 2007.

SCHWARZ, Lilía Moritz; STARLING, Heloísa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo:

Companhia das Letras, 2015. p. 2015. P. 183.

. A longa viagem da biblioteca dos reis. São Paulo: Companhia das

Letras, 2002.

SILVA, Francisco Bento. Acre, a Sibéria tropical: desterros para as regiões do Acre em 1904 e

1910. Manaus: UEA, 2013.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1966.

VELOSO, Maria do Socorro F. A ferro e fogo: conflitos no primeiro século da imprensa

paraense.Disponível

em:http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2009/resumos/R415031.pdf. [2011]. Acesso

em: 10 mai. 2014.

WILLIAMS, Raymond; B. JANNUZZI, Ricardo (Tradução); CRUZ, Heloisa de Faria (Revisão

técnica). A imprensa e a cultura popular: uma perspectiva histórica. Projeto História: História e

Imprensa, São Paulo, v. 35, ago./dez. 2007. Disponível em:

<http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/2202/1308> Acesso em: 3 set. 2013.

Page 212: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

212

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

REDES SOCIAIS E FEMINISMO NO CONTEXTO ACREANO: RELATO DE

UMA EXPERIÊNCIA

Ana Luiza LIMA1

Wagner da Costa Silva2

Universidade Federal do Acre - Ufac

Resumo

Este artigo se propõe discutir uma experiência de debates sobre o feminismo

desenvolvida na cidade de Rio Branco – Acre, que tem as redes sociais, em especial o

facebook, como elemento de articulação, seja para atrair um público maior, ou para a

decisão dos temas que entrarão em discussão. O evento tem mostrado que as redes

sociais são um importante elemento de integração, uma ponte entre aquel@s que

desejam conhecer mais sobre o feminismo, @s que conhecem e @s que tomam

conhecimento do movimento ou do evento por meio de compartilhamentos na rede.

Palavras-chave: Feminismo; Redes Sociais; Acre; Bate Papo Feminista

Redes sociais: tecendo considerações

Feminismo é um movimento que luta pelo fim do sexismo, da exploração sexista

e da opressão. Este conceito é trazido pela escritora estadunidense Bell Hooks, no ano

de 1984, em obra que discute a teoria feminista. Passados mais de 30 anos, ele continua

muito atual. Hooks afirma em seu livro que a ideia era massificar esse conceito, no qual

o real motivo das desigualdades entre homens e mulheres é o sexismo. Para a autora, o

diálogo é fundamental para evitar interpretações errôneas sobre o que é realmente o

movimento feminista. Hooks também mostra como a mídia de massa patriarcal é

fundamental quando se trata da falta de informações ou mesmo ideias erradas sobre

feminismo, é uma mídia que dialoga com mais vigor com o universo do masculino.

Recentemente, a internet e as redes sociais têm se constituído em importantes

braços do movimento feminista, pois vem quebrando o poder dos grandes

conglomerados midiáticos que, em sua maioria, são comandados por homens. As redes

têm encurtado caminhos e colocado a discussão para um maior número de pessoas.

1 Estudante de Graduação 6º. semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre - UFAC

2 Orientador do trabalho. Professor do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre - UFAC, email:

[email protected]

Page 213: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

213

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Abrindo possibilidades de debates, cumprindo um papel de ser elo, um elemento de

integração entre diferentes públicos, uma ponte.

Além de permitir a livre produção e distribuição de conteúdo

colaborativo em todos os ambientes sociais, com custo reduzido

e oportunidade de repassar informações sem dependência dos

grandes grupos empresariais, a mídia social, hoje, facilita a

interação. Esses fatores transformam a história e o entendimento

da sociedade em relação aos conteúdos, modernizando as formas

de vivência. (GUEDES, 2013, p13)

O movimento feminista, com cada vez mais força, faz das redes sociais um

espaço de ressignificação, para se fazer visto, ganhar visibilidade, uma ferramenta para

compartilhamento e discussão de suas idéias. Entendo as redes como uma regeografia

de espaços, em que emissor-receptor mudam suas posições e passam a estar do mesmo

lado, que produtor-consumidor entram em diálogo e fazem surgir novas temáticas,

demandas, colocam em evidência o que estava à sombra, escondido, invisibilizado.

Um espaço de empoderamento, de publicização e de troca de idéias que não

encontram, muitas vezes, espaços nas mídias tradicionais, mas que nas redes sociais

reverberam, ganham vida ao serem compartilhadas, curtidas, comentadas. São vias que

alimentam o movimento, que contribuem para a publicização de questões, fomentando o

debate, que não morre, ganha vida pelos caminhos ainda pouco conhecidos e

enigmáticos das redes sociais, que são definidas por Recuero (2009) da seguinte forma:

Uma rede social é definida como um conjunto de dois

elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da

rede) e suas conexões (interações ou laços sociais) (Wasserman

e Faust, 1994; Degenne e Forse, 1999). Uma rede, assim, é uma

metáfora para observar os padrões de conexão de um grupo

social, a partir das conexões estabelecidas entre diversos atores.

A abordagem de rede tem, assim, seu foco na estrutura social,

onde não é possível isolar os atores sociais e nem suas conexões.

(RECUERO, 2009, p. 24)

Para a autora, as redes são espaços de visibilidade que permitem aos indivíduos,

mesmo estando offline, manter-se em diálogo com outros, articulando, discutindo,

vendo e sendo visto. “A rede, portanto, centra-se em atores sociais, ou seja, indivíduos

Page 214: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

214

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

com interesses, desejos e aspirações, que têm papel ativo na formação de suas conexões

sociais” (RECUERO, 2009, p.143)

Por meios das conexões criadas nas redes, os diferentes sujeitos podem se

organizar em torno de questões que são caras a eles, que os motivam para a luta, o

questionamento, podem construir movimentos para defender causas que não obtém

espaço relevante nas mídias tradicionais, como o jornal impresso, o rádio ou a televisão,

por exemplo.

Bato Papo Feminista: uma experiência acreana

O Bate Papo Feminista surgiu devido a uma necessidade compartilhada por

muitas mulheres acreana de encontros pessoais e com embasamento teórico para

discussão de conceitos feministas. A partir de postagens relacionadas ao movimento no

facebook foi criado um grupo no whatsapp e, a partir desse grupo, nasceu o primeiro

encontro e a equipe organizadora.

A ideia era criar um lugar de referência para pessoas que estavam começando a

estudar feminismo, criar um espaço onde houvesse a possibilidade da troca de ideias

pessoalmente, dado que não havia nada similar no estado, mesmo com alguns grupos

feministas já articulados e tendo histórias de militâncias datadas da década de 80.

Uma das dificuldades do inicio do projeto foi a organização, já que eram pessoas

diferentes, cada uma com sua vida, trabalho, universidade, família, que tinham que se

desdobrar mais uma vez para o funcionamento do projeto. Posto isso, ressalte-se a

importância das redes sociais como elemento de articulação do projeto. Parte da

organização é feita através das redes sociais, por chats ou eventos criados na rede e que

objetivam atrair a atenção de um maior número de pessoas, o que vem sendo alcançado.

Sem a internet talvez não existisse o projeto Bate Papo Feminista, isto porque é a

partir dela que parte do trabalho é realizado. O encontro da organização; a escolha dos

temas, convidados, locais, horários e de divulgação; o contato com as pessoas que irão

palestrar; a reserva de espaços; e a própria divulgação que é feita quase que

exclusivamente através das redes sociais.

Page 215: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

215

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Há mais ou menos dez anos, as redes sociais se tornaram armas

eficazes na mobilização de pessoas. Hoje, mais que nunca, os

grupos agem nas redes sem medo de repressão ou censura. Se

fortalecem e lutam por seus ideais, incentivando a participação

de pessoas com os mesmo anseios e desejos em comum. Por

este motivo, a internet se torna um meio de comunicação cada

vez mais popular. (GUEDES, 2013, p.29)

Eventos e temas:

1. O que é feminismo

Mediado pela professora Margarete Edul Prado, da Universidade Federal do Acre,

no dia 11 de abril de 2015, na Biblioteca da Floresta. No bate papo, a professora trouxe

conceitos básicos sobre feminismo, gênero e papel da mulher na sociedade. A partir das

obras de teóricas feministas o debate foi guiado e apresentada a história do movimento

feminista dividido nas três ondas. A primeira, datada do século XIX até o inicio do

século XX, ocorreu primeiramente no Reino Unido e Estados Unidos, tinha como mote

as reivindicações pelo direito ao voto e a vida pública. É nesse momento que surge o

movimento Sufragista.

A segunda onda teve inicio na década de 60 e durou até a década de 80, neste

período as reivindicações das mulheres eram voltadas para temas como valorização do

trabalho da mulher, o direito ao prazer, contra a violência sexual, e no Brasil também

lutou contra a ditadura militar. Um marco teórico desta época e que, até os dias de hoje,

Ao total foram realizados 9 encontros, dos quais 6 na Biblioteca da Floresta

Marina Silva, 1 no Sesc de Rio Branco e 2 em praças públicas no centro da capital

acriana. O apoio que a iniciativa recebeu foi do espaço utilizado para realização dos

eventos e das pessoas que se disponibilizaram para participar dos encontros.

Cada edição do Bate Papo Feminista contou com uma média de 40 pessoas, em

públicos rotativos, ou seja, em cada encontro tinha um público diferente do presente no

encontro anterior. Participam dos encontros estudantes, profissionais de diversas áreas,

mulheres adultas, jovens, mães e filhas que vão, aos sábados à tarde, conversar sobre

feminismo.

Page 216: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

216

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

é considerada por muitas como a bíblia do feminismo é o livro “O Segundo Sexo”, de

Simone de Beauvoir, nele afirma-se que as diferenças entre homens e mulheres são

questões sociais, não biológicas.

“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino

biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea

humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da

civilização que elabora esse produto intermediário entre o

macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a

mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um

Outro. Enquanto existe para si, a criança não pode apreender-se

como sexualmente diferenciada. Entre meninas e meninos, o

corpo é, primeiramente, a irradiação de uma subjetividade, o

instrumento que efetua a compreensão do mundo: é através dos

olhos, das mãos e não das partes sexuais que apreendem o

universo.” (BEAUVOIR, 1967, p.9)

A terceira onda feminista se inicia nos anos 90, visa intensificar e debater

paradigmas da onda anterior. É no fim do século XX que o feminismo realmente se

divide, visto que a maioria das reivindicações das ondas anteriores eram voltadas para

mulheres brancas, ou mesmo da burguesia. O feminismo negro surge nesse período e se

inicia o debate sobre questões de gênero. Há a defesa da „micropolítica‟ ou o que

chamamos hoje de interseccionalidade, visto a necessidade de um recorte de classe e

raça no debate feminista.

2. Mulheres na mídia

Mediado pela jornalista e militante feminista Fabiana Nogueira Chaves, no dia 09 de

maio de 2015, na Biblioteca da Floresta. Neste encontro foi abordado a maneira com e a

mulher é retratada na mídia, as campanhas publicitárias, o conteúdo das revistas

voltadas para o púbico feminino e mesmo a culpabilização da mulher em casos de

violência. As grandes empresas midiáticas e de publicidade brasileiras são controladas

por homens, e a maioria do que é produzido é feito para homens. Esse conteúdo é

utilizado para perpetuar o papel do feminino na sociedade, vai de mulher bela, recatada

e do lar a mulher objeto.

Page 217: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

217

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

A mídia é uma das maiores disseminadoras de preconceitos em

nossa sociedade. As mulheres, foram transformadas em objeto

de consumo ou em escravas domésticas, deixaram de ser

pessoas. Basta assistir uma propaganda de cerveja ou de sabão

em pó para perceber isso. Ao mesmo tempo a mídia tenta criar

uma falsa aparência de igualdade entre os sexos. Assim, ratifica

o machismo promovendo violências de gênero. (CHAVES,

2010, p. 218)

3. Feminismo negro

Mediado pela cientista social Jaycelene Brasil, no dia 13 de junho de 2015, na

Biblioteca da Floresta. O feminismo negro leva em consideração questões de raça,

classe e gênero em suas pautas, visto que sofrem um outro tipo de opressão. Isso fica

evidente quando observamos o mapa da violência no Brasil elaborado pela Faculdade

Latino-Americana de Estudos Sociais em que mostra que o índice de assassinatos de

mulheres negras aumentou 54% enquanto o de mulheres brancas reduziu 10% entre os

anos de 2003 a 2013.

Não era a discriminação de gênero ou a opressão sexista que

impedia as mulheres privilegiadas de todas as raças de trabalhar

fora de casa, mas o fato de que os trabalhos disponíveis para elas

seriam os mesmos trabalhos não qualificados e de baixa

remuneração abertos a todas as mulheres trabalhadoras. Elites de

mulheres com altos níveis de educação ficavam em casa ao

invés de realizar o tipo de trabalho que grandes números de

mulheres da classe média baixa e da classe trabalhadora

realizavam (HOOKS, 2010, p.38)

4. Relacionamentos abusivos

Mediado pela professora Madge Porto,da Universidade Federal do Acre, o encontro foi

realizado dia 11 de julho de 2015 na Biblioteca da Floresta. Foi a partir dos estudos

realizados por Tânia Navarro Swain que a professora Madge Porto construiu sua

Page 218: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

218

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

apresentação, trazendo o dispositivo amoroso como o principal causador da

permanência de mulheres em relacionamentos abusivos. Assim como o dispositivo

materno e heterosexualidade compulsória. O vídeo “Não tire o batom vermelho” do

canal no youtube Jout Jout Prazer, foi utilizado no inicio do bate papo para mostrar para

as pessoas presentes que casos de violência em relacionamento não se resumem a

abusos físico e sexuais e que o mais frequente e díficil de detectar é o abuso emocional

e psicológico.

“O amor está para as mulheres o que o sexo está para os

homens: necessidade, razão de viver, razão de ser, fundamento

identitário. O dispositivo amoroso investe e constrói corpos-em-

mulheres, prontos a se sacrificar, a viver no esquecimento de si

pelo amor de outrem.(...) O dispositivo amoroso, assim, cria

mulheres e, além disso, dobra seus corpos às injunções da beleza

e da sedução, guia seus pensamentos, seus comportamentos na

busca de um amor ideal, feito de trocas e emoções, de partilha e

cumplicidade.” (Swain, 2006, p.10-11)

5. Transativismo

O encontro foi mediado por Antonella Albuquerque e Bruna Ruby, no dia 15 de agosto

de 2015, na Biblioteca da Floresta. Elas são militantes transativistas e integram a

Associação de Travestis e Transexuais do Acre (Attrac), na qual Antonella é presidenta.

Através de histórias de vivências e militâncias foram compartilhados relatos e ideias

sobre a violência e luta das mulheres trans e travestis. Por ser um tema bastante

controverso dentro do próprio feminismo, a ideia era levar para debate as questões de

identidade de gênero e sexualidade como processos ainda em construção e possibilitar o

acesso à informações sobre a temática.

“Pessoas que se identificam com alguma das expressões da

transgeneralidade enfrentam um primeiro desafio: reconhecer a

si mesmas e fazer decisões pessoais sobre se e quando irão se

apresentar aos outros da forma como se identificam. Cada um(a)

tem o seu tempo. É preciso compreender que essa atitude não é

simples de se tomar, nem fácil de pôr em prática, porém é

Page 219: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

219

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

necessária, para que elas possam ser quem são por inteiro, entre

seus amigos, na família, no trabalho, na rua.” (JESUS, 2012,

p.10)

6. Feminismo no Enem

2015, como parte da programação dos 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra a

mulher. O evento foi realizado em praça pública no centro da cidade de Rio Branco. Na

O evento foi mediado psicóloga Carolina Sátiro Macedo, no dia 28 de novembro de

semana do Enem casos de queda de direitos e da própria violência contra a mulher

vieram à tona de maneira naturalizada: Delegacia da Mulher que limita roupas e proíbe

a entrada de crianças; Twitter com avalanche de discurso pedófilo e a defesa desses

homens falando em pedofilia como 'doença' ou como 'apenas preferência sexual ainda

não compreendida pela sociedade; Projeto que dificulta o atendimento de mulheres em

casos de estupro; Proibição da venda de pílula do dia seguinte e restrição para o acesso a

métodos abortivos e/ou contraceptivos. A partir da escolha feita para a redação da prova

e pelos casos acima citados, foi decidido a temática abordada neste encontro, que não

tratou apenas da importância dessa discussão a nível nacional, como apresentou dados

do Mapa da Violência no Brasil lançado em 2015.

“A violência contra a mulher não é um fato novo. Pelo contrário,

é tão antigo quanto a humanidade. O que é novo, e muito

recente, é a preocupação com a superação dessa violência como

condição necessária para a construção de nossa humanidade. E

mais novo ainda é a judicialização do problema, entendendo a

judicialização como a criminalização da violência contra as

mulheres, não só pela letra das normas ou leis, mas também, e

fundamentalmente, pela consolidação de estruturas específicas,

mediante as quais o aparelho policial e/ou jurídico pode ser

mobilizado para proteger as vítimas e/ou punir os agressores”

(WAISELFISZ, 2015, p.7)

7. O mito do instinto materno

Page 220: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

220

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

além de trabalhos voluntários com a Trupe SouRiso que leva teatro, dança, poesia e

música para dentro dos hospitais acreanos. Nilce Souza foi a representante acreana no

Seminário Nacional de Lésbica e Mulheres Bissexuais - Senalesbi 2016. E Sandrinha da

Silva é presidenta e fundadora da Associação de Lésbicas do Acre.

Segundo encontro mediado pela professora Madge Porto, o evento foi realizado dia

12 de março de 2016, no auditório da Biblioteca da Floresta. Esse bate papo teve uma

apresentação inicial menor que a de costume, e teve sua conversa guiada quase que

totalmente pelo público presente. O evento, que a principio tinha sido pensado para

debater a pressão social em cima das mulheres para se tornarem mães, acabou se

transformando em uma conversa sobre as dificuldades da maternidade, como a

sociedade cobra da mulher coisas que não cobraria de um homem com relação aos

filhos dos dois, casos de violência obstétrica e demais relatos.

O Bate Papo Feminista realizado no dia 9 de abril de 2016, no auditório da

Bilbioteca da Floresta, contou com a participação de Yasmim O‟hana, Nilce Souza e

Sandrinha da Silva. Lésbicas que militam pela causa, cada uma a sua maneira, Yasmim

O‟hana é música e trabalha na Secretária do Estado do Acre de Gestão Administrativa,

Mulheres lésbicas sofrem com o machismo além da lesbofobia, e por estar nesse

meio termo acabam sendo invisibilizadas pelos dois movimentos. Nota-se uma maior

notoriedade para os relacionamentos homoafetivos masculinos, o G do movimento

LGBT aparece com mais frequencia que todas as outras letras.

“As lésbicas têm sido historicamente destituídas de sua

existência política através de sua “inclusão” como versão

feminina da homossexualidade masculina. Equacionar a

existência lésbica com a homossexualidade masculina, por

serem as duas estigmatizadas, é o mesmo que apagar a realidade

feminina mais uma vez. Parte da história da existência lésbica

está, obviamente, a ser encontrada em contextos onde as

próprias lésbicas, na ausência de uma comunidade feminina

8. Visibilidade lésbica

Page 221: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

221

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Segundo dados coletados pelo 9º anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

uma mulher foi estuprada a cada 11 minutos no Brasil no ano de 2014, resultando em

um total de 47.646 estupros registrados nesse período. Já é um número alarmante, mas o

documento ainda esclarece que estimasse que apenas 35% dos casos de crimes sexuais

são notificados. Já dados coletados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

(Ipea) mostram que 67% dos casos de violência entre as mulheres são cometidos por

parentes próximos ou conhecidos das famílias; 70% das vítimas de estupro são crianças

e adolescentes e são raros os casos em que os agressores são punidos

coerente, têm compartilhado um tipo de vida social e de causa

comum com homens homossexuais.” (RICHE, 2010 p.36- 37)

Outro ponto interessante a ser tocado nessa temática é que, além de todas as

dificuldades passadas por um individuo que não se enquadra na heteronormatividade

imposta socialmente, mulheres lésbicas são constantemente fetichizadas e invalidadas

pelo falocentrismo que enxerga como sexo apenas as relações com penetração. A falta

de informação sobre esse tipo de relação faz com que até mesmo médicos

ginecologistas não consigam fazem um atendimento adequado. O sexo lésbico só se

torna válido quando usado para deleite masculino.

Ato realizado dia 01 de junho de 2016, diferente de todos os outros bate papos,

dessa vez não teve uma pessoa dando palestra para guiar e também mediar o debate

como nas edições anteriores. Com a divulgação do vídeo de um estupro coletivo

ocorrido no Rio de Janeiro e devido a mobilização nacional, principalmente nas redes

sociais, viu-se a necessidade de realizar-se um ato na cidade de Rio Branco para poder

discutir o tema. Sem a necessidade de uma pessoa para explicar os conceitos teóricos

sobre cultura do estupro, os próprios relatos, vivências e experiências compartilhados

em praça pública foram o guia para uma compreensão real sobre o impacto da cultura

do estupro na vida de cada mulher.

9. Precisamos falar sobre cultura do estupro

Page 222: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

222

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

Considerações

O artigo mostra que as redes sociais ocupam um importante papel enquanto instrumento

de visibilidade e articulação dos movimentos sociais, em especial do movimento

feminista. No caso em questão, que é a experiência do Bate Papo Feminista realizado no

Acre, elas foram o instrumento que permitiu o nascimento e a permanência do projeto.

Além do mais, a partir da articulação nas redes, a iniciativa consegue agregar novas

mulheres que se interessam pela temática e trazer à luz questões importantes para a

compreensão do movimento e da sociedade atual.

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo, volume 2. São Paulo: Difusão Europeia do

Livro, 2ª edição, 1967

Manaus, AM, 2015.

GUEDES, Tais Morais. As redes sociais - facebook e twitter – e suas influências nos

movimentos sociais. 2013. Dissertação de mestrado em Comunicação. Universidade de

Brasília.

O termo cultura do estupro começou a ser utilizado em 1970 pelo movimento

feminista da segunda onda. Ele se refere a mecanismos culturais (mídia e cultura

popular) responsáveis por repassar valores, normas e práticas em que as pessoas acabam

naturalizando, aceitando ou mesmo justificando esse tipo de violência.

Referências

BUTLER, Judith. Problema de Gênero. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008

CHAVES. F.N. A sociedade capitalista e o feminino: sua estrutura falocêntrica e a

questão da aparência. In: Marcondes Filho.C. (org). Transporizações. São Paulo: Eca-

Usp, 2010, p 216- 226.

. A mídia, a naturalização do machismo e a necessidade de

educação em direitos humanos para comunicadores. In: In: XIV Intercom Norte,

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,

2006

HOOKS, Bell. Feminist theory: from margin to center. Bonston: South end press,

1984

Page 223: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

223

Seacom – Semana Acadêmica de Comunicação da Ufac V Semana Acadêmica de Comunicação – Rio Branco - AC – 21 a 23/09/2016

RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009

SWAIN, Tânia Navarro. Entre a vida e a morte, o sexo. Labrys. Estudos Feministas

(Online), Brasília, Montreal, paris, v.12, n. julho/dezembro, 2006 - Disponível em: <http://www.intervencoesfeministas.mpbnet.com.br/textos/tania-

entre_a_vida_ea_morte.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2016

9º anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

HOOKS, Bell. Feminism is for everybody: passionate politics. Cambrige: South end

press, 2000

JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre a população transgênero: conceitos e

termos. Jaqueline Gomes de Brasília: Autor, 2012. Disponível em:

<https://www.sertao.ufg.br/up/16/o/ORIENTA%C3%87%C3%95ES_POPULA%C3%8

7%C3%83O_TRANS.pdf?1334065989>. Acesso em: 14 jul. 2016

RICH, Adrienne. Heterossexualidade compulsória e existência lésbica. RevistaBagoas,

Natal, v. 4 5, pag. 17-44, 2010. Disponível em:

<https://pt.scribd.com/doc/188347855/88392921-Adrienne-Rich-Heterossexualidade-

Compulsoria-e-Existencia-Lesbica>. Acesso em: 14 jul. 2016

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2015. Homicídio de Mulheres no

Brasil. 1ed. Brasília, DF. 2005 Dísponível em: <www.mapadaviolencia.org.br>.

Acesso em: 14 jul. 2016

Disopnível em:

<http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2015.retificado_.pdf>.

Acesso em: 14 jul. 2016 Estupro no Brasil: uma

radiografia segundo os dados da Saúde. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/140327_notatecnicadi

est11.pdf >. Acesso em: 14 jul. 2016

Page 224: seacomufac.files.wordpress.com · Comissão organizadora Professores Responsáveis Juliana Lofêgo Wagner Costa Alunos Alex Sandro de Almeida Lima Alice Maria Nunes de Souza Aline

Realização