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Proc. nº 101/2012 Recurso Jurisdicional em matéria administrativa Relator: Cândido de Pinho Data do acórdão: 15 de Maio de 2014 Descritores: -Aceitação do acto -Recurso administrativo e contencioso SUMÁ RIO: I - Geralmente o pagamento pelo administrado de uma quantia pecuniária, sem declaração de reserva, vale como aceitação tácita e implica rejeição do recurso apresentado, se esse comportamento for interpretado como incompatível com a vontade de recorrer. Nesse pressuposto, o pagamento pode dizer-se fruto de uma vontade livre e disponível, totalmente esclarecida e sem sombra de coercibilidade, nem constrangimento. II - Mas, se o pagamento for tido como modo de o interessado escapar a uma consequência gravosa para a sua esfera, então ele não pode ser entendido como o fruto de uma vontade totalmente livre. Avulta nestas situações o caso de o notificado ser alertado para a circunstância de a omissão do pagamento ser levado à conta de uma relapsia e, por isso, ser motivo para uma imediata execução fiscal. III - A aceitação do acto, para ter estes reflexos ao nível da impossibilidade de recorrer, face ao disposto no art. 34º do CPAC, depende de uma «prática espontânea» (nº2, cit. art.) de determinado facto. Ora, dificilmente se acolhe a ideia de que um pagamento feito sob a ameaça de uma execução imediata possa ser encarado com total determinação, consciência, liberdade e disponibilidade.

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Page 1: -Aceitação do acto -Recurso administrativo e contencioso · não estabelecer qualquer ligação entre o pagamento da multa e a renúncia ao recurso do acto administrativo, não

Proc. nº 101/2012

Recurso Jurisdicional em matéria administrativa

Relator: Cândido de Pinho

Data do acórdão: 15 de Maio de 2014

Descritores:

-Aceitação do acto

-Recurso administrativo e contencioso

SUMÁ RIO:

I - Geralmente o pagamento pelo administrado de uma quantia pecuniária, sem

declaração de reserva, vale como aceitação tácita e implica rejeição do recurso

apresentado, se esse comportamento for interpretado como incompatível com a

vontade de recorrer. Nesse pressuposto, o pagamento pode dizer-se fruto de uma

vontade livre e disponível, totalmente esclarecida e sem sombra de coercibilidade, nem

constrangimento.

II - Mas, se o pagamento for tido como modo de o interessado escapar a uma

consequência gravosa para a sua esfera, então ele não pode ser entendido como o fruto

de uma vontade totalmente livre. Avulta nestas situações o caso de o notificado ser

alertado para a circunstância de a omissão do pagamento ser levado à conta de uma

relapsia e, por isso, ser motivo para uma imediata execução fiscal.

III - A aceitação do acto, para ter estes reflexos ao nível da impossibilidade de recorrer,

face ao disposto no art. 34º do CPAC, depende de uma «prática espontânea» (nº2, cit.

art.) de determinado facto. Ora, dificilmente se acolhe a ideia de que um pagamento

feito sob a ameaça de uma execução imediata possa ser encarado com total

determinação, consciência, liberdade e disponibilidade.

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Proc. nº 101/2012

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório

A, com os demais sinais dos autos, recorreu contenciosamente para o

Tribunal Administrativo do despacho do Subdirector da Direcção dos

Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) de 16/03/2011, que rejeitou

o recurso hierárquico interposto do despacho do Chefe do Departamento

da Inspecção de Trabalho de 13/01/2011, o qual lhe havia aplicado uma

multa de Mop$ 5.000,00, nos termos do art. 32º da Lei nº 21/2009 (Lei da

Contratação de Trabalhadores Não Residentes).

*

Na oportunidade, foi proferida sentença na 1ª instância, que julgou

“improcedente a acção” e “rejeitou o recurso”1.

*

Inconformado com esta decisão, dela o recorrente contencioso apresentou

recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes

conclusões:

1 Na realidade, a referência à improcedência à acção dever-se-á a mero lapso.

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«A. O presente recurso foi interposto da sentença que indeferiu o recurso contencioso apresentado do

despacho do Subdirector da DSAL sustentando a sentença o entendimento que o acto do Recorrente de

pagamento “voluntário” da multa que lhe foi aplicada pela infracção ao disposto na alínea 1) do

número 5 do artigo 32º da Lei n.º 21/2009, consubstancia, nos termos do número 3 do artigo 147º do

CPA e do artigo 34º do CPAC, uma aceitação tácita desse mesmo acto;

B. O ordenamento jurídico de Macau define a aceitação, expressa ou tácita, de um acto administrativo

pelo administrado, no número 3 do artigo 147º do CPA e nos números 2 e 3 do artigo 34º do CPAC,

estabelecendo que:

“Não podem reclamar nem recorrer aqueles que, sem reserva, tenham aceitado, expressa ou

tacitamente, um acto administrativo depois de praticado”, acrescentando-se que “a aceitação tácita é a

que deriva da prática espontânea de facto incompatível com a vontade de recorrer; a reserva é

produzida por escrito perante o autor do acto”;

C. A jurisprudência tem decidido sobre o conceito de acto espontâneo e sobre as circunstâncias em que

esta aceitação determina que o interessado renunciou, pela sua conduta, ao direito de recorrer, estando

assente que não estamos perante nenhuma aceitação expressa (que não foi feita) pelo que devemos

apreciar apenas o conceito de aceitação tácita;

D. Para a jurisprudência a tónica deve ser colocada na espontaneidade do acto, como sendo da livre

iniciativa do particular no sentido unívoco do mesmo, i.e., de a natureza do acto praticado não deixar

quaisquer dúvidas sobre o seu sentido e sobre o propósito de o particular visado não recorrer

administrativamente do acto;

E. O acto praticado (o pagamento de multa) não reveste nenhuma destas características, dado que não

foi praticado de livre vontade e iniciativa do Recorrente, mas antes sob intimação da Administração

que foi efectuada em termos em que a Administração ameaça o interessado em remeter o seu processo

à Repartição de Execuções Fiscais da Direcção dos Serviços de Finanças para ser efectuada a cobrança

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coerciva nos termos legais (processo de execução fiscal) em caso de não pagamento “voluntário” da

multa no prazo fixado;

F. Porque o pagamento da multa foi feito em reacção a uma notificação em que se referia a instauração

de um outro processo (a execução fiscal) caso a multa não fosse paga, só se pode concluir que o

interessado queria univocamente evitar a instauração de um novo processo, a execução fiscal;

G. O acto praticado (de pagamento da multa) é demasiado equívoco, como resulta da própria sentença

em crise, que concebe outras hipóteses, ao referir que se o pagamento da multa, se fosse efectuado

mais cedo e o recurso fosse interposto mais cedo, então não implicaria aceitação do acto administrativo.

Temos porém que um acto equívoco não pode, por meio de uma interpretação silogística,

transformar-se num acto unívoco;

H. A sentença recorrida padece de vários vícios, nomeadamente o vício de violação da lei e o de erro

nos pressupostos de facto, não retirando qualquer consequência ou conclusão do facto de a notificação

não mencionar o efeito suspensivo do recurso hierárquico necessário, nos termos do artigo 157º do

CPA, bem como ser omissa quanto ao facto que o pagamento da multa pressupõe a aceitação do acto e

consequentemente a renúncia ao direito de contra este reagir;

I. O Tribunal a quo não extraiu as consequências jurídicas de a notificação efectuada ser deficiente por

não estabelecer qualquer ligação entre o pagamento da multa e a renúncia ao recurso do acto

administrativo, não referir o efeito suspensivo deste nem elucidar a relação entre os dois processos (o

recurso administrativo e a execução fiscal);

J. Esta interpretação errada da lei que ficou plasmada na sentença recorrida é duplamente prejudicial

pois prejudica o ora Recorrente, restringindo os respectivos direitos de forma contrária à lei mas

também, alarga os poderes da Administração, dando-lhe a possibilidade de restringir as garantias

processuais dos administrados interpelando o administrado para a prática de determinado acto;

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L. Contendo a lei duas normas com prazos e propósitos distintos (o prazo para pagar a multa - 15 dias

- e o prazo para recorrer - 30 dias), cabe à Administração conciliar as mesmas, notificando o

administrado de forma clara e escorreita, distinguindo as duas normas, prazos e respectivos efeitos;

M. Quanto ao vício de nulidade, a sentença ora em crise decidiu mal porque mesmo que tivesse havido

aceitação do acto essa não poderia, no caso, funcionar como causa excludente do direito ao recurso,

dado que o acto primário, impugnado através do recurso hierárquico, padece do vício de nulidade;

N. O acto recorrido pode e deve ser declarado nulo, a todo o tempo, por incompetência do órgão

administrativo em razão da matéria nos termos dos artigos 82º número 1, alínea a) e artigo 123º,

número 2, ambos do CPA, porque a situação de prestação de serviços em que se encontrava o

Recorrente foi erradamente qualificada pelo DIT como situação de trabalho subordinado ilegal;

O. Face à lei o Chefe do DIT só pode exercer a competência prevista no artigo 34º da Lei da

Contratação de Trabalhadores Não Residentes (e atribuída ao Director da DSAL) nas situações

expressamente previstas nos artigos 32º e 33º desse mesmo diploma não tendo competência para

aplicação de multas e sanções acessórias fora das situações aí previstas;

P. O acto praticado consubstancia um acto nulo por incompetência do órgão administrativo em razão

da matéria, pelo facto do Recorrente se encontrar no “XXX Wine Cellar” em Macau, ao abrigo de um

contrato de prestação de serviços celebrado entre a “Supermercados XXX Macau, Limitada” e a “XXX

Group (HK) Limited” nos termos do disposto na alínea 1), do número 1 do artigo 4º do Regulamento

Administrativo 17/2004 - e não no âmbito de uma relação de trabalho subordinado ilegal;

Q. A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado, nos termos do artigo 123º, número

2 do CPA, não podendo a entidade recorrida ter invocado o artigo 147º número 3 do CPA (por não ter

aplicabilidade) para rejeitar o conhecimento do recurso legal e atempadamente apresentado;

R. A decisão recorrida padece do vício de violação da lei nomeadamente os termos do número 3 do

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artigo 147º e 160º ambos do CPA e do 34º do CPAC porque a actuação do Recorrente em momento

algum consubstancia uma aceitação expressa ou tácita do acto de que recorreu hierarquicamente;

S. O princípio do pro actione, vertido no artigo 14º do CPA como o princípio de acesso à justiça, surge

como corolário do direito à tutela jurisdicional efectiva reconhecido não só no artigo 36º da LBRAEM

supra mencionado bem como no artigo 2º do CPAC, e dirige-se ao julgador, de forma objectiva,

exigindo-lhe que interprete e aplique as normas processuais no sentido de favorecer o acesso aos

tribunais e de evitar situações de denegação de justiça, ensinando Carlos Alberto Fernandes Cadilha, a

propósito de disposição equivalente ao artigo 147º número 3 do CPA, que “o preceito deve ser

interpretado restritivamente, por ser limitativo de uma garantia constitucional, de impugnação

contenciosa”;

T. Pelo que deverá o Tribunal a quem, após devida ponderação das alegações que se apresentam, julgar

procedente o presente recurso, decidindo pela anulação da Sentença recorrida, com as legais

consequências.

Termos em que, deve ser julgado procedente o presente recurso, e, consequentemente, decidir pela

anulação da Sentença recorrida, com as legais consequências, só assim se fazendo JUSTIÇ A!».

*

A entidade recorrida não apresentou resposta ao recurso e o digno

Magistrado do MP, por seu turno, emitiu o seguinte parecer:

«À douta sentença em crise, o ora recorrente assacou, nas alegações deste recurso (fls.60 a 76 dos

autos), três vícios, a saber:

- Erro nos pressupostos de facto, por não se retirar qualquer consequência ou conclusão do facto de a

notificação não mencionar o efeito suspensivo do recurso hierárquico necessário nos termos do

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art.157º do CP A, bem como ser omissa quanto ao facto que o pagamento da multa pressupõe a

aceitação do acto e consequentemente a renúncia ao direito de contra este reagir;

- Violação de lei, derivada de o Tribunal a quo não declarar nulo o acto praticado pelo Chefe do DIT;

- Violação de lei, nomeadamente nos termos dos arts.147º n.º3 e 160º do CPA, e ainda 34º do CPAC,

porque a actuação do Recorrente em momento algum consubstancia uma aceitação expressa ou tácita

do acto de que recorreu hierarquicamente.

Sem prejuízo do devido respeito pelo entendimento diferente, opinamos pela improcedência do

presente recurso jurisdicional.

*

É verdade que a Notificação n.º31/2011 não menciona o efeito suspensivo do recurso hierárquico

necessário, nem refere que o pagamento da multa implicaria a aceitação do acto e consequentemente a

renúncia ao direito impugnatório,

Todavia, não é menos verdade que tal Notificação indica expressamente (doc. de fls.12 a 14 dos autos):

b) Mediante recurso hierárquico necessário para o superior do autor do acto (Subdirector da DSAL),

no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do dia seguinte ao da presente notificação.

Sendo assim, temos por certo que aquelas omissões nunca trazem à douta sentença recorrida o erro

nos pressupostos de facto. Isto porque:

Em primeiro lugar, aferida à luz do art.70º do CPA, a Notificação n.º31/2011 não se revela deficiente,

por conterem si todos os elementos legalmente exigidos, e vir a ser entregue, em 13/01/2011,

pessoalmente ao recorrente (doc. de fls.23 do P.A.),

Em segundo lugar, ao pagar a multa aplicada em 24/01/2011 (doe. de fls.34 do P.A.), O recorrente

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dispunha da suficiente condição objectiva que lhe permitiria saber facilmente que o recurso

hierárquico necessário tem efeito suspensivo. Daí que o facto de ele não conhecer tal efeito suspensivo

se deve exclusivamente à sua negligência e indiligência.

*

No despacho lançado na Informação n.ºXXX/DIT/TONY/2011 (doc. de fls.26 a 27 do P.A.), O Chefe do

DIT apontou claramente “本人行使刊登於二零一零年六月二日《澳門特別行政區公報》第二十二

期第二組中,於同年五月二十四日第XX/dir/DSAL/2010號勞工事務局局長批示授予之權限”. O que

toma manifestamente infundado o pedido da nulidade por incompetência.

E, o que é certo é que não se vislumbra nenhum vício que conduza à nulidade nem inexistência

jurídica do acto recorrido ou do mencionado despacho do Chefe do DIT. Daí a douta sentença nesta

parte não merece censura alguma.

*

Antes de mais, convenha realçar-se que o n.º2 do art.53º do CPA de 1994 e o n.º3 do art.147º do

actual vêm sucessivamente prevendo que perde legitimidade de reclamar e recorrer qualquer

interessado que, sem reserva, tenha aceitado, expressa ou tacitamente, um acto administrativo depois

de praticado.

Interpretando tais disposições legais, a boa doutrina inculca: Na prática, a aceitação equivale a uma

renúncia à impugnação administrativa (Lino Ribeiro, José Cândido de Pinho: Código do Procedimento

Administrativo de Macau - Anotado e Comentado, p.367).

Importa também ter presente que, por sua vez, o n.º1 do art.34º do CPAC dispõe: Não pode recorrer

quem, sem reserva, total ou parcial, tenha aceitado, expressa ou tacitamente, o acto depois de

praticado.

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Bem ponderando o nosso ordenamento jurídico, podemos retirar a regra geral de que a aceitação ou

renúncia ao respectivo direito, sem reserva, implica a perda da legitimidade processual de impugnação

(para além dos citados, cfr. ainda arts.586º n.º2 do CPC, e 108º e 109º do CPM). Cremos que a ratio

desta regra geral consiste na certeza e segurança jurídicas.

No sector da doutrina e jurisprudência, afigura-se-nos pacífico que se considera aceitação tácita

exemplar o cumprimento voluntário e sem reserva do interessado, mesmo posteriormente se surja

impugnação graciosa ou contenciosa.

Interessa aqui recortar a jurisprudência enunciada no douto Acórdão decretado pelo TSI no Processo

n.º188/2005:

5. 根據澳門《民法典》第209條第1款的原則性基本規定,“默示”則是指從完全有可能顯露意思之

事實推斷出的意思表示方式。從法律學說而言,這法律條文並不要求涉及默示的推斷須為準確無

誤者,但起碼得按照社會環境的習慣,客觀地被視為極有可能為準確無誤者。

6. 按照澳門社會環境的習慣,一般人如不接受行政機關的科罰行為,是不會在事先毫無任何保留

聲明下,自發地(即無受到任何外在非法脅迫下)在正常的自願繳納罰款期內主動繳交罰款的。

因為倘被罰者對處罰不服,他會先用盡一切方法自行或向第三者了解可否對科罰行為提出爭議,

然後經衡量利弊後才決定繳納罰款與否,而絕不會貿然在事先毫無任何保留下自發繳納罰款,之

後才提出爭議。

7. 這樣,被罰人在事先並任何保留聲明下便繳納罰款行為,不管其心裏所想的原因為何,總是代

表著其已接受有關的處罰行為,或起碼意味著已放棄對之提出爭議的權利。

8. 這是一般即使不諳法律的普羅大眾亦能輕易理解的最自然不過的道理和常情,而顯而易見的經

驗法則亦是澳門現行《行政訴訟法典》第34條第1和第2款的規定的法理依據。

9. 上訴人如已默示接受行政科罰決定,則已不再具針對該行為提起司法上訴的正當性,其所倘已

提起的司法上訴根據《行政訴訟法典》第46條第2款d項的規定,應被法院初端駁回。

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Voltando ao caso vertido, note-se que tendo recebido pessoalmente a Notificação n.º31/2011 em

13/01/2011 (doc. de fls.23 do P.A.), o recorrente pagou, em 24/01/2011, a multa de MOP$5,000.00

aplicada pelo dito despacho do Chefe do DIT (doc. de fls.34 do P.A.).

Tudo isto revela que dentro do prazo indicado para o cumprimento voluntário e por sua iniciativa, o

recorrente liquidou tal multa. E não se vislumbra, no P.A. e nos autos, nenhuma reserva escrita do

recorrente, no sentido de reservar o direito de impugnação administrativa.

Nesta medida, não parece duvidosa, nem inconcludente que a conduta do recorrente se configura no

cumprimento voluntário da mesma multa, e consequentemente, se consubstancia na aceitação tácita

daquele despacho do Chefe do DIT.

De outro lado, não parecem convincentes os argumentos aduzidos nos arts.8º a 11 º da petição inicial.

Pois, para alcançar ao efeito de pagar a multa apenas para evitar a cobrança coerciva, é suficiente que

o recorrente exarava uma reserva, e nada custa uma tal reserva declarando não renunciar o direito de

reacção.

Assim, entendemos que a douta sentença recorrida não fere da invocada violação de lei nomeadamente

os termos dos arts.147º n.º3 e 160º do CPA, e ainda 34º do CPAC.

*

Por todo o exposto acima, pugnamos pela improcedência do presente recurso jurisdicional.»

*

Cumpre decidir.

***

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II - Os Factos

A sentença impugnada deu por assente a seguinte factualidade:

- Em 12/01/2011, quando o pessoal da PSP procedeu a “Operação de

Inspecção”, viu o recorrente A, portador do HKID nº XXXXXX(X), sem

documento legal que lhe permitisse trabalhar em Macau, a prestar serviço

na loja “XXX WINE CELLAR” localizada no “XXX” nº XXX,

XXX-XXX do Xº andar do Centro Comercial do Canal Grande do

Venetian Resort, sita na Estrada da Baía de Nossa Senhora da Esperança

(vide fls. 1 a 3 e 6 a 7, os quais dão-se por integralmente reproduzidos).

- Em 13/01/2011, o Chefe do DIT proferiu despacho, concordando com o

teor do parecer nº XXX/DIT/DPAL/2011, e decidiu, face ao referido auto

de notícia, emitir nota de culpa ao recorrente para este ser ouvido em

declarações (vide fls. 16, os quais dão-se por integralmente reproduzidos).

- No mesmo dia, o Chefe do DIT concordou com o teor da informação nº

XXX/DIT/TONY/2011, acusou o recorrente de ter violado o disposto no

artº 32º, nº 5, al. 1) da Lei nº 21/2009 “Lei da Contratação de

Trabalhadores Não Residentes”, por despacho de delegação de

competência do director da DSAL nº XX/dir/DSAL/2010 datado em

20/05/2011, aplicou ao recorrente a multa de MOP$5,000.00 (vide fls. 19

a 20, os quais dão-se por integralmente reproduzidos).

- No mesmo dia, o recorrente recebeu notificação da sanção (vide fls. 23,

30 a 32, os quais dão-se por integralmente reproduzidos)

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- No dia 24/01/2011, o recorrente pagou a multa (vide fls. 34 a 35).

- No dia 14/02/2011, o recorrente interpôs recurso hierárquico necessário à

DASAL contra a decisão da sanção que lhe foi aplicada (vide fls. 55, 57,

os quais dão-se por integralmente reproduzidos).

- No dia 16/03/2011, o Subdirector concordou com o teor da informação

nº XXX/DIT/VITA/2011, rejeitou o referido recurso hierárquico (vide fls.

58 a 59, os quais dão-se por integralmente reproduzidos).

- Em 12/04/2011, o recorrente recebeu ofício da DSAL que foi rejeitado o

recurso hierárquico (vide fls. 60 e seguintes, os quais dão-se por

integralmente reproduzidos).

- Em 12/05/2011, o recorrente interpôs o presente recurso contencioso a

este tribunal.

*

Nos termos do art. 629º do CPC, “ex vi” art. 1º do CPAC, acrescenta-se

ainda a seguinte factualidade, que se acha provada por documentos ou por

confissão (cfr. art. 54º do CPAC e 347º do CC):

1 - A carta enviada ao recorrente (fls. 29 a 32 do p.a.) notifica-o para no

prazo de 15 dias (até ao dia 28/01/2011) efectuar o pagamento da multa

através de depósito no BNU, após o que, decorrido outro de cinco dias (até

ao dia 2/02/2011), caso não fosse comprovado o pagamento da multa,

seriam os documentos remetidos à Repartição de Finanças para cobrança

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coerciva.

2 – O recorrente efectuou o pagamento por meio de depósito no BNU no

dia 24/01/2011 /fls. 35 do p.a.).

3 – O recorrente pagou a multa apenas para evitar a cobrança coerciva

pela Repartição de Execuções Fiscais da DSF.

***

III - O Direito

A única questão que se discute nos autos equaciona-se muito facilmente:

Se aplicada ao administrado uma multa administrativa, será que o seu

pagamento pelo próprio, antes dele mesmo recorrer hierarquicamente, sem

qualquer declaração de reserva, consubstancia uma aceitação tácita do

acto punitivo?

Há em torno desta questão duas posições. Pode dizer-se, por um lado, que

geralmente o pagamento puro e simples da quantia pecuniária, sem

declaração de reserva, vale como aceitação tácita e implica rejeição do

recurso apresentado2. Esta posição deriva, basicamente, de uma inferência

fundada num comportamento incompatível com a vontade de recorrer. Isto

é, a aceitação pode inferir-se face às circunstâncias concretas da situação,

as quais em caso nenhum hão-de permitir pensar ter sido o recorrente,

alguma vez e por qualquer meio, compelido ao pagamento. Nesse

2 No TSI, o Ac. de 6/10/2005, Proc. nº 188/2005. Na jurisprudência comparada, Ac. STA de 6/02/1986,

Proc. nº 022020; 2/06/1987, Proc. nº 022496; 10/02/1994, Proc. nº 032047; 28/11/2002, Proc. nº 047818.

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pressuposto, o pagamento pode dizer-se fruto de uma vontade livre e

disponível, totalmente esclarecida e sem sombra de coercibilidade, nem

constrangimento.

Mas, por outro lado, também se aceita que, para além do facto objectivo

em que o pagamento se traduz, deva ser levada em conta toda a

envolvência em que ele se inscreve. E, então, é caso para se dizer que, se o

pagamento for apresentado como modo de o interessado escapar a uma

consequência gravosa para a sua esfera, então ele não pode ser entendido

como o fruto de uma vontade totalmente livre. Avulta nestas situações o

caso de o notificado ser alertado para a circunstância de a omissão do

pagamento ser levada à conta de uma relapsia e, por isso, ser motivo para

uma imediata execução fiscal3.

É certo que nesta segunda hipótese se adivinha a crítica de quem se opõe à

solução respectiva com o argumento de que, aí, bem podia o interessado,

ao mesmo tempo que recorre para evitar a execução fiscal, também pode

fazer uma adicional declaração de inconformismo com a decisão (reserva).

É certo. Porém, não esqueçamos que muitas vezes nem sequer o

interessado tem maneira de saber que o pode fazer, nem tranquilidade de

espírito para a apresentar. Na verdade, aturdido com a notificação, quantas

vezes o que ele quer é fugir ao labéu da execução e às consequências

nefastas que para a sua vida ela lhe acarreta. Ora, se pensarmos assim,

3 Neste sentido, o Ac. deste TSI, de 28/02/2013, Proc. nº 172/2012 e o voto de vencido lavrado no

citado Ac. de 6/10/2005, Proc. nº 188/2005. Na jurisprudência comparada, ver o Ac. do STA, de 21/01/1988 (Pleno), Proc. nº 022480 e de 3/12/1997, Proc. nº 020156 e de 5/05/2005 (pleno), Proc. nº 01002/02.

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então isso é o mesmo que admitir que, em tais circunstâncias, o

interessado “pagador” não é inteiramente livre na acção, mas sim

condicionado a fazê-lo pela cominação expressa que lhe é feita.

Estaremos, então, perante um motivo que afasta ou preclude os efeitos

daquilo a que se poderia chamar “aceitação sem reserva”, que é ditado por

razões de “necessidade” ou de “premência” e, portanto, para “evitar um

mal maior”4. Aquilo que em tais situações, à partida, poderia ser encarado

como aceitação passa a ser visto como aceitação inoperante ou

“irrelevante”5

Ora, no caso em apreço, segundo o recorrente invocou na sua petição

inicial, sem impugnação, o pagamento efectuado dentro do prazo da

cominação deveu-se, precisamente, à preocupação de evitar a cobrança

coerciva e não porque quisesse renunciar ao direito de impugnar a decisão

sancionatória. Caso não tivesse pago a multa, argumenta ele, teria que

suportar dois processos: não apenas o actual, como ainda o promovido

pela Repartição de Finanças em Execução Fiscal.

Ora, não se deve ignorar que a aceitação do acto - que no art. 147º, nº3, do

CPA é expressamente tratada como matéria de legitimidade activa para a

impugnação administrativa - para ter estes reflexos ao nível da

impossibilidade de recorrer, face ao disposto no art. 34º do CPAC,

depende de uma «prática espontânea» (nº2, cit. art.) de determinado facto.

4 Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, Código de Procedimento

Administrativo, 2ª ed., pág. 287. 5 Autor e ob. cit., pág. 757.

Page 16: -Aceitação do acto -Recurso administrativo e contencioso · não estabelecer qualquer ligação entre o pagamento da multa e a renúncia ao recurso do acto administrativo, não

Dificilmente, se acolhe a ideia de que um pagamento feito sob a “ameaça”

(se se quiser, sob a condição suspensiva) de uma execução imediata possa

ser encarado com total determinação, consciência, liberdade e

disponibilidade. Nesse caso, o pagamento só é feito para se não ter que

sofrer prejuízo maior.

E isto é particularmente evidente nas situações em que, como na presente,

o prazo para o pagamento (15 dias) é inferior ao do recurso hierárquico

(30 dias) e em que a notificação nem sequer dá conhecimento ao

interessado de que o recurso hierárquico que queira ele interpor tem efeito

suspensivo (fls. 27 e 28, do p.a.). Esta diferença de tempos entre acção e

reacção leva o interessado naturalmente a pensar que, caso deixe decorrer

o primeiro prazo sem realizar a acção, a sua esfera será alvo de um dano

(seja ele de que ordem for, até mesmo de cariz social ou psicológico). O

pagamento tem, desde logo, essa intencionalidade latente. E isso basta

para dizer que um pagamento em tais circunstâncias deixa de ser

espontâneo e, até mesmo, que dele não se pode extrair a conclusão de que

ele revela «com toda a probabilidade» a vontade de não recorrer (cfr. art.

209º, nº1, do CCM). Foi o caso.

Para dizer, enfim, com todo respeito, que não podemos sufragar o

entendimento seguido pela 1ª instância, acerca da melhor interpretação a

dar ao art. 34º do CPAC.

Dito isto, somos a considerar que o recorrente, ao ter pago o valor da

multa, não estava impedido de apresentar recurso hierárquico, o qual,

Page 17: -Aceitação do acto -Recurso administrativo e contencioso · não estabelecer qualquer ligação entre o pagamento da multa e a renúncia ao recurso do acto administrativo, não

portanto, não podia ser rejeitado com aquele fundamento. Isto significa

que o procedimento deve ser retomado pela entidade a quem o recurso

hierárquico foi dirigido, que o deverá, portanto, decidir, a menos que

encontre outra razão diferente para a rejeição.

***

IV - Decidindo

Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso e, em

consequência, revogar a sentença da 1ª instância e determinar a anulação

do acto administrativo impugnado.

Sem custas em ambas as instâncias.

TSI, 15 de Maio de 2014

José Cândido de Pinho

Tong Hio Fong

Lai Kin Hong

Fui presente

Mai Man Ieng