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O atendimento a pais de crianças em psicoterapia: orientação ou terapia? Yara Kupcrstein Ingbcrnum' O atendimento aos pais è, sem dúvida, muito importante quando uma criança se encontra em processo de psicoterapia Ê uma posição clara da abordagem comportamental esta necessidade. As primeiras intervenções direcionadas aos pais se baseavam na mudança necessária no ambiente para alterar o comportamento da criança, e os pais eram vistos como intermediários no alcance que o terapeuta tinha do dia-a-dia da criança Eram eles que promoviam as mudanças no ambiente e, assim, a alteraçio do comportamento da criança. Continuamos a considerar os pais como Importantes participantes no processo e analisaremos vantagens e desvantagens da orientaçAo dos pais Relatos levantados nos últimos dois anos nas publicaçOos da ABPMC vôm mostrando um direcionamento voltado ao autoconhecimento dos puis, assim como uma maior independentizaçio dos mesmos com relação ao terapeuta As dificuldades aparecem quando se precisa definir qual é este envolvimento e como obter a melhor contribuição da famllt» para o desenvolvimento do tratamento da criança. Al vamos encontrar diferentes posições quanto a esta participação e cuidados a serem tomados com relação a decisões acerca da forma de envolvimento da família. Uma queBtfto que se estabelece para o terapeuta A o direcionamento que vai dar a este tcatoalho frente às práticas tradicionais de treino de pais e às novas propostas Palavras-chave: Pais, orientação, terapia, família* CNPQ Ingbeman, Y K Attending on parents during child's psychotherapy guidance or therapy? For sure, attending on parents is a very important procedure when a child is in psychotherapy. This need Is a clear issue among the behavior analysts The first interventions towards the parents were based on the environment changing In order to affect the child’s behavior, and the parents were seeing as mediators to the therapist's actions on child's day-to-day because they, the parents, promote the set changings, and thus the child behavior modifications We still consider parents as fundamental part In the process, and we will analyse the benefits and the disadvantages of attending on parents. Researching on the accounts of the ABPMC last two year» publication* »how» a tendency to the parent» self-knowledge a» well as a greater individualization of this parents concftrning to the child's psychotherapist However It's hard to define how we should call this relationship, and how to achieve the best family contribution to the child's progress In therapy. So, we are going to face different opinions about this and about the cares to be taken on the decisions of the families involvement In the therapy. An issue established for the therapist is how he or she is going to manage this procedure facing the traditional training techniques and the new proposals Key words, parents, orientation, psychotherapy, family No trabalho com a criança, dentro de uma abordagem comportamental, a questáo da família sempre esteve presente. Desde os modelos iniciais, a própria concepção da influência do ambiente sobre o comportamento, que ó base da concepção teórica, levou à importância do envolvimento da família no tratamento da criança. Este fato vem tomando diferentes formas desde os primeiros trabalhos, passando dos modelos iniciais de treinamento de pais como agentes de mudança até as concepções mais recentes que enfatizam o auto-conhecimento e a aceitação como instrumentos, quem sabe mais efetivos, que os treinos inicialmente propostos aos pais no trabalho com a criança. 'Univ*fikl«d« F#d*rdl do Pwflná - M*ttr»do *m Pitcotogl* d« InfAncM • dn Adotescêncw Sobre Comportamento e Cotfniç*lo 369

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O atendimento a pais de crianças em psicoterapia: orientação ou terapia?

Yara Kupcrstein Ingbcrnum'

O atendimento aos pais è, sem dúvida, muito importante quando uma criança se encontra em processo de psicoterapia Ê uma posição clara da abordagem comportamental esta necessidade. As primeiras intervenções direcionadas aos pais se baseavam na mudança necessária no ambiente para alterar o comportamento da criança, e os pais eram vistos como intermediários no alcance que o terapeuta tinha do dia-a-dia da criança Eram eles que promoviam as mudanças no ambiente e, assim, a alteraçio do comportamento da criança. Continuamos a considerar os pais como Importantes participantes no processo e analisaremos vantagens e desvantagens da orientaçAo dos pais Relatos levantados nos últimos dois anos nas publicaçOos da ABPMC vôm mostrando um direcionamento voltado ao autoconhecimento dos puis, assim como uma maior independentizaçio dos mesmos com relação ao terapeuta As dificuldades aparecem quando se precisa definir qual é este envolvimento e como obter a melhor contribuição da famllt» para o desenvolvimento do tratamento da criança. Al vamos encontrar diferentes posições quanto a esta participação e cuidados a serem tomados com relação a decisões acerca da forma de envolvimento da família. Uma queBtfto que se estabelece para o terapeuta A o direcionamento que vai dar a este tcatoalho frente às práticas tradicionais de treino de pais e às novas propostasPalavras-chave: Pais, orientação, terapia, família* CNPQIngbeman, Y K Attending on parents during child's psychotherapy guidance or therapy?For sure, attending on parents is a very important procedure when a child is in psychotherapy. This need Is a clear issue among the behavior analysts The first interventions towards the parents were based on the environment changing In order to affect the child’s behavior, and the parents were seeing as mediators to the therapist's actions on child's day-to-day because they, the parents, promote the set changings, and thus the child behavior modifications We still consider parents as fundamental part In the process, and we will analyse the benefits and the disadvantages of attending on parents. Researching on the accounts of the ABPMC last two year» publication* »how» a tendency to the parent» self-knowledge a» well as a greater individualization of this parents concftrning to the child's psychotherapist However It's hard to define how we should call this relationship, and how to achieve the best family contribution to the child's progress In therapy. So, we are going to face different opinions about this and about the cares to be taken on the decisions of the families involvement In the therapy. An issue established for the therapist is how he or she is going to manage this procedure facing the traditional training techniques and the new proposalsKey words, parents, orientation, psychotherapy, family

No trabalho com a criança, dentro de uma abordagem comportamental, a questáo da família sempre esteve presente. Desde os modelos iniciais, a própria concepção da influência do ambiente sobre o comportamento, que ó base da concepção teórica, levou à importância do envolvimento da família no tratamento da criança. Este fato vem tomando diferentes formas desde os primeiros trabalhos, passando dos modelos iniciais de treinamento de pais como agentes de mudança até as concepções mais recentes que enfatizam o auto-conhecimento e a aceitação como instrumentos, quem sabe mais efetivos, que os treinos inicialmente propostos aos pais no trabalho com a criança.'Univ*fikl«d« F#d*rdl do Pwflná - M*ttr»do *m Pitcotogl* d« InfAncM • dn Adotescêncw

Sobre Comportamento e Cotfniç*lo 369

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Não há dúvidas de que a família esteja envolvida no trabalho com a criança, pois este é seu ambiente natural. A questão é de que forma envolvê*la, quais os potenciais e limitações ao trabalho com a família da criança em psicoterapia.

De acordo com Azevedo, Ingberman e Straponí (1994), ainda que as aproximações orientadas para a família tenham aumentado em popularidade, este movimento floresceu largamente na ausência de evidência conclusiva de que as aproximações baseadas na família são superiores à terapia individual no tratamento de crianças com problemas psicológicos. Decisões clínicas acerca da prática da terapia da criança e, mais especifi-camente, acerca da inclusão da família no processo foram realizadas sem o benefício da evidência científica. Impulsionado por várias proposições teóricas, surpreendentemente, pouco trabalho foi feito para testar a proposição de que uma ou outra (tratamento baseado na família ou terapia individual) seja superior.

A intervenção comportamental com famílias está, historicamente, diretamente ligada com a história da modificação do comportamento. A visão de como sâo adquiridos, modificados e mantidos os comportamentos para o behaviorismo levou à ênfase na importância de envolver os pais, professores e outras pessoas significativas como mediadores ou agentes de mudanças terapêuticas (Sanders & Dadds, 1993).

Como exemplo desta proposta de trabalho, temos Patterson, com ênfase no treina-mento de pais; Stuart, com o contrato de contingências; Becker, com os pais como professores, no que se refere ao trabalho com crianças Quanto a outras abordagens específicas, temos Liberman, com as técnicas de terapia conjugal; e Masters e Johnson, com a terapia sexual.

O enfoque deste trabalho visa famílias com crianças, tendo em vista que ó nesta área que se dá mais ênfase ao envolvimento da família no tratamento.

Sanders e Dadds (1993) usam a designação intervenção familiar comportamental como um "termo genérico utilizado para descrever um processo terapêutico que procura efetuar mudanças no comportamento da criança e, conseqüentemente, no seu ajustamento, por mudanças em aspectos do ambiente familiar que afetam o problema comportamental da criança".

Sanders (1996) expande a idéia, afirmando que estas intervenções têm como objetivo processos interacionais que são aceitos como sendo relacionados à etiologia, manutenção, exacerbação ou falta de atenção no desenvolvimento de uma criança. O foco das intervenções está em alterar o comportamento dos pais com relação a seus filhos, mas pode incluir a mudança de outros aspectos do funcionamento da família, como rela-ções conjugais, o comportamento de avós, irmãos, pessoas que cuidam da criança e o provimento de atividades adequadas á idade, em casa.

O conceito de intervenção com famílias vem evoluindo e permitindo vários níveis de escolha de estratégias aos terapeutas, conforme descrito por Sanders.

Sanders (1996) apresenta cinco níveis de opção para intervenções com famílias descritos na literatura:1- Recomendações específicas - Instruções breves por escrito ou vídeo modelagem sobre

como resolver problemas específicos, sem contato com o terapeuta. Recomendações específicas com um contato mínimo com o terapeuta. Instruções por escrito combinadas com breves contatos com o terapeuta diretamente ou ao telefone.

2- Recomendações específicas com treino - Combinação de instruções, modelagem e feedback focados em ensinar os pais como manejar problemas específicos.

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3- Treino comportamental intensivo com os pais - Métodos de treinamento similares ao nível dois, no entanto, o foco está na interação pais-criança e na aplicação de diversas tarefas de cuidados para uma variedade de problemas. Incluem treinamento no controle de estímulos antecedentes em técnicas de manejo de contingências.

4- Intervenção comportamental familiar - Deve envolver todas as anteriores, mas, em adição, outros problemas familiares são abordados, como problemas conjugais, estresse, depressão e manejo de raiva.

Todas estas intervenções atingem a família, mas apenas o último nlvel se aproxi-ma do que se descreve como Terapia Familiar. Esta tem como objetivo do trabalho terapêutico estabelecer novas reações funcionais que levem a uma alteração do compor-tamento dos membros da família para alcançar padrões mais adaptativos de funcionamen-to de acordo com a dificuldade que esteja afetando o grupo familiar: distúrbios de conduta da criança, problemas conjugais, relacionamento pais e filhos, etc... Não se trata mais de treinar os pais para mudar seus comportamentos e, com isso, conseguir alteração do comportamento dos filhos, mas de promover processos de discriminação e alteração de comportamentos dos membros da família, cujo resultado afeta todos os seus membros em direção a uma maior adaptabilidade aos seus próprios objetivos a aos do grupo familiar.

Ingberman (1999) afirma que não se define que uma abordagem à famdia seja uma terapia familiar pela presença de todos os membros da família na sala do terapeuta, mas pelo enfoque nos processos interacionais da família que podem se analisados junto a um, dois ou mais membros da família.

A visão é de que um padrão de comportamento que leve todos os elementos de uma família ao sofrimento pode ser a única forma que este grupo tenha de sobreviver, uma vez que os repertórios mais adaptativos de seus membros não podem ser efetivados no momento ou não foram aprendidos.

A intervenção na familia da criança em psicoterapia pode incluir ou não o grupo familiar como um todo. O que define isto é o objetivo, sendo a terapia do grupo familiar estruturada como um trabalho de grupo, com elementos que têm um relacionamento muito estreito e com muitas regras, cujas interações continuam a se processar fora do espaço da sala de terapia.

O trabalho com o grupo familiar ou com dois ou mais elementos da família pode ter vários procedimentos como:

Discriminação: - do próprio comportamento;- do comportamento do outro;- das relações entre estes comportamentos.

Modelação através de modelos de interação:- fornecidos por elementos do grupo;- fornecidos pelo terapeuta;- fornecidos pela observação de outras pessoas;- desenvolvidos em conjunto pelo grupo.

A análise funcional é realizada em dois níveis: a) molar, quando se está analisando o contexto amplo em que os comportamentos ocorrem e, b) molecular, da relação dos componentes do grupo entre si e com o terapeuta, que podem ser encaradas como representando uma amostra do comportamento dos elementos do grupo familiar em interação.

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O terapeuta precisa escolher a qual destes níveis vai dar atenção em cada etapa do processo, tomando decisões importantes para o desenvolvimento do trabalho. Por exemplo, fala-se de um fato que permite ao terapeuta ter compreensão acerca da história de aprendizagem dos comportamentos que a família apresenta, ao mesmo tempo em que se observam padrões mútuos de reforçamento e punição na sessão.

Trata-se de uma aplicação dos princípios da análise do comportamento à intervenção em problemas que se configuram no contexto da família.

Não podemos deixar de levar em conta que nem sempre a presença de dificuldades com algum dos membros de uma família implica necessidade do grupo familiar, por isto esta indicação deve ser cuidadosa. Quando a dificuldade implica padrões disrruptivos, que não são passíveis de serem abordados a não ser com o maior número possível dos ele-mentos envolvidos no problema. Neste caso, a dificuldade não é vista como de um dos elementos, mas como de todo o grupo, como, por exemplo, a falta de repertório verbal na comunicação que pode não ter sido desenvolvida por uma família.

Há casos em que o envolvimento de todos não é necessário: pais podem ter dificuldades em lidar com seus filhos por falta de habilidades que podem ser abordadas sem o envolvimento de toda a família. Pode haver necessidade de abordagem a problemas conjugais e não haver queixa ao nível de manejo com os filhos. Uma criança pode ter dificuldades decorrentes da falta de habilidades dos país.

Para Webster-Stratton (1991), a pesquisa básica reforça o papel que os fatores da família podem ter no ajustamento e provê algumas diretrizes conceituais gerais que o clínico deve considerar:1) A questão do envolvimento da família e sua participação na terapia da criança é uma questão

de forma e intensidade. Tradicionalmente, o termo terapia familiar é reservado para situações nas quais toda a família e mais o "cliente identificado" estão presentes. Esta terminologia está associada a algumas práticas em particular.A primeira questão a ser considerada pelo terapeuta da criança na decisão sobre o envolvimento da família na terapia tem a ver com o quanto esta família está sendo vista como tendo papel direto na etiologia e manutenção do problema. Terapeutas vão se beneficiar com a análise do problema de forma a determinar a presença de processos familiares que contribuem.

2) O envolvimento da família parece garantido, mas que forma deve tomar? As pesquisas não respondem que formas específicas de envolvimento da família são indicadas para cada situação. O envolvimento da família deve ser focado com o objetivo de alterar os processos interativos específicos que são vistos pelo terapeuta como contribuindo para a disfunção da criança.

3) Até que ponto os membros da família são vistos como potentes ou como aliados influentes? Mesmo que pareçam ter um papel não etiológico ou fundamental no problema em si, há razões para se assumir que os membros da família terão um impacto único ou maior que o terapeuta sozinho.

4) Existem momentos em que o envolvimento da família deve ser evitado? Não há dados para responder a esta questão, é razoável tomar a posição de que a primeira prioridade é parar ou alterar os processos destrutivos que estão perturbando a criança e que o envolvimento da família é o melhor caminho para conseguir este objetivo. Podem haver instâncias nas quais os pais não estão preparados para mudar ou engajar-se construtivamente no processo terapêutico. Nestes casos, tentar forçar os pais a participar do tratamento pode ser improdutivo

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e levar ao insucesso. Ao mesmo tempo, trabalhar individualmente com a criança, para ajudá- la a enfrentar mais adaptativamente a situação, pode ser mais benéfico.

5) A questão nào deve ser vista como uma questão d e 'W e W . O feto de que algum envolvimento da família seja desejável não significa que a terapia individual não possa ter resultados ou vice-versa. Uma situação na qual uma aproximação combinada pode ser desejável é quando o problema parece estar ligado funcionalmente a alguns déficits básicos de habilidades por parte da criança, assim como de uma lacuna de habilidades sociais apropriadas, ou outros tipos de deficiências cognitivas ou disfunções, mais do que déficits que pareçam estar ligados a interação familiar.

O que deve estar claro é que a decisão do terapeuta deve ser guiada por uma clara conceitualizaçáo do problema e dos fatores que o causam.

Fauber e Long (1991) afirmam que avanços na qualidade das pesquisas nesta área são necessários. Os pesquisadores devem promover aumento do rigor metodológico e clareza conceituai para ultrapassar os fatores que envolvem os benefícios da participação da família no tratamento da criança. Questões importantes como a maneira pela qual o envolvimento da família ó conceitualizado e medido, quais processos familiares sào relevantes a tipos específicos de desordens, quais características e condições específicas nas várias intervenções familiares ou individuais e como ambas as abordagens devem interagir uma com a outra não estão claros. Um cuidadoso planejamento de pesquisas e de novos conhecimentos deve permitir avançar na discussão sobre o envolvimento da família no tratamento da criança de maneira significativa.

Mash, E. J. Barkley, R. A. (1998) propõem uma perspectiva sistêmica comportamental no tratamento de desordens da criança e da família. Neste enfoque, dá um aumento de ênfase no sistema, uma maior sensibilidade aos fatores de desenvolvimento, maior reconhecimento das diferenças individuais dos determinantes biológicos, emocionais, cognitivos, assim como fatores culturais do tratamento, que as abordagens tradicionais da terapia comportamental.

Vários trabalhos têm sido publicados no Brasil nos últimos anos enfocando o trabalho com os pais nas terapias infantis, descrevendo estratégias com a finalidade de obter os melhores resultados. Verificando a coleção Sobre Comportamento e Cognição, encontramos:

Lohr, S. S. (1999), “Orientação de pais, algumas propostas: um modelo de inter-venção com pais de crianças com câncer", no qual a autora faz uma análise das vanta-gens e limitações do trabalho de treino de pais, que se segue:

Vantagens:a) implementa a comunicação dentro da família e estreita o relacionamento pais e filhos

ao elevar os comportamentos sociais das crianças;b) em desordens de conduta na criança, a aplicação do programa de treinamento, ao

reduzir os comportamentos inadequados da criança, contribui para mudanças nos comportamentos dos pais e altera a percepção paterna do ajustamento da criança;

c) no treinamento, os pais aprendem a alterar contingências de reforço que mantêm o comportamento inadequado da criança;

d) quando o problema central envolve interação pais e filhos, os resultados do treinamento têm sido positivos;

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e ) programas de treinamento de pais em grupo podem abreviar o tempo de tratamento;f) uma vez que os pais são orientados para a generalização, alguns pais demonstram

grande habilidade em lidar com outros comportamentos problemáticos dos filhos.Dificuldades e limitações:a) o treinamento tem sua efetividade reduzida quando entre os familiares envolvidos há

divergências quanto às responsabilidades pela criança ou de como lidar com ela;b) problemas conjugais, depressão materna e situação socioeconômica adversa têm

sido associados a casos em que não ó percebida a manutenção dos ganhos terapêuticos no tempo;

c) no passado, os treinos de pais eram feitos em grupos grandes e por profissionais com reduzido conhecimento dos princípios, bem como restrita habilidade terapêutica;

d) dificuldades relativas à cooperação dos pais para com os terapeutas podem implicar distância entre o que os pais dizem fazer e o que realmente fazem, comprometendo os resultados do treinamento;

e) Para alguns pais, seguir tarefas propostas pelo terapeuta constitui ponto de dificuldade que interfere no processo;

f) Há um número reduzido de pesquisas analisando as estratégias propostas na orienta-ção de pais em relação a diferentes estruturas familiares;

g) Os componentes não-verbais da interação são muito importantes, mas o treinamento de pais muitas vezes deixa de se aprofundar nesta faceta, dando maior ênfase à mensagem verbal, a qual, embora necessária, não é suficiente;

h) Quando as dificuldades dos pais no manejo de seus filhos se deve a dóficits em habilidades gerais de comunicação, em vez de apenas déficits de habilidades pater-nas, o treino de país pode ser insuficiente

Para a autora, o treinamento de pais não é uma panacéia capaz de solucionar todas as problemáticas infantis. Constitui-se, no entanto, em importante instrumento para o terapeuta comportamental, desde que estejamos atentos às suas vantagens, assim como às suas limitações. Sua proposta, baseada em Sanders (1996), é de que a orienta-ção de pais se constitua numa das facetas da terapia comportamental de abordagem à família, pois parece ser bastante rica.

Marinho, M. L. e Silvares, E. M. (2000), ‘‘Modelos de orientação a pais de crian-ças com queixas diversificadas", apresentam um estudo de diferentes formas de orienta-ção a pais em situação grupai, colocadas em prática na clínica escola da UEL. Relatam que os conceitos da determinação do comportamento que nortearam o trabalho era de que os problemas de comportamento apresentados pelas crianças eram devidos, princi-palmente, ao padrão de interação familiar. As intervenções foram desenvolvidas de forma a produzir alterações ambientais, pois quando se realizam intervenções junto aos pais, se está procurando modificar o ambiente da criança e, com isso, produzir mudanças em seu comportamento. Buscam ampliar o foco do comportamento problema e desenvolver habi-lidades parentais envolvidas em ensinar e em promover comportamentos adaptativos em seus filhos. Propõe três modelos de atendimento: Psicoterapia parental, Orientação parental mais Psicoterapia infantil e treinamento de pais.

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Nestes trabalhos, Marinho e Silvares (2000) observaram que aprender a observar e valorizar o que o filho faz de adequado mostrou ser uma potente estratégia terapêutica; que mudanças na autopercepção e na percepção de aspectos do próprio ambiente são objetivos importantes da intervenção psicológica com pais; que buscou-se ensinar aos pais fazer análise funcional tanto de seus próprios comportamentos como dos comporta-mentos da criança e adotar estratégias de solução de problemas que lhes poderiam ser úteis em situações futuras. Nos três modelos houve relato de satisfação elevada com o tratamento adotado e manutenção dos ganhos.

Rocha, M. M., Brandão, M. S. Z. (1997), "A Importância do autoconhecimento dos pais na análise e modificação' de suas interações com os filhos". Neste trabalho, as autoras dão ênfase à dinâmica familiar para o entendimento do comportamento infantil, defendendo a mudança de atitude por parte dos que trabalham com crianças e a ênfase nas características infantis, através da análise da interação familiar. Os pais sáo vistos como mantenedores do comportamento e, portanto, importantes também na superação das desordens de conduta. Nesta busca, desenvolver o repertório de autoconhecimento é importante. Criticam a orientação ou treino de pais baseados no conceito de Skinner (1983) de que a orientação só é efetiva na medida em que o controle é exercido, isto é, quando aumenta a probabilidade da ocorrência de um determinado comportamento. Con-sideram útil a criação de um ambiente que proporcione a aquisição rápida de um compor-tamento eficaz e sua manutenção, ao mesmo tempo que alertam de que são as contin-gências criadas, mais que o desenvolvimento de um modelo predeterminado, as respon-sáveis pelas mudanças observadas Analisam o aspecto de que a forma de comunicação pela qual o conhecimento é passado de uma pessoa para outra é muito mais efetiva quando sob controle de contingências do que por regras. Guiadas pela afirmação de Skinner (1991), “A psicoterapia é freqüentemente um espaço para aumentar a auto-observação, para “trazer à consciência" uma parcela menor daquilo que é feito e das razões pelas quais as coisas são feitas”, propõem um trabalho com pais de crianças em grupo com os seguintes passos:1) Os pais falam sobre os filhos;2) Os pais falam das interações;3) Os pais falam sobre si mesmos;4) Os pais estabelecem novas contingências.

Rocha £ Brandão (1997) apontam a importância do atendimento a pais para o restabelecimento de uma relação pais\filhos mais adequada. No entanto, diferem do proce-dimento tradicional, não consistindo basicamente em orientações, conselhos, normas de conduta ou estabelecimento de comportamentos específicos. É um trabalho que proporciona aos pais, através de discussões e análises em um processo grupai, uma percepção real de seus comportamentos e das contingências atuais que os determinam e os mantêm na interação com os filhos. Propõe que o autoconhecimento não seria o ponto final do processo, mas o ponto primordial para uma acurada análise funcional e posterior possibilidade de criar condições para alterar as variáveis das quais o comportamento é função.

Outra proposta, de Regra (1997), é de inclusão de entrevista familiar, baseada na técnica do questionamento reflexivo, na avaliação dos casos de crianças em clínica escola. A autora propõe o trabalho baseado em questões efetuadas que tem, ao mesmo tempo, o

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objetivo de levantamento de dados e de provocar mudanças. A família deve ser levada a concluir sobre a necessidade de mudanças no comportamento de alguns de seus membros, assim como sobre algumas formas de agir que favoreçam a mudança no outro, sem que esteja recebendo uma orientação direta. A família conclui, junto com o terapeuta, sobre alternativas de comportamento mais funcionais do que as que vôm usadas. Desta forma, aumenta-se a probabilidade de que as mudanças ocorram e que a orientação seja seguida. O procedimento é de entrevista com todo o grupo familiar, seguida de entrevista com os subgrupos pais e irmãos, seguida de entrevista individual com a criança.

A partir da definição do modo de inclusão da família no trabalho terapêutico com a criança, da análise das dificuldades no atendimento à família das crianças em terapia, foram desenvolvendo-se alternativas que têm por base cada vez mais a análise do comportamento, deixando, cada vez mais, a opção do comportamento regido por regras que caracterizava as abordagens tradicionais para o oomportamento regido por contingências que podem ser observadas e modificadas pelo próprio cliente, ao apropriar-se da possibilidade de fazer suas próprias análises.

R efe rênciasAzevedo, R. E., Ingberman, Y. K„ & Straponi, R. (1994), Qpapel da famllianos dÍ3ÍÚítoÍQSjí3ÍCO- lÓfliCQSjnfanlis. Seminário realizado em curso de Pós Graduação USP, orientação Prof. Dra. Edwiges Mattos Silvares. Não publicado.Fauber, R. L., & Long, N. (1991). Children in context: the role of the family in child psychoterapy. Journal ol Consulting and Clinical Psychology. 5918), 813-820.Fauber, R. L., & Long, N. (1992). Parenting in a broader context: a preply to Emery, Fincham and Cummings, in Journal of.Consulting. and Clinical Psychology, 60(6). 913-915.Ingbeman, Y. K. (1999). Terapia familiar de abordagem comportamental. Miniconferencia. Encontro da ABPMC São Paulo (não publicado).Lohr, S. S. (1999). Orientação de pais, algumas propostas: um modelo de intervenção com pais de crianças com câncer. In R. R. Kerbauy & R. C. Wielenska (Orgs.), Sobre Comportamento 0

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