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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 534 (ano VIII) (05/02/2016) ISSN - 1984-0454 BRASÍLIA - 2015 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – 1984-0454

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BOLETIM CONTEÚDO

JURÍDICO N. 534 (ano VIII)

(05/02/2016)

ISSN - 1984-0454

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Conselho Editorial

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

Boletim Conteú do Júrí dico

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

05/02/2016 Alexandre Triches

» O direito dos professores na aposentadoria sem a incidência do

fator previdenciário

ARTIGOS

05/02/2016 Raquel de Melo Freire Gouveia » Constitucionalismo plurinacional da América Latina

05/02/2016 Natanne Lira de Morais

» Súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro

05/02/2016 Kerinne Maria Freitas Pinheiro

» A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas

05/02/2016 Natalia de Rosalmeida

» Regime Disciplinar Diferenciado - análise de sua inconstitucionalidade frente aos

direitos fundamentais e a disposições internacionais

05/02/2016 Gabriel Carneiro de Lima

» Da necessidade de motivação para demissão dos empregados de empresa públicas e

sociedades de economia mista. Entendimento STF divergente ao do TST

05/02/2016 Ramon de Sousa Nunes

» A isenção do imposto de importação em remessas internacionais de pequeno valor

MONOGRAFIA

05/02/2016 Carlos Ulisses Lisboa Cordeiro » A (in)efetividade da participação popular na Administração Pública

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O DIREITO DOS PROFESSORES NA APOSENTADORIA SEM A INCIDÊNCIA DO FATOR PREVIDENCIÁRIO

ALEXANDRE TRICHES: Advogado. Especialista em Direito Previdenciário.

Uma das profissões mais desgastantes do mundo é a de

professor. A necessidade da constante atualização, a convivência

com pessoas dos mais diversos perfis, a jornada de trabalho pesada

e o compromisso com o ensino e com a formação do aluno são

apenas algumas circunstâncias desta que é verdadeiramente uma

nobre profissão.

Justamente em razão das peculiaridades da função, os

professores do sistema privado no Brasil possuíam, até 1981, o

direito a aposentadoria especial, com redução do tempo necessário

para a jubilação em face do desgaste inerente a atividade. Contudo,

com o advento da Emenda Constitucional nº 18/81, o direito da

aposentadoria especial do professor foi extinto, deixando a

categoria dos professores sem a possibilidade da jubilação

antecipada.

Foi somente com o advento da Constituição Federal de 1988

que uma aposentadoria diferenciada aos professores foi novamente

prevista, não como aposentadoria especial, mas por tempo de

contribuição. O benefício constitucional passa a prever o direito de

redução no tempo de contribuição dos docentes em cinco anos: a

aposentadoria da professora aos 25 anos e do professor aos 30

anos.

Em que pese a previsão constitucional de uma aposentadoria

diferenciada aos professores, o parágrafo 9º do art. 29 da Lei de

Benefícios da Previdência social, com redação incluída pela Lei n.

9.876/99, prevê a incidência do fator previdenciário nos benefícios

de aposentadoria por tempo de contribuição do professor.

O fator previdenciário é um índice multiplicador do valor da

aposentadoria que leva em consideração a expectativa de vida do

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trabalhador no momento do pedido de seu benefício. No caso dos

professores, como o direito a aposentadoria é por tempo reduzido,

via de regra a aposentadoria costuma ocorrer em circunstâncias em

que o fator previdenciário reduz o valor das aposentadorias, muitas

vezes de forma bastante drástica.

Foi com base nesse raciocínio que os tribunais brasileiros

passaram a entender pela ilegalidade da incidência do fator

previdenciário nas aposentadorias por tempo de contribuição dos

professores. Assim, tem permitido a revisão de milhares de

benefícios de professores aposentados, pois todos,

necessariamente, estão sofrendo prejuízos com a incidência desta

fórmula que é nefasta para os professores brasileiros.

O principal argumento é que se o legislador constituinte tomou

a cautela de fazer constar do texto constitucional uma

aposentadoria ao professor com redução do tempo necessário à

sua outorga, é de se concluir que entendeu dar especial proteção

aos que exercem tão relevante atividade, dentre outros aspectos,

pelo desgaste físico e mental que a profissão gera, com prejuízo à

saúde desses profissionais.

Assim, os tribunais brasileiros, principalmente o Superior

Tribunal de Justiça consolidaram o entendimento de que a atividade

de magistério permite uma aposentadoria ao professor com redução

do tempo necessário à sua outorga, em cinco anos, sem a

incidência do fator previdenciário.

Portanto, todos os professores possuem o direito de postular

judicialmente a exclusão da incidência do fator previdenciário na

apuração da renda mensal dos benefícios de aposentadoria, em

funções de magistério, com revisão da renda mensal e pagamento

das parcelas retroativas.

Os tribunais têm decidido que a aposentadoria por tempo de

contribuição ao professor é extensível a todos os trabalhadores de

instituições de ensino escolar, seja infantil, fundamental, médio,

bem como ensino técnico. Além disso, fazem jus ao benefício

especial não apenas docentes que trabalhem em sala de aula, mas

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todos aqueles que, no âmbito escolar, exercem atividades

vinculadas ao ensino, seja na função de coordenação,

assessoramento, direção, monitoria etc.

Ademais, outro aspecto fundamental e que precisa ser

destacado é que, apesar de a aposentadoria por tempo de

contribuição, com regras diferenciadas, ser um direito dos

professores do ramo privado, aqueles docentes que exercem sua

função no setor público em municípios que não possuam regime

próprio de Previdência Social (RPPS), terão sua aposentadoria

regida pelo sistema do INSS, de modo que também farão jus a

revisão judicial para fins de exclusão do fator previdenciário do

cálculo do benefício, como a majoração do salário e pagamento de

parcelas retroativas.

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CONSTITUCIONALISMO PLURINACIONAL DA AMÉRICA LATINA

RAQUEL DE MELO FREIRE GOUVEIA: Advogada. Pós-graduada em Direito Público.

Resumo: O presente trabalho visa analisar o sentido de

constituição e de constitucionalismo. Primeiramente, é apresentada

a ideia de constituição e constitucionalismo tradicionalmente

estudada nos manuais de Direito constitucional. Sendo que este

constitucionalismo clássico possui como base a história da Europa,

a qual foi difundida para a América e para outras localidades em

virtude de questões históricas, principalmente pela colonização. Em

contraponto a este modelo tradicional de constitucionalismo, o

segundo ponto é a apresentação de um novo movimento

constitucional que vem sendo desenvolvido na América Latina, qual

seja o constitucionalismo plurinacional. Este novo movimento pode

ser visto com mais destaque nas Constituições do Equador de 2008

e da Bolívia de 2009. O novo constitucionalismo que vem sendo

desenvolvido na América Latina configura uma verdadeira quebra

de paradigmas e uma conquista na busca da identidade dos seus

povos originários e na concretização de seus direitos.

Palavras-chave: Constituição. Constitucionalismo.

Constitucionalismo plurinacional. Constitucionalismo da América

Latina.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa analisar o sentido de constituição e

de constitucionalismo, partindo da ideia de que a constituição é

organização e estruturação, do Estado e que o constitucionalismo é

o movimento que impulsiona a formação das constituições.

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Ocorre que não é possível chegarmos a uma definição exata

sobre o que seja uma constituição. É bastante árdua a tarefa da

doutrina de definir o termo “constituição”. O que existe de fato são

várias concepções sobre o que seja uma constituição. Da mesma

forma, não há uma única forma de constitucionalismo, mas vários

tipos de movimentos constitucionais.

Primeiramente, será apresentada a ideia de constituição e

constitucionalismo tradicionalmente estudada nos manuais de

Direito constitucional. Sendo que este constitucionalismo clássico

possui como base a história da Europa, a qual foi difundida para a

América e para outras localidades em virtude de questões

históricas, principalmente pela colonização.

Em contraponto a este modelo tradicional de

constitucionalismo, o segundo ponto é a apresentação de um novo

movimento constitucional que vem sendo desenvolvido na América

Latina, qual seja o constitucionalismo plurinacional.

Este novo movimento pode ser visto com mais destaque nas

Constituições do Equador de 2008 e da Bolívia de 2009. O novo

constitucionalismo que vem sendo desenvolvido na América Latina

configura uma verdadeira quebra de paradigmas e uma conquista

na busca da identidade dos seus povos originários e na

concretização de seus direitos.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Constituição e constitucionalismo

A palavra constituição tem sua origem no verbo construir. A

constituição é a construção/estruturação de algo. Se trouxermos

esse raciocínio para o âmbito jurídico, teremos a constituição como

um documento que organiza e estrutura os elementos de um

Estado. Nas palavras de Kildare Gonçalves Carvalho, “o direito

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constitucional refere-se à estruturação do poder político, seus

contornos jurídicos, limites de sua autuação, e aos direitos

fundamentais”. (CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito

Constitucional. p. 1)

Partindo da ideia de que a constituição é organização e

estruturação, podemos afirmar que sempre que houver uma

sociedade minimamente organizada, haverá também uma

constituição. "Em todos os lugares do mundo e em todas as épocas

sempre existiu e sempre existirá isso que chamamos de

constituição”. (Digressão desenvolvida propedeuticamente por

Ferdinand Lassalle em seus estudos – 1863)

Explicando a digressão desenvolvida por Lassalle, o

doutrinador Bernardo Gonçalves Fernandes expõe que:

Mesmo não definindo o que seja uma

constituição e seu significado, partimos de uma

digressão de que ela sempre existiu e sempre

existirá (perspectiva temporal) em todos os

lugares (perspectiva especial-universal).

(...) Bem, para provar a existência da

constituição devemos nos ater a seguinte

pergunta: o que necessitamos para vislumbrar

uma determinada comunidade, sociedade ou

(modernamente falando) um Estado? Ou seja,

quais as matérias (fundantes, basilares) para

que consigamos enxergar determinadas

comunidades (sociedades ou Estados)? Entre

vários elementos (matérias) podemos trabalhar

com três: a) identidade: ideia de “nós e outros”

(alteridade, noção de pertencimento. Aquilo que

me permite afirmar que sou cidadão de Esparta

e não de Atenas, b) organização social e

especialização (hierarquia e linha sucessória)

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quem detêm o poder (mando), e como se dá a

reprodução social nessa estrutura, c) valores

subjacentes (regras) preestabelecidos e

naturalizados a partir de um processo constritivo

que permitiu, inclusive e sobretudo, desenvolver

um tipo de organização social e especialização

do poder, bem como possibilitou a construção de

uma identidade, diferenciando-se de outras

identidades.

(...) essas matérias explicitam como os Estados

se reproduzem como tais com seus respectivos

“modos de ser”. E se existem como comunidade,

sociedade ou Estado é porque foram

constituídos e, portanto, a parti daí eles têm uma

determinada constituição.” (FERNANDES,

Bernardo Gonçalves. Curso de Direito

Constitucional. 2015, p. 29 e 30)

Assim, podemos afirmar que a constituição é a organização e

a estruturação do Estado e a limitadora do poder político. Essa é a

ideia básica trazida pelo termo “constituição”.

Ocorre que não é possível chegarmos a uma definição exata

sobre o que seja uma constituição. É bastante árdua a tarefa da

doutrina de definir o termo “constituição”. Em verdade, não temos

um consenso ou uma única definição. Como afirma Pedro Lenza,

“existem várias concepções ou acepções a serem tomadas para

definir o termo “constituição”. Alguns autores preferem a ideia da

expressão tipologia dos conceitos de constituição em várias

acepções.” (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado.

2015. p. 89)

Podemos citar algumas das mais estudadas concepções de

constituição, como por exemplo, a concepção sociológica de

Ferdinand Lassalle, para a qual a constituição é a soma dos fatores

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reais de poder; a concepção política de Carl Schmith, na qual a

constituição pode ser definida como uma decisão política

fundamental. Temos ainda a concepção jurídica de Hans Kelsen, na

qual há uma constituição jurídico-positiva situada no vértice de uma

pirâmide (se imaginado um escalonamento normativo) que deve ser

obedecida pelas demais normas do ordenamento jurídico. A

constituição jurídico-positiva retira seu fundamento de validade de

uma constituição lógico-jurídica ou normativa abstrata, a qual existe

apenas no plano lógico-hipotético. Por fim, citamos a concepção

jurídico-normativa de Konrad Hesse que, de certa forma, se

aproxima da concepção jurídica. Esta concepção afirma que a

norma é um texto concretizado dentro de um contexto. Este

movimento de aliar o texto e o contexto é chamado pela doutrina de

círculo-hermenêutico. (LENZA, Pedro. Direito Constitucional

Esquematizado. 2015. 19ª Ed. p. 89 a 92)

Pois bem, visto o significado do termo constituição,

passaremos ao fenômeno de formação das constituições: o

constitucionalismo.

O constitucionalismo pode ser visto sob um viés amplo,

abrangendo toda a história de formação das constituições desde os

tempos mais remotos. Pode ser visto ainda por um viés restrito, no

qual o constitucionalismo é definido e estudado como sendo uma

técnica de limitação de poder. É a partir desse segundo viés que

analisaremos o constitucionalismo.

Canotilho relata a existência de vários tipos de

constitucionalismo ou movimentos constitucionais, como o inglês, o

americano e o francês. E define estes movimentos como uma

técnica específica de limitação do poder com fins garantíticos. (J. J.

Gomes Canotilho.Direito Constitucional e teoria da constituição. 7ª

Ed. p. 51)

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Assim, o constitucionalismo moderno poder ser definido como

um movimento formador de uma nova ordem jurídica, sem

precedentes na história da constituição das sociedades, formando

um “conceito ocidental de constituição”. O grande objetivo do

constitucionalismo moderno seria a limitação do poder, organização

e estruturação do Estado, bem como a consecução de direitos e

garantias fundamentais. (FERNANDES, Bernardo

Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 7ª Ed. p. 32 e 33)

O constitucionalismo moderno ou conceito ocidental de

constitucionalismo é decorrência de uma “dimensão histórico-

constitucional” de viés inglês que se desenvolveu por meio de

movimentos constitucionais desde a Magna Carta de1215 à Petition

of Rights de 1628, do Habeas Corpus Act de 1679 aoBill of

Rights de 1689. (FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de

Direito Constitucional. 7ª Ed. p. 33)

Ao falar sobre o conceito ocidental de constitucionalismo,

afirma Kildare Gonçalves que:

Apesar de tudo, entendemos indispensável

destrinçar no Estado constitucional ocidental três

grandes famílias, três grandes sistemas-tipos,

não como tipos ideais, insista-se, mas como

tipos históricos bem situados. Em vez de

dualismo ou polarização, a pluralidade em razão

da complexidade de fatores de poder. O direito

tem que ser visto numa dimensão muito mais

ampla que a da ideologia e a da afinidade de

sistemas políticos ou econômicos. O Direito faz

parte da vida dos povos e o Direito constitucioal

ostenta, positiva ou negativamente, as

particularidades da sua conveniência política, da

sua cultura, do seu ambiente humano. O fim dos

regimes autoritários e totalitários, em primeiro

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lugar, e, em segundo, os progressos da

integração comunitária levaram a que por toda a

Europa triunfasse uma concepção comum sobre

o Estado e sobre os direitos das pessoas. No

entanto, ultrapassados afrontamentos

ideológicos, tornaram-se também mais patentes

os contrastes de organização jurídica e política

entre os diversos países, de moda arecortarem-

se, com mais serenidade e clareza, os trações

identificadores dos sistemas constitucionais.

(CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito

Constitucional. 15ª Ed. p. 28)

A maior parte da doutrina estuda a história do

constitucionalismo a partir da história da Europa, a qual poder ser

dividida em Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade

Contemporânea.

Na Idade Antiga, Karl Loewenstein identificou dois

importantes acontecimentos que retratam a limitação do poder

político, caracterizando o constitucionalismo desta época.

Primeiramente, Loewenstein aponta o povo hebreu, que vivia em

um Estado teocrático, o qual tinha o poder político limitado pelas

previsões bíblicas. Em segundo, é apresentada experiência das

cidades-Estado gregas como exemplo de democracia

constitucional, estando o poder político distribuído entre todos os

cidadãos ativos. .(LOEWENSTEIR, Karl. Teoría de La constitución.

2.ed. p. 154 e155)

O Constitucionalismo medieval, durante a Idade Média, é

representado, ainda que formalmente, pela Magna Carta de 1215,

pois estabelecia importantes direitos individuais. (LENZA, Pedro.

Direito Constitucional Esquematizado. 2015. 19ª Ed. p. 71)

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Durante a Idade Moderna, temos como destaque o Petition of

Rights de 1628, o Habeas Corpus Act de 1679, o Bill of Rigths de

1689 e o Act of Settlement de 1071.

Segundo a doutrina de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a

Magna Carta de 1215 e o Pitition od Rigths são exemplos dos

chamados pactos. Estes podem ser definidos como acordos entre o

monarca e os súditos para estabelecer o modo de governo e direitos

individuais. (Curso de direito constitucional, 32ª Ed. p. 4 e 5).

Por fim, temos o constitucionalismo moderno, da Idade

contemporânea, o qual se caracteriza pelas constituições escritas

como mecanismo de combater o poder arbitrário.

Dois são os marcos históricos e formais do

constitucionalismo moderno: a constituição

norte-americana de 1787 e a francesa de 1791

(que teve como preâmbulo a Declaração

Universal dos direitos do Homem e do Cidadão

de 1789) movimento este deflagrado durante o

Iluminismo e concretizado como uma

contraposição ao absolutismo reinante, por meio

do qual se elegeu o povo como titular legítimo do

poder. (LENZA, Pedro.Direito Constitucional

Esquematizado. 2015. 19ª Ed. p. 72)

O constitucionalismo moderno pode ser analisado conforme

suas fases. Inicialmente, temos o constitucionalismo liberal, próprio

de um Estado Liberal, o qual é caracterizado pelo individualismo,

absenteísmo estatal, valorização da propriedade privada e proteção

do indivíduo. A consequência desse modelo liberal é a

concentração de renda e a exclusão social, gerando para o Estado

um dever de intervenção a fim de evitar abusos e limitar o poder

econômico. É nesse ponto que vão surgir os direitos de segunda

dimensão, amparados pelo Estado Social de Direito. Temos como

destaque nesta fase inicial do Estado Social a Constituição do

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México de 1917 e a de Weimar de 1919, bem como a Constituição

brasileira de 1934.

Hodiernamente, o constitucionalismo contemporâneo está

centrado na ideia de totalitarismo constitucional, pautado por

normas de conteúdo social e constituição programática. (BULOS,

Uadi Lammêgo.Constituição Federal anotada. 5 ed. p. 16)

2.2 Constitucionalismo Plurinacional

Um movimento, de certa forma, bastante recente, tem

desenvolvido um novo tipo de constitucionalismo, chamado de

plurinacional, o qual visa à construção de um Estado plurinacional.

Esse novo movimento chega para contrapor a forma adotada

no Estado moderno e seu respectivo sistema jurídico. A ideia central

do novo constitucionalismo plurinacional é a quebra da forma dos

Estados modernos, tendo em vista que foram idealizados a partir da

lógica da homogeneização e uniformização, ou seja, foram criados

com o ideal de negar a diversidade.

A forma moderna de Estado é estruturada através de

instrumentos de normatização e estabilização a partir da construção

de uma identidade nacional própria que afasta as possibilidades de

construção de um pensamento ou uma ordem plural.

Esse processo de “ocultamento e encobrimento”

teria se iniciado, sobretudo , no século XV (aqui

teríamos a formação do “Estado Moderno”,

tendo como data “simbólica” o ano de 1492, com

a invasão das Américas pelos europeus e a

expulsão dos mulçumanos da Europa) e se

desenvolveu até o final do século XIX com a

formação dos últimos Estados Nacionais

europeus (Itália e Alemanha). Com isso, ocorre

a preponderância dos valores europeus e de um

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processo civilizatório eurocêntrico que determina

a homogeneização de um “modelo de vida”, de

“Estado”, de “constituição” e de “direitos

humanos de matriz européia”. Com isso, o

colonizador se apresenta como alguém superior

frente ao colonizado (relação: nós e outros/

iguais e diferentes/ superiores e inferiores). As

bases jurídicas desse arcabouço foram

determinadas de forma monologa pelo direito de

propriedade, direito de família e pela proteção

jurídica à economia capitalista (e seus marcos

regulatórios).” (FERNANDES, Bernardo

Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 7ª

Ed. p. 102)

O novo constitucionalismo plurinacional ou da América Latina

é um movimento que se contrapõe ao modelo homogêneo e

uniformizador europeu. O novo constitucionalismo traz como

destaque a diversidade no âmbito da cultura, da ciência, da política,

da economia, entre outros. Bem como a constitucionalização da

referida diversidade.

O constitucionalismo plurinacional advoga uma

transformação radical nos modos de ver, pensar,

trabalhar e aplicar o direito, bem como as

constituições adstritas ao mesmo. Para tal, parte

da afirmação de que o atual modelo de Estado

nacional e de direito estatal, e até mesmo de

direito internacional se encontram em xeque.

(FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de

Direito Constitucional. 7ª Ed. p. 101)

Nem sempre foi esse o pensamento reinante na América

Latina. Pois, esta é uma área marcada pela centralização política e

a concentração de poder.

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“A América Latina, que ao longo de sua história

foi marcada por práticas políticas de

centralização e concentração de poderes,

fatores culturais e sociais, problemas

econômicos e instabilidade política, incorporou

institutos do sistema constitucional norte-

americano, como o federalismo, o controle de

constitucionalidade e o presidencialismo. O

direito constitucional da América Latina

distanciou-se, no entanto, do sistema

constitucional dos Estados-Unidos, em

decorrência, sobretudo, da prática do

presidencialismo, que assume, em diversos

países latino-americanos, contornos nitidamente

autoritários e centralizadores, acompanhado de

um sistema político-partidário que lhe dá

adequada sustentação e que envolve

multipartidarismo e representação proporcional.”

(CARVALHO, Kildare Gonçalves.Direito

Constitucional. 15ª Ed. p. 34)

Como afirmamos de início, o constitucionalismo plurinacional

é bastante recente, aparecendo com mais enfoque na Constituição

Boliviana de 2009 e na Constituição do Equador de 2008,

apresentando-se como uma verdadeira ruptura com modelo

tradicional europeu. Este novo movimento vem recebendo diversos

nomes por parte da doutrina, temos: novo constitucionalismo

democrático latino-americano, Estado plurinacional, Estado

intercultural, constitucionalismo pluralista, andino ou indígena.

Trata-se, inegavelmente, de necessária e real

transformação estrutural, e, assim, conforme

aposta Grijalva, “o constitucionalismo

plurinacional só pode ser profundamente

intercultural, uma vez que ele corresponde

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constituir-se no âmbito de relação igual e

respeitosa de distintos povos e culturas, a fim de

manter as diferenças legítimas e eliminar –ou, ao

mesmo, diminuir- as ilegítimas, mantendo a

unidade como garantia de diversidade.”

(GRIJALVA, Augutín. O Estado plurinacional e

intercultural na Constituição equatoriana de

2008. In: LENZA, Pedro. Direito constitucional

esquematizado. 19ª Ed. p. 81)

Como afirmado, o constitucionalismo plurinacional pressupõe

a quebra de paradigmas, sendo os principais, na apreciação de

Raquel Yrigoyen Frajano, o colonialismo, o constitucionalismo

liberal, o constitucionalismo social-integracionista e o

constitucionalismo pluralista. No colonialismo vigora um modelo de

“inferioridade natural dos índios” em uma estrutura de

subordinação. No constitucionalismo liberal do século XIX temos um

único sistema jurídico geral para todos. Assim, não era admitido,

dentro do mesmo Estado-nação, a coexistência de vários sistemas

jurídicos, isso gerava a exclusão de povos originários,

afrodecententes, entre outros. No constitucionalismo social-

integracionista, que possui como marco as constituições do México

de 1917 e de Weimar de 1919, define-se o modelo de integração

dos índios, faltando ainda o rompimento com a ideia de Estado-

nação e com o monismo jurídico. Por fim, o constitucionalismo

pluralista é definido por Yrigoyen Frajano a partir da divisão em três

clicos: o ciclo multicultural, o ciclo pluricultural e o ciclo

plurinascional. (Raquel Yrigoyen Frajano, El horizonte Del

constitucionalismo pluralista: Del multiculturalilismo a La

descolonización. P. 139 e 140)

O ciclo multicultural pode ser caracterizado pela introdução do

direito à identidade cultural, junto com a inclusão de direitos

indígenas específicos. Essa sistemática pode ser encontrada no

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Canadá,- 1982, no Brasil – 1988 entre outros. O ciclo pluricultural

incorpora os direitos estabelecidos na convenção 169 da OIT,

desenvolvendo o conceito de nação multiétnica e reconhece o

pluralismo jurídico. Por fim, no ciclo plurinacional os povos

indígenas demandam que sejam reconhecidos não apenas culturas

diversas, mas como nações originárias e como sujeitos políticos

coletivos com direito a participar dos novos pactos do Estado. Neste

caso, temos como exemplo as constituições do Equador – 2008 e

da Bolívia 2009.

Na constituição Boliviana há a definição de 36 novos povos

originários (que viviam na Bolívia antes da colonização européia) os

quais passaram a ter participação no estado e na economia. No

parlamento Boliviano passa a existir uma cota de parlamentares

vinda dos povos indígenas. Ainda, os índios passam a ter a

propriedade exclusiva sobre recursos florestais e hídricos de suas

comunidades. Percebe-se não apenas um reconhecimento das

diferenças, mas uma efetivação da diversidade e os respectivos

direitos. .(FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito

Constitucional. 7ª Ed. p. 103)

3 CONCLUSÃO

A história da constituição e do constitucionalismo sempre foi

vista e estudada a partir da história da Europa. O modo de pensar

e os valores europeus estão bastante infiltrados em outros

continentes por conta de fatores históricos e sociais. A colonização

dos povos da América e da África teve como consequência o

enraizamento do pensamento europeu na política, na economia, na

forma de identificar e estabelecer direitos.

Esta ainda é uma realidade bastante presente nos países que

outrora foram colonizados. Não é fácil abandonar os padrões que

estão fortemente abraçados a estas sociedades. Não é fácil se

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despir de um modo imposto de ser que os encobre há centenas d

anos.

O novo constitucionalismo da América Latina é uma grande

evolução no resgate da identidade dos seus povos originários. Este

novo constitucionalismo vem para quebrar o paradigma unitário

imposto pelos europeus colonizadores. Os povos originários

resgatam seus padrões de cultura, seu modo de pensar e de ser,

bem como de construir seu espaço e seus direitos. Não é apenas

uma questão de reconhecimento como sendo uma cultura diversa,

mas de reconhecimento como povos originários e sujeitos de direito

com poder de influenciar na construção no Estado.

REFERÊNCIA

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 5 ed.

São Paulo. Saraiva: 2000.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da

constituição. 6ª Ed. rev. Coimbra:Almedina, 1993 (7ª Ed. 2003).

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 15ª Ed.,

rev., atual. e ampl. – Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 19ª Ed.

rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2015.

LOEWENSTEIR, Karl. Teoría de La constitución. 2.ed.

Barcelona: Ariel, 1970.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito

Constitucional. 7ª Ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2015.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito

constitucional. 34 ed. ver. Atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

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FRAJANO, Raquel Yrigoyen. Aos 20 anos da convenção 169

da OIT: balanço e desafios da implementação dos direitos dos

povos indígenas na América Latina.

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SÚMULA VINCULANTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

NATANNE LIRA DE MORAIS: Graduada em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Servidora Pública do Ministério Público Federal lotada na Procuradoria da República em Imperatriz/MA.

RESUMO: O presente artigo analisa o instituto da súmula

vinculante, que foi inserida no ordenamento como uma alternativa

para uma maior racionalização do sistema jurídico brasileiro.

Outrossim, comenta-se a respeito dos seus requisitos e elementos

trazidos pelo art. 103-A da Constituição Federal e pela Lei nº

11.417/2006.

Palavras-chave: Jurisprudência. Súmula. Súmula Vinculante. Lei

nº 11.417/2006.

INTRODUÇÃO

A Emenda Constitucional nº 45/2004, que implementou a

reforma do Poder Judiciário, trouxe a possibilidade de o Supremo

Tribunal Federal editar súmulas com caráter vinculante. Tal

inovação justifica-se, principalmente, pela dificuldade dos órgãos

julgadores em dar uma resposta em tempo razoável às questões

que lhes são levadas pela sociedade.

O presente artigo discorrerá sobre os aspectos

constitucionais e legais do instituto da súmula vinculante,

notadamente no que diz respeito aos procedimentos para edição,

revisão, cancelamento de um enunciado, bem como quanto aos

seus efeitos e as consequências decorrentes da sua violação.

DA PREVISÃO CONSTITUCIONAL E

INFRACONSTITUCIONAL: ALGUNS ASPECTOS DA SÚMULA

VINCULANTE NA EC Nº 45/2004 E NA LEI Nº 11.417/06

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O constituinte derivado reformador incumbiu o legislador

ordinário de dispor a respeito da disciplina infraconstitucional da

súmula vinculante criada pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

Coube à lei ordinária regulamentar vários aspectos do instituto,

como, por exemplo, as formas e modos de aprovação, revisão e

cancelamento.

A Lei nº 11.417/2006 - que regulamenta a criação,

aplicação, alteração e revogação de súmula vinculante - originou-se

do Projeto de Lei nº 6636/2006, da comissão mista especial de

reforma do Judiciário. Referida lei veio traçar diversos aspectos e

solucionar questões surgidas a respeito do então recém criado

instituto.

A edição de um enunciado de súmula vinculante, como ato

estatal de grande repercussão no meio jurídico e na sociedade em

geral, só se legitima quando atendidos os requisitos insculpidos no

artigo 103-A caput e §1º da Constituição Federal. Outrossim, a Lei

nº 11.417/2006 traz também uma série de requisitos cumulativos

para aprovação de uma súmula, quais sejam, a

legitimidade, quorum, matéria constitucional, decisões reiteradas,

controvérsia atual, grave insegurança jurídica e relevante

multiplicação de processos.

Dessa forma, ao se analisar os pressupostos

constitucionais para criação de uma súmula vinculante, depreende-

se que o constituinte derivado impôs cautelosos limites, prevendo

uma série de restrições ao seu cabimento e alcance.

Tanto a Lei Maior, no caput do seu artigo 103-A, como a

Lei nº 11.417/06, em seu artigo 2º, dispõem ser competência do

Supremo Tribunal Federal, ex officio ou mediante provocação, a

competência exclusiva para a edição, revisão ou cancelamento de

enunciado de súmula vinculante. Isso se dá, pois, a despeito de não

deter o monopólio da atribuição de declaração de

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constitucionalidade, compete-lhe, seja no controle concentrado,

seja no difuso, proferir a última decisão sobre matéria constitucional,

uma vez que é a Corte destinada a garantir a ordem jurídica do

Estado.

Com efeito, muito embora a proposta originária da criação

da súmula vinculante estendesse a competência para edição ao

Superior Tribunal de Justiça e aos demais Tribunais Superiores,

esta acabou se restringindo ao Supremo Tribunal Federal.

Nesse contexto, intenciona-se que a utilização da súmula

vinculante pelo Supremo Tribunal Federal lhe permita julgar as

relevantes questões constitucionais, resguardando, dessa forma, os

princípios basilares do Estado.

A edição de enunciado de súmula vinculante deve ser

aprovada, nos termos do § 3º, do artigo 2º da lei nº 11.417/2006,

por quórum qualificado no Supremo Tribunal Federal, com anuência

de dois terços dos ministros. Dessa forma, como o Pretório Excelso

compõe-se de onze ministros, a súmula vinculante, para sua edição,

deverá ser aprovada por pelo menos oito deles. Ressalte-se,

contudo, que a fração referente ao quórum deve ser calculada sobre

o número de juízes investidos, abstraindo-se eventuais vagas

abertas.

O legislador infraconstitucional, ao regulamentar o

instituto, ampliou o rol de legitimados ativos para provocar o

processo de criação de enunciado de súmula vinculante, uma vez

que a Constituição não foi exaustiva nesse ponto. Tal ampliação

serviu para tornar o procedimento mais democrático e plural.

A lei de súmula vinculante inovou pois passou a prever

legitimados autônomos e incidentais. Assim, também poderão

propor a edição de enunciado vinculante o Defensor Público-Geral

da União, os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de

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Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais

Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais

Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares. O Município também

poderá, incidentalmente, propor enunciado de súmula vinculante no

curso de processo em que seja parte.

Interessante é o entendimento esposado por Figueiredo

(2007, p. 01) segundo o qual, tal como ocorre no controle de

constitucionalidade concentrado, deve-se adotar - no que se refere

à propositura, revisão e cancelamento das súmulas vinculantes - o

critério da demonstração de pertinência temática. Com isso, para

determinados legitimados será exigida a demonstração de interesse

objetivo na vinculação, por meio de enunciados normativos, da

interpretação da norma legal por parte do Supremo Tribunal

Federal. Nesse ponto, Figueiredo (2007, p. 01) classifica, ainda, os

legitimados ativos em universais ou neutros e especiais ou

sectários.

Além dos legitimados autônomos, a Lei nº 11.417/2006

acrescentou o município como legitimado incidental, que poderá

formular proposta de súmula incidentalmente no curso de processo

em que seja parte, nos termos do §1º, do artigo 3º, da referida lei.

Outra questão atinente ao aspecto formal para a criação

de um enunciado de súmula vinculante trazida pelo artigo 2º, § 2º,

da Lei nº 11.417/2006 é a obrigatoriedade da intervenção do

Procurador-Geral da República previamente à edição, revisão ou

cancelamento de enunciado de súmula vinculante, salvo no caso de

tais propostas terem sido por ele formuladas.

A edição de um enunciado de súmula vinculante por parte

do Pretório Excelso deve, ademais, ir ao encontro de outras

decisões anteriores, que possuam semelhante teor, de modo a

caracterizar jurisprudência assente na Corte Constitucional. Resta

claro, portanto, pela disciplina constitucional e legal, que o legislador

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buscou impedir que um entendimento não assente, manifestado em

decisão isolada, pudesse ensejar a criação uma súmula vinculante.

Dessa forma, uma vez que o enunciado vinculante decorre

de decisões tomadas a partir da análise de casos concretos,

conclui-se que ele só poderá ser editado após reiteradas decisões

do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, Tavares (2009, p. 18)

alerta, inclusive, que “o conteúdo da súmula vinculante não pode

representar apenas o pensamento imediato e isolado do STF”.

A Súmula Vinculante possui, pois, um modo de elaboração

baseado na conclusão prolongada da atividade técnica dos juízes.

Isso se dá após ampla e reiterada discussão sobre determinada

matéria, devendo resultar em maturidade jurídica.

Há a necessidade de que as súmulas incidam sobre

questões já reiteradamente decididas em um mesmo sentido e,

portanto, já devidamente estabilizadas e amadurecidas. Nesse

sentido, o enunciado da súmula deve representar a evolução do

entendimento esposado pela Corte Constitucional nas decisões

antecedentes e não criação de nova regra que solucione eventual

divergência existente.

A matéria objeto da súmula vinculante deve sempre ser

atinente ao plano constitucional, nada obstante possa versar sobre

questões tanto de direito material, quanto de processual. Vale dizer,

a exigência trazida pelo artigo 103-A da Constituição Federal a

respeito da necessidade de reiteradas decisões sobre matéria

constitucional de forma alguma significa que o enunciado deverá

tratar necessariamente sobre artigos da Magna Carta, mas sim

sobre temas constitucionalmente relevantes, como controle de

constitucionalidade e a interpretação conforme a Constituição.

Em regra, os enunciados devem ser formulados a partir

das questões processuais de massa ou homogêneas, envolvendo

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matérias constitucionalmente previstas como as previdenciárias,

administrativas, tributárias ou até mesmo processuais, suscetíveis

de uniformização e padronização. Ademais, além de tratar de

matéria constitucional, a súmula deve versar sobre questão

controvertida, ou seja, terá lugar quando houver controvérsia atual

entre órgãos judiciários ou entre esses e a Administração Pública,

que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de

processos sobre questão idêntica.

Frise-se, por oportuno, que, haja vista a ausência de

previsão constitucional, a divergência apenas entre órgãos da

Administração Pública não será apta a ensejar a edição de um

enunciado de súmula vinculante.

As súmulas vinculantes criadas pelo Supremo Tribunal

Federal podem ser revisadas e, até mesmo, canceladas. Essa

dinâmica é positiva, na medida em que evita o temido

engessamento do Direito. Assim, a possibilidade de revisão pelo

Supremo e cancelamento de enunciado vinculante confere a

característica da flexibilidade necessária, sem a qual haveria o

perigo de estagnação dos entendimentos sufragados e da

jurisprudência da Suprema Corte.

Bonfim Filho (2008, p. 234) citando Décio Sebastião

Daidone, diz que:

Evidentemente, os requisitos para revisão ou

cancelamento, deverão ser determinados de

forma criteriosa, de modo que sejam observadas

as teses advindas de decisões contrárias, após

reiterados julgamentos, permitindo assim a

mobilidade jurisprudencial e também para que

não haja comprometimento da almejada

segurança.

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Tais possibilidades de revisão e cancelamento de súmula

são de premente relevância, notadamente quando se vislumbra que

é da natureza da sociedade e, consequentemente da ciência

jurídica, estar em contínuo processo de evolução. Nesse sentido,

faz-se imprescindível a possibilidade de alteração dos enunciados

vinculantes, de modo a evitar o engessamento dessa jurisprudência

consolidada.

A própria Lei nº 11.417/2006 dispõe em seu artigo 5º que,

sendo revogada ou modificada a lei da qual se originou o enunciado

vinculante, este deverá ser revisado ou cancelado, conforme for o

caso.

Fica claro, portanto, que a revisão e o cancelamento de

enunciado vinculante, assim como a sua edição, devem ser

cercados de cuidados, de forma a garantir que sejam preservadas -

da melhor forma possível - a uniformidade e a segurança jurídica,

ideais basilares desse instituto.

Tal qual como ocorre na iniciativa para edição, a Lei nº

11.417/2006 também ampliou o rol constitucional – que não era

taxativo – dos legitimados a propor a revisão e o cancelamento de

enunciado de súmula vinculante. Com isso, maximiza-se a

possibilidade de a sociedade participar, por meio de seus diversos

segmentos, do processo de atualização das súmulas vinculantes do

Pretório Excelso.

A norma constitucional também delineou que, a exemplo

de como ocorre para a edição, a revisão e o cancelamento de

enunciado vinculante se darão a partir de decisão de dois terços dos

membros do Supremo Tribunal Federal, que o fará

espontaneamente ou por provocação dos legitimados.

O artigo 7º, da Lei nº 11.417/2006 elencou como causas

de descumprimento da súmula vinculante toda ação ou omissão

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que a contrariar, que negar-lhe vigência ou que aplicá-la

indevidamente. Referida norma adotou, portanto, uma concepção

ampla do que seria uma violação ao enunciado.

Dessa forma, o legislador infraconstitucional pretendeu

ser explícito e não deixar margem para dúvidas ou discussões sobre

como se daria a violação ao enunciado de súmula vinculante.

Assim, pontua Tavares (2009, p. 19) que:

[…] considera-se como descumprimento de

súmula vinculante tanto as ações quanto as

omissões que possam ser consideradas, de

alguma forma, como contrariando, ignorando,

negando vigência, aplicando ou interpretando

indevidamente a súmula cuja a incidência seja

invocada.

Desse modo, a súmula passou a vincular diretamente os

órgãos judiciais e os órgãos da Administração Pública, ao passo que

abriu a possibilidade de que qualquer interessado faça valer a

orientação do Supremo Tribunal Federal, não mediante interposição

de recurso, mas pela apresentação de uma reclamação por

descumprimento de decisão judicial.

Com efeito, reclamação é instituto jurídico previsto no

artigo 102, I, da Constituição Federal, competindo ao Supremo

processá-la e julgá-la. É, ademais, instrumento jurídico que visa

garantir que um órgão judicial não ultrapasse a esfera de

competência de outro.

Mais uma vez, importantes comentários tecidos por

Tavares (2009, p. 78):

Logo, a reclamação constitucional passou a

desempenhar um papel importante no cenário do

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controle de constitucionalidade brasileiro. E,

doravante, em virtude de se ter contemplado

expressamente seu cabimento nos casos de

descumprimento de súmula vinculante, sua

importância será reforçada enquanto

instrumento próprio para fazerem-se impor

efetivamente as decisões sumulares do STF

dotadas de eficácia geral e efeito vinculante.

A novidade, porém, no caso de descumprimento a preceito

contido em súmula vinculante, é que a reclamação poderá ser

arguida também em face de atos administrativos.

A infringência ao disposto no enunciado vinculante do

Supremo, apurada em sede de reclamação àquela Corte, enseja,

além da anulação do ato administrativo e da cassação da decisão

judicial, também a determinação para que outro ato ou decisão

sejam prolatados com ou sem a aplicação da súmula, conforme o

caso. Além disso, a autoridade administrativa que desobedeça o

mesmo enunciado, em caso futuro e análogo, ficará sujeita à

responsabilização cível e criminal.

CONCLUSÃO

A edição de um enunciado de súmula vinculante traz

profundas consequências ao ordenamento jurídico. Por isso, é

necessário que antes da sua edição, revisão ou cancelamento haja

um amadurecimento a respeito do tema a ser versado, devendo

este ter sido amplamente debatido no STF e nas demais instâncias

judiciais.

Todos os requisitos para edição de enunciado de súmula

vinculante devem ser rigorosamente respeitados, sob pena de fugir

à intenção do constituinte derivado ao criar o citado instituto.

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Destarte, todos os pressupostos materiais e formais

elencados no artigo 103-A da Constituição e na Lei nº 11.417/2006

devem ser observados, uma vez que constituem elementos

imprescindíveis à eficácia e, principalmente, à validade do

enunciado vinculativo. Vale dizer, se o legislador constituinte

consagrou na Magna Carta o autorizativo da criação, por parte do

Supremo Tribunal Federal, de normas emanadas da atividade

judicial com força cogente, conclui-se que o não atendimento a

qualquer dos requisitos impostos corresponderá à violação da

própria norma constitucional, ensejando um desequilíbrio entre as

funções do Estado.

Além disso, a revisão e o cancelamento de enunciado

vinculante, assim como a sua edição, devem ser cercados de

cuidados, de forma a garantir que sejam preservadas, ao máximo,

a uniformidade e a segurança jurídica, ideais basilares desse

instituto.

REFERÊNCIAS

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abordagem crítica em consideração ao acesso à justiça. Themis:

Revista da ESMEC, Fortaleza, v. 6, n. 1, jan. 2008. Disponível em:

<http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/37149>. Acesso em: 30

jan. 2016.

CADORE, Maria Regina Lusa. Súmula vinculante e

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FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Súmula vinculante e a Lei nº

11.417/2006: apontamentos para compreensão do tema. Jus

Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1295, 17 jan. 2007. Disponível em:

<http://jus.com.br/revista/texto/9400>. Acesso em: 29 jan. 2016.

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JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica.

Revista dos Tribunais: São Paulo. São Paulo, 2005.

LOR, Encarnacion Alfonso. Súmula vinculante e repercussão

geral: novos institutos do direito constitucional. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2009.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e

súmula vinculante. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

ROCHA, José de Albuquerque. Súmula vinculante e

democracia. São Paulo: Atlas, 2009.

SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante. São Paulo: Saraiva,

2005.

TAVARES, André Ramos. Nova lei de súmula vinculante:

estudos e comentários à lei 11.417, de 19.12.2006. 3. ed. São

Paulo: Método, 2009.

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A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES

PRIVADAS

KERINNE MARIA FREITAS PINHEIRO: Advogada. Pós-graduada em Direito Constitucional. Aprovada no concurso para Analista do MPU em 2013, aprovada no concurso para Procurador do Município de Salvador 2015.

RESUMO: O presente trabalho teve como escopo principal apontar

os aspectos encontrados, na jurisprudência e na doutrina pátria, que

evidenciam a aplicação dos direitos fundamentais nas relações

entre particulares. Com efeito, o surgimento desses direitos remonta

ao início do Liberalismo, quando havia a necessidade de o cidadão,

particular, defender-se do Estado que antes era autoritário. Nessa

época, os direitos fundamentais eram aplicados apenas nas

relações entre Estado e particular, garantindo a estas liberdades

individuais. Todavia, com a evolução da sociedade, para garantir-se

a efetiva observância a esses direitos, fez-se necessário que eles

fossem aplicados também nas relações privadas. Sendo assim, o

objetivo do presente artigo foi demonstrar como esses direitos

podem ser aplicados quando um particular se relaciona com outro,

analisando, a princípio, a evolução dos direitos fundamentais

durante os anos, o seu conceito e a sua classificação, evidenciando,

ao final, que esta aplicação ainda carece de estudos aprofundados,

tendo em vista que não se encontra pacificada, em especial, no

ordenamento jurídico brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos Fundamentais. Eficácia Horizontal.

Garantias Fundamentais. Eficácia Vertical.

ABSTRACT: This work had as main purpose to point out the

aspects found in the case law and doctrine in the country, which

demonstrate the application of fundamental rights in relations

between individuals. Indeed, the emergence of these rights back to

the beginning of Liberalism, when there was the need for citizens,

particular, defend the state was once authoritarian. At that time,

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fundamental rights were applied only in the relations between state

and private, ensuring that individual freedoms. However, with the

evolution of society, to ensure the effective observance of these

rights, it was necessary that they be also applied in private affairs.

Thus, the aim of this paper was to demonstrate how these rights can

be applied when a particular relates to another, analyzing, in

principle, the development of fundamental rights during the years,

its concept and its classification, showing at the end, this application

still lacks depth studies, with a view that is not pacified, especially in

the Brazilian legal system.

KEYWORDS: Fundamental rights. Horizontal effectiveness.

Fundamental guarantees. Vertical effectiveness

1 INTRODUÇÃO

O tema da eficácia horizontal, também chamada de eficácia

externa ou privada, dos direitos fundamentais vem ganhando muita

relevância entre a doutrina e a jurisprudência, carecendo ainda de

desenvolvimento mais aprofundado.

Com efeito, o constitucionalismo atual tem reconhecido, cada

vez mais, a expansão da eficácia dos direitos fundamentais nas

relações privadas.

Não se trata, no entanto, de deixar de aplicar o princípio

constitucional da autonomia da vontade, mas de restringir a atuação

dos particulares todas as vezes que estes, em detrimento dos

demais, abusarem de suas liberdades, ofendendo os preceitos de

direitos fundamentais.

Nesse sentido, leciona Nelson Nery Costa:

É preciso que se construa uma muralha para que o

Poder Público ou outros cidadãos não interfiram

naquilo que se manifesta no aspecto mais pessoal

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dos indivíduos. Existe um limite intransponível, dentro

do qual a pessoa faz o que quer, e desde que não

esteja cometendo um crime, nem uma infração civil

ou administrativa, não precisa dar satisfação a

ninguém, nem ao Poder Público.

Os direitos fundamentais foram, a princípio, positivados pelas

constituições para serem aplicados em oposição ao Estado,

garantindo aos particulares o exercício de suas liberdades públicas.

Por esse motivo, a questão da eficácia desses direitos nas relações

privada é um tema ainda controvertido. Entretanto, importante

perceber que as ofensas aos direitos fundamentais não são

exclusivas do Estado, sendo, muitas vezes, advindas de

particulares que, ao exercerem sua autonomia, podem afetar

direitos garantidos constitucionalmente. Em razão disso, não se

pode olvidar de reconhecer a aplicação desses direitos garantias

também aos particulares em face dos demais indivíduos e não do

Estado.

Tendo em vista essa situação, o presente trabalho tem por

escopo fundamental abordar a questão da eficácia horizontal dos

direitos fundamentais, trazendo uma breve caracterização desses

direitos e citando o entendimento doutrinário a respeito das teorias

que fundamentam essa eficácia. Ademais, a título de

complementação, far-se-á uma breve análise da jurisprudência

pátria no que concerne à aplicação dos direitos fundamentais nas

relações privadas.

2 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais constituem elementos necessários à

concretização do direito público interno de cada Estado,

especialmente do direito constitucional, e são considerados os

direitos do homem que estão objetivamente vigentes numa ordem

jurídica positivada. Tais direitos, estabelecidos pelo ordenamento

de determinada comunidade politicamente organizada, têm o

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escopo principal de satisfazer os ideais ligados à dignidade da

pessoa humana e, sobretudo, à liberdade, igualdade e fraternidade.

Nos termos das lições de Canotilho, os direitos fundamentais,

em sentido próprio, são:

(...)essencialmente direitos ao homem individual, livre

e, por certo, direito que ele tem frente ao Estado,

decorrendo o caráter absoluto da pretensão, cujo o

exercício não depende de previsão em legislação

infraconstitucional, cercando-se o direito de diversas

garantias com força constitucional, objetivando-se

sua imutabilidade jurídica e política. (...) direitos do

particular perante o Estado, essencialmente direito de

autonomia e direitos de defesa.

Do mesmo modo, para o Ministro Gilmar Ferreira Mendes:

Os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos

subjetivos e elementos fundamentais da ordem

constitucional objetiva. Enquanto direitos subjetivos,

os direitos fundamentais outorgam aos titulares a

possibilidade de impor os seus interesses em face dos

órgãos obrigados. Na sua dimensão como elemento

fundamental da ordem constitucional objetiva, os

direitos fundamentais tanto aqueles que não

asseguram, primariamente, um direito subjetivo,

quanto aqueloutros, concebidos como garantias

individuais formam a base do ordenamento jurídico

de um Estado de Direito democrático.

Ademais, para aclarar a definição de direitos fundamentais,

interessante trazer à baila alguns termos que, por vezes, são

confundidos com o conceito alhures evidenciado.

2.1 Direitos fundamentais X Direitos humanos

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Hodiernamente, no Brasil e em diversos outros países,

constate-se uma verdadeira confusão terminológica entre direitos

fundamentais e direitos humanos. Não se tratam, pois, de

expressões sinônimas.

Com efeito, os direitos humanos são vistos como proposições

jurídicas de caráter universal e atemporal que beneficiam qualquer

indivíduo, independentemente da ordem estatal a que ele esteja

vinculado. São direitos reconhecidos pelo direito internacional como

se existissem antes mesmo dos próprios documentos que os

declaram.

Por sua vez, os direitos fundamentais, diferentemente dos

direitos humanos que se fundamentam no jusnaturalismo, possuem

fundamentação positivista, consistindo naqueles direitos

estabelecidos pelo Estado e cuja existência se dá apenas após a

promulgação das normas estatais.

Tratam-se, pois, os direitos fundamentais de verdadeiros

direitos humanos positivados por uma ordem jurídica.

2.2 Direitos fundamentais X Deveres fundamentais

A Constituição Federal de 1988 (CF/88), ao estabelecer os

direitos fundamentais, menciona tanto o termo “direito” quanto o

termo “dever” sem, no entanto, fazer qualquer especificação ou

enumeração quanto ao último. Outrossim, para parcela da doutrina,

essa omissão constitucional foi intencional, posto que no momento

em que a CF/88 estabelece determinado direito fundamental em

favor de um sujeito passivo também está estabelecendo o

respectivo dever que as demais pessoas têm de cumprir e observar

o direito concedido, razão pela qual não haveria necessidade de

tratar-se dos deveres intrínsecos aos direitos fundamentais.

Essa correspondência, no entanto, é criticada por alguns

autores, como Canotilho. Este afirma que os direitos fundamentais

podem também vincular entidades privadas sem que haja nisto um

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dever fundamental, senão apenas uma eficácia daqueles direitos

em face da ordem jurídica privada.

2.3 Direitos fundamentais X Garantias fundamentais

Para a maior parte da doutrina há que se fazer uma distinção

entre os direitos e as garantias fundamentais, embora, no termos

exatos, estas não deixem de ser também uma forma de exercício

dos direitos fundamentais.

Pois bem, embora os direitos sejam gênero do qual as

garantias constituem espécie, insta consignar que estas últimas

costumam ser normas que visam proteger o exercício dos direitos

fundamentais, estes estabelecidos por normas meramente

enunciativas.

Com efeito, interessante compilar a análise de Rui Barbosa

sobre o tema, veja-se:

As disposições meramente declaratórias, que são as

que imprimem existência legal aos direitos

reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que

são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder.

Aquelas instituem os direitos, estas as garantias;

ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição

constitucional, ou legal, a fixação da garantia, com a

declaração do direito.

Assim, por exemplo, enquanto o inciso XV do artigo 5º da

CF/88 aduz um direito fundamental à livre locomoção no território

brasileiro em tempos de paz, o inciso LXVIII do mesmo dispositivo

garante esse direito à liberdade ao cuidar do habeas corpus,

remédio constitucional específico que pode ser utilizado pelo

indivíduo que se vê ameaçado de locomover-se livremente.

2.4 Características dos direitos e garantias fundamentais

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A caracterização dos direitos e garantias fundamentais é uma

tarefa da qual já se desincumbiram muitos doutrinadores.

Com efeito, Pedro Lenza, ao destacar tais atributos, menciona

a classificação feita por David Araújo e Serrano Nunes.

Segundo os referidos doutrinadores, os direitos humanos são

dotados de historicidade, isto é, possuem caráter histórico, tendo

nascido com o Cristianismo, passado por diversas revoluções e

chegado aos dias atuais. Com efeito, afirmou Noberto Bobbio:

Os direitos do homem, por mais fundamentais que

sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em

certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em

defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e

nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e

nem de uma vez por todas. (...) o que parece

fundamental numa época histórica e numa

determinada civilização não é fundamental em outras

épocas e em outras cultuas.

É característica dos direitos fundamentais, também, a

universalidade. Isto porque os direitos e garantias fundamentais

destinam-se, de modo indiscriminado, a todos os seres humanos,

independentemente de raça, credo, cor, nacionalidade ou convicção

política. Todavia, nem todos os direitos fundamentais possuem essa

característica, tal como obtempera Gilmar Mendes:

Não é impróprio afirmar que todas as pessoas são

titulares de direitos fundamentais e que a qualidade

de ser humano constitui condição suficiente para a

titularidade de tantos desses direitos. Alguns direitos

fundamentais específicos, porém, não se ligam a toda

e qualquer pessoa. Na lista brasileira dos direitos

fundamentais, há direitos de todos os homens – como

o direito à vida – mas há também posições que não

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interessam a todos os indivíduos, referindo-se

apenas a alguns – aos trabalhadores, por exemplo.

Do mesmo modo, a limitabilidade constitui outra característica

dos direitos e garantias fundamentais. Segundo esse atributo, esses

direitos não são absolutos, são, ao contrário, relativos. Havendo

conflitos entres os direitos, no caso concreto, um deles deverá

prevalecer, devendo-se levar em consideração a máxima

observância dos direitos fundamentais envolvidos e, ao mesmo

tempo, a sua mínima restrição.

Os direitos e garantias fundamentais são, ainda, concorrentes

entre si já que podem ser exercidos cumulativamente. Isto é, o

exercício de um determinado direito fundamental não exclui, por si

só, o exercício de outro direito.

Além disso, é característica desses direitos a

irrenunciabilidade. Os direitos e garantias fundamentais não podem

ser renunciados pelo seu titular. Admite-se, no entanto, que o sujeito

ativo titular do direito não o exerça, sem que isso signifique que

renunciou àquele direito.

Consoante entendimento de José Afonso da Silva, os direitos

fundamentais ainda possuem outras duas características, quais

sejam, a inalienabilidade e a imprescritibilidade. Ou seja, os direitos

e garantias fundamentais não possuem conteúdo econômico-

patrimonial, não podendo ser alienados e, ademais, não estão

sujeitos à prescrição, já que podem, a qualquer tempo, ser

exercidos.

3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL DE 1988

A Constituição Federal de 1988 (CF/88) caracteriza-se por ser

uma Constituição pluralista, isto é, idealizada para acolher em seu

texto as diversas necessidades e os fins pretendidos por toda uma

coletividade. Sendo assim, a CF/88 acaba por positivar posições

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que chegam a ser controvertidas entre si. No que tange aos direitos

fundamentais, por exemplo, a Carta Magna não acatou uma teoria

única, o que influenciou diretamente na catalogação desses direitos

dentro de seu texto. Com efeito, os direitos fundamentais

encontram-se espalhados por todo o texto constitucional.

Em seu Título II, a CF/88 classifica o gênero direitos e

garantias fundamentais em alguns grupos, tais como, direitos e

deveres individuais e coletivos, direitos sociais, direitos políticos,

dentre outros.

Embora não haja um rigor científico na disposição desses

direitos na Constituição Federal, importante ressaltar, ainda, que a

Carta Magna de 1988 foi a primeira a trazer em seu bojo normas

fundamentais de primeira, segunda e terceira dimensões. Ademais,

cabe frisar, ainda, que em seu artigo 60, § 4º, estabelece que os

direitos e garantias individuais não poderão ser objeto de emenda

que os tenda a abolir, incluindo-os no rol das chamadas cláusulas

pétreas.

4 A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

(DIMENSÕES DE DIREITOS)

A evolução dos direitos fundamentais está intimamente ligada

aos lemas e objetivos da Revolução Francesa. Assim, a liberdade,

a igualdade e a fraternidade, respectivamente direitos de 1ª, 2ª e 3ª

dimensões, anunciavam o progresso, com o passar dos anos, dos

direitos fundamentais.

Com efeito, os direitos fundamentais são históricos, nascidos

de modo gradual, um de cada vez com o decorrer do tempo. Por

isso que a doutrina tradicional reconhece a evolução desses

direitos, conforme ver-se-á a seguir.

4.1 Direitos fundamentais de primeira dimensão

Os direitos de primeira dimensão são aqueles considerados

como um direito de defesa do indivíduo contra o Estado. Tratava-se

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de uma perspectiva social de absenteísmo estatal, possuindo um

caráter negativo, ligada profundamente ao ideal de liberdade.

Surgiram com o constitucionalismo do século XVIII e seu

reconhecimento deu-se quando da passagem do Estado autoritário

para o Estado de Direito que primava pelas liberdades individuais.

Segundo Juliano Taveira Bernardes e Olavo Augusto Vianna:

Traduzem-se como faculdades pessoais a serem

utilizadas tanto como direitos potestativos, a cujos

efeitos o Estado se sujeita juridicamente (direito a não

prestar serviço militar em razão de convicção

religiosa, por exemplo), quanto como direitos

subjetivos à prestação de deveres estatais negativos

(direito de ir e vir, liberdade de reunião, etc).

Esses direitos consubstanciam-se nos direitos individuais,

civis e políticos.

4.2 Direitos fundamentais de segunda dimensão

Surgiram a partir do século XIX com o início da Revolução

Industrial europeia. As péssimas condições de vida e emprego dos

trabalhadores da época fez eclodir diversas manifestações em

busca de normas assistenciais que pudessem garantir melhoria da

qualidade de vida desses indivíduos.

Fez-se presente, portanto, a necessidade de garantir-se à

população os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os

direitos coletivos. Estes são direitos atrelados ao ideal de igualdade

e relacionam-se com o trabalho, o seguro social, o amparo à velhice

e à doença, dentre outros.

Os direitos fundamentais de segunda dimensão possuem um

caráter eminentemente positivo, visto que exigem uma atuação do

Estado para sua concretização.

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4.3 Direitos fundamentais de terceira dimensão

Essa dimensão de direitos está relacionada com o ideal de

fraternidade e surgiu em decorrência das mudanças ocorridas na

comunidade internacional. Nesse contexto, a preocupação dos

indivíduos passou a ser com os direitos difusos, tais como, a

proteção ao meio ambiente, aos consumidores e ao patrimônio

comum da humanidade.

Tais direitos possuem um elevado teor de humanismo e

universalidade, visto que não se direcionam especificamente à

proteção de um indivíduo em si considerado, mas à proteção dos

interesses de vários ramos da sociedade. São também exemplos

desses direitos o direito ao desenvolvimento, à paz, à

autodeterminação dos povos etc.

4.4 Direitos fundamentais de quarta dimensão

Considerando que os direitos fundamentais são dotados de

historicidade, isto é, vêm sendo adquiridos pelos indivíduos com o

passar dos anos, e considerando, ainda, o desenvolvimento

tecnológico e a globalização política, é possível defender a

existência de uma quarta dimensão dos direitos fundamentais.

Segundo Noberto Bobbio, essa dimensão seria caracterizada

pela existência dos direitos à democracia, ao pluralismo e à

informação. Abrangendo, ainda, direitos ligados à informática,

biociências, alimentos transgênicos, sucessão de filhos gerados por

inseminação artificial, clonagens, dentre outros.

Há, ainda, autores que afirmam existir uma quinta dimensão

dos direitos fundamentais que enquadraria direitos relativos à paz

ou, ainda, à era virtual, mas não há uma consolidação de tais

pensamentos.

5 A EFICÁCIA VERTICAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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Conforme exposto acima, os direitos fundamentais, mormente

em sua primeira dimensão, surgiram, como direito efetivamente

positivados em cartas constitucionais, no século XVIII com a

transição do Estado autoritário para o Estado Democrático de

Direito.

Esses direitos nasceram das revoluções liberais, ocorridas na

França e nos EUA, nas quais a insurgente burguesia exigia o

respeito às suas liberdades individuais e a limitação dos poderes,

até então considerados absolutos, do Estado. De fato, os direitos

fundamentais, oponíveis, sobretudo, ao Estado, são direitos

marcados pela resistência de determinado setor da sociedade em

relação ao ente que a governa. Desse modo, tais direitos, possuindo

caráter eminentemente negativo, exigem que o Estado, a princípio,

abstenha-se de intervir nas relações sociais.

Ademais, os direitos fundamentais de segunda e terceira

dimensões surgiram com o escopo fundamental de garantir a

igualdade e a fraternidade, respectivamente. Sendo, também,

oponíveis ao Estado, exigindo deste, prestações positivas que

sejam capazes de os concretizar. Do mesmo modo, ocorre com a

quarta dimensão dos direitos fundamentais.

Diante do exposto, conclui-se que, a princípio, os direitos

fundamentais possuem como principal sujeito passivo o Estado,

aquele que deverá deixar de agir para garanti-los ou atuar de forma

comissiva para efetiva-los.

Além disso, caberá ao Estado garantir que tais direitos

fundamentais dos indivíduos sejam usufruídos sem que haja

interferência dos demais integrantes da sociedade.

Esta oposição dos direitos fundamentais ao Estado, gerando

para ele um dever de ação ou de abstenção, é o que se denomina

de eficácia vertical dos direitos fundamentais. Fala-se em eficácia

vertical porque a relação entre o Estado e o indivíduo particular não

constitui uma relação igualitária. O Poder Público sempre atuará em

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posição de superioridade em face do particular titular do direito

fundamental.

8 A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS

Além da eficácia vertical, típica do plano das relações entre

particulares e o Estado, os direitos fundamentais possuem, ainda,

aquilo que se denomina de eficácia horizontal, privada ou externa.

Trata-se da aplicabilidade ou vinculação dos direitos fundamentais,

historicamente concebidos para regular as relações jurídicas

polarizadas por algum órgão ou agente do Estado, às relações

privadas.

Nesse diapasão, ocorre atualmente o fenômeno que a

doutrina denomina de constitucionalização do direito privado ou,

ainda, de direito civil constitucional.

Ademais, há, atualmente, uma discussão em torno da

questão da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, havendo

doutrinadores que sustentam que os direitos fundamentais

possuem eficácia imediata sobre as relações entre os particulares,

e outros que afirmam que esses direitos possuem, apenas, uma

eficácia mediata ou indireta. Há também aqueles que sustentam ter

os direitos fundamentais uma eficácia intermediária, direta

moderada ou atenuada, conforme se verá a seguir.

8.1 Teoria da eficácia indireta ou mediata dos direitos

fundamentais

Esta teoria possui fundamento e origem naquilo que ensinou

Günther Dürig. Segundo o alemão, a eficácia dos direitos

fundamentais também seria aplicada às relações privadas, mas

desde que se observasse uma condição, qual seja a de não haver

normas jurídicas de direito privado que regulamentassem o tema.

Para essa teoria, os direitos fundamentais são idealizados

para regular a atuação dos órgãos estatais, devendo ser opostos a

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estes. Sendo assim, não podem ser diretamente aplicados às

relações privadas, ao menos que o próprio direito privado assim

estabeleça.

Desse modo, mesmo que as leis de direito privado devam

estar de acordo com a Constituição e ser interpretadas segundo os

preceitos de direitos fundamentais, estes não têm aplicação

imediata sobre as relações regidas pelo direito privado, posto que

os particulares não são, a princípio, os destinatários (sujeitos

passivos) dos direitos fundamentais.

Portanto, caberá ao Poder Público em sua função legislativa,

em uma dimensão proibitiva, não editar leis que violem os direitos

fundamentais. Do mesmo modo, deve o legislador implementar os

direitos fundamentais que poderão ser aplicados às relações

particulares, configurando-se a dimensão positiva da teoria ora

explicitada. Somente dessa forma estar-se-á respeitando os direitos

fundamentais à liberdade e autonomia privada, sem que outros

direitos fundamentais os possam restringir, salvo se houver

previsão legal.

8.2 Teoria da eficácia direta ou imediata dos direitos

fundamentais

Hans Carl Nipperdey, por sua vez, deu origem, também na

Alemanha, à teoria da eficácia imediata ou direta (direkte

Drittwirkung) dos direitos fundamentais. Destacou-se também

Walter Leisner, como precursor da mesma teoria.

Essa teoria sustenta que a eficácia das normas de direitos

fundamentais atinge, objetivamente, toda a ordem jurídica,

independentemente de a relação ser entre particulares ou entre

estes e o Estado. Desse modo, os direitos fundamentais aplicam-se

indistintamente no âmbito das relações particulares, sem que seja

necessária a intermediação do legislador.

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Segundo essa teoria, a despeito da legislação específica, a

liberdade e autonomia privada podem ser atenuadas pela aplicação

direta de outros direitos fundamentais, sobretudo do direito à

dignidade da pessoa humana, embora a prevalência da autonomia

privada seja tanto mais forte quanto mais próxima estiver

relacionada a direitos de ordem personalíssima ou a direitos ligados

ao pluralismo político.

8.3 Teoria intermediária da eficácia direta moderada ou

atenuada

A teoria intermediária defende que os direitos fundamentais

podem ser aplicados às relações privadas independentemente de

intermediação do legislador. Todavia, essa eficácia horizontal

somente terá lugar quando a relação entre os particulares denunciar

uma assimetria substancial entre eles, isto é, quando uma das

partes envolvidas possuir, em detrimento da outra, um poder

jurídico ou de fato que o concede certo grau de superioridade.

Seriam exemplos dessas relações assimétricas a relação

entre associação e associados, entre conveniado e plano de saúde,

partido político e filiado, condomínio e condômino, dentre outras.

8.4 Eficácia diagonal dos direitos fundamentais

Também tomando por base relações assimétricas, alguns

doutrinadores do Direito do Trabalho entendem existir, nos casos

de relações empregatícias, uma aplicação diagonal dos direitos

fundamentais, tendo em vista a superioridade do empregador

perante o empregado.

Esse argumento, entretanto, não acrescenta em relação à

eficácia direta moderada apresentada acima, visto que esta limita a

aplicação dos direitos fundamentais na esfera das relações privadas

à existência de assimetria nessas relações, tal como ocorre na

relação entre empregador e empregado.

8.5 Eficácia irradiante dos direitos fundamentais

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Pedro Lenza, ao citar Daniel Sarmento afirma que uma

importante consequência dessa dimensão objetiva dos direitos

fundamentais, considerando sua eficácia, seria justamente a

eficácia irradiante dos mesmos. Tal eficácia permitiria que os

direitos fundamentais sejam observados em todas as esferas de

poder. Com efeito, o Poder Legislativo deverá observa-los quando

da edição de uma nova norma, o Judiciário ao resolver eventuais

conflitos e o Poder Executivo não poderá deixar de observar os

preceitos de direitos fundamentais enquanto exerce sua função

principal de administrar.

9 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES

PRIVADAS SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA

Algumas constituições contemporâneas já incorporaram em

seu texto a tese da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Exemplo disso é a Constituição portuguesa de 1976 que estabelece

que os preceitos constitucionais referentes aos direitos e garantias

fundamentais devem ser diretamente aplicáveis e que vinculam

tanto os entes públicos como os privados.

A Constituição Federal de 1988, por sua vez, não possui

dispositivo semelhante, sendo omissa. Nesse diapasão, cabe à

doutrina e aos Tribunais Superiores promover essa aplicação direta

através da interpretação dos preceitos constitucionais.

Dessa forma, será abordada neste tópico a atuação do

Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça

(STJ) quando em face de situações que envolvem interesses e

relações particulares, nas quais devem ser aplicados os direitos

fundamentais, tendo em vista sua eficácia horizontal.

Em um primeiro momento, importante trazer o entendimento

do STF no Recurso Extraordinário (RE) nº 160.222-8, no qual a

Suprema Corte entendeu constituir constrangimento ilegal

a imposição por gerente de indústria de lingerie de revistas íntimas

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às suas empregadas, sob ameaça de dispensa. Esclareceu a

ementa:

E M E N T A - I. Recurso extraordinário: legitimação

da ofendida - ainda que equivocadamente arrolada

como testemunha -, não habilitada anteriormente, o

que, porém, não a inibe de interpor o recurso, nos

quinze dias seguintes ao término do prazo do

Ministério Público, (STF, Sums. 210 e 448). II.

Constrangimento ilegal: submissão das operárias de

indústria de vestuário a revista íntima, sob ameaça de

dispensa; sentença condenatória de primeiro grau

fundada na garantia constitucional da intimidade e

acórdão absolutório do Tribunal de Justica, porque o

constrangimento questionado a intimidade das

trabalhadoras, embora existente, fora admitido por

sua adesão ao contrato de trabalho: questão que,

malgrado a sua relevância constitucional, já não pode

ser solvida neste processo, dada a prescrição

superveniente, contada desde a sentença de primeira

instância e jamais interrompida, desde então. (RE n°

160.222-RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de

01/09/1995).

Por outro lado, no RE 158.215-4, de relatoria do Ministro

Marco Aurélio, o mesmo Supremo Tribunal fez incidir, também, os

direitos fundamentais sobre as relações entre particulares. O caso

julgado trazia um membro de cooperativa que havia sido expulso se

que houvesse a observância dos direitos ao contraditório, ampla

defesa e, por conseguinte, do devido processo legal. A ementa

elucida tal entendimento nos seguintes termos:

DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV

DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS -

EXAME - LEGISLAÇÃO COMUM. A intangibilidade

do preceito constitucional assegurador do devido

processo legal direciona ao exame da legislação

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comum. Daí a insubsistência da óptica segundo a

qual a violência à Carta Política da República,

suficiente a ensejar o conhecimento de

extraordinário, há de ser direta e frontal. Caso a caso,

compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo

sobre a matéria, distinguindo os recursos

protelatórios daqueles em que versada, com

procedência, a transgressão a texto constitucional,

muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-

se do que previsto na legislação comum.

Entendimento diverso implica relegar à inocuidade

dois princípios básicos em um Estado Democrático

de Direito - o da legalidade e do devido processo

legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a

pressuporem a consideração de normas estritamente

legais. COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE

ASSOCIADO - CARÁTER PUNITIVO - DEVIDO

PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de

associado decorrente de conduta contrária aos

estatutos, impõe-se a observância ao devido

processo legal, viabilizado o exercício amplo da

defesa. Simples desafio do associado à assembleia

geral, no que toca à exclusão, não é de molde a atrair

adoção de processo sumário. Observância

obrigatória do próprio estatuto da cooperativa. (RE n°

158.215-RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de

07/06/1996)

No RE 161. 243-6, desta vez de relatoria do Ministro Carlos

Velloso, o Tribunal não admitiu que a invocação do princípio da

autonomia fosse argumento legítimo para discriminar nacionais de

estrangeiros, no que concerne à percepção de benefícios

constantes no estatuto pessoal de determinada empresa. Rebateu,

pois, a discriminação de empregado brasileiro em relação ao

francês na empresa “Air France”, mesmo realizando atividades

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idênticas, determinando a observância do princípio da isonomia.

Consignou-se na ementa:

CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA

IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO

EMPREGADO DE EMPRESA ESTRANGEIRA:

ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA:

APLICABILIDADE AO TRABALHADOR

ESTRANGEIRO E AO TRABALHADOR

BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988,

art. 5º, caput. I. - Ao recorrente, por não ser francês,

não obstante trabalhar para a empresa francesa, no

Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da

Empresa, que concede vantagens aos empregados,

cuja aplicabilidade seria restrita ao empregado de

nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da

igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art.

5º, caput). II. - A discriminação que se baseia em

atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do

indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o

credo religioso, etc., é inconstitucional. Precedente

do STF: Ag 110.846(AgRg)-PR, Célio Borja, RTJ

119/465. III. - Fatores que autorizariam a

desigualização não ocorrentes no caso. IV. - R.E.

conhecido e provido. (RE n° 161.243-DF, Rel. Min.

Carlos Velloso, DJ de 19/12/1997)

Em importante julgado, o STF parece ter-se rendido para a

aplicação da eficácia direta ou imediata, ainda que moderada, dos

direitos fundamentais nas relações privadas. Trata-se do RE

201.819 que aborda a exclusão de membro de sociedade sem a

possibilidade de sua defesa. Conforme voto do Ministro Gilmar

Mendes, a identificação da presença tanto do caráter público ou

geral da atividade quanto de dependência do vínculo associativo

para o exercício profissional do artista foi considerada fator decisivo

para legitimar a aplicação direta dos direitos fundamentais

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concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla

defesa (art. 5º, LIV e LV da CF/88) ao processo de exclusão de sócio

de entidade. Observa-se o teor da ementa:

SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS.

UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES.

EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA

DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS

DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES

PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO.

I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS

RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos

fundamentais não ocorrem somente no âmbito das

relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente

nas relações travadas entre pessoas físicas e

jurídicas de direito privado. Assim, os direitos

fundamentais assegurados pela

Constituição vinculam diretamente não apenas os

poderes públicos, estando direcionados também à

proteção dos particulares em face dos poderes

privados.

II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO

LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS

ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional

brasileira não conferiu a qualquer associação civil a

possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos

nas leis e, em especial, dos postulados que têm por

fundamento direto o próprio texto da Constituição da

República, notadamente em tema de proteção às

liberdades e garantias fundamentais. O espaço de

autonomia privada garantido pela Constituição às

associações não está imune à incidência dos

princípios constitucionais que asseguram o respeito

aos direitos fundamentais de seus associados. A

autonomia privada, que encontra claras limitações de

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ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento

ou com desrespeito aos direitos e garantias de

terceiros, especialmente aqueles positivados em

sede constitucional, pois a autonomia da vontade não

confere aos particulares, no domínio de sua

incidência e atuação, o poder de transgredir ou de

ignorar as restrições postas e definidas pela própria

Constituição, cuja eficácia e força normativa também

se impõem, aos particulares, no âmbito de suas

relações privadas, em tema de liberdades

fundamentais.

III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS.

ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO,

AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE

CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM

GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO

LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO

CONTRADITÓRIO. As associações privadas que

exercem função predominante em determinado

âmbito econômico e/ou social, mantendo seus

associados em relações de dependência econômica

e/ou social, integram o que se pode denominar de

espaço público, ainda que não-estatal. A União

Brasileira de Compositores - UBC, sociedade civil

sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e,

portanto, assume posição privilegiada para

determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos

autorais de seus associados. A exclusão de sócio do

quadro social da UBC, sem qualquer garantia de

ampla defesa, do contraditório, ou do devido

processo constitucional, onera consideravelmente o

recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os

direitos autorais relativos à execução de suas obras.

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A vedação das garantias constitucionais do devido

processo legal acaba por restringir a própria liberdade

de exercício profissional do sócio. O caráter público

da atividade exercida pela sociedade e a

dependência do vínculo associativo para o exercício

profissional de seus sócios legitimam, no caso

concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais

concernentes ao devido processo legal, ao

contraditório e à ampla defesa

(art. 5º, LIV e LV, CF/88).

IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.

O STJ também possui precedentes no sentido da aplicação

dos direitos fundamentais às relações privadas, em nítida

observância à eficácia horizontal desses direitos. Com efeito, no

Recurso Especial (Resp) nº 249.321 o Superior Tribunal entendeu

ser abusiva a cláusula de indenização tarifada em caso de

responsabilidade civil do transportador aéreo, sob pena de estar-se

violando a dignidade da pessoa humana. Nesses casos, a

indenização deverá ser calculada conforme a legislação comum, de

acordo com o caso concreto.

Consoante se demonstra com a colação das ementas acima,

é patente o posicionamento da jurisprudência pátria acerca da

eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Com efeito, os

tribunais superiores têm admito tal eficácia, exigindo a aplicação

dos direitos fundamentais também nas relações entre particulares.

10 CONCLUSÃO

Diante do exposto acima, imperioso concluir que a eficácia

horizontal dos direitos fundamentais, isto é, a aplicação destes nas

relações privadas é amplamente aceita no ordenamento jurídico

brasileiro, a despeito de não haver previsão expressa na

Constituição Federal.

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De fato, doutrina e jurisprudência, convergem no sentido de

que também os particulares podem ser sujeitos passivos dos

direitos fundamentais, devendo observá-los em suas relações, sob

pena de ter sua autonomia privada tolhida para que outro direito

fundamental seja respeitado.

Entendimento contrário, no sentido de que os direitos

fundamentais só devem ser opostos ao Estado em sua relação com

os particulares, acabaria por legitimar os indivíduos a atuarem em

ampla liberdade, sem qualquer ingerência estatal, e sem que

observassem os limites onde iniciam os direitos dos seus

semelhantes, fato que geraria um estado de insubordinação.

Desse modo, havendo no caso concreto, um conflito entre o

direito à autonomia privada e um direito fundamental, há que se

fazer uma ponderação de valores, não podendo a autonomia

privada prevalecer a todo custo em detrimento de outro direito que

possui semelhante hierarquia.

Por fim, importante ressaltar que a adoção da eficácia

horizontal dos direitos fundamentais, mormente a divergência que

existe dentro do tema em relação às teorias adotadas, ainda é

questão que não se encontra pacificada e carece de estudos mais

aprofundados, embora esteja sendo aplicada de forma paulatina na

maioria dos ordenamentos jurídicos, em especial no brasileiro. É

preciso, ademais, que o assunto seja amplamente discutido a fim

de que se possa suprir a lacunas existentes e apontar soluções

cada vez mais adequadas aos problemas jurídicos e aos anseios da

sociedade.

11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal

Serrano. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo:

Saraiva, 2006.

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REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO - ANÁLISE DE SUA INCONSTITUCIONALIDADE FRENTE AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A DISPOSIÇÕES INTERNACIONAIS

NATALIA DE ROSALMEIDA: Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará.

Resumo: Esse trabalho, de caráter eminentemente bibliográfico,

insere-se no contexto do estudo da execução penal, mais

especificamente da sanção disciplinar denominada Regime

Disciplinar Diferenciado (RDD). Analisa-se criticamente o RDD e

trata-se da sua inconstitucionalidade frente à Constituição Federal

de 1988 e da inobservância, na sua aplicação, das Regras Mínimas

para o Tratamento dos Reclusos adotadas pela ONU, bem como

das disposições do Pacto San Jose da Costa Rica. Discute-se

também sobre o recrudescimento do regime penal como obstáculo

à ressocialização do preso.

Palavras-chave: Regime disciplinar diferenciado. Constituição.

Processo Penal. Regras Mínimas da ONU. Pacto San Jose da

Costa Rica.

Introdução

Introduzido pela Lei Federal n° 10.792/2003, o Regime

Disciplinar Diferenciado (RDD) é uma espécie de tratamento

excepcional, configurando a execução da pena privativa de

liberdade em modalidade diversa da padrão, devido a

peculiaridades que caracterizem determinados condenados e as

conseguintes valorações sobre sua personalidade. É, mais

especificamente, um tratamento diferenciado por aquilo que

PAVARINI e GIAMBERARDINO (Teoria da Pena e Execução Penal,

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2011) convencionaram chamar de razões de periculosidade

penitenciária.

Essa modalidade de sanção disciplinar (art. 53, V da Lei de

Execução Penal) é fruto da atividade legislativa brasileira

caracterizada pela motivação casuística, tratando-se da resposta do

Poder Legislativo, que, fortemente pressionado pelos meios de

comunicação, buscou leis mais severas devido à comoção causada

por graves fatos delituosos ocorridos.

Metodologia

O presente trabalho foi desenvolvido à luz das modalidades

descritiva e explicativa, de fonte essencialmente bibliográfica. As

informações advindas de leituras de doutrinas processuais penais,

da análise da Constituição Federal de 1988 e dos dispositivos do

Pacto San José da Costa Rica, bem como das Regras Mínimas para

Tratamento de Reclusos da ONU, serviram de alicerce para que a

pesquisa tomasse a forma de uma análise critica do texto da Lei

10.792/2003.

O método a ser aplicado na pesquisa é o indutivo, com a

utilização de premissas específicas visando chegar a conclusões

gerais. A técnica a ser adotada será a monográfica, utilizando-se as

diversas obras consultadas como ferramentas para conclusões a

serem fornecidas pela pesquisa, com foco no direito processual

penal e constitucional. O levantamento bibliográfico e a pesquisa

das normas internacionais citadas, portanto, formam as fontes do

presente trabalho.

Resultado e Discussão

I. Características e aplicação do RDD

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De acordo com as disposições da Lei Federal n° 7.210/1984

(Lei de Execuções Penais – LEP), modificada pela Lei Federal n°

10.792/2003, ao Regime Disciplinar Diferenciado devem ser

encaminhados os presos que tiverem praticado fato previsto como

crime doloso, desde que este ocasione a subversão da ordem ou

disciplina interna, sem prejuízo da sanção penal cabível. Importante

ressaltar que se trata, aqui, de fato previsto como crime e não o fato

criminoso devidamente apurado e julgado e condenado pelo Poder

Judiciário.

O RDD pode ser aplicado também aos presos provisórios,

pois a LEP determina a possibilidade de serem incluídos no mesmo

regime os presos, nacionais ou estrangeiros, provisórios ou

condenados, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança

do estabelecimento penal ou da sociedade (art. 52, § 1º, LEP), bem

como aqueles que estiverem envolvidos ou participarem – com

fundadas suspeitas -, a qualquer título, de organizações criminosas,

quadrilha ou bando (art. 52, § 2º, LEP).

Em suma, são três as hipóteses para a inclusão no RDD: a)

quando preso provisório ou condenado praticar, mesmo sem

condenação definitiva, fato previsto como crime doloso,

conturbando a ordem e a disciplina interna do presídio onde se

encontre; b) quando preso provisório ou condenado representar alto

risco para a ordem e à segurança do estabelecimento penal ou da

sociedade; c) quando preso provisório ou condenado estiver

envolvido com organização criminosa, quadrilha ou bando,

bastando fundada suspeita.

As duas últimas situações dispensam o cometimento de falta

grave, que seria a causa geradora de uma sanção disciplinar,

possibilitando a aplicação da sanção somente por causa da aferição

realizada pela autoridade administrativa sobre a periculosidade

criminal e penitenciária do preso, o que pode ser compreendido

como verdadeira ressignificação normativa da noção de disciplina

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(FREIRE. O Regime Disciplinar Diferenciado: Notas Críticas à

Reforma do Sistema Punitivo Brasileiro. In: CARVALHO, Crítica à

Execução Penal, 2007, p. 277 e ss.).

Ainda sobre as hipóteses que dão causa à adoção do RDD,

importante observar que a lei não definiu os parâmetros do que seja

“alto risco” para ordem e segurança do estabelecimento e da

sociedade, sendo este um conceito vago. Tampouco existe, na

legislação brasileira, a definição de “organizações criminosas”. A

falta de textos legais que claramente definam essas hipóteses

coloca em risco a aplicação do preceito, pugnando a sua ineficácia,

ou, ainda pior, dando margem a arbitrariedades. Verificam-se, aqui,

resquícios do chamado Direito Penal do Inimigo também no âmbito

da execução penal (BUSATO . Regime disciplinar diferenciado

como produto de um direito pena do inimigo. In: CARVALHO, Crítica

à Execução Penal, 2007, p. 293 e ss.).

Para que haja a inclusão nesse regime de exceção, a

autoridade administrativa diretora do estabelecimento deverá

elaborar um requerimento circunstanciado e alegar um dos três

motivos supracitados. A prerrogativa segue, então, para os seus

superiores, in casu, o Secretário de Segurança Pública ou da

Administração Penitenciária. Feita a emissão do posicionamento

pela administração penitenciária, caberá ao juiz das execuções

decidir sobre a inclusão no RDD, após a oitiva do parquet.

Se o preso estiver em penitenciária federal, o diretor do

estabelecimento penal federal, se possível, de acordo com o

Regulamento Penitenciário Federal, cuja aprovação consta no

Decreto Nº 6049 / 2007, instituirá o expediente de inclusão com o

termo de declarações da pessoa visada e de sua defesa técnica.

No tocante à faculdade de defesa técnica prevista no art. 55

do Regulamento Penitenciário Federal, posicionamo-nos ao lado de

BRITO (Execução penal, 2011, p. 171),criticando-a, diante do rigor

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da medida e da previsão constitucional do contraditório e da ampla

defesa. Acreditamos, portanto, que o juiz, antes de proferir sua

decisão, deverá permitir ao sujeito visado que apresente defesa

técnica.

Antes da decisão judicial, há, também, a manifestação do

Ministério Púbico, uma vez que se trata de incidente à execução.

Não existe, porém, previsão legal para que o Ministério Público

requeira a inclusão de preso, provisório ou condenado, no Regime

Disciplinar Diferenciado.

Embora o juiz tenha o prazo máximo de 15 dias para decidir

a respeito da inclusão no RDD, a autoridade administrativa, em caso

de urgência, pode isolar o preso preventivamente, por até dez dias,

aguardando a decisão judicial (art. 60, LEP). Esse tempo de

isolamento provisório será computado no Regime Disciplinar

Diferenciado, como autêntica detração, caso o juiz decida pela

aplicação deste. Caso seja deferida decisão em sentido oposto,

parece ser cabível alegação de constrangimento ilegal.

Ao ser adotado, o RDD possuirá as seguintes características:

a) duração máxima de 360 (trezentos e sessenta) dias, sem prejuízo

de repetição da sanção por falta grave de mesma espécie, até o

limite de um sexto da pena aplicada; b) recolhimento em cela

individual; c) visitas semanais de duas pessoas, sem contar

crianças, com duração de duas horas; d) direito de saída da cela

para banho de sol por duas horas diárias (art. 52, incisos I a IV, Lei

7.210/84).

O Decreto 6.049/07 ainda inclui o uso de algemas nas

movimentações internas e externas, dispensadas apenas as áreas

de visita, banho de sol, atendimento assistencial e, quando houver,

nas áreas de trabalho e estudo; e a sujeição do preso aos

procedimentos de revista pessoal, de sua cela e seus pertences,

sempre que for necessária sua movimentação interna e externa,

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sem prejuízo das inspeções periódicas. Esse decreto também

dispõe, em seu art. 56, que, antes mesmo do término do prazo

estipulado pelo juiz, o diretor do estabelecimento em que se cumpre

o RDD poderá recomendar ao diretor do Sistema Penitenciário

Federal que requeira à autoridade judiciária o termino da medida.

Observa-se a seriedade inconteste do RDD, que tenta, sem

sucesso, combater o crime organizado e deter os líderes de facções

que, de dentro dos presídios, continuam a atuar na condução de

negócios criminosos fora do cárcere. Por isso, é preciso que o juízo

competente para presidir a execução penal tenha a cautela que o

cargo lhe demanda para avaliar a real e efetiva “necessidade” de

inclusão do preso no regime, especialmente do provisório, cuja

inocência ainda não foi dele destituída tendo em vista ainda estar

pendente de julgamento definitivo.

II. A Lei 10.792/2003 e a Constituição Federal de 1988

Não há na doutrina entendimento pacífico sobre a

constitucionalidade do RDD e, apesar de os Tribunais Superiores já

terem se manifestado pela constitucionalidade do instituto, defende-

se serem mais arrazoados os argumentos que refutam a sua

aplicação e defendem que o regime diferenciado agride o primado

da ressocialização do sentenciado.

No entender de BRITO (Execução penal, 2011, p. 174), do

ponto de vista técnico, a previsão legal do RDD possui, ao menos,

dois pontos de duvidosa constitucionalidade: a) a imprecisão ou

falta de taxatividade das hipóteses de inclusão; e b) o isolamento

diário de 22 horas. No que diz respeito ao primeiro ponto, refere-se

o autor à incompatibilidade da utilização de termos vagos como “alto

risco à sociedade” ou “fundadas suspeitas de envolvimento” com

uma medida de tamanha excepcionalidade. Defende-se que tal

abstração dá margem a perseguições e arbitrariedades. Como

acertadamente prega o Direito Administrativo, as previsões

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administrativas devem observar o princípio da legalidade, e

especialmente a taxatividade. A ausência de descrição legal

específica certamente compromete a definição jurídica do RDD. O

isolamento pelo período de 22 horas, por sua vez, tratar-se de

medida claramente prejudicial à saúde do preso, uma vez que forçá-

lo o isolamento certamente lhe causará prejuízos a sua integridade

física e psíquica. Verifica-se, assim, ofensa ao art. 5º, inciso XIX da

Constituição Federal, que assegura ao preso o respeito a sua

integridade física e moral.

A aplicação do RDD, sem julgamento definitivo, fere o

princípio da presunção de inocência, insculpido em nossa Carta

Magna em seu art. 5º, LVI, bem como o da individualização da pena

(art. 5º, XLVI), segundo o qual não se pode admitir, a priori, que,

alguém seja condenado a cumprir a sua pena em regime

integralmente fechado, vedando-se absolutamente qualquer

possibilidade de progressão. Segundo Távora, “a inclusão no RDD

em razão de o detento representar alto risco para a segurança do

estabelecimento ou da sociedade é imputar o ônus da falência do

sistema prisional exclusivamente ao preso, caracterizando o Direito

Penal do autor, vedado em nosso ordenamento jurídico.” (Curso de

Direito Processual Penal, 2010, p. 501).

Além disso, o prolongado isolamento celular, previsto no

RDD, que pode chegar a 360 dias, sem prejuízo de repetição da

sanção, pode ser considerado um meio de pena cruel, vedada pela

Carta Magna, em seu art. 5º, XLVII, “e”, refletindo a arcaica noção

de pena como exercício da vingança social (CARVALHO, Crítica à

Execução Penal, 2007, p. 279).

III. O RDD e as Regras Mínimas para Tratamento dos

Reclusos da ONU e o Pacto San José da Costa Rica

Na 68ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas

foram enunciados os princípios básicos que sustentam as Regras

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Mínimas para o Tratamento dos Reclusos. Tais regras foram aceitas

pelo Brasil. Dentre os princípios básicos previstos, destaca-se o que

determina que “serão absolutamente proibidos como punições por

faltas disciplinares os castigos corporais, a detenção em cela

escura, e todas as penas cruéis, desumanas ou degradantes”.

Sugeriu-se, nesta 68ª Assembleia Geral, a abolição do

isolamento celular, tendo sido editado o princípio de número 07 no

sentido de que “devem empreender-se esforços tendente à abolição

ou restrição do regime de isolamento, como medida disciplinar ou

de castigo”. Não parece precipitado, portanto, afirmar que a

normatização do RDD nas prisões brasileiras ofende os princípios

básicos preceituados pela ONU no tocante ao tratamento dos

reclusos.

A Lei 10.792/2003 também vai de encontro às disposições da

Convenção Americana de Direitos Humanos, adotada e aberta na

Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos,

em 1969, o chamado Pacto San José da Costa Rica, cujos termos

foram ratificados pelo Brasil em 1992. Assim dispõem os artigos 5º

e 11 da Convenção:

Artigo 5º - Direito à integridade pessoal: 1. Toda

pessoa tem direito a que se respeite sua

integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém

deve ser submetido a torturas, nem a penas ou

tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda

pessoa privada de liberdade deve ser tratada

com o respeito devido à dignidade inerente ao

ser humano. (...) 6. As penas privativas de

liberdade devem ter por finalidade essencial a

reforma e a readaptação social dos condenados.

(...)

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Artigo 11 - Proteção da honra e da dignidade.

Toda pessoa tem direito ao respeito da sua

honra e ao reconhecimento de sua dignidade.

As circunstâncias revelam que a adoção das medidas

previstas na Lei 10.792/2003 contraria não somente a Constituição

Federal de 1988 e as Regras Mínimas para o Tratamento dos

Reclusos editadas pela ONU, mas também, segundo o teor dos

artigos supramencionados, o Pacto de San José da Costa Rica,

que, de acordo com a emenda constitucional nº 45, por tratar de

Direitos Humanos, possui status supralegal.

Mister citar o entendimento de MOURA (Notas sobre a

Inconstitucionalidade da Lei 10.792/2003, que criou o Regime

Disciplinar Diferenciado. In: CARVALHO. Crítica à execução penal,

2007, p. 287) a respeito:

O castigo físico imposto ao condenado

submetido ao regime disciplinar diferenciado

viola a dignidade da pessoa humana que é um

dos fundamentos do Estado Democrático de

Direito, inscrito no art. 1º, inciso III, da vigente

Constituição da República. Mas, não para aí a

inconstitucionalidade. A Lei Maior assegura,

como um dos princípios de suas relações

internacionais, a prevalência dos direitos

humanos (art. 4º), estando disposto no art 5.2 da

Convenção Americana sobre Direitos Humanos,

em vigor no Brasil que ninguém deve ser

submetido a torturas, nem a penas ou tratos

cruéis, desumanos ou degradantes. Toda

pessoa privada de liberdade deve ser tratada

com o respeito devido à dignidade inerente ao

ser humano´. O mesmo direito está assegurado

no art. 5º, III, da Constituição da República, que

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também garante, dentre o rol dos direitos e

garantias fundamentais, o respeito à integridade

moral e física dos presos (art. 5º, XLIX).

Para além da inconstitucionalidade apontada acima e da

inobservância das Regras Mínimas para o Tratamento dos

Reclusos adotadas pela ONU, bem como das disposições do Pacto

San José da Costa Rica, conclui-se que a Lei 10.792/2003

representa real ofensa aos direitos e garantias assegurados pelo

nosso ordenamento jurídico a qualquer pessoa, não importando que

esta se trate de um acusado ou mesmo condenado, não existindo

justificativas plausíveis para tamanha violação.

IV. O recrudescimento do regime como obstáculo à

ressocialização do preso.

O RDD significa um agravamento qualitativo à pena privativa

de liberdade, aumentando o sofrimento imposto aos presos, através

de um regime de super-reclusão, que representa a maxipunibilidade

do Estado. Na redação da Lei 10.792/2003, a prevalência do

sentimento de que não basta “apenas” prender, é preciso fazer com

que o preso sofra mais, como se esta fosse uma maneira de evitar

que este entre em contato com o ambiente extra-carcerário, garantir

a segurança interna do presídio ou mesmo de impedir a corrupção

interna no ambiente carcerário. Essa visão, que parece predominar

no senso comum, é usada para tentar justificar a aplicação do RDD,

pressionando às autoridades a serem a favor da implementação de

um regime carcerário cada vez mais severo.

Percebe-se, entretanto, que o entendimento distorce a função

ressocializadora da pena, tratando o preso como um “verdadeiro

inimigo”, segundo a doutrina de JAKOBS. A condenação, em uma

clara substituição do Direito Penal de fato pelo Direito Penal de

autor, passa a ser encarada como uma punição à determinada

classe de autores e não ao fato em si. Assim, não importa o que se

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faz ou omite, mas quem pratica o crime doloso ou a falta e grave,

quem representa risco para a ordem e segurança do

estabelecimento penal ou da sociedade ou quem é suspeito de

envolvimento em organizações criminosas, quadrilhas ou bando. A

adoção do RDD viola o princípio da igualdade, na medida em que

representa um tratamento diferenciado a certo tipo de autor de

delito, classificando os presos em “cidadãos” e “inimigos”.

Na contramão da noção de reintegração social que inspirou

a Lei de Execução Penal, o Regime Disciplinar Diferenciado

aumenta a punição com a ressignificação da disciplina e da

segurança. A violação teleológica constitucional da pena é latente,

deixando a mesma de ser utilizada como instrumento

ressocializador, para representar a força do Estado.

Trata-se, portanto, evidentemente, de uma política criminal

equivocada, que resulta na reprodução e multiplicação da violência.

Vejamos o que ensinam PAVARINI E GIAMBERARDININO (Teoria

da Pena e Execução Penal, 2011, p. 344):

não é necessária uma intensificação tão

significativa da produção de sofrimento humano

para a consecução dos fins propostos,

vinculados à segurança e à ordem internas e

atingíveis mediante a utilização de recursos

tecnológicos e o combate interno à corrupção.

Não é o recrudescimento do regime de

cumprimento da pena que vai preservar a

segurança da população e do sistema

carcerário, mas, principalmente, o combate à

corrupção dentro das prisões, que é a maior

ameaça à sociedade.

Nesse sentido, o Regime Disciplinar Diferenciado, como

forma de punição de presos por faltas cometidas durante a

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execução da pena, deve ser repensado, a fim de que o Estado não

incorpore, sob o pretexto da legalidade, medidas de caráter

nitidamente inconstitucional, tendo em vista os ditames da própria

Carta Magna e a tendência internacional de proteção ao direitos

humanos e de garantia aos direitos dos presos, com forte influência

de medidas ressocializadoras.

Conclusão

Conclui-se que o RDD não é a forma adequada para conter a

violência existente nas prisões, pois representa uma sobrepena

cruel e degradante, ferindo a dignidade da pessoa humana, que é

um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Não é razoável desconsiderar os direitos constitucionalmente

assegurados aos infratores em nome da “segurança social”. A

repressão ao crime deve ocorrer dentro dos limites da lei. Submeter

os presos a condições degradantes, não acabará com a violência

urbana, não tornará os condenados pessoas melhores, nem

garantirá segurança à sociedade. Ao contrário, esse regime apenas

contribui para a marginalização dos presos, reduzindo ao máximo a

possibilidade de ressocialização dos mesmos e obstaculizando as

formas de progressão de regime.

Referências

BRITO, Alexis Couto de. Execuçao penal. 2 ed. Sao Paulo:

Revista dos Tribunais, 2011. BUSATO, Paulo César. “Regime

disciplinar diferenciado como produto de um direito pena do

inimigo”. In: CARVALHO, Salo de (org,). Crítica à Execução Penal,

2ª ed. ver, ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.

FREIRE, Cristiane Russomano. O REGIME DISCIPLINAR

DIFERENCIADO: NOTAS CRÍTICAS À REFORMA DO SISTEMA

PUNITIVO BRASILEIRO. In: CARVALHO, Salo de. CRÍTICA À

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EXECUÇÃO PENAL. 2ª ed. ver, ampl. e atual. Rio de Janeiro:

Editora Lumen Juris, 2007.

MOURA. Notas sobre a Inconstitucionalidade da Lei

10.792/2003, que criou o Regime Disciplinar Diferenciado. Em:

CARVALHO, Salo de. CRÍTICA À EXECUÇÃO PENAL. 2ª ed. ver,

ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.

PAVARINI, Massimo & GIAMBERARDINO. Teoria da Pena e

Execução Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues, curso de

Direito Processual Penal, 4ª ed. rev. ampl. e atual. Ed. Jus Podivm:

Bahia, 2010.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal.

Tradução de Seérgio Lamarão – Rio de Janeiro: Revan, 2007, 3ª

edição dezembro de 2011.

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DA NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO PARA DEMISSÃO DOS EMPREGADOS DE EMPRESA PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA. ENTENDIMENTO STF DIVERGENTE AO DO TST

GABRIEL CARNEIRO DE LIMA: Técnico Judiciário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região- Sede, graduado em Direito pela Faculdades Integradas Barros Melo- Olinda- PE em 2011, Especialista em Direito Público pela Faculdade Estácio (2013), Pós-graduado em Direito Constitucional pela Anhanguera- Uniderp (2015).

Resumo: O TST possui o entendimento exposto na Orientação

Jurisprudencial 247 da SDI-1 no sentido que é possível a dispensa

de empregados de empresa pública e de sociedade de economia

mista sem a necessidade de motivação para a validade do ato,

mesmo aqueles admitidos por concurso público. No entanto, o

Supremo Tribunal Federal, no julgado do RE 589.988 PI firmou

entendimento que é indispensável a motivação do ato de demissão

em virtude dos princípios da impessoalidade e da isonomia.

Palavras-chave: Direito do Trabalho. Demissão. Empresas

Públicas. Sociedades de Economia Mista. Justificativa. Validade.

STF e TST.

1- Introdução

As empresas públicas e as sociedades de economia mista

são pessoas jurídicas de direito privado, integrantes da

Administração Pública Indireta. Tais entes encontram-se definidos

no artigo 5º do Decreto-Lei 201/67. Em que pese existirem

divergências doutrinárias acerca do conceito legal, sua natureza de

pessoa jurídica de direito privado é pacífica. Isso é fundamental para

definir que a Consolidação das Leis Trabalhistas rege os contratos

de trabalho dos empregados públicos e dos empregados das

sociedades de economia mista.

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A Constituição Federal impõe a exigência da prévia

aprovação em concurso público para o acesso aos empregos nas

empresas públicas e nas sociedades de economia mista em seu

artigo 37, inciso II. Trata-se de uma garantia da observância dos

princípios da isonomia e da impessoalidade consagrados no

sistema constitucional. Com base nesses fundamentos, o STF

entende ser indispensável a motivação para a dispensa, mesmo

sem justa causa, desses empregados. Tal entendimento difere da

posição do TST, conforme se verá a seguir.

2- Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista

2.1- Conceito

O conceito de Empresa Pública está presente no art. 5º, II do

Decreto-Lei 201/67, que assim a define: “Empresa Pública- a

entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com

patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a

exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a

exercer por força da contingência ou de conveniência administrativa

podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito. ”

Já Sociedade de Economia Mista está definida no art. 5º, III

do mesmo diploma legal, que assim dispõe: “Sociedade de

Economia Mista- a entidade dotada de personalidade jurídica de

direito privado, criada por lei para a exploração de atividade

econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com

direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da

Administração Indireta. ”

Esses conceitos legais são bastante criticados por Celso

Antônio Bandeira de Mello. Segundo o doutrinador, o Decreto-lei

900 possui autorização que autoriza a participação de outras

pessoas jurídicas de Direito Público Interno, bem como de

entidades da Administração indireta da União, dos Estados, Distrito

Federal e Municípios. Assim, fica visível que empresas públicas não

são apenas as que se constituem de capital “integralmente da

União”. Também não se pode desconsiderar a hipótese em que o

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capital não pertença majoritariamente à União, mas sim a alguma

autarquia ou outro ente público. E não pode descaracterizá-la

apenas por conta desse fato. Assim, vê se que o conceito legal de

Empresa Pública contém algumas impropriedades.

A mesma falha ocorre com as sociedades de economia

mista. O conceito legal não leva em conta que essas sociedades

podem exercer não só atividades econômicas, bem como atividades

de serviço público. Isso ocorre com várias prestadoras de serviço

público de água encanada e tratamento de esgotos, as quais muitas

vezes são estruturadas sob a forma de Sociedades de Economia

Mista. Também não é necessário que a maioria do capital votante

pertença a uma só pessoa jurídica de direito público, podendo

pertencer a várias.

Feitas essas considerações, será analisada a natureza

jurídica desses entes.

2.2- Natureza jurídica

Como já citado acima, as Empresas Públicas e Sociedades

de Economia Mista tem personalidade jurídica de direito privado. No

entanto, como fazem parte da Administração Pública Indireta,

possui seu regime derrogado por normas de direito público. Isso

acontece por exemplo na obrigatoriedade de seguir os princípios da

Administração Pública previstos no art. 37 da CF/88.

Obviamente, que o regime de tais entidades não pode ser

igual os das demais pessoas jurídicas de direito público, tendo em

vista a exploração de atividade econômica e o risco de ter sua

atividade engessada e não conseguir concorrer com as pessoas

jurídicas de direito privado. Por isso mesmo, o art. 173, § 1º da

CF/88 dispõe:

“Art. 173 (...) § 1º- A lei estabelecerá o estatuto

jurídico da empresa pública, da sociedade de

economia mista e de suas subsidiárias que

explorem atividade econômica de produção ou

comercialização de bens ou de prestação de

serviços, dispondo sobre: I- sua função social e

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formas de fiscalização pelo Estado e pela

sociedade; II- a sujeição ao regime jurídico

próprio das empresas privadas, inclusive quanto

aos direitos e obrigações civis, comerciais,

trabalhistas e tributários; III- licitação e

contratação de obras, serviços, compras e

alienações, observados os princípios da

administração pública; IV- a constituição e o

funcionamento dos conselhos de administração

e fiscal, com a participação de acionistas

minoritários; e V- os mandatos, a avaliação de

desempenho e a responsabilidade dos

administradores.”

Em suma, a CF/88 delegou à lei federal a competência para

o estabelecimento dos estatutos jurídicos das Empresas Públicas e

das Sociedades de Economia Mista com a intenção de proporcionar

mais flexibilidade na persecução de seus objetivos essenciais. É

importante salientar que essa lei jamais foi editada, então aplica-se

as normas aplicáveis às entidades da Administração Pública com

seus devidos temperamentos.

3- Regime de pessoal

3.1- Regime aplicável

É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o regime

aplicável aos empregados das Empresas Públicas e das

Sociedades de Economia Mista é o previsto na CLT. Obviamente a

admissão desses empregados não é livre e se dá mediante

concurso público, conforme o disposto no artigo 37, II da CF/88. Isso

se dá para a observância dos princípios da isonomia e da

impessoalidade, tão prestigiados na ordem Constitucional brasileira.

3.2- Dispensa desses empregados: TST Vs STF

Para o TST a dispensa de empregados de empresa pública

e de sociedades de economia mista independe de qualquer espécie

de motivação, mesmo que esses empregados sejam admitidos por

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concurso público. Vejamos o entendimento constante na Orientação

Jurisprudencial nº 247 da SDI-1:

“247. Servidor Público. Celetista concursado.

Despedida imotivada. Empresa Pública ou

sociedade de economia mista. Possibilidade. I-

A despedida de empregados de empresa pública

e de sociedade de economia mista, mesmo

admitidos por concurso público, independe de

ato motivado para a sua validade. II- A validade

do ato de despedida do empregado da Empresa

Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está

condicionada à motivação, por gozar a empresa

do mesmo tratamento destinado à Fazenda

Pública em relação à imunidade tributária e à

execução por precatório, além das prerrogativas

de foro, prazos e custas processuais. “

Essa OJ exprime o entendimento do TST, para o qual a

demissão de empregados de empresas públicas e de sociedades

de economia mista não precisa de motivação. A única exceção fica

por conta da ECT, visto que essa empresa é equiparada à Fazenda

Pública em diversos aspectos. Bom salientar que esse

entendimento visa a dar mais flexibilidade para tais entes

controlarem suas relações trabalhistas.

Já o STF possui entendimento oposto. Segue ementa do

acórdão proferido pela Egrégia Corte e depois sua análise apurada:

EMENTA: EMPRESA BRASILEIRA DE

CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT.

DEMISSÃO IMOTIVADA DE SEUS

EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE.

NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DA

DISPENSA. RE PARCIALEMENTE PROVIDO. I

- Os empregados públicos não fazem jus à

estabilidade prevista no art. 41 da CF, salvo

aqueles admitidos em período anterior ao

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advento da EC nº 19/1998. Precedentes. II - Em

atenção, no entanto, aos princípios da

impessoalidade e isonomia, que regem a

admissão por concurso publico, a dispensa do

empregado de empresas públicas e sociedades

de economia mista que prestam serviços

públicos deve ser motivada, assegurando-se,

assim, que tais princípios, observados no

momento daquela admissão, sejam também

respeitados por ocasião da dispensa. III – A

motivação do ato de dispensa, assim, visa a

resguardar o empregado de uma possível

quebra do postulado da impessoalidade por

parte do agente estatal investido do poder de

demitir. IV - Recurso extraordinário parcialmente

provido para afastar a aplicação, ao caso, do art.

41 da CF, exigindo-se, entretanto, a motivação

para legitimar a rescisão unilateral do contrato de

trabalho. (RE 589.998 PI, Rel. Min. Ricardo

Lewandowski, julgado em 20/03/2013).

Então está claro que o STF entende ser indispensável a

motivação para que a demissão dos empregados de empresas

públicas e sociedades de economia mista. Em suma, considerando

que esses empregados são admitidos por meio de concurso

público, em observância aos princípios da impessoalidade e da

isonomia. Obviamente, esses empregados não gozam da

estabilidade. Essa garantia assegura apenas que a administração

pública seja obrigada a motivar as demissões das empresas

públicas e das sociedades de economia mista. É uma garantia em

favor desses empregados e também para a administração siga seus

princípios. Portanto, é provável que em breve o TST reformule o seu

entendimento, alinhando ao entendimento do STF.

4- Conclusão

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Conforme visto, o TST possui o entendimento que a

Administração Pública pode demitir os empregados das Empresas

Públicas e das Sociedades de Economia Mista sem necessidade de

motivação, tendo em vista a natureza privada desses entes. Já o

STF em recente decisão entendeu que a demissão de tais

empregados deve ser sempre motivada, tendo em vista a

necessidade de observância os princípios da isonomia e da

impessoalidade. Tendo em vista esse novo entendimento do STF,

o TST tende a modificar o seu entendimento, alinhando-se a

posição da Suprema Corte.

5- Referências

NEIVA, Rogério. Direito e Processo do Trabalho aplicados à

Administração Pública e Fazenda Pública. 2ª Ed. Editora Método.

São Paulo. 2015.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito

Administrativo. 32ª Ed. Editora Malheiros. São Paulo. 2015.

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A ISENÇÃO DO IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO EM REMESSAS

INTERNACIONAIS DE PEQUENO VALOR

RAMON DE SOUSA NUNES: Advogado, graduado pela UFMA.

RESUMO: O presente trabalho tem como finalidade determinar qual

o valor da isenção do imposto de importação em remessas

internacionais de pequeno valor. Com efeito, tem sido noticiado que,

ao contrário do que estabelecem a Portaria do Ministério da

Fazenda nº 156/99 e a Instrução Normativa da Receita Federal nº

97/99, tal isenção seria não de $50 (cinquenta dólares), mas de até

$100 (cem dólares), ou o equivalente em outra moeda. Da análise,

observou-se que tais atos administrativos contrariam o Decreto-Lei

nº 1.804/80, sendo, portanto ilegais. Assim, a isenção atualmente é

mesmo de cem dólares americanos, desde que enviada para

pessoa física, ao contrário, neste último requisito, dos atos

administrativos em questão que exigiam o envio de pessoa física

para pessoa física.

Palavras-chave: isenção; imposto de importação; remessas

internacionais; remessas de pequeno valor.

ABSTRACT: This study aims to determine the value of the

exemption from import taxes on international shipments of small

value. Indeed, it has been reported that, contrary to establish the

Ordinance of the Ministry of Finance No. 156/99 and Normative

Instruction of the Federal Revenue No. 97/99, the immunite would

not be $ 50 (fifty dollars Americans), but up to $ 100 (one hundred

US dollars Americans), or the equivalent in another currency. From

the analysis, it was observed that such administrative acts contrary

to the Decree-Law No. 1.804/80, and is therefore illegal. Thus, the

exemption is currently up to one hundred US dollars, since sent to

individuals, unlike in the latter requirement, the administrative acts

in question that required sending individual to individual.

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Keywords: immunite; taxes import; international shipments; small

vallue shipments.

INTRODUÇÃO

Recentemente, com a globalização e a ampliação do acesso

à internet, multiplicaram-se as compras por partes de brasileiros em

sites internacionais, aumentando, portanto, o número de

importações por remessas.

Nesse contexto, com as consequentes tributações por parte

da Receita Federal, em aplicação do imposto de importação,

passou a ser questionada legalidade da Portaria do Ministério da

Fazenda nº 156/1999 (BRASIL, 1999a), e da Instrução Normativa

da Secretaria da Receita Federal nº 96/1999 (BRASIL, 1999b), que

estabelecem, em resumo, o limite da isenção em até $50

(cinquenta dólares), ou o equivalente em outra moeda, em

remessas enviadas de pessoa física para pessoa física, frente ao

Decreto-Lei nº 1.804/80 (BRASIL, 1980), que limitaria a isenção em

até $100 (cem dólares), ou o equivalente em outra moeda, desde

que o destinatário fosse pessoa física.

Cabe relatar que tem sido noticiado na mídia, inclusive,

decisões judiciais que encontraram guarida nessa tese. Nesse

sentido, o sítio eletrônico Consultor Jurídico identificou quatro

ações, nas quais sentenças ampliaram a isenção para cem dólares

(RECEITA, 2014).

Diante desta crise de incerteza, a Receita Federal se

manifestou em Nota Técnica, na qual reafirmou a validade dos

aludidos atos administrativos (BRASIL, 2014).

Neste panorama de insegurança jurídica e na falta de texto

jurídicos que esclareçam a celeuma, ressai a necessidade de se

determinar qual, de fato, é o limite da isenção do imposto de

importação no que tange às remessas de pequeno valor.

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1. ASPECTOS GERAIS DO IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO E

DA ISENÇÃO

O imposto de importação, previsto no art. 153, I, da

Constituição Federal, tem como objeto e fato gerador a entrada de

produtos estrangeiros no Brasil, ainda que o aspecto temporal deste

último seja apurado com o da declaração de importação

(ALEXANDRE, 2014, p. 543), possuindo caráter marcadamente

extrafiscal, o que, nas palavras de Ricardo Alexandre, significa que:

(...) seu principal objetivo não é carrear

recursos para os cofres públicos federais, mas

sim servir como mecanismo de controle sobre as

importações, podendo ser utilizado, por exemplo,

como instrumento de planejamento de terminado

setor da indústria nacional que esteja sofrendo

dificuldades em face da concorrência de produtos

similares estrangeiros (2014, p. 542).

Outrossim, segundo Harada:

Como imposto de caráter regulatório da

economia, a faculdade de o Executivo alterar sua

alíquota há de fundar-se em motivação que

harmonize com a norma do art. 174 da CF, que

confere ao Estado o papel de agente normativo e

regulador da atividade econômica (2011, p. 394).

Em outras palavras, por conta do seu caráter extrafiscal, ou

seja, regulatório da economia, a Constituição, por força do §1º, do

seu art. 153, excepcionou o princípio da legalidade tributária e

possibilitou ao Poder Executivo alterar sua alíquota por meio de atos

administrativos.

A isenção, por sua vez, é “uma mera dispensa legal de

pagamento de tributo devido” (SABBAG, 2011, p. 892), vale dizer,

isentar significa que, não obstante a ocorrência do fato gerador em

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uma determinada situação e da consequente incidência do tributo,

o legislador escolheu dispensar o pagamento deste (hipótese de

exclusão do crédito tributário, portanto).

Outrossim, conforme o comando do §6º, do art. 50, da CF, a

isenção apenas poderá ser dada através de lei específica, a ser

elaborada pelo ente instituidor do tributo, dessa forma, submetendo-

se ao princípio da legalidade.

A isenção pode ser de caráter geral ou de caráter individual,

será do primeiro caso o benefício atinja a generalidade dos sujeitos

passivos, sendo prescindível a comprovação de quaisquer

requisitos pessoais especiais (ALEXANDRE, 2014, p. 285).

No entanto, será individual nos casos em que a lei restringir

a abrangência dos benefícios às pessoas que preenchiam

requisitos específicos, sendo necessário, assim, requerimento

administrativo, no qual se comprove o preenchimento dos

pressupostos legais (ALEXANDRE, 2014, p. 285).

1.1 O REGIME DE TRIBUTAÇÃO SIMPLIFICADA DO IMPOSTO

DE IMPORTAÇÃO

O Decreto-Lei nº 1.804/80 institui o regime de tributação

simplificada para a cobrança do imposto de importação incidente

sobre bens contidos em remessas postais internacionais (art. 1º,

caput).

De acordo com Leandro Paulsen e José de Melo:

Os bens objeto de remessa postal ou de

encomenda aérea internacional sujeitam-se,

quando de valor até $3.000,00 ao Regime de

Tributação Simplificada – RTS, instituído pelo DL

1.804/1980 e regulamentado pela Portaria MF

156/1999 e pela IN SRF/1999. Aplica-se ao

destinatário pessoa física ou jurídica (2015, p.

40).

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Basicamente, a disciplina deste regime está estabelecida em

seu art. 2º, in litteris:

Art. 2º O Ministério da Fazenda,

relativamente ao regime de que trata o art. 1º

deste Decreto-Lei, estabelecerá a classificação

genérica e fixará as alíquotas especiais a que se

refere o § 2º do artigo 1º, bem como poderá:

I - dispor sobre normas, métodos e padrões

específicos de valoração aduaneira dos bens

contidos em remessas postais internacionais;

II - dispor sobre a isenção do imposto de

importação dos bens contidos em remessas de

valor até cem dólares norte-americanos, ou o

equivalente em outras moedas, quando

destinados a pessoas físicas. (BRASIL, 1980).

Destarte, da forma como se vem interpretando, o Decreto-

Lei, basicamente, reenvia a matéria ao Ministério da Fazenda, o

qual deverá, de fato, instituir o regime simplificado específico às

remessas postais internacionais, e dispor sobre a isenção do

imposto de importação, porém, tendo lhe sido estabelecidas

restrições quanto a este último aspecto, quais sejam: a) a isenção

só poderá incidir sobre remessas até cem dólares norte-

americanos, ou o equivalente em outras moedas; e b) quando as

remessas foram destinadas a pessoas físicas.

Fazendo uso dessa faculdade, o Ministério da Fazenda (MF)

editou a Portaria nº 156/1999, que em síntese, em seu art. 1º,

instituiu o regime de tributação simplificado, para as remessas

postais ou encomendas aéreas até o valor de $3.000 (três mil

dólares), ou o equivalente em outra moeda, e no parágrafo 2º, deste

mesmo artigo, criou a isenção de até $50 (cinquenta dólares norte-

americanos), ou o equivalente em outra moeda, nas remessas de

pessoa física para pessoa física.

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Nessa esteira, a Instrução Normativa (IN) nº 96/99, da

Secretaria da Receita Federal (SRF), apenas repetiu em seu art. 2º,

§2º, o que já dispôs a Portaria do MF sobre a isenção das remessas

de pequeno valor.

Não é outra a interpretação da doutrina acerca dos

dispositivos citados:

(...) Remessas ou encomendas de até US$

50,00 (cinquenta dólares), que tenham como o

remetente e como destinatário pessoas físicas,

são isentas do Imposto de Importação, nos

termos do art. 1º, §2º, da Portaria MF 156/99

(PAULSEN e MELO, 2015, p. 40).

1.2 A RECEPÇÃO DO DECRETO-LEI Nº 1.804/80 PELA

CONSTITUIÇÃO DE 1988

De acordo com a doutrina de Gilmar Mendes (2010, p. 279),

em relação às normas anteriores à Constituição se adota a teoria

da recepção, pela qual, se houver compatibilidade material, a norma

anterior é pela Constituição nova recepcionada. Caso contrário,

ocorre a revogação e não a inconstitucionalidade superveniente.

Tendo em vista que o Decreto-Lei nº 1.804/80 é anterior à

Constituição de 1988, não se pode crer que tenha sido

recepcionado por esta, ao menos no que tange ao seu art. 2º, inc.

II, caso se entenda que o sentido dele foi de outorgar ao Ministério

da Fazenda a criação de uma isenção, como sustentou a Receita

Federal em sua Nota Técnica, litteris:

Dessa forma, o que fez o Decreto 1.804/80

foi delegar ao Ministro da Fazenda a faculdade

de dispor sobre a isenção em remessas entre

pessoas físicas da maneira que melhor convier

aos interesses da Fazenda Nacional e da

economia do país. Ao fixar o valor em US$

50,00, respeitou-se o teto estabelecido pela Lei,

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que é de cem dólares dos Estados Unidos da

América ou o equivalente em outra moeda, o

qual não deve ser confundido com o valor da

própria isenção. (BRASIL, 2014).

Eis que, neste caso, o Decreto-Lei possuiria em si uma

delegação legislativa para o Poder Executivo, mais

especificamente, para o Ministério da Fazenda, acerca da

competência da criação de isenção nas remessas internacionais

que é contraditória à regra do §6º, do art. 50, da Constituição, a

qual reserva à lei a criação de quaisquer isenção.

E que não se diga que o caráter extrafiscal que ressalva o

princípio da legalidade na alteração da alíquota do Imposto de

Importação permitiria a isenção sem fundamento na lei, eis que

seria possível ato administrativo que reduzisse a alíquota a zero.

A natureza jurídica entre isenção e alíquota zero não

permitiria tal interpretação, não foi outra a conclusão de um estudo

específico sobre a matéria:

Pelos apontamentos anteriores, conclui-se

que, na isenção tributária, não há á incidência da

norma de tributação, em virtude da prévia

incidência de norma isentiva, de natureza

autônoma, que torna insuficiente o suporte fático

da norma de tributação, evitando, portanto, o

surgimento do fato jurídico tributário. A norma de

isenção, por ter suporte fático e preceitos

próprios, dever ser considerada norma jurídica

autônoma. Tal norma possui caráter de norma

permissiva (exceção à norma geral de

tributação). Assim, sob o ponto de vista lógico-

formal, a sua incidência afasta a incidência da

norma geral de tributação. Sob a ótica da teoria

do fato jurídico, significa dizer que o suporte

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fático da norma de tributação tornar-se

insuficiente com a incidência prévia da norma

isentiva, afastando, deste modo, a incidência da

norma de tributação.

Por sua vez, na situação de alíquota zero, há

incompletude da própria norma de tributação em

decorrência da nulificação do critério quantitativo

do seu consequente, não tendo, assim,

condições de incidir sobre o suporte fático nela

previsto. Assim, não há incidência da norma de

tributação, porque esta, por ser incompleta,

jamais terá a possibilidade de incidir (= eficácia

normativa). Destarte, quando o legislador nulifica

a alíquota, a norma de tributação se torna

incompleta, uma vez que o seu preceito

determinará um nada. Por conseguinte, ainda

que o fato “X”, descrito na hipótese normativa,

ocorra no mundo dos fatos, ele não ingressa no

mundo jurídico, por não se transformar em fato

jurídico. Ademais, como visto, a norma

incompleta é o mesmo que falta de norma

(BRITO, 2013).

De fato, pelo sentido literal, não há escapatória, o Decreto-

Lei em epígrafe não foi recepcionado e estaria, assim, revogado. É

possível, entretanto, salvar o Decreto-Lei interpretando-o de outra

forma?

Penso que sim.

No caso em tela, partindo da intepretação sistemática, lendo

o Decreto-Lei a partir da Constituição e lembrando ainda que o

próprio caráter extrafiscal do imposto de importação denota a

finalidade de regulamentar o mercado e não meramente o intuito

arrecadatório do Estado, é possível crer que no momento que o

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Decreto-Lei dispõe sobre a isenção do imposto de importação dos

bens contidos em remessas de valor até cem dólares norte-

americanos, ou o equivalente em outras moedas, quando

destinados a pessoas físicas, está, em verdade, determinando que

o Ministério da Fazenda deve observar em suas portarias a isenção

de até cem dólares norte-americanos e não meramente escolher,

por oportunidade e conveniência, uma isenção nesse limite.

“Dispor”, nesse sentido, seria na acepção de “pôr de acordo”,

não tendo sido recepcionada a acepção de dispor como

“estabelecer” – na prática, essa seria a única forma de interpretar o

dispositivo conforme a Constituição. Tratar-se-ia de uma obrigação

de repetição, apenas com o fim de dar fiel execução ao Decreto-Lei.

Adotando este mesmo sentido ao Decreto-Lei, assim

estabeleceu o seguinte precedente do Tribunal Regional Federal da

4ª Região: “Conforme disposto no Decreto-Lei nº 1.804/80, art. 2º,

II, as remessas de até cem dólares, quando destinadas a pessoas

físicas, são isentas do Imposto de Importação.” (BRASIL, 2010).

Como se vê, esta interpretação não-literal atende inclusive

ao princípio da proporcionalidade e da própria função do imposto de

importação, eis que, se, por um lado, fortalece o princípio da

legitimidade da leis, por outro, não impede a Administração Pública

de proteger o mercado interno de produtos estrangeiros e ao

mesmo tempo não onerar demasiadamente o contribuinte, tendo-se

em vista o razoável e modesto limite de até $100, ou o equivalente

disto em outra moeda.

Ademais, atende muito mais ao princípio jurídico do diálogo

das fontes uma mudança de interpretação da lei, por mais que

minimamente contrarie o seu sentido literal, do que a revogação

pura e simples desta (ou a não recepção, como no caso em tela).

1.2 LEGALIDADE DA PORTARIA MF Nº 196/99 E DA

INSTRUÇÃO NORMATIVA 96/99

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Partindo-se da noção de que o Decreto-Lei nº 1.804/80

estabeleceu uma isenção e não uma delegação legislativa ao Poder

Executivo (posicionamento que se adota neste trabalho), não é

necessária uma análise aprofundada dos citados atos

administrativos, para se saber que eles são contra legem, uma vez

que afrontaram diretamente o inc. II, do art. 2º, do Decreto-Lei em

comento.

Com efeito, se de um lado tais atos administrativos

impuseram uma isenção menor que o Decreto-Lei, isto é, adotaram

$50 ao invés $100, de outro lado, também restringiram mais ainda

o benefício, versando que só poderia ser utilizado quando a

remessa fosse feita de pessoa física para pessoa física e não

quando enviado para pessoa física, sem necessidade de ser

endereçado por pessoa física como determinado no Decreto-Lei.

Nesse sentido, o Tribunal Regional da 4ª Região também

decidiu que:

1. (...)

2. A Portaria MF 156/99 e a IN 096/99, ao

exigir que o remetente e o destinatário sejam

pessoas físicas, restringiram o disposto no

Decreto-Lei nº 1.804/80.

3. Não pode a autoridade administrativa, por

intermédio de ato administrativo, ainda que

normativo (portaria), extrapolar os limites

claramente estabelecidos em lei, pois está

vinculada ao princípio da legalidade. (BRASIL,

2010).

Seriam, nessa hipótese, portanto, atos administrativos

ilegais, porquanto contrariaram a norma material em que tentaram

se fundar. Não é outro o entendimento da Suprema Corte:

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EMENTA AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO

DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.

ARTS. 1º, 2º E 3º DA RESOLUÇÃO Nº 102/2007

DO SECRETÁRIO DE ESTADO DA

AGRICULTURA E DO ABASTECIMENTO DO

ESTADO DO PARANÁ. FUNDAMENTO EM

LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL.

NATUREZA REGULAMENTAR. ATO

SECUNDÁRIO. CONTROLE CONCENTRADO

DE CONSTITUCIONALIDADE. INVIABILIDADE.

1. Decisão denegatória de seguimento de ação

direta de inconstitucionalidade por manifesto

descabimento. 2.Segundo a jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal, somente os atos

normativos qualificados como

essencialmente primários ou autônomos

expõem-se ao controle abstrato de

constitucionalidade. Precedido o conteúdo

do ato normativo atacado por legislação

infraconstitucional que lhe dá amparo

material, a evidenciar sua natureza de ato

regulamentar secundário, inviável a sua

impugnação pela via da ação direta.

Precedentes. Agravo regimental conhecido e

não provido.

(ADI 4095 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER,

Tribunal Pleno, julgado em 16/10/2014,

PROCESSO ELETRÔNICO DJe-218 DIVULG

05-11-2014 PUBLIC 06-11-2014)

Caso, entretanto, se considere, não ter sido recepcionado

pela Constituição de 1988 (posição a qual o presente artigo refuta),

o inc. II, do art. 2º, do Decreto-Lei nº 1.804/90, necessário pensar

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se ele teria vida própria, de acordo com o ordenamento jurídico

brasileiro em vigor.

Sobre o tema, André Ramos Tavares ensina que:

Apenas o Poder Legislativo é que goza da

faculdade de criar normas jurídicas que inovem

originariamente o sistema jurídico nacional. É

isso que distingue a competência legislativa da

mera competência regulamentar.

As normas regulamentares se inserem na

competência privativa dos Chefes do Executivo,

tendo como finalidade última a

instrumentalização dos comandos legais,

fornecendo meios materiais adequados a seu

cumprimento efetivo. Sua exteriorização dá-se

por meio de decreto. (2009, p. 639).

Em outras palavras, está expressamente vedado, com

exceção das hipóteses previstas no art. 84, inc. VI, da CF, a figura

do Decreto Autônomo no direito pátrio, que significa “(...) a

prerrogativa de editar regulamentos como atos primários,

diretamente da Constituição (...)” (ALEXANDRINO e PAULO,

2014b, p. 140), apenas sendo permitido decretos para a fiel

execução de leis (art. 84, IV, e 87, II, ambos da CF).

As exceções permitidas do Decreto Autônomo são, por sua

vez, as seguintes hipóteses: a) organização e funcionamento da

administração federal, quando não implicar aumento de despesa

nem criação ou extinção de órgãos públicos; e b) extinção de

funções ou cargos públicos, quando vagos.

Logo, a partir de uma análise perfunctória, é possível concluir

que não se tratariam, caso se entenda que o Decreto-Lei não foi

recepcionado, a Portaria do Ministério da Fazenda nº 156/99 e a

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Instrução Normativa da Receita Federal nº 97/99 de Decretos

Autônomos permitidos.

Ademais, como se viu acima, a Constituição (§6º, do art. 50)

reservou a criação de isenção expressamente à lei.

Não há, portanto, aqui outra conclusão: a) ou seriam tais atos

administrativos inconstitucionais, passíveis de controle de

constitucionalidade, inclusive de acordo com o precedente acima

colacionado do STF, e, esse caso, não haveria qualquer isenção

nas remessas de pequeno valor no que tange ao imposto de

importação; b) ou seriam tais atos ilegais (principal tese do presente

artigo), tendo em vista que contrariaram o Decreto-Lei, sendo,

assim, contra legem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que se viu, chega-se a conclusão de que é

possível interpretar o Decreto-Lei nº 1.804/80 de acordo com a

Constituição Federal, extraindo-se dele que a isenção nas

remessas internacionais de pequeno valor para o imposto de

importação é atualmente de até $100 (cem dólares americanos), ou

o equivalente em outra moeda, desde que enviada para pessoa

física.

Ademais, entendeu-se também que a Portaria do Ministério

da Fazenda nº 156/99 e a Instrução Normativa da Receita Federal

nº 97/99 são ilegais e estão em contrariedade ao precitado pelo

Decreto-Lei.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. DECRETO-LEI Nº 1.084/1980, 03 de setembro de

1980. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

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Relator: Álvaro Eduardo Junqueira. Julgado em:

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BRITO, Sérgio de Abreu. Isenção Tributária e Alíquota Zero:

abordagem a partir da teoria do fato jurídico. Rev. Fac. Direito

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS – UFAL

Faculdade de Direito de Alagoas – FDA

CARLOS ULISSES LISBOA CORDEIRO

A (IN)EFETIVIDADE DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NA ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA

Maceió/AL.

Março/2014.

WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

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CARLOS ULISSES LISBOA CORDEIRO

A (IN)EFETIVIDADE DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NA ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA

Monografia de conclusão de curso, apresentada à Faculdade

de Direito de Alagoas (FDA/UFAL) como requisito parcial

para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Fábio Lins de Lessa Carvalho

__________________________________________

Assinatura do Orientador

Maceió/AL.

Março/2014.

WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

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CARLOS ULISSES LISBOA CORDEIRO

A (IN)EFETIVIDADE DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NA ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA

Esta monografia de conclusão de curso de graduação em

Direito, apresentada à Faculdade de Direito de Alagoas

(FDA/UFAL) como requisito parcial para obtenção do grau de

Bacharel em Direito, obteve a devida aprovação perante a

presente banca examinadora.

Banca Examinadora:

_________________________________________________

Presidente: Prof. (a) Dr./Msc./Esp. Nome do Professor

____________________________________________________

Membro: Prof. (a) Dr./Msc./Esp. Nome do Professor

____________________________________________________

Coordenador do NPE: Prof. (a) Dr./Msc./Esp. Nome do

Professor

Maceió/AL.

Março/2014.

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Ao povo brasileiro, que mesmo molestado

por exaustivos tributos, custeou minha

faculdade.

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"O que me preocupa não é nem o grito dos

corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem

caráter, dos sem ética... O que me preocupa é o

silêncio dos bons."

Martin Luther King

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RESUMO

A participação popular na administração pública é direito fundamental consagrado pelo

ordenamento jurídico brasileiro, expressamente destacado pela Constituição Federal de 1988.

Para atingir status constitucional, no entanto, árduo foi o caminho. Participação popular,

democracia e cidadania são institutos que nasceram, desenvolveram-se e até hoje caminham

juntos. O presente trabalho objetiva explanar suas trajetórias, com origem comum na

Antiguidade, passando pela idade média e baixa idade média, onde houveram contribuições

importantes dadas pelas revoluções burguesas. No Brasil, a ideia de participação popular

atinge seu apogeu com a promulgação da Constituição Cidadã. No decorrer deste trabalho

serão discutidos os avanços trazidos pela Carta Maior, apresentados os instrumentos nela

expressos, como referendo, plebiscito e iniciativa popular, os normatizados pelo ordenamento

infraconstitucional, como orçamento participativo, audiências públicas, consultas públicas e

conselhos gestores de políticas públicas, e analisados os problemas que dificultam a

efetivação de tais instrumentos, em que se incluem velhas mazelas da administração pública,

como o clientelismo político, as famosas práticas assistencialistas, a falta de transparência da

coisa pública, a falta de cultura participativa e, principalmente, a corrupção.

Palavras-chave: Administração Pública. Cidadania. Democracia. Participação popular.

Constituição Cidadã. Instrumentos participativos. Efetividade.

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ABSTRACT

The public participation in public administration is a fundamental right enshrined in Brazilian

law, expressly highlighted by the 1988 Federal Constitution. To achieve constitutional status,

however, was the hard way. Popular participation, democracy and citizenship institutes are

born, evolved and today go together. This paper aims to explain their trajectories with

common origin in antiquity, through the middle and lower middle age, and where there have

been important contributions made by the bourgeois revolutions. In Brazil, the idea of popular

participation reaches its zenith with the promulgation of the Constitution Citizen. In this work

we will discuss the advances brought by Carta Maior, presented the instruments expressed

therein, as referendum, referendum and popular initiative, standardized by infra management,

such as participatory budgeting, public hearings and management boards of public policies,

and discusses the problems that hinder the effectiveness of such instruments, in which old ills

of public administration, as political patronage, the famous welfare practices, lack of

transparency in public affairs, and especially the lack of participatory culture include.

Keywords: Public Administration. Citizenship. Democracy. Popular participation. Citizen

Constitution. Participatory tools. Effectiveness.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10

1. DEMOCRACIA, CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO POPULAR ................................ 12

1.1 DEMOCRACIA ............................................................................................................. 12

1.1.1 Democracia Direta ................................................................................................. 14

1.1.2 Democracia Representativa .................................................................................. 14

1.1.3 Democracia Participativa ...................................................................................... 16

1.2 CIDADANIA.................................................................................................................. 17

1.2.1 Evolução da cidadania ........................................................................................... 18

1.3 PARTICIPAÇÃO POPULAR ........................................................................................ 20

1.3.1 Participação na gestão pública e no controle da atividade administrativa ...... 21

2. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ........................................................................... 28

2.1 CONSTITUIÇÃO CIDADÃ .......................................................................................... 28

2.2 CONSTITUIÇÃO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ................................. 29

2.2.1 Do Estado de Direito .............................................................................................. 29

2.2.2 Do Estado Social de Direito ................................................................................... 30

2.2.3 Do Estado Democrático de Direito ....................................................................... 31

2.2.4 Soberania popular .................................................................................................. 32

2.3 DIREITO POLÍTICOS ................................................................................................... 33

2.3.1 Sufrágio universal .................................................................................................. 35

2.3.2 Iniciativa popular ................................................................................................... 36

2.3.3 Plebiscito e Referendo ............................................................................................ 39

3. A EFETIVIDADE DA PARTICIPAÇÃO POPULAR ................................................... 43

3.1 INSTRUMENTOS DE EFETIVAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR ................. 43

3.1.1 Orçamento participativo ....................................................................................... 43

3.1.2 Audiências públicas ............................................................................................... 49

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3.1.3 Consultas públicas ................................................................................................. 56

3.1.4 Conselhos gestores de políticas públicas .............................................................. 58

4. A INEFETIVIDADE DA PARTICIPAÇÃO POPULAR ............................................... 62

4.1 DIFICULDADES DE EXERCER O DIREITO À PARTICIPAÇÃO ........................... 62

4.1.1 Apatia, abulia e acracia política ........................................................................... 62

4.1.2 Clientelismo político ............................................................................................... 64

4.1.3 Assistencialismo ou paternalismo ......................................................................... 67

4.1.4 Falta de educação e cultura participativa ............................................................ 68

4.1.5 Dificuldade para acessar as informações públicas .............................................. 69

4.1.6 Corrupção ............................................................................................................... 71

CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 74

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 76

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10

INTRODUÇÃO

A participação popular na administração pública é direito fundamental de todo

cidadão. No Brasil, várias foram as etapas trilhadas desde a ditadura militar até a promulgação

da Constituição Federal de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã” por todas as

conquistas trazidas expressa e implicitamente.

O presente trabalho tem o condão de demonstrar a evolução da participação popular,

intrinsecamente ligada à democracia e à cidadania. Portanto, imperioso se faz a análise da

origem da democracia, papel exercido pelo capítulo inicial.

No primeiro momento, trataremos da democracia grega, analisando como era

estruturada e como o poder restava distribuído. A própria origem etimológica da palavra

democracia nos orienta sobre seu fundamento, uma vez que temos a junção dos termos gregos

Demos, que significa povo, e Kratos, que significa poder, daí porque democracia significa

“poder do povo”.

A democracia encontrada na Grécia é conhecida como democracia direta, já que o

poder era exercido diretamente pelos cidadãos. Ao longo dos séculos, novas modalidades

surgiram, variando o modo como o poder era desempenhado. Na democracia indireta, o poder

era exercido por meio de representantes, geralmente, eleitos pelo povo. A terceira modalidade

é resultado da junção das anteriores, ou seja, nela tem-se representação e atuação direta pelo

povo, é a chamada democracia semidireta ou participativa. Para cada modalidade, há uma

forma de exercício da cidadania e, consequentemente, de participação dos cidadãos.

No segundo capítulo, versaremos sobre a Constituição Federal de 1988, a famosa

Constituição Cidadã, tida por muitos, a mais completa constituição que o Brasil já teve.

Dentre as inovações, nas mais diversas searas, destacam-se as ocorridas no campo social,

como a garantia dos direitos humanos fundamentais e do acesso à cidadania.

A Carta Maior de 1988 consagra o Estado Democrático de Direito, sucessor do Estado

de Direito e do Estado Democrático, tido por alguns teóricos como “superconceito”, do qual

se podem extrair diversos princípios, como o da separação dos poderes, pluralismo político,

isonomia e, especialmente, aquele tido por muitos como o “princípio dos princípios”, marca

central do Estado Democrático de Direito: o princípio da dignidade humana.

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Alguns instrumentos participativos foram incluídos diretamente no texto

constitucional, fundados na ideia de sufrágio universal e nos direitos políticos, visando

permitir a interação direta dos cidadãos com o poder público. São eles: plebiscito, referendo e

iniciativa popular.

Por sua vez, o terceiro capítulo ocupou-se pela análise dos instrumentos garantidos

pela Constituição, mas por ela não regulados. Ficou a critério do ordenamento

infraconstitucional normatizá-los e garantir-lhes efetividade. Como várias são as ferramentas

participativas, limitamo-nos a realizar uma breve análise de quatro das mais importantes.

A primeira delas, o orçamento participativo, teve origem no Estado do Rio Grande do

Sul e constitui ferramenta essencial, através da qual os cidadãos podem participar da

construção do orçamento público, peça chave do planejamento governamental. O orçamento

participativo permite o combate à má gestão dos gastos e investimentos públicos, pois à

população é dado maior poder de ação e decisão, capaz de romper com velhos hábitos

maléficos à efetivação da cidadania.

As audiências públicas, consultas públicas e conselhos gestores de políticas públicas

são instrumentos de participação que também merecem destaque. Cada um a sua maneira, são

responsáveis por estreitar os laços entre cidadãos e administração pública, possibilitando que

a população atue diretamente na condução do Estado.

O quarto e último capítulo é incumbido de elencar os fatores que comprometem a

efetividade da participação popular na administração pública, dentre os quais se destacam: o

clientelismo político, o assistencialismo ou paternalismo, as dificuldades de acesso às

informações públicas, a falta de cultura participativa, e aquele que é, a nosso ver, o grande

vilão, responsável por afastar os cidadãos da vida pública, acarretando patologias como

apatia, abulia e acracia política: a corrupção.

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12

1. DEMOCRACIA, CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO POPULAR

1.1 DEMOCRACIA

Ao longo da história, diversos regimes de governo foram conhecidos. No entanto, dois

foram os que tiveram maior destaque, sendo considerados por alguns como “formas puras”,

pois se trataram de verdadeiros gêneros das diversas espécies que os seguiram. Foram eles:

Democracia e Autocracia.

Recorrendo à origem etimológica da palavra Democracia, encontramos a junção dos

termos gregos Demos, que significa povo, e Kratos, que significa poder, ou seja, democracia é

a palavra que denota poder do povo.1 Enquanto na democracia temos o “poder do povo”, na

autocracia2 encontramos o “poder por si próprio”.

No governo autocrático, nos deparamos com um regime estruturado de cima para

baixo, onde os destinatários das normas e da política governamental não participam da sua

produção. Na autocracia, a vontade do governante é imposta ao povo, que não possui direito

de manifestação. Na história, encontramos diversas variantes que se pautam na autocracia,

são exemplos: autoritarismo, absolutismo, despotismo, ditadura e tirania.

Noutro passo, o regime democrático resta estruturado de baixo para cima. Aqui há

uma efetiva participação daqueles que são os destinatários das normas e políticas públicas.

Em um governo democrático, o que predomina é a vontade da maioria, no entanto, as

minorias não são deixadas de lado: seus direitos são reconhecidos e lhes é garantida a devida

proteção. Por constituir um governo de todos - e para todos -, a democracia pauta-se no

aumento da liberdade e da igualdade de seus cidadãos.3

Destes dois regimes, o que podemos destacar, por ter obtido maior êxito no contexto

atual, é a democracia. Em sua obra, Bonavides4 afirma que “nos dias correntes, a palavra

democracia domina com tal força a linguagem política desde o século XX, que raro o

governo, a sociedade ou o Estado que se não proclamem democráticos”.

1 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.

125/126. 2 Autocracia vem da junção dos radicais gregos autos (por si próprio) e kratos (poder). 3 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 289 4 Idem. Ciência política. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 286

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Ainda segundo Bonavides5, a estrutura democrática "trata-se da melhor e mais sábia

forma de organização do poder, conhecida na história política e social de todas as

civilizações". Um dos grandes filósofos do século VIII, Rousseau, acreditava que “se

houvesse um povo de deuses, esse povo se governaria democraticamente.”6.

A forma democrática de governo pode ser encontrada na história sendo exercida de

diferentes modos. A depender de fatores como: época, extensão territorial, densidade

demográfica e complexidade dos problemas sociais, podemos nos deparar com três

modalidades de democracia: direta, indireta ou representativa, e semidireta ou participativa.7

Quando nos pomos diante de uma organização onde todos os cidadãos participam

ativamente da vida pública, elaborando diretamente as leis, administrando e julgando as

questões do Estado, temos uma democracia direta. Esta modalidade de democracia só pode

ser encontrada em sua forma pura na antiguidade.

Existem Estados em que o “poder do povo” é exercido não pelo povo, mas por seus

representantes. Esses representantes, eleitos pela vontade da maioria, são responsáveis pela

condução da coisa pública. Há verdadeira outorga das funções de governo, fazendo com que

os atos emanados pelos dirigentes sejam considerados legítima materialização da vontade

popular. Essa modalidade, onde o povo tem o poder, mas não o exerce diretamente, é

conhecida como democracia indireta ou representativa.

A terceira modalidade de democracia é resultado da combinação das outras duas.

Democracia semidireta ou participativa denota um governo democrático representativo

com traços e institutos que permitam a participação direta dos cidadãos na coisa pública. O

objetivo é alcançar um equilíbrio entre representação e soberania popular exercida de forma

direta.

Sempre que falamos em democracia, falamos também em cidadania e participação. A

depender da forma como é exercida, será maior ou menor o envolvimento dos cidadãos na

direção dos negócios públicos. Antes de adentrar na questão da cidadania e da participação,

será feita uma análise das modalidades de democracia.

5 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 286. 6 Apud BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 227. 7 Idem. Ciência política. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 288.

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1.1.1 Democracia Direta

Assim como a palavra, o sistema de governo democrático teve origem na Grécia, mais

precisamente em Atenas. A democracia grega foi marcada pela fervorosa participação de seus

cidadãos junto à coisa pública. Vale destacar, no entanto, que apenas uma seleta parcela da

sociedade grega tinha direito a envolver-se na condução da vida política; eram excluídos

escravos, estrangeiros, mulheres e crianças.

Na Grécia, o poder era exercido, de fato, pelo povo e para o povo. Todas as decisões

da pólis8 eram tomadas pelos cidadãos, que se reuniam nas ágoras9 e, em regime de igualdade,

valendo-se da oratória, construíam longos debates que desencadeavam no direcionamento

legislativo, executivo e judicial do Estado-cidade.

O fato de a sociedade grega ser constituída sobre um regime escravista, permitindo aos

homens livres (cidadãos) foco total nas questões públicas, sem preocupações de cunho

material, foi uma das condições que propiciaram o funcionamento do sistema democrático

grego. “Ao homem econômico dos nossos tempos correspondia o homem político da

Antiguidade: a liberdade do cidadão substituía a liberdade do homem”.10

Filósofos do calibre de Rousseau, Hegel e Nietzsche, exaltam a liberdade do homem

grego quando comparado com o homem moderno:

Compreendendo e enaltecendo a liberdade e a democracia dos gregos, filósofos da

envergadura de Rousseau, Hegel e Nietzsche entendem que verdadeiramente livre

foi o homem grego e não o homem moderno; o homem das praças atenienses e não o

homem da sociedade ocidental de nossos dias11.

A herança democrática deixada pelos gregos aos povos do ocidente foi enorme. Nos

dias de hoje, Estados buscam no regime de governo praticado em Atenas inspiração para que

possam ampliar o envolvimento de suas populações nas questões públicas, achando um ponto

em comum entre representação e participação direta.

1.1.2 Democracia Representativa

Diversos foram os fatores que contribuíram para a defasagem da democracia direta e o

consequente surgimento do regime representativo. As mudanças estruturais das cidades

modernas impossibilitaram a continuidade da democracia clássica, tornando necessário o

8 A pólis era o modelo das antigas cidades gregas, desde o período arcaico até o período clássico, vindo a perder

importância durante o domínio romano. 9 Ágora era a praça principal na constituição da pólis. 10 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 289. 11 Idem, Ibidem, p. 290.

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depósito do poder, que continuava sendo do povo, nas mãos de representantes, que

garantiriam uma melhor administração da res publica12.

Em primeiro lugar, a complexidade dos Estados modernos exige que as decisões sejam

tomadas por pessoas capacitadas, representantes especializados. O homem econômico da

modernidade, ao contrário do homem político da antiguidade, não tem mais tanto tempo para

se preocupar com a coisa pública, o que o torna despreparado para opinar sobre alguns temas.

Sobre o homo economicus, assevera Bonavides13:

O homem moderno, via de regra, “homem massa”, precisa de prover, de imediato, às

necessidades materiais de sua existência. Ao contrário do cidadão livre ateniense,

não se pode volver ele de todo para análise de problemas de governo, para a faina

penosa das questões administrativas, para o exame e interpretação dos complicados

temas relativos à organização política e jurídica e econômica da sociedade.

Além disso, as dimensões continentais dos países modernos impossibilitaram a

implantação das práticas adotadas em Atenas. Não é mais viável reunir os cidadãos em praças

públicas para a tomada de decisões; as dimensões territoriais embaraçam crucialmente essa

hipótese. O Estado-cidade de outros tempos desapareceu, dando espaço ao Estado-nação.

Desta forma, a democracia representativa parecia o modelo de governo democrático mais

apropriado ao Estado moderno14.

De um ponto de vista político, a democracia representativa é o sistema onde o povo

governa a si mesmo, mas conta com a mediação de seus representantes. O voto é a forma pela

qual os cidadãos participam da coisa pública. Aos cidadãos cabe eleger os representantes, e a

esses, cabe fazer as vezes da nação. Partindo de uma análise jurídica, chegamos à conclusão

de que todos os atos emanados por aqueles que forem eleitos reproduzirão a materialização da

vontade popular, como se tivessem sido produzidos pelo próprio povo, titular da soberania.

Sobre isso, afirma Bonavides15 que “o poder é do povo, mas o governo é dos representantes,

em nome do povo: eis ai toda a verdade e essência da democracia representativa”.

Se comparada com a democracia grega, vemos que a democracia indireta amplia a

cidadania, mas acaba por fragilizar a participação do povo na condução do Estado. Ao mesmo

tempo em que existe uma inclusão, há exclusão. Na democracia clássica, o poder pertencia

aos cidadãos, mas poucos eram os que se enquadravam como tal. Com a modernidade, houve

uma redefinição do conceito de cidadão, de modo que grande parte da população passou a

possuir esse “título”. No entanto, o que se viu foi um distanciamento entre sociedade e coisa

12 Res publica é uma expressão latina que significa "coisa do povo", "coisa pública". 13 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 294. 14 Idem, Ibidem, p. 293. 15 Idem, Ibidem, p. 296.

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pública. A representatividade retirou do povo o poder de “pôr a mão na massa”, tornando-o

um ser passivo, que se restringe a votar e deixar o resto na mão dos representantes. Acerca da

necessidade que passa a ter o povo de atuar de modo direto, especificamente no Brasil,

registra Carlos Ayres Brito16:

A democracia brasileira já não é exclusivamente representativa, diz o parágrafo

único do art. 1º [da Carta Magna de 1988], resgatando o componente que faltava no

célebre conceito lincolniano de que ela é o regime que realiza o governo do povo,

pelo povo e para o povo (o regime exclusivamente representativo se traduz no

governo do povo, mas sem o povo). Agora, como que se dá uma satisfação parcial a

Jean-Jacques Rousseau, para quem “a soberania não pode ser representada”.

A passividade gerada pela representatividade, aliada a reiteradas práticas de corrupção

por parte dos representantes, leva à necessidade de um novo regime, onde o povo abandone a

ociosidade participativa e volte a interagir com a coisa pública. Resta clara a impossibilidade

da implantação daquela democracia praticada pelos gregos, mas, de acordo com Bonavides17,

“percebeu-se ser possível fundar instituições que fizessem do governo popular um meio-termo

entre a democracia direta dos antigos e a democracia representativa tradicional dos

modernos”.

1.1.3 Democracia Participativa

A modalidade participativa da democracia, se comparada à direta, praticada na Grécia

antiga, é nova, tendo surgido em meados do século XX. Seu nascimento e fortalecimento

estão intimamente ligados ao declínio da democracia representativa.

Uma vez que os interesses de eleitores e representantes começaram a se distanciar, a

confiança e legitimidade depositadas nos governantes restaram abaladas, fazendo com que os

cidadãos se sentissem “cada vez menos representados por aqueles que elegeram”18. Nesse

contexto, surgiu a necessidade de emergirem meios de participação direta da população.

Apesar de enfraquecida, a representatividade não foi abolida, pelo contrário. Segundo

Santos, o surgimento da democracia participativa não acarretou a destruição da democracia

representativa, mantendo o propósito da representação. No entanto, as possibilidades de

participação foram ampliadas, abalando a ociosidade participativa em que se encontrava a

sociedade19.

16 BRITTO, Carlos Ayres. Distinção entre “controle social do poder” e “participação popular”. In: Revista

de Direito Administrativo (RDA), Rio de Janeiro, nº 189, p. 114-122, jul./set., 1992, pág. 122. 17 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, pág. 295. 18 SANTOS, Boaventura de Sousa. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa.

Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, pág. 42. 19 Idem, Ibidem, pág. 32.

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Não podemos comparar, simploriamente, o modelo participativo moderno àquele

praticado na Grécia. Deve-se ter em mente que, ao contrário do que era feito em Atenas, a

democracia participativa funda-se na participação maciça da sociedade na coisa pública. Basta

lembrar que, na antiguidade clássica, apenas os ditos cidadãos tinham direito a participar da

vida pública, e estes eram minoria (cerca de 10% da população). Apesar das diferenças, é

inegável a contribuição da democracia clássica na construção do regime participativo

moderno.

Na democracia participativa, o que se busca é um equilíbrio entre representação e

participação. Ao contrário do que alguns pensam, a construção de uma democracia

participativa não denota que toda e qualquer decisão relacionada à coisa pública deverá contar

com a intervenção popular direta; não obstante, deve haver consonância entre os momentos

em que deverão agir os representantes eleitos, e os momentos em que, de fato, haverá

participação direta. Para Bovero20, não há contraposição ou antagonismo entre democracia

representativa e participativa; deve-se buscar estabelecer uma complementaridade,

possibilitando que sejam amenizados os males do sistema puramente representativo e

ampliados os instrumentos de participação direta.

1.2 CIDADANIA

A cidadania é, conforme os preceitos do Art. 1º, II, da Constituição de 198821, um dos

fundamentos da República Federativa do Brasil. Neste contexto, cidadania pode ser

considerada como o conjunto de direitos e deveres ao qual um indivíduo, intitulado cidadão,

está sujeito em relação à sociedade em que vive. A Carta Magna de 1988 tem cinco capítulos

destinados somente aos direitos fundamentais do cidadão.

Em sua obra, Bonavides22 acentua:

Da cidadania, que é uma esfera de capacidade, derivam direitos, quais o direito de

votar e ser votado (status activae civitatis) ou deveres, como os de fidelidade à

Pátria, prestação de serviço militar e observância das leis do Estado. Sendo a

20 BOVERO, Michelangelo. Contra o governo dos piores: uma gramática da democracia. Rio de Janeiro:

Campus, 2002, p. 39. 21 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

II - a cidadania

(...) 22 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 82.

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cidadania um círculo de capacidade conferido pelo Estado aos cidadãos, este poderá

traçar-lhes limites, caso em que o status civitatis apresentará no seu exercício certa

variação ou mudança de grau. De qualquer maneira é um status que define o vínculo

nacional da pessoa, os seus direitos e deveres em presença do Estado e que

normalmente acompanha cada indivíduo por toda a vida.

Cidadania é exercício. Exercitar a cidadania significa saber cumprir deveres e exigir

direitos, lutar para que sejam colocados em prática, tenham eles cunho civil, político ou

social. Os cidadãos, indivíduos que possuem deveres para com a sociedade em que vivem,

devem atuar como seres ativos, que cumprem seu papel, e não como sujeitos omissos,

individualistas, que não se mobilizam frente aos problemas coletivos. A sociedade e os

problemas da sociedade dizem respeitos a todos os cidadãos.

Neste passo, segundo Jaime Pinsky23, cidadania é “um processo histórico, de um

movimento lento, não linear, mas perceptível que parte da inexistência total de direitos para a

existência de direitos cada vez mais amplos”. Para o autor, se considerada de um modo

amplo, cidadania seria a materialização do exercício da própria democracia.

1.2.1 Evolução da cidadania

Não se pode afirmar o dia, mês ou ano em que se firmou o conceito de cidadania. No

entanto, é de conhecimento notório que suas primeiras formas de expressão remontam a

Antiguidade, estando os principais registros localizados na Grécia e Roma antigas. Como a

sociedade grega foi amplamente utilizada para ilustrar a origem da democracia, usaremos a

romana para demonstrar o sentido da expressão cidadania na Idade Antiga.

Na Roma Antiga, o termo cidadania designava a condição política de uma pessoa e os

direitos que poderia gozar. Naquela sociedade, havia diferenciação de vários níveis.

Inicialmente, os nascidos em Roma eram separados dos estrangeiros. Ainda entre os

“romanos de nascimento”, havia a distinção entre aqueles que eram livres e os escravos.

Dentre os livres, havia a categoria dos nobres, ou patrícios, e a dos homens comuns, ou

plebeus24.

Todos os romanos livres possuíam cidadania, sendo, portanto, considerados cidadãos.

No entanto, nem todos os cidadãos podiam ocupar cargos políticos, mas só aqueles dotados

do que Dalmo de Abreu Dallari25 chama de cidadania ativa. Para o autor, o direito de

participar integralmente da vida política romana, ou seja, ocupar as mais altas patentes da

23 PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla B. (orgs.). História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2003, p. 12. 24 DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e cidadania. 2. ed. reform. São Paulo: Moderna, 2004, p.

17. 25 Idem, Ibidem, pág. 18.

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administração – os cargos de juízes e senadores – era privilégio dos patrícios, pois só eles

possuíam cidadania ativa.

Podemos concluir que a cidadania romana era voltada essencialmente aos direitos

políticos e desprovida de igualdade. Poucos eram os que podiam usufruir a cidadania por

completo; a grande maioria possuía apenas um status ilusório de cidadão.

Na idade média, após a queda do império romano, ocorreu uma significativa mudança

nas estruturas sociais. Os direitos políticos são deixados em segundo plano e questões de

cunho religioso passam a predominar. A sociedade agora é estamental, sendo rigidamente

dividida em castas sociais bem delineadas; ou se era membro do clero, ou pertencente à

nobreza, ou servo/campesino.26

A Igreja católica possuía o monopólio do controle político-social na idade medieval.

Ela ditava o comportamento das pessoas e era o centro das relações entre homens e Estado.

Sua doutrina era baseada em conceitos de liberdade e igualdade entre os indivíduos, mas não

era bem isso que se via, uma vez que só aqueles detentores de riquezas e poder – à época,

nobreza e clero – eram considerados cidadãos. Os servos, maioria esmagadora da população,

nunca teriam seus direitos de cidadania reconhecidos, já que a possibilidade de mobilidade

social era praticamente zero. Sobre a estruturação social na Idade média, afirma Cyro de

Barros27:

Era, portanto, uma sociedade de ordens, diferenciadas tanto política quanto

juridicamente. Clero e Nobreza detinham, respectivamente, saber e poder e,

conseqüentemente, os direitos advindos do termo cidadania. Servos permaneciam

alheios aos privilégios dos “cidadãos”, não podendo acessar o poder público, sem a

mediação de outro estamento, detentor de maior poder.

Pode-se dizer que na idade medieval houve verdadeira diluição do princípio da

cidadania. Os servos, ocupados a maior parte do tempo com a produção agrícola – para

conseguirem pagar as taxas e tributos cobrados pelos senhores feudais – jamais foram

considerados cidadãos.

A baixa idade média – período entre os sécs. XIII e XV –, marcada pela crise do

feudalismo, transformações de cunho econômico, religioso, político e cultural, e avanços

tecnológicos, foi “a responsável pelo ressurgir da ideia de um Estado centralizado e, por

consequência, da noção clássica de cidadania, ligada à concessão de direitos políticos”28.

26 REZENDE FILHO, Cyro de Barros; CÂMARA NETO, Isnard de Albuquerque. A evolução do conceito de

cidadania. In: Revista de Ciências Humanas Unitau, Vol. 7, No. 2, Taubaté, 2001. Disponível em:

<http://site.unitau.br//scripts/prppg/humanas/index.htm>. Acesso em: 09 de nov. de 2013, p. 3. 27 REZENDE FILHO, ibidem, p. 3. 28 REZENDE FILHO, ibidem, p. 3.

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O fim dos feudos levou à migração dos servos aos centros urbanos, lugar onde

passaram a desenvolver as mais diversas atividades. Aqueles que se dedicaram ao comércio

deram origem à classe burguesa, que teve papel essencial no desenvolvimento da noção de

cidadania tal qual se tem hoje. Foram os burgueses, insatisfeitos com as arbitrariedades e

injustiças praticadas pela nobreza, que desencadearam uma série de embates, conhecidos

como revoluções burguesas.

A mais famosa/importante aconteceu na França. A revolução francesa, motivada por

ideais de igualdade e liberdade alimentados pelos pensadores iluministas Locke e Rousseau,

eliminou os privilégios da nobreza e instituiu a “Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão”, com o objetivo de assegurar uma sociedade livre e igualitária, em que todos

tivessem garantidos seus direitos de cidadania.

A nova concepção cidadã ficou apenas no campo das ideias, pois o que se viu, logo na

aprovação da primeira Constituição francesa pós-revolução, foi a deformação dos ideais

almejados. A respeito deste desvio, assinala Dalmo Dallari29:

(...) a cidadania continuou a indicar o conjunto de pessoas com direito de

participação política, falando-se nos “direitos da cidadania” para indicar os direitos

que permitem participar do governo ou influir sobre ele, o direito de votar e ser

votado, bem como o direito de ocupar os cargos públicos considerados mais

importantes. Mas a cidadania deixou de ser um símbolo da igualdade de todos, e a

derrubada dos privilégios da nobreza deu lugar ao aparecimento de uma nova classe

de privilegiados.

1.3 PARTICIPAÇÃO POPULAR

A Carta Magna de 1988 tem cinco capítulos destinados somente aos direitos

fundamentais do cidadão, portanto, cidadão não é apenas sinônimo de eleitor, cidadania vai

muito além da simples participação no processo eleitoral. Cidadão é um status atribuído

àquele indivíduo participante e controlador da atividade estatal.

Uma das condições primordiais para se alcançar uma sociedade verdadeiramente

democrática, é, sem dúvidas, a participação de modo direto de todos os cidadãos na

organização da coisa pública. Assim como era na pólis, no contexto atual, a cidadania consiste

na participação efetiva dos cidadãos nas decisões da sociedade. Deste modo, tem-se que

cidadania acarreta em se reconhecer como elemento de uma sociedade e ser reconhecido

29 DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e cidadania. 2. ed. reform. São Paulo: Moderna, 2004, p.

21.

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como tal. Segundo a pesquisadora baiana Débora Nunes30, “num país onde o poder de

decisão foi historicamente monopolizado pelos representantes de uma elite econômica muito

restrita, a participação da população significa uma democratização desse poder”.

Decisões que antes deviam ser tomadas somente pelos representantes, passam a

necessitar da intervenção direta da população, pois só deste modo podem ser alcançadas

melhorias realmente significativas. Destarte, o que deve haver é uma verdadeira inversão do

fluxo da tomada de decisões, passando a fluir da base para o topo. Um dos motivos desse

“trabalho em equipe” entre sociedade e Poder Público representar tanta vantagem, se

comparado ao trabalho concentrado nas mãos dos representantes eleitos, é o fato de que os

cidadãos, melhor do que seus representantes, sabem os reais problemas e necessidades por

quais passam, pois possuem uma visão mais reduzida, do âmbito local.

Como já foi dito anteriormente, a inserção da população na administração da coisa

pública não rompe com o sistema representativo, mas o auxilia, ao tempo em que faz com que

os cidadãos sintam-se verdadeiramente engrenagens da grande máquina administrativa. Sobre

isso, discorre Marcus Dexheimer31:

É imprescindível que um número que se poderia chamar de absurdo de decisões seja

tomado por terceiros, por representantes. Mas, por outro lado, também é necessário

aproximar o Estado da razão de sua existência: as pessoas. É preciso que se criem,

cada vez mais, novos canais de participação, para que cada um sinta mais governado

por si mesmo. É uma questão de legitimidade. E é também uma questão de

legalidade, já que os mecanismos participativos são criados pela norma jurídica:

fazer da lei um instrumento a serviço da democracia. Sentindo-se mais próximo do

Estado, percebendo-se como governante, cada cidadão pode desempenhar com mais

clareza seu inevitável papel político e tomar consciência de sua relação com a

sociedade, deixando de atribuir a entidades abstratas as causas de seus problemas

materiais e psíquicos. O governo deixa de ser uma entidade metafísica para estar

presente no dia-a-dia de cada um.

A participação na administração funda-se na ampliação dos canais de interação entre

cidadão e máquina pública com vistas à intervenção direta da população nas decisões

políticas. Para isso, faz-se necessário o aperfeiçoamento dos métodos representativos

atualmente existentes32, que serão apresentados nos próximos capítulos.

1.3.1 Participação na gestão pública e no controle da atividade administrativa

30 NUNES, Débora. Por uma pedagogia da participação popular. In: Organizações e Sociedade, v. 6, n.16.

Salvador: EAUFBA, 2006, p. 14. 31 DEXHEIMER, Marcus Alexsander. Estatuto da Cidade e Democracia Participativa. Florianópolis:

OAB/SC Editora, 2006, p. 19. 32 Idem, ibidem, p. 18.

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Antes de adentrarmos ao estudo da participação popular no contexto constitucional,

importante destacar a diferença existente entre participação popular na gestão pública e no

controle da administração pública, o chamado controle social.

Inicialmente, cabe ressaltar que ambas as formas de participação são, como veremos

mais detalhadamente no próximo capítulo, inerentes ao conceito de Estado Democrático de

Direito. Nas palavras de Di Pietro33:

É inerente ao conceito de Estado Democrático de Direito a ideia de participação do

cidadão na gestão e no controle da Administração Pública, no processo político,

econômico, social e cultural; essa ideia está incorporada na Constituição não só pela

introdução da fórmula do Estado Democrático de Direito – permitindo falar em

democracia participativa -, como também pela previsão de vários instrumentos de

participação. (grifo nosso)

Percebe-se que a ilustre professora trata a participação do cidadão na gestão e no

controle da administração pública como institutos distintos. Tal separação também é realizada

por Adriana Schier34, segundo a qual

De qualquer forma, a Constituição de 1988 foi a primeira que garantiu, também na

esfera administrativa, a participação dos cidadãos, assegurando a possibilidade de

interferirem significativamente na tomada de decisões do poder público, bem como

a possibilidade de exercerem o controle dos atos administrativos.

A participação popular na gestão pública se dá quando o cidadão, usufruindo de suas

prerrogativas constitucionalmente garantidas, influi de modo direto na formação da vontade

estatal. Participação está ligada à ideia de deliberação popular, ou seja, através dela permite-se

ao cidadão realizar uma interferência direta no funcionamento da administração pública.

É pela participação popular que há uma aproximação entre Estado e cidadão, onde este

passa a sentir-se incluído na gestão pública. Pode-se dizer que a participação dos

administrados na gestão da máquina pública é condição sem a qual não se pode considerar um

Estado como democrático.

A participação popular pode ocorrer no âmbito da estrutura dos três poderes estatais.

Na esfera do Poder Judiciário, ela efetiva-se através do tribunal do júri, previsto pelo art. 5º,

XXXVIII, da CF/88, que consiste na inserção de cidadãos comuns, na posição de jurados, nos

julgamentos de crimes dolosos contra a vida, possibilitando sua integração na construção de

decisões judiciais. Interessante citar também a figura dos juízes leigos, que, segundo os

ditames do art. 7º da Lei nº 9.099/95, “são auxiliares da Justiça, recrutados (...), entre

33 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 30. 34 SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. A participação popular na Administração Pública: o direito de

reclamação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 107.

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advogados com mais de cinco anos de experiência”. Os juízes leigos são responsáveis, nos

termos do art. 98 da Carta Maior, por promover “a conciliação, o julgamento e a execução de

causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo,

mediante os procedimentos oral e sumaríssimo (...)”. Ao lado do tribunal do júri, a instituição

da figura dos juízes leigos representa o maior espaço de participação dos cidadãos no

judiciário.

No campo Legislativo, os principais instrumentos de participação são aqueles

elencados nos incisos do art. 14 da Constituição Federal, responsáveis por garantir o exercício

da soberania popular, quais sejam: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Os três

instrumentos possibilitam a atuação direta da população nas decisões tomadas no âmbito

legislativo. Não nos preocuparemos em estudá-los agora; momento especial foi reservado a

cada um deles no próximo capítulo.

Por fim, temos a participação cidadã na esfera executiva ou administrativa, foco

central do presente trabalho. É através desta participação que os administrados podem

deliberar sobre os atos administrativos e, consequentemente, interferirem diretamente nos

caminhos trilhados pela Administração Pública. Dentre as principais ferramentas das quais

poderão valer-se os cidadãos, destacam-se o orçamento participativo, as audiências públicas, a

consulta pública e os conselhos gestores de políticas públicas. Assim como aos instrumentos

de participação no legislativo, a estas ferramentas também foi reservado momento oportuno

de análise.

O Controle social, por sua vez, realiza-se quando há o envolvimento da sociedade nas

questões governamentais, através de um complexo de instrumentos constitucional e

legalmente previstos, com o objetivo de fiscalizar, supervisionar e avaliar a execução dos atos

públicos. Vejamos a definição trazida por Fernando Malafaia35:

Por controle social entende-se a participação da sociedade no acompanhamento e

verificação das ações da gestão pública na execução das políticas públicas,

avaliando os objetivos, processos e resultados. Trata-se de uma ação conjunta entre

Estado e sociedade em que o eixo central é o compartilhamento de responsabilidades

com vistas a aumentar o nível da eficácia e a efetividade das políticas públicas.

Apesar do controle da administração pública ser atribuição tipicamente estatal, a

sociedade participa dele à medida que pode e deve suscitar o procedimento de controle, não

somente na proteção de seus interesses individuais, mas também na tutela do interesse

35 MALAFAIA, Fernando César Benevenuto. Controle Social e Controle externo podem interagir? :

avaliação as práticas do TCE-TO no estímulo à participação cidadã. 2011. 112 f. Dissertação (Mestrado em

Administração) – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, FGV-RJ, Rio de Janeiro, p. 31.

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coletivo. A Constituição confere aos administrados determinados instrumentos de ação a

serem utilizados com essa finalidade. O controle social é, nas palavras de Di Pietro36,

“provavelmente, o mais eficaz meio de controle da Administração Pública”.

O controle social pode efetivar-se através de instrumentos disponibilizados pelos três

poderes. No âmbito administrativo, destacam-se os recursos administrativos, que, segundo Di

Pietro37, “são todos os meios que podem utilizar os administrados para provocar o reexame do

ato pela Administração Pública”. Para a autora, tais recursos têm fundamento no direito de

petição, instituído pelo art. 5º, XXXIV, da CF.

Amparadas pelo direito de petição, e disciplinadas por legislação esparsa, estão várias

modalidades de recursos administrativos, como a representação, a reclamação, o pedido de

reconsideração, os recursos hierárquicos próprios e impróprios e a revisão.

Dentre as modalidades de recursos administrativos, evidenciaremos a representação e

a reclamação, previstas no art. 37, §3º, I e III, da Constituição38. Vejamos:

Art. 37. Omissis.

(...)

§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública

direta e indireta, regulando especialmente:

I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas

a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa

e interna, da qualidade dos serviços;

II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de

governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;

III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo,

emprego ou função na administração pública.

A reclamação traduz a possibilidade dos cidadãos elaborarem denúncias sobre

irregularidades acerca da atuação administrativa expressamente vinculada à prestação de

serviços públicos. Segundo Moreira Neto39, o direito de reclamação é uma decorrência natural

do direito fundamental de participação dos cidadãos no controle administração pública, uma

vez que se apresenta como um direito dos indivíduos exercerem a fiscalização dos serviços

públicos.

36 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 622. 37 Idem, ibidem, p. 625. 38 BRASIL, Constituição Federal de 1988. In: SENADO FEDERAL. Legislação Republicana Brasileira.

Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso

em: 17/02/2014. 39 Apud SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. A participação popular na Administração Pública: o direito de

reclamação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 172.

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Podem-se referir, deste modo, dois aspectos relevantes na construção de um conceito

do direito de reclamação: (i) apresenta-se como uma forma de controle social da prestação dos

serviços públicos e (ii) consubstancia-se como uma provocação da instância administrativa,

que deve dar início a um processo administrativo com o objetivo de apurar as irregularidades

referidas pelos cidadãos.40

A representação, de seu lado, consiste na denúncia de irregularidades feita perante a

própria administração. Quando tratar-se de representação contra abuso de autoridade, fundar-

se-á na Lei nº 4.898/65, estabelecendo o art. 2º que a representação será dirigida à autoridade

superior competente para aplicação de sanção ao culpado, e ao Ministério Público competente

para iniciar processo-crime contra a autoridade.41 Na esfera constitucional, caberá

representação perante o Tribunal de Contas, nos termos do art. 74, § 2º. In verbis.

Art. 74. Omissis.

(...)

§ 2º - Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima

para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal

de Contas da União. (grifo nosso)

No que diz respeito à obrigatoriedade de apurar ou não a irregularidade denunciada, a

regra é que a Administração designe o levantamento da ilegalidade cometida sob pena de

incidência em crime de condescendência criminosa42. A administração tem, portanto, “o

poder-dever de averiguar e punir os responsáveis em decorrência da sua sujeição ao princípio

da legalidade, ao qual não pode fazer sobrepor simples razões de oportunidade e

conveniência”.43

Além das aludidas modalidades de recursos administrativos, importante citar outro

dispositivo de fiscalização e controle social encontrado no art. 31, § 3º da CF, que estabelece

que as contas dos Municípios fiquem, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de

qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade.

Na seara judicial, a Constituição prevê ações específicas de controle da administração

pública, às quais a doutrina se refere com a denominação de remédios constitucionais.

Possuem fundamento no art. 5º, XXXV, da Constituição, segundo o qual “a lei não excluirá

da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

40 SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. A participação popular na Administração Pública: o direito de

reclamação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 173. 41 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 627. 42 Crime definido pelo Art. 320 do Código Penal. 43 DI PIETRO, ibidem, p. 628/629.

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Para Di Pietro44, os ditos remédios constitucionais possuem dupla natureza de direitos

e de garantias. São direitos em sentido instrumental, já que fundados no inciso XXXV do

artigo 5º, e são garantias porque objetivam resguardar outros direitos fundamentais (em

sentido material) previstos no mesmo artigo.

São remédios constitucionais o habeas corpus, o habeas data, o mandado de

segurança individual, o mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção, a ação

popular e o direito de petição; excluído o último, os demais são meios aptos a provocar o

controle jurisdicional de ato da Administração Pública.

Para Vanderlei Siraque45, a concretização do controle social acontecerá em dois

momentos. O primeiro se dará quando da análise jurídica de determinada norma estabelecida

pela Administração pública, ocorrendo verdadeiro exame de legalidade, ou seja, averiguação

de compatibilidade da dada norma com outras hierarquicamente superiores. O segundo

momento corresponde à fiscalização, exercida pelos cidadãos, da execução ou aplicação das

mencionadas normas ao caso concreto. A participação popular, de seu lado, “ocorre antes ou

durante o processo de decisão da Administração Pública”, ou seja, não se trata aqui de

restrição aos atos administrativos lesivos ao interesse individual ou coletivo, mas de atuação

direta na própria produção de tais atos. No entendimento de Siraque46,

Enquanto a participação popular colabora para a formação das normas jurídicas

estatais, a finalidade do controle social é outra, isto é, aproveitar as regras

previamente elaboradas para submeter o Estado a uma posição de submissão ao

cidadão controlador de seus atos.

O Ministro do STF, Carlos Ayres Britto47, evidencia as características próprias do

controle social que o diferenciam da participação na gestão. Vejamos:

Com efeito, seja qual for a maneira pela qual o controle se manifeste (denúncia,

representação, reclamação...), o objetivo do particular é simplesmente desfrutar de

uma situação jurídica ativa contra o Poder Público. Ele não quer formar

propriamente a vontade do Estado, mas impor ao Estado a vontade dele, particular,

que é a de penetrar na intimidade das repartições públicas para reconstruir fatos ou

apurar responsabilidades.

Ao contrário do que acontece no âmbito do controle, na participação popular “a

interferência dos particulares não é para saber das coisas passadas do Estado, não é para

44 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 649/650. 45 SIRAQUE, Vanderlei. Controle social da função administrativa do Estado: possibilidades e limites na

Constituição de 1988. Sao Paulo: Saraiva, 2005, p. 112. 46 Idem, ibidem, p. 100. 47 BRITTO, Carlos Ayres. Distinção entre “controle social do poder” e “participação popular”. In: Revista

de Direito Administrativo (RDA), Rio de Janeiro, nº 189, p. 114-122, jul./set., 1992, p. 116.

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questionar atos oficias já praticados, mas, isto sim, para formar um novo querer normativo de

índole política”.48

Em face do exposto, não há que se confundir a participação popular com o controle

social. A finalidade de quem realmente participa não é dar cumprimento a um comando

constitucional pré-estabelecido que obrigue o Estado a reparar seus erros, mas debater com

ele a produção de uma nova regra jurídica pública. Para Britto49, a participação é uma

emanação da soberania popular, e, consequentemente, poder. O controle social, de seu lado,

representa uma emanação da cidadania, ou da liberdade e, portanto, direito.

48 BRITTO, Carlos Ayres. Distinção entre “controle social do poder” e “participação popular”. In: Revista

de Direito Administrativo (RDA), Rio de Janeiro, nº 189, p. 114-122, jul./set., 1992, p. 121. 49 Idem, ibidem, p. 121.

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2. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

2.1 CONSTITUIÇÃO CIDADÃ

A atual Constituição Federal nasceu em meio a um dos períodos de maior

instabilidade política e social que já viveu o Brasil. Com o fim da ditadura militar – que durou

de 1964 a 1984 – tornou-se essencial o advento de uma nova Carta, pois a que vigorava a

época havia sido promulgada em 1967, ainda durante o regime ditatorial. Somente a

instituição de uma nova Lei Maior poderia completar o processo de redemocratização pelo

qual passava o país.50

O primeiro presidente da fase pós-regime militar, José Sarney, foi o responsável por

convocar a Assembleia Nacional Constituinte, por meio de emenda à constituição. Apenas a

título de esclarecimento, vale salientar que a EC n. 26 – enviada ao Congresso por Sarney –

constituiu, na verdade, um ato político, uma vez que seu objetivo não era alterar e manter a

Constituição vigente à época, mas destruí-la e criar uma nova51.

A Assembleia Nacional Constituinte, formada por 559 Deputados e Senadores eleitos

em 1986, instalou-se em 1º de fevereiro de 1987, somente finalizando os trabalhos em 05 de

outubro de 1988, com a promulgação da nova Constituição Federal. Segundo o ilustre Dirley

da Cunha Júnior52, “a Constituição de 1988 surge como esperança para o povo brasileiro,

suscitando no País um sentimento constitucional jamais visto antes”.

A Constituição Federal de 1988 é considerada até hoje a mais completa entre as sete

constituições que o Brasil já teve. Muitas foram as inovações trazidas pela nova carta, nos

mais diversos segmentos.

Em sua versão original, a Lei Maior de 1988 contava com 245 artigos, organizados em

nove títulos: princípios fundamentais, direitos e garantias fundamentais, organização do

estado, organização dos poderes, defesa do estado e das instituições democráticas, tributação e

orçamento, ordem econômica e financeira, ordem social e disposições gerais.

A mudança mais significativa trazida pela sétima constituição federal foi a que se deu

no campo social, mais especificamente nas garantias de acesso à cidadania. Por esse motivo, a

50 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 88/89. 51 Idem. Curso de direito constitucional positivo. 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 87. 52 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 4 ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2010, p.

502.

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Carta de 1988 recebeu de Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional

Constituinte, o apelido de “Constituição Cidadã”.

Logo em seu primeiro artigo, a Carta Cidadã53 informa as principais características do

novo Estado brasileiro:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de

Direito e tem como fundamentos:

(...)

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Trata-se, portanto, de uma federação, cujo governo é do tipo republicano e que optou

pelo regime político democrático; constituindo, ainda, um Estado de Direito54.

2.2 CONSTITUIÇÃO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

É clara a escolha da Constituição de 1988 pelo regime democrático. O Estado

Democrático de direito é mencionado tanto em seu preâmbulo como no caput de seu primeiro

artigo.

Além da Constituição brasileira, o Estado democrático de Direito está consagrado nos

artigos inaugurais das Leis Fundamentais de diversos países pelo mundo, tais como Espanha,

França, Índia, Itália e Portugal55. O Estado Democrático de Direito corresponde à junção de

dois princípios fundamentais: o Estado de Direito e o Estado Democrático. No entanto, não se

trata da simples junção formal dos elementos de cada um dos princípios, já que é originado

um novo conceito, superior a uma mera unificação de definições56.

2.2.1 Do Estado de Direito

O surgimento do Estado de Direito está associado ao esforço despendido pela classe

burguesa em oposição ao regime absolutista que prevaleceu durante boa parte do século

XVIII. O ideal defendido era o da submissão de tudo e todos, cidadãos e governantes, aos

53 BRASIL, Constituição Federal de 1988. In: SENADO FEDERAL. Legislação Republicana Brasileira.

Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso

em: 10/02/2014. 54 PAULO Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo; Direito Constitucional Descomplicado. São Paulo:

MÉTODO, 2011, p. 91. 55 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

direito constitucional. 2. ed. ver. e atual. São Paulo : Saraiva, 2008, p. 149. 56 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 112.

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ditames da lei; separação entre Executivo, legislativo e judiciário e a declaração dos direitos

individuais57.

Trata-se, em verdade, de um Estado de caráter liberal, pois com o triunfo burguês

sobre as classes outrora privilegiadas, há o abandono do antigo Estado de Polícia, em que

todas as atividades do povo eram rigidamente reguladas pelo Estado, e o advento de um

verdadeiro Estado abstencionista, limitado à defesa da ordem e segurança públicas. O campo

econômico e social agora é responsabilidade de cada indivíduo58.

Segundo Bobbio59, o Estado de Direito é marcado pela ênfase no cidadão. Esse

Estado, ao contrário dos antigos modelos despótico e absoluto, não prioriza asseverar os

deveres do cidadão, mas seus direitos.

No Estado despótico, o indivíduo só tem deveres, e não direitos. No Estado

absoluto, os indivíduos possuem, em relação ao soberano, direitos privados. No

Estado de Direito, o indivíduo tem não só direitos privados, mas também direitos

públicos. O Estado de Direito é o Estado de cidadãos.

No entanto, como bem registra Dirley da Cunha Júnior60, a concepção de Estado de

Direito acaba por reduzir-se à ideia de que o importante seria apenas a limitação do Estado

pela lei, crua, tida apenas como o resultado da produção do poder legislativo, pouco

importando seu caráter valorativo. Desta forma, qualquer Estado que possuísse um aparato

legal e a ele se subordinasse, independentemente de seu conteúdo axiológico, possuía o status

de Estado de Direito.

2.2.2 Do Estado Social de Direito

No Estado de Direito, nos deparamos com um contrassenso, pois de um lado há

igualdade política, do outro, desigualdade social. O Estado Social de Direito nasce como uma

forma de corrigir o individualismo existente no modelo antecessor. Há o abandono da

neutralidade do Estado e consequente preocupação com os direitos sociais. A lei continua a

ser o fundamento do Estado, mas agora existe forte preocupação com seu conteúdo. O Estado

Social de Direito visa o desenvolvimento de políticas de promoção do bem-estar social,

capazes de concretizar a igualdade entre os cidadãos. Vale destacar que o Estado Social não

57 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2010, p.

512. 58 NOVELINO, Marcelo; Direito Constitucional. 4 ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:

MÉTODO, 2010, p. 325. 59 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro, Editora Campus, 2004, p. 78. 60 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Ibidem, p. 512.

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se confunde com o Estado Socialista idealizado por Marx, já que aquele adota o sistema

capitalista para reger sua economia61.

Esse mesmo Estado Social de Direito, fomentador do bem-estar social, foi responsável

pelo advento de governos tiranos sanguinolentos. A Alemanha nazista de Hitler, a Itália

fascista de Mussolini, a Espanha de Francisco Franco, Portugal de Salazar e Marcello

Caetano, são exemplos de regimes arbitrários fundados com base no Estado Social.

Sobre os motivos que levaram à decadência dos Estados de Direito e Social de Direito,

e projetaram a implantação do Estado Democrático de Direito, aduz José Afonso da Silva62:

(...) a igualdade do Estado de Direito, na concepção clássica, se funda num elemento

puramente formal e abstrato, qual seja a generalidade das leis. Não tem base material

que se realize na vida concreta. A tentativa de corrigir isso, como vimos, foi a

construção do Estado Social de Direito, que, no entanto, não foi capaz de assegurar a

justiça social nem a autêntica participação democrática do povo no processo

político.

2.2.3 Do Estado Democrático de Direito

A Democracia realizada pelo Estado Democrático de Direito visa instituir uma

sociedade livre, justa e solidária, onde o poder é do povo e em seu proveito deve ser exercido;

participativa, pois deve haver participação do povo nas decisões e atos de governo; pluralista,

pregando pelo respeito à pluralidade de ideias, culturas e etnias.

Sobre Estado Democrático de Direito, vejamos a conceituação trazida por Inocêncio

Mártires Coelho63:

(...) entende-se como Estado Democrático de Direito a organização política em que o

poder emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de representantes,

escolhidos em eleições livre e periódicas, mediante sufrágio universal e voto direto e

secreto, para o exercício de mandatos periódicos, como proclama, entre outras, a

Constituição brasileira. Mais ainda, já agora no plano das relações concretas entre o

Poder e o indivíduo, considera-se democrático aquele Estado de Direito que se

empenha em assegurar aos seus cidadãos o exercício efetivo não somente dos

direitos civis e políticos, mas também e, sobretudo dos direitos econômicos, sociais

e culturais, sem os quais de nada valeria a solene proclamação daqueles direitos.

Nascido para superar os modelos antecessores, o Estado Democrático de Direito,

consagrado pela Constituição Federal de 1988, traz como princípios essenciais a soberania

popular e os direitos fundamentais da pessoa humana.

61 NOVELINO, Marcelo; Direito Constitucional. 4 ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:

MÉTODO, 2010, p. 330. 62 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 118. 63 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

direito constitucional. 2. Ed. Ver. E atual. São Paulo : Saraiva, 2008, p. 149.

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O Estado Democrático de Direito é tratado por Inocêncio64 como “superconceito”, do

qual se podem extrair diversos outros princípios, tais como o da separação dos poderes, o do

pluralismo político, o da isonomia e até mesmo aquele tido como “princípio dos princípios”, o

da dignidade da pessoa humana.

Marcelo Novelino65 denomina-o Estado Constitucional Democrático com o intuito de

acentuar “a mudança de paradigma, de ‘império da lei’ (Estado de direito) para ‘força

normativa da Constituição’ (Estado constitucional)”. Dirley da Cunha66 reforça esse

entendimento, atribuindo ao Estado Democrático de Direito o caráter de “Estado

Constitucional submetido à Constituição e aos valores humanos nela consagrados”.

2.2.4 Soberania popular

O princípio da soberania popular é a base em que se funda o Estado Democrático de

Direito.

Segundo Dirley67, “o Estado Democrático se assenta no pilar da soberania popular,

pois a base do conceito de Democracia está ligada à noção de governo do povo, pelo povo e

para o povo”.

Em seu parágrafo único, o art. 1º da Constituição reforça o princípio democrático em

que se alicerça a Constituição, consagrando a ideia de soberania popular. Nas palavras de

Uadi Lammêgo Bulo68, “soberania popular é a qualidade máxima do poder extraída da soma

dos atributos de cada membro da sociedade estatal, encarregado de escolher os seus

representantes no governo através do sufrágio universal e do voto direto, secreto e

igualitário”.

O poder é do povo, dele emana e a ele pertence. O exercício desse poder poderá dar-se

de modo indireto, através dos representantes eleitos – democracia indireta –, ou diretamente

pelo povo, através dos mais variados instrumentos. A respeito das formas de exercício do

poder, doutrina Dirley da Cunha Júnior69:

64 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

direito constitucional. 2. Ed. Ver. E atual. São Paulo : Saraiva, 2008, p. 149. 65 NOVELINO, Marcelo; Direito Constitucional. 4 ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro : Forense; São Paulo :

MÉTODO, 2010, p. 331. 66 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2010, p.

513. 67 CUNHA JÚNIOR. Ibidem, p. 512. 68 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 9. Ed. Ver. E atual. Até a Emenda Constitucional n.

57/2008. São Paulo : Saraiva, 2009. Pág. 494 69 CUNHA JÚNIOR. Ibidem, p. 513.

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Quando a constituição afirma que o povo exerce o seu poder por meio de

representantes eleitos, ela explicita a Democracia representativa; contudo, quando

indica que o povo exerce o seu poder diretamente, ela exprime a Democracia direta.

Da conjugação da Democracia representativa e Democracia direta temos um modelo

misto de Democracia semidireta, que nada mais é senão uma Democracia

representativa com alguns institutos ou mecanismos de participação direta do povo

na formação da vontade política nacional. Da Democracia semidireta se desenvolve

a chamada Democracia participativa.

A democracia representativa é responsável por regular a participação popular no

processo político de escolha daqueles que irão exercer o poder. Em sua obra, José Afonso da

Silva70 explica que “na democracia representativa a participação popular é indireta, periódica

e formal, por via das instituições eleitorais que visam a disciplinar as técnicas de escolha dos

representantes do povo”.

A democracia participativa, fruto da união da democracia direita e indireta, é o pilar

essencial do Estado Democrático de Direito e a concretização do princípio da soberania

popular. No texto constitucional, podem ser encontradas diversas previsões de participação

direta do cidadão na administração pública.

Em face de tudo que foi exposto até o momento, pode-se inferir que o próprio direito de

participação popular constitui direito fundamental constitucional, concretizado pelo Estado

Democrático de Direito. Nas palavras de Adriana Schier71:

Desde logo é possível afirmar que o direito de participação é um direito fundamental

definido em normas constitucionais que decorrem diretamente do princípio do

Estado de Direito e do princípio Democrático. Portanto, concretiza o Estado

Democrático de Direito, princípio estruturante da República Federativa do Brasil,

conforme a fórmula prevista no art. 1º, caput, da Constituição Federal de 1988. Dada

a sua natureza, submete-se ao regime dos direitos fundamentais.

Desta feita, tamanha revela-se a importância do princípio fundamental da participação

popular. Fica a cargo da Constituição garantir-lhe efetividade, quando não de maneira

expressa, de modo a permitir ao ordenamento infraconstitucional que o faça.

2.3 DIREITO POLÍTICOS

Os direitos políticos constituem grande triunfo da sociedade, conquistado a duras

penas. Apesar de vários Estados e Impérios, ao longo da história, terem contado com alguma

forma de governo “representativo”, a escolha das lideranças nem sempre coube a todos, mas a

70 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 137. 71 SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. A participação popular na Administração Pública: o direito de

reclamação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 27.

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uma minoria privilegiada, detentora de riquezas e poder. A Revolução francesa foi a

responsável pelo questionamento sobre a igualdade dos indivíduos e seu direito de interceder,

por meio de suas opiniões, nas decisões do Estado.

A democracia representativa desenvolveu vários procedimentos voltados à realização

da escolha dos mandatários do povo. Alguns desses procedimentos foram convertidos em

regras, mais tarde positivadas e transformadas em normas. O amadurecimento do direito

democrático representativo, onde a participação do povo no governo é materializada por seus

representantes, demandou a uniformização de um aparato legal, que recebeu a denominação

de direitos políticos.72

No caso específico do Brasil, a evolução se deu gradativamente. De início, na Primeira

República, somente uma restrita parcela da população possuía capacidade eleitoral. Com o

fim da chamada “República Velha”, em meados de 1930, houve uma significativa ampliação

na quantidade de indivíduos com direito a voto. No entanto, com o advento do Estado Novo

de Getúlio Vargas, deu-se início a um período turbulento em que não foram sequer realizadas

eleições. Em seguida, com uma nova Constituição, o país atravessou o chamado período

democrático, onde houve clara extensão do poder participativo da população, que agora podia

votar e se organizar em partidos. A tranquilidade política pela qual passava o Brasil foi

abalada pelo Golpe Militar de 1964 e só voltou a vigorar com a chegada da Constituição

Federal de 1988.

Os direitos políticos, consagrados no capítulo IV do título II73 da Carta Fundamental,

podem ser vistos como um aglomerado de regras responsáveis por disciplinar o efetivo

exercício da soberania popular. Desta forma, constituem um conjunto de normas que irão

regular a “participação dos indivíduos (cidadãos) nos processos de poder, ou seja, nas

tomadas de decisões que envolvem a vida pública do Estado e da sociedade”.74

A expressão direitos políticos, em sentido lato, expõe o direito de participar do

processo político, visto como um todo. Já em sentido estrito, tal como empregado pela

Constituição, representa o conjunto de regras concernentes ao processo eleitoral.

72 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 343. 73 O título II é dedicado à abordagem dos Direitos e Garantias Fundamentais garantidos pela Carta Magna de 88. 74 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

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2.3.1 Sufrágio universal

O sufrágio universal, adotado pela Lei Maior como uma das formas de exercício da

soberania popular, representa o fundamento dos direitos políticos e indica, em síntese, o

direito de votar e ser votado.

Sufrágio, do latim sufragium, significa aprovação, apoio75. Para José Afonso da

Silva76, “constitui a instituição fundamental da democracia representativa e é pelo seu

exercício que o eleitorado, instrumento técnico do povo, outorga legitimidade aos

governantes”.

Embora sejam comumente empregadas como sinônimos, as palavras sufrágio e voto

possuem significados diferentes. A própria Constituição Federal acentua esta disparidade. O

sufrágio é qualificado como universal, já o voto é direto, secreto e tem valor igual. Escrutínio

é outro termo usualmente confundido com sufrágio e voto. A confusão é justificada pelo fato

de todos os três termos estarem inseridos no processo de participação popular, significando,

respectivamente: o direito (sufrágio), o exercício (voto) e o modo de exercício (escrutínio).77

Sobre o tema, contribui Marcelo Novelino78:

O direito de sufrágio é a própria essência do direito político, expressando-se pela

capacidade de eleger, ser eleito e, de uma forma geral, participar da vida política do

Estado. O sufrágio é o direito em si. Não se confunde com o voto, que é o exercício

do direito, nem o escrutínio, o modo como o exercício se realiza. A constituição

consagra, como cláusula pétrea o sufrágio universal, o voto direto e o escrutínio

secreto (CF, art. 60, § 4.º, II).

O regime político adotado pelo Estado irá definir a forma como se exercerá o sufrágio.

O sufrágio universal, adotado pelos regimes democráticos, caracteriza-se pelo fato de todo

cidadão ter a possibilidade de votar e ser votado, independentemente de qualquer tipo de

distinção: social, econômica, quanto ao sexo ou à capacidade intelectual. A Constituição de

88 claramente adotou esse modelo.79

Em contrapartida, o sufrágio restrito, em que apenas determinados indivíduos, que

atendam certas condições, poderão participar da vida política. As limitações podem ser

determinadas pela condição econômica (censitário), capacidade especial, de natureza

75 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 9. Ed. rev. E atual. Até a Emenda Constitucional n.

57/2008. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 494. 76 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, pág. 348. 77 Idem, ibidem, p. 348. 78 NOVELINO, Marcelo; Direito Constitucional. 4 ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro : Forense; São Paulo :

MÉTODO, 2010, p. 494. 79 Idem, ibidem, p. 494.

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intelectual (capacitário), ou, em razão do sexo. Marcelo Novelino80 salienta que a existência

de condições como o regular alistamento eleitoral, a nacionalidade brasileira e a idade mínima

de 18 anos – ou 16 anos, facultativamente – não afastam o caráter universal do sufrágio.

O direito de sufrágio pode ser dividido em duas modalidades, uma ativa e outra

passiva. A capacidade eleitoral ativa representa o direito de votar em eleições, plebiscitos ou

referendos, de alistar-se como eleitor (alistabilidade). A capacidade eleitoral passiva é o

direito de ser votado, de candidatar-se a cargo político (elegibilidade).81 Tanto numa como

noutra, deverão ser preenchidos certos requisitos previstos constitucionalmente.

Os direitos de participação assegurados aos cidadãos, também conhecidos como

direitos de cidadania, derivados do princípio democrático, são adquiridos por meio do

alistamento eleitoral. O alistamento é o registro do indivíduo como eleitor, realizado junto à

Justiça Eleitoral. Só será considerado cidadão, no sentido estrito trazido pela Constituição,

aquele dotado do “atributo político decorrente do direito de participar no governo e direito de

ser ouvido pela representação política”.82 Ou seja, para a Carta Fundamental, cidadão é o

brasileiro eleitor.

De um ponto de vista formal, de acordo com a Constituição, a nacionalidade

apresenta-se como pressuposto da cidadania. Todo aquele considerado nacional, nato ou

naturalizado, participante da vida do Estado e em pleno gozo de seus direitos políticos, é

reputado cidadão. Portanto, podemos logicamente afirmar que todo cidadão é necessariamente

um nacional, mas nem todo nacional é cidadão, tal como aquele privado de seus direitos

políticos.83

2.3.2 Iniciativa popular

A iniciativa popular, prevista, em âmbito federal, pelos artigos 14, III e 61, §2º, da

Carta Maior, consiste na proposição de determinado projeto de cunho popular perante a

Câmara dos Deputados, com objetivo de conversão em lei. Um de seus requisitos formais

consiste na necessidade de o projeto ter sido subscrito por, no mínimo, um por cento do

eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com, ao menos, três décimos

por cento dos eleitores de cada um deles.

80 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4 ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro : Forense; São Paulo :

MÉTODO, 2010, p. 494. 81 PAULO Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo; Direito Constitucional Descomplicado. São Paulo:

MÉTODO, 2011, p. 267. 82 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, pág. 345. 83 NOVELINO, Marcelo. Ibidem, pág. 494.

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De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)84, em 2012 o número de eleitores

do Brasil foi de 140.646.446, ou seja, naquele ano, para que se pudesse levar um projeto de lei

de iniciativa popular para apreciação na Câmara dos Deputados, seriam necessárias,

aproximadamente, 2,1 milhão de assinaturas, no mínimo.

O projeto de lei fruto da iniciativa popular deverá circunscrever-se a um só assunto,

conforme preceitua o Art. 13, §1º da Lei nº 9.709/9885. Além disso, segundo o Art. 252, IX,

da Resolução nº 17 de 198986, que aprova o regimento interno da câmara dos deputados, não

poderá o projeto ser rejeitado por vício de forma, estando a cargo da Câmara dos Deputados,

mais especificamente da Comissão de Constituição e Justiça, providenciar a correção de

eventuais lapsos ou imperfeições de técnica legislativa.

O instrumento da iniciativa popular aparentava ser, à primeira vista, a “arma” que o

povo precisava para intervir no legislativo, dar seu toque no aparato legal do Estado. No

entanto, na prática, os projetos deparam-se com um protocolo exacerbado, que embaraça sua

concretização. Além dos requisitos suso mencionados, que já são de difícil obtenção, o Art.

252 da Resolução nº 17 de 198987, ainda lhes acrescenta uma série de formalidades:

Art. 252. A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos

Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um centésimo do eleitorado

nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três

milésimos dos eleitores de cada um deles, obedecidas as seguintes condições:

I - a assinatura de cada eleitor deverá ser acompanhada de seu nome completo e

legível, endereço e dados identificadores de seu título eleitoral;

II - as listas de assinatura serão organizadas por Município e por Estado, Território e

Distrito Federal, em formulário padronizado pela Mesa da Câmara;

III - será lícito a entidade da sociedade civil patrocinar a apresentação de projeto de

lei de iniciativa popular, responsabilizando-se inclusive pela coleta das assinaturas;

IV - o projeto será instruído com documento hábil da Justiça Eleitoral quanto ao

contingente de eleitores alistados em cada Unidade da Federação, aceitando-se, para

esse fim, os dados referentes ao ano anterior, se não disponíveis outros mais

recentes;

84 Disponível em: <http://www.tse.jus.br/hotSites/estatistica2012/estatistica-

eleitorado/quantitativo/eleitorado.html>. Acesso em: 01 de outubro de 2013. 85 BRASIL, Lei nº 9.709, de 18 de Novembro de 1998. Regulamenta a execução do disposto nos incisos I, II e III

do art. 14 da Constituição Federal. In SENADO FEDERAL. Legislação Republicana Brasileira. Brasília, 1998.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9709.htm>. Acesso em: 10 out. 2013. 86 BRASIL, Resolução nº 17, de 1989. Aprova o Regimento Interno da Câmara dos Deputados. In CÂMARA

FEDERAL. Legislação Republicana Brasileira. Brasília, 1998. Disponível em:

<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/rescad/1989/resolucaodacamaradosdeputados-17-21-setembro-1989-

320110-normaatualizada-pl.html>. Acesso em: 10 out. 2013. 87 BRASIL, Resolução nº 17, de 1989. Aprova o Regimento Interno da Câmara dos Deputados. In: CÂMARA

FEDERAL. Legislação Republicana Brasileira. Brasília, 1998. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/internet/legislacao/regimento_interno/RIpdf/RegInterno.pdf>. Acesso em: 10 out.

2013

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V - o projeto será protocolizado perante a Secretaria-Geral da Mesa, que verificará

se foram cumpridas as exigências constitucionais para sua apresentação;

VI - o projeto de lei de iniciativa popular terá a mesma tramitação dos demais,

integrando a numeração geral das proposições;

Desde 1988, quando o direito de apresentar projetos de lei de iniciativa popular foi

garantido pela Constituição Cidadã, o Congresso Nacional transformou em norma apenas

quatro propostas elaboradas pela sociedade, sendo a mais recente delas a que criou a Lei

Complementar nº. 135 de 201088, a famosa Lei da Ficha Limpa. O projeto, que pretendia

impedir a candidatura de políticos condenados por órgãos colegiados da justiça, tramitou

durante cerca de oito meses até finalmente ser aprovado pelo Congresso Nacional e

sancionado pelo então presidente da República, Luis Inácio “Lula” da Silva.

Dentre os quatro projetos de iniciativa popular convertidos em lei, aquele de trâmite

mais rápido, foi o que visava tornar a compra de votos crime passível de cassação de

mandato. O projeto, apresentado em agosto de 1999, foi sancionado no mês seguinte,

originando a Lei 9.840, de 28 de setembro de 1999. Assim como existiria mais tarde no

projeto Ficha Limpa, houve aqui forte mobilização por parte da Ordem dos Advogados do

Brasil (OAB) e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), apoio determinante

para a celeridade da conversão do projeto em lei.

A Lei 8.93089 foi a primeira nascida de um projeto de iniciativa popular. A norma

publicada em 7 de setembro de 1994, seis anos após o advento da Constituição Cidadã,

incluiu o homicídio, quando realizado por esquadrão da morte, no rol dos crimes considerados

hediondos.

O penúltimo projeto de cunho popular convertido em Lei pelo Congresso Nacional foi

o que acarretou, após massivo apoio do Movimento Popular por Moradia (MPM), na criação

do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, normatizado pela Lei 11.124, de 16 de

Junho de 2005. Este projeto, dentre os quatro, foi o que mais tempo tramitou no parlamento:

88 BRASIL, Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010. Altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio

de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade,

prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a

proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato. In: SENADO FEDERAL.

Legislação Republicana Brasileira. Brasília, 2010. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp135.htm>. Acesso em: 10 out. 2013. 89 BRASIL, Lei nº 8.930, de 06 de setembro de 1994. Dá nova redação ao art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho

de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5o, inciso XLIII, da Constituição Federal, e

determina outras providências. In: SENADO FEDERAL. Legislação Republicana Brasileira. Brasília, 1994.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8930.html>. Acesso em: 10 out. 2013

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13 anos. Segundo o Art. 252, VI, do Regimento Interno da Câmara90, “o projeto de lei de

iniciativa popular terá a mesma tramitação dos demais, integrando a numeração geral das

proposições”. Malgrado terem nascido pela iniciativa popular, originados pelo clamor social,

na prática, os projetos precisaram ser acolhidos por algum deputado, ou até mesmo pelo

Presidente da República, para que pudessem tramitar no Congresso, pois o próprio Legislativo

não tem condições de conferir o número de assinaturas e títulos exigidos. Apesar de não

serem realmente processados como um projeto de iniciativa popular, o fato de terem sido

emanados no seio da sociedade tem caráter simbólico relevante, uma vez que contaram com

apoio expresso de parcela significativa da população.

Em seu Art. 29, XIII, o texto constitucional prevê a iniciativa popular de projetos de lei

de interesse do Município, da cidade ou de bairros, estipulando como requisito a manifestação

de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado; a adoção ficará a cargo da lei orgânica de cada

municipalidade. Já no âmbito estadual, de acordo com o Art. 27, § 4º, a iniciativa popular será

regulada por lei.

2.3.3 Plebiscito e Referendo

Plebiscito e referendo são instrumentos de participação popular com características em

comum. Inicialmente, ambos são formas de exercício da soberania popular, conforme atesta o

art. 14, I e II da CF91. Ademais, de acordo com o art. 2º da lei 9.709/9892, plebiscito e

referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada

relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.

A diferença entre os dois dispositivos reside no momento em que a “consulta

formulada ao povo” irá ocorrer. O plebiscito será convocado antes do ato legislativo ou

administrativo ser executado. Uma vez convocado, caberá ao povo, mediante voto, a

aprovação ou denegação do ato a ele submetido. No caso do referendo, o chamamento da

90 BRASIL, Resolução nº 17, de 1989. Aprova o Regimento Interno da Câmara dos Deputados. In CÂMARA

FEDERAL. Legislação Republicana Brasileira. Brasília, 1998. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/internet/legislacao/regimento_interno/RIpdf/RegInterno.pdf> Acesso em: 10 out.

2013. 91 Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual

para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I - plebiscito;

II - referendo;

(...) 92 BRASIL, Lei nº 9.709, de 18 de Novembro de 1998. Regulamenta a execução do disposto nos incisos I, II e III

do art. 14 da Constituição Federal. In SENADO FEDERAL. Legislação Republicana Brasileira. Brasília, 1998.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9709.htm> Acesso em: 10 out. 2013.

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população ocorrerá posteriormente ao ato legislativo ou administrativo. Quando o referendo é

convocado, o ato já foi executado, cabendo ao povo apenas ratificá-lo ou rejeitá-lo93.

As consultas deverão ser convocadas nos termos da lei 9.709/98. O plebiscito ou

referendo será considerado aprovado ou rejeitado por maioria simples, ou seja, metade dos

votos mais um, de acordo com o resultado homologado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Como regra geral, conforme os ditames do art. 49, XV, da CF/8894, é competência

exclusiva do Congresso Nacional autorizar referendo e convocar plebiscito.

De acordo com o art. 3º da lei 9.709/98, nas questões de relevância nacional, de

competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, e no caso do §3º do art. 18 da

Constituição, que trata da incorporação, subdivisão ou desmembramento dos estados-

membros, o plebiscito e o referendo serão convocados por decreto legislativo, por proposta

de 1/3, no mínimo, dos membros de qualquer das casas do Congresso Nacional.

Nas demais questões – que não possuam relevância nacional – de competência dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o plebiscito e o referendo serão convocados de

acordo com os ditames das respectivas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas (Art. 6º da

lei 9.709/98).

.5.2.1 Plebiscitos para formação de estados e municípios

O plebiscito poderá ser convocado em situações específicas, ou seja, já delineadas pelo

legislador constituinte, como é o caso da possibilidade de alteração da estrutura territorial

interna dos estados-membros e dos municípios.

A Constituição Federal95, em seu art. 18, § 3º, prescreve que os estados podem

incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou

formarem novos estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população

diretamente interessada, por plebiscito, e do Congresso Nacional, pela edição de lei

complementar.

93 LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 13. Ed. rev. Atual. E ampl. São Paulo: Saraiva, 2009,

pág. 16. 94 BRASIL, Constituição Federal de 1988. In: SENADO FEDERAL. Legislação Republicana Brasileira.

Brasília, 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso

em: 10 out. 2013. 95 BRASIL, Constituição Federal de 1988. In: SENADO FEDERAL. Legislação Republicana Brasileira.

Brasília, 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso

em: 10 out. 2013.

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Por força do art. 48, VI, o Congresso Nacional deverá ouvir as Assembleias

Legislativas dos estados envolvidos. Tal consulta, no entanto, terá função meramente

opinativa, pois em nenhum caso – opinião negativa ou positiva – obrigará a aprovação de lei

complementar pelo Congresso96.

Para que possa ocorrer alteração na estrutura territorial interna dos estados, é

obrigatória a consulta prévia às populações interessadas por meio de plebiscito. A consulta

ulterior, por meio de referendo, resta vedada, ainda que prevista por Constituição Estadual97.

No caso dos Municípios, sua criação, incorporação, fusão ou desmembramento, far-se-

á por lei estadual e não por lei complementar, como é no caso dos estados. Aqui, lei

complementar federal será responsável por determinar o período em que poderá haver a

mudança territorial do Município, que dependerá, obrigatoriamente, assim como no caso dos

estados, de consulta prévia, por meio de plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos,

conforme os ditames do Art. 18, §4º, da Lei Maior98.

Fugindo à regra do art. 49, XV, CF99, o plebiscito destinado à mudança da estrutura

territorial de Municípios, será convocado pela Assembleia Legislativa, conforme legislação

federal e estadual (Art. 6º da lei nº 9.709/98).

De acordo com o art. 7º da lei nº 9.709/98100, entende-se por população diretamente

interessada tanto a do território que se pretende desmembrar, quanto a do que sofrerá

desmembramento. Nos casos que envolverem fusão ou anexação, tanto a população da área

que se quer anexar quanto a da que receberá o acréscimo serão tidas como interessadas. Ou

seja, terão direito a opinar todas as pessoas afetadas diretamente pela mudança territorial do

Estado.

Seja qual for o procedimento almejado – incorporação, subdivisão ou

desmembramento, no caso dos estados, ou incorporação, a fusão e o desmembramento, no

caso dos municípios –, o plebiscito apresentará papel vinculante para sua concretização. Se o

96 PAULO Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. São Paulo:

MÉTODO, 2011, p. 320. 97 Idem, Ibidem, p. 319. 98 BRASIL, Lei nº 9.709, de 18 de Novembro de 1998. Regulamenta a execução do disposto nos incisos I, II e III

do art. 14 da Constituição Federal. In SENADO FEDERAL. Legislação Republicana Brasileira. Brasília, 1998.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9709.htm> Acesso em: 10 out. 2013. 99 Segundo o Art. 49, XV, da Constituição Federal, é da competência exclusiva do Congresso Nacional autorizar

referendo e convocar plebiscito. 100 BRASIL, Lei nº 9.709, de 18 de Novembro de 1998. Regulamenta a execução do disposto nos incisos I, II e

III do art. 14 da Constituição Federal. In SENADO FEDERAL. Legislação Republicana Brasileira. Brasília,

1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9709.htm> Acesso em: 10 out. 2013.

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resultado do plebiscito for desfavorável, o procedimento não poderá ocorrer, uma vez que a

aprovação das populações interessadas constitui condição indispensável para a modificação

territorial. No entanto, restando favorável o resultado, no caso dos estados, caberá ao

Congresso Nacional, soberanamente, decidir pela aprovação ou não da lei complementar. Ou

seja, caso haja denegação do procedimento pela população interessada, encerra-se ai seu

projeto, não sendo necessária apreciação por parte do Congresso. No entanto, caso a resposta

ao plebiscito seja no sentido de admitir o procedimento, o Congresso não restará obrigado a

aprovar lei complementar para sua formalização101.

101 PAULO Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. São Paulo:

MÉTODO, 2011, p. 320.

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3. A EFETIVIDADE DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

3.1 INSTRUMENTOS DE EFETIVAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

Como foi visto, a participação popular constitui verdadeiro direito fundamental

garantido constitucionalmente. Para atestar efetividade a este direito, a Carta Maior previu

expressamente alguns instrumentos, como os já comentados - plebiscito, referendo e iniciativa

popular -, e deu abertura e amparo para que o ordenamento infraconstitucional se

encarregasse da produção de vários outros.

Sobre a necessidade da criação de novos mecanismos, comenta Adriana Schier102:

O Estado Social e Democrático de Direito, para sua efetivação como um Estado

direcionado ao respeito da dignidade da pessoa humana em todas as suas dimensões

demanda um aperfeiçoamento da democracia, sendo necessária a criação de

mecanismos que permitam ao cidadão participar diretamente da gestão da coisa

pública.

Perez103, por sua vez, responsabiliza-se por nos trazer uma definição para os

instrumentos participativos, chamados por ele de “institutos jurídicos de participação popular

na administração pública”. Vejamos:

(...) podemos definir os institutos jurídicos de participação popular na

Administração, em traços gerais, como instrumentos legalmente previstos que

possibilitem aos administrados, diretamente, ou através de representantes escolhidos

especificamente para este fim, tomar parte na deliberação, na execução ou no

controle das atividades desenvolvidas pela Administração Publica, com o objetivo

de tornar mais eficiente a atuação administrativa e dar efetividade aos direitos

fundamentais, por meio da colaboração entre a sociedade e a Administração, da

busca de adesão, do consentimento e do consenso dos administrados e, afinal, da

abertura e transparência dos processos decisórios.

Poderíamos comentar sucintamente sobre os diversos instrumentos de participação

popular disponíveis no ordenamento jurídico e administrativo brasileiro, no entanto, optou-se

aqui por tratar de maneira um pouco mais detalhada, mas não exaustiva, de apenas quatro

instrumentos, escolhidos por sua importância e capacidade real de oferecer efetividade à

participação.

3.1.1 Orçamento participativo

O Estado é responsável pelo planejamento e gestão das finanças públicas, sendo sua

missão precípua a correta aplicação das verbas, com vistas à persecução do bem-estar da

população. Nesse passo, necessita delimitar e regular seu numerário, utilizando, para isso, um

102 SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. A participação popular na Administração Pública: o direito de

reclamação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 237. 103 PEREZ, Marcos Augusto. A administração pública democrática. Belo Horizonte: Forum, 2004, p. 96.

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instrumento intitulado orçamento público. Nele estão documentadas as atividades financeiras

do Estado, toda sua receita e o cálculo das despesas a serem despendidas para o regular

funcionamento dos serviços públicos e demais atividades planejadas pelo governo104.

A Carta Magna de 1988 reserva a seção II de seu capítulo II para dispor sobre o ciclo

orçamentário, que consiste no conjunto de etapas responsáveis pela elaboração e execução do

orçamento público.

O art. 2º da Lei nº 4.320/64105 – que estatui normas gerais de direito financeiro para

elaboração e controle dos orçamentos de todos os entes federativos –, define o conteúdo do

orçamento público. In verbis.

Art. 2° A Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa de forma a

evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do Governo,

obedecidos os princípios de unidade universalidade e anualidade.

Para José Afonso da Silva106, o orçamento é muito mais do que mera previsão de

receita e fixação de despesa,

É uma peça de governo muito mais complexa do que isso, porque é o processo e

conjunto integrado de documentos pelos quais se elaboram, se expressam, se

aprovam, se executam e se avaliam os planos e programas de obras, serviços e

encargos governamentais, com estimativa da receita e fixação das despesas de cada

exercício financeiro.

Sobre a temática, vejamos a conclusão de Uâdi Lammêgo Bulos107:

Desse modo, o orçamento é o instituto de caráter jurídico, governamental,

econômico e técnico, traduzido numa lei, cuja responsabilidade é programar,

planejar e aprovar obras e despesas, os processos estatísticos para cálculo

aproximado dos gastos e das compensações, apresentação gráfica e contábil do

documento orçamentário etc.

O orçamento é, segundo o art. 165, III, da Constituição Federal108, estabelecido por

uma lei de iniciativa do poder executivo, intitulada lei orçamentária anual (art. 165, §5º), ou

simplesmente LOA.

104 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 9. Ed. rev. E atual. Até a Emenda Constitucional n.

57/2008. São Paulo : Saraiva, 2009, pág. 1236. 105 BRASIL, Lei nº 4.320, de 17 de Março de 1964. Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração

e contrôle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. In SENADO

FEDERAL. Legislação Republicana Brasileira. Brasília, 1964. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4320.htm> Acesso em: 12 nov. 2013. 106 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, pág. 714. 107 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 9. Ed. rev. E atual. Até a Emenda Constitucional n.

57/2008. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 1237. 108 BRASIL, Constituição Federal de 1988. In: SENADO FEDERAL. Legislação Republicana Brasileira.

Brasília, 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso

em: 10 out. 2013.

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Duas outras leis de caráter orçamentário auxiliarão a confecção da LOA, são elas o

plano plurianual (PPA) e a lei de diretrizes orçamentárias (LDO). Vejamos o que diz o já

mencionado art. 165 da Constituição Federal, em seus dois primeiros parágrafos. In Verbis.

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais.

§ 1º - A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as

diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de

capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração

continuada.

§ 2º - A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da

administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício

financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá

sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das

agências financeiras oficiais de fomento.

As leis orçamentárias são instrumentos integrados de planejamento governamental. O

Plano Plurianual constitui verdadeiro planejamento estratégico, estabelecendo o que se “quer

fazer” a médio e longo prazo, tendo em vista sua vigência de quatro anos. A lei de diretrizes

orçamentárias delineia um planejamento de cunho tático, regulando o “poder fazer” em curto

prazo. A lei orçamentária anual, orientada pelas duas outras, firma o planejamento

operacional, materializando o “fazer”.

A atuação direta dos cidadãos na elaboração do orçamento permite um melhor

direcionamento dos investimentos públicos. O OP possibilita que os cidadãos orientem o

administrador público, tendo como foco as prioridades locais e uma melhor prestação dos

direitos fundamentais sociais.109

A participação popular na construção do orçamento público tem o condão de combater

“a tradicional forma conservadora, elitista e excludente do poder público em gerir o

orçamento”110. Por meio do orçamento participativo a população tem maior poder de ação e

decisão, estando a par da destinação dos recursos, o que favorece o rompimento do antigo

padrão patrimonialista e clientelista, tido como um dos principais empecilhos à efetivação da

participação popular.

109 GONÇALVES, Hermes Laranja. Uma visão crítica do Orçamento Participativo. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2005, pág. 47. 110 CARVALHO, Cesar Machado; ARAUJO, Geraldo Jose Ferraresi de. O orçamento participativo: avanços e

desafios do orçamento participativo de Araraquara em direção à ampliação da cidadania local. In: Revista

Gestão e Sociedade. Vol. 4, No. 7, Minas Gerais, 2010. Disponível em:

<http://www.gestaoesociedade.org/gestaoesociedade/article/view/941/764>. Acessado em: 25 de novembro de

2013, pág. 469.

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A Lei de Responsabilidade fiscal tem papel determinante na implementação do

orçamento participativo, uma vez que estabelece a participação popular como condição

necessária, mediante realização de audiências públicas, à instituição das leis orçamentárias.

Vejamos o art. 48, parágrafo único, I. In verbis.

Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada

ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos,

orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo

parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de

Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante:

I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas,

durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes

orçamentárias e orçamentos; (grifo nosso)

O Orçamento participativo constitui ferramenta indispensável, por meio da qual os

cidadãos poderão cobrar maior eficiência e transparência dos atos emanados pela

administração local, tornando menor o risco de balburdia com as verbas públicas e

possibilitando uma otimização do planejamento focado nas necessidades e interesses do povo.

A utilização desta ferramenta irá gerar a corresponsabilidade entre poder Executivo e

população na tarefa de destinar os escassos recursos públicos, evitando, consequentemente,

seu desvio e seu desperdício. Desta forma, é notável o viés de educação política trazido pelo

Orçamento participativo, uma vez que ele atiça o debate entre os próprios cidadãos e entre

esses e a Administração, objetivando o melhor para a coletividade.111

A primeira experiência de orçamento participativo foi realizada na cidade de Pelotas,

Rio Grande do Sul, mas foi em Porto Alegre que o instrumento de participação popular

melhor se desenvolveu, sendo utilizado desde 1989112. Sobre a experiência de Porto Alegre,

comenta Gabriela Soares Balestero113:

A experiência de Porto Alegre tem chamado a atenção pelas suas características

fundamentais: democracia, equidade, solidariedade, eficiência. Tais características

teriam melhorado a qualidade de vida da população de baixa renda devido

principalmente ao efeito redistributivo dos orçamentos. Portanto, houve uma

extensão do processo democrático para os setores organizados da população pobre

da cidade, melhorando as condições de vida da população.

111 CARVALHO, Cesar Machado; ARAUJO, Geraldo Jose Ferraresi de. O orçamento participativo: avanços e

desafios do orçamento participativo de Araraquara em direção à ampliação da cidadania local. In: Revista

Gestão e Sociedade. Vol. 4, No. 7, Minas Gerais, 2010. Disponível em:

<http://www.gestaoesociedade.org/gestaoesociedade/article/view/941/764>. Acessado em: 25 de novembro de

2013, pág. 467. 112 BALESTERO, Gabriela Soares. Os orçamentos participativos como instrumento de participação popular

na efetivação das políticas públicas. In: Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial. Vol. 8, No. 1, Brasília, 2011.

Disponível em: <http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/prisma/article/view/1996/19970>.

Acesso em: 25 de Nov. 2013, pág. 52. 113 Idem, Ibidem, pág. 63

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O que ocorreu em Porto Alegre, desde os primeiros ensaios do orçamento participativo

em 1989, foi a instauração de uma administração compartilhada, onde governo e sociedade

civil atuaram num só caminho, resultando em ganhos de ambos os lados. Por sua importância,

o orçamento participativo gaúcho é tido como uma referência nacional e internacional.114

É essencial ressaltar o caráter redistributivo do OP. Como há uma aproximação entre

administração e povo, torna-se possível uma melhor visualização, por parte dos governantes,

dos problemas e necessidades que afligem a população, possibilitando, desta forma, uma

maior alocação de recursos nos pontos críticos das municipalidades. Não é por menos que

“desde a sua implantação [do orçamento participativo], as regiões mais pobres foram as que

receberam o maior número de investimentos per capita”115. No entanto, resta claro que a

capacidade financeira dos entes será um limitador da capacidade do orçamento participativo,

cingindo seu efeito redistributivo.116

Além de Porto Alegre, outras cidades obtiveram êxito na implantação do OP, como

são os casos de Recife, Fortaleza e Belo Horizonte. No entanto, o sucesso dos orçamentos

participativos não é regra. A dificuldade de seu estabelecimento é enorme. As inúmeras

benesses possibilitadas pela participação dos cidadãos no orçamento esbarram em alguns

problemas culturais, tais como a falta de preparo técnico da população e a ausência de

composição entre povo e legislativo, e normativos, como é o caso da inexistência de

necessária vinculação entre aquilo que foi deliberado durante o orçamento participativo e a

decisão final do governante.117

Essencialmente, o orçamento participativo é composto por duas fases. A primeira,

aberta a todos os munícipes, consiste na instituição de assembleias onde os cidadãos podem

atuar diretamente; a segunda é restrita aos representantes escolhidos pelo povo – conhecidos

como delegados. A atuação dos envolvidos na construção do OP restará balizada por critérios

de caráter técnico, já que nem tudo pode ser realizado do jeito que se quer, devendo-se

observar elementos objetivos, como o numerário disponível para confecção do orçamento

114 GONÇALVES, Hermes Laranja. Uma visão crítica do Orçamento Participativo. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2005, pág. 50. 115 BALESTERO, Gabriela Soares. Os orçamentos participativos como instrumento de participação popular

na efetivação das políticas públicas. In: Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial. Vol. 8, No. 1, Brasília, 2011.

Disponível em: <http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/prisma/article/view/1996/19970>.

Acesso em: 25 de Nov. 2013, p. 64. 116 Idem, Ibidem, p. 64 117 Idem, Ibidem, p. 62.

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anual. Assim sendo, “a alocação do investimento municipal terá como suporte as diretrizes

estabelecidas pelos técnicos da prefeitura e respeitado os limites financeiros do município”.118

Sérgio de Azevedo119 sintetiza os procedimentos englobados no orçamento

participativo:

Embora variando bastante para cada cidade, os diferentes modelos do Orçamento

Participativo possuem alguns pontos comuns. Normalmente, o processo tem início

com a realização de assembléias que congregam moradores de bairros próximos

localizados em cada uma das regiões tradicionais da cidade. Os moradores são então

informados sobre a composição do orçamento municipal e o montante de recursos

disponível, e são realizadas uma ou mais assembléias para a seleção das demandas

da sub-região e a escolha dos delegados que irão defendê-las no Fórum Regional. Na

seqüência do processo, os delegados eleitos nessas assembléias participam do Fórum

Regional, em que definem uma ordem de prioridades das demandas de serviços e

obras a serem encaminhadas ao Fórum Municipal. Na instância regional, em muitos

casos, é ainda realizada a escolha dos membros que irão representar cada região na

Comissão ou Grupo encarregado do acompanhamento e fiscalização do Orçamento

Participativo, por ocasião da implementação das obras e serviços. Por fim, o

Orçamento Participativo é consolidado no Fórum Municipal na versão que será

encaminhada à Câmara dos Vereadores para apreciação dos parlamentares. Pode-se

dizer que o Fórum Municipal é um evento de cunho político, no qual culmina todo o

processo. Após o encaminhamento oficial da proposta ao legislativo municipal, há

diferentes tipos de mobilização para que a população potencialmente beneficiada

atue na Câmara de Vereadores, a fim de garantir a aprovação da maior parte das

obras e serviços pactuados durante o processo do Orçamento Participativo.

Os Orçamentos Participativos têm a capacidade de fortalecer o poder em âmbito local

e resgatar a democracia social, dando, desta forma, respaldo à efetiva participação popular. O

fato de os cidadãos participarem diretamente da condução do Estado, por meio da construção

do orçamento, leva a um maior engajamento político, fazendo com que o povo se sinta útil, o

que “mitiga ou até mesmo inibe a ocorrência do fenômeno do refluxo, da repulsa da

população à política”.120

A maior virtude do OP é, sem dúvidas, seu poder de aproximar sociedade e

administração. Tal estreitamento é capaz de promover inúmeros ganhos na educação cidadã

da população. A atuação na confecção do orçamento permite que os anseios particulares

118 CARVALHO, Cesar Machado; ARAUJO, Geraldo Jose Ferraresi de. O orçamento participativo: avanços e

desafios do orçamento participativo de Araraquara em direção à ampliação da cidadania local. In: Revista

Gestão e Sociedade. Vol. 4, No. 7, Minas Gerais, 2010. Disponível em:

<http://www.gestaoesociedade.org/gestaoesociedade/article/view/941/764>. Acessado em: 25 de novembro de

2013, p. 467. 119 Apud BALESTERO, Gabriela Soares. Idem, p. 56. 120 BALESTERO, Gabriela Soares. Os orçamentos participativos como instrumento de participação popular

na efetivação das políticas públicas. In: Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial. Vol. 8, No. 1, Brasília, 2011.

Disponível em: <http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/prisma/article/view/1996/19970>.

Acesso em: 25 de Nov. 2013, p. 58.

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sejam discutidos coletivamente, de modo que sejam escolhidas as prioridades da localidade,

propiciando, consequentemente, o caráter redistributivo do OP.121

Oklinger Mantovaneli Júnior122 destaca quatro princípios pelos quais se fundamenta o

orçamento participativo. Em primeiro lugar, está a universalidade da participação, segundo a

qual todos os cidadãos dispostos a participar podem fazê-lo. Em seguida, vem a publicidade,

que permite aos cidadãos o acompanhamento e controle da efetiva execução daquilo que foi

aprovado no orçamento. O terceiro princípio é o da autorregulamentação, ou seja, o OP deve

reger-se por normas elaboradas pelos representantes do povo – conselheiros e delegados

devidamente eleitos em assembleias – pautadas por critérios técnicos liberados pela

administração. Por último, aponta o princípio da prestação de contas, pelo qual o executivo

municipal seria forçado a uma contínua prestação de contas, perante as assembleias, da

totalidade das atividades desenvolvidas por meio do instituto.

3.1.2 Audiências públicas

Audiência pública nada mais é do que um instrumento de participação popular por

meio do qual os cidadãos são consultados sobre os mais variados assuntos de seu interesse.

Esta ferramenta permite uma participação ativa da população na orientação dos assuntos

públicos, revelando-se mecanismo apto a legitimar, por meio de um processo democrático, as

decisões tomadas pela administração pública.123

Em uma definição sucinta, Diogo de Figueiredo Moreira Neto124 trás seu entendimento

sobre o que é audiência pública:

Um processo administrativo de participação aberto a indivíduos e grupos sociais

determinados, visando o aperfeiçoamento da legitimidade das decisões da

Administração Pública, criado por lei, que lhe preceitua a forma e a eficácia

vinculatória, pela qual os administrados exercem o direito de expor tendências,

121 CARVALHO, Cesar Machado; ARAUJO, Geraldo Jose Ferraresi de. O orçamento participativo: avanços e

desafios do orçamento participativo de Araraquara em direção à ampliação da cidadania local. In: Revista

Gestão e Sociedade. Vol. 4, No. 7, Minas Gerais, 2010. Disponível em:

<http://www.gestaoesociedade.org/gestaoesociedade/article/view/941/764>. Acessado em: 25 de novembro de

2013, pág. 468. 122 Apud CARVALHO, Cesar Machado; ARAUJO, Geraldo Jose Ferraresi de. Ibidem, p. 467. 123 LOCK, Fernando do Nascimento. Participação popular no controle da administração pública: um estudo

exploratório. In: Revista Eletrônica de Contabilidade, ano 1, nº 1, Santa Maria: set./nov. 2004. Disponível

em: <http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-2.2.2/index.php/contabilidade/article/view/122/3530>. Acesso em: 04

de dez. de 2013, p. 127. 124 FONSECA, Gilberto Nardi. A participação popular na administração pública: audiências públicas na

elaboração e discussão dos plano, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos dos municípios. In: Revista

de Informação Legislativa, ano 40, nº. 160, Brasília: Senado Federal/Subsecretaria de Edições Técnicas, p.

291-305, out./dez. 2003, p. 300.

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preferências e opções que possam conduzir o poder público a decisões de maior

aceitação consensual.

As vantagens trazidas pela realização de audiências públicas não trazem benefícios

apenas à população, mas também aos governantes. Explico. Ao passo em que aos cidadãos é

viabilizada a obtenção de informações sobre a atuação dos administradores públicos, a estes é

dada a oportunidade de melhor avaliar como proceder, uma vez que há verdadeira

administração compartilhada. Como assevera Gilberto Nardi Fonseca, “Ouvindo o cidadão, a

possibilidade de errar diminui consideravelmente”.125

Segundo Moreira Neto126, audiência pública seria:

[...] um instituto de participação administrativa aberta a indivíduos e a grupos sociais

determinados, visando à legitimidade da ação administrativa, formalmente

disciplinada em lei, pela qual se exerce o direito de expor tendências, preferências e

opções que possam conduzir o Poder Público a uma decisão de maior aceitação

consensual.

Deste modo, duas questões principais são acentuadas. Em primeiro lugar, a realização

de audiências públicas irá assegurar o direito fundamental constitucional dos cidadãos de

serem ouvidos e de opinarem sobre a condução da máquina pública, especialmente nos temas

que lhe interessem. Em seguida, salienta-se o perfil didático das audiências, “uma vez que se

estabelece uma real oportunidade de conscientização e educação da população sobre as

diretrizes e políticas públicas”.127 Assim como no caso das audiências públicas, todas as

experiências participativas bem sucedidas passaram pelo estágio de educação e

conscientização do povo.

Deve-se ressaltar o viés legitimador das audiências públicas. O fato de o cidadão poder

estar continuamente opinando a maneira pela qual gostaria de ser governando, unido ao

elemento informador do instrumento, através do qual se torna possível uma melhor obtenção

de informações sobre o comportamento do administrador público, materialização clara do

princípio constitucional da publicidade, proporciona a elevação da legitimação popular ante a

atuação administrativa.128

125 FONSECA, Gilberto Nardi. A participação popular na administração pública: audiências públicas na

elaboração e discussão dos plano, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos dos municípios. In: Revista

de Informação Legislativa, ano 40, nº. 160, Brasília: Senado Federal/Subsecretaria de Edições Técnicas, p.

291-305, out./dez. 2003, p. 300. 126 Apud BONELLA, Danielle Soncini. Espaço público e cidadania: a participação popular em audiências

públicas no município de Santa Maria-RS. 2008. 137 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de

Santa Cruz do Sul, UNISC, Santa Cruz do Sul. 2008, p. 66. 127 BONELLA, Danielle Soncini. Ibidem, p. 66. 128 FONSECA, Gilberto Nardi. Ibidem, p. 300.

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A Constituição Federal de 1988129 trás, em seu Art. 58, §2º, II, previsão sobre a

realização de audiências públicas, que deverão ser convocadas pelas comissões do Congresso

Nacional. In verbis.

Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e

temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo

regimento ou no ato de que resultar sua criação.

(...)

§ 2º - às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe:

I - discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a

competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da

Casa;

II - realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil; (Grifo nosso).

Inúmeros são os dispositivos legais que preveem a realização de audiências públicas.

A Lei Complementar 101/00130 – Lei de responsabilidade fiscal – e a Lei 10.257/01131, que

institui o Estatuto da Cidade, por exemplo, determinam a realização de audiências públicas

nos processos de formação das leis orçamentárias.

A disposição do Art. 44 da Lei 10.257/01 não se limita a facultar a prática de

audiência pública, ao contrário, é categórica em afirmar que a realização do instrumento de

participação popular constitui conditio sine qua non para que as propostas orçamentárias

possam ser aprovadas pelo legislativo municipal. In Verbis.

Art. 44. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a

alínea f do inciso III do art. 4o desta Lei incluirá a realização de debates, audiências e

consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes

orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua

aprovação pela Câmara Municipal. (grifou-se)

Caráter substancial também é encontrado no art. 48, parágrafo único, I, da Lei de

responsabilidade Fiscal, apesar de não ser expresso. In verbis.

Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada

ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos,

orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo

parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de

Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

129 BRASIL, Constituição Federal de 1988. In: Senado Federal. Legislação Republicana Brasileira. Brasília,

1988 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 nov.

2013. 130 BRASIL, Lei Complementar nº 101, de 4 de Maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas

para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. In SENADO FEDERAL. Legislação

Republicana Brasileira. Brasília, 2000. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm> Acesso em: 28 nov. 2013. 131 BRASIL, Lei nº 10.257, de 10 de Julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal,

estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. In SENADO FEDERAL. Legislação

Republicana Brasileira. Brasília, 2001. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm> Acesso em: 10 out. 2013.

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Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante:

I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os

processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e

orçamentos; (Grifou-se).

Numa leitura apressada, pode-se pensar que a realização de audiências públicas

durante o planejamento do orçamento deverá ser meramente incentivada, inexistindo, desta

forma, obrigatoriedade. No entanto, sua prática é essencial “porque a transparência e o

controle popular na gestão fiscal é norma de caráter obrigatório”.132

O razão de ser desta obrigatoriedade, segundo Lock133, é o fato da participação

popular estar firmada sob a forma de princípio constitucional, e sendo a audiência pública um

dos instrumentos de concretização da participação, sua realização, uma vez que prevista por

lei, torna-se condição necessária de validade para o processo legislativo quando do

planejamento e construção dos planos orçamentários.

Oportuno registrar a diferença existente entre a obrigatoriedade de realização da

audiência pública e a necessária vinculação às decisões oriundas desta. O administrador

público é obrigado a realizar audiências públicas em determinadas situações, como no caso do

planejamento orçamentário, pois há expressa determinação legal neste sentido. No entanto,

nenhum dispositivo normativo vincula o governante a orientar-se pelas conclusões

provenientes do instrumento, tendo este a chamada “eficácia não vinculante”134. Desta forma,

“não há como falar-se em efeito vinculante, pois o administrador recebe comandos da

sociedade por meio da lei e dos princípios gerais da administração pública, e não diretamente

de assembleias populares, como na ecclesia da antiguidade clássica”135.

Conquanto não exista obrigação de cunho legal, há imposição moral dos agentes

políticos ante as decisões emanadas em sede de audiência pública. A aplicação da opinião

popular dependerá “[...] do grau de consciência política da comunidade envolvida e do

132 LOCK, Fernando do Nascimento. Participação popular no controle da administração pública: um estudo

exploratório. In: Revista Eletrônica de Contabilidade, ano 1, nº 1, Santa Maria: set./nov. 2004. Disponível

em: <http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-2.2.2/index.php/contabilidade/article/view/122/3530>. Acesso em: 04

de dez. de 2013, p. 129. 133 Idem, Ibidem, p. 130. 134 Classificação trazida pelo professor Paulo Modesto em seu artigo “Participação popular na administração

pública: mecanismos de operacionalização”. 135 FONSECA, Gilberto Nardi. A participação popular na administração pública: audiências públicas na

elaboração e discussão dos plano, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos dos municípios. In: Revista

de Informação Legislativa, ano 40, nº. 160, Brasília: Senado Federal/Subsecretaria de Edições Técnicas, p.

291-305, out./dez. 2003, p. 301.

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comprometimento do agente político com o modelo de gestão democrática, pois não há

nenhuma previsão legal que obrigue a sua vinculação”136.

Apesar da existência de situações em que as audiências públicas são expressamente

exigidas, o administrador público não está a elas restrito. Explico. Em determinados casos,

pode a administração julgar necessário conhecer a opinião dos cidadãos, sem que haja

previsão legal para isto. Ademais, seria impossível a catalogação em lei de todas as situações

em que deve ser utilizada a audiência pública. Cabe ao governante, no exercício de seu poder

discricionário, analisar a necessidade de convocação popular, seja por motivos de legitimação

da decisão a ser tomada, seja para adentrar nos reais anseios sociais. Afirma Alessandra

Obara137: “Em outras palavras, a realização de audiência popular será necessária quando

prevista em lei e será possível quando, diante do caso concreto, for constatada sua

necessidade e utilidade para encontrar a melhor solução possível”.

Moreira Neto138 compreende a audiência pública como um processo, englobado no

processo administrativo decisório, e, assim sendo, considera que a ela aplicam-se:

[...] todos os princípios constitucionais, infraconstitucionais e doutrinários que se

imponham aos processos administrativos [...] como, desde logo, o do devido

processo legal, com seus consectários; o da publicidade, que é da própria essência da

atividade pública; o da oralidade, que abre oportunidade para os debates; o da

instrução, permitindo o interrogatório dos participantes; e o da economia processual;

bem como o da oficialidade, que rege a impulsão de ofício, o da verdade material,

que exige a investigação fatos como realmente o são e não como se apresentem em

suas versões, o do formalismo moderado, que recomenda a simplicidade suficiente

para propiciar um grau de certeza, segurança, respeito aos direitos dos sujeitos, o

contraditório e a ampla defesa.

A audiência pública está para os processos administrativos de caráter decisório, assim

como a audiência judicial está para os processos judiciais, fazendo-se necessária a obediência,

em ambos os casos, a um rito previamente determinado. Deste modo, aplicam-se às

audiências públicas princípios reguladores gerais, sendo alguns, inclusive, semelhantes aos

empregados nas audiências judiciais, tais como: devido processo legal, verdade material,

oralidade, informalidade, ampla instrução probatória, gratuidade, etc.139

136 FONSECA, Gilberto Nardi. A participação popular na administração pública: audiências públicas na

elaboração e discussão dos plano, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos dos municípios. In: Revista

de Informação Legislativa, ano 40, nº. 160, Brasília: Senado Federal/Subsecretaria de Edições Técnicas, p.

291-305, out./dez. 2003, p. 301. 137 SILVA, Alessandra Obara Soares da. Participação popular na Administração pública: as audiências

públicas. 2009. 159 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-

SP, São Paulo. 2009, p. 77/78. 138 Apud SILVA, Alessandra Obara Soares da. Ibidem, p. 69. 139 SILVA, Alessandra Obara Soares. Ibidem, p. 75.

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De acordo com Augustín Gordillo140, a audiência pública apresenta natureza pública

dúplice. A primeira vertente é pautada pela publicidade e transparência, marcas características

do instrumento, orientadas pela oralidade, registros e publicações dos atos emanados. Através

dela o governo irá informar, pedagogicamente, a totalidade de dados contábeis, financeiros,

orçamentários e operacionais do Poder Estatal. A segunda é marcada pela participação aberta

de todos os cidadãos interessados. O povo pode sair da condição de mero espectador e

participar ativa e efetivamente, através de um procedimento ordenado, da condução do

Estado, decidindo sobre a atuação administrativa a ser realizada e acompanhando e

controlando as ações já em andamento.

Alessandra Obara Soares da Silva141, em sua tese de mestrado, após colacionar várias

definições sobre o conceito de audiência pública encontradas na doutrina, arrisca,

embasadamente, sua própria conceituação. Vejamos:

Audiência pública é uma fase do processo administrativo decisório que

instrumentaliza a participação popular direta no âmbito da Administração Pública, a

qual, no exercício de competência discricionária, por imposição legal ou por

entender extremamente relevantes os direitos em causa, se vale da oitiva dos

interessados para legitimar a decisão administrativa e ampliar a eficiência e eficácia

desta decisão, aproximando-se dos administrados e da realidade fática.

Segundo a autora, a realização de audiência pública está limitada às decisões

provenientes do exercício da competência discricionária da administração. Argumenta que, se

resta ao governante somente uma saída viável perante determinada situação, estando ela

positivada em lei, não há que se falar em participação popular, pois seria desnecessária e

inútil, tendo em vista a impossibilidade legal de adoção de decisão destoante daquela

previamente determinada. Complementa afirmando que, mesmo quando o caso concreto

permitir a utilização do poder discricionário administrativo, sendo a hipótese de apenas uma

solução viável ser encontrada, novamente a participação popular não encontraria respaldo,

tendo em vista a ausência de utilidade e necessidade. Conclui, neste diapasão, que a

participação popular por meio de audiência pública só é viabilizada “no exercício de

competência discricionária que deixe ao administrador uma margem de decisão entre duas ou

mais soluções possíveis e igualmente concretizadoras do interesse público”.142

140 Apud BONELLA, Danielle Soncini. Espaço público e cidadania: a participação popular em audiências

públicas no município de Santa Maria-RS. 2008. 137 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de

Santa Cruz do Sul, UNISC, Santa Cruz do Sul. 2008, p. 67. 141 SILVA, Alessandra Obara Soares da. Participação popular na Administração pública: as audiências

públicas. 2009. 159 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-

SP, São Paulo. 2009, p. 73. 142 Idem, ibidem, pág. 73.

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As regras norteadoras da realização das audiências públicas devem buscar garantir

uma atuação cidadã a mais significativa possível. Deste modo, detalhes como data, horário e

local possuem grande relevância; deve-se marcar dia e hora que facilite o comparecimento

dos cidadãos, sendo evitadas audiências em horário comercial ou em feriados, atentando-se

também para que aconteça em local de fácil acesso.143

A atuação dos poderes, notadamente Executivo e Legislativo, é fundamental para que

as audiências públicas sejam realizadas tal como idealizadas. Cabe a eles a implantação de

ações educativas, com o propósito de informar – de certa forma sensibilizar – a população

acerca da importância de sua participação nos processos decisórios do município. A utilização

de material que facilite o acesso da massa, valendo-se de linguagem informal, “na forma de

revista em quadrinhos, literatura de cordel ou até músicas que esclareçam os propósitos e o

conteúdo do que será discutido”. A convocação para as audiências também deve ser pensada

de modo a incluir o maior número de pessoas; não pode a administração limitar-se a uma

divulgação por edital, mas deve sim valer-se dos meios de comunicação mais efetivos, como

rádio, televisão e outdoors.144

Não cabe impugnação ao resultado de audiência pública, nem mesmo por recurso

administrativo, haja vista a inexistência de previsão legal. Sem embargo, conforme

entendimento de Alessandra Obara Soares da Silva145 há a possibilidade de correção de vício

legal, pela própria administração, valendo-se de seu poder de autotutela, ou pelo poder

judiciário, mediante provocação do administrado, conforme decorrência do art. 5º, XXXV, da

Constituição Federal146, limitando-se à análise dos aspectos legais, estando impossibilitado de

adentrar o mérito do ato administrativo.

143 BONELLA, Danielle Soncini. Espaço público e cidadania: a participação popular em audiências

públicas no município de Santa Maria-RS. 2008. 137 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de

Santa Cruz do Sul, UNISC, Santa Cruz do Sul. 2008, pág. 68. 144 BONELLA, Danielle Soncini. Espaço público e cidadania: a participação popular em audiências

públicas no município de Santa Maria-RS. 2008. 137 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de

Santa Cruz do Sul, UNISC, Santa Cruz do Sul. 2008, pág. 69. 145 SILVA, Alessandra Obara Soares da. Participação popular na Administração pública: as audiências

públicas. 2009. 159 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-

SP, São Paulo. 2009, pág. 82. 146 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

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3.1.3 Consultas públicas

A consulta pública em muito se assemelha à audiência pública, caracterizando-se

como um processo aberto aos cidadãos para que estes possam, uma vez consultados,

manifestar-se sobre assuntos a eles pertinentes. O objetivo da consulta pública é permitir à

Administração Pública a oitiva e coleta de dados oriundos da opinião pública, permitindo,

deste modo, uma melhor fundamentação acerca da necessidade de determinados atos

administrativos, levando em conta as manifestações e sugestões recebidas e incluindo-as

como peças formais e integradoras do processo decisório como um todo.147

Vejamos os comentários de Rachel Sacheto148 sobre o instrumento participativo da

consulta pública:

Por meio da consulta pública, o cidadão obtém informações e conhecimento sobre as

ações que a administração pública visa implementar, assim como avalia a

conveniência, oportunidade e a intensidade de suas ações em uma forma de atuação

compartilhada. Ela pode ser aplicada durante o processo de elaboração de leis,

resoluções, instruções normativas, projetos ou quaisquer outros atos da

administração pública.

A realização de consulta pública está prevista na Lei nº 9.784/99149, que regula o

processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Segundo o caput do art.

31 da referida lei, se a matéria da qual trata o processo envolver assunto de interesse geral, o

órgão competente poderá abrir período de consulta pública para manifestação de terceiros,

que deverá ocorrer antes da decisão do pedido, tanto que não haja prejuízo para a parte

interessada. Sobre o procedimento de sua realização, dispõem os §§ 1º e 2º. In verbis.

Art. 31. Quando a matéria do processo envolver assunto de interesse geral, o órgão

competente poderá, mediante despacho motivado, abrir período de consulta pública

para manifestação de terceiros, antes da decisão do pedido, se não houver prejuízo

para a parte interessada.

§ 1o A abertura da consulta pública será objeto de divulgação pelos meios oficiais, a

fim de que pessoas físicas ou jurídicas possam examinar os autos, fixando-se prazo

para oferecimento de alegações escritas.

§ 2o O comparecimento à consulta pública não confere, por si, a condição de

interessado do processo, mas confere o direito de obter da Administração resposta

fundamentada, que poderá ser comum a todas as alegações substancialmente iguais.

147 SACHETO, Raquel. Participação popular na era da informação: o caso das consultas públicas

eletrônicas na administração pública federal do Brasil. 2008. 131 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação)

- Universidade de Brasília, UNB-DF, Brasília, 2008, p. 30. 148 Idem, ibidem, p. 30. 149 BRASIL, Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da

Administração Pública Federal. In: SENADO FEDERAL. Legislação Republicana Brasileira. Brasília, 1990.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9784.htm>.

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O caput do artigo elenca as condições necessárias para possibilitar a abertura de uma

consulta pública. De acordo com o dispositivo, a consulta só acontecerá se: a) a matéria

envolver assunto de interesse geral; b) não houver prejuízo para a parte interessada; e c) o

órgão público responsável proferir despacho que justifique sua realização. Ressalta, por fim,

que a abertura de consulta pública é faculdade da Administração, que deverá ponderar os

eventuais prejuízos à parte interessada e as finalidades públicas que poderão ser satisfeitas a

partir da realização desta espécie de participação popular.150

Apesar de muito semelhante, não há de se confundir consulta e audiência pública, pois

ambas ocorrem em momentos e de formas distintas. Na audiência pública, a discussão pública

ocorre com data, hora e local pré-fixados, e sua efetivação realiza-se pela presença direta de

representantes de empresas e de cidadãos que irão contribuir, de forma oral, com sugestões e

ressalvas sobre a matéria discutida. As consultas públicas, por sua vez, ocorrem em períodos

previamente determinados e não demandam a presença dos administrados para manifestarem

suas opiniões, já que esta se dará por escrito, tendo relevante importância na decisão final do

ato administrativo. A divulgação de sua realização será feita, obrigatoriamente, por

publicação em diário oficial dos autos a serem analisados e do prazo para envio de

manifestações, levando em conta data e hora de abertura e encerramento da consulta,

conforme os ditames do art. 31, § 2º da Lei nº 9.784/99.

A realização de consulta pública é também prevista pela Lei nº 9.472/97, que dispõe

sobre a criação e funcionamento da ANATEL, órgão regulador das telecomunicações. De

acordo com o art. 42 da referida lei, as minutas de atos normativos serão submetidas à

consulta pública, que deverá ser formalizada por publicação no Diário Oficial da União,

devendo as críticas e sugestões ser sujeitas a exame e permanecerem à disposição do público.

Neste condão, o objetivo da consulta pública é permitir aos administrados,

formalmente e por escrito, expressarem seus interesses e exporem seus argumentos favoráveis

ou contrários ao acolhimento de determinada norma reguladora a ser possivelmente

publicada, influindo, deste modo, nos rumos da regulação.151

150 BORGES, Ana Paula Dutra. Processo Administrativo e Participação Popular: consulta pública,

audiência pública e conselhos de gestão de políticas públicas. In: Revista Direito e Realidade, v. 2, n. 1,

Monte Carmelo, p. 1-15. 2013, p. 9. 151 MATTOS, Paulo Todescan Lessa. Regulação econômica e social e participação pública no Brasil. In:

COELHO, Vera Schattan P., NOBRE, Marcos (Orgs.). Participação e deliberação: teoria democrática e

experiências institucionais no Brasil contemporâneo. 1. ed. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 313-342. P. 320/321.

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3.1.4 Conselhos gestores de políticas públicas

Na atual conjuntura, os conselhos gestores de políticas públicas apresentam papel de

destaque dentre os instrumentos democráticos de participação popular na administração

pública. Assim como a Constituição Federal de 1988, os conselhos “são frutos de demandas

populares e de pressões da sociedade civil pela redemocratização do País”152.

Os Conselhos possuem a função de elaborar e estruturar a implementação de políticas

públicas. Para Borba e Lüchmann153,

Com efeito, a criação e ampliação de espaços político-decisórios participativos, a

exemplo dos Conselhos Gestores, buscam romper com o distanciamento e a redução

da política enquanto caracterizada como campo de ação exclusivo dos representantes

políticos que orientam as estratégias, escolhas e decisões políticas a partir do jogo

eleitoral.

Vejamos a definição trazida por Juliana Brina Corrêa Lima de Carvalho154 e os fatores

que, segundo ela, tornam os Conselhos Gestores uma inovação tão importante para efetivação

da participação popular na administração pública:

Tais Conselhos constituem-se como espaços públicos de composição plural e

paritária entre Estado e sociedade civil, de natureza deliberativa, cuja função é

formular e controlar a execução das políticas públicas setoriais. Em três fatores,

portanto, reside sua novidade histórica: no fato de serem espaços públicos de

composição plural e paritária; no fato de terem no processo dialógico o principal

instrumento de resolução dos conflitos inerentes à diversidade dos interesses em

jogo; no fato de funcionarem como instâncias deliberativas com competência legal

para a formulação de políticas e para a fiscalização de sua implementação.

Os Conselhos são órgãos colegiados, formados paritariamente por representantes do

poder público e da população, o que visa o equilíbrio nas decisões. Agente públicos titulares

de cargos de direção indicados pelo chefe do Executivo representarão o governo, enquanto a

sociedade civil será representada por conselheiros escolhidos em fórum próprio, dentre

membros de entidades e organizações não governamentais, movimentos, associações

comunitárias, sindicatos, etc. Apesar das reuniões dos Conselhos serem abertas aos cidadãos

em geral, estes não possuem direito a voto.155

Possuem natureza administrativa, integrando o órgão da administração responsável

pela política pública objeto de seu intento. Um Conselho pode integrar a estrutura de um

152 GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores e gestão pública. In: Ciências Sociais Unisinos, v. 42, n. 1,

São Leopoldo, p. 5-11, jan./abr. 2006, pág. 7. 153 BORBA, Julian; LÜCHMANN, Lígia Helena Hahn. A Representação Política nos Conselhos Gestores de

Políticas Públicas. In: Revista Brasileira de Gestão Urbana (Brazilian Journal of Urban Management), v. 2,

n. 2, p. 229-246, jul./dez. 2010, p. 232. 154 CARVALHO, Juliana Brina Corrêa Lima de. Conselhos Gestores de Políticas Públicas:

institucionalidades ofensivas ou espaços de burocratização do “Mundo da Vida”?. In: Revista Democracia

Digital e Governo Eletrônico, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), n. 6, p. 1-16, 2012, pág. 4. 155 CARVALHO, ibidem, pág. 8.

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Ministério, Secretaria ou até de uma Fundação Pública, da qual receberá suporte de caráter

técnico, administrativo, operacional e financeiro. Apesar da integração, não existe

subordinação entre um Conselho e o órgão ou entidade do qual faz parte.

A ausência de subordinação entre Conselho e órgão governamental é crucial para a

garantia do perfeito desempenho de suas funções. Só um Conselho dotado de independência

pode exercer livre e corretamente suas atribuições, dentre as quais está a fiscalização de

órgãos e autoridades públicas. O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa

Humana do Estado de São Paulo, de acordo com o art. 3º da lei que o institui - Lei Estadual nº

7.576/912156-, quando no exercício de suas atribuições, não está sujeito a qualquer

subordinação hierárquica, integrando-se na estrutura da Secretaria da Justiça e da Defesa da

Cidadania para fins de suporte administrativo, operacional e financeiro.

A criação dos conselhos públicos se dá por iniciativa do Estado, através de lei. A lei

que institui a criação de um conselho deverá delinear suas competências e as matérias sobre as

quais poderá deliberar ou opinar. Um município só se subordinará às deliberações de um

conselho municipal caso esta subordinação esteja legalmente prevista.

A Lei nº 8.069/90157, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), prevê

a criação de conselhos em todas as esferas de poder. Tais conselhos são, segundo o art. 88, II,

órgãos de caráter deliberativo que têm assegurada a participação popular através de

organizações representativas. São exemplos, em âmbito estadual, o Conselho Estadual dos

Direitos da Criança e do Adolescente de Alagoas (CEDCA/AL), criado pela Lei Estadual nº

5.336/92, e, em âmbito federal, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do

Adolescente (CONANDA), criado pela Lei Federal nº 8.242/91. Ambos constituem órgãos

colegiados deliberativos de composição paritária, sendo metade dos membros representantes

do Executivo e a outra, representantes de entidades não governamentais que atuam na

promoção e defesa dos direitos de criança e adolescentes.

156 Lei Estadual N. 7.576, de 27 de Novembro de 1991.

<http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1991/lei%20n.7.576,%20de%2027.11.1991.htm>. Visto em

30 de outubro de 2013. 157 BRASIL, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá

outras providências. In: SENADO FEDERAL. Legislação Republicana Brasileira. Brasília, 1990. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>.

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Apesar da inexistência de viés hierárquico, Murilo Melo Vale158 comenta sobre a

dependência existente entre a boa atuação dos conselhos e a atuação estatal:

Todavia, por mais que se trate de um formato interessante para a consolidação da

democracia deliberativa na administração pública, os conselhos gestores de políticas

públicas estão longe de cumprirem plenamente o viés deliberativo. Percebe-se certa

dependência dos conselhos gestores para com a boa vontade dos governos locais

para a obtenção das informações necessárias e dos recursos materiais para o seu

devido funcionamento.

Os conselhos possuem o poder de conferir uma mudança de dimensão às políticas

sociais, haja vista seu envolvimento com o processo de constituição das políticas públicas e

de tomada de decisões. Nesse passo, assevera Maria da Glória Gohn159:

Com os conselhos, gera-se uma nova institucionalidade pública, pois eles criam uma

nova esfera social-pública ou pública não-estatal. Trata-se de um novo padrão de

relações entre Estado e sociedade, porque eles viabilizam a participação de

segmentos sociais na formulação de políticas sociais e possibilitam à população o

acesso aos espaços em que se tomam as decisões políticas.

Cresce a cada dia o número de conselhos gestores pelo Brasil. Isso se dá pela

exigência “dos princípios constitucionais que prescrevem a participação da sociedade na

condução das políticas públicas”160 e a existência de leis estaduais e municipais, das quais sua

implementação é dependente. Em 2006, pesquisas apontavam a existência de

aproximadamente 27 mil conselhos no país; o número de conselheiros ultrapassava a marca

de 100 mil pessoas.

Os municípios deverão, por exigência legal, desde 1996, criar conselhos de caráter

deliberativo, sendo esta criação condição para a percepção de fundos a serem aplicados nas

áreas sociais. É por isso que de 1996 em diante houve um aumento significativo no número de

conselhos municipais. Somente nas áreas de educação, assistência social e saúde, o número

saiu de 73 conselhos criados antes 1991, para 1.167 até 1998.161

Na percepção de Vale, a multiplicação desenfreada e atropelada de conselhos gestores

pelo país revela-se infrutífera e em nada ajuda na evolução da ferramenta participativa, uma

vez que ocasiona um desempenho desordenado e acentua o cenário de despreparo e desleixo

de seus conselheiros. Esta proliferação não irá abandonar o caráter improdutivo, mesmo que

aconteça de modo ordenado, caso restrinja-se ao âmbito local – esfera municipal -, haja vista a

158 VALE, Murilo Melo. Os conselhos gestores de políticas públicas e a democracia deliberativa: limites e

desafios para a consolidação deste instituto deliberativo. In: Revista do TCEMG, n. 1, vol. 31, Minas

Gerais: Rona Editora Gráfica, p. 43-54, jan./fev./mar., 2013, p. 51. 159 GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores e gestão pública. In: Ciências Sociais Unisinos, v. 42, n. 1,

São Leopoldo, p. 5-11, jan./abr. 2006, p. 7. 160 GOMES, Eduardo Granha Magalhães. Conselhos gestores de políticas públicas: democracia, controle

social e instituições. São Paulo, 2003, p. 4. 161 GOHN, Maria da Glória. Ibidem, 2006, p. 8.

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competência legislativa meramente residual deste ente. Segundo o autor, “de fato, a

importância deliberativa dos conselhos gestores de políticas públicas só se concretizaria se

fosse possível se institucionalizar, de forma plena, nas competências federal e estadual e não

meramente com caráter consultivo”162.

Maria da Glória Gohn frisa a diferença entre os conselhos gestores de políticas

públicas e os conselhos comunitários, populares ou fóruns civis não governamentais. Segundo

a autora, estes são constituídos apenas por representantes da sociedade civil, limitando-se a

utilização da “força da mobilização e da pressão”, já que não atuam formalmente ao lado da

Administração Pública. Difere-os ainda dos antigos conselhos de “notáveis”, cuja formação

dava-se exclusivamente por especialistas.163

Uma das limitações dos conselhos é ocasionada pela ausência de um formato

institucionalizado. Inexistindo uma configuração previamente determinada, várias são as

diferenças e particularidades encontradas entre os milhares de conselhos existentes no Brasil.

A Constituição Federal de 1988 não previu expressamente a instituição da ferramenta, não

sendo, portanto, obrigatória na estruturação de quaisquer dos entes federados, “o que deixa a

desejar no que tange à sua importância institucional na gestão pública brasileira”.164

Apesar dos pontos positivos trazidos pelos conselhos gestores de políticas públicas, é

notável a necessidade de aperfeiçoamento e aprimoramento do instituto para que sua atuação

se dê de modo realmente efetivo, consolidando um espaço democrático deliberativo e tendo

papel estruturador no processo de tomada de decisão da Administração Pública. Para Vale165,

“muito há que se desenvolver para que possa ser considerado, enfim, um instituto deliberativo

e essencial dentro das competências decisórias do gestor público”.

162 VALE, Murilo Melo. Os conselhos gestores de políticas públicas e a democracia deliberativa: limites e

desafios para a consolidação deste instituto deliberativo. In: Revista do TCEMG, n. 1, vol. 31, Minas

Gerais: Rona Editora Gráfica, p. 43-54, jan./fev./mar., 2013, p. 51. 163 GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores e gestão pública. In: Ciências Sociais Unisinos, v. 42, n. 1,

São Leopoldo, p. 5-11, jan./abr. 2006, p. 7. 164 VALE, Murilo Melo. Ibidem, p. 51. 165 VALE, Murilo Melo. Ibidem, p. 52.

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4. A INEFETIVIDADE DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

4.1 DIFICULDADES DE EXERCER O DIREITO À PARTICIPAÇÃO

No capítulo anterior, conhecemos um pouco mais sobre quatro das principais

ferramentas disponibilizadas pelo ordenamento jurídico brasileiro. Tais instrumentos são

responsáveis por permitir, ao menos em tese, uma participação direta dos cidadãos na

administração pública.

Neste quarto e último capítulo, veremos alguns dos problemas que dificultam o uso

perfeito de tais ferramentas e, consequentemente, impossibilitam a efetivação plena da

participação popular, objetivada pela própria Constituição Federal.

4.1.1 Apatia, abulia e acracia política

O professor Diogo Figueiredo Moreira Neto166 distingue e ordena os problemas

associados à participação dos cidadãos na administração pública em três níveis de dificuldade,

sendo elas: apatia, abulia e acracia política.

Apatia, de um ponto de vista psicológico, consiste numa falta de emoção, motivação

ou entusiasmo para realização das atividades corriqueiras do ser humano. A apatia política,

por sua vez, é caracterizada pela falta de estímulo, especificamente, para a ação cidadã.

Consiste em verdadeira indiferença por parte do administrado, que não se interessa em

participar da vida do Estado, não exercendo, desta forma, a cidadania. A apatia política está

relacionada, de modo direto, à falta de informações acerca dos direitos e deveres dos

cidadãos, causada pela ausência de vias de comunicações efetivas entre cidadãos e

Administração Pública. A morosidade ou inexistência de respostas às solicitações, demandas

e críticas dos administrados, também é responsável pela desmotivação do cidadão em

participar da vida pública. Por último, mas não menos importante, está a falta de tradição

participativa, ou seja, a ausência de uma cultura, que deveria estar enraizada desde cedo,

voltada para atuação cidadã.167

166 Apud MODESTO, Paulo. Participação Popular na Administração Pública: mecanismos de

operacionalização. Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº

2, abril/maio/junho, 2005. Disponível na internet: <http//:www.direitodoestado.com.br>. Acesso em:

10/02/2013, p. 5 167 Idem, Ibidem, p. 5.

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A Abulia política, de seu lado, pode ser vista como o “não querer participar da ação

cidadã”. Ao contrário da apatia, em que há verdadeira indiferença quanto à atuação cidadã, na

abulia encontramos falta de vontade, ou seja, o indivíduo, geralmente instruído e conhecedor

da possibilidade de atuação popular junto à administração, simplesmente não manifesta o

elemento volitivo necessário a essa atuação. Esta abstenção está relacionada ao ceticismo

quanto à efetiva análise e consideração de sua manifestação ou pleito pela Administração

Pública. O não reconhecimento e valorização da população quanto às atividades de

participação cidadã também influem para a renúncia, por parte do administrado, do direito de

participar.168

O terceiro problema apontado pelo professor é a acracia política, que, objetivamente,

pode ser entendida como o “não poder participar da ação cidadã”. O principal elemento

fomentador da acracia política é o baixo grau de escolarização dos cidadãos, daí porque o

“público alvo” do problema é a parcela mais carente da população, administrados sem acesso

à educação básica, tampouco educação participativa. Outras causas, comuns tanto à acracia

quanto à apatia e abulia, caminham em paralelo com o problema da educação, sendo

consequências diretas ou indiretas deste. O formalismo exacerbado da administração (uma das

disfunções da burocracia apontadas por Weber169), que impossibilita a conversão de

solicitações orais dos requerentes em solicitações formalizadas; a ausência de clareza acerca

dos direitos e deveres das partes quando em processos administrativos e os já conhecidos

problemas de ordem política e econômica que o Brasil enfrenta.170

As dificuldades apontadas por Moreira Neto retratam situações gerais, colhidas de

uma análise de cunho político e social. Cada um dos problemas deve ser considerado de

forma isolada, evitando assim a teorização abstrata, que acabaria por padronizar as situações

reais. Tal abstração nos levaria a crer que os problemas de participação popular são os

mesmos para todas as classes sociais e, especificamente, iguais aos problemas encarados pela

168 MODESTO, Paulo. Participação Popular na Administração Pública: mecanismos de operacionalização.

Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 2, abril/maio/junho,

2005. Disponível na internet: <http//:www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 10/02/2013, p. 5. 169 O sociólogo Karl Emil Maximilian Weber, ou simplesmente Max Weber, foi o criador da teoria da

burocracia. Em sua teoria a burocracia seria uma organização estruturada por regras e procedimentos

regularizados, divisão de responsabilidades, especialização do trabalho e hierarquia. A expressão burocracia,

largamente utilizada nos tempos modernos para descrever um sistema lento, excessivamente formal e complexo,

na verdade, é uma das disfunções da organização burocrática proposta por Weber. 170 MODESTO, Paulo. Ibidem, p. 5.

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classe média urbana, o que não é verdade, pois “a participação não é uniforme em qualquer

lugar do planeta”.171

Exemplificando a necessidade de análise isolada das situações problema – apatia,

abulia e acracia políticas –, basta pensarmos que em uma situação de apatia, a criação de

novos instrumentos de participação formal poderia surtir efeito, no entanto, os mesmos

instrumentos, disponibilizados para cidadãos em estado de acracia, não passariam de

alegorias, tendo em vista o baixo grau de instrução e a distância desses indivíduos dos centros

de decisão, isso sem citarmos circunstâncias mais graves, como escravidão laboral e

coronelismo. Desta forma, resta claro que “as questões de participação popular em cada nível

ou situação referida reclamam soluções operacionais distintas”.172

Vanderlei Siraque aponta diversos fatores que obstam a participação popular. Cada um

desses problemas acaba por dar causa, direta ou indiretamente, às patologias descritas por

Moreira Neto – apatia, acracia e abulia política. De acordo com Siraque173,

Existem fatores políticos, culturais e jurídicos [...] que impedem ou dificultam a

realização concreta do direito à participação popular e ao controle social das

atividades do Estado. Dentre eles, citamos: clientelismo político; tráfico de

influências; assistencialismo ou paternalismo político; as dificuldades de acesso ao

Poder Judiciário; as dificuldades para acessar as informações públicas; a falta de

cultura participativa e de fiscalização.

Veremos, de maneira sucinta, cada um dos elementos elencados por Siraque, para que

possamos compreender melhor os motivos que os tornam barreiras à efetivação da

participação popular.

4.1.2 Clientelismo político

A utilização dos órgãos da administração pública através de agentes públicos, eleitos

ou nomeados, com intuito de beneficiar uns em detrimento de outros, sendo estes “outros” a

maior parte da população, caracteriza o Clientelismo Político.174 Qualquer utilização da

máquina pública objetivando privilegiar alguém ou certo grupo constitui um vício

administrativo e social que deve ser abolido, haja vista o claro desrespeito aos princípios

administrativos da moralidade e impessoalidade.

171 MODESTO, Paulo. Participação Popular na Administração Pública: mecanismos de operacionalização.

Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 2, abril/maio/junho,

2005. Disponível na internet: <http//:www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 10/02/2014, p. 4. 172 Idem, ibidem, p. 4/5. 173 SIRAQUE, Vanderlei. Controle Social da Função Administrativa do Estado: possibilidades e limites na

Constituição Federal de 1988. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 143 174 ALFRADIQUE, Cláudio Nascimento; SILVA, Gecilda Esteves. A Importância da Participação Popular

como Forma de Controle Social de Obras Públicas e Exercício da Democracia. 2006. Rio de Janeiro, p. 15.

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Os privilégios ofertados não estão vinculados a um patamar social, ou seja, quando se

diz que determinado indivíduo é beneficiado por uma atuação pessoal da administração, não

há uma ascensão social, mas apenas um tratamento que não é dado aos demais membros da

sociedade. Ademais, é notável que o clientelismo apresenta-se muito mais incisivo com

relação àquelas pessoas que se encontram abaixo da linha da pobreza, haja vista que são elas,

e não os membros da “elite”, que mais dependem dos serviços provenientes da máquina

pública.175

A prática do clientelismo político é imoral, uma vez que fere cabalmente o princípio

da moralidade administrativa. Tais condutas demandam, ainda, atuação pessoal por parte dos

agentes públicos, o que deflagra clara afronta ao princípio da impessoalidade. Ambos os

princípios atacados são conquistas trazidas, expressamente, pelo art. 37 da Carta Maior, o que

torna os comportamentos clientelistas claramente inconstitucionais.

Mas o desrespeito do clientelismo político à Carta Maior não se resume ao desdém aos

princípios supracitados, ele vai além. Vejamos atentamente os objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil, constantes no art. 3º da CF/88176. In verbis.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e

regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer outras formas de discriminação. (grifo nosso)

O clientelismo político manifestamente vai de encontro a um dos objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil, vez que consiste justamente em discriminar

cidadãos, ofertando-lhes benesses injustificadamente.

Para finalizar a lista de violações à Carta Magna, notemos o nítido desatendimento das

práticas clientelistas a um dos artigos mais importantes da Lei Maior, aquele que inaugura o

título responsável por tratar dos direitos e garantias fundamentais, abrindo caminho para o rol

dos direitos e deveres individuais e coletivos. Vejamos:

175 SILVA, Gecilda Esteves. Os Tribunais de Contas e o controle social: a proposta de criação de uma

ouvidoria para o tribunal de contas do Estado do Rio de Janeiro e sua importância no processo

democrático fluminense. 2008. 111 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Fundação Getulio Vargas,

FGV, Rio de Janeiro. 2008, p. 44. 176 BRASIL, Constituição Federal de 1988. In: SENADO FEDERAL. Legislação Republicana Brasileira.

Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso

em: 17/02/2014.

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Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes:

(...)

O mal trazido pelo clientelismo entende-se para além da série de violações morais,

legais e constitucionais, sendo responsável direto pelos problemas que envolvem a apatia,

abulia e acracia política. Aqueles que se beneficiam das práticas clientelistas, por receberem

benefícios de ordem pessoal, não se preocupam com o restante da população, já que o deles

está “garantido”. Por outro lado, os que não são privilegiados, ou seja, a maior parte dos

cidadãos, desacreditam na figura dos administradores públicos, preferindo afastar-se da gestão

da vida pública para não se “misturarem à corja”.

Vanderlei Siraque177 sugere uma série de ações a serem tomadas com o intuito de

combater o clientelismo político. Para o autor, o primeiro passo é a descentralização do poder

estatal, fazendo-se necessária a democratização das decisões tomadas pelos administradores,

resultando em uma co-gestão – entre cidadãos e governantes – da máquina pública. Esta

gestão compartilhada seria efetivada através de espaços comunitários, tais como: parques

públicos, escolas públicas, postos de saúde, dentre outros; importando salientar que, para isso,

seria necessária uma conscientização de toda comunidade, resultando na abertura e

aperfeiçoamento de canais de participação nas decisões, como, por exemplo, o já existente

orçamento participativo. Seguindo esta linha, imperioso também se faz a desburocratização da

administração pública com o intuito de que se evite a venda de facilidades, pois, uma vez que

o setor público funcione de modo simples, célere e justo para todos, desnecessário o interesse

na obtenção de benefícios de caráter pessoal. Em continuidade, Siraque elenca a importância

da implantação e aperfeiçoamento de mecanismos de transparência dos atos administrativos e

facilitação da divulgação de informações sobre os serviços públicos existentes e disponíveis e

o modo como a população pode ter acesso aos mesmos. Por último, mas não menos

importante, o autor destaca o papel dos debates entre cidadãos e poder público acerca dos

problemas cotidianos das comunidades, salientando que tais debates devem acontecer de

modo constante e continuado, de modo a não permitir a acumulação e agravamento dos

problemas.

177 SIRAQUE, Vanderlei. Controle Social da Função Administrativa do Estado: Possibilidades e Limites na

Constituição de 1988. São Paulo, Saraiva, 2005, p. 151.

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4.1.3 Assistencialismo ou paternalismo

O assistencialismo aqui tratado, aquele maléfico à efetividade da participação popular,

é, em verdade, um conceito reducionista da ideia de ser humano. É tradicionalmente pautado

em diversos meios de criar laços entre governante, aquele que “doa”, e governado, aquele que

recebe a “esmola”.178

A respeito do tema, as opiniões são divididas. Enquanto uma parcela encara o

assistencialismo como uma prática válida como paliativo para os inúmeros problemas sociais

existentes no país, outra, da qual fazemos parte, enxerga esta conduta como sendo maléfica à

democratização da Administração Pública, pois, apesar de, de certo modo servir para retirar, a

exemplo do programa bolsa família, várias famílias da miséria, esta prática só apresenta

resultados favoráveis no curto prazo, acostumando seus destinatários, que ficam acomodados

com a situação.

Para o deputado Vanderlei Siraque179,

O assistencialismo não encara o ser humano como um sujeito de direito e

obrigações, com dignidade, mas como um ser desprezível, que necessita somente

de ajuda e de caridade de forma episódica e não continuada. Fazer assistencialismo

e paternalismo é como dar o peixe, mas nunca ensinar a pescar. É dar a ajuda para o

desencargo de consciência, porém não criar condições objetivas para que o ser

humano possa sair da condição em que se encontra.

Segundo Gecilda Esteves Silva180, o assistencialismo ou paternalismo “acaba por

impedir a promoção da cidadania, a politização e as políticas públicas de combate à pobreza e

à ignorância”. Para a autora, “é preciso criar condições objetivas para que o homem possa sair

da condição em que se encontra, garantidas pela constituição e pela democracia plena”.

Ao invés da implantação de programas assistencialistas, algumas medidas poderiam

ser tomadas e incentivadas pelo governo a fim de garantir resultados de longo prazo e não

apenas “tapa buracos”.

Para Siraque181, o primeiro passo seria a garantia de uma assistência pública bem

delineada, com foco no atendimento àqueles que se encontram abaixo da linha da pobreza.

Outra medida seria a integração de Defensorias Públicas estaduais e municipais, objetivando a

178 VERONEZE, Renato Tadeu. Assistência Social enquanto política pública: na luta da separação do

assistencialismo e da filantropização. P. 196. 179 SIRAQUE, Vanderlei. Controle Social da Função Administrativa do Estado: Possibilidades e Limites na

Constituição de 1988. São Paulo, Saraiva, 2005, p. 162. 180 SILVA, Gecilda Esteves. Os Tribunais de Contas e o controle social: a proposta de criação de uma

ouvidoria para o tribunal de contas do Estado do Rio de Janeiro e sua importância no processo

democrático fluminense. 2008. 111 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Fundação Getulio Vargas,

FGV, Rio de Janeiro. 2008, p. 44/45. 181 SIRAQUE, Vanderlei. Ibidem, p. 164/168.

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garantia, aos mais necessitados, de acesso ao judiciário e obtenção de informações legais. Em

âmbito local, o estimulo à organização de cooperativas de trabalho e manufatura dos mais

variados produtos. Merece destaque, ainda, a formulação de parcerias entre Poder Público e

setor privado, onde o governo oferecesse vantagens, estimulando a responsabilidade social de

empresas de pequeno e grande porte, cada uma contribuindo na medida de seu potencial.

4.1.4 Falta de educação e cultura participativa

Um dos melhores critérios para se definir o desenvolvimento de um povo, é o nível de

participação de seus cidadãos na conjuntura sociopolítica de seu Estado. Quanto mais

desenvolvido é um país, mais vigoroso é o controle social exercido por seus populares, vez

que há uma preocupação geral em saber, minuciosamente, como está sendo aplicada a verba

pública. Um controle social efetivo, no entanto, depende tanto da atuação do povo como da

vontade da Administração. Deste modo, na hipótese do povo não possuir um bom grau de

instrução, restará impossibilitado de aferir se as ações desenvolvidas por seus governantes

estão em conformidade com aquilo que é de seu desejo, e mais ainda, se a conduta estatal

coaduna-se com as normas aplicáveis à Administração Pública. Ou seja, quanto mais

ignorante for o povo, mais liberdade o mau administrador terá para agir. É por isso que,

segundo Aguiar, Albuquerque e Medeiros182, “era, e em alguns rincões ainda é, comum a

manutenção de parcela da população com baixo grau de instrução, pois, assim, esta parcela

poderia ser utilizada como fácil massa de manobra, a fim de alavancar votos em eleições

futuras”.

No Brasil, é flagrante a falta de educação e cultura política da população. Apesar de

tantos instrumentos disponibilizados, a participação popular ainda encontra-se em níveis

baixíssimo. Para Peruzzo183, trata-se de uma herança que nos persegue desde o período

colonial. Segundo o autor:

Globalmente, há que se levar em conta que essa questão se hospeda dentro da

experiência histórica de um povo. Nas condições do Brasil e de outros países

latino-americanos, onde os povos não têm tradição nesse sentido, aliado isso à

reprodução de valores autoritários, à falta de conscientização política e a outros

fatores, pretender alcançar um grau de participação mais elevado é algo de difícil

concretização. Em nosso caso, desde o período colonial, nos foi obstada ou até

usurpada a possibilidade de avançar nessa prática. Nossas tradições e nossos

costumes apontam mais para o autoritarismo e a delegação de poder do que para o

assumir o controle e a co-responsabilidade na solução dos problemas.

182 AGUIAR, Ubiratan Diniz de; ALBUQUERQUE, Márcio André Santos de; MEDEIROS, Paulo Henrique

Ramos. A administração pública sob a perspectiva do controle externo. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p.

152. 183 PERUZZO, C. M. K. Comunicação nos movimentos populares. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 73.

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No mesmo sentido, registra Gunter Axt184. Vejamos:

O que está dando errado? Para Dahl, o entendimento esclarecido – amplo

conhecimento das regras do jogo pelos cidadãos – é essencial. Séculos de um

sistema educacional precário inviabilizam aqui essa condição. Sem educação de

verdade não qualificaremos o debate público. Democracia, como diz Stephen

Holmes, não é simplesmente governo da maioria, mas é, sobretudo, o governo que

se dá pela discussão pública.

Paulo Modesto185 defende que o problema da participação popular não pode ser

resolvido pela simples inserção de novos instrumentos no aparato normativo participativo.

Para o professor baiano, a ampliação do leque de ferramentas participativas, sem

concomitante amadurecimento político e cultural dos cidadãos, acarretaria efeito meramente

ludibriador de eficácia simbólica:

É ingenuidade supor que o incremento da participação popular na administração

pública possa ser isolado da questão da participação popular nos demais setores do

Estado ou reduzido a uma questão meramente jurídica, relacionada unicamente à

definição de instrumentos normativos de participação. A participação popular é

sobretudo uma questão política, relacionada ao grau de desenvolvimento e

efetivação da democracia. O aparato jurídico é incapaz de induzir a participação

popular; mais ainda, frequentemente cumpre papel inverso, dificultando a

participação, estabelecendo mecanismos de neutralização e acomodação

extremamente sutis.

4.1.5 Dificuldade para acessar as informações públicas

No Brasil, muitas são as dificuldades encontradas para que a população possa ter livre

acesso às informações públicas. Boa parte destas dificuldades está atrelada a uma falta de

cultura cívica que abrange tanto a comunidade quanto os agentes públicos, responsáveis pela

cessão das informações. Difícil de acreditar, mas parcela considerável deles considera as

informações estatais um segredo da Administração Pública.186

O amplo acesso às informações públicas, compreensíveis para todos os cidadãos, é

corolário de uma gestão pública transparente. Assim sendo, configura-se dever dos gestores

públicos, para garantia desta gestão transparente, conferir limpidez aos atos administrativos,

de modo que qualquer cidadão médio tenha capacidade de acompanhar, participar e controlar

184 AXT, Gunter. Democracia no Brasil: um breve histórico. In: Revista Cult, n 137, ano 12, jul/2009.

Disponível em: http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/democracia-no-brasil-um-breve-historico/>. Acesso

em: 10/02/2014, p. 49. 185 MODESTO, Paulo. Participação Popular na Administração Pública: mecanismos de operacionalização.

Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 2, abril/maio/junho,

2005, p. 3. 186 SILVA, Gecilda Esteves. Os Tribunais de Contas e o controle social: a proposta de criação de uma

ouvidoria para o tribunal de contas do Estado do Rio de Janeiro e sua importância no processo

democrático fluminense. 2008. 111 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Fundação Getulio Vargas,

FGV, Rio de Janeiro. 2008, p. 46.

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suas atividades. Ou seja, a administração não deve ater-se apenas à mera divulgação e

publicação de relatórios técnicos complexos, ininteligíveis a maior parte dos administrados.187

Para Torres, “em grandes linhas, a transparência e a disponibilização da informação no

setor público consagram, entre outros, dois grandes objetivos: atacar o importante problema

da corrupção e propiciar o aperfeiçoamento constante das ações estatais”.188

O aumento da transparência das ações da Administração Pública leva à consequente

ampliação dos mecanismos de controle social, refletindo diretamente sobre a

responsabilização dos governantes, o que inevitavelmente acarreta na diminuição dos índices

de corrupção praticados no setor público.189

O outro objetivo apontado pelo autor é também consequência necessária da circulação

das informações. Quanto maior a transparência, maiores as chances e possibilidades de

implantação e ajuste das políticas públicas de modo mais eficiente e eficaz. Além disso, a

ampliação da difusão de informações permitirá maior interação do cidadão com os

governantes, o que ocasionará um aprimoramento das políticas públicas.190

A Lei de Responsabilidade Fiscal normatiza instrumentos de transparência da gestão

pública fiscal, aos quais deve ser dada ampla divulgação pelo administrador público, que

deverá valer-se de todos os meios possíveis, não se limitando ao uso de diário oficial. A Lei

Complementar nº 101 atesta a necessidade da existência de versões simplificadas destes

instrumentos, possibilitando, desta forma, o acesso de qualquer cidadão à informação. É o que

vemos no art. 48 da referida lei. In verbis.

Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada

ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos,

orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo

parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de

Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

A participação popular só poderá consolidar-se por meio do acesso do cidadão à

informação. A divulgação das informações públicas possibilita o estabelecimento de relações

mais estreitas entre Estado e sociedade civil. É prerrogativa do cidadão saber o que se passa

187 MOREIRA, Alguimar Serafim; CALDAS, Vivaldo José de Araújo. Controle Social da Administração

Pública e Princípios Administrativos, Dois Mecanismos e Uma Meta: gestão pública transparente, p. 3. 188 TORRES, Marcelo Douglas de Figueiredo. Estado, Democracia e Administração Pública no Brasil. Rio de

Janeiro: Editora FGV, 2004, p. 42. 189 Idem, ibidem, p. 42. 190 Idem, ibidem, p. 42.

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na vida pública, não podendo o administrador negar-lhe esse direito, pois “o Estado tem

caráter público pertencendo não ao administrador, mas, ao povo”.191

4.1.6 Corrupção

Corrupção pode ser definida como “um desvio de normas que envolve trocas

clandestinas entre o agente público e um terceiro, o corruptor”192.

As causas desta mazela estatal são inúmeras, dentre as quais, três merecem destaque.

Em primeiro lugar, temos que o ato corrupto nada mais é que um arbítrio pessoal do agente

público que, mensurando as vantagens e possíveis retaliações, opta pela ilegalidade. Para

Becker193, “uma pessoa comete um crime quando a expectativa de recompensa excede os

ganhos que ela obteria usando seu tempo em outras possibilidades de negócio. Muitas pessoas

tornam-se corruptas não porque a motivação delas difira de outras, mas porque suas equações

de custo e benefício diferem”.

Outra motivação para a ação corrupta, desta vez específica de cargos públicos eletivos,

está relacionada ao financiamento eleitoral. Campanhas com valores astronômicos, aliadas à

vontade de permanência no cargo que tanto lhe traz vantagens, levam a alianças entre gestor

público e atores do mercado (com destaque para o mercado clandestino), que lhes garantem

apoio financeiro em troca de privilégios futuros. Nesses casos, “o dinheiro não vai

diretamente para o bolso do político, mas vira uma reserva monetária custeada por capitalistas

amigos para garantir, mais tarde, sua sobrevivência política”194.

Por último, temos uma explicação que supera a questão do custo-benefício envolver

uma única variável, ou seja, valores econômicos. A corrupção leva também em consideração

valores morais, ou melhor, o custo moral de praticar a ação corrupta. Sobre custo moral,

discorre Luiz Alberto Weber195:

A noção de custo moral reflete a ideia de que os indivíduos são capazes de ponderar

a censura da sociedade e avaliar a conveniência de se transgredir ou não as

convenções normas do grupo. Para o indivíduo, o custo moral é tanto mais baixo

quanto mais frágil o círculo moral de reconhecimento que fornece ao personagem

191 MOREIRA, Alguimar Serafim; CALDAS, Vivaldo José de Araújo. Controle social da administração

pública e princípios administrativos, dois mecanismos e uma meta: gestão pública transparente. In: Anais

da Conferência Internacional de Estratégia em Gestão, Educação e Sistemas de Informação (CIEGESI), Vol. 1, No. 1, Goiânia: jun. 2012. Disponível em:

<http://www.prp.ueg.br/revista/index.php/ciegesi/article/view/761/806>. Acesso em: 10/02/2014, p. 6/7. 192 WEBER, Luiz Alberto. Capital social e corrupção política nos municípios brasileiros (o poder do

associativismo). 2006. 109 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Instituto de Ciência Política da Universidade

de Brasília, UNB/DF, Brasília. 2006, p. 31. 193 Apud WEBER, Luiz Alberto, ibidem, p. 31. 194 Idem, ibidem, p. 31. 195 Idem, ibidem, p. 32.

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as regras de respeito à lei. Em síntese, pode-se definir custo moral como o bem

perdido por causa de uma transação ilegal.

Em outras palavras, custo moral justifica a transformação do agente público ético em

corrupto, pois por mais “puro” que seja o indivíduo, se afastado de seu grupo de referência,

com custo moral elevado, e introduzido numa estrutura estatal corrupta, onde o custo moral é

quase inexistente, invariavelmente estará mais suscetível a corromper-se.

Pois bem, uma vez envolvidos em esquemas de corrupção, logicamente, é de interesse

dos maus governantes facilitar ao máximo a continuidade e impunidade de suas atividades

ilegais. Por isso, buscam dificultar, desestimulando e burocratizando, o acesso daqueles que

deveriam ser os maiores fiscalizadores dos atos governamentais: os cidadãos.

Uma das táticas dos maus governantes é a manipulação da população por meio da

implantação de instrumentos participativos maquiados, sem efetividade, mas que aparentam

estar cumprindo seu papel democratizante. Neste mérito, comenta Peruzzo196 que

Manipular a comunidade denota a tentativa de, via de regra, de forma velada,

adequar suas demandas aos interesses de quem detém o poder. Quando isso se torna

difícil, é comum o processo participativo ser interrompido. Nestas circunstâncias, a

participação pode ser uma farsa, usando-se o grupo social como massa de manobra

para angariar popularidade e legitimação política, com vistas a um desempenho

eleitoral favorável.

Clientelismo, assistencialismo ou paternalismo, dificuldades de acesso às informações

públicas e a falta de cultura participativa, são mazelas diretamente ligadas à corrupção

administrativa. Nada mais são que meios financiados e estimulados pelos corruptos, pois é de

seu total interesse manter a população à margem da vida pública, o que lhes garante total

liberdade e certeza de impunidade. A este respeito, perfeitas as palavras de Vanderlei Siraque:

Os clientelistas, despachantes de luxo, do Executivo e do Legislativo não promovem

a cidadania e a politização da comunidade, nem políticas públicas de inclusão social,

não buscam a universalização dos serviços públicos e a participação cidadã nas

decisões da Administração Pública. Na realidade, vivem à custa da pobreza social,

política, espiritual e intelectual da população. Para essas autoridades não interessa a

organização da comunidade. Não interessa a eles a consciência de direitos e as

garantias constitucionais. Interessa a patuleia, clamando por favores a seus pés e

depois agradecendo as migalhas recebidas, pois, assim, curral eleitoral se perpetua

juntamente com as misérias humanas!197

É certo que a corrupção diminui à medida que cresce a economia. Dentre todas as

justificativas desta relação, encontra-se o fato de que, com o aumento da riqueza de um país,

aumenta também o nível educacional e, consequentemente, a instrução da população, que terá

196 PERUZZO, C. M. K. Comunicação nos movimentos populares. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 80. 197 SIRAQUE, Vanderlei. Controle Social da Função Administrativa do Estado: Possibilidades e Limites na

Constituição de 1988. São Paulo, Saraiva, 2005, p. 151.

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maior interesse e possibilidade em identificar e punir a corrupção. Segundo Weber198,

pesquisas e literatura mostram que “uma renda média elevada e alto desenvolvimento humano

estão associados a comunidades com melhor gestão dos recursos públicos”.

É certo que os instrumentos que permitem a participação do cidadão na administração

pública são pouco utilizados e diversas vezes manipulados pelos maus administradores. Deste

modo, de nada adianta possuir uma gama imensa de mecanismos, se seus destinatários não

estão interessados ou preparados para usá-los. É preciso que cada cidadão compreenda seu

papel e o poder de sua atuação, e para isso, é imprescindível que seja desenvolvido um senso

crítico, implementado por um amplo investimento em educação.

Para Paulo Modesto199, os problemas que dificultam a efetividade da participação

popular na administração pública não se resumem à ausência de instrumentos normativos.

Segundo o professor, a real causa pode ser percebida em “dimensões não normativas”:

A ordem jurídica brasileira não é carente de instrumentos normativos para

operacionalização da participação popular na administração pública. Mas a

participação permanece escassa. Falta uma clara percepção de suas dimensões não

normativas e a exploração mais atenta das normas existentes.

Muitas são as soluções indicadas para resolver o problema da corrupção, de suas

variantes, e consequentemente permitirem uma participação popular verdadeiramente efetiva,

mas uma coisa é certa: qualquer que seja a medida tomada, deverá inevitavelmente passar

pela educação da população.

A educação é incontestavelmente a mais vigorosa ferramenta para o enfrentamento do

problema da corrupção e suas variantes. É verdade que um investimento em educação

apresentará resultados apenas no longo prazo, mas só estes serão capazes de possibilitar uma

democracia verdadeira, tal como idealizada pela Carta Maior.

198 WEBER, Luiz Alberto. Capital social e corrupção política nos municípios brasileiros (o poder do

associativismo). 2006. 109 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Instituto de Ciência Política da Universidade

de Brasília, UNB/DF, Brasília. 2006, p. 90. 199 MODESTO, Paulo. Participação Popular na Administração Pública: mecanismos de operacionalização.

Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 2, abril/maio/junho,

2005, p. 8.

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CONCLUSÃO

Diante de tudo que foi exposto ao longo desse trabalho, podemos chegar a algumas

conclusões. A primeira delas é que a noção de participação popular percorreu vasto terreno

até chegar ao que é hoje. Inicialmente com a participação garantida pela democracia direta

dos gregos, passando pelos modelos participativos da democracia representativa da idade

média, até a chegada do ápice participativo com o nascimento da democracia semidireta ou

participativa da modernidade.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 foi verdadeiro divisor de águas no que diz

respeito à garantia dos direitos sociais. A implantação do Estado Democrático de Direito

trouxe diversas inovações à ordem constitucional, destacando-se dentre elas o princípio da

soberania popular, base para a elevação da participação popular à condição de direito

fundamental.

Com o princípio da soberania popular, através do qual o poder é do povo, dele emana

e a ele pertence, vieram os instrumentos responsáveis por garantir o exercício deste poder.

Seja em âmbito constitucional, seja no infraconstitucional, estamos cercados de um aparato

capaz de materializar a soberania do povo, no entanto, não é isso que vemos.

Hoje o Brasil vive uma democracia representativa, mas seria ela participativa como

almejava a constituição de 1988? Cidadania, democracia e participação popular são os pilares

de uma sociedade plena e justa. Porém, as classes populares brasileiras encontram-se nos

níveis mais baixos de participação na gestão publica, pois são poucas as pessoas que utilizam

os meios ofertados pelo ordenamento (audiências públicas, consultas públicas, conselhos

gestores de políticas públicas, orçamento participativo, etc.).

Diversas dificuldades são encontradas por aqueles que tentam participar da condução

da vida pública na condição de meros cidadãos, ou seja, sem possuírem vínculo direto com a

administração, seja por meio de cargo efetivo ou eletivo.

Inadmissível pensar que em pleno século XXI ainda nos deparemos com práticas

clientelistas, oriundas do período do Brasil Colônia, mas essa é uma triste realidade.

Assistencialismo, tráfico de influências, e falta de transparência e informação sobre os atos

administrativos ainda são realidade na administração pública brasileira.

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Tais mazelas dificultam a efetividade da participação administrativa, uma vez que

impedem que a maior parte da população se quer saiba que possui direito a participar; ou

ainda, os que conhecem o direito, não sabem como exercê-lo. Mas não só por isso. A pequena

parcela dos cidadãos que possui conhecimento sobre todos os seus direitos, bem como a

maneira correta de exercê-los, ou situa-se dentre os que recebem privilégios ilegais ou

encontra-se desestimulada e descrente na possibilidade de alguma mudança de panorama.

Certo é que, via de regra, boa parcela da problemática que envolve a inefetividade da

participação popular na administração pública está ligada a um problema dos mais difíceis de

combater: a corrupção.

Portanto, não é por meio da inclusão de novos instrumentos que se conseguirá uma

alteração do cenário participativo brasileiro. O ordenamento jurídico já nos oferece tantas

ferramentas que ainda hoje se encontram inutilizadas ou mal aproveitadas, que a oferta de

novos instrumentos de nada adiantaria, além de dar uma falsa impressão de garantismo.

Embora vivamos num Estado de regime democrático, os cidadãos, em sua maior parte,

nada mais são que súditos da administração, massa de manobra dos maus gestores. Com uma

parcela da população que desconhece os próprios direitos – a maior, diga-se de passagem –

outra que se omite e uma terceira que se beneficia das más práticas, a quem cabe engrenar a

mudança?

É necessário democratizar não apenas o Estado, mas a sociedade. Democracia deve

deixar de ser apenas uma nomenclatura, passando a ser exercida de fato. Requerer

participação popular é requerer a concretização da democracia, é requerer efetivação de um

direito fundamental.

O que o país precisa é de educação, não só aquela que nos ensina a somar e assinar o

próprio nome, mas uma educação participativa. Para isso, é necessário um engajamento entre

sociedade e a parcela de “bons governantes” que ainda nos restam.

Educação e consciência política da sociedade são essenciais para a utilização dos

meios de participação popular disponíveis, esses elementos visam uma participação mais

efetiva e ajudam a compreender melhor a administração. Como dito anteriormente, é

necessário desenvolver a identidade coletiva na sociedade para alcançarmos uma democracia

participativa, diminuindo, assim, a aplicação de modelos de pseudo-participação, criando um

terreno fértil para o desenvolvimento de um país menos desigual.

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