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Revista Pensar Direito, v.6, n. 2, Jul./2015
A POSSÍVEL INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVILde 2002
Mariana Swerts Cunha1
Murilo Sant’Anna2
RESUMO
O estudo desenvolvido nesse trabalho aborda a possível inconstitucionalidade doartigo 1.790 do Código Civil de 2002. Pretende demonstrar como o regramento édesfavorável ao companheiro sobrevivente em relação ao cônjuge sobrevivo. A nãoobservância dos ditames da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,de se dar especial proteção à união estável, não foi obedecida no direito sucessóriopelo legislador ordinário, fato que levaria a possível inconstitucionalidade domencionado art. 1790 do Código Civil. Mediante pesquisa essencialmentebibliográfica, o texto procura demonstrar que o legislador infraconstitucional agiu demodo deliberado, consciente e discriminador ao fixar as regras sucessórias emrelação aos conviventes na união estável o que afronta o texto constitucional.
Palavras chave: União Estável; Sucessão; Inconstitucionalidade.
INTRODUÇÃO
A abordagem do presente artigo pretende identificar distorções existentes
no tratamento sucessório dos companheiros em relação aos cônjuges, por não
observar determinações estabelecidas na Constituição de 1988 e disciplinadas do
Código Civil de 2002.
De certo que outrora as transformações experimentadas pela humanidade
fomentaram novas ideias e comportamentos, mormente nas formas de constituição
de família.
Muitos conceitos se firmaram no decorrer dos tempos, e a partir dessas
concepções tornaram-se possíveis mudanças no conceito de família, conforme se
1Advogada, especialista em Processo Civil, Mestranda em Direito pela Escola Superior Dom HelderCâmara e Professora na Faculdade Kennedy de Minas Gerais.2 Acadêmico em Direito do 10º período, da Faculdade Kennedy de Minas Gerais.
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depreende na atualidade, no que se refere a possíveis variações na composição das
famílias.
A união entre o homem e a mulher, união estável, passou a ter efeitos
sucessórios após ser reconhecida, no texto constitucional, como entidade familiar,
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento é o que se verifica no artigo 226,
§3º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Assim, não mais se
reconhece somente o casamento civil como único modelo de união conjugal.
Tal determinação demonstra a atenção do Estado em absorver novos
conceitos atinentes às evoluções sociais, no caso a sociedade brasileira, e que se
refletem sobremaneira no direito sucessório.
Conforme o pensamento acima transcrito a literalidade na Constituição da
união estável rompe definitivamente com o padrão do casamento como única forma
legítima de se constituir a vida em família, seus desdobramentos jurídicos,
especialmente o sucessório aqui objeto de análise.
A união estável é modelo de família e tem como regra, se não houver
disposição em contrário, o regime da comunhão parcial de bens, sendo sob este
regime de casamento a análise e considerações trazidas aqui.
Para o desenvolvimento do presente trabalho foi utilizado o método
bibliográfico, com o intuito de que se pudesse desenvolver os argumentos
necessários para demonstrar a possível inconstitucionalidade do artigo 1.790 do
Código Civil de 2002. Pretende o convencimento do leitor para que este se filie às
críticas apresentadas.
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
O casamento religioso, por longos anos, era a única maneira de se
constituir uma família que fosse reconhecida pelo Estado.
Após a instituição da República, o Estado distanciou-se da igreja,
tornando-se laico, assim o casamento civil era o que reunia meio legal de
constituição de família, podendo coexistir o matrimônio religioso com efeitos civis.
Indiferentes ao preceito legal, inúmeros casais já coabitavam ou
mantinham relacionamento, inclusive com acúmulo de bens, sem que houvesse a
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celebração do casamento civil ou religioso com efeitos civis, o que resultou em
uniões livres.
O Supremo Tribunal Federal ao reconhecer a figura dos companheiros,
editou a Súmula 35 de 09/05/63, que preceitua: “em caso de acidente do trabalho ou
de transporte, a concubina tem direito de ser indenizada pela morte do amásio, se
entre eles não havia impedimento para o matrimônio”.
A súmula acima em sua literalidade resguardava o direito à concubina de
ser indenizada pela morte do “amásio” em caso de acidente de trabalho ou
transporte, se entre eles não houvesse impedimento para o matrimônio.
Outro entendimento do STF, que tratava da sucessão do companheiro
pré-morto, veiculada por meio da Súmula 380 de 03/04/64 aduz: “Comprovada à
existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução
judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.
A Suprema Corte, por meio da súmula citada acima, reconhece a figura
dos companheiros, porém a formação da união deveria estar vinculada a uma
sociedade de fato, considerada aquela em que o relacionamento dos companheiros
é real, contudo, desfeita a união concubinária, a companheira partilharia dos bens
havidos por desforço comum durante a união.
Semelhante texto fora introduzido por meio da emenda 358 de 1984 do
Senador Nelson Carneiro, por sugestão do Dep. Ricardo Fiuza, em que a inserção
alterou o caput, que ficou da seguinte forma: “quanto aos bens adquiridos na
vigência da união estável”.
Ocorre que tal inserção foi definida antes da promulgação da Constituição
de 1988, onde, por meio do poder constituinte, este superou a condição imposta
pela emenda 358, elaborada com base no artigo 668 do anteprojeto do Código Civil
de Orlando Gomes.
Com objetivos mais amplos, a Carta Cidadã, equiparou as famílias,
porém, não quis regulamentar deste modo o legislador ordinário no CC/02.
Com a promulgação da Constituição de 1988 a união estável foi
reconhecida como entidade familiar é o que se depreende do artigo 226, §3º da
CRFB/88, in verbis:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
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§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estávelentre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar suaconversão em casamento. (C.F. BRASIL, 1988).
Curiosamente o texto final do artigo 1.790, que já havia sido debatido, foi
aprovado em meandros do mês de dezembro de 1997. Permaneceu integrado a lei o
texto da emenda 358 de 1984 do anteprojeto do Código Civil.
Por ocasião da edição do Código Civil de 2002, as regras sucessórias
entre companheiros foram novamente discutidas, assim as Leis 8.971/94 que tratava
do direito a alimentos, a sucessão, como também a Lei 9.278/96 que regulava o §3º
do art.226 da CFRB/88, foram de início, entendidas revogadas, com base na Lei
Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto 4.657/42, art.2º, §1º, de onde se
transcreve:Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até queoutra a modifique ou revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare,quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matériade que tratava a lei anterior. (Decreto 4.657/1942)
Contudo, diante de diversos questionamentos suscitados por
doutrinadores e a casuística levada ao judiciário, passou-se a adotar a analogia para
dar equilíbrio entre o regramento, incompleto e menos favorável, do companheiro
sobrevivente em relação ao cônjuge supérstite veiculado no CC/02.
O fato de o legislador firmar o regramento da sucessão dos companheiros
consistiu um avanço na questão sucessória, contudo, consignou graves distorções,
desproporcionalidades e, desigualdades aos companheiros em relação ao cônjuge,
é o que se pretende demonstrar evidente por meio deste artigo.
As análises produzidas neste artigo considera a união estável quanto ao
regime de casamento de comunhão parcial. Para Maria Berenice Dias (2011) o
regime de casamento pode ser estabelecido pelos companheiros de forma diversa
da comunhão parcial, por meio de contrato.
2. ASPECTOS DA UNIÃO ESTÁVEL
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Para que haja o entendimento das questões trazidas neste artigo alguns
conceitos serão aclarados.
Afigura-se reconhecida no artigo 1.723 do CC/02, como entidade familiar
a união estável entre o homem e a mulher3, configurada na convivência pública,
contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Etimologicamente a palavra união é proveniente do latin unio, onis, que
significa ato ou efeito de unir, junção de duas pessoas ou coisas e, estável por sua
vez, significa firme e duradouro.
Para Pablo Stolze Gagliano união estável é: “uma relação afetiva de
convivência pública e duradoura entre duas pessoas, do mesmo sexo ou não, com o
objetivo imediato de constituição de família”. (GAGLIANO, 2014)
O instituto da União Estável apresenta alguns elementos
caracterizadores, tais elementos foram conceituados com base nos ensinamentos de
Pablo Stolze (2014)4,analisados a seguir:
Elemento caracterizador da união estável a publicidade, estabelece que a
convivência pública, implica em uma aceitação social, portanto, o reconhecimento da
existência de uma família pela comunidade em que os companheiros estão
inseridos.
Consistente na relação permanente do casal, a Continuidade exclui a
possibilidade de ser um namoro, apenas uma aventura sem importância, fazendo
crer para a sociedade que aquele relacionamento se encontre definido, com aspecto
consistente de um casal em matrimônio.
A demonstração de uma longa convivência é a Estabilidade, não marcada
por revezes aparentes que coloque em o risco o rompimento do casal, é o
amadurecimento da relação conjugal.
Identificada no ambiente social de sua relação, o Objetivo de Constituição
de Família, consiste na aceitação de que desfrutam os conviventes, sendo
suficientemente convincente de que se trata de um casal que almeja, não somente o
3ADPF132-RJ e ADIN4.277DF EMENTA: (...)UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MASAPENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITOCONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEMHIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADECONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”(...)4 GAGLIANO, Pablo Stolze; RODOLFO, Pamplona Filho. Novo Curso de Direito Civil. 4º Ed. rev eatual.v6. São Paulo. Saraiva, 2014
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acúmulo de um patrimônio comum, mas também, uma possível prole e uma vivência
harmônica afetiva familiar.
Neste sentido, Pablo Stolze Gagliano (2014) diz não haver hierarquia
entre modalidade de família, afirma “Com a admissão expressa da Constituição
Federal da união informal entre homem e mulher como família, rompeu-se uma
tradicional supremacia do modelo casamentário como único standard possível e
legitimado”.
Para que se reconheça a união estável não haverá a necessidade de
chancela estatal.
Já no que concerne à realização do comando constitucional de
converterem em casamento a união estável, esta, se dará, por meio de
encaminhamento de pedido ao juízo, pelos companheiros e, posteriormente levada
ao Registro Civil, é o que prediz o artigo 1.726 do CC/02.
O doutrinador Flávio Tartuce (2014), ao estabelecer crítica a esta norma
onde se verifica estar, a norma, segundo ele, na contramão do mandamento
constitucional de facilitar a conversão em casamento.
Como se verifica, resta patente o tratamento discriminatório.
Os conceitos de discriminação e preconceito foram obtidos do
Departamento de Direitos Humanos e Cidadania do Estado do Paraná (DEDIHC)5,
onde temos.
Preconceito:É uma opinião, em geral negativa, que se forma sobre determinada pessoaou sobre um grupo de pessoas e que se desenvolve antes mesmo de seconhecer os fatos e as razões do outro. Em outras palavras, trata-se dejulgamento antecipado, geralmente baseado no fato daquela pessoa ougrupo ser diferente de quem sente o preconceito. Possíveis diferenças entrepessoas ou grupos vão justificar que uns se sintam superiores aos outros ese julguem com mais direitos e privilégios.
E discriminação:Discriminar significa separar, isolar, estabelecer diferenças. Quando opreconceito deixa de ser apenas uma ideia e se transforma em atos,caracteriza-se a situação de discriminação, que pode ocorrer em função dosexo, da cor da pele, da religião, da idade, de uma deficiência, daorientação sexual ou da nacionalidade.
5http://www.dedihc.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=16
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Faz-se importante diferenciar a união estável do concubinato, este, não é
considerado entidade familiar, e sim, uma relação simultânea a outra relação
preexistente, o termo reveste-se de um estigma depreciativo, ao concubinato se
aplica as regras de Direitos das Obrigações e sua definição encontra-se no artigo
1.727 do CC/02 a saber, “as relações não eventuais entre o homem e a mulher,
impedidos de casar, constituem concubinato”.
Por outro lado, a sociedade de fato, consiste em uma convivência
baseada em condição obrigacional, sustentada por um contrato de sociedade de
pessoas que prevejam esforços comuns para angariar patrimônio ao casal, onde não
precisa haver vivência duradoura e estável, sendo a união identificável antes que se
identifique ali uma família.
Como se infere, existem várias peculiaridades que distinguem a união
estável das demais uniões paralelas, merecendo a união estável tratamento
diferenciado do constituinte, como será a seguir abordado.
2.1 A UNIÃO ESTÁVEL NO TEXTO CONSTITUCIONAL E NO CÓDIGO CIVIL DE2002
No entendimento de Leonardo Barreto Moreira Alves, Promotor de Justiça
do Estado de Minas Gerais, Membro do (IBDFAM), a família é meio de promoção
pessoal de seus membros, vai além da previsão jurídica de casamento, união
estável e monoparental, em que passa a ser formada pela relação de afeto, onde
uns reconheçam aos outros como família.
O constituinte considera a união estável uma entidade familiar prevendo
que a lei deve facilitar sua conversão em casamento, não será, portanto a união
estável igual ao casamento, contudo não haverá hierarquia entre estas entidades
familiares, (TARTUCE, 2014). Estarão, portanto, equiparadas.
O Código Civil brasileiro de 2002, com o intuito de atender ao
especificado no artigo 226, §3º da CRFB/88, editou, em seu artigo 1.790, tratamento
específico referente às questões sucessórias do companheiro ou companheira
sobrevivente.
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Ocorre que algumas disparidades rumaram em desacordo ao princípio
paradigmático da Dignidade da Pessoa Humana que permeia toda a CRFB/88, e,
por consequência todo o sistema jurídico nacional.
Um dos pontos do artigo 1.790 a serem atacados nesse estudo
corresponde justamente à modificação introduzida referente aos bens adquiridos
onerosamente na vigência da união estável, pois, esta condição restringe a
participação do convivente sobrevivo na herança.
Por meio da analise desta estrutura formal da lei, será possível
estabelecer a relevância do instituto união estável e iniciar um comparativo à posição
ocupada pelo cônjuge nesta estrutura.
Para tanto, é de fundamental importância que se observe em que posição
o Instituto foi inserido no Texto Constitucional e no CC/02, assim descrito;
Na Constituição de 1988:
Título III - da Ordem Social, Capítulo VII - Da Família, da Criança, do
Adolescente, do Jovem e do Idoso, mais precisamente o artigo 226, §3º;
Já o artigo 1.790 da Lei 10.406/02 (CC/02):
Encontra-se no Livro V - do Direito das Sucessões, relegado ao Título I -
da Sucessão em Geral, Capítulo I - das Disposições Gerais.
Diferentemente a figura do cônjuge:
Disposto no artigo 1.829 do CC/02, no Livro V - do Direito das Sucessões,
Título II - da sucessão Legítima, Capítulo I - da Ordem da Vocação Hereditária.
Ao se observar a disposição estrutural dos textos legislativos, CC/02, e,
tendo que, os institutos da União estável e o Casamento, são institutos semelhantes,
não poderiam ser dispostos em desigualdade no mesmo diploma.
Mais das vezes ocorrem relações subsequentes, alternadas entre
casamento e união estável, quão próximo, estão os institutos, não vislumbradas pelo
legislador ordinário, porém percebidas pelo legislador constitucional.
Deste modo, desprivilegia-se o princípio da dignidade da pessoa humana,
tornando a regra desprovida de equidade, assim, retira-se do regramento a
razoabilidade, e, não sendo equânime, será o texto infraconstitucional, discriminador,
como se percebe no julgado a seguir:
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EMENTA: Arrolamento. Companheiro sobrevivente. Reconhecimentoincidental da união estável, à vista das provas produzidas nos autos.Possibilidade. Exclusão do colateral. Inaplicabilidade do art. 1790, III, doCC, por afronta aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoahumana e leitura sistematizada do próprio Código Civil. Equiparação aocônjuge supérstite. Precedentes. Agravo improvido6. (Agravo de InstrumentoNº 9038234-20.2008.8.26.0000, 8ª Câmara de Direito Privado, Tribunal DeJustiça De São Paulo, Rel. Des. Caetano Lagrasta, julgado em 06/05/2009)
Ainda, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu primeiro
parágrafo afirma que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade
e em direitos”, assim os companheiros deveriam ter tratamento, não menos
privilegiado, que os cônjuges no Código Civil de 2002.
2.2PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À UNIÃO ESTÁVEL
Para que se tenha consolidado um arcabouço jurídico estruturador e
legitimador que reconheça um instituto jurídico, deve-se entender ser aquele tema
cuja relevância jurídica justifique um estudo e abordagens individualizados,
necessário, então, fundamentá-lo em conceitos principiológicos que determinam a
relevância de tal instituto para a sociedade.
O instituto União Estável fora concebido, considerado diversos princípios7
aplicáveis ao instituto, conceituados segundo Guilherme Henrique Lima Reinig
(Revista dos Tribunais, 2013) a seguir:
Norteador de todo o sistema jurídico pátrio o Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana, privilegia os Direitos Humanos e sociais, valoriza o ser individual e
coletivamente, irrompendo deste os demais princípios, sem que este supraprincípio
conflite com outro princípio, a exemplo dos que se seguem.
Permissivo constitucional inovador o Princípio do Pluralismo das
Entidades Familiares, cinde com o modelo tradicional de família instituído pelo
casamento possibilitando novos e diversificados arranjos familiares;
6Agravo de Instrumento Nº 9038234-20.2008.8.26.0000, 8ª Câmara de Direito Privado, Tribunal DeJustiça De São Paulo, Relator: Des. Caetano Lagrasta julgado em 06/05/2009. Disponível em:<http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=3618121&cdForo=0>. Acesso em 15 de junhode 2015.7 Princípio é espécie normativa. Trata-se de norma que estabelece um fim a ser atingido (FREDIE,Didier Jr, 2013).
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No topo do ordenamento jurídico brasileiro está o Princípio da Supremacia
da Constituição, é a lei maior, não poderão as normas infraconstitucionais contrariar
este princípio sob pena de inconstitucionalidade;
A CRFB/88, ao garantir especial proteção à família, instituiu também a
igualdade entre homens e mulheres, e entre filhos, com especial proteção aos novos
arranjos familiares, estes são direitos subjetivos que delimitam o nível de proteção
que pretende a Carta Cidadã, assim, por meio do Princípio da Proibição do
Retrocesso Social, não se permite que haja a retirada destas conquistas.
A garantia da liberdade individual, diretiva do Princípio da Liberdade e da
Igualdade, organiza e limita o que se tem como liberdade proporcionalmente ao que
se tem como igualdade. Afastam-se submissões que excluiriam a liberdade de modo
a não permitir discriminações como a exemplo, escolha pelo modelo de família
homoafetiva.
Por meio de direitos sociais e individuais impostos ao próprio Estado o
Princípio da Afetividade é alcançado pela CRFB/88. Não está descrito
expressamente na Constituição de 1988 tal princípio, contudo, reafirma a dignidade
das pessoas, ilustra o enlace afetivo e, no âmbito familiar a afetividade é seu
formador, este princípio protege e valida à tutela jurídica prestada, exemplificando, à
união estável.
3. ANÁLISE DA QUESTÃO SUCESSÓRIA
Preocupou-se o legislador infraconstitucional em estabelecer no artigo
1.829 do CC/02 a Ordem de Vocação Hereditária. Descritos ali aqueles que irão
herdar o acervo hereditário do de cujus, direcionado somente a sucessão
proveniente da relação matrimonial.
Discriminados, os companheiros ou companheiras supérstites não estão
contemplados nesta ordem.
A sucessão legítima, descrita no Livro V – Do Direito das Sucessões,
Título II – Da Sucessão Legítima, Capítulo I – Da Ordem da Vocação Hereditária no
CC/02, refere-se à sucessão do ascendente, do descendente, do cônjuge
sobrevivente e dos colaterais até o 4º grau, assim como regras a estes
estabelecidas.
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A despeito de o artigo 1.790 do CC/02 tratar das regras de vocação
hereditária aplicáveis aos conviventes, não fora incluso no Capitulo I – Da Ordem da
Vocação Hereditária.
Deslocado desta ordem de sucessão legítima, no artigo 1.790 do mesmo
diploma legal, encontra-se a companheira ou companheiro sobrevivente.
Observa-se ser este o Título I “Da Sucessão em Geral”, no Capítulo I “Das
Disposições Gerais”, localização que apresenta flagrante discriminação a Princípios
Constitucionais basilares.
Discriminação imperiosa, consubstanciada na não efetivação do princípio
que permeia toda a CRFB/88, qual seja, a Dignidade da Pessoa Humana.
Ademais, o texto do artigo 1.790 do CC/02 traz diferente tratamento
sucessório se comparado à sucessão do cônjuge supérstite, dado que, percebe-se
haver discriminação imposta ao artigo 1.790 do CC/02, sucessão do companheiro ou
companheira sobrevivente, em relação à sucessão do cônjuge supérstite do artigo
1.829 do mesmo diploma.
Visto que a união estável e o casamento impactam de modo semelhante
questões familiares, porém o tratamento dispensado à união estável diverge em
muito do trato legal atribuído ao casamento.
O que se obtém na sequência textual configura a inconstitucionalidade do
artigo 1.790 do CC/02.
Parte da doutrina8 e operadores do direito tecem críticas veementes ao
regramento aprovado pelo CC/02, mencionam-se diversos pontos em que o
legislador deu tratamento diferenciado aos modelos de família aqui contrapostos:
casamento civil e união estável.
Para Maria Berenice Dias (2011) o ponto a ser analisado é o artigo 1.790
do Código Civil e sua inconstitucionalidade por ação discriminatória e desigual com
que fora estabelecido pelo legislador.
Durante a vigência do Código Civil de 1916, foram editadas leis que
privilegiaram a união estável e a ela deram tratamento honroso, digno e direcionado
8DANTAR JR., Adelmo Rezende (2004); FARIAS, Cristiano Chaves de. (2004); LOBO, Paulo LuizNetto (2004); CARALHO, Luiz Paulo Vieira de (2007); HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes (2003);VELOSO, Zeno (2003); CAHALI, Francisco José; TEPEDINO Gustavo (2008); NEVARES Ana LuizaMaia (2004); GAMA, Guilherme Nogueira da (2002); DIAS, Maria Berenice (2003); FACHIN, LuizEdson (2005); SARLET, Ingo Wolfgang (2005); e RODRIGUES, Sílvio (2007).
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a consecução do novo modelo de família que à época se formava na sociedade,
agora garantido no texto constitucional.
A Lei Federal 8.971/94, publicada com o objetivo de regular os alimentos
e os direitos sucessórios na união estável, constituiu-se no veículo legal que dignou
trato idêntico entre cônjuge e companheiros, no tocante à sucessão.
A afirmativa do parágrafo anterior é defendida no artigo “Análise acerca
da Inconstitucionalidade da Sucessão do Companheiro em Face de sua
Concorrência com Colaterais”, de Mila Pugliesi Cardozo e Udine Antônio Brandão
Cardoso, que diz:Inicialmente, observe-se que o Código Civil, ao regulamentar a uniãoestável, revogou tacitamente a lei n. 8.971/94, que estabelecia, em seuartigo 2º, as regras de direito sucessórios do companheiro de formaassemelhada à sucessão atribuída ao cônjuge. (CARDOZO;CARDOSO,2014)
De acordo com a Lei, em seu artigo 2º9 o companheiro sobrevivente
ocuparia a terceira classe sucessória, somente depois viriam os colaterais, sendo
que em concorrência com descendentes ou ascendentes do de cujus lhe restaria o
usufruto da quarta parte ou da metade dos bens e, na falta dos ascendentes ou
descendentes tocar-lhe-ia a totalidade da herança.
Seguindo-se aquela lei editou-se a Lei Federal 9.278/96, conhecida como
lei da união estável, na tentativa de regular o preceito constitucional insculpido do
artigo 226, §3º.
Importante entendimento foi de que o artigo 2º da Lei 8.971/94, posto que
se referia a direito da companheira à herança do finado, não foi revogado pela Lei
9.278/96, sequer o direito real de habitação veiculado no artigo 7º parágrafo Único
daquela Lei.
9 Art. 2º As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nasseguintes condições:
I – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufrutode quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos ou comuns;
II – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, aousufruto da metade dos bens do de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes;
III - na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito àtotalidade da herança.
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Entretanto, o CC/02 não resgatou os direitos contidos nas Leis indicadas,
verdadeiramente, desprotegeu a sucessão dos companheiros, restringiram direitos,
e favoreceram distantes parentes chamados colaterais, art.1829, IV CC/02.10
Diante do exposto, tem-se que houve retrocesso nas conquistas já
estabelecidas no ordenamento firmado pelas Leis 8.971/94 e 9.278/96, que cuidam
da união estável e da sucessão neste modelo de família.
Neste sentido, afirma Guilherme Henrique Lima Reinig (2013), “é este
lamentável retrocesso, e não a violação a uma suposta equiparação constitucional
da união estável ao casamento, que conduz à inconstitucionalidade do art.1.790 do
C.C”.
Corroborando essa afirmativa, tem-se a palavra do Desembargador
Caetano Lagrasta Neto do Tribunal de Justiça de São Paulo e diretor nacional do
Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Somos, ao cabo, de opinião que a inconstitucionalidade atinge, senão toda,ao menos parte do referido artigo e, de qualquer forma, decisões de ÓrgãosEspeciais não trazem pacificação ao debate, ao contrário, impedem que seprossiga no exame dos novos pedidos, postos em Juízo, caracterizandocomodismo que somente a palavra final do STF poderá definir. Por fim,posiciono-me favorável a que o direito do convivente (homem ou mulher)seja resguardado na condição de herdeiro necessário. (NETO, 2013)11
Nas palavras dos doutrinadores citados nos parágrafos anteriores, cujo,
entendimento está exposto em seguida, depreende-se certa indignação por clara
afronta a Princípios Constitucionais consagrados em todo o ordenamento pátrio,
princípios que alicerçam o que se compreende ser dignidade e respeito às
diversidades relacionadas aos novos modelos de família.
Tal indignação é observada no artigo do doutrinador Flávio Tartuce12,
citando outros doutrinadores, apud, como Giselda Maria Fernandes Novaes
Hironaka e Zeno Veloso. Vejamos:
10Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:(...) IV - aos colaterais. Sendo osirmãos, tios, sobrinhos, primos; até o 4º grau. Os colaterais são herdeiros, mas não herdeirosnecessários.11 NETO, Caetano Lagarasta. Entrevista: especialista analisa decisão do STJ sobre direito realde habitação. Disponível em: <https://www.ibdfam.org.br/noticias/5089/Entrevista%3A+especialista+analisa+decis%C3%A3o+do+STJ+sobre+direito+real+de+habita%C3%A7%C3%A3o). Acesso em:10/04/2014.12 (HIRONAKA; VELOSO apud TARTUCE - Da sucessão do companheiro: o polêmico art. 1790do CC e suas controvérsias principais. Disponível em: http://www.mpce.mp.br/orgaos/CAOCC/dirSucessoes/artigos/02_da.sucessao.do.companheiro.pdf). Acesso em: 10/04/2014.
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Questão de maior relevo refere-se à suposta inconstitucionalidade do art.1.790 do CC, o que é suscitado por alguns dos nossos maioressucessionistas. De início, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka é umadas juristas que sustenta ser o dispositivo inconstitucional, por desprezar aequalização do companheiro ao cônjuge constante do art. 226, § 3º, daCF/1988.13 Do mesmo modo, Zeno Veloso lamenta a redação do comando,lecionando que “As famílias são iguais, dotadas da mesma dignidade erespeito”. Não há, em nosso país, família de primeira classe, de segunda outerceira. Qualquer discriminação, neste campo, é nitidamenteinconstitucional. O art. 1.790 do Código Civil desiguala as famílias. Édispositivo passadista, retrógrado, perverso. Deve ser eliminado, o quantoantes. O Código ficaria melhor – e muito melhor – sem essa excrescência.(TARTUCE apud, HINORAKA; VELOSO, 2011)
Havendo tanto inconformismo entre doutrinadores, é crer existirem
inúmeras questões semelhantes sendo suscitadas no sistema judicial, ocasionando
decisões das mais variadas, rumando no sentido da aceitação da
constitucionalidade, ou a suspensão do processo até que um Órgão Especial decida
de modo definitivo, ou ainda consoante entendimento defendido pelos doutrinadores
apresentados, a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do CC/02.
4. CONSIDERAÇÕES SOBRE O ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002
Uma especial atenção deve-se dispensar ao fato de o artigo 1.790 do
CC/02 estar localizados fora do Capítulo III e seguintes, que cuidam das
especificidades sucessórias, conforme já salientado.
Para que se estabeleça uma nova redação deste Capítulo há de ser
aplicada técnica legislativa atualizada, com legisladores dispostos ao enfrentamento
de conceitos modernos, a reafirmação da especial proteção constitucional conferida
à união estável.
Deste modo as questões mais controversas serão tratadas em
consonância com os novos modelos de família, contemplada no artigo 226, §3º da
CRFB/88.
A sucessão na união estável é socialmente relevante, pois repercute
juridicamente na vida das pessoas e de seu patrimônio, compreende aspectos
extremamente técnicos e de difícil harmonização, haja vista, a possibilidade de
variados arranjos sucessórios, portanto jamais poderia sofrer o menosprezo do
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legislador ordinário e amargar o desleixo de ser posicionado nas Disposições Gerais
do CC/02, que aborda tão simplesmente, generalidades.
A não sujeição ao imperativo constitucional do artigo 226, §3º, demonstra
a existência da desvalorização do instituto união estável, observada na narrativa do
artigo 1.790 do CC/02, sucessão do companheiro ou companheira sobrevivente, em
relação à sucessão do cônjuge supérstite do artigo 1.829 do mesmo diploma legal, a
seguir reproduzido.Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvose casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no daseparação obrigatória de bens ou se, no regime da comunhão parcial, oautor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais. (Lei 10.406/2002).
Como ocorrera no artigo 1.603 do Código Civil de 1.91614, no CC/02 ao
cônjuge foi assegurada a terceira classe na ordem de vocação hereditária, garantida
a categoria de herdeiro necessário art.1845 CC/0215 em concorrência com
descendentes e ascendentes.
Esta concorrência, acima descrita, não ocorrerá caso o regime de bens
seja comunhão universal ou separação obrigatória, se convencional sempre haverá
a concorrência. No caso de comunhão parcial, para que o cônjuge suceda o finado
deverá deixar bens particulares. O regime de participação final nos aquestos não foi
mencionado pelo legislador ordinário.
Ressalte-se o direito real de habitação conferido ao cônjuge independe de
regime de bens, mantendo-se ainda que o cônjuge sobrevivo contraia outra relação,
não mais existindo o usufruto vidual16.
14Art. 1603. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:I - aos descendentes;II - aos ascendentes;III - ao cônjuge sobrevivente;IV - aos colaterais;V - aos Estados, ao Distrito Federal ou à União.
15 Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.16O instituto do usufruto vidual foi criado pelo Estatuto da Mulher Casada (Lei nº. 4.121/62), inserindo-o no § 1º do artigo 1.611 do Código Civil de 1916, cujo dispositivo correspondente no Código Civilatual encontra-se no artigo 1.832:
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Para que se proceda a análise, transcreve-se o artigo 1.790 do CC/02.
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão dooutro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da uniãoestável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente àque por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á ametade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço daherança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.(Lei 10.406/2002).
Uma das questões criticadas em relação ao artigo acima indica existir um
retrocesso em relação a conquistas estabelecidas nas já referidas Leis Federais
8.971/94 e 9.278/96, como usufruto de quarta parte dos bens ou da metade ou da
integralidade da herança e o direito real de habitação, não limitado a um único bem.
A não limitação a um único bem, até ser aceita, fora defendida por
doutrinadores e pela jurisprudência com base na “cláusula de maior favorecimento”,
onde vantagens atribuídas a um instituto estendem-se a outro instituto semelhante.
O artigo 1.832 refere-se ao direito real de uso apenas para o cônjuge
supérstite, porém, a melhor doutrina defende que este direito seja estendido ao
companheiro sobrevivente, por se tratar de uma proteção mínima.
Segundo entendimento colhido na I Jornada de Direito Civil do Conselho
de Estudos Judiciários da Justiça Federal, temos,
Enunciado 117 Art. 1.831: o direito real de habitação deve ser estendido aocompanheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei n.9.278/96,
Art. 1.611. Á falta de descendentes ou ascendentes será deferida a sucessão ao cônjugesobrevivente, se, ao tempo da morte do outro, não estava dissolvida a sociedade conjugal. (Redaçãodada pela Lei nº 6.515, de 26.12.1977).§ 1° - O cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terádireito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houverfilhos, deste ou do casal, e à metade, se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do decujus. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962).Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhãoigual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte daherança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.
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seja em razão da interpretação analógica do art. 1.831, informado pelo art.6º, caput, da CF/88.
Sendo assim, não se deve ter como certo, os argumentos trazidos pelo
Enunciado 117, acima segunda parte, visto que o art.7º, parágrafo Único da Lei
9.278 não foi revogada pelo CC/02, o que se deve fazer por meio de uma
interpretação analógica dos artigos 1.790, 1.829 e 1.845 do CC/02, seria ampliar ao
companheiro a condição de herdeiro necessário facultado ao cônjuge.
Entretanto, a narrativa do CC/02 veio a produzir retrocesso ao regramento
veiculado nas leis anteriormente citadas, verdadeira mácula a especial proteção
aduzida no artigo 226, §3º da CRFB/88.
Percebe-se, que, poderá tanto o companheiro sobrevivente, quanto aos
descendentes ou ascendentes do finado, obter condição menos proveitosa que o
cônjuge, já que o companheiro sobrevivente não participará do patrimônio particular
do de cujus.
Aduz o inciso III, do artigo 1.790, existirá a concorrência entre os parentes
sucessíveis, neste caso tocará um terço da herança ao convivente sobrevivo, visto
que os descendentes do autor da herança foram descritos nos incisos I em que
concorre com filhos comuns e recebe parte igual, e II onde o sobrevivo receberá a
metade que receber o descendente do autor da herança, sendo que, o inciso IV
abrangerá os herdeiros colaterais, caso não havendo receberá a totalidade da
herança o convivente sobrevivo.
Decerto que, a situação em que ocorra a concorrência com ascendentes
de 1º grau, art.1.837 CC/02, caberá ao cônjuge um terço da herança e, caso haja
somente um ascendente, ou o grau do que houver for maior, receberá a metade.
Doutro modo, o companheiro em concorrência com o ascendente do autor
da herança recebe um terço dos bens adquiridos onerosamente na vigência da
união estável.
Verifica-se nos dois casos, que o cônjuge sobrevivente concorrerá sobre
todo o monte mor, e o convivente somente sobre os bens adquiridos onerosamente
na constância da união estável e sempre limitado a um terço dos bens.
Considerada a relação dos companheiros com os colaterais, até o 4º grau
do falecido, um primo distante, por exemplo.
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Encontra-se maculado o direito de companheiro ocupar a terceira posição
na ordem de vocação hereditária estabelecido na lei 8.971/94, que por meio do
entendimento trazido pelo CC/02, deixa os conviventes o direito de preferência aos
colaterais, se beneficiando de apenas um terço dos bens do finado, sempre limitado
aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável.
O diploma manteve em relação ao cônjuge a preferência aos colaterais,
(art.1.829, III, CC/02).
Não assistirá ao companheiro sobrevivente direito à integralidade da
herança, como outrora previa a Lei 8.971/94, 2º, III, caso, fosse à concorrência
apenas com colaterais até o 4º grau.
Este retrocesso é um dos pontos mais combatidos pelos doutrinadores.17
A análise que se faz do inciso IV do artigo 1.790, onde se verifica a
possibilidade de o companheiro sobrevivente arrecadar a totalidade da herança,
quando não houver parentes sucessíveis, encontra limite no caput do artigo, pois, a
sucessão somente alcançará os bens adquiridos onerosamente na vigência da união
estável, assim todo o acervo particular do falecido ficará para o Município, Distrito
Federal ou União (art.1.844 CC/02).
A questão acima, somente encontra solução se aplicada interpretação
sistemática, corrigindo a redação legislativa, destacando que a locução dos incisos I
e III não se refere a quinhão, tendo que no inciso IV, a narrativa não será aceita
como condizente com o caput, assim, não haverá a possibilidade de o Estado se
beneficiar da herança.
Esta afronta reforça o entendimento de que o legislador foi
conscientemente discriminador e omisso, menosprezou os conviventes e, deu
tratamento mais elevado ao cônjuge em desprestígio aos companheiros.
Resta claro, então, a demonstração de ter o legislador ordinário, ignorado
estes cidadãos, que vivem em união estável, atitude diversa da que dispensou ao
17Tartuce, Flávio; Simão, José Fernando. Op. Cit., p. 251. No mesmo sentido: “Conforme mostramos,na legislação anterior ao Código Civil vigente (Lei 8.971/1994), e copiando a solução dada aocônjuge, se o falecido não deixava descendentes nem ascendentes, o companheiro sobreviventeficava com toda a herança, excluindo os parentes colaterais. Eis que chega o novo Código Civil, e oartigo 1.790, III, determina que o companheiro vai concorrer co os colaterais sucessíveis, ou seja, atéo quarto grau. Mas não ficou só nisso o legislador (...). Para sintetizar, numa expressão, o que pensodessa norma, afirmo: é inacreditável!” (Veloso, Zeno. Direito Sucessório... cit.,p. 178).
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cônjuge e, que não desejava o viés equitativo introduzido pelo legislador
constitucional, adotando o viés reducionista.
Pelo todo exposto, entende-se ser urgente o reconhecimento da
inconstitucionalidade do artigo 1.790 da Lei 10.406 de 2002, o que poderá ocorrer no
Recurso Extraordinário (RE)878694, oriundo de Minas Gerais, de relatoria do
Ministro Luís Roberto Barroso, cujo tema é a validade deste dispositivo em
comento.18
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Realizadas as pesquisas bibliográficas e produzidos estudos, análises,
abstraídas informações, conceitos e princípios que afirmam e validam sobremaneira
os entendimentos obtidos no desenvolvimento deste trabalho, tem-se concluso que:
O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, que se finca
no seio da sociedade, é o mais ultrajado dos Princípios afrontados pelo legislador ao
dispor sobre questões sucessórias dos conviventes.
As reduções de direitos impostas pelo legislador ordinário, aos
conviventes, provocaram retrocessos em relação a conquistas de direitos
sucessórios veiculados em leis anteriores ao CC/02, o que se apresenta como
principal crítica doutrinária.
Apresenta-se, ainda, incompreensível e inaceitável, o fato de o tema já ter
sido debatido no âmbito de projeto de lei anterior à Carta Constitucional, não sendo
possível crer que o legislador ordinário, não compreendeu o sentido e o alcance do
imperativo constitucional veiculado no artigo 226, §3º da CRFB/88.
O legislador Constitucional voltado a atender as tendências
comportamentais atuais, e comprometido com os Princípios Constitucionais,
veiculou, na Lei Maior, em seu artigo 226, §3º, reconhecimento à união estável como
entidade familiar, devendo ser dotada de especial proteção pelo Estado.
18Giselda Maria Fenandes Novaes Hironaka STJ inicia discussão sobre a constitucionalidade dasucessão em casos de união estável.22/09/2014 Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM com informações do STJNa última quarta-feira (17), a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a discutira forma de sucessão ou herança em casos de união estável. Atualmente, o companheiro herdamenos do que o cônjuge, legalmente casado. O Ministério Público (MP) arguiu a inconstitucionalidadedo artigo 1.790 do Código Civil de 2002, que trata das regras de direito sucessório aplicáveis à uniãoestável(...)https://www.ibdfam.org.br/noticias/5440/stj#demoModal acessado em 10/11/2014.
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Destarte, não laborou bem o legislador ordinário, visto que impôs normas
discriminatórias aos companheiros, o que não dignifica os indivíduos, amplia as
diferenças entre os diversos modelos de família, tampouco compatibiliza a
repercussão sucessória na união estável à do casamento civil.
Assim, diante da inaplicabilidade de relevantes preceitos Constitucionais,
repise-se defender veementemente o fato de que o artigo 1.790 CC/02 fora elencado
propositadamente pelo legislador Infraconstitucional, no Capítulo das Disposições
Gerais, com o intuito de dar tratamento menor aos companheiros na união estável
em relação à tradição conjugal.
Reafirma-se, portanto, seja reconhecida a inconstitucionalidade do Artigo
1.790 do Código Civil de 2002 e, aos conviventes, seja dado tratamento equânime
ao dos cônjuges.
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