ziguinchor e o seu passado

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ZIGUINCHOR E O SEU PASSADO (1645-1920) Christian Roche Quem é que não é seduzido pelo encanto que a capital da Casamansa tem hoje? Localizada na margem sul do rio Casamansa, entre a ilha de Carabane e a ex-capital Sejo, oferece ao turista o espectáculo de uma cidade que se estende por trás do seu porto. Cidade de amenas sombras com ruas direitas e perpendiculares e os seus antigos bairros coloniais, é também agradável nos piturescos bairros indígenas cheios de gente e de vida estendidos no painel de verdura formado pelos arrozais rodeados de palmeiras . Ziguinchor é hoje uma cidade de 70.000 habitantes, a mais populosa da Casamansa. Fundada pelos portugueses no século XVII, é hoje do Senegal. AS ORIGENS DE ZIGUINCHOR Em 1456, o veneziano Alvise da Mosto [Cadamosto] chega ao rio situado a sul da Gâmbia e os seus intérpretes dizem-lhe que ele pertence a um negro, o Kasa-Mansa, que vive a cerca de 30 milhas a montante (1). Meio século depois, um português, Valentim Fernandes, descreve o rio e confirma as declarações do veneziano acrescentando que, nesse reino, há uma mistura de todas as raças, mandingas, felupes, balantas ( 2). Em 1570, outro viajante português, André Álvares d'Almada, é recebido pelo Kasa-Mansa que vive em Brukama (3) Em 1668, Francisco de Lemos Coelho descreve a Guiné e narra as suas numerosas viagens entre os rios Gâmbia e Casamansa (4). Temos, então, graças aos viajantes portugueses, descrições muito interessantes do reino do Kasa-Mansa. Em resultado dessas informações, podemos localizar as pessoas que formaram o núcleo do reino, isto é os Cassangas, assim chamados por Almada e Coelho, que conhecemos como Kasanke, ou habitantes do Kasa. No século XVI vivem em ambos os lados do rio, mas, principalmente, na margem sul, a montante dos banhuns de Zeguinchor. No século XVII, Coelho localiza-os na margem sul, em frente ao reino de Jase (Yasin). Emmanuel Bertrand Bocandé [ver aqui], em 1849, encontra-os na mesma região, e sabemos que os seus descendentes ainda são numerosos. Os cassangas eram uma fracção dos banhuns. Almada disse que havia entendimento entre os dois povos. No século XIX, Bertrand Bocandé

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Page 1: Ziguinchor e o seu passado

ZIGUINCHOR E O SEU PASSADO (1645-1920)

Christian Roche

Quem é que não é seduzido pelo encanto que a capital da Casamansa tem hoje? Localizada na margem sul do rio Casamansa, entre a ilha de Carabane e a ex-capital Sejo, oferece ao turista o espectáculo de uma cidade que se estende por trás do seu porto.  Cidade de amenas sombras com ruas direitas e perpendiculares e os seus antigos bairros coloniais, é também agradável nos piturescos bairros indígenas cheios de gente e de vida estendidos no painel de verdura formado pelos arrozais rodeados de palmeiras.

Ziguinchor é hoje uma cidade de 70.000 habitantes, a mais populosa da Casamansa. Fundada pelos portugueses no século XVII, é hoje do Senegal.

AS ORIGENS DE ZIGUINCHOR

Em 1456, o veneziano Alvise da Mosto [Cadamosto] chega ao rio situado a sul da Gâmbia e os seus intérpretes dizem-lhe que ele pertence a um negro, o Kasa-Mansa, que vive a cerca de 30 milhas a montante (1). Meio século depois, um português, Valentim Fernandes, descreve o rio e confirma as declarações do veneziano acrescentando que, nesse reino, há uma mistura de todas as raças, mandingas, felupes, balantas ( 2).  Em 1570, outro viajante português, André Álvares d'Almada, é recebido pelo Kasa-Mansa que vive em Brukama (3) Em 1668, Francisco de Lemos Coelho descreve a Guiné e narra as suas numerosas viagens entre os rios Gâmbia e Casamansa (4).  Temos, então, graças aos viajantes portugueses, descrições muito interessantes do reino do Kasa-Mansa.  Em resultado dessas informações, podemos localizar as pessoas que formaram o núcleo do reino, isto é os Cassangas, assim chamados por Almada e Coelho, que conhecemos como Kasanke, ou habitantes do Kasa.  No século XVI vivem em ambos os lados do rio, mas, principalmente, na margem sul, a montante dos banhuns de Zeguinchor. No século XVII, Coelho localiza-os na margem sul, em frente ao reino de Jase (Yasin).  Emmanuel Bertrand Bocandé [ver aqui], em 1849, encontra-os na mesma região, e sabemos que os seus descendentes ainda são numerosos.

Os cassangas eram uma fracção dos banhuns.  Almada disse que havia entendimento entre os dois povos.  No século XIX, Bertrand Bocandé escreve, a propósito de Jagnou, que «é habitada por banhuns, nação misturada com cassangas» (5) e, agora, o grande historiador português A. Teixeira da Mota acha que os dois povos falavam dialectos de uma mesma língua (6).

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No século XVI, o reino cassanga abrangia, além dos banhuns, os balantas, os felupes e os mandingas. Coelho e as tradições orais dizem que os banhuns formavam quatro reinos integrados em tempos na Casamansa. No século XVII, os banhuns rebelam-se contra a Casamansa, que teve dificuldade em impor sua autoridade Cerca de 1830, os cassangas foram derrotados pelos balantas, mais aguerridos, Brikama é destruída e a população Casa remete-se à parte sul do seu país, nas margens do Rio Cacheu, perto da enseada de São Domingos.

Provavelmente com o acordo do Casamansa, o primeiro capitão da feitoria de Cacheu, Goinçalo Ayala Gamboa, funda em 1645, nas margens do Casamansa, um depósito de alimentos num local chamado Ezeguichor pertencente ao clã banhum dos Kabo em Jibélor (Farim éfundada no mesmo ano). Uma lenda local diz que o nome Ziguinchor tem origem na expressão portugesa «Cheguei e choram». Seria uma alusão às caravelas portuguesas que enmtravam no seu porto para levar escravos. A alteração de “Chegyuei e choram” irai dar Chiguitior e, depois, Siguitior: O mais provável é a hipótese que sugere que o local atual de Ziguinchor pertencia à tribo banhum dos izquichos. Isguichos deu Ezequichor, com o sufixo “or” significando a terra, como Tobor, Inor. Jibélor, etc.... Posteriormente, os portugueses e os franceses teriam transformado o nome em Siguitior e Ziguinchor.

Em 1842 Ziguinchor é uma grande tabanca de cabanas de palha apertadas e cercadas por uma paliçada de madeira rectangular. É defendida por quatro montículos de terra colocados sem ordem. Uma igreja de madeira, construída em 1848, ardeu três anos mais tarde e com ela parte da tabanca. Os seus habitantes, chamados grumetes vivem em dois bairros distintos, o bairro oeste, ou "vila fria", e o bairro este, ou "tabanca". Parece que o primeiro é utilizado como residência para os libertos e o segundo para os ainda cativos. Muito religiosos, os ziguinchenses praticam um catolicismo muito misturado de paganismo. Analfabetos, vivem em locais extremamente sujos por onde vagueiam porcos. e cabras. Na época das chuvas as ruas transformam-se em esgotos fedorentos. Fechada de todos os lados, a tabanca não tem ventilação, a higiene é inexistente. O porto consiste numa praia onde estão as pirogas feitas dos troncos maciços dos poilões.

A presença portuguesa é assinalada pela bandeira nacional que flutua em cima de um poste colocado nas margens do rio. A autoridade é exercida por um mulato que ostenta o pomposo título de governador. Na verdade, ele é o comandante do presídio de Ziguinchor, subordinado ao capitão-mor da feitoria de Cacheu. É auxiliado na sua tarefa por um director das alfândegas, e dois ou três soldados pretos encarregados de guardar a bandeira. Nenhum português metropolitano vive em Ziguinchor e é rara a ida lá de algum. No entanto, as famílias principais têm nomes portugueses, às vezes nobres, como os Carvalho-Alvarenga, os Nunes, os Pereira, os Tavares. A origem da mestiçagem remonta ao século XVII, e todos os nativos de Ziguinchor são pretos. Em 1766, Carlos de Carvalho-Alvarenqa já exercia esta função [governador de Ziguinchor] e os seus descendentes presidiram muitas vezes aos destinos da cidade. Representando a autoridade colonial, o comandante do presídio deve contar com os réguloss banhuns, velhos donos do território, especialmente com a família real do clã dos Kabo que reside em Jibélor, a poucos quilômetros a oeste de Ziguinchor.

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Apesar da abolição do comércio de escravos em 1814, Ziguinchor continuou-o. 1860: a irmã do comandante do presídio, Rosa Carvalho [Alvarenga], possuía 100 dos 500 autorizados pelo Governador da Guiné Portuguesa. O comércio é quase nulo. Em 1840, o volume é baixo e não excede o montante anual de 3.200 escudos, enquanto as exportações mensais francesas no rio foi de 4.800 escudos. A maior parte da receita é conseguida pelos direitos alfandegários que pesam sobre os bens que passam através de Ziguinchor. Bem situado, o local do porto agrada aos comerciantes franceses que têm dificuldade em chegar a Sejo com os pequenos navios, devido aos bancos de areia.

Os grumetes vendem arroz, e compram pólvora, panos, vinho e contas de vidro. Quando há escassez de arroz, conseguem-no trocando-o por bois com o grupo diola dos feluipes.

Esquecida por Lisboa, a feitoria é miserável. Em 1808, o seu comandante Manuel Carvalho não sabe quem é o seu superior e queixa-se às autoridades britânicas em Bathurst [Gâmbia] dos prejuízos causados pelos comerciantes de Cacheu. No entanto, em 1830, quando os franceses estão interessados na Casamansa, a fim de aí criar feitorias, as autoridades de Cacheu movimentam-se e procuram atrair a atenção do governo português sobre os perigos da presença de um rival, mas sem sucesso. O capitão-mor de Cacheu, Honório Pereira Barreto, preocupado com os interesses comerciais da sua feitoria, tenta defendê-los dentro dos limites dos seus recursos limitados.

Honório Pereira Barreto é um mulato. Nascido a 4 de abril de 1813 em Cacheu, é o filho do comandante da feitoria. Sua mãe, conhecida como Rosa de Cacheu, tem uma personalidade forte e está relacionada com Carvalho-Alvarenga, de Ziguinchor. Quando adolescente estudou em Lisboa, mas voltou para Cacheu em 1837 para exercer mais tarde as funções de Governador da Guiné Portuguesa. Vai lutar contra a presença francesa em Casamansa. A sua correspondência com as autoridades portuguesas das ilhas de Cabo Verde e de Lisboa é um longo razoado na defesa de interesses portugueses em Casamansa e uma vigorosa campanha para opor-se ao estabelecimento do comércio francês na região. Mas os seus apelos não são ouvidos. Desmoralizado, propõe a venda de Ziguinchor para salvar a dignidade portuguesa.. Em 26 de agosto de 1857, escreveu ao Governador Geral de Cabo Verde: "Sem o apoio do meu governo... Confesso francamente a Vossa Excelência que mil vezes desanimei nesta luta de pessoa insignificante contra as autoridades francesas de Gorea e do Senegal apoiadas pelo seu governo... "(1). Morreu em 1859, em Bissau, de malária. Após a sua morte, os seus sucessores não tentaram nada para evitar que os franceses se estabelecessem como donos da Casamansa. No entanto, em 1878, quando os imperialismos europeus se confrontam para ter o máximo de privilégios sobre os territórios de Àfrica, os franceses verificam que os seus vizinhos do sul movem intrigas para lhes causar problemas na região de Ziguinchor.

AS INTRIGAS PORTUGUESAS

No início de Dezembro de 1878, o comandante do presídio de Ziguinchor, alferes Antonio Joaquim Pereira, recebe a visita do comandante do presídio de Cacheu, seu superior hierárquico. A sua vinda coincide com o despertar político português em Casamansa. Alguns dias mais tarde, Pereira, acompanhado por dois soldados, visita várias tabancass do rio entre a ponta Sain George e Soungrougrou. Entrega uma bandeira portuguesa a um mulato, Manuel Verda, que reside em Adeane, tabanca banhum. Seu pai, Fabrice Verda, comprou por 900 cabaças (usadas como moeda) o território que ocupa aos chefes da terra e colocou-o sob a proteção de Portugal. Pereira volta para Ziguinchor depois de deixar uma guarnição de três homens. O facto é relatado ao Governador Brière de L’Isle que informa o ministro Pothuau: «O ‘presídio de Ziguinchor é comandado por um preto mal vestido... Ele quer colocar militares em Diao à entrada de Fogny e quer espalhar com fanfarronice esse facto desde Cacheu por toda a Casamansa».(1).

O comandante de batalhão Bollève parte no aviso “Le Castor” para «examinar seriamente a questão no local e fazer voltar as coisas ao seu estado normal nestas regiões sobre as quais, aliás, só a França tem poder de soberania para a instalação de estabelecimentos respeitáveis»."(2). O Governador fundamenta os direitos da França no tratado de 18 de Março de

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1865 pelo qual as tabancas banhuns a sul do rio, a leste de Ziguinchor, cederam à França o direito de soberania entre a bolanha de Bermaka perto de Diaring, a este, e a bolanha de Jinukuna, a oeste.

"Le Castor” parte a 30 de Janeiro para o Casamance e ilhas Bijagós. Em Adeane, os franceses detêm um mulato português, António Ricardo, vestindo um uniforme e dizendo ser médico. Questionado, disse que passeia no país por sua iniciativa, dado que tinha três dias de licença concedida pelo comandante do presídio de Ziguinchor. Mas o povo diz que ele está ali há mais de um mês e que circula na região para dar instruções em nome do comandante do presídio de Cacheu. Para saber a verdade, Boilève prende o mulato e leva-o até ao comandante do presídio de Ziguinchor, Henrique José Ribeiro. Este vai a bordo do "Castor" e pede desculpas pela conduta de seu sompatriota. A conversa que ele tem em crioulo com Ricardo mostra que este estava efectivamente em missão na Casamansa por ordem de Cacheu. Boilève vai para St. Louis em 14 de Fevereiro. Brière de l'Isle considera que a presença do “Castor” na confluência do Soungrougrou teve como resultado prevenir os indígenas ligados por tratados à França contra as manobras portuguesas, e que a atitude do comandante de batalhão pôde fazer com que os portugueses se tornassem mais cautelosos. Todavia, em Novembro de 1880, a guarnição de Ziguinchor, que incluia um cabo e dois soldados inválidos com dois mosquetes, é substituída por um sargento-mor, dezoito soldados válidos bem armados e duas peças de artilharia. Brière de L’Isle informa o Ministério, em 10 de Dezembro que vai enviar, com objectivo de inspeccionar, Jaquemart comandante do 2º distrito de Gorea. O ministro, Vice-Almirante Cloué, responde-lhe que não vê nenhum inconveniente nesta missão, mas recomenda cautela. Primeiro as apreensões do governador são exageradas, depois é melhor que Portugal não se melindre, dado que «é grande apoio da França para evitar a expansão dos negócios britânicos nestas paraqens».(1).

O comandante do presídio justifica o aumento do número da guarnição pelo aumento do comércio de Ziguichor. Os franceses que são os mestres e os principais artesãos apreciam o pretexto invocado pelo seu justo valor. O comércio está nas mãos de um comerciante francês, Francois CHAMBAZ que está estabelecido em Ziguinchor. Tem o maior volume de negócios, 50.000 francos em 1874. O restante é assegurado por várias sucursais de casas comerciais de Sejo. A cera e as peles saem de Sejo e o amendoim é armazenado em Ziguinchor, onde os barcos de carga de Gorea o carregam, alegando que eles são de origem portuguesa. Para evitar, assim, o pagamento de direitos de exportação em Carabane. Ninguém se deixa enganar por esta fraude, porque todos sabem que o enclave de Ziguinchor não fornece sementes oleaginosas. O comércio com Cacheu é medíocre porque são precisas 12 horas de caminhada e atravessar uma bolanha para chegar lá. Para engordar as finanças de Ziguinchor, é imposto um mínimo de 300 réis a todos os passageiros e barcos que viajam para Sejo.

Em 30 de abril de 1882, o comandante do presídio, Antonio Fialho, renovou os direitos de Portugal sobre Adeane. Fez saber aos comerciantes que deviam solicitar uma permissão para se estabelecer lá. Dodds, que terminara uma campanha contra os Malinkés de Sunkari Kamara de Morikunda, recebe a bordo do “L’Ecureuil” o régulo dos banhuns de Adeane que lhe anuncia que uma lancha a vapor portuguesa tinha vindo, em finais de Março, e que muitas bandeiras tinham sido distribuídas nas tabancas vizinhas. O comandante do presídio terá dito, em seguida, que uma coluna militar francesa iria saquear o país e que os banhuns tinham interesse em colocar-se sob a protecção do governo português. Desta vez, uma abordagem formal do Ministério dos Negócios Estrangeiros é feita ao governo de Lisboa, que responde ao encarregado de negócios francês, em 14 de Outubro de 1882, com uma história completamente diferente.

O CASO LAGLAISE (1884)

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Em Fevereiro de 1884 houve um incidente entre as autoridades francesas e portuguesas. Na manhã de 4 de fevereiro de, um caçador francês, Laglaise, fez o seu acampamento nas margens do rio Casamansa, a uma curta distância da tabanca banhum de Sinedone. Hasteou uma bandeira francesa num mastro rústico para dar a conhecer a sua nacionalidade. Algum tempo depois, Diul, o régulo da tabanca, vem dizer a Laglaise para arrear a sua bandeira e substitui-la pela bandeira portuguesa. A 8 de Fevereiro, às 22 horas, o comandante do presídio de Ziguinchor prende Laglaise e fá-lo encarcerar em Ziguinchor por insulto às cores portuguesas. Foi liberado com a intervenção do comerciante CHAMBAZ, sob condição de nmão sair de Ziguinchor. Tendo notícia disso em Sejo, o vice-qovernador Bayol chega a Ziguinchor na manhã de 14 de Fevereiro. Lembra que Sinedone está sob proteção francesa desde o tratado de 18 março de 1865 e que a prisão de Laglaise é ilegal. O comandante do presídio nega o facto e alega que o território de Sinedone é protectorado de Portugal., É propriedade da família do chefe da alfândega de Ziguinchor, Ernesto José Afonso, que comprou o terreno ao régulo banhum Fati Dinali, signatário do tratado de 1865. A família Afonso está representada em Sinedone por uma mulher e sempre desejou que a sua propriedade estivesse sob a proteção de Portugal. Bayol argumentou que os direitos de propriedade não podem sobrepor-se aos direitos de soberania da França, mas o seu interlocotor diz-lhe que vai informar o seu superior imediato, o comandante do presídio de Cacheu. Em 18 de Fevereiro, não havendo ainda nenhuma resposta, o aviso “Le Héron” coloca-se em frente a Sinedone ao início da tarde. Os seus habitantes, assustados, aceitam astear uma bandeira francesa, mas ficam com medo das represálias dos portugueses. Por isso, no dia seguinte hasteiam novamente a bandeira portuguesa e recusam negociar com os franceses, abandonando a aldeia. O destacamento militar de "Héron" desembarca e, comandado pelo capitão Lenoir. incendeia as palhotas de Diul, os celeiros de arroz e chacina os rebanhos. Laglaise é libertado a 21 de Fevereiro e, a 22, Sinedone, apertada entre seus dois "protectores" pede paz. O vice--governador encontra em Ziguinchor Joaquim d’Almeida, Secretário-geral da Guiné Portuguesa, chegado de Bissau, e que protesta contra a punição infligida a Sinedone. Os dois homens concordam em submeter a controvérsia a seus respectivos governos. Enquanto isso, o statu-quo é respeitado por ambas as partes.

Em 8 de março de 1884, o governador Bourdiaux envia ao Ministro Félix Faure relatório completo sobre o incidente de Sinedone feito por Bayol. Aprova a conduta do vice-governador e acrescentou: «Acho que podemos tomar por base em um acordo com os portugueses a venda de Ziguinchor e dar em compensação o rio Cassimi, que não ocupamos mas que nos pertence em virtude do tratado de 28 de Novembro de 1865, assinado por Pinet-Laprade».  A sugestão parece particularmente apropriada, por ser inspirada em interesses comerciais e porque um novo incidente Iranco-português irá dar-lhe mais cabimento.

INCIDENTE DE M'BERING OU BRIN (1884)

Em 28 de março, o vapor português “Cassini” passa por Carabane para exigir aos habitantes de M’Béring a entrega de quinze pessoas que eles tinham seqüestrado perto de Ziguinchor. Aterrorizados com as histórias de razias feitas por Fodé Kaba a norte do rio, tinham dixado as suas tabancas para refugiar-se em Ziguinchor. Os régulos de M'Béring recusaram entegá-los ao comandante do presídio, o qual os ameaçou de represálias.

A 3 de abril, a canhoneira “Bengo”, tendo a bordo o governador da Guiné Portuguesa, Pedro Inácio de Gouveia, passa por Carabane em direcção a Ziguinchor, onde chegou na noite do dia 4, atrasando-se por um encalhamento sofrido. O sargento Tellier, chefe de posto de Carabane, vai à noite a M'Béring em visita as suas três tabancas, Jirel, Jiguero e Butemol. Os régulos dizem-lhe que o governador tinha enviado um delegado, António Pereira de. Carvalho, pra reclamar as pessoas tinham sido sequestradas. Eles responderam-lhe que tinham sido os da tabanca vizinha de Jibonker os raptores e que tinham tentado que eles fossem devolvidos. Furioso, Carvalho ameaçou pegar fogo às tabancas. Eles responderam, então, que pertenciam aos franceses. Tellier decidiu ficar em M'Béring no dia 5 de Abril para tranquilizar a população e esperar pela eventual chegada dos portugueses. Voltou para Carabane no dia 6. E, é claro, os portugueses incendiaram e saquearam as três tabancas de M'Béring. A canhoneira “Bengo”

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torna a passar dia 8 em frente de Carabane. Tellier vai dia 9 a M’Béring para ver os estragos. A 10 visita os régulos de Jibonker que lhe mostram um papel com o carimbo da canhoneira "Bengo" e assinado por Pedro Inácio de Gouveia. Os portugueses tinham escrito que os habitantes de Jibonker, a conselho dos de Jibelor, tinham pedido perdão ao governador pelas ofensas feitas ao presídio. E prometido, como indemnização, vinte vacas e cem alqueires de arroz para ser distribuído pela população de Ziguinchor. Mas apressaram-se a dizer que esta “indemnização” era uma imposição e que não tinham intenção de a pagar.

.Com mais sorte que M’Béring, Jibonker escapou de ser incendiada. Mas não foi por acaso. A decisão dos portugueses foi alterada por uma carta do vice-governador Bayol enviada por Tellier, e que chegou a Ziguinchor a 6 de Abril às 22h15. Entre outras coisas, continha uma cópia do tratado assinado a 30 de Março de 1828 entre o comandante do aviso “Le Serpent” e o régulo de M’Béring e das regiões vizinhas. O governador da Guiné Portuguesa respondeu na manhã de 7 de Abril. Declarou que esse tratado não era do conhecimento dos habitantes de Ziguinchor , nem dos de M’Béring, os quais nunca tinham feito alusão a um protectorado francês. Em conclusão, manifestou o desejo de ser mantido o statu-quo até que os governos de Paris e de Lisboa decidam de maneira definitiva a questão das fronteiras entre o Senegal e a Guiné Portuguesa.

Assim, com essas várias tentativas para impor a sua autoridade nas várias tabancas próximas de Ziguinchor, os portugueses procuram fazer valer os seus direitos sobre a Casamansa e adquirir algumas vantagens e conseguir garantias na perspectiva duma troca com os franceses.

A AVIDEZ FRANCESA POR ZIGUINCHOR

Vigorosamente defendidos por seu prefeito, Félix Cros, os comerciantes de Goreia reivindicam ao vice-governador, em Fevereiro de 1883, que seja dada uma mora durante um ano aos comerciantes franceses estabelecidos e com depósitos de mercadorias em Ziguinchor. Numa carta datada de 23 de Fevereiro Félix Cros escreveu: «Penso que, para simplificar as questões do comércio, é melhor negociar com Portugal a anexação pura e simples de Ziguinchor, dado o seu fraco poder».(1). Em 22 de janeiro de 1884, renovou as mesmas reivindicações e também reivindicou isenção de taxa de porto para os barcos que vão Ziguinchor para aí armazenar produls, reservando-se a aplicação desses impostos apenas aos navios ou barcos que lá carreguem esses mesmos produtos para exportação.

É a afirmação do interesse dos comerciantes franceses por Ziguinchor, o que fará que ela se torne senegalesa mais tarde, a capital regional da Casamansa. No entanto, Ziguinchor por si só não tem valor algum. O seu tamanho está reduzido a alguns hectares de natureza agreste, e a sua defesa militar são algumas muralhas velhas e decrépitas, mal servida por dois ou três canhões meio enterrados no chão. Para o comércio vale zero.

Três razões essenciais levam os comerciantes franceses a reivindicar o enclave português. Em primeiro lugar, a sua localização no rio entre Seejo e Carabane.. Bem colocada, acessível aos barcos, tem a vantagem de evitar transbordos impostos pela baixios de Piedras, ponto e evitar pelos barcos de grande tonelagem para chegar a Sejo. Apesar dos ataques de Fodé Kaba e do seu rival Birahim N'Draye que saqueiam o baixo Soungrougrou desde 1883, há pontos do rio com ligações mais fáceis com Ziguinchor do que com a capital do Bujé. O declínio na produção de amendoim nas regiões malinkés e o desenvolvimento dos recursos florestais fomentam a procura e o controlo de novas terras a jusante. O progresso espetacular da borracha, o aumento da procura de sementes de palma e coco dá à Baixa Casamansa uma nova importância. A zona diola cria ambições. O comércio vai sugerir novas conquistas. Pela sua situação, Ziguinchor torna-se o seu objectivo imediato.

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 Em 6 de Setembro de 1885, Félix lembra a Bayol a sua carta de 22 de Janeiro de 1884. No

seu estilo fortemente sugestivo e até um pouco peremptório, escreveu: «Não está dentro dos meus poderes indicar a compensação a ser oferecida em Portugal por causa da cessão deste lote minúsculo de terra, mas é preciso assegurar bem, tanto pela França como por Portugal, que lhe cedemos o Cassini em troca com Ziguinchor, cuja posição geográfica no meio do nosso rio Casamansa é lamentável, pelo menos (1).

A 12 de Maio de 1886, os comerciantes franceses em Casamansa ganham a sua causa. Ziguinchor torna-se francesa e parte do Senegal depois de uma convenção assinada entre Portugal e a França.

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A CONVENÇÃO FRANCO-PORTUGUESA DE 12 DE MAIO DE 1886(Arquivos do Senegal – 2F.4)

O Presidente da República Francesa e Sua Magestade o Rei de Portugal e dos Algarves, animados pelo desejo de consolidar por relações de boa vizinhança e perfeita harmonia os laços de amizade que existem entre os dois países resolveram celebrar com esse fim uma convenção especial para preparar a demarcação de suas posses respectivas na África Ocidental e nomeiam seus plenipotenciários, a saber:

O Presidente da República Francesa (Jules Gréry), o Senhor Girard de Rialle, ministro plenipotenciário, hefe da divisão dos arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, cavaleiro da Ordem Nacional da Legião de Honra…etc, e o Senhor Capitão-de-mar-e-guerra, Neill, comendador da Ordem Nacional da Legião de Honra…

Sua Magestade o Rei de Portugal e dos Algarves (Luís I), o Senhor João d’Andrade Corvo, Conselheiro de Estado, Vive-Presidente da Câmara dos Pares, Grã Cruz da Ordem da Legião de Honra… etc, e seu ministro plenipotenciário junto do governo da República Francesa e o Senhor Carlos Roma de Boucage, deputado, capitão de Estado-Maior de engenharia, como seu oficial às ordens e adido militar da delegação junto de Sua Magestade o Imperador da Alemanha, rei da Prússia, cavaleiro da Ordem de Saint Jacques… etc.

Os quais, após a verificação mútua da boa e devida forma dos seus plenos poderes, assentarão nos artigos seguintes:

Artigo 1. – Na Guiné, a fronterira que separa as possessões francesas das possessões portuguesas seguirá…:

- A norte, uma linha que parte do Cabo Roxo e se estende tanto quanto possível, conforme as condições do terreno, a igual distância dos rios Casamansa e S. Domingos de Cacheu até à intersecção do meridiano 17º 30’ de longitude oeste de Paris até ao paralelo 12º 40’ de latitude norte; entre este ponto e o 16º oeste, depois do paralelo de 12º 40’ de latitude norte até ao paralelo de 11º 40’ de latitude norte.

- A sul, a fronteira segue uma linha que parte da embocadura do rio Cajet, situada ente a ilha Catack, que é de Portugal, e a ilha Tristão, que é da França, e tendo em conta, tanto quanto possível, as indicações do terreno, a igual distância do Rio Componi (Tobati) e da margem sul do rio Cassini (bolanha de Kakonda) primeiro e do Rio Grande depois, vindo terminar no ponto de intersecção do meridiasno 16º de longitude com o paralelo 11º 40’ de latitude norte.

Pertencem a Portugal todas as ilhas compreendidas entre o meridiano do Cabo Roxo, o lado e o limite sul formado por uma linha que segue o talvegue do rio Cajet até sudoeste para a zona de passagem dos pilotos até atingir os 10º 40’ de latitude norte, juntando-se aí ao meridiano do Cabo Roxo.

Artigo 2. - Sua Majestade o Rei de Portugal e Algarve reconhece o protectorado da França sobre os territórios do Fouta Djallon tal como foi estabelecido pelos tratados entre o Governo da República Francesa e os Almamys do Fouta Djallon. O Governo da República Francesa, por sua vez, compromete-se a não exercer influência dentro dos limites atribuídos por este acordo à Guiné Portuuesa.

O Artigo 3 diz respeito aos limites das possessões francesas e portuguesas na região do Congo. O Artigo 4 reconhece a Portugal o direito de exercer a sua influência nos territórios que separam Angola de Moçambique, sem prejuízo dos direitos já adquiridos anteriormente por outras potências. [Primeiro sacrifício da Guiné para salvar Angola e Moçambique. Marcelo Caetano também estava disposto a isso em 1972 – ver http://coisasdaguine.blogspot.com/2012/01/358-encontro-de-spinola-com-marcelo.html. Quando foi do “mapa cor de rosa” e do ultimato inglês os franceses estiveram-se borrifando para este acordo…] 

Artigo 5. - "Os cidadãos franceses nas possessões portuguesas na Costa Ocidental da África e os portugueses nas possessões francesas da mesma Costa terão igual tratamento em matéria de protecção de pessoas e bens, como indivíduos e cidadãos dos poderes contratantes. Cada uma das partes contratantes gozará nas referidas posses, para navegação e comércio, de um regime de nação mais favorecida”.

Artigo 6. - As propriedades no domínio de Estado de cada uma das partes contratantes nos territórios mutuamente cedidos são objecto das trocas e de compensações. 

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Artigo 7. - Uma comissão será encarregada de determinar os locais, a posição final dos limites estabelecidos nos artigos 1 e 3 do presente acordo e os seus membros são nomeados da seguinte forma:

- O Presidente da República Francesa e Sua Majestade Muirto Fiel nomeiam cada um dois comissários. Estes comissários reunir-se-ão em local a ser determinado posteriormente, em um novo acordo, pelas partes contratantes e no menor tempo possível após a troca das ratificações da presente convenção. Havendo desacordo, os ditos comissários darão disso notícia aos governos das partes contratantes (1).

A CESSÃO DE ZIGUINCHOR (22 de Abril 1888)

Foi preciso esperar dois anos para que o velho presídio se tornasse efectivamente uma possessão francesa. A delegação francesa na comissão franco-portuguesa responsável pela tomada de posse formal de Ziguinchor é liderada pelo Capitão Brosselard. 

Os Ziguinchenses encararam a convenção de 12 de Maio de 1886 com preocupação. Os seus receios foram fomentados pelos notáveis locais, que não esconderam a sua consternação. A presença francesa vai acabar com a autonomia relativa do enclave, que até então se autoadministrava, sob o controle de Cacheu. Os mulatos viam a chegada de um administrador francês que iria tudo controlar. Preparam aos franceses um acolhimento muito reservado e estão determinados a fazê-los sentir a sua hostilidade.

Em 8 de Abril de 1888, o aviso português “Guadiana” chegou às águas do Casamansa. No dia 12 à noite, embarcou em Ziguinchor o sargento, o chefe da alfândega e alguns soldados. A 13 passou por Carabane, terminando formalmente 243 anos da presença portuguesa em Casamansa.

A delegação francesa chega a 21 de Abril, à noite, no aviso "Le Goéland", seguido da canhoneira "Myrmidon". A delegação foi acompanhada por Ly, administrador de Carabane, e por Picarda, Vigário Apostólico da Senegâmbia em viagem de inspeção. No dia seguinte, domingo 22 de Abril,. uma corveta do " Goéland ", comandada por um tenente, desce a tripulação em terra logo de manhãzinha para erguer um mastro e um altar ao ar livre para a missa de domingo. Às 7H45 está tudo pronto. Às 8H07 a bandeira francesa foi hasteada e saudada comuma salva de 21 tiros de canhão. Às 8H45, a multidão reunida no cais recebe Monsenhor Picarda que celebra a missa. O ofício encerra a cerimónia oficial deste dia histórico. A presença no topo do mastro de um novo pavilhão indica à população de Ziguinchor o fecho de uma página do seu passado. Sua cidade envereda por um futuro que não não sabem qual será.

O primeiro administrador provisório de Ziguinchor é o explorador Gallbert, membro da delegação francesa e especialista no estudo de costumes e língua do povo guineense. Um velho régulo local recusa jurar lealdade à França e é logo afastado do cargo. Galibert decide sanear a aldeia e pede às pessoas para limparem as ruas, o espaço à frente das portas, a prender os porcos em cercas, sob pena de multa. A paliçada que rodeia a aldeia é cortada para permitir uma melhor ventilação. É criado um serviço de caça. O administrador é confrontado com sérias dificuldades quando pretende criar um registo civil e um cadastro, especialmente para saber quem são os proprietários dos campos de arroz ao redor da aldeia. Os notáveis opõem-se à sua autoridade e ele tem de mandar prender alguns para levar a cabo a sua tarefa.

Em 1898 um incêndio destruiu toda a aldeia. Além das casas comerciais, apenas quatro ou cinco casas são salvas do fogo. Ainda assim, a nova aldeia ainda está suja e os Padres do Espírito Santo escrevem no seu jornal da paróquia em 5 de Maio de 1895: «A aldeia mexe-se um pouco para cobrir as novas casas, mas a limpeza não é coisa conhecida em Ziguinchor. Reina a maior desordem nas supostas ruas de Zjguinchor» (1).

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Pouco a pouco, a vantagem da localização do porto, a importância da colheita da borracha e a forte resistência diolas obrigou as autoridades coloniais a transferir a capital do Casamansa da Sejo para Ziguinchor. Uma portaria do primeiro governador de Casamansa de 1 de Junho de 1907 dividie a Casamansa em dois círculos administrativos: a Alta-Casamansa com Sejo como sede administrativa e a Baixa-Casamansa dirigida pelo administrador de Ziguinchor. Posição Um adminlsteateur superior em Ziguinchor dirige toda a Casamansa.

Carabane, a primeira feitoria francesa na foz do rio, criada em 1836, perde irremediavelmente a direcção de toda a Baixa-Casamansa. Em 1908, o administrador superior instala-se em Ziguinchor e assume a governação em 1909, o que ainda se mantém.

ZIGUINCHOR DURANTE A GUERRA DE 1914 ~ 1918

Desde 1914, o administrador do círculo de Ziguinchor exerceu as funções de prefeito, que tem o estatuto de comuna mista (1). É administrada por uma

comissão composta pelo administrador colonial da circunscrição e por 5 a 9 habitantes notáveis, com direito a voto deliberativo, nomeados pelo governador e podendo ser reconduzidos. O admintstrador-prefeito é Coppet, que, mais mais tarde, se tornou governador-geral. Homem íntegro, com forte personalidade e competente, é considerado pró-muçulmano e ant-clerical. Não vai deixar boas lembranças nos meios católicos de Ziguinchor. O seu adjunto europeu é Gontier, o adjunto indígena é Lamine Turé, régulo do bairro de Santiaba. Os membros da comissão municipal são: Courvoisler. Benoit Viala, Madig Diop, Cëlestlno Mendy, Alexandre Pereira de Carvalho.

A contabilidade municipal exige a existência de dois registos. O diário do prefeito onde anota as despesas do dia-a-dia e as receitas e o Grande Livro onde ficam escritos todos os registos já efectuados no diário do prefeito mas agora por artigo e parágrafo do orçamento. Dessa forma, o primeiro registro dá todas as operações financeiras, o segundo os seus detalhes. 

A cidade, actualmente com 20.000 habitantes, tem o nível que hoje se lhe conhece. O bairro chamado europeu é uma quadrícula regular e os subúrbios indígenas de Santiaba, Boucotte,

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Boudodi, Gumbel estendem-se por fora do espaço da administração directa. Algumas cubatas de Santiaba caixas e a maior parte das de Boucotte estão na zona de protectorado. Coppet proibiu a criação de porcos na cidade e a situação sanitária ficou melhor depois de uma acção que reduziu nela de forma considerável o número de mosquitos.

No primeiro semestre de 1914, dois eventos marcaram a vida política de Ziguinchor. A visita do governador William Ponty em Março e as eleições legislativas em Abril.

Várias vezes a Câmara de Comércio de. Ziguinchor tinha expressado interesse em receber o governador-geral para apresentação de projectos para a navegabilidade do rio. 

William Ponty chega a Carabane em 20 de Março onde foi recebido pelo administrador-superior Maclaud. Depois de uma curta visita à aldeia, embarcou para Ziguinchor no vapor "Général Archinard". Uma grande multidão esperava-o no porto com os administradores e Brunot e Coppet. Vários cartazes dizem: "Viva Ponty", “Vive a Casamansa ", mas um deles chama especialmente a atenção dos oficiais. Tem apenas uma palavra: “Autonomia”. O seu autor é um comerciante de Ziguinclior, membro do Conselho Municipal, que defende a autonomia Iinanceira da região de Casamansa. William Ponty parece não ficar preocupado e prefere ocupar-se com a propaganda contra o recrutamento de atiradores para Marrocos, liderada pelos missionários.

A 21 de março, William Ponty visita o mercado e os bairros indígenas e recebe na Câmara de Comércio os delegados da população senegalesa que lhe entregam uma petição na qual reclamam mais água potável e mais escolas. O Governador Geral promete, mas recusa mals escolas árabes. Às 15 horas recebe na sua residência os funcionários, depois os comerciantes que desejam criar uma escola profissional para evitar o êxodo de jovens para Dakar. William Ponty não lhes promete nada. Parte para Dakar no dia seguinte.

Alguns dias mais tarde, as eleições legislativas suscitam grande interesse em toda a população.  No entanto, a maioria não vota. Para se poder votar é necessário ser cidadão francês. O que interessa aos senegaleses é que, pela primeira vez, um dos seus é candidato nas eleições. Nascido 13 de Outubro de 1872 em Gorea, o candidato Blaise Diagne é um desconhecido. Graças à generosidade de um rico mestiço católico, Adolphe Crespin, conseguiu uma boa educação em França. Admitido, depois de um concurso difícil, na alfândega francesa, visitou as colónias francesas como funcionário público. Tentou, então, com muita coragem, a sua sorte nas eleições legislativas de 1914 no seu país de origem. Os seus adversários, o deputado cessante, Francois carpot, e o advogado alsaciano Henri Heimburger apoiado pela poderosa família Devès, prestam pouca atenção ao preto que teve a audácia de os defrontar.  A eleição será realizada em duas voltas. Os resultados da primeira volta, em 26 de abril, são um choque tremendo. Diagne fica em primeiro lugar com 1910 votos, à frente do deputado cessante, que tem 671, e de Heimburger, com 668. As abstenções e os votos em branco foram muitos. Como a vitória de Blaise Diagne não era da maioria dos eleitores inscritos, uma segunda volta foi marcada para 10 de Maio À calma da primeira volta, sucedeu a preocupação e a paixão entre os seus adversários. A família Devès conseguiu impor o seu protegido Heimburger. Carpot, chateado, recusa desistir. Em Casamansa, todos os eleitores europeus isolados no mato são convidados a. vir votar em Ziguinchor. Há quem se proponha ir busca-los, se tiverem dificuldades de deslocação. A campanha eleitoral é animada e Blaise Diagne foi eleito com 2.424 votos e Heimburger com 2.249. Dos 8.677 eleitores inscritos votaram 5.231. Grande contentamento entre os senegaleses e Carpot observa no seu relatório: "Em geral, a eleição de Blaise Diaqne foi considerada pela população de Santiaba e de Boucotte como um fracasso do governo local e quase uma lição para a administração. Aos olhos dos indígenas, Blaise Diagne aparece como uma espécie de mahdi [enviado de Allá] político cuja missão é lutar contra a administração. Não se deve exagerar a importância dessas tendências, mas é bom pensar nelas "(1)

A declaração de guerra surpreendeu o casamansenses ocupados com os seus trabalhos de campo. Após a chegada da ordem de mobilização, os reservistas europeus, funcionários no comércio, são mandados para Ziguinchor a partir de 4 de Agosto.  As reservas indígenas aceitam sem dificuldade a mobilização.  Não sabem, obviamente, a sorte que os espera. Em Casamansa, o vice-administrador Brunot fica como interino e Maclaud parte para a França em Junho de

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licença de convalescença.  Fica com o encargo difícil da organização do recrutamento e a gestão das consequências do impacto político, económico e social da nova situação criada. Os 112 homens da 17ª companhia de Bignona partem para Dakar com os seus oficiais em 7 de Agosto a bordo “Misuren." Eles vão ser todos massacrados em Novembro de 1914 em Arras, na frente do norte. Os seus comandantes, o capitão Javelier e o tenente Lemoine, estão entre as vítimas.

Este trágico acontecimento é dolorosamente sentido pelas populações que vão opor-se ferozmente a qualquer novo recrutamento.

A guerra traz alguns transtornos económicos e um mau estado de espírito em alguns comerciantes, que negam qualquer crédito para indígenas. Alguns, menos escrupulosos, aumentam todos os alimentos em 40 e 50% e baixam para metade os preços do que compram. Outros especulam sobre o arroz, com exceção da C.F.A.O. e a Nouvelle Société Commerciale Africaine.. Para pôr fim a esses abusos, Coppet publica uma portaria a 12 de Agosto de 1914 que taxa em 40 cêntimos o quilograma de arroz. Mas alguns comerciantes procuram fugas a esse imposto, ele infljge oito dias na prisão a um lojista de Adeane apanhado em pleno delito.

Em 1915, o administrador-prefeito dá-se conta das dificuldades em colher o imposto por causa da crise económica na região e em toda a Casamansa. Os contribuintes não têm pressa suprir atrasos. Irritado com a hostilidade da comunidade católica contra ele, opõe-se ao pároco de Ziguinchor, o padre Esvan, que o repreende por seu anticlericalismo e as suas simpatias pouco equitativas, segundo ele, com os muçulmanos

Em 5 de janeiro de 1915, uma epidemia de varíola estourou em Ziguinchor e seis meninas, alunas das freiras, apanham febre alta com erupção cutânea. Não houve nenhuma morte a lamentar. Uma semana depois, o médico e o Comissário de Polícia vão inspecionar o colégio das freiras e o Comissário pergunta ao padre Esvan se ele estava ciente da situação.O padre respondeu afirmativamente, mas acrescentou que a doença também estava noutro local, por exemplo em Jifangor. O Comissário, em seguida, repreende-o por não ter advertido a administração.Na noite de 13 de Janeiro, o pároco de Ziguinchor é acusado de não ter informado sobre a varíola e, dois dias depois, foi condenado a 100 francos de multa e um mês de prisão. A severidade desta condenação irrita os católicos que tomam a defesa de seu pastor. Por ordem de Monsenhor Jalabert, seu bispo, o padre Esvan apela, a 28 de Janeiro, para o tribunal de Dakar, que o absolve a 26 de Março. Isto não melhorou as relações entre o padre e o prefeito, que lamentou o efeito desastroso de uma visita do Bispo Jalabert a Ziguinchor, onde ele sugeriu aos indígenas que tinha sido enviado pelo Governador-geral (1).

Em 1916, os europeus mostraram o seu descontentamento, como resultado da interrupção de todas as chamadas de telefone a partir de 24 Julho até 14 de Setembro. Os indígenas, indiferentes a esta falta de notícias, estão mais interessados em criar uma sociedade cultural chamada de "Aliança Senegalesa da Casamansa”. A administração, desconfiada, acompanha a evolução desta iniciativa com cautela e congratula-se com a relutância dos seus membros em pagar as quotas.

A 5 de Agosto de 1917, o novo governador, Van Vollenhoven, em visita de inspeção na Baixa Casamansa por causa da hostilidade profunda dos diolas ao recrutamento, vai a Ziguinchor. Recebeu uma delegação da Aliança Senegalesa, que subsiste apesar das suas dificuldades financeiras. Em termos firmes mas com benevolência, Van Vollenhoven aconselha os delegados a mudar as suas ideias em realção à e não sair dos objectivos para que a associação foi criada.

Apesar da questão do recrutamento, os espíritos acalmaram-se na cidade depois de uma retomada acentuada do comércio.

Apesar da oposição de Van Vollenhoven a um novo recrutamento de soldados negros na AOF, o governo francês liderado por George Clemenceau decidiu uma nova leva no início do ano 1918. Van Vollenhoven renunciou e pediu para ser colocado na frente, porque não concordou que o governo optasse por um Comissário da República para cuidar desta tarefa geralmente atribuída ao geuvernador-geral. 

Clemenceau designa Blaise Diagne para esta função e do delegado do Senegal aceitou-a porque acredita que a guerra é uma batalha global entre as forças da liberdade e as da opressão,

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encarnada pelas potências do Centro da Europa. A participação dos africanos na guerra mundial em combate pela liberdade é significativa. Deve ser ser o prelúdio da luta dos povos submetidos que aspiram reconquistar a independência perdida. Blaise Diagne espera que a França se mostre compreensiva e generosa com a ajuda eficaz que a África lhe deu na luta para defender sua própria liberdade

Diagne chega então à Casamansa em 5 de Março de 1918 à frente de uma importante missão a bordo de "L’Archinard". É acompanhado pelo Governador do Senegal, Levecque. Os habitantes de Carabane que primeiro o acolhem reconhecem no seu grupo dois oficiais senegaleses, o tenente Henry GOMIS, dos tanques, de Carabane, e o alferes Galandou Diouf. Na praça do mercado, todos os chefes de aldeias vizinhas vieram para ouvir o deputado senegalês, que lhes fala durante por duas horas. Houve uma recepção a seguir na escola das freiras e os alunos cantam em wolof em homenagem ao seu convidado ilustre. Pierre Marie Diatta, catequista, profere um pequeno discuso patriótico que agrada e Blaise Diagne responde-lhe. A cerimônia termina com o hino “Glória à França”.

Em Ziguinchor, a multidão espera durante horas a chegada do navio que aparece às 17 horas. Os atiradores prestam honras. Recebido pelo comandante Benquey, administrador-supperior, Blaise Diagne explica num discurso o objectivo de sua missão. 

No dia seguinte visitou a Missão Católica e deixa claro que o novo recrutamento se fará de forma suave. O padre Esvan, céptico, pede o céu para que seja realmente assim.  Antes de partir para Kaolack via Bathurst, Diagne manda parar os trabalhos para a construção da estrada de Kamobeul e repor a proibição da coleta de vinho de palma (1).

A missão Diagne é um sucesso. Muitos jovens de Ziguinchor pedem para ser incorporados, mas nas mesmas condições daqueles das quatro comunas (Saint-Louis, Dakar, Gorea, Rufisque). O deputado do Senegal promete trabalhar para conseguir a sua pretensão.  A Aliança Senegalesa também faz propaganda mas os seus dirigentes furtam-se a dar o exemplo. O administrador-prefeito de Ziguinchor, Lanzerac, faz notar que Oumane Guèye, Secretário da Associação, e Malick Seck, auxiliare, que tinham feito a promessa solene numa sessão de se oferecerem logo ao primeiro apelo, abafaram suavemente os seus belos sentimentos patrióticos (1).

Se a missão de Blaise Biagne tem um certo sucesso na AOF, devemos reconhecer que, em Casamansa, desperta pouco entusiasmo. O governador-geral Angoulvant sucessor de Van Vollenhoven foi obrigado a reduzir o número de recrutas na Baixa Casamansa, por causa de grupos rebeldes, particularmente activos (2)

 Com o fim da guerra, muitos banhuns e manjacos, que se haviam refugiado na vizinha Guiné,

regressaram para Ziguinchor. A situação política é satisfatória. A escolarização está a fazer progressos e, em 1920, a escola primária pública dirigida por um director, dois professores e duas professoras, acolhe 344, sendo 42 raparigas. Cidade limpa, com exceção de um bairro, Ziguinchor gradualmente assume a aparência que conhecemos hoje. À pequena aldeia negro-portuquesa, suja e atravancada de palhotas apertadas, sucedeu uma pequena cidade de 25.000 habitantes. Ao sul da cidade europeia, os arrozais e florestas de palmeiras de Boucotte e Santiaba deram lugar a bairros populosos e animados. As fontes de Boucotte e de Sindian, outrora longe do porto, estão agora cercadas por cubatas. As mulheres vêm em procissão para ir buscar a água e as querelas entre elas às vezes continuam apaixonadas.

Ziguinchor tornou-se indiscutivelmente a capital da Casamansa. Carabane na entrada do rio está morrendo. A aldeia está vazia e prédios administrativos estão-se desmoronando. Sejo ainda mantém alguma actividade graças ao comércio de amendoim, mas não pode competir com Ziguinchor. O seu forte testemunha o seu passado aventureiro.

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Ziguinchor antigo local da tribo dos isguichos está votada a um futuro promissor. Os banhuns, vítimas de um verdadeiro genocídio desde o século XVII provocado pelos seus vizinhos belicosos, podem ver no sucesso da sua cidade uma mão estranha do destino.

Zigulnchor, 12 de Abril de 1973