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Modelo Memorial de Isabel CorreiadasdasdasasddasddsaddsaasdasdasdaHá muitos a quem agradecer, já que uma vida só é completa com a presença mar- cante de várias outras pessoas. logo, agradeço a todos que, direta ou indiretamente, colaboraram com a minha formação como ser humano e como profissional: a eles, meu respeito e eterna gratidão!

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  • MEMORIAL

    MARIA ISABEL TOULSON DAVISSON CORREIA

    Departamento de CirurgiaFaculdade de Medicina da UFMG

    Belo HorizonteMinas Gerais Brasil

    2009

  • MARIA ISABEL TOULSON DAVISSON CORREIA

    MeMorial apresentado Faculdade de Medicina da universidade Federal de Minas Gerais coMo parte dos requisitos para o concurso de proFessor titular do departaMento de cirurGia.

    Belo Horizonte

    Minas Gerais Brasil

    2009

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

    reitor: prof. dr. ronaldo tadeu pena

    vice-reitora: prof. dr. Helosa Maria Murgel starling

    pr-reitor de Graduao: prof. dr. Mauro Mendes Braga

    pr-reitor de pesquisa: prof. dr. carlos alberto pereira tavares

    Faculdade de Medicina

    diretor: prof. dr. Francisco Jos penna

    vice-diretor: prof. dr. tarcizo afonso nunes

    departaMento de cirurGia

    cHeFe: prof. dr. Marcelo eller Miranda

    suBcHeFe: prof. dr. Marco tlio costa diniz

    secretria: sra. evelin alves Moreira

    Hospital das clnicas da uFMG

    diretor: prof. dr. tnia Mara assis lima

    vice-diretor Geral: prof. dr. antnio luiz pinho ribeiro

    diretor de ensino, pesquisa e eXtenso: prof. dr. Henrique vtor leite

  • 4que histria pode ser criada sem lgrima, sem canto, sem livro e sem reza?Mia Couto 1

  • 5aGradeciMentos

    H muitos a quem agradecer, j que uma vida s completa com a presena mar-cante de vrias outras pessoas. logo, agradeo a todos que, direta ou indiretamente, colaboraram com a minha formao como ser humano e como profissional: a eles, meu respeito e eterna gratido!

    contudo, devo destacar particularmente algumas pessoas que de forma mais pu-jante fazem parte desta caminhada:

    aos meus pais, pela beno da minha existncia;

    aos meus trs homens, Mrio, Marco tlio e Gustavo, que to pacientemente tm vivido as minhas aventuras e desventuras, os meus sucessos e insucessos, as minhas lon-gas ausncias pelo trabalho, pelas viagens e, que devem estar a perguntar-se o que vir a seguir... a eterna incgnita;

    ao prof. dr. dan linetzky Waitzberg, professor associado do departamento de cirurgia da universidade de so paulo, que desde o momento em que nossas linhas se cruzaram passou a ser grande incentivador da minha carreira cientfica e acadmica, alm de grande amigo e parceiro em empreitadas cientficas, educacionais, societrias e sem deixar de mencionar as confraternizaes entre amigos. pelas suas mos, ganhei o meu maior presente cientfico: a oportunidade de desenvolver o inqurito Brasileiro de avaliao nutricional Hospitalar (ibranutri), fonte de dados para meu mestrado, douto-rado e algumas publicaes, alm de ter mudado a terapia nutricional no Brasil. dan, o meu reconhecimento eterno;

    ao prof. dr. alcino lzaro da silva, professor emrito do departamento de ci-rurgia da Faculdade de Medicina da uFMG, pelo estmulo que me levou ao Mestrado e pela orientao segura na elaborao da tese, alm do convite para trabalhar no ento instituto Mineiro de oncologia, onde meus primeiros passos no tratamento de doentes com cncer se deram. a semente germinou;

    ao prof. dr. paulo roberto savassi-rocha, professor titular do departamento de cirurgia da Faculdade de Medicina da uFMG, que antes mesmo de meu ingresso como professora da uFMG, acreditou em mim e concedeu-me a honra de coordenar o grupo de nutrio do instituto alfa de Gastroenterologia e, posteriormente, a residncia Mdica em cirurgia Geral do Hospital das clnicas. chefe: com voc tenho aprendido muito, in-clusive os mnimos detalhes expostos em sua palestra sobre homens e lobos: o desafio de ser o cirurgio chefe;

    ao prof. dr. tarcizo afonso nunes, professor associado do departamento de ci-rurgia e vice-diretor da Faculdade de Medicina da uFMG, pela confiana depositada

  • 6em mim, enquanto meu primeiro chefe de departamento e, pelo apoio incondicional nos tempos de sub-coordenadora do colegiado/centro de Graduao do curso de Medicina;

    ao prof. dr. Marco antnio Gonalves rodrigues, professor associado do de-partamento de cirurgia da Faculdade de Medicina da uFMG e atual coordenador do projeto recriar, pelos ensinamentos da vida universitria, destacando-se a orientao e a avaliao durante meu estgio probatrio. ademais, sei que foi sua a iniciativa de me indicar para a vice-coordenao na disciplina clnica cirrgica. acima de tudo, agradeo por todos os momentos extra-institucionais, compartilhados aqui e em pittsburgh. afinal nossa vida transcende o mundo universitrio;

    ao prof. dr. andr luiz dos santos cabral, professor associado do departamento de clnica Mdica da Faculdade de Medicina da uFMG, companheiro dos tempos de co-legiado/centro de Graduao do curso de Medicina que acreditou em mim e convidou-me a ser sub-coordenadora do colegiado/centro de Graduao, cargo que muito aprendi-zado me trouxe, apesar de todas as intempries. o balano final foi valeu demais;

    prof. Jacqueline isaura alvarez-leite, professora associada do departamento de Bioqumica da uFMG, que desde minha chegada a esta casa tem contribudo imensa-mente na conduo da pesquisa bsica e clnica, sendo presente nos momentos de desilu-ses e tambm de alegrias. Muito obrigada por esta parceria profcua;

    ao prof. dr. valbert nascimento cardoso, professor associado do departamento de anlises clnicas da Faculdade de Farmcia da uFMG, pelo convite para compartilhar a pesquisa bsica, em seu laboratrio, o que tem gerado frutos to preciosos. que nossa parceria no tenha limites;

    ao prof. dr. Francisco Jos penna, professor titular do departamento de pediatria e diretor da Faculdade de Medicina da uFMG pelo sempre to presente apoio durante os tempos de sub-coordenao de colegiado/centro de Graduao, pela confiana em varia-das situaes e pelo carinho nos momentos difceis;

    ao prof. dr. edson samesima tatsuo, professor associado do departamento de cirurgia da Faculdade de Medicina da uFMG e coordenador do programa de ps-Gra-duao em cincias aplicadas cirurgia e oftalmologia, pelo desempenho profissional e zelo na administrao universitria, em especial como coordenador do programa de ps-Graduao, estimulando-me a prosseguir com a pesquisa, mesmo quando as verbas so praticamente inexistentes;

    aos profs. drs. Marcelo eller Miranda e Marco tlio costa diniz, professores as-sociado e adjunto do departamento de cirurgia da Faculdade de Medicina da uFMG, respectivamente pela dedicao e empenho nas atividades exercidas na chefia do depar-tamento e pelo apoio no desempenho das atividades didticas e administrativas;

  • 7ao prof. dr. agnaldo soares lima, professor adjunto do departamento de cirurgia da Faculdade de Medicina da uFMG, que me abriu portas para desenvolvermos projetos conjuntos no grupo de transplante Heptico. os frutos comearam a desabrochar;

    ao prof. dr. rodrigo Gomes da silva, professor adjunto do departamento de ci-rurgia da Faculdade de Medicina da uFMG, pela oportunidade em trabalhar com o Gru-po de coloproctologia e por estarmos sempre discutindo perspectivas para o futuro;

    ao prof. dr. Jos Maria porcaro salles, professor adjunto do departamento de cirurgia da Faculdade de Medicina da uFMG, pela disponibilidade, tempo e ateno em discutirmos projetos conjuntos no Grupo de cabea e pescoo;

    s profs. drs. cristina duarte lanna e Gilda aparecida Ferreira, professoras ad-juntas do departamento do aparelho locomotor da Faculdade de Medicina da uFMG, pela parceria assistencial e cientfica com o grupo de pacientes portadores de lpus;

    prof. dr. Ktia euclydes de lima e Borges, professora adjunta do departamento de esportes da escola de educao Fsica, Fisioterapia e terapia ocupacional da uFMG, coordenadora do laboratrio do Movimento da Faculdade de Medicina da uFMG, pelos sonhos e projetos compartilhados objetivando o movimento constante;

    prof. dr soraya rodrigues de almeida, professora adjunta do departamento de cirurgia da Faculdade de Medicina da uFMG pelo apoio e companheirismo no traba-lho conjunto da residncia Mdica e da disciplina de clnica cirrgica, alm das nossas brilhantes futilidades femininas do dia a dia, que s ns to bem entendemos a neces-sidade;

    ao prof. dr. antnio carlos ligocki campos, professor titular do departamento de cirurgia da universidade Federal do paran, amigo, incentivador, companheiro de inmeras viagens, pelos ensinamentos e pela oportunidade de coordenar o estudo latino americano de nutrio (elan);

    ao prof. dr. Jaime escallon, professor associado da universidade de toronto, que enquanto presidente da Federao latino americana de nutrio parenteral e enteral convidou-me a integrar o comit educacional do curso de terapia nutricional total, uma das minhas grandes empreitadas educacionais;

    aos colegas do departamento de cirurgia da Faculdade de Medicina da uFMG, pelo trabalho dirio em prol do ensino, da pesquisa e da extenso em nossa instituio;

    aos colegas do instituto alfa de Gastroenterologia do Hospital das clnicas da uFMG, pelo companheirismo na labuta diria das atividades docente-assistenciais;

  • 8aos meus estudantes de ps-Graduao dos programas de cincias de alimentos da Faculdade de Farmcia da uFMG e de cincias aplicadas cirurgia e oftalmologia da Faculdade de Medicina da uFMG pela dedicao aos trabalhos de pesquisa e por sem-pre terem honrado nossos acordos. a vocs, devo muitas das publicaes que tenho;

    aos mdicos-residentes de cirurgia Geral, de cirurgia do aparelho digestivo, da coloproctologia, da cirurgia de cabea e pescoo e da Gastroenterologia do Hospital das clnicas da uFMG, pela colaborao e dedicao diria na assistncia aos nossos pacien-tes;

    aos estudantes do curso de Medicina da Faculdade de Medicina da uFMG, pelo sempre estmulo ao crescimento profissional e pelo incentivo capacitao permanente e dedicao como docente dessa instituio;

    secretria do departamento de cirurgia da Faculdade de Medicina da uFMG, sra. evelin alves Moreira e s funcionrias, sras. Waldislene Zinatelli alvarenga silva, nzia Ferreira leite de paula e alessandra Maria da silva Gomes, pelo trabalho e amizade durante esses ltimos anos;

    aos funcionrios do instituto alfa de Gastroenterologia e do Hospital das clnicas da uFMG, particularmente ao corpo de enfermagem pelo excelente atendimento pres-tado aos pacientes e a sempre disponibilidade em discutir novas condutas que possam melhorar o cuidado aos pacientes;

    aos amigos presentes e ausentes, pela compreenso e pelo apoio muitas vezes si-lencioso;

    e por fim, com toda a fora da ddiva da minha existncia, a deus, Buda, al e todas as divinidades, pela vida... to boa e to intensa.

    o que a memria ama fica eterno. te amo com a memria, imperecvel.

    Adlia Prado2

  • 9lista de FiGuras

    Figura 1 - artigo original advindo da minha dissertao de mestrado 35

    Figura 2 - artigo original advindo da minha tese de doutorado 38

    Figura 3 - artigo original advindo da minha tese de doutorado 38

    Figura 4 - nmero de artigos publicados e aceitos para publicao por ano 52

    Figura 5 - profs. paulo roberto savassi-rocha, Marco antnio Gonalves rodrigues e Maria isabel toulson davisson correia, no lanamento dolivro Fundamentos em clnica cirrgica 54

    Figura 6 - artigo original advindo da dissertao de Mestrado da estudante lvia Garcia Ferreira 59

    Figura 7 - artigo de reviso advindo da dissertao de mestrado da estudante lucilene rezende anastcio 60

    Figura 8 - ode liberdade (1977) 73

  • 10

    lista de taBelas

    tabela 1 - relao dos trabalhos publicados disponveis em verso impressa e citados nas bases de dados scopus, isi e Google acadmico (n=21) 39

    tabela 2 - disciplinas ministradas na Graduao, ps-Graduao(mestrado e/ou doutorado) da uFMG entre 2002 - 2009 42

    tabela 3 - Bolsistas de iniciao cientfica em orientao e orientados 43

    tabela 4 - estudantes de ps-Graduao em orientao e orientados 45

    tabela 5 - quadro das atividades administrativas exercidas na Faculdade de Medicina da uFMG 49

    tabela 6 - participaes em bancas: mestrado, doutorado, qualificaes e concursos pblicos 51

    tabela 7 - Frequncia de artigos publicados e aceitos para publicao, qualis e fator de impacto (total = 48) 53

    tabela 8 - nmero de captulos de livros publicados por ano e editoras 55

    tabela 9 - nmero de participaes em mesas redondas, palestras e apresentaes de temas livres/psteres em eventos nacionais e internacionais, por ano 57

    tabela 10 - comprovante de recebimento de verba para a organizao do Xiv congresso Brasileiro de nutrio parenteral e enteral 60

    tabela 11 - comprovante de recebimento de verba para o iX congresso Brasileiro de videocirurgia 60

    tabela 12 - prmios e ttulos conquistados por ano 64

  • 11

    lista de aBreviaturas e siGlas

    [aMB ] - associao Mdica Brasileira

    [aMMG] - associao Mdica de Minas Gerais

    [atls] - american trauma life support

    [capes] - coordenao de aperfeioamento de pessoal de nvel superior

    [cFB] - caminhos de Ferro de Benguela

    [cnpq] - conselho nacional de desenvolvimento cientfico e tecnolgico

    [dr.] - doutor

    [dr.] - doutora

    [elan] - estudo latino americano de nutrio

    [eua] - estados unidos da amrica

    [FapeMiG] - Fundao de amparo pesquisa do estado de Minas Gerais

    [Felanpe] - Federacin latinoamericana de nutricin parenteral y enteral

    [Fundep] - Fundao de desenvolvimento da pesquisa

    [Ganep] - Grupo de apoio em nutrio parenteral e enteral

    [Gpe/dMps/uFMG] - Grupo de pesquisa em epidemiologia / departamento de Medici-na preventiva e social / universidade Federal de Minas Gerais

    [ibranutri] - inqurito Brasileiro de avaliao nutricional Hospitalar

    [iMo] - instituto Mineiro de oncologia

    [pid] - programa de iniciao docncia

    [proF.] - professor

    [proF.] - professora

  • 12

    [sBnpe] - sociedade Brasileira de nutrio parenteral e enteral

    [soBracil] - sociedade Brasileira de videocirurgia

    [uFMG] - universidade Federal de Minas Gerais

    [uFp] - universidade Federal de pernambuco

    [usp] - universidade de so paulo

    [tenep] - terapia nutricional e pesquisa

    [tnt] - terapia nutricional total

  • 13

    suMrio

    prloGo 17

    1 essencialMente suBJetiva 20

    1.1 - o dia de hoje 20

    1.2 - angola - onde e como tudo teve incio 21

    1.3 - portugal a transio para o novo mundo 23

    1.4 - Brasil o sonho de um futuro 23

    1.5 - escolha da profisso 23

    1.6 - Medicina 24

    1.7 - cirurgia 26

    1.8 - nutrio 27

    1.9 - Mestres 28

    1.10 - interesse cientfico 29

    2 Baseada eM evidncias 31

    2.1 - trajetria como Mdica e professora universitria 312.1.1 - residncia Mdica 312.1.2 - vida profissional 322.1.3 - Mestrado em cirurgia 342.1.4 - doutorado em cirurgia do aparelho digestivo 36

    2.1.4.1 - ibranutri 362.1.5 - concurso para professora adjunta 40

    2.2 - atividades didticas / ensino e orientao 402.2.1 - Graduao 402.2.2 - disciplinas optativas 422.2.3 - iniciao cientfica 422.2.4 - ps-Graduao stricto sensu e residncia mdica 44

  • 14

    2.3 - atividades administrativas 46

    2.4 - extenso 49

    2.5 - Bancas de concursos 50

    2.6 - produo cientfica 522.6.1 - artigos publicados 522.6.2 - livros e captulos de livros 532.6.3 - participao em eventos 55

    2.7 - Grupos de pesquisa 57

    2.8 - ps-doutorado 58

    2.9 - auxlios/verbas para pesquisa e eventos 58

    2.10 - colaboraes nacionais e internacionais 61

    2.11 - Homenagens e prmios 62

    3 - vida societria 65

    3.1 - colgio Brasileiro de cirurgies 65

    3.2 - sociedade Brasileira de nutrio parenteral e enteral 65

    3.3 - Federao latino americana de nutrio parenteral e enteral 66

    3.4 - outras sociedades 67

    4 - vida eXtra-Medicina 68

    4.1 - esporte 68

    4.2 - Gastronomia 69

  • 15

    5 - concluses e reFleXes Finais 72

    6 - reFerncias 74

    7 - aneXos 75

    anexo i 75anexo ii 78anexo iii 79anexo iv 80anexo v 81anexo vi 82anexo vii 83anexo viii 84anexo iX 85anexo X 86anexo Xi 87anexo Xii 88anexo Xiii 89anexo Xiv 91anexo Xv 93anexo Xvi 94

  • 16

    no preciso consensonem arte,

    nem beleza ou idade: a vida sempre dentro

    e agora. (a vida minha para ser ousada.)

    a vida pode florescernuma existncia inteira.

    Mas tem de ser buscada, tem de serconquistada.

    Lya Luft 3

  • 17

    prloGo

    o Memorial, um dos requisitos para o concurso de professor titular no departa-mento de cirurgia da Faculdade de Medicina da uFMG, conforme o artigo 29 da reso-luo 15/96 do cepe/uFMG, consiste na exposio escrita de modo analtico e crtico sobre as atividades desenvolvidas pelo candidato, contendo todos os aspectos significa-tivos de sua trajetria profissional. desta forma, o Memorial a narrativa da prpria experincia retomada de fatos importantes e marcantes que nos vm lembrana. logo, redig-lo um exerccio sistemtico e essencialmente subjetivo de relatar a prpria his-tria, revendo a trajetria no s acadmica, mas tambm de vida, j que ambas so inseparveis. este um exerccio de autoquestionamento, marcado pelo potencial vis de memria, mas tambm pelo da subjetividade. de sorte que interpreto a redao deste Memorial como sendo marcada inteiramente pelo desafio.

    desafio que, alis, caracterstico do concurso para professor titular, em qualquer instituio acadmica. em especial, ressalvo este para o departamento de cirurgia da Faculdade de Medicina da universidade Federal de Minas Gerais, pelo longo interstcio sem concursos e hoje, pelo potencial nmero de candidatos de altssimo nvel com quem deverei disputar as vagas disponveis. assim sendo, este Memorial dever assumir a ca-pacidade de registrar, utilizando-se da minha subjetividade, o objetivo daquilo que se pede: a apreciao unilateral da minha vida acadmica, justificando o pleito ao cargo de professor titular.

    a utilizao, ao longo de toda a narrativa, de minha, meu e eu podero despertar sentimentos que sugiram algum grau de individualismo nas aes e nos pen-samentos que aqui so registrados. contudo, sendo o Memorial a inferncia do autor sobre sua atuao universitria, docente, profissional e cientfica, manter a linguagem na terceira pessoa do singular ou do plural poderia parecer artificial. de sorte que o uso da primeira pessoa e dos pronomes possessivos foi opo consciente. essa denotar a interpretao unilateral e os meus pontos de vista sobre os fatos a serem relatados, no necessariamente compartilhados da mesma forma pelas demais pessoas envolvidas direta ou indiretamente. assim, usarei sempre este estilo ao longo do Memorial. por outro lado, s sou o que sou porque grande nmero de pessoas tiveram e tm participao forte e marcante na formao humanstica da pessoa, da mdica e da professora.

    esta narrativa inicia-se de antemo marcada pela mxima da epidemiologia: quem, quando, como e por qu? ou seja, a busca pelas respostas a essas perguntas far-me- percorrer o trajeto que me trouxe realidade atual: porque quero eu candidatar-me ao cargo de professor titular? para isso, devo voltar ao passado, avaliar o que esse represen-ta no presente e vislumbrar os desafios do futuro, mesmo conhecendo as limitaes desse curto interstcio que a minha vida na universidade. por outro lado, ao avaliar o perfil definido pela instituio, conforme a resoluo n. 11/2005, de 13 de dezembro de 2005,

  • 18

    do conselho de ensino, pesquisa e extenso da uFMG (anexo i) encontrei a justificativa para tentar o concurso.

    Minha trajetria acadmica desde que cheguei uFMG como professora tem sido marcada, essencialmente, pela dedicao, integrao, tica e alegria, onde o compromisso maior com a instituio o ensino, a pesquisa e a extenso, sem deixar de lado a respon-sabilidade administrativa, sempre de forma interdisciplinar. Graduao, ps-Graduao, extenso e assistncia mdica fazem parte dessa rotina que j contribuiu com a formao de vrios mdicos e alguns mestres, alm de doutores em fase de formao e dos cuida-dos dedicados a inmeros pacientes e familiares. como registrar ento tudo isto, sem minimizar o que poder ser relevante e sem exaltar o que poder ser irrelevante? tarefa rdua...

    refleti longamente sobre como estruturar ento este texto de forma organizada, seqencial, sem compartimentaliz-lo nas distintas reas de atuao, de forma a espelhar efetivamente quem sou eu e porque dei-me o direito de pleitear o cargo! optei, ao invs de comear por construir minha vida acadmica, desconstru-la. ou seja, no meu caos mental deste momento marcante, vou comear descrevendo o presente to repleto de emoes e inquietudes, fazendo o retorno ao passado que como diz quintana4 o passado no reconhece o seu lugar: est sempre presente, justificando assim os objetivos do Me-morial que o fazem to distinto do currculum vitae. este, segundo Moraes5 o conjunto de informaes sobre as habilitaes do indivduo, apresentado de maneira seqencial e sem comentrios, enquanto o Memorial o relatrio de informaes do indivduo apresentado de maneira crtica. neste sentido, comearei a narrativa pelo essencialmente subjetivo (parte i) e prosseguirei pela objetivo baseada em evidncias (parte 2) j que o ltimo , de fato, a razo deste Memorial.

  • 19

    deslumbrar como manda a palavra deveria ser cegar, retirar a luz. e afinal, era agora um ofuscamento que eu pretendia. essa alucinao que uma vez sentira, eu sabia, era viciante como morfina. o amor uma morfina. podia ser comerciado em embalagens

    sob o nome: amorfina.Mia Couto 1

  • 20

    1 essencialMente suBJetiva

    1.1 - O dia de hoje

    currculo lattes - ltima atualizao em: 26/11/2009

    isabel correia possui mestrado em cirurgia pela universidade Federal de Minas Gerais (1997) e doutorado em Medicina (cirurgia do aparelho digestivo) pela universi-dade de so paulo (2000). Fez ps-doutorado na university of pittsburgh Medical center, em 2008, com bolsa da capes. professora adjunta de cirurgia da universidade Federal de Minas Gerais. orientadora plena do programa de ps-Graduao em cincias de alimentos da Faculdade de Farmcia da uFMG e do programa de ps-Graduao em Me-dicina, rea de cincias aplicadas cirurgia e oftalmologia, da Faculdade de Medicina da uFMG. editora latinoamericana da revista nutrition, editora associada do Journal of parenteral and enteral nutrition, membro do conselho editorial das revistas clinical nu-trition, current opinion in Metabolic and nutrition care, revista Brasileira de nutrio clnica, revista Mdica de Minas Gerais e revisora da pontifcia universidade catlica de campinas. Foi coordenadora do servio de residncia de cirurgia Geral do instituto alfa de Gastroenterologia do Hospital das clnicas da uFMG, no perodo de agosto de 2006 a agosto de 2007. Foi mestre do captulo de Minas Gerais do colgio Brasileiro de cirurgies na gesto de 2006/2007. tem experincia na rea de Medicina, com nfase em cirurgia Geral e nutrio, atuando principalmente nos seguintes temas: desnutrio, ci-rurgia e terapia nutricional, com enfoque especial em transplante heptico, cncer, lpus eritematoso sistmico, metabolismo e nutrientes especficos como arginina, glutamina e probiticos. extra Medicina, tem como hobby principal a gastronomia, com ttulo de ps-Graduao em Haute etude du Gout, de la Gastronomie et des arts de la table pela universidade de reims em conjunto com a cordon Bleu (paris), Frana (2008/2009). na rea desportiva, atleta master de natao! (certificado pelo autor em 26/11/09).

    nessas breves frases, disponveis na introduo do meu currculo lattes, sumario a isabel de hoje, que pode ser encontrada tambm em distintos registros eletrnicos e impressos sob vrios outros nomes, algumas vezes at meio esdrxulos, como izabel tulun ou, somente, como isabel correia. deram-me nome de rainha santa (d. isabel de arago, me do primeiro rei de portugal, d. afonso), mas como no nasci em bero real, restou-me somente o nome grande e aristocrtico, o que de certa maneira tem dificultado aqueles que por mim procuram em bases de dados. desde muito que sei o que essa di-ficuldade, pois quando passei no vestibular, a maioria dos meus amigos evitou conversar comigo logo que saram os resultados, pois acreditaram que no tivesse passado, j que no encontraram nenhuma izabel. Mas afinal, quem sou eu realmente?

    Fruto de 49 anos de vida muito intensa, marcada por mudanas radicais, muitos ga-

  • 21

    nhos e algumas perdas. casada h 24 anos com um cirugio, Mrio ribeiro, que em muito contribuiu na minha formao como cirurgi. Me de dois filhos, Marco tlio e Gusta-vo (o primeiro, quando tinha quatro anos, perguntou-me se no poderia ser uma me normal, o que na sua concepo significava lev-lo sempre escola, natao etc.), filha do sr. Joo e da d. Margarida, irm do antnio pedro, amiga de muitos e profissional atleta. alm disso, como anteriormente descrito, profissional mdica e professora. de sorte, que faz-se necessrio justificar ento como aqui cheguei... desconstruindo vrios nomes, construindo a histria de uma s pessoa isabel!

    1.2 - Angola - onde e como tudo teve incio

    nasci no dia 27 de maro de 1960, na linda e maravilhosa cidade do lobito em angola. Meus pais, Joo antnio davisson Gomes correia e Maria Margarida toulson correia haviam se casado h exatamente um ano e 15 dias, quando na madrugada de um sbado para domingo chego a este mundo. Meu pai, escriturrio dos caminhos de Ferro de Benguela (cFB) e, minha me, secretria da diretoria de uma fbrica de cimentos, no tinham exatamente planejado a chegada precoce de um filho, mas vim... talvez, desde cedo marcada pela determinao que sempre pautou minha vida. Meus avs paternos (Marco tlio e antnia) foram exatamente o que antoine de saint-exupery6 escreveu Aqueles que passam por ns, no vo ss, no nos deixam ss. Deixam um pouco de si, le-vam um pouco de ns. ambos foram marcantes e extremamente presentes no meu cresci-mento, j que minha me logo retornou ao trabalho (naquela poca, licena maternidade era algo inexistente). Fui criada num ambiente absolutamente heterogneo, entre a mas-culinidade do meio pesqueiro e nutico, pelo ofcio do meu av que cuidava do per do clube do cFB e a feminilidade do corte e costura, profisso da minha av. Foram aspectos que profundamente marcaram minha infncia. desde pequena, fui conhecida como a ga-rota que fazia inmeras perguntas, que no parava de falar e que tinha o hbito de fazer monlogos para platias invisveis. Fui apelidada pelos meus primos de gralha. seria j meu interesse pela pesquisa e pelo ensino? algo registrado por rubem alves7 como a curiosidade que nos faz fazer perguntas. na curiosidade que o pensamento se inicia.

    cheguei escola primria, ao completar os seis anos de idade. Meu primeiro col-gio foi o lus de cames, dirigido pela d. estrela, a quem num quente domingo tarde, na varanda do clube do cFB, pedi-lhe que me aceitasse em sua escola, j que o ano h muito havia se iniciado. no lus de cames fiz todo o meu ensino primrio e, ao longo dos quatro anos, fui aluna do quadro de honra. essa rotina, aliada, mais tarde, per-sonalidade exigente de minha treinadora de natao, a japonesa Fumi Kobayashi, foram responsveis pela formao de auto-crtica extremamente rgida, considerando-me in-digna de perdo nos momentos de falha. afinal, tal como Fernando pessoa8 declamava:

  • 22

    no sou nada. nunca serei nada. no posso querer ser nada. parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. Janelas do meu quarto, do meu quarto de um dos milhes do mundo que ningum sabe quem (e se soubessem que , o que saberiam?), dais para o mistrio de uma rua cruzada constantemente por gente, para uma rua inacessvel a todos os pensamentos, real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa, com o mistrio das coisas por baixo das pedras e dos seres, cor a morte a pr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens, com o destino a conduzir a carroa de tudo pela estrada de nada.

    Fiz o ensino mdio na escola preparatria d. afonso Henriques e a continuao no liceu almirante lopes alves, instituies pblicas onde praticamente todos os adoles-centes do meu convvio estudaram. o desempenho acadmico manteve-se sempre muito bom. Mesmo em momentos de crise, como a perda do av Marco, a vida atribulada de uma atleta com treinos dirios, em dois turnos e, as mltiplas viagens para disputar campeonatos, assim como a chegada da adolescncia no afetaram o desenvolvimento es-colar. nunca tive que submeter-me a nenhum exame, j que as notas alcanadas sempre garantiram as dispensas do exame exigido ao equivalente da 6. srie e, depois ao da 9. a vida era bela demais, a liberdade tinha um gosto ingnuo e eu sonhava em ser Ferno capelo Gaivota9! essa gaivota idealista dizia Aqui ser a areia fina...a falsia...onde, entre vos poisarei para descansar e meditar, depois voltar a voar entre o azul do mar e o azul do cu. e assim, foi o lobito, minha linda cidade. l, similaridade de Gaivota9 sempre perguntei Vocs querem voar to grande a ponto de perder o bando, e aprender, e voltar a eles um dia e trabalhar para ajud-los a se conhecer?

    a realidade foi mais dura que a inocncia desses primeiros anos de vida marcados por sucessos acadmicos e desportivos. a revoluo dos cravos, em 25 de abril de 1974, marcou o incio de um perodo duro, muito difcil, culminando no banho de sangue que foi a guerra civil de angola. deixei de ser angolana, passei a ser portuguesa, perdi o pas, alguns amigos, os bens materiais, mas acima de tudo perdi a identidade. virei cidad do mundo! passei a no entender, o que at ento no sabia, tal como clarice lispector10

    escreveu No entendo. Isso to vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender sem-pre limitado. Mas no entender pode no ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando no entendo. No entender, do modo como falo, um dom. No entender, mas no como um simples de esprito. O bom ser inteligente e no entender. uma beno estranha, como ter loucura sem ser doida. um desinteresse manso, uma doura de burrice. S que de vez em quando vem a inquietao: quero entender um pouco. No demais: mas pelo menos entender que no entendo.

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    1.4 - Brasil o sonho de um futuro

    1.5 - Escolha da profisso

    a revoada de angola, junho de 2005, levou-nos a portugal, pas completamente despreparado para receber os retornados. na verdade, de retornados nada tnhamos, j que, na grande maioria, ramos nascidos em angola. o hiato de ideologias e de realida-des fez com que a vida nesse pas, mesmo para adolescentes extrovertidos como eu, fosse pautada por revoltas, manifestaes e prises. no fomos bem recebidos! no havia onde trabalhar, mas havia que sobreviver e o dinheiro, esse no existia! a busca pela sobrevi-vncia levou meus pais a tomarem a deciso de emigrar, j que a guerra em angola no dava sinais de melhorar e o pas mergulhava cada vez mais no abismo. austrlia, canad e Brasil foram as possibilidades.

    nove de abril de 1976, data em que cheguei ao Brasil, para encontrar meus pais e irmo que aqui j estavam h cerca de dois meses. a realidade, ento, foi conhecer e viver no pas que h muito existia no meu imaginrio de infncia e adolescente, pois em angola muito se mostrava e falava sobre o Brasil. ao contrrio do sonhado, o choque foi grande, fruto daquela poca ainda marcada pela ditadura e a pobreza. essa ltima era para mim desconhecida, ainda que viesse de um pas de terceiro mundo. para piorar a situao, a admisso em um colgio pblico no foi possvel e, acabei por ser matriculada em colgio particular, o promove. cheguei no incio do segundo bimestre, do segundo ano do cientfico. Meus colegas viviam outros momentos: do samba, do futebol e das conversas superficiais, ou seja, verdadeiro choque para quem era altamente politizada, oriunda de uma revoluo e de uma guerra civil. a decepo foi grande e a busca por alternativas passou a ser um objetivo, fazendo com que voltasse s piscinas para alcanar a integrao com jovens da minha idade. concomitantemente, busquei outras opes, resultando no intercmbio pelo american Field service (aFs), destino a aurora, subr-bio de chicago, illinois, estados unidos, para um programa de um ano (agosto de 1978 a julho de 1979).

    tenho que admitir, jamais, na minha infncia e adolescncia, sonhei em ser mdi-ca. alis, para todos os que me conheciam bem, esta seria a ltima das opes possveis, pois tinha pavor de sangue e no conseguia conviver com a doena do prximo, isto para no falar da morte. essa tinha-me sido apresentada pela primeira vez aos 12 anos de idade, quando meu av Marco tlio nos deixou. a perda foi to grande e to dolorosa que a morte passou a ser inimiga constante, presente em todos os meus sonhos. a guerra s veio a piorar este sentimento!

    1.3 - Portugal a transio para o novo mundo

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    na verdade, eu queria ser mesmo era advogada, seguir carreira diplomtica, via-jar pelo mundo, viver diferentes culturas e conhecer pessoas distintas com suas parti-cularidades. vivendo numa cidade porturia que recebia inmeros navios de mltiplas nacionalidades, sempre convivi com estrangeiros. comunicava-me em francs e ingls, que dominava suficientementemente nos primrdios da adolescncia. contudo, a perda de meu pas, os sentimentos negativos contra portugal e a chegada ao Brasil, onde carrei-ra diplomtica s pode ser seguida por brasileiro nato, foram contra o sonho de longos anos.

    talvez o destino possa ser responsvel pela minha opo de ser mdica. sim esse mesmo que segundo pessoa dizia o Destino um infinito de poticos desgnios. em janeiro de 1998, fui paciente, tendo que submeter-me a tratamento cirrgico. interna-da em enfermaria com mais quatro outras pacientes, tive a certeza, no prprio dia da admisso, que Medicina no seria realmente meu futuro. contudo, trs dias depois, ao receber alta, j no compartilhava mais esse sentimento. Havia sobrevivido s dores das minhas companheiras de quarto e minha prpria, alm de ter-me beneficiado da insu-pervel ajuda de todas, cujos romances familiares eram to distintos e peculiares. ser que Medicina seria ento a opo para lidar com gente e seus sentimentos? Faltava saber se conseguiria superar o fantasma da morte. precisava saber se corpos inertes e sem vida no seriam bice ao meu desejo de trabalhar com gente. sob indicao do cirurgio que me operou, dr. Geraldo Magela, fui conhecer a sala da anatomia da Faculdade de cincias Mdicas de Belo Horizonte. novamente, quis o destino, que esse contato com a morte, que era para ter sido feito sob acompanhamento de algum, fosse solo! esse dia perma-nece vvido em minha mente, pois ao sair dali consegui prosseguir com minha rotina habitual, sem qualquer percalo. Havia tomado a deciso: iria fazer Medicina!

    em janeiro de 1978, prestei vestibular para Medicina na universidade Federal de Minas Gerais que, pela primeira vez, incluu a prova de redao no processo seletivo. isso muito me alegrou, pois seria, a meu ver, um fator que me favoreceria, j que esta-va acostumada a dissertar e tinha grande dificuldade com provas de mltipla escolha. apesar da deciso pela Medicina, o medo de no ser aprovada, j que se tratava de vaga altamente concorrida, e no tendo eu feito qualquer cursinho como a grande maioria dos meus colegas, optei por candidatar-me tambm ao vestibular de direito na universidade catlica (afinal, o desejo de uma vida inteira ainda falava dentro de mim). o resultado deste ltimo concurso veio primeiro, havia passado em quarto lugar! tinha garantida uma vaga na universidade em direito quando, no sbado de carnaval de 1978, fiquei a saber que tambm havia passado em Medicina, e ao contrrio dos folies que pulavam e sorriam, eu chorava sem razo aos olhos de todos. contudo, para mim, ali estava a minha realidade, tomar a deciso! ou seja, teria que optar. Bem, o resultado j todos sabem: vi-rei mdica! afinal, existia o desejo de trabalhar com gente diferente, de raas distintas,

    1.6 - Medicina

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    de credos mltiplos, de dores ambguas e de diversas vontades. a realidade mostrou-me tambm que o Brasil tinha vindo para ficar na minha vida! porm, a grande deciso sobre a escolha de ser mdica tenha talvez sido impulsionada por particular aspecto familiar. conhecedora de que o sonho do meu pai havia sido ser mdico, nunca tornado realidade porque em angola no havia Faculdade e a ida para portugal foi impossvel devido a questes financeiras dos meus avs, a escolha por Medicina certamente muito lhe agra-daria.

    o ingresso na Faculdade de Medicina s ocorreu em agosto de 1979, pois como ha-via sido selecionada no programa de intercmbio do aFs, optei por trancar a faculdade por um ano, indo morar em aurora, subrbio de chicago. l, voltei a cursar o equiva-lente ao ltimo ano de terceiro grau e pude ter disciplinas distintas das que at ento havia freqentado. a experincia com a minha famlia americana, os ahrens, assim como com a vida naquele pas e com os muitos estudantes aFs do mundo todo que viviam na regio, em muito contriburam para o meu futuro como pessoa. a experincia para mim foi sublime e a volta ao Brasil, muito sofrida!

    em agosto de 1979, dei os primeiros passos rumo ao que sou hoje. os anos de fa-culdade foram deliciosos, apesar da decepo dos dois primeiros em que no me sentia, em hiptese alguma, como estudante de Medicina. contudo, se por um lado, a Medicina ainda parecia longe, nos anos de instituto de cincias Biolgicas, o convvio com pes-soas distintas foi presente no s na faculdade, mas tambm pelo fato de lecionar ingls em cursos de idiomas, como o centro de cultura anglo americana (ccaa) e depois, o Number One.

    na verdade, minha vida como professora comeou antes mesmo de ir para os esta-dos unidos, ao lecionar ingls, no Only Way, curso particular de idiomas. os anos como professora do Number One, onde fiquei at data da formatura da Medicina, foram extre-mamente importantes do ponto de vista acadmico (ver anexo ii). l aprendi a lidar com hierarquias, com gente mais velha com os quais devia partilhar meus ensinamentos de jovem professora e com adolescentes rebeldes que viam em mim um desafio a enfrentar. contudo, acima de qualquer outro aspecto, aprendi didtica de ensino nos vrios cursos de formao oferecidos aos professores. Foram anos muito, mas muito bons!

    durante os seis anos de curso, mas principalmente nos quatro anos na alfredo Ba-lena, contei muito com a amizade e apoio dos meus colegas, mas em especial do meu gru-po. este era formado por lcia, Mia, valria, rogero, Marcelo e renato, que sempre atendiam os primeiros pacientes dos ambulatrios, ficando para mim a responsabilidade dos demais. s assim, eu podia continuar a dar aulas de ingls das sete s oito horas da manh e, mais tarde, depois das 17 horas. Guardo desse perodo memrias boas, mas que voaram muito depressa. essa amizade ficou gravada na msica de Milton nascimento11:

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    amigo coisa para se guardar, do lado esquerdo do peito, Mesmo que o tempo e a distncia digam noMesmo esquecendo a canoo que importa ouvira voz que vem do coraopois seja o que vier, venha o que vierqualquer dia, amigo, eu voltoa te encontrar

    qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar

    o ttulo de mdica foi-me auferido no dia 23 de julho de 1985, em meio a muitas ce-lebraes e a alegria de ter comigo e minha famlia, os meus pais americanos, ray e edna ahrens, que vieram ao Brasil especialmente para essa data to importante.

    1.7 - Cirurgia

    a opo pela cirurgia desabrochou em algum momento que no me lembro exata-mente quando e porque, mas foi precoce. se sangue na infncia e na adolescncia haviam sido problemas, agora j no eram mais. tive grande oportunidade de assistir a opera-es neurolgicas, ainda quando no 5. perodo, com o prof. peter Joviano coutinho, na poca namorado de grande amiga minha. a neurocirurgia pareceu-me opo fascinante, pois a intimidade com o rgo que simbolizava aes e emoes caracterizava enorme desafio. a desiluso com a neurocirurgia tambm veio rpida, afinal no ps-operatrio os pacientes demoravam a recuperar-se. via com tristeza o sofrimento de pacientes e fa-miliares pela volta rotina de maneira independente.

    a cirurgia cardiovascular passou a ser a opo, por influncia de um cirugio ale-mo, prof. volmer... (no me recordo do sobrenome) para quem projetei slides e auxiliei como intrprete no Xvi congresso da associao Mdica de Minas Gerais, em 1983, a convite do prof. Jos de laurentys Medeiros. instigada pela descoberta dos poderes do sistema cardiocirculatrio que me foram detalhadamente apresentados por ele, aps o congresso, comecei a freqentar o bloco cirrgico do Hospital das clnicas. pude ento ver o prof. cludio azevedo salles a trabalhar com a mquina da vida: o corao. porm, logo percebi que, ou por haver sangue demais, ou pela repetio dos atos que havia as-sistido, cirurgia cardiovascular no era bem o meu futuro.

    em agosto de 1983, passei a acompanhar a equipe do dr. clio nogueira, nos hos-pitais s. lucas/sta. casa da Misericrdia de Belo Horizonte. a ida para essa equipe foi motivada por um colega de outra faculdade, o laurent, com quem tinha trabalhado no congresso da aMMG. laurent havia me dito que se eu quisesse aprender mesmo cirur-gia eu teria que, se possvel, acompanhar integralmente um dos assistentes do dr. clio: Mrio ribeiro. no sei porque mas perguntei-lhe: ele casado? e a resposta foi que sim, era casado! Fui em frente, entrei na equipe, procurei acompanhar o Mrio o mximo pos-

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    1.8 - Nutrio

    Meu primeiro contato com a nutrio foi durante a residncia de cirurgia, quando passei trs meses no ento servio de nutrio parenteral da santa casa de Misericrdia de Belo Horizonte, sob a coordenao do dr. Faustino teixeira neto. na poca, a nutri-o parenteral era invariavelmente indicada para todos os pacientes com complicaes cirrgicas, a maioria da populao de pacientes internados na unidade. ao ler captulos sobre avaliao nutricional, que ento abordavam a antropometria como a tcnica padro ouro para diagnstico nutricional, questionava a falta de aplicabilidade clnica na rotina da unidade e da futura cirurgi. ao dr. Mauro Kleber sousa e silva, assistente do dr. Faustino, com quem discutia a maioria dos casos, dizia-lhe que queria somente aprender o importante para a formao do cirurgio. contudo, quase no final da residncia, tive a oportunidade de passar dois meses no servio de cirurgia do Hospital das clnicas da universidade de so paulo, com o prof. Joel Faintuch. Meu objetivo foi aprender nutri-o sob a ptica do cirurgio. conheci ento o prof. dan l. Waitzberg que me levou para assistir a uma conferncia sua e a conhecer o seu servio (Grupo de apoio em nutrio parenteral e enteral Ganep), no Hospital da Beneficncia portuguesa. nasceu ali uma grande amizade e afinal, acabei aprendendo muito mais!

    sempre tive um perfil coordenador e, no papel de assistente, confesso que em muitas oportunidades me vi competindo com o Mrio. medida que eu aumentava meus conhecimentos, ele se tornava mais experiente. ao final da residncia de cirurgia geral, grvida de cinco meses do meu primeiro filho, vi-me face ao dilema: ser a eterna sombra do meu marido, com quem havia aprendido cirurgia, por quem todos tinham admirao e enorme respeito, ou partir para vo solo em outra especialidade cirrgica. contudo, a dificuldade de enfrentar nova residncia com um filho para nascer pareceu-me difcil.

    svel e acabei por aprender tanta coisa... mas a vida apronta e cada uma... no hilrio da histria, at hoje sou casada com esse assistente, Mrio ribeiro e, assim j l se vo quase 24 anos de vida a dois. a deciso pela cirurgia geral estava feita!

    aps a formatura, por opo, no quis fazer residncia em nenhum servio que no o do meu ento futuro marido, ainda assistente do dr. clio nogueira, mas j com servio prprio no Hospital semper. Foi uma escolha feita em funo da realidade do momento: apaixonada, ia casar-me e, depois de j ter visto tantos cirurgies operarem, considerava o Mrio o melhor de todos. queria ser como ele!

    a residncia em cirurgia geral (curso de especializao) no Hospital semper foi concluda em julho de 1987 e, na seqncia, tornei-me assistente do Mrio e assim, mi-nha vida como cirurgi foi desabrochando bastante longe da Faculdade de Medicina da uFMG.

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    discuti a questo abertamente com o Mrio dizendo-lhe que gostaria de ter algo meu e no nosso. Falei ento no campo nutrio, que muito me atraa. ele concordou inclu-sive definindo que eu seria a coordenadora da equipe nesta rea de atuao. a escolha estava feita: nutrio seria a minha carreira solo! ou seja, fiz minhas,as palavras de cora coralina12:

    andei pelos caminhos da vida. caminhei pelas ruas do destino -procurando meu signo.Bati na porta da Fortuna, mandou dizer que no podia atender. procurei a casa da Felicidade, a vizinha da frente me informouque ela tinha mudadosem deixar novo endereo. procurei a morada da Fortaleza.ela me fez entrar: deu-me veste nova, perfumou-me os cabelos, fez-me beber de seu vinho.acertei meu caminho.

    1.9 - Mestres

    Menina conceio, assim era chamada a minha primeira professora no primrio, deixou indelveis marcas na minha formao na busca pelo correto e por estimular-me sempre a alcanar o quase impossvel. padre augusto, hoje capelo de um hospital de doentes terminais em lisboa, nas aulas de portugus j no liceu almirante lopes alves primou para que a lngua no fosse somente uma questo de fala e escrita, mas tambm de interpretao de sentimentos, princpios e desejos. que saudades!. Fumi Koboyashi minha treinadora de natao dos 12 aos 15 anos, mostrou-me o que ter determinao e garra. essencialmente, mostrou-me que superao se constri com perdas e que s se chega a qualquer fim, quando se luta incansavelmente. a filosofia oriental passou a ter participao na minha vida!

    na faculdade de Medicina, alguns nomes ficaram marcados: prof. dr. Joo Gabriel Marques Fonseca com quem aprendi muito, desde a ausculta de bulhas cardacas escu-tando um gravador, at os princpios ticos e filosficos desta maravilhosa profisso. prof. dr. valria Maria augusto, ainda to jovem quando nos ensinou a arte de fazer a anamnese bem feita e completa. prof. dr. luciano dants de paula que, no seu rigor e na sua exigncia, ensinou-me o gosto pelo que viria a ser minha opo de especialidade: cirurgia. a primeira operao e tambm a primeira perda de uma vida vieram por suas mos: tratou-se de criana com cerca de quatro anos vtima de peritonite purulenta di-fusa secundria a perfurao por Ascaris lumbricoides. o quadro pareceu-me dramtico,

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    mas a vontade de superar o infortnio dos outros galgava a passos longos nas minhas en-tranhas. nascia a vontade de agir mais ainda, de fazer acontecer, era o futuro da cirurgi aflorando. prof. dr. Marco antonio cabezas, vulgo cabezitas, foi amigo, companheiro de diverses e de vrias histrias mui particulares que no cabem aqui descrever, pois implicariam em falar de outros. que deus o tenha em boa companhia! prof. dr. Jos roberto lambertucci, o gafanhoto-mor em meio a tantos gafanhotinhos, mostrou-me como foi bom aprender a fazer diagnsticos. prof. dr. petrnio rabello costa a quem, em conjunto com a ento residente dr. Magda Bahia (hoje professora do departamento de pediatria), tanto questionvamos para finalmente aprendermos muito de pediatria. afi-nal, amvamos v-lo falar e apresentar suas idias. petrnio foi to marcante que virou pediatra dos meus filhos quando estes chegaram para adicionar mais emoo minha vida. prof. dr. Jos de Freitas teixeira Jnior e dr. antnio luiz coli com quem fiz in-ternato de clnica mdica, sendo a primeira turma a faz-lo no Hospital semper. Foi to boa a experincia, que j sabendo que queria fazer cirurgia, optei por repetir o internato de clnica mdica, na poca opo permitida pela faculdade.

    dr. clio nogueira e o Mrio foram mestres na verdadeira arte da cirurgia! outros cirurgies, posteriormente, contriburam para a minha formao profissional, como os professores alcino lzaro da silva e paulo roberto savassi rocha, estes em distintas fa-ses, mas j nos primrdios dos meus passos em direo vida acadmica na uFMG.

    1.10 - Interesse cientfico

    o gene pelo esprito de investigar deve ter sido herdado, pois desde garota sempre quis saber porque e observava atentamente as mudanas da natureza, tentando adivi-nhar, por exemplo, o que poderia estar por trs de um sol que caa no horizonte nos finais de tarde do lobito. as respostas simples no necessariamente atingiam o objetivo, pois a sede por saber e por querer esgotar o argumento sempre me levaram a ler muito, inclusive os livros considerados proibidos para a idade. J era tarde quando meus pais descobriam que estava a ler algo no necessariamente adequado! e claro, as perguntas s mudavam o foco e a quantidade era geometricamente maior.

    sempre participei durante o ensino primrio e secundrio das feiras de cincias j que a possibilidade de fazer experincias l encontrava. era um mundo de alquimia, onde distintas solues misturadas com solutos variados produziam as mais belas cores, formas e, s vezes, odores no to agradveis. Mas era mgico! assim como o , hoje, fa-zer experincias gastronmicas na minha cozinha. s que hoje, estas tm uma pitada de quanto basta, vulgo qb, da minha imaginao profcua e do conhecimento alimentar.

    por outro lado, nos primrdios do curso de Medicina no tive essa curiosidade.

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    enquanto frequentei os laboratrios do instituto de cincias Biolgicas, talvez pelo fato de que no conseguia ver a associao entre o batimento da asa da drosfila com o im-pacto na doena, no me envolvi com nenhum grupo de pesquisa. aliou-se a isso, o fato de que meu tempo potencialmente livre esteve sempre ocupado em dar aulas de ingls.

    o despertar pela cincia aflorou definitivamente em mim somente quando comecei a freqentar os primeiros congressos. na verdade, o primeiro congresso, em julho de 1980, teve maior impacto na importncia das relaes interpessoais do que em cincia propriamente dita, j que tratou-se do Xii encontro cientfico dos estudantes de Me-dicina, realizado em curitiba. nessa data, eu sequer conhecia bem o que era realmente estudar Medicina. em maio de 1983, participei pela primeira vez de evento cirrgico or-ganizado pelo conselho cientfico da aMMG e o colgio Brasileiro de cirurgies. no en-tanto, foi durante o Xiv congresso da associao Mdica de Minas Gerais, em junho de 1983, que fascinei-me pela arte da cincia e do falar em pblico. nesse evento, projetei slides em distintas sesses, alm ajudar na traduo para convidados estrangeiros, como j citei anteriormente. a amizade com o laurent, que me levou a trabalhar na equipe do dr. clio nogueira, foi fruto desse encontro e, marcou o destino da minha vida pessoal.

    na equipe do dr. clio nogueira, o interesse pela pesquisa clnica foi estimulado, por duas razes: a curiosidade cientfica e a paixo, no pela cincia, mas pelo meu futuro marido. assim, juntamente com ele, entre cartolinas brancas espalhadas pelo cho, reple-tas de rabiscos e informaes de pacientes, ao longo de vrias horas em fins de semana e noite adentro, saram as anlises dos primeiros trabalhos do quais fui co-autora. esses foram apresentados no XXiX congresso Brasileiro de Gastroenterologia e v congresso Brasileiro de endoscopia digestiva, em agosto de 1984 e intitularam-se: tratamento cirrgico de cistos pancreticos: anlise de 66 casos e abscesso pancretico: anlise de 16 casos. Meu interesse pelo estudo do pncreas teve sem dvida a influncia de um grande vis, j que a equipe era referncia no estado, qui no Brasil, para doenas pancreticas.

    o primeiro congresso do colgio Brasileiro de cirurgies, poucos dias aps a minha formatura foi a entrada triunfal no meu mundo de futura cirurgi e eventual pesquisa-dora. o doutor Murray Brennam, do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, de nova York, foi para mim o exemplo a ser alcanado em algum momento da minha trajetria profissional, com sua didtica fantstica, postura encantadora e, abordando, alm de diversos outros assuntos, o pncreas. nesse congresso, fui co-autora do tema livre abs-cesso pancretico: anlise de 18 casos.

    em suma, os demais passos foram sendo galgados medida que as oportunidades foram aparecendo. essas sempre agarrei com determinao e muita firmeza. na prxima sesso, descreverei a trajetria profissional na sua forma cronolgica, contemplando cada um desses captulos de minha vida, agora baseados em evidncias concretas no deixan-do de acrescentar uma pitada do subjetivo, obviamente.

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    2 traJetria coMo Mdica e proFessora

    universitria

    2.1.1 - Residncia Mdica

    em julho de 1985, comecei a residncia mdica no Hospital semper, entidade pri-vada, com cerca de 200 leitos, sob a coordenao do dr. Mrio ribeiro, a quem j descre-vi anteriormente. os primeiros desafios cirrgicos, barreiras percebidas como dificlimas de serem transpostas, ficaram mais fceis pelas mos dos mentores, em especial do Mrio. o estgio de anestesia, importantssimo para a compreenso da metabologia cirrgica, foi feito no Hospital so lucas sob a orientao dos drs. Jair de oliveira e Marcos leonardo rocha. o estgio de terapia intensiva foi realizado no Hospital das clnicas da uFMG sob a coordenao do prof. dr. renato almeida Magalhes e aumentou a minha percepo sobre a extrema importncia dos aspectos metablicos. Foi tambm durante a residncia que passei pelo servio de nutrio parenteral da santa casa, j mencionado, onde a consolidao sobre a relevncia do metabolismo foi definitivamente incorporada ao meu dicionrio mdico. o desejo de aumentar meus conhecimentos nesta rea, na poca so-mente dominada por mdicos clnicos gerais, levou-me a buscar novos horizontes.

    pelas mos do falecido prof. dr. eduardo Botelho de carvalho, da uFMG, por quem tinha grande amizade e admirao, cheguei ao Hospital das clnicas de so paulo, para estagiar com o prof. dr. Joel Faintuch. Fiquei dois meses e firmei minha idia sobre a importncia do metabolismo no paciente cirrgico e a relevncia do tema no arsenal de conhecimentos do cirurgio.

    ao trmino da residncia, enfrentei-me com o desafio do que fazer para no ser a eterna sombra daquele que era meu marido e tinha sido meu mentor profissional. posio extremamente difcil no contexto familiar, mas de suma importncia para quem no sa-bia viver na dependncia de ningum. afinal, meu sonho pela liberdade sempre existiu e, bvio que o futuro seria espelhado no que j ocorria, ou seja, era a mulher do M-rio. Grvida de cinco meses do meu primeiro filho, optei por no fazer nova residncia e dedicar-me ao estudo da nutrio de forma autodidata, por meio da literatura e indo a congressos mdicos.

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    2.1.2 - Vida profissional

    terminada a residncia, continuei a trabalhar no Hospital semper na qualidade de assistente, auxiliando o meu marido, dando plantes no ambulatrio de urgncia e ope-rando pacientes prprios. no entanto, era mister ter meu prprio mundo e parti, ento, em busca de outro local de trabalho. Fui admitida como plantonista do pronto atendi-mento do Hospital de sete lagoas. porm, esta experincia foi fugaz, somente um planto e meio. ocorrreu que logo no primeiro dia de trabalho, iniciado tarde, deparei-me com a situao catica do atendimento pblico, sem a mnima condio de ofertar adequada assistncia aos pacientes. Faltavam recursos humanos e tcnicos, a situao de trabalho era pssima e para culminar, eu realmente no estava acostumada a tal realidade. voltei para casa absolutamente frustrada e questionando-me muito sobre o verdadeiro sentido daquele emprego. no segundo dia de planto, atendi um paciente com clnica de pancre-atite aguda grave. porm, quando tentei estabelecer o diagnstico, no consegui sequer mensurar os nveis de amilase, pois o exame no era disponvel. trabalhar era importan-te, o dinheiro mais ainda, mas o risco de envolver-me em situao tico/legal pareceu-me ser grande e no justificaria em hiptese alguma a manuteno do cargo. prontamente, procurei o secretrio de sade local, que havia-me dado o emprego e comuniquei-lhe a deciso de no manter o cargo a partir desse dia.

    em funo do tempo livre, tpico de quem engatinha na profisso, prontifiquei-me a trabalhar como mdica voluntria do servio de nutrio da santa casa da Misericrdia de Belo Horizonte, no qual, durante a residncia havia tido o primeiro contato com a es-pecialidade. sob a coordenao do dr. Faustino teixeira neto e do assistente dr. Mauro Kleber sousa e silva, pude aumentar os meus conhecimentos nessa rea e concretizar a idia de que essa seria, certamente, a opo profissional em que poderia investir minha trajetria individual.

    a oportunidade de montar equipe de terapia nutricional em conjunto com o dr. Mauro Kleber sousa e silva e uma ex-residente de clnica mdica do Hospital semper (dr. dbora simes Flix) surgiu em meados de 1990, motivo pelo qual, desliguei-me da santa casa. Minha vida estava novamente totalmente centrada no mesmo hospital onde meu marido era presente cem por cento. por isso, quando em 1992 fui convidada pelo prof. dr. alcino lzaro da silva para ir para o iMo, prontamente aceitei o desafio.

    iniciar o servio de terapia nutricional em hospital de referncia em cncer foi sem dvida um dos projetos mais ambiciosos que assumi. nessa poca, a terapia nutricional ainda era vista pela maioria dos colegas mdicos como umas sopinhas bem batidinhas a serem administradas por cateteres. a cpula administrativa tambm no entendia a real necessidade de alocar profissionais nutricionistas e enfermeiros especificamente para a equipe. tive que sozinha assumir a posio assistencial, administrativa e educacional, pois o estgio na nutrio passou a ser obrigatrio para alguns programas de residncia. estava feliz, tinha algo somente meu! contudo, o trabalho foi to intenso, que grvida do

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    meu filho Gustavo, ainda no sexto ms, tive que ficar de repouso absoluto, na cama, em decorrncia do literal corre-corre fsico, levando-me a ter contraes freqentes e fortes. contudo, a sada do prof. dr. alcino da diretoria clnica, fez-me a colocar o cargo dis-posio, uma vez, que havia sido conduzida ao mesmo por seu convite. assim, deixei o iMo em meados de julho de 1993.

    a chegada do segundo filho em nada diminuiu meu ritmo de trabalho, pois nessa poca j havia iniciado o mestrado. contudo, de novo, voltei a centrar as minhas ativida-des no Hospital semper. assim, mantive-me at 2000, quando fui novamente convidada para assumir a equipe de terapia nutricional da associao Mrio penna, antigo iMo. nesta nova empreitada, tive comigo os colegas lo cirino de Mattos e eduardo cabral Bittencourt, criando a terapia nutricional e pesquisa (tenep). vivia-se ento a obriga-toriedade legal imposta pela secretaria de vigilncia sanitria, do Ministrio da sade do Brasil, de formalmente constituir-se a equipe, com base nas portarias 272 e 337. Foi muito bom voltar aos Hospitais luxemburgo e Mrio penna. sempre me senti bem nesses locais, mas acima de tudo, tive a oportunidade de trabalhar com pacientes portadores de cncer e, nesses hospitais, pude desenvolver o meu mundo profissional totalmente inde-pendente do meu marido. a atrao por tratar enfermos com cncer deve ser consequn-cia do estigma imposto aos pacientes e pela dificuldade que sempre enfrentei quando da necessidade de compartilhar tal diagnstico. nesse aspecto, muitas vezes vi-me obrigada a ocultar o mesmo, por imposio ou pedido dos familiares. assim, sempre almejei poder trabalhar em prol da mudana desse comportamento, j que exercer a profisso sob bases de uma relao mdico-paciente na qual a verdade no totalmente presente, sempre foi algo que muito me perturbou.

    a instituio Mrio penna e a tenep sero eternamente presentes e meus laos foram mantidos mesmo quando assumi a posio de professora da uFMG, j que isso me foi permitido via residncia e pesquisa. no perodo que fui coordenadora da residncia de cirurgia do Hospital das clnicas da uFMG fui ainda mais presente, j que um dos estgios dessa feito no Hospital Mrio penna. Hoje, tenho projetos de pesquisa de estu-dantes da ps-Graduao conduzindo estudos na instituio.

    alm de profissional mdica, desde sempre estive envolvida com a vida acadmica. no Hospital semper, contribu com a organizao do programa de residncia mdica e fui durante vrios anos sub-coordenadora do mesmo. alm disso, na associao Mrio penna, os mdicos dos programas de clnica mdica, cirurgia e cardiologia passam obri-gatoriamente por estgio na terapia nutricional. de sorte, que ao longo desses muitos anos fora da vida universitria tive contato com vrios profissionais em formao, con-tribuindo com o ensino beira do leito e tambm proferindo palestras e cursos. contudo, meu ideal sempre foi a carreira universitria, e para tal, devagarzinho, de passo em pas-so, concomitantemente vida assistencial, fui-me preparando-me para l chegar.

  • 34

    2.1.3 - Mestrado em Cirurgia

    H muito que namorava a possibilidade de fazer mestrado, mas a existncia de vida profissional intensa, fruto da realidade de jovem cirurgi e das demandas familiares, fez com que no pensasse to cedo em levar adiante tal idia. alm do mais, temia pelo fato de que por h muitos anos no ter contato com os professores da Faculdade de Medicina da uFMG, no conseguisse ser aprovada no concurso, o que de fato ocorreu na minha primeira tentativa, no me recordo em que ano.

    a oportunidade surgiu novamente, em abril de 1989, quando da primeira viagem para proferir palestra na cidade de tefilo otoni, nordeste de Minas Gerais. num avio Bandeirantes, balanando mais do que qualquer gndola, no meio do pnico da situao e na tentativa de minimizar a resposta orgnica a esse trauma, enveredei por conversa sobre o tema com o prof. dr. alcino lzaro da silva, tambm convidado para o evento. contudo, ponderei sobre o momento profissional em que me encontrava, onde a neces-sidade econmica demandava a minha entrega total s atividades assistenciais, alm dos cuidados ao meu filho, ento, ainda com dois anos. assim, a entrada no programa de mestrado em cirurgia s veio, de fato, a ocorrer no incio de 1993.

    tive como orientador o prof. alcino e a proposta inicial do trabalho de pesquisa foi a correlao do estado nutricional de pacientes com megaclon chagsico e a ocorrncia de translocao bacteriana. no preciso usar muitas palavras para afirmar que esse pro-jeto foi a primeira grande decepo com a pesquisa clnica. por outro lado, foi o maior aprendizado sobre os princpios bsicos de qualquer estudo clnico, ou seja, a pesquisa vivel do ponto de vista financeiro e de execuo? claro que no era, no havia dinheiro para fazer as culturas dos linfonodos mesentricos. ainda assim, enchi-me de coragem e fui bater porta do laboratrio do Humberto abro. Muito solcito, ele se disps a fazer as culturas a preo de custo, o que muito facilitaria a execuo do trabalho, j que seria acessvel s minhas posses. at ento, no me havia ainda apercebido que a empreitada no dependeria somente da minha vontade e disponibilidade, nem tampouco da ques-to financeira. a logstica de selecionar pacientes, acompanhar os mesmos e ir ao bloco cirrgico coletar os linfonodos logo aps a laparotomia no me assustava. Mas sabia que dependia dos cirurgies responsveis para ser informada da existncia do paciente, do horrio da operao, mas mais ainda, da disponibilidade e da vontade do cirurgio em dissecar os linfonodos mesentricos antes de iniciar a resseco colnica. Bem, acredito que j saibam o que ocorreu... o piloto nunca deixou de ser piloto e, aps dois anos de infrutferas tentativas em melhorar a captao de dados, quando deveria estar a apresen-tar a minha defesa, a deciso: este projeto no vai sair!

    Foi poca muito frustrante. tive vontade de desistir de tudo e de deixar para l a idia acadmica, afinal a vida profissional ia to bem. o consultrio estava cheio, no hospital a terapia nutricional comeava a ganhar espao, pelas mos do prof. alcino, que agora coordenava o servio de nutrio do iMo e, continuava a ser a assistente do Mrio.

  • 35

    nesse interim, chegou o Gustavo, meu filho mais novo, que veio de mansinho, sem que ningum esperasse por ele. afinal, eu tinha o diagnstico de no mais poder engravidar e, alm do mais, tinha acabado de sair de dois anos e meio de hepatite por vrus B, cr-nica ativa, com boa resposta ao interferon gama, com cura total. contudo, outro filho j no estava em meu rol de prioridades e foi, passado o susto inicial, realmente grande e maravilhosa suspresa.

    nunca fui de desistir de nada, no seria agora, portanto. o sentimento que me deu nimo a prosseguir e que, at hoje, tenho incorporado no meu manual de vida similar frase de shakespeare13 As grandes quedas so o preldio das grandes ascenses e os gran-des erros so o preldio, tambm, dos grandes acertos, corroborado pela idia de rubem alves7 de que As pessoas que cometem erros so tambm aquelas que produzem acertos. com isso em mente segui adiante, porm a dvida foi o que fazer sem recursos e com todas as realidades vividas nesse momento.

    sorte ou destino, o certo que o ibranutri estava na mente do prof. dr. dan l. Waitzberg, ento presidente da sociedade Brasileira de nutrio parenteral e enteral. de imediato, ofereceu-me para desenvolver o projeto, coordenar a execuo e usar os dados para o mestrado e doutorado. nem titubeei, agarraria essa oportunidade com todas as minhas foras. de sorte que em, 25 de novembro de 1997, terminaria ento o mestrado com o trabalho intitulado avaliao do estado nutricional em pacientes com afees do aparelho digestivo e hrnias de parede abdominal. compuseram a banca de mestrado, os professores doutores alcino lzaro da silva (orientador), antnio carlos ligocki cam-pos, da universidade Federal do paran e Joel Faintuch, universidade de s. paulo. Fui aprovada com louvor!

    o trabalho de mestrado gerou a publicao:

    Figura 1 - Artigo original advindo da minha dissertao de mestrado.

    59

    Nutr. Hosp. (2001) XVI (2) 59-64ISSN 0212-1611 CODEN NUHOEQ

    S.V.R. 318

    FACTORES DE RIESGO DE DESNUTRICIN ENPACIENTES SOMETIDOS A INTERVENCIONES

    QUIRRGICAS GASTROENTEROLGICAS Y DEHERNIAS: ANLISIS DE 374 PACIENTES

    ResumenObjetivo: La finalidad de este estudio fue evaluar el

    estado de nutricin de 374 pacientes operados de enfer-medades digestivas y hernias de la pared abdominal,identificar los factores de riesgo asociados con un defi-ciente estado de nutricin en este grupo de enfermos yexaminar si los equipos de mdicos son conscientes delestado de nutricin de sus pacientes.

    Informacin bsica resumida: La desnutricin es preva-lente entre los pacientes operados y se asocia con una fre-cuencia mayor de complicaciones quirrgicas y mortali-dad. Las causas fundamentales del deficiente estado denutricin estn relacionadas con la enfermedad subyacen-te, factores socioeconmicos, la edad y la duracin de lahospitalizacin. Pese a su gran prevalencia, los equipos demdicos suelen pasar por alto la desnutricin y no identifi-can sistemticamente a estos pacientes. Es de suma impor-tancia identificar a los enfermos con riesgo de desnutri-cin para prevenir las complicaciones relacionadas.

    Mtodos: Los 374 pacientes evaluados en este estudioconstituan un subgrupo incluido en un estudio aleatori-zado, transversal y multicntrico, de mayores dimensio-nes, realizado en 1996. Para evaluar el estado de nutri-cin se utiliz la Evaluacin Global Subjetiva.

    Resultados: El 55% de los pacientes estaban desnutri-dos, en el 19% de los casos en un grado muy importante.La presencia de cncer o infeccin, una edad mayor de60 aos, la existencia de enfermedades de la porcin su-perior del aparato digestivo y una estancia hospitalariaprolongada influyeron negativamente en el estado denutricin. Pese a la gran prevalencia de la desnutricin,los equipos de mdicos slo evaluaron el estado de nutri-cin de algunos pacientes.

    Conclusin: La desnutricin fue muy prevalente enesta poblacin de pacientes. Por tanto, hay que compro-bar sistemticamente el estado de nutricin de los enfer-mos con los factores de riesgo mencionados con objetode diagnosticar con prontitud o prevenir la desnutriciny su morbilidad y mortalidad asociadas.

    (Nutr Hosp 2001, 16:59-64)

    Palabras clave: Ciruga. Desnutricin.

    Correspondencia: Dr. M. Isabel T.D. CorreiaRua Gonalves Dias 332/602Belo Horizonte, MG 30140-090. BrasilCorreo electrnico: [email protected]: 4-XII-2000.Aceptado: 22-I-2001.

    Original

    Risk factors for malnutrition in patients undergoing gastroenterologicaland hernia surgery: an analysis of 374 patientsM. Isabel T. D. Correia, M. D.* Waleska T. Caiaffa, M. D.** Alcino Lzaro da Silva, M. D.*** Dan L. Waitzberg, M. D.****

    * Hospital Associaao dos Amigos do Mrio Penna, Belo Horizonte, Minas Gerais; Medical School: ** Department of SocialPreventive Medicine, Federal University of Minas Gerais Medical School; *** Department of Surgery, Federal University ofMinas Gerais Medical School; **** Department of Surgery, University of So Paulo Medical School, Brasil

    Abstract

    Objective: The aim of this study was to assess the nu-tritional status of 374 surgical patients with gastrointes-tinal disease and hernias of the abdominal wall; to iden-tify risk factors associated with a poorer nutritionalstatus in this group of patients and to assess awarenessof the patients nutritional status by medical teams.

    Summary Background Data: Malnutrition is preva-lent among surgical patients and is associated with hig-her surgical complication rates and mortality. The ma-jor causes of poor nutritional status are related to theunderlying disease, socio-economic factors, age, andlength of hospitalization. Despite its high prevalence,medical teams often overlook malnutrition, and scree-ning of these patients is not routine. It is of utmost im-portance to identify patients at risk for malnutrition inorder to prevent related complications.

    Methods: The 374 patients evaluated in this study werea subgroup of a larger multicenter, cross-sectional, rando-mized study that was carried out in 1996. Nutritional sta-tus was assessed by using Subjective Global Assessment.

    Results: Malnutrition was present in 55% of the pa-tients, with 19% of the patients severely malnourished.The presence of cancer, infection, age over 60 years, up-per gastrointestinal disease, and longer length of hospitalstay all negatively influenced nutritional status. Despitethe high prevalence of malnutrition, the medical teamsonly assessed the nutritional status of a few patients.

    Conclusion: Malnutrition was highly prevalent in thissetting of patients. Therefore, patients with the risk fac-tors above presented should routinely undergo nutritio-nal screening and/or assessment in order to be able toearly diagnose or prevent malnutrition and its correla-ted morbidity and mortality.

    (Nutr Hosp 2001, 16:59-64)Key words: Malnutrition. Surgery.

    05_Risk_factors 25/10/01 12:43 Pgina 59

  • 36

    2.1.4 - Doutorado em Cirurgia do Aparelho Digestivo

    a possibilidade de fazer doutorado na universidade de so paulo, sob a orientao do prof. dr. dan l. Waitzberg, j havia sido proposta antes mesmo de terminar o mes-trado. assim, submeti-me ao exame de seleo dias depois de ter defendido o mestrado, tendo sido aprovada. comecei essa etapa em maro de 1998, tendo praticamente quase todos os dados coletados para o desenvolvimento do projeto. logo, em 22 de fevereiro de 2001, apresentei a defesa do doutorado com o trabalho repercusses da desnutrio sobre a morbi-mortalidade e custos, em pacientes hospitalizados no Brasil. a banca composta pelos professores doutores dan l. Waitzberg (usp), antnio carlos ligocki campos (uFpr), paulo roberto savassi rocha (uFMG), Bruno Zilberstein (usp) e Joel Faintuch (usp) aprovou-me com louvor. esse foi um dos momentos muito emocionantes da minha vida, onde expressei toda a minha gratido a quem tinha-me dado de presente esse projeto to ambicioso e impactante, prof.dr.dan l.Waitzberg que merece um cap-tulo inteiro neste Memorial.

    2.1.4.1 - Ibranutri

    a desnutrio, h vrios anos, vinha sendo associada, de acordo com a literatura mundial, com morbimortalidade aumentada, alm de tempo de internao prolongado e custos expressivos14-16. no Brasil, algumas sries de dados j apontavam para problema similar17, 18, contudo no englobavam nmero de pacientes suficiente que fosse contun-dente para mudar a poltica do Ministrio da sade em relao terapia nutricional. nesse sentido, a diretoria da sociedade Brasileira de nutrio parenteral e enteral, sob a presidncia do prof. dr. dan l. Waitzberg, decide por unanimidade conduzir estudo multicntrico em hospitais pblicos, privados e filantrpicos para mensurar a real situa-o da desnutrio no Brasil. na poca, eu era responsvel pelo comit de defesa profis-sional da sBnpe. Fui indicada para conduzir a pesquisa.

    a empreitada do projeto seria enorme, j que deveramos englobar grande nme-ro de pacientes, em distintas cidades brasileiras e vrios hospitais. o primeiro problema seria determinar o tamanho de amostra, algo que para uma cirurgi, que nunca tinha fei-to nenhum estudo epidemiolgico, parecia ser misso impossvel. por essa razo, procu-rei a prof. dr. Waleska teixeira caiaffa, atualmente professora titular do departamento de Medicina preventiva e social da uFMG e pedi-lhe que me ajudasse. comeou aqui o processo de transformao da mente objetiva, direta e concreta da cirurgi, para a abs-trao dos nmeros e divagaes da epidemiologia. Foram dias, meses e anos trabalhando com banco de dados com quatro mil pacientes e mais de 100 variveis. se o computador em muito facilitou a vida, houve momentos de desespero em que a vontade foi agredir o pobre coitado quando as anlises no batiam ou os vrus apagavam tudo. a professora Waleska, agora j na posio de co-orientadora do meu mestrado, muito calmamente conduziu esse processo e soube fazer da cirurgi, a aprendiz de epidemiologia. do de-

  • 37

    sespero ao sucesso, tnue linha marcou os anos de trabalho do ibranutri, em que a vida diria de consultrio, hospitais e casa no puderam parar. alis, todo o processo s foi vivel porque muitas pessoas colaboraram direta e intensamente em todas as etapas. no poderia deixar de destacar a estreita colaborao das equipes que auxiliaram na coleta de dados, aps ter treinado pessoalmente todos participantes.

    o piloto do ibranutri foi feito em Belo Horizonte e, aps as anlises dos dados foi disparado o processo, com incio em salvador, onde cheguei na quarta-feira de cinzas do ano de 1996. enquanto salvador da Bahia ainda despedia-se dos dias de folia, eu chega-va para treinar os voluntrios que iriam participar do estudo. de salvador para Macei, recife, natal, Fortaleza, Belm e Braslia foram quase 15 dias a viajar. bvio que do ponto de vista familiar, com dois filhos pequenos e um marido muito atarefado, isso s foi possvel porque meus pais e a minha falecida av adelaide estiveram imensamente presentes por todo o tempo. Breve intervalo de dias, em Belo Horizonte, separou essa pri-meira fase da segunda etapa de treinamento que durou cerca de dez dias. essa englobou as equipes de porto alegre/pelotas, curitiba, so paulo, vitria e rio de Janeiro.

    os dados comearam a chegar a Belo Horizonte em abril de 1996, foram conferi-dos na totalidade por mim, e semanalmente, eu mesma digitei-os no banco de dados. as anlises comearam a ser feitas de imediato, possibilitando a primeira apresentao de resultados preliminares no congresso americano de nutrio parenteral e enteral, em janeiro de 1997, na cidade de so Franciso. a apresentao do mesmo resultou no prmio de melhor trabalho da sesso ibero latino americana do congresso (anexo iii).

    contudo, a maior vitria alcanada pelos resultados do ibranutri foi na rea pol-tico assistencial. logo aps a defesa do doutorado, quando os resultados foram tornados pblicos, a imprensa escrita (anexo iv) e a rede Globo de televiso dedicaram ampla divulgao ao tema. concomitantemente, vrias reunies no Ministrio da sade, aler-tando para o problema e discutindo alternativas, foram ocorrendo. isso resultou nas publicaes das portarias da secretaria de vigilncia sanitria 272, de 8 de abril de 1998 e, a 337 de 14 de abril de 1999. porm, foi especificamente na portaria conjunta se/sas n. 38 de 29 de setembro de 1999 que o impacto desse estudo, na prtica da terapia nu-tricional no Brasil, foi historicamente registrado (anexo v).

    o ibranutri permitiu-me ter dados para desenvolver o mestrado e o doutorado, publicar trabalhos em revistas cientficas referendadas por vrios artigos da literatura internacional (figuras 2 e 3 e tabela 1) e gerar as portarias do Ministrio da sade.

  • 38

    Figura 2 - Artigo original advindo da minha tese de doutorado

    Figura 3 - Artigo original advindo da minha tese de doutorado

    APPLIED NUTRITIONAL INVESTIGATION

    Hospital Malnutrition: The Brazilian NationalSurvey (IBRANUTRI): A Study of 4000 Patients

    Dan L. Waitzberg, MD, Waleska T. Caiaffa, MD, and M. Isabel T. D. Correia, MDFrom the Department of Gastroenterology, University of Sao Paulo Medical School, SaoPaulo, Brazil; the Department of Social and Preventive Medicine, University Federal of

    Minas Gerais Medical School, Belo Horizonte, Brazil; and the Hospitals Semper andLuxemburgo, Belo Horizonte, Brazil

    OBJECTIVE: We assessed nutrition status and prevalence of malnutrition in hospital patients as determinedby the Subjective Global Assessment Form, awareness of patients nutrition status by health teams, andthe use of nutrition therapy.METHODS: We enrolled 4000 hospital patients at least 18 y old who were covered by the Brazilian publichealth care system in a cross-sectional, multicenter epidemiologic study. We used Students t andchi-square tests for univariate and multiple logistic regression analyses.RESULTS: Malnutrition was present in 48.1% of patients and severe malnutrition was present in 12.5%of patients. The prevalence of malnutrition was higher in the northern and northeastern regions of Brazil,where per-capita income is lower. Malnutrition correlated with primary diagnosis at admission, age (60y), presence of cancer or infection, and longer hospital stay (P 0.05). Fewer than 18.8% of patientsrecords contained information on nutrition-related issues. Nutrition therapy was used in 7.3% of patients(6.1% enteral nutrition and 1.2% parenteral nutrition).CONCLUSIONS: The prevalence of malnutrition in hospitalized patients in Brazil is high, physicianawareness of malnutrition is low, and nutrition therapy is underprescribed. Nutrition 2001;17:573580.Elsevier Science Inc. 2001

    KEY WORDS: nutrition assessment, malnutrition, nutrition awareness, cost benefit

    INTRODUCTION

    Malnutrition in hospitalized patients is a critical issue and hasbeen associated with a significant increase in morbidity andmortality.14 Worldwide studies have indicated that between 30%and 50% of hospitalized patients have some degree of malnutri-tion.5 In Brazil, the compromised nutrition status of patients, inparticular those recovering from gastrointestinal surgery, has beenreported frequently.69

    Malnutrition in hospitalized patients generally is related to ahigh rate of infectious complications and increased mortalityrates.1013 Complications secondary to malnutrition directly in-crease length of stay and hospital costs and indirectly affect thecost of patient rehabilitation.14 The total impact of hospital mal-nutrition on social and health care costs is multifactorial andgenerally underestimated.

    In the past 30 y, several methods and techniques for nutritionassessment1519and enteral and parenteral therapies2023 have beendeveloped. However, despite the availability of these diagnosticand therapeutic tools, hospital malnutrition continues to be asprevalent as it was 25 y ago.35,24

    The Brazilian National Survey on Hospital Nutritional Assess-

    ment (IBRANUTRI) study was designed to provide missing in-formation regarding the nutrition status of hospitalized patientscovered by the Brazilian public health care system (SUS). Specif-ically, the prevalence of malnutrition, awareness of nutrition statusin hospitalized patients, and the use of nutrition therapy wereassessed. The Brazilian Society of Parenteral and Enteral Nutrition(SBPNE) performed this study to promote awareness of malnutri-tion and initiated a general call for action in the health care system.The IBRANUTRI is the largest study of nutrition status in hospi-talized patients conducted to date in Brazil, a country with manydietitians.

    SUBJECTS AND METHODS

    The IBRANUTRI was a multicenter, cross-sectional, epidemio-logic study covering 12 Brazilian states and the Federal District.The study was carried out over 6 mo, from May 1 to October 30,1996. Four thousand hospitalized SUS patients were included inthis study. SUS is responsible for the health care of 80% of theBrazilian population. The average hospital admission rate for SUSpatients included in the study was estimated to be 15 million peryear.25 Sample size was calculated by assuming a 50% prevalencerate of malnutrition,6,10,2428 a 0.05% level of significance, 90%power,26 and a 20% missing-data rate.

    Hospitals were included in the study if they were generalhospitals, admitted SUS patients, had at least 200 beds, and hadhospital administrations and ethical committees that could giveconsent to participate. Twenty-five hospitals widely distributedover 12 states and the Federal District met the inclusion criteriaand were used as study sites.

    Sixteen research teams, consisting of 120 interviewers, wereformed. Each of the 25 hospitals had a research team. Each

    This study was supported by an educational grant from Abbott Interna-tional and grant FAPESP 98/01870-7 from the Foundation to SupportResearch in the State of Sao Paulo, Brazil.

    Correspondence to: Dan L. Waitzberg, MD, Department of Gastroenterol-ogy, University of Sao Paulo Medical School, R. Maestro Cardim 1175,Sao Paulo, SP, 01323.001, Brazil. E-mail: [email protected]

    Date accepted: January 2, 2001.

    Nutrition 17:573580, 2001 0899-9007/01/$20.00Elsevier Science Inc., 2001. Printed in the United States. All rights reserved. PII S0899-9007(01)00573-1

    Clinical Nutrition (2003) 22(3): 235239r 2003 Elsevier Science Ltd. All rights reserved.doi:10.1016/S0261-5614(02)00215-7

    ORIGINAL ARTICLE

    The impact of malnutrition onmorbidity, mortality, length ofhospital stay and costs evaluated through a multivariatemodel analysis

    M. ISABEL T. D. CORREIA,*DANL.WAITZBERGy

    *Department of Surgery, Faculdade deMedicina da, Universidade Federal deMinas Gerais, Brazil, yDepartment of GastroenterologyDigestive Surgery Discipline, Faculdade deMedicina da, Universidade de Sa o Paulo, Brazil (Correspondence to:MITDC, Department ofSurgery, Faculdade deMedicina da, Universidade Federal deMinas Geris, RuaGonc alves Dias 332 apt.602Belo Horizonte,MG30140-090, Brazil)

    AbstractMalnutritionhas been identied as aecting patient outcome.The purpose of this study was to correlate thenutritional status of hospitalized patients with their morbidity, mortality, length of hospital stay and costs.The patientswere nutritionally assessed within the rst 72h of hospital admission. The patientscharts were surveyed on the inci-denceof complications andmortality. Hospital costswere calculatedbasedoneconomic tables usedby insurance com-panies. Multivariate logistic regression analysis and the Cox regression model were used to identify possibleconfounding factors. A Po0.05was considered statistically signicant.

    Themean agewas 50.6717.3 years with 50.2% beingmale.The incidence of complications in themalnourishedwas27.0% [Relative risk (RR)=1.60]. Mortality in the malnourished patients was12.4% vs 4.7% in the well nourished (RR =2.63).Malnourishedpatients stayed in thehospital for16.7724.5 days vs10.1711.7 days in thenourished. Hospital costsinmalnourished patients were increased up to 308.9%.

    It was concluded that malnutrition, as analyzed by a multivariate logistic regression model, is an independent riskfactor impacting onhigher complications and increased mortality, length of hospital stay and costs.r 2003 Elsevier Science Ltd. All rights reserved.

    Key words: malnutrition; morbidity; mortality; lengthof hospital stay; hospital costs

    Introduction

    Hospital malnutrition has been related to increasedmorbidity, mortality, length of hospital stay and costs(14). The functional and metabolic body derangements,which justify the previous events, are based on thepremise that malnutrition interferes in almost everyorgan and/or system of the human body. The gut ofmalnourished patients presents with impaired immunefunction, digestion and absorption (5, 6). Muscledysfunction, especially of thoracic muscles mightexplain the high incidence of pneumonias in themalnourished (7). Wound healing is also adverselyaffected by malnutrition (8). Thirty to fty percent ofhospitalized patients may present with malnutrition(912) and, despite its high prevalence, medical aware-ness of the patients nutritional status seems to belacking (12, 13).The patients disease alone or, in conjunction with

    social segregation, psychological factors, economicstatus, lack of medical awareness and longer hospitali-zations, among others, are considered risk factors for

    the development of malnutrition (12). Morbidity,mortality, length of hospital stay (LOS) and hospitalcosts are also impacted by other factors in addition tomalnutrition. Therefore, it would be too simplistic toanalyze all of them using statistical univariate analysis.To avoid inuence of other possible confoundingvariables, multiple logistic regression analysis shouldbe applied (14).The aim of this study was to correlate, by using a

    multivariate logistic model, the nutritional status ofhospitalized patients with the incidence of complications,mortality and LOS. Hospital costs were also estimated.

    Methods

    Patients

    This was a retrospective cohort study review of 709adult patients randomly selected from 25 Brazilianhospitals. They were part of a larger in hospitalmalnutrition prevalence study previously published(12). Hospital administration and ethical committeeconsent to participate were obtained. The inclusioncriteria were: age above 18 years old and those patientsnutritionally assessed within the rst 72 h post-hospitaladmission. The exclusion criteria were: previous hospital

    235

  • 39

    autor (es) ano peridico qualiscitaes

    impacto scopus isiGoogle

    acadmico

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    correia & WaitZBerG 2003 clinical nutrition (edinburgh) a1 3,203 151 89 239

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    correia et al. 2001 nutricin Hospitalaria B1 1,096 16 - 36

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    WaitZBerG & correia 1999revista Brasileira de nutrio clnica

    B5 - - 4

    correia 1998revista Brasileira de nutrio clnica

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    correia et al. 1998revista Brasileira de nutrio clnica

    B5 - - 10

    correia et al. 1999revista Brasileira de nutrio clnica

    B5 - - 25

    Tabela 1 - Relao dos trabalhos publicados disponveis em verso impressa e citados nas bases de dados Sco-pus, ISI e Google Acadmico (n=21).

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    2.1.5 - Concurso para professora adjunta

    a oportunidade de ingressar na universidade surgiu em meados de 2001, quando o edital para preenchimento de duas vagas de professor adjunto do departamento de ci-rurgia da uFMG saiu publicado, pouco tempo depois de ter recebido o ttulo de doutora em cirurgia. chegou, contudo, em fase conturbada e muito cheia de atividades em minha j to atribulada rotina de vida. isso essencialmente ocorreu pelo fato de que em fins de outubro desse