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XXVII CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI PORTO ALEGRE – RS ACESSO À JUSTIÇA I SANDRA REGINA MARTINI SÉRGIO HENRIQUES ZANDONA FREITAS DARCI GUIMARÃES RIBEIRO

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Page 1: XXVII CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI PORTO ALEGRE – RSconpedi.danilolr.info/publicacoes/34q12098/6tp3x9v4/6... · Professora Dra. Sandra Regina Martini Uniritter e URGS Professor

XXVII CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI PORTO ALEGRE – RS

ACESSO À JUSTIÇA I

SANDRA REGINA MARTINI

SÉRGIO HENRIQUES ZANDONA FREITAS

DARCI GUIMARÃES RIBEIRO

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Copyright © 2018 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito

Todos os direitos reservados e protegidos. Nenhuma parte deste anal poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados sem prévia autorização dos editores.

Diretoria – CONPEDI Presidente - Prof. Dr. Orides Mezzaroba - UFSC – Santa Catarina Vice-presidente Centro-Oeste - Prof. Dr. José Querino Tavares Neto - UFG – Goiás Vice-presidente Sudeste - Prof. Dr. César Augusto de Castro Fiuza - UFMG/PUCMG – Minas Gerais Vice-presidente Nordeste - Prof. Dr. Lucas Gonçalves da Silva - UFS – Sergipe Vice-presidente Norte - Prof. Dr. Jean Carlos Dias - Cesupa – Pará Vice-presidente Sul - Prof. Dr. Leonel Severo Rocha - Unisinos – Rio Grande do Sul Secretário Executivo - Profa. Dra. Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini - Unimar/Uninove – São Paulo

Representante Discente – FEPODI Yuri Nathan da Costa Lannes - Mackenzie – São Paulo

Conselho Fiscal: Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim - UCAM – Rio de Janeiro Prof. Dr. Aires José Rover - UFSC – Santa Catarina Prof. Dr. Edinilson Donisete Machado - UNIVEM/UENP – São Paulo Prof. Dr. Marcus Firmino Santiago da Silva - UDF – Distrito Federal (suplente) Prof. Dr. Ilton Garcia da Costa - UENP – São Paulo (suplente) Secretarias: Relações Institucionais Prof. Dr. Horácio Wanderlei Rodrigues - IMED – Rio Grande do Sul Prof. Dr. Valter Moura do Carmo - UNIMAR – Ceará Prof. Dr. José Barroso Filho - UPIS/ENAJUM– Distrito Federal Relações Internacionais para o Continente Americano Prof. Dr. Fernando Antônio de Carvalho Dantas - UFG – Goías Prof. Dr. Heron José de Santana Gordilho - UFBA – Bahia Prof. Dr. Paulo Roberto Barbosa Ramos - UFMA – Maranhão Relações Internacionais para os demais Continentes Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr - Unicuritiba – Paraná Prof. Dr. Rubens Beçak - USP – São Paulo Profa. Dra. Maria Aurea Baroni Cecato - Unipê/UFPB – Paraíba

Eventos: Prof. Dr. Jerônimo Siqueira Tybusch UFSM – Rio Grande do Sul Prof. Dr. José Filomeno de Moraes Filho Unifor – Ceará Prof. Dr. Antônio Carlos Diniz Murta Fumec – Minas Gerais

Comunicação: Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro UNOESC – Santa Catarina Prof. Dr. Liton Lanes Pilau Sobrinho - UPF/Univali – Rio Grande do Sul Prof. Dr. Caio Augusto Souza Lara - ESDHC – Minas Gerais

Membro Nato – Presidência anterior Prof. Dr. Raymundo Juliano Feitosa - UNICAP – Pernambuco

A174 Acesso à justiça I [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/ UNISINOS Coordenadores: Sandra Regina Martini; Sérgio Henriques Zandona Freitas; Darci Guimarães Ribeiro. – Florianópolis:

CONPEDI, 2018.

Inclui bibliografia ISBN: 978-85-5505-683-3 Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações Tema: Tecnologia, Comunicação e Inovação no Direito

1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Assistência. 3. Isonomia. XXVII Encontro

Nacional do CONPEDI (27 : 2018 : Porto Alegre, Brasil). CDU: 34

Conselho Nacional de Pesquisa Universidade do Vale do Rio dos Sinos e Pós-Graduação em Direito Florianópolis Porto Alegre – Rio Grande do Sul - Brasil Santa Catarina – Brasil http://unisinos.br/novocampuspoa/

www.conpedi.org.br

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XXVII CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI PORTO ALEGRE – RS

ACESSO À JUSTIÇA I

Apresentação

É com muita satisfação que apresentamos o Grupo de Trabalho (GT) denominado “ACESSO

À JUSTIÇA I” do XXVII Congresso Nacional do CONPEDI Porto Alegre/RS promovido

pelo CONPEDI em parceria com a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS),

com enfoque na temática “Tecnologia, Comunicação e Inovação no Direito”, o evento foi

realizado entre os dias 14 e 16 de novembro de 2018 no Campus de Porto Alegre, Av. Dr.

Nilo Peçanha, 1600 / Bairro Boa Vista - Porto Alegre/RS.

Trata-se de publicação que reúne artigos de temas diversos atinentes ao Direito Processual e

técnicas de resolução alternativa de conflitos, o acesso a jurisdição e suas implicações, os

direitos humanos e sociais, além de estudos para sua efetivação, apresentados e discutidos

pelos autores e coordenadores no âmbito do Grupo de Trabalho e Linha de pesquisa.

Compõe-se de artigos doutrinários, advindos de projetos de pesquisa e estudos distintos de

vários programas de pós-graduação do país, que colocam em evidência para debate da

comunidade científica assuntos jurídicos relevantes.

Assim, a coletânea reúne gama de artigos que apontam questões relativas ao acesso crítico

criminal da justiça: a possibilidade do delegado de polícia conceder liberdade ao preso que

não tenha condições mínimas de efetuar o recolhimento da fiança; a ação civil pública como

instrumento para efetivação do direito à educação; a cidadania inclusiva e a garantia de

amplo acesso à justiça no Brasil; a dejudicialiazação dos conflitos e a desburocratização da

justiça como alternativas para desobstruir o judiciário e melhorar o acesso à justiça; a

democratização do acesso à justiça para pessoas com deficiência física no Brasil: avanços e

desafios; a mediação como instrumento para o acesso a justiça; a utilização dos precedentes

judiciais como uma inovação para a promoção do acesso à justiça; acesso à justiça: reflexão

teórica da acessibilidade e as modificações impostas pela legislação processual; alienação

parental: a objetificação dos filhos como forma de violação da dignidade humana no seio

familiar; as ondas renovatórias de acesso à justiça à luz da tradição gadameriana; conflito

entre a execução fiscal e o incidente de desconsideração da personalidade jurídica: solução à

luz do Constituição Federal de 1988 (acesso à justica); descolonização e acesso à justiça:

perspectivas para uma práxis emancipatória; justiça multiportas: apontamentos sob uma

perspectiva do paradigma procedimentalista; o acesso à justiça dos hipossuficientes na nova

ação possessória; o adolescente transexual no judiciário brasileiro: crises e objeções ao

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acesso à justiça; o direito fraterno como base da mediação de conflitos e caminho para a

pacificação social; whatsapp e a sua utilização na mediação.

Em linhas gerais, os textos reunidos traduzem discursos interdisciplinares maduros e

profícuos. Percebe-se uma preocupação salutar dos autores em combinar o exame dos

principais contornos teóricos dos institutos, aliando a visão atual da jurisprudência com a

prática jurídica dos estudiosos do Direito. A publicação apresentada ao público possibilita

acurada reflexão sobre tópicos avançados e desafiadores do Direito Contemporâneo. Os

textos são ainda enriquecidos com investigações legais e doutrinárias da experiência jurídica

estrangeira a possibilitar um intercâmbio essencial à busca de soluções para as imperfeições

do sistema processual civil brasileiro e de acesso à justiça.

O fomento das discussões a partir da apresentação de cada um dos trabalhos ora editados,

permite o contínuo debruçar dos pesquisadores do Direito visando ainda o incentivo aos

demais membros da comunidade acadêmica à submissão de trabalhos aos vindouros

encontros e congressos do CONPEDI.

Sem dúvida, esta publicação fornece instrumentos para que pesquisadores e aplicadores do

Direito compreendam as múltiplas dimensões que o mundo contemporâneo assume na busca

da conjugação da promoção dos interesses individuais e coletivos para a consolidação de

uma sociedade dinâmica e multifacetada.

Na oportunidade, os Organizadores prestam sua homenagem e agradecimento a todos que

contribuíram para esta louvável iniciativa do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-

Graduação em Direito (CONPEDI), em especial, a todos os autores que participaram da

presente coletânea de publicação, em especial, pelo comprometimento e seriedade

demonstrados nas pesquisas realizadas e na elaboração dos textos de excelência.

Convida-se a uma leitura prazerosa dos artigos apresentados de forma dinâmica e

comprometida com a formação de pensamento crítico, a possibilitar a construção de um

Direito voltado à concretização de preceitos insculpidos pela Constituição da República.

Porto Alegre, novembro de 2018.

Professor Dr. Darci Guimarães Ribeiro

Universidade do Vale do Rio dos Sinos

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Professora Dra. Sandra Regina Martini

Uniritter e URGS

Professor Dr. Sérgio Henriques Zandona Freitas

Universidade FUMEC e Instituto Mineiro de Direito Processual

Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação

na Plataforma Index Law Journals, conforme previsto no artigo 8.1 do edital do evento.

Equipe Editorial Index Law Journal - [email protected]..

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1 Mestrando em Instituições Sociais, Direito e Democracia pela Universidade FUMEC (Linha de pesquisa: Direito Público). Pós-graduado em Direito Processual Penal pela FDMC. Delegado de Polícia Civil MG. E-mail: [email protected].

2 Professor PPGD FUMEC. Pós-Doutor UNISINOS e IGC Universidade de Coimbra. Doutor/Mestre/Especialista PUC MG. Coordenador IMDP. Pesquisa resultado ProPic 2018-2019. Agradecimentos: FUMEC, FAPEMIG, CNPq, CAPES, FUNADESP, CONPEDI e IMDP. E-mail: [email protected]

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O ACESSO CRÍTICO CRIMINAL DA JUSTIÇA: A POSSIBILIDADE DO DELEGADO DE POLÍCIA CONCEDER LIBERDADE AO PRESO QUE NÃO

TENHA CONDIÇÕES MÍNIMAS DE EFETUAR O RECOLHIMENTO DA FIANÇA

THE CRIMINAL ACCESS OF JUSTICE: THE POSSIBILITY OF THE DELEGATE OF POLICE GRANT FREEDOM FOR PRISON WHICH DOES NOT HAVE MINIMUM CONDITIONS TO MAKE THE GATHERING OF THE BOND

Diogo Abdo Jorge 1Sérgio Henriques Zandona Freitas 2

Resumo

Propõe-se a análise crítica do encaminhamento ao cárcere de indivíduos que não possuam

condições financeiras para efetuar recolhimento da fiança, coarctando direito de liberdade

dos desafortunados e despojados, por razões meramente procedimentais e de cunho

pecuniário, indo defronte aos preceitos vivificadores e basilares da Constituição de 1988. No

transcorrer do texto serão apresentadas as atribuições do delegado de policia, abordado

instituto da fiança, em resposta aos problemas do acesso formal e material à justiça,

entroncando a atividade do profissional com a aplicação da abonação. Utilizou-se o método

dedutivo e pesquisa dogmático-jurídica bibliográfica, por meio da consulta de obras e

legislação.

Palavras-chave: Acesso à justiça, Delegado de polícia, Fiança, Possibilidade, Concessão de liberdade

Abstract/Resumen/Résumé

It is proposed to critically analyze the referral to jail of individuals who do not have financial

conditions to effect bail collection, thus restricting the right of liberty of unfortunate and

dispossessed, for purely procedural and pecuniary reasons, going against life-giving and

basic precepts of Constitution of 1988. In course of text will be presented the duties of police

delegate, addressed bail institute, in response to problems of formal and material access to

justice, linking the activity of professional with the application of accreditation. The

deductive method and bibliographic dogmatic-juridical research was used, through

consultation of works and legislation.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Access to justice, Police commissioner, Bail, Possibility, Granting of freedom

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1 INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil apresenta, como um de seus

alicerces primordiais, o direito à liberdade do indivíduo, e o faz por meio de diversos

dispositivos ao longo do texto constitucional. A prisão, neste quadro, é tratada como

medida de extrema exceção, malgrado, não raras vezes, torna-se regra, fazendo com que

expressivo contingente de indivíduos aguardem julgamento encarcerados,

provisoriamente.

Propõe-se a análise crítica do encaminhamento ao cárcere de indivíduos que não

possuam condições financeiras para efetuar recolhimento da fiança, coarctando direito de

liberdade dos desafortunados e despojados, por razões meramente procedimentais e de

cunho pecuniário, indo defronte aos preceitos vivificadores e basilares da Constituição de

1988.

O delegado de polícia, nesta seara, possui relevante múnus, ao ser o primeiro

operador do direito incumbido de realizar análise técnico-jurídica do fato que lhe é

apresentado, devendo aclarar, de maneira fundamentada, pela ratificação, ou não, da

prisão em flagrante delito do conduzido. A autoridade policial deverá ater-se, dentre

outros elementos, ao cabimento, ou não, de fiança ao preso, de acordo com a pena máxima

em abstrato atribuída ao fato concreto. Acaso seja possível estipular fiança, deverá

respeitar valores mínimos e máximos estipulados no ordenamento, através da análise de

determinados requisitos.

Todavia, indivíduos são recolhidos ao cárcere pelo simples fato de não terem

condições financeiras suficientes para solverem a fiança, ainda que minimamente

estipulada pelo delegado de polícia, o que gera graves e irremediáveis consequências ao

próprio individuo, ao Estado e ao sistema carcerário.

No transcorrer do texto serão apresentadas as atribuições do delegado de policia,

abordado instituto da fiança, em resposta aos problemas do acesso formal e material à

justiça, entroncando a atividade do profissional com a aplicação da abonação.

No Estado Democrático de Direito, o Estado por meio de seus representantes,

visando equanimidade no trato de seus administrados, com total neutralidade e isonomia,

visando conferir, inclusive, legitimidade a seus atos, a fim de se evitar atos de

malevolência, arbitrariedade e injustiça, deverá adotar posicionamento que permita aos

seus agentes aniquilar ou, ao menos, reduzir, hipóteses de recolhimento do indivíduo ao

cárcere em virtude de sua condição de miserabilidade.

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Destarte, há de se reconhecer preocupante incorreção na legislação brasileira, no

instante em que não se assegura ao individuo, nestes casos, igualdade essencialmente

material, já que os desafortunados têm cerceado seu direito a responderem o processo em

liberdade, mediante pagamento de fiança face, unicamente, sua parca conjuntura

econômico-financeira.

No artigo utilizar-se-á o método dedutivo e a pesquisa dogmático-jurídica de

natureza bibliográfica, por meio da consulta de obras e legislação brasileira atinente à

temática.

2 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O Estado Democrático de Direito não representa simplesmente o resultado dos

elementos constitutivos do Estado de Direito e do Estado Democrático, mas uma

evolução histórica que atravessou os estágios do Estado de Polícia, do Estado liberal e do

Estado social, com a superação de grande parte das contradições e das deficiências dos

sistemas anteriores, até atingir o paradigma contemporâneo que inspira várias das atuais

Constituições estrangeiras, além da brasileira de 1988 (FREITAS, 2014, p. 64).

O Estado de Polícia, vigorante na Idade Média, era caracterizado pela

irresponsabilidade política, em que a lei era confundida com preceitos religiosos e o

Estado absolutista criava normas, mas não se submetia a elas, sendo as mesmas reservadas

aos indivíduos comuns, submetidos ao autoritarismo, valor fundamental da sociedade.

Nos pilares do Iluminismo e da idade moderna, surge o Estado liberal, com o

ideal da democracia no plano político e o laissez-faire no plano econômico, com destaque

para o advento do princípio da legalidade, da razão e da proteção do indivíduo e da

propriedade privada. Os Estados passaram a se organizar e estruturar por meio de

constituições formais.

O Estado liberal tinha por característica a mínima intervenção na esfera privada

do indivíduo, nas relações familiares, contratuais e negociais, ou seja, a adoção da

máxima de “o que não é proibido por lei é permitido” (FREITAS, 2014, p. 65).

As evoluções concebidas no Estado liberal, quais sejam, a supremacia da

Constituição, a estipulação de funções estatais, a declaração e garantia dos direitos

individuais e o respeito ao princípio da legalidade, não foram suficientes para evitar

crises, a principal pelo acumulo de capitais e de propriedade em mãos de poucos, além da

incapacidade de resposta às demandas sociais e a necessidade real sobre os direitos e

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liberdades para todos, ocasionou a ruptura com o Estado liberal (caracterizado por

cidadão-proprietário e marcado pela ideia de limitação ao poder) e a adoção do Estado

social (caracterizado por cidadão-cliente do Estado e pela participação no poder).

O Estado social, também conhecido como Estado administrador, com

predomínio da administração sobre a política e da técnica sobre a ideologia, assumiu a

função de agente conformador da realidade social para atendimento de sociedade de

massas com conflitos sociais, e buscou socialmente integrar e reduzir as desigualdades e

propiciar condições materiais para emancipação do indivíduo, além da consecução do

bem-estar social geral.

Entretanto, com a falência dos regimes totalitários do leste europeu,

desmistificando o socialismo burocrático, o Estado social não ficou imune às crises, vez

que o discurso assistencialista não conseguia encobrir a insuficiência de recursos do

Estado para atender todas as demandas sociais e econômicas da complexa sociedade

moderna, o que ensejou releitura dos postulados adotados.

Têm-se, na sequência, os primeiros postulados do Estado Democrático de

Direito, com os denominados direitos de terceira geração, aqui compreendidos como os

direitos e interesses difusos.

A Constituição brasileira de 1988 (CR/88) elencou em suas normas jurídicas os

princípios do Estado de Direito e do Estado Democrático, configurando o Estado

Democrático de Direito, objeto explicitado no preâmbulo e no art. 1° da CR/88 (BRASIL,

1988).

Os direitos fundamentais deixam de ser casuísticos e emergem-se como valores

essenciais do sistema jurídico-político, condicionantes do método de sua interpretação,

passando de meros direitos de defesa ante o Estado para transformarem-se em direito de

participação do cidadão e de prestações do Estado.

Portanto, na sua origem, o Estado Democrático de Direito tem sua base

estruturante no direito do povo às funções do Estado, essenciais e jurídicas (legislativa,

executiva ou administrativa ou governamental e a jurisdicional) que, do ponto de vista do

processo (jurisdicional ou administrativo), ao administrado, efetivado estará o direito ao

devido processo constitucional, desde que observados os preceitos elencados na

Constituição de 1988 (FREITAS, 2014, p. 74).

3 ATRIBUIÇÕES DO DELEGADO DE POLÍCIA

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A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 144, § 4ª,

enuncia que “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem,

ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de

infrações penais, exceto as militares” (BRASIL, 1988).

Em total consonância, a Lei n. 12.830, de 20 de junho de 2013, externa, em seu

artigo 2º, que “as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas

pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado”

(BRASIL, 2013).

O delegado de polícia possui especial relevância no cenário jurídico. A carreira

exige, obrigatoriamente, formação em curso superior na área de direito e aprovação em

concurso público de provas e títulos. Dentre tantas atribuições valorosas, compete à

autoridade policial, quando diante de uma situação de flagrante delito, a capitulação

jurídica inaugural do fato que lhe é apresentado. A partir disso, acaso possível, incumbe

ao delegado de polícia à estipulação de fiança ao conduzido, a fim de que este responda

futuro processo em liberdade.

Neste ínterim, encontra-se a problematização perquirida: acaso o conduzido não

apresente condições econômicas de recolhimento da fiança arbitrada, restará à autoridade

policial, somente, o lastimável múnus de encaminhamento do indivíduo ao ergástulo?

Não teria o delegado de polícia, com a formação do cargo que lhe é exigida, condições

de aferir e, se assim o caso concreto exigir, o livramento do preso, conquanto sem fiança?

No Supremo Tribunal Federal, o Ministro Celso de Melo, no julgamento do HC

n. 84548/SP afirmou que, o delegado de polícia é o “primeiro garantidor da legalidade e

da justiça” (BRASIL, 2012). Justamente, ninguém melhor que a própria autoridade

policial presidente do auto de prisão em flagrante delito para, no ardor dos fatos decidir,

de maneira técnica e fundamentada, se a privação de liberdade do indivíduo, pela simples

escassez de recursos para pagamento da fiança, é medida sensata, razoável e coerente.

4 ASPECTOS LEGAIS DA FIANÇA

Nas palavras de Victor Eduardo Rios Gonçalves e Alexandre Cebrian Araújo

Reis “Fiança é um direito do réu que lhe permite, mediante caução e cumprimento de

certas obrigações, ficar em liberdade durante o processo, desde que preenchidos

determinados requisitos” (GONÇALVES; REIS, 2013, p. 520). Em consonância com o

referido conceito, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar elucidam que:

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No primeiro momento, precisamos fazer a distinção entre o objeto e a ferramenta processual. A fiança consiste no fato jurídico de caucionar obrigação alheia, importando, pois, em abonação ou responsabilidade. Teria conotação fidejussória, sendo a expressão da confiança em alguém, que se obrigaria por outrem, suprindo a sua falta. [...] Já a liberdade provisória mediante fiança é o direito subjetivo do beneficiário, que atenda aos requisitos legais e assuma as respectivas obrigações, de permanecer em liberdade durante a persecução penal. É a contracautela destinada ao combate de algumas prisões processuais, imprimindo uma implementação financeira e condicionando o beneficiário a uma série de imposições. Pode haver cumulação, inclusive, com as demais medidas cautelares diversas da prisão (art. 319, CPP). Com isso, se ele está preso, será libertado; se está na iminência do cárcere, a prisão não se estabelece. Negada arbitrariamente, dá ensejo a constrangimento ilegal sanável pelo remédio heroico do HC, além de se constituir em abuso de autoridade (art. 4°, alínea "e'; da Lei no 4.898/1965). (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 1024).

Sabendo-se disso e tendo como alicerce a Constituição da República Federativa

do Brasil, a prisão deve, ao máximo, ser tratada como medida de exceção. Neste sentido,

acaso preenchidos os pressupostos e requisitos legais para concessão de fiança ao

acusado, seu arbitramento passa a ser direito subjetivo do mesmo, e não mera

discricionariedade da autoridade. Assim, após a autoridade policial analisar se o

investigado preenche os requisitos para concessão da referida caução, seu valor será

estipulado levando-se em consideração os requisitos elencados no artigo 326 do Código

de Processo Penal, quais sejam, “a natureza da infração, as condições pessoais de fortuna

e vida pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de sua periculosidade, bem

como a importância provável das custas do processo, até final julgamento” (BRASIL,

1941).

No que diz respeito à situação econômica do investigado, Nestor Távora e

Rosmar Rodrigues Alencar entendem que: A prova da situação econômica do preso pode ser feita por qualquer elemento idôneo, como contracheque, termo de declaração de testemunhas, ou assistência pela Defensoria Pública. Entendemos que o atestado de pobreza dado pela autoridade policial, com previsão no art. 32, § 2º, do CPP, refoge às atribuições do delegado, contudo reconhecemos que é uma praxe, sendo amplamente aceito. (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 1036).

Ora, com os elementos fático-probatórios que o delegado de polícia possui no

momento da lavratura do auto de prisão em flagrante, é plenamente factível estimar e

aferir se há possibilidade de o conduzido efetuar o recolhimento da fiança que lhe foi

arbitrada, de modo que, acaso reste comprovado que o mesmo é hipossuficiente, colocar

o preso em liberdade sem fiança é medida que se impõe, por razões de justiça. Isto porque,

como explicitado acima, acaso preenchido os requisitos legais, a fiança torna-se direito

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subjetivo do preso, não sendo mera liberalidade e capricho da autoridade. Se ao

magistrado é permitida a concessão de liberdade provisória sem fiança, por que não

estendê-la ao delegado de polícia?

Para Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar entendem que: “a dispensa não

é uma discricionariedade do magistrado, e sim um direito do beneficiário. Presentes os

requisitos que admitiriam a fiança e demonstrada a hipossuficiência, a concessão é de

rigor” (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 1036).

No mesmo sentido: A concessão da liberdade provisória será obrigatória quando ausentes os requisitos da prisão preventiva. Não se trata de faculdade do juiz, mas direito público subjetivo da pessoa, cuja inobservância torna a prisão provisória desprovida de justa causa. Quanto ao fato de essa liberdade provisória vir ou não acompanhada de fiança, tal depende da análise discricionária do juiz quanto à sua necessidade no caso concreto. Para tanto, deverá ser demonstrada fundamentadamente a sua necessidade cautelar. (CAPEZ, 2012, p. 351).

O artigo 325, inciso I, do Código de Processo Penal externa que “o valor da

fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites: I - de 1 (um) a

100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade,

no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos” (BRASIL, 1941). Por sua vez, o

inciso I do § 1º do mesmo artigo enuncia que “se assim recomendar a situação econômica

do preso, a fiança poderá ser: I - dispensada, na forma do art. 350 deste Código”. Em

consonância, o artigo 350 do mesmo diploma legal aduz que “Nos casos em que couber

fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade

provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 deste Código e a

outras medidas cautelares, se for o caso” (BRASIL, 1941).

Fazendo-se uma leitura literal dos dispositivos apresentados, há de se constatar,

unicamente, que apenas ao magistrado é permitida a concessão de liberdade provisória

sem fiança ao conduzido, sendo vedada tal prática ao delegado de polícia.

É o que se extrai, por exemplo, do entendimento de Guilherme Madeira Dezem,

ao aduzir que: Nos casos envolvendo o chamado acusado pobre, ou seja, nos casos em que o acusado não tenha condições de arcar com o custo da fiança o juiz poderá conceder a liberdade provisória sem fiança. Não há mais na atualidade qualquer menção ao termo “acusado pobre”. (DEZEM, 2016, p. 799).

No mesmo sentido:

O art. 350 do CPP prevê a dispensa da prestação de fiança àqueles que sejam considerados economicamente hipossuficientes. O estado de pobreza não impediria a liberdade, e o magistrado relevaria o implemento financeiro, condicionando o beneficiado a todas as obrigações daquele que presta fiança.

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Trata-se de mais uma hipótese de liberdade provisória sem fiança, porém condicionada. Nada impede, pela nova sistemática, que outras medidas cautelares do art. 319 do CPP sejam cumuladas ao hipossuficiente (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 1023).

[...] Diferente é o caso do preso sem condições econômicas de prestar a fiança. O delegado de polícia não poderá dispensá-lo com base no art. 350 do CPP uma vez que somente o juiz pode avaliar a dispensa ou substituição da fiança por outra cautelar prevista no art. 319 do CPP. A lei é expressa nesse sentido (CPP, art. 350) [...] (CAPEZ, 2012, p. 326).

Deste modo, sustenta Fernando Capez que somente o magistrado está autorizado

a analisar e, consequentemente, liberar o preso mediante concessão de liberdade

provisória sem fiança, devendo o delegado de polícia representar ao juiz acaso vislumbre

situação semelhante: Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe a liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 do Código e a outras medidas cautelares, se for o caso (CPP, art. 350, caput). A autoridade policial não poderá se valer desse dispositivo legal. Nessa situação, ainda que a infração tenha a pena igual ou inferior a quatro anos, o Delegado deverá representar ao magistrado para que este conceda a liberdade provisória, acompanhada das obrigações constantes dos arts. 327 e 328 do Código e a outras medidas cautelares, se for o caso. Na hipótese de descumprimento, sem justo motivo, das obrigações ou medidas impostas, incidirá a regra do art. 282, § 4º (CPP, art. 350, parágrafo único). (CAPEZ, 2012, p. 352/353).

Tamanho disparate privar a liberdade de um individuo, obrigando-o a aguardar

por decisão judicial favorável que lhe conceda livramento sem fiança, na medida em que

o próprio delegado de policia poderia, diretamente, sem maiores burocracias ou entraves,

analisar e decidir pela liberação do mesmo, de maneira fundamentada. Tempo e dispêndio

da máquina estatal seriam preservados, além de se evitar o encaminhamento

desnecessário do desfavorecido ao cárcere, evitando-se o agravamento da superlotação

dos presídios.

Destaca-se posicionamento diverso na doutrina brasileira. Como exemplo, as

lições de André Nicolitt, o qual se debruça sobre o seguinte entendimento:

Diante do cabimento da fiança, mas não possuindo o preso condições econômicas para o pagamento, o juiz poderá conceder liberdade provisória vinculada ao comparecimento aos atos do processo, obrigação de não mudar de endereço sem autorização e de não ausentar-se da comarca por mais de oito dias (art. 350). Em tal caso, a liberdade provisória vinculada, com medida cautelar autônoma, aparece como substitua à fiança. [...] A segunda controvérsia consiste em saber se é possível que a própria autoridade policial aplique analogicamente o art. 350 do CPP, em caso de indiciado preso. A resposta também é afirmativa. A prisão em flagrante destina-se à sua conversão em prisão preventiva. Em caso de pena não superior a 4 anos, o juiz não poderia decretar a prisão, não sendo razoável recolher o indiciado ao cárcere ate que o

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juiz o isente do recolhimento, nos termos do art. 350 do CPP. Por tal razão, sustentamos que a própria autoridade policial poderá dispensar a fiança e colocar o réu em liberdade. Tal posição encontra amparo, inclusive, em um interpretação histórica, já que na Lei 1.060/1950, na antiga redação de ser art. 4º, § 1º, a autoridade policial atestava a pobreza. – grifos nossos (NICOLITT, 2014, p.797/798).

Constata-se, inclusive, que os tribunais superiores possuem posicionamentos no

sentido de que o não recolhimento da fiança, em virtude da situação de miserabilidade do

individuo, não é óbice para concessão de liberdade provisória sem fiança. Pelo contrário,

não poderia justificar a manutenção de sua segregação. É o que se verifica dos julgados

elencados:

STJ, HC n. 320961/SC, Rel. Min. Felix Fischer, j 18.08.2015 [...] IV – No caso dos autos, verifica-se que o Tribunal a quo, ao conceder a liberdade provisória, condicionou a soltura do paciente ao pagamento da fiança arbitrada no valor de R$ 7.880 (sete mil, oitocentos e oitenta reais). Todavia, ao contrario desse entendimento, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que, uma vez reconhecida a hipossuficiência financeira [...] o não pagamento da fiança arbitrada, por si só, não justifica a preservação da custódia cautelar, a teor do artigo 350 do Código de Processo Penal. (BRASIL, 2015).

No mesmo sentido:

STJ, HC n. 231.723/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 23.10.2012 [...] 6. In casu, existe manifesta ilegalidade pois o não pagamento da fiança arbitrada, por si só, não justifica a preservação da custódia cautelar, a teor do art. 350 do CPP. 7. Trata-se de réu juridicamente pobre e imputação de falso testemunho, cuja pena mínima cominada é de 1 (um) ano de reclusão. 8. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de oficio a fim de garantir a liberdade provisória ao paciente, independentemente do pagamento de fiança, aplicando-se o disposto no art. 350 do CPP. (BRASIL, 2012).

Indo adiante, Alexis Couto Brito, Humberto Barrionuevo Fabretti, Marco

Antônio Ferreira Lima defendem, inclusive, que ao delegado de polícia seria permitido o

arbitramento da fiança em quaisquer tipos de crimes, quando ausente os requisitos da

prisão preventiva. É o que se extrai da leitura abaixo:

Se a infração for afiançável, significa que a própria lei considerou dispensável a prisão como medida cautelar, e a autoridade policial poderá arbitrar o valor da fiança a todos os crimes cuja pena máxima não seja superior a quatro anos. Não entendemos por que o legislador limitou as hipóteses de concessão de fiança ao delegado de policia a esta máximo de pena, pois, sendo alternativa à prisão, não importaria o quantum da pena máxima cominada para o crime. Ausentes os requisitos da preventiva, a fiança deveria ser concedida pela autoridade policial em todos os casos. [...] Diante da limitação injustificada da lei ao limite de quatro anos de pena máxima, o delegado de policia não poderia arbitrar fiança em caso de flagrante, mantendo-se a pessoa presa, mesmo que ao final do processo acabe por ser condenada a apenas uma pena de multa.

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Nesse caso, entendemos que o melhor seria lavrar-se o flagrante mas não se impor a prisão, livrando-se o réu solto, como antes previa o Código de Processo Penal em casos nos quais a única pena prevista para a infração era a de multa (BRITO; FABRETTI; LIMA, 2015, p. 247).

Constantemente, busca-se e se cria alternativas penais ao cárcere:

Por “alternativas penais” compreendem-se os institutos, não só de Direito Penal, mas, igualmente, Processual Penal e de Execução Penal, tendentes a impedir ou abreviar o encarceramento do infrator. Dessa forma, a liberdade provisória, o pagamento de fiança, a justiça restaurativa, o monitoramento eletrônico, além da suspensão da pena ou do processo, do livramento condicional, da transação penal, são considerados exemplos de alternativas penais. (JAPIASSÚ; SOUZA, 2012, p. 362).

Constata-se, pois, que o ordenamento jurídico brasileiro possui múltiplas

medidas paliativas a fim de se evitar a prisão desnecessária do individuo.

5 O TEMPO COMO FATOR DETERMINANTE NA ATUAÇÃO DO DELEGADO

DE POLÍCIA

A ideia de normatizar o socorro à tutela eficaz e em tempo útil materializou-se

pela Emenda Constitucional nº 45, de 8.12.2004, que adiciona, pelo inciso LXXVIII do

art. 5º, ao rol dos Direitos e Garantias Fundamentais, a asseguração, a todos, no âmbito

judicial e administrativo, da razoável duração do processo e os meios que garantam a

celeridade de sua tramitação (BRASIL, 1988).

A Emenda Constitucional n. 45, de 8.12.2004, concedeu status constitucional ao

princípio da celeridade, agora consagrado no inciso LXXVIII do art. 5º da CR/88, em que

“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do

processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (BRASIL, 1988).

O termo “cautela” tem origem no latim “cautela”, “ae” significando precaução,

cuidado, desconfiança, prevenção, caução, segurança, admitindo com o mesmo sentido

as flexões “cautus” e “cautum”. A sua cognação (origem) vernacular está representada

por cultismos do século XIV em diante (FREITAS, 2014, p. 55).

A cautela no processo, também presente no inquérito (processo administrativo),

tem por finalidade o equilíbrio entre as partes, com medida de caráter provisório,

principalmente para criar obstáculos ou impedir a irreparabilidade da lesão do direito.

Assim, sobre as questões que envolvem as medidas cautelares, está o tempo.

Além de exercer a função limitadora da medida cautelar, com uma duração temporal que

determinará a eficácia da medida, compõe as características de um dos pressupostos

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básicos para sua concessão, o periculum in mora, que, junto ao fumus boni juris, integram

os requisitos indispensáveis à tutela cautelar (FREITAS, 2014, p. 56).

“Não é o tempo inimigo do processo nem dos cidadãos litigantes”, afirma

Fernando Horta Tavares. E com propriedade o faz, sob argumentos que respaldam sua

assertiva. Colaciona o autor algumas concepções acerca do tempo que embasam suas

justificativas. Extrai-se dessa coleção que “o tempo, em sua essência, absoluto,

verdadeiro e matemático, flui de forma linear, sem relação com fatores externos, tendo,

no entanto, sua “medida”, fixada por uma sucessão de eventos que indicariam o “antes-

e-depois”, nessa linha contínua e homogênea. Ou seja, não é o tempo que exerce

influência nos eventos e sim eles próprios em relação ao tempo” (TAVARES, 2007, p.

112).

O que significa dizer, pela sequência dos raciocínios trazidos pelo autor, não ter

o tempo força ou ação para corroer ou prejudicar, uma vez que apenas flui em marcha

num acontecimento natural, restando ao evento, ou mais especificamente aos sujeitos nele

envolvido, a possibilidade de prejudicar ou não a outro.

6 ANÁLISE DACONCESSÃO DA FIANÇA PELO DELEGADO DE POLÍCIA

Preliminarmente, necessário demonstrar a premente necessidade em se fazer

uma leitura teleológica e generalizada do Código de Processo Penal, invariavelmente à

luz dos ditames alicerçadores da Constituição da República Federativa do Brasil,

ampliando-se, favoravelmente e quando possível for, o sentido das normas, quando

benesses ao acusado. Isto porque, deve-se buscar, quando da interpretação dos

dispositivos legais, seus reais sentidos, na busca incessante pela justiça. Nesta diretriz,

Flavia Bahia e Sabrina Dourado, ao discorrerem sobre métodos de interpretação,

elucidam que: A teleologia é o estudo filosófico dos fins, isto é, do propósito, objetivo ou finalidade dos institutos. O método teleológico, então, reconhece que o Direito não é um fim em si mesmo e que os meios são indispensáveis para a busca da justiça. Com isso, determina ao intérprete que analise mais a fundo as normas legais, sempre em busca da sua essência e verdadeiro ideal (BAHIA; DOURADO, 2017, p. 75).

Como escudado acima, após perfazer uma interpretação sistêmica e meticulosa

de todo ordenamento, neste ponto, há de se concluir, de não outro modo, que o

encarceramento do indivíduo deve ser tratado como medida máxima de exceção, sendo

admitido somente enquanto ultima ratio. Restringir a liberdade de alguém é cercear não

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só o privilégio de ir e vir de uma pessoa, mas também privá-la de tantos outros direitos

decorrentes deste. Nas palavras de André Nicolitt:

No Estado Democrático de Direito, a liberdade é a regra. Para Kant, o primeiro e único direito inato do homem é a liberdade, a qual detinha com plenitude no estado de natureza. Uma vez conduzido ao seio do Estado, este deve procurar manter o máximo de liberdade possível aos indivíduos. (NICOLITT, 2014, p. 718).

Em consonância com o entendimento acima externado, colaciona-se, ainda,

como adendo aos argumentos pró-livramento, o principio constitucional da presunção da

inocência, segundo o qual, presume-se determinado indivíduo inocente, até que haja

sentença condenatória transitada em julgado, conforme se verifica: De tal sorte, o reconhecimento da autoria de uma infração criminal pressupõe sentença condenatória transitada em julgado (art. 5º, LVII, da CF /1988). Antes deste marco, somos presumivelmente inocentes, cabendo à acusação o ônus probatório desta demonstração, além do que o cerceamento cautelar da liberdade só pode ocorrer em situações excepcionais e de estrita necessidade. Neste contexto, a regra é a liberdade e o encarceramento, antes de transitar em julgado a sentença condenatória, deve figurar como medida de estrita exceção (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 69/70).

Indo adiante:

Se o status de inocência só pode ser ilidido com o advento da sentença condenatória transitada em julgado, a regra é a manutenção da liberdade, e a prisão cautelar sópode existir ou se perpetuar enquanto for necessária. Caso contrário, deve-se assegurar ao indiciado ou ao réu a liberdade e, se preciso for, aplicar outra medida cautelar não cerceadora de liberdade (art. 319, CPP). [...] A liberdade provisória é um estado de liberdade, circunscrito em condições e reservas, que impede ou substitui a prisão cautelar, atual ou iminente. É uma forma de resistência, uma contracautela, para garantir a liberdade ou a sua manutenção, ilidindo o estabelecimento de algumas prisões cautelares. A Constituição Federal assegura que "ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir liberdade provisória, com ou sem fiança" (art. 5º, LXVI). É um direito, e não um favor. (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 1012).

Destarte, acaso os requisitos da prisão preventiva não estejam patentes no caso

concreto, havendo possibilidade de concessão de liberdade provisória, ainda que sem

fiança, em virtude de razões econômicas, a liberdade deve prevalecer. É que o

enclausuramento pode trazer reflexos irremediáveis e incorrigíveis ao desfavorecido,

causando-lhe traços que jamais desvanecerão. O cárcere, além de ser um ambiente

perverso e subversivo, por vezes, não oferece condições mínimas de dignidade aos

detentos.

Assim, há de se dizer, inclusive, que em determinadas hipóteses, mesmo diante

das situações em que há possibilidade, ao menos teórica, de concessão de fiança pelo

delegado de polícia, acaso a dita autoridade constate presentes os requisitos da prisão

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preventiva no caso concreto, poderá deixar de arbitrar a referida garantia ao investigado,

encaminhando-lhe ao cárcere. É o que se verifica do posicionamento a seguir: A autoridade policial poderá negar fiança ao preso em flagrante por crime cuja pena seja igual ou inferior a quatro anos? Sim, quando vislumbrar a presença dos requisitos do art. 312 do CPP, consoante autorização expressa do art. 324, I, a qual também se dirige ao delegado de polícia. É que há casos em que, para resguardar, por exemplo, a ordem pública, recomenda-se a detenção provisória do agente, até que o juiz analise a conversão do flagrante em preventiva (vide item 16.13.9, “modalidades de prisão preventiva”). Por exemplo: pedófilo obriga criança a vê-lo se masturbando e, ao ser preso em flagrante, afirma ao delegado que poderá repetir o ato no dia seguinte. O delegado poderá deixar de conceder a fiança e manter o acusado preso até o juiz analisar a conversão do flagrante em preventiva. (CAPEZ, 2012, p. 353/354).

Ora, ao se fazer uma interpretação contrário sensu da citada colocação,

considerando os ditames legais do ordenamento jurídico brasileiro, não seria lógico,

racional e sensato facultar ao delegado de polícia a concessão de liberdade ao acusado,

sem fiança, acaso ausentes os requisitos da prisão preventiva, somando-se ao fato do não

recolhimento da garantia por mera razão de pobreza? Por que autorizar a possibilidade de

não concessão da benesse e impedir a concessão da mesma, pelos mesmos motivos, ao

revés, quando o investigado é humilde?

Logo, se o delegado de polícia identifica que a medida prisional é

manifestamente desarrazoada no caso concreto, não havendo sequer requisitos para

conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, por que submeter o indivíduo a

tamanha desumanidade e barbárie? E, ainda pior, por que subjugá-lo a um ambiente tão

indigno e repugnante pelo único e simples fato de sua condição de desvalido? Ademais,

causa estranheza o fato de, frequentemente, manter provisoriamente preso alguém que,

ao final do processo, sequer sofrerá sanções restritivas de liberdade. Os graves problemas carcerários do Brasil têm levado o poder público e a sociedade a refletir sobre a atual política de execução penal, fazendo emergir o reconhecimento da necessidade de repensar esta política, que, na prática, privilegia o encarceramento maciço, a construção de novos presídios e a criação de mais vagas em detrimento de outras políticas (ANDRADE; et al, 2015, p. 9).

Dados alarmantes e estarrecedores do Conselho Nacional de Justiça demonstram

que 34% (trinta e quatro por cento) do total de presos brasileiros são provisórios

(CONSELHO, 2017). É de tamanha estranheza e perplexidade refletir vagamente e, de

certo modo, aceitar com quietude, a palpitante conjuntura do sistema penitenciário

brasileiro. A referida estatística apenas corrobora a ideia de que é urgente e premente a

necessidade em se buscar alternativas à encarceração demasiada de indivíduos, já que, se

assim não o fizermos, o prognóstico vindouro será, certamente, avassalador.

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Ressalta-se que, ao permitir que o delegado de polícia conceda liberdade

provisória sem fiança ao investigado humilde, não se vislumbra, evidentemente, a

intenção de se adentrar ou usurpar qualquer tipo de atribuição de outras carreiras ou

instituições, mas tão somente de assegurar igualdade e isonomia àqueles que já se

encontram em situação de desigualdade face aos mais abastados. Trata-se, pois, de

medida de extrema justiça e retidão, na medida em que se visa evitar a restrição

desnecessária da liberdade de uma pessoa por motivos meramente econômicos.

Flavia Bahia e Sabrina Dourado, neste sentido enunciam que:

As discriminações são toleradas apenas quando a finalidade pretendida for a diminuição dos desníveis entre homem e mulher, ou entre as pessoas em geral, tendo em vista as diferenças de idade, sexo, capacidade econômica. [...] Como as pessoas não são iguais, o respeito à diferença e às necessidades de cada um é um dos pilares mais importantes do conceito. Deve haver uma relação direta entre a desigualdade e a diferença observada, para que esta relação tenha pertinência (BAHIA; DOURADO, 2017, p. 114).

No mesmo sentido:

Sendo a fiança um direito, é inimaginável que os incluídos financeiramente pudessem ficar livres, por terem condição de pagar, e os pobres tivessem que ficar reclusos, pelo desprestígio da condição financeira. Como o art. 5°, caput da CF assevera o princípio da igualdade, e esta tem que ser material, tratando-se desigualmente os desiguais, prevê o art.350 do CPP que "nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares, se for o caso” (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p.1035/1036).

[...] Ao impor a necessidade de individualização e de personalização da pena, o sistema assegura a isonomia, cuidando de aplicar distintamente a lei quando se verificar situações dessemelhantes, garantindo isonomia não somente formal, porém substancial. O princípio isonômico é encontrado na Constituição da República, que estabelece, em seu art. 5º, I, a igualdade de todos perante a lei, sem distinções. Aliás, já no seu art. 3°, IV, a Lei Maior traça o objetivo fundamental de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 1706/1707).

Deixar de conceder liberdade provisória ao investigado, quando o cárcere não

lhe é recomendado, simplesmente devido ao fato do mesmo não ter meios para arcar com

as despesas da fiança, é engessar, carcomer e arruinar os princípios basilares de um estado

de liberdade. Por que punir o miserável e aumentar, ainda mais, a desigualdade no país?

A liberdade de um indivíduo, corolário do Estado Democrático de Direito, é um

dos direitos mais valorosos e relevantes existentes – se não for o mais – de tal maneira

que agentes estatais devem, com base nos mandamentos constitucionais, apequenar as

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disparidades, sempre visando à tangibilidade e aproximação da justiça e equidade. Com

proficiência, Bernardo Gonçalves Fernandes discorre sobre o assunto:

Segundo a doutrina filosófica de Kant, a liberdade constitui o maior direito do ser humano, sendo o único direito inato daquele. Aqui, liberdade é compreendida como autonomia (capacidade de autodirigir sua vida e suas escolhas a partir da razão). Nesse aspecto, o direito no pensamento do filósofo prussiano tem um papel fundamental, que é o de limitar arbítrios através do conceito de legalidade. Sendo assim, o direito demarcaria um espaço dentro do qual diversas ações são lícitas – o que não quer dizer que seja impossível a prática do ilícito, mas que tal conduta é inaceitável socialmente e por isso mesmo punível pelo Estado (FERNANDES, 2017, p. 424).

E continua: Mas, com isso, obviamente, não se quer afirmar uma cegueira em face das múltiplas injustiças sociais existentes em nosso país, já que uma postura distributiva é desejada até mesmo como imperativo de “justiça social". A questão que se coloca, então, é como estabelecer condições e critérios para que uma diferenciação (para alguns, discriminação adequada ou não absurda) não se transforme em verdadeira discriminação (absurda e desarrazoada). Como tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam? (FERNANDES, 2017, p. 464).

Inclusive, oportunamente, o Projeto de lei n. 8.045/2010, que trata as diretrizes

do novo Código de Processo Penal, propõe, no § 4º de seu artigo 568, a possibilidade do

delegado de polícia conceder liberdade ao preso que não tenha condições mínimas de

efetuar o pagamento da fiança, nos seguintes termos: Art. 568. A fiança será requerida ao juiz ou por ele concedida de ofício: [...] § 4º O delegado de polícia poderá determinar a soltura do preso que, a toda evidência, não tiver condições econômicas mínimas para efetuar o pagamento da fiança, sem prejuízo dos demais compromissos legais da referida medida cautelar, observando-se, ainda, no que couber, o disposto no parágrafo único do art. 573. [...] Art. 573. O juiz, verificando ser impossível ao reu prestar a fiança, por motivo de insuficiência econômica, poderá conceder-lhe liberdade provisória, observados todos os demais compromissos do termo de fiança. Parágrafo único: Para os fins do caput deste artigo, o juiz poderá solicitar documentos ou provas que atestem condição de insuficiência ou exigir que o afiançado declare formalmente a absoluta falta de recursos para o pagamento da fiança, incorrendo este no crime de falsidade ideológica se inverídica a informação. (BRASIL, 2010).

Frise-se, por fim, que a simples concessão de liberdade sem fiança ao

despossuído em nada prejudicará ou embaraçará o regular andamento processual, na

medida em que o individuo será normalmente processado e julgado, não ocasionando

qualquer tipo de dano ou prejuízo aos autos.

7 CONCLUSÃO

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Com o fito de aplicar, de maneira substancial, os ditames vitais e medulares

elencados pela Constituição da Republica Federativa do Brasil, dentre eles, e talvez o

mais ponderoso, a liberdade do indivíduo, deve-se fazer uma leitura sistêmica de todo

ordenamento, de modo que a prisão seja tratada, efetivamente, como medida de extrema

exceção.

Nesta seara, o delegado de polícia possui especial relevância, na medida em que

figura como agente garantidor das prerrogativas inerentes ao individuo, possuindo

atribuição de analisar, de maneira técnica, precisa e fundamentada, o fato que lhe é

apresentado.

Por conseguinte, o aplicador do direito, em especial, a autoridade policial, a qual

é a incumbida de manter o primeiro contato jurídico com o fato delituoso deve, sempre

pautada na estrita legalidade, de modo estribado, analisar a viabilidade de não clausura

do indivíduo, evitando-se a movimentação ilógica e desarrazoada do aparato estatal.

Isto posto, acaso reste vislumbrado que o preso faça jus ao benefício da liberdade

mediante concessão de fiança, a autoridade policial deverá arbitrá-la e, além disso, na

hipótese de se verificar que o conduzido é hipossuficiente, não sendo posto em liberdade

por razões meramente econômico-financeiras, deverá conceder liberdade provisória sem

fiança, encurtando as disparidades sociais.

Destarte, ao agir desta maneira, o delegado de polícia estará obstando o

constrangimento e o mal-estar de se manter preso determinado individuo submetido ao

ônus temporal do cárcere que, por vezes, não sofrerá, nem mesmo, sanções restritivas de

liberdade quando de sua condenação ao final do processo, demonstrando que a prisão

provisória deste, naquele momento, seria absolutamente inapropriada e malpropícia.

Agindo, assim, estará o delegado de polícia atendendo aos preceitos fundamentais, dentre

eles assegurada a igualdade e a isonomia, tão caros ao Estado Democrático de Direito.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Carla Coelho et al. O Desafio da Reintegração Social do Preso: Uma

Pesquisa em Estabelecimentos Prisionais. Texto para discussão / Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada. Revista de Estudos Empíricos em Direito. v. 2. n. 2. São Paulo:

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BAHIA, Flavia; DOURADO, Sabrina. Direito Constitucional. 3. ed. Recife: Armador,

2017.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de lei n. 8.045/2010. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1638152&fi

lename=PL+8045/2010>. Acesso em: 20 jun. 2018.

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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>.

Acesso em: 20 jun. 2018.

BRASIL. Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

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BRASIL. Lei n. 12.830, de 20 de junho de 2013. Dispõe sobre a investigação criminal

conduzida pelo delegado de polícia. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12830.htm>. Acesso em:

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ, HC n. 231.723/DF, Rel. Min. Maria

Thereza de Assis Moura, j. 23.10.2012. Disponível em:

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