x congresso academico sobre defesa nacional

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ÁREA TEMÁTICA: A IMPORTÂNCIA DO PODER MILITAR PARAA INSERÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL Poder Militar: papel desempenhado na inserção internacional do Brasil ATUAÇÃO DO BRASIL NA MONUSCO E SEUS IMPACTOS PARA LIDERANÇA INTERNACIONAL BRASILEIRA O BRASIL FRENTE ÀS AMEAÇAS CIBERNÉTICAS BRASIL: O CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU E PODER MILITAR O BRASIL, O TERRORISMO E OS GRANDES EVENTOS Área Temática: o Brasil em face das principais questões de segurança internacional CIBERGUERRA COMO NOVA MODALIDADE DE CONFLITO ARMADO NO SÉC. XXI O CONSELHO DE DEFESA SUL-AMERICANO: SIGNIFICADO PARA UMA ESTRATÉGIA DE DEFESA COMUM A CONTRIBUIÇÃO DO CLUBE DE GUERRA ELETRÔNICA PARA A FORMAÇÃO DO OFICIAL DAAERONÁUTICA: O PROJETO VANT COOPERAÇÃO BRASIL-ÁFRICA NA ÁREA DA DEFESA: DESDOBRAMENTOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E MILITARES PARA O ATLÂNTICO SUL Área Temática: Cooperação Brasil-África na área de defesa CRIMES DE GUERRA: SOBRE AS DIFICULDADES DO CONCEITO DIANTE DA NOVA CONFIGURAÇÃO DOS CONFLITOS ARMADOS A GUERRA CIBERNÉTICA COMO NOVA FORMA DE CONFLITO E SUA CONFIGURAÇÃO JURÍDICA OS NOVOS DESAFIOS PARA A SEGURANÇA E DEFESA NO CENÁRIO MARÍTIMO: O TERRORISMO E A PIRATARIA Área Temática: Os Conceitos de Defesa e de Segurança e as “Novas Ameaças” O PAPEL DO BRASIL NA COOPERAÇÃO REGIONAL EM MATÉRIA DE DEFESA: LIDERANÇA OU DELEGAÇÃO POLÍTICA DE DEFESA E SEGURANÇA MARÍTIMA NOS LIVROS BRANCOS DE DEFESA DO BRASIL, CHILE E ARGENTINA EM PERSPECTIVA COMPARADA A POLÍTICA NACIONAL DE DEFESA E A LIDERANÇA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE REGIONAL O PROJETO FX-2 E SUA IMPORTÂNCIA PARA A GARANTIA DA SOBERANIA AÉREA BRASILEIRA O REAPARELHAMENTO DA MARINHA BRASILEIRA E O DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA DE DEFESA AS REGRAS DO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO E O ÂNIMO BÉLICO: MENÇÃO CONSIDERANDO ALGUNS DOS CONFLITOS ARMADOS DO SÉCULO XXI SEGURANÇA REGIONAL NO ATLÂNTICO SUL: O BRASIL E A ANTÁRTICA O USO DE VANTS COMO VETOR DE INOVAÇÃO DA INDÚSTRIA DE DEFESA BRASILEIRA AS VARIÁVEIS DOMÉSTICAS COMO BASE DA POLITICA EXTERNA E DE DEFESA DO BRASIL (THE DOMESTIC VARIABLES AS SOURCES OF BRAZILIAN FOREIGN AND DEFENSE POLICIES)

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Page 1: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

• ÁREATEMÁTICA:AIMPORTÂNCIADOPODERMILITARPARAAINSERÇÃOINTERNACIONALDOBRASIL

Poder Militar: papel desempenhado na inserção internacional do Brasil

• ATUAÇÃODOBRASILNAMONUSCOESEUSIMPACTOSPARALIDERANÇAINTERNACIONALBRASILEIRA

• OBRASILFRENTEÀSAMEAÇASCIBERNÉTICAS

• BRASIL:OCONSELHODESEGURANÇADAONUEPODERMILITAR

• OBRASIL,OTERRORISMOEOSGRANDESEVENTOS Área Temática: o Brasil em face das principais questões de segurança internacional

• CIBERGUERRACOMONOVAMODALIDADEDECONFLITOARMADONOSÉC.XXI

• OCONSELHODEDEFESASUL-AMERICANO:SIGNIFICADOPARAUMAESTRATÉGIADEDEFESACOMUM

• ACONTRIBUIÇÃODOCLUBEDEGUERRAELETRÔNICAPARAAFORMAÇÃODOOFICIALDAAERONÁUTICA:OPROJETOVANT

• COOPERAÇÃOBRASIL-ÁFRICANAÁREADADEFESA:DESDOBRAMENTOSECONÔMICOS,SOCIAISEMILITARESPARAOATLÂNTICOSUL

Área Temática: Cooperação Brasil-África na área de defesa

• CRIMESDEGUERRA:SOBREASDIFICULDADESDOCONCEITODIANTEDANOVACONFIGURAÇÃODOSCONFLITOSARMADOS

• AGUERRACIBERNÉTICACOMONOVAFORMADECONFLITOESUACONFIGURAÇÃOJURÍDICA

• OSNOVOSDESAFIOSPARAASEGURANÇAEDEFESANOCENÁRIOMARÍTIMO:OTERRORISMOEAPIRATARIA

Área Temática: Os Conceitos de Defesa e de Segurança e as “Novas Ameaças”

• OPAPELDOBRASILNACOOPERAÇÃOREGIONALEMMATÉRIADEDEFESA:LIDERANÇAOUDELEGAÇÃO

• POLÍTICADEDEFESAESEGURANÇAMARÍTIMANOSLIVROSBRANCOSDEDEFESADOBRASIL,CHILEEARGENTINAEMPERSPECTIVACOMPARADA

• APOLÍTICANACIONALDEDEFESAEALIDERANÇABRASILEIRA:UMAANÁLISEREGIONAL

• OPROJETOFX-2ESUAIMPORTÂNCIAPARAAGARANTIADASOBERANIAAÉREABRASILEIRA

• OREAPARELHAMENTODAMARINHABRASILEIRAEODESENVOLVIMENTODAINDÚSTRIADEDEFESA

• ASREGRASDODIREITOINTERNACIONALHUMANITÁRIOEOÂNIMOBÉLICO:MENÇÃOCONSIDERANDOALGUNSDOSCONFLITOSARMADOSDOSÉCULOXXI

• SEGURANÇAREGIONALNOATLÂNTICOSUL:OBRASILEAANTÁRTICA

• OUSODEVANTSCOMOVETORDEINOVAÇÃODAINDÚSTRIADEDEFESABRASILEIRA

• ASVARIÁVEISDOMÉSTICASCOMOBASEDAPOLITICAEXTERNAEDEDEFESADOBRASIL(THEDOMESTICVARIABLESASSOURCESOFBRAZILIANFOREIGNANDDEFENSEPOLICIES)

Page 2: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

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Área Temática: A importância do Poder Militar para a inserção internacional do Brasil

Poder Militar: papel desempenhado na inserção internacional do Brasil

Resumo

O presente trabalho tem com objetivo analisar as variações ocorridas no poder militar

do Brasil desde o século XX, bem como suas repercussões para o poder nacional. Ele relata os

primeiros resultados de uma pesquisa bibliográfica ainda em curso, que abrange publicações

nas áreas das Ciências Militares, Ciências Políticas, História, Geopolítica e Relações

Internacionais, bem como de uma pesquisa documental realizada em publicações do Governo

e Legislativo Federais, no período considerado. A pesquisa contribui para a reflexão e o

despertar da necessidade de uma postura participativa no processo decisório nacional, bem

como na discussão sobre a implementação de políticas públicas. Os resultados parciais

apontam para a necessidade de fortalecimento do poder militar, sem prejuízo para as outras

expressões do poder nacional, com risco para o comprometimento da consecução dos

interesses nacionais, incluso o nosso processo de inserção internacional.

Palavras chave: Poder nacional. Poder militar. Política Externa. Política de Defesa.

1. Poder nacional e poder militar: fundamentos, relação e relevância

A política internacional comporta um incessante confronto de interesses entre Estados

e atores do sistema internacional. Essa tem sido a essência de uma política de poder que ainda

domina a cena internacional, apesar do desenvolvimento das organizações internacionais e da

disseminação do direito internacional.

O poder militar, como expressão do poder nacional, tem um relevante papel no

processo de inserção internacional de um país.

Há inúmeras definições e interpretações a respeito do conceito de poder. Nenhuma

definição é aceita por todos e, normalmente, a escolha de uma definição reflete os interesses e

valores das pessoas.

Para Russell (1938), “poder é a capacidade de produzir os efeitos desejados por quem

o detém”.

De acordo com Boulding (1989), o poder pode ser entendido como a capacidade para

fazer ou resistir à mudanças, ou mesmo como a capacidade para conseguir o que queremos.

As definições comportamentais julgam o poder pelos resultados determinados após a

ação, mas como os formuladores de políticas querem previsões sobre o futuro para ajudar a

guiar suas ações, frequentemente definem o poder em relação aos recursos que podem

produzir resultados.

Entretanto, quando as pessoas definem poder como sinônimo de recursos de toda

ordem para a produção de resultados desejados, não raramente se deparam com o paradoxo de

que aqueles mais bem dotados de recursos de poder, nem sempre conseguem os resultados

que querem.

A esse respeito, a História da humanidade está cheia de exemplos ilustrativos, sendo

que o fiasco americano na Guerra do Vietnã é apenas um deles.

Não se pode negar a importância dos recursos do poder, mas é necessário perceber que

a posse desses recursos nem sempre garante os resultados desejados.

Nesse contexto, Nye (2012) afirma que para a conversão de recursos em poder,

concretizado pela obtenção de resultados desejados, é preciso estratégias bem planejadas e

uma liderança hábil.

Page 3: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

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Em cada situação, é preciso ser capaz de identificar que recursos de poder

proporcionam a melhor base para o comportamento em determinado contexto. Ou seja, as

estratégias de conversão de poder passam a ser uma variável fundamental que nem sempre

recebem atenção suficiente.

É importante destacar que o poder sempre depende do contexto. Nye (2012) relata a

situação na qual, em meados do século XX, Joseph Stalin perguntou desdenhosamente

quantas divisões de exército o papa possuía. Cinco décadas mais tarde, o papado tinha

sobrevivido, enquanto a União das Repúblicas Socialistas Soviética, império de Stálin, havia

se esfacelado.

Chegamos assim à relação entre poder, política e estratégia, confirmando o

pensamento do sociólogo francês Duverger (1981), quando afirmou que “Política é Poder”,

expressando a ideia de que quem não tem poder não pode perseguir objetivos políticos.

As relações de poder emergem das relações entre indivíduos e grupos de pessoas, ou

nas interações entre sociedades complexas. Entretanto, ao longo dos tempos, o poder ganhou

maior expressão com a concepção do Estado-nação e sua instituição política-jurídica,

surgindo o conceito de poder nacional.

De acordo com a Escola Superior de Guerra (ESG) (BRASIL, 2013), “poder nacional

é a capacidade que tem o conjunto dos homens e meios que constituem a nação, atuando em

conformidade com a vontade nacional, para alcançar os objetivos nacionais”.

Nesse conceito, estão contidos os elementos básicos do poder nacional: o homem, a

vontade e os meios, sendo a vontade nacional entendida como a interpretação pelas elites dos

anseios da sociedade nacional.

Embora o poder nacional seja uno, para fins de análise se faz representar por meio de

cinco expressões: Expressão Política; Expressão Econômica; Expressão Psicossocial;

Expressão Militar; e Expressão Científica e Tecnológica.

Dessa forma, o exercício e a aplicação do poder se faz por intermédio da expressão

política do poder nacional. Apesar de implicar no poder decisório, a expressão política não é

independente e onipotente. Ela necessita de condições econômicas e da capacidade militar

para garantir a segurança soberana de suas ações.

Nesse contexto, Bonfim (2005) entende que o valor e a convergência da expressão

política, da expressão econômica e da expressão militar são os pilares dinâmicos do poder

nacional no contexto mundial.

Quando se fala em poder militar, é comum que se pense apenas em capacidade para

lutar ou ameaçar lutar, no entanto é preciso analisar essa concepção mais detidamente, pois os

recursos de poder militar não raramente são utilizados para proporcionar proteção aos aliados

e ajuda aos amigos.

Figueira (2011) presume que as preferências dos países manifestas nas negociações

internacionais não apenas consideram a interação com as unidades do sistema internacional e

as possibilidades e os constrangimentos que estas oferecem, mas também levam em conta as

preferências manifestas internamente, conjugadas por diversos atores e estruturas.

Assim, fica evidente que a política externa deve ser resultante da interação entre as

áreas doméstica e internacional, sendo que a política pública é uma diretriz elaborada para

enfrentar um problema público.

Dessa forma, a política de defesa busca o fortalecimento do poder nacional, com

ênfase na sua expressão militar. Ela parte de um conceito abstrato para se materializar por

instrumentos variados, tais como programas, projetos, leis, decretos, campanhas publicitárias,

esclarecimentos públicos, inovações tecnológicas, subsídios governamentais, rotinas

administrativas, decisões judiciais, gastos públicos e outros.

Além dos conteúdos concretos da política de defesa, é também essencialmente

importante o seu conteúdo simbólico, pois o fortalecimento do poder militar traz repercussões

Page 4: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

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diretas para a consecução dos interesses nacionais, contribuindo para o processo de inserção

internacional.

2. O poder militar na primeira metade do século XX

O Brasil foi o único país da América Latina a atuar no primeiro conflito mundial,

participação essa que lhe assegurou o assento na Conferência de Paz de Versalhes, bem como

da organização da Liga (ou Sociedade) das Nações.

Com o advento da Liga das Nações, essa participação brasileira foi importante para

credenciá-lo a um dos assentos temporários no Conselho Executivo, órgão mais importante da

Liga das Nações, tendo o Brasil sido sucessivamente reeleito para o referido Conselho.

Segundo Cervo e Bueno (2011), o Brasil passou a almejar um posto permanente no

Conselho Executivo, desde 1921, tendo sua diplomacia, em nome da América, lançado a

candidatura.

O ministro das Relações Exteriores de Artur Bernardes, Félix Pacheco, estabeleceu a

obtenção do lugar permanente como uma das metas de sua gestão na pasta, tendo criado, em

1924, uma representação permanente na Liga das Nações, como forma de facilitar o alcance

desse objetivo. Além do Brasil, Espanha, Polônia, China e Bélgica tinham a mesma pretensão.

A partir de 1924, a Alemanha passa também a pleitear o assento permanente. A

situação evolui desfavoravelmente para o Brasil que, em 1926, decide renunciar ao seu lugar

temporário, tendo acusado as potências signatárias do Tratado de Locarno de terem discutido

a alteração do Conselho em reuniões secretas.

Em 1927, os cinco membros permanentes do Conselho Executivo da Liga das Nações

eram Inglaterra, França, Itália, Japão e Alemanha.

O Brasil, potência intermediária, teve a respeito do seu peso no cenário internacional

uma concepção distante daquela das potências europeias. De acordo com Cervo e Bueno

(2011), o entendimento majoritário das elites, na ocasião, era que a posição internacional de

um país não deveria decorrer apenas do poder militar, mas também de outros fatores.

No entanto a posição do Brasil no concerto da Liga não era compatível com a sua

pretensão de forçar sua entrada no Conselho como membro permanente.

Cervo e Bueno (2011) afirmam que até os governos latino-americanos não

concordavam com a reivindicação brasileira e chegaram mesmo a trabalhar contra. A verdade

é que nem sua projeção político-militar, nem sua condição econômica foram suficientes para

respaldar nosso anseio por uma maior inserção internacional.

A verdade é que a participação do Brasil na 1ª Guerra Mundial decorreu em grande

medida da subordinação da segurança nacional aos interesses da segurança norte-americana.

No contexto da 2ª Guerra Mundial, a segurança nacional foi vista de forma distinta

pelo governo de Getúlio Vargas. O esforço de guerra, ao lado dos Estados Unidos, destinar-

se-ia a preencher requisitos de desenvolvimento, como a obtenção de créditos e de mercados

para promover as exportações, a ampliação do parque industrial e a realização do projeto

siderúrgico.

Cervo (2008) afirma que os ganhos políticos que o envolvimento na guerra dos outros

viria propiciar eram tomados como elementos acessórios da segurança nacional, cuja

construção estava posta a cargo do desenvolvimento. Somente ele poderia provê-la de meios,

como armas e munições, uma força aérea e uma moderna marinha de guerra.

Durante a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, Arraes (2006)

afirma que o Presidente Franklin Roosevelt teria cogitado o Brasil como membro permanente,

tendo encontrado resistência da França e da URSS.

Após a fundação da ONU, o Brasil tomou parte como membro temporário do

Conselho de Segurança (CS) em dez ocasiões.

Page 5: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

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3. O poder militar na Guerra Fria

Durante a vigência do regime militar, a eliminação do modelo bipolar como orientação

de política externa e o malogro do diálogo Norte-Sul impuseram a necessidade de

reformulação da doutrina de segurança nacional.

De acordo com Cervo e Bueno (2011), as divergências crescentes com os Estados

Unidos, as dificuldades em adquirir tecnologias avançadas por intermédio da cooperação

internacional, bem como a percepção do desígnio das superpotências em manter o status quo

na divisão de poder global, foram determinantes para tal evolução de concepção.

O fato é que a concepção de segurança foi paulatinamente nacionalizada, tanto em

termos de atenuação de vulnerabilidades, como em termos de dependência externa.

Tal reformulação pode ser constatada na ideia de abandono da segurança coletiva, na

recusa dos diferentes governos em aderir ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), nos

termos propostos pelos Estados Unidos e União Soviética, e, também, no desenvolvimento da

indústria de defesa nacional.

Em 1967, o Governo Costa e Silva deixou claro que a segurança coletiva que as

superpotências desejavam cristalizar não mais serviria de referência para a política exterior do

Brasil. Seu governo não compareceu naquele ano a uma reunião da OEA convocada pela

Venezuela para tratar da segurança coletiva. A diplomacia brasileira estabeleceu condições

para adesão ao TNP, definiu uma política nuclear e outra de desarmamento que perduraram

até os anos 1990.

Em 1974, durante o Governo Geisel, foi definida uma política de exportação de

material bélico, com vistas à conquista de mercado externo para viabilizar a produção em

escala de armas portáteis, munição, aviões e carros de combate.

Em 1977, ainda durante o Governo Geisel, ocorreu a denúncia do Acordo Militar com

os EUA, que existia desde 1952. Cervo e Bueno (2011) afirmam que tal decisão liberava

nosso poder militar de uma dependência obsoleta e prejudicial ao desenvolvimento

tecnológico.

Pertence também a esse período a implementação de importantes programas

estratégicos nas áreas de energia nuclear e aeroespacial.

Dessa forma, o Brasil criou as condições para consolidar uma importante autonomia

na produção de meios convencionais e de alta tecnologia, expandindo de forma competitiva

sua indústria de defesa, no mercado internacional.

Particularmente relevantes foram os projetos de cooperação na indústria aeronáutica,

como nos acordos com a Itália para a construção do caça-bombardeiro AMX, ou, ainda, na

escolha do avião de treinamento Tucano, para ser utilizado pela Royal Air Force inglesa.

Segundo Cervo e Bueno (2011), o nível de autonomia nacional poderia ser avaliado

pela postura do Governo brasileiro, em 1984, quando o Governo Reagan propôs uma parceria

para a produção de material bélico, condicionada pela proibição de exportação para países

antiamericanos. Em resposta, a Engesa e a Imbel, por meio das Forças Armadas, não

aceitaram a sua concretização.

4. O poder militar no pós-Guerra Fria

Com a dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (1991) e o fim do

conflito ideológico que dividia o mundo, era necessária uma nova estratégia que garantisse a

projeção de poder americana no sistema internacional.

Sucessivos governos americanos, a partir do pós-Guerra Fria, buscaram implementar a

concepção da globalização como processo desejável, colocando a economia no centro de toda

a discussão internacional. A estratégia política e militar dava lugar à economia como a chave

lógica das relações internacionais.

Page 6: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

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Gonçalves (2012) aponta que os formuladores de política trataram de difundir as ideias

de que o Estado-nacional perdera progressivamente sua capacidade de controle do espaço e

que as redes transnacionais passavam a determinariam a direção dos movimentos sociais. O

projeto de globalizar o capitalismo liberal sob a égide norte-americana forjou as condições

para uma nova concepção de segurança internacional, transferindo-se o foco do Estado para o

indivíduo.

A transferência do foco da segurança do Estado para o indivíduo foi uma ideia que

cresceu e passou a ocupar o centro das reflexões a respeito da segurança internacional, na

medida em que foi relacionada aos conceitos de globalização e fragmentação.

Segundo Clark (1997), o progressivo enfraquecimento do Estado como instância que

detém o monopólio da violência legítima levava à formação de uma sociedade civil global

que sofria o impacto da fragmentação decorrente da emergência de movimentos diversos –

separatismos, regionalismos, terrorismo, ameaças ao meio ambiente e crime organizado – que

desafiavam sua capacidade de controle e repressão.

É interessante o fato de nunca se cogitar o enfraquecimento do Estado norte-americano

ou de qualquer outro Estado de capitalismo industrial avançado. Sempre que se fala em

esmaecimento do Estado, a referência são os Estados periféricos, principalmente os que, por

razões diversas, oferecem alguma resistência aos interesses das grandes potências.

A partir do instante em que se estabelece o indivíduo como o foco da segurança

internacional, desqualifica-se o conceito de soberania, que constitui a base da ordem

internacional. Já não seria mais o Estado a garantir os direitos do cidadão, mas sim forças

internacionais que zelariam pelo respeito aos direitos humanos. E em nome da defesa dos

direitos humanos, portanto, as intervenções estrangeiras estariam perfeitamente legitimadas.

No caso do Brasil, tal estratégia somente seria possível com o afastamento dos

militares das principais decisões políticas, o que não foi difícil, na medida em que as

principais forças que ascenderam ao poder político após a redemocratização foram justamente

algumas daquelas alijadas do poder, durante o regime militar.

Cervo e Bueno (2011, p. 501) afirmam que o Itamaraty teria se apropriado, nos anos

1990, com base em inspiração idealista de vertente grotiana e kantiana, da doutrina de

segurança e da política de defesa, deprimindo o papel das Forças Armadas nessa área.

O enfraquecimento sistemático do poder militar nesse período pode ser comprovado

pela penúria orçamentária e desprestígio do pensamento militar baseado no interesse nacional.

Segundo a tese divulgada por círculos acadêmicos e, até mesmo, em certos meios

militares latino-americanos, não faria mais sentido pensar em guerras entre Estados, pois os

conflitos seriam cada vez mais interestatais, cabendo às forças armadas se empenhar com

prioridade para o combate ao crime organizado e ao terrorismo.

Em 17 de setembro de 1990, o Presidente Collor de Melo determinou o fechamento de

um poço escavado na serra do cachimbo para explosões subterrâneas experimentais. Uma

semana depois, anunciou na ONU que o Brasil rejeitava a ideia de qualquer tipo de teste que

implicasse em explosões nucleares, mesmo para fins pacíficos.

Em 1991, às vésperas de sua visita presidencial a Washington, afirmou que ela

marcaria o fim de uma “fase amadorística e romântica” nas relações do Brasil com os Estados

Unidos (BANDEIRA, 2010).

De fato, Collor tratou de esvaziar o contencioso entre os dois países e iniciou a

desregulamentação e liberalização da economia, fazendo diversas concessões aos Estados

unidos sem exigir reciprocidade.

Bandeira (2010) lembra que, em fevereiro de 1992, Dick Cheney, Secretário de Defesa

americano, visitou o Brasil e mais 14 países da América latina, recomendando às forças

armadas que reorientassem seu papel e se dedicassem a missões de policiamento, sobretudo

para o combate ao narcotráfico.

Page 7: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

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Sob esse enfoque, a ideia era que a defesa da soberania nacional passasse à esfera de

um organismo internacional (ONU ou OEA), sendo que os recursos poupados com o

enxugamento das Forças Armadas reverter-se-iam para investimentos em educação, saúde e

meio ambiente.

Além das medidas de confiança mútua na cooperação nuclear construída com a

Argentina, o governo brasileiro assinou, em 1993, a Convenção sobre Armas Químicas e a

Convenção para a Proibição das Armas Biológicas.

Cervo (2008), afirma que, em 1994, o Brasil adotou as diretrizes do Regime de

Controle de Tecnologia de Mísseis, na expectativa de ser agraciado pelos países avançados

com tecnologia para a construção de veículos lançadores de satélites e do submarino com

propulsão nuclear.

Em 1994, o Brasil lançou sua candidatura a membro permanente do conselho de

Segurança, mas depois abriu mão dessa pretensão, em favor de uma reforma que desse ao

Conselho representatividade e legitimidade.

Na realidade, o Brasil não lograria consenso regionalmente, porquanto na Cúpula do

Rio (1994) haveria o posicionamento a favor da ampliação, mas sem indicação do

representante.

Fernando Henrique Cardoso (FHC) assumiu a presidência da República, em 1995,

pretendendo revitalizar a agenda Brasil-Estados Unidos, “sem as incompreensões do passado”

(BANDEIRA, 2010)

Em 1996, FHC assinou o Tratado para a Proibição Completa dos Testes Nucleares

(CTBT) e, em 1998, assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) e publicou a

Política de Defesa Nacional (PDN).

A PDN, ao aderir à estratégia da resistência para a defesa da Amazônia, com ênfase

em uma doutrina militar de guerrilha, considerava não apenas a hipótese de conflito com uma

potência tecnologicamente superior, no caso os Estados Unidos, mas também o fato das

Forças Armadas brasileiras terem sido demasiadamente enfraquecidas no curso dos anos 90,

em virtude das condicionalidades impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial e assimiladas

pelo governo nacional .

Esse processo de desmantelamento do Estado brasileiro, levado a cabo com a ajuda

das elites nacionais, foi explicitado por Bandeira (2010), ao afirmar que:

...as Forças Armadas, degastadas pelos 20 anos de governo autoritário,

não tiveram condições de reagir a esse processo de desmantelamento

da capacidade de dissuasão do país, como parte do processo de

redução do Estado Nacional, doutrina com que se acobertou o objetivo

de dar preeminência às grandes corporações multinacionais,

aniquilando a soberania nacional, em meio à globalização.

No entanto, as dificuldades financeiras eram intermináveis. Em 11 de julho de 2002,

os comandantes da Marinha e do Exército, em notas distribuídas, manifestaram sua

preocupação com os sucessivos cortes, contingenciamento e bloqueios orçamentários

determinados pelos acordos com o FMI, o que estava a causar dificuldades para a manutenção

da capacidade operacional das Forças Armadas.

Por sua vez, o general Leônidas Pires Gonçalves, Ministro do Exército durante o

governo do presidente José Sarney (1984-1990), acusou o governo de Fernando Henrique

Cardoso a relegar as Forças Armadas a um nível de enfraquecimento “que chegou a ponto de

não ter nem comida para dar aos soldados.” (Moreno, 2002)

Page 8: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

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No início do primeiro semestre de 2004, os Estados Unidos intensificaram pressões

para que o Brasil aderisse a um Protocolo Adicional específico ao acordo de salva-guarda do

TNP, dando aos inspetores da AIEA autoridade para fazer verificações intrusivas no seu

programa nuclear.

De acordo com Bandeira (2010), esse problema evidenciou ainda mais o enorme erro

cometido ao tempo do governo FHC, levando o Brasil a se submeter ao TNP, ao qual a Índia,

o Paquistão e Israel não aderiram, e as grandes potências, notadamente os Estados Unidos,

além de não cumprirem o programa de desarmamento, continuam a produzir novas armas

nucleares.

Em 2005, o governo brasileiro apresentou à Assembleia Geral da ONU uma proposta

de reforma do Conselho de Segurança, tendo contado com o apoio dos outros integrantes do

G4 (grupo composto por Brasil, Índia, Alemanha e Japão, que aspiram integrar o Conselho na

condição de membros permanentes).

Em 2008, por ocasião da assinatura em Brasília do tratado para a constituição da

Unasul (União de Nações Sul-Americanas), o governo brasileiro propôs que se criasse o

Conselho de Defesa Sul-Americano como um dos seus órgãos diretivos.

Em julho de 2008, a IV Frota Naval americana, criada na 2ª Guerra Mundial para

proteger o Atlântico Sul e desativada desde 1950, foi reativada.

Na ocasião, o comandante da Marinha do Brasil, almirante Júlio Soares de Moura

Neto, afirmou que a reativação da IV Frota reforçava a necessidade do Brasil reaparelhar sua

Marinha, para que pudesse cuidar de suas atribuições constitucionais. (PARDELLAS, 2008)

Em 2010, foi divulgado, no fim do governo Lula, o Plano Brasil 2022 (BRASIL,

2010), no qual foi estabelecido, como objetivo de política externa, a reforma do Conselho de

Segurança (CS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Atrelada ao desejo de reforma do

CS estaria o interesse brasileiro em um assento permanente no CS.

5. Uma apreciação sobre o poder militar

O processo de inserção internacional do Brasil deve conjugar duas dimensões

importantes de políticas públicas: a política externa e a política interna, havendo a

necessidade de estreita interação entre essas políticas públicas, para a efetiva proteção dos

interesses nacionais.

As relações de poder verificadas no âmbito do sistema internacional indicam que a

existência de um robusto poder militar ainda é um componente essencial para a efetivação de

uma política externa pacífica.

Da análise até aqui realizada, percebemos a importância do poder militar durante a I e

a II Guerras Mundiais, ocasiões em que o poder militar contribuiu decisivamente para a

projeção do país no sistema internacional, bem como para a nossa consolidação econômica,

com a implantação da siderurgia nacional.

Na Guerra Fria, durante a vigência dos governos militares, foi relevante a adoção de

uma postura de independência no sistema internacional, somente possível graças à

consolidação de um poder militar condizente com a nossa estatura político-estratégica,

lastreado em uma indústria de defesa inovadora e competitiva.

A partir da década de 90, nossas elites foram iludidas por uma equivocada leitura

prospectiva do cenário internacional. Desmantelamos nossa indústria de defesa e afastamos os

militares das principais instâncias decisórias.

Desde a divulgação de nossa primeira política de defesa, em 1996, sua implementação

tem se constituído em desafio, tendo algumas das suas ações se transformado em uma espécie

de política simbólica, assim caracterizada por Secchi (2010) quando os principais

polycemakers chegam a concretizar sua elaboração, mas, intimamente, não demonstram

grande interesse em colocá-la em prática.

Page 9: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

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É verdade que avanços têm ocorrido, como a elaboração da Política de Defesa

Nacional (1996) e a Criação do Ministério da Defesa (1999).

Na atual administração federal, alguns êxitos também devem ser destacados, como a

revisão da Política Nacional de Defesa (PND), da Estratégia Nacional de Defesa (END) e a

elaboração do Livro Branco da Defesa Nacional, que se encontram atualmente tramitando no

Congresso Nacional.

Governo e Legislativo Federais deram um importante passo com a Lei 12.598/2012,

que estabelece normas especiais para as compras, as contratações e o desenvolvimento de

produtos e de sistemas de defesa; dispõe sobre regras de incentivo à área estratégica de

defesa; altera a Lei no 12.249, de 11 de junho de 2010; e dá outras providências marca um

novo tempo para as indústrias estratégicas de defesa.

Entretanto muito ainda precisa ser feito para o fortalecimento do poder militar, em

nível adequado à estatura político-estratégica do Brasil. Preso a um imediatismo suicida,

muitos não percebem que, embora o poder militar não seja um fim em si mesmo, ele ainda é

uma ferramenta fundamental para a consolidação dos interesses nacionais de soberania,

segurança e desenvolvimento.

Bastante pertinente foi a afirmação do Ministro da Defesa (AMORIM, 2012), em

Brasília, no dia 27 de novembro de 2012, por ocasião da abertura do Seminário Estratégias de

Defesa Nacional:

Embutida por vezes em visões inovadoras ou pseudo-inovadoras está

a ideia de que as “antigas ameaças” deixaram de existir ou passaram a

ser irrelevantes. É como se nos fosse dito que as armas atômicas

perderam importância à luz dos desafios da guerra assimétrica,

envolvendo bandos armados, grupos terroristas ou narcotraficantes. É

claro que os que sublinham a prevalência desse cenário são, em geral,

justamente os possuidores daquelas armas temíveis, capazes de

incalculável destruição, ou então seus aliados mais próximos. A

“velha ameaça” das armas atômicas, sim, está aí, ainda que o fim da

Guerra Fria e da bipolaridade tenha tornado o seu uso menos provável

ou menos iminente. E a assimetria embutida em uma visão que

privilegia a não proliferação das armas atômicas em relação ao

desarmamento não é menos ameaçadora hoje do que foi no passado.

De acordo com Nye (2012), o poder militar não terá para os Estados a mesma utilidade

que tinha nos séculos XIX e XX, mas continuará sendo um componente crucial de poder na

política mundial.

No dia 9 de maio de 2013, em audiência especial no Senado Federal, o Ministro da

Defesa (AMORIM, 2013) alertou para a importância da regularidade de investimentos na área

militar, tendo acrescentado que, embora tenha ocorrido uma considerável melhora na

situação, estava muito longe de corrigir ou sanar todas as falhas que existem.

Esse aspecto pode ser percebido pelos programas e projetos estratégicos, alguns deles

iniciados há décadas, mas que ainda não lograram o êxito desejado, justamente por falta de

aporte regular de recursos orçamentários, tendo, assim, suas metas permanentemente

reformuladas.

Atualmente, um dos Programas, a cargo do Exército Brasileiro, é o SISFRON

(Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras), importante programa para a vigilância

das áreas de fronteiras terrestres. É um programa de longo prazo, cujo custo total, segundo o

Ministro da Defesa (AMORIM, 2013) é de cerca de R$ 10 bilhões.

Page 10: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

9

O problema é que com o aporte atual (previsão para 2013) de R$ 200 milhões, esse

projeto levará cerca de 50 anos para ser concretizado. É difícil entender essa situação,

principalmente ao levarmos em conta que o SISFRON é fundamental, não somente para a

área de defesa, mas também para a segurança pública, pois possibilitaria um combate eficiente

e eficaz ao contrabando de armas, ao tráfico de drogas e ao descaminho, com reflexos

imediatos para a diminuição do crime organizado nas grandes cidades.

Ainda durante a audiência pública no Senado Federal, no dia 9 de maio de 2013, o

Ministro da Defesa alertou que a concretização dos principais projetos em curso para as

Forças Armadas dependerá da disponibilização de investimentos.

Na ocasião, o Ministro Celso Amorim sugeriu um incremento no volume de recursos

dedicados à defesa, passando dos atuais 1,5% para 2% do Produto Interno Bruto (PIB), num

prazo de dez anos.

Entretanto é preciso destacar que o Livro Branco da Defesa Nacional (BRASIL, 2012)

recomenda um aumento no efetivo das Forças Armadas, de cerca de 20%, até o ano de 2030,

como necessário para uma efetiva implementação das ações previstas na Estratégia Nacional

de Defesa.

Ou seja, caso ocorra essa ampliação de efetivos planejada, o aporte de recursos

pleiteado pelo Ministro da Defesa seria suficiente apenas para viabilizar o incremento do

custeio, decorrente do aumento desses efetivos planejados, mantendo-se praticamente

inalterado o status quo orçamentário, para fins de ações de investimento no poder militar.

O fato é que tais incertezas ocasionam graves repercussões para o poder

militar/nacional, sendo tal condição incompatível com o potencial de uma das maiores

economias do mundo.

A prevalência dessa situação por mais uma ou duas décadas, poderá vir a colocar em

risco a qualidade de vida da nação e, até mesmo a soberania e a sobrevivência de gerações

brasileiras futuras.

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Defesa Nacional. Disponível em:

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Page 12: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

1

A Atuação do Brasil na MONUSCO e seus Impactos para Liderança Internacional

Brasileira

Caio Scuarcialupi Mansini

Carolina de Rezende Vaz da Costa

Giovanna Sanchez

Matheus Abou Hala Lima

Wellington Souza Silva1

Resumo: Este artigo tem como objetivo elucidar sobre a participação brasileira na

liderança da Força Militar da Missão da Organização das Nações Unidas para a Estabilização

na República Democrática do Congo (MONUSCO) e quais seriam os possíveis ganhos

prospectivos internacionais para o Brasil. Como referência teórica, o artigo utiliza os aspectos

de justificação credencial da participação brasileira na missão. Quanto à metodologia, fez-se

uso de fontes primárias, como as resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU), e

secundárias com livros e artigos. Em conclusão, a atuação brasileira frente à MONUSCO

fortalece o discurso da política externa brasileira ao pleitear por um assento no Conselho de

Segurança da ONU, além de demonstrar a vontade brasileira de adquirir maior

responsabilidade no plano internacional e de ampliar sua atuação como potência.

História de Conflitos e Instabilidade na República Democrática do Congo

Sendo estabelecida pelo mandato da resolução 1925, de 28 de Maio de 2010, no

Conselho de Segurança da ONU, a MONUSCO surge como uma nova etapa da atuação das

Nações Unidas na República Democrática do Congo (RDC). Diferente da Missão das Nações

Unidas na República Democrática do Congo (MONUC), criada em 1999, para monitorar o

processo de paz da Segunda Guerra Congolesa (1998 – 2003), a MONUSCO busca promover

a estabilidade política no país com o caráter de peacebuilding e, por intermédio da resolução

2098, foi criada em 2013 a Brigada de Intervenção (MONUSCO, 2013). Esta brigada, por

indicação do Secretário Geral em maio de 2013, passou a ser comandada pelo Tenente

General Carlos Alberto dos Santos Cruz abrindo outra oportunidade de atuação brasileira nas

missões de paz da ONU.

Para melhor compreensão dos impactos e dos possíveis ganhos prospectivos da

atuação brasileira, faz-se necessário observar como se originou a situação conflituosa na

República Democrática do Congo justificando a intervenção por parte da ONU.

Como a grande maioria dos conflitos no continente africano, o caso da República

Democrática do Congo pode ser considerado um conflito étnico e com ramificações

históricas, que datam desde a sua colonização europeia.

O primeiro contato com os europeus se deu no século XV, quando os primeiros

navegantes portugueses atracaram na costa da região e estabeleceram ali um ponto de

exportação de escravos. Até então o território era formado por inúmeras tribos que possuíam

sociedades complexas e avançadas, sendo esses focos de população separados pelas florestas

não havendo contato constante entre elas. Durante o século XVI, a crescente demanda global

por escravos fez com que os europeus penetrassem cada vez mais no território e também

fizessem alianças com as tribos, para que elas capturassem e vendessem os nativos de tribos

1 Trabalho realizado pelos alunos das Faculdades Integradas Rio Branco orientado pela

Professora Denilde Holzhacker, co-orientado pelo Professor Gunther Rudzit.

Page 13: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

2

rivais. Essa medida marcou o início da disputa entre as diferentes etnias da região (ZIEMKE,

2013).

A colonização e exploração do Congo ocorreu inicialmente entre os anos de 1876 e

1884 (SCHIMMER; PAVLAKIS, 2010), quando o então rei da Bélgica Leopoldo II

estabeleceu uma missão na África, visando explorar e comercializar recursos abundantes na

região contando, essencialmente, com marfim e borracha. Além disso, a missão também

adotava como prioridades uma série de projetos que tinham cunho filantrópico e humanitário,

onde a ideia principal propagada pelo rei era a de levar àquela região o desenvolvimento

econômico, suprimir e encerrar o tráfico ilegal de escravos, promover o livre comércio e

incentivar campanhas humanitárias e cientificas (SCHIMMER; PAVLAKIS, 2010).

As supostas ajudas humanitárias deram ao rei Leopoldo II, em 1885, legitimidade para

requisitar o controle do local já ocupado e explorado frente às potências europeias durante a

Conferência de Berlim, onde a divisão dos territórios coloniais europeus no continente

africano foi estabelecida. Graças a essa articulação, somado às manobras políticas, a

Conferência de Berlim cedeu a Leopoldo II o legítimo poder sobre a administração da área

(CASEMENT, 1904).

A Conferência de Berlim estabelecera a Leopoldo II várias medidas como o não

estabelecimento do monopólio das atividades econômicas, garantia da liberdade da população

local e garantia do livre comércio (SCHIMMER; PAVLAKIS, 2010). Porém, o rei belga não

seguiu tais medidas, adotando decretos nos quais escravizariam o povo congolês e

monopolizaria toda a extração do marfim e da borracha. Para manter o controle da região foi

criado uma força militar, chamada de Force Publique, que era composta por soldados brancos

e eram utilizados para combater milícias, forças externas e também garantir que os nativos

cumprissem com seu trabalho forçado (CASEMENT, 1904). Com a invenção do veículo

motorizado, a demanda mundial por borracha aumentou, intensificando também sua

exploração e, consequentemente, a brutalidade com o povo congolês.

Durante a existência do Estado Livre do Congo, entre 1885 e 1908, a Force Publique

promoveu inúmeras atrocidades aos nativos, o que chamou a atenção do governo britânico. As

denúncias de que direitos humanos estavam sendo violados forçaram o parlamento britânico

estabelecer uma investigação oficial da situação no Congo, o que resultou em um relatório de

60 páginas elaborado pelo cônsul inglês E.D. Morel, explicando detalhadamente a situação

em que o país se encontrava. Quando o relatório chegou ao conhecimento público gerou-se

um escândalo internacional. Não tendo mais escolhas, Leopoldo foi obrigado a vender suas

propriedades congolesas ao governo belga que, em 1908, renomeou a nova colônia de Congo

Belga (CASEMENT, 1904).

Após ser transferido para o governo da Bélgica, o Congo Belga permaneceria no

controle do parlamento até o ano de 1960. Com a mudança do século, novos produtos foram

demandados e a exploração ainda estava presente sobre a população congolesa. As medidas

tomadas pelo parlamento Belga para a administração do Congo resultaram em um crescente

espírito de luta por independência. Após a onda de descolonização seguida da Segunda

Guerra Mundial (1939 – 1945), a pressão sobre o Governo Belga pela independência do

Congo ficou cada vez maior. No dia 30 de Junho de 1960 era declarada a independência do

país (ZIEMKE, 2013).

Após a transição conturbada, o Congo conseguiu estabelecer um regime de

organização política parlamentarista, passando por seu primeiro processo eleitoral em 1960

com a vitória do partido Mouvement National Congolais (MNC) eleito com maior número de

cadeiras no parlamento e seu líder, Patrice Lumumba, escolhido como o primeiro ministro.

Com falta de recursos para auxiliar o país, Lumumba se voltou para a então União Soviética

procurando suporte, provocando certo temor para os Estados Unidos que, em meio à Guerra

Fria, temia com a possível ascensão de um governo comunista em um país territorialmente

Page 14: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

3

expressivo como o Congo. O temor da ascensão comunista fez com que os EUA se

organizassem e providenciassem apoio para um golpe de estado executado por Joseph

Mobutu, também conhecido como Mobutu Sese Seko (ZIEMKE, 2013).

Em 1961, com menos de um ano de cargo, o então primeiro ministro eleito Patrice

Lumumba fora deposto e executado por Sese Seko e suas forças revolucionárias. Mobutu

assumiu o cargo de presidente em 1965, após eliminar todos seus inimigos políticos, ficando

no poder por 22 anos. Durante esse tempo, Mobutu promoveu a africanização do Congo,

forçando culturas tribais à sociedade e condenando a cultura europeia adotada ao longo da

história. Como parte deste processo, houve a mudança do nome do país para Zaire.

Externamente a comunidade internacional possuía uma imagem positiva de Mobutu e isso

permitia que o mesmo conseguisse manter seu governo, porém ao passar dos anos, as

atrocidades que Mobutu executava contra sua população, como escravidão, assassinatos e

sequestros, ficaram mais evidentes e os países que o auxiliavam retiraram gradualmente os

apoios financeiros que mantinham (ZIEMKE, 2013).

Com menor apoio internacional, Mobutu enfrentou graves problemas internos e forças

revolucionárias apoiadas por países vizinhos se fortaleciam. A rebelião começou em 1996,

entre as forças de Laurent Desiré Kabila contra as forças do Presidente Mobutu Sese Seko. As

forças de Kabila, apoiadas por Uganda e Ruanda, tomaram a capital Kinshasa em 1997 e

renomearam o país para República Democrática do Congo.

Em 1998, uma rebelião contra o governo de Kabila começou nas regiões do Kivu.

Dentro de algumas semanas, os rebeldes tinham tomado vastas áreas do país. Angola, Chade,

Namíbia e Zimbábue prometeram ao Presidente Kabila apoio militar, enquanto os rebeldes

mantiveram objetivo o controle sobre as regiões orientais. Ruanda e Uganda apoiaram o

movimento rebelde denominado União Congolesa para a Democracia (RCD).

Com a continuidade das atrocidades do conflito, o Conselho de Segurança da ONU

pediu um cessar-fogo e a retirada das forças estrangeiras e os estados exortados a não

interferir nos assuntos internos do Congo. Para consolidação deste processo, em 1999 foi

criada a MONUC e em julho de 2010 o Conselho de Segurança renomeou a missão para

MONUSCO com o objetivo de refletir a nova situação que o país estava passando,

principalmente por conta fortalecimento de grupos paramilitares no país.

As Operações de Paz da ONU e a Atuação do Brasil na RDC

As operações de paz da ONU são um mecanismo utilizado para auxiliar os países

devastados por conflitos e catástrofes a criar condições para alcançar a estabilidade e a paz

duradoura.

De acordo com os registros históricos do United Nations Information Centre (2009), a

primeira missão de paz da ONU (Peacekeeping Operations), foi estabelecida em 1948, com

aprovação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, autorizando a preparação e o envio

de militares da ONU para o Oriente Médio, objetivando monitorar o Acordo de Armistício

entre Israel e seus vizinhos árabes. Desde então, 63 operações de paz das Nações Unidas

foram criadas.

Segundo o documento “A ONU e a Paz”, do Centro de Informações das Nações

Unidas (UNIC, 2009):

“Ao longo dos anos, as operações de paz evoluíram para

atender as necessidades de diferentes conflitos e panoramas políticos.

Criadas na época em que as rivalidades da Guerra Fria frequentemente

paralisavam o Conselho de Segurança, os objetivos das operações de

paz da ONU eram a princípio limitados à manutenção de cessar-fogo e

Page 15: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

4

alívio de tensões sociais, para que os esforços em nível político

resolvesse o conflito por vias pacíficas. Estas missões consistiam em

observadores militares e tropas equipadas com armamento leve, com a

função de monitorar e ajudar no cessar-fogo e em acordos de paz

limitados”.

Com o fim da Guerra Fria, o contexto estratégico para as tropas de paz da ONU

mudou dramaticamente, fazendo com que a Organização expandisse seu campo de atuação,

de missões “tradicionais” envolvendo somente tarefas militares a complexas operações

“multidimensionais” criadas para assegurar a implementação de abrangentes acordos de paz e

ajudar a estabelecer as bases para uma paz sustentável. Hoje as operações realizam uma

grande variedade de tarefas, desde ajudar a instituir governos, monitorar o cumprimento dos

direitos humanos, assegurar reformas setoriais, até o desarmamento, desmobilização e

reintegração de ex-combatentes. (UNIC, 2009).

Segundo Bigatão (2009, p.3), “muito se discute a respeito da terminologia e dos

conceitos que abarcam as missões de paz. Tendo em vista que a Carta da ONU não faz

referência explícita a este tipo de ação, nem a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança

possuem resoluções específicas que contemplam o assunto [...]”. No entanto, tomando como

base os documentos “Uma Agenda para Paz”, apresentado pelo Secretário-Geral da ONU,

Boutros Boutros-Ghali, em 17 de junho de 1992, e “Suplemento de uma Agenda para a Paz”,

em janeiro de 1995, os conceitos gerais das missões de paz podem ser considerados como a

diplomacia preventiva, que tem como objetivo prevenir o surgimento de disputas entre

Estados; promoção da paz, que são ações diplomáticas empreendidas após o início do

conflito, visando à negociação entre os beligerantes para a suspensão das hostilidades;

manutenção da paz, que são as ações empreendidas por militares voluntários dos Estados-

membros das Nações Unidas, policiais e civis no terreno do conflito, com o consentimento

das partes, objetivando a implementação ou o monitoramento do controle dos conflitos (e.g.

cessar-fogo, separação de força), bem como sua solução, isto é, acordo de paz; imposição da

paz, que tem seu caráter respaldado pelo capítulo VII da Carta da ONU, cujo ofício inclui o

uso de forças armadas na manutenção ou na restauração da paz e segurança internacionais; e,

por fim, a consolidação da paz, executadas após a assinatura de um acordo de paz, visando

fortalecer o processo de reconciliação nacional através da reconstrução das instituições, da

economia e da infraestrutura do Estado anfitrião.

O Brasil participa ativamente de missões de paz das Nações Unidas desde 1947

quando oficiais brasileiros foram enviados para o Comitê Especial das Nações Unidas para os

Balcãs (EXÉRCITO BRASILEIRO, 2013).

Contemporaneamente, a missão de paz da qual o Brasil teve grande expoente foi a

chamada MINUSTAH (Mission des Nations Unies pour la Stabilisation en Haiti), uma

missão de grande porte iniciada em 2004, após o presidente Bertrand Aristide ter sido exilado

do Haiti após o inicio de um conflito armado que se deflagrou pelo país.

Segundo Rezende (2010), o teor da participação brasileira na MINUSTAH é distinto

das demais, não só em número de efetivos envolvidos como em tipo. O terremoto que

devastou o país em 12 de janeiro de 2010 o qual resultou na morte de aproximadamente

220.000 mortes agravou a situação do país, principalmente em termos econômicos e de

infraestrutura. O objetivo principal da missão, de acordo com a resolução 1908 do Conselho

de Segurança das Nações Unidas de 19 de Janeiro de 2010, é dar suporte a uma recuperação

econômica, infraestrutural e estabilidade política do país.

Já a MONUC (United Nations Organization Mission in Democratic Republic of the

Congo) de 30 de novembro de 1999, possui um caráter completamente diferente da

MINUSTAH. O objetivo principal da MONUC primeiramente era a manutenção do acordo de

Page 16: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

5

cessar fogo entre a República Democrática do Congo e cinco Estados Africanos (Angola,

Namíbia, Uganda e Zimbábue) após os genocídios de Ruanda, e os conflitos entre Tutsis e

Hutus de 1996 e 1998 respectivamente. E, como esclarecido anteriormente, configurando

como uma nova fase da atuação da ONU no Congo estabelece-se o mandato de criação da

MONUSCO.

Esta nova missão, diferentemente da MINUSTAH e de sua antecessora MONUC, está

autorizada a utilizar de todos os meios necessários, dentro de seu mandato, a fim de proteger a

população civil, defensores dos direitos humanos e o pessoal da ajuda humanitária presente no

país, de todo e qualquer tipo de violência, seja ela física, psicológica e/ou sexual e dar suporte

ao governo da República Democrática do Congo no processo de estabilização e consolidação

da paz (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL 2010; 2013).

Observando esta conjuntura, a liderança da força militar da missão por parte de um

comandante brasileiro pode se configurar como um avanço na iniciativa internacional

brasileira para legitimar sua competência na participação da agenda de segurança e no pleito

do Brasil por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

De acordo com Vargas (2008), a reforma no Conselho de Segurança tem se

apresentado como uma das prioridades de atuação internacional brasileira. E entre as quatro

argumentações2 centrais para justificação desta iniciativa, está a atuação legitimadora

credencial utilizando-se das aptidões e capacidades comprovadas de atuação brasileira nas

missões de paz da ONU para justificar seu pleito.

Tal característica acompanha, por exemplo, o tipo de argumentação propalada durante

as gestões ministeriais de Celso Amorim tanto na pasta de Relações Exteriores no governo

Lula (2003 – 2010) quanto atualmente como Ministro da Defesa nas iniciativas do país no

pleito pelo assento permanente no Conselho de Segurança. Tal afirmação é respaldada pelas

próprias argumentações de Amorim (2011) apresentando as credenciais brasileiras baseado no

porte econômico no país, na atuação mediadora com o Irã e a Turquia no Acordo de Teerã

(2010), além da manutenção da paz na região da América do Sul, das contribuições

financeiras para a Organização das Nações Unidas e da participação nas missões de paz, como

foi o próprio caso da MINUSTAH (VARGAS, 2008).

Nesta percepção, a liderança militar do Brasil na MONUSCO, embora não utilizando

todo o contingente que foi aplicado na missão de paz do Haiti, se insere como outra

participação agregadora credencial para o país amplificando o respaldo do apoio brasileiro

pela reforma do Conselho de Segurança da ONU e de sua inserção como membro

permanente.

A MONUSCO é uma das maiores e mais importantes missão de paz da ONU. O

conflito na RDC é complexo e já perdura há anos. O sucesso brasileiro na MINUSTAH e a

sua diplomacia capaz de intermediar negociações onde certas vezes o CSNU não consegue

atuar foram elementos que influenciaram na escolha de um general brasileiro para comandar a

missão na RDC.

Existe uma preferência brasileira na resolução de conflitos de maneira multilateral e

pacífica. Através da participação nas missões de paz da ONU, o Brasil busca criar um

ambiente onde sua integração seja necessária, corrigindo o desequilíbrio internacional e sendo

um “trampolim” em direção ao desejado status de grande potência (FLEMES, 2010). Esse

caráter pacifista e alta capacidade de diálogo são fatores que o Brasil também utiliza para

argumentar a necessidade de reforma no CSNU.

2 Além da argumentação credencial citada, o Brasil também faz uso da legitimação geral pela

representatividade, a legitimação doméstica e a legitimação credencial (VARGAS, 2008,

p.121).

Page 17: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

6

A participação brasileira nas missões de paz da ONU e a liderança na MONUSCO

atuam como instrumentos da política externa brasileira ao demonstrar a vontade brasileira em

adquirir maior responsabilidade no plano internacional e o fato de estar preparado para o ônus

que um assento no CSNU pode gerar (DINIZ, 2006).

Portanto, o posicionamento brasileiro frente a MONUSCO aumenta a margem de

manobra e fortalece o discurso da política externa brasileira ao pleitear um assento no CSNU.

O Brasil por meio da participação nas missões de paz da ONU consegue demonstrar à

comunidade internacional a sua vontade em otimizar sua atuação na área de segurança

internacional, sendo reconhecido como grande potencia e estando disposto a arcar com os

custos desse reconhecimento.

Page 18: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

7

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O BRASIL FRENTE ÀS AMEAÇAS CIBERNÉTICAS

Resumo

O presente artigo tem o objetivo de abordar os novos conflitos, enfocando os cibernéticos, recorrendo à análise da evolução da segurança internacional para posteriormente observar como o Estado brasileiro evoluiu dentro deste contexto, partindo de uma lógica dedutiva e de um levantamento bibliográfico. Fundamentada nas principais teorias sobre defesa e segurança, é possível compreender as discussões sobre as ameaças cibernéticas bem como os motivos que pequenas organizações, sejam criminosas ou terroristas, utilizam a internet para causar dano a determinado Estado ou de um próprio Estado em relação ao outro. Uma questão importante para a construção desse cenário foi a revolução tecnológica de 1980, que modifica o paradigma do Complexo de Segurança Industrial iniciado nos Estados Unidos no pós Segunda Guerra mundial para arranjo de segurança informacional e isso se espalha gradualmente para o resto do mundo, assim emergindo as cyber guerras, desafiando os Estados a construírem Centros de Defesa virtuais. Nesse cenário o Brasil segue seu princípio pacifista, pronunciado na sua constituição, porém busca alinhar-se a essas novas configurações do sistema internacional, almejando uma consolidação na sua política de cyber defense.

Palavras-chaves: cyber defense; cyber terrorismo; novas ameaças.

1 - Introdução O presente trabalho abordará a evolução dos Estudos de Segurança Internacional e

suas implicações para as políticas de segurança e defesa cibernética no Brasil, analisando como a Segurança Internacional evoluiu desde o fim inesperado da Guerra Fria e a influência que exerceu nas decisões dos formuladores de políticas do país.

Em um primeiro momento será trabalhada a evolução dos estudos, que passaram após a Guerra Fria por uma reformulação necessária para a adaptação às novas ameaças que se configuravam naquele momento. As ditas novas ameaças não nasceram com o Fim da Guerra Fria, mas passaram, naquele momento, a mostrar sua importância assumindo predominância nos estudos.

São apresentadas algumas influências que tornam a segurança internacional tão rica e complexa, haja vista as várias escolas que passam a discutir o tema como a Escola de Copenhague, que a partir de uma análise de discurso busca tornar as políticas mais reais, com uma conexão direta com a prática, onde segurança societal é uma variável de análise singular da teoria e o conceito de securitização também assume importante papel para dar celeridade às políticas.

Outra escola que contribui para os avanços nos estudos é a Segurança Humana, que eleva a idéia de desenvolvimento humano para além do Estado, tornando esse o objetivo central da teoria de segurança internacional trabalhada por essa vertente. O destaque para essa escola é o seu grau de institucionalização sendo atestado pela iniciativa da ONU em criar um programa voltado para o tema.

Será feito ainda uma abordagem sobre o Nacional Realismo que não pode simplesmente ser excluído das agendas de segurança e defesa e onde o próprio Brasil, por diversas vezes, utilizou-se de premissas realistas para dar suporte às suas políticas e, mesmo que essa não seja a teoria dominante, ela é imprescindível para as Forças Armadas.

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Em um segundo momento será apresentado uma concepção de novas ameaças, dentre elas o terrorismo internacional, conflitos étnicos, tráfico internacional de drogas e as centradas, principalmente, nas de caráter cibernético, analisando conceitos e termos elaborados ao longo dos anos a fim de se compreender os novos paradigmas dos conflitos atuais.

Durante o pós Segunda Guerra mundial as Forças Armadas estavam baseadas em um Complexo Industrial Militar porém, com a revolução tecnológica dos anos 1980, passa a ser fundamentada em um arranjo de segurança informacional e de inteligência, onde a tecnologia da informação e comunicação passam a ser estratégicas para qualquer setor das Forças Armadas.

Como a internet é um ambiente que não pode ser totalmente controlado pelo Estado, abre espaço para novas ameaças que são os Crackers, Hacker Ativistas e Cyber Terroristas, os quais utilizam a rede mundial para suas finalidades. Isso é possível, pois na internet existe a Deep Weeb, em que todo o conteúdo é criptografado e não pode ser identificado pelo seu TCP-IP (Transmission Control Protocol-Internet Protocol).

As políticas, portanto, que o Brasil utiliza para o que se convencionou chamar de cyber defense tem seu início com a criação da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) em 1999, órgão que presta assessoramento a Presidência da República e incumbe-se da segurança do país em termos de acesso à informação. Com o aumento da insegurança nas redes de informação criou-se o Livro Verde, que serviu de subsídio para a criação da plataforma cibernética criada em 2010, com relação aos casos de espionagem, principalmente com os acontecimentos mais contemporâneos como o caso de Snowden, que expôs os Estados Unidos e o colocou em situação embaraçosa em relação ao Brasil e ao resto do mundo.

2 - Evolução da Segurança Internacional: Inserção de Novos Conceitos Os estudos acerca da Segurança Internacional são extremamente importantes para a

formulação e execução de políticas de defesa nos Estados Nacionais. Entender a evolução desses estudos e absorver os novos conceitos que eles trazem são fundamentais para perceber as mudanças que o sistema internacional sofreu ao longo da história. Antes, no entanto, é necessário salientar que a Segurança Internacional não é uniforme e recebe influências e recortes de outras teorias e escolas, como as Relações Internacionais por exemplo.

Em um primeiro momento faz-se necessário esclarecer a diferença entre segurança e defesa, para que não se confunda uma ou outra dentro das políticas de Estado. Para Cervo segurança é "um estado ou condição em que se estabelece a nação e está a cargo dela e de todas as forças disponíveis". A defesa por sua vez "é um conjunto de meios e ações que compõem a segurança nacional e está a cargo das Forças Armadas, de acordo com a Constituição" (CERVO, 2008).

Para o Exército brasileiro Defesa Nacional é um conjunto de ações do Estado que visa proteger o território, a soberania e os interesses nacionais de ameaças externas, a ênfase aqui é para o poder das forças armadas. Para a Escola Superior de Guerra (ESG) segurança "é o estado de garantia da sobrevivência e estabilidade dos indivíduos, comunidades, nações e grupos de nações, em clima que permita o seu desenvolvimento e a realização do seu potencial, em um ambiente saudável para as gerações presente e futuras" (PINTO, ROCHA, SILVA, 2004).

Feita a diferenciação dos dois termos pode-se partir para a análise da evolução da segurança internacional para então se observar como o Estado brasileiro evoluiu diante desse quadro e como vem se comportando com o recente vazamento de informações que adiantam uma iniciativa norte americana de espionagem sobre o Estado brasileiro.

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Após o fim da Guerra Fria os estudos precisavam de um novo fôlego para explicar não só aquele acontecimento bem como outros que se configuravam no interior dos Estados. Explicar como um embate que durou décadas e tornou o sistema internacional tão instável havia terminado sem um grande confronto direto entre as duas superpotências da época (Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS) não era explicado pelo paradigma dominante: o Nacional Realista.

Passou-se então a analisar a segurança de uma forma que contemplasse a série de novos eventos que estavam acontecendo no mundo e notou-se então duas mudanças. A primeira é que não mais se podia trabalhar de forma restrita, o conceito deveria ser alargado para que acolhesse a gama de novas ameaças que os Estados precisavam enfrentar, não se podia mais tratar as questões de segurança e defesa nacional apenas em termos de poder e de proteção e manutenção de soberania e território.

A segunda mudança é com relação à forma dessas ameaças e seus atores, os conflitos passam de fora para dentro dos Estados, as questões territoriais já não causam o mesmo temor, ou seja, o ator das ameaças também muda. As ameaças vem de dentro dos Estados e muitas vezes as que vem de fora não estão ligadas a um Estado Nacional, como é o caso das ações de grupos terroristas1.

A explosão de conflitos étnicos, o avanço de redes terroristas e de tráfico internacional de drogas, o foco no meio ambiente e na segurança societal ampliaram as agendas de segurança dos Estados e conseqüentemente suas ações relacionadas à defesa. Todo o aparato estatal precisava se adaptar de forma rápida às novas ameaças internacionais que agora estavam mais próximas das fronteiras estatais.

Assim como enfrenta uma série de novas ameaças, os estudos também recebem a influência de várias escolas que buscam entender e explicar esse novo momento da ordem internacional. Dentro desses estudos podem ser citados a Escola de Copenhague e os Estudos da Segurança Humana.

Recebendo uma grande influência dos construtivistas, a Escola de Copenhague traz para análise a ideia de securitização e ainda de divisão dos temas por setores, explicando que as ameaças (ou percepções dela) mudam de acordo com os Estados afetados. O conceito de securitização2 tende a dar maior agilidade às decisões do Estado.

Outro ponto importante é que a Escola de Copenhague deixa clara é a necessidade do Estado e da sua ingerência não o excluindo como diversas outras fizeram no fim da Guerra Fria. Vale ressaltar a grande importância que o discurso tem nessa teoria, que diz tratar de ameaças reais devido sua ligação tão especifica com discursos, principalmente os relacionados à defesa nacional.

A Escola de Copenhague trata ainda da segurança societal, que pode ser conceituada da seguinte forma: "a capacidade de uma sociedade persistir com seu caráter essencial sob condições cambiantes e ameaças possíveis ou reais"(Waever, apud Buzan, 2012). Esse conceito foi uma tentativa de se inserir a variável humana nas questões de segurança, no fim anos 1980, que estavam claramente interessadas apenas nas questões ambientais e econômicas.

Outra Escola que leva suas influências para os estudos de Segurança Internacional a Segurança Humana tem como foco central a pessoa humana e busca o desenvolvimento humano. Com um grau de institucionalização dado pelo Programa das Nações Unidas para o

1 Vale destacar que ações terroristas não são exclusividades de grupos independentes podendo ser realizadas por Estados Nacionais. 2 Securitização é o processo pelo qual determinado objeto é tratado como uma ameaça existencial, retirando-o da esfera política de modo a legitimar ações fora dos procedimentos legais do Estado, isto é, uma politização extremada, o objeto passa então a fazer parte das políticas de segurança de forma rápida (AZEVEDO,2007).

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Desenvolvimento (PNUD) essa escola foi trazida para estudo justamente pelo fato do Brasil transitar durante a sua história por fases de segurança estritamente alinhada ao desenvolvimento, seja ele nacional ou da sua sociedade.

Para David a segurança humana engloba a "segurança pessoal, coletiva, econômica, alimentar, meio ambiente e dos cuidados com a saúde"(DAVID, 2001, p.82). O Estado nesse caso passa a não mais ser o objeto, mais sim o ator que promove a segurança para seus cidadãos.

O Nacional-Realismo também pode ser encontrado na historia das políticas de segurança e defesa do Brasil. Transitando por um alinhamento e um distanciamento com os Estados Unidos o país sempre colocou sua soberania e interesses territoriais a frente dos interesses norte-americanos. O Estado brasileiro buscou em momentos de conflitos mundiais um alinhamento com os Estados Unidos, principalmente quando esse alinhamento rendia frutos para o desenvolvimento do país. Quando notava seus interesses em conflito o Estado acabava se voltando para sua segurança regional e se distanciava dos americanos, exercendo portanto sua influência na América do Sul.

O grande desafio atualmente é conciliar os interesses nacionais e o papel de líder na América do Sul, com o avanço das novas ameaças e principalmente com os problemas de segurança interna que o Estado enfrenta ultimamente. Um grande desagrado para o país foi o recente vazamento de informações que afirmam existir uma espécie de vigilância norte americana no Brasil por meio do ciberespaço.

Os avanços tecnológicos figuram entre os temas sensíveis que envolvem Brasil e Estados Unidos, seja na questões da utilização da tecnologia nuclear para fins pacíficos, como aconteceu na assinatura por parte do Brasil ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), onde o Brasil relutou o quanto pôde afirmando ser este uma forma de refrear o desenvolvimento nacional. O que se busca aqui é mostrar que a ameaça pode mudar de acordo com a forma como essas novas tecnologias são utilizadas, e ainda de acordo com os setores mais sensíveis de cada Estado.

Mesmo com todos os problemas enfrentados pelo Brasil, ele nunca rompeu com seu acumulado histórico de não-intervenção, resolução pacífica de controvérsias, respeito às soberanias estatais e tratados internacionais. O Estado sempre busca de forma pacífica resolver suas contendas, assim como está fazendo atualmente com relação ao mal estar criado pelos Estados Unidos. O que não se pode esquecer porém é que outra característica, e esta presente no Exército brasileiro é a dissuasão que deve se fazer presente quando os interesses nacionais e a sua soberania forem ameaçados.

O Livro Branco de Defesa Nacional traz o setor cibernético como setor estratégico para a segurança do país, salientando que deve-se buscar a confidencialidade, integridade e autenticidade dos dados que trafegam pela internet. Assim como traz o Sistema de Inteligência de Defesa (SINDE) que busca integrar planejamento e execução nas atividades de defesa (BRASIL, 2012).

Outro instrumento importante para a segurança e defesa no espaço cibernético trata-se do Livro Verde de Segurança Cibernética, traz dentre outras diretrizes um conceito do que seria segurança cibernética assim apresentado como: "a arte de assegurar a existência e a continuidade da Sociedade da Informação de uma Nação, garantindo e protegendo, no Espaço Cibernético, seus ativos de informação e suas infra-estruturas críticas"(BRASIL, 2010)

Fica claro aqui que o Brasil possui preocupações com o setor cibernético, e que as presentes intervenções norte-americanas são sim uma afronta a soberania nacional e que devem elevadas ou securitizadas pelo país na tentativa de uma maior defesa desse espaço em constante desenvolvimento.

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3 - Novas ameaças Tradicionalmente as principais ameaças para os Estados são conflitos étnicos, o

avanço de redes terroristas e de tráfico internacional de drogas, contudo com a emergência das tecnologias da informação e comunicação aqueles se adaptaram, assim o presente artigo discute sobre a criação de novos paradigmas na guerra com os ciber conflitos, bem como a posição do Brasil nesse quadro, para isso é indispensável conhecermos quais são os subtipos de hackers,e o cyber terrorismo.

A revolução das tecnologias da informação e comunicação modificou a vida da maioria dos indivíduos no mundo, isso se estendeu a guerra em que o acesso a informação é de importância fundamental, assim ocorre no início do século XXI o surgimento de um novo tipo de combate, do inglês warfare, as Ciber Guerras, cyber war, para podermos termos conhecimento teórico a respeito dessa novidade é preciso saber a localização do campo de batalha cibernética e os atores envolvidos, bem como a posição do Brasil nesse cenário.

Em decorrência da relevância das redes de computadores os novos campos de batalha, warfare, implica um novo paradigma para o Estado e as forças armadas a “defesa cibernética”, para isso grandes potências estão transformando as guerras, em primeiro lugar tecnologicamente, centrado em alta tecnologia militar com aviões não tripulados, os Drones; munições guiadas por satélite; sistema de vigilância e comunicações eletrônica.

No segundo lugar com um novo pensamento estratégico militar substituindo grandes aparatos militares, para unidades autônomas e pequenas que agem de maneira rápida com informações em tempo real, e com alto poder de fogo, para combater as ameaças assimétricas que podem ser tanto internas como externas, este pensamento advém dos centros de estudos militar dos EUA e OTAN e são denominadas de “enxameamento”, como inexiste uma linha de frente nesses conflitos representa uma versão high tech das guerrinhas. (CASTELL, 2013)

As guerras de quarta geração em que os Estados deixam de ser os protagonistas com a entrada de novos atores como exemplo organizações terroristas, grupos de hackers que utilizam a internet para prejudicar indivíduos e até mesmo instituições, por isso são denominados de conflitos irregulares, bem como assimétricos pois haver uma diferença expressivo das forças, assim nessa nova ordem são fatores estratégicos além do conhecimento geográfico, os serviços de inteligência e as inovações tecnológicas.

As inovações tecnológicas dependem de parcerias público privadas, é a recíproca e a mesma, assim diante das ameaças terroristas e de ataque cibernético é necessário empresas que atuem desde o desenvolvimento de tecnológicas bélicas com capital e mão-de-obra especializada, ou até mesmo para instituições que prestam serviços de mercenários como ocorreu em conflitos do Iraque, este fato de sair do controle estatal para o das empresas e denominado de privatização da guerra. (BELLINTANI, 2013)

A ciber guerras é uma realidade nesse estudo se destaca Richard Clarke, que define ciber guerras como “actions by a nation-state to penetrate another nation’s computers or networks for the purposes of causing damage or disruption”, "Ações de um Estado-nação para penetrar computadores ou redes de outra nação para fins de causar danos ou interrupção ", nesses novos conflitos o teatro de operações são descentralizados, pois o tempo de contra ataque é abreviado, assim é necessário tomadas de decisões rápidas diferentes do teatro de operações centralizadas das guerras tradicionais, embora os principais atores estão fisicamente no Estado os ataques virtuais são difícil de rastrear. (CLARKE, 2010)

Para melhor compreensão da mudança de Warfare no mundo, podemos recorrer a história recente dos Estados Unidos, no que tange os complexos de segurança e defesa, que passa por momentos distintos: primeiro o pós segunda guerra mundial com Complexo Industrial Militar; segundo a passagem da tecnologia militar para o uso civil com a revolução

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tecno-científica dos anos 1980; e terceiro é atual Complexo de Segurança da Informacional e de Inteligência.

No primeiro momento, pós-segunda guerra, as forças armadas estavam baseadas no Complexo Industrial Militar, expressão pronunciado no último discurso do presidente republicano Dwight D. Eisenhower (1953-1961), como uma ameaça a defesa do país, em virtude do perigo de se criar conflitos em que os interesses das empresas se sobreponham ao interesse estatal, o segundo momento acontece na transição da tecnologia militar para o uso civil, devido a Revolução Tecno-científica dos anos 1980, que beneficiou sobretudo a indústria de tecnologia de comunicação.

No terceiro momento no cenário pós 11 de setembro de 2001 com o lema de “Guerra ao terror” de Bush, a Agência Nacional de Inteligência em inglês ANS, uma das agências de espionagem norte-americana, tornou-se líder em tecnologia de inteligência aplicada em radares e satélites para coleta de dados em sistemas de telecomunicação, tanto na internet pública como privada. Essa organização tem como missão institucional “servir em silêncio”, para isso criaram dois programas de espionagem sofisticado, em que trabalhavam tanto militares como civis.

Os EUA não contava que os programas eram falíveis, Eduard Snowden, ex-analista de informática de uma empresa terceirizada da ANS, liberou para imprensa documentos sigilosos para demonstrar o quanto os norte-americanos eram vigiados através de dois software, o primeiro denominado Prism, permite acesso da ANS aos e-mails e conversas online, de empresas como Facebook, Google, Microsoft e YouTube.

O segundo é o softwere Fairview, que viabilizou a coleta de dados em redes de comunicação no mundo todo, este programa na prática não era possível saber a quantidade de pessoas no Brasil que foram vigiadas, contudo este país era um alvo prioritário no tráfego de telefonia de dados (origem e destino), na mesma situação está China, Rússia, Irã e Paquistão.

De acordo com as questões acima citados, as forças armadas entram em um arranjo de segurança informacional e de inteligência onde o alvo não é somente a defesa do país, mas também a segurança de seus cidadãos que tiveram suas informações espionadas, esse complexo também é caracterizado por sua parte física com a utilização de armas modernas, como exemplo os veículos aéreos não tripulados (VANT), os quais são utilizados para o uso civil e em fazendas.

A inteligência e espionagem se tornaram tão relevantes para atualidade, como a pólvora foi para os conflitos do século XVI e XVII, vale mencionar que existe uma diferença entre inteligência e espionagem, enquanto a primeira se refere a sistemas abertos sujeito a análise dos usuários, ao passo que o segundo corresponde a 10% desse complexo, classificado como espionagem, informação que são utilizadas por hackers é que não seguem nenhuma lei, assim temos a questão das ciber guerras.

Dentro do ciberespaço existe um espaço em que o usuário comum utiliza, representando 20%, ou passo que os80% do conteúdo na internet esta na DeepWeeb (internet profunda), é o conjunto de recursos de informação na World Wide Web não relatados pelo motores de busca normais, nesse ambiente todo o conteúdo e criptografado e não pode ser identificado o TCP-IP (Transmission Control Protocol-Internet Protocol) , assim todos referidos hackers utilizam para suas finalidades, na DeepWeeb por ser um território sem lei são desenvolvidos desde atividades criminosas até a construção de vírus para os ciber ataques. (PAGANINI, 2012) As ameaças podem serem de origem interna ou externa, nesse ambiente hostil é necessário compreender que existe diferentes tipos de hackers: existe os hackers que utiliza a internet para fins pacíficos como a construção de software; os Crackes do contrário utilizam a internet para praticas criminosas como roubar senha de cartão de crédito; os Hackers ativistas utilizam a internet para protestar sua ideologia como a Luz tec, Ciber Punks e Anonymous; os Ciber terroristas orquestram ataques utilizando a rede mundial de computadores.

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Diante desse cenário difuso é de extrema importância para a segurança do usuário comum os “Hackers soldados”, pois são responsáveis por defender o seu país de ataques virtuais por meios de plataformas de defesa, a sua atuação pode ser de caráter ofensiva atacando pretensos inimigos como nos EUA, ou defensivo como exemplo o Brasil. Os “soldados virtuais” são bem qualificadas, de forma geral é tolerável a admissível de civis com notável saber da informática, desde que estejam de acordo com a doutrina das forças armadas do país a que serve, pois o profissional desta área trabalha em um ambiente em que a confiança é indispensável.

Diante desse quadro cada vez mais instável no plano internacional, onde as ameaças agora fluem de formas mais sutis através de redes de informação que tendem a ser mais interligadas e acompanham o ritmo acelerado da globalização, o Brasil tem novos desafios a enfrentar pois não está à margem dessas novas mudanças e tanto no aspecto jurídico como operacional precisa estar preparado para responder a qualquer eventual ataque.

O terrorismo segundo Raposo (2007) não está tipificado na legislação brasileira, porém no ano de 2007 o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República encaminhou um anteprojeto ao Ministério da Justiça estabelecendo a primeira lei brasileira contra o terrorismo e seu financiamento, ficando a cargo do Congresso Nacional a decisão final nas votações.

No entanto, com a chegada da informática ao Brasil na década de 1950 trazida por uma indústria internacional de hardware, uma nova porta se abre para a prática do cyber terrorismo e ciber crime como atesta o ocorrido em 23 de junho de 2011, onde o grupo hacker LulzSec derrubou o site da Presidência e do Governo do Brasil, respectivamente, anunciando guerra aberta contra todos os governos, bancos e grandes corporações do mundo. (DIAS, 2011)

Diante deste quadro é importante demonstrar em termos quantitativos a atuação dos grupos de hackers no país.

O Brasil abriga cinco dos dez grupos de hackers mais ativos do mundo. O mais agressivo é o chamado “Silver Lords”, com 1.172 invasões a sites, até agosto de 2004. Segundo estatísticas do Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança do Brasil (Cert.BR), em 2006, foram reportados 197.892 incidentes de segurança no País, contra 68.000 em 2005, o que representa um acréscimo de 191% em um ano. Até março de 2007,56.296 incidentes de segurança foram registrados. (RAPOSO, 2007)

Outros dois casos de amplitude internacional que embora não envolvessem o Brasil

diretamente mas o pôs em alerta a essa nova forma de ameaça, foi o ataque cibernético ao Irã por parte dos Estados Unidos tendo como alvo as usinas nucleares e o ataque ao governo da Estônia, que acusou a Rússia por tal ato.

Porém, há poucos meses um escândalo envolvendo a diplomacia americana veio à tona gerando um incômodo mundial. Os Estados Unidos mais uma vez apresentavam indícios de espionagem internacional ao ser denunciada por um de seus funcionários de segurança da Agência Nacional de Segurança (NSA) dos EUA, Edward Snowden.

Em maio deste ano, o especialista em tecnologia e ex-agente da CIA, Edward Snowden, concluiu seu trabalho no escritório da Agência Nacional de Segurança - NSA, situada no Havaí, e sem que ninguém soubesse copiou documentos secretos de seu país que revelam a monitoração do governo americano a seus cidadãos e após revelar tais documentos, o jovem fugiu para Hong Kong.

Diante desses acontecimentos, veio à tona para a comunidade internacional que os programas de vigilância domésticas da era Bush não haviam sido desativados pelo governo de Barack Obama e ao tomarem conhecimento da situação, autoridades federais dos Estados

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Unidos apresentaram diversas acusações formais contra o ex-agente da CIA e logo solicitaram a prisão de Snowden às autoridades de Hong Kong, onde se encontrava.

O Brasil, segundo dados divulgados pela mídia também teve milhões de e-mails e informações de instituições espionados nesse episódio, onde a presidenta Dilma pediu explicações à Washington recebendo um convite para que faça uma visita aos Estados Unidos para que o ocorrido possa ser explicado.

Como se pode observar, as ameaças relacionadas ao cyber terrorismo não advém apenas de grupos motivados por questões políticas, ideológicas ou religiosas, mas partem também de ações dos Estados nacionais, com o fim de prejudicar ou causar dano à outro Estado e diante dessa conjuntura o Brasil criou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que tem “a incumbência de participar das ações de prevenção de atos terroristas por meio de operações próprias, análises estratégicas e intercâmbio de dados e informações” (PANIAGO, 2007) bem como acompanhar os grupos terroristas internacionais e estudar seu modus operandi e suas implicações para o Brasil.

Através desses mecanismos podemos afirmar que uma política de cyber defense está em construção no Estado brasileiro, tentando acompanhar a própria conjuntura internacional e buscando consolidar-se contra ataques que possam advir da própria esfera nacional ou internacional o que, no entanto, mostra-se paradoxal, haja vista que na internet e no telefone “todas as rotas que entram e saem da América Latina passam pelos EUA. A infra-estrutura da Internet dirige 99% do tráfego que entra e que sai da América do Sul por linhas de fibras óticas que atravessam fisicamente fronteiras dos EUA.” (ASSANGE, 2013).

No Brasil o Centro de Defesa Cibernético (CDCiber) foi criado pelo Ministério da Defesa em agosto de 2010, é subordinado ao Comando do Estado Maior do Exército, tem o objetivo de proteger redes militares e governamentais e as infra estruturas críticas, para isso o CDCiber articular-se com outras instituições da internet para prover das redes públicas, este setor cibernético está sendo implantada por uma força terrestre, tendo o comando o General de Divisão José Carlos. (BRASIL, 2010)

Atualmente a instituição esta voltada para os grandes eventos, como exemplo que já ocorreu a conferencia Rio+20, e está por vir a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016, para isso serão financiados para o CDCiber R$ 400 milhões em investimentos até 2015, onde 41% destinado a estrutura e segurança de rede; 30% é investido no treinamento e capacitação do efetivo, desenvolvimento de ferramentas; 29% são distribuídos em divisões menores, como pesquisa, inteligência cibernética, sistema de criptografia, gestão de pessoas e arcabouço documental.(OLHAR DIGITAL, 2013)

Para concluir podemos analisar de maneira comparada as características principais entre as guerras tradicionais e os conflitos atuais de quarta geração.

GUERRAS TRADICIONAL NOVO WARFARE

Personagens atores estatais hackers; empresas.

Teatro de operações centralizado descentralizados

Orgão controlador estado novos atores empresas.

Soldado treinado treinado, mas também civis com competência técnica.

Ameaças simétricas Assimétricas

Exemplo 1ª guerra mundial e 2ª guerra mundial

ataques as torre gêmeas; ataques cibernáticos.

Tecnologia grande aparato militar. unidades autônomas com alta tecnologia.

Fonte: BELLINTANI (2013). Adaptações próprias.

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Considerações Finais

Após a análise da Evolução dos Estudos de Segurança Internacional e suas implicações para as políticas de segurança e defesa, nota-se que o Brasil possui traços de que segue também essa evolução no que se refere a suas políticas de defesa nacional. Mesmo quando passou por momentos conturbados em sua historia o país não rompeu com suas tradições diplomáticas, recorrendo ao uso da força apenas em casos extremos.

Entender os avanços nos estudos se faz necessário para que se possa acompanhar também a evolução do Estado e de sua sociedade. Mesmo que mude a características dos conflitos no pós Guerra Fria e principalmente no século XXI, o papel do Estado ainda é fundamental na promoção da segurança nacional. Deve-se então inserir os novos conceitos, para que as novas políticas acompanhem os eventos do sistema internacional.

Deve-se também ficar ciente das novas ameaças e suas implicações nos Estados com as novas variáveis, na sociedade. É imprescindível que um Estado conheça o que pode ameaçar sua soberania e a segurança de seus cidadãos. Para tanto é preciso que após conhecer essas ameaças que as políticas sejam rápidas, utilizando-se da securitização do tema, sem sua variável social e principalmente tendo suporte das Forças Armadas para a dissuasão das mesmas.

Nota-se então um link entre os Estudos de Segurança Internacional e o avanço das novas ameaças contra os Estados que denota a elaboração de novas políticas de segurança e conseqüentemente de defesa, para suprimir o terrorismo, a espionagem e novos possíveis ataques a soberania nacional por meio de ataques cibernéticos.

O que se observa é que o país possui sim documentos que institucionalizam proteção da área cibernética, mas ainda que esse ordenamento está em discussão e construção, carecendo ainda de muitos esforços para que esse espaço seja completamente dominado pelo Brasil. Salienta-se ainda que existem inúmeras pesquisas em andamento que objetivam atualizar as políticas formuladas.

Finalmente pode-se inferir que o Brasil busca por uma política efetiva de segurança cibernética, mas enquanto isso não ocorre continua usando sua diplomacia para resolver possíveis embaraços, como foi o caso do vazamento das informações que admitem existir vigilância norte americana no Brasil. A posição do Estado brasileiro se mantém cautelosa e esperando possíveis explicações sobre o fato.

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Page 30: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

1

Brasil: O Conselho de Segurança da ONU e Poder Militar

Hermínio Nadalon Neto1

Lucas Mendes da Silva2

Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), Resende, Rio de Janeiro, Brasil

RESUMO

O presente artigo objetiva apresentar a relação entre dois projetos de Estado do Brasil

em dois planos distintos. O primeiro projeto é, por excelência, um objetivo a ser alcançado

pela Política Externa Brasileira (PEB) que é a obtenção de um assento permanente no

Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), o segundo trata da recomposição e

ampliação do poder militar nacional consubstanciada pelos documentos publicados pelo

governo federal para o setor de defesa, mas que dependem da eficácia na execução de

políticas públicas para o referido setor. Ambos os projetos retratam a conjuntura vivida pelo

Estado brasileiro que de um lado almeja melhorar sua influência no plano político

internacional e por outro percebe a necessidade de estar preparado em melhores condições

para os desafios em um ambiente que tende a um período de maior instabilidade a partir do

término da Guerra Fria e de um possível reordenamento mundial. Para atender ao objetivo do

presente trabalho foi utilizada a pesquisa bibliográfica em trabalhos acadêmicos como artigos,

livros e dissertações. Como resultado é apresentado a necessária articulação das políticas de

defesa e externa para a consecução dos objetivos de Estado do Brasil bem como a superação

de antagonismos internos oriundos da velha ordem mundial no plano doméstico do país.

1 INTRODUÇÃO

Inicialmente, para que seja possível o entendimento do presente trabalho se faz

necessário adotar uma conceituação de poder. Um dos conceitos mais utilizados talvez seja o

que fora balizado por Max Weber segundo o qual “poder” significa “toda a probabilidade de,

dentro de uma relação social, impor a vontade própria mesmo em oposição à resistência, seja

qual for o fundamento dessa probabilidade” (WEBER, 2010, p. 102). É uma abordagem

simples, mas que permite entender que a imposição da vontade pode ser feita, ao menos, sob

duas formas: com ou sem o uso da coerção, seja ela utilizada de forma direta ou não, com

oposição de forças ou pela simples demonstração de força.

Esse conceito sociológico de poder pode ser entendido em termos de Política Externa

de um país como “exercida por duas gramáticas ao menos idealmente complementares”,

conforme nos apresenta Soares (2011, p. 71–72) ao interpretar o clássico “Paz e Guerra entre

as Nações” de Raymond Aron3. Segundo o autor, a primeira possui orientação nas

“negociações, persuasão ou pressões fundadas no direito internacional ou nas condições

objetivas que concedem a certos atores um peso relativo mais acentuado, de modo que o país

intenta e muitas vezes consegue fazer prevalecer suas posições”, definindo-se assim pela

lógica diplomática nas relações entre Estados. Já a segunda gramática está relacionada à

1 O autor é cadete do 4º ano do Curso de Engenharia da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN).

Contato: hermí[email protected]. 2 O coautor é cadete do 4º ano do Curso de Intendência da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN)

Contato: [email protected]. 3 ARON. Paz e guerra entre as nações. São Paulo e Brasília: Editora da Universidade de Brasília e Imprensa

Oficial do Estado de São Paulo, 2002.

Page 31: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

2

“estratégia4, a que diz respeito ao uso da força como garantidora de determinados interesses,

ainda que com caráter defensivo ou dissuasório”, sendo que, desta forma, insere-se no âmbito

da defesa, “estabelecidas em adotar os países dos meios para a preservação de sua segurança e

fator adicional de busca de seus interesses”. Não obstante o autor ainda afirma que ambas “as

gramáticas se fazem presentes tanto na paz como na guerra”.

Nesse sentido, tanto o conceito de weberiano de poder permite o entendimento que os

objetivos das políticas de um país podem ser atingidos por meio de negociações, específicos

da esfera diplomática e caracterizada no Brasil pelo Ministério das Relações Exteriores

(MRE), ou por meio da força, traduzida pelo Ministério da Defesa (MD), mas que tanto nos

períodos de paz como nos de guerra as duas burocracias de Estado são essencialmente

complementares. Ou seja, ambas devem trabalhar de forma coordenada para a consecução dos

objetivos, dessa articulação pode-se depreender a existência de uma estratégia, meio pelo qual

o Estado procura atingir seus objetivos.

Outro conceito importante a ser abordado, se refere à definição do que sejam as

Organizações Internacionais (OI), aqui entendidas como associações voluntárias de Estados

ou uma sociedade entre Estados, constituída por meio de tratados e acordos, com a finalidade

de buscar interesses comuns através de uma permanente cooperação entre seus membros.

Segundo Karen Mingst (2009, p. 157) as OI contribuem para que os Estados

estabeleçam relações regulares entre si, possibilitando o debate de temas e o estabelecimento

de agendas de interesse comum em foros especializados, colaborando assim com a própria

noção de um sistema de natureza internacional. Dessa forma as OI contribuem para um hábito

de cooperação entre os Estados propriamente ditos e entre estes e os demais atores do Sistema

Internacional. Geralmente a participação dos Estados nos organismos tende a uma redução de

possíveis hostilidades na medida em que, por meio de regras pré-estabelecidas nos fóruns e

acordos internacionais, existe um canal de diálogo permanentemente aberto para a discussão

entre os governos dos Estados-membro.

Dessa forma, pode-se inferir que o ganho de poder por um ou mais integrantes

(Estados) seria permitido no seio do Organismo Internacional, por meio da via diplomática as

normas e regras acordadas poderiam ser revistas sem o recurso à força, ou seja, por meio do

diálogo e da cooperação. Entretanto, essa pode não ser a regra em todos os casos em que

interesses de Estados estão comprometidos, ainda mais havendo instâncias de poder que

diferenciam alguns membros de outros na organização e havendo ainda níveis estruturais

diferenciados em cada Estado. Assim, a condição mínima para que um Estado influencie e

mesmo molde as condicionantes do sistema internacional e das organizações a seu favor é que

este atue de forma estratégica, em diferentes setores de suas próprias políticas.

2 O CONSELHO DE SEGURANÇA COMO OBJETIVO DE POLÍTICA EXTERNA

BRASILEIRA

Organização das Nações Unidas (ONU) é um Organismo Internacional que tem sua

origem marcada pelos dois maiores confrontos bélicos da história da humanidade, ou seja, das

4 O conceito de estratégia na compreensão dos autores do presente artigo, ainda que não tenha sido mencionado

por Soares (2011), segue o que fora elaborado por Lawrence Freedman (2008, p. 32) após realizar um estudo da

correlação entre os conceitos de estratégia e poder, no qual baseou-se em uma série de autores clássicos como

Thomas Hobbes, Hans Morgenthau, André Beaufre e Bertrand Russell e onde conclui que “estratégia é a arte de

criar poder”.

Page 32: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

3

I e II Guerras Mundiais. Desta forma reflete em sua estrutura a realidade da conjuntura do

término dos conflitos, com o seu ordenamento internacional de 1945.

Destaca-se neste escopo a participação das maiores potências, ou seja, daqueles países

que no final da II Guerra Mundial haviam acumulado maiores porções de poder, seja devido a

uma construção histórica de suas civilizações, pelos próprios resultados das guerras, ou por

sua capacidade de moldar a conjuntura internacional. Desta forma, a composição e os poderes

conferidos aos membros do principal órgão da ONU, ou seja, o Conselho de Segurança das

Nações Unidas (CSNU)5 são reflexo de uma estrutura de poder, desigual na totalidade dos

membros do organismo. De 1946 até os dias atuais, o CSNU passou por uma única reforma

na década de 1960 com o acréscimo de membros rotativos, mas a diferença entre os países

que possuem ou não poder de veto nas resoluções permanece inalterada.

O Brasil, desde a criação da ONU e mesmo antes, ainda quando na organização da

Liga das Nações, procurou sempre pela via política e diplomática o acesso ao grupo de países,

adotando estratégias distintas para a consecução deste projeto, principalmente em função do

momento econômico, político e histórico vivenciado pelo país, sem, no entanto atentar para a

possível necessidade de fortalecer seu poder militar como forma de conquistar seus objetivos

de Política Externa.

O Brasil pleiteia uma vaga no Conselho de Segurança do principal organismo

internacional do mundo desde 1922, ainda durante a formação da Liga das Nações. Naquele

momento, a candidatura não obteve sucesso em função da oposição da Grã-Bretanha e pela

falta de consenso da França e dos demais países latino-americanos.

Em face da ausência dos Estados Unidos, o Brasil traçaria a proposta de ocupar

temporariamente, ao menos, a vaga destinada àquele país. Não obstante a resistência

britânica à solicitação, a diplomacia brasileira elevaria a sua representação à

categoria de embaixada, sendo o primeiro Estado a fazê-lo, a fim de manter sua

posição inicial. Em março de 1926, sem apoio britânico, francês e latino-americano,

o Brasil observaria sua pretensão encerrada, de forma que, três meses mais tarde,

renunciaria ao seu assento temporário, após sete anos ininterruptos, para

posteriormente retirar-se da Liga das Nações (ARRAES, 2005, p. 4).

É possível que, conforme mencionado por Santos (1996) e corroborado por Oliveira

(2005, p. 62), a aspiração do Brasil em se tornar integrante permanente do Conselho de

Segurança da Liga foi motivada por uma visão superdimensionada do prestígio internacional

alcançado pela participação brasileira na I Guerra Mundial e pelo fato de ter sido um dos

primeiros países a ser eleito um membro rotativo. Essa postura parece ter gerado certo

otimismo nas lideranças políticas nacionais quanto à sua posição no cenário internacional,

acabando por motivar sua candidatura.

Entretanto se faz necessário considerar que mesmo que a Liga das Nações não tenha

logrado o êxito esperado a partir de sua institucionalização, principalmente pela não

participação dos Estados Unidos da América (EUA) no organismo, houve, por parte da

5 O CSNU é formado por 15 países membros, sendo 5 os membros permanentes (Estados Unidos da América,

Grã-Bretanha, França, Rússia e China) e 10 os membros rotativos indicados pela Assembleia Geral da ONU. O

processo eleitoral dos membros rotativos ocorre de dois em dois anos de forma alternada, de forma que metade

dos membros é substituída anualmente. Somente os membros permanentes possuem o poder de veto sobre

quaisquer questões levadas ao órgão.

Page 33: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

4

diplomacia brasileira, o senso de oportunidade em lançar a candidatura ao Conselho de

Segurança como possível representante do continente americano. De certa forma, essa atitude

atribuiu prestígio ao país e ao seu corpo diplomático, acrescida também pela permanente

conduta de respeito às normas internacionais.

Além disso, a candidatura do Brasil surgiu em meio à própria recusa do Congresso dos

Estados Unidos da América em ratificar o Tratado de Versalhes, o que de fato impedia a

participação dos EUA no Organismo. Assim o Brasil surgia como o representante da América

em um critério de representatividade geográfica no organismo que, desde o seu nascimento

pretendia ser de caráter global.

Posteriormente, na ocasião em que se realizavam os diálogos para a formação da

Organização das Nações Unidas (ONU) na Conferência de Dumbarton Oaks, em 1944, os

Estados Unidos se manifestaram favoráveis à inclusão do Brasil no Conselho de Segurança

sob a alegação de fatores como a possibilidade do país vir a se tornar uma potência no futuro

em decorrência de seu território, população e potencial para o crescimento econômico. No

entanto, o país encontraria forte resistência da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

(URSS) com quem tinha relações diplomáticas rompidas desde 1918 e ainda faltava o apoio

britânico necessário ao projeto. Em 1945, após as declarações da diplomacia dos EUA de que

os assentos permanentes permaneceriam com os Estados capacitados a exercer missões de paz

em escala mundial e diante da falta do apoio dos países latino-americanos, o Brasil veria o fim

definitivo da aspiração em pertencer ao CS/NU durante a Conferência de San Francisco

(ARRAES, 2005, p. 4).

Cabe ressaltar que neste período, mesmo com a participação militar brasileira na II

Guerra Mundial junto ao V Exército de Campanha dos EUA no teatro de operações da Itália,

o Brasil não possuía poder militar suficiente dentro dos padrões sugeridos pelos EUA para

participação no Conselho, nesta época o poder militar nacional ainda permanecia bastante

limitado e dependente do apoio estadunidense para seu emprego fora das fronteiras nacionais.

No decorrer da Guerra Fria, o Conselho de Segurança sofreu uma crise em

consequência do uso abusivo do veto por parte de seus membros permanentes em meio ao

ambiente da bipolaridade. No período o veto foi utilizado diversas vezes tanto pelas potências

ocidentais como pela URSS e pela China conforme a Tabela 1 a seguir apresentada.

Tabela 1 – Utilização do poder de veto pelos membros permanentes do CSNU (entre 1946 e 1986)

Período China França Reino Unido EUA URSS Total (por período)

1986-95 - 3 8 24 37 72

1976-85 - 9 11 34 60 114

1966-75 2 2 10 12 33 59

1956-65 - 2 3 26 31 62

1946-55 1 2 - 80 83 166

Total

(por país) 3 18 32 176 244 -

* No período considerado (1946 – 1971) o assento permanente no Conselho de Segurança da ONU pela República da China

(Taiwan) que utilizou seu poder de veto uma única vez. A República Popular da China utilizou seu poder de veto somente a

partir de 25 de agosto de 1972.

Fonte: http://www.globalpolicy.org/images/pdfs/Changing_Patterns_in_the_Use_of_the_Veto_as_of_August_2012.pdf

(adaptação nossa)

Desta forma o Conselho de Segurança das Nações Unidas passou por um período de

crise, ampliando naturalmente o clamor por uma reforma por parte dos países membros.

Adiciona-se a este panorama o início do processo de descolonização de alguns países afro-

asiáticos nos anos de 1960, justificando assim o aumento de novos Estados-membros na

Page 34: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

5

organização (GIACON, 2010, p. 23). Foi justamente por meio desta mudança no quadro das

Nações Unidas que ocorreu a única reforma do Conselho de Segurança em 1963 que expandiu

o número de integrantes de 11 para 15, sendo que o Conselho permanente manteve-se

composto pelos cinco membros permanentes (China, EUA, França, Reino Unido e Rússia) e o

órgão passou a ter 10 membros não-permanentes, eleitos para mandatos não consecutivos de

dois anos (VIEGAS, 2008, p. 17). Vale ressaltar que os cinco membros permanentes tiveram

o seu poder de veto preservado.

Entretanto, o que de fato vai modificar os trabalhos do Conselho de Segurança, não

são somente as alterações provenientes do processo decisório da própria ONU e de seus

demais órgãos, mas necessariamente a mudança de conjuntura ao término da Guerra Fria. No

limiar da queda do Muro de Berlim houve um verdadeiro descongelamento do Conselho em

termos de aprovação de resoluções:

De 1980 a 1989, o Conselho de Segurança adotou 184 Resoluções, enquanto que de

1990 a 1999 o número foi de 637. Mensurado por apenas este referencial, o trabalho

no órgão teria mais do que triplicado entre um período e outro. A evolução até os

dias de hoje atesta a manutenção deste novo patamar. Outros parâmetros para avaliar

quantitativamente o trabalho do órgão, como o número de sessões realizadas a cada

mês ou a quantidade de declarações presidenciais, comunicados ou outras

manifestações públicas do Presidente revelam tendência ainda mais pronunciada de

aumento de atividades (VIEGAS, 2008, p. 18).

Esse quadro naturalmente trouxe de volta à tona os diálogos por uma reforma no

Conselho de Segurança, uma vez que o aumento de resoluções caracterizado pelo seu

destravamento ampliava os interesses dos Estados em uma participação mais efetiva no

processo de tomada de decisão em sua principal instância.

O Brasil, em 1989, lança novamente sua candidatura a membro permanente do CSNU,

desta feita no governo do então presidente José Sarney, durante a 44a Assembleia Geral da

ONU. Essa candidatura tem sobrevivido a todos os mandatos presidenciais desde então,

sempre com o objetivo de colocar o país em posição permanente entre as grandes potências

mundiais (OLIVEIRA, 2005, p. 3). Este fato nos permite observar que embora haja nuances

de foco entre os diferentes governos brasileiros em termos de política externa, o acesso ao

CSNU se caracteriza como um projeto de Estado brasileiro e não apenas um anseio

temporário de um ou de outro governo.

Esse verdadeiro, por assim dizer, projeto do Estado brasileiro foi reforçado pela

quantidade de vezes nas quais o país foi eleito para ocupar as funções de membro rotativo do

CSNU. O Brasil e o Japão são os dois países mais vezes eleitos para o CSNU, sendo que cada

um exerceu a função de membro rotativo por dez vezes desde a criação do órgão, sendo que

somente após o término da Guerra Fria foram ao menos quatro mandatos (biênios 1993-1994,

1998-1999, 2004-2005 e 2010-2011) (ONU, 2013). É justamente essa constância do país

como membro rotativo do Conselho, somada ao crescente papel do Brasil na economia

mundial a partir da estabilização econômica do país na década de 1990, que parece ter

renovado os ânimos da elite política brasileira na busca do projeto em questão.

Para Oliveira (2005, p. 3–4) a característica brasileira em ser pacifista e seguidora das

normas do direito internacional, bem como a capacidade em lidar com novas questões de

segurança internacional foram a tônica do discurso do governo brasileiro na década de 1990

em torno do acesso do país ao assento permanente no CSNU. Ainda segundo o autor esse

discurso foi modificado a partir de política externa do governo de Luis Inácio Lula da Silva

em 2003 para uma afirmação da liderança brasileira na América Latina como justificativa de

representação do subcontinente no CSNU, tendo como medida adicional para tal conquista a

Page 35: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

6

articulação com a Alemanha, o Japão e a Índia em torno de uma proposta conjunta de reforma

do conselho, formando o que ficou conhecido como o Grupo dos 4, ou simplesmente G46.

A proposta do G4 sofreu grande oposição de outro grupo de países, chamados “Unidos

pelo Consenso”, do qual fizeram parte, entre outros países, a Argentina, o México, a

Colômbia e a Costa Rica (GIACON, 2010, p. 37), minando assim o argumento de liderança

brasileira no América Latina. A proposta ainda encontrou oposição da maior parte dos

membros permanentes do CSNU, como os Estados Unidos, o Reino Unido e a China,

inviabilizando assim o prosseguimento da proposta.

De qualquer forma, devido ao tempo em que o projeto permaneceu na pauta das

lideranças políticas brasileiras e de certa forma pelo empenho do corpo diplomático nacional,

que permeou governos de matrizes ideológicas por vezes distintas, é possível caracterizar a

conquista do assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas como um

objetivo de Estado do país e, portanto, de relevância para o Brasil no escopo das relações

internacionais até os dias de hoje.

3 A ABUSCA PELA VAGA NO CSNU E A DEFESA NACIONAL

Dentro do projeto de pretensão a uma vaga permanente para o Conselho de Segurança

das Nações Unidas, o Brasil adotou uma estratégia que foi além do próprio discurso de

liderança da América Latina, das gestões com outros países interessados na reforma do órgão

e das alterações no cenário político e econômico do pós-guerra fria. Dentro desta estratégia,

foi percebida pelas elites políticas do país em determinando momento a utilidade do poder

militar como forma de ampliar sua inserção internacional, como demonstra Oliveira:

[...] podemos levantar a hipótese de que o pêndulo diplomático de Lula se torna mais

para o lado pragmático das relações internacionais _ que o Brasil já utilizou as

tropas de paz para captar benefícios políticos e econômicos _ nos referimos ao

estudo do caso de Angola. A ser correta essa hipótese, a liderança das tropas da

ONU no Haiti poderia ser um experimento de protagonismo na América Latina,

além de uma demonstração de força e capacidade de articulação militar, como uma

prévia de um membro permanente (OLIVEIRA, 2005, p. 147).

Essa percepção surgiu mais propriamente por questões relacionadas à conjuntura

internacional e em relação às demandas da própria ONU do que propriamente inserida em

uma política de estado mais robusta para o setor de defesa nacional. Cabe ressaltar que,

conforme mencionado por Arraes (2005, p. 4) e já citado neste trabalho anteriormente que em

1945, o corpo diplomático dos EUA já havia exposto que os assentos permanentes do CSNU

permaneceriam com os países com capacidade de atuar em missões de paz em escala mundial.

Acrescenta-se o fato de que em 1996, durante o governo Fernando Henrique Cardoso o

Secretário Geral da ONU, Boutros Boutros- Ghali, avaliou que a pretensão brasileira era justa,

mas que havia a necessidade de uma maior participação do país em operações de paz e que as

6 Pela proposta do G-4, seriam criados 6 novos assentos permanentes no fórum internacional, que ficariam com

os países do grupo e duas nações africanas a serem definidos, além de outros quatro assentos não permanentes.

Ou seja, o CSNU passaria a ter 25 membros, dos quais 11 seriam membros permanentes ocupadas e outras 14

em regime rotativo. Convencidos pelo governo francês, os países do G4 optaram pela estratégia renunciar

incialmente ao poder de veto, sendo que o debate sobre este tema somente poderia ser retomado após 15 anos da

eleição pela assembleia.

Fonte: BBC. Conheça as propostas de reforma do Conselho de Segurança da ONU. BBC Brasil.com.

Disponível em: ttp://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2005/09/050909_csonuaw.shtml. Acesso em:

16 Jun 2013.

Page 36: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

7

lideranças nacionais deveriam desconsiderar a questão da correlação entre peso regional e a

representação conciliar (ARRAES, 2005, p. 9).

Assim é possível afirmar que a mudança de percepção sobre a instrumentalidade do

poder militar brasileiro, mesmo que sendo empregado sob coordenação da ONU, é fruto do

próprio desenvolvimento das participações brasileiras em missões de paz do órgão, como as

ocorridas em Angola (UNAVEM) e no Timor Leste (UNAMET), dentro de um quadro

histórico cujo ápice é a participação na Missão da ONU para Estabilização do Haiti

(MINUSTAH), a maior desse gênero com a participação do país e que conta com o comando

de um oficial general brasileiro.

A mudança de percepção sobre o papel do poder militar brasileiro é relatada por

Alsina Jr. em pelo menos duas vezes em sua análise sobre a criação do Ministério da Defesa e

da redação da primeira Política de Defesa Nacional (PDN) durante o governo de Fernando

Henrique Cardoso.

Embora não haja qualquer elemento que sustente a tese de que havia consciência da

importância de utilização da política de defesa como meio de alavancar a capacidade

de projeção de poder do País (com exceção do caso das operações de paz da

ONU), não resta dúvida de que a consolidação da democracia no subcontinente e a

nova configuração do sistema internacional condicionavam a redação da PDN, no

entender dos diplomatas. [...]. A tese da vinculação da defesa às ameaças

provenientes do plano internacional, contudo, respondia muito mais à necessidade

de renovação dos conceitos herdados da guerra fria do que a um projeto de inserção

estratégica global que considerasse a relevância do poder militar como instrumento

de respaldo da política externa brasileira (ALSINA JR., 2003, p. 69).

Ainda segundo Alsina Jr. (2003, p. 75), no momento da redação da PDN o Brasil

postulava um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), o

que condicionava o preparo militar no sentido da participação em missões de paz da ONU.

Nesse sentido, torna possível afirmar que a conscientização da instrumentalidade do poder

militar para a elite política nacional, ao menos a partir do fim da guerra fria, tem origem em

demandas mais externas do que propriamente da necessidade de defesa ou de projeção de

poder. Essa condição assinala uma espécie de despertar para “o quê” as Forças Armadas

podem contribuir para uma estratégia política internacional de um país nas condições do

Brasil, mas que ainda não se materializa em termos de políticas públicas como serão

abordados a seguir.

4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE DEFESA NO BRASIL – DEMANDAS E

CARACTERÍSTICAS

Até o momento foi traçado um breve perfil histórico da iniciativa brasileira em integrar o

Conselho Permanente das Nações Unidas buscando caracterizá-lo como um objetivo de

Estado, uma vez que tal pretensão perpassou por diversos governos e épocas distintas da

história brasileira. No entanto, para que seja possível relacionar tal projeto de política externa

com o poder militar do país, se faz necessário abordar a questão das Políticas Públicas de

Defesa como meio de fortalecer tal poder.

Geralmente costuma-se indicar que o conceito de defesa esteja mais relacionado às ações

governamentais correspondentes ao emprego das Forças Armadas na situação clássica para a

qual foram historicamente instituídas, ou seja, para a confrontação contra outro Estado ou

coligações de Estados. Essa definição engloba ainda suas variações conforme a envergadura e

intensidade do conflito e suas possibilidades, definindo assim o que o senso comum entende

como “guerra”. Já o conceito de segurança se coloca como as ações governamentais

destinadas à repressão ao crime organizado, narcotráfico, contrabando e descaminho, ou seja,

Page 37: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

8

são ações de segurança pública onde as forças policiais geralmente possuem emprego mais

adequado. Essas ações, muito embora não sejam de atribuição precípua das Forças Armadas,

têm sido atendidas com o emprego destas, tendo em vista as demandas do próprio poder

público.

Outro fator importante a ser considerado nas demandas por políticas na área de defesa e

segurança foram apontadas em pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (IPEA) publicada em dezembro de 2011 a respeito das percepções de ameaça por

parte do povo brasileiro e as diferenças regionais sobre o assunto. A Tabela 2 exibe como a

percepção de ameaças é vista pela população brasileira pelas diferentes regiões do país.

Tabela 2 - Percepção de Ameaças (por região) Pergunta: Cada pessoa tem uma percepção própria daquilo que possa ser uma ameaça para ela, para sua família, para sua

cidade e para seu país, ou seja, cada pessoa possui certos medos. Assim sendo, de quais das seguintes ameaças o(a) Sr(a).

tem medo?

Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul BRASIL

Crime organizado 53,7% 50,1% 63,1% 58,0% 46,3% 54,2%

Desastre ambiental

ou climático 46,3% 36,2% 54,0% 39,2% 29,4% 38,6%

Guerra com potência

estrangeira 28,9% 39,5% 29,2% 33,5% 34,6% 34,7%

Guerra com país

vizinho 27,8% 35,0% 29,5% 33,6% 31,5% 33,0%

Epidemias 34,8% 33,3% 47,6% 29,2% 17,3% 30,5%

Terrorismo 38,5% 39,5% 32,2% 25,5% 15,5% 29,5%

Outros 0,4% 1,1% 1,3% 0,9% 0,2% 0,8%

Nenhuma das

anteriores 2,2% 3,4% 1,3% 2,1% 4,2% 2,7%

Não sabe/ não

respondeu 0,4% 0,4% 0,0% 0,2% 0,2% 0,3%

Fonte: Pesquisa SIPS – Ipea, 2011(BRASIL, 2011)

Nota: Nesta questão o entrevistado poderia assinalar mais de uma resposta

Os dados da pesquisa apontam a expressividade dos números que estão diretamente

relacionados à defesa nacional e por consequência com a principal missão das Forças

Armadas como a possibilidade de guerras com potências estrangeiras ou países vizinhos e

terrorismo. Os números, no entorno de 30%, indicam a existência de demanda por políticas

públicas de defesa para o Brasil.

Se considerarmos somente dados referentes ao padrão clássico de guerra, ou seja,

somente a ameaça de invasão de outro país, os dados do IPEA reforçam a demanda por defesa

conforme aponta a tabela 3. Nota-se que no caso da Região Norte se apresenta uma condição

ainda mais determinante, pois é a única do Brasil que apresenta índice superior a 60% que

acredita em uma invasão estrangeira para obtenção do controle dos recursos naturais da

Amazônia, não obstante, área considerada prioritária para o Exército Brasileiro.

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Tabela 3 - Percepção de Ameaças (por região) Pergunta: A Amazônia brasileira possui muitos recursos naturais, como os minérios, a água e as próprias florestas. O (a) Sr

(a)acredita que o Brasil, nos próximos vinte anos, possa sofrer uma invasão militar estrangeira com o objetivo de controlar

os recursos naturais da Amazônia?

Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul BRASIL

Acredita

totalmente/muito 50,0% 48,3% 66,1% 50,3% 44,9% 50,2%

Acredita

razoavelmente 17,4% 13,6% 11,4% 18,3% 23,5% 17,1%

Acredita

pouco/não

acredita

31,5% 34,5% 22,1% 29,5% 28,8% 30,4%

Não sabe/ não

respondeu 1,1% 3,6% 0,4% 1,9% 2,8% 2,3%

Fonte: Pesquisa SIPS – Ipea, 2011(BRASIL, 2011)

Em teoria, a existência de demanda por políticas públicas de defesa já seria motivo

suficiente para um planejamento e execução mais efetivo, por parte do Estado, de políticas

que representassem alguma resposta a essas demandas. Entretanto, na prática, tais políticas

enfrentam outros óbices para sua concretização que se relacionam tanto ao funcionamento do

Estado como à história recente do país além de questões típicas da política nacional.

4.1 Políticas públicas de defesa – óbices para implementação

Para Rodrigues (2010, p. 29), uma das principais razões do aumento de estudos sobre

políticas públicas a partir do século XX se deve ao fato de que as sociedades passaram a

buscar por explicações mais objetivas sobre os motivos da implantação de determinadas

políticas públicas e não de outras. Ainda segundo o autor, os estudos sobre tais assuntos

podem esclarecer sobre as motivações dos governos atuarem de certa forma (e não de outra),

ou mesmo por não agirem de nenhuma forma diante de um problema específico.

Segundo Almeida (2010, p. 229 - 230) as demandas por políticas públicas podem

apresentar basicamente sob três formas: inputs, withinputs e outputs. Resumidamente:

Os inputs - chegam ao governo por diferentes meios como organizações da

sociedade civil, pelos parlamentares no sistema democrático representativo que

atua de forma que as reivindicações sejam atendidas.

Os withinputs - são oriundos do próprio sistema político que identifica a demanda

e procura atendê-la - é o caso da pasta da defesa nacional onde as demandas de

maneira geral nascem nas próprias Forças Armadas e do próprio Ministério da

Defesa – caracterizam-se por uma baixa participação do poder legislativo e da

sociedade civil organizada.

Os outputs são os resultados efetivos da implementação das políticas públicas,

caracterizando-se nas respostas às reivindicações da sociedade e da classe

política, oferecidas pelo poder público. “Os outputs são, portanto, as políticas

públicas propriamente ditas” e nesse sentido, conforme o autor, na área de defesa

as políticas públicas “costumam ser de baixa qualidade e pouco significado”,

havendo um “visível descolamento” entre o estabelecido nas políticas de defesa e

o orçamento destinado à sua realização (ALMEIDA, 2010, p. 230).

Essencialmente são duas as razões apontadas por Almeida (2010) pelas quais as políticas

públicas no campo da defesa são apontadas como withinputs, ou seja, partem de uma

perspectiva exclusivamente governamental, centrada no poder executivo e mais

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especificamente pelas Forças Armadas, são elas: a dificuldade em superar a história recente

do país, a falta da percepção da importância do assunto e as prioridades para outras políticas

públicas relacionadas ao campo social como saúde e educação.

A primeira das causas relacionadas é o que Alsina Jr. (2009, p. 73) chamou de

“desconfianças de amplos setores da sociedade civil em relação ao estamento militar – mesmo

depois de sua plena adesão aos preceitos da democracia implantada a partir de 1985”. Já

Almeida (2010, p. 229) aponta para uma desconfiança mais focada nos meios políticos,

acadêmico e científico com relação às intenções dos militares. A segunda causa é apontada

pela percepção de inexistência de ameaças pela elite política da sociedade, fruto do longo

período sem conflitos pelo qual passa o país, e dessa forma ocorre ainda um baixo apelo

popular, ou seja, as políticas de defesa encontram pouca adesão das urnas no período eleitoral.

Por fim, as prioridades para as políticas sociais decorrem da ainda elevada desigualdade na

distribuição de renda do país, tornando difícil aos gestores justificar a necessidade de

investimentos no setor diante das enormes demandas de saúde e educação (ALMEIDA, 2010,

p. 229).

Segundo Gabriel (2013, p. 33) mesmo que documentos recentes como a Estratégia

Nacional de Defesa (2008) e o Livro Branco de Defesa (2012) tenham sido publicados pelo

Estado brasileiro, estudos e pesquisas como a realizada pelo IPEA (2011) sobre a percepção

da população relacionada à defesa nacional tenham sido realizadas e divulgadas, e mesmo que

já existam eventos acadêmicos sobre o tema Defesa, o que de fato apontam para uma possível

mudança no quadro nacional, a situação que se apresenta é de que as políticas públicas de

defesa ainda percorrerão um longo caminho para que se possua uma dimensão real das

necessidades de investimentos no setor.

5 CONCLUSÃO

O objetivo do presente trabalho é o de apresentar a relação entre dois projetos de

Estado do Brasil no plano da Política Externa e no plano da Defesa Nacional, sendo que o

primeiro se materializa pelo anseio do país em pertencer ao Conselho de Segurança das

Nações Unidas e o segundo na ampliação do poder militar nacional, conforme as intenções

expressas nos diversos documentos de defesa, como as Políticas de Defesa Nacional e na

Estratégia Nacional de Defesa.

A caracterização da obtenção do assento permanente no Conselho de Segurança da

Organização das Nações Unidas é, conforme discutido, um objetivo de Estado do país, devido

às diversas injunções e esforços realizados pelo corpo diplomático ao menos nos últimos 91

anos (de 1922 a 2013). Obviamente, de acordo com o governo vigente e com as oportunidades

apresentadas pela conjuntura internacional como a criação do conselho da Liga das Nações

em 1922, da criação do próprio CSNU em 1945-46, na primeira e única reforma do órgão em

1963 ainda sob o contexto da guerra fria e, finalmente, nas últimas gestões como na formação

do G4 (Brasil, Índia, Alemanha e Japão).

No decorrer das inciativas de reforma e ampliação do CSNU, diferentes critérios

foram adotados no intuito de convencer os demais países, incluindo os atuais 5 membros

permanentes, das credenciais necessárias aos “candidatos” as possíveis vagas em uma

possível reforma do CSNU. Na derradeira proposição destaca-se o fato de que entre os

membros do G4 estão posicionadas grandes potências econômicas, no entanto, o Brasil é a

que possui o seu setor militar mais fragilizado se comparado aos demais.

Via de regra, o país procura atingir seu objetivo de política externa quase que

exclusivamente no campo político, alegando critérios geográficos (representante da América

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Latina), políticos (influência) e econômicos, nesse sentido, somente após o fim da Guerra Fria

é que as elites políticas do país perceberam a necessidade de acréscimo de poder militar

como suporte aos objetivos de política externa, por meio das demandas de missões de paz da

ONU, requeridas pelo Organismo Internacional.

Já a ampliação do poder militar necessita que os planos presentes nos documentos

como a Política de Defesa Nacional de 2005 ou a Estratégia Nacional de Defesa de 2008

saiam efetivamente do papel e se tornem políticas públicas orientadas por um pensamento

estratégico, ou seja, se faz necessário aparelhar as Forças Armadas para cumprir melhor as

missões de defesa do país, conferir-lhes capacidade de interferir no entorno estratégico

concebido como prioritário, atender às demandas das Nações Unidas em comunhão de

interesses com o Organismo e, finalmente estar ao menos em paridade com os demais

candidatos ao CSNU, ou seja, com Alemanha, Japão e Índia em termos de capacidade militar.

Agir de forma estratégica, ou seja, de forma a mobilizar diferentes setores do poder

político e suas instituições como o Itamaraty e as Forças Armadas e coordenar seus esforços

se faz necessário e premente a um país que cada vez mais se destaca no cenário internacional,

superando algumas das questões de ordem interna de forma a ampliar a capacidade do Estado

brasileiro de se projetar internacionalmente, esse talvez seja um dos maiores desafios aos

estadistas brasileiros nos dias de hoje.

Page 41: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

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X CONGRESSO ACADÊMICO SOBRE DEFESA NACIONAL

TÍTULO: O BRASIL, O TERRORISMO E OS GRANDES EVENTOS

ÁREA TEMÁTICA: O BRASIL EM FACE DAS PRINCIPAIS QUESTÕES DE SEGURANÇA INTERNACIONAL

Giuliano Guidi Braga Julio Cesar Bardini Cuginotti

Leticia Astolfi Santana Maria Fernanda Costa Victor Dias Grinberg

Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP

Professor responsável: Lucas Amaral Batista Leite

RESUMO

Este artigo visa apresentar as estratégias e a preparação do governo brasileiro em relação à iminente ameaça terrorista presente com a proximidade dos grandes eventos sediados pelo país, iniciando pela definição do conceito terrorismo e pela definição segundo o Brasil sobre o conceito de terrorismo, mostrando como o Brasil lida com o terrorismo e, por fim, como o Brasil lidará com as possíveis ameaças de ataques terroristas, apresentando o aparato preparado para enfrentar tal problema nos tempos em que tais eventos de grande escala, como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, serão presentes no cenário brasileiro em um curto período de tempo, assim encerramos o artigo concluindo que, embora o Brasil esteja se desenvolvendo e atraindo a atenção mundial, a ameaça terrorista seria cunho direto aos grandes eventos e não ao território brasileiro em si.

INTRODUÇÃO Em um período de aproximadamente três anos, o Brasil sediará dois dos mais

importantes eventos esportivos em todo o mundo, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, eventos que culminam em situações de grande aglomeração de pessoas onde tais fenômenos ocorrerão.

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Essa grande aglomeração se transforma em uma situação onde é necessário uma extrema cautela e uma estratégia de segurança para garantir um maior aproveitamento dos eventos. Um motivo que gera essa preocupação é o aumento das possibilidades de ocorrência de atentados terroristas, pois aglomerações desse tipo são os principais alvos para tais ações.

Este artigo busca apresentar como o Brasil interpreta o conceito de ameaça terrorista e como o país está esquematizando sua segurança no âmbito do combate ao terrorismo nesses próximos grandes eventos. Para tanto, analisamos documentos oficiais brasileiros e parte da bibliografia referente ao assunto.

Por fim, demonstramos sucintamente em quais pontos nosso país apresenta boa preparação contra as ameaças terroristas e de que forma isso acontece.

DEFINIÇÃO DE TERRORISMO Há dificuldades em encontrar unanimidade no que tange à definição do termo “terrorismo”, essa dificuldade pode ser explicada pela defesa de pontos de vistas e interesses divergentes, desse modo, a designação do termo terrorismo é suscetível às emoções dos atores envolvidos na ação (SOUKI, 2007). Porém, o termo carrega consigo a ideia de ilegitimidade, como explica Colin Warbrick (2000). O termo ‘terrorismo’ traduz reprovação: ele necessariamente traduz a ideia de ilegitimidade. Sua absoluta imprecisão traz consigo a possibilidade de uso por lados opostos do conflito” (WARBRICK, 2000). Com as abordagens mais profundas sobre o tema a divergência transcende a necessidade se concretizar um pensamento de aceitação unânime, contudo, não refutam a ideia apresentada por Colin Warbrick (2000). Para a maioria dos autores, assim como Noam Chomsky (2002) e Gilbert Guillaume (2004), o termo terrorismo é empregado quando há a eminente ameaça a vida de pessoas para atingir um objetivo, que Chomsky ressalta como sendo convicções “políticas, religiosas ou ideológicas” (CHOMSKY, 2002, p.104). Além de autores que elucidam sobre o tema, a Organização das Nações Unidas (ONU) já realizou diversos conselhos e comitês com a finalidade de obter uma diretriz concreta sobre a conceituação do termo. Dentre estas, podemos citar o Counter Terrorism Committee (CTC), a AGNU, através das resoluções 46/51, 49/60 e 51/210, e o CSNU, através das resoluções 1269, 1368 e 1373.1 Apesar destas tentativas, nenhuma definição do termo foi adotada oficialmente, versando apenas sobre características e busca de possíveis soluções para a questão, com o estabelecimento de comitês específicos para tanto. Contudo, é necessário ressaltar a urgência com que a sociedade internacional busca essa conceituação, principalmente após os atentados de ”Onze de Setembro” nos Estados Unidos, que firmaram a volta da problemática que envolve a conceituação às principais pautas das agendas de discussão internacional.

O QUE É TERRORISMO PARA O BRASIL?

1  Disponíveis   em   http://www.un.org/en/terrorism/sc-res.shtml,  http://www.un.org/en/terrorism/resolutions.shtml,   http://www.un.org/en/sc/ctc/sitemap.html.   Acessado   em  20  de  julho  de  2013.  

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Na contramão do que representa para as grandes potencias internacionais, o terrorismo no Brasil não é costumeiramente visto como uma ameaça à soberania ou ao território nacional (DA CUNHA, 2010). Esta temática tem sido trazida à tona com a proximidade da realização de eventos de porte internacional no Brasil, como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Historicamente, pode-se afirmar que a postura brasileira no cenário internacional é de respeito à soberania e ao direito internacional, além da tolerância em áreas como religião e questões sociais (DA CUNHA, 2010) Tratando-se de um país de larga diversidade étnica e cultural, que tem como premissa a tolerância e que não se envolve em grandes questões relacionadas, o Brasil não costuma ser visado por grupos terroristas, sendo a realização de atentados terroristas algo de difícil ocorrência nos dias atuais, com suas principais ocorrências no período do regime militar, tendo frequentemente como autores militantes de oposição. Ainda assim, a classificação destes como terroristas está sujeita a interpretação. Tomando como exemplo a situação recente do italiano Cesare Battisti, a Justiça brasileira lhe concedeu o status de refugiado político por considerar como ativismo político os atos que o levaram à condenação na Itália como terrorista.2

Em sua maioria, tais ataques, quando realizados em países fora de questões conflituosas, costumam ser realizados em alvos como consulados, embaixadas e organizações estrangeiras, como sedes de empresas e afins com o objetivo de atrair atenção para causas políticas, ideológicas ou religiosas. Por isso, nosso objetivo de estudar como os grandes eventos podem ser vistos como alvos desses grupos, ao lembrarmos de seu alcance e exposição.

Como o Brasil enxerga a ameaça terrorista? Quotidianamente, embora não esteja em primeiro plano nas pautas de segurança

brasileira, a prática de atos terroristas é repudiada e tida como crime hediondo, inafiançável e insuscetível de anistia, segundo a Constituição Federal Brasileira de 19883.

Em relação ao ocorrido nos Estados Unidos em 2001, o governo brasileiro, por meio do Ministério das Relações Exteriores, se mostrou solidário aos americanos na luta e na grande campanha anti-terrorista iniciada pós atentado, participando das reuniões do Comitê de Contraterrorismo do Conselho de Segurança da ONU e internalizando todos os tratados e resoluções (Brazil – Supplementary..., 2001) referentes ao combate à ameaça terrorista, fazendo com que o problema tivesse mais visibilidade nas pautas de segurança brasileira4.

No âmbito nacional, os problemas relacionados ao terrorismo que chamam mais atenção das forças de segurança brasileira estão concentrados no crime organizado e, em

2  Disponível   em   <http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2010/12/31/lula-decide-nao-extraditar-o-italiano-cesare-battisti.html>.  Acessado  em  20  de  julho  de  2013.  3  Art  4º,  VIII,  referente  ao  repúdio  e  Art  5º,  XLIII,  referente  à  criminalização.  Ambos  da  Constituição  Federal.  4  Ainda   que   o   Brasil   não   tenha   necessariamente   apoiado   as   intervenções   internacionais   relacionadas   à  chamada  Guerra  ao  Terror.  

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4

relação às facções do Hamas5, Al-Qaeda6 e do Hezbollah7, na região conhecida como a "Região das Três Fronteiras" que compreende as fronteiras entre Argentina, Paraguai e Brasil (HUDSON, 2010).

Referente ao crime organizado, juridicamente, o Brasil possui a Lei 9.034/95 (modificada pela Lei 10.217/01) que regula meios de prova e investigação aos atos cometidos por quadrilha, bando ou associações criminosas, não se referindo diretamente em lei como um ato terrorista, mas sendo tratado penalmente como tal.

Já em relação à "Região das Três Fronteiras", (também chamada de Tríplice Fronteira) - a qual abrange as fronteiras do Brasil, Paraguai e Argentina, na região de Foz do Iguaçu, no estado do Paraná, com grande presença de imigrantes do Oriente Médio de origem árabe, tem-se a suspeita de que as facções criminosas terroristas como o Hamas, Hezbollah e Al-Qaeda possuem bases na região, mas as operações policiais se fixam no âmbito da investigação e monitoramento. (citação ABIN)

É devido à falta de ocorrências e de interesse de facções terroristas em cometer atentados no Brasil que o problema em questão não era posto em primeiro plano nas ações de segurança nacional, mas que agora, devido aos grandes eventos como a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, estas questões tornam-se de grande importância nacional.

EM RELAÇÃO AOS GRANDES EVENTOS, COMO O PAÍS SE PREPARA

PARA ESSE TIPO DE AMEAÇA? Com a responsabilidade de ser sede de grandes eventos nos próximos meses e anos, tais como a Copa das Confederações da Federação Internacional do Futebol Associado (FIFA) em 2013, a Jornada Mundial da Juventude com a visita do Papa Francisco em 2013, a Copa do Mundo FIFA em 2014 e os Jogos da XXXI Olimpíada na cidade do Rio de Janeiro em 2016, o Brasil teve que dedicar maior atenção aos gastos com Defesa e Segurança. Dados preliminares indicam que dentro do orçamento de R$ 33 bilhões8 que o governo brasileiro divulgou como gastos da organização da Copa das Confederações e da Copa do Mundo, aproximadamente 5,69% ou R$ 1,879 bilhão9 está sendo destinado exclusivamente para a estrutura de segurança à ser montada.

5  Partido  Político  com  braço  armado  fundamentalista   islâmico  sunita  que  se  mostrou  o  maior  defensor  da  instituição  da  Palestina.  6  Organização   fundamentalista   islâmica   xiita   originada   no   Afeganistão   cujo   principal  objetivo  é  a  supremacia  do  Islã  pela  Jihad  (Guerra  Santa).  7  Facção   militar   Islâmica   Libanesa   que   realiza   suas   ações   apoiadas   na   instituição   do  Estado  da  Palestina  confrontando  as  ações  israelenses.  8  _____.  CONHEÇA  DETALHES  DOS  INVESTIMENTO  DE  SEGURANÇA  PREVISTOS  PARA  A  COPA.   19/11/2012.   Portal   da   Copa   [online].   Disponível   em:  http://www.copa2014.gov.br/pt-­‐br/noticia/diario-­‐oficial-­‐traz-­‐resolucao-­‐do-­‐gecopa-­‐que-­‐inclui-­‐atividades-­‐de-­‐seguranca-­‐na-­‐matriz-­‐da-­‐copa.  Acessado  em:  20/07/2013  9  idem  

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Em termos de organização da segurança para tais eventos, em 2011, o Ministério da Justiça criou a Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos (SESGE) 10 cuja atribuição especifica é de gerenciar a maneira com que o Exército, a Marinha, a Aeronáutica, a Polícia Federal e as Polícia das Cidades-Sede respondem as diferentes possíveis ameaças em território brasileiro. A SESGE é responsável, durante os eventos, por toda a gestão da segurança nacional, ou seja, extrapola o monitoramento do evento exclusivamente e passa a agir em relação à problemas crônicos de segurança. Além da violência urbana e o tráfico de drogas, que gera preocupação pelo alto número de turistas que o país vai receber, a região da Tríplice Fronteira, como apontado anteriormente, é uma das áreas que falta contingente para uma ação mais efetiva. A Matriz F da Resolução Número 18 do Grupo Executivo da Copa do Mundo da FIFA 2014 (Gecopa) serve para especificar os investimentos na área de segurança, cobrindo temas como pontos de entrada ao país11, estradas federais e estaduais12, além de garantir a compras de equipamentos mais sofisticados para monitoramento, comunicação e ação das autoridades competentes. Tal renovação dos equipamentos das instituições de segurança nacional levaram a uma necessidade de realizar cursos de capacitação e simulações de ataques terroristas seguindo padrões internacionais, como por exemplo a resposta à Ataques com Armas Biológicas13 - em que o exército foi responsável por isolar a área afetada. Partindo da maneira como esses grandes eventos foram realizados em outros países anteriormente, o Brasil aparentemente conseguiu planejar ações concretas para remediar, mesmo que temporariamente, problemas aparentes e garantir a segurança em ataques terroristas.

CONCLUSÃO Apesar de ser um país de economia emergente e de ocupar posição de destaque em

questões políticas no cenário internacional, o Brasil dificilmente foi considerado um alvo em potencial para organizações terroristas. Historicamente, trata-se de um país que abrange uma larga diversidade etnica e cultural, o que o coloca fora do foco de atentados em geral.

Porém, os grandes eventos que já acontecem e os que estão por acontecer no país indicam esta ascensão brasileira, confirmando seu papel de destaque e sua capacidade de 10  ____.   A   SECRETARIA.   SESEG   [online].   Disponível   em:  http://sesge.mj.gov.br/?page_id=23.  Acessado  em:  20/07/2013  11  http://www.copa2014.gov.br/sites/default/files/publicas/11192012_anexo_f02_base_pontos_entrada.pdf  12  idem  

13____. EXÉRCITO SIMULA ATAQUE TERRORISTA EM TREINO PARA

COPA, NO DF. Globo [online]. Disponível em: http://g1.globo.com/distrito-

federal/noticia/2013/05/exercito-solta-gas-toxico-em-treino-para-copa-contra-

terrorismo-no-df.html. Acessado em: 20/07/2013

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atrair grandes fluxos de pessoas. Apesar das posições históricas brasileiras, os eventos em si são alvos em potencial, não o território brasileiro por si só.

Desta forma, cabe ao governo brasileiro apresentar planos e estratégias capazes de garantir a segurança das pessoas, sejam elas brasileiras ou não, que fazem parte destes eventos, seja como funcionários ou espectadores.

É possível também apreender a dificuldade em encontrar uma definição única de terrorismo, haja visto que os governos e as organizações internacionais divergem em sua conceituação. Isso pode ser explicado por razões de interesse nacional e da própria história de cada nação.De qualquer forma, o Brasil tem mostrado avanços na formulação de uma política específica para garantir seus interesses nacionais, em especial na área de Segurança e Defesa. Uma pesquisa futura mais aplicada e extensa poderia demonstrar se temos atingido sucesso e de que forma isso foi possível.

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Ciberguerra Como Nova Modalidade De Conflito Armado No Século XXI

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar a “Ciberguerra”, como nova modalidade de conflito armado, definindo quais atos no espaço cibernético se configurariam como atos de guerra, e qual a resposta adequada a esse tipo de conflito, uma vez que não existe consenso na Sociedade Internacional para definir, mensurar e responder a ataques virtuais. O Marco Teórico é a “Teoria do Uso da Força”, consagrada na Carta da ONU, interpretada pela Corte Internacional de Justiça e Conselho de Segurança da ONU, com aplicação sobre a “Ciberguerra”, assim como teorias internacionalistas e a legislação interna, para definir parâmetros normativos para sua definição. O trabalho é analítico propositivo, a partir da metodologia técnico jurídica da “tópica”, onde analisaremos a partir dos “Cases” a resposta do Direito Internacional para o problema. Como resultados constatamos que a ameaça da “Ciberguerra” é algo efetivo e real, que já atingiu vários Estados, e o próprio Estado Brasileiro. Concluímos que a Teoria do Uso da Força tradicional não dá resposta adequada a essa “Nova Ameaça” fazendo com que as estruturas já criadas pelo Brasil, Decreto 6.703, devam ser aprimoradas, com o objetivo de proteger com efetividade os Interesses e a Soberania Nacional. Palavras-Chave: Ciberguerra; Uso da Força; Novas Ameaças; Soberania.

1. INTRODUÇÃO Segundo Hugo Grotius, proeminente jurista e um dos grandes precursores do Direito Internacional, “a guerra é o estado de indivíduos, considerados como tais, que resolvem suas controvérsias pela força”1. O Uso da Força é uma das mais importantes características para se configurar uma guerra ou conflito internacional. A complexidade das relações atuais e a globalização criaram uma nova modalidade de conflito entre Estados: a “Ciberguerra”, que transformou os conceitos e compreensões acerca do tema, gerando a necessidade de debate e estudo. Em um mundo extremamente tecnológico, onde entes públicos e privados, assim como cidadãos civis dependem cada vez mais da Internet e da facilidade dos meios eletrônicos para sobreviver, é cada vez mais perceptível a necessidade de proteção das informações e serviços oferecidos no ciberespaço de forma mais efetiva e eficaz, a fim de se evitar a instauração do caos ou de grandes conflitos entre Estados. A “Ciberguerra” não possui definição e um consenso na Sociedade Internacional. Não foram completamente definidos quais atos configurariam tal situação, e até mesmo qual seria a resposta mais adequada neste tipo de conflito. Vários são os casos ocorridos no século XXI, considerado como o marco da “Ciberguerra”. A tendência é a sua potencialização, com o surgimento de novas fontes de ameaças, como forma de auxílio nos conflitos armados tradicionais, ou mesmo como um conflito unicamente virtual.

1 GROTIUS, Hugo. O direito da guerra e da paz. vol. I. p. 71-72.

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Para compreender e tipificar a Ciberguerra é necessário conhecer a Teoria do Uso da Força, consagrada no Direito Internacional atual, assim como os casos que marcaram o início desta corrida virtual entre os Estados, para definirmos parâmetros normativos para sua definição, assim como o papel do Estado Brasileiro neste contexto.

2. O USO DA FORÇA E A CIBERGUERRA

2.1. A Teoria do Uso da Força Desde os primórdios da Sociedade o homem recorre à força. Primeiro, para se defender individualmente e, mais tarde, com a formação dos primeiros clãs e comunidades, para a defesa coletiva. Com o surgimento dos grandes impérios e, mais tarde, Estados, há o enaltecimento do patriotismo, tornando o Uso da Força instrumento de proteção da Nação e o Direito à Guerra, jus ad bellum, inerente. Paralelo a isto, no entanto, se observam ao longo da história arranjos ad hoc para que se resolvessem conflitos entre Estados através da arbitragem ou outros meios pacíficos. A partir do século XIX, a ideia de que as guerras não fossem mais necessárias se espalhou pelo cenário Internacional, fomentando a formação de acordos, convenções e organizações que regulassem o jus ad bellum, e implantassem o denominado jus in bello, ou Direito na Guerra, que preconizava a Proteção da Pessoa Humana nas mais diversas formas. As duas Grandes Guerras ao longo do século XX, no entanto, impactaram a Sociedade Internacional de tal forma que a Carta de São Francisco de 1945 – Carta da ONU – não somente aboliu permanentemente a guerra como recurso lícito, mas passou a usar o termo “Uso da Força”, ampliando a restrição a qualquer tipo de investida armada, e promovendo a idéia de Segurança Internacional e Manutenção da Paz como fundamentais ao progresso da humanidade. Com isto, a legalidade do Uso da Força no ambiente externo se restringiu a apenas duas situações: legítima defesa ou através de uma autorização extraordinária do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). É importante colocar, contudo, algumas considerações com relação à legítima defesa. Desde 1928, com o Pacto Briand-Kellogg, a noção antes vigente de ataques preventivos serem considerados como legítima defesa deu lugar no costume internacional a dois princípios – necessidade e proporcionalidade – sendo estes os requisitos até os dias atuais. Por necessidade, entende-se que um ataque só pode ser caracterizado como medida de legítima defesa, em face de uma agressão iminente e não a partir da desconfiança de uma suposta agressão. A proporcionalidade sugere que a resposta em legítima defesa precisa ser em proporção igual à gravidade do ataque, ou seja, “o propósito de defesa seria essencial à caracterização de um ato como de legítima defesa e não como uma retaliação2”. É indispensável acrescentar que todo este cenário da legítima defesa, bem como do Uso da Força, só pode ser desenvolvido se cumprido um requisito fundamental: o ataque ser de caráter Estatal. Esta representa a posição da Corte Internacional de Justiça quanto à questão, conforme definido em casos como “Nicarágua x El Salvador” (1886) e “Congo x Uganda” (2005), nos quais entendeu que quando houverem grupos irregulares ligados a algum Estado, com alto grau de interdependência, concessão de abrigo ou tolerância aos atos praticados por 2 QURESHI, 2002. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (Org.). Comentário à Carta das Nações Unidas. Belo Horizonte: CEDIN, 2008.

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este grupo, este Estado poderá ser responsabilizado internacionalmente pelos ataques armados ao Estado vítima envolvido no conflito, uma vez que tal grupo se equipara a outros órgãos estatais. Portanto, a legítima defesa só se configura quando o Estado reage e agressão injusta, atual ou iminente por parte de outro Estado que utiliza a força de forma injusta (não reconhecida/autorizada pelo Direito Internacional Público), devendo esta resposta ser proporcional ao ataque, comunicando-se imediatamente o ato ao Conselho de Segurança da ONU. Porém, após os ataques de 11 de setembro de 2001, uma nova discussão sobre Uso da Força surgiu no âmbito internacional, uma vez que os Estados Unidos da América não obtiveram autorização do Conselho de Segurança da ONU, assim como não preencheram os requisitos da legítima defesa para promover sua resposta e invasão ao Iraque, criando com isto a “Teoria da Legítima Defesa Preventiva”, ainda em calorosa discussão, e considerada por muitos internacionalistas como ilegal. Isto prova a constante mutação e evolução das teorias que permeiam o Direito Internacional, principalmente no que tange ao Uso da Força, uma vez que a tensão entre Estados é constante, e a maneira com que se busca a solução de conflitos pode se alterar a qualquer momento. A Ciberguerra, por sua vez, está intimamente ligada a estes novos argumentos e teorias, uma vez que pode ser promovida por grupos não estatais – sejam estes terroristas ou não – assim como podem ser organizadas por mais de um Estado, a fim de prejudicar/monitorar outros, elementos estes que corroboram o entendimento que para estas novas ameaças devemos buscar novas respostas. Tal busca ocorre principalmente à diferenciação e relação de interdependência e mútua influência entre o mundo real – cinético – e o mundo virtual – cibernético – uma vez que nem todos os princípios e regras aplicáveis ao conflito armado comum, serão possíveis ou plausíveis nos conflitos que se utilizam do ciberespaço.

2.2. A Ciberguerra Segundo André Melo Carvalhais Dutra 3 , não existe consenso sobre a definição de Ciberguerra, utilizando-se aqui a definição de PARKS e DUGGAN4 traduzida pelo aludido autor:

Guerra Cibernética é o subconjunto da guerra da informação que envolve ações realizadas no mundo cibernético. O mundo cibernético é qualquer realidade virtual compreendida numa coleção de computadores e redes. Existem diversos mundos cibernéticos, mas o mais relevante para a Guerra Cibernética é a Internet e as redes a ela relacionadas, as quais compartilham mídia com a Internet.

3 DUTRA, André Melo Carvalhais. Introdução à Guerra Cibernética: a necessidade de um despertar brasileiro para o assunto. Instituto Tecnológico da Aeronáutica. p. 01. 4 PARKS, Raymon C.; DUGGAN, David P. Principles of Cyber-warfare. Proceedings of the IEEE Workshop on Information Assurance, West Point, NY, p 122 – 125.

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Esta nova modalidade de guerra pode afetar os assuntos internos de um Estado, podendo violar princípios gerais de direito como Soberania e Não-Intervenção, como nos casos de espionagem e sabotagem. A Ciberguerra pode ser instrumento de espionagem onde um país tem o intuito de obter informações sigilosas do governos de outros países, ou até mesmo nos casos de guerra física, o país espião terá acesso a ataques desenvolvidos pelo então governo inimigo, podendo ainda o espião sabotar sistemas de informações (televisão, internet e telefone) ou até mesmo sistema de energia (trens, mercado de ações). Ainda no contexto de separação entre o mundo real e virtual, alguns aspectos devem ser verificados para a validade dos atos praticados no ciberespaço como atos típicos de guerra, ou melhor, Ciberguerra. Assim como na teoria de guerra tradicionalista, alguns princípios ou indícios devem estar presentes para configuração do conflito virtual. É necessário que o ato praticado virtualmente gere consequências no mundo cinético, de forma a prejudicar ou buscar prejudicar outro Estado; além disso deve-se considerar que todo ato praticado no mundo cibernético deixa rastros uma vez que utiliza-se de programas e servidores para que possam ser feitos, porém caso não identificados – devido a manipulação e disfarce de informação – tornam-se inócuos para qualquer tipo de responsabilização, devendo haver, portanto, a identificação. Outro fator relevante diz respeito a noção de imprevisibilidade dos atos praticados no mundo cibernético, uma vez que a dependência de programas e meios criados pela obra humana e suscetíveis a falhas, assim como a qualidade dos equipamentos utilizados, podem influenciar nos resultados gerados, não havendo regras pré-definidas como no mundo cinético, a exemplo de regras da física que auxiliam na perícia e previsão de comportamentos e consequências. Cabe ressaltar ainda que toda ação praticada no mundo cibernético é controlada por seres humanos por meio das ferramentas virtuais criadas por estes, com isto, basta que o Estado ou grupo não estatal busquem a forma adequada de realizar os ataques desejados. Além disto, as “armas” utilizadas no mundo virtual não são bem definidas como aquelas próprias dos conflitos armados no mundo cinético, com isto, uma ferramenta pode servir tanto para localizar pontos fracos do inimigos, como pode ser utilizada por especialistas de um possível Estado alvo para solucionar as falhas do sistema e se proteger, tornando o conflito mais dinâmico e complexo. O principal problema da “Ciberguerra” é a inadequação da Teoria do Uso da Força construída até o momento, principalmente no que diz respeito à identificação e atribuição da conduta lesiva a um determinado Estado na Ordem Internacional, o que impediria em um primeiro momento a resposta armada de um Estado contra outro, uma vez que na “Guerra Virtual” há uma enorme dificuldade em identificar o próprio ataque realizado, sua origem e em especial os autores de tais condutas. Além desse fato, qual seria a resposta em legítima defesa a ser postulada pelo Estado vitimado, qual a resposta necessária e adequada a tal violação? Questionamos se a agressão virtual legitimaria uma resposta armada tradicional com Uso da Força por um Estado atingido, ou necessariamente deverá o Estado recorrer à atuação do Conselho de Segurança da ONU. Problemas sem resposta que se colocam os quais geram prejuízos efetivos na infra estrutura básica dos Estados, como em seus sistemas de informação, que ficam sem uma solução adequada do Direito Internacional. Assim como nas guerras tradicionais, a Ciberguerra pode envolver a busca da dominação do outro, gerando uma corrida armamentista virtual, onde se beneficia o Estado que possui as melhores tecnologias tanto para atacar, quanto se defender, podendo ser considerada como a

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disputa por território do século XXI. Porém, no mundo virtual as fronteiras são encurtadas e a velocidade da informação é indiscutivelmente mais eficaz do que nos conflitos tradicionais, aproximando ideologias e objetivos comuns de maneira muito mais efetiva. Esse é um outro poblema que se coloca, pois a Guerra Tradicional é pautada em noções de território e Soberania, mas na “Ciberguerra”, com base na normativa existente, é impossível definir onde começa ou termina a Soberania Estatal sobre o Ciberespaço. Tais fatores devem ser compreendidos para que se identifique e se trace novas metodologias para lidar com as guerras do nosso século, a fim de manter a paz e a segurança internacional, de maneira a não permitir que se instaure o caos e a instabilidade – como ocorria antes da Teoria do Uso da Força, e a escolha pela solução pacífica dos conflitos – preservando-se a Soberania de cada Estado e a privacidade e sigilo da informação de seus entes e cidadãos.

2.3. Leading Cases de Ciberguerra Para melhor compreender a Ciberguerra e sua amplitude, se faz necessário o estudo dos casos emblemáticos que marcaram esta nova modalidade de conflito armado, demostrando que não se trata de um estudo futurista, mas sim da adequação das normas e da postura a ser adotada pelos Estados numa realidade já instaurada. Um dos casos mais emblemáticos de ataque cibernético aconteceu em 2007, na Estônia. O ataque ao Estado teve como principal arma o denominado “DDOS” (distributed denial of servisse, ou distribuição de negação de serviço5, em português). Tal estratégia consiste em bombardear o site alvo com diversos pedidos falsos de informações, o que faz com que o site trave. De acordo com dados da “Arbor Networks Active Threat Level Analysis System”6, houve pelo menos 128 ataques DDOS na Internet contra a Estônia. Os ataques fizeram com que o tráfego de Internet do país aumentasse de 20000 “pacotes” para mais de 4 milhões de “pacotes” por segundo. E a origem dos ataques foram diversas. Ataques vindos de países como Egito, Rússia e Peru foram identificados. Este pode ser considerado o ataque cibernético de maior escala sofrido por um país, principalmente se considerado que a Estônia é um dos países mais dependentes de tecnologia do mundo, uma vez que quase todos os serviços governamentais e privados são oferecidos de maneira eletrônica. Mas o episódio contra a Estônia é apenas um dos casos em que os ataques DDOS foram usados contra países. Entre os casos de ataque podem ser citados os denominados “Apolo Ohno” e “Titan Rain”, ocasiões em que sistemas e servidores de computadores dos Estados Unidos sofreram invasões cibernéticas em 2002 e 2003, respectivamente. Outro caso notável é o chamado “Solar Sunrise”. Em janeiro de 1998, em meio ao clima de tensão entre Estados Unidos e Iraque, inspetores de armas americanos foram expulsos do território iraquiano. Os Estados Unidos responderam com uma ação militar no Golfo Pérsico. Em fevereiro, analistas da força aérea americana detectaram sinais que indicaram diversas intromissões não autorizadas em seis redes eletrônicas espalhadas pelo país norte-americano. O ataque contra o DOD (Department of Defense, ou, em português, Departamento de Defesa7) violou sistemas da Marinha e da Força Aérea americanas, assim como laboratórios 5 Tradução livre. 6 SHACKELFORD, Scott J..From Nuclear War to Net War: Analogizing Cyber Attacks in International Law, 2008. Página 14. 7 Tradução livre.

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de pesquisa federais. Os ataques foram realizados por meio de sistemas de computador dos Emirados Árabes, e os responsáveis pelos ataques obtiveram senhas, documentos e instalaram um sistema que os permitia voltar a acessar tais dados. Após averiguação, descobriu-se que os ataques não eram de autoria de organizações terroristas ou outro país, mas sim de três adolescentes, um iraquiano e dois americanos. O episódio serviu de alerta para os países de uma possível e real invasão cibernética e da necessidade de controle e desenvolvimento dos sistemas eletrônicos de defesa nacional. Outro famoso ataque cibernético, também sofrido pelos Estados Unidos ficou conhecido como “Moonlight Maze”. O nome não se refere aos ataques em si, mas sim à investigação do FBI que revelou o maior ataque aos computadores americanos já sofrido pelo Governo dos Estados Unidos. No episódio, “hackers” a serviço da Rússia invadiram os computadores do DOD por mais de um ano e obtiveram diversas informações confidenciais. Os Estados Unidos descobriram as invasões em 1998. De acordo com o Pentágono e o próprio FBI, o ataque fazia parte de uma pretensão russa de acessar tecnologia americana, e, além do DOD, também eram alvos o Departamento de Energia, a NASA e algumas universidades militares e civis. De acordo com Richard Clark8, a lição aprendida de “Moonlight Maze” é que os Estados Unidos e sociedades ocidentais se tornaram extraordinariamente vulneráveis à invasão e sabotagem de um sistema crítico de computadores. 9 A data de alguns dos casos citados comprova que não se trata de uma ameaça iminente, mas sim de uma realidade já instaurada e, de fato, subestimada por alguns Estados que ainda não estão preparados para enfrentá-la. Diante do exposto, cabe ressaltar que a Ciberguerra é uma das ameaças mais potencializadas e perigosas de todos os tempos, devendo ser tratada como uma das principais questões de Defesa Nacional.

2.4. A Resposta do Estado Brasileiro à Ciberguerra

Desde os ataques digitais na Estônia em 2007 a Sociedade Internacional tem se preocupado, consideravelmente, com uma possível guerra cibernética, e com isso, os países têm aumentado seus recursos financeiros e humanos para protegerem seus limites digitais e prevenir futuros conflitos. O Brasil, não diferente de outras nações, tem se preocupado em se proteger de possíveis ameaças ou agressões, e em razão disto, o Governo Federal aprovou, por meio do Decreto nº 6.703/2008, a Estratégia Nacional de Defesa, a qual possui como uma de suas diretrizes o fortalecimento dos setores de importância estratégica, quais sejam, o espacial, o cibernético e o nuclear, que são essenciais para a defesa nacional. Segundo o documento, esse fortalecimento:

(...) assegurará o atendimento ao conceito de flexibilidade. Como decorrência de sua própria natureza, esses setores transcendem a divisão entre desenvolvimento e defesa, entre o civil e o militar. Os setores espacial e cibernético permitirão, em conjunto, que a capacidade de visualizar o próprio país não dependa de tecnologia

8 JOYNER, Christopher C. e LOTRIONTE, Catherine. Information Warfare as International Coercion: Elements of a Legal Framework. Ejil, 2001. Nota de rodapé 60, página 17. 9 Tradução livre.

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estrangeira e que as três Forças, em conjunto, possam atuar em rede, instruídas por monitoramento que se faça também a partir do espaço.

A Estratégia de Defesa Nacional sustenta que o setor estratégico cibernético terá como prioridade as capacitações cibernéticas; as tecnologias de comunicação entre os contingentes das Forças Armadas para assegurar a capacidade destas de atuar em rede; e a formação de recursos humanos nas ciências relevantes. Prevê a constituição de uma organização encarregada de desenvolver a capacitação cibernética nos campos industriais e militares. Por este motivo, foi criado pelo Ministério da Defesa, em 02 de agosto de 2010, o Centro de Defesa Cibernética (CDCiber), o qual é subordinado politicamente à Presidência da República, mantendo assim, centralizadas as decisões políticas, e possui a missão de coordenar as atividades do Setor Cibernético no Exército, e promover ações que estejam elencadas na Estratégia Nacional de Defesa enfatizando a atuação em rede e a redução de vulnerabilidade contra ataques cibernéticos. O Centro de Defesa Cibernética tem como ações básicas integrar e coordenar as ações de Defesa Cibernética, sendo que suas atividades são orientadas para atender às necessidades da Defesa Nacional. A base da Defesa Cibernética é a Segurança da Informação e Comunicações. Acrescenta-se que o Ministério da Defesa emitiu a Portaria nº 3.028/MD, de 14 de novembro de 2012, a qual atribuiu ao CDCiber, no âmbito do Ministério da Defesa, a responsabilidade pela coordenação e integração da defesa cibernética, contudo, será o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas – EMCFA quem exercerá o controle operacional das operações conjuntas das Forças Armadas. A Política Cibernética de Defesa, definida pela CDCiber, preconiza a atuação colaborativa de toda sociedade brasileira, como a comunidade acadêmica, os setores públicos e privados e a base industrial de defesa. O Centro de Defesa Cibernética já realizou ações práticas de monitoramento e defesa em razão de grandes eventos que ocorreram no país nos últimos dois anos. O seu primeiro e grande teste foi a realização da “Conferência Rio +20”, em 2012 e, neste ano, o CDCiber monitorou a realização da “Copa das Confederações” em 2013, o qual teve como adversidade para a Defesa Nacional, as manifestações que aconteceram em todo o país, com maior ênfase nos estados sedes dos jogos da Copa, manifestações estas promovidas por meio de redes sociais e que acabaram por incluir, através de grupos setorizados, e não vinculados à maioria dos manifestantes, a invasão de sites governamentais e divulgação de dados sigilosos de governantes brasileiros. Além das ações de monitoramento já realizadas, o Centro de Defesa Cibernética já criou o antivírus “Defesa.Br” , em parceria com a empresa “BluePex”, o qual é destinado à proteção do mercado corporativo e órgãos públicos; e o Simulador de Operações Cibernéticas (SIMOC). O SIMOC foi apresentado em janeiro de 2013 pelo Exército Brasileiro, o qual o desenvolveu com auxílio da empresa “Decatron”, sendo esta uma tecnologia 100% brasileira. O Simulador é um equipamento de treinamento e capacitação dos militares, tanto em ataques como em

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defesa cibernéticas, o que garantirá a formação de especialistas nesta área nas forças armadas brasileira. No entanto, as Forças Armadas estão cientes de que há muito trabalho a fazer, visto que um ataque ou ameaça cibernética poderá afetar a estrutura do país. Além disso, a realização de grandes eventos esportivos no Brasil nos próximos anos preocupa o Governo Federal, o qual prevê maiores investimentos e estudos nesta área, a fim de prevenir ações nos sistemas e redes do país de grupos extremistas ou Estatais, que poderiam causar sérias complicações na organização destes eventos. Dentre os investimentos, está a destinação de R$ 400 milhões de reais para a prevenção de ataques cibernéticos até o ano de 2015, o qual será revestido em projetos que visam a proteção dos eventos já mencionados. Apesar de o Brasil ser regido pelo Princípio da Defesa da Paz, é imprescindível que o Governo Federal se atente às questões de ameaças atuais, e se prepare para defender o território nacional, mesmo que seja o território virtual. Os investimentos feitos na defesa cibernética nada mais são do que uma maneira de proteger e prevenir futuros possíveis ataques e ameaças no ambiente virtual que poderá causar consideráveis estragos no ambiente físico do país.

3. CONCLUSÃO

Podemos concluir que a “Ciberguerra” é um situação real e efetiva, que ameaça a Soberania Brasileira e os interesses da Defesa Nacional. Apesar do “Uso da Força” envolver uma teoria e prática internacionais construídas com base na guerra “Tradicional”, é inerente a construção de uma nova teoria que seja capaz de dar resposta adequada e abarcada pelo Direito Internacional para que os Estados possam responder a essa nova ameaça. Constatamos a existência de inúmeros “Casos” emblemáticos, que demonstram a necessidade efetiva de se construir uma nova teoria para dar resposta a “Ciberguerra” com o objetivo de gerar maior segurança internacional, manutenindo os princípios da Paz Mundial e da Segurança Internacionais, primordiais para a atual Ordem Internacional. Questões como a identificação do ataque virtual, a sua autoria, a legitimidade para resposta, o tipo de resposta, a resposta necessária, adequada e proporcional aos ataques virtuais são elementos que devem se trabalhados pelo Estado Brasileiro e pelas organizações internacionais competentes como a ONU para definir a Ciberguerra como Nova Ameaça a ser normatizada no Direito Internacional, e em especial, a legitimação dos Estados de eventualmente responderem com o Uso da Força. Verificamos que há uma gradual e paulatina mudança no cenário internacional, tanto na preparação para uma possível guerra virtual, através de equipamentos e profissionais, como na tentativa de conter tais avanços, com a busca de novas legislações e meios para evitar e dirimir tais conflitos. Concluímos que as Forças Armadas, o Ministério da Defesa e o Governo Federal devem aprimorar as suas estruturas e alargar o debate da questão com o objetivo de aperfeiçoar as estruturas já criadas, adequando-as às novas ameaças que se colocam ao Estado Brasileiro, em especial após a sua recolocação como ator protagonista nas relações internacionais, e a importância estratégica da manutenção das suas estruturas de informação para o Desenvolvimento Nacional.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: Com ajuda do Facebook, Exército Brasileiro invade hidrelétrica em simulação de guerra cibernética. Notícia. Disponível em: <http://itweb.com.br/105867/com-ajuda-do-facebook-exercito-brasileiro-invade-hidreletrica-em-simulacao-de-guerra-cibernetica/>. Acesso em 20.07.2013. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm >. Acesso em 20.07.2013. Curso de Guerra Cibernética para Oficiais (CGCIBEROF). Disponível em: <http://www.ensino.eb.br/exibeDetalhesCurso.do?curso=683&detalhes=true#como_fazer_sua_inscricao >. Acesso em 20.07.2013. Decreto nº 6.703, de 18 de dezembro de 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/Decreto/D6703.htm>. Acesso em 20.07.2013. Departamento de Ciência e Tecnologia. Nota. Disponível em: <http://www.dct.eb.mil.br/index.php/2013-02-01-13-23-38> . Acesso em 20.07.2013. DUTRA, André Melo Carvalhais. Introdução à Guerra Cibernética: a necessidade de um despertar brasileiro para o assunto. Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Exército deve receber R$ 400 milhões para prevenção de "guerra cibernética". Notícia. Disponível em: <www.tecmundo.com.br/tecnologia-militar/37801-exercito-deve-receber-r-400-milhoes-para-prevencao-de-guerra-cibernetica-.htm>. Acesso em 20.07.2013. GRAY, Christine. International Law and The Use of Force. 2nd ed. New Yorl: Oxford University Press, 2004 GROTIUS, Hugo. O direito da guerra e da paz. vol. I. Ijuí: Unijuí, 2004. 767 p. JOYNER, Christopher C. e LOTRIONTE, Catherine. Information Warfare as International Coercion: Elements of a Legal Framework. Ejil, 2001. O primeiro Simulador de Operações de Guerra Cibernética do Brasil. Notícia. Disponível em: <http://www.exercito.gov.br/web/midia-impressa/feed/-/journal_content/56/16541/2508594?refererPlid=16560#.UfKCfNK1Hng >. Acesso em 20.07.2013. Os setores estratégicos da END. Disponível em: <http://www.defesa.gov.br/projetosweb/cedn/arquivos/palestras-junho-2013/os-setores-estrategicos-da-end-cibernetico.pdf >. Acesso em 20.07.2013. PARKS, Raymon C.; DUGGAN, David P. Principles of Cyber-warfare. Proceedings of the IEEE Workshop on Information Assurance, West Point, NY, p 122 – 125, 2001.

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QURESHI, 2002. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (Org.). Comentário à Carta das Nações Unidas. Belo Horizonte: CEDIN, 2008. SHACKELFORD, Scott J..From Nuclear War to Net War: Analogizing Cyber Attacks in International Law, 2008. Disponível em: < http://works.bepress.com/scott_shackelford/5> . Acesso em 20.07.2013. Simulador Nacional de Operações Cibernéticas será usado pelo Exército Brasileiro. Notícia. Disponível em: <http://anjosguardioes.com/noticias/simulador-nacional-de-operacoes-ciberneticas-sera-usado-pelo-exercito-brasileiro.html >. Acesso em 20.07.2013. IES: Centro Universitário Newton Paiva Professor Mcs. William Ken Aoki Professor de Direito Internacional Público e Tributário Alunos: Aline Gabriela Aparecida Teixeira (Curso de Direito) Déborah Carolina Celeste da Silva Soares (Curso de Direito) Fabiana Pacheco de Souza Silva (Curso de Direito) Laiane A. Dantas de Oliveira (Curso de Direito) Renata Meniconi Rezende (Curso de Direito)

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O Conselho de Defesa Sul-Americano: Significado para uma Estratégia de Defesa Comum

Por Bárbara Sabadin Bueno Juliana Cintra Lauriano Silva

Pedro de Souza Melo Rodrigo Santiago Juaçaba

Victor de Sá Neves Resumo

Com o interesse em analisar a cooperação multilateral dos países Sul-Americanos para a área da Segurança Internacional, o presente artigo terá como foco o Conselho de Defesa da UNASUL (CDS), principal organismo de segurança do continente. Deste modo, serão aqui analisadas as funções deste Conselho, suas oportunidades de ação enquanto conjunto e também desafios que o cerca. A partir do conceito de comunidade de segurança, será analisada a atuação recente do Conselho de Defesa, a fim de perceber se este pode ser um mecanismo eficaz para a promoção desta comunidade de segurança na região. Assim, buscou-se com este estudo promover tanto uma compreensão geral do panorama atual do Conselho como possíveis reflexões quanto a soluções para seus problemas, chegando a conclusão de que o CDS ainda não pode ser considerado como uma comunidade de segurança, havendo diversos obstáculos para isto, porém que já demonstra um importante avanço para o processo de cooperação em defesa na América do Sul. Palavras-chave: Conselho de Defesa Sul-Americano; comunidade de segurança; UNASUL; cooperação militar

1. Introdução

Em um cenário mundial em que o multilateralismo se torna um dos principais pilares de negociação entre os Estados e o regionalismo ganha cada vez mais força nas negociações internacionais, é evidente que temas das chamadas high politcs tenham um papel de proeminência nesses foros interestatais. Assim, a criação de mecanismos multilaterais de segurança vem ganhando um papel prioritário nas agendas dos mais diversos países, que passam a buscar em seu sistema regional foras de cooperação cada vez mais eficientes e que promovam contínuos benefícios gerais. Acompanhando esta tendência internacional a qual gerou foros internacionais como o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) e a Organização para Cooperação de Xangai (OCX) está o continente Sul-Americano, que tem seus Estados cada vez mais interessados na promoção de uma maior segurança regional.

Para uma melhor compreensão deste recente fenômeno são necessários então estudos que analisem as tentativas dos governos destes países em criar mecanismos de consulta e de cooperação multilaterais, sendo este portanto o principal objetivo do presente artigo. Este ganha validade também ao ter como objeto de análise o Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS),

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principal foro multilateral de segurança da região e que abrange todos os países da América do Sul. Deste modo, esta análise estará divida em cinco seções, a contar com a introdução.

Assim, a seção seguinte terá como objetivo realizar uma breve apresentação do Conselho supracitado bem como seu funcionamento, esclarecendo com isso os principais temas de sua agenda. Uma terceira seção tratará das oportunidades do CDS no atual âmbito internacional, investigando de que modo os países que o compõe poderiam agir para chegar às melhores iniciativas que gerem benefícios mútuos. Já a quarta seção terá como função trazer à tona os desafios que impedem que muitas destas oportunidades se concretizem, revelando com isso as principais controvérsias que permeiam este sistema regional. Ademais, uma seção final concluirá o artigo com um balanço geral sobre o que foi analisado nas partes anteriores bem como com uma reflexão sobre possíveis caminhos que esta organização poderá tomar.

2. Sobre o Conselho

O Conselho de Defesa Sul-Americano é um órgão da UNASUL, sendo que a sua

proposta de criação foi anunciada na Terceira Reunião de Presidentes da América do Sul em 2004 no Peru. A sua criação efetiva ocorreu em 2008 na III Reunião Ordinária da UNASUL com foco em realização de exercícios militares entre os países, elaboração de políticas de defesa e integração da base industrial de defesa da América do Sul. É importante ressaltar que não existia outro órgão para cuidar do problema da defesa na região sul-americana (MONTENEGRO, 2011)

O estímulo para a criação do Conselho foi brasileiro, mostrando assim o seu papel de liderança na região. Segundo Battaglino (2009), o Conselho representa uma convergência de fatores externos e internos para o Brasil. Pois há a evolução da região em direção a uma situação de maior tensão entre os Estados e há também uma mudança da estratégia brasileira de inserção regional e internacional, devido às condições econômicas e políticas favoráveis. Portanto, a criação do Conselho corresponde a uma mudança do contexto de defesa na região sul-americana como uma estratégia nova de política externa favorecida pelo bom contexto econômico e político.

Segundo Silva e Flôr (2011) o ponto fundamental do Conselho é a construção de medidas de confiança com o intuito de fortalecer a estabilidade na América do Sul. Dessa forma, os seus objetivos gerais consistem em: consolidação da região sul-americana como uma zona de paz, com isso o Conselho funcionaria como uma base para a estabilidade democrática e o desenvolvimento integral dos povos e como contribuição à paz mundial. Além disso, seu objetivo consiste também na construção de uma identidade sul-americana na área de defesa e na criação de consensos para fortalecer a cooperação regional em matéria de defesa (MONTENEGRO, 2011)

Para alcançar os objetivos traçados, foram estipuladas medidas de confiança e segurança para fomentar o processo de institucionalização do Conselho. Para isso ocorrer, há trocas de informações, comunicação sobre as atividades militares e possibilidade de verificação da situação da fronteira. Sendo que foram elaborados procedimento de aplicação dessas medidas de

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confiança e segurança que de acordo com Montenegro (2011) foram estipuladas da seguinte maneira:

1) sobre a troca de informação e transparência: a organização e procedimentos dos Ministérios de Defesa; informações sobre os efetivos, forças e equipamentos das Forças Militares; 2) sobre as atividades intra e extra-regionais: mecanismo de notificação dos exercícios militares e de convite à observadores militares de outros países da Unasul para acompanhar esses exercícios; 3) sobre as medidas no âmbito da segurança: medidas para prevenir a presença e ação de grupos armados; medidas de prevenção, combate e sanção contra atos de terrorismo; 4) sobre as garantias: garantia de conservação da América do Sul como uma zona livre de armas nucleares; 5) sobre o cumprimento e verificação: mecanismo voluntário de visitas à instalações militares; verificação da situação das zonas de fronteira.

Por meio desses procedimentos e dos objetivos comuns, nota-se a tentativa de criação de uma identidade em matéria de defesa. Existem entre os países da UNASUL valores, normas e histórias comuns que dão grande impulso para a formação de uma comunidade de segurança. Segundo Deutsch (1957) comunidade de segurança é uma esfera em que existe uma garantia de que os membros pertencentes a essa comunidade não irão lutar fisicamente um contra o outro, mas irão resolver suas disputas de outra forma.

De forma geral, Deutsch (1957) define a integração gerada por essa comunidade como a condição na qual um grupo de pessoas alcançam dentro de um território um senso de comunidade, instituições e práticas fortes para assegurar entre as pessoas uma gama de bens e serviços. Assim, a o Conselho de Defesa Sul-Americano pode ser uma busca pela integração ao possuir características adequadas para a formação de uma comunidade de segurança.

3. Oportunidades O Conselho de Defesa Sul-Americano representa a primeira tentativa de integração entre todos os países da América do Sul bem-sucedida, sendo tal fato desencadeador de novas maneiras de cooperação. A presença de todos os Estados num mesmo Conselho é um fator que possibilita que as decisões tomadas por este diálogo tenham maior legitimidade. A cooperação em defesa entre alguns países da América do Sul já ocorre desde o final do século XX – o CDS seria, então, capaz de ampliar o escopo de ação (CABRAL, 2012). Os principais objetivos do Conselho, já descritos, são oportunidades que se apresentam como realizáveis justamente por agregar todos os países da região. Dentre todos os objetivos, se pode afirmar que alguns deles representam maiores oportunidades para cooperação em defesa na região: a cooperação do desenvolvimento de armamentos, uma noção comum sobre como conduzir as questões de defesa e a atuação do Conselho como um órgão capaz de interferir e

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resolver conflitos de defesa na região. Dentre estes pontos, os dois últimos são cruciais por representarem uma inovação de grande importância para a consolidação de um Conselho forte e atuante. A primeira grande oportunidade é o desenvolvimento de uma indústria de armamento sul-americana que possibilite à região independência dos grandes centros produtores, possibilitando ao Brasil o desenvolvimento de uma estratégia de defesa que seja autônoma e efetiva – sem o condicionamento imposto por muitos centros produtores (BATAGLINO, 2009). O desenvolvimento de indústrias de armamentos na região é, além de uma oportunidade de diminuir a dependência em termos de defesa, também uma oportunidade de gerar desenvolvimento econômico, melhorando as situações dos países também perante tal perspectiva. Com a cooperação para tais indústrias, se tem benefícios não somente para a defesa na região, mas também para a integração almejada. As outras duas grandes oportunidades de cooperação regional colocadas pelo CDS representam um avanço necessário: a necessidade de percepção de quais são as maiores ameaças na América do Sul e, a partir disso, como coordenar o aparelho de defesa de todos os países para poder combatê-las. Assim, as discussões que o Conselho pode promover para que a região consiga traçar um entendimento comum de defesa. Ainda que diversos países possuam Livros Brancos onde está delineada sua estratégia de defesa, esta muitas vezes não se apresenta de maneira tão clara, além de não ser suficiente para que aja um alinhamento. A concordância de todos os países em conversarem sobre o assunto levanta uma grande chance de se decidir como a América do Sul vê a questão da defesa – oportunidade que não deve ser perdida. É a partir da possibilidade de decisão de um panorama comum – que, decidido por todos, incorrerá em maiores dificuldades de quebra por aquele que discordar – que se tem a chance de traçar metas de cooperação efetivas. Um dos problemas atuais da América do Sul que necessita de uma coordenação em defesa, por exemplo, é o combate ao crime organizado. Existindo especificidades de seu funcionamento na região, o CDS passa a representar uma oportunidade única para esta questão, podendo definir mecanismos efetivos e comuns a isso – assim, o Centro de Estudos Estratégicos em Defesa do Conselho de Defesa Sul-Americano (CEED), por exemplo, pôde apresentar ao Conselho um Relatório sobre a questão da Segurança na região, tendo o CDS passado, então, a pensar soluções. Tais soluções não se colocam fora de um contexto, sendo postas como

uma matriz conceitual de variáveis múltiplas, destinada a elaborar, sobre parâmetros semelhantes e comparáveis, um registro dos enfoques nacionais que servisse de base para a análise da situação regional e das alternativas de cooperação, em relação a: definições, tipologia, características, impacto, âmbitos responsabilidades institucionais (políticas e operacionais), meios de combate, contextos legais, e acordos de cooperação (...). tentando identificar as coincidências e semelhanças a partir das particularidades próprias de cada nação membro da UNASUL, e os elementos comuns

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para a construção coletiva regional de alternativas de respostas perante estes flagelos, sem esgotar o que será matéria de políticas e agendas institucionais específicas derivadas dos acordos interministeriais (CEED, 2012, p. 6)

Dessa maneira, a CDS já começa a delinear concepções de Defesa parecidas, passo extremamente importante para a cooperação no assunto. É por meio da necessidade de cooperação para enfrentar estas novas ameaças à segurança, que não ocorrem no âmbito do Estado-nação – caso das guerrilhas e do próprio crime organizado, que se delineia um caminho de trabalho conjunto – afinal, tais novas ameaças representam maiores riscos para a região, o que leva a uma maior vontade política de que os Estados vejam a cooperação em defesa como um tema mais crucial (FLEMES, 2004). A cooperação se torna mais importante se a América do Sul quiser manter sua relativa paz, evitando que tais conflitos se desenvolvam em guerras. (FLEMES, 2004). É nesta conjuntura que o Conselho de Defesa aparece como um importante mecanismo, não só de levantamento de informações, mas também de um ator comum a problemas de defesa que não afetam somente um país e que, por isso, precisam de estratégias que sejam pensadas por todos e cujos mecanismos de ação sejam concordados por todos, impedindo que mudanças legislativas de país para país passem a ser um impeditivo ao combate a ameaças como o crime organizado. Nesse sentido, o CDS já tem êxito no ponto de ser destinado aos sul-americanos, sendo livre de interferência de países tradicionalmente presentes nas questões militares da região, como os EUA (FLEMES, 2004). A partir disso, é possível analisar a atuação do Conselho de 2008 até o presente momento. Foram elaborados três Planos de Ação, um em 2009, outro em 2010-2011 e o último em 2012 – o primeiro discorria sobre a cooperação em missões humanitárias e de paz, além de cooperação nas indústrias de armamentos e formação humana para a área de defesa. Já o segundo prevê, por exemplo, a criação de um mecanismo de consulta para as ameaças de defesa, além de traçar panoramas de gastos com defesa na região. Por fim, o Plano de 2012 prevê a criação da Agencia Espacial Sul-Americana, além de destacar a importância do treinamento de civis (CABRAL, 2012). É inegável, a partir disso, a ambição de ação que o CDS apresenta. Tal ponto é extremamente favorável a uma organização que ainda está em seu começo, que ainda não é desacreditada – e que, se aproveitadas as chances de diálogo que se apresentam, tem muito a contribuir para a defesa na América do Sul. É claro que ainda se colocam diversos desafios, principalmente considerando a completa inovação no assunto, quando se pensa em uma organização abrangente de toda a região. Há, porém, cooperações entre países da América do Sul que já vem sendo desenvolvidas há tempos, como a defesa das regiões de fronteiras e de locais como a Amazônia. O CDS apresenta, sim, uma dinâmica nova, capaz de ser mais efetiva nas resoluções dos problemas sul-americanos – se superados os obstáculos.

3. Desafios

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Apesar de constituir importante fórum para debate e coordenação de atitudes no âmbito da defesa no subcontinente sul-americano, algumas dificuldades se apresentam para a constituição de cooperação aprofundada que seja capaz de criar uma verdadeira comunidade de segurança na América do Sul. Tal qual supracitado, o Conselho de Defesa Sul-Americano tem como marco conceitual a necessidade de construção de confiança e fortalecimento da estabilidade no sub-continente. Nesse sentido, desenhar-se-á, nessa seção, alguns empecilhos que podem se apresentar para o desenvolvimento desse projeto. Um dos principais desafios que se apresentam para a formação de uma parceria multilateral no subcontinente está na ausência de coordenação no que tange à definição das prioridades estratégicas. Talvez, a relação histórica entre a América do Sul e os Estados Unidos seja um exemplo de discordância nas visões dos governos da região. Nas palavras de Medeiros Filho (2010), há um grupo de países 1 de vertente ideológica bolivarianista que age contrariamente à atuação estadunidense na região, encarando a presença daquele país como uma das principais ameaças no cenário de defesa regional. Enquanto isso, no cone Sul, a Argentina foi qualificada, em 1997, como aliada especial de fora da OTAN, contrariamente às opiniões de Brasil e Chile, dando maior espaço para atuação estratégica estadunidense no Atlântico Sul (FLEMES, 2004). Na parcela moderada, encontra-se a maioria dos países, que não concordam nem com a posição extrema de tratar as "potências hegemônicas" como ameaças, nem com a permissão de "entrada" irrestrita dos Estados Unidos no cálculo estratégico de toda a América do Sul. Para completar, Medeiros Filho (2010) também argumenta que houve ampliação dos desafios e ameaças os quais os Estados da região enfrentam. Surgiram, nos últimos anos, novos temas importantes que ameaçam a segurança e estabilidade no contexto regional. Dentre eles, pode-se citar o narcotráfico, o crime organizado, as organizações para-militares e, mais recentemente, o tráfico internacional de espécies da fauna e flora amazônica. Ou seja, amplia-se o escopo de preocupação em função dos novos problemas, enquanto os temas militares clássicos (projeção de poder e ataques) perdem espaço nos planejamentos governamentais. Outra questão a se considerar é o grau de integração a que se pretende chegar com a comunidade de segurança sul-americana. Caso se defina que há uma identidade estratégica comum entre as Forças Armadas (FA) dos países, torna-se mais fácil um caminho para a construção da arquitetura de paz e cooperação mais aprofundadas. Com isso, quer-se dizer não apenas troca de informações sobre estudos estratégicos de defesa ou anúncios prévios de movimentações militares, mas aprofundamento do intercâmbio tecnológico e na formação de pessoal. Entretanto, há diferenças no papel atribuído às FA nas legislações nacionais que podem gerar dissensos capazes de restringir o escopo de atuação do CDS para uma escala limitada. Depois, deve-se avaliar também o grau de legitimidade institucional do qual a UNASUL goza. De acordo com Flemes (2004), caso não haja uma instituição politicamente consolidada o

1 Esse tipo de agenda tem se manifestado nos últimos anos nos programas de defesa da Bolívia de Evo Morales e na Venezuela de Hugo Chavéz e, agora, Nicolas Maduro.

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bastante, fóruns de debate e coordenação aprofundados serão pouco frutíferos e não sairão do plano discursivo. A coordenação, nesse caso, necessita de instituições governamentais democráticas e consolidadas que depositem a sua confiança e empenho político no Conselho para fazer com que a comunidadede segurança seja de fato instituída. Por fim, Teixeira Júnior (2010) afirma ainda que, apesar de ter grau de institucionalização baixo, o CDS pode ser importante na medida em que agrega confiança ao movimento estratégico dos países evitando que conflitos em potencial intrarregionais ocorram. Mesmo com essas dificuldades impostas ao diálogo mais intenso no nível multilateral, é necessário ter em mente que há muito tempo vários líderes das pastas de Defesa e Relações Exteriores dos países têm ressaltado a necessidade de se avançar nos diálogos e coordenação dessa agenda. Ou seja, por mais que haja dificuldades a serem superadas, as autoridades têm mantido, pelo menos no nível do discurso, alto nível de vontade política para dar legitimidade ao CDS. Resta saber se esse discurso vai ser de fato revertido em práticas mais sólidas no âmbito da "comunidade de segurança" sul-americana.

4. Conclusão

Observa-se assim que iniciativas tais qual a cooperação na área da indústria para a defesa ou a abertura de um canal de diálogo entre todos os países da América do Sul para importantes questões de segurança são oportunidades bastante válidas e que merecem uma atenção especial dos líderes da região. No entanto, é importante lembrar que este sistema regional apresenta uma ampla pluralidade ideológica, a qual se torna por vezes um grande empecilho à cooperação sul-americana, uma vez que os países não conseguem atingir um desejado consenso e, com isso, chegar a benefícios mútuos. Assim, havendo ainda muitos obstáculos a serem superados, o CDS está longe de poder ser considerado como um mecanismo capaz de levar a uma comunidade de defesa na América do Sul - falta ainda um senso de comunidade, trazido por ideias em comum. Há, ainda, grande divergência, que os poucos anos de Conselho não foram capazes de superar (o que não pode ser considerado uma crítica a instituição, visto a dificuldade de estabelecimento de tais tipos de comunidade). Nesse sentido, a América do Sul está longe de tal feito, mas já começa a desenvolver caminhos para isso. O CDS, neste ponto, é um grande avanço por significar um pensar uma estratégia de defesa comum pela primeira vez, quando tantas outras regiões do globo já o haviam feito (BATAGLINO, 2009). Ressalta-se contudo, apesar das falhas aqui apresentadas, a importância deste mecanismo de integração multilateral para a região sul-americana, uma vez que o Conselho fornece a todos os países da região um espaço permanente para diálogo, além de possibilitar uma importante troca de experiências e informações entre seus membros. Assim, ao considerar a necessidade de consolidar e expandir as oportunidades presentes no CDS, urge a sobreposição de diversos dos desafios aqui expostos para que sejam eficientemente tratados não apenas os assuntos clássicos da agenda de segurança, tal qual a defesa de fronteiras e projeções de poder e ataques, mas também novos tópicos que permeiam cada vez mais o atual cenário internacional.

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5. Referências bibliográficas

BATAGLINO, Jorge. O Brasil e a Criação do Conselho de Defesa Sul-Americano. Uma convergência de vantagens. Nueva Sociedad, Argentina, p. 79 – 89, dez de 2009. CABRAL, Ricardo P. Conselho de Defesa Sul-Americano. Anais do XV Encontro Regional de História da ANPUH-Rio, São Gonçalo, jul de 2012. CENTRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS DE DEFESA. Unasul e a Cooperação contra o Crime Organizado Transnacional e os delitos fronteiriços. Relatório do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa do Conselho de Defesa Sul-Americano, a respeito do Crime Organizado Transnacional e Outras Novas Ameaças para a Segurança Regional. Assunção, 2012. DEUTSCH, K. Political Community and the North Atlantic Area. Nova Iorque: Greenwood Press, 1957. FLEMES, D. Rumo à comunidade de segurança no Sul da América Latina – uma corrida de obstáculos. Iberoamericana, v. 4, n. 14, p. 182 – 186, jun 2004. MEDEIROS FILHO, O. Entre a cooperação e a dissuasão: políticas de defesa e percepções militares na América do Sul. Tese (Doutorado). São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2010. MONTENEGRO, B. A “Comunidade de Defesa Sul-Americana”: uma abordagem construtivista. Programa de Pós-Graduação (UERJ). 2011. Disponível em: http://www.ppgri.uerj.br/form/Bruno_Marcio.pdf. Acesso em: 24 de Julho de 2013. SILVA, A. FLÔR, C. Unasul, Conselho de Defesa Sul-Americano, e cooperação: lições da cooperação militar entre as marinhas de Brasil, Argentina e Uruguai. Revista da Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.17 n. 2 p. 49-63, jul/dez 2011. 1 TEIXEIRA JÚNIOR, A. W. M. Segurança Sul-Americana e a Centralidade do Conselho de Defesa Sul-Americano para a Ordem Regional. Mundorama, n. 32, abr. 2010. Disponível em: http://mundorama.net/2010/04/21/seguranca-sul-americana-e-a-centralidade-do-conselho-de-defesa-sul-americano-para-a-ordem-regional-por-augusto-wagner-menezes-teixeira-junior/. Acesso em: 26 jul. 2013.

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A Contribuição do Clube de Guerra Eletrônica para a Formação do Oficial da Aeronáutica: o Projeto VANT

Lucas Luiz de Ávila1, Giancarlo Lantieri Cavanha2, Hingrid Spirlandeli Nunes da Silva3,

Marcos Vicente da Silva Guimarães4

INTRODUÇÃO

O Clube de Guerra Eletrônica (CGE) da Academia da Força Aérea (AFA) surgiu no ano

de 2010 com o objetivo de estudar os conceitos de Guerra Eletrônica e suas implicações para a Força Aérea Brasileira (FAB), bem como trazer para a formação do oficial aviador, intendente e de infantaria conhecimentos quanto às inovações tecnológicas nas operações da FAB. Dentre os vários assuntos discutidos há bastante interesse dos integrantes no desenvolvimento dos Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT). Com esta motivação, foi idealizado um projeto no CGE denominado PROJETO VANT com o objetivo primordial que os próprios cadetes desenvolvam e apliquem um VANT nas atividades do Corpo de Cadetes da Aeronáutica (CCAEr).

Segundo Furtado et al. (2008), Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT) é um termo genérico que identifica uma aeronave que pode voar sem tripulação, normalmente projetada para operar em situações perigosas e repetitivas em regiões consideradas hostis ou de difícil acesso. Existe uma grande diversidade de tipos de VANTs, muitos deles ganhando ênfase na esfera civil e tornando-se uma opção válida no cenário comercial atual.

Os VANT’s são aplicados, atualmente, nas mais variadas áreas, como exemplo vale destacar a utilização de drones ou VANT’s pelas polícias estaduais na segurança pública, bem como no monitoramento de zonas urbanas. Foi na aviação militar que o VANT nasceu e é onde ocorrem os maiores avanços, como já é realidade a utilização de VANT pela FAB e Polícia Federal no monitoramento dos estádios brasileiros durante a Copa das Confederações da FIFA.

É nítido perceber o quanto a guerra ou atividade aérea militar se tornou tão complexa e avançada tecnologicamente, por isso é de suma importância que o cadete da aeronáutica conheça sistemas e tecnologias que possibilitam equilibrar o potencial das Forças Armadas do Brasil frente às demais, principalmente, considerando que a FAB é alicerçada na tecnologia tanto embarcada como terrestre.

No entanto, o PROJETO VANT do CGE não foi concebido de forma prática, mas apenas teórica. Desde 2010 nenhum trabalho ou pesquisas foi elaborado com a finalidade de tornar esse projeto possível e viável considerando a base acadêmica dos cadetes. Para o desenvolvimento do VANT é preciso aplicar conceitos de eletrônica digital e computação, pois o esta aeronave é nada mais que um robô programado para realizar uma determinada missão, por isso, além de voar, ele terá que desempenhar uma função operacional, seja ela qual for.

Enfim, a proposta deste artigo é abordar soluções que contribuam com o desenvolvimento do projeto VANT do Clube de Guerra Eletrônica complementando os conhecimentos já adquiridos pela Divisão de Ensino da AFA em eletrônica digital e computação através da tecnologia Open Source Arduino e diversos sensores capazes de manter um aeromodelo elétrico em vôo autônomo planado de forma estável e controlado sem prejudicar a segurança dos equipamentos, bem como sugerir um sistema de navegação embarcado. E assim, contribuir para formação dos oficiais da FAB quanto sua consciência situacional de Guerra Eletrônica, mesmo

1 Cadete do 4º Esquadrão do Curso de Formação de Oficiais Aviadores – [email protected]

2 Cadete do 4º Esquadrão do Curso de Formação de Oficiais Aviadores – [email protected]

3 Cadete do 4º Esquadrão do Curso de Formação de Oficiais Aviadores - hindgrinHÁ@hotmail.com

4 Cadete do 4º Esquadrão do Curso de Formação de Oficiais Intendentes – [email protected]

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que de forma amadora, o Clube de Guerra Eletrônica busca motivar seus cadetes para novas tecnologias no âmbito do combate em meio eletromagnético. OBJETIVO Analisar e aplicar meios viáveis para o desenvolvimento da estabilidade de vôo autônomo planado de um aeromodelo elétrico para aterragem em um ponto pré-determinado. Para isso, será usada uma placa micro-controladora Arduino com um sensor básicos para um vôo estabilizado, acelerômetro MMA8452Q. O princípio de controle de vôo aplicado nesta pesquisa será o mesmo aplicado ao vôo por instrumentos de uma aeronave convencional, uma vez que este tipo de pilotagem é caracterizado pela sua precisão e suavidade, bem como é regulamentado. Pelo método pesquisa-ação, o objetivo deste trabalho será alcançado avaliando os resultados nos testes de vôo realizados nos gramados da AFA com um aeromodelo elétrico fabricado pela BIXLER embarcando tanto o micro-controlador e seus sensores acima descriminados. Comparando os resultados obtidos com os esperados, o pesquisador verificará a viabilidade deste sistema para o desenvolvimento ideal de um VANT pelo Clube de Guerra Eletrônica no futuro. MICRO CONTROLADOR Todo micro-controlador é um componente eletrônico complexo programável a partir de uma linguagem computacional. É capaz de realizar tarefas digitais lógicas para fins diversos definidos pelos seus programadores, um exemplo deste tipo de componente é o processador de computador pessoal. A comunicação entre programador e micro-controlador é baseada em uma linguagem computacional ou binária, onde 1 equivale a uma informação e 0 a ausência desta. Esta linguagem traduz a intenção do programador ou linguagem humana em linguagem binária ou computacional. O tipo de linguagem pode variar tanto pelos objetivos finais de uma programação como pelos componentes eletrônicos usados no controlador. Atualmente, os fabricantes de micro-controladores já desenvolvem componentes compatíveis a várias linguagens, um exemplo é o ARDUINO, o qual é baseado na linguagem WRING e multi-plataforma que significa que pode ser programado a partir de sistemas operacionais distintos como Windows, MOS ou Linux. Para facilitar o progresso nos projetos dos programadores surgiram placas com micro-controladores ou plataformas com prototipagem eletrônica OPEN-SOURCE que se baseiam em hardware e software flexível e fácil de usar. É o caso da placa ARDUINO. ARDUINO

“O Arduino é uma plataforma de hardware livre, projetado com um micro-controlador Atmel AVR. É uma placa de código aberto baseado em um circuito de entradas/saídas simples, micro-controlada e desenvolvida sobre uma biblioteca que simplifica a escrita da programação em C/C++. O micro controlador na placa pode ser programado com a linguagem de programação Arduino, que é baseada na linguagem Wiring, seu ambiente de desenvolvimento é baseado no Processing. A linguagem do Arduino é um conjunto de funções C/C++ que podem ser chamadas em seu código”. (BANZI, 2011.p.5)

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Figura 1 – Placa arduino. Fonte http://www.arduino.cc/ (2013)

FUNCIONAMENTO: O Arduino consiste em um kit de desenvolvimento que interpreta as variáveis no

ambiente para transformá-las em sinal elétrico, através de sensores ligados a terminais de entrada, controlando ou acionando algum outro elemento eletro-eletrônico conectados ao terminal de saída. Em outras palavras, é uma ferramenta de entrada e saída de dados, que pode ser acionada por um sensor, e depois processada para acionar um atuador. (http://tardocchi.wordpress.com/2013/03/02/introducao-ao-arduino/) De acordo com as informações acima, conclui-se que o ARDUINO desempenhará, neste caso, a mesma função de um piloto de avião, visto que ele será o gerenciador das leituras dos sensores, ou seja, para qualquer variação de quaisquer sensores haverá uma determinada correção que será feita pelos servos-motores. Os sensores são a fonte de todas as entradas e os servos-motores serão os terminais da saída de dados, sendo que esse processo será executado de forma indefinida, determinada pela seqüência ditada no loop do código (loop significa que o ARDUINO fará as leituras dos sensores em uma ordem pré-determinada, sendo que voltará à leitura do primeiro sensor após a do último e assim por diante até que se elimine a fonte energética do ARDUINO), em outras palavras, enquanto houver energia no sistema os sensores continuarão a realizar suas leituras, enviando-as para o ARDUINO que irá traduzi-las em sinais de onda para os servos efetuando as correções devidas.

Figura 2 - Diagrama de entradas e saídas de dados com ARDUINO. Fonte: o autor AEROMODELO

O modelo de um aeroplano é uma versão reduzida de um aeroplano em seu tamanho normal. Os modelos e os objetos em seu tamanho normal têm os mesmos tipos de relação entre os comprimentos de suas diferentes partes. [...] Um modelo é apenas um meio de transferir alguma relação de sua forma real para outra forma. (BOLTON, 1993, p. 4).

Conforme Bolton (1993), a diferença de um aeromodelo com um avião de tamanho normal está apenas na escala, por isso é válido considerar um aeromodelo, um avião e como tal deve ser pilotado adequadamente. Na AFA, durante os finais de semana, há operação de planadores na pista do setor E sendo esta coordenada pelos próprios cadetes pertencentes ao Clube de Vôo a Vela (CVV). O planador é uma aeronave desprovida de motor que mantém o seu vôo através de sua razão de planeio que representa sua eficiência aerodinâmica, esta razão é em média muito mais

SENSORES ARDUINO SERVOS-MOTORES

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elevada que de um avião convencional. Dentre as vantagens de um planador estão sua suavidade da pilotagem e a estabilidade de vôo. Assim como há aeromodelos de aviões convencionais, também há modelos de planadores como exemplo pode-se citar o aeromodelo BIXLER do HOOBY KING. Este modelo tem as mesmas características aerodinâmicas de um planador, suas asas são longas e sua estrutura é de isopor, porém está equipado com um motor para ascensão. O BIXLER é equipado com quatro servos-motores para controle de suas superfícies de comando, um para cada aileron, um para o profundor e um para o leme. Os eixos de controle de um avião ou de um aeromodelo são: longitudinal, transversal e vertical. Todos controlados pelas respectivas superfícies de comando aileron, profundor e leme. Todo avião é controlado por estes eixos e assim tem movimento em todas as direções possíveis.

Para entender melhor os eixos de uma aeronave, abaixo há a especificação do movimento de cada eixo:

Figura 3 - Manobras possíveis em uma aeronave. Fonte: Toy Wing (2013)

• LONGITUDINAL: neste eixo, o avião gira em torno de seu nariz pelo movimento alternado dos ailerons, a asa que deflete o aileron para cima diminui sua sustentação e a asa que deflete o aileron para baixo aumenta sua sustentação, assim ocorre o movimento de rolagem ou roll;

• TRANSVERSAL: neste eixo, o avião levanta ou abaixa o seu nariz pelo movimento do profundor, quando este é defletido para cima cria uma força aerodinâmica para baixo levando o nariz para cima, quando defletido para baixo ocorre o inverso. Este movimento é chamado de arfagem ou pitch e determina a atitude do avião em relação ao horizonte. Este eixo altera o ângulo de ataque das asas, componente vital da sustentação;

• VERTICAL: neste eixo, o avião gira no sentido da direita ou da esquerda, este movimento é conseqüência da atuação do leme, quando este é defletido para direita cria uma força aerodinâmica na cauda para esquerda levando o nariz da aeronave para direita, quanto defletido para esquerda o contrário é verdadeiro. Através deste eixo se corrige a coordenação da aeronave devido ao vento relativo bem como é o responsável pela manutenção da proa.

Vale ressaltar que os ailerons, profundor e leme são superfícies de comando primárias, pois, alteram diretamente na resultante das forças aerodinâmicas do avião modificando sua trajetória, atitude e coordenação.

No aeromodelo BIXLER a atuação destes eixos será como explicada acima, entretanto para o cumprimento do objetivo este modelo deverá desenvolver um vôo planado.

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Um avião pode voar sem a tração do motor, porém em trajetória descendente. Esse tipo de vôo chama-se vôo planado. O avião é impulsionado por uma força resultante da gravidade e a sustentação é menor que o peso. Esta definição orienta o vôo que será analisado neste trabalho.

De acordo com as regras de vôo por instrumentos definidas na ICA 100-12, a razão de descida de uma aeronave deverá ser de 500 ft/min a 1000ft/min, mas como o aeroplano utilizado neste trabalho trata-se de um modelo de planador e em escala bem menor, a razão de descida realizada pelo BIXLER será de acordo com as capacidades aerodinâmicas deste aeromodelo, visualizada durante os vôos controlados do aeromodelo. SENSOR O sensor a seguir será utilizado e testado com a finalidade de verificar a confiabilidade de suas leituras em condições simuladas de vôo em solo. Será testado de forma separada e individual sendo que o teste no aeromodelo será apenas em solo.

O roteiro de teste é confeccionado para nortear os resultados obtidos na experiência buscando separar as etapas que apresentam conflitos com os resultados esperados. Desta forma, será possível pautar erros e tendências nas leituras do sensor, as quais poderiam prejudicar o vôo planado do aeroplano. ACELERÔMETRO MMA8452Q

De acordo com o manual da FreeScalle, o MMA8452Q é um acelerômetro inteligente, de baixa potência, de três eixos, capacitivo, micro-controlado com 12 bits de resolução. Este acelerômetro é embarcado com funções incorporadas com opções flexíveis de programação para os usuários, configuráveis para dois pinos de interrupção. Funções de interrupção incorporadas permitem a economia de energia global e aliviar o processador host a partir de dados de sondagem de forma contínua.

Figura 4 – Acelerômetro. Fonte: Freescale Semiconductor (2013).

Este sensor é capaz de “sentir” acelerações de +/-2g, +/-4g, +/-8g nos seus três eixos X, Y e Z, bem como verificar a posição angular de cada eixo como explicado no documento acima referido da FreeScalle.

Para comunicação entre o sensor e o ARDUINO será usado o protocolo de comunicação I2C.

Conforme o protocolo de comunicação em dois sinais I2C foi originalmente desenvolvido pela Philips em meados de 1996. Atualmente este protocolo está amplamente difundido e interconecta uma ampla gama de dispositivos eletrônicos. Dentre estes encontramos vários dispositivos de controle inteligente, normalmente micro-controladores e microprocessadores assim como outros circuitos de uso geral, como drivers LCD, portas de I/O, memórias RAM e EEPROM ou conversores de dados.

Características gerais do barramento I2C: • Suporta qualquer tecnologia de produção. • Duas vias de comunicação: serial data (SDA) e serial clock (SCL), ambas bidirecionais,

conectadas ao positivo da fonte de alimentação através de um resistor de pull-up. Enquanto o barramento está livre, ambas as linhas ficam em nível lógico alto.

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• A taxa de transferência máxima é de 100kbit/s no modo padrão (standart), ou 400kbit/s no modo rápido (fastmode).

• Informação de carry entre dispositivos conectados. • Todo dispositivo possui um endereço único no barramento, independente de sua natureza. • Qualquer dispositivo conectado pode operar como transmissor ou receptor. Claro que isso

depende da natureza do dispositivo - um LCD não vai operar como transmissor, assim como um teclado não operará como receptor. Independente disto, qualquer dispositivo endereçado é chamado de escravo (slave).

• O número de interfaces conectadas fica dependente da capacitância máxima do barramento, que é de 400pF.

Para utilização deste sensor no BIXLER, a leitura dos eixos longitudinal, transversal e

vertical será feito pelos eixos X, Y e Z do MMA8452Q, respectivamente.

Figura 5 – Sensor. Fonte: Freescale Semiconductor (2013).

O roteiro de teste para o MMA8452Q foi elaborado de forma experimental para teste na

sala do CGE e o objetivo é verificar se as superfícies de comando primárias, aileron, profundor e leme, atuavam de maneira a manter a estabilidade de vôo conforme a variação angular dos eixos longitudinal, transversal e vertical, respectivamente.

Nesta experiência, o sensor MMA8452Q foi conectado ao ARDUINO UNO R3 (Versão mais atualizada) por meio de uma protoboard conforme a ilustração a seguir:

Figura 6 – Ligação do MMA8452Q. Fonte: Freescale Semiconductor (2013). Este esquema representa as ligações eletrônicas necessárias para a utilização do

MMA8452Q. Os pinos utilizados no sensor são os pinos GND, 3.3V, SDA e SCL com as respectivas

funções: • GND: é o pino do pólo negativo ou terra ou ground; • 3.3v: é o pino do pólo positivo, responsável pela alimentação do sensor que não

deve passar de 3.6v de acordo com o fabricante; • SDA: é o pino SERIAL DATA responsável pelo trânsito de bits do sensor para

ARDUINO e vice-versa, em outras palavras através deste pino a informação primária sai e chega;

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• SCL: é o pino SERIAL CLOCK responsável pelo endereçamento dos dados vinculados pelo pino SDA, ou seja, determina para quem e onde a informação será levada.

No ARDUINO há todos os pinos necessários para o funcionamento do sensor, no entanto, de acordo com o DATASHEET do ADUINO os pinos responsáveis pelo protocolo I2C são os pinos analógicos A4 como SDA e A5 como SCL.

Como dito anteriormente, o ARDUINO é um gerenciador de entrada e saída, neste caso com a operação do MMA8452Q o sinal recebido via protocolo I2C deve ser transformado em um sinal capaz de controlar os servos-motores. Para isso, através das portas digitais do ARDUINO, as quais são de funcionalidade apenas de saída, obtém um sinal modulado PWM para o controle dos servos.

Segundo o Manual MODULADOR E DEMODULADOR PWM (2008), sinal modulado PWM é tipo de modulação cujo ciclo ativo do sinal é modulado, ou em outras palavras a largura do pulso, é modificado de acordo com a amplitude do sinal modulador. Por ciclo ativo entende-se a porção de tempo em que o sinal permanece em nível alto durante um período, por exemplo, um sinal com 70% de ciclo ativo e período de 1s, permanece 0,7s em nível alto e 0,3s em nível baixo.

Figura 7 – Forma do sinal PWM. Fonte: Modulador e demodulador PWM (2013). Em outras palavras, para aplicação no ARDUINO, PWM é a modulação por largura de

pulso de um sinal, ou seja, mantém o ciclo com o período total e freqüência de 490,0 MHz constantes, variando apenas o tempo em que o pico do sinal permanecerá em alto correspondendo a 5 v, sendo o restante do período com o sinal em zero correspondendo a 0V.

Figura 8 – Velocidade do módulo. Fonte: Modulador e demodulador PWM (2013). A onda é quadrada por se tratar de um sinal digital e não analógico. Com isso, é possível

variar a voltagem transmitida ao servo de acordo com um calculo de média sofisticada (não preponderante para este trabalho) entre os tempos de permanência em alto e em zero do sinal, se

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o sinal permanecer o período todo em alto será obtido um sinal de tensão contínua de 5(cinco) v, ao diminuir o tempo em que se mantém em alto diminui-se a tensão real enviada ao servo.

A freqüência de 490 MHz é a mesma do processador ATMEGA 168 do ARDUINO, a qual não é possível variar por se tratar de um parâmetro de fabricação do ARDUINO UNO R3.

Através dos pinos digitais este sinal PWM é enviado para os servos, vale ressaltar ainda que o ARDUINO tem, além do pino 3.3 v, um pino com saída de 5 v, ideal para alimentação dos respectivos sevos pela linha de tensão na protoboard.

Dentro do processador do ARDUINO há um código escrito e modificado pelo pesquisador para mapear as variações dos eixos lidos pelo MMA8452Q e transformá-las em sinais modulados PWM.

Com esta experiência espera-se que o ARDUINO traduza as variações da leitura feita pelo MMA8452Q em sinais PWM e imprima este sinal nos servos das superfícies de comando primárias conforme a variação dos respectivos eixos. Para se manter um vôo estabilizado é necessário que os ailerons atuem de forma a diminuir a sustentação da asa que levante e aumente a da asa que abaixe, bem como atuar o profundor conforme a variação do nariz, ou seja, se o nariz abaixar o profundor deve defletir para cima e no leme conforme a variação do nariz da esquerda para direita e vice-versa.

ETAPAS DA EXPERIÊNCIA #1 VERIFICAR E CARREGAR O CÓDIGO NO ARDUINO

O código carregado no arduino é o ‘Piloto_1’, o qual contém no seu ‘void loop’ uma seqüência de condições que transformam as variações de rolagem e de arfagem em sinais digitais para controlar todos os quatro servos-motores. Foi efetuada uma mudança no código para controlar quatro servos e não apenas três como estavam programados antes, foi preciso fazer tal mudança, pois o aeromodelo opera com quatro servos, sendo dois para os ailerons, um para o profundor e um para o leme.

A alteração no código foi desnecessária, pois a disposição dos servos dos ailerons é tal que para o mesmo ângulo impresso se obtém o movimento correto dos ailerons no aspecto de manutenção do vôo nivelado. #2 ANALISAR A ATUAÇÃO DO SENSOR MMA8452Q Antes de se montar o aeromodelo é preciso colocar todos os servos no ponto neutro, ou seja, a 90 graus. Para isso, foi elaborado pelo pesquisador um código para achar o ângulo de 90 graus para instalar o braço mecânico do servo, o código usado foi o ‘CORRECAOBIXLER_UMFIO’. Após isso, com os servos na posição neutra, foi realizado um teste com os quatro servos para verificar a amplitude máxima que seria usada no aeromodelo, como resultado a variação adequada para a utilização foi de 55 graus para mais ou para menos. Ao montar os servos nas superfícies de comando verificou-se que a atuação dos servos foi suave, coordenada e de acordo com a correção a ser necessária para se manter um vôo com as asas niveladas, com isso a montagem do aeromodelo foi finalizada com sucesso. #3 INSTALAR O ARDUINO E O SENSOR MMA8452Q EM CIMA DA ASA DO AEROMODELO Durante a montagem do aeromodelo BIXLER da HOBBY KING foi possível adaptar a protoboard dentro do aeromodelo em um compartimento que seria utilizado para colocar a bateria. Desta forma, é possível preservar o equipamento embarcado caso ocorra uma queda inesperada do aeromodelo. Ao ligar o conjunto controlador em uma fonte externa de 5,7VDC com quatro pilhas de 1,5VDC, observou-se que esta alimentação para o sistema é ineficiente para manter ligado o ARDUINO bem como os quatro servos. #4 EM SOLO, VERIFICAR A TENDÊNCIA DE CORREÇÃO DOS SERVOS NAS

SUPERFÍCIES DE COMANDO DO AEROMODELO Após montar o aeromodelo e instalar o conjunto controlador no interior do BIXLER, verificou-se que as superfícies de comando, ailerons e profundor, buscavam a estabilidade de

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vôo nivelando as asas e alterando a arfagem, porém o leme não atua como o esperado. Este resultado supriu as expectativas de forma bastante satisfatória, já que o leme pode ser desconsiderado, visto que para a estabilidade de vôo os ailerons mantêm a aeronave com asas niveladas e o profundor atua no ângulo de ataque o qual é indispensável pela manutenção da sustentação, conforme a teoria de vôo. No entanto, ao colocar uma fonte alimentação externa no ARDUINO de 9V DC, a resposta dos servos fica lenta e percebe-se nas luzes de operação do micro-controlador vários ciclos intermitentes, sendo que a resposta dos servos só se faz quando a luz está acesa, por isso é inviável aplicar o aeromodelo no ambiente sem uma fonte adequada para operação dos servos. O pesquisador testou várias fonte e formas para operar o sistema, mas somente quando conectado ao computador via USB, é observado o funcionamento esperado. Após algumas pesquisas na internet e conversas com orientador e co-orientador, decidiu-se testar a placa micro-controlador que estava sendo usada até então, o ARDUINO UNO R3. Este teste consiste em substituir a placa usada por outra placa ARDUINO, a ARDUINO UNO, com isso, foi constatada a possibilidade de se manter o conjunto controlador ligado a uma fonte externa. A fonte externa usada é a bateria LiPo do aeromodelo BIXLER e para converter os 11,1VDC com 1500mA para 5VDC com 500mA, foi instalado um regulador de tensão do ARDUPILOT no sistema de alimentação do ARDUINO UNO. Quanto à velocidade das respostas das superfícies de comando às mudanças de atitude do aeromodelo, foi verificado que é possível obter correções em um vôo no ambiente de forma adequada e suave, sendo que a atuação dos servos é diretamente proporcional à velocidade de mudança de atitude, ou seja, teoricamente está buscando a estabilidade de vôo.

Analisando os resultados obtidos, percebeu-se que o MMA8452Q realmente cumpriu o objetivo de ler as variações dos eixos e o ARDUINO cumpriu conforme o código a tradução das leituras em PWM imprimindo nos servos os respectivos ângulos. No entanto, não foi possível atuar no leme, pois a variação do eixo Z no sensor não é angular, mas apenas em intensidade devido a condição do MMA8452Q ser um acelerômetro e depender da força da grávida, a qual é orientado no mesmo sentido do eixo Z. Com isso, na experiência verificou-se a necessidade de se utilizar outro sensor capaz de atuar neste eixo.

Figura 9 – ARDUINO + MMA8452Q embarcados no BIXLER. Fonte: O autor (2013).

CONSIDERAÇÕES FINAIS A tecnologia não é um fenômeno, nem mesmo uma moda a ser seguida, mas é a conseqüência do desenvolvimento humano, assim como Santos Dumont, em 1906, decolou seu 14-BIS mostrando para todo mundo o que o homem é capaz de fazer, com a tecnologia é possível criar e desenvolver inovando e a todos surpreendendo. Sendo assim, não há motivos para ignorá-la. O conhecimento em Guerra Eletrônica é o caminho para independência tecnológica bélica, tanto em aplicação quanto em doutrina.

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Para a realização dessa missão, é preciso conhecimentos em eletrônica digital e computação, como dito anteriormente. Mas, atualmente, a AFA não transmite esses conhecimentos aos seus cadetes em sala de aula de forma prática, somente teórica. Alguns conceitos básicos para esta missão são apenas abordados nas disciplinas de Eletrônica Aplicada à Aviação (ELTA) e Sistemas de Informação (SINF). O Clube de Guerra Eletrônica da Academia da Força Aérea pensando nisso busca motivar seus cadetes para o desenvolvimento tecnológico, mesmo que de forma amadora, mas assim iniciar um pensamento crítico e inovador nos seus integrantes, assim como foi com Santos Dumont, para assuntos que interessam para as Forças Armadas. Através deste teste simples, o Projeto VANT tomou forma, sendo realidade no Clube pesquisas em Sistemas de Navegação, Controle de vôo, Comunicação e Emprego. Nas atividades do Corpo de Cadetes da Aeronáutica já é possível aplicar aeromodelos como VANT. Referências Bibliográficas

ANDERSON, J.D. JR. Introduction to Flight. 5ª.ed. São Paulo: McGraw Hill, 2005.

AN ENERGY EFFICIENT SOLUTION BY FREESCA. Freescale Semiconductor Document Number: MMA8452Q Data Sheet: Technical Data Rev. 8, 07/2013. Disponível em: < http://www.freescale.com/files/sensors/doc/data_sheet/MMA8452Q.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2013.

ARDUINO. Disponível em: <http://www.arduino.cc/>. Acesso em: 15 jun. 2013. BANZI, M. Primeiros passos com Arduino. São Paulo: Novatec Editora, 2011. GALOTTI, V. P; The Future Air Navigation System: Communication, Navigation, Surveillance, Air Traffic Management. 1ª Edição. England: Ashgate Publishing Company, 1997.

MODULADOR E DEMODULADOR PWM. Disponível em: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAfgwcAJ/montagem-modulador-pwm>. Acesso em: 7 abril 2013.

PASTOR, E., LOPES, J. AND ROYO, P. UAV Payload and Mission Hardware/Software Architecture. IEEE A&E Systems Magazine. June 2007.

PROTOCOLO DE COMUNICAÇÃO I2C. Disponível em: <http://www2.eletronica.org/artigos/eletronica-digital/protocolo-de-comunicacao-i2c

>. Acesso em: 7 juho. 2013. TOYWING. Disponível em: <http://www.toywing.com.br/superficie-de-controle/>. Acesso em: 8 maio 2013.

VISMARI, L. F., CAMARGO, J. B. Vigilância Dependente Automática no Controle de Tráfego Aéreo: Avaliação de Risco Baseada em Modelagem em Redes de Petri Fluidas e Estocásticas. Dissertação de Mestrado, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 2007.

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MARINHA DO BRASIL

ESCOLA NAVAL

ASP. SAMUEL SANTANA

ASP. JADER ESTEVES

ASP. HENRIQUE MELLO

ASP. NÍCHOLAS SALVADOR ORIENTADOR:

ASP. ANTÔNIO BOGADO PROF. ODILON MONTEIRO

COOPERAÇÃO BRASIL-ÁFRICA NA ÁREA DA DEFESA: DESDOBRAMENTOS ECOÔMICOS, SOCIAIS E MILITARES PARA O ATLÂNTICO SUL

ÁREA TEMÁTICA: COOPERAÇÃO BRASIL-ÁFRICA NA ÁREA DE DEFESA

RIO DE JANEIRO

2013

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SAMUEL SOARES DE SANTANA

JADER ESTEVES DA SILVA

HENRIQUE LOPES DE MELLO

NICHOLAS MENDES NASCIMENTO SALVADOR

ANTÔNIO HUGO BOGADO

COOPERAÇÃO BRASIL-ÁFRICA NA ÁREA DA DEFESA: DESDOBRAMENTOS ECOÔMICOS, SOCIAIS E MILITARES

PARA O ATLÂNTICO SUL

ÁREA TEMÁTICA: COOPERAÇÃO BRASIL-ÁFRICA NA ÁREA DE DEFESA

Artigo científico apresentado pelos aspirantes da Escola Naval, Rio de Janeiro, no X CADN.

ORIENTADOR: PROFESSOR ODILON LUGÃO MONTEIRO

RIO DE JANEIRO

2013

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................... 03

2 PARTIÇÃO DA MARINHA BRASILEIRA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: PATRULHA NO ATLÂNTICO SUL............................................................................. 04

3 PROTEÇÃO DOS RECURSOS MINERAIS NA PLATAFORMA CONTINENTAL: DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL.................................................... 05

4 RECURSOS NATURAIS E A MODERNIZAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS: CONTRIBUIÇÃO PARA A DEFESA NACIONAL E DO ATLÂNTICO SUL........... 07

5 CONDUÇÃO DE MISSÕES DE PAZ DA ONU: LEGADOS ECONÔMICOS, POLÍTICOS E MILITARES......................................................................................... 09

6 CONCLUSÃO................................................................................................................. 10

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................. 12

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COOPERAÇÃO BRASIL-ÁFRICA NA ÁREA DA DEFESA: DESDOBRAMENTOS ECOÔMICOS, SOCIAIS E MILITARES PARA O ATLÂNTICO SUL

RESUMO

O objetivo do presente artigo é analisar como a descoberta de recursos naturais, presente nas plataformas continentais do Brasil e países da costa oeste da África, desencadeou um processo de cooperação da defesa do Atlântico Sul, bem como dos países que o compõem, destacando-se o processo no Brasil e nos países africanos. Em segundo plano, o referido artigo buscou avaliar os dados da alteração econômica e social que o avanço da indústria bélica traz para determinada região. Como base teórica e metodológica, foram utilizadas análises de acadêmicos e autoridades reconhecidamente reconhecidamente autoridades no assunto defesa, como Oficiais Generais, Ministros e Presidente. Para tanto, foram utilizados dados provenientes do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, entrevistas de autoridades a jornais e artigos periódicos de renome. Foram traçados comentários mediante as análises desses dados e comparações com a formação geopolítica histórica da região.

PALAVRAS-CHAVE: Recursos Naturais. Defesa. Atlântico Sul. Cooperação.

1 INTRODUÇÃO

A relação Brasil – África tem contribuição ímpar para a defesa dos recursos naturais existentes na região Atlântico Sul. O Brasil detém cerca de 12% de todo suprimento de água doce mundial; além de possuir entre 15% e 20% de toda fauna e flora do mundo e aproximadamente 58,6% de seu território nacional é agricultável (dados do relato da Senadora Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente e Revista Marítima Brasileira). A garantia de que a exploração e explotação desses recursos não esbarrem em ameaças externas está intimamente ligada à capacidade em defendê-los. De semelhante modo, os Estados africanos necessitam de segurança para a exploração dos recursos naturais existentes no respectivo continente, como ouro, diamante, urânio.

No entanto, é notória a debilidade de ambas as partes no quesito dissuasão e defesa propriamente dita dessas áreas. Conhecida essa sensibilidade, projetos de ajuda mútua no campo de defesa - coordenados pelo Brasil - vêm ganhando proporções cada vez maiores nos últimos anos. A criação da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), em 1986, atenuou os riscos de atividades piratas que vinham crescendo no Golfo da Guiné e questionou ações estrangeiras de patrulha no local. É inegável que essas ações militares trazem consequências não somente no âmbito de safety e security como também no setor econômico - principalmente no comércio - e social.

A participação do Brasil em missões de paz das Nações Unidas (ONU) nos países africanos pode ser encarada como um desdobramento da ZOPACAS, haja vista que incertezas políticas geram instabilidade econômica e insegurança em todo o entorno do país assolado por este problema. É inegável que a participação brasileira como coordenador das ações projeta o país internacionalmente como mediador da paz e aumenta a importância deste no Conselho de Segurança da ONU, aumentando, assim, a pressão por um assento permanente em tal Conselho.

O principal objetivo do estudo desse artigo é avaliar as consequências dessa associação no âmbito da defesa; bem como o impacto em setores de segurança no tráfego

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aquaviário e de exploração dos recursos no continente e na plataforma, conhecida no Brasil como Amazônia Azul. De forma secundária, os estudos desse projeto apontam-nos para o desenvolvimento econômico e social importante e relativamente provável em ambas as partes do Atlântico Sul.

Para tanto, uma breve exposição histórica da contribuição brasileira para a defesa dessa região do globo associada aos dados dos recursos naturais existentes na região e o quanto os países detentores desses recursos utilizam-no de fato fundamentam a importância e a necessidade da ampliação dessa cooperação.

2 PARTICIPAÇÃO DA MARINHA BRASILEIRA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: PATRULHA NO ATLÂNTICO SUL

A localização geográfica do Brasil é extremamente estratégica para o Atlântico Sul. A extensão de aproximadamente 7408 km do nosso litoral demonstra quantitativamente a importância dele para defesa dessa região; notadamente Natal e Recife, devido às condições geopolíticas favoráveis ao deslocamento para a Europa e América do Norte; e Salvador extremamente importante logisticamente para atender tanto a região mais ao norte quanto as regiões mais ao sul. Esta importância foi notada na Segunda Guerra Mundial e ainda continua atraindo a atenção para essa região.

Antes do governo brasileiro se envolver efetivamente no conflito em agosto de 1942, os Estados Unidos da América vislumbraram no nordeste brasileiro uma região estrategicamente imprescindível para suas campanhas navais. A fim de defender o Atlântico Sul de ataques dos países do Eixo - Alemanha, Itália e Japão - o governo estadunidense tentou inúmeras vezes instalar bases militares em nosso território. Com a aproximação política entre Brasil e EUA, através da declaração de solidariedade do então presidente brasileiro Getúlio Dornelles Vargas ao povo estadunidense após ataques nipônicos à base naval americana de Pearl Harbor, forças navais alemães atacaram navios mercantes brasileiros tanto em nosso mar territorial quanto fora dele. Em face disso, o governo brasileiro declarou guerra aos países do Eixo ao lado dos EUA.

Com os ataques do Eixo aos navios mercantes e a constante presença de meios navais alemães e italianos no Atlântico, fez-se necessário uma política de proteção aos interesses de ambos os países: a proteção ao tráfego aquaviário no Atlântico Sul. A defesa do imenso território nacional com meios parcos era uma tarefa reconhecidamente difícil. Em face dos acontecimentos, a modernização dos meios navais brasileiros era evidente. Assim sendo, o governo brasileiro constituiu a comissão de recebimento de navios em Miami e incorporou até o fim da guerra, em 1945, 24 navios de diferentes classes com o intuito de aumentar o poder de dissuasão no Atlântico Sul.

Com aquisição de novos meios e sob o comando do norte-americano Almirante Ingran o objetivo fora alcançado. Patrulhas feitas inicialmente com forças americanas praticamente extinguiram ações alemãs na região sul do Atlântico. Somente dois anos depois, em 1944, que as patrulhas oceânicas foram realizadas com meios mistos e as realizadas em águas jurisdicionais brasileiras puderam ser executadas por forças inteiramente nacionais. Após o término da guerra, em 1950, a IV Frota da marinha americana (como foi chamada o ramo da marinha estadunidense no Atlântico Sul durante a II Guerra Mundial) foi desmobilizada; e o patrulhamento desta região ficou sob a responsabilidade do governo brasileiro.

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No entanto, o anúncio do retorno das atividades da IV Frota americana, em 2008, não foi bem recebido pela comunidade dos países da América do Sul, principalmente Brasil, Argentina e Venezuela. Tal acontecimento gerou insatisfação a ponto dos governos brasileiro e argentino fazerem inquéritos formais, no mesmo ano, sobre qual seria o verdadeiro objetivo da quarta frota americana na região.

3 PROTEÇÃO DOS RECURSOS MINERAIS NA PLATAFORMA CONTINENTAL: DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL

A gigantesca Área Marítima Jurisdicional que é a soma da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) com a Plataforma Continental, ao todo representam uma área econômica brasileira de 4.451.766 km2, que vem a ser maior que a metade (52%) do território continental, de 8.511.965 km2. Esta área hoje é conhecida como Amazônia Azul. A empresa brasileira PETROBRAS, descobriu uma grande reserva de gás natural e petróleo na plataforma continental brasileira, em ambiente denominado de pré-sal. A grandiosidade de recursos existentes nessa parte da Amazônia Azul, que ainda está com apenas 11% de sua capacidade total sendo explorada, com projeção para 31% em 2016 e 47% em 2020 - segundo o Plano de Negócios da Petrobrás para 2012-2016, referentes ao Pré-Sal - atraiu olhares estrangeiros para o Atlântico Sul.

Estudos realizados pela Marinha do Brasil, através da Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN), sobre a plataforma continental de alguns países da África ocidental como Angola, motivaram empresas brasileiras a pesquisar a existência de recursos minerais na costa oeste deste continente. Essas pesquisas fundamentaram-se nas semelhanças de formação geológica entre essas duas regiões: costa leste da América do Sul e costa oeste do continente africano. Esses levantamentos concluíram que há recursos minerais na plataforma continental africana: como petróleo e gás natural na porção norte do litoral angolano; diamantes e outros minerais como cromo, urânio na porção sul do território namibiano.

Fig.1 RECURSOS MINERAIS NA COSTA OESTE AFRICANA

Le monde diplomatique, Julho de 2004

Tais recursos existentes tanto no território quanto na plataforma continental necessitam de segurança para a exploração, explotação e comércio. A construção de unidades para o desenvolvimento de meios de segurança para a utilização desses recursos aquece a

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economia em muitas áreas, gerando desenvolvimento econômico-social para a região. Como exemplo, podemos citar o projeto de construção de submarino nuclear (PROSUB) no Brasil que, segundo o Almirante Júlio Soares de Moura Neto, Comandante da Marinha:

O empreendimento iniciado em 2011 prevê investimentos de R$ 7,8 bilhões e deve estar concluído em 2017, quando entrará em operação o primeiro dos quatro submarinos convencionais. O PROSUB vai empregar 9 mil pessoas e produzir outros 32 mil postos de trabalho indiretos (MOURA NETO, 2013)

O desenvolvimento da indústria bélica do país traz consigo a evolução de tecnologias em outros setores, não somente no que tange ao assunto segurança. A indústria de alimentos é um exemplo prático, pois novas técnicas de armazenamento e conservação de alimentos fazem-se necessário para suportar inúmeros dias de submersão em um submarino nuclear. O desenvolvimento na indústria alimentícia no continente africano associado à geração de empregos devido ao aquecimento econômico-industrial proporcionaria um legado inigualável a este continente.

Com a garantia da segurança da exploração desses recursos, provenientes de melhorias no setor defensivo, começam a surgir mudanças estruturais nas cidades inseridas no arco de atuação dessa atividade. Melhorias na infraestrutura, saúde e educação dessas cidades ocorrem proporcionadas pelos recursos financeiros oriundos da exploração dessas atividades- conhecidos como royalties principalmente do petróleo. Podem-se citar, como ilustração, as transformações ocorridas nas cidades próximas aos campos de exploração e refinaria de petróleo no estado do Rio de Janeiro.

Devido a todos os benefícios trazidos pelos royalties de petróleo, um grande debate esteve em pauta no Congresso Nacional sobre o novo marco regulatório para a exploração dos recursos no pré-sal - aprovado pela Lei nº 12.351, de 22/12/2010. No Congresso representantes de estados não produtores de petróleo apoiaram a Emenda Ibsen com o objetivo de se beneficiarem dessas divisas, incluindo as reservas sob exploração; alegando que esses recursos do pré-sal são nacionais, devendo, portanto, ser distribuído igualmente para todas as unidades da Federação. Toda essa discussão política demonstra o potencial de transformação que esses recursos possuem, uma vez que estes atraem investimentos tanto no setor de extração e exploração propriamente dito, como também nos setores de serviços, transportes, alimentos entre outros.

A tabela abaixo demonstra quantitativamente as transformações geradas nos municípios dispostos geograficamente mais próximos às atividades de exploração dos recursos. Nota-se um aumento de mais de 50 % no setor de comércio em ambas as cidades, bem como o aumento de mais de 100% nos serviços de utilização pública. É inegável que há a possibilidade de expansão desse desenvolvimento econômico e social tanto nas demais cidades brasileiras como também nas cidades africanas onde há a presença desses recursos minerais.

Tabela n°1: Emprego Formal por Setores de Atividade Econômica (em 31/12) e Taxa de Crescimento de 2001 a 2007.

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Fonte: MTE - Relatório Anual de Informações Sociais.

A descoberta das reservas desses recursos na Amazônia Azul impulsionou a renovação dos meios navais, aeronavais e terrestres do Brasil; bem como o reengajamento do governo na criação de um Plano Nacional de Defesa, que adequasse os nossos meios à nova realidade que se colocava à sua frente: Como defender recursos escassos no mundo, mas extensos no Brasil, com meios parcos? Pode-se inferir que a descoberta desses extensos recursos serviram de propulsor para a renovação de nossa defesa da mesma forma que, há época da Segunda Guerra, as ameaças alemãs às rotas comerciais também o serviram.

4 RECURSOS NATURAIS E A MODERNIZAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS: CONTRIBUIÇÃO PARA A DEFESA NACIONAL E DO ATLÂNTICO SUL

O governo brasileiro observou a necessidade de ter um sistema de defesa forte para garantir que as riquezas naturais do Brasil sejam exploradas efetivamente pelo Brasil:

Sei do grau de dificuldade que as Forças Armadas têm para se modernizar e o alto valor que será empregado nisso. Acho também que não há nenhum brasileiro que se oponha a isso, porque ninguém quer guerra, mas, se queremos a paz, temos de estar preparados para a guerra. Isso já é milenar. [Sic] (MAGGI, 2012)

A observação do Senador Blairo Maggi é uma demonstração de que o governo brasileiro vem se debruçando sobre a questão de fortalecimento das Forças Armadas nacional. O aumento dos gastos de 4,2% do PIB (de 2012 para 2013) com a defesa (a compra de novas Corvetas, construção de novos Navios Patrulha, a construção de estaleiro dedicado aos novos submarinos convencionais classe Scorpène e de sua base, gerenciamento do projeto de construção do submarino com propulsão nuclear para a Marinha, compra de novos caças para a Força Aérea e novos tanques para o Exército) demonstram a preocupação do governo federal nesta área. Tradicionalmente, o Brasil é um país pacífico. Isso é uma convicção de Estado. Porém, quando se detém inúmeras riquezas, faz-se necessário que a atuação do país não se baseie somente no Soft Power –político, diplomático- mas também Hard Power – econômico-militar (termos criados por Joseph S. Nye).

O Projeto Nacional de Defesa (PND) possui diversas vertentes para as três forças. Na Marinha, a criação e implantação do Sistema Gerencial da Amazônia Azul (SisGAAz) tem a finalidade de monitorar a área marítima jurisdicional e prover dados para o comando e controle das operações de defesa de plataformas de petróleo, portos, ilhas e vias marítimas (PESCE,2012). A projeção das forças armadas brasileiras (FFAA) ainda se configura para um alcance nacional: defesa dos recursos existentes no território, apesar das incursões das FFAA em outros países.

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Tabela n°2: Plano de Articulação e Equipamento da Defesa (Paed)- Marinha do Brasil

Fonte: Revista Marítima Brasileira, 2012.

O conceito de alcance geográfico foi definido pelo almirante britânico Hill como a distância que uma força naval poderia operar a partir de suas próprias bases (Hill apud Pesce, 2012). No caso do Brasil, esse alcance ainda se encontra na ZEE e em desenvolvimento. Procura-se alcançar uma força naval capaz de dissuadir incursões estrangeiras em águas jurisdicionais brasileiras, tentando negar o uso do mar ao inimigo. O Brasil, na tentativa de expandir o alcance geográfico, em 1986, acordou junto aos outros países sul-americanos e africanos um tratado de paz e cooperação mútuo formando, então, a ZOPACAS. Esta funciona como um acordo para garantir que as rotas de comércio nesta região ocorram de forma segura.

O aumento da produção petrolífera brasileira e a descoberta de jazidas dessa matriz energética na costa oeste africana chamaram a atenção das grandes potências ocidentais para o Atlântico Sul. As enormes reservas de água existentes no território nacional além de recursos naturais em potencial nas florestas tropicais brasileiras; os recursos naturais africanos supracitados associadas à área de busca e salvamento sob responsabilidade brasileira; a importância do Atlântico Sul como rota comercial no mundo (rota alternativa ao canal do Panamá como ligação entre o Atlântico e o Pacífico), todos esses fatores apontam para uma forte militarização da área, e o Brasil, principalmente a Marinha, deverá estar preparada para operar em toda a extensão do Atlântico Sul, a fim de exercer a vigilância e defesa da Amazônia Azul.

Como dito anteriormente, medidas de cooperação nesta região do globo tornaram-se constantes. A CAMAS, Coordenação de Área Marítima do Atlântico Sul, e o ZOPACAS foram idealizadas e formadas pelo Brasil demonstrando a preocupação do governo brasileiro em manter a liderança regional. A notícia de reativação da IV Frota da Marinha americana não foi bem recebida pelos governos locais:

Pedi ao ministro Celso Amorim que pedisse à secretária de Estado americana informações sobre os objetivos desta Quarta Frota. [...] Nós agora descobrimos petróleo em toda a costa marítima brasileira, a 300 quilômetros da nossa costa, e nós, obviamente, queremos que os Estados Unidos nos expliquem qual é a lógica desta Quarta Frota. [...] Se fosse frota de navios de alimentos, de navios de sementes, seria até razoável. Mas eu penso que isso o ministro Celso Amorim haverá de ter uma resposta da Condoleezza (LULA, 2008)

Como justificativa, o governo americano informou que a reativação da IV Frota era com o intuito de melhorar a capacidade operativa no combate ao narcotráfico, manejo de desastres naturais e trabalhos de cooperação em face dos crescentes riscos de pirataria na

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região. Por outro lado, a ZOPACAS tem como intuito justamente promover a segurança do tráfego comercial na região e promover “a cooperação, em uma agenda que vai desde a saúde à segurança alimentar, da agricultura ao desenvolvimento sustentável” (Patriota, 2013).

A ampliação do alcance geográfico do Brasil e a sua consequentemente projeção mundial pode ser identificada nas constantes operações de paz comandadas por oficiais generais brasileiros no exterior. Além dos interesses econômicos na venda de armamentos, o estreitamento militar entre o Brasil e países africanos, abarca também o interesse em demonstrar o poder regional brasileiro na região - Hard Power. Segundo Celso Amorim (2013) a aproximação entre militares brasileiros e africanos busca ainda combater o narcotráfico e evitar que a pirataria no Golfo da Guiné prejudique o Brasil, além de assegurar os interesses brasileiros na região caso sejam ameaçados pela crise política no Mali.

Pode-se notar claramente o viés econômico, político e militar desta cooperação. Reduzido os riscos com a pirataria - devido ao aumento da segurança através de patrulhas militares - o tráfego comercial tende a aumentar. Isso garante que o escoamento das riquezas produzidas no país seja realizado pela via marítima; além de garantir, por consequência, a importação dos meios necessários ao desenvolvimento.

O aprimoramento dos meios brasileiros trouxe avanços tanto na perspectiva da defesa do território nacional como também na defesa do Atlântico Sul. Redução nas investidas piratas no Golfo da Guiné, redução no narcotráfico existente na região demonstram o quanto essa cooperação Brasil-África contribuiu sobremaneira para a security da região. O aumento dos meios operativos e aprimoramentos destes, bem como a evolução da capacidade de deslocamento dos meios navais apontam para a habilidade em garantir a salvaguarda da vida humana no mar - aprimorando a safety.

Com a evolução em ambas as regiões do Atlântico Sul, questionamentos a respeito da necessidade de remilitarização por países não pertencentes ao eixo - reativação da IV Frota da marinha norte-americana e reaparelhamento das ilhas Malvinas britânicas - têm sido recorrentes. Todo esse questionamento coloca em discussão as patrulhas desses países na região: “O Atlântico Sul é uma área natural do nosso interesse, independentemente de outros países estarem fazendo isso ou aquilo. Queremos evoluir no Atlântico Sul, enfrentando problemas como o da pirataria, mas sem transformá-lo num apêndice do Atlântico Norte.” (AMORIM, 2013) disse o Ministro da Defesa Celso Amorim em entrevista à BBC.

Em face de todos esses acontecimentos de reaparelhamento militar do Brasil e a capacidade deste em manter a segurança do Atlântico Sul, constantes pedidos das Nações Unidas (ONU) para o Brasil liderar missões de paz no exterior vêm se consolidando. O fortalecimento da política externa brasileira na comunidade internacional é fruto dos sucessivos êxitos deste na condução destas intervenções promovidas pela ONU.

5 CONDUÇÃO DE MISSÕES DE PAZ DA ONU: LEGADOS ECONÔMICOS, POLÍTICOS E MILITARES

A participação do Brasil em missões de paz da ONU no continente africano pode ser entendida como uma cooperação na área de Defesa, quando se analisa a quantidade de benefícios mútuos que já foram gerados dessas atuações. Elas tiveram seu début na região do Canal de Suez, na África, em 1956, e a partir desta houve mais 32 missões que contaram com a participação brasileira.

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Estas missões de paz trazem consigo resultados importantíssimos tanto para o Brasil, quanto para os países africanos. A exemplo desses resultados, pode-se citar o avanço do pleito do Brasil por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, sendo as nossas contribuições para a paz mundial argumentos primordiais para o convencimento da importância de compormos permanentemente esse Conselho, posição condizente com a nossa atual conjuntura geopolítica e econômica.

Outra inegável contribuição, desta vez na área da estratégia militar, é o adestramento e experiência adquiridas pelos nossos militares, uma vez que as tropas brasileiras não entram em combate desde o fim da Segunda Guerra. A falta de adestramento militar é imprescindível para que não haja a queda no poder combatente dos soldados e, por consequência, queda na defesa do país. Esse know-how militar adquirido é também transmitido, somada a toda a doutrina militar básica, para as forças armadas de alguns países africanos- como Namíbia e Moçambique- através de programas de treinamento e cooperação. Esse programa de cooperação possibilita o engajamento da estabilidade política na região, condição fundamental para o estabelecimento da paz e da segurança.

No campo econômico-financeiro as missões de paz viabilizaram a projeção de empresas nacionais em âmbito internacional como, por exemplo, a Petrobras e a Odebrecht. Esta última foi chamada recentemente pelo presidente Teodoro Obiang, da Guiné Equatorial, para participar da extravagante construção de uma cidade inteira, para ser a nova capital do referido país, projeto de dimensões comparáveis à construção de Brasília no século passado.

6 CONCLUSÃO

A descoberta dos recursos naturais em ambos extremos longitudinais do Atlântico Sul atraiu olhares para a região, sendo considerada uma região com enorme potencial geopolítico, porém pouco explorada. Com o intuito de defender o objetivo comum de defesa desses recursos, acordos de ajuda mútua têm se mostrado como uma alternativa bastante viável. Os tratados de cooperação bilateral entre os países africanos e americanos trouxeram inúmeros benefícios em ambos os lados do Atlântico Sul. Os legados deixados em áreas econômica, social e militar propiciaram maior representatividade desta região no cenário internacional, notavelmente o Brasil.

Sob a perspectiva social, esses acordos despontam-se como um importante elo entre desenvolvimento econômico e melhoria nas condições sociais das regiões que os possuem. A título de exemplo, temos o que ocorre hoje no Brasil devido ao aquecimento da indústria naval de exploração de recursos: geração de inúmeros de empregos diretos e indiretos; melhorias na educação e saúde promovidas pelos recursos financeiros oriundos do petróleo e gás natural da costa brasileira.

No âmbito político, a presença de um objetivo comum aproximou o Brasil na política, na economia e na área militar, promovendo-o internacionalmente como uma potência regional. A capacidade em articular grandes tratados como CAMAS, ZOPACAS e comandar missões de paz no exterior impulsionou a política externa brasileira deixando-o numa posição de destaque mundial - pleito do Brasil a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Em uma perspectiva militar, os recursos naturais dessa região do Atlântico Sul impulsionou para um reaparelhamento das três Forças Armadas de modo completo, passando

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de uma política de governo para uma política de Estado. Em segundo plano, o reaparelhamento militar e a nova posição do Brasil na conformação geopolítica atual possibilitaram a renovação do poder combatente das forças armadas e reativaram a verdadeira missão do Ministério da Defesa: defender os interesses do Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CRIMES DE GUERRA: SOBRE AS DIFICULDADES DO CONCEITO DIANTE DA NOVA CONFIGURAÇÃO DOS CONFLITOS ARMADOS1

Larissa Teixeira dos Santos2; Rui Carlo Dissenha3

RESUMO: O presente artigo destina-se à análise dos crimes de guerra no contexto global atual e as consequências de sua evolução. Considera, para isso, as mudanças ocorridas no perfil da guerra, de acordo com seu histórico e suas gerações. Como é notório, o conceito de Direito Humanitário Internacional (DHI), universalizado no final da Segunda Guerra, foi desenhado para a guerra segundo aquele contexto histórico, tornando também o conceito de crime de guerra dependente desse contexto. Todavia, como o fenômeno da guerra modificou-se substancialmente desde então, tanto o DHI quanto a noção de crimes de guerra têm dificuldades de se materializar nos conflitos contemporâneos, especialmente por conta da assimetria que lhes marca. Como consequência, evidencia-se a defesa de duas grandes tendências por parte dos Estados: a relativização do DHI e a negação do reconhecimento dos conflitos armados. Enquanto a primeira é mais comum nos grandes conflitos por novos mercados consumidores, a segunda é tradicional em países em desenvolvimento que, embora usem da retórica da guerra para produzir um Direito Penal simbólico, negam a proteção garantida pelo DHI. A consequência, nas duas formas, é o risco para a dignidade da pessoa humana e para os direitos humanos. Palavras-chave: guerra; Direito Humanitário Internacional; crime de guerra. 1. Introdução.

A condição brasileira atual, como emergente ator nas relações internacionais,

especialmente no plano econômico, implica a demanda de que também passe a ter atuação militar, especialmente em missões de pacificação internacionais tais como as feitas no Haiti e no Sudão, onde forças nacionais estão presentes. Além disso, as proporções continentais do Brasil e seu posicionamento geográfico de contato com condições adversas que possuem consequências criminogênicas, tais como narcotráfico, lavagem de dinheiro, tráfico de pessoas, terrorismo, etc., têm implicado uma maior atuação internacional que poderá produzir a tipificação de condutas como crimes de guerra. Por estes motivos, este tema é, atualmente, de extrema importância.

Por sua vez, há que se sublinhar a importância do tema no plano internacional. O alto número de insurgências, beligerâncias e insurreições tem implicado uma atuação cada vez maior dos Estados para a salvaguarda do poder instituído. Além disso, fenômenos como o terrorismo e o seu financiamento representam um evidente consenso no plano internacional indicando que o combate a esse perigoso fenômeno é uma regra inevitável. Reconhecendo-se, ainda, um processo irrefreável de globalização dos conflitos, encontra-se diante de um quadro em que os Estados tendem a usar cada vez mais suas Forças Armadas. De fato, situações em 1 Trabalho desenvolvido no Programa de Iniciação Científica da Universidade Positivo. 2 Aluna do 9º período do curso de Direito da Universidade Positivo. Voluntária do Programa de Iniciação Científica (PIC) da Universidade Positivo. E-mail: [email protected].. 3 Professor do curso de Direito da Universidade Positivo. Bacharel e Mestre em Direito pela UFPR. Especialista em Direito Penal pela Université de Paris II. Masters in Law in Public International Law with International

Criminal Law Specialization pela Leiden Universiteit. Doutor em Direitos Humanos pela USP. Professor de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]

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tese externas podem produzir efeitos nacionais e, neste sentido, já há exemplos reais a serem observados, tais como o problema das Malvinas, conflitos entre nações próximas (Colômbia), guerras em países onde o interesse nacional esteja presente (como quanto a empresas nacionais prospectando minério e petróleo, por exemplo), e outras condições implicam a verificação cautelosa do conceito de crimes de guerra, além dos seus efeitos.

Nessa toada, a presente pesquisa objetiva analisar como a evolução do conceito de guerra influenciou a própria definição da noção de crime de guerra, indicando como as quatro fases principais dos conflitos armados provocaram uma evidente redução do alcance dessa espécie de crime internacional. O trabalho também tenta identificar, analisando a noção de assimetria dos conflitos armados, condição fundamental da nova espécie de guerra, é capaz de produzir o esvaziamento da criminalização da guerra. Também tenta demonstrar os riscos inerentes a essa condição que são lançados contra a proteção dos direitos humanos tanto dos envolvidos nas novas espécies de conflito, como daqueles cidadãos que passam ao largo dessa situação conflituosa que já foram chamados de civis. 2. Aspectos iniciais.

Como é notório, existe uma luta imemorial pela limitação dos conflitos armados.

Alguns autores encontram na Bíblia traços da limitação da guerra (CARREAU, 2001, p. 04). Outros, ainda, indicam essa tendência em outras fontes, mais ou menos antigas, indicando como as bases clássicas de Aristóteles e Cícero, bem como as medievais, de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, já discutiam o conceito de “legitimidade da guerra”, sendo que os pensamentos dos medievais tardios, tais como Vitória, Ayala, Gentili e Grócio, permitiram a construção das bases para a limitação dos conflitos armados (BASSIOUNI, 1981, p. 51). Mais recentes, já na pré-modernidade encontram-se documentos que efetiva e claramente põem limites à guerra, como a codificação sobre o direito costumeiro de guerra, de Gustave Adolphe da Suécia, de 1621 (SZUREK, 2000, p. 16).

Todavia, parece ser mais certo afirmar que o controle da guerra a partir da criminalização de atos específicos, como se conhece atualmente, a despeito de eventuais ocorrências pretéritas, é fruto dos esforços do século XX (BOTHE, 2002, p. 382). De fato, e apesar de alguns esforços da Primeira Guerra mundial, é apenas em 1949 que são produzidas as quatro convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949 (posteriormente, os seus dois protocolos adicionais de 1977), que procuraram limitar os conflitos armados pela especificação mais clara do que são os crimes de guerra. Esse esforço se vai repetir posteriormente nos tribunais penais internacionais da Iugoslávia e da Ruanda e, finalmente, no Estatuto de Roma que cria o Tribunal Penal Internacional permanente. Os dois tribunais ad

hoc adotaram uma lista de crimes de guerra (mesmo sem usar o termo): na Antiga Iugoslávia foram estabelecidas como “grave breaches” e assumiram a forma das convenções de Genebra de 1949 e mais a menção a “violações das leis e costumes da guerra”; na Ruanda, foram adotados os mesmos documentos suíços, mais uma lista ilustrativa. O Estatuto de Roma segue na mesma linha, apoiando-se diretamente na experiência das Convenções de Genebra de 1949.

Torna-se evidente, portanto, que o controle da guerra pela definição de crimes passa obrigatoriamente pela construção de limites de aceitação voluntária pela comunidade internacional e pode ser resumido no que se chama, comumente, de Direito Humanitário Internacional (DHI). Na sua moderna forma, o DIH decorre das Convenções de Haia e de Genebra, bem como dos seus protocolos adicionais, e data dos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial. De fato, não se duvida que essa construção normativa foi uma resposta necessária às terríveis ocorrências daquele conflito.

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3. As mudanças no conceito de guerra: novos agentes determinam os conflitos. Todavia, a forma da guerra se modificou substancialmente depois da década de

quarenta, especialmente, nos últimos trinta anos. Se na origem se poderia falar no uso da guerra como meio de solução de controvérsias, passando, ainda, por uma segunda fase em que ela se torna um simples exercício de soberania (COSTA, 2001), em tempos atuais a guerra restou criminalizada (Carta das Nações Unidas, 1945). Nessa condição, a proscrição da guerra parece ter levado o fenômeno à diminuição de forma evidente, pois os Estados se encontram obrigados a evitar o início de conflitos armados, dado o risco de cometerem o que se convencionou chamar de “agressão”.

De qualquer forma, o fenômeno da guerra, ele mesmo, evoluiu substancialmente desde a época em que restou limitado pela noção de crimes de guerra. Segundo COSTA (COSTA, 2001), evolui-se da guerra clássica (guerra através de formação em linha e coluna, ocorrente em campos de batalha ordenados, com clara definição do que sejam civis e militares – que durou até meados do século XIX), passando pela segunda geração da guerra (caracterizada por uma guerra de atrito e exaustão, marca da Primeira Guerra Mundial) e pela sua terceira geração (trazida à luz pelo modelo de guerra alemão de manobras rápidas, caracterizadoras da surpresa e da agilidade na conquista do território inimigo, como a Guerra dos Seis Dias e a Guerra do Golfo) até a sua quarta geração.

A guerra de quarta geração, assim como as anteriores, recebeu influência da geração antecedente. A descentralização e a iniciativa se mantiveram, mas num sentido muito mais grave do que antes. Nessa geração, o Estado perde o monopólio sobre o fenômeno da guerra. As Forças Armadas ao redor do mundo passam a combater inimigos que já não são mais estatais (tais como Al-Qaeda, Hamas, Hezbollah, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - FARC, entre outros) e há a volta ao mundo de culturas, e não apenas de países em conflito. Um dos motivos que se atribui a esse tipo de conflito é a globalização e suas consequências: a facilidade de comunicação, além do mercado financeiro internacional, que passou a possuir muito mais entes privados em atuação emergente, em detrimento ao poder que os Estados costumavam deter, entre outros. Essa modificação global levou ao surgimento de organizações que passaram a cumprir com o papel que o Estado já não tinha mais força para desempenhar por. É nesse sentido que surgem os senhores da guerra, a máfia, movimentos separatistas e até mesmo o terrorismo com a intenção de desenvolver influência à margem do Estado. É a geração da erosão do monopólio da violência, dos combates urbanos e de grandes efeitos de guerra para civis. Passou a se utilizar um sistema de armas letais, técnicas e táticas de guerrilha, atos terroristas e houve decréscimo (ou até inexistência, em alguns casos) da legitimidade (COSTA, 2001).

A mudança de agentes da guerra, com a consequente redução das guerras entre soberanias, característica do modelo de limitação da guerra (tanto pelo ius in bello quanto pelo ius ad bellum), não implicou, todavia, uma redução da conflitualidade no plano internacional. De fato, não se há de falar em conquista de um mundo propriamente pacífico. O que parece ter ocorrido é a mudança da forma da guerra, de forma que parece evidente que não se há mais de falar em uma guerra que seja determinada segundo os parâmetros ditos clássicos da primeira metade do século XX. Na medida em que o palco dos conflitos já não é mais sempre de cunho internacional, pelo contrário, em geral não é mais levado a cabo entre potestades soberanas, com novos agentes não-estatais, os conflitos raramente se dão entre países e exércitos formalizados segundo algum padrão de soberania, pois essa espécie de conflito está regulado – e, mais, proscrito – no plano internacional justamente pelo DHI. Os atuais conflitos são em geral levados a cabo entre países e grupos divergentes nacionais ou internacionais que não atuam sob bandeira alguma. Nesse sentido, assumem nova importância os fenômenos chamados de rebeliões, insurgências e beligerância (CULLEN, 2005, p. 101).

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4. A assimetria e suas consequências.

Nesse novo contexto, a principal característica desses atuais conflitos armados é sem

dúvidas a sua assimetria. Se uma guerra simétrica é característica dos conflitos dos séculos XVII e XIX, ou, eventualmente, até a metade do século XX, ela é quase impossível de ser encontrada nos conflitos contemporâneos (PFANNER, 2005, p. 152). De fato, quando grandes potências entraram no que se denomina de “mentalidade pós-heroica” (MUNKLER, 2003, p. 08), preferindo lutar à distância com ataques precisos feitos por bombardeios e altíssima tecnologia, a luta com aqueles novos agentes – que não gozam do poderio militar que se coloca à disposição apenas de Estados – não pode mais ser levada a cabo da mesma forma que antes. Assim, essa assimetria parece se dar nessa primeira forma: porque os conflitos contemporâneos são travados entre partes que não têm mais um poderio militar similar, já que em geral, trata-se de um país em luta contra grupos isolados que põem a própria soberania em xeque, há uma assimetria clara.

No que toca à primeira forma da assimetria, verifica-se uma evidente vantagem dos exércitos ditos “oficiais”. De fato, os combatentes que se ligam a um Estado em geral gozam de material bélico, condições econômicas, técnicas estratégicas e maior número de combatentes. Porque dispõe de legitimidade representativa, podem negociar de forma mais clara e buscar apoio internacional, o que garante, além de apoio tático e material, reforço político. Além disso, o uso da imprensa, da mídia em geral e do sistema educacional, pode mais facilmente coligar a população ao lado oficial do conflito. Assim, a vantagem no conflito parece evidente para aqueles exércitos de ordem soberana – justamente o motivo pelo qual se pode identificar uma “assimetria soberana”. Como consequência, os combatentes não-oficiais precisam se adaptar para poder lutar o seu combate. Assim, a enorme diferença de poderio militar entre Estados e rebeldes, insurgentes ou beligerantes obriga estes à adoção de novas táticas de guerra que não são admissíveis segundo as regras de Haia e Genebra (guerrilha, ataques a populações civis, terrorismo, perfídia, etc...). É o que se chamou de “slow

approach” à guerra, na proposta de Mao-Tsé Tung. Pela desaceleração do conflito, as partes menos poderosas, que são normalmente as dissidentes das soberanias, podem levar a cabo um conflito por um tempo muito maior do que levariam se optassem pelo conflito direto, produzindo uma guerra de extenuação que é economicamente mais danosa para as grandes potências e para os Estados. Mas essa proposta, também, especialmente por prolongar os conflitos, aumenta danos colaterais. Esse dado se evidencia, por exemplo, no fato de que nunca houve um número tão grande de vítimas civis em conflitos armados, em uma proporção de mortes combatente/civil que cresce substancialmente durante o século XX (GUTMAN; RIEFF, 1999).

De qualquer forma, essa nova espécie de conflito lega ao que se pode chamar de uma segunda assimetria: porque tais conflitos são levados a cabo em condições em que apenas uma das partes, aquela de cunho estatal, está obrigada à obediência ao DHI, o conflito é, novamente, assimétrico. De fato, trata-se de uma “assimetria dissidente”. Justamente porque apenas os Estados e seus agentes estão, de regra, obrigados àquelas normas internacionais que foram construídas no pós-Segunda Guerra, eles não conseguem combater o inimigo de igual para igual. Afinal, porque colocados fora do Estado e normalmente já tachados de criminosos, aqueles que combatem os exércitos oficiais são beneficiados por uma assimetria inversa, pelo fato de que não estão constrangidos aos limites das Convenções de Genebra. Por isso, os novos agentes são tão perigosos: escondidos entre a população civil, usando armas proibidas, tendo como alvo figuras protegidas, esses novos inimigos se tornam muito mais letais do que qualquer força externa.

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Como consequência dessa nova realidade, produziram-se duas tendências fundamentais. Em primeiro lugar, iniciou-se uma proposta de revisão dos conceitos de Haia e Genebra. Algumas nações desenvolvidas, capitaneadas por países que mais se veem às voltas com tais conflitos assimétricos, têm tentado rever as regras de DHI no sentido de relativizá-las e ensejar a possibilidade de reequilíbrio dos conflitos – especialmente no que se refere à exceção do combate ao terrorismo. Como fazem STEPHEN e LEWIS, defende-se que a “idolatria” das regras do DHI implicam danos maiores do que vantagens e impedem que as nações desenvolvidas consigam lugar de forma adequada seus conflitos internacionais. Nesse sentido, defendem a necessidade de um ius in bello mais realista (STEPHEN e LEWIS, 2005).

Por outro lado, outras nações entendem conveniente evitar a indicação de que conflitos violentos, especialmente aqueles de ordem interna, sejam qualificados como conflitos armados (KOOIJMANS, 1991, p. 228), pois assim podem afastar a aplicação das regras de DHI e justificar a sua atuação na noção de combate ao crime. De fato, essa parece ser uma tendência. Reconhecer um estado de conflito implicaria a aplicação do DHI e a consequente limitação do conflito, além do possível reconhecimento de crimes de guerra. Além disso, como os governos não têm certeza se seus soldados terão direito às mesmas benesses oferecidas aos inimigos pelo DHI, então não seria prudente reconhecer-lhe a aplicação (LAUTERPACHT, 1953, p. 202). Assim, ainda que exista um consenso sobre a obrigação de aplicação de pelo menos alguns dos dispositivos das Convenções de Genebra (ALDRICH, 2000), que amontariam à condição de Direito Costumeiro Internacional, há debate sobre a aplicação dessas regras justamente porque parece existir certo espaço para a interpretação subjetiva dessas obrigações (HENCKAERTS, 2005, p. 178). A mudança da posição colombiana no tratamento dedicado às FARCS em seu território, de uma pretensão de reconhecimento delas como combatentes para a condição de criminosos, indica essa realidade (CARRILLO-SUAREZ, 1999).

Em suma, reconhecem-se duas posições evidentes nessa condição que podem provocar uma redução do alcance dos crimes de guerra. A primeira delas, ligada àquela assimetria soberana, provoca a pretensão de redução do alcance do DHI pela negação de sua aplicação diante da necessidade de se combater certo mal que escapa à normalidade. A segunda, por outro lado, implica a negativa do reconhecimento do DHI pela negação do próprio conflito, implicando a solução dos problemas (especialmente de ordem interna) pela simples aplicação da lei nacional – normalmente, o Direito Penal.

4. A contextualização das consequências: resultados regionalizados.

Parece claro que a primeira posição é mais afeita àqueles conflitos evidentemente

internacionais, como ocorre com as recentes guerras do Afeganistão e do Iraque. Nesse contexto, a principal condição é a de que o inimigo não se encontra em uma posição adequada de combatente e que suas opções políticas tendem a criar riscos à própria população civil. Isso ensejaria uma “necessária” negação do DHI e o consequente desaparecimento dos crimes de guerra do palco do conflito. Pela retórica da necessidade de proteção da população civil – que se dá normalmente através da criação de rótulos sobre o inimigo, tais como o de terrorista – as exceções seriam justificáveis e determinariam a anulação da parte contrária. A luta contra o terror é o faceta mais evidente desse fenômeno e permite que se construam raciocínios simples de necessidade de alteração das regras da guerra (KIEVAL, 2005, p. 889) que acabam, como se sabe, na anulação, para além do DHI, das próprias regras de direitos humanos. O uso de drones, a espionagem privada em larga escala e o financiamento de grupos paramilitares é a faceta atual dessa realidade.

A segunda, posição, todavia, parece se materializar especialmente nos países de terceiro mundo ou nas nações em desenvolvimento (como ocorre no Brasil), onde os conflitos

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têm uma característica mais domiciliar. De fato, enquanto a guerra ao terror caracteriza claramente os conflitos de ordem internacional como os recentes eventos no Norte da África, no Oriente Médio, a guerra contra o crime é o novo fenômeno comum à América Latina, onde as drogas se compõem como o inimigo comum a ser combatido. Nesse contexto mais conhecido no Brasil, embora se negue que se encontre em um estado de beligerância tal que implicaria o reconhecimento de um conflito de ordem interna, a retórica da guerra é a regra universal. De fato, a repressão penal tem implicado desde a criação de um novo arcabouço de regulamentações jurídicas desumanizadoras (como ocorre com a Lei dos Crimes Hediondos e a Lei do Crime Organizado) até o uso direto das Forças Armadas em ambientes urbanos. Eufemismos como “guerra contra o crime”, “pacificação urbana” e “retomada de território” produzem cenários de guerra sem que se reconheçam os princípios fundamentais que guiam o DHI, como a distinção e a necessidade militar.

A confusão entre a penalização do crime e o espírito de guerra, neste contexto, tem sido responsável pela inclusão de um estado de guerra no plano nacional sem que se reconheçam as garantias históricas que foram conquistadas a duras penas no plano internacional. O risco dessa tendência, além da violação dos direitos humanos, é claro: é o esvaziamento do conceito de crime de guerra que acaba ignorado por completo. Afinal, cada vez mais as nações parecem reduzir-lhe o alcance para terem mais liberdade na solução de seus problemas internos ou externos. 3. Considerações finais:

O trabalho apresenta a evolução do modelo de guerra, de uma guerra clássica (1ª geração)

para a guerra contemporânea (4ª geração). Esse novo modelo é identificado, claramente, pela assimetria entre as partes envolvidas. Como consequência dessa condição, produz-se a diminuição do alcance dos crimes de guerra. Na medida em que a criminalização da guerra sempre foi pretendida no sentido de diminuir a violência internacional, essa condição pode levar justamente ao aumento do nível de violência dos conflitos, tanto internacionais quanto nacionais. No plano interno, especialmente, essa tendência pode ser responsável pelo exagerado uso da retórica da guerra no combate a certas espécies criminais, como o tráfico de drogas e o crime organizado. A consequência é o risco das violações dos direitos humanos tanto dos delinquentes quanto da população em geral.

Novos instrumentos, tais como o Estatuto de Roma, as Cortes Internacionais de direitos humanos e o novo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, talvez sirvam de contraponto a essas novas tendências. Mas é importante deixar claro que essas propostas não têm atuação universal e não são dotadas de instrumental para atuar diretamente nas realidades nacionais. Mais do que isso, porque são corpos em certa medida sempre políticos, também estão sujeitos a pressões que nem sempre atendem às demandas da realidade. Afinal, “those

who would draw a clear distinction between law and politics are to be found more in ivory

towers than in corridors of power” (FORSYTHE, 1996, p. 185). REFERÊNCIAS ALDRICH, George H., The Laws of War on Land, in American Journal of International Law (2000), vol. 94, Issue 1, p. 42-63. BASSIOUNI, Chérif. L’Origine et le Développement du Droit Pénal International dans une

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A Guerra Cibernética como Nova Forma de Conflito e sua Configuração Jurídica

RESUMO

Este trabalho abordará a guerra cibernética como nova forma de conflito, passando pelasdefinições clássicas de guerra e “atos de força” fornecidas pela doutrina internacionalista, pelaanálise desses conceitos na Carta das Nações Unidas e pela presença tanto de entes estataisquanto de não estatais enquanto sujeitos que se utilizam de tecnologias digitais para desferirataques a organismos privados, estatais e internacionais. Essa situação aumentou o interesseda sociedade internacional na tipificação deste novo tipo de conflito na Carta da ONU, a fimde se definir a participação de novos atores, que antes tinham pouca relevância, bem comoevitar que ocorram excessos nas respostas a atos de força. Saliente-se a dificuldade tantoprobatória – na identificação dos responsáveis – quanto na aplicação de sanções a novosatores que ameacem a paz internacional. Deste modo, reafirma-se a necessidade de umadiscussão cautelosa dessas novas situações apresentadas, e enquanto não regulamentadas, umaabordagem restritiva no uso da força, pertinente apenas quando se tratar de entes estatais e deforma proporcional ao ataque sofrido. Por fim, conclui-se ser de suma importância para asegurança nacional, uma integração entre os órgãos governamentais e a sociedade civil queseja hábil para a prevenção desse tipo de ofensiva e que propicie uma proteção efetiva dainfraestrutura crítica do país.

1. O DIREITO INTERNACIONAL E O CONCEITO DE GUERRA

Dentre todos os fenômenos culturais ou sociais, a guerra é um daqueles maiseminentes e que recebeu inúmeras atenções, de pessoas comuns ou autoridades religiosas,filósofos e historiadores, juristas e sociólogos, politicólogos e economistas. Apesar dosholofotes, o que falta no entendimento da guerra é justamente a clareza que leva à limpidezconceitual.

O sociólogo A. L. Machado Neto (1987, p. 223-241) bem demonstra que a guerra éefeito da convergência de várias causas (política, psicológica, religiosa, econômica,demográfica, geográfica etc.), mas também é em si mesma a causa de muitas alteraçõessubstanciais em praticamente todos os quadrantes da vida social. Por exemplo: a guerra podelevar à consolidação de impérios e a centralização do poder (efeitos políticos); àsobrevivência de uma sociedade e o definhamento de outra numa situação geral de escassez(efeitos econômicos); ao desenvolvimento de novas técnicas para uso militar e civil, tornandoobsoletas as técnicas anteriores (efeitos tecnológicos); à evasão de pessoas dos territórios emconflito para outros que ofereçam condições de paz (efeitos demográficos).

Alguns autores frisam que o Direito Internacional surgiu historicamente com aregulamentação jurídica desse fenômeno social ou a normatização do uso da violência entresociedades politicamente independentes (MACHADO NETO, 1987, p. 238-239; BOBBIO,2008, p. 172)1. Este talvez seja um dos efeitos jurídicos mais relevantes.

De fato, a ordem jurídica internacional normatiza o uso da violência entre sociedadespoliticamente independentes no seu mútuo relacionamento. Por isso, a guerra (comoexpressão máxima do uso da força) sempre foi proibida em geral e autorizada apenas como

1 O Direito Internacional é antiquíssimo, pois seu pressuposto lógico de existência é o fato do relacionamentomútuo entre comunidades ou sociedades independentes (do ponto de vista jurídico-político), mesmo que nãoassumam a forma do Estado moderno. Por isso, dizemos que o Direito Internacional é aquele que disciplina aconduta dos Estados entre si somente para efeitos didáticos (tanto que hoje devemos considerar asorganizações internacionais, como a ONU, UE, OEA, OTAN etc.).

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sanção em casos específicos. Esse é o critério essencial que faz o Direito Internacional poderser considerado como Direito.

Apoiando-se em Kelsen, consideramos o “Direito” como uma técnica social específicacujo núcleo é a organização e monopólio societário do uso da força nas relações sociais. Porisso a ordem jurídica é uma ordem coercitiva, não porque a força seja constantementeaplicada (ao contrário, é a exceção), mas porque as normas jurídicas estabelecem quem deve,não deve ou está autorizado a aplicar a sanção quando alguém deixa de cumprir um dever.Aqui a questão da força é de caráter normativo e não fático.

Em outras palavras: a nota essencial do Direito é a monopolização da força por parteda sociedade em questão, no momento em que é possível distinguir o uso juridicamente lícitoe ilícito da força e, portanto, quando uma esfera de interesses dos sujeitos são protegidas deinterferências forçadas por parte de outrem. Assim, quando certo indivíduo aplica a normasancionatória contra o delinquente, é como se a própria sociedade – constituída pela ordemjurídica – o fizesse, porque essa conduta é imputada a ela enquanto pessoa atuante. Isso valetanto para as ordens jurídicas centralizadas (princípio da divisão do trabalho: órgãos especiaispara apurar se o delito foi cometido e, se positivo, para aplicar a sanção de acordo com oprocesso previsto pela ordem jurídica)2 e descentralizadas (princípio da autotutela: a apuraçãodo fato tido como delituoso e a aplicação da sanção ficam a cargo do próprio ofendido).

Desse modo, eis as seguintes perguntas: o que chamamos de “Direito Internacional” –aquele “Direito” que pretensamente disciplina a conduta dos Estados entre si – possui a talnota essencial supracitada? O Direito Internacional prevê atos coercitivos como sanções, quepressupõem determinadas condutas contrárias àquelas dispostas como deveres jurídicos? ODireito Internacional autoriza a interferência forçada de um Estado na esfera de interesses deoutro, sendo por isso a reação da própria sociedade internacional? Há a essencial distinçãoentre uso lícito e ilícito da força?

A resposta é positiva para todas as perguntas. Conforme diz Kelsen, historicamente, oDireito Internacional sempre conheceu dois tipos básicos de “interferência forçada nodomínio de interesses normalmente protegidos pelo Direito Internacional” (2010, p. 53),distintas apenas pelo grau: a represália e a guerra. A represália é a interferência limitada naesfera de interesses de outro Estado, com a utilização da força armada ou não. Por outro lado,a guerra é “uma ação coercitiva que envolve o emprego de força armada efetuado por umEstado contra outro, constituindo da mesma forma uma interferência ilimitada no domínio dosinteresses do outro Estado” (KELSEN, 2010, p. 63)3.

A represália e – principalmente – a guerra, sempre foram proibidas em princípio,sendo autorizadas apenas como sanção, aplicada pelo Estado ofendido contra o Estadoofensor4. A ordem jurídica internacional sempre foi descentralizada e, portanto, de caráterprimitivo. Todavia, a Carta de São Francisco (1945) representa a mais séria tentativa decentralização do Direito Internacional, já que ela pretende ser Direito Internacional geral(válida para toda a sociedade internacional, apesar de ser fruto de um tratado internacional ao

2Denomina-se “Estado stricto sensu” a ordem jurídica quando ela é centralizada nos termos acima. A despeitoda clássica lição de Max Weber, preferimos dizer que o Estado reivindica a centralização do monopólio do usolegítimo da violência física, ou melhor, que ele é a própria centralização desse monopólio.3Percebe-se claramente que as considerações de caráter sociológico registradas por Machado Neto se alinhamcom o que Hans Kelsen entende por “guerra” juridicamente: a guerra sempre foi a principal e mais gravosasanção da ordem jurídica internacional. Mais curioso ainda é o paralelo com o conceito de “sistemainternacional” elaborado por Raymond Aron, no campo da Ciência Política: “é o conjunto constituído pelasunidades políticas que mantêm relações regulares entre si e que são suscetíveis de entrar numa guerra geral”(2002, p. 153, grifo no original).

4 Kelsen procurou demonstrar a veracidade dessa asserção com base na concepção do bellum justum.

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qual nem todos os Estados aderiram). Essa centralização cria um mecanismo de “tutelacoletiva” conduzido pelo Conselho de Segurança e pela Assembleia Geral (após a Resoluçãon.º 377/1950) da Organização das Nações Unidas.

Contudo, a Carta da ONU trouxe um sério problema hermenêutico: há apenas umaúnica menção do vocábulo “guerra” – feita no preâmbulo. Ao contrário, a Carta não utilizaum conceito dogmático específico e delimita situações nas quais um Estado intervém demaneira forçada na esfera de interesses de outro, o que levaria à ruptura da paz internacional.Tal corre porque, para atingir esse seu magno objetivo, a Carta proibiu qualquer ameaça ou o“uso da força” nas relações internacionais (e. g., art. 2.º, § 4.º) e várias vezes ela fala naproibição de “atos de agressão” (e. g., art. 1.º, § 1.º e 39).

O que fazer? Apesar da omissão, Kelsen bem lembra que a “jurisprudênciainternacional, no entanto, não pode dispor do conceito de guerra enquanto importantes normasdo Direito Internacional continuarem a se referir à ‘guerra’, tais como as normas que regulama conduta na guerra” (2010, p. 62). Malcolm Shaw, em referência ao art. 2.º, § 4.º da Carta,afirma: “A referência ao termo ‘força’ mais do que guerra é benéfica e, dessa maneira,encobre situações nas quais a violência empregada está aquém das exigências técnicas doestado de guerra” (2008, p. 1123, tradução nossa).

Respeitando essas judiciosas observações, bem como unindo as consideraçõessociológicas de Machado Neto com aquelas de caráter científico-jurídicas de Kelsen,avançamos a seguinte tipologia para os fins deste artigo: dentro da categoria dos “atos deforça”5, há a “guerra stricto sensu ou em sentido clássico” (cujo conceito foi apresentadoacima) na qual devem ser aplicadas todas as normas jurídicas sobre a conduta na guerra6 – e.g., as Convenções de Genebra de 1864, 1906, 1929 e 1949.

Nesse sentido, quando a guerra stricto sensu for considerada ilícita pelo Conselho deSegurança ou pela Assembleia Geral, surge o conceito dogmático de “agressão”7. A guerrastricto sensu, por outro lado, pode ser considerada lícita quando está de acordo com ospropósitos da Carta, ou seja, quando é feita pelo Conselho de Segurança (arts. 42-47) para adefesa da paz internacional ou por algum Estado no caso de legítima defesa (art. 51).

Evidentemente, ao denominar o gênero de “atos de força”, ampliamos a ideiatradicional de força como força “física ou armada”. De acordo com Malcolm Shaw, essamodificação da ideia de força é uma tendência antiga: “Um ponto que foi considerado nopassado e agora é reconsiderado é se o termo ‘força’ no artigo 2(4) inclui não somente a forçaarmada mas, por exemplo, a força econômica” (2008, p. 1124, tradução nossa). Seguindo atendência, entendemos a força como constrangimento exercido por um Estado (ouorganização internacional) contra outro Estado (ou organização internacional), que pode serdesde o rompimento das relações diplomáticas até o uso concentrado e esporádico das forçasarmadas. Logo, essa tipologia tem como principal finalidade possibilitar a categorização decertos atos que não são de força física, mas envolvem constrangimento ou coerçãoincompatível com a Carta das Nações Unidas. Nesse ínterim, reveste-se de grande

5Há a possibilidade desta ser uma subcategoria das “condutas contra a paz internacional”, alterando mais atipologia. Afinal, da leitura do art. 1.º, § 1.º e do título do cap. VII, toda e qualquer conduta pode ser consideradapelo Conselho de Segurança como ameaçadora ou violadora da paz internacional, o que pode abarcar condutasomissivas. Mas, para os fins deste artigo e devido ao limitado número de laudas, essa ideia não será aprofundada.6As normas jurídicas que tratam da conduta na guerra são plenamente válidas e aplicáveis mesmo que ela sejailícita, ou seja, o Estado (aqueles indivíduos que agem como seus órgãos) “delinquente” deve obedecê-las.7A Assembleia Geral editou a Resolução n.º 3314/1974 especificamente para definir o que é “agressão”. Elaconsidera a agressão como a “mais séria e perigosa forma de uso ilegal da força”, consistente no “uso da forçaarmada por um Estado contra a soberania, a integridade territorial ou a independência política de outro Estado,ou de qualquer outra maneira inconsistente com a Carta das Nações Unidas” (art. 1º).

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importância uma das mais recentes formas de guerra8: a guerra cibernética ou ataquecibernético.

2. O CONFLITO DO SÉCULO XXI: A GUERRA CIBERNÉTICA

O século XX viu o desenvolvimento das armas de destruição em massa, como asnucleares, as químicas e as biológicas. O século XXI observa agora o surgimento de um novodomínio de conflitos – com novos tipos de “armas” – que merece a mais profunda atenção doDireito Internacional: a guerra cibernética. Este é um fenômeno tão novo que,independentemente do poderio econômico ou militar, todos os Estados padecem de grandevulnerabilidade neste âmbito. O que importa nesta ceara são os mais diversos interesses emquestão quando da existência de um determinado ataque cibernético a um determinado Estadoou estrutura econômica, por parte não somente de outro Estado, mas também de um sóindivíduo ou um grupo especializado, fazendo com que sejam postos mais uma vez emcheque os conceitos de soberania e Estado-potência.

Para buscar a melhor compreensão dos aspectos políticos e jurídicos internacionais queenvolvem o recente fenômeno da “guerra cibernética” propriamente dita, é interessante relatardois casos paradigmáticos de “ataques cibernéticos”: a) os ataques cibernéticos a Estônia em2007 e b) o caso Stuxnet.

O primeiro caso teve início em 27 de Abril de 2007, quando um verdadeirobombardeio de ataques Distributed Denial of Service (DDoS)9 atingiu a Estônia, derrubandodesde os websites do governo até a infraestrutura bancária online do país.10 O ataque foidesencadeado após o governo ter determinado a remoção de um antigo monumento soviéticodo centro da capital Tallinn para um afastado cemitério militar – embora o governo russotenha sido acusado de praticar referida ofensiva digital, as investigações indicaram que osataques foram lançados de milhares de computadores particulares, alguns conectados embotnets11. Um oficial senior da OTAN, comentando os referidos ataques, demonstrou anecessidade de repensar como referidos atos são considerados: “Se um centro decomunicações de um país membro é atacado com um míssel você chama isso de um ato de

8Por esse motivo reservamos a espécie “guerra stricto sensu”, diferenciando-a de outros possíveis tipos de atosde força que também pode ser livremente chamados de guerra, como a guerra cibernética.9“Em um ataque distribuído de negação de serviço (também conhecido como “DDoS”, um acrônimo em inglêspara “Distributed Denial of Service”), um computador mestre (denominado "Master") pode ter sob seu comandoaté milhares de computadores ("Zombies" - zumbis). Neste caso, as tarefas de ataque de negação de serviço sãodistribuídas a um "exército" de máquinas escravizadas, formando uma estrutura de comando e controle. O ataqueconsiste em fazer com que os Zumbis (máquinas infectadas e sob comando do Mestre) se preparem para acessarum determinado recurso em um determinado servidor em uma mesma janela de tempo. Chegada a hora marcada,todos os zumbis (ligados e conectados à rede) acessarão ao mesmo recurso do mesmo servidor. Como servidoresweb possuem um número limitado de usuários que pode atender simultaneamente ("slots"), o grande e repentinonúmero de requisições de acesso esgota esse número de slot, fazendo com que o servidor não seja capaz deatender a mais nenhum pedido.” (CAMPOS, 2013)10A Cyber-Riot. Estonia and Russia. Disponível em: http :// www . economist . com / node /9163598 . Acesso em: 23julho de 2013.11‘Bots’ are analogous to ‘agent’ that in traditional DDoS models infect hostmachine & maintain access forattackers to control them via ‘handlers’ analogous to ‘botnets’, while referring to IRC networks. Typically, a botwhen installed on a victim machine establishes outbound connections to a standard IRC network service port &joins attacker private channel. Public IRC networks such as Efnet, Undernet or DALnet, provide attackers withstable, scalable infrastructure to maintain, expand, manage & control their bots army (PURI, 2003, p. 2)

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guerra. Mas então, o que você faz se a mesma instalação é desabilitada por um ataquecibernético?”12

No caso Stuxnet, um worm13 foi descoberto em 2010 pela empresa bielorrussadesenvolvedora de antivírus Kaspersky, por solicitação da International TelecommunicationUnion, agência da ONU responsável por assuntos de informação e tecnologia da informação.Especula-se que esse malware foi especificamente criado para infectar e causar danos nosistema operacional SCADA, desenvolvido pela Siemens e utilizado para controlar ascentrífugas de enriquecimento de urânio do Irã. Além disso, foi constatado que 60% doscomputadores infectados ao redor do globo se encontravam no Irã, reforçando a tese de que oprincipal alvo eram exatamente as usinas de enriquecimento do material radioativo, objeto deinflamados debates na sociedade internacional quando de sua instalação. Ante suacomplexidade, alguns especialistas14 afirmaram que dificilmente um único hacker seria capazde criar algo como o Stuxnet a partir de uma rede doméstica, e que por se tratar de ummalware altamente complexo, teria sido feito com o apoio de um grupo com muito apoiotecnológico e finaceiro. Logo, muito provavelmente algum Estado - com recursos técnicos,humanos e amplo banco de dados - estaria por trás de uma ofensiva dessas proporções(O’MURCHU, 2010). Por motivos históricos, diplomáticos e geopolíticos a suspeita acaboupor recair sobre os Estados Unidos e Israel.

Cumpre salientar que o fato de o verdadeiro autor do vírus não ter sido identificadodificulta a forma como os Estados poderiam reagir caso o autor dos ataques fosse mesmo umEstado com o intuito de atacar as usinas do Irã. Diante de “ameaças” dessa envergadura, quedesafiam a estabilidade, os interesses e a soberania de um país, questiona-se se esse tipo deataque não poderia ensejar uma nova “corrida armamentista no mundo” (KUSHNER, 2013).Dadas essas possibilidades, ainda que não se possa afirmar que a guerra cibernética tenhasubstituído a guerra em sentido tradicional (com armamento cinético), o crescimento de suaimportância e táticas poderiam ensejar o uso da força física ou armada pelo Estado ofendidocomo forma de legítima defesa.

Outro ponto crucial é a ocorrência de um ataque cibernético por um sujeito não estatalcontra um Estado ou organização internacional (como a OTAN e a INTERPOL). Por taisrazões, questiona-se de que modo se pode adaptar essas novas hipóteses à norma internacionalsem que esta seja violada, afinal ela é bem clara, pois não menciona “ataques cibernéticos” emuito menos entes não estatais em seu dispositivo legal.

Nesse sentido, o surgimento de um espaço cibernético e uma realidade virtualproporcionou mutações na ordem internacional, uma vez que a construção dos cenários nestanova era transcende a ação unívoca dos Estados e fomenta a ação de indivíduos e forças aindanão claramente apontadas. A informação se torna então um bem público a ser protegido, namedida em que serve na “luta por territórios, por credibilidade e na guerra de ideias”.(MANJIKIAN, 2010, p. 387).

12Tradução livre do seguinte trecho: "If the member state's communications center is attacked with a missile,"said the source, "you call it an act of war. So what do you do if the same installation is disabled with a cyber-attack?" - Disponível em: <http :// www . economist . com / node /9163598 >. acesso em: 23 de julho de 2013.13Para análise técnica do termo, vide: http :// www . cisco . com / web / about / security / intelligence / virus - worm - diffs . html 14Veja comentário de Mikko Hypponen, pesquisador chefe da empresa finlandesa de segurança F-Secure<http :// veja . abril . com . br / noticia / internacional / estados - unidos - se - armam - contra - ataques - ciberneticos >. Acessoem 22 de junho de 2013. e Raph Langner, especialista alemão <http :// www . langner . com / en / .>. Acesso em 20 dejunho de 2013..

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Esse cenário se torna ainda mais propício ao desenvolvimento do chamado Conflito de4ª Geração ou Conflito Irregular Assimétrico15, no qual se tem a utilização por gruposinsurgentes, indivíduos ou mesmo os próprios atores estatais, de ferramentas cibernéticas como intuito de paulatinamente minar as instituições e infraestrutura de um país, erodindo aprópria segurança e confiança nacional.

Posta a questão nesses termos, oportuno se faz identificar a origem e a autoria de umataque cibernético, para somente então tomar as medidas jurídica e politicamente cabíveis.Como restou demonstrado no caso supracitado, os especialistas demonstraram a possibilidadede se identificar o mentor dos ataques às usinas de enriquecimento de urânio no Irã, masmuito provavelmente este Estado preferiu manter-se inerte ao invés de tomar atitudes quepoderiam gerar resultados mais gravosos.

De outra face, poderíamos pensar o ataque cibernético como um meio de dissuasãopara uma possível guerra armada, i. e., um Estado poderia se valer de estratégias virtuais paraconter o ataque inimigo na iminência de uma guerra. Interessante pensar o ataque cibernéticonão apenas como mecanismo de ataque, mas também de defesa e segurança, na medida emque os Estados estariam buscando o reconhecimento de sua credibilidade como provedor desegurança num cenário crescente de instabilidade.

Assim, a adoção de recursos cibernéticos a fim de alcançar objetivos de defesa esegurança não pode deixar de ser considerada como estratégica por parte dos Estados, nummomento em que as fronteiras e as soberanias se veem ameaçadas diante da “democratização”e “descentralização” no uso dessas tecnologias pelos mais diversos atores, inclusive para aprática de crimes e ataques terroristas, cuja estrutura estaria espalhada em células pordiferentes países em redes não hierárquicas, atuando por meio de sistemas eletrônicosdescentralizados de difícil reconhecimento impedindo a atuação individual de qualquer estado(VARELLA, 2013, p. 56-57).

3. OS CONFLITOS CIBERNÉTICOS E A CARTA DA ONU

Conforme demonstrado previamente, não obstante o silêncio conceitual da Carta daONU, criou-se doutrinariamente o conceito de “guerra stricto sensu” ou “em sentidoclássico”, assim como o conceito de “agressão” formulado pela Assembleia Geral quando aguerra é ilícita. Deste modo, importa aqui, a análise dos conflitos cibernéticos enquanto umconceito jurídico, sob a égide da Carta da ONU.

Várias tentativas de conceitualizar conflitos cibernéticos enquanto atos de força ouataques armados foram realizadas. Graham (2009, p. 101) ressaltando o papel axial da Cartada ONU na composição normativa no que importa aos conflitos cibernéticos, afirma que “épossível concluir que certos ataques cibernéticos podem ser considerados como ataquesarmados”. Sklerov (2009, p. 65), identificando ataques cibernéticos enquanto ataquesarmados, justifica que "estados reconhecem que usos não convencionais de força podemjustificar o tratamento como um ataque armado quando seu escopo, duração e intensidadeforem de gravidade suficiente"16. Tais considerações, junto a noção de que "atos de força"não se resumem aos atos de força cinética, levariam a clara conclusão de que seriam

15BRÚMMEL VAZQUEZ BERMÚDEZ no seu ensaio “A Guerra Assimétrica à Luz do PensamentoEstratégico Clássico” cita definição dada pela Doutrina Básica da Marinha do Brasil: “A guerra assimétrica éempregada, genericamente, por aquele que se encontra muito inferiorizado em meios de combate, em relaçãoaos de seu oponente. A assimetria se refere ao desbalanceamento extremo de forças. Para o mais forte, a guerraassimétrica é traduzida como forma ilegítima de violência, especialmente quando voltada a danos civis. Para omais fraco, é uma forma de combate [...] (1:22). Disponível em:https :// www . egn . mar . mil . br / arquivos / cepe / guerraAssimetrica . pdf . Acesso em 23 de junho de 2013.

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aplicáveis os dispositivos do capítulo VII da Carta da ONU (em especial, a previsão de“direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva) aos casos em que a gravidade doataque cibernético seja suficiente para tal equivalência17.

No entanto, a realidade se revela mais complexa. Os ataques podem ser realizados poratores não estatais, que não são contemplados pelos dispositivos supracitados da carta daONU. A atuação destes atores, que tem sido alvo de intenso debate entre osinternacionalistas, ganha ainda mais relevo diante da problemática dos conflitos cibernéticos.Os baixos custos operacionais dentro do espaço cibernético aumentam as possibilidades deinfluência desses atores na comunidade internacional. Os novos atores, como as organizaçõesterroristas, inúmeras organizações não governamentais e grandes coorporações, fazem intensouso desses recursos e são cada vez mais ativos, apesar de algumas capacidades, comoagregação e análise de inteligência, sejam ainda atividades primordialmente estatais (Rattrayet Healey, 2011)18.

A Carta da ONU pouco trata sobre os atores não estatais. O capítulo VII , que dispõesobre “ações em caso de ameaça à paz, rupturas da paz e atos de agressão” foi certamenteredigido considerando os Estados como os únicos atores relevantes em matéria de guerra emsentido estrito19. Uma leitura literal impossibilitaria que os agentes não estatais sejamconsiderados como agentes dos Estados que o abrigam ou os auxiliam de outras maneiras. Noemblemático caso “Nicaragua v. USA”, onde a Corte Internacional de Justiça reconheceu queos Estados Unidos da América deu suporte material, intelectual, financiamento e treinamentoao grupo armado entitulado Contra para uma ação armada contra o Governo nicaraguense,não houve o reconhecimento dos rebeldes como instituições do Governo dos Estados Unidos– o que impossibilitou a responsabilidade internacional dos Estados Unidos pelo conflito dosrebeldes contra o governo nicaraguense em sua integralidade, ou seja, considerando o grupoContra como um órgão do governo yankee.

Mesmo nos casos em que um Estado se utiliza de meios cibernéticos para realizar umato de força, existe uma questão crucial na possibilidade da atribuição da responsabilidadeinternacional do estado ofensor: a dificuldade probatória. Conforme bem representado pelosupracitado conflito cibernético que tomou lugar na Estônia, quando a Rússia se negou areconhecer sua responsabilidade nos ataques (HOLLIS, 2008, p. 1026), a dificuldade de seatribuir ataques a estados é significante20. Ainda, a possibilidade de especificarem osindivíduos autores, vinculando-os aos governos que se pretende responsabilizar é ainda mais

16Tradução livre de:"states recognize that unconventional uses of force may warrant treatment as an armedattack when their scope, duration and intensity are of sufficient gravity"17Sobre a determinação de um ato enquanto “ataque armado” Graham (2009, p. 90) coloca como parâmetrodeterminante o critério proposto por Jean Pictet:. “The international consensus holds that criteria put forward byJean Pictet in order to determine the existence of an international armed conflict under Common Article 2 of the1949 Geneva Conventions also serve as a useful guide for assessing whether a particular use of force has risen tothe level of an armed attack. Under this test, a use of force is deemed an armed attack when the force is of“sufficient scope, duration, and intensity.”18Os autores sugerem que: “Non-state actors wield more influence and pose greater national security risks in thecyber domain than in other domains for many reasons, starting with low barriers to entry. Technical tools thatenable both malicious and benevolent actions can be downloaded or captured on the Internet. Soſtware can beadapted to malicious purposes with the proper expertise – and that expertise is generally available for hire.However, the low barriers of entry should not be over- blown. Tough even advanced capabilities can beobtained, it is difficult for non-state actors to master other tasks – such as gathering intelligence and analyzingcenters of gravity for attack and defense – that are likely needed to have lasting strategic effects.”19Duncan B. Hollis (2008, p. 1047), sustenta que o direito da guerra é centrado no estado, primariamenteregulando como os estados podem se utilizarem de força contra outros estados. Observa, ainda, que a maioriadas tentativas de compreensão da guerra cibernética se baseiam em conflitos entre dois estados.

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pífia, tendo em consideração os inúmeros mecanismos, como os botnets, que são utilizadosnestas manobras e contribuem na anonimidade do ataque.

Não obstante às dificuldades apresentadas, a sociedade internacional faz uso de umainterpretação analógica dos dispositivos do capítulo VII, e, em especial, do art. 51 da carta daONU. O referido artigo trata do direito à legítima defesa, isto é, a legitimação do uso da forçapor um Estado contra outro, quando da ocorrência de um ataque armado. Uma interpretaçãoextensiva do dispositivo poderia nos fazer pensar que os ataques cibernéticos seriam umaextensão dos ataques armados físicos e, se estes ameaçam a paz e a segurança internacionais,legitimado estaria o recurso ao uso da força para coibir esses ataques (KIM, 2011, p. 325).Contudo, a legítima defesa exige a proporcionalidade entre o ataque e o contra-ataque; Estariaentão um ataque por meio das forças armadas em resposta a um ataque cibernético respaldadona proporcionalidade?

Em 1998 o representante permanente da Rússia nas Nações Unidas levantou a questãoda regulamentação da guerra cibernética por meio de uma carta ao secretário geral da ONU21.A resposta da comunidade internacional, no entanto, foi em considerar como um debateprematuro, ou como desnecessário por já existir um corpo normativo suficiente.

4. CONCLUSÃO

A inexistência de uma legislação específica sobre a guerra cibernética tem efeitospráticos mais danosos que a mera dúvida doutrinária. Diante da impossibilidade de seconceituar adequadamente os atos de força cibernéticos, os atores – e especialmente aquelesque, por fazer extensivo uso de tecnologias digitais, são mais sensíveis a estes ataques –poderão fazer uso de uma leitura unilateral de "ato de força" e lançarem mão de seus "direitosinerentes de autodefesa individual ou coletiva" para atos que dificilmente seriamcaracterizados como tal pela dogmática. Neste contexto, a discussão e regulamentaçãomultilateral tem o duplo papel de garantir a maior participação de atores que outroradispunham de menor relevância, assim como evitar que ocorram excessos nas respostas a atosde força, logo a construção de um documento normativo a partir do diálogo da comunidadeinternacional se mostra imprescindível.

Ademais, a crescente participação dos atores não estatais nos conflitos internacionaisdesafia as antigas concepções do Direito Internacional Público. O exemplo das organizaçõesterroristas transfronteiriças é agravado no espaço cibernético - que faz poucas distinções entrefronteiras - levantando a inevitável questão da responsabilidade dos estados perante às açõesdos atores não estatais que operam com qualquer espécie de assistência daqueles.

Por fim, roga-se por uma abordagem cautelosa, interpretando-se o direito ao uso deforça armada de maneira restrita. No que tange aos conflitos cibernéticos, no presente cenário,tal abordagem levaria a conclusão de que, não obstante a possibilidade de conflitoscibernéticos caracterizarem "atos de força" ou "agressões", os atores estatais somente

20A Estônia admitiu que não tinha provas concretas que pudessem atribuir a responsabilidade dos ataqus aRussia, não obstante reiteradas acusações do governo estoniano. Ver “Estonia has no evidence of Kremlininvolvement in cyber attacks” <http :// en . rian . ru / world /20070906/76959190. html >. Acesso em 28 de julho de2013.21Vide “Letter dated 23 September 1998 from the Permanent Representative of the Russian Federation to theUnited Nations addressed to the Secretary-General”, Disponível em: <https://disarmament-library.un.org/UNODA/Library.nsf/1c90cfa42bbb0d6985257631004ff541/663e6453bdaa2e228525765000550277/$FILE/A-C1-53-3_russia.pdf>. Acesso em 18 de setembro de 2013.

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poderiam lançar mão do "inerente direito de autodefesa" (art. 51 da carta da ONU) quandohouver por certo que o autor dos referidos atos seja, também, um ator estatal (e não um atornão estatal operando no território de determinado estado).

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MARINHA DO BRASIL

ESCOLA NAVAL

ASP. RAFAEL AMARAL

ASP. RAFAEL REIS

ASP. ARTHUR JANEIRO

ASP. PEDRO AINSWORTH ORIENTADOR:

ASP. TOSHIO ITO CMG (RM1) MENDES

OS NOVOS DESAFIOS PARA A SEGURANÇA E DEFESA NO CENÁRIO MARÍTIMO: O TERRORISMO E A PIRATARIA.

ÁREA TEMÁTICA: OS CONCEITOS DE DEFESA E DE SEGURANÇA E AS “NOVAS AMEAÇAS”

RIO DE JANEIRO

2013

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RAFAEL BARBOSA AMARAL

RAFAEL REIS CAVALCANTI

ARTHUR JANEIRO CAMPOS NUÑEZ

PEDRO HENRIQUE AINSWORTH DE OLIVEIRA E SOUZA

CHRISTIAN TOSHIO ITO

OS NOVOS DESAFIOS PARA A SEGURANÇA E DEFESA NO CENÁRIO MARÍTIMO: O TERRORISMO E A PIRATARIA.

ÁREA TEMÁTICA: OS CONCEITOS DE DEFESA E DE SEGURANÇA E AS “NOVAS AMEAÇAS”

Artigo científico apresentado pelos aspirantes da Escola Naval, Rio de Janeiro, no X CADN.

ORIENTADOR: CMG (RM1) LUIZ MENDES DIAS

CO-ORIENTADOR: PROF. ODILON LUGÃO MONTEIRO

RIO DE JANEIRO

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2013

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................... 02

2 A GUERRA ASSIMÉTRICA, O CONCEITO E A ESTRATÉGIA............................ 03

3 GUERRA ASSIMÉTRICA NO SÉCULO XXI…......................................................... 04

4 O TERRORISMO MARÍTIMO...................................................................................... 05 4.1 A PIRATARIA MARÍTIMA........................................................................................ 07 4.1.1 Definição do Crime e sua Imprecisão........................................................................ 07 4.2 SITUAÇÃO INTERNACIONAL................................................................................ 08 4.3 O BRASIL E A PIRATARIA...................................................................................... 08 4.4 TENDÊNCIAS FUTURAS.......................................................................................... 09

5 CONCLUSÃO................................................................................................................... 09

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................. 10

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OS NOVOS DESAFIOS PARA A SEGURANÇA E DEFESA NO CENÁRIO MARÍTIMO: O TERRORISMO E A PIRATARIA.

RESUMO

Grupos terroristas e piratas tem as suas atividades facilitadas através de inovações tecnológicas e por uma nova conjuntura política na comunidade internacional. Essas novas ameaças confrontam os antigos conceitos de Defesa e Segurança, assim como na mudança e adaptação doutrinária das Forças Armadas afim de maximizar as formas de combate aos grupos terroristas e piratas. Todas essas novas ameaças desafiam a tradicional visão que tínhamos sobre defesa e nos impulsiona a estudar e refletir ainda mais sobre o tema. Este artigo foi elaborado através de levantamento de dados encontrados na literatura já existente, usando a pesquisa bibliográfica como método de investigação, procurando analisar de maneira crítica as teorias existentes sob o cenário estratégico contemporâneo. Analisando doutrinas estratégicas de diversos países, podemos observar uma convergência em muitas de suas definições porém alguns tópicos devem ser esclarecidos e contextualizados ao cenário internacional atual. Conclui-se com a necessidade de se reavaliar e melhorar a preparação tanto doutrinária como operativa das Forças Armadas e demais meios mantenedores da segurança e defesa dos países, a fim de estarem capacitados a confrontar esse novo universo de combate tecnológico e composto de muitas variáveis que é o cenário da guerra assimétrica.

PALAVRAS-CHAVE: Guerra Assimétrica. Terrorismo. Pirataria. Novas Ameaças. Defesa.

1 INTRODUÇÃO -

Segurança e Defesa: conceitos fundamentais

Segurança e Defesa são dois conceitos complexos e distintos, mas ambos são extremamente confundidos no cotidiano. Apesar de serem duas áreas complementares é necessário entender bem a diferença entre elas.

Segurança: A segurança pode ser compreendida de varias formas, seu conceito é subjetivo e pode ser aplicado para mais de uma área de atuação.

Segundo a conceituação da ONU: “Segurança é uma condição na qual os Estados consideram que não há perigo de ataque militar, pressão política e coerção econômica, de modo que possam, livremente, buscar seu próprio desenvolvimento e progresso.”

Como podemos perceber esse é um conceito de segurança válido para uma nação , mas a palavra segurança também pode ser aplicada a sensação de proteção de um individuo . Como definido pelo Prof. Dr. Joanisval Brito Gonçalves: ”Uma necessidade e um direito de todo ser humano. Sensação de garantia necessária e indispensável a uma sociedade e a cada um de seus integrantes, contra ameaças de qualquer natureza”.

Em termos coletivos a busca de segurança é uma aspiração legítima de todas as nações, pessoas e instituições que abrange todas as formas de contenção e prevenção a ameaças, sejam essas de caráter interno ou externo.

Assim a ideia de segurança é essencialmente subjetiva (pois depende da capacidade de percepção de ameaças e de respostas a essas ameaças) e estaria fortemente atrelada a sensação de proteção. É importante também perceber que a segurança não é apenas um assunto policial ou militar mas também é um assunto que envolve medidas de proteção no

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campo social e econômico, da diplomacia, do desenvolvimento científico-tecnológico e do meio-ambiente, enfim, alcança riscos e ameaças que incorporam dimensões não-militares.

Por tanto Segurança é um “estado” e uma sensação. É um conceito muito mais amplo que Defesa e envolve setores militares e não-militares da sociedade.

Defesa: “Elenco de medidas, atos e ações concretas adotadas e implementadas pelo Estado, contra perigos, riscos e ameaças.” (Livro Branco de Defesa)

Apesar do conceito de Defesa ser simples em contraposição ao conceito de segurança. A Defesa abrange uma grande gama de responsabilidades, a maioria delas recai sobre a responsabilidade de militares. Principalmente quando temos em vista o conceito de “fenômeno bélico“ de Carl von Clausewitz no qual define que todo objetivo de tal fenômeno, inclusive a própria guerra, é desarmar o oponente, deixando-o sem defesa ou ao incapaz de prosseguir lutando .

Com os conceitos de Defesa e Segurança brevemente explanados, prosseguiremos com a análise das “novas ameaças”, que representam os novos desafios que diversos Estados devem enfrentar no cenário estratégico atual. Iremos abordar duas das ”novas ameaças”: o terrorismo e a pirataria, mas antes a conceituação e contextualização de Guerra Assimétrica é mandatória.

2 A GUERRA ASSIMÉTRICA, O CONCEITO E A ESTRATÉGIA

Vive-se tempos de grande instabilidade em todas as regiões do globo. Nos encontramos em uma era marcada por revoluções nos campos científicos, políticos, econômicos e sociais, como também uma constante incerteza acerca da situação da soberania e integridade dos Estados. Para tanto, houve que se delimitar alguns conceitos até então esquecidos ou que não cabiam a momentos passados. Em vista dessas grandes mudanças, podemos observar um ressurgimento de conflitos sem paradigmas, sem um padrão delimitado e que tem extrema facilidade para modificar seu modus operandi: A Guerra Assimétrica.

Tendo como base o fato, segundo Clausewitz, de que a Guerra não é ciência nem arte, mas sim um fenômeno capaz de mudar radicalmente sua forma dependendo das ocorrências, podemos avaliar as conceituações celebradas da Guerra não-Convencional e chegarmos a determinadas conclusões.

Segundo a Doutrina Básica da Marinha do Brasil, “A guerra assimétrica é empregada, genericamente, por aquele que se encontra muito inferiorizado em meios de combate, em relação ao seu oponente. A assimetria se refere ao desbalanceamento extremo das forças.” Apesar de esta ser uma conceituação que se encontra em uso comum para o termo, devemos nos questionar acerca de que tipo de desequilíbrio de forças a Doutrina quer se valer, afinal, em termos práticos, não existe guerra com simetria no emprego de forças de combate, sempre haverá um grupo mais bem preparado em nível estratégico, militar ou tecnológico que o oponente.

“Guerra assimétrica não é somente a guerra do fraco contra o forte: é a introdução de um elemento de ruptura, tecnológico, estratégico ou tático, um elemento que muda a idéia preconcebida; é a utilização de um ponto fraco do adversário”(Gen. Ex. Carlos Alberto Pinto Silva. 2007.MD.ob.citada)

A assimetria, entendida como desbalanceamento, resulta de um ator empregando novas capacidades que a força oposta não percebe nem entende, capacidades convencionais que sobrepujam as do adversário ou que representam novos métodos de ataque e defesa, no intuito de explorar as fraquezas contrárias, impedindo, simultaneamente, que o inimigo possa empregar seus fatores de força.

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Assim, podemos assimilar esse conceito de forma mais clara e explícita à luz da postura norte-americana e chinesa do assunto. Ambas são bastante categóricas em afirmar que o conceito de desequilíbrio não está em meios operativos mas na tática e estratégia capazes de surpreender o adversário seja por uso de meios ou abordagens não-convencionais.

Valendo-nos desses conceitos podemos compreender que a Guerra da Quarta Geração é fundamentada não na destruição física e tomada de territórios através de infantarias e forças bem preparadas mas da aplicação da coerção e de métodos capazes de enfraquecimento do adversário, através da tecnologia, de meios cibernéticos (ciberataques) e midiáticos, a fim de deteriorar seja a política, economia ou a inteligência de determinado Estado. Também, vemos a formação de inimigos não-físicos e sem uma fronteira demarcada, instituições não-hierarquizadas (formatos em rede) e entidades ideológicas que podem tomar a forma de terrorismo em qualquer de suas formas.

3 GUERRA ASSIMÉTRICA NO SÉCULO XXI

O cenário atual dos conflitos é fértil para o desenvolvimento desse modelo de combate. Existente desde tempos remotos, porém negligenciado ao longo dos tempos, vindo a se tornar o símbolo e a face das guerras do século XXI.

Analisemos os casos atuais desse modelo, evitando determinismos ou qualquer tentativa de padronizar as ações terroristas:- o fatídico atentado cometido pela organização terrorista Al Qaeda em 11 de setembro de 2001 sobre os Estados Unidos da América e- o alvorecer de grupos como Anonimous.

No primeiro, podemos claramente observar como aspecto importante, a trindade fascinante, componente fundamental numa guerra assimétrica: a paixão que pertence ao povo, gerada a partir da figura de Osama Bin Laden, que se valendo da cultura islâmica e das históricas rivalidades com a cultura Ocidental, alimenta uma região em franca expansão cultural e seu povo, o Afeganistão; o valor de posse do comandante e o exército, com a capacidade de ver a possibilidade de desestruturar o inimigo (Estados Unidos) em seus pontos fundamentais (econômico - World Trade Center -, político - Capitólio ou Casa Branca-, e militar - Pentágono) e fazer o Estado norte-americano se confrontar com sua incapacidade ou limitação de reação; e, por último, a razão pura, de interesse de um governo, através da fomentação e formação de uma base, um “quartel-general” para a organização, em lugar estratégico e fértil para se recrutar e alimentar o antigo sentimento de pan-islamismo, o Afeganistão. Com “apoio” do governo, as ações ganhariam força de atuação, bem como um ator bem marcado e delimitado em fronteiras, capaz de mascarar a capacidade volátil da instituição. (CF (EQU) Brúmmel Vazquez Bermúdez, obra citada)

Já no segundo exemplo, podemos ver outra característica ainda mais marcante nesse modelo de combate: a formação de entidades sem hierarquia, sem base fixa e com formato de redes. Além dessa característica podemos notar também ações em outro campo, com outras armas: ideologia e o atual ciberterrorismo, através do qual esse grupo, como diversos outros, invade a rede de organizações e grupos do governo e os atacam ou os invadem. Através desses meios, eles recrutam novos ativistas e plantam nos mais diversos países “células” da organização, que agem de forma a desestabilizar os setores econômico e político das nações, principalmente.

Em ambos os exemplos, podemos observar as características marcantes da guerra assimétrica: a presença de grupos de militância ativa e simpatizantes, a ausência de fronteiras bem marcadas tanto em níveis de espaço de ação como de modus operandi para articulação estratégica desses grupos. Temos também a grande ação midiática seja para captação de mais seguidores, seja para instaurar o terror no nível social e fazer a população questionar a

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capacidade do Estado de gerenciar e prover segurança.Vivemos a realidade que originou a teoria hobbesiana da guerra de todos contra todos

em níveis supra-nacionais. Alcançando cada vez mais esferas que atentam a estabilidade não só de um ou outro Estado, mas aplicando insegurança em nível internacional. Essa questão acaba por nos colocar em reflexão acerca da validação dos Organismos Internacionais e de Defesa dos Estados e suas eficácias na manutenção de Safety e Security dos modelos pós-modernos.

4 O TERRORISMO MARÍTIMO

Com o fim da Guerra Fria, esperava-se uma nova era de estabilidade global e relativa paz entre as nações; para Fukuyama (1992) “um mundo feito de democracias liberais teriam então menor incentivo para as guerras”, porém em uma breve análise histórica podemos constatar que a sua visão idealista foi contrariada.

Durante a Guerra Fria os Estados do bloco capitalista preparavam-se militarmente para um possível confronto com o bloco comunista, moldando as suas doutrinas e táticas operacionais em cenários estratégicos que vislumbravam um confronto desse tipo, os altos estudos estratégicos focavam em um embate militar entre duas ou mais nações, um inimigo físico; no pós-Guerra Fria o surgimento de “novas ameaças”, ou guerra de 4ª geração, abalou completamente os conceitos de guerra e questões de Defesa e Segurança em toda a comunidade internacional, hoje autoridades no assunto se veem desafiados em adaptar as suas doutrinas militares para combater um inimigo invísivel e que se transforma constantemente, cujas táticas e linhas de ação podem gerar danos superiores ao de uma guerra “convencional”. Esse inimigo é o terrorismo.

Seguindo os conceitos de Guerra Assimétrica apresentados anteriormente, como os grupos terroristas encontram-se em uma condição inferior – em questão de armamento e pessoal - às Forças Armadas dos seus Estados “alvos”, a adoção de métodos não-convencionais de ataque e desestabilização do inimigo é de extrema relevância, pois em um confronto direto a clara desvantagem dos grupos terroristas os levariam à derrota. Logo, por questão de sobrevivência e adaptação, as células terroristas focam as suas ações nas fraquezas do oponente e nos seus “pilares de sustentação”, sejam estes econômicos, militares ou culturais (simbólicos). O maior exemplo dessa metodologia foram os ataques de autoria do grupo al Qaeda ao World Trade Center, símbolo do poderio econômico estadunidense, e o Pentágono que simboliza o seu poderio militar; no dia 11 de setembro de 2001 nas cidades de New York e Washington DC. Esses ataques engatilharam a “Guerra ao Terror” liderada pelos Estados Unidos da América, que se iniciou com a campanha do Afeganistão, que visava a desestruturação da organização terrorista al Qaeda. Em paralelo, diversas medidas de segurança foram adotadas e doutrinas tiveram que se adaptar a essa nova forma de ameaça. Analisando estas novas medidas, constata-se que foram priorizadas as ações de prevenção à ataques proveniente de terra, com o uso de explosivos, e quanto ao ambiente aéreo, o uso de aeronaves como meio de ataque. Porém um meio ficou de certa forma “esquecido”, o ambiente marítimo, sendo responsável por somente 2% dos ataques terroristas cometidos nos últimos 30 anos.

O mar pode ser utilizado por grupos terroristas de diversas maneiras, como estas a seguir: transporte de artefatos NBQR (nucleares, biológicos, químicos ou radiológicos), armas

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de destruição em massa e pessoal através de navios mercantes, sequestro de navios de passageiros, ataques à navios militares como alvos compensadores (repercussão na mídia), ataques à navios-tanque e plataformas de extração de petróleo e também executando bloqueios de canais e estreitos sensíveis à navegação.

Cerca de 80% do comércio mundial é transportado por navios mercantes e grande parte da extração e prospecção de petróleo se dá em bacias petrolíferas localizadas no mar; essses dois fatos demonstram o valor econômico e estratégico do uso do mar. Como dito anteriormente, os grupos terroristas possuem como metodologia atacar os pilares de sustentação dos seus oponentes, e um dos principais pilares é a economia.Em outubro de 2002, o navio tanque francês MV Limburg, carregado com cerca de 400.000 barris de petróleo bruto, foi alvo de um ataque terrorista de autoria da al Qaeda na costa do Iêmen, neste ataque os terroristas utilizaram um bote com explosivos carregados por suicidas. O navio foi avariado e aproximadamente 90.000 barris de petróleo foram derramados no Mar da Arábia; tal incidente provocou o aumento imediato de 1,3% no preço do petróleo e nos dias seguintes o preço do seguro dos navios que navegavam pelo Iêmen subiu cerca de 300%.

Outros tipos de ações que podem provocar prejuízos à economia global: o bloqueio de canais/estreitos, chamados de choke points, sensíveis à navegação, como o Canal de Suez, Estreito de Hormuz, Estreito de Málaca, Estreito de Bab el Mandeb e Bósforos; e ataques à embarcações nesses choke points. O bloqueio se daria através do afundamento de um ou mais navios em posições estratégicas que tornariam a navegação pelo canal/estreito impraticável, já os ataques seriam executados da mesma maneira do ocorrido com o MV Limburg, tendo em vista a baixa velocidade na qual os navios navegam nessas áreas. Outra possível utilização do mar se dá pelo transporte de material, explosivos e pessoal; este método é bastante sensível pois o mar é um meio de difícil fiscalização e controle, podendo ser facilmente usado por grupos terroristas. O transporte de armas de destruição em massa e artefatos NBQR por meio aquático tem como principal “atrativo” a baixa fiscalização/monitoramento das vias marítimas e a possibilidade da detonação dos mesmos à distância, quando os navios que os carregam se aproximarem de portos localizados em grandes metrópoles, causando incálculaveis perdas materiais e de vidas humanas.

O sequestro de navios, por terroristas, pode ser perpetrado por diversas razões, ressalta-se a tomada de reféns e a “escola de navegação”. No dia 26 de março de 2003, o navio Dewi Madri foi tomado por um grupo de terroristas (segundo a Aegis Defense Services) na costa da Sumatra e navegaram pelo Estreito de Málaca por cerca de 1 hora, sem deixar qualquer pedido de resgate, somente com o propósito de ganharem experiência na manobra de navios de grande porte naquele choke point.

Em 07 de outubro de 1985, o cruzeiro italiano Achille Lauro foi sequestrado por terroristas da Frente de Libertação da Palestina, no Egito; a exigência dos terroristas era a libertação de 50 palestinos presos em Israel, o sequestro terminou no dia 09 de outubro com a morte de um passageiro estadunidense. Este incidente foi o primeiro atentado terrorista no mar de grande repercussão na imprensa. Esses dois episódios demonstram como o sequestro de navios pode ser de grande valia para grupos terroristas.

Embora grande parte dos atentados terroristas marítimos terem acontecido no Oceano Índico e Mar Mediterrâneo, o Atlântico Sul pode vir a se tornar um novo cenário para esse tipo de terrorismo, principalmente devido à importância econômica e estratégica dessa

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porção do Oceano Atlântico, tanto pela concentração de jazidas de petróleo quanto pelo intenso tráfego marítimo.

Nesse contexto, a participação ativa da Marinha do Brasil (MB) é de suma importância para a garantia da segurança na área do Atlântico Sul. Na última década a alta administração naval da MB vem adaptando as doutrinas operativas, adquirindo meios navais mais capazes para o combate às ameaças assimétricas e modernizando os existentes para combater de maneira mais eficiente as novas ameaças. Vale ressaltar a criação do Grupo Especial de Resgate e Retomada (GERR) do Grupamento de Mergulhadores de Combate (GRUMEC) e Comandos Anfíbios (ComAnf), as duas unidades de operações especiais da MB, cuja função é a retomada de navios, instalações navais, plataformas de petróleo, instalações em terra e o resgate de reféns tomados por terroristas, utilizando diversas táticas não-convencionais e equipamentos/armamentos de última geração; assim como a adoção do Grupo de Visita e Inspeção (GVI) e Grupo de Presa (GP) que desempenha a importante função de inspecionar e vistoriar embarcações suspeitas, grupos estes que têm sido continuamente utilizados pela Fragata União na FTM-UNIFIL. Porém uma outra ameaça preocupa as autoridades de Defesa brasileiras, ameaça esta que apesar de longínqua, pode vir a se tornar um grande perigo para os navios que navegam pelo Atlântico sul, a pirataria.

4.1 A PIRATARIA MARÍTIMA

A pirataria marítima não é um crime recente e existem diversos episódios históricos que comprovam tal fato. Porém, no contexto internacional atual, sua prática merece demasiada atenção, uma vez que ameaça, de maneira significativa, a Segurança Marítima.

Para compreendermos melhor a pirataria e suas implicações no mundo contemporâneo, devemos, a priori, definir pirataria e, com isso, buscar entender seu impacto no contexto de Segurança e Defesa.

4.1.1 Definição do Crime e sua Imprecisão

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, realizada em 1982, em seu artigo 101 define pirataria como sendo:

a) todo ato ilícito de violência ou de detenção ou todo ato de depredação cometidos, para fins privados, pela tripulação ou pelos passageiros de um navio ou de uma aeronave privados, e dirigidos contra:

i) um navio ou uma aeronave em alto mar ou pessoas ou bens a bordo dos mesmos;

ii) um navio ou uma aeronave, pessoas ou bens e lugar não submetido à jurisdição de algum Estado;

b) todo ato de participação voluntária na utilização de um navio ou de uma aeronave, quando aquele que o pratica tenha conhecimento de fatos que deem a esse navio ou a essa aeronave o caráter de navio ou aeronave pirata;

c) toda a ação que tenha por fim incitar ou ajudar intencionalmente a cometer um dos atos enunciados nas alíneas a) ou b).

De acordo com esta definição, para que ocorra um ato de pirataria, devem existir três elementos: objeto, localização geográfica e finalidade.

O objeto do ato deve ser um navio, aeronave ou passageiros/tripulantes destes veículos.

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A localização geográfica estipula que o crime tem que ser perpetrado em alto mar ou em lugar onde não haja a jurisdição de um Estado. É importante frisar que, por tal definição, atos cometidos nas águas interiores, mar territorial e zona econômica exclusiva (ZEE) não seriam considerados pirataria. Isso cria problemas para a perseguição e punição dos piratas, uma vez que somente é possível exercer a jurisdição universal sobre eles no alto mar, então, abre-se a possibilidade de buscar de refúgio no mar territorial de Estados que não têm condições de promover o patrulhamento.

O último elemento da definição é a finalidade privada da pirataria, ou seja, ela visa algum benefício privado por parte do praticante. Tal fator define o modus operandi de cada pirata em sua respectiva área de atuação.

4.2 SITUAÇÃO INTERNACIONAL

A partir do ano de 2005, o grande foco da pirataria foi a costa da Somália e o Golfo de Áden, uma das mais importantes rotas comerciais marítimas. Os prejuízos causados pelos ataques são incalculáveis, porém o que trouxe a presença militar na região foi o sequestro do navio mercante ucraniano MV Faina, que trazia consigo armamentos e tanques de fabricação russa. A partir deste fato, várias operações conjuntas entre países de patrulhamento foram e continuam sendo realizadas na região, tanto pela OTAN, quanto pela União Europeia.

Segundo Venancio (2012) em 2008, o Conselho de Segurança da ONU permitiu a entrada de qualquer Estado no mar territorial somali para perseguição de piratas, com a autorização do Governo Transitório Federal da Somália. A resolução número 1816 criou uma situação nova ao permitir a captura de piratas dentro do mar territorial somali pelo período de 6 meses, e posteriormente, a resolução 1846 estendeu o prazo por mais 12 meses. As duas resoluções destacam a excepcionalidade da situação e que as Nações Unidas prezam pela preservação da soberania, ressalvando que tal medida não cria costume internacional.

Em janeiro de 2009, no Djibuti, houve uma reunião de alto-nível liderada pela IMO (International Maritime Organization). Nesta reunião foi estabelecido um Código de conduta para a repressão da pirataria e roubo armado em navios no Oceano Índico Ocidental e Golfo de Aden (Code of Conduct concerning the Repression of Piracy and Armed Robbery against Ships in the Western Indian Ocean and the Gulf of Aden). O Código reconhece o problema e declara sua intenção de compartilhar informações por meio de um sistema de pontos focais e centros de informação, além de interditar navios suspeitos de pirataria.

No mês de abril do ano de 2013, a Marinha Portuguesa assumiu no comando da EUNAVFOR (European Union Naval Force) que combate a pirataria na região do Chifre da África. A Fragata Portuguesa “Álvares Cabral”, lidera atualmente a Operação que pretende assegurar a proteção dos navios do Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas e, simultaneamente, combater a pirataria no Mar Vermelho, Golfo de Áden, Golfo de Omã e em toda a Bacia da Somália, incluindo a parte norte do Canal de Moçambique.

4.3 O BRASIL E A PIRATARIA

O Brasil vem ampliando seus esforços de defesa no Atlântico Sul e estreitando os laços militares com países africanos. Essa cooperação é antiga e busca atender interesses estratégicos de ambos os lados.

Em relação a pirataria marítima, o Brasil ganha espaço no que diz respeito a cooperação militar, já que o Brasil realiza diversos exercícios conjuntos de Patrulha Naval na África Ocidental e vende armamentos a diversos países africanos.

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Tal cooperação é de suma importância para o Brasil, uma vez que boa parte do petróleo importado por diversos países vem do Golfo da Guiné ou imediações. Inclusive, o Brasil já foi convidado a participar como observador de reuniões africanas relativas à segurança do Golfo da Guiné.

Cada país tem suas doutrinas e nós temos a nossa. Em primeiro lugar, sempre respeitosa ao desejo do próprio país e sempre analisando cada situação. O Brasil trabalhou no passado com a ideia de ajudar a reformar as Forças Armadas da Guiné-Bissau, mas isso depende do próprio país.

4.4 TENDÊNCIAS FUTURAS

Como consequência da constante presença militar na região e das diversas operações conjuntas entre países, os ataques a navios na costa Somali tem diminuído, há quase um ano que os piratas somalis não fazem sequestros de navios ao largo da costa, afirma a diplomata norte-americana Donna Leigh Hopkins (Galão, 2013). Mas, estão a aumentar no Golfo da Guiné, segundo o investigador Américo Seabra Reis (Galão, 2013), pois é uma das áreas e rotas de "maior insegurança", onde a pirataria deverá tomar proporções ainda "mais importantes" com o aumento da exploração petrolífera na região.

"O que se sabe, e a História também nos ensina, é que depois de a contenção ser feita, se não for mantida a ação de segurança marítima, por estas forças ou outras, a situação pode ser reversível", palavras do Oficial português, Novo Palma, que comanda até a presente, a missão da EUNAVFOR. (Simões, 2013).

Novo Palma salientou também, a importância da recepção de governantes e militares da Somália a bordo da força naval europeia que serviu para aprofundar a cooperação entre todas as partes.

Não restam assim dúvidas, que estas práticas representam uma ameaça crescente e de extrema perigosidade para a segurança marítima e para o comércio internacional por mar, devido sobretudo à sua imprevisibilidade e consequências. Daí a necessidade de ajuda mútua e cooperação entre os países de forma constante e coesa.

5 CONCLUSÃO

A partir da Guerra Fria a forma tradicional de conflito, no qual duas forças regulares se enfrentavam em um campo de batalha, foi ficando mais raro. Presenciamos hoje conflitos onde os adversários não são bem definidos, usam metodos elaborados e complexos e os próximos alvos são icognitas. Do terrorismo a pirataria percebemos que os novos desafios para a Defesa são vários não podemos combater os novos inimigos do século XXI do jeito que combatíamos no XX. Portanto a ajuda mútua e cooperação entre países é fundamental para o combate as novas ameaças que precisam ser combatidas com mais inteligência do que força. Visto que o inimigo pode ser interno ou externo, real ou virtual, as vezes possui ideologia e um propósito outras vezes a única motivação pode ser o dinheiro. Por isso é necessário a cooperação, revisão nos conceitos de Defesa e Segurança e na aplicação da força contra inimigos tão diferentes .

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Page 120: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Page 122: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

1

X Congresso Acadêmico sobre Defesa Nacional

O Papel do Brasil na Cooperação Regional em Matéria de Defesa: Liderança ou Delegação?1

Resumo: O objetivo do presente trabalho é testar a hipótese de Flemes e Radseck, a qual

afirma que a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano, de iniciativa brasileira, teria

como objetivo não apenas afirmar a liderança do Brasil na América do Sul, mas sim a

multilateralização dos custos de manutenção da estabilidade e da defesa na região. Os autores

explicam a criação do CDS como reação ao efeito carona na gerência da segurança regional.

Se a hipótese se confirmar, esperamos observar uma participação relativamente menor do

Brasil nas responsabilidades distribuídas no processo de institucionalização do Conselho. Para

medir o grau de participação dos países nas tarefas do CDS analisamos os Planos de Ação

anuais no período entre 2009 e 2012, tal como a participação dos países em cada Eixo

Temático. Concluímos que os Planos de Ação demonstram que Chile e Argentina são os

países que assumiram mais responsabilidades sobre a execução das tarefas propostas. Por

outro lado, a liderança do Brasil pode ser afetada, pois a atribuição de responsabilidades a

outros países pode diminuir o espaço das preferências brasileiras dentro do fórum de

discussão multilateral e na composição da agenda da cooperação regional em matéria de

defesa.

1. Introdução

Devido à baixa frequência de conflitos interestatais, a América do Sul é considerada

uma região pacífica. Contudo, existem tensões, como pode ser visto na crise diplomática entre

Colômbia, Equador e Venezuela em 2008. O evento acirrou o antagonismo existente entre

países do norte andino, onde na ocasião se temeu a escalada militarizada da crise. Tal crise é

vista pela literatura como importante na criação de mecanismos institucionais para

manutenção da paz e resolução pacífica de controvérsias, como o Conselho de Defesa Sul-

Americano (CDS) da União das Nações Sul-americanas (UNASUL). O CDS ganhou corpo

institucional no ano seguinte, através da Declaração de Santiago (2009). Imbuído de ser a

principal instância de consulta, cooperação e coordenação nos assuntos de Defesa na América

do Sul, o CDS é produto de tendências contraditórias de conflito e cooperação na região.

Resultado da liderança e iniciativa brasileira, o CDS contou com a adesão de todos os

Estados da América do Sul e entre seus objetivos estão a manutenção da região como uma

zona de paz; a construção da identidade sul-americana em Defesa através da análise dos

elementos comuns neste tema entre os membros; a adoção de medidas de fomento de

confiança mútua; a integração da indústria de Defesa na região; e o intercâmbio na área de

formação e capacitação militar. Uma das hipóteses sobre o novo momento da cooperação em

defesa na região é formulada por Flemes e Radsek (2009). Os autores afirmam que os demais

países sul-americanos decidiram cooperar com a proposta do CDS porque compartilham com

o interesse brasileiro em afastar atores extrarregionais do gerenciamento das questões de

segurança da região. Por outro lado, o Brasil também se utilizaria desses mecanismos para

obter meios através do contexto regional para projeção global de poder. Os autores

argumentam que o Brasil é o principal responsável pela estabilidade regional (bem público) e

1 Equipe do curso de Relações Internacionais – UFPB. Professor responsável: Augusto W. M. Teixeira Júnior.

Alunos: Aaron Marcelino Campos; Ana Carolina de Oliveira Assis; Jéssica Ribeiro Querino; Tathiana Lacerda

Alcón; Valéria de Moura Sousa.

Page 123: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

2

que estaria interessado, no segundo mandato do governo Lula em combater o efeito carona na

região. Para tal efeito, Flemes e Radsek (2009) inferem que através do CDS o Brasil estaria

buscando uma forma de multilateralizar os custos da cooperação em Defesa.

Ao longo deste artigo testamos a hipótese de que o CDS é uma iniciativa brasileira

voltada a compartilhar os custos da gerência da defesa na América do Sul. O faremos através

da análise dos Planos de Ação do CDS, os quais são anuais, aqui delimitados entre o período

de 2009 a 2012. Se confirmada a hipótese de Flemes e Radsek (2009) esperamos observar que

o Brasil tem uma participação seletiva (baixa) na agenda de trabalho do CDS. Se a hipótese

não se confirmar, poderemos observar uma ampla presença e/ou liderança brasileira ao longo

das atividades programadas/desenvolvidas pelo CDS.

2. Atribuições dos países do CDS segundo os planos de ação 2009-2012

Eixo 01: Políticas de Defesa

Através da análise dos dados coletados2 sobre o eixo Políticas de Defesa, percebemos que

o cerne de sua agenda foi o tema da transparência. A implementação de medidas de confiança

mútua (CBM) entre os países-membros da UNASUL passaria por iniciativas como o aumento

do fluxo e qualidade das informações concernentes à defesa na região e ao desenvolvimento

institucional dos Ministérios da Defesa. O Plano de Ação 2009-2010 é particularmente

sensível sobre esses assuntos. No referido documento são descritos procedimentos que nos

dão uma perspectiva inicial de como seriam implementadas as CBM.

No cômputo geral, o maior responsável pelas medidas nesse campo foi o Chile,

conjuntamente com a Argentina, Venezuela, Equador e Peru (co-responsáveis). Ainda dentro

do plano de ação de 2009-2010 destacou-se a proposição de enfoques conceituais3 conjuntos.

A criação de um vocabulário comum na região, sobre temas de segurança e defesa, poderia

ser útil para a identificação dos fatores de risco e ameaça que colocam em xeque a paz

regional. A responsabilidade por conduzir esse trabalho ficou ao encargo da Venezuela

(CEED, 2011). Sobre esse tema, foram produzidos também dois relatórios pelo Centro de

Estudos Estratégicos de Defesa (CEED, 2011). O primeiro documento, foi o relatório

preliminar do CEED sobre os “Términos de Referencia para los Conceptos de Seguridad y

Defensa em la Región Suramericana” – aprovado posteriormente pelo CDS. Também

realizou-se um segundo relatório que propôs um estudo sobre as possíveis novas ameaças à

Segurança Regional e o crime organizado transnacional, publicado em 16 de fevereiro de

2012. Essas iniciativas demonstram alguns avanços no campo da transparência e aparatos

conceituais comuns. Estes são entendidos como parte da construção de uma “identidade sul-

americana em matéria de defesa”.

No ano seguinte ao primeiro Plano de Ação o foco consistiu em criar mecanismos e

metodologias para a transparência dos gastos militares entre os membros do CDS. O desafio

estava em construir uma metodologia comum de medição de gastos de Defesa. Um dos êxitos

dessa empreitada se deu em 29 de julho de 2011, quando se concretizou o “Registro

Suramericano de gastos de Defensa” (CDS, 2011). O registro apresenta uma definição

comum sobre os gastos de defesa e apoia-se numa metodologia padronizada. Os dados

concernentes ao Registro precisam ser apresentados anualmente ao CEED pelos Ministérios

da Defesa (ou instituições correlatas) para que este os analise e divulgue ao CDS. Espera-se

2 Constatamos dificuldades em relação ao acesso a alguns dados, principalmente em virtude da indisponibilidade

de algumas informações no próprio site do CDS ou de instituições pertinentes, como Ministérios da Defesa. 3 Por exemplo, o que os países-membros entendem por Segurança e Defesa.

Page 124: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

3

com isso o aumento da transparência sobre gastos e aquisições na área de defesa. Esse

conjunto de medidas faz parte do que fora acordado pelos países-membros no que se diz

respeito à letra “e” do artigo 5 do Tratado Constitutivo do CDS. Ela trata da promoção de

medidas de confiança, e se espera “Fortalecer la adopción de medidas de fomento de la

confianza y difundir las lecciones aprendidas.”

Ao lado da análise dos Planos de Ação, também foi relevante analisar o documento

“Procedimientos de Aplicación para las Medidas de Fomento de la Confianza y Seguridad”,

de 2010 (CDS, 2010). O documento destrincha os procedimentos a serem adotados para o

envio de informações ao CEED; seja sobre intercâmbio de pessoal, gastos de defesa, material,

entre outros. Nele são estipulados prazos para o envio anual dos relatórios. Os procedimentos

acordados constituem um avanço no aprofundamento institucional do CDS, pois contribui

para torná-lo um mecanismo no qual os países prestem contas, e havendo reciprocidade, se

espera intensificar a confiança entre os membros.

No plano de ação de 2011-2012 a preocupação com as CBM continuou forte no eixo

Políticas de Defesa. Nele, o primeiro ponto assinalado visa gerar transparência sobre o

inventário militar dos países-membros da UNASUL. Para efeito desta medida, planejou-se

formar um grupo de trabalho para pensar a padronização do inventário militar sul-americano.

Uma segunda reunião foi realizada em agosto de 2012 onde fora debatido uma definição

comum de inventário militar, assim como se discutiu a metodologia empregada. O Objetivo

fundamental era criar o “Formulario Suramericano de Inventarios Militares (FOSIM)” que

vem sendo desenvolvido pelo CEED (2012).

Com base nas informações obtidas para a pesquisa o Estado peruano liderou os planos de

ação do eixo Política de Defesa, seguido do Chile e Venezuela de 2009 a 2012.

Eixo 2: Cooperação militar, ações humanitárias e operações de paz

No que tange a questão da cooperação militar, ações humanitárias e operações de paz,

nota-se que o primeiro Plano de Ação do CDS visava basicamente quatro objetivos. O

primeiro deles seria o planejamento de exercício conjunto de assistência entre as nações, no

tocante a catástrofes ou desastres naturais. Os países responsáveis seriam a Argentina,

Bolívia, Peru e a Venezuela. A Argentina e o Uruguai foram encarregados pelo CDS para

realizar uma conferência a respeito das lições aprendidas em operações de paz. Em adição, o

Brasil e a Colômbia ficariam responsáveis pela elaboração de um inventário de capacidades

de defesa que os países disporiam para auxiliar as ações humanitárias. Este eixo visava à troca

de experiência entre os países na arena das ações humanitárias, almejando o firmamento de

mecanismos de respostas instantâneas para que as ações humanitárias fossem implementadas

diante de situações de desastres naturais, cujos países responsáveis seriam a Argentina, Peru e

a Venezuela4. Em 2010 houve uma ação humanitária conjunta dos Estados-membros da

UNASUL em resposta ao terremoto do Haiti em 12 de janeiro.

O planos de ação de 2010-2011 é mais detalhados que o anterior. O Uruguai e a

Argentina permanecem liderando a questão da organização de conferências que tentam

promover a troca de experiência sobre as operações de paz. O Equador por sua vez, foi

designado a realizar um seminário a respeito dos desafios na gestão de crises em operações de

manutenção da paz. A Argentina, sob corresponsabilidade do Chile, ficou encarregada de

4 Segundo Oliveira (2010) nenhuma dessas quatro ações foi implementa e tampouco efetivada, uma vez que,

segundo fontes primárias e oficiais, não consta a divulgação de nenhum pronunciamento oficial da UNASUL e

do CDS no tocante a essas questões do período de 2009.

Page 125: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

4

executar um exercício combinado regional referente às operações de manutenção de paz, cujo

objetivo seria promover normas de interoperabilidade militar, principalmente no que tange a

questão do planejamento e condução das operações. Outro aspecto a ser abordado seria a

realização de um exercício sobre a questão dos desastres naturais a ser realizado em Punta

Callao em dezembro de 2010, sendo o Peru o responsável. Já ao Brasil, tendo a Colômbia

como corresponsável, coube a tarefa de consolidar o inventario das capacidades de defesa que

os países oferecem para apoiar as ações humanitárias. Por fim, o Brasil também ficou

encarregado de liderar a proposição de mecanismos de emprego do inventário das

capacidades de defesa dos Estados membros, na ocasião de desastres naturais.

O plano de ação de 2012 incumbiu a Argentina de liderar um segundo exercício

regional de operações de manutenção da paz (UNASUL II). Enquanto ao Brasil caberia o

aperfeiçoamento do mecanismo de uso do inventario das capacidades de defesa dos estados

membros em caso de desastres naturais, assim como em 2010. Já o Peru ficou

responsabilizado pela realização de oficinas que propunham a cooperação entre os Ministérios

da Defesa dos países membros, a fim de que fossem propostas respostas imediatas aos

desastres naturais e antrópicos de magnitude. Segundo o calendário oficial da UNASUL de

2011-2012, algumas tarefas foram realizadas na instância do CDS, como uma oficina sobre a

elaboração de mapas de risco de desastres naturais para que houvesse uma prevenção

antecipada dos mesmos, tal reunião foi realizada em Santiago do Chile, nos dias 4 e 5 de abril

de 2012. Além disso, nos dias 24 e 25 de maio de 2012 foi confirmado por Lima que haveria

reuniões que visassem expor medidas de prevenção contra desastres naturais. Não obstante,

na última semana do mês de maio foi confirmada a realização de oficinas para tratar da

questão da proteção de civis em operações de paz, com ênfase na aplicação de mandatos,

treinamento e desenvolvimento de normas comuns de capacitação e doutrina. Estas

ocorreriam em Quito, Equador (Colômbia, 2012).

De acordo com as informações adquiridas o governo argentino se responsabilizou por um

maior número (5) de planos no eixo Cooperação militar, Ações Humanitárias e Operações de

Paz seguido do Brasil e Peru que se responsabilizaram pela mesma quantidade de metas (4) de

2009 a 2012.

Eixo 3 : Indústria e Tecnologia da defesa

Em relação ao eixo sobre Indústria e Tecnologia de defesa, o Plano de Ação inicial

possui como objetivos lançar a proposta de elaboração de um mapa das áreas de associação e

capacidades da indústria de defesa dos países membros. Entre os objetivos estava o de reunir

material necessário para construção de maior transparência na área de defesa, mas também de

promover um maior intercâmbio tecnológico. O responsável por elaborar um Workshop para

tratar da metodologia utilizada na escrita do referido mapa foi o Equador. Outro objetivo

traçado foi o incentivo à produção conjunta na indústria de defesa. Tal proposta, sob a

responsabilidade da Venezuela, tem como finalidade promover a cooperação e integração

entre os países membros (CHILE, 2009, p.252).

No ano seguinte, na Guiana, constatou-se um dos primeiros êxitos do referido Plano

no que tange à construção da metodologia utilizada para elaboração de diagnósticos da

indústria de defesa. Foi produzido o documento "Procedimentos de aplicação para as medidas

de fomento de confiança e segurança"(CDS, 2010). O texto deixa claro que os países

deveriam elaborar documentos que constassem informações sobre os efetivos, armas e

equipamentos das Forças Armadas até o mês de outubro de cada ano. Nos registros também

Page 126: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

5

deveriam estar presente um banco de dados sobre as aquisições e transferências de

equipamentos e armas convencionais. Tal procedimento utiliza como base a resoluções

anteriores da Assembléia Geral das Nações Unidas (CDS, 2010, p.6).

O eixo de indústria de defesa e tecnologia foi dividido em três fases no Plano de Ação

2010-2011 (CDS, 2010, p.2). A primeira trata do gerenciamento e consolidação dos mapas

acerca da indústria e tecnologia de defesa. Em tal atividade a responsabilidade ficou com o

Equador. Além disso, foi acordada a realização de um painel sobre metodologia,

normatização e avaliação no setor de defesa. Esse painel seria elaborado pelo Brasil. Outro

objetivo foi o de promoção ao desenvolvimento e implementação, tanto de informações, como

da indústria e tecnologias de defesa dos países. Novamente o responsável pela atividade foi o

Equador, porém, tendo como corresponsável a Venezuela. Para finalizar a primeira fase, ficou

acordada, sob a liderança Argentina, a articulação de um calendário de eventos, feiras e

seminários que tratem da indústria de defesa na região (CDS, 2010, p.3).

A segunda fase do plano de ação trata novamente do incentivo à produção conjunta na

indústria de defesa. A cooperação seria incentivada através da identificação, por parte da

Argentina, de potenciais áreas comuns para que os países pudessem compartilhar pesquisas,

experiências técnicas, como também tecnologia. A última fase trata da promoção de

cooperação na indústria e tecnologia de defesa como complemento da fase anterior e

retomada das discussões do primeiro plano de trabalho. Tal atividade teve a Venezuela como

responsável. E por fim, objetivou-se também criar um Centro de Investigação,

Desenvolvimento Tecnológico e Cooperação Industrial do Conselho. Sob o encargo da

Argentina (CDS, 2010, p.3).

Destas propostas, as atividades realizadas foram: II Reunião de Ministros de

COSECCTI em Quito no Equador, realizada no dia 7 de dezembro de 2011; Reunião de altos

delegados do grupo de trabalho sobre ciência e tecnologia no Paraguai, dia 9 de março de

2012. Em 15 e 16 de março foi realizada uma atividade para desenvolver um sistema

integrado de informação sobre indústria e tecnologia de defesa, no Equador. No dia 16 de

março houve uma reunião de altos delegados de ciência, tecnologia, e inovação do

COSECCTI, no Paraguai; entre outras (COLOMBIA, 2012, p.5).

Ainda na área da indústria e tecnologia em defesa, o Plano de Ação 2012 (CDS, 2012,

p.4) é dotado de quatro objetivos. Inicialmente, há a proposta de realização de um seminário

internacional acerca de Tecnologia Industrial Básica, a fim de promover a integração e

intercâmbio na área de ciência, tecnologia e indústria de Defesa na América do Sul. Tal

seminário ficou sob a responsabilidade do Brasil e foi realizado em novembro de 2012 na

cidade de São José dos Campos. O segundo objetivo retoma a proposta de incentivar uma

maior integração das indústrias de defesa dos países membros, nesse ponto o plano de ação

aponta para o desenvolvimento de um sistema integrado de informações sobre as indústrias e

tecnologias em defesa. Tal proposta ficou na responsabilidade do Equador e foi realizada nos

dias 15 e 16 de março de 2012 (CDS, 2012, p. 4). A terceira proposta do Plano de Ação de

2012 retoma a terceira fase do Plano de 2010-2011. A responsabilidade dessa atividade ficou

com a Venezuela, com o apoio do Equador e Colômbia. Por fim, a última proposta serviria de

complemento para a primeira (realização de um seminário sobre tecnologia industrial básica),

pois trata da formação de um grupo de peritos para apresentação de um relatório acerca da

viabilidade do desenvolvimento regional e produção conjunta de um avião de treinamento

básico. Os países responsáveis por tal objetivo foram a Argentina, Brasil, Chile, Equador,

Peru e Venezuela (CDS, 2012, p.4).

Page 127: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

6

Neste terceiro eixo a Argentina e o Equador foram os Estados que lideram a maior

quantidade de número de ações (4) destinada a indústria e tecnologia de defesa. O governo

venezuelano encontra-se em segundo lugar (3) entre 2009 a 2012.

Eixo 4 : Formação e capacitação

O eixo 4 do plano de ação 2009 possui quatro metas, das quais duas referem-se a troca

de informação e duas propõem a criação de ambientes para Estudos Estratégicos. Houve êxito

na criação do Centro Sul-Americano de Estudos Estratégicos e na realização do primeiro

Encontro Sul-Americano de Estudos Estratégicos. O primeiro deu-se sob a responsabilidade

argentina, o segundo foi liderado pelo Brasil. Contudo, o país que liderou o maior número de

atividades do Eixo 4 no Plano de Ação 2009-2010 foi o Chile, sendo responsável por três dos

quatro objetivos traçados (CHILE, 2009).

No ano seguinte, o Plano de Ação 2010-2011 possuiu três objetivos. O Plano de Ação

2010-2011 possui três objetivos. Pode-se notar que uma das metas a ser alcançada fora a

coleta das informação das instituições militares e civis, ela foi mencionada no plano anterior e

permaneceu. O que vale ressaltar é a mudança do responsável que deixa de ser a Venezuela e

passa a ser o Equador. Neste Plano não houve liderança quanto a responsabilidade para

realização dos projetos. Três Estados, Equador, Argentina e Brasil, ficaram encarregados de

uma única meta.

Em seguida, o Plano de Ação 2012 contém quatro objetivos e dois destes podem ser

considerados inovadores. A realização de um seminário para determinar os alcances do

conceito Madre Tierra e a expedição conjunta ao Pólo Sul. A pesquisa pôde constatar que a

meta do Brasil em realizar um curso avançado de defesa fora cumprido. A formação de civis

em Defesa e o Seminário que abarcará o conceito de Madre Tierra foram confirmados através

do calendário das atividades da UNASUL, fornecido pelo Ministério das Relações Exteriores

da Colômbia, mas não há registro desses eventos no referido calendário. A expedição ao Pólo

Sul possui o status de “a confirmar” (COLOMBIA, 2012). A Argentina liderou duas metas

das quatro estabelecidas no Plano de Ação 2012 (Paraguai, 2012).

Considerando a totalidade das metas entre 2009 a 2012 a Argentina liderou a

realização destas no eixo de Formação e Capacitação, com cinco, e em segundo lugar

observamos que fora o Chile com três ações.

3. Atribuições Lideradas por Mecanismo Intergovernamental: CEED

O Centro de Estudos de Defesa do Conselho de Defesa Sul-Americano, estabelecido

em 2011 sediado na Argentina, é a instância responsável pelo diálogo intergovernamental e

pela harmonização das políticas de defesa na região, a fim de consolidar o pensamento sul-

americano em tal matéria. Desde sua criação, este órgão produziu documentos que abordam

temas como os conceitos de segurança e defesa, medição de gastos em defesa, combate ao

crime organizado e delitos transfronteiriços, e estudos sobre recursos naturais.

A respeito da medição dos gastos de defesa, a transparência nesse tema foi

constantemente reiterada pelos países, sendo considerada imprescindível para a cooperação

em defesa. Porém, esta não havia sido alcançada até novembro de 2010. Este tema, presente

nos planos de ação de 2009-2010 e 2010-2011, foi estudado através de oficinas, e em junho

de 2011, o CEED-CDS se tornou o órgão técnico responsável pelo “Registro Sul-Americano

de Gastos de Defesa” (CDS/UNASUL, 2011). Como instância técnica, cabe ao CEED-CDS a

Page 128: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

7

recepção, análise, publicação e armazenamento dos dados, além de revisar ou atualizar a

metodologia utilizada.

O registro definiu como gasto de defesa os recursos empregados pelo Estado a fim de

garantir sua segurança externa, bem como os recursos externos – monetários ou não

monetários – recebidos do para tal. São analisados os gastos das instituições responsáveis pela

defesa dos países contra os desafios externos, sendo o principal exemplo as Forças Armadas.

Além disso, o relatório final do Plano de Ação 2010-2011 (CDS/UNASUL, 2011) deixa claro

que não são levados em consideração na elaboração do conceito os gastos para segurança

interna, mesmo com a contribuição dos recursos das Forças Armadas para tal. Foi definido

que a metodologia para medição se divide em: classificação por objeto de gasto e por agência

de execução; e as diretrizes para o formato de apresentação da série. A apresentação desses

gastos deve ser feita anualmente – até 31 de julho – pelo Ministério da Defesa de cada país ao

CEED.

O CEED-CDS também foi designado para elaborar o “Relatório Preliminar Sobre os

Termos de Referência Para os Conceitos de Segurança e Defesa na Região Sul-Americana”

(CDS/UNASUL, 2011). Esse relatório buscou estabelecer uma matriz comum de tais

conceitos a partir das percepções dos países, bem como o que é considerado por estes como

riscos e ameaças à segurança regional, sendo tal tarefa uma das prioridades do plano de

trabalho 2011-2012. O relatório também ressalta que o processo de revisão das políticas e

sistemas de segurança e defesa na maioria dos países seria uma oportunidade para

aproximação de concepções e mecanismos institucionais, o que facilitaria o processo de

internalização da cooperação. Outro ponto abordado é a articulação da segurança regional à

defesa, já que a integridade territorial do Estado depende da estabilidade entre os Estados da

região. Dessa forma, é conveniente aos países o estabelecimento de um sistema regional de

defesa cooperativa com o objetivo de dissuasão compartilhada. Isso seria alcançado a partir da

convergência estratégica e medidas de confiança, e o relatório recomenda a delimitação das

responsabilidades do CDS através da formação da agenda cooperativa das políticas de defesa,

militar e de ações coordenadas e conjuntas. Posteriormente foi elaborado o Relatório a

Respeito do Crime Organizado Transnacional e Outras Novas Ameaças para a Segurança

Regional, (CDS/UNASUL, 2012).

O documento seguinte refere-se ao Projeto sobre os Termos de Referência para o

Estudo de Recursos Estratégicos - América do Sul 2025 (CDS/UNASUL, 2012). Este

relatório traz as definições de recurso de caráter estratégico e sua criticidade, e conclui que os

recursos de alto valor econômico presentes na região poderão ter sua disponibilidade afetada,

e tal escassez pode dar origem a conflitos, devido ao deslocamento de interesses geopolíticos.

Outra observação do relatório é que a região deve se tornar um espaço geopoliticamente

integrado, para que possa enfrentar estratégias estrangeiras de interesse transnacional que

visam controlar o acesso aos recursos. Além disso, dado que a produção de conhecimento

sobre os recursos da América do Sul é disponibilizada por agências extrarregionais, o projeto

propõe a criação de um “Mecanismo Regional Permanente de Inventário e Atualização de

Recursos Estratégicos Sul-Americanos”, que pesquisará sobre a classificação, o interesse e o

marco legal sobre tais recursos.

O documento mais recente sobre as realizações do CEED é o Informe de Avanço de

Dezembro de 2012 Sobre Conceitos e Institucionalização de Segurança e Defesa, Ameaças,

Fatores de Risco e Desafios do CDS. Algumas das recomendações foram postas em prática,

como a análise dos desenvolvimentos conceituais e experiências institucionais dos países, a

sistematização de elementos coincidentes nas políticas de defesa e nos modelos de defesa

nacional e o avanço na caracterização de riscos e ameaças. Como resultado, foi elaborado um

Page 129: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

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banco de dados dos documentos nacionais para sistematizar os enfoques institucionais e

conceituais a fim de identificar semelhanças; e foi elaborada uma tipologia sobre riscos e

ameaças, que identificou os impactos destes nos países, para que fossem identificados aqueles

que podem ser tratados de forma comum entre os membros do CDS.

4. Considerações Finais

A hipótese formulada por Flemes e Radesck (2009) sugere que o Conselho de Defesa

Sul-Americano faz parte do esforço brasileiro de liderar a América do Sul, mas

principalmente de dividir os custos com a gerência da defesa na região. Essa hipótese, caso

comprovada, nos levaria a observar uma baixa participação do Brasil no tocante à

responsabilidades nos Planos de Ação, principal mecanismo de institucionalização do órgão.

Abaixo apresentamos um gráfico que sintetiza os nossos achados.

Gráfico 01: Liderança nos Planos de Ação 2009-2012 (País x Atribuições nos PA)

Fonte: elaboração própria. PA = Planos de Ação.

A pesquisa concluiu que a Argentina e o Chile foram os principais responsáveis pela

execução das medidas propostas nos Planos de Ação 2009-2012. Logo em seguida, seguem

empatados o Brasil, Equador e Peru. Por último, a Venezuela foi o país que teve o menor

número de atividades sob a sua responsabilidade durante o período analisado. Constatamos

que o Brasil não liderou nenhum dos quatro eixos que compõem os planos de ações do CDS

durante os anos de 2009 a 2012. Vale salientar que o eixo Indústria e Tecnologia de Defesa, o

qual esperávamos observar a maior participação do Brasil é liderado pela Argentina e

Equador. Outro eixo sensível no tocante à liderança brasileira, Formação e Capacitação, tem

na Argentina como principal responsável.

Baseado em nossa análise podemos inferir que a hipótese de Flemes e Radseck (2009)

se sustenta. O Conselho de Defesa Sul-Americano estaria estimulando divisão das

responsabilidades. Dessa forma, o Conselho de Defesa Sul-Americano pode ser entendido

como uma estratégia consciente do governo brasileiro para 1) reduzir o efeito carona quanto

aos custos da estabilidade regional e 2) de não ser percebido como o um ator hegemônico no

que tange a condução de políticas de segurança e defesa na região.

Se a hipótese aqui testada procede, a estratégia brasileira de dividir os custos da

cooperação em defesa e mesmo assim concretizar a sua condição de líder regional em matéria

Page 130: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

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de defesa pode não surtir o efeito esperado. A tomada de responsabilidade pela gestão e

cooperação da defesa regional por outros países, ao lado de desenvolvimentos institucionais

como o CEED podem afastar as preferências do bloco daquelas do Brasil em certos

momentos. Caso isso se verifique, o país será alvo da sua própria estratégia, presa das frágeis

instituições construídas e da falta de disposição de arcar com os custos da liderança regional.

Entretanto, o presente trabalho não se pretende definitivo. Novas pesquisas, dados e análises

são necessárias para se chegar a resultados mais conclusivos.

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Política de Defesa e Segurança Marítima nos Livros Brancos de Defesa do Brasil, Chile e Argentina em Perspectiva Comparada

Autores: Caroline Targino Silva, Bryanna Rayllane Dantas, Caio Augusto de Lima Silva,

Cláudio Victor Rosa Pacheco

RESUMO

Os Livros Brancos de defesa são documentos oficiais que condensam o pensamento estratégico, a cultura e política de defesa do país, assim como os meios de implementá-las, apresentando as missões encomendadas às Forças Armadas, o nível de força que estas possuem e o que se espera alcançar a longo prazo. Trazem a percepção partilhada pela elite acerca do ambiente securitário em que o país está inserido, e a identificação das ameaças à segurança nacional. Esse artigo faz uma análise documental dos livros brancos do Brasil, Chile e Argentina, através da análise comparativa, tendo como foco a Política de defesa, Cooperação regional e a atuação da Força Naval na Defesa Marítima. Procura-se demonstrar a percepção de cada cultura de defesa acerca do ambiente estratégico de cooperação no subcontinente sul-americano. No final, as conclusões situam o leitor acerca das similitudes e divergências contidas em cada documento que nos fornece material empírico para distinguir percepções e visões de mundo idênticas que possam fomentar a cooperação ou a autonomia em assuntos de governança regional e de segurança marítima. PALAVRAS-CHAVE: Defesa Marítima; Livros Brancos; Política de defesa; Força naval; Argentina; Brasil; Chile;

INTRODUÇÃO

Os Livros Brancos de Defesa são documentos oficiais que condensam o pensamento estratégico, a cultura e política de defesa do país, assim como os meios de implementá-las, apresentando as missões encomendadas às Forças Armadas, o nível de força que estas possuem e o que se espera alcançar a longo prazo. Trazem a percepção partilhada pela elite acerca do ambiente securitário em que o país está inserido, e a identificação das ameaças à segurança nacional. Esse artigo faz uma análise documental dos livros brancos de defesa do Brasil, Chile e Argentina, com base em questionamentos pré-estabelecidos como tipos de ameaça, existência de ligação entre defesa nacional e integração regional, discurso sobre o papel da marinha, menção à cooperação em matéria de defesa com países da região, entre outras, trazendo para debate a Política de defesa em relação a Defesa marítima, comparando a atuação da Força Naval e deste modo apreender como estes se direcionam diante da ausência e da presença de ameaças à segurança marítima nacional, procurando demonstrar a percepção de cada cultura de defesa acerca do ambiente estratégico de defesa no subcontinente sul-americano. O artigo em questão nos oferece material bruto para o entendimento dos objetivos no tocante a Política defesa e segurança marítima, trazendo como resultado as semelhanças e divergências presentes em suas culturas estratégicas de defesa através da análise comparativa.

DESENVOLVIMENTO E RESULTADOS

Política de Defesa Nacional, suas prioridades e cooperação em defesa regional

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Brasil

O Livro Branco de Defesa Nacional, lançado em 2012, é guiado pelas novas disposições do ambiente estratégico e econômico que o país tem em face, apresentando os meios pelos quais o Brasil pretende basear suas ações de defesa, segurança e cooperação a longo prazo.

A Defesa Nacional é tratada no Livro Branco como o meio de contribuição para a estabilidade regional, a manutenção do consenso, a harmonia política e convergência das ações entre os países sul-americanos. Além disso, a política de defesa brasileira age na linha de garantir a soberania nacional, guarnição do patrimônio e integridade regional. Portanto, ela age tanto em um plano internacional quanto em um plano nacional, tendo por base a defesa dos interesses nacionais. No cenário exterior, o diálogo e vias diplomáticas são tratados como prioridade. A força militar que o país dispõe, portanto, tem aspecto estratégico a fim de surtir efeitos dissuasórios. "No que se refere ao cenário internacional, a vertente preventiva da Defesa Nacional reside na valorização da ação diplomática como instrumento primeiro de solução de conflitos e em postura estratégica baseada na existência da reconhecida capacidade militar, apta a gerar efeito dissuasório"¹.

Em relação aos conflitos, o Livro Branco destaca ações dissuasórias e de defesa contínua das três forças armadas do Brasil, principalmente nas fronteiras amazônicas do norte brasileiro e da Amazônia Azul, além dos chamados conflitos do futuro, que são as guerras de informação e conflitos de pequena escala, cuja origem é imprecisa e as estruturas operacionais são difusas. Chile O Chile dá relevância ao desenvolvimento do Corredor Interoceânico, unindo regiões vizinhas com a Bolívia, (o corredor interoceânico une comercialmente os Oceanos Atlântico e Pacífico na América do Sul, e conectam portos e cidades do Brasil, Bolívia, Peru e Chile). A relação que existia entre Chile e Argentina era de grave desequilíbrio vindo a obter evolução somente após o “Tratado de paz e amizade”, assinado em 1984, o que resultou em uma integração em vários setores, público e privado. Desde então, tal processo tem se fundado em dois pilares: a construção da confiança e o desenvolvimento de iniciativas de cooperação com base em políticas coordenadas, que acompanham o processo de integração física como também cooperação política em outras áreas. Uma relação cooperativa com o Peru é para o Chile um objetivo de grande importância devido aos interesses mútuos e as possibilidades de desenvolvimento econômico que a cooperação possa oferecer aos mesmos. Atualmente, está bastante atrelada a relação bilateral econômicas destes países, com ativa participação do setor privado, valorizando os aspectos culturais e dando grande atenção aos imigrantes. O Chile segue o princípio da cooperação internacional, e sendo assim, desenvolve intensamente a diplomacia de maneira multilateral, participando ativamente nas decisões da ONU entre outros foros globais no tocante à paz e segurança internacional, contribui ainda como membro da OEA e da UNASUL. No que diz respeito ao Mercosul, o Chile como membro associado, participa das reuniões dos órgãos da estrutura institucional do Mercosul para tratar temas de interesse comum, mas sem direito a voto. Argentina

O livro da argentina busca mostrar que os diferentes elementos componentes da estrutura de defesa atuam prioritariamente no campo nacional, mas que também para a

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segurança regional e global. Dessa forma, sugere a superação de hipóteses de conflitos históricos e o incremento de todas as medidas de confiança possíveis. O componente Latino americano do continente, em particular a América do sul, tem uma base firme de laços comuns de índole histórica, cultural e linguística.

Território Marítimo, Defesa e atuação da Força Naval Brasil

A Amazônia Azul, como denomina-se o Atlântico Sul, é uma região de extrema importância econômica, segurança e soberania do país, principalmente devido às recentes descobertas do pré-sal, que elevaram o patamar de reserva e produção de petróleo, gás-natural e derivados.

A Marinha do Brasil, através da força naval atual e projeção de ampliação nas próximas décadas, é a principal força atuante na região. Como afirmado anteriormente, a ação militar na região é assinalada como meio dissuasório e também de defesa da soberania nacional. No Livro Branco é explicitada a importância do mar para o país: "Os interesses marítimos do brasil são históricos e amplos. O mar foi a via de descobrimento, colonização, comércio, invasões estrangeiras e consolidação da independência, além de arena de defesa da soberania em diversos episódios, inclusive em duas guerras mundiais ocorridas"². O complexo papel geopolítico do Brasil atual em conjunto com a relevância marítimas permite atuação múltipla da força naval. Ainda são citadas quatro tarefas básicas da força naval que devem ser exercidas em qualquer situação: negar a utilização do mar ao inimigo, exercer controle nas áreas marítimas, projetar poder sobre terra e contribuir para a dissuasão.

Chile Devido a sua localização, o Chile dá grande importância ao território marítimo, dedicando-se aos estudos oceanógrafos, meteorológicos, de biodiversidade marítima e da morfologia submarina nas zonas geográficas remotas, vale ressaltar que o objetivo geral da política ambiental do governo chileno é promover a sustentabilidade ambiental, para isso, as Forças Armadas assumem a responsabilidade social no âmbito da defesa contribuindo para criar as condições de segurança nacional, incluindo a proteção do meio ambiente. O Ministério de Defesa conta com o Comitê do Meio Ambiente da Defesa Nacional que atua em convênio de cooperação ambiental junto a Comissão Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que operam de modo a integrar as atividades das FAs, de acordo com as declarações, convênios e tratados internacionais firmados pelo Estado chileno. Através da Direção Geral do Território Marítimo e da Marinha Mercante, o Chile executa ações relativas à prevenção, redução e controle da contaminação marinha e a proteção do meio ambiente aquático e seus recursos. A marinha chilena, a fim de cumprir seus objetivos de defesa nacional, aplica a sua estratégia marítima nacional de acordo com 3 setores de ação, que dão sentido a sua função militar: Setor Marítimo ou rol de apoio ao desenvolvimento socioeconômico do país

Neste setor, a marinha com o apoio de outros organismos do Estado, contribui com o desenvolvimento nacional, criando as condições ideais para que se possam utilizas os espaços

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marítimos jurisdicionais com segurança e respeito ao meio ambiente, sendo assim a instituição requer presença permanente e integral. De acordo com compromissos advindos de tratados internacionais relacionados a guarda da vida no mar e o controle do tráfico marítimo, a marinha do Chile deve atuar em toda a área de responsabilidade nacional o que compete uma área de cerca de 26.000.000 km² Em tempos de paz, sua competência destina-se a fiscalização e controle dos espaços marítimos, fluviais e lacustres, fazendo cumprir a legislação, faz o visto e registro dos navios para verificar o cumprimento das normas legais. Promove a confecção de cartas náuticas, instalação e verificação da sinalização marítima, contribui com apoio meteorológico, assim como medidas de proteção ambiental, a marinha também contribui com ajudas humanitárias diante de catástrofes naturais, contribui com o desenvolvimento da indústria naval do pais, e com a soberania nacional no território marítimo Antártico. Setor Internacional ou rol de apoio à política exterior do Estado

Neste ramo, a marinha participa na promoção e proteção do princípio básico de soberania nacional: contribuir para preservar a paz, a segurança e a estabilidade da ordem internacional, para isso atuam em conjunto com a força aérea e o exército, agências nacionais e/ou internacionais. Em tempos de paz, esse setor realiza presença naval, assim como operações internacionais em prol de objetivos de interesse comum entre os Estados, o que favorece a paz e a segurança mundial, como contribuir com ajuda humanitária no exterior. Setor Defesa ou rol militar

Em tempo de paz, busca desenvolver e manter as conformidades de um poder naval eficaz e eficiente, enfrentando situações como pirataria, narcotráfico e imigração ilegal em território naval chileno. Quando em situação de crise, procura-se empregar antecipadamente os meios adequados em quantidade e qualidade, atuando em um determinado espaço oceânico, de acordo com a estratégia determinada, empregar coercitivamente as Forças Armadas de modo a persuadir o adversário e assegurar o controle do espaço marítimo em interesse, realizando também operações de proteção , protegendo os objetivos de sua importância e também o litoral chileno. Atenta-se ao fato de que a marinha em tempos de crise ou guerra, continuará exercendo suas tarefas de tempos de paz, a medida que seja possível e necessário. Argentina

A argentina comercializa com o exterior por via marítima em 90%, situação que tende a modificar-se com o incremento do comércio regional por meio terrestre. O Rio da prata, com 140 km de canais navegáveis mantidos artificialmente, movimenta 80% do comércio exterior marítimo. Como porta de acesso ao mar da grande hidrovia Paraná-Paraguai, constitui a mais importante via fluvial do país. Os rios possuem as nascentes em países vizinhos. Isto os obriga a manter um entendimento, para que as condições de navegabilidade, qualidade da água e meio ambiente em geral, não sejam afetadas. No campo energético, 95% da energia hidroelétrica se produz em zonas de fronteira. A questão das ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul.

Page 136: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

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Os direitos Argentinos com respeito a disputa de soberania sobre territórios e espaços marítimos, que a Argentina mantém com o reino unido, se encontram protegidos pela reserva de direitos que estabelece o ponto 2 da “declaração conjunta das delegações da República Argentina e do Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte”, adotado em Madrí em 19 de Outubro de 1989. A política nacional – com base constitucional – enfatiza sua estratégia para a realização da recuperação da soberania sobre esta parte do território nacional - insular e marítimo – nos planos político e diplomático estando excluído o uso da força. Em forma coordenada com o Ministério de Relações exteriores, também se contribui para a preservação dos recursos renováveis existentes nas águas em volta das ilhas, por meio de periódicas patrulhas de controle de pesca de unidades da Marinha e de outras instituições e organismos do estado Argentino.

Entre os interesses estratégicos da política de defesa Argentina estão os recursos naturais renováveis e não renováveis, a preservação do meio ambiente e os espaços marítimos, insulares e fluviais de interesse. Os efeitos sobre o meio ambiente se apresenta como um dos novos problemas que contém a agenda internacional. É por isso que, a nível nacional, a Argentina tem definido sua política e desenvolve a instrumentação de estratégias dirigidas a realizar um desenvolvimento sustentável, o que implica uma especial consideração à preservação do meio ambiente. A armada Argentina

A proteção dos interesses da república Argentina, nos espaços marítimos que banham suas costas e além disso, e seja em acordo com outras nações ou atuando independentemente, requer uma ampla posição de capacidades militares. A participação em operações internacionais de bloqueio naval ou de interdição marítima –como a guerra do Golfo e Haiti –envolve a necessidade de dispor de capacidades de projeção a grandes distâncias.

CONCLUSÕES Diante das informações apresentadas, fica claro que os três países, dentro das especificidades inerentes a cada caso, possuem objetivos comuns. O mais forte deles, como visto, é a defesa da soberania do Estado.

Verifica-se que todos eles assumem o seu território marítimo como de extrema importância, seja em questões políticas, econômicas e ambientais. O documento brasileiro destaca uma recente descoberta, o pré-sal, e as consequências positivas que isso tem trazido para o país, e que deve ser levado em consideração quando criando estratégias para o melhor aproveitamento deste. Também devido à grande extensão de seu litoral, a ação da força naval brasileira se faz muito necessária, permitindo uma ação múltipla.

No Chile, além das responsabilidades dos setores da sua força naval, são executadas ações que visam a preservação e uso legal do seu território marítimo. As ações nesse território devem focar tanto a proteção do Estado e sua soberania, contato com outros países, promovendo assim a paz naquela região, como também o equilíbrio ambiental. Isso inclui ações contra contaminação do mar, estudos geográficos e biológicos visando a preservação da área.

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6

Por fim, a Argentina apresenta em seu documento a importância de sua favorecida posição geográfica em relação ao mar. Como a grande parte de suas negociações comerciais internacionais dependem de seus canais navegáveis, e alguns desses possuem nascentes em países vizinhos, a relação de consenso e paz entre Estados da região tende a ser favorecida. Outro fator importante a ser citado é a geração de energia, que depende quase em sua totalidade das suas águas. Tendo em vista toda essa importância, é fundamental a ação da força naval argentina, policiando as movimentações, defendendo o país e sua soberania.

REFERÊNCIAS Libro de La Defensa Nacional de Chile - 2010 Book of the Nacional Defense of Chile (2002) - Disponíveis em http://www.mindef.gob.bo/mindef/inicio Libro Blanco de la República Argentina - 1999 http://www.oas.org/csh/portuguese/fdacslivros.asp#livros Livro Branco de Defesa Nacional – 2012 http://www.pdf-archive.com/2012/08/04/lbdn-1/lbdn.pdf

Page 138: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

1

A Política Nacional de Defesa e a Liderança Brasileira: Uma análise regional.

Resumo

O presente artigo propõe analisar a Política de Defesa brasileira contemporânea e sua

conseqüência para a América do Sul, procurando identificar quais são as motivações do país

nesta área. Para isso, utilizou-se como referência autores renomados como Alsina Jr., Arrighi,

Celso Amorim, Hakim, Nye, Oliveira e Pietrobon, a fim de contextualizar o cenário

brasileiro, bem como explicar as estratégias para adoção de tais políticas. A perspectiva

teórica toma por base o conceito de Nye sobre poder e a metodologia concernente foi

encontrada em sites de artigos científicos, matérias de revistas de grande circulação, além de

livros específicos relacionados ao tema e sites oficiais como o Ministério das Relações

Exteriores do Brasil. Os resultados e conclusões obtidos apontam para um estímulo de

integração regional através da cooperação dos países da América do Sul na área de Defesa, ao

passo em que aumenta a projeção do Brasil na região.

Introdução

No cenário da atual Política de Defesa do Brasil, no contexto pós-Guerra Fria de um

mundo globalizado, onde as relações entre os Estados do sistema internacional são baseadas

em suas políticas domésticas e internacionais e seus objetivos, o Brasil procura modernizar e

equiparar suas forças militares e de inteligência aos demais países ao seu entorno, a fim de

obter prestigio e reconhecimento, como também promover a segurança frente às possíveis

ameaças que o país possa enfrentar.

Diante disso, crimes transnacionais como a questão do narcotráfico e suas

consequências, estão entre os principais problemas que o Brasil e a região sul-americana

enfrentam atualmente. Dessa maneira, a busca pelo desenvolvimento de medidas mais

eficazes no âmbito de defesa se faz cada dia mais necessário. (RODRIGUES, 2001)

Após o primeiro governo Lula, as relações entre os países sul-americanos, principalmente

relativas a questões sociais e de diplomacia, se intensificaram. Porém, a necessidade de um

fórum de debate sobre questões de caráter de segurança sul-americanas chamou a atenção dos

ex-presidentes Néstor Kirchner, Lula e Hugo Chávez, o que impulsionou a criação do

Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS). Esse órgão, criado no âmbito da UNASUL,

permite que os países da América do Sul promovam políticas em comum através da

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2

recomendação e confecção destas pelos membros desse conselho. Permitindo assim uma

maior proximidade dos países da região quanto as suas políticas de integração regional

voltadas para temas de segurança. (MEDEIROS FILHO, 2010)

Entretanto, como Estados nacionais e soberanos, os países sul-americanos possuem

alguns interesses e objetivos que naturalmente divergem dos demais países da região. O

Brasil, apesar de compartilhar políticas de defesa com outros países sul-americanos, mantém

suas políticas pautadas em seus interesses nacionais e que possam somar para o alcance de

seus objetivos internacionais, como uma cadeira no Conselho de Segurança das Nações

Unidas ou promoção do status de potência regional. Porém, não esquecendo seus objetivos e

imagem que deseja representar no continente, de uma região que deve buscar integração e

cooperação.

A Política de Defesa Brasileira

Pode-se dizer que a modernização e racionalização do sistema de defesa faz parte de

um programa iniciado na gestão do governo Fernando Henrique Cardoso e ampliado nos

governos seguintes de Lula e Dilma Rousseff.

Em 1990, o cenário de segurança internacional era caracterizado pelo “fortalecimento

da globalização e regionalização dos arranjos de segurança”. Além disso, a corrida

armamentista do período bipolar (1945-1991) contribuiu para distanciar tecnologicamente os

países do Norte em relação aos do Sul. O fim da Guerra Fria (1991), com a vitória dos EUA

sobre a URSS representou também superioridade americana incontestável no setor militar.

(ALSINA JR., 2003).

A América do Sul nesta época era considerada como uma “zona de paz”,

predominantemente democrática e em busca de aproximação comercial e compartilhamento

de valores. Em relação à segurança, a região apresentava baixa capacidade de projeção de

poder. (Ibidem).

Neste contexto, em 1996, o então presidente FHC apresentou o projeto de criação da

Política de Defesa Nacional (PDN) com o intuito de criar um Ministério que tratasse sobre as

questões específicas desta área, englobando todas as Forças Armadas - Exército, Marinha e

Aeronáutica -, a fim de aumentar o poder de articulação entre elas. Esta estratégia do então

presidente foi interpretada pelos opositores como fruto de um alinhamento à política externa

americana, uma vez que um dos objetivos principais dos EUA na época era o combate ao

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3

narcotráfico em conjunto com as Forças Armadas latino-americanas. É importante ressaltar

que, de forma geral e neste momento, as Forças Armadas Brasileiras eram contrárias à criação

deste formato institucional. (Ibidem).

O Plano de Defesa Nacional, elaborado também pelo Embaixador Ronaldo

Sardenberg, procurou mostrar às Forças Armadas a necessidade do apoio da diplomacia para

a criação de estratégias conjuntas, também fazendo menção da busca por aumento do poder

militar do país (Ibidem). No entanto, não constava como objetivo do Plano Nacional a

projeção do Brasil como potência militar. O foco naquele momento era a reavaliação dos

conceitos herdados do período da Guerra Fria e adaptação ao novo contexto internacional

(Ibidem), enquanto no governo Lula, a Segurança Nacional ganhou mais destaque na política

do país a partir de 2008. (OLIVEIRA, 2009).

Após crise no controle de voos, com queda de aeronaves da GOL (2006) e TAM

(2007) e a posterior discussão sobre quem passaria a controlar o sistema aéreo – esfera civil

ou militar-, o então presidente decidiu que as Forças Armadas deveriam passar por mudanças:

substituiu o Ministro da Defesa e comprou armamentos, navios e aviões da Venezuela. Tal

aquisição retomou o debate sobre a precariedade dos recursos militares do país e o atraso do

mesmo em relação aos demais. (Ibidem).

A criação da Estratégia Nacional de Defesa (END) não considerou a PND embora

compartilhassem de temas comuns. Tratava-se de novas táticas para a modernização do

sistema de defesa, tendo em vista que os objetivos desta política também foram alterados em

relação à do governo anterior. (Ibidem).

Dessa vez, o interesse da projeção internacional do país e a integração regional,

através da utilização do poder militar, faziam parte do objetivo central do documento de 2005

da END. Para a concretização dessas diretrizes, o Ministério de Defesa, assim como a

Secretaria de Assuntos Estratégicos, entenderam que era necessária a modernização e que esta

deveria ser feita através da otimização dos recursos, bem como o desenvolvimento das

capacidades das FAB daquela época. (Ibidem).

Outra questão também inovadora foi o investimento em áreas estratégicas como

espacial, cibernético e nuclear, de forma a dar ao Brasil autonomia em relação à tecnologia

estrangeira, diminuindo a dependência do país em relação aos países com maior

desenvolvimento nesta área.

Page 141: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

4

Motivações para a Política de Defesa Brasileira

As políticas de defesa brasileira nos dias atuais têm sido motivadas não só por fatores

domésticos, mas também por questões de cunho internacional, diante desse cenário pós

Guerra Fria, onde os crimes transnacionais se fazem cada vez mais presentes e os interesses

dos Estados ultrapassam suas fronteiras. Diante desse novo cenário, a modernização e o

incentivo a tecnologia militar como um instrumento de defesa é um dos principais focos da

política de defesa Brasileira, buscando também a independência nesse setor dos países

desenvolvidos.

O continente sul americano e a América Latina nas últimas décadas têm enfrentado

diversos problemas na área de defesa de cunho regional, como o narcotráfico, a questão das

guerrilhas e grupos paramilitares, além de suas fronteiras porosas sofrerem constantes

violações, viabilizando crimes de extensões transnacionais e que causam consequências

diretas aos países da região (RODRIGUES, 2001). Esses fatores representam grande ameaça à

soberania estatal e a condução de políticas nacionais desses países, sendo a política de defesa

do Brasil também incentivada pela busca de respostas aos problemas específicos que o país

enfrenta. (ALMEIDA, 2010)

Entretanto, o Brasil, ao contrário de outros países do sistema internacional situado em

regiões mais conflagradas, não conta sofre uma grande ameaça iminente, não se fazendo

necessária uma ação de defesa ofensiva, mas sim defensiva. Assim, exercendo atualmente

políticas de caráter mais relacionadas à segurança e menos de defesa, em conceitos

específicos segundo Vidigal1. Dessa maneira, se prevenindo e preparando para possíveis

ameaças que possam surgir ou se agravar.

Um dos principais motivos para uma política de defesa brasileira é a vasta reserva de

recursos naturais do país. Há a necessidade de uma força militar que seja capaz de constranger

agentes internos e/ou externos que ameacem o controle e a preservação destas reservas em

prol dos interesses nacionais, tendo a questão da Amazônia e as grandes riquezas naturais que

a região fornece como um possível fator de maior vulnerabilidade estratégica2 do país

1 Segundo Vidigal, Segurança representa um termo abrangente que envolve questões de caráter econômico, social, políticos, militar e tecnológico; e Defesa, apesar de estar relacionada aos temas anteriores, diz respeito a questões mais próximas do setor de ação militar. 2 Vulnerabilidade Estratégica, que segundo o autor Amando Vidigal, representa uma ameaça e fraqueza de um estado, ou algo que possa comprometer a segurança do país.

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5

(VIDIGAL, 2004). Os recursos desta região podem gerar receitas na ordem de US$ 130

trilhões anuais. (PIETROBON-COSTA, 2009)

Os riscos de intervenções ocorrem também, segundo Pietrobon-Costa, devido à

configuração do sistema geopolítico internacional vigente. Existindo para ele uma

pulverização do poder (Ibidem). Segundo o atual Ministro de Defesa, Celso Amorim:

“Em geral, nas últimas décadas, fomos poupados de grandes conflitos de escala global, mas nunca podemos ter certeza de que eles não voltarão a ocorrer. Mesmo que não sejam catastróficos, como se pensava na Guerra Fria, pode haver outro tipo de conflito. E temos que cuidar dos nossos recursos, dos nossos interesses” (AMORIM, 2012, p.33).

O Livro Branco de Defesa Nacional (2012) contêm os princípios da atual política de

defesa exercida pelo Ministério da Defesa. Entre elas, a ideia de que o MD e o Ministério das

Relações Exteriores trabalhem em conjunto e também o desenvolvimento da Indústria

Brasileira de Materiais de Defesa, demonstrando a atenção do Brasil na área de inteligência

militar, bélica e importância aos temas do cenário internacional. (JESUS, 2013)

O incentivo no investimento e projeção da política de Defesa brasileira está

diretamente relacionado à ideia de liderança regional sul-americana, essa que o Brasil tem

buscado nos últimos anos, relacionada também aos fatores de extensão territorial e marítima,

políticos e econômicos que o país representa. Além disso, o Brasil como um Estado em

constante crescimento internacional, se destacada por pleitear um assento permanente no

Conselho de Segurança das Nações Unidas, buscando representar também a América do Sul

frente a esse órgão, o que estimula o aumento de políticas no setor de defesa em busca de

prestígio internacional. (Ibidem)

Cabe salientar que um poder militar capaz de intimidar eventuais ameaças é de suma

importância para um Estado que busca papel relevante no cenário internacional. O Estado

brasileiro, historicamente, tem buscado resoluções diplomáticas para seus conflitos, no

entanto, o poder militar é necessário, caso o poder diplomático não seja capaz de obter

resoluções pacíficas. (NASCIMENTO, 2009) Vale lembrar, que para alcançar o status de

potência mundial, um Estado deve possuir autossuficiência energética, alimentar e militar.

(ARRIGHI, 1996)

Sendo assim, as políticas de defesa do Brasil refletem diretamente sobre a sua imagem

internacional e regional, sendo um país que busca estar se modernizando militarmente e no

setor estratégico, estando atento às questões que ameaçam a sua segurança.

Page 143: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

6

Uma análise regional

Para uma visão mais focada dos efeitos e do modo como o Brasil utiliza de suas

capacidades para obter resultados desejados, convém analisar a possibilidade brasileira de

inserção em um cenário outrora desfavorável à sua atuação e principalmente à sua capacidade

de atuação.

Após a Guerra Fria, com a consolidação dos Estados Unidos como potência militar

unipolar focada em um tipo convencional de guerra, um novo tipo de ameaça não-

convencional, visando a contraposição de uma balança convencional de poder em favor dos

Estado Unidos, surge (NYE, 2012). Assim, após o atentado de 11 de Setembro ao Pentágono

e às Torres Gêmeas os EUA mostraram ao mundo que o foco de sua política externa era o

Oriente Médio e a Ásia. O foco da política americana pós 11/09 passou a não só distanciar os

países latino-americanos com suas políticas (HAKIM, 2006) como a favorecer nesse sentido

uma maior participação chinesa, maior facilidade para um discurso de liderança regional do

Brasil e principalmente a força de discursos chavistas contra os Estados Unidos.

Assim, podemos observar que o não só o momento internacional era favorável, mas o

processo político brasileiro como demonstrado pelo então Ministro das Relações Exteriores

em 2003 a 2010 Celso Amorim(2011):

“Finalmente, nossa política externa derrubou “aquela velha opinião” de que o Brasil precisa pedir licença para agir nas relações internacionais. Mantemos intransigentemente nossa tradição diplomática pacifista e de respeito ao direito internacional.”

Essa nova diretriz de pensamento, aliada a uma nova política de defesa demonstra que

o Brasil busca obter resultados que se consolidem regionalmente para projetá-lo globalmente

o que nos leve ao desafio de como fazer essa projeção e extrair daí os resultados desejados

com nossos vizinhos?

Obtendo resultados comportamentais com o Poder Militar

Uma nova política para o setor de Defesa tem implicações para as relações do Brasil

com os países de seu entorno estratégico. Dessa forma, convém analisar como o país buscará

usar o poder militar como meio de aproximação com seus vizinhos.

Ao abordar a utilização do Poder Militar no século XXI, Nye apresenta as quatro

modalidades através das quais esse se apresenta e produz resultados preferidos sobre os alvos.

Page 144: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

7

(NYE, 2012). Entre essas, é introduzida a modalidade de assistência, que funciona no sentido

de cooptar o alvo e, como conseqüência, produz incremento no poder militar.

No caso sob análise, as Forças Armadas Brasileiras foram e têm sido utilizadas por

diversas vezes a fim de prover assistência aos países da região. Em 2010, quando do

terremoto que atingiu o território chileno, dois helicópteros H-60 Black Hawk da Força Aérea

Brasileira (FAB) foram enviados àquele país para prover ajuda no transporte de alimentos.

Em relação à Colômbia, o Brasil tem auxiliado nas negociações para a libertação dos reféns

em posse das FARC, além de prestar apoio material, enviando helicópteros e tripulações para

dar suporte a missões humanitárias.

O uso das Forças Armadas como ferramenta de cooperação e aproximação no âmbito

regional se estende ainda a outros países da região. As relações Brasil-Argentina, por

exemplo, em matéria de Defesa têm iniciativas relevantes como o envio de observadores para

acompanhar exercícios militares combinados entre Chile e Argentina, em 2012, a manutenção

da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares

(ABACC), além da cooperação na construção de reatores nucleares e mesmo a elaboração de

doutrina militar comum

De fato, a Estratégia Nacional de Defesa prevê o estímulo a integração da América do

Sul de forma que não só a cooperação, mas também a integração das indústrias de defesa de

seus países seja fomentada, processo que resultaria numa maior segurança regional (END,

2008, p.9).

Essas iniciativas de assistência são importantes porque, ao se mostrarem eficazes e

serem percebidas como benignas pelos outros países, produzem comportamentos favoráveis

por parte dos vizinhos em relação ao Brasil, gerando os resultados almejados.

Nesse sentido, têm duas importantes implicações: contribuem para o incremento da

imagem brasileira na América do Sul e funcionam como mecanismo através do qual a

modernização dos recursos materiais deixaria de representar um potencial fator de

insegurança e passaria a ser percebido como um acréscimo a segurança regional.

Conclusão

Com o fim da Guerra Fria, as questões de Defesa no Brasil passaram por

transformação, assumindo aspecto mais voltado à segurança nacional, fato que, por sua vez,

Page 145: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

8

estava em harmonia com a pretensão norte-americana de combate ao narcotráfico através da

utilização das Forças Armadas por países da América Latina.

A partir do Governo Lula (2003-2010), notadamente a partir de 2008, com a

publicação da Estratégica Nacional de Defesa, a postura do país no que tange matérias de

Defesa passa por nova modificação para, dessa vez, servir como um dos pilares da inserção

brasileira como líder no âmbito regional e potência emergente.

Nesse sentido, parece ter havido, por parte das autoridades governamentais, a

percepção de que era necessário possuir um aparato militar que permitisse ao país exercer

plenamente sua posição de potência emergente, além de garantir a segurança e soberania de

seu território e recursos naturais, o que fica evidente por diversas vezes na END que, entre

outras coisas, mostra a preocupação com a capacidade de dissuasão de forças hostis nas

fronteiras nacionais, bem como com o desenvolvimento da capacidade de monitoramento das

mesmas.

Na esfera sul-americana, tradicionalmente pacífica, o incremento das capacidades

militares brasileiras poderia provocar a percepção de desequilíbrio e ameaça por parte dos

vizinhos, o que teria conseqüências negativas ao Brasil, uma vez que poderia gerar um dilema

de Segurança regional e dificultar a consolidação da posição de líder, tão almejada pelo país.

Como forma de lidar com essas possibilidades, o Brasil tratou de utilizar suas Forças

Armadas de forma cooperativa com seus vizinhos, promovendo ações de assistência e

cooperação o que, além de diminuir a desconfiança por parte dos países de seu entorno

estratégico imediato, evitando o dilema de Segurança, e geraria a percepção de ganho

conjunto e fortalecimento da segurança regional, fator que, por sua vez, funciona como

incremento a reivindicação de liderança do Brasil.

Referências

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O Projeto FX-2 e sua Importância para a Garantia da Soberania Aérea Brasileira

Augusto Cavalcante Pacheco1, Germano Luis Lopes de Mello2,

Heitor Xavier Guimarães3, Pedro Wladimirski Ciriaco4, Vinício Monteiro de Oliveira5

AFA – Academia da Força Aérea

RESUMO

O presente artigo aborda as principais causas da morosidade na tomada da decisão sobre o Projeto FX-2, que tem como objetivo o reaparelhamento da Força Aérea Brasileira. Ressalta-se a importância dos vetores aéreos em uma situação de combate e expõem-se pontos sensíveis que podem ser alvo de ambições estrangeiras. O Projeto FX-2 envolve diversas questões relacionadas à política, como a intenção do Brasil de possuir uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. Essas questões são responsáveis pelo atraso na finalização do projeto, visto que o Comando da Aeronáutica já encaminhou a sua visão das propostas ao Governo, dando ênfase nos fatores técnico-operacionais e de transferência de tecnologia. Apontando também a Estratégia Nacional de Defesa, os autores tecem suas considerações a respeito do projeto e apresentam propostas para a sua conclusão. Palavras-chave: Defesa; Estratégia Nacional de Defesa; Soberania Aérea; Indústria de Defesa; Projeto FX-2.

1 Introdução O Brasil destaca-se cada vez mais como potência mundial econômica e política, sendo a 7ª maior economia do mundo e assumindo um papel hegemônico de liderança na América Latina, devido à grande influência que exerce nos países vizinhos. Tamanha é a sombra que projeta sobre o mundo quanto aos aspectos econômicos e políticos, que é de se esperar que exiba uma máquina de Guerra igualmente portentosa, porém, para qualquer observador mais

1 Cadete do 3º Esquadrão do Curso de Formação de Oficiais Intendentes da Academia da Força Aérea – [email protected]

2 Cadete do 3º Esquadrão do Curso de Formação de Oficiais de Infantaria da Academia da Força Aérea – [email protected]

3 Cadete do 3º Esquadrão do Curso de Formação de Oficiais Aviadores da Academia da Força Aérea – [email protected]

4 Cadete do 3º Esquadrão do Curso de Formação de Oficiais Aviadores da Academia da Força Aérea – [email protected]

5 Cadete do 3º Esquadrão do Curso de Formação de Oficiais Intendentes da Academia da Força Aérea –viní[email protected]

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perspicaz torna-se patente a defasagem técnica e numérica de seus meios bélicos, embora possua uma força tão calcada no desenvolvimento tecnológico como a Força Aérea. O emprego dos vetores aéreos é, conforme atestaram os mais diversos teóricos das guerras modernas, fator determinante em qualquer cenário de guerra sendo ele ofensivo ou defensivo. A supremacia aérea passou a ser o norte das operações militares antes de qualquer outro objetivo e negligenciar tal controle é permitir que seja facilmente coagido por diversos motivos, tais como: a Amazônia continental, a Amazônia Azul (as riquezas naturais contidas nas 200 milhas marítimas que contornam a costa brasileira, incluindo as jazidas de petróleo do Pré-sal e Pós-sal). O Brasil é uma nação em destaque e como tal, tem muito a perder, portanto deve fazer o que for possível para garantir a soberania. Caso a diplomacia falhe, a soberania não pode ser garantida sem o aprimoramento dos vetores aéreos no controle do espaço brasileiro. 2 Motivação Segundo Clausewitz (1996), a guerra se desenvolve como continuação da política de uma nação, sendo portanto, inerente à própria existência do Estado. Por isso não deve ser ignorada ou relegada a segundo plano, em detrimento das políticas externas pacíficas e mais comumente utilizadas nas Relações Internacionais na atualidade, ou seja, será necessário garantir a integridade do Estado de forma preventiva através de meios bélicos. É notório como as políticas de defesa nacionais têm caminhado em direção a uma maior padronização e eficiência em seu papel de organizar a defesa da soberania nacional. Como exemplo desse recente encaminhamento tem-se a “Lei do Tiro de Destruição” (BRASIL, 2004), a elaboração da Estratégia Nacional de Defesa (BRASIL, 2008) e do Livro Branco de Defesa (BRASIL, 2011). 3 A indecisão do governo brasileiro Em primeiro lugar, pode-se desde já perceber outra fonte de tensões. Por um lado, a "identidade nacional" define o Brasil como um país de tradições pacifistas, que procura colaborar na construção de uma ordem internacional mais harmônica e menos desigual para as diversas partes envolvidas. Por outro lado, Lafer (2001 apud LACERDA, 2001) reconhece,

"A diplomacia brasileira vem exercitando o potencial de geração de poder inerente ao papel de soft power no plano internacional, com o objetivo de assegurar espaço para a defesa dos interesses nacionais. O exercício deste papel gerador de soft power é, assim, um componente da nossa identidade internacional, voltado para o tema da estratificação internacional" (LAFER, 2001 apud LACERDA, 2001, p. 149).

Embora não o diga dessa forma, indubitavelmente uma das consequências desse soft power seria, por exemplo, a tão sonhada participação brasileira no Conselho de Segurança da ONU com direito a assento permanente, ao lado das grandes potências do mundo (baseadas, aliás, no hard power, de caráter militar). O FX-2 é um projeto de reequipamento e modernização da Força Aérea Brasileira. Seu antecessor, o Projeto FX foi considerado pouco ambicioso e sofreu profundas modificações, dando origem, em 2006, ao Projeto FX-2, que exige transferência completa de tecnologia e visa a produção nacional da aeronave. Inicialmente, o projeto contou com várias propostas de fabricantes de aeronaves, como o Sukhoi Su-35 Super Flanker (Rússia), o Dassault Rafale F3 (França), o Saab-BAE JAS-39 Gripen NG (Suécia), o Boeing F-18 Super Hornet (Estados Unidos), o Lockheed Martin F-16 Fighting Falcon (Estados Unidos) e o Eurofighter Typhoon EF-2000 (Alemanha, Itália,

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Espanha e Inglaterra). Após um processo seletivo, que envolveu principalmente questões políticas, três ofertas tornaram-se finalistas: o francês Rafale, o sueco Gripen (CANTANHÊDE, 2011) e o norte-americano F-18.

Em janeiro de 2010, foi concluído o relatório de avaliação pela Força Aérea Brasileira, apontando a melhor proposta em termos de transferência de tecnologia, domínio do sistema de armas pelo Brasil, participação na indústria nacional e operacionalidade técnica e comercial. Desde então, o processo está atravancado em questões políticas e não se tem uma decisão final.

Podem ser destacados dois momentos bem distintos no projeto FX-2. O início, que se caracterizava pela ênfase nos fatores políticos externos, tendo como ápice o anúncio feito pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva, não se entende quanto à intenção de compra por parte do Brasil da aeronave francesa (Rafale), tendo em vista a grande cooperação que Brasil e França vinham tendo com relação aos aspectos políticos e econômicos. A preponderância do fator político se evidencia pelo momento de tal divulgação, antes mesmo da publicação do parecer técnico por parte do Comando da Aeronáutica (RIBEIRO, 2011). Há indícios de que os impasses ocorridos entre os militares e o setor político terminaram com o presidente voltando em sua decisão e repassando essa responsabilidade para o próximo governo. O segundo período começa no governo da presidente Dilma Roussef, quando novo fôlego é conferido ao processo licitatório dando novamente ênfase no fator técnico e operacional. Há ainda, a tentativa de negociação da inclusão da indústria nacional nos processos de desenvolvimento da nova aeronave que seria adquirida. O processo acabou sendo interrompido devido às instabilidades do mercado internacional em um ambiente de evidente crise (MARTINI, 2012). Um ponto relevante é a inserção da indústria nacional ao incluir no contrato que as primeiras aeronaves seriam entregues prontas. As demais seriam produzidas no interior do país com indústrias nacionais munidas do know-how da empresa vencedora, gerando empregos, conhecimento e renda no país (BARBOSA, 2010). Atualmente, a comissão designada pela Aeronáutica para averiguar a capacidade dos aviões de caça já teve suas atividades encerradas e seu relatório emitido. A decisão da compra esbarra, portanto, em fatores de caráter essencialmente políticos. Dessa forma, o principal prejudicado é o povo brasileiro, que acaba bancando a obsolescência da Força Aérea na forma de caças e outras aeronaves, cujo custo de manutenção exacerba em muito o custo de um moderno vetor em face aos benefícios e poder dissuasórios advindos do mesmo. 4 Sobre a Estratégia Nacional de Defesa Recentemente, foi desenvolvida a Estratégia Nacional de Defesa (BRASIL, 2008), que possui como crítica principal a viabilidade de suas propostas em face às dificuldades econômicas devidas pelo orçamento público da União. Observando os detalhes desse documento, pode-se perceber duas partes distintas. Uma é diretamente destinada a distinguir os setores que serão relevantes às mudanças propostas na Estratégia e a outra, como essa mudança se efetivará em cada setor envolvido com a segurança nacional. A preocupação em destacar a atual obsolescência dos equipamentos bélicos, a dependência externa, entre outros problemas ligados à questão da defesa, pode ser observada no documento. Porém, é evidente que tais problemas devam ser corrigidos e nisso a publicação falha ao não indicar linhas de ação coerentes, realistas e viáveis para solucioná-los. Um exemplo de ação objetiva seria o estabelecimento de um regime jurídico diferenciado para as indústrias nacionais de defesa e para a construção de novas unidades

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militares em áreas de conflito iminente, tais como as fronteiras de nosso país. Essa seria uma solução completamente viável e de rápida eficácia, visto que seria apenas uma mudança legal, dentro do alcance das Forças Armadas Brasileiras. 5 Considerações finais O vivo traço pacífico da nação brasileira, que é tradução dos longos períodos de paz que a nação viveu, naturalmente desvia o foco das políticas governamentais da preparação para um conflito para as questões mais óbvias e imediatas. Portanto, são melhor aceitas pelo público eleitor. Entende-se esse traço da cultura brasileira como simples reação aos já anteriormente mencionados períodos de paz. Assim, faz-se necessário esquivar da impressão mais simplista da situação e preparar-se para o que ainda não está diante de seus olhos, pois a necessidade dos meios bélicos só é sentida depois que eles falham. É preciso, entretanto, que haja vontade política para o aprimoramento das Forças Armadas, o que é primordial para a manutenção do poder dissuasório e da soberania nacional, a fim de preservar os interesses do povo brasileiro. Referências Bibliográficas BARBOSA, Enio. Programa FX-2 de modernização de caças da FAB pode contribuir para o avanço da indústria nacional. Conhecimento & Inovação, v. 6, n. 1, 2010.

BRASIL. Decreto nº 5.144, de 16 de julho de 2004. Regulamenta os §§ 1º, 2º e 3º do Art. 303 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986. Diário Oficial da União, de 19 jul. 2004, p. 1.

______. Decreto n. 6.703, de 18 de dezembro de 2008. Aprova a Estratégia Nacional de Defesa, e dá outras providências. Diário Oficial da União, de 19 dez. 2008, p. 4.

______. Decreto nº 7.438, de 11 de fevereiro de 2011. Estabelece princípios e diretrizes para criação e elaboração do Livro Branco de Defesa Nacional. Diário Oficial da União, de 14 fev. 2011, p. 1.

CANTANHÊDE, Eliane. FAB Prefere Caça Sueco a Francês. São Paulo: Folha de São Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.fab.mil.br/portal/capa/index.php?datan=05/01/2010&page=mostra_notimpol> Acesso em: 27 de Nov. 2011.

CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

LACERDA, Gustavo Biscaia de. Identidade (inter)nacional e política externa do Brasil. Rev. Sociol. Polit. [online]. 2001, n.17, pp. 147-150.

MARTINI, F. Governo adia outra vez compra de caças para a Aeronáutica. Poder Aéreo, 28 de jun. 2012.

RIBEIRO, Jeferson. Governo brasileiro anuncia negociação para compra de caças franceses. Brasília: G1, 2009. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL1295164-5601,00.html> Acesso em: 30 de nov. 2011.

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O Reaparelhamento da Marinha Brasileira e o Desenvolvimento da Indústria de Defesa

Resumo O presente trabalho pretende analisar a relação entre a descoberta dos recursos

naturais na camada Pré-Sal, em 2006, e a necessidade de reaparelhamento e desenvolvimento

da Marinha do Brasil. Ainda, pretende-se observar a operacionalização das estratégias

elaboradas nas legislações relacionadas à área da Defesa Nacional posteriores a 2006 e a

possível construção de uma Base Industrial de Defesa brasileira, além de buscar elencar a

importância desta. Por fim, objetiva-se entender os esforços brasileiros para superar os

contemporâneos desafios e como a Marinha os tem respondido. Para tais metas, utiliza-se

como metodologia a análise das legislações - especialmente da Estratégia Nacional de Defesa

e do Livro Branco de Defesa Nacional - e a utilização de fontes bibliográficas analíticas. A

Marinha passa por um processo de reestruturação que pretende recompor a viabilidade de se

garantir o controle de nossos mares e águas interiores e o incremento da indústria de defesa

nacional que sustente tal capacidade combatente.

Introdução Frente às descobertas das reservas de petróleo na camada do Pré-Sal – que podem

proporcionar uma posição de potência mundial ao Brasil –, vem seguindo uma tendência

crescente e positiva no engajamento em discussões e resoluções de problemas e controvérsias

da agenda internacional. A proposta do presente artigo é analisar a reabilitação das

capacidades das Forças Armadas – mais especificamente, da Marinha do Brasil–, que se

tornam essenciais para assegurar a maior influência brasileira em âmbito regional e global e,

principalmente, garantir o comando dos mares sob jurisdição e soberania brasileira.

Sobretudo, para que essa reconstrução ocorra, é necessária a estruturação de uma indústria

militar capacitada para dar subsídios logísticos à operacionalização do desenvolvimento da

Estratégia Nacional de Defesa (END). Assim, o trabalho que se segue foca em dois aspectos

importantes: a reconstrução da Marinha Brasileira juntamente com um complexo industrial

que a sustente.

A abordagem desses temas propostos justifica-se uma vez que tenta transpor

conclusões e alternativas de reconstrução da marinha e da indústria militar aplicáveis à

realidade nacional. Ademais, é imprescindível que se popularize o debate acerca da Defesa de

nossos recursos, especialmente do Pré-Sal: atualmente, 34,3% dos brasileiros não acredita em

uma ameaça estrangeira sobre esses recurso estratégico nacional. (IPEA, 2011).

Hipótese Um país com a extensão territorial do Brasil, com enormes recursos naturais, com sua

população que representa um grande mercado consumidor potencial e com uma enorme

extensão costeira, deve atentar para o desenvolvimento de suas Forças Armadas. Soma-se aos

aspectos presentes de longa data, a descoberta dos campos petrolíferos do Pré-Sal brasileiro, e

as possibilidades que estes poderão representar para o desenvolvimento econômico e social do

país e para um maior protagonismo internacional. Nesse sentido, a descoberta de enormes

reservas localizadas no litoral sudeste do país ampliou na agenda nacional a discussão sobre

defesa. Percebe-se uma aceleração na produção de documentos regulamentadores da política

de defesa nacional, bem como, dos programas de reestruturação ou reaparelhamento das

forças armadas, em especial, da Marinha. Assim, destaca-se na estratégia de defesa a

necessidade de apoiar-se em uma Base Industrial de Defesa, especialmente da indústria

marítima, que seja simultaneamente competitiva, tecnologicamente avançada e independente,

a fim de garantir a soberania nacional em nosso território.

Page 153: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

Pré-Sal e Jurisdição Internacional

O território brasileiro conta com uma área marítima jurisdicional que contempla mais

de 3,4 milhões de quilômetros quadrados, o que se dá a partir da soma das águas interiores, o

Mar Territorial (MT), a Zona Contígua (ZC), a Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e a

Plataforma Continental (PC) (FILHO, 2012). Essas águas sob soberania brasileira receberam

a denominação de “Amazônia Azul”, dada a vastidão da área e também dada a riqueza

presente em seu leito e subsolo, exemplificados na forma do Pré-Sal.

A camada do Pré-Sal estende-se em uma faixa de aproximadamente 800 quilômetros,

passando pelos Estados de Espírito Santo e Santa Catarina e é estimado que se encontre nessa

área cerca de 1,6 trilhão de metros cúbicos de gás e óleo (MARTINS, 2010). Essa estimativa,

se confirmada, colocaria o Brasil na posição de quarto maior reservatório de petróleo mundial

(MARTINS, 2010). Já em janeiro de 2013, o país apresentou reservas petrolíferas de 26

bilhões de barris, e o Governo Federal acredita que essas possam aumentar para 38 bilhões de

barris até 2020 (CIA, 2013; BRASIL, 2009).

A jurisdição sob as áreas marítimas brasileiras foi decidida a partir de discussões

acerca da unificação mundial de normatização dos espaços marítimos que começaram através

da Organização das Nações Unidas (ONU) nos anos 1950 e resultaram na Conferência sobre

o Direito do Mar – CNUDM I – em Genebra (FILHO, 2012). Todavia, muitos países não a

ratificaram – como o Brasil -, acabando por se tornar em uma tentativa fracassada. Ainda

houve mais uma investida através da II Conferência sobre o Direito do Mar – CNUDM II –

em 1960, não apresentando nenhum resultado expressivo. Assim, só em 1982, a III

Conferência da ONU – CNUDM III – que teve início em 1973, chegou ao fim com um

Tratado assinado por 117 Estados, incluído o Brasil que assinou o tratado no mesmo ano1

(FILHO, 2012).

A CNUDM III ficou conhecida como a “Lei do Mar” e entrou em vigor em todo o

mundo em 1994, no dia 16 de novembro (MARTINS, 2010). A Convenção se refere a quase

todo o espaço oceânico, estabelecendo coordenadas básicas que devem ser seguidas pelos

Estados signatários no uso do mar como em navegação, exploração de recursos, conservação,

pesca e tráfego. Quanto aos espaços marítimos, ficou fixado um limite de 12 milhas para o

Mar Territorial, 188 milhas de Zona Econômica Exclusiva2, além de uma Plataforma

Continental e Zona Contígua de 24 milhas (ONU, 2011). Atualmente não firmaram e/ou

ratificaram o tratado os Estados Unidos, Colômbia, Peru, Equador e Venezuela; todavia, os

conceitos de espaço marítimo determinados pela CNUDM têm sido adotados e respeitados

por esses (ONU, 2011).

Desde então, a legislação brasileira segue as normas da Convenção sem muitas

diferenças significativas, obedecendo-se, acima de tudo, o principio da territorialidade. Nesse

âmbito, as extensões, limites e exercício da soberania do país nas águas jurisdicionais são

regulamentados pela Lei 8.617/93² (MARTINS, 2010). Dentro da Amazônia Azul, a

jurisdição nacional do Brasil no Mar Territorial é soberana3; já na Zona Contígua, o Brasil é

destituído de soberania, mas ainda possui jurisdição para fins de fiscalização nos casos de, por

exemplo, alfândega, imigração e tráfego nas águas territoriais; na Zona Econômica Exclusiva

qualquer Estado tem a liberdade de navegar e sobrevoar, ainda podendo instalar cabos e dutos

submarinos; por fim, o Estado costeiro possui soberania para explorar e utilizar os recursos

1 O Brasil assinou a CNUDM III no dia 10 de dezembro de 1982, ratificando-o somente 6 anos depois: 22 de dezembro de

1888. A Convenção foi promulgada pelo Decreto n. 99.165 em 12 de março de 1990 e declarada em vigor no país pelo

Decreto n. 1530 no dia 22 de junho do ano de 1995 (MARTINS, 2010). 2 As 188 milhas são contadas a partir do limite exterior do mar territorial ou 200 milhas – como será tratado no decorrer do

artigo – a contar da linha de base deste (MARTINS, 2010). 3 A soberania brasileira se limita, nesse caso, no que tange à jurisdição civil e penal em navio mercante estrangeiro que esteja

somente de passagem, pois a jurisdição passa a ser do Estado de Bandeira (MARTINS, 2010).

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naturais da sua Plataforma Continental que segue o limite de até 200 milhas (MARTINS,

2010).

De acordo com o art.76 da CNUDM III, os países interessados em aumentar sua

plataforma continental em além das 200 milhas já fixadas podem encaminhar à Comissão de

Limites da Plataforma Continental da ONU (CLPC) uma proposta acompanhada de

justificativa de aumento após 10 dias de ratificação da mesma, o que foi feito pelo Brasil em

2004. O país, através do Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira

(LEPLAC), solicitou um aumento de 150 milhas, totalizando em uma extensão de 350 milhas

de Plataforma Continental, além de uma inclusão nessa de cinco áreas: Cone do Amazonas,

Cadeia Norte Brasileiro, Cadeia Norte e Trindade, Platô de São Paulo e Margem Continental

Sul (MARTINS, 2010). Essa proposta, se aceita, aumentaria em 50% o território brasileiro. A

resposta à solicitação veio em 2007 em forma de um Relatório de Recomendações,

aconselhando que o Governo Brasileiro apresentasse uma nova proposta com diminuição dos

limites almejados na primeira proposta.

Através do Relatório de Recomendações ficou supostamente entendido que, embora

uma área menor do que a solicitada primeiramente - a proposta brasileira poderia ser aprovada

em breve; entretanto, em 2010 o Brasil se antecipou à ONU, decidindo unilateralmente

expandir os limites de suas águas jurisdicionais em aproximadamente 900 mil quilômetros

quadrados, indo de encontro à solicitação de 2004 que não obteve uma resposta concreta da

organização (FILHO, 2012).

A expansão da Amazônia Azul somada às recentes descobertas de reservas de petróleo

na camada de Pré-Sal, entre outras riquezas oriundas no seu subsolo, colocam o Brasil em

destaque na agenda internacional. Sustenta-se ainda que o Pré-Sal coloque o país entre as

maiores potências do mundo (MARTINS, 2010). Entretanto, a insegurança jurídica devido

àqueles países que não assinaram a III Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

e tomadas de decisões unilaterais colocam em situação de insegurança quanto aos recursos do

Pré-Sal. Com isso, evidencia-se, principalmente, a extrema necessidade de defesa das águas

jurisdicionais brasileiras que se dará através do melhoramento da estrutura de defesa nacional

e marítima. A partir disso, a relação de dependência do Brasil com o mar pode – e deve –

deixar de ser uma vulnerabilidade; passando a representar, portanto, uma potencialidade do

país.

A Política de Defesa Nacional, a Estratégia de Defesa Nacional e o Livro Branco de

Defesa Nacional

O processo de democratização, o crescimento econômico e a inclusão social

brasileiros têm estimulado uma maior participação da sociedade em temas relacionados com a

defesa e exigiu uma maior participação das instituições políticas na formulação do

pensamento estratégico. Esta nova realidade iniciou discussões sobre questões de defesa e

exigiu a publicação do pensamento político sobre a defesa no mais alto nível. Dois exemplos

recentes incluem a Política de Defesa Nacional (Decreto 5484/2005), e, mais recentemente, a

publicação da Estratégia de Defesa Nacional (Decreto 6703/2008), cujas revisões de 2012

foram apresentadas ao Congresso Nacional juntamente com o Livro Branco de Defesa

Nacional (Decreto 7438/2011). Através destes documentos, o governo brasileiro clarificou a

sua compreensão das principais questões relacionadas com a defesa nacional, bem como

orientações emitidas para regular o preparo e emprego das suas forças de defesa, dando-lhe

um tratamento mais integrado e holístico (BEHERA, 2013). Nosso objetivo aqui será destacar

as diretrizes desses documentos relacionadas ao desenvolvimento da indústria de defesa, e

especialmente da Marinha, a fim de relacionar a descoberta do Pré-Sal e o maior

protagonismo internacional brasileiro ao novo impulso gerado na indústria de defesa.

Page 155: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

A Política de Defesa Nacional (PND) surge diante das incertezas da modernidade, que

faziam necessário legitimar outra atuação da política brasileira frente à nova ordem mundial.

Segundo a PDN “a persistência de entraves à paz mundial requer a atualização permanente e o

reaparelhamento progressivo das Forças Armadas, com ênfase no desenvolvimento da

indústria de defesa, visando à redução da dependência tecnológica e à superação das

restrições unilaterais de acesso a tecnologias sensíveis”. Entretanto neste documento não está

definida a política governamental para o reequipamento e modernização de suas Forças

Armadas.

No sentido de aprofundar e acelerar a reformulação da defesa brasileira, em 2008, após

a descoberta do Pré-Sal, foi lançada a primeira Estratégia Nacional de Defesa (END), em que

a questão dos equipamentos de defesa foi desenvolvida, destacando a importância de

minimizar a dependência externa em termos de sua aquisição. Na END podemos verificar

inúmeras intenções do governo brasileiro no que tange ao desenvolvimento da defesa

nacional, entendendo a defesa marítima e remodelagem de sua Marinha como pontos

fundamentais. O documento expõe a importância conferida à proteção das águas

jurisdicionais brasileiras para a formulação estratégica nacional, bem como, os conceitos de

controle e monitoramento, reiterados diversas vezes ao longo do texto, que compõem parte

importante no exercício da soberania.

A END, quando descreve os objetivos estratégicos e táticos da Marinha, pontua

claramente que o foco do controle tem como prioridade primeira a defesa pró-ativa das

plataformas petrolíferas, através da reconstituição gradual da Marinha em seus componentes

submarinos, de superfície e aeroespacial. Assim, a Marinha é constituída por um paradigma

ambíguo, pois enquanto seus objetivos estratégicos se focam, principalmente, na proteção e

vigília da costa, a constituição da sua frota também visa à projeção de poder e à supremacia

marítima (NOTHEN, 2013). A END afirma a necessidade de desenvolvimento e fabricação

tanto de submarinos de propulsão convencional como de propulsão nuclear; destaca

preocupação com a autonomia nas tecnologias cibernéticas que guiem os submarinos e seus

sistemas de armas e que lhes possibilitem atuar em rede com as outras forças navais, terrestres

e aéreas. A ideia da independência tecnológica e produtiva no setor militar brasileiro,

portanto, é largamente advogada, assim como na Política de Defesa Nacional, na busca por

capacitar a indústria nacional de material de defesa para que conquiste autonomia em

tecnologias indispensáveis à defesa.

O Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), lançado em 2012, desenvolve ainda

mais as diretrizes constituídas para a Marinha, trazendo a ideia de um Sistema de

Gerenciamento da “Amazônia Azul” (SisGAAz), para o monitoramento e vigilância dentro

das águas jurisdicionais brasileiras (AJB), com a finalidade de capacitar melhor a Força para o

controle do tráfego marítimo de interesse no Atlântico Sul. Destaca-se a importância dada à

obtenção, ao aprimoramento, à disseminação e à retenção do conhecimento relativo à

concepção, construção, operação e manutenção dos meios navais, aeronavais e de fuzileiros

navais.

Nesse sentido, nos itens que se referem ao desenvolvimento da indústria de defesa

nacional “tecnologicamente independente”, o LBDN invoca a END. Segundo o LBDN, esse

tipo de indústria privilegiaria o domínio de tecnologias nacionais e para isso seria necessário

uma reestruturação da indústria brasileira de produtos de defesa. Essa diretriz resultou na

criação do Núcleo de Promoção Comercial, (NPC-MD) que tem a finalidade de elaborar

ações de incentivo e promoção de material bélico e atração de capital e tecnologias a serem

aplicados aos produtos de defesa do Brasil. Dentre outras ações estatais estão a) o

levantamento da base industrial de defesa com o objetivo de diagnosticar as capacidades e

potencialidades deste importante setor da economia nacional, b) criação da Política Nacional

da Indústria de Defesa ( PNID – Portaria Normativa nº 899/MD 2005) que norteará as ações

Page 156: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

da Política Nacional de Exportações de Produtos de Defesa (PNEPRODE). O elo entre o

Ministério da Defesa e o setor empresarial é feito pela Associação brasileira das indústrias de

Materiais de defesa e segurança (ABIMDE) que tem a missão de congregar, representar e

defender os interesses das empresas associadas, contribuindo na formulação de políticas

públicas para o setor de defesa (JESUS, 2013).

Operacionalização Como já mencionado anteriormente, a descoberta do Pré-Sal e os potenciais deste

trouxeram ao Brasil a necessidade de novas perspectivas para as Forças Armadas; o Pré-Sal e

a Amazônia Azul destacam a urgente necessidade da modernização da marinha,

especialmente. Desta maneira, pretende-se aqui destacar os principais projetos estratégicos

que visam a tal objetivo e a respectiva logística brasileira necessária à aplicação das novas

estratégias, explicitadas na Estratégia Nacional de Defesa e no Livro Branco de Defesa

Nacional.

Baseadas nas quatro funções da Marinha Brasileira - negar o mar ao inimigo, controlar

áreas marítimas, projetar poder sobre terra e contribuir para a dissuasão (BRASIL, 2012b), a

marinha brasileira hoje busca dispor de força moderna, equilibrada e balanceada (BRASIL,

2012b) A partir de 2006, a marinha teve de reformular sua estratégia, baseando suas

perspectivas em uma doutrina defensiva pró-ativa, guiando sua força sob a égide de

monitoramento/controle mobilidade e presença para poder responder através da mobilidade

estratégica e visando a monitorar o mar pelo espaço. Para tal objetivo, foram desenvolvidos

diversos projetos, dos quais aqui são alguns destacados.

Primeiramente, comenta-se acerca da atenção brasileira aos submarinos. O Brasil tem

hoje como objetivo aumentar sua frota de submarinos convencionais e, concomitantemente,

desenvolver e fabricar seu submarino a propulsão nuclear. Para tais metas, destaca-se o

Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), que objetiva lançar ao mar em

2016 quatro submarinos convencionais Scorpène de tecnologia francesa a ser transferida ao

Brasil; em 2022, um submarino nuclear; modernizar submarinos que a Marinha já possui,

entre outros (BRASIL, 2012). Para dar continuidade ao Programa Nuclear da Marinha,

salienta-se a empresa estatal Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (Amazul) (Decreto de

Lei 7898/2013), que ficará responsável pelo projeto nuclear, pelo desenvolvimento e

manutenção de submarinos e por demais questões industriais-tecnológicas nacionais. Destaca-

se a importância do projeto e da empresa não apenas para a independência tecnológica e de

pesquisa nacional, mas pela sua função social de buscar difundir e impulsionar a cadeia

produtiva do segmento nuclear. Ambos os projetos buscam criar maior capacidade de

dissuasão do Brasil no Atlântico Sul.

A duplicação da frota, a partir da criação de uma Segunda Esquadra e de uma Segunda

força de Fuzileiros sediada no Norte/Nordeste, corresponde a objetivos semelhantes. Esta

incluirá base naval, base aérea naval, base de fuzileiros navais e base de abastecimento

(BRASIL, 2012b). Concomitantemente, desenvolve-se nova política de reaparelhagem e

aparelhagem para a Marinha Brasileira, baseada na construção nacional como prioridade e a

busca de compras internacionais com transferência de tecnologia, evitando as tradicionais

compras de material sucateado de potências como Estados Unidos. Ainda, há a busca de

novos parceiros comerciais, estratégicos e tecnológicos, como os países da UNASUL

(BEHERA, 2013).

Outro projeto de grande relevância que foi recentemente reativado é o Programa de

Obtenção de Meios de Superfície (Prosuper), que busca financiamento e transferência de

tecnologia para a) 5 Navios-Patrulha Oceânicos de 1.800 toneladas; b) 5 Fragatas de 6 mil

toneladas; c) um Navio de Apoio Logístico. O programa ainda está com seu processo aberto,

com diversos grupos de diversos países concorrendo para o contrato (DÜRING, 2011).

Page 157: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

Outro projeto de linha de frente para a defesa do Atlântico Sul é o Sistema de

Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), que tem como objetivo monitorar e controlar

as águas jurisdicionais brasileiras e áreas estratégicas para o Brasil do Atlântico Sul. O

SisGAAz é integrado por comunicações, sensoriamento remoto, planejamento, segurança

sistêmica, logística, treinamento e simulações por meio da utilização de Radares de Abertura

Sintética (SAR), visando a não apenas detectar inimigos na superfície, mas também contribuir

para a dissuasão no Oceano. Seu complexo contará com plataformas fixas e móveis, além da

utilização de Veículos aéreos não-tripulados (VANTs). O prazo de conclusão do projeto é

2033.

Por fim, destaca-se a atual perspectiva da Marinha de obter o financiamento do Banco

Nacional de Desenvolvimento (BNDES) para a realização de concorrência única para o

fornecimento de 20 Navios-Patrulha da classe “Macaé”, para serem construídos em estaleiros

nacionais - a construção aumentará significativamente a quantidade de aquisições brasileiras

na classe (PESCE, 2013). Ainda, destaca-se a também aberta concorrência junto ao Ministério

da Defesa para o processo de construção de quatro novas corvetas da classe “Barroso”.

Frente a tais iniciativas, projetos e programas da Marinha brasileira nos últimos anos,

percebe-se que há a aplicação tanto da Estratégia Nacional de Defesa quanto das estratégias

estipuladas pelo Livro Branco de Defesa Nacional. Entretanto, o Brasil ainda sofre com sérios

gargalos estruturais – especialmente, o tecnológico – que, muitas vezes, impede o país de

obter maior independência em relação às potências globais. Para a superação de tais gargalos,

importa observar a construção de uma Base Industrial de Defesa, como comentado abaixo.

Formação Industrial

A retomada de esforços para uma reativação produtiva da Base Industrial de Defesa

(BID) é nítida nos últimos anos e vem se fortalecendo legalmente com os vários dispositivos

mencionados. Todavia existem ainda certos gargalos estruturais que dificultam uma

formalização deste complexo sistema de interação produtiva. Isso se deve principalmente ao

fato de que, na década de 1990, o Brasil tomou políticas orçamentárias que restringiram a BID

existente. Com reestruturações institucionais - como a criação do Ministério da Defesa - e

formulações legais, como as já mencionadas, o país se encaminha a um fortalecimento de sua

BID. Cabe entender como se constitui e o que sustenta a BID brasileira, assim como avaliar

os indicadores de sua atuação frente às atuais questões de segurança.

Não se pode afirmar que a capacitação produtiva bélica de um país, isto é, a atuação da

BID, se sustenta somente por suas indústrias bélico-militares. Para entender tal suposição,

utiliza-se a BID pela metáfora de um iceberg: na superfície temos os equipamentos militares

fabricados, enquanto a sua base submersa se compõe de uma grande e complexa rede de

instituições públicas e privadas. Cada instituição tem um propósito para manter o ápice do

iceberg na superfície: pesquisa, logística, ensino, produção, entre outras diversas funções.

Visto isso, pode-se entender uma BID como um aglutinador das bases científica (as

universidades), tecnológica (centros de P&D), infraestrutural (dentro da qual entram também

os órgãos de engenharia), industrial (as fábricas de serviços e equipamentos militares) e

logística (operacionalização). Dessa forma, a influência de todas essas bases constata a

importância da inserção e relação de todos os segmentos da sociedade no funcionamento da

BID (AMARANTE 2012).

Ao analisar os sustentáculos de uma base de defesa forte, percebe-se que o

relacionamento civil-militar, assim como público-privado, necessita ser estreito e harmonioso.

A inovação de um produto ou processo e a sua produção - mesmo se concentrando mais em

um setor social do que outro - passa por todos eles. Tal ideia de transbordamento é essencial,

pois o vínculo e a interação entre empresas, universidades, centros de P&D e instituições

Page 158: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

governamentais/militares fortalece a base estrutural do iceberg e gera efeitos proporcionais na

sua superfície.

Outra questão importante é perceber a gama de setores que estão englobados na BID,

quais sejam: 1) Armas e munições leves e explosivos; 2) Armas e munições pesadas;

3)Plataformas terrestres; 4)Plataformas navais ; 5)Plataformas aeroespaciais; e 6) Sistemas

eletrônicos e C4I. Há também a possibilidade de considerar um sétimo setor: o de propulsão

nuclear (ABDI 2011). A geração de Produtos de Defesa (PD), ou seja, “todo bem, serviço,

obra ou informação, inclusive armamentos, munições, meios de transporte e de comunicações,

fardamentos e materiais de uso individual e coletivo utilizados nas atividades finalísticas de

defesa, com exceção daqueles de uso administrativo” (BRASIL, 2012a), ocorrerá em um

destes setores. Cabe salientar que um PD “que, pelo conteúdo tecnológico, pela dificuldade de

obtenção ou pela imprescindibilidade, seja de interesse estratégico para a defesa nacional”

(BRASIL, 2012a) são considerados Produtos Estratégicos de Defesa (PED) . Dessa forma, no

âmbito privado, as firmas produtoras de PED (consideradas na Lei 12.598 como Empresas

Estratégicas de Defesa – EED) acabam tendo um papel importante na BID, pois garantem a

modernização dos equipamentos militares nacionais (IMAI 2011).

No âmbito governamental, é função do Ministério da Defesa ser o principal comprador

dos produtos e serviços oriundos da BID. Percebe-se que o Ministério está estruturando tal

função por meio da Secretaria de Produtos de Defesa (SEPROD), que estará voltada para a

aquisição de produtos de defesa e de tecnologia industrial, assim como também terá objetivos

de catalogação de empresas estratégicas para a defesa (MOREIRA 2012).

No âmbito institucional, cabe salientar a importância que diversas instituições têm

para a condução de uma BID moderna. As universidades são claras provedores de capital

humano e fonte de pesquisa para as mais variadas necessidades do país. Elas também acabam

sendo centros de pesquisa importantes, garantindo novas descobertas para diversos setores. Os

diferentes institutos de pesquisa no país também se destacam, pois alguns podem auxiliar

tanto na forma técnica, quanto outros na forma política na condução de uma política industrial

de defesa. O conhecimento oriundo destes tipos de instituições se constitui como estratégico

para a consolidação da BID brasileira e para um relacionamento entre os setores civis e

militares.

Quanto à capacidade da BID brasileira, pode-se afirmar que existe uma autonomia

tecnológica parcial de forma que dentre os setores mencionados. Pode-se afirmar que os

setores de Sistemas de Comando e Controle, da plataforma Naval, Militar e Aeroespacial

sejam mais dependentes da compra ou adaptação de tecnologias estrangeiras. Isso se deve

principalmente a sua estrutura produtiva incompleta e também devido à baixa escala

produtiva existente em alguns setores. Tais avaliações não são verificadas no setor de

munições de armas e munições leves, pois este tem uma balança comercial superavitária

(ABDI 2011). Poucas empresas-chave nacionais são vistas no cenário brasileiro, devido tanto

às dificuldades que a BID emprendeu no período neoliberal como também pelas complexas

questões político-econômicas de relações internacionais. Logo, a constatação aqui é de que a

empresa privada nacional não consegue se inserir plenamente na BID, pois ou ela não existe

ou sofre de dificuldades para se sustentar e produzir PEDs. Isso implica uma série de esforços

a serem feitos no futuro pelo governo: de diminuir as tributações como forma de incentivo

para participação na BID; subsídio direto e indireto em empresas e instituições com

dificuldades em inovar; criação de EED públicas como forma de preencher as lacunas

existentes.

Conclusão

Em um mundo complexo e em transformação, a preparação e manutenção do

equipamento militar das forças armadas são grandes desafios. A aquisição de produtos de

Page 159: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

defesa requer uma estrutura organizacional adequada, o conhecimento militar, a perícia

específica, programação cuidadosa e metodologia apropriada, uma vez que tem lugar em um

ambiente marcado por incertezas. A reabilitação das capacidades de defesa de um país é

essencial para que este respalde seu maior exercício de influência regional e global.

O Brasil, um país que apresenta um litoral de mais de 7.400 km de extensão, e uma

área de águas jurisdicionais marítimas que ultrapassam os 3,4 milhões de quilômetros

quadrados, e que descobriu recentemente abundantes reservas petrolíferas em seu mar

territorial, deve atentar para o desenvolvimento de sua Marinha e seu reaparelhamento.

Vemos assim, a necessidade de uma reformulação da Defesa Marítima, que passa

necessariamente pela estruturação de uma capacidade industrial-militar que dê subsídios

logísticos à operacionalização e ao contínuo desenvolvimento da Estratégia Nacional de

Defesa. Não obstante, é perceptível existência uma real intenção da nação, representada pelos

políticos e pela sociedade civil (empresários) de desenvolver uma mentalidade de defesa

decorrente da conscientização da importância da tecnologia militar para a garantia do Poder

Militar.

Este artigo, portanto, aborda importantes aspectos para a defesa nacional que são: a

recomposição da viabilidade da Marinha brasileira em garantir o comando de nossos mares e

águas interiores e o incremento da indústria de defesa nacional que sustente tal capacidade

combatente. Entre os vários desafios atuais, um deles tem um caráter estratégico, que é o

desenvolvimento de uma Base Industrial de Defesa tecnologicamente avançada e

independente. O aparato industrial de defesa tem como principal função tornar viável e pronta

a capacidade armada de brasileira, o que no caso marítimo, permitiria explorar

adequadamente a Amazônia Azul. No entanto, a ambição que o processo de recomposição de

nossa Marinha, além de seu serviço protetor, gere ganhos pode ser exagerada e aberta a vieses

arriscados. Desta forma, estudos como aqui propostos demonstram sua serventia e relevância.

Referências

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brasil-realizacoes-e-perspectivas/#axzz2aOdoWVll>. Acesso em: 26 jul 2013.

Page 161: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

1

As Regras do Direito Internacional Humanitário e o Ânimo Bélico: Menção

Considerando Alguns dos Conflitos Armados do Século XXI1

Resumo

O presente artigo traz algumas conclusões do embrionário grupo de pesquisa sobre

Direito Internacional e Segurança da Universidade Federal do Tocantins (UFT) sobre os

conflitos armados, com destaque, neste trabalho, à análise dos conflitos armados no século

XXI e um estudo comparado, considerando a aplicação do Direito Humanitário Internacional.

Parte do conceito de conflito e delineia um breve histórico acerca dos conflitos históricos do

século XXI, passando pela definição de conflito, explicitando os que ganharam destaque na

história, e refletindo sobre os seus aspectos políticos. Ao final, avalia-se a existência, na

contemporaneidade, dos conflitos internos e conclui, ponderando em que aspectos o Direito

Internacional pode se aproximar da realidade bélica e aplicar efetivamente as regras

humanitárias.

1 Introdução

A história da humanidade poderia ser recontada por meio dos conflitos que se

sucederam a partir da sedentarização dos homens - que já não mais buscavam as matérias,

mas as transformavam - e com isso os modelos políticos, econômicos, culturais e sociais se

evidenciam. Os reflexos dessas características se materializam ao discutir a participação das

sociedades em conflitos armados que remontam a idade média e se estendem à idade

moderna. Exemplo disso foi o conflito de AnLushuan, ocorrido onde hoje é a República

Popular da China entre 755 a 763 D.C. e garantiu o poder à dinastia Tang, essa que lutava

pelo poder imperial contra a dinastia Yan.2 Conflitos desse gênero se estenderiam por todo o

século XX, sendo o caso do genocídio em Ruanda, marcante pela forma brutal do conflito

travado. Com a colonização por parte da Bélgica, um grupo étnico assumiu o poder em

Ruanda, os Tutsis, esses que eram numericamente inferiores aos Hutus, porém, com apoio e

legitimação dos colonizadores, assumiram de forma heterogênea os postos de gestão e

administração após o fim do elo com a metrópole, criando instabilidade política no país – um

dos mais pobres do mundo. Isso motivou a insurgência dos Hutus, iniciando-se um dos

1SILVA, Wainesten Camargo. Acadêmico de direito da UFT; SALUSTIANO, Verônica Chaves. Acadêmica de

direito da UFT; FERRO, Lísia Daniella Lustoza. Acadêmica de direito da UFT; KANITZ, Gabriel Petry. Acadêmico de Direito da UFT; GENTIL, Fernando Santana. Acadêmico de Ciências Contábeis da UFT e Militar do Exército Brasileiro. REIS, Graziela Tavares de Souza. Professora de Direito da UFT. 2 CHINAKNOWLEDGE - A Universal Guide For China Studies. Disponível em:

<http://www.chinaknowledge.org/History/Tang/tang-event.html>. Acesso em: 25 Jun. 2013.

Page 162: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

2

maiores genocídios da história, deixando cerca de um milhão de mortos - as armas utilizadas

em sua maioria eram facões - e causou uma migração em massa do país.

Partindo do conceito esclarecedor de que conflito é "um processo que começa quando

uma parte percebe que uma outra parte afetou, ou está perto de afetar, negativamente, algo

pelo qual a primeira parte se interessa"3, é possível chegar à conclusão de que os conflitos não

são exclusividade da espécie humana, sendo também possíveis entre os animais, mas que

estão presentes de forma especial em nossa espécie em virtude da complexidade social e,

consequentemente, dos interesses humanos.

Sendo então naturais os conflitos, é preciso enxergar além do aspecto negativo que

estes carregam, eis que os conflitos são necessários para a mudança, desenvolvimento e

evolução dos indivíduos, conforme traz Heráclito, em destaque:

A oposição dos contrários é condição da transformação das coisas e,ao

mesmo tempo, princípio e lei. O Estado de estabilidade, de concordância e

de paz é apenas a confusão das coisas no abrasamento geral[...]O que é

contra rio é útil, e é daquilo que está em luta que nasce a mais bela

harmonia; tudo se faz por discórdia[...] O combate é o pai e o rei de todas as

coisas; de alguns ele fez deuses, de outros homens; de uns escravos, de

outros homens livres.4

São os grandes conflitos que mais atraem atenção e promovem curiosidade especial,

razão pela qual as guerras são objeto de estudo há milênios. A partir destes estudos surgem

grandes nomes de teóricos da guerra das mais variadas épocas, como Sun Tzu, Carl von

Clausewitz, Antoine-Henri Jomini, John Keegan e Basil Liddell Hart.Esses e uma infinidade

de outros mais, se dedicaram ao estudo das guerras, visando o próprio entendimento da

História, já que tais conflitos se relacionam uns com os outros.

Teorias foram formuladas a respeito da natureza da guerra, dentre as mais célebres a

guerra concebida enquanto uma forma de fazer política, pois “a intenção política é o fim,

enquanto a guerra é o meio, e não se pode conceber o meio independente do fim”5, ou em

outro aspecto, a guerra enquanto cultura, eis que: “A guerra abarca muito mais que a política, que

é sempre uma expressão da cultura, com freqüência um determinante de formas culturais e, em

algumas sociedades, é a própria cultura”6.

Não importando qual a teoria mais correta sobre a natureza dos grandes conflitos

humanos, fato é que o século XXI foi palco de atrocidades de proporções e violências

3Robbins, 2002,p. 372.

4 HERÁCLITO apud FERREIRA, 2012, p.34.

5CLAUSEWITZ, 1996, p. 27.

6 KEEGAN, 1995, p. 28.

Page 163: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

3

inaceitáveis culminando com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, como

resposta direta aos horrores da 2ª Guerra Mundial, pois também regula os conflitos, em

especial os armados e do uso das formas de violência em suas variadas formas e intensidades

utilizados.

Apesar do esforço da Organização das Nações Unidas em prol da paz e dos direitos

humanos, ainda se pode verificar dezenas de conflitos com variados graus de violência, e.g.,

considerando ainda a existênncia de genocídios, como no caso do Conflito de Darfure uma

guerra entre Estados em curso, travada entre o Sudão e o Sudão do Sul.

2 Histórico

Os conflitos do século XXI têm origem na Ásia e Índia, destacando-se, como causas

gerais, os interesses econômicos das grandes potências, como agravante da Guerra Fria; os

embates que ocorrem entre diferentes etnias; a localização estratégica de determinados

territórios; disputas internas de poder; os conflitos religiosos; a insatisfação da maioria da

população com sua má qualidade de vida; disputas territoriais, como marco, a criação do

Estado de Israel em 1948 que até hoje rende disputas de território, bem como as discórdias na

faixa de Gaza.

Especificamente na Ásia, pode-se destacar que o que desencadeou tantos conflitos,

além de outros motivos específicos, com ondas de massacres e intolerância, foi o

nacionalismo exacerbado, os embates étnicos, além da influência religiosa. A tão sonhada paz

no Oriente Médio é violada por bombardeios, intervenções, violando direitos humanos com

ataques a civis, pois o ser humano foi tido como alvo e portanto, descartado das proteções

jurídicas.

Cumpre destacar as principais áreas do conflito, quais sejam, Afeganistão, Israel,

Palestina, Jordânia, Líbano e Síria, Irã e Iraque e Índia e Palestina. O Afeganistão é formado

por muitas etnias que mantêm rivalidades entre si. No que tange à religiosidade, também fator

causal dos conflitos, o islamismo dividiu-se em Xiitas e Sunitas. Ocorre que a população, de

maneira geral, mostra-se resistente às invasões, criando grupos armados internos. Nessa ótica,

pode-se visualizar que o maior índice de refugiados do mundo é o de afegãos.

O grande marco dos conflitos no século XXI e que têm por pressuposto todo o

histórico já destacado foi, sem dúvida alguma, o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001

que derrubou as torres gêmeas do complexo do World Trade Center, em Nova York, matando

mais de três mil pessoas. O chefe da rede Al-Qaeda assumiu a autoria dos ataques e os EUA

invadiram o Afeganistão, diante da recusa do Talibã entregar o seu líder. Iniciou-se aí a

Page 164: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

4

chamada Operação Liberdade Duradoura, aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU,

com o intuito de aniquilar com o Talibã. Os ataques Talibãs, todavia, continuam, tendo

atravessado a fronteira com o Paquistão, onde organizam ataques mais complexos.

Quanto à Palestina, era parte da Síria, insalubre, miserável e relegada. Sua colonização

ocorreu após a primeira guerra sob o comando inglês. Existia uma população árabe e poucos

judeus, todavia, a imigração judaica era gradativa e se avolumava, modificando hábitos e

estilos de vida na região.

3 Direitos Humanos nos conflitos armados internos e externos

Muito embora seja paradoxal tratar de direitos humanos no âmbito de conflitos

armados, ao fazer um retrospecto para identificar a origem desses direitos verifica-se que essa

ocorreu, certamente, em razão dos incontáveis conflitos belicosos entre diversas nações. Isso

porque, da sucessão de conflitos armados que resultaram verdadeiras tragédias humanas

decorreu a necessidade de buscar a diminuição dos flagelos das guerras, primando pela

proteção da dignidade da pessoa humana. Diante disso, busca-se, através do estudo dos

direitos humanos nos conflitos armados, a humanização das forças combatentes a fim de

tornar os embates menos desumanos e agressivos à ordem internacional humanitária7.

Não há como dissociar os direitos humanos do princípio da dignidade da pessoa

humana, uma vez que esse é tanto o fundamento quanto a finalidade de tais direitos.8 Além

disso, a dignidade da pessoa humana é condição imprescindível para efetivação dos direitos

humanos e, atualmente, a mencionada condição ocupa posição central e predominante dos

objetivos do ordenamento internacional. Tal situação demonstra a evolução dos direitos

humanos no cenário internacional após vários séculos de evidente predomínio da soberania

estatal em detrimento do bem-estar do indivíduo.

Quando se fala em Direitos Humanos logo se associa ao mínimo necessário para

manter à dignidade da pessoa humana e, por que não dizer, à vida. A aplicação destes direitos

tem suma importância no decorrer da vida civil e em situações extremas, como quando há

necessidade de encarcerar o ser humano e também em situações de conflitos armados,

internos ou externos.

É notório que no decorrer da história houve conflitos das mais diversas maneiras entre

nações, que possuem formas de organização distintas. Observa-se ainda que quando estas

6CAVALCANTI, Eduardo Bittencourt.A relevância da Difusão do Direito Internacional dos Conflitos Armados na

evolução das Forças Armadas Brasileiras no Século XXI. Disponível em

https://www.defesa.gov.br/projetosweb/livrobranco/apresentacao_trabalhos.php. Acesso em: 08 de jun.

2013. 7. TAIAR, 2008, p.70.

Page 165: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

5

nações chegam às vias de fato, como os conflitos armados, tentam respeitar o mínimo

necessário, pelo menos internamente, para que seus combatentes sofram o impacto da forma

menos danosa. Por ser uma prática antiga, suas normas são tão antigas quanto, mesmo que

apenas consuetudinárias.

Além da organização interna dos combatentes, mesmo nos conflitos mais

rudimentares, muito antes das Convenções de Genebra e Haia, um certo grau de humanização

das práticas bélicas pôde ser observado. Não parece ilógico que uma norma advenha da

necessidade de regulamentar e organizar práticas, ainda mais aquelas que possuem forte

ligação com a manutenção e respeito ávidas no ser humano. Desde 1000 a.C. haviam

costumes relacionados ao meio e método de guerra autorizados ou proibidos durante a

hostilidade.9

Começaram então, ao longo do tempo, tentativas mais concretas para humanizar as

guerras. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha e as Convenções de Genebra foram os

marcos iniciais para o surgimento do que chamamos atualmente de Direito Internacional

Humanitário. O Comitê consistiu em uma organização de socorro aos feridos e instalações

sanitárias, independente da nacionalidade, o que culminou nas Convenções para discutir de

que maneira as ações poderiam ser feitas, e, a partir de então, não houve mais pausas na

discussão e criação de normas a cerca do Direito Internacional Humanitário.

Hoje, tem-se um conjunto de normas que visam regulamentar situações e proteger

pessoas em tempos de conflitos belicosos presentes nas Convenções de Genebra e de Haia,

que fazem parte do Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA). As primeiras

perfazem a quantia de 600 normas, distribuídas nas quatro Convenções, que dão luz ao

chamado Direito de Genebra, que têm por objetivo a proteção das vítimas, tanto militares,

como civis. Já o Direito de Haia versa sobre a conduta militar em si, durante as operações de

guerra, trazendo direitos e deveres, meios e métodos de combate que atuem da forma menos

danosa10

.

Há que se observar mais do que as normas os princípios que as norteam, pois, mesmo

os países que não são signatários dos tratados internacionais que versam sobre o DICA,

devem se tratar com o mínimo de humanidade quando há conflitos armados e vidas humanas

9Bouvier, Antoine. 2000. International Humanitarian Law and the Laws of Armed Con-flict. Distance Learning

Course Designed for the United Nations Institute for Training and Research, UNITAR POCI. 10CAVALCANTI, Eduardo Bittencourt. A relevância da Difusão do Direito Internacional dos Conflitos Armados na evolução das Forças Armadas Brasileiras no Século XXI. Disponível em

https://www.defesa.gov.br/projetosweb/livrobranco/apresentacao_trabalhos.php. Acesso em: 08 de jun.

2013.

Page 166: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

6

em questão. Dentre eles podem-se citar os princípios: da proibição de causar males

supérfluos e sofrimento desnecessário; da humanidade, necessidade militar e

proporcionalidade; independência do ius in bello em relação ao ius ad bellum. Este

consiste no direito de fazer guerra, já aquele no direito contra a guerra, o que significa que há

o direito das nações entrarem em conflito, porém tendo-se que respeitar os que não aderem e

darem o mínimo de condições aos que estão nele de permanecer com o mínimo de dignidade.

4 O que é o conflito armado?

O conflito armado é essencialmente sinônimo de guerra, cuja fundamentação

conceitual tem suas origens no duelo, onde são determinados claramente dois lados

adversários com o objetivo primordial de dominar o outro pela força. Essa dominação está

relacionada com a capacidade de um dos lados em impor as suas vontades sobre o outro,

imposição está causada pelo desarmamento do inimigo. O desarmamento pode ocorrer por

meio da liquidação total ou pela submissão da força inimiga. São inúmeras as motivações de

um duelo, todas estas com a necessidade de vantagem intrínseca, desta forma tem-se que “A

guerra é, pois, um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa

vontade” 11

.

Vale ressaltar que as características e objetivos fundamentais destes conflitos presentes

na própria natureza humana se configuram essencialmente da mesma forma até os dias atuais:

Quando se vêem povos civilizados recusar-se, quer a conduzir os

prisioneiros à morte, quer a saquear cidades e campos, é porque a

inteligência tem um lugar muito mais importante na sua forma de conduzir a

guerra, e que ela lhes ensinou a utilizar a força de um modo mais eficaz do

que através da manifestação brutal do instinto12

.

Percebe-se uma mudança na forma de combate, mudança que não influenciou a

essência de um conflito armado, ocorreu a canalização e a otimização da força de forma que o

adversário se torne submisso evitando-se que a força em vantagem sofra possíveis danos

colaterais que naturalmente poderão resultar em derrotas futuras tanto no aspecto do combate,

quanto no aspecto politico. Deve-se ponderar também a relação extremamente próxima

existente entre política e o conflito armado. Não existe um conflito armado que não seja

consequência de um contexto político anterior, conforme prescreve Carl vonClausewitz: “ a

intenção política é o fim , enquanto a guerra é o meio, e não se pode conceber o meio

independente do fim”13

.

11

CLAUSEWITZ, Carl von.Da Guerra, São Paulo, Martins Fontes, 1996. 12Ibid., 1996.p 09 13Ibid., 1996.p 27

Page 167: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

7

O contexto político gera intenções colocadas em prática por meio de uma guerra: logo,

o conflito armado é um instrumento político. Nessa lógica, é necessário compreender ainda

que os conflitos armados, além de presentes durante toda a existência da humanidade, são

fatores modificadores que proporcionam mudanças vitais no caminho seguido por cada

sociedade humana. Assim, pode se perceber a magnitude e a importância das Forças Armadas

em relação ao seu Estado de origem:

A arte da guerra é de importância vital para o Estado. É a província da vida

ou da morte; o caminho à segurança ou à ruína. Portanto, é um objeto de

investigação que não pode, sob nenhuma circunstância, ser negligenciado14

.

5 Um breve panorama sobre os conflitos internos

A maior parte dos conflitos atuais, sejam eles armados ou não, ocorre no âmbito

interno dos estados. Tal afirmação é comprovada por meio dos números do ConflictBarometer

201215

, que contabiliza 314 conflitos internos no ano de 2012, destes 199 envolvendo algum

grau de violência e 17 considerados guerras internas. A enorme superioridade numérica em

relação aos conflitos externos, contabilizados 82, apenas 9 apresentado violência, não deixa

margens de dúvida quanto a isso.A fragilidade do estado coincidindo com a existência de

fortes diferenças étnico-culturais (aí incluída a diferença e intolerância religiosa) na realidade

de um país, tem se mostrado fatores influentes na eclosão e continuidade desses tão

numerosos conflitos neste começo de século.

Tais conflitos atualmente se apresentam mais violentos e frequentes nos países

subdesenvolvidos ou em desenvolvimento e principalmente nos continentes africano e

asiático. Localizando-se 16 dentre as 17 guerras internas correntes no mundo nos dois

continentes, sendo exatamente 8 em cada um deles, segundo dados do ConflictBarometer

2012.

Uma destas guerras internas em curso na África ocorre na Nigéria, entre o grupo

fundamentalista islâmico BokoHaram e o governo nacional. O motivo da disputa, o desejo do

grupo fundamentalista da imposição da Sharia em determinadas regiões do país, nos permite

usá-lo como exemplo da influência de diferenças étnico-culturais e religiosas na existência de

conflitos internos. O que é uma realidade generalizada entre os países africanos, onde uma

pluralidade de grupos étnicos muito distintos e por vezes rivais são forçados a conviver e

disputar o poder dentro das fronteiras artificiais dos colonizadores.

14

Sun Tzu, A Arte da Guerra 15 Conflict Barometer – 2012, Hilderberg Institute for International Conflict Research

Page 168: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

8

Outro exemplo de conflito no continente africano que ajudam nessa compreensão é a

guerra civil na qual se encontra a Somália desde 1991, exemplo de como a fragilidade do

estado, que no caso somaliano é total, chegando, inclusive, a ser considerado o estado mais

frágil do mundo16

, é determinante para que se criem e prolonguem os conflitos internos.

Conclusão

O que se pode aferir com clareza é que os Direitos Humanos nos conflitos armados

internos e externos está em constante manutenção e mudança, tendo em vista que as formas

de guerrear ao longo do tempo vão se alterando, bem como as necessidades do ser humano e

ainda, a maior e crescente preocupação com os Direitos Humanos. Porém, sua natureza

diverge entre as nações, considerando que muitas permitem pena de morte, outras não,

algumas com a leviana justificativa de que Direitos Humanos têm que prevalecer, se utilizam

de práticas de guerra para inseri-los em outras nações, existindo uma linha muito tênue sobre

quais meios são proporcionais e necessários para sua garantia.

Desse modo, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a busca

pela condição digna do homem em todos os aspectos consonantes à liberdade, igualdade,

proteção física, social e jurídica é trazida nas constituições escritas após o fim da Segunda

Guerra Mundial, a fim de nortear a atuação do Estado e também dos indivíduos17

. É coerente

que após tantas tragédias humanas decorrentes de disputas políticas e econômicas tenha

surgido a consciência internacional de proteção aos direitos do homem.

Diante disso, ao longo dos anos a evolução da efetivação dos direitos humanos

consiste em disciplinar de maneira eficiente a atuação estatal e coibir as violações aos direitos

inerentes à condição humana, o que ainda requer muito estudo.

No que tange à disciplina da atuação do Estado e dos indivíduos para assegurar os

direitos humanos, no âmbito dos conflitos armados internos e externos, atua, especificamente,

o Direito Internacional dos Conflitos Armados ou Direito Internacional Humanitário. Esse

tem por objetivo regulamentar os limites das hostilidades, da utilização dos meios e métodos

de guerra e ainda promover o zelo humanitário com as vítimas dos conflitos18

.

16 The Failed States Index – 2013, Fund For Peace emconjunto com a revista Foreign Policy

17 TAIAR, Rogério. Direito Internacional dos Direitos Humanos: uma discussão sobre a relativização da soberania face à efetivação da proteção internacional dos direitos humanos. São Paulo, 2009. Tese (Doutoramento em Direitos Humanos) – Universidade de São Paulo. 18

CAVALCANTI, Eduardo Bittencourt. A relevância da Difusão do Direito Internacional dos Conflitos Armados na evolução das Forças Armadas Brasileiras no Século XXI. Disponível em

https://www.defesa.gov.br/projetosweb/livrobranco/apresentacao_trabalhos.php. Acesso em: 08 de jun.

2013.

Page 169: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

9

O fato é que por trás de todo conflito armado há pessoas ou instituições que

supervalorizam a ambição pessoal, a busca pelo poder, a riqueza e o prestígio, em detrimento

dos valores humanos.19

Diametralmente à ambição de singulares, nas palavras de Cássio

Benvenutti de Castro, a noção de direitos humanos assemelha-se “a um ‘escudo’ de proteção

contra abusivas incursões estatais”.20

A partir dessa metáfora, podem-se visualizar os direitos

humanos como um conjunto de normas que objetiva proteger os indivíduos através da

contenção da voracidade dos poderes institucionais.

Nesse sentido recomendam os princípios da humanidade, necessidade militar e

proporcionalidade, os quais são basilares das normas do Direito Internacional Humanitário.21

Tais princípios convergem para um ponto em comum: o respeito à dignidade humana nas

situações de conflitos armados internos ou externos.

Tais princípios preconizam em conjunto que a atuação Estatal, especificamente

daqueles que guerreiam em seu nome, deve pautar-se pela proteção da dignidade do

indivíduo, eximir-se de práticas que degradem a condição humana e limitar-se à utilização de

meios de que minorem os efeitos da violência armada. Nesse âmbito, a atuação dos

combatentes deve adequar-se à necessidade e proporcionalidade dos meios utilizados a fim de

que o ataque represente o menor risco possível aos civis.

Não obstante a isso, observa-se ainda a busca pela efetivação dos direitos humanos no

que tange às operações de manutenção da paz. Tal modalidade de operação é um dos

instrumentos da Organização das Nações Unidas, cuja finalidade é pacificar os conflitos

armados em curso e assegurar o fim das hostilidades internas ou entre Estados, em prol da

defesa dos direitos humanos22

.

Resta, portanto, demonstrada a evidente importância do estudo dos direitos humanos

no que concerne à atuação estatal nos conflitos armados, eis que tais direitos surgiram das

mazelas consequentes desses mesmos conflitos e objetivam a proteção dos direitos inerentes à

existência do homem ainda que em situações de instabilidade institucional.

19

Direitos Humanos: Sessenta Anos de Conquistas – Dalmo de Abreu Dallari – Revista de Direitos Humanos - SDH 20

CASTRO, 2011, p. 26 21

Concurso de Artigos sobre o Livro Branco de Defesa Nacional. CAVALCANTI, Eduardo Bittencourt. A relevância da Difusão do Direito Internacional dos Conflitos Armados na evolução das Forças Armadas Brasileiras no Século XXI. Disponível em

https://www.defesa.gov.br/projetosweb/livrobranco/apresentacao_trabalhos.php. 22

Concurso de Artigos sobre o Livro Branco de Defesa Nacional. CAVALCANTI, Eduardo Bittencourt. A relevância da Difusão do Direito Internacional dos Conflitos Armados na evolução das Forças Armadas Brasileiras no Século XXI. Disponível em

https://www.defesa.gov.br/projetosweb/livrobranco/apresentacao_trabalhos.php.

Page 170: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

10

Referências

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Con-flict. Distance Learning Course Designed for the United Nations Institute for Training

and Research,UNITAR POCI.

CASTRO, Cássio Benvenutti de. (Neo) Soberania e Tribunal Penal Internacional. Porto

Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 26

CAVALCANTI, Eduardo Bittencourt.A relevância da Difusão do Direito Internacional

dos Conflitos Armados na evolução das Forças Armadas Brasileiras no Século XXI.

Concurso de Artigos sobre o Livro Branco de Defesa Nacional. Disponível em:

<https://www.defesa.gov.br/projetosweb/livrobranco/apresentacao_trabalhos.php>. Acesso

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TAIAR, Rogério. A dignidade da pessoa humana e o direito penal: a tutela penal dos

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indivíduos na evolução da proteção internacional dos direitos humanos: quadro atual e

perspectivas na passagem do século. Brasília: FUNAG/IPRI, 2002, p. 25.

Page 171: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

1

Segurança Regional no Atlântico Sul: o Brasil e a Antártica

Resumo: O presente artigo propõe discutir a temática da segurança regional e seus

desdobramentos numa política de defesa nacional por meio da securitização regional do

Atlântico Sul e o consequente desenvolvimento do Programa Antártico Brasileiro. A

partir da teoria de “complexos regionais de segurança” de Barry Buzan e da

metodologia de estudo de caso, o artigo buscou tratar como se dá o processo de

securitização de uma região para um Estado, por meio da identificação da mesma como

uma preocupação comum e compartilhada de segurança para um complexo regional.

Essa identificação desdobra-se na elaboração de políticas específicas e na inclusão dessa

região como parte da agenda de defesa nacional do país. O Programa Antártico

Brasileiro representa o aprofundamento do conhecimento científico sobre a região, o

fortalecimento dos laços com os países vizinhos via cooperação e a garantia da presença

brasileira na região. Assim, o artigo é composto por quatro partes: apresentação do

marco teórico referente à segurança regional; o complexo regional de segurança da

América do Sul, a securitização do Atlântico Sul; e o surgimento do Programa Antártico

Brasileiro, que configura a presença da nação em um território estratégico da região.

A regionalização da segurança internacional

Segurança, em termos gerais, refere-se à garantia da sobrevivência de um ator. Ela se

torna uma questão imprescindível a partir da constatação de uma ameaça real a essa

sobrevivência. (BUZAN, 1998, p. 21). Nas Relações Internacionais, a sobrevivência do

Estado é o elemento essencial para a existência do sistema internacional, portanto a

segurança é por tradição atrelada às questões do Estado, ou seja, à vulnerabilidade que

sua soberania está sujeita interna e externamente quando sua estrutura estatal (território

e instituições) e sua estabilidade política estão ameaçadas. (AYOOB, 1995, p. 9).

Como o Estado está inserido em um sistema internacional, os atores buscam sua

segurança ao ganhar poder para si, levando a consequente perda de poder de outrem, ou

seja, à diminuição da capacidade de ameaça de um ator sobre outro. A consolidação dos

estudos sobre segurança é marcada pela ilustração histórica do período pós Segunda

Guerra Mundial, onde a segurança coletiva dos Estados em um mundo bipolar era a

principal preocupação.

Contudo, com o passar dos anos, o surgimento e a influência de novos atores passaram a

configurar o cenário internacional. Organismos internacionais, organizações não-

governamentais, sociedade civil, empresas privadas, todos esses novos personagens da

política internacional geraram novos debates nas relações internacionais, além de

gerarem novas análises sobre os grandes temas e suas atuações no sistema. O Estado-

nação permanece como o ator mais importante para a política internacional, porém ele

passa a dividir a condução das relações internacionais com outros atores e,

consequentemente, a atuar em diferentes níveis de análise.

O processo de regionalização da segurança se iniciou após o término da Guerra Fria, ou

seja, a partir do colapso da bipolaridade que deu lugar a um mundo mais complexo e

multifacetado, que apresentava novos problemas a serem pensados a partir da

consideração do protagonismo desses novos atores, atuantes para além do sistema

Page 172: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

2

internacional em geral. A influência de grupos internos e das instituições internacionais

regionais transformou a formulação das políticas de segurança nacional, na qual o

processo de tomada de decisão a respeito da política de defesa passou a levar em conta a

negociação entre os Estados tanto no seu cenário regional, quanto no internacional

como um todo.

Assim, um subsistema de relações de segurança, definido como região, é fruto da

proximidade geográfica entre os Estados, ao apresentar distinções com relação aos

demais complexos existentes. (BUZAN, 1991, p.188). Essa proximidade permite a

identificação de problemas e ameaças comuns, construindo preocupações

compartilhadas de segurança entre esses Estados; ao passo que os distinguem do

restante dos outros atores, conformando, portanto, um complexo regional de segurança.

Buzan propõe o conceito de complexo de segurança (security complex) como a

ferramenta explicativa de entendimento do conjunto de Estados que se caracterizam por

uma preocupação comum com a segurança, em que não podem considerar a defesa

nacional de forma separada devido à interdependência das relações regionais que

distingue a região das demais. (BUZAN, 1991, p.190).

Esse relacionamento regional pode ocorrer de duas maneiras padronizadas: relações

amistosas e de inimizade entre os Estados. A primeira forma pode acontecer como

cooperação profunda e busca por proteção; e a segunda se dá devido à falta de

confiança, ao medo gerado por uma ameaça identificada de um ator pelo outro. Os

sistemas locais podem apresentar uma porção de cada um dos tipos de relações de

poder, a variar conforme o ambiente global. A inclinação dos Estados às relações de

amizade e/ou inimizade configuram o resultado do equilíbrio de poder regional.

(BUZAN, 1991, p.188-9).

Dessa forma, a teoria de equilíbrio de poder regional permite a compreensão da natureza

dessas relações regionais. Porém esse equilíbrio também está em função da capacidade

de ação das grandes potências do sistema internacional, em que a estabilidade do

subsistema pode ser alterada por influências exógenas a ele. (BUZAN, 1991, p.189-90).

Contudo, a compreensão das relações regionais de segurança apenas em função da

distribuição sistêmica de poder é limitada, pois não permite considerar as relações

regionais entre cada Estado na região, levando em consideração apenas a distribuição de

poder circunstancial. Já as relações de amizade e inimizade complementam o

entendimento das relações de segurança regional, pois consideram as características e

padrões de relacionamento histórico entre os Estados próximos.

Portanto, os complexos de segurança revelam a importância da interdependência para os

estudos sobre segurança, a partir da qual se identifica uma forte relação entre os Estados

em questão. Dentre os diversos complexos regionais identificados por Buzan (1991,

p.196-97), o caso sul americano pode ser considerado exemplar. Ele foi construído a

partir de aspectos culturais comuns que confirmam a identificação de um complexo.

Essa identificação herdada de um passado colonial comum foi responsável pela

constituição de relações de inimizade inicialmente, onde disputas territoriais no cone sul

conformaram um ambiente de tensão entre os Estados vizinhos.

Contudo, a crescente institucionalização do ambiente internacional deu espaço à

construção de relações de amizade entre os Estados, que trouxeram facilidades e

Page 173: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

3

legitimaram a interdependência entre os mesmos. O crescente número de instituições

internacionais sul-americanas exemplifica a consolidação desse cenário e permite o

compartilhamento de questões de segurança comuns à região e uma agenda de defesa

nacional que obrigatoriamente leva em consideração a região e seus elementos comuns.

Nas próximas seções, será detalhado como se dão as relações de amizade no complexo

regional de segurança da América do Sul, em especial, como a Antártica, na região

estratégica do Atlântico Sul, tornou-se um elemento comum nas agendas de segurança

dos países na região. No caso do Brasil, a construção do Programa Antártico Brasileiro

a partir dos anos 80 configura a presença do país numa região estratégica ao complexo

regional de que faz parte, na qual o estimulo à pesquisa científica se apoia na

importância da região para a defesa nacional.

A América do Sul como complexo regional de segurança

A regionalização sul-americana se caracteriza por um sistema multipolar estável com

um forte núcleo formado pelo Brasil e pela Argentina, onde as relações entre os países

transitaram da rivalidade à cooperação ao longo da história. As tensões regionais no

cone sul foram herdadas da era colonial, onde a competição territorial (em especial na

região da Bacia da Prata) levou a disputas entre os principais poderes da região. No pós-

Segunda Guerra, uma corrida por poderio nuclear e hidroelétrico intensificou ainda mais

os potenciais conflitos.

Contudo, a busca por alianças que equilibrassem disputas bilaterais juntamente com a

percepção de ameaças externas na região favoreceram um ambiente de cooperação, que

foi sendo estabelecido via acordos e tratados bilaterais entre os diversos países. No caso

argentino, problemas com o Chile e com a Inglaterra devido a disputas territoriais nas

ilhas Malvinas e pelo direito soberano na Antártica levaram a busca por uma relação

pacífica com o Brasil.

Essa aproximação com o Brasil se deu após disputas com relação ao acordo bilateral de

Corpus-Itaipu (1979), feito entre o mesmo e o Paraguai. Como resolução do impasse, a

Argentina ratificou um acordo bilateral com o Paraguai, além de um acordo sobre

energia nuclear com o Brasil, o que permitiu o funcionamento da hidroelétrica sem

maiores problemas.

Em 1985 ocorreu o maior passo para institucionalização da cooperação em segurança e

economia na região. A Declaração Conjunta Sobre Política Nuclear institucionalizou o

compartilhamento de uma mesma percepção de segurança e ameaça entre os países e

tornou-se um dos principais motivadores à criação do MERCOSUL. Criado em 1991,

no mesmo ano em que foi estabelecida a Agência Brasil Argentina para Contabilidade

e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), o MERCOSUL mostrou ser um forte

conector dos países, não só bilateralmente, mas também multilateralmente, englobando

alguns outros países da América do Sul.

O MERCOSUL é caracterizado por uma produção de estabilidade regional proveniente

do êxito dos processos cooperativos dos participantes, o que vêm acarretando uma

percepção positiva do complexo regional de segurança do cone sul. Esses acordos

possibilitam uma convergência nacional dos países participantes para a construção de

relações regionais em um contexto geopolítico cooperativo. O Conselho de Defesa Sul-

Page 174: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

4

Americano, que conta com a presença dos 12 países integrantes da União Sul-

Americana de Nações (UNASUL), buscou dar uma importância maior nas decisões

tomadas pelos países sul-americanos quanto à segurança em âmbito internacional e

regional, tentando assim reduzir a influência da hegemonia dos EUA no continente,

mantendo um padrão claro e conjunto de securitização de novas ameaças.

Assim, a crescente consolidação do complexo regional de segurança do Cone Sul levou

ao compartilhamento na identificação das regiões estratégicas para a segurança dos

Estados respectivos. Nas últimas décadas, o Atlântico Sul despontou como uma região

essencial para as políticas de defesa dos países da região, dado ao seu caráter estratégico

para a manutenção da segurança nacional e regional. Portanto, a seção a seguir trata em

mais detalhes como se deu o processo de securitização do Atlântico Sul para o

complexo regional do Cone Sul.

A securitização do Atlântico Sul

Como extensão das preocupações de segurança regional do Cone Sul, os atores

regionais também projetam parte de sua atenção na tática região marítima que os cerca.

A região definida como Atlântico Sul vem sendo configurada por uma arquitetura

estratégica para a logística comercial e para extração de recursos minerais e energéticos,

e atualmente vem sendo posicionada como ponto crucial para as futuras políticas

globais de segurança.

A securitização do Atlântico Sul vem se dando pela crescente percepção de sua

importância estratégica e tática, pois sua ligação com dois grandes continentes e seu

contato direto com o Oceano Austral faz da região uma importante peça para projeção

econômica e militar futura de qualquer nação. E por voltar a expressar grande

importância para todo o comércio internacional, diversos atores globais perceberam os

riscos e oportunidades que a região pode oferecer, levando grandes potências mundiais

a intensificar sua presença nessa região estratégica, aumentando sua influência política e

comercial.

Do lado da África Ocidental, destaca-se Angola, Nigéria e Gabão (grandes extratores e

produtores de petróleo e seus derivados), além de São Tomé e Príncipe e Guiné

Equatorial (dois grandes potenciais produtores de hidrocarbonetos). Logo, de um modo

em geral, a África Ocidental tem chamado bastante atenção de potências externas,

principalmente dos EUA, China e França.

A presença desses Estados exógenos pode ser vista nas suas últimas atividades na

região. Os americanos vêm desenvolvendo projetos de treinamento militar desde a

região costeira da África a países mais interioranos como Botsuana, a fim de aumentar

sua participação na região. A China tem expandido suas atividades comerciais no local

para ganhar maior espaço de trânsito no Atlântico Sul e tem estreitado, em especial, as

relações sino-angolanas. Já a França vem fazendo acompanhamento de suas ex-colônias

por meio de assistência humanitária e acompanhamento diplomático.

Do outro lado do Atlântico Sul, encontram-se os países sul-americanos e sua

participação nas políticas da região, sendo atualmente liderados por Brasil e Argentina,

(os dois atores de maior projeção geográfica e militar na região). No caso brasileiro,

Page 175: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

5

uma economia mais estável e sua extensão territorial facilitam a atuação em diversos

pontos do oceano.

Como vem ocorrendo em todo o Atlântico Sul, as potências externas tentam o

incremento de sua participação e influência na América do Sul. A Rússia estreita suas

ligações com a Venezuela, que convenientemente apresenta-se de forma diretamente

contrária às politicas americanas. Já China e Brasil aumentaram consideravelmente suas

relações econômicas e têm diversificado cada vez mais os produtos comercializados,

desde matéria-prima (como energia e minerais), até manufaturados (como aparelhos

eletrônicos e até veículos automóveis). Além do crescimento gradual da presença norte-

americana, com a promoção de exercícios militares e a maior circulação de suas frotas

na região1.

E por fim, na região austral identifica-se também grande presença da Grã-Bretanha. O

conflito com a Argentina na Guerra das Malvinas (Falklands), em 1982, ilustra a

preocupação em se manter presente estrategicamente na região, pois o posicionamento

da ilha permite o controle marítimo e a ligação com o oceano Austral, além de garantir

acesso à região Antártica.

Contudo, as potências regionais passaram a reagir, ainda que de forma lenta, à

penetração dos atores externos no Atlântico Sul. De um lado do oceano, Brasil e

Argentina buscam reforçar seu protagonismo na região. Do outro lado, Angola e os

Estados da Comissão do Golfo da Guiné buscam controlar uma região de crescente

importância quanto à extração e produção de petróleo e seus derivados.

Porém, apesar da determinação das potências regionais em limitar a participação externa

em suas políticas no Atlântico Sul, é necessário a criação de uma arquitetura estável de

segurança e cooperação a fim de garantir os interesses desses Estados na região. A

criação dos organismos regionais tornou-se um caminho para a consolidação de uma

percepção comum de segurança, tornando os Estados ainda mais interdependentes em

suas agendas de defesa nacional. Contudo, ações individuais também são necessárias

para garantir o protagonismo estratégico de cada Estado da região no Atlântico Sul.

No caso brasileiro, é possível observar duas frentes: a ZOPACAS (Zona de Paz e

Cooperação do Atlântico Sul) e o Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR). A

ZOPACAS foi estabelecida inicialmente em 1986 por iniciativa brasileira, constituindo-

se como um foro que buscava promover a paz e a cooperação na região dos países

banhados pelo sul do oceano Atlântico. Ultimamente, a revitalização da ZOPACAS

vem sendo discutida no país, o que consolida uma orientação brasileira para a promoção

do fortalecimento das relações de cooperação entre os países do Atlântico Sul associada

a sua atuação de liderança na região.

Já o Programa Antártico Brasileiro foi estabelecido no início dos anos 80 com o intuito

de promover a participação brasileira nas atividades antárticas. Como a condição para a

entrada no Sistema do Tratado Antártico é a promoção de atividades científicas na

região, o Brasil se organizou de modo a fomentar uma pesquisa científica que garantisse

um aumento do conhecimento sobre a região, além de estabelecer sua própria

1 Exemplos da crescente presença norte-americana podem ser vistos com a reativação da IV Esquadra

Americana, quase 60 anos após a sua desativação nos anos 50, e a realização do CRUZEX V, que foi o

maior exercício militar já realizado na América do Sul.

Page 176: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

6

participação. Como a Antártica é uma região que reúne reivindicações por soberania

territorial, mas que se encontra sob um Tratado que determina a exclusividade da

atividade científica na região, há sempre a possibilidade potencial de conflitos entre

Estados reivindicantes, além de disputas comerciais pelas explorações de seus recursos,

caso o Tratado Antártico se extinga.

Portanto, a última seção trata da construção do Programa Antártico Brasileiro no intuito

de garantir a presença brasileira em uma região estratégica e delicada do Atlântico Sul,

e que já conta com a participação de outros Estados do complexo regional de segurança

da América do Sul (Chile e Argentina como reivindicantes de soberania, além de Peru,

Equador e recentemente Venezuela). Logo, a Antártica já passou a ser identificada

como uma região estratégica comum à segurança desses Estados.

O Atlântico Sul e a Antártica: desdobramentos da segurança regional

Os desdobramentos da securitização no Atlântico Sul configuraram o território

Antártico como uma região estratégica para a segurança regional do Cone Sul e, de um

modo geral, para a segurança de todo o sistema internacional. Após a Segunda Grande

Guerra Mundial, o território Antártico não sofreu a separação político-ideológica que o

restante do mundo em sua maioria sofreu. Em 1959, aqueles países reivindicantes de

soberania no continente (Chile, Argentina, Reino Unido, Austrália, França, Noruega e

Nova Zelândia) juntamente com EUA, URSS, Bélgica, Japão e África do Sul assinaram

o Tratado Antártico, que garantia a preservação do continente exclusivamente para fins

científicos, na tentativa de evitar conflitos políticos e militares na região.

Com o passar dos anos, o Tratado Antártico transformou-se no Sistema do Tratado

Antártico, onde as regras determinantes das atividades na região foram consolidadas e

aprimoradas, garantindo não só a exclusividade do caráter científico da presença

humana, mas também um maior controle de seus impactos. Em 1991, na Conferência

Antártica de Madri, observou-se que a questão da exploração da Antártica ainda se

encontrava em discussão, o que intensificava as preocupações concernentes à segurança

da região.

De um lado, havia o grupo de países liderados pela coalizão franco-australiana em

conjunto às ONGs, que reivindicavam a não exploração dos recursos antárticos em

caráter definitivo. Do outro lado, encontrava-se a posição anglo-americana juntamente

aos lobbies petrolíferos, que buscavam regulamentar a exploração em um futuro

próximo. O conflito se resolveu por uma terceira via, acordando a não-permissão da

exploração de recursos naturais na Antártica nos próximos 50 anos.

Nesse contexto, é possível observar a forte interdependência de interesses, seja de atores

estatais ou não-estatais, e a tendência de que a atuação desses novos atores leve as

discussões de segurança a abordar novos atores e níveis de análise. A Antártica envolve,

portanto, a consideração de atores estatais e não-estatais para o entendimento de sua

influência sobre as dinâmicas de segurança tanto do sistema internacional como um

todo, quanto do subsistema regional de que faz parte.

Assim, a identificação da importância da Antártica para a segurança internacional

resultou na elaboração do Tratado Antártico e a sua institucionalização por meio do

Sistema do Tratado Antártico, ganhando cada vez mais novos membros ao longo dos

Page 177: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

7

anos. No caso do complexo regional da América do Sul, a Antártica sempre foi vital

para a segurança de Chile e Argentina (seria a extensão de seus territórios). Porém ela se

tornou securitizada para a perspectiva brasileira somente quando as relações entre os

Estados do Cone Sul tornaram-se menos conflituosas e mais cooperativas. A

possibilidade de compartilhamento de preocupações de segurança comuns intensificou a

securitização do Atlântico Sul e, automaticamente, tornou a Antártica um tópico

essencial da agenda brasileira para sua defesa nacional.

A relação Brasil e Antártica se iniciou tardiamente quando comparada a presença de

outros Estados na região. Foi somente em 1956 que o Itamaraty demonstrou um

interesse inicial pelo tema, fundamentando sua preocupação na ideia de uma possível

reivindicação territorial do Brasil na Antártica por razões de segurança nacional. A

“Teoria da Defrontação” foi utilizada nessas primeiras discussões, pois o país estaria

vulnerável a ataques de algum inimigo que utilizasse a Antártica como ponte de fácil

acesso. Entretanto, somente nos anos 70 que essa Teoria passou a ser mais aceitável

devido a um trabalho proposto na Escola Superior de Guerra (ESG) – Antártica,

interesses internacionais (MENEZES).

Após a consolidação do entendimento de que a Antártica seria crucial para a

manutenção da segurança do país, a adesão ao Tratado foi apresentada pela primeira vez

ao Presidente da República e Geisel levou o assunto para consulta no Conselho de

Segurança Nacional. Contudo, a consulta resultou na alegação de que, devido à situação

na qual o país se encontrava, a discussão sobre a adesão ao Tratado Antártico deveria

ser tratada em outro momento. Assim, a adesão foi apresentada novamente à presidência

em 1975, quando finalmente foi aprovada.

O Tratado Antártico tem como função definir os interesses dos signatários (no caso o

Brasil) para com a Antártica em curto, médio e longo prazo. Contudo, o Brasil só

conseguiu elaborar uma resposta institucional às demandas do Tratado a partir da

convocação de um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), que formulou uma política

mais definida para os assuntos antárticos. Esse grupo tinha como objetivo apresentar um

documento priorizando os aspectos estratégicos, tais como: a possibilidade de

exploração de recursos naturais na região, o reconhecimento dos fenômenos físicos e

biológicos da Antártica; e a necessidade de promoção substancial de atividades

científicas para autorizar a participação do país nas Reuniões Consultivas do Tratado da

Antártica (ATCMs).

Entre 1976 e 1977, a Marinha Brasileira enviou o seu primeiro observador a águas

antárticas, pois o Itamaraty afirmava a urgência de se efetivar a presença brasileira no

território. A primeira Operação Antártica foi organizada para o verão de 1982 – 1983,

composta de duas embarcações, o Barão de Teffé, da Marinha do Brasil, e o Professor

Besnard, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. Em 1984, começou

a operar a Estação Antártica Comandante Ferraz, localizada na ilha Rei George, na Baía

do Almirantado. A estação marcou definitivamente a presença brasileira na região,

alçando o país como membro consultivo no âmbito das reuniões do Tratado Antártico,

pois sua presença tornou-se permanente na região, intensificando sua atividade

científica.

Nos anos 80, o Brasil abandonou definitivamente a Teoria da Defrontação, e as questões

territorialistas de Argentina e Chile deixaram de ser um problema claramente exposto

Page 178: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

8

nas ações do país na Antártica. Devido a grande quantidade de indústrias navais e a

liderança na tecnologia offshore no hemisfério sul, o país poderia obter um ganho

considerável na exploração da Antártica.

Até os anos 80, o Itamaraty destinava a Antártica para a competência da Divisão de

América Meridional I e para a divisão das Nações Unidas. A partir do momento em que

a Operação Antártica foi concretizada, o Itamaraty criou então, em 1985, a Divisão do

Mar, da Antártica e do Espaço (DMAE), inicialmente sob o trabalho do Departamento

de Organismos Internacionais e depois passando para o Departamento de Temas

Especiais (que se tornou mais tarde o Departamento de Meio Ambiente e Temas

Especiais).

Hoje não existe nenhum organismo que trate com exclusividade os assuntos antárticos.

As políticas para a região são descentralizadas e envolvem quatro ministérios (Defesa,

Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia e o Itamaraty). A Comissão Interministerial para

os Recursos do Mar (CIRM), órgão coordenado pela Marinha, é responsável pela

elaboração e implementação do Proantar (Programa Antártico Brasileiro), de acordo

com os objetivos e princípios da Política Nacional para assuntos Antárticos, sob-

responsabilidade da Conantar (Regulamento Consolidado da Comissão Nacional para

Assuntos Antárticos). E a Marinha do Brasil e a Força Aérea Brasileira (FAB) são

responsáveis por dar apoio logístico às Operações Antárticas.

Hoje a pesquisa antártica brasileira firma-se por sua competência na comunidade

científica doméstica e internacional, totalmente integradas às redes mundiais, tornando-

se referência em fóruns internacionais. O Brasil é considerado referência a respeito do

tema meio ambiente antártico, e a continuidade da presença do país no continente

austral depende da manutenção e ampliação do Proantar.

Dessa forma, o que se vem observando nos últimos anos é a preocupação em fortalecer

o Programa Antártico Brasileiro, garantindo o protagonismo nacional na região

estratégica do Atlântico Sul e tornando o país referência no conhecimento científico

sobre a região. As parcerias estabelecidas com o programa antártico chileno e argentino,

além dos auxílios prestados ao programa peruano refletem a estabilidade e a crescente

cooperação no complexo regional de segurança da América do Sul, onde a Antártica é

percebida de forma estratégica por todos na região.

Considerações finais

Os estudos estratégicos, desde o fim da Guerra Fria, passaram a englobar novos atores e

diferentes níveis de análise em suas pesquisas com o intuito de melhor compreender as

questões relativas à segurança e à defesa nacional em um mundo cada vez mais

complexo e interdependente. Assim, os estudos sobre complexos regionais de segurança

tornaram-se uma importante ferramenta no entendimento de questões relacionadas à

defesa nacional, pois ameaças passam a ser identificadas em comum, exigindo uma

resposta interna que esteja articulada às relações de amizade e cooperação estabelecidas

na região em que o Estado esteja inserido.

O complexo regional de segurança da América do Sul identificou a importância de se

securitizar a região estratégica do Atlântico Sul, dada à presença cada vez mais forte de

outros Estados na mesma. E a resposta brasileira a essa securitização foi o

Page 179: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

9

desenvolvimento do Programa Antártico Brasileiro, a partir do fim dos anos 70,

buscando garantir a presença nacional em um território estratégico para o Atlântico Sul

e potencialmente conflituoso para o complexo regional da América do Sul.

Assim, a presença brasileira na Antártica torna-se exemplar da perspectiva estratégica

regional adotada pelo país, pois é resultante de uma percepção comum relativa à

importância estratégica do Atlântico do Sul, o que fortalece as relações de amizade no

complexo regional de segurança da América do Sul. A política de segurança e defesa

nacional, portanto, sempre incluirá a atividade brasileira na Antártica.

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Page 180: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

1

O USO DE VANTS COMO VETOR DE INOVAÇÃO DA INDÚSTRIA DE DEFESA

BRASILEIRA

Este trabalho pretende levantar discussões acerca do uso dos VANT e sua aplicação

nos diversos setores da defesa e os impactos na alavancagem competitiva dessa indústria no

Brasil. Baseando em contribuições de autores dos campos das relações internacionais como

Joseph Nye (2012) e administração como Michael Porter (1990), este trabalho pretende

analisar os diferentes modelos e comparar impactos e capacidade de inovação na Indústria de

Defesa Brasileira, com destaque aos eixos estabelecidos na Estratégia Nacional de Defesa, no

que tange aos processos de fomento e aquisição e seu crescente uso no mercado civil.

OBJETO

Os Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT) tem ganhado nos últimos anos cada vez

mais relevância nos debates de Defesa e Segurança, alterando o conceito da guerra aérea

baseada em aeronaves robóticas. Acarretaram maior eficiência no combate, com redução dos

custos materiais e humanos, bem como alteraram doutrinas e procedimentos militares, pela

possibilidade de utilizar mísseis ar-ar e uso para acompanhamento das atividades no teatro de

operações e reconhecimento de terreno.

Nas operações militares, os VANT representam uma revolução com impactos de

ordem ainda não plenamente mensuráveis, que de acordo com Raza:

Em função de sua acelerada evolução, os VANT podem fazer hoje coisas que

seriam inimagináveis há apenas alguns anos atrás. Eles podem prover

imagens de vídeo em tempo real para um “gunship”, uma aeronave de

transporte dotada de um canhão para apoio a múltiplos e simultâneos

engajamentos táticos em terra. Podem, também, penetrar defesas inimigas

com risco inaceitável para aeronaves tripuladas para bombardeios

estratégicos, com grande precisão. Podem, ainda, ativar as defesas antiaéreas

adversárias, para que, uma vez expostas, sejam neutralizadas, abrindo um

corredor de penetração para um avanço terrestre ou ataque aéreo

(RAZA,2011. Pág. 3).

Devido a sua variada aplicabilidade nas forças singulares, seu emprego pode se dar

não apenas nos níveis tático e operacional, mas também no emprego estratégico. Segundo

Fabrício Ávila (2011) o Irã utiliza este vetor como para reconhecimento na região do Golfo

Pérsico, podendo servir também como fator de transformação da defesa, alterando

procedimento, táticas, doutrinas e reduzindo custos de ordem política e financeira.

Para as atividades de inteligência, os VANTs constituem-se em considerável

transformação. O uso desse vetor de geração de um maior fluxo de informações para uso e

verificação por meio de imagens (IMINT), sinais (SIGINT) Inteligência de Medidas e

Assinaturas (MASINT), impactam significativamente no processo decisório, trazendo novos

desafios para o direito internacional, além da necessária regulação e regulamentação por parte

de organismos de controle social de diversos países:

Nossas Ações são eficientes. Dezenas de comandantes, construtores de

bombas e operativos altamente treinados foram retirados do campo de

batalha. Atentados foram abortados. Essas operações salvaram vidas. É uma

Page 181: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

2

dura realidade que operações tenham resultado em morte de civis. Mas, como

comandante em chefe, eu devo pesar essas tragédias e as alternativas. Os

terroristas que caçamos fazem civis de alvos, e as mortes decorrentes de seus

atos superam em muito qualquer estimativa de morte de civis por

drones..1(OBAMA:2013)

Entretanto, inovações que tem impacto no poder militar pode ser tanto uma

oportunidade quanto uma ameaça. Joseph Nye (2012, Pg 61) alerta que:

A tecnologia sempre teve efeitos importantes sobre o poder militar, e as

“revoluções nos assuntos militares” não são novas. Na verdade, identificá-las

é um pouco arbitrário e várias listas de importantes mudanças tecnológicas

podem ser construídas. Max Boot identifica quatro: a revolução da pólvora

no início da Europa moderna, a Revolução Industrial do século XIX, a

segunda Revolução Industrial do início do século XX e a atual Revolução da

Informação. Ele acrescenta que “a história está repleta de exemplos de

superpotências fracassando em tirar vantagem [...] Os mongóis perderam a

revolução da Pólvora; os chineses, os turcos e indianos perderam a

Revolução Industrial; os franceses e britânicos perderam partes importantes

da Segunda Revolução Industrial; os soviéticos perderam a revolução da

informação”.2 Os custos foram claros. Menos óbvios são os custos de pôr

muita fé na tecnologia.

Por uma razão: a tecnologia é uma faca de dois gumes. Ela, no fim, se

dissemina e se torna disponível para adversários que podem ter capacidades

mais primitivas, mas também são menos vulneráveis à dependência de

tecnologias avançadas. Os teóricos militares americanos usaram como

argumento que, embora outros pudessem, por fim, comprar alguma alta

tecnologia comercialmente “produzida em série”, os Estados Unidos estariam

progredindo rumo à próxima geração e integrando tecnologias em um

sistema de sistemas. Mas esse era o primeiro lance no jogo de xadrez. (NYE,

2012)

No Brasil, como parte da Estratégia Nacional de Defesa (END), o desenvolvimento

deste vetor com múltiplas funções tem sido objeto de discussão. Pesquisar, desenvolver

tecnologias próprias são caminhos para estimular a indústria de defesa, ao estimular a

pesquisa e capacitar seus meios de produção, visando obter vantagem competitiva nesse

mercado em expansão, além de maior integração vertical em sua Base industrial de Defesa.

Iniciativas como a criação da Harpia Sistemas S.A (Joint Venture entre a Embraer

Defesa e Segurança e AEL Sistemas e Avibrás), Santos Lab e Flight Solutions, assim como

núcleos de pesquisas das Forças Armadas e de universidades, como acontece no Centro

Tecnológico de Exército (CTEX) e na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Atualmente há projetos no Instituto Militar de Engenharia e avaliação de processos de

aquisição na Marinha Brasileira, além da possibilidade de se criar um VANT com

desenvolvimento em conjunto com os países da UNASUL, como mais um fator facilitador

para o processo de integração regional.

1 Discurso do Presidente Barack Obama na Universidade de Defesa Nacional. 23/05/2013

2 Nye (2012) apud Max Boot (2006. pág 455)

Page 182: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

3

As iniciativas brasileiras em promover os elos Pesquisa (inovação) – Indústria

(mercado) – Estratégia (Doutrina e Políticas Públicas) relacionados aos VANTs constituem-se

como fator de alavancagem da Base Industrial de Defesa?

JUSTIFICATIVA

O tema dos VANT tem impactado diversos setores civis e militares, possuindo uma

ampla gama de oportunidades e desafios para as áreas de defesa e segurança no mundo,

gerando vantagem competitiva e inovação em diferentes setores da economia de um país, de

acordo com a literatura consultada.

Os VANT podem trazer diversos benefícios aos fabricantes e fornecedores, assim

como os países que detém o acesso a todas as etapas de sua produção e desenvolvimento,

concretizados, por exemplo, por uma cadeia logística integrada e possuidora de vantagem

competitiva das nações que a possuem. De acordo com Michael Porter (1990, pág. 167) “A

competividade de um país depende da capacidade a sua indústria de inovar e melhorar. As

empresas conquistam uma posição de vantagem em relação aos melhores competidores do

mundo em razão das pressões e desafios. Elas se beneficiam da existência de rivais internos

poderosos, de uma base de fornecedores nacionais agressivos de clientes locais exigentes."

Diversos sensores para obtenção de informações específicas como, por exemplo: câmeras de

alta definição, câmeras de visão noturna, radares, detentores de sinais e comunicação, rádios

etc. além de turbinas e pesquisa e desenvolvimento; por meio de integração com centros de

pesquisa e universidades, podem trazer benefícios tanto de ordem competitiva quanto de

dissuasão nos países que desenvolvem este equipamento, podendo atuar também no mercado

civil (área do agronegócio, geoprocessamento, dentre outros)

OBJETIVO

Objetivo Geral: Fomentar o debate acerca da pertinência de se incrementar o emprego de

VANTs como fator de inovação para a indústria de Defesa Brasileira.

Objetivos Específicos:

O. E. 1. - Descrever os VANTs e suas aplicabilidades.

O. E. 2. – Discutir a inovação da indústria de defesa brasileira.

O. E. 3. – Analisar os diferentes modelos de concepção dessa tecnologia.

O. E. 4. – Avaliar os impactos do uso de VANTs nos EUA e Israel.

O. E. 5. – Apresentar riscos e oportunidades do uso dos VANTs no Brasil.

Page 183: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

4

METODOLOGIA

Este trabalho tem caráter descritivo, de digressão teórica, baseado em revisão bibliográfica de

fontes especializadas, além de dados empíricos em fontes da mídia em geral.

DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do confronto entre a revisão bibliográfica implementada, os conhecimentos

adquiridos no decorrer da graduação de Defesa e eventos relacionados, além de dados

empíricos coletados em mídias impressas e eletrônicas com os objetivos propostos nesse

estudo, pode-se considerar que:

A) A inovação em defesa com fator competitivo de desenvolvimento nacional

dependerá da interseção harmoniosa e previamente consensuada pelos decisores,

incluindo aí a priorização de uma sobre a outra, no que se refere a doutrina,

organização, treinamento, material, liderança, pessoal, facilidades e políticas

públicas ( U.S ARMY, 2012)

B) A regulação e a regulamentação minimamente construídas devem preceder ao

fomento e uso dos VANTs no espaço aéreo nacional, especialmente em área

habitadas;

C) O grupo sugere a criação de um Observatório, em mídia eletrônica, para o

acompanhamento dos elos Pesquisa (inovação) – Indústria (mercado) – Estratégia

(Doutrina e Políticas Públicas) relacionados aos VANTs, bem como a publicação

de textos acadêmicos pertinentes.

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http://www.army.mil/article/37470/U_S__Army_Roadmap_for_Unmanned_Aircraft_Systems

__2010_2035/.

Page 185: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

THE DOMESTIC VARIABLES AS SOURCES OF BRAZILIAN FOREIGN AND DEFENSE

POLICIES

AS VARIÁVEIS DOMÉSTICAS COMO BASE DA POLITICA EXTERNA E DE DEFESA DO BRASIL

Prof. Oswaldo Dehon Roque Reis - Curso de Relações Internacionais - IBMEC/MG

Acad. Renato Kloss

Acad. BIanca Bellettato Reche

Acad. Jeanny Campos

Acad. Pedro Henrique Lage Leitão

Acad. Leticia Pegoraro Ferreira

Mainstream theories of International Relations (IR) are concerned to great powers

behavior and the outcomes of their interactions. Small powers or regional powers do

not receive the same attention, because they are unable to shape the international

system (Waltz, 1979, Gilpin, 1981, Van Evera, 1998, Mearsheimer, 2001).

Few works were written about small powers (Fox, 1959; Rothstein, 1968; Keohane,

1971), regional powers (Hirst and Lima, 2006; Miller, 2007, Hurrell, 2009), or even

middle powers (Holbraad, 1984; Mares, 1988). Canonic literature in IR states that the

identity of regional powers is defined exogenously, due to restrictions imposed by

international structure. Multipolar or bipolar systems are crucial to build political rules

and international orders. Regional powers behave in order to avoid lack of sovereignty,

which is depicted by balancing or bandwagoning (Waltz, 1979).

Brazil in South America has showed an uncommon political activism despite its non-

interventionist reputation and diplomatic conflict resolution fashion. What are the

causal chains that permit to understand this activism? What is the importance of

domestic variables to explain the changing orientation of Brazilian foreign policy?

Which are the strategic consequences of Brazilian rising in the region? Which are the

regional responses regarding Brazilian political growth, especially from Argentina,

Colombia and Venezuela? How can one explain the relations among the global power

Page 186: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

2

(US) and regional power (Brazil) in the western hemisphere? Which are the domestic

benefits for Brazil considering its political rise?

POST-COLD WAR AND CONSIDERATIONS ON POLARITY IN INTERNATIONAL SECURITY

Decades after the Cold War have witnessed a remarkable discussion of polarities and

its consequences for international security. The fall of the Soviet Union and Warsaw

Pact has changed the international system, setting up a situation of unipolarity

(Krauthammer 1990/91; Wohlforth and Brooks, 2008; Ikenberry, Mastanduno and

Wohlforth, 2009) or according to some authors, some form of multipolarity

characterized by prominence of United States (Waltz, 1993 and 2000, Mearsheimer,

2001; Layne, 2009).

Thus, peripheral states to the Soviet Union (such as Cuba or the states of Eastern

Europe) or the United States (such as Western Europe and Latin America) built its

foreign policy attracted by the polar powers, possessing distinct political and economic

orientation (Walt, 1987; Reis, 2004).

The political rise of states in the periphery was a risky game, because it conditioned

the alignment of one of the poles and compliance of political and military activities

that gave stability to the system.

However, little more than ten years after the start of the unipolarity, the debate

remains as a key feature of the international system. Conceptually, the unipolarity

refers to a singular condition of the distribution of material capabilities in the world. In

international politics there is a pole only when a state has a large portion of

capabilities and resources mobilized to achieve political purposes. Such resources must

exceed all key elements of state capabilities, such as size of population and territory,

resource extraction, military and economic power and responsibility for state

organization. A unipolar structure occurs when a single state meets these criteria

(Ikenberry, Mastanduno and Wohlforth, 2009).

THE CRISIS OF 2008 AND HYPOTHESIS OF COUNTER BALANCING

The economic crisis at the heart of capitalism has generated a lot of academic work on

maintaining the primacy of the United States in the international system (Zakaria,

Page 187: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

3

2008; Pape, 2009, Layne, 2009). At the heart of the arguments there are two basic

assumptions for the decline – the neoconservative revisionism of the Bush years and

the time of economic instability and loss of U.S. competitiveness, from the 2000s.

The quest to maintain U.S. power with the wars in Iraq and Afghanistan and the

denuclearization of the Korean peninsula led to a shift of significant resources to the

military sector in time of low economic growth. The unilateral behavior in foreign

policy under Bush has increased the cost of U.S. interaction with other actors,

softening the focus on international institutions and the production of public goods,

the conditions necessary to maintain primacy in the long term (Zakaria, 2008).

But even with the problems in the economy and politics the condition of United States

primacy remain intact, challenging balancing behavior of the competitors. The

asymmetry of American power, even in times of turbulence, ensures the unipolar

moment. The problem lies in how long is this moment, and what are the ramifications

for the international order, especially for emerging states like Brazil.

THE CONCEPT OF REGIONAL POWER IN UNIPOLARITY

The core of the discipline of international relations has been dominated by the debate

about power and grand strategy (Waltz, 1979; Gilpin, 1981, Mastanduno, 1997, Van

Ever, 1998; Mearsheimer, 2001; Ikenberry, 2001; Wohlforth and Brooks, 2008). The

contemporary debate on international politics reinforces these preferences to involve

such issues as the relationship between the great powers and international

institutions, or the construction and analysis of foreign policy in unipolarity (Layne,

1993; Jervis, 2003; Fukuyama, 2004, Snyder, 2004). There are, moreover, significant

contributions on the behavior of great power in unipolarity (Posen and Ross, 1997;

Mastanduno, 1997, Walt, 2005).

The approaches on middle powers emphasize in common the security institutions

(global or regional), the regimes of nonproliferation of weapons of mass destruction,

measures of mutual trust, or even cooperation under the logic regional or multilateral

(Reis, 2004). Regional powers would define the structure of regional complexes,

regional systems or regional balances of power. The polarities would be thought as

Page 188: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

4

unfolding capabilities found at the regional level, set by regional powers in their

struggle for power and influence. Thus, regional powers would be the core countries in

defining the characteristics of regional security complexes or regional hierarchies. In

the model developed by Buzan and Weaver (2003), the international order is shaped

by superpowers, great powers and regional powers. Regional powers would affect the

structure, according to their capabilities and interactions with other powers, becoming

central actors in the construction of order in the post-Cold War, due to the low

stimulation of the superpower to act in regions of the world.

THE BEHAVIOR OF REGIONAL POWERS IN UNIPOLARITY

The central issue after the delimitation of the concept of regional power is to

understand how these actors behave in the unipolar moment. Although the inter-

systemic plot, the relevance of the international structure in the regions and states,

the regional level can be understood as an autonomous level of analysis, offering

important contributions to the analysis of the global order, security and political

economy, especially in contexts post Cold War. So in cases of more complex analytical

frames in international political or security, would be useful to use sets of three levels

games, adding the regional level to the game proposed in the seminal work of Putnam

(1988).

In contemporary world, the foreign policy choices of the regional powers can take on

new alternatives, expanding the range of strategies of insertion. This paper discusses

the contributions of Schroeder (1994) and Ian (2004), aiming to understand and

explain the behavior of Brazil in South America in the post-Cold War.

The intent of Schroeder (1994) is to verify, through the historical method, some of the

most important neorealists predictions, especially the strategic behavior of states

facing the threats. By analyzing the growth of regional political powers in Europe

between 1648 and 1945, Schroeder noted types of behavior that differ from the

balancing-bandwagoning model – the absence, transcendence and expertise.

The first type would be the absence. Faced with a threat, the State would declare

neutrality or ignore it, assuming a defensive posture, based in non-military and

Page 189: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

5

diplomatic action. The absence would be a behavior with the purpose of not taking the

burden of a more action claimant or aligned with the interests of other actors.

The second option would be to transcend or, rather, aim to resolve the potential

conflict by overcoming the limits of international politics in an anarchical system. This

path involves the institutionalization of the agreements, rules and regulations involving

consensual or formal arrangements between States.

A third option is specialization, something quite common throughout the period of

Westphalia. Several states sought to provide certain roles or functions in the European

system (such as trade, religious activities, maritime security, supply of goods and

inputs) in order to create a functional difference compared to the other states, which

could lead to a reduction of threats by the need of their costumers (Schroeder, 1994,

p. 125).

THE BEHAVIOR OF BRAZIL IN THE POST-COLD WAR

For a long time, Brazil was considered a passive regional power in South America,

marked by the isolation of its Latin neighbors. With this regard the Brazilian presidents

had no diplomatic stepped officially in Peruvian or Colombian soil before 1981. Despite

the distance the Brazilian foreign policy has always been marked by aspirations for

international recognition of the big country natural role, that Brazil would represent

(Hirst and Lima, 2009).

The Brazilian activism in South America in search of regional power occurs after a

rapprochment with Argentina and strengthening of MERCOSUR. Evidence of this

activism is numerous. From the 1990s, become common the summit meetings,

meetings of top officials, diplomatic meetings and political leaders in South America.

Initially, the cooperation agenda built included the physical interconnection with other

states, especially those bordering the Pacific Ocean. The search for links between

South Cone and the Andean Region has led to projects of infrastructure, energy and

transport. Inter-regionalist negotiations based in the Andean Community and

MERCOSUR sought to call areas nearby, but with distinct political dynamics. Two

salient issues have defined the transition to a more assertive regional leadership - the

Page 190: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

6

Paraguayan coup of 1997 and the Cenepa War, between Peru and Ecuador, episodes

that had the mediation of Brazil.

DOMESTIC VARIABLES AS SOURCES OF BRAZILIAN FOREIGN AND DEFENSE POLICIES

One of the most intriguing issues related to Brazilian behavior in the post-Cold War

merge their anti-systemic activism, in terms of international economic regulation, to

the old desire for autonomy, but far from adopting a revisionist posture, facing the

global political order. The evidence can be found in trade negotiations or even in the

opinions and ideas of political and diplomatic elites about changing on the design of

global economic order. At the same time, the ambitions of transforming the political

order are modest, linked to presidential rhetoric or idealism of party elites in

government.

There are three major domestic causes to explaining that ambiguity. The first is related

to the fear that a considerable advance in defense spending could mean a political rise

of military, little more than twenty years of democratic transition. The second to the

pressures of political and intellectual elites coming from the majority coalition,

especially the Workers' Party. The third can be credited to the pragmatism of modern

sectors related to foreign trade, who fear the political growth would undermine

economic efficiency through retaliation and reduction of trade flows in relation to the

United States and Europe.

The resistance to the regional models can be credited to an alleged ideological or

political preference of the Lula government in relation to South America. Cases of

tolerance to the process of nationalization of hydrocarbons in Bolivia in 2006; the late

Ecuatorian payments to the Bank of National Economic Development of Brazil

(BNDES), in 2008, in a similar period to expulsion from the Brazilian engineering giant –

Odebrecht, removed from work of a dam; the negotiations for the rapid entry of

Venezuela as a Estado-parte to the MERCOSUR, the readjustment of 200 % of energy

purchased in Paraguay and the construction of new transmission lines of Itaipu, in

2009, and especially, the maintenance of international insertion of Brazil through

Argentina, even with the frequent obstacles imposed on Brazilian products, are

interpreted as concessions policies, in place of a desired economic pragmatism. Thus,

Page 191: X Congresso Academico Sobre Defesa Nacional

7

the incursions of the Lula government to the field of regional politics, with the creation

of UNASUR and the strongest commitment to peace operations and democratic

stability in the region are viewed with suspicion by the Brazilian business elites.

THE ELUSIVE NATURE OF BRAZILIAN POLITICAL POWER IN POST-COLD WAR

It is common to refer to the disputed Brazilian leadership in South America. After all,

candidates for regional leaders require demand-led states, which recognize the benign

sense of leadership, or which by their need for security opportunistically ally

themselves to more powerful neighbors.

Brasilia seeks to differentiate policy proposals to ideological demands, anchoring its

approach to South American regionalization through democracy protection, social

development and security in institutionalized bases, preferably by regional

organizations such as UNASUR, MERCOSUR or the Initiative for the Integration of

Infrastructure of South America (IIRSA). This proposal suggests a power ambition

based on some kind of consensus, in an environment that supposes that the costs of

political approximation should be prorated for all involved. Chávez uses a different

platform for cooperation, using the oil resources of Venezuela, even in conditions of

great social pressure and domestic policy (Flemes, 2007b).

The Brazilian difficulties in presenting as an aspiring regional leader have refined its

foreign policy. The greater complexity derives from an ambiguous regional

environment that preserves ancient instability. There are countries that maintain close

trade and political ties with the United States – the case of Colombia and Chile, there

are others who seek to distance themselves ideologically from the hemispherical great

power – Venezuela and Bolivia, and there are still countries that are seeking autonomy

to build greater political future projection – Argentina. There is a category of states

that have expectations that a Brazilian demand for leadership imply greater economic

involvement in regional development funds - Paraguay, Uruguay or Bolivia. Faced with

so many pressures the Foreign Ministry tends to evade with a curious political

architecture.

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The Brazil´s rise is not based on some kind of explicit demand for leadership, for some

model of supranational governance or even by a revisionist activism of international

order. Combines elements of a strong criticism of the deleterious effects of economic

globalization and liberalization, typical of the 90´s, with an activism in regional security

and democracy, but with a discourse of regional power outward South America.

The characterization of regional powers as regional leaders has always been involved

in a hotly contested issue in the vicinity of regions like South Asia, Sub-Saharan Africa

or West Africa, South America or even Europe. Attempts to greater activism in

countries like Nigeria, Pakistan, Argentina or South Africa have resulted in immediate

responses and actions of political balancing by the regional competitors. Aware of this

limitation, Brazilian diplomacy has opted to present itself more as a regional manager

of problems rather a political representative of South America on global issues (Hurrell,

2008).

The strategy involves the recognition of their elusive leadership in Washington,

London, Beijing or Paris, so as to ensure better conditions to negotiate regionally in an

entanglement of interests, expectations and overlapping political institutions.

CONCLUSION

The Brazilian strategy of expanding its interests in the region has an architecture that

characterized by subtly limiting the United States influence in South America and not

to engage explicitly as a regional leader. This strategy is based on the condition of the

unipolar international system, the considerations on an explicit leadership in the

region and the low U.S. activism in South America, since the end of the Cold War. The

search for a new institutional arrangement for South America by the Brazilian

diplomacy not confronted the political interest of the United States, because at the

eyes of the State Department, Brazil performs stabilization tasks on security and

defense of democratic regimes.

Unlike the understanding of Wohlfort (1999) is not the dissemination of strategies of

bandwagoning that allows the unipolar system to produce a stable environment, but

the condition of asymmetry and lack of competitors in terms of sustaining the balance

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of power. The point argued in this paper is that the generalized bandwagoning

behavior by regional powers could accredit the great power to a condition of acting

without restrictions. The Brazilian strategy in this context is not related to classical

balancing-bandwagoning model and unfolds in limitation on U.S. behavior, establishing

a regional system more secure.

This strategy has allowed the rise of Brazil as an elusive regional power in South

America, but has a political unfolding that maintains the status quo at the international

level, given the inability to political balancing in the condition of unipolarity.