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Corpo, voz, teatro e educação: Do artista aos processos de significação ‐ Um caminho ainda em processo
Resumo Considerando o fazer artístico dentro de uma perspectiva ampliada, assumiremos nesse texto algumas questões relacionadas ao trabalho corporal e vocal de atores para expandi‐lo às relações sociais e ao campo da educação. Esse texto, faz parte de um projeto de doutorado, do Programa de Pós‐Graduação em Educação, da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) que pretende identificar matrizes de trabalho utilizadas pelos atores durante as apresentações e seus momentos de preparo técnico, expandindo essas questões para as relações de comunicação de um modo geral, até chegar na relação professor‐aluno. Todas as questões aqui levantadas fazem parte das propostas teóricas e ações desenvolvidas pelo Núcleo de Artes, Linguagens e Subjetividades (NALS), da Faculdade de Educação, da UFPEL. Partimos dessas reflexões para compreender como esses momentos podem nos fornecer subsídios que fomentem a discussão de como se processam as escritas corporais e vocais em nossas relações sociais de um modo geral e, para além disso, em como os corpos e vozes são tratados nas relações entre professores e alunos. Palavras‐chave: Educação, Teatro, Pedagogia da Fronteira, Estética da Ginga
Vagner De Souza Vargas
Universidade Federal de Pelotas [email protected]
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A arte é antes uma organização do nosso comportamento visando o futuro, uma exigência que
talvez nunca venha a concretizar‐se, mas que nos leva a aspirar acima da nossa vida o que está por trás dela
(Vygostsky, 1999, p. 320).
Considerações iniciais
As sensações físicas potencializadas pelos atores em cena não ficam aprisionadas
em seus corpos, elas funcionam como uma primeira ligação com os espectadores.
Considerando o fazer artístico dentro de uma perspectiva ampliada, podemos partir da
discussão sobre uma abordagem metodológica de trabalho de atores, para chegarmos na
reflexão de como as relações durante os processos de comunicação, sejam eles quais
forem, podem desencadear a significação entre os seus interlocutores.
Existem poucos trabalhos que traçam uma relação mais aprofundadas do trabalho
do ator, partindo de suas técnicas para chegar no ponto em que podemos pensar em
como esses fatos podem ser expandidos para o campo da educação. Esse texto, faz parte
de um projeto de doutorado, do Programa de Pós‐Graduação em Educação, da
Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) que pretende identificar matrizes de trabalho
utilizadas pelos atores durante as apresentações e seus momentos de preparo técnico,
expandindo essas questões para as relações de comunicação de um modo geral, até
chegar na relação professor‐aluno.
O texto que será apresentado a seguir tem por objetivo traçar uma breve relação
entre o trabalho de atores durante seus processos criativos para comporem uma
corporeidade trazida à cena teatral como uma dramaturgia passível de leitura e
fomentadora de significação nos espectadores, verificando como as leituras de
informações corporais também podem ser aplicadas no campo da educação. Partimos
desse pressuposto para compreender que, em todas as relações de comunicação, o
corpo e a voz podem atuar como elementos coadjuvantes da mensagem que está sendo
passada. Mas, para isso, discutiremos sobre como os atores realizam tais atividades.
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As metodologias de trabalho corporais e vocais utilizadas pelos atores são
desenvolvidas tendo como base uma série de proposições técnicas que irão
instrumentalizá‐los, para que sua performance pública atenda aos objetivos de se
comunicarem com o espectador. Existem diferentes abordagens técnicas para os atores
desenvolverem os seus processos criativos (BURNIER, 2001; FERRACINI, 2001; BONFITTO,
2009). As opções sobre quais caminhos percorrer serão feitas de acordo com os objetivos
pessoais do ator, do grupo, do trabalho que estejam realizando naquele momento, de
suas pesquisas e etc... Porém, podemos observar que essas alternativas surgem como
opções metodológicas no intuito de fornecerem subsídios de ampliação do vocabulário
poético desses artistas (ALEIXO, 2008).
Nas discussões atuais, a corporeidade da voz assume um papel importante, aliada
à dramaturgia do corpo durante a prática criativa dos atores em seus treinamentos
(ALEIXO, 2008). Esses processos envolvem um período onde os atores mergulham para
além das técnicas voltadas a uma virtuose meramente físico‐vocal. Aqui, reside o
momento em que atores buscam fazer com que seus corpos e vozes se tornem o texto
que obterá uma leitura dos espectadores, diferente daquelas contidas nas palavras
textuais.
Para tanto, o ator necessita de uma formação corpóreo‐vocal que englobe não
somente os conhecimentos fisiológicos, mecânicos, dinâmicos, sobre emissão e
ressonância sonoras. Nesse caso, corpo e voz precisam ser encarados dentro de um
processo que considere as várias hibridizações, interdisciplinaridades e contextualizações
pedagógicas para que o ator possa dispor de uma base ampla que lhe permita aumentar
o seu vocabulário estético corpóreo‐vocal para além das técnicas tradicionais (ALEIXO,
2010; MELO, 2011; ALEIXO, 2011).
A experienciação de diversas possibilidades de trabalho vocal para o ator durante
as etapas do seu processo criativo nos permitem considerar a voz como mais um aspecto
da sua corporeidade. Nesse caso, aqui, consideramos o que Aleixo (2010, p.104) nos diz
ao referir a voz como “... um saber sensível do corpo, como algo que eu sei que posso
realizar”. Em sua obra “Corporeidade da Voz: Voz do Ator”, Aleixo (2007) assume não
apenas a corporeidade para a voz, mas também um saber da voz, característica essa do
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próprio corpo e da maneira como ele se relaciona com o mundo através dos sentidos,
considerando isso como uma sabedoria sensível do corpo. Ainda nessa obra, Aleixo
(2007) faz referência ao fato de que:
[...] trabalhar a voz do ator é investir no desenvolvimento de um saber concreto detido por nossa carne, pois a voz é uma manifestação corpórea e deve ser aperfeiçoada por meio de elementos que objetivem um processo de aprendizado sensível (ALEIXO, 2007, p.37).
Quando pensamos no aspecto da fala no contexto teatral, podemos analisá‐la de
uma maneira ampla, não nos limitando apenas a um acesso gramatical do texto por ela
emitido, mas considerando‐a como um dos elementos que serão capazes de fomentar a
reflexão no espectador. Aqui, necessitamos salientar que essa reflexão não se fixa em um
sentido textual, gramatical, literal que o contexto da apresentação está passando. Mas,
sim, a outras possibilidades que o espectador tem de perceber, sentir e significar as
informações corporais, sonoras e textuais que lhe são transmitidas.
Ampliando o sentido/abrangência das noções de comunicação corporal e textual,
podemos ressaltar que a voz carrega em si características que podem estar relacionadas
com uma carga afetiva. Dessa maneira, ao encararmos o afeto como um dos aspectos
que podem estar concretizados na voz, podemos considerar a emoção e a sonoridade
componentes orgânicos da voz (STEIN, 2009).
Apesar do termo corporeidade (embodiment) ser bastante empregado, não há
uma via fixa para a sua conceituação (SCORSOLINI‐COMIN; AMORIM, 2008). Nesse
sentido, Polak (1997), refere que a corporeidade deva ser compreendida como:
Mais que a materialidade do corpo, que o somatório de suas partes, é o contido em todas as dimensões humanas; não é algo objetivo, pronto e acabado, mas processo contínuo de redefinições; é o resgate do corpo; é o deixar fluir, falar, viver, escutar, permitir ao corpo ser o ator principal, é vê‐lo em sua dimensão realmente humana. Corporeidade é o existir, é a minha, a sua, é a nossa história (POLAK, 1997, p.37).
Quando falamos de corporeidade, não podemos nos limitar apenas à acepção
relacionada à musculatura, devemos incluir aqui a voz, encarando‐a como resultado de
um processo que engloba uma composição, uma escrita vocal fruto de uma relação
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orgânica e sensorial. Quando referimos uma dramaturgia da corporeidade vocal para o
ator, estamos assumindo a voz não apenas como um ente corporal, mas também, como
resultante de uma relação que envolve a maneira como nos relacionamos com o nosso
próprio corpo, nossas matrizes emotivas e repertório vocal não desvinculado desse
processo.
Assim, em face dessa maneira pela qual nos relacionamos com o nosso corpo e com o
mundo, podemos agregar esses conceitos no intuito de transpô‐los para o território do
corpo e da voz em cena. Destarte, conforme Cubas (2011, p.380) refere, o corpo deve ser
encarado como “o espaço onde o sujeito reconheça sua atividade sensorial, perceptiva e
simbólica em cada ato vital”.
Nesse sentido, não podemos conceber que um artista contemporâneo tenha uma
visão fragmentada do seu fazer artístico que não abarque a exploração das suas
potencialidades corpóreas e vocais apenas de maneira individualizada, uma vez que o
foco de trabalho do ator, está imbricado nos aspectos relativos ao seu sistema sensório e
nos significantes das instâncias produtivas do texto cênico. Sobre esse aspecto, Aleixo
(2002), refere que:
A preparação vocal do ator deve adotar procedimentos metodológicos específicos, e fornecer referências para o estabelecimento de correspondências entre o aprimoramento dos aparatos físico e vocal e a aquisição de uma propriedade para a aplicação técnica da voz na composição, objetivando a conscientização e potencialização de seus recursos de expressão. Trata‐se de uma trajetória a ser percorrida, respeitando as características psico‐físicas do indivíduo, para uma compreensão corporal do processo de produção da voz e das suas possibilidades de empenho no desenvolvimento da vocalidade poética (ALEIXO, 2002).
A discussão sobre a compreensão de que os atores devam buscar mecanismos que
os instrumentalizem para potencializarem seus processos criativos no intuito de
dinamizarem seus corpos e vozes na direção de construção de uma dramaturgia da
corporeidade, serve como base para observarmos o fazer artístico envolvendo duas fases
que irão gerar significação: a criação e a comunicação. Enquanto a primeira envolve os
processos criativos relacionados à dramaturgia da corporeidade físico‐vocal dos atores, a
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segunda está relacionada à recepção teatral e à maneira pela qual artistas e espectadores
podem estabelecer o seu elo de ligação.
Mas, para chegarmos nesse ponto, precisamos refletir sobre quais mecanismos os
atores estão utilizando durante os seus processos de formação para obterem tais
resultados, quando do evento teatral, pra presença dos espectadores. Devemos
considerar aqui as pedagogias utilizadas atualmente para a formação desses artistas, suas
opções metodológicas e, contendo nelas, as escolhas que imprimirão uma identidade
futura ao trabalho desses artistas. Todas essas questões serão preponderantes no
momento em que, na relação entre ator e espectador, se desenvolver o processo de
comunicação que resultará em significação das informações ali transmitidas.
Contudo, para que o ator possa assumir para si esse papel de compositor, ele
precisará considerar o seu trabalho pensando o fazer em face da complexidade dos
fenômenos teatrais contemporâneos, onde a sensorialidade assume o seu papel como
fonte de cognição (BONFITTO, 2009). O fato do trabalho do ator, dentre outras
abordagens, estar relacionado com a criação de identidades fictícias, por meio de
personagens e na dinamização de informações corpóreas, constituídas em um sistema de
gramática corporal, nos leva à reflexão sobre as diferentes formações artísticas e de
repertório estético que muitos atores desenvolvem ao longo de sua carreira artística. No
entanto, se percebe que, embora existam diferenças, a possibilidade de identificação com
a plateia se mantém independentemente da origem do ator (BANU, 2011).
Analisando por esse ângulo, se observa que o processo de formação desse artista
pode ser considerado como sendo um sistema no qual se forja sua identidade artística, se
caracterizando como texto, discurso, documento de identidade, trajetória, percurso,
autobiografia e etc..., o que poderá vir a estar intimamente relacionado com as suas
escolhas metodológicas de treinamento futuras (SILVA, 2000). Nesse sentido, por que
não pensar nessa formação artística como um espaço para o desenvolvimento de um
documento de identidade corpórea e vocal para o ator?
Desse modo, acolher uma experiência estético‐educativa para a construção de
uma dramaturgia corporal passível de leitura pelo espectador pode favorecer uma
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reflexão sobre o próprio ato de conhecer como um processo contínuo e inconcluso.
Nesse processo, o corpo surgiria como uma construção evolutiva, emergindo de uma
ação e não algo que já nasceria pronto (BASTOS, 2010). Pensar em um aprendizado, nessa
perspectiva, se faz necessário incorporar aos saberes educativos um tipo de
conhecimento mais integrativo que dialoga com a ciência, com a arte e com o mito,
acolhendo dessa maneira, o belo, o criativo e o inusitado (NOBREGA, 2005). Tratando‐se,
assim, o processo cognitivo como uma forma de comunicação (BASTOS, 2010).
Como o espectador realiza a percepção desse mundo a partir de um olhar
diferenciado, sensibilizado pela experiência do contato durante o evento teatral,
podemos relacionar com a reflexão proposta por Ferracini (2010) nos colocando o devir
como uma Zona de Experiência, onde a “ação corpórea é gerada pela capacidade de ser
afetado”. Nesse momento, podemos traçar um paralelo com o que Lacan (1998) propõe
no Estádio do Espelho, quando o Eu nos é colocado como uma instância de
desconhecimento, situado no registro do imaginário, sendo esse registro simbólico,
constituído como linguagem. Assim, devido ao fato do ator criar novas identidades, essa
nova persona criada pelo ator possui uma dramaturgia corporal própria, possível de ser
percebida pelo espectador.
No entanto, nos questionamos sobre a forma que o espectador consegue efetuar
a leitura simbólica desses aspectos que são dinamizados numa simbiose intrínseca entre
imaginário e físico do ator. Essa abordagem seria evidenciada pelo fato do espectador se
colocar na perspectiva de análise do seu “objeto de desejo” naquele momento, no caso,
o ator. Durante esse momento de comunhão, podemos pensar o acontecimento teatral
como um momento de prazer mútuo entre o arrebatamento desse artista e o prazer do
espectador, possibilitando que esse último se permita colocar no lugar do outro,
permitindo a “leitura” das informações geradas pela “escrita” corpóreo‐vocal do ator.
Entretanto, aqui, precisamos refletir sobre o prisma da dramaturgia, conforme
Banana (2010, p.175) refere ao citá‐la como “um processo de organização e não de
controle, pois se trata de um contínuo temporal”. Além disso, precisamos perceber a
dramaturgia como um modo de se relacionar com determinados contextos, limites e
campos de possibilidade (VELLOSO, 2010). Referimos isso, pois há momentos em que a
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técnica da interpretação do ator invade terrenos outros e não há como fugir dela
(AZEVEDO, 2009).
Dessa forma, principia a ideia de um “discurso do corpo”, assim, se pretende que
ele se liberte ou se exprima. Como se o objetivo fosse, nesse momento, descobrir uma
“linguagem do corpo”, à qual se subordinaria qualquer terapia ou outra forma de
linguagem artística. Essa situação permite que o homem distribua signos, segundo os
cortes e/ou poros que opera no real, classifica, reagrupa, define, podendo, assim,
identificar as situações, informações, estabelecendo relações entre os significantes e os
significados (GIL, 1997).
Devido ao fato do corpo constituir o suporte das permutações e correspondências
simbólicas entre os diferentes códigos dinamizados pelo ator e, se simbolizar quer dizer
antes de tudo, ordenar os signos dispersos, reagrupando‐os em códigos. Nesse caso,
corpóreos. A tarefa do ator, aqui, se constitui em formar – com a ajuda do seu corpo‐
gramática – uma série de frases lacunares que permitiriam ao espectador, agir como
elemento co‐atuante desse processo, preenchendo espaço e suscitando novas lacunas
(GIL, 1997). Entretanto, apesar da linguagem constituída, nesse caso, fixar certos limites,
ela também é capaz de ultrapassá‐los. Essa perspectiva nos leva a refletir sobre o que
Cabral (2011) propõe quando nos fala que “... é o prazer de cruzar fronteiras em termos
de conhecimento e de acessar informações que provocam a imersão no contexto
ficcional”.
Nesse sentido, Aleixo (2008, p. 58) refere que “antes de constituir um nível de
organização poética, a escrita do corpo é, com efeito, uma busca sensível de significação
e expressividade”. Em face disso, o espectador surge como elemento
participante/receptor das informações desse processo. Conforme explicitado
anteriormente, a linguagem do corpo e da sonoridade em si, por conterem aspectos
relativos à sensorialidade, transmitem informações que fogem à lógica gramático‐textual.
Porém, não inviabilizam, nem invalidam a significação das informações que ali estão
sendo comunicadas. Apenas a maneira de significá‐las envolve uma abordagem outra que
não a literária.
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A observação de como os processos de significação podem ser gerados a partir de
uma perspectiva que assuma o evento teatral como um espaço educativo, nos permite
expandir a visão delimitada por processos que enclausuram o fomento à significação
dentro de espaços tradicionalmente normatizados como funcionais para tais
procedimentos. A reflexão a partir da análise das composições criativas corpóreo‐vocais
dos atores como processos catalisadores de significação durante o evento teatral nos
permite compreender a poética como espaço para o aprendizado em si, suscitando um
aprendizado/raciocínio/reflexão/sentimento que envolva outros aspectos que não os
tradicionalmente presos à razão lógico‐biológico‐matemática do saber.
Apesar desse texto enfocar aspectos técnicos do trabalho dos atores que se
proponham a buscar esse tipo de perspectiva técnica, o projeto de tese de
doutoramento, no Programa de Pós‐Graduação em Educação, do qual ele se origina, faz
parte das atividades do Núcleo de Artes, Linguagens e Subjetividades (NALS), da
Faculdade de Educação (FAE), da UFPEL. O NALS busca desenvolver suas atividades de
acordo com os conceitos de “Pedagogia da Fronteira” (Giroux, 1992), ou ainda aquilo que
McLaren (1999) denominou como sendo uma “Identidade de Fronteira” (BUSSOLETTI;
VARGAS, 2013). Além disso, também adotamos princípios da “Estética da Ginga”,
conceito oriundo das reflexões de Paola Jacques (2003) sobre a obra de Helio Oiticia
(BUSSOLETTI; VARGAS, 2013).
As atividades e as propostas de discussões teóricas do NALS têm, entre um dos
seus objetivos, criar laços e propor teias de discussões que não se fixem em concepções
previamente estabelecidas com o objetivo de percebermos e propormos ações e
reflexões que não se prendam as normatizações tradicionais. Além disso, o NALS se
propõe a desterritolializar comportamentos e normatizações, transgredindo fronteiras
impostas, expondo‐as justamente como material de discussão, reflexão e debate entre
todos os elementos, agentes que as constituem, para, assim, dentro de suas
singularidades, extrapolar sua auto percepção e propor outras alternativas de alteridade
onde o respeito emerge como resultado de um processo educativo. Para que essa
proposta pudesse ser atingida, a arte e todas as suas hibridizações possíveis atuaram
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como catalisadores mestres desse processo, onde as reações resultaram em
conhecimento (BUSSOLETTI; VARGAS, 2013).
Considerações Finais
Em face disso, quando refletimos sobre a análise de um processo de dramaturgia
que envolve metodologias de criação corpóreo‐vocais dos atores, não estamos nos
propondo apenas a avaliar peculiaridades técnicas dos processos de preparo desses
artistas para o evento teatral. Mas, partimos dessas reflexões para compreender como
esses momentos podem nos fornecer subsídios que fomentem a discussão de como se
processam as escritas corporais e vocais em nossas relações sociais de um modo geral e,
para além disso, em como os corpos e vozes são tratados nas relações entre professores
e alunos.
Essas reflexões ainda estão em seu processo inicial tendo em vista que fazem
parte de um projeto de tese de doutoramento que está sendo desenvolvido. Mas, não
apenas as especificidades das questões desse projeto de tese, assim como também as
outras atividades desenvolvidas pelo NALS se propõem a trazer as artes em todas as suas
estéticas e hibridizações como palco para o fomento de reflexões sobre questões sociais
e educativas, trazendo os diferentes sujeitos, referenciais, conceitos e ações para um
mesmo ponto de encontro, onde os debates e interlocuções se tornam possíveis.
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