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Linguagem verbal e interação com crianças de zero a três anos: as pesquisas da região sul
Resumo O tema da linguagem verbal e da interação com crianças de zero a três anos é pautado por diversas áreas do conhecimento que lançam olhares para o desenvolvimento dos sujeitos, da língua e dos aspectos sociais e culturais acerca disso. Consideramos que, mesmo com a contribuição das pesquisas para o avanço científico, tal discussão tem se mostrado ainda tímida no universo acadêmico, frente às demandas que emergem na educação das crianças pequenas e à necessidade de formação pedagógica por parte de todos que educam. Esse trabalho objetiva apresentar dados de uma investigação que estuda pesquisas com esse tema, com suas problemáticas e potencialidades, a fim de levantar questões para a área da Educação. Assim, foi realizada a análise de resumos de teses e dissertações em Programas de Pós‐Graduação das Universidades da Região Sul do Brasil, nas áreas de Educação, Letras/Linguística e Psicologia. Com na leitura, entendemos a interlocução entre as áreas reafirma a importância de estudos sobre a linguagem verbal e as interações entre os sujeitos, especialmente adultos e crianças. Reiteramos, assim, um compromisso, como área de Educação, em adensar mais discussões para a construção de referenciais pedagógicos consistentes, que permitam contribuir com o processo pedagógico das crianças. Palavras‐chave: linguagem verbal, interação, crianças de zero a três anos, pesquisa.
Adriana Bragagnolo
Universidade de Passo Fundo [email protected]
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1. Introdução As pesquisas sobre linguagem e interação verbal com crianças de zero a três anos,
nas últimas décadas, tem conduzido discussões em diferentes áreas do conhecimento. Na
trajetória da pesquisa brasileira, as transformações políticas, sociais, culturais, e
consequentemente, científicas, têm gerado outras formas de conceber a infância, a
aprendizagem e a linguagem verbal, diferentes daquelas que acreditávamos durante
décadas. Tais concepções estão configuradas em um novo momento, apresentado por
uma sociedade mais complexa e exigente, também em termos de educação. À vista
disso, esse trabalho objetiva apresentar um mapeamento da pesquisa produzida sobre a
linguagem verbal e interação na faixa etária de zero a três anos, em três áreas do
conhecimento, oriundas de diferentes programas de pós‐graduação, mais
especificamente no cenário acadêmico das Universidades da Região Sul do Brasil. Isso se
justifica pela necessidade de lançar um olhar atento ao conhecimento que se tem
produzido e às demandas que permanecem. Além da Educação, incluímos nessa
investigação, as áreas de Letras/Linguística e Psicologia, pois problematizam esse tema e
realizam uma certa interlocução com o campo pedagógico. Ademais, se considerássemos
apenas os trabalhos de Educação, o número seria bastante restrito.
Partindo da área da Educação, interessa‐nos compreender o movimento que
ocorre entre as demandas exigidas, impulsionadas pelas mudanças que ocorrem no
contexto político‐educacional, e as produções científicas. A exemplo disso, destacamos o
significativo aumento de ingresso das crianças nas escolas de educação infantil, na última
década, especialmente na faixa‐etária de zero a três anos e as consequências
pedagógicas, geradas por isso. Esse tipo de mudança lança novas perguntas e reforça a
urgência de discussões no âmbito da educação da infância, dentre elas, a necessidade de
outras formas de ensinar e de aprender, como no caso da linguagem.
Acreditamos na linguagem como uma prática social e cultural e, na criança como
um sujeito que interage com esse objeto de conhecimento, e, com o outro, no processo
de aquisição. Entendemos que a educação de crianças pequenas requer muitos
conhecimentos da parte de quem as educa e uma considerável organização pedagógica
que contemple as especificidades desse nível de ensino. Para isso, as pesquisas e seus
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resultados tornam‐se referência para quem atua no campo pedagógico, mais
especificamente, na escola. Logo, indicamos a necessidade de saber o que está sendo
pesquisado, atualmente, com quais referenciais teóricos e metodológicos os
pesquisadores têm dialogado e que respostas, a partir de suas perguntas, as
investigações têm gerado, acerca do tema referido.
Para esse estudo, visando compor o estado do conhecimento1 foi realizada uma
busca2, de resumos de teses e dissertações, no Banco de Teses da Capes, para selecionar
pesquisas que contemplem o tema da linguagem verbal e interação com as crianças de
zero a três anos no período de 2000 a 2012. Muitos trabalhos tomam a educação infantil,
seus sujeitos e suas problemáticas como temas de investigação, e, da mesma forma, a
aquisição da linguagem e as interações se evidenciam num conjunto significativo de
pesquisas. No entanto, especificamente com essa faixa‐etária de zero a três anos,
encontramos um número de apenas três (3) teses e oito (8) dissertações, as quais tratam
de especificidades na aquisição da linguagem, da comunicação, dos processos interativos
entre adultos e bebês e entre os próprios bebês.
De posse dessas questões, apresentamos o artigo que, inicialmente, focaliza uma
problematização sobre a linguagem verbal com crianças pequenas e justifica a
importância do fortalecimento das pesquisas nessa área. Em seguida realiza a exposição
de alguns conceitos que nos permitem fazer a leitura do mapeamento com referenciais
que adensam a discussão, tais como: pesquisa com crianças, linguagem como prática
social e cultural e interação verbal. Como terceiro ponto, destaca os dados da pesquisa e,
por fim, levanta questões para a área da educação.
2. Os estudos sobre interação, linguagem verbal e crianças de zero a três anos: a quem interessa o debate?
Como já anunciado, esse estudo chama ao diálogo com a Educação, as áreas de
Letras/Linguística e Psicologia por realizarem uma interlocução com o campo pedagógico,
1 Concebemos o “estado do conhecimento” como uma modalidade de investigação que abrange um campo
específico, como no caso das teses e dissertações, o qual expõe o conhecimento produzido. 2 Os dados do mapeamento apresentado no âmbito da Região Sul, fazem parte de um estudo mais
abrangente que contempla essa investigação no cenário brasileiro, realizado pela autora do texto.
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ao trazer a natureza desse objeto, com suas especificidades e, ao mesmo tempo, por
anunciar, mesmo que timidamente nos próprios estudos, elementos sobre a educação de
crianças, mais precisamente sobre os bebês. Isso ocorre pela proximidade que a
Psicologia, por exemplo, nos traz sobre o desenvolvimento infantil, aprendizagem,
interações entre pares e, no caso das crianças, também a interação com os adultos. Já, a
área de Letras/Linguística, apresenta estudos que contemplam a gênese da linguagem, o
processo de aquisição, a criança como sujeito da língua, e as relações com o sistema de
representações de sua cultura. A área da Educação, que agrega a contribuição das outras
duas áreas citadas, como representante dessa discussão, evidencia estudos que
contemplam, no ambiente escolar, a interação das crianças com a linguagem e a relação
entre os sujeitos no processo de aprendizagem. Desse último lugar, questionamos: Em se
tratando, da Educação, a área que movimenta os processos pedagógicos, não seriam
necessárias mais pesquisas dessa natureza? Mesmo com o avanço de discussões dos
meios acadêmicos nas duas últimas décadas3, o que a comunidade científica apresenta
para fortalecer esse debate? Que outros temas aproximam essa discussão da educação
de crianças? Com quais referências teóricas e metodológicas está trabalhando?
Iniciemos a problematização pela educação de crianças. Educadores e
pesquisadores se deparam com um campo de estudos já consolidado, mas que ainda está
construindo espaços de interlocução e diretrizes que permitam maior convergência nos
debates e mais consistência no ensino com as crianças. O contexto sócio econômico, que
tem impulsionado mudanças nos hábitos diários dos indivíduos é o primeiro elemento a
nos dar referências. Além das pressões políticas e educacionais para que mais crianças
estejam na escola, também mães e pais interagem num cotidiano mais complexo, intenso
e exigente de mais espaços de educação para seus filhos. De acordo com o Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisa Anísio Teixeira (INEP), dados4 do senso escolar de 2010,
mostram que o número de crianças que frequentam creches, aumentou
substancialmente nos últimos anos. Tais instituições atendiam, em 2000, 916.864 crianças
3 Consideramos que as duas últimas décadas trouxeram maior avanço nas discussões que envolvem a
educação de crianças, dentre outras razões, pela consolidação de políticas públicas, especialmente pela Constituição, de 1988 e pela LDBEN, de 2006.
4 Dados obtidos no Portal Brasil ‐ site: http://www.brasil.gov.br/sobre/educacao/sistema‐educacional/educacao‐infantil. Acesso em 06/06/2012.
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até três anos de idade, no ano de 2011, o número chegou a 2.298.707, o que significa um
aumento de 150%. Esse número, bastante significativo, nos faz pensar na qualidade da
educação das crianças pequenas. Se há um número maior delas, certamente mais escolas
e mais propostas coerentes com essa faixa etária são necessárias. Se mais professores
são convocados a assumir a docência, é preciso muito conhecimento por parte desses,
que vivem numa sociedade que há pouco tempo concebia a creche, como um lugar de
cuidado e recreação, numa concepção de que as crianças menores não necessitavam de
intervenção pedagógica. Essa concepção, apesar de ainda estar presente em alguns
contextos escolares, já é superada em outros tantos, por acreditarmos que, desde os seis
meses de idade, período em que muitos bebês ingressam na escola, ocorre intenso
desenvolvimento em diversas áreas do conhecimento, e eles, pequenos sujeitos, estão
surpreendentemente disponíveis à aprendizagem. Portanto há necessidade de olhá‐los
como atores sociais5, para que assim, possamos compreender o melhor modo de intervir
no processo pedagógico.
Os estudos sobre interação entre os sujeitos ou com a linguagem são
contemplados em Educação, mas têm evidência maior em outras áreas, especialmente na
Psicologia e na Letras/Linguística. Compreendemos que ao aprender a falar, a comunicar
seus desejos, impressões, a dizer o que sabe, a descobrir o que fazer com as palavras no
enfrentamento com o outro, o adulto ou seus colegas de sua turma, as crianças de zero a
três anos constroem ferramentas que potencializam seu desenvolvimento em várias
dimensões. Mas que especificidades atravessam esse cotidiano pedagógico infantil?
Ainda temos muitas indagações. As crianças que nascem nessa era digital, estão muito
atentas ao universo que as cerca, no entanto, presenciamos situações, por exemplo, em
que seus enunciados são ignorados. Algumas precisam das intervenções da professora,
outras, precisam de espaços de fala e de serem ouvidas, são carentes de uma relação
dialógica (BAKHTIN,1997) e de momentos ricos de interação verbal.
Com base nessa problemática, entendemos que as pesquisas que envolvem as
crianças de zero a três anos e sua linguagem, num processo de interação, contribuem de
5 Conforme a Sociologia da Infância, o termo atores sociais, refere‐se a uma concepção de criança que tem
voz e vez, sendo participante dos processos a que estão inseridas.
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forma significativa ao fazer pedagógico, que transita entre a escola e a academia, a qual
lança novos rumos ao debate, periodicamente. O que nos preocupa é que, como
comunidade científica, tenhamos poucas discussões com esse objeto de conhecimento,
nesse momento de importante crescimento na história da educação infantil. Com maior
número de crianças nas escolas e com a compreensão de que essas têm direito de
aprender, há maior número de sujeitos adultos, educadores, envolvidos em sua
formação, o que exige mais produção científica. Reconhecemos que esse debate
interessa tanto à área de pesquisas da educação, quanto aos educadores que estão
próximos às crianças. Os estudos mostram que quanto mais experiências de interação
com a linguagem, as crianças possuírem, mais se envolve no contingente social e cultural,
compreendendo o mundo que as rodeia, como seguem as próximas reflexões.
3. A linguagem verbal desenhada pelas interações Acreditamos que as crianças são protagonistas de seu processo de aprendizagem
e que são capazes de produzir linguagem de forma interativa, através de referências
adultas, de variadas práticas sociais e das oportunidades que a cultura lhes oferece.
Assumir essa perspectiva implica na construção de um conceito de infância que rompe
com as diretrizes que nos faziam pensar que havia uma idade certa para começar a
aprender e, que negavam os processos de interação. Portanto, o conceito pesquisa com
crianças, tem evidenciado em seu cerne essa concepção, o que justifica uma breve
exposição sobre ele, além de que, nosso trabalho contempla esse horizonte.
Segundo Filho, o interesse por pesquisar com crianças tem crescido
substancialmente e pesquisadores buscam uma compreensão mais abrangente a respeito
dessa faixa etária (2011, p. 82), é preciso conhecer os processos de aprendizagem e de
desenvolvimento infantil de uma forma mais próxima às próprias crianças. Nessa direção,
a sociologia e a antropologia entram em cena como áreas que impulsionam outra
perspectiva de olhar ao universo infantil, diferente daquela assumida há décadas. Assim,
possibilita‐se, ampliar uma mirada sobre a sociedade atual, e, indicar a etnografia e seus
aportes metodológicos na pesquisa empírica quando envolve crianças. Delalande nos fala
de uma investigação “compartilhada”, com dispositivos que incluem as crianças como
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colaboradores (2011, p. 77). Essa concepção tem fundamentado essencialmente as
pesquisas na área da Educação, inclusive, as que esse trabalho expõe.
Se considerarmos esse viés da pesquisa com crianças, podemos afirmar que, desde
bebês, são capazes, tanto de compartilhar com o adulto e com as outras crianças, os
significados de suas elaborações, como de buscar outros recursos comunicativos que lhes
permitam saber mais. Muito cedo a linguagem verbal está presente no cotidiano infantil,
permeada de sentidos e mediada pela experiência. A cultura, cada vez mais rica, na atual
sociedade, torna‐se também, mais exigente, e por esse desafio, com diversos‐novos
elementos nos modos de vida de seu entorno, as crianças precisam de novas habilidades
(verbais) para lidar com situações plurais. Segundo Bruner:
A aquisição da linguagem parece ser um subproduto (e um veículo) da transmissão da cultura. Inicialmente as crianças aprendem a usar a linguagem e seus precursores linguísticos para conseguirem o que querem, para poder jogar, para manter‐se conectados com aqueles dos quais dependem. Atuando assim, encontram os limites que prevalecem à cultura que os rodeia incorporados nas restrições dos pais e suas convenções. O mecanismo que maneja essa estrutura não é a aquisição da linguagem em si, mas a necessidade de manejar bem as exigências da cultura. As crianças não começam a usar a cultura porque tem uma capacidade de uso da linguagem, mas porque tem a necessidade de conseguir a realização de coisas que o seu uso lhes confere (1983, p. 102).6
A partir do uso da linguagem em variadas situações de seu contexto, as
crianças vivenciam e aprendem diferentes formas de comunicação, e toda a comunicação
exige um sujeito interlocutor. Comunica‐se algo para alguém. É de posse dessa relação
que as crianças ampliam seus recursos de linguagem, tanto na forma de expressão, como
na compreensão. Ações como solicitar7, participar de jogos de linguagem, repetir o que o
6 Tradução nossa. Texto original: La aquisición del linguaje parece ser um subproduto y um vehículo) de la
tranmisión de la cultura. Inicialmente, los niños aprenden a usar um linguaje (o sus precursores prelinguisticos) para conseguir lo que quieren, para poder jugar, para manterse conectados com aquellos de los cuales dependem. Actuando así, encuentram los limites que prevalecen em la cultura que los rodea, corporizados em las restricciones de sus padres y em las convenciones. El mecanismo que maneja toda essa estrutura no es la aquisición de la languaje em sí, sino la necessidade de manejarse bem com las exigências de la cultura. (BRUNER, 1983, p. 102)
7 Jerome Bruner trabalha com o conceito de “petición”, quando se refere ao processo de desenvolvimento da solicitação. Afirma que, ao pedirmos informações, coisas, reconhecimento, devemos nos adaptar a capacidade de quem escuta, a seus limites, a nossa relação com ele e as convenções que aceita,
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adulto fala, construir narrativas, chamar para uma ação conjunta, demandam da criança, a
capacidade de reinventar maneiras de comunicar‐se e de uso adequado da linguagem em
determinada condição.
No âmbito do desenvolvimento da linguagem verbal, as ações interativas das quais a criança participa viabilizam oportunidades de estabelecimento de formas de relação com o outro, de experimentações e de uso de recursos para se comunicar com o parceiro, do exercício de escolhas e de (re)criação, de ampliação da percepção sobre si e sobre o outro e a evolução do pensamento. (RAMOS, 2012, p.91)
Acreditamos assim, que, enquanto a criança significa a linguagem, pela palavra, ela
o faz por meio da interação e das situações sociais mais imediatas. Segundo Bakhtin, há
uma orientação da palavra pelo interlocutor, que é de grande importância. Para ele, “na
realidade, toda a palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que
procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui
justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte.” (1997, p. 113). E é por ela que
ocorre uma definição de um sujeito ao outro. Esses dois, no desenvolvimento infantil se
revelam, por exemplo, no adulto e na criança. O adulto, que pode ser tanto o locutor,
como o ouvinte, é representado pela mãe, pai, professora ou pessoa de referência. É na
escola, o espaço social, preenchido de cultura, que, insistentemente, essa relação
acontece, ou pode acontecer, revelando a experiência da língua. Portanto, essa
experiência é coletiva, pois esse produto de interação entre dois sujeitos se trata de um
ato de fala, mediado por um contexto maior.
A linguagem da criança e seu processo de aquisição apontam para uma introdução desta criança na sociedade e na cultura. Por esse prisma a língua se revela como mediação entre o mundo adulto, pré‐existente, e a criança, a qual, na relação com o adulto, vive e experiência a língua, como o adulto vive e experiência a língua enquanto instituição social e coletividade. (DIEDRICH, 2012, p.120)
Nessa coletividade, o adulto e a criança, ao interagir, constroem uma relação
dialógica que contempla originalidade, pois, por detrás dos enunciados, há algo novo, da
portanto, é uma forma de linguagem mais comprometida. Para aprofundamento, ver: BRUNER, J. El desarrollo de la petición. In: BRUNER, J; WATSON, R (col.) El habla del niño: cognição e desarrollo humano. Barcelona: Paidós, 1994.
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experiência vivida por cada um dos interlocutores. Com base na perspectiva bakhtiniana,
“a relação dialógica é uma relação (de sentido) que se estabelece entre enunciados na
comunicação verbal.” (NAGAI; MIOTELLO, 2002, p. 109). O sentido representa um
conteúdo que é construído pelas circunstâncias e através delas, pouco se repete, ao
menos não ocorre da mesma forma. Esse processo, dialógico, ocorre numa cadeia de
vozes que formam um discurso, que por sua vez, ocorre em direção ao outro e leva em
conta uma “relação social e hierárquica”. (SHERMA; TURATTI, 2012, P. 44).
Na escola infantil, certamente os enunciados são ricos e ocorrem numa via de mão
dupla, entre quem está iniciando a experiência com a linguagem, descobrindo como e
quando usá‐la, e quem, com sutileza, vasto conhecimento, e um horizonte social
(BAKHTIN, 1997) mais amplo, conduz e cria apoio para essa prática mais primordial. É um
movimento contínuo, que implica em condições de produção, os quais podem ser, ao
mesmo tempo, dadas pelo contexto, como, intencionadas pelo processo pedagógico.
4. O que dizem as produções da Região Sul? Pautamos nesse debate um trabalho discussões que a comunidade científica, na
Região Sul, tem realizado, na última década, sobre crianças menores de três anos e
linguagem. Para a realização deste, foi necessário selecionar e analisar resumos de
dissertações e teses, obtidos pelo banco de Teses da Capes e utilizar descritores tais
como: aquisição da linguagem, crianças de zero a três anos, linguagem verbal, interação
entre adulto e criança, interação verbal, fala, bebês e desenvolvimento da linguagem, e,
aquisição da linguagem com crianças pequenas. Dito isto, inicialmente, faremos
referência aos dados de pesquisa com esse tema em âmbito nacional e, após,
discorremos ao recorte que nos interessa. Num primeiro momento, nessa busca,
surgiram mais de 40 produções mapeadas nos diferentes programas de Pós‐Graduação
do cenário brasileiro, em três áreas do conhecimento, já mencionadas, no entanto,
algumas apenas tangenciavam o debate, tratando da aquisição da linguagem verbal na
educação infantil, mas com crianças maiores de três anos de idade. Na seleção, portanto,
ficamos com um saldo de vinte e nove (29) produções que contemplam a faixa etária de
zero a três anos, com esse tema. Dessas, onze (11) produções são oriundas da Região Sul.
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O recorte de tempo, de 12 anos, com pesquisas de 2000 a 2012 justifica‐se por duas
razões. A primeira, pelo fato de as discussões no campo da educação infantil estarem
mais acirradas após a consolidação de políticas públicas a partir de 1996 e com isso,
ocorreram maiores movimentos nos meios acadêmicos. A segunda, em razão do alto
percentual de crianças de zero a três anos frequentando as escolas infantis, o que nos
convoca a acompanhar o quê e em que quantidade, o campo científico tem produzido.
Desse total de onze (11) pesquisas, cinco (5) são oriundas da área da Educação, cinco (5)
de Letras/Linguística e apenas uma de Psicologia, sendo que oito (8) são resultados de
pesquisas de mestrado e três (3) de doutorado, conforme a Tabela 1. Esse último dado
nos chama atenção, pois, de maneira mais substancial, um trabalho de tese permite mais
tempo, resultados e detalhamentos, do que um trabalho de dissertação. Portanto, temos
o resultado de mais trabalhos, com menos possibilidades de aprofundamento.
Nível Educação Psicologi
a Letras/
Linguística Total
Mestrado
4 1 3 8
Doutorado
1 ‐ 2 3
Total 5 1 5 11
Tabela 1
Diante do universo acadêmico‐científico brasileiro, até o número de 29 produções
parece‐nos pouco expressivo, especialmente no recorte de tempo de doze anos.
Entretanto, por razões já mencionadas, apesar do avanço significativo de discussões
sobre a infância, na última década, com variados temas, ainda há perguntas a serem
feitas. Evidencia‐se o interesse de um coletivo, que constrói um olhar para o
desenvolvimento e a educação de crianças pequenas, mas as pesquisas sobre a
linguagem verbal, mais distintamente, envolvendo crianças de zero a três anos, ainda são
tomadas de certa timidez. Observando a Tabela 2, do contexto nacional, as pesquisas,
distribuídas em 14 instituições de Ensino Superior tomam corpo a partir de 2006, ano que
datava uma década de discussões a partir da LDBEN, onde o movimento pela educação
de crianças de zero a seis anos se expandia.
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Ano/IES 2000 2001 2002 2003 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 T
UCPel 2 1 3
PUC RS 1 1
UFRGS 2 1 1 4
UFSC 1 1 2
UFPR 1 1
USP 1 1 1 1 1 5
UNICAMP 1 1
UNESP 2 2
UERJ 1 1
UFES 1 1
UFG 1 1
UFPB 1 1 2 4
UFJP 1 1
UFPE 1 1 2
Total 2 1 1 1 1 5 1 4 3 4 4 2 29
Tabela 2 – Pesquisas no cenário nacional
IES/Área 2000
2002
2005 2006
2007
2011
2012
T
UCPel 2 1 3
UFRGS 2 1 1 4
UFSC 1 1 2
UFPR 1 1
PUC RS 1 1
Total 2 1 1 2 1 2 2 11
Tabela 3 – Pesquisas da Região Sul
Ao realizarmos um comparativo entre a produção nacional e regional, faz‐se
necessário compreender que no cenário da Região Sul, com cinco instituições, a pesquisa
torna‐se mais fragilizada, a qual, a nosso ver, poderia evidenciar maior número de
pesquisas, mesmo sendo um tema com maiores especificidades. Embora ocorram
interlocuções realizadas entre os grupos de pesquisa e belas contribuições dos trabalhos
de teses e dissertações, observamos que o interesse nessa discussão, que também se
acentua a partir de 2006, fica escasso na área da Educação, visto que os outros seis
trabalhos são aportados nas áreas parceiras. Mostra‐se ainda, maior número de
pesquisas, nesse período, no Rio Grande do Sul (conforme Tabela 3 e Figura 1).
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Figura 1
Para além dessas questões gerais, situando as pesquisas pela sua origem,
interessa‐nos mostrar as temáticas que motivaram os pesquisadores da Região Sul, que
mostramos uma ênfase na aquisição da linguagem, na interação entre os bebês, e com
adultos. Há um traço claro na área de Letras/Linguística, em que, algumas as temáticas
giram em torno da estrutura e das especificidades da aquisição da língua e, também,
outras assumem a linha teórica da enunciação no próprio tema. A Psicologia reitera a
temática das relações e a Educação contempla a interação, o desenvolvimento da
linguagem e as estratégias de comunicação.
IES Nº de trabalhos
Área Temas
UCPel 2 Linguística Aplicada
Aquisição de ditongos orais
Aquisição de ataque silábico
1 Letras Aquisição do português brasileiro
PUC RS 1 Educação Interação de bebês com a linguagem
UFRGS
1 Psicologia
Comunicação na interação entre bebê e educadora
1 Educação Interação entre bebês
2 Letras
Teoria enunciativa na aquisição da linguagem
O papel da mãe na aquisição da linguagem
UFPR 1 Educação Desenvolvimento da linguagem na creche
UFSC 2 Educação Relação entre adultos e crianças na creche
Estratégias comunicativas entre bebês
Tabela 4 – Temáticas das pesquisas, áreas e instituições.
Universidade Federal do Paraná ‐ UFPR (1)
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2)
Universidade Federal do RS – UFRGS (4) Universidade Católica de Pelotas – UCPel ( 3) Pontifícia Universidade Católica RS – PUC RS (1)
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Sobre a abordagem teórica, nem todos os resumos expõe suas opções. Das onze
(11) pesquisas, sete (7) trazem essa evidência, como: Fonologia Gestual, Teoria
Molde/conteúdo, Teoria da Otimidade, Ciclo de Sonância de Clements, Teoria Enunciativa,
Psicologia Histórico‐Cultural, Sociologia da Infância e Interacionismo.
Os autores que representam os trabalhos da área de Letras/Linguística mostram
duas perspectivas. A primeira, retratada por Macneilage e Davis, pela teoria
Molde/conteúdo; por Goldsteisn, que trata da Fonologia Gestual; por Prince & Smolensky,
McCarthy & Prince, que propõe a Teoria da Otimidade, e por e Tesar e Smolensky que
referem o algoritmo de aprendizagem. A segunda perspectiva indica Benveniste como
autor que traz a concepção enunciativa, considerando a intersubjetividade como
constitutiva da linguagem. São dois trabalhos nessa direção e um deles, ainda, realiza
uma interlocução com a Psicanálise proposta por Winnicott, e De Lemos, pela concepção
interacionista. Na área da Educação, evidencia‐se, de modo geral, a Psicologia Histórico‐
Cultural, representada por Vygotsky e a Sociologia da Infância com autores como,
Corsaro, Ferrereira e Sarmento.
Esse estudo também expõe os achados do desenho metodológico, que é
mencionado, de maneira geral, em todos os resumos. As pesquisas foram realizadas em
diferentes espaços, com diferentes sujeitos, tanto nas residências das crianças com
familiares, especialmente com a mãe, como no ambiente da creche, em contato com
crianças e educadoras. Quanto às idades das crianças envolvidas nessas onze (11)
pesquisas, que totaliza, aproximadamente, duzentos e dez (210) sujeitos, elas variam de
seis meses a três anos e sete meses de idade.
Quanto à tradição de pesquisa, três trabalhos assumem a orientação etnográfica.
Um deles aponta um estudo sócio espacial da creche e dos sujeitos envolvidos; outro
menciona a etnografia por Graue e Walsh; e, um terceiro, trabalha com referenciais
teóricos da pesquisa, como Bakhtin, pelos conceitos de alteridade, dialogismo, diálogo,
texto, outro e exotopia. Dentre as pesquisas, quatro (4) expõem instrumentos
metodológicos bem específicos, de forma individualizada. Duas utilizam fontes de Bancos
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de Dados, como o Banco de Dados AQUIFONO e INIFONO8, e o LIDES9, esse último
constituído de duas fontes orais: a fala espontânea infantil e a adulta, onde cada criança é
analisada na companhia de seu cuidador, com 100 horas de gravação em áudio. Essa
pesquisa também teve o auxilio do software WordSmith Tools10. Além dessas fontes, uma
terceira pesquisa utiliza o instrumento Escala de Linguagem Bayley III, com sub‐escala
para linguagem expressiva e receptiva. E para outra, a quarta investigação, foram
utilizados programas como VARBRUL11, que apresenta variáveis linguísticas e
extralinguísticas que favorecem a produção de um Ataque Complexo e Estratégias de
Reconstrução da sequencia estudada.
As outras produções, durante o processo de investigação, optaram por
instrumentos como a viedogravação (3), a observação simples e registros (3), e a
fotografia (2), que aparecem como as fontes mais utilizadas entre os pesquisadores.
Também ocorreram entrevistas com pais e professores, além da intervenção direta em
sala de aula com as crianças, através de jogos de linguagem. Na creche foram utilizados
recortes de episódios interativos entre as crianças e houve inserção do pesquisador na
rotina das aulas. Também, nesse ambiente, destaca‐se a observação em momentos de
interação, diádico, entre adulto e criança nas situações de trocas de fraldas, e grupal, em
sala de aula com toda a turma. Uma das pesquisas, ainda, de doutorado, relata a opção
pelo estudo longitudinal, com a base teórico‐metodológica na teoria enunciativa,
compondo a investigação com uma criança de onze meses a três anos e cinco meses.
Destacamos, por fim, os aspectos centrais que algumas pesquisas revelam a partir
dos dados analisados nos processos de mestrado e doutorado. Faremos essa exposição
por área do conhecimento em respeito as suas particularidades. A pesquisa em Psicologia
8 O Banco de Dados AQUIFONO e INIFONO foi criado pelo Grupo de Pesquisa em Aquisição da Fonologia, da
Universidade Católica de Pelotas – UCPEL, é a base de dados para pesquisas e trabalhos de dissertações de Mestrado e teses de Doutorado.
9 O Banco de Dados LIDES da UCPel e UFSM, disponíveis em arquivos de áudio, tem objetivos de apresentar frequência lexical, possibilitar investigação das falas dos adultos que interagem com crianças e investigar se a densidade de vizinhança lexical contendo determinados segmentos, exerce efeitos sobre aquisição.
10 É um programa de análise lexical, na exploração da corpora de dados linguísticos autênticos. É de autoria de Mike Scott, Universidade de Liverpool, publicado pela Oxford Univerity Press e distribuído pela via Word Widw Web.
11 Programa criado em 1971, para realizar estatisticamente dados variáveis. Autoria: Sankoff & Rousseau.
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investigando a comunicação verbal entre educadora e bebê nos primeiros dois anos de
vida, mostra que “o papel da educadora do berçário (berçarista) envolve a capacidade de
acolher demandas das crianças que ainda não tem condições de verbalizar, mas que,
através de suas atitudes, indicam suas necessidades.” (BRESSANI, 2006). A autora revela
a incrível capacidade comunicativa das crianças mesmo antes da emergência da
linguagem.
Os estudos na área Letras/Linguística, de perspectivas diferentes, apontam, tanto
para a análise de aquisição de estruturas silábicas, que sugere ordenamentos nesse
processo; a aquisição de ataques complexos e silábicos de forma gradual; a coorência CV
na aquisição do português brasileiro em crianças de um a três anos, com evidências da
contribuição do input adulto no desenvolvimento da fala infantil, como também, noutra
direção teórica, a concepção de que “a criança produz uma história de suas enunciações,
por meio da qual constitui sua língua materna e o sistema de representações de sua
cultura, estabelecendo‐se, desse modo, como sujeito de linguagem” (SILVA, 2006). Nesse
sentido, Serafini afirma que “a fala do bebê está vinculada a fala do outro nas
interações”, e de que os mecanismos enunciativos estão implicados,
na relação criança‐outro como primordiais para a criança se constituir como sujeito na enunciação, e consequentemente como sujeito falante, pois o modo como o outro constitui a criança em suas enunciações é importante para que ela também possa assumir‐se como locutor e mobilizar a língua. (2011).
Ainda, na área da Educação, tratando, mais especificamente sobre interações,
afirma‐se que “adultos e crianças produzem representações simbólicas a respeito do
mundo com a qual interagem e, no caso das crianças, a elaboração da cultura de pares”
(FILHO, 2005). Também, destaca‐se a importância da leitura compartilhada, da ampliação
do universo literário, pela sincronia entre adultos e bebês, pelo tempo das interações
adulto‐criança, e pela linguagem oral [...]. (FACCHINI, 2002). Ainda, sobre possibilidades
interativas entre os bebês, Camara afirma que “foi significativo o papel da linguagem
(fala) a medida que se constituía como mediadora na interação neste contexto,
permitindo dar mais sentido nas relações entre as crianças através de reciprocidade.
(2006). Para outra pesquisa, constata‐se que “olhares, choros, balbucios, gestos,
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movimentos e expressões faciais do bebê desencadeiam a descoberta de estratégias de
comunicação que utilizam antes da fala como uma grande categoria (CASTRO, 2011).
5. Considerações finais Diante do exposto, apresentamos algumas questões com o objetivo de levantar o
debate sobre as pesquisas da Região Sul sobre a linguagem de crianças de zero a três
anos e a interação verbal, as quais, a nosso ver, merecem aprofundamento. Essas
questões versam sobre o caráter pedagógico presente nessas investigações e nas
demandas ainda existentes.
A primeira questão nos impulsiona a pensar que há outras fontes teóricas para
além dessas apresentadas, mais próximas à concepção de infância e de linguagem
discutidas no cenário educacional atual. Ao realizar um comparativo, nesse viés, com as
pesquisas no âmbito nacional, encontramos outras fontes, como por exemplo, o sócio‐
construtivismo, a perspectiva discursiva por Bakhtin e as contribuições de Bruner, que
defendem o aspecto social, cultural e cognitivo no desenvolvimento do sujeito. Não
estamos dizendo que as teorias da Região Sul, apresentadas, negam esses elementos,
mas há mais aspectos a olhar. Ora, se concebemos as crianças como sujeitos que,
imersos na cultura, são vistos como atores sociais, a que concepções teóricas podemos
nos aportar? Acordamos, a exemplo de uma das pesquisas, que, com base em Benveniste
, a criança é compreendida como sujeito da linguagem e que produz uma história de suas
enunciações (SILVA, 2006), mas compreendemos também, que, em particular na área da
Educação, precisamos de outros referenciais. Por exemplo, Jerome Bruner, nos ajuda a
compreender que a criança, ao aprender, precisa de apoio, o qual possa facilitar a ela a
que quer aprender a linguagem. Segundo ele, é necessário “um sistema de apoio de
aquisição da linguagem que estrutura as interações entre adulto‐criança, de maneira que
a criança acesse um aprendizado ordenado de linguagem”. Esse apoio o ajuda não
somente a aprender “como dizer coisas”, mas também a distinguir “o que é obrigatório e
valorizado entre aqueles que lhes dizem”. (1993). Aí está o caráter pedagógico, visto que,
para existir aprendizagem, é necessário, dentre outros fatores, a estruturação de um
processo de intervenção.
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A segunda questão refere‐se à quantidade de produções da Região Sul,
especialmente com o referido tema. Isso nos preocupa, frente às demandas que,
intensamente, chegam aos meios acadêmicos e as escolas. Há décadas, a comunidade
científica tem produzido e defendido a educação infantil, mas com o movimento que
ocorre com a creche, período legal da educação das crianças de zero a três anos, que é de
tamanha amplitude, estaríamos pesquisando o suficiente? Não estaria a nossa área da
Educação, apontando fragilidades, nesse sentido? Investigar os temas da linguagem e da
interação parece‐nos primordial, dado que, um dos elementos mais evidentes e de
intensa evolução, nessa fase de vida, se permeado pela interação com o outro, é a
linguagem e pode ser considerada uma ferramenta central para a apropriação de outros
conhecimentos que desenham o universo infantil.
Concluímos assim, que o quadro de produções nos possibilita dialogar com
diferentes áreas, as quais contribuem de forma significativa para o debate a que nos
propomos, mas, o que também não nos exime de um compromisso com a educação das
crianças de zero a três anos, que certamente conta com novas respostas para,
constantemente, produzir referenciais de (re)construções pedagógicas.
Referências
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