weber, max. história agrária romana

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COLE<;AO 0 HOMEM E A HISTORIA

Braudel, F. - 0 Espa~o e a Distoria no MediterraneoBraudel, F. - Os Homeos e a Heran~a no MeditemineoDuby, G. - A Europa na Idade MediaWolff, P. - Outono da Idade Media ou Primavera dos Tempos Modemos?Ferro. M. - A Hist6ria VigiadaFinley, M. 1. - Uso e Abuso da HistoriaFinley, M. I. - Eeonomia e Sociedade na Greeia AntigaBraudel, F. - Gramatica das Civiliza.;oesDuby, G. - A Sociedade CavaleireseaDuby, G. - Sao Bernardo e a Arte CistercienseLe Goff, J. - A Historia NovaDuby. G. - Senhores e CamponesesD%run. J. - Arnor e Celibato os Igreja MedievalFin/ey, M. 1. - Greeis Primitiva: Idade do Bronze e Idade ArcaicaFinley, M. I. - Aspectos da AntiguidadeGrima/. P. - 0 Arnor em RomaMazzarino, S. - 0 Fim do Mundo AntigoHunt, L. - A Nova Historia CulturalHill,~ ~ns Intelectuais da Revolu~io InglesaGrima. . - irgino ou 0 Segundo Nascimento de RomsBraudel. F. - Reflexoes sobre a DistoriaLe Goff, J. - 0 Apogeu da Cidade MedievalDaumard. A. - Os Burgueses e a Burguesia Da Fran~a

Kappler, C. - Monstros, Demonios e Encantamentos no Fim da Idade MediaWeber, M. - Historia Agraria RomanaFinley, M. I. - Historia Antiga

Prdximos lanramentos:

Robert, J.-N. - Os Prazeres em RomaD'Haucourt, G. - A Vida na Idade Media

~~ d.>... B'" C~"\...1 -.sO 0'DO'3<:.66l1-.-~ j?

',RGS/acIBSCSH.;i:Wst':AOl c \ \'=-~ e: \ h=v

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MAX WEBER

HISTORIA~

AGRARIAROMANA

TRADUCAOEDUARDO BRANDAO

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Martins FontesSOo Paulo - 1994

Page 4: WEBER, Max. História agrária romana

Titulo original: ROMISCHE AGRARGESCHICHTEpublicado por Ferdinand Enke Verlag, Stuttgart

Copyright © Ferdinand Enke Verlag, 1981Copyright © Livraria Martins Fontes Editora Ltda., Sao Paulo, 1994,

para a presente edi<;ao

I!' ediftio brasi/elra: marco de 1994

Tradu~tio do versao espanhola: Eduardo BrandioF"~_~Prepara~tiodo original: Marise Simoes Leal\ ) Revisiio tipogrtifica:

Flora Maria de Campos FernandesTereza Cecilia de Oliveira Ramos

Produ~tio graftea: Geraldo AlvesComposiftio: Antonio Neuton A. Quintina

Capo - Projeto: Alexandre Martins Fontes

sUMARio

Introdu,ao 1Problemas historico-agnrrios da historia romana 5Fontes 10

»ados Internadonals de Catalo~io na Publica~o (CIP)(CimlU"ll Braslleira do Livro, SP. Brasil)

indices para catlilogo sistematico:

1. Roma : Agricultura : Hist6ria 630.90937

Weber. Max, 1864-1920.Hist6ria agraria fomana / Max Weber ; (tradu~o

Eduardo Brandao]. - sao Paulo: Martins Fontes, 1994.- (0 homem e a hist6ria)

Tradu~o da versao espanhola.

Capitulo 1. Conexao entre os genera agrorum dos agri­mensores e as condi~oes jurldicas publicas e privadasdas propriedades fundiarias romanas .. 11

Genera agrorum segundo os agrimensores 11Tcknica de medi~ao 13Medi~ao do ager scamnatus 13Medi~ao do ager centuriatus 14Uso do sorteio. Assigna~oes viritanas e coloniais 17Diferen~as entre as assigna~oes 20Causa da medi~ao diferente. Tributabilidade doager scamnatus 25Uso da scamnatio 26Medi~ao do ager colonialis tribud.vel 30Medi~ao e natureza jurldica do ager quaestorius 32o ager per extremitatem mensura comprehemus 38C:0n~xao com 0 ordenamento tributario pro-vlnClal................................................................ 41

':"":. '.«"'-'''1- ~,_ .•.•~.~

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Bibliografla.

ISBN 85-336-0268-5

1. Agricultura - Hist6ria - Roma 2. Agricultura - Leis elegisla~iio _ Roma 3. Direito romano I. Titulo. II. serie.

CDD-630.90937

Todos os direitos para 0 Brasil reservados itLlVRARIA MARTINS FONTES EDITORA LTDA.Rua Conselheiro Ramalho. 330/340 - Tel.: 239-3677

01325-000 - Sao Paulo - SP - Brasil

94-0876

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Capitulo ll. Significado juddico e economico das gle-bas romanas isentas de impostos .

Conseqiiencias historico-administrativas das as-signa~oes .Caraetedsticas gerais da coloniza~ao itilica .Caractedsticas da coloniza~ao romana .Significado juddico-administrativo do ten"itoriumConseqiiencias territoriais das assigna~oes .Significado da forma. Praefecturae .Fundi redditi, concessi, excepti .Situa~ao juddica do territorio nao assignado ..Fundi nao municipalizados .Ordena~ao juddica no interior das colonias .

~!::c~,;:~~~~:.o.:~~.~..~.~~~~~~.~ ..~.~..~~~~~Privilegios das glebas isentas de impostos .Faculdade de fazer parte do census .Negocios per aes et libram .Impord.ncia economica da mancipatio e dotestamentum .A~oes reais .Genera controversiarum segundo os agrimen-sores .Pleitos de modo e de loco .N ·'d·dl·'·atureza JUrI lca 0 mglO .Rela~oes com 0 litigio de loco .Significado original do modus agri. Aliena~oes se-gundo 0 modus agri .Aliena~ao de cotas e lotes .A sociedade coletivista romana .Impordncia do usucapiao para a historia agrariaSignificado da prote~ao possessoria na historia, .agrarla .

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Desmembramento definitivo da sociedade cole-tivista .o comercio de imoveis em Roma .o credito imobiliario romano .Rela~ao do ager privatus com os gravames reaise as servidoes .Fundamentos economicos da natureza juridica doager privatus .Separa~oes e cercamentos .Imponancia agraria do ius coloniae .A revolu~ao agraria romana e sua epoca .

Capitulo ill. A terra publica e tributivel e as situa~oes

de posse de direito menor .Caractedsticas do ager publicus .Pastos comuns eager compascuus .Origens das ocupa~oes. A marca e as AllmendenC . al" , .aplt lsmo agrarlO .Fim das ocupa~oes e do ager compascuus .Outras posses do patrimonio nacional .Arrendamento censitario .Conseqiiencias economicas do arrendamento cen-sitario .Os grandes arrendatarios de bens do patrimonionacional .Situa~oes possessorias sem prazo no solo publi­co. Assigna~oes de glebas em troca de presta~oes

de servi~os pessoais. Viasii vicani .Navicularii e gravames da frumentatio .Concessoes em lugares fonificados e de fron-teira .Assigna~oes sem prazo em troca de urn vectigalVectigal nominal. Trientabula .Assigna~oes dos Gracos .

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Unifica~iio das contribui~oes sobre os im6veis 168'E1rI{JOA~ e peraequatio 169Impostos especiais junto it iugatio 171Tributos em especie. Adaeratio 172Tributa~iio sobre a riqueza m6ve1................... 174Unifica~iio do direito de posse imobiliaria ..... 175

Capitulo IV. A economia agraria romana e as grandesfazendas patronais da idade imperial 179

Desenvolvimento da atividade agrlcola 179Vicissitudes do cultivo de cereais. Olivais e vi-nhedos 183Prados, pastos extensivos e villaticae pastiones 184Microeconomia e macroeconomia 186Os colonos da era republicana 187Pressupostos do arrendamento por lotes 190Os trabalhadores agricolas 191A crise agricola no inicio da era imperial 195Conseqii~ncias. Desenvolvimento das fazendascom camponeses obrigados a presta~oes pes-soais.................................................................... 196Natureza jurldica das fazendas patronais 200Fundi excepti. 201Stipendiarii. Arrendatarios de bens do patrim&-nio nacional. 202Situa~iio jurldica dos subordinados das posses-soes imobiliarias 203Origo e procedimento administrativo para recon-duzir 0 colono it sua gleba 205Colonato das fazendas patronais e colonato li-vre 207Re1a~oes similares. Fortalezas. Estabe1ecimentosde barbaros.. 208Situa~iio jurldica das possessoes 208

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Vectigal real. Enfiteuse .As posses segundo a lex Thona .Ager privatus vectigalisque na Africa .Natureza do vectigal no ager privatus vectiga·lisque .Arrendamentos a longo prazo com tributo de su-cessiio .Forma de medi~iio .Alienabilidade sucessiva das glebas enfit~uticasTransforma~iio do vectigal em contribui~iioso-bre os imoveis .Natureza jurldica das situa~oes possess6rias emsolo estatal .Procedimento administrativo .

E~~iiOreal ··········································o ager tigalis municipal ············Impost s e bens das comunidades .Constitui~oes de rendas .Natureza jurldica do ager vectigalis .A enfiteuse .Glebas provinciais niio estatais .Glebas sicilianas submetidas ao dizimo .

C ,.' 'd'aractenstlcas Jun ICas .Glebas asiaticas submetidas ao dizimo .Os stipendiarii na Africa .Desenvolvimentos sucessivos da autonomia lo-cal em materia tribut"-ria .A contribui~iio sobre os im6veis na epoca deUlpiano .Ordenamento dioc1ecianiano da contribui~iio sa-bre os im6veis .Os iuga e os capita e a reparti~iio dos impostos

, .nas provmclas .Supressiio da autonomia das comunidades .

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Organiza~ao interna das grandes propriedadesfundiarias 214Vicissitudes da classe dos trabalhadores agd-colas 218Conclusao '" 222

Apendice 225Notas 231Bibliografta 281

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INTRODUC;;AO

As pesquisas que deram conteudo a este livro nao pre­tendem ser uma descri~ao acabada da historia agraria de Ro­rna, como 0 titulo anuncia. Na realidade, centram-se em fe­nomenos distintos do direito romano, publico e privado,somente de urn ponto de vista espedfico: 0 de sua impor­dncia pr:itica para 0 desenvolvimento das rela~oes agrarias.

Nos primeiros capltulos, procurei dar relevo ao nexoexistente entre as distintas formas de medi~ao dos camposromanos e as condi~oes juddicas destes, no direito publicoe privado, alem do significado pnitico de ditas situa~oes ju­ddicas. Fiz tambern urn esfor~ para reconstruir os pontosde partida do desenvolvimento agrario romano com basenos fenomenos posteriores. Quanta a isso, sei que me ex­ponho a cdticas, sobretudo em rela~ao a essa parte da ex­posi~ao, por ter muitas vezes procedido de forma essencial­mente indutiva. Em todo caso, nao creio que ninguem queiraafirmar que, no esragio atual das fontes de documenta~ao,

esse procedimento seja desdenhavel; por outro lado, preci­samente no ambito da historia agraria, dao-se casos em que,com as conclusoes extrafdas da "natureza das caisas", se

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2 HIST6RIA ACMRIA ROMANA INTRODU£;AO 3

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avanp mais e com maior seguran~a do que em outros cam­pos. Uma vez estabelecidas estas bases, a organiza~ao dascomunidades agrarias proporciona urn numero limitado depossibilidades. 0 objetivo que nos fixamos e precisamenteinvestigar, com metodo experimental, se, comparando tu­do que sobreviveu da economia agraria romana aa~ao des­trutiva do tempo com as ideias que todos os estudiosos dahist6ria agraria reconhecem como fundamento das outrasconstitui~oes agrarias indo-europeias, subsiste urn consen­so entre ambas as coisas, ou se nao se pode falar que hajaacordo ou mesmo que existe antagonismo. Pois bern, mi­nha impressao e de que nosso caso e 0 primeiro. Com esteprop6sito, a primeira inter-re!a~ao que tentei demonstrare a que deve manifestar-se necessariamente entre 0 tipo demedi~ao dos ter os e a rela~ao juddico-publica do terri­t6rio a que os te ren ertencem, alem das rela~oes jurldi­cas privadas dos frag ntos particulares. Nao posso dizerate que ponto consegui precisar 0 carater dessas re!a~oes,

mas me parece que em si ja e urn exito poder considerarque se adquiriu - como gostaria de crer - a conscienciade que ha uma conexao e de que ela pode ser encontrada.Urna vez admitido esse ponto, espero que 0 variado grupode hip6teses estreitamente relacionadas com ele no cursoda exposi~ao e, ao mesmo tempo, as numerosas observa­~oes de carater geral, talvez nem sempre formuladas coma devida precau~ao, sejam bern recebidas ou julgadas commaior benevolencia. A existencia de uma conexao entre doisfenomenos hist6ricos nao se demonstra in abstracto, masdando uma visao global da forma como essa conexao se es­tabeleceu concretamente.

Se a princlpio procurei justificar em certo sentido 0 ca­rater em muitas ocasioes indutivo dos tres primeiros capl­tulos deste livro, nao tenho a mesma necessidade no casoda ultima parte, pois esta representa uma tentativa de estu-

do hist6rico-economico da agricultura romana e do proble­ma referente ao desenvolvimento do colonato, que perma­nece em aberto desde a epoca de Savigny. Porque, comoe sabido, a hip6tese apriodstica de carater economico deu,neste campo, uma rica e multiforme serie de estudos, co­m~ando desde a epoca de Rodbertus; e os eplgonos do gran­de pensador - que foi induzido instintivamente a enormeserros por sua extraordinaria fantasia, embora sempre reen­contrando as s6lidas bases de uma concep~o eminentementepratica - deram uma contribui~ao valida no que diz res­peito a considera~oes economicas de carater geral. Consi­dero que 0 problema nao foi examinado, especialmente doponto de vista do direito publico e administrativo, na me­dida em que e posslve! partir do estado das fontes de docu­menta~ao, apesar de estas serem escassas. Por ultimo, esraclaro que tambern em rela~ao a este problema as hip6tesessao ineviraveis, a partir do momento em que uma pesquisarigorosa deve considerar como hip6teses tambern os resul­tados re!ativamente seguros. Por exemplo, que devedamospensar das conclusoes sobre os problemas de hist6ria jud­dica e economica da Idade Media, conclusoes deduzidas dealgumas duzias de documentos e de escritores, em parte am­blguos, quando deveriam ser vaJidas para todo 0 mundo nocurso de meio milenio? 0 conceito de seguran~a e, portan­to, mais relativo e a pesquisa hist6rica deve estar atenta.

Ademais, tirar conclusoes hist6rico-economicas geraisde fatos singulares nao e, no caso da epoca imperial roma­na, urn exagero, como pode parecer pe!a extensao do siste­ma economico. De fato, esse sistema, apesar das profundasdiferen~as entre suas distintas partes nas diversas etapas de,eu desenvolvimento, sempre teve, e em medida re!ativa­mente grande, urn carater unitario. Por exemplo, com res­peito ao movimento migrat6rio da popula~ao, a Italia man­tinha com as provlncias limltrofes a mesma re!a~ao que 0

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4 HIST6RIA ACMRIA ROMANA lNTRODUc;AO 5

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centro de uma grande cidade mantem com seus suburbios,pelo que, manifestando-se tambem parcialmente fenomenosopostos, de todas as formas, do meu ponto de vista, e cien­tificamente correta a afirma~ao de que a tendencia evoluti­va ja dominante no centro urbano ainda nao atua de formaeficaz nos suburbios, porque sobre ela prevalecem tempo­rariamente tendencias opostas. A lei de desenvolvimentopode ser estabelecida como lei geral no sentido de que tais"leis" representam precisamente tendencias a que se podemsobrepor tendencias locais que atuem com maior efidcia.Por isso, pareceu-me correto analisar sempre em primeirolugar os fenomenos relativos ao desenvolvimento agrariodas provincias mais evoluidas do Imperio, sem me ocuparde particularidades ulteriores. Porranto, prescindi de utili­zar a documenta~ao que nos proporcionam, sobre as con­di~oes soci~·e agrarias de Roma, os escritores da patristicae outros si' il documenta~aode que Jung, para dar urnexemplo, se se u com freqiiencia.

Limitei ao minimo 0 uso de cita~oes "translatas" dasfontes e, em beneficio das dimensoes do livro, nao citei osautores, exceto quando indispensavel. Nao sera dificil re­conhecer as passagens e a maneira em que me vi favorecidopelos resultados de trabalhos ja existentes. Ademais, paraaqueles que desejem se informar sobre esses problemas, acres­centei no final do texto urn indice das monografias relati­vas a eles, indice que nao pretende em absoluto ser exaustivo.

Quem nao for principiante nesses estudos vera comoevidente 0 fato de, no metodo de investiga~ao, 0 tratamen­to que segue se apoiar, ou pelo menos tentar apoiar-se, nasfirmes bases que Mommsen, antes de qualquer outro, esta­beleceu definitivamente para 0 estudo do direito publicoe administrativo romano. Como quer que seja, tambem con­sidero ter a grata obriga~ao de ressaltar a imporrmcia dessavisao concreta da pesquisa hist6rico-economica que me de-

ram, em seu momento, 0 ensino e, depois, a rela~ao pes­soal com meu venerado mestre, 0 professor Meitzen. A li­mita~ao da documenta~ao nunca permitira escrever sobrea Antiguidade uma hist6ria agraria e da coloniza~ao comoaquela que dentre em breve teremos para a Alemanha, nu­rna grande obra sua. No entanto, tratando dos fenomenosapresentados pelo direito agrario romano, tentei trabalharprocurando descobrir a imporrmcia pratica desses fenome­nos para os que tinham se interessado diretamente pelo te­rna. Pois bern, foi essencialmente mediante 0 ensinamentodo meu mestre que compreendi e apreciei as qualidades dessemetodo.

Nao me foi possive! expor em ordem de sucessao his­t6rica os argumentos tratados, na medida em que adotei urnmetodo totalmente indutivo, mediante 0 qual inferi as con­di~oes hist6ricas precedentes a partir das conhecidas, maistardias. Assim, tive de abordar com freqiiencia fenomenosunitarios de carater geral a partir de distintos pontos de vistaparticulares, 0 que acarreta, a nosso malgrado, uma impres­sao de multiplas repeti~oes.

Tentarei antes de mais nada esbo~ar aque!es problemasda hist6ria romana a que tao-somente a hist6ria agraria po­de tentar dar uma solu~ao, ainda que parcial.

Problemas histarico-agrariosda histaria romana

As notlcias fidedignas mais antigas que temos sobre ahist6ria de Roma mostram-nos uma cidade votada a man­ter re!a~oes com gente de ultramar e, aparentemente, a rea­lizar uma poHtica maritima de Jongo alcance; s6 depois ob­servamos 0 imponente espetaculo da poHtica continentalromana de conquista, que nao s6 da Jugar 11 amplia~ao da

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6HIST6RIA AGIURIA ROMANA INTRODUr;:AO 7

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pot~ncia poHtica da cidade, mas tambem, ao mesmo tempo,a uma amplia9ao continua da area submerida acoloniza~oe aexplora9ao capitalista romana, enquanto 0 poderio da ci­dade sobre 0 mar nao progride de forma paralela a esse de­senvolvimento. Surge, pois, a pergunta: quem promoveu es­sas guerras de conquista? 15so nao equivale a perguntar-se deonde provinham as for9as militares (embora este problematambem seja discutivel, ja que, se 0 grande Imperio Romanotivesse podido dispor, contra 0 impeto das invasoes barba­ras, das mesmas for9a5 que seiscentos anos antes a Idlia oposaos celtas, 0 ~ito teria sido 0 mesmo), mas, antes, que classessociais e que grupos de interesses economicos detinham demaneira eferiva 0 poder poHtico e, portanto, tambem, quetend~ncias determinaram aquele importante deslocarnento dobari, tro da poHtica romana de que falamos e, enfim, se es­se d ' loc ento foi 0 resultado consciente dos esfor90s de

certos gru s de interesses.Observamos depois que, na epoca das lutas entre os par­

tidos, 0 objeto da disputa, 0 pr~mio da vit6ria, era 0 solopublico, 0 ager publicus: jamais num grande Estado a medi­da do ppder poHtico foi dada de forma tao direta pela ri­queza. E inegavel que essa situa9ao ja se teria verificado nosalbores da hist6ria romana, e a razao disso deve ser busca­da na especialissima situa9ao juridica de que gozava 0 agerpublicus, tanto no aspecto economico como no aspecto po­Htico. Por isso, coloca-se a questao de saber a partir de queconcep9ao foi legitimada essa situa9ao tao particular. A par­ticipa9ao consciente e a modernidade do duro antagonis­mo entre a coloniza9ao do solo publico - que era precariade iure, precisamente em rela9ao aautoridade publica, e quegozava de prote9ao legal apenas contra aqueles ataques pa­ra os quais os c6digos modernos disporiam uma san9ao pe­nal- e a propriedade imobiliaria privada, que levava as ul­timas conseqli~ncias os elementos individualistas da livredisposi9ao do proprietario e da mais absoluta mobilidade,

conduzem-nos ao seguinte problema: a que concep9ao eco­nomica correspondia, no ambito do direito agrario, essa ideiade propriedade que ainda hoje domina nosso pensamentojuridico, admirada por alguns por seu rigor 16gico e com­batida por outros como raiz de todos os males no campode nosso direito agrario?

Dado que, como ja sabemos, 0 desenvolvimento dos do­mfnios romanos implicava uma amplia9ao da area da eco­nomia romana, 0 que equivale a dizer uma amplia9ao doterrit6rio cultivavel (de fato, ao cabo desse processo a maiorparte do territ6rio da ltllia era cultivado), e 16gico perguntar­nos como se havia chegado a dispor de urn ambito tao ex­tenso. Esabido que, ao menos em parte, esse territ6rio eracolonizado e que dita coloniza9ao foi urn meio eficadssi­mo de consoli¥o da domin~ao romana e, ao mesmo tem­po, a unica medida politico-social de longo alcance com queo Estado romano conseguiu atenuar os fortes desequilibriosque afetavam seu corpo social, ao contrario de outras me­didas, como a distribui9ao de trigo ou 0 perdao de dividas,que, em compensa9ao, resultaram negativas. A coloniza9aodo ager publicus, ate aquele momento perigoso instrumen­to em maos dos agitadores demag6gicos, nas dimensoes queIhe deram os Gracos, produziu uma subversao de todas assitua90es de propriedade que, embora fossem juridicamen­te precarias, em todo caso estavam concretamente estipula­das: uma aut~nticamedida de revolu~ agraria. Assim, pois,a lex agraria de 643 a.u.c: tentou aplacar a luta, ao menosna ltaiia enos territ6rios provinciais da Africa e de Corin­to, transformando as propriedades imobiliarias precarias eas de aquisi9ao recente em propriedades privadas, precisan­do as rela90es juridicas de todas as situa90es de proprieda­de, inclusive as menos legftimas e, finalmente, abolindo asvelhas formas de aquisi9ao de propriedade do solo publico

"" Ab urbe condita, isto e, da fundas:ao de Roma. (N.E.)

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8 HISr6RIA ACMRIA ROMANA INTRODUr;AO 9

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_ em ultima an:llise, tentando instaurar a paz mediante umaespecie de estatuto real para a It:llia. Todavia, posteriormente,a concentra~ao de poderes e as guerras civis, que prepara­yam 0 terreno para a afirma~ao do principado, provocaram,especialmente com as violentas confisca~oes, os a~ambar­

camentos e as novas distribui~oes de terras aos exercitos notempo de Sila e dos triunviros, outra subversao de todasas rela~oes de propriedade imobiliaria. A conseqiiencia dis­so foi, grosso modo durante 0 ultimo seculo da republica,urn conjunto de movimentos migratorios cujas propor~oes

numericas sao companlveis as de urn &xodo. Faz-se neces­saria, assim, estudar em que formas, tanto economicas co­mo jurldicas, levou-se a cabo essa coloniza~ao.

Apos a ocupa~ao do solo publico na It:llia (em parte porassigna~ao*, em parte por atribui~ao aos municipios), asrendas que se obtinham come~aram a decair e, assim, noinicio d .dade imperial a base dos recursos financeiros doImperi fo os tributos pagos pelos fundos provinciais,entre os quais s mais importantes eram (e, por sinal, fo­ram durante toda a Antiguidade) as contribui~oes sobre osimoveis, arrecadadas de diferentes maneiras. Embora refle­tissem indubitavelmente os predecedentes ordenamentos tri­butarios das provlncias, esses metodos com que os roma­nos as tributavam eram, em todo caso, variadissimos; da!perguntarmos se, onde a transforma~ao das rela~oes sociaisdevia ser profunda por causa da anexa~ao aRoma, nao sepoderiam descobrir tendencias analogas na pratica adminis­trativa e se nao se poderia constatar no tratamento dos ter­ritorios provinciais uma indica~ao das formas ja adotadasna Italia. Em todo caso e como primeiro ponto, e conve­niente pesquisar como se inseriu a explota~ao agricola ro­mana no marco das condi~oes jurfdicas e sociais particula­res da propriedade imobiliaria e que transforma~oes expe-

* Isto e, distribui~ao, do~ao da terra (assignatio). (N.E.)

rimentou no decurso dos seculos. Ao examinar 0 desenvol­vimento e a organiza~ao do latifUndio na idade imperial, tam­bern devemos levar em conta outro fenbmeno, cujos funda­mentos econbmicos temos inevitavelmente de compreender:o aparecimento no colonato dos servos da gleba. Essa rela­~ao jurfdica pareceu estranha e provocou urn amplo debate,porque a maior parte dos pesquisadores tentou liga-la em vaoas formas do direito privado romano. Por outro lado, juntocom a pesquisa dos motivos econbmicos que constituem abase de seu surgimento, e preciso estudar que posi~ao ocupa­va essa rela~ao no direito administrativo do Imperio, isto e,deve-se analisar 0 fenbmeno do ponto de vista do direito pu­blico, ja que podemos estar certos de que, no plano do direi­to privado e da liberdade contratual, uma institui~ao dessetipo jamais teria surgido. Estreitamente ligado a isso eSr:l 0

problema do significado dos latifUndios no £mbito do Impe­rio, cujos ultimos ecos se ouviam na Alta Idade Media.

A historia agr:\ria nao se jaeta de resolver com suas unicasfor~as os problemas que esbo~amos (no sentido de que, da­do 0 estado atual das pesquisas, existe a necessidade de umasolu~ao posterior); ela deve apenas determinar a posi~ao atomar em rela~ao as ideias e aos pontos de vista praticosque formam 0 conjunto de seus metodos e de seus interesses.

o seguinte tratado nao pretende, decerto, projetar no­va luz sobre esses problemas ou dizer algo original aos es­tudiosos. Isso so seria posslvel se se incrementasse 0 mate­rial das fontes, ja que, evidentemente, todo resultado con­forme as Fontes existentes ja foi obtido, ao menos em suaslinhas principais. Sem duvida, pode-se discutir, por outrolado, sobre 0 carater substancial ou insubstancial que revestealgumas passagens no desenvolvimento historico da agricul­tura romana; e, nesse plano, abordando fenbmenos ja sin­gularmente conhecidos e considerando-os da perspectiva deseu significado pratico para a economia e a poHtica agraria,

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10 HIST6RIA AGMRIA ROMANA

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pode-se chegar a novos pontos de vista que sao, na minhaopiniao, dignos de discussao.

Fontes

As fontes disponlveis para uma pesquisa baseada nessaspremissas, prescindindo das pouco relevantes observas:5es feitaspelos historiadores e de alguns esc1arecimentos de particular• A' •• '" • NImportancla que as mscn~oes nos proporclOnam, estao reco-lhidas no texto recentemente editado por Lachmann, intitu­!ado Schriften der ramischen Feldmesser. 0 texto inc1ui em partemanuais de agrimensura redigidos por agrimensores especia­lizados, em parte fragmentos extraldos de escritos de geome­tria, de leis, registros das formae em que se repartia 0 territo.rio <1 , conhecidos pelo nome de libri coloniarum, e, fi­nalmente, bretudo para 0 aspeeto economico da pesquisa,os Scripto rei rusticae, autores de compendios de agricultu­ra para agricultores inexperientes, que, com exce~ao de Ca­tao, nao superavam certo diletantismo, como se manifesta emdistintos pontos. Os libri coloniarum e os Scriptores rei rusti­cae sao fontes ricas em elementos "translatos" e, portanto, ca­rentes de data, pelo que e frequentemente necessario exami­nar as notlcias nao datadas dadas pelos autores e, depois, esta­belecer de forma aproximada 0 perlodo em que tiveram apli­ca~ao pratica, coisa que nao se pode determinar senao comurn problematico "antes" ou "depois" de. Ja no que concer­ne aos agrimensores, e seguro que todos os seus dados tecni­cos se baseiam em praticas antiqulssimas, posto que jamais de­ram lugar a estudos de geometria, que, por outro lado, nuncativeram exito entre as romanos.

Em nossa exposi~o, tentaremos demonstrar, antes de maisnada, a conexao existente entre as formas de reparti~ao dasglebas e as caraeterlsticas jurldicas relativas, para depois exa­minar estas ultimas.

Capitulo I

CONExAo ENTRE OS GENERA AGRORUM DOS AGRIMENSORES E

AS CONDI<;OES JURfDICAS PUBLICAS E PRNADAS DAS

PROPRIEDADES FUNDIARlAS ROMANAS

Genera agrorum segundoos agnmensores

Como e sabido, os agrimensores dividiam a proprieda­de territorial, de seu ponto de vista, em tres categoriasprincipais!:

1. agerdivisus et assignatus, que, por sua vez, se subdividia em:a) ager limitatus, per centurias divisus et assignatus,b) ager per scamna et strigas divisus et assignatus;

2. ager per extremitatem mensura comprehensus;3. ager arcifinius, qui nulla mensura continetur.

Pode-se pois considerar indubitavelmente como veros­slmil a hip6tese de que as rela~oes jurldicas dos distintosterrit6rios correspondiam de alguma forma ao emprego des­ses distintos sistemas de medi~ao. Mas de que maneira? Is-

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12 HIsr6RIA ACMRIA ROMANA GENERA AGRORUM E CONDI(:OES DAS PROPRIEDADES 13

so so pode ser afirmado com seguran~a para uma pequenaparte, enquanto a maioria dos casos e reconstruida formu­lando-se hipoteses com base em fenomenos posteriores. Enecessaria considerar que tambt~m os mais indiscutlveis prin­cipios jurfdicos se concretizam, na pratica, em regras queadmitem exc~oes, em ocasioes do numerosas que 0 prin­cipio juridico acaba convertendo-se em subsidiario do usoconsuetudinario. Como quer que seja, renunciarfamos a pro­porcionar urn marco juridico aos fenomenos historicos sequisessemos prescindir absolutamente, por essa razao, dainvestiga~ao dos principios; e por isso que a investiga~ao,

ou mesmo a simples constata~ao, deve ser realizada.Esimples esclarecer a situ~ao das glebas das categorias

1 e 3. Por urn lado, nao ha dlivida de que a propriedadeimobiliaria estrangeira, isto e, de todas aquelas comunida­des do impe que em teoria estavam isentas, em virtudede urn foedus, do feitos imediatos das disposi~oes da auto­ridade imperial, , odia ser ager arcifinius. Os foedera comcomunidades autonomas, por exemplo com Astypalaea2,

nao possuiam nenhuma classe de disposi~ao sobre esses cam­pos, nem sequer a condi~ao de que as comunidades conser­vassem a propriedade de seu patrimonio atual. Ja aqui po­dia se vislumbrar uma especie de capitis diminutio politica.Por outro lado, e igualmente indiscutivel que 0 territoriode todas as coloniae civium Romanorum realmente dedu­zidas3 e de todas as demais distribui~oes de terras feitas emsolo romano entravam na categoria do ager divisus et assig­natus. Nao obstante, a localiza~ao de numerosas proprie­dades da categoria 2 e 0 esclarecimento do emprego das for­mas singulares de medi~ao requerem uma referencia ao as­pecto tecnico da reparti~ao e assigna~ao romanas.

Tecnica de medi,iio

Os lotes agricolas tinham, via de regra, seus limites orien­tados segundo os pontos cardeais. 1sso era levado a cabo comuma alidade rudimentar, com a qual se determinava de for­ma aproximada4 a linha leste-oeste, ou decumanus (divisor),visando de onde sai 0 sol (porque de noite, evidentemente,nao se pode visar e, portanto, nao se pode determinar a me­ridiana), e, depois, determinava-se a perpendicular, 0 cardo(eixo celeste). Assim se procedia normalmente, mas tam­bern podia ocorrer que, segundo as condi~oes do territo­rio, se orientasse 0 decumanus no sentido do lado mais com­prida de dito territ6rio, au entao, em zonas costeiras, nadire~ao do mar, ou, finalmente, ao longo da meridiana. Noque se refere as opera~oes sucessivas do procedimento, e ne­cessario distinguir entre a reparti~ao por strigas et scamnae a per centurias. Em ambas as categorias encontramos a re­parti~ao linear. A diferen~a entre elas era especificada pe­los agrimensores e, depois deles, pelos modernos, sobretu­do no contraste entre a forma quadrada e a forma retangu­lar dos lotes. Veremos que esta nao era a linica nem a prin­cipal diferen~a.

Medi,iio do ager scamnatus

Com respeito ao ager per scamna et strigas assignatu~

hi que dizer que so conhecemos 0 procedimento da repar­ti~ao atraves de urn caso especifico que examinaremos emseguida. Em todo caso, 0 resultado cia medi~ao consistia sem­pre na divisao do territorio em redngulos, chamados stri­gae quando tinham 0 lado maior na dire~ao norte-suI e scam­na quando 0 tinham na dire~ao leste-oeste. No mesmo ter­ritorio podem-se encontrar redl.ngulos de urn desses tipos,

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14 HIST6RlA AGJURlA ROMANA GENERA AGRORUM E CONDIC;:6ES DAS PROPRIEDADES 15

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ou mesmo de ambos, mas parece que a divisao perscamna eramais freqiiente5• Nao nos foi transmitido se, quando se recor­ria a esse tipo de divisao, devia-se utilizar uma unidade fixade medida, nem tarnpouco se todos os lotes de urn mesmo ter­rit6rio eram iguais entre si - 0 desenho conseguido deFrontin06, cuja epoca naturalmente e incerta, faz-nos antessupor 0 contrario. Mas 0 simples fato de que essa forma sejamencionada em oposi~aoao ager limitatus prova que uma re­de viana da forma tlpica que encontraremos nos limites doager limitatus nao poderia se enquadrar nas caraeteristicas doager scamnatus. As strigae e scamna, pelo que se pode inferir,erarn assignadas aos percipientes individuais, mas nao sabemoscom que sistema; finalmente, erarn anotadas na planta cadas­tral desenhada com esse fim.

Me~o ager centuriatus

Os agrimensores no;}ao notlcias mais completas sobreo procedimento de medi~ao e divisao do agerper centurias di·visus et assignatus ou ager limitatus, dado que era, a seu ver,aforma mais regular eperfeita e tarnbem porque, segundo eles,parece ter sido 0 metodo pr,hico mais importante, devido itutiliza~ao quase exclusiva que dele fizeram Cesar e os triunvi­ros em suas arnplas distribui~oes. Procedia-se da seguinte ma­neira: paralelamente as duas linhas cardeais antes determina­das - decumanus e cardo maximus - tra~ava-se urn sistemade decumani e de cardines dispostos, em regra geral mas naonecessariamente, de tal forma que tivessem entre si areas qua­dradas, charnadas centuriae, cada uma de 20 actus (1 actus =

120 pes quadrados), portanto, de 400 actus quadrati, corres­pondentes a 200 jugadas Gugera). Entre as centuriae ficavamlivres os decumani e os cardines, cuja largura sofreu varia~oes,

mas que na Idlia, durante 0 Imperio, era de 8 pes.

A cada cinco cardines, ou decumani, existia urn quinta­rius que, servindo de actuarius, era mais largo; durante aera imperial alcan~ou a largura maxima de 12 pes. A super­Hcie compreendida entre esses actuarii, 25 centurias, era de­signada, durante a era imperial, com 0 vocabulo tecnicosaltus7; tarnbem erarn mais largos que urn quintarius 0 cardamaximus e 0 decumanus maximus. Estes ultimos e os quin­tarii eram vias publicas e nao podiam ser ocupados; os ou­tros limites ou eram simples linearii, isto e, linhas carentesde espessura, ou entao apenas subruncivi, viae vicinales, porcuja conserva~ao 0 poder publico nao se responsabilizava.Continuava-se essa medi~ao enquanto havia superflcie dis­ponivel e necessidade de lotes agricolas. Nos marcos extre­mos do ager, entre os limites do pr6prio ager e os redngu­los dos ultimos lotes, ficavam os subsiciva e, quando a terradisponivel excedia em muito as necessidades imediatas, ou­tras superficies mais extensas (ager extra clusus). As centu­rias assim formadas eram dotadas, depois, de marcos de pe­dra nos cantos e, finalmente, toda a zona se reproduzia numplano. Nesse plano (forma) eram tra~ados os limites deter­minados e os pontos extremos da zona, de tal forma quetambern obtinham a representa~ao cartografica 0 ager ex­tra clusus e os subsiciva formados nas margens de dita zonas.Embora certas propriedades imobiliarias fossem expressa­mente excluidas da assigna~ao (loca excepta e relicta), de qual­quer modo suas divisas se reproduziam na planta9; analo­gamente, nas plantas mais precisas, assinalava-se da mesmaforma 0 terreno que sobrava entre as centunas, tarnbem cha­mado subsicivalO•

Iniciava-se depois a distribui~ao entre os participantesda assigna~ao. 0 procedimento, tal como era praticado nu­rna epoca bastante tardia, nos e descrito por Higino (De con­die. agr. 117). Determinavam-se no campo sortes para cadadez colonos, e os colonos se agrupavam, mediante sorteio,

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16 HIST6RlA AGRARIA ROMANA GENERA AGRORUM E CONDIC;:OES DAS PROPRIEDADES 17

em decuriae; depois, tirava-se ao acaso uma sors por cadadecuria e, mais tarde, dentro da propria decuria, a terra (ac·cepta) para cada colono; ou tambem se escolhiam ao acasotres colonos por cada centuria e deixava-se aos cuidados de­les a escolha de sua propria sors. Esse procedimento era re­petido com freqiiencia nas colonias de veteranos, ja que, pa­rece, na idade imperial atribuia-se por sorteio a ter~a partede uma centuria11 a cada veterano.

o negocio se aperfei~oava juridicamente com a inscri­~ao do colono na planta cadastral. 0 nome dos colonos eraanotado nas centurias em que haviam recebido 0 terreno;junto do nome, anotava-se 0 modos, em jugadas e, habitual­mente, ao que parece, tambem 0 tipo de cultura (species) doterreno em quesdo (campo, bosque, pasta). Essa anota~ao

era denominada, com termo tecnico, adsignatio. Represen­tavam-se as centurias e, tambem, os termini colocados emsuas esquinas de forma que urn observador que se en­contrasse no po 0 e interse~ao do cardo maximus como decumanus maximus de costas para 0 oriente teria oscardines a sua direita e a sua esquerda, e os decumani a fren­te e atd.s. Depois, a centuria era contramarcada com 0 nu­mero de decumani que tinha a sua direita (ou esquerda)e com 0 numero de cardines que tinha a frente (ou atras)de si12.

£, logico que 0 procedimento de distribui~ao tinha deser diferente quando entre os percipientes se encontravampessoas que haviam residido ate endo precisamente na areaa colonizar e que nao participavam da parti~ao na simplesqualidade de novos colonos, em igualdade de direitos, masem medida proporcional as dimensoes de sua propriedade(parece que isso ocorreu em Ancio, sendo 0 mais antigoexemplo desse tipo que conhecemos). Nesse caso, procedia-seantes de mais nada a comprova~ao de dita propriedade combase em sua professio. De acordo com essa comprova~ao,

e!es podiam simplesmente ficar de posse de seus terrenos, queassim nao passavam a fazer parte da area a dividir, e nesse casoanotava-se naforma, junto ao numero de jugadas da sua pro­priedade: redditum suum; au entao, apos uma taxa~ao, rece­biam sones equivalentes ao valor estimado e se anotava: reddi·tum et commutatum pro suo13• Como quer que seja, ja nao erapossive! aplicar, sem nenhuma modifica~ao,0 mode!o de ex­tra~ao por sorteio, de que falamos. Alias, nem sequer se sabede que forma era aplicada, em geral, a assigna~ao mediantesortelO.

Uso do soneio. Assigna,oes viritanas e coloniais

Encontram-se, sem duvida, em certas ocasioes, assigna~oessem sorteio, como as do ager Campanus e do campus Stellatisfeitas por Cesar, segundo uma informa~aode Suetonio14• Alei agraria de 643 a.u.c. tratava especialmente daque!e territ6­rio, que fazia parte das assigna~oes dos Gracos e que havia si­do assignado sonito ceivi Romano15• A assigna~ao era segura­mente16 uma assigna~aoviritana. No que concerne ao terri­torio sortito ceivi Romano, Mommsen17 considera que se tra­ta de assigna~oes coloniais e que, precisamente, quer-se evi­denciar isso remarcando 0 sorteio ocorrido.

Pois bern, e evidente que 0 uso do sorteio permite com­preender a inten~ao de marcar os lotes individuais de terrenoe aque!es a quem estavam destinados com carater de rigorosaequivalencia. Ademais, devia haver uma necessidade poHticadesse tipo precisamente em re!a~ao a forma~oes, ou transfor­ma~oes, de comunidades, como eram as colonias. Por isso, areparti~ao por sorteio deve ser considerada como regra paraas colonias, do que deriva outra caraeterlstica particular dasproprias colonias, a considerar como crive! e que se referiaa magnitude dos lotes sorteados.

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18 HISr6RlA AGJURIA ROMANA GENERA AGRORUM E CONDI<;:6ES DAS PROPRIEDADES 19

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Ja uma observa~ao de Mommsen18 implicava a conelu­sao, bastante verossfmil, de que as primeiras colonias da epo­ca faziam parte, ou, pelo menos, aproximavam-se de umaorganiza~ao agniria coletivista. Ao passar para uma econo­mia privada, devia apresentar-se, pela divisao dos bens, 0

mesmo problema que se coloca nesse caso para todas as co­munidades agdcolas nao organizadas autarquicamentel9:

areas iguais nao t&m habitualmente 0 mesmo valor, de talforma que uma divisao em areas iguais nao atribuiria a to­dos urn patrimonio de igual valor. Esabido que as coloniasalemas resolveram 0 problema fracionando 0 territorio emGewanne e dando, a cada urn, urn lote de terreno em cadaGewann. Entrementes, como demonstraremos adiante, exis­tern razoes fundadas para sustentar que tambern se proce­deu de forma analoga na Italia numa epoca proxima da nossamais remota tradi~ao - tanto mais que dificilmente pode­se prescindir desse conceito para as unioes cooperativas, en­quanto nao se proceder a uma avalia~ao - e poderia acon­tecer que a frequente divisao em laciniae ("arlas"), que naoconhecemos em detalhf;esentasse esse fenomen020• Noentanto, a distribui~ao corr ondente ao direito imobilia­rio ja nos tempos das Doze abuas nao era esta; ao contra­rio, sabemos pela tradi~ao que, no ager assignatus, semprese distribufam areas compaetas (a impordncia desse fato seradiscutida em breve). Mas, enta~, os lotes sorteados nao po­diam ter a mesma extensao, devendo ser de igual valor; aextensao devia ser proporcional a uma avalia~ao preventi­va e variar segundo a natureza do terreno. Semelhante ava­lia~ao, que entre outras coisas podia ser bastante grosseira,nao era demasiado diffcil, desde 0 momenta em que se as­signava terra ja cultivada. De fato, os agrimensores dao tes­temunho de que a superffcie das acceptae era estabelecidaapos a avalia~ao (Lachmann, 156, 15; d. 222, 13; 224, 12)21.Se, portanto, 0 sorteio das acceptae deve ser considerado co-

mo regra para as assigna~oes coloniais, em compensa~ao,

para as assigna~oes viritanas da epoca mais antiga, era pro­vavelmente a exce~ao. Por certo, em lugar da cuidadosa ava­lia~ao e medi~ao da area das acceptae segundo 0 valor doterreno, tinha-se por regra dividir mecanicamente 0 cam­po em lotes iguais entre si, sendo de fato sabido que estaseram as assigna~oes viritanas normais, com 0 complemen­to de que era posta it disposi~ao de cada pessoa uma alfquo­ta determinada. Alias, isso tambern estava em conformida­de com a situa~ao: caso nao se apresentassem voluntariosem numero suficiente, os colonos eram recrutados e feitosit for~a e formalmente membros de uma nova comunida­de. Num pedodo anterior a isso, estavam sujeitos a domi­cilio for~ado e, depois, restou-Ihes a liberdade de ir e virque, embora ilimitada, so Ihes era consentida entre as dis­tintas colonias. Ao contrario, quem aceitasse urn lote de ter­reno que Ihe fosse assignado viritim podia agir livrementeit sua vontade, podia aceitar ou nao 0 lote que Ihe era assig­nado e, se 0 aceitasse, isso significava converter-se em pro­prietario, adsiduus, sem por outro lado assumir nenhumanova obriga~ao.

As colonias dos veteranos, que, na pratica, eram as maisinteressantes para os agrimensores, sao em ultima analiseassign~oes viritanas22• Por isso, as acceptae, como reconhe­ce Higino (De lim. canst 200) no procedimento de canter­natia antes citado, t&m todas uma extensao igual, exatamentede 1/3 de centuria; isto e, segundo a magnitude da centu­ria, 66 2/3, 70 ou 80 jugadas. Ou, vice-versa, tambem se podedizer que a centuria, devendo ser suficiente para tr&s cotasindividuais, era respectivamente de 200, 210 ou 240 juga­das. Pelo contrario, da passagem em que se fala do outroprocedimento que recordamos, 0 do sorteio per decurias (Hi­gino, De lim. et cand. agr. 113), parece resultar que 0 madusagri (d. linhas 16-17) das distintas acceptae individuais era

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20 HIsr6RIA AGIURIA ROMANA GENERA AGRORUM E CONDI<;6ES DAS PROPRIEDADES 21

diferente; ademais e cert02) que as cotas viritanas nao de­viam em absoluto fazer parte, com toda a sua area, de uma56 e unica centuria e que, portanto, os limites nao coinci­diam habitualmente com as divisas da propriedade. Pois bern,poder-se-ia supor que, nessas assigna~oes aos veteranos ­ja que e sobre e1as que estamos discutindo -, fundia-se ar­bitrariamente 0 modus procedendi das antigas assigna~oes vi­ritanas com 0 das precedentes assigna~oes coloniais, coisaque tambern se deduz do fato de que 0 sorteio das acceptae,tlpico em suas origens das assigna~oes coloniais, aparep re­gularmente nas assigna~oes aos veteranos. Alias, esse ulti­mo fato e justificave1, ja que, quando essas grandes distri­bui~oes maci~as tinham lugar, os veteranos costumavamsempre lamentar-se de terem sido ludibriados ou tratadoscom desconsidera~ao; seu descontentamento teria podidotomar-se urn perigo, por isso deviam evitar parecer injus­tos. Ademais, de forma a criar uma altemativa, a cota sor­teada devia corresponder a uma determinada soma em di­nheiro em termos de r.;aopor invalidez, polo que as co­tas individuais devia~ te 0 menos aproximadamente 0mesmo valor. Por isso, er ecessario aplicar 0 sistema desorteio, estranho as assigna~oes viritanas e a medi~ao combase numa avalia~ao. Em todo caso, parece-me provavel queo tipo de distribui~ao per contemationem se aplicava sobre­tudo as antigas assigna~oes viritanas e 0 per decurias as as­signa~oes coloniais precedentes.

Diferenr;as entre as assignar;oes

Ate agora s6 constatamos uma diferen~a entre as duasformas de assigna~ao aqui tratadas, a per centurias e a perscamna et strigas, a saber: a existencia de limites na primei­ra. S6 onde se usavam limites pode-se falar de centlirias. Mas

entre os agrimensores encontramos uma combina~ao dosdois sistemas, urn ager scamnatus com limites, dividido emcenturias. Eevidente que se trata de uma forma hlbrida maistardia; entretanto, para compreender os motivos que a pro­duziram faz-se necessaria examinar mais a fundo sua tecni­ca. Uma nota de M. Jun. Nipsus (293) diz que a centuriano ager scamnatus era de 240 jugadas. Numa descri~aopor­menorizada esbo~ada por Higino, em fragmento de diffcilinterpreta~ao (De lim. canst. 206), sobre 0 procedimento se­guido nesse tipo de reparti~ao, fala-se de lotes de igual ex­tensao. Daqui podemos deduzir que a centuria de 240 juga­das inc1uiria lotes de 80 jugadas cada.

No trecho citado, Higino adverte antecipadamente quese tratava da medi~ao do ager arcifinius provincialis e, ap6ster deduzido a necessidade de proceder de maneira distintada medi~ao tradicional per centurias, aduzindo motivos so­bre os quais voltaremos mais tarde, continua:

Mensuram per strigas et scamna agemus. Sicut antiqui latitudinesdabimus decimano maximo et K. pedes viginti, eis limitibus trans­versis inter quos bina scamna et singulae strigae interveniunt pe­des duodenos itemque prorsis limitibus inter quos scamna quat­tuor strigae cluduntur pedes duodenos, reliquis rigoribus lineariisped. octonos. Omnem mensurae huius quadraturam dimidio Ion­giorem sive latiorem facere debebimus: et quod in latifundinemlongius fuerit, scamnum est, quod in longitudinem, striga.

As centurias - ja que e isso que significa quadratura- deviam, pois, ser uma vez e meia mais compridas do quelargas, ou vice-versa; por essa razao, seus !ados mediam 20e 30 actus, sua area 300 jugadas, cada lote 100 jugadas. Noentanto, talvez haja urn erro nesse dlculo e Higino se refi­ra as centurias de Nipsus, de 20 x 24 actus. Ele afirma que,nessas centurias, os tres lotes estao representados por umacombina~aode strigae e scamna e que, a partir dessas centu-

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22 HIST6RIA AGRARIA ROMANA GENERA AGRORUM E CONDIC;OES DAS PROPRIEDADES 23

rias, formada cada uma por 1 striga e 2 scamna ou vice-versa,formavam-se conjuntos ainda maiores, que ocupavam 0 lu­gar do saltus do habitual ager centuriatus. De urn lado deles,ao longo do decumanus, faziam limite, segundo Higino, 4strigaee 4scamna, enquanto do outro lado, ao longo do cardo, confi­navam com 0 limnes 2 scamna e 1striga. Feita essa observa~ao

e admitindo que esse fragmento esteja viciado, no sentido deque as palavras prorsis e traversis (206, 10-12) tenham sido tro­cadas uma pela outra, resulta que a planta imaginada por Hi­gino e uma das desenhadas no Ap&ndice. Destas, uma con­corda com a hip6tese de que, como afirma Higino, a centuriaera de 20 x 30 actus; na outra desenhou-se a centUria segundoNipsus, de 24 x 20 actus.

Estas figuras concordam bastante com 0 que se podededuzir dos deterioradissimos desenhos reproduzidos porLachmann (figs. 198,200,201,204,205). Dividiu-se a cen­turia retangular, em vez de faz&-Io em tr&s faixas paralelas,strigae ou scamna, conando urn ter~o de longitude comostriga e 0 resto transversalmente, em vez de faz&-Io em sen­tido longitudinal, obtendo as~'2 scamna24• De qualquermodo, a caraetenstica dos ca 0 confinados e medidos emcenturias, muito embora os desen os se aproximem maisou menos da verdade, e sempre so de scamna e strigae,de tal forma que se possam formar as pr6prias centurias.Essa caraetenstica nos faz perguntar por que se recorreu auma combina~aotao artificiosa, 0 que, por sua vez, nos le­va a urn problema posterior, que ja e necessario afrontar,o dos casos em que se fazia uso da divisao per scamna etstrigas. Com tal finalidade, determinaremos antes de tudoem que consistia a diferen~a essencial entre as assigna~oes

per centurias e as assigna~oes per scamna et strigas. Eeviden­te que nao consistia primordialmente na exist&ncia (ou au­s&ncia) dos limites, ja que estes tambem podiam ser empre­gados, na epoca de que estamos falando, no ager scamnatus,

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como se deduz do fragmento agora discutido, sem que comisso perdesse sua peculiaridade de ager scamnatus. A dife­ren~a essencial tampouco pode residir na forma retangular,dado que tambem as centillias, como vimos, podiam ter umaforma nao quadrada. Esra claro que a diferen~a se funda emalguma outra caracteristica. Vimos que, no ager limitatus,a forma s6 continha os limites extremos do campus, os car­dines, os decumani e 0 numero de jugadas assignadas aos per­cipientes individuais em cada centuria, isto e, 0 modus agri.Dado que as divisas das centurias nao coincidiam em abso­luto com as das propriedades, em regra geral a forma naoabarcava a representa~ao cartogr:ifica de cada propriedadeindividual. E0 que se deduz de fato e com clareza do se­guinte trecho (121):

Nuper ecce quidam evocatus Augusti, vir militaris disciplinae, pro­fessionis quoque nostrae capacissimus, cum in Pannonia agros ve·teranis ex voluntate et liberalitate imperatoris Traiani Augusti Ger­manici adsignaret, in aere, id est in formis, non tantum madumquem adsignabat adscripsit aut notavit, sed et extrema linea uniuscuiusque madum comprehendit: Uti acta est mensura adsignatio­nis, ita inscripsit longitudinis et latitudinis madum. Quo facto nul­lae inter veteranos lites contentionesque ex his terris nasci pote­runt. Namque antiqui plurimum videbantur praestitisse, quod ex­tremis in finibus divisionis non plenis centuriis modum formis ads­cripserunt. Paret autem quantum hoc plus sit, quod, ut supra di­xi, singularum adsignationum longitudinem inscripserit, subsici­vorumque quae in ceteris regionibus loca ab adsignatione discerninon possunt, posse effecerit diligentia et labore suo. Unde nullaquaestio est, quia, ut supra dixi, adsignationem extrema quoquelines demonstravit.

Considerava-se, pois, uma novidade 0 fato de que, naplanta de urn ager centuriatus, aparecessem os limites daspropriedades. A determina~ao cartogr:ifica das posses indi­viduais nao era, em absoluto, a finalidade da forma. Ademais,

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24 HISTORlA AcRARIA ROMANA GENERA AGRORUM E CONDlr;6ES DAS PROPRIEDADES 25

Augusto foi 0 primeiro a ordenar25 que, no futuro, dever-se­iam delimitar com termini roboris tambern as distintas accep­tae, enquanto antes s6 as centurias tinham marcoS de pedrae se confiava nos percipientes para chegar a urn acordo no sen­tido de colocar termini comportionales ou outros marcos. 56o modus agri assignado era objeto de protes:ao publica26• Como ager scamnatus procedia-se de forma diferente. De fato, sa­bemos que era assignado per proximos possessorum rigores27,

isto e, "segundo as divisas de propriedade mais pr6ximas".Neste caso, a planta inclula as divisas das propriedades indivi­duais, nele se desenhavam os diferentes lotes assignados e eramanotadas as pessoas que os recebiam.

Que motivo tera dado lugar a esse tipo de distribui,ao?Higino no-Io explica no prindpio do fragmento, que ja emparte interpretamos, ao dizer:

Agrum arcifinium veetigalem ad mensuram sic redigere debemus ut

et recturis et quadam terminatione in perpetuum servetur. Multi huiusmodi agrum more colonico deci is et cardinibus diviserunt, hocest per centurias, sicut in Panno a: .ihi (autem) videtur huius solimensura alia ratione agenda. Debet \ im aliquid) interesse inter(agrum) immunem et vectigalem. N uem admodum iBis condi·cio diversa est, mensurarum quoque actus dissimilis esse debet. Neetam anguste professio nostra concluditur, ut non etiam per singulasprovincias privatas limitum observationes dirigere possit. Agri (au­tern) veetigales multas habent constitutiones. In quibusdam provin­ciis fructum partem praestant certam alii quintas, alii septimas, aliipecuniam, et hoc per soli aestimationem. Certa (enim) pretia agriseonstituta sunt) ut in Pannonia arvi primi, arvi secundi, prati, silvaeglandiferae, silvae vulgares, pascuale. His omnibus agris veetigal estad modum ubertatis per singula iugera constitutum. Horum aesti­mio nequa usurpatio per falsas professiones fiat, adhibenda est men­suris diligentia. Nam et in Phrygia et tota Asia ex huius modi causistam frequenter disconvenit quam in Pannonia. Propter quod huiusagri vectigalis mensuram a certis rigoribus comprehendere oportet,ae singula terminis fundari.

Portanto, segundo Higino, a razao pela qual se recor­ria adivisao per scamna et strigas e pela qual 0 solo deviaser confinado a certis rigoribus para que nao surgissem con­fusaes deve ser buscada na tributabilidade do terreno. A de­limita,ao a certis rigoribus s6 se obtinha representando naplanta os rigores, as divisas das propriedades28• Com todaprobabilidade, este mesmo motivo foi determinante na ino­va,ao que Higino, a prop6sito da limitatio pananica, dizhaver sido introduzida nuper por meio de urn evocatus Au­gusti. Queria-se que as divisas das posses aparecessem na plan­ta e, par isso, recorreu-se, dentro das centurias, a esse siste­ma de divisao que consistia em determinar e representar naplanta as divisas da propriedade: os scamna e as strigae.

Causa da medir;ao diferente. Tributabilidade do agerscamnatus

Agora 0 motivo est"- claro: onde quer que existisse urnverdadeiro imposto imobiliario, isto e, onde uma gleba de­terminada e limitada fosse obrigada a uma determinada con­tribui,ao em dinheiro, especie ou cotas proporcionais apro­du,ao, a administra,ao publica tinha interesse em definirpor meio de uma escritura publica as condi,aes da glebamediante a identifica,ao do objeto do imposto. Urn inte­resse dessa classe nao existia de fato onde a propriedade imo­biliaria nao era taxada com tipo algum de imposto imobi­liario, mas apenas com urn imposto sobre 0 patrimanio,como, alias, qualquer outro bern patrimonial do contribuin­te, inclusive no caso de a propriedade imobiliaria consti­tuir a fonte principal da receita tributaria. Sabemos que 0

caso do sistema tributario romano era precisamente este ul­timo. Para a administra,ao publica, nao tinha valor nenhumpoder identificar na forma as delimita,aes das distintas gle-

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26 HIST6RIA AGIURIA ROMANA GENERA AGRORUM E CONDI<;:6ES DAS PROPRIEDADES 27

bas, se cada uma delas estava sujeita apenas a urn impostopatrimonial, ao menos em tearia. No census s6 era trans­crito 0 numero de jugadas, 0 modus29

; 0 mesmo dado apa­recia na Jonna para as primeiros assignad.rios, e se podiamais tarde exercer urn controle, suficiente para os fins docensus, apresentando os documentos da mancipatio. Por tu­do isso e ja que Frontino (4) assinalou expressamente quea divisao per scamna et strigas era a forma em que arva pu­blica in provinciis soluntur, ja nao podemos por em duvidaque, segundo a teoria agrimensoria, esse tipo de divisao de­via ser empregado quando se distribula 0 terreno publico,sem que se convertesse em ager optimo iure privatus, espe­cialmente no caso de que a terra fosse distribulda com a obri­ga~ao de urn foro, um imposto imobiliario ou de outra pres­ta~ao; enquanto, no casO da cessao em propriedade plena,deviam ser realizadas a delimita~ao e a assigna~ao per centu­rias. Portanto, em todos os casos, eram assignadas per cen­turias as coloniae civium Romanorum iuris Italici e tambemtodos os lotes assignados vitrim aoS que a propriedade ple-

na do solo fosse outorgada. . ~

Uso da scamnatio

Segundo essa teoria, deviam assignar-se, por sua vez, perstrigas et scamna todos os agri vectigales que eram taxadoscomo tais pelos funcionarios romanos e cujo vectigal cabiaao Estado; em segundo lugar todas as glebas provinciais con­fiadas aos velhos e aos novos proprietarios, com a condi­~ao de pagar uma cota em dinheiro ou em especie, em geralcom a obriga~ao de uma presta~ao real. Querendo aprofun­dar ainda mais 0 argumento a partir da notlcia que nos daFrontino sobre 0 uso dos scamna e das strigae nos arva pu­blica, chegarlamos a concluir que essa forma de divisao se-

ria, em suas origens, a adotada para a medi~ao do solo publicodado em aluguel temporal, de maneira que 0 metodo agrimen­sorio hlbrido que combinava a limitatio com a scamnatio te­ria correspondido a outro hlbrido similar, no campo jurldi­co, 0 ager privatus vectigalisque.

De urn fragmento de Gdnio Liciniano (15) conclui-se queos campos dados em arrendamento em nome do Estado de­viam ser representados regularmente nas formae. Fala-se dopretor P. Untulo, um comissario encarregado pe!o Senadopara submeter arevisao 0 ager Campanus, parcialmente ocu­pado, mas sem autoriza~ao, por particulares (0 fragmento foicompletado por Mommsen, CLL., X, 386):

Agrum (e)u(m) in (£Undos) minu(t)os divisum (mox ad pr)et(i)umindictu(m locavit et mu)lto plures (quam speraverat agros ei rei)praepositur reciperavit formamque agrorum in ae(s) incisam ad Li~

bertatis fixam reliquit, quam postea Sulla corrupit.

Neste caso, e bem provave! que, conforme a finalidadeda planta, se houvessem representado ne!a as divisas de cadagleba, porque, de outro modo, provave!mente nao teria se al­can~ado 0 objetivo da propria planta. 0 ager Campanus ain­da era ager vectigalis em tempos de Cesar (Suet., Div. luI. 20).Como quer que seja, emais provave! que se utilizassem paramedi-Io strigae e scamna em vez da limitatio. Mais ainda, umalimitatio no autentico sentido da palavra nao era possive!, jaque se tratava de urn ato administrativo que so se adotava combase num decreto do Senado.

Contudo, embora admitindo que ja numa epoca bastanteremota e, depois, em tempos posteriores, se recorresse ascam­natio para medir a terra publica, ou parcialmente publica, is­so nao quer dizer que s6 se usasse ascamnatio nesse caso, nemtampouco que 0 terreno publico fosse medido e repartido s6dessa forma. Mais que isso, em re!a,ao a ambas as coisas pode­se demonstrar 0 contrario.

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28 HIST6RIA AGRARIA ROMANA GENERA AGRORUM E CONDIC;;OES DAS PROPRIEDADES 29

Para Frontino, a scamnatio representa a forma de assig­na~ao more antiquo. Prescindindo de urn numero determi­nado de munidpios, de que ainda nao falamos, encontra­mos os scamna e as strigae nos territorios de duas coloniasde cidadaos: OstialO e Suessa Auruncal1 . Ostia e a mais an­tiga colonia romana conhecida, au, em todo caso, se se dis­cute seu carcher de colonia para 0 perfodo mais antigo, ea localidade que nos foi transmitida como a primeira a aceitardeductiones; ademais, foi colonia augustana. Suessa era umacolonia latina, que, depois da guerra social, transformou-seem municipio e, posteriormente, em colonia triunviral. Aproposito de Suessa, parece que existiu uma razao especialpara empregar a scamnatio. Frontino diz (48,16): "et suntplerumque agri, ut in Campania in Suessano, culti, qui ha­bent in monte Massico plagas silvarum determinatas". Pa­rece, pais, que, par alguma razao, houve a necessidade deregular a usa dos bosques na forma apontada par Fronti­no, isto e, assignando a determinadas glebas as zonas flo­restais; para poder fazer isso, era necessaria determinar nalonna tanto as divisas das glebas que tinh autoriza~ao,

como as cotas de bosque; par conseguinte, ne ssitava-se re­correr aos scamna et strigae. Quanta ao resto, ignoramosquando e par quem foi iniciada essa divisao, p que, devidoit tempestuosa maneira de proceder dos triunviros, e abso­lutamente provavel que fossem aceitas as divisoes ja exis­tentesl2.

No que concerne a Ostia, querendo formular uma hi­potese - e, precisamente neste caso, nao se pode evitar defaz&-lo -, somas tentados a por em rela~ao a divisao emscamna et strigae com a tribus urbana, designa~ao que, aomenos segundo parece, tinha uma parte dos habitantes deOstia (alem deles, apenas os do segundo grande porto id.li­co de cereais, a colonia de Puteoli, deduzida em 560 a.u.c.,e as de outro porto mais distante, Turris Libisonis, na Cor-

segal; e tambern a admitir que foi precisamente uma situa­~ao juridica especial das glebas, expressa na scamnatio, queimpediu a admissao dos respectivos possuidores nas triboscamponesas, que essa situa~ao juddica se relacionava comas presta~oes impostas aos possuidores, segundo a tipo dosviasii vicani e dos navicularii, para a abastecimento da ca­pital em cereais e que, par causa dessa tributa~ao, as lotesde terreno nao foram assignados na forma do ager pri­vatusll .

As outras localidades idlicas em que se realizou, segundoa liber coloniarum, uma assigna~ao parcial em scamna, saoas seguintes: Aletrium (centuriae e strigae)l4, Anagni (stri­gae)l5, Aequicoli (strigae et scamna in centuriis)l6, Aufide­na (centunae e scamna)37, Terventum (praecisurae e stn­gae)l8, Histonium (centuriae e scamna)l9, Bovianum - pro­vavelmente Bovianum vetus - (centuriae e scamna)40, Atina(em parte lacineis et per strigas)41, Reate e Nursia (strigae etscamna in centuriis)42. Todos esses centros se transforma­ram, mais tarde, em municipia. Pode-se demonstrar que gran­de parte deles atravessou a estado intermediario de praefec­tura, a saber: Anagni, Reate, Nursia, Atina. Parece que as­sim tambem se deu com Aequicoli, enquanto nada sabemossabre Bovianum vetus. Tampouco sabemos se, nas assigna­~oes aos veteranas, as strigae e scamna eram usadas pela pri­meira vez, au se tal divisao havia sido descoberta e assumidaprecedentemente. Sabemos ainda menos se havia motivosespeciais para adotar esse tipo de divisao das cidades cita­das. Por exemplo, teria sucedido assim se Se tivesse tratadode concessoes de posses inalienaveis; e admiSSlvel a hipote­se de essas assigna~oes nao terem sido efetuadas par Augus­to. Esabido, ademais, que essa inalienabilidade se exprimiajuridicamente por meio de urn veetigal previsto para aidentifica~ao_ 0 territorio dos Aequicoli, apos ser subme­tido, foi confiscado, mas, pelo que se sabe, nao foi distri-

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30 HIST6RIA ACIURIA ROMANA GENERA AGRORUM E CONDI<;:OES DAS PROPRIEDADES 31

buido viritim, e sim provavelmente dado em arrendamen­to e, por esse motivo, dividido em scamna. Ao menos emparte, ter-se-a verificado 0 meSilla nas prefeituras, que, ade­mais, deviam sua existencia a acontecimentos belicos e nasquais ted. havido, por esse motivo, uma classe de possuido­res territoriais com direitos revogheis. Devido adeductiode Bovianum Undecimanorum, pode-se impor, sem duvi­da, a Bovianum vetus, uma obriga,ao juridica de vectigal,como vicus dos antigos possuidores. Siculo FIacco (136, 20)fala da existencia de numerosos agri vectigales em Reate, co­mo tambem no Piceno, onde talvez existissem os scamnade Histonium. Por ultimo, e possive! que uma parte daslocalidades citadas, isto e, naque!as para as quais 0 liber co­loniarum mencionava a divisao por centuriae e por strigaeet scamna, tenha ocorrido a simples conternatio, da qual jafalamos (p. 4), a qual se tenha obtido dividindo a centuriaem tres faixas parale!as, chamadas strigae ou scamna segun­do a dire,ao de seu lado mais longo. Isso talvez porque jaestava amplamente em uso 0 metodo mencionado como no­vo por Higin043

, com base no qual as divisas d~a pos­se eram representadas na forma tambem no coo agercenturiatus.

Como quer que seja, esses exemplos, em especi os deSuessa Aurunca, indicam seguramente que tambern 0 agerprivatus podia ser assignado per strigas et scamna, mas per­mitem que se mantenha a esse respeito certa probabilidadede esse fato dever referir-se, na maioria das ocasiaes, a mo­tivos particulares.

Medi,ao do ager colonialis tributdvel

Por outro lado, tambern e seguro que nem todos os ter­ritorios concedidos com direitos menores foram distribuf-

dos por scamna et strigae. No fragmento citado anterior­mente, Higino, a proposito das assigna,aes, mais tardias,de agri provinciales tributheis, afirma expressamente, em­bora desaprovando 0 procedimento, que ocorreram comfreqiiencia na forma habitual, per centurias com limites.Exemplo disso e-nos proporcionado, ao que parece, pe!a ins­cri,ao comentada no Apendice, que, como ali se chama aaten,ao, representava evidentemente uma parte da copia deurn plano cadastral.

Pode-se reconhecer pe!as linhas das se,aes que a divi­sao se realizou per centurias. As medidas dos lados das cen­turias estao entre si na re!a,ao que, segundo Nipsus, deviaser adotada no ager scamnatus nas ja citadas centurias de 240jugadas, re!a,ao, portanto, de 6:5. Esta claro que, aqui, Nip­sus identifica 0 ager scamnatus com 0 ager colonialis tribu­the!, ja que, como se conclui a partir da planta, Arausionao estava dividida em scamna; e evidente que a cada perci­piens foram assignados, em compensa,ao, apos uma estima­tiva, distintos modi em distintas centurias, divisao de todosimilar adas assigna,aes coloniais isentas de impostos. Ade­mais, segundo a integra,ao de Mommsen, que nao pode serposta em duvida, em cada centuria repetia-se a locu,ao "extrib(utario)"- segue urn numero - "red (actus) in col(oni­cum)" - segue outro numero. Trata-se precisamente do casoa que se refere a passagem de Higino reproduzida na p. 24:mediu-se urn ager colonialis tributave! nao medido ate en­tao (arcifinius) e repartiu-se-o como urn ager limitatus nacolonia (nao isenta de impostos) de Arausio. Arausio erauma colonia de Cesar; e duvidoso que a distribui,ao de to­do 0 ager tenha ocorrido enta~, ja que a inscri,ao nao deveser necessariamente tao antiga quanto aforma, por ser umacopia dela. .

Da locu,ao "redactus in colonicum" e Ifcito inferir queuma parte do territorio foi depois transformada em ager co-

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lonialis. Contudo, a divisao do agerA rausinus deve ter sidorealizada com a lex Mamilia, com base em instrul;<3es de Ce­sar; ja recordadas outras vezes. Como se sabe, Cesar foi 0

primeiro a fundar colonias de alem-mar em grande escalae e provitvel que a aplica,ao dessas instru,oes precisamentepara os agri provinciales contribuiu para determinar 0 usada assigna,ao per centuM tambem no caso das glebas tri­butaveis. Dita assigna,ao era ainda mais necessaria para aagrimensura dos agri coloniales ja que geralmente deviamdividir-se em lotes de distinta extensao segundo a estimati­va realizada; e, portanto, aplicando a scamnatio, ter-se-ia feitourn trabalho nao indiferente, enquanto com a centuriatiopodiam-se facilmente dispor x jugadas de uma centuria co­mo equivalentes a y jugadas de outra.

Medirao e natureza juridica do ager quaestorius

Em todo caso, ainda que prescindindo desses fenome­nos que se devem considerar, em seu caso, como exce,~es

aregra geral, existia urn ager com direitos menores quenlera obrigado ascamnatio, mais ainda que era medido siste'maticamente de outra forma. Tratava-se do ager quaestorique era concedido pelo Estado nao em troca de urn foroperiodico, mas em troca de urn capital.

Esabido que, para dividi-lo, formavam-se, mediante li­mites, cotas quadradas (laterculi, plinthides) com uma areade 10 actus quadrados, iguais a 50 jugadas, e que ditas cotaseram vendidas, habitualmente em leilao, a quem desejassecomprit-las; depois desenhava-se uma forma e se anotavamas compradores e os modi que lhes haviam sido vendidos44

A diferen,a essencial em rela,ao ao ager centuriatus nao con­sistia nas dimensoes dos laterculi, mas no fato de que, nestecaso, oS limites so 0 erarn nominalmente, enquanto, de fa-

to, eramdecumani, "divisores", tanto assim quetambem nessecaso eram chamados dessa maneira sem prestar aten,ao emsua orienta\,"-o. N ada tinham a ver com urn sistema de viaspublicas, sao margens simples que delimitam os lotes distin­tos em que a ager estava distribuido; tinham, par isso, a mes­rna importancia que os rigores na scamnatio, e Siculo Fiaccotambem utilizava para eles (153, 3) a locu,ao limites, id estrigores. Posto que so serviam para a delimita,aa original e,logo, nao ofereciam nem garantias, nem motivos validos pa­ra sua manuten,ao, esses limites desapareciam depois das to­madas de posse, com 0 que "emendo vendendoque aliquasparticulas ita confuderunt possessores, ut ad occupatoriamcondicionem reciderint" (Frontin. 154, 5).

Embora so discutamos a natureza juddica dos distin­tos genera agri mais adiante, parece-me oportuno antecipa­la nesse caso, ao menos em rela,ao ao ager quaestorius, des­de 0 momento em que deve ser considerada essencial paracompreender como existia, efetivamente, uma conexao cons­ciente entre 0 tipo de reparti,ao e a situa,ao juddica da gleba.

Sobre a natureza juddica do ager quaestorius nao temosuma orienta,ao precisa. Segundo os agrimensores, tratava­se do territorio adquirido apos uma conquista, que, por man­dado outorgado pelo povo romano aos questores, estes pu­nham it venda. Conforme uma hipotese de Mommsen(CLL., I, nos cc. 57, 66, da lex agraria), estou disposto aadmitir que, para dar aos questores a autoriza,ao necessa­ria, naa era preciso uma delibera,ao popular, mas urn de­creto do Senado. Em consonancia com essa hipotese e pres­cindindo do caso analogo dos trientabula (para 0 qual d.infra), da-se 0 fato de que, como se depreende da lex agra­ria, nao se transmitia a propriedade, mas apenas se conce­dia 0 uti frui licere. Nao se tratava, pois, de urn ato de alie­na,ao, mas simplesmente de urn ato administrativo patri­monial, correspondente ao arrendamento censorio. De fa- ,

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Cum et privati aequum postularent nee tamen solvendo aeri alienores publica esset, quod medium inter aequum et utile erat, decreve­runt, ut, quoniam magna pars eorum agros vulgo venales esse diceretet sibimet emptis opus esse, agri publici, qui intra quinquagesimumlapidem esset, copia iis fieret. Consules agrum aestimaturos, et in iu­gera asses veetigales testandi causa publicum agrum esse imposituros,ut si quis, cum solvere posset populus, pecuniam habere quam agrummallet, restitueret agrum populo.

Do ponto de vista juddico, 0 negocio consistia na ven­da dessas glebas aos credores com um acordo para paga-los.o pre~o de compra era fixado na ter~a parte, nao paga, docapital dado em emprestimo, dai 0 nome de trientabula. Soos compradores tinham 0 direito de retrovenda - precisa­mente no caso de que 0 povo romano estivesse em condi­~oes de pagar -, nunca 0 vendedor, isto e, 0 povo romano.

to, dado que, do ponto de vista das atribui~5es questorias, avenda representava a mais importante utiliza~aodos bens doEstado - isto e, a concessao do desfrute dos proprios bensem troca do pagamento de um capital-, 0 arrendamento re­presentava a mesma utiliza~ao a partir da perspectiva das atri­bui~5es censorias, isto e, a concessao do desfrute em troca dopagamento de um foro. Por isso e pelas demais raz5es aduzi­das por Mommsen, considero como seguro que 0 ager quaes­torius nao era sujeito it vectigal, com exce~aode algum tributonominal de identifica~ao. Assim, pois, esse direito de proprie­dade que 0 povo conservava manifestava-se em rela~5es de es­trito direito privado, excluindo em todo caso a vindicatio ea mancipatio; voltaremos depois a esse tema. No que se refereit rela~ao com 0 poder publico, parece-me muito provavel, emconformidade com uma hipotese tambem formulada porMommsen (CLL., lac. cit.), a analogia juddica entre 0 agerquaestorius e os trientabula. Sobre a origem dos trientabula,que datam do ano 552 a.u.c., informa-nos Llvio (XXXI, 13):

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GENERA AGRORUM E CONDJ(;OES DAS PROPRIEDADES 35

Todo esse negocio de consolida~ao das dividas, visto queassim podemos chama-lo, disfarpva-se sob a forma de ven­da a particulares pelo Estado e era notavelmente diferente,sob 0 aspecto juridico, do procedimento de venda dos agriquaestorii, mas somente pela maior magnitude das vendase por alguns acordos determinados, adaptados a casos par­ticulares. Pois bem, ja que, na epoca desse negocio, 0 erariose achava em pessimas condi~oes por causa das dividas, enecessaria admitir que 0 aspeeto caraeterlstico dessas ven­das consistia em acordos cujo efeito era par os comprado­res numa posi~ao mais favoravel do que a que se teria al­can~ado de outra forma. Nao ha duvida de que esse trata­mento particular de favor consistia em legitimar os adqui­rentes, nao 0 Estado, para a retrovenda; de fato, creio queem todos os demais negocios sucedia 0 contrario. Eneces­sario, pois, admitir que a peculiaridade juridica do ager quaes­torius baseava-se no direito de retrovenda que cabia aoEstad0

45. Junto com essa legitima~ao da retomada tambem

se estipula a formula habere uti fruis licere, que assinalavaas posses transitorias no plano do direito publico e era, por­tanto, juridicamente identica it locu~ao EXELV E~€iv"" do S.C. de Thisbaeis. Contudo, 0 que precede concorda ademaiscom 0 fato de que era um decreto do Senado e nao umadelibera~aopopular que conferia a autoriza~ao. N a realida­de, tambem podia suceder que 0 Estado transferisse a pro­priedade na forma de venda, como nas dedicationes e na cons­tru~ao de edificios publicos, em cujo caso a terra restanteera vendida pelos censores in privatum (Liv. XL, 51, 5; d.XLI, 27, 10). Como quer que seja, posto que, para levar acabo uma dedicatio, era necessaria uma delibera~ao popu­lar, esta tambem tera ocorrido precedentemente para ven-das desse tip046. Em todo caso, um decreto do Senado ge­ralmente nao podia levar a uma aliena~ao absoluta de umbem estatal; uma delibera~aopopular, em compensa~ao, po-

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dia resolver incondicionalmente a recupera~ao da terra alie­nada, mas, entao, naturalmente, 0 comprador podia recla­mar a devolu~ao do pre~o de venda. Com isso, esbo~amosas caraeterlsticas essenciais do direito de retrovenda previs­to. Pois bern, as aliena~oes do ager quaestorius, como sus­tenta Mommsen, estavam a servi~o de necessidades momen­raneas de dinheiro por parte do tesouro publico, com 0 queessa forma rudimentar de contrair dividas (porque, no fun­do, era disso que se tratava) nos recorda de imediato 0 sis­tema de compra e retrovenda da economia financeira me­dieval. Como nas cidades medievais, are se tornarem conhe­cidas as formas mais evoluidas da constitui~ao de renda, tam­bern na antiga Roma os metodos para conseguir reservasmonerarias para ocasioes excepcionais reduziram-se a dois:emprestimo forpdo (= tributum) e garantia em especie, soba forma de venda com retrovenda de terrenos. Finalmente,a aliena~ao do ager quaestorius, como referem os agrimen­sores, tambem era a forma de converter com maior rapi­dez 0 territorio conquistado em moeda. Como tentamosmostrar ate agora, a persistencia efetiva de urn direito dessetipo por parte do Estado correspondia a uma especie de di­reito de desapropria~ao, estranho, alia.s, ao direito romanono que concerne ao ager privatus. Pode-se inferir em quemedida esse direito subsistia para 0 ager colonialis, por exem­plo, para a constru~ao de aquedutos, a partir do estatutode funda~ao das colonias: ver a lex. colon. Genetivae, c. 99("Eph. epigr.", II, pp. 221 ss.). E pode ser que as expropria­~oes com indeniza~ao, efetuadas pe!os triunviros, baseassem­se por urn lado na autoriza~ao existente para 0 ager quaes·torius e, por outro lado, remitissem anatureza precaria dasantigas posses ocupadas e transferissem entao essa naturezatransitoria, so com a for~a dos plenos poderes atribuidosaos regentes, per nefas, ao ager privatus47.

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Se compararmos com esses resultados teoricos a formade divisao do ager quaestorius, que presumivelmente aindaera ados trientabula, coisa verossimil pela informa~ao deLivia, temos que entre eles existe uma concordancia otima.Posto que nao se impunha tributo algum as glebas (ou, nomaximo, urn tributo nominal), a aproxima~ao dos limites,que como divisas da propriedade permitiam a identifica~ao

das glebas sujeitas a obriga~oes tribud.rias, revestia escassointeresse para a administra~ao publica. Na realidade, umaopera~ao assim teria sido de grande auxHio para uma deter­mina~ao mais simples da indeniza~ao a pagar caso se exer­cesse 0 direito de retrovenda, mas normalmente so raras ve­zes se pensava em exercer esse direito. Inclusive, se se re­corria a ele, estava estabe!ecida de qualquer modo uma me­dida quase revolucionaria; quem havia sido expropriado po­dia tentar demonstrar 0 que seus demandantes haviam pagoanteriormente, no caso de terem sido alteradas as divisasda propriedade. Como quer que seja, representava-se car­tograficamente na forma a extensao do conjunto cia area ven­dida e se anotavam as medidas de dita extensao, 0 nome docomprador e 0 pre~o da aquisi~ao; e duvidoso que tambernfossem reproduzidos os limites48• Portanto, pode-se admi­tir que, no perlodo mais antigo, a divisao per scamna et stri.gas era tao tlpica para a concessao censitclria, que se enqua­drava no conceito de locatio, como 0 era a divisao em later.culi quadrados com limites para a concessao questoria a ti­tulo de direito menor, designada como venditio, enquantoa assigna~ao per centurias era reservada as concessoes de pro­priedade plena.

Mas, posteriormente, como ja notamos, as distintas for­mas se confundiram entre si, e e plenamente possive! queas assigna~oes dos Gracos tenham marcado 0 inicio de ditaconfusao. Embora os campos distribuidos nao fossem agerprivatus, esra claro que Graco aplicou a limitatio per centu.

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38 HISTORIA AGIURIA ROMANA GENERA AGRORUM E CONDlc;:<5ES DAS PROPRIEDADES 39

rias, ja que era mais comoda de utilizar. Como mostra alex agraria, esse fato levou, ao menos em parte, a multiplasassigna~6es da mesma centuria e a uma dupla distribui~iio

da mesma area, em suma, a uma grande confusiio. Esse efeitopuramente tecnico foi, talvez, urn dos principais motivosque levaram ao fracasso a obra dos Gracos e fizeram neces­saria a transforma~iio em propriedade privada.

Das analises realizadas ate aqui depreende-se, em con­clusiio, que existia uma conexiio entre as duas formas da agri­mensura, centuriatio e scamnatio, e a situas:ao jurfdica dasglebas. Com isso, niio queremos dizer que as duas formasniio possam ter uma origem etnica distinta, como sustentaVoigt. De fato, os terrenos de palafitas idlicos da plankiepaduana eram delimitados e orientados de tal maneira queformavam redingulos, raziio pela qual e bern provavel quea forma retangular de divisiio dos campos seja ados antigosidlicos, conservada pelos umbra-sabelios. A forma quadrada,segundo os agrimensores, derivava dos etruscos, mas e du­vidoso que isso seja verdade; tambem poderia haver influen­cias helenicas. Todavia, isso niio obsta que a administra~iio

romana utilizava duas formas, conforme 0 criterio que jatentamos ressaltar.

o ager per extremitatem mensura comprehensus

Cuidaremos agora do terceiro genus agri agrimensorio,o ager per extremitatem mensura comprehensus. Como seuproprio nome indica, tratava-se de uma zona de que a plan­ta cadastral so reproduzia as divisas externas, enquanto asdiferentes cotas assignadas niio apareciam49• Se existia, emgeral, uma conexiio entre os territorios medidos dessa for­ma e sua situas:ao jurfdica, entao eprovavel que se tratasseaqui, sobretudo, de casosSO em que eram separadas partes

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de urn territorio romano, ou que se tornara romano porsubmissao, sem que se convertessem em ager privatus, nem,por outro lado, permanecessem liberados, com a divisiio,de toda ingerencia cia administra~iio romana, mas tambernsem que se colocassem obriga~6es tributarias para as pro­prietarios individuais, como tais, ante a Estado romano. Deacordo com essa hipotese, da-se a fato de que essa categoriaagrimensoria era utilizada, antes que para qualquer outracoisa, para as propriedades dos templos (Hig., De credo agr.117,5; Sic. Flacc. 162,28; Hig., De lim. 198), que estavamisentas de impastos, mas continuavam sendo ager publicus,e a Estado tinha, pais, interesse em tamar possivel sua iden­tifica~iio e a determina~iio da sua magnitude. Ademais, essacategoria agrimens6ria encontrava-se naqueles munidpiosniio indepedentes, cujo territorio fora assignado, au deixa­do em bloco, em troca de presta~6es assumidas globalmen­te pelos proprios municipios, que par sua vez se encarrega­yam de reparti-Ias entre seus proprios membros. Frontino(4) diz explicitamente que 0 ager per extremitatem mensuracomprehensus era utilizado quando se assignava 0 modus uni·versus agri acivitas au ao populus niio indepedentes. Comoexemplos, cita as salmaticenses na Lusid.nia e as palatinosna Hispania citerior. As inscri~6es nos deixam quase com­pletamente em duvida no que concerne a Salamanca e Pal­lanza. Aggenio Urbico da a nome de vicusa primeira; masambas eram municipios estipendiarios. Ademais, Frontinoobserva (e isso e mais importante) que "compluribus pro­vinciis solum per universitatem populi est definitum". Es­tadamos tentados a referir essa afirma~iio so a povos queainda niio haviam chegado a uma forma de constitui~iio ci­tadina. De fato, para esses casas, temos urn exemplo docu­mentado nas popula~6es sardas dos patulcenses e dos gali­nenses (CLL., X, 7852), cujo territorio, par ocasiiio de umarenova~iio parcial da constitui~iio da provincia, foi repro-

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duzido em mapas geogrmcos por M. Marcelo, nos anos com­preendidos entre 640 e 643 a.u.c. A controversia do limiteentre as duas gentes (uma controversia de territorio no senti­do dos agrimensores)51 foi resolvida pe!o proconsul combase na forma, que, devido ao fato de ter sido estabelecidaem dais exemplares e de 0 original ter sido conservado emRoma, correspondia perfeitamente as formae dos agrimen­sores. Sendo impassive! pensar numa limitatio e numa ad­signatio individual (mais ainda: no procedimento, essas ci­vitates atuavam como coletividades), so se podia tratar deum ager per extremitatem mensura comprehensus. Mas essaforma de agrimensura tambem devia encontrar aplica,aoem comunidades citadinas. 0 S. C. de Thisbaeis ("Ephem.epigr.", I, pp. 278 ss.) encarregou a pretor de constituir umacomissao de cinco pessoas para par ordem na situariio deThisbe (alS' rCx KCX(J' OlVTOVS' 1rpCx.'¥p-Ci.7CX E~'rJ'Y~(JOVTCXL) e in­cluiu, alem disso, instru,oes, diretrizes, segundo as quais apretor e a comissao, respectivamente, deveriam proceder.Os habitantes de Thisbe eram stipendiarii, como se deduzda inscri,ao, e deviam continuar como tais. De seu territo­rio, que se tomara agerpublicus romano par submissao, dizia­se que Ihes devia ~p&v EVE"'" ExELV €~Eiv"". Portanto, de­ve-se excluir uma assigna,ao individual, enquanto deviamse realizar de imediato a coloca,ao dos marcos de limitese, tambem, portanto, a reprodu,ao cartogd.fica do territo­rio. De fato, a volta atras em re!a,ao a isso so podia sucedercom uma disposi,ao administrativa, portanto no plano dodireito publico, e a determina,ao de sua extensao revestiaum grande interesse para a Estado, em vista de uma passi­ve! orienta,ao diferente no futuro (par eventuais funda,oesde colonias, etc.)52. Esra claro, ademais, que a comissao eraconstituida precisamente com essa finalidade. Com suas ins­tru,oes, corresponde a comissao de quinqueviri nomeadapar Cesar e, respectivamente, as instru,oes gerais estabe!eci-

40 HIST6RIA AGRARIA ROMANA GENERA AGRORUM E CONDI(;(JES DAS PROPRIEDADES 41

das mediante lei, promulgadas pelo mesmo Cesar e contidasnalexMamiliaRosciaPeducaeaAlliena Fabia, que ja mencio­namas em outras ocasioes. E naa conseguimos ver como areprodu,ao cartografica pode ter ocorrido de ourra formaque nao per extremitatem agri.

Conexiio com 0 ordenamento tributdrio provincial

Admito, par outro lado, em geral, que a procedimentoseguido au que, em principio, havia-se decidido seguir no ca­so de todos as autenticos munidpios estipendiarios, isto e,aqueles cuja situa,ao de posse nao se baseava num ato livre­mente negociado, mas num ato revogave! par parte do Esta­do soberano e a que - isto e a que conta - as presta,oes emfavor do Estado eram impostas de forma global, e nao aosindividuos separadamente, correspondia com exatidao aque!eque Frontino menciona na passagem citada anteriormente.

Esabido que a desenvolvimento posterior de normastriburarias nas provincias durante a epoca imperiallevou,entre outras coisas, a uma amplia,ao do numero de suditosdiretos. Essa tendencia foi iniciada par Augusto e assim seexplica a rao discutido censo do Imperio na epoca do nas­cimento de Cristo. Esse censo nao devia abarcar todo a ter­ritorio triburavel do Imperio, mas era provave!mente umpasso no processo de transforma,ao do sistema triburario,passo dado ao mesmo tempo em todas au em muitas pro­vincias imperiais, com tendencia a substituir as presta,oesanuais dos munidpios pe!o tributum soli e, em geral, parum sistema de impostos diretos. Naturalmente, esse pro­grama se cumpriu muito lentamente, muitas vezes foi pa­ralisado par completo, mas enquanto a poHtica triburariaimperial (tambem voltaremos a esse tema) tendia conscien­temente para a objetivo que, por fim, foi alcan,ado na epoca

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42 HIST6RlA AGMRIA ROMANA

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de Constantino; tributa~ao por parte do Imperio ou sobo controle da burocracia imperial, mas, ao mesmo tempo,uma garantia de respeito aobriga~ao tribut:\ria oferecida pe!omunicipio como tal, como anteriormente acorria 56 no ca­so dos municipia stipendiaria. Em suma, uma combina~ao

dos dois sistemas. 0 fato de que nas provlncias imperiaiso prindpio da tributa~ao direta foi levado a efeito mais ra­pidamente e com maior extensao do que nas provlncias se­natoriais, determina para as primeiras 0 nome de provin­cias stipendiariae, em conformidade com a antiga oposi~ao,

embora nem sempre mantida pe!a terminologia tecnica, en­tre tributum (imposto) e stipendium (contribui~ao). Tudoisso esc1arece por que os agrimensores fizeram observa~oes

do irre!evantes sobre 0 ager per extremitatem mensura com­prehensus; esse genus agri estava destinado a desaparecer.

Parece-me ter mostrado ser verosslmil que, aos termosem oposi~ao de que falamos, correspondessem a medi~ao

mediante scamna e per extremitatem agri respectivamente;depois, porero, como a era imperial e, antes, 0 movimentodemocratico-cesariano que preparou sua chegada equilibra­ram toda a diferen~a e tambern fundiram, finalmente, a exis­tencia de rornanos e nao rornanos no conceito tinieo de sta·tus subiectionis ao Imperio, tambem assim as mesmas ten­dencias, iniciadas pe!os Gracos e conc1uldas com a aboli­~ao do ius ltalicum por Justiniano, come~aram bern cedoa e!iminar as diferen~as agrimens6rias e juridicas dos gene­ra agri, pe!o que estas ja nao se podem especificar a nao serpor indu~ao e servindo-se em parte de hip6teses.

Ate aqui, s6 tentamos provar que existia uma rela~ao

entre 0 tipo de medi~ao e as diferentes condi~oes de direitopublico dos territ6rios romanos; agora trataremos em par­ticular dessas diferen~as e apreciaremos a impordncia quetinha 0 procedimento de divisao na situa~ao social, econo­mica e jurfdica.

Capitulo IT

SIGNIFICADO JURlDICO E ECONOMICO DAS GLEBAS ROMANAS

ISENTAS DE IMPOSTOS

Consequencias historico-administrativas das assignat;oes

Antes de mais nada, concentraremos nossa aten~ao nasconcessoes imobili:\rias de pleno direito publico e adminis­trativo dos territorios respectivos, nao com a intens:ao de

~ferecer uma descri~ao acabada, mas apenas com a inten­

~ao de chamar a aten~ao para as rela~oes que eram instituI­as com as assigna~oes. Segundo 0 testemunho unanime e

indiscutlvel dos agrimensores, a assigna~ao tinha como pri-meira conseqiiencia a separa~ao da :\rea, que era objeto dedita assigna~ao, do vinculo existente ate esse momento en­tre 0 municipio de que fazia parte e seu terreno agr:\rio.Eimposslve! oferecer uma solu~ao univoca e definitiva pa­ra toda a hist6ria romana com respeito ao problema do sig­nificado pratico dessa separa~ao e do reverso da medalha,mas de todo modo e necessario destacar de forma especialo perlodo da guerra social, uma de cujas cons~qiiencias foia lex municipalis de Cesar, desde os tempos anteriores, e,

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44 HIsr6RIA AGMRIA ROMANA AS GUBAS ISENT/IS DE IMPOSTOS45

tambem, determinar, antes, 0 carater da coloniza~ao efetuadacom as assigna~oes, ao menos em suas linhas fundamentais.

Caracteristicas gerais da coloniza,ao italica

o elemento caracteristico da coloniza~ao idlica, tal co­mo da germanica e ao contrario da celta, baseava-se, peloque podemos deduzir, no fato de que tinha lugar de formacoletivista e nao por grupos ou clas. Na medida em que po­demos obter, por indu~ao a partir das rela~oes posteriores,informa~oes sobre as rela~oes agrarias mais antigas, isso sig­nifica que a comunidade econ8mica que ocupava 0 territo­rio nao tinha 0 carater de uma familia ampliada, adminis­trada autocraticamente, do ponto de vista patrimonial, porum chefe, mas antes 0 de uma coletividade formada por fa­milias da mesma condi~ao social, embora ainda nao orga­nizada com uma magistratura. Entre os germanos, isso de­terminou a coloniza~ao em aldeias e a forma~ao de unida­des territoriais (Hule)*; por conseguinte, determinou tam­bem 0 tipo de reparti~ao resultante. Se os terrenos palafitasda plankie paduana fossem efetivamente, como afirma comseguran~aHelbig, restos de col8nias idlicas que se estabe­leceram antes do final de suas imigra~oes para a peninsula,entao seria certo que os idlicos se estabeleceram em col8­nias coletivistas em forma de aldeias e abandonaram a agri­cultura n8made. Mas dai se depreende quase necessariamentea existencia de alguma classe de comunidade do territorio;

* Hufe (antigo alto alemao huoba; relacionado com 0 grego K717ro<; = jardim)indica a totalidade de uma posse agricola e 0 conjunto de poderes do grupo quenela se estabelece; traduzido em latim por mansus. Em sentido restrito, designaa superficie nece~saria para a manuten~ao do grupo e, portanto, as jornadas detrabalha que se requeriam. (N.T.E.)

com respeito it existencia de uma coletiviza~aodesse tipo tam­bem nos territorios romanos, muitos fen8menos particularesapOntam com bastante seguranp, como ainda indicaremos emdistintas ocasioes, que isso pode ser considerado como segu­ro, ao menos no sentido em que se pode falar de "seguran~a"

aqui. Como quer que seja, nao esclarecemos com isso de queforma cleve ser considerada essa coletiviza~ao. Ede per se evi­dente que 0 ager romanus em seu conjunto nao podia consti­tuir 0 ambito economico de uma unica comunidade, comosucedia em compensa~ao com uma aldeia alema em rela~aoao territorio da marca de que fazia parte. Se as mais antigascomunidades romanas, no sentido econ8mico, foram as gen.tes, tendo as posteriores tribus camponesas se formado atra.yeS da divisao das propriedades gentiHcias entre os membrosda gens, faz-se necessario imaginar as gentes distribuidas peloconjunto do territorio, mas dependentes de centros locais, 0

que ademais concorda COm todos os acontecimentos que co­nhecemos, em especial COm 0 que sabemos sobre 0 patrim8­nio imobiliario da gens Claudia. Como se sabe, desconhece­mos por completo a organiza~ao espedfica das gentes. A ana­logia com as citadas genealogiae das aldeias germanicas perten-

~entes a uma marca, que eram organizadas segundo 0 prine!­io da participa~ao por cotas, revela-nos que a concep~ao

radicional dessas genealogiae, consideradas como grupos gen­tilicos baseados no parentesco, nao permite considera-las ar-ticuladas it maneira de um cia. Ted ou nao havido nas pro­priedades imobiliarias familias gentilicas de certo modo pri­vilegiadas; tedo, em particular, familias distintas mantido umaposi~ao de privilegio especial no territorio comunidrio dasdiferentes comunidades agdrias - territorio que deve ser con­cebido como uma antecipa~aodo agerpublicus _ e, finalmen­te, de que maneira era constituida a gens, sao interroga~oesa que a historia agdria nao est"- em condi~oes de dar resposta,nem sequer a titulo de hipotese, ja que sao demasiados os da- i

I...

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HIST6RIA AGJURIA ROMANA

modernas formas da coloniza~ao americana e, como esta ulti­ma, s6 se apresentam duas possibilidades: coloni~ao em formade funda~ao ou transforma~aode cidades (dedu~ao de colO.nia) e coloniza~ao nao organica em distintas feitorias rurais(assigna~ao viritana). Embora a colonia, a sociedade rural, te­nha sido, como sustenta Mommsen, a proje~ao atualizada dosistema agrario baseado nas gentes, ainda assim era organizadacomo cidade. Em compensa~ao,as assigna~6es viritanas naocriavam, via de regra, colonias nesse sentido.

Em conformidade com todo 0 anterior, enquanto as as­signa~6es viritanas inc1uiam a distribui~ao de lotes geral

men­

te concedidos em propriedade privada plena, tal como a en­tendiam os romanos, subtraidos para sempre de qualquer ti­po de comunidade agraria, a funda~ao de colonias de cidadaosnuma epoca em que a propriedade imobiliaria privada ja do­minava a vida juridica romana parece ter tido outro carater.Implicava sempre a constitui~ao e a organiza~ao de uma co­munidade; por isso, 0 numero de colonos era preestabeleci_do: na epoca mais antiga eram, via de regra, 300 nas coloniaecivium Romanorum, as unicas de que se esta falando aqui

3•

Sabendo depois que cada colono nelas recebia duas jugadas de

~erra, sera inevidvel excluir a hipotese de que essa area repre­

,te sua cota inteira. Melhor seria dizer, ja que certamente' 'que considerar os colonos agricultores, que as duas jugadas

correspondiam aos heredia romulea e, portanto, como estesultimos, correspondiam aos Wurten dos campos germanicos,isto e, as hortas epomares que os particulares recebiampriva_tim, subtraindo-os da propriedade coletiva e que, em conjun­to, nao somavam nunca menos de duas jugadas, por vezes mui­to mais. A terra restante tera sido conservada por essa razaoem propriedade comunitaria. Depois, as coisas evolulram na­turalmente de maneira distinta: Graco, por exemplo, assig­nou em sua colonia, no territorio de Cartago, de um lado 10­tes de duzentas jugadas e, de outro, ao que parece, lotes ainda

46

dos que faltam. Para essas interroga~6es existe, sempre a titu­lo de hipotese, mais de uma solu~aopossive!. Tampouco esta­mos em condi~6es de determinar a posi~ao dos antigos pagina organiza~ao da comunidade agniria. Alem da lustratio pa­gi, tambem alguns outros restos de uma epoca mais tardia eo uso da mesma denomina~ao nas comunidades germanicasdas marcas1 provam que os pagi estavam relacionados com ospatrimonios imobiliarios daquelas comunidades agrarias.

No come~o do capitulo seguinte, ao falar do ager publi­cus, tentaremos extrair indutivamente alguma conclusao acercadas rela~6es agrarias da epoca mais antiga; mas, por enquan­to, interessa-nos sobretudo falar de alguns elementos segura­mente reconhedveis, tipicos da colonizapo it:llica. Parece, comefeito, que entre esta e a coloniza~ao germanica existe umadiferen~aessencial: 0 fato de que, na Idlia, as condi~6es poli­tieas do territorio a colonizar eram distintas e os conhecimentostecnicos dos colonos eram superiores. De fato, as aldeias itaJi­cas, como ja mostram os povoados de palafitas, eram ao me­nos parcialmente fortificadas, ao contrario das alemas. Por essemotivo, essa coloniza~ao trouxe desde as suas origens urn ina­pagavel carater cidadao, ou quase2, e esses centros habitadosmanifestaram uma tendencia a se converterem em cidades ru­rais. Portanto, todo 0 sistema agririo pode ser examinado desdeas suas origens segundo os pontos de vista economicos mo­demos; esse elemento determinou mais tarde 0 carater da co­loniza~ao romana.

Caracteristicas da colonizariio romana

Enquanto a grande coloniza~ao dos territorios alemaesorientais foi levada a cabo preferencialmente segundo urn es­quema fixo, que nao difere, em suas linhas mestras, do tipode coloniza~ao e divisao do solo em uso na epoca das grandesmigra~6es dos povos, a coloniza~ao romana se aproxima das

AS GLEBAS ISEN7)JS DE IMPaSTOS47

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II'

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48 HIST6RlA AGMRlA ROMANA AS GLEBAS ISENVtS DE IMPOSTOS 49

menores (e seguramente em plena propriedade individual);ademais, os agrimensores so conhecem a concessao em co­tas individuais. Como quer que seja, as dedu,aes de colo­nias conservaram 0 cadter de organiza~oes comunitarias;e quando, de urn lado, se efetuou a dissolu,ao completa ouparcial do vinculo que ate entao a propriedade comum dosolo havia representado para a comunidade de colonos, ascolonias come,aram, por outro lado, a fazer parte de con­sOrcios. As assigna~5esviritanas naa levavam - ao contra­rio _ a organiza,ao a!guma de comunidade e so significa­yam uma amplia,ao do ambito da comunidade comana nastribus rusticae. Depois da guerra social, tudo isso deixou deser assim: todo lote de terreno romano devia fazer partede uma comunidade de cidadaos romanos de pleno direito(municipium). Assim, dai em diante, nao se realizaram maisfunda,aes de colonias, mas assigna,aes viritanas; por isso,as cotas agricolas concedidas deviam ser assignadas a urn mu­nicipio ja existente, ou entaa deviam criar-se organiza~5es

especiais com tal fim.

Significado juridico-administrativo do territorium

Se nos perguntarmos agora em que aspectos tinha im­portancia 0 fato de uma gleba pertencer a uma comunida­de nessa organiza,ao administrativa posterior, veremos que:

1. A jurisdi,ao e 0 poder policia! eram exercidos na glebapelo municipio a que a gleba pertencia. A formula empre­gada na constitui,ao de uma colonia dizia assim, a esse res­peito (Higin., De condo agr. 118,21): "Quos agros, etc. de­dero assignavero, in eis agris iuris dictio cohercitioque estocoloniae illius." Os magistrados do municipio tinham com­petencia tanto na jurisdi,ao civil relativa as glebas do terri­torium, dentro de certos limites de competencia so em par-

te conhecidos, como nos procedimentos judiciais pelos de­litos cometidos dentro do territorium. Da mesma maneira,cabiam-Ihes tambem, como conseqiiencia do poder policia!,as fun,aes de pollcia de abastecimento, sempre dentro doterritorium respectivo.

2. Depois da guerra social, os municipios se encarrega­yam do census e toda gleba estava submetida ao census domunicipio correspondente. Por essa razao, observamos queos municipios apelavam freqiientemente para as vias legaisum contra 0 outro, para decidir a qual dos dois census de­via ser submetida determinada gleba4• Durante a era impe­rial, a It£lia era isenta de impostos e logo tambern 0 foi doservi,o militar, pelo que 0 fato de pertencer a uma glebaou a uma determinada comunidade em vez de a outra ti­nha uma importancia muito menor que nas provincias on­de, como se sabe, os municipios tinham a responsabilidadetanto do contingente de tributos, como do de recrutas, eonde, portanto, tinha-se interesse em manter a vincula,aode uma gleba a determinado municipio.

3. A posse de uma gleba determinava a obriga,ao de cer­tos munera patrimonii no municipio correspondentes.

~ _. Mas segundo qu:. ~riterio e ~m qu.e medida as assigna-. )oes tlveram consequenclas terrltOnalS?

Conseqiiencias territoriais das assignari'ies

Antes de mais nada, era decisiva a coincidencia de doiselementos, que tornavam perfeita a funda,ao ou a redu,aoa colonia: a divisao e a assigna,ao. Onde so se dava umadas duas6, necessitava-se de uma disposi,ao especial para es­tender a autoridade das novas comunidades aos respectivosterritorios (pelo termo "autoridade" entendemos os pode­res de que falamos antes). A divisio faltava onde, amargem

I,...

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do sistema de coordenadas dos limites representado na for­ma, assignavam-se aos colonos territorios com as divisas queja tinham anteriormente, isto e, segundo a modus arcifinius;tudo isso sucedia quando a numero de colonos era maiordo que 0 numero de lotes disponiveis depois da divisao, is­to e, quando, em conseqiiencia, recorria-se aos terrenosadjacentes7. Estes ultimos continuavam fazendo parte dascomunidades em que, ate endo, haviam sido incluidos, atea lugar em que a area nao era reproduzida na forma e naose estabelecia sua vincula~ao as novas comunidades, anotan­do, na propria forma, as modi das assigna~oes8. Se se trata­va de ager extra clusus au dos subseciva restantes entre a pe­rimetro retangular da pertica e as divisas da area coloniza­da, reproduzidos na forma, faltavam tanto a divisio comoa assignatio. A assignatio faltava antes de mais nada nos sub­seciva que sobravam nas centurias e tambem nos loca relic­ta, isto e, aquelas terras excluidas do sistema de centuriasporque nao era possivel distribui-las e inscrever suas divi­sas na forma. Todas essas superficies, ager extra clusus, sub­seciva e loca relicta, nao estavam submetidas ipso iure it au­toridade das novas comunidades, mas permaneciam de iuresob a potestas do magistrado assignante e, na era imperial,sob a do princeps9. Podia-se dispor dessas superficies de dis­tintas maneiras lO• Como sucedia com freqiiencia com os 10­ca relicta, podiam ser assignadas it comunidade como pas­tas comuns, pascua publica, au como terra inalienavel parafazer lenha; a direito de pasto sobre elas tambem podia seratribuido a determinados fundi, em geral a glebas confinan­tes, e endo tratava-se de ager compascuus ll . Ou, endo, co­mo acorria com freqiiencia com 0 ager extra clusus, as co­munidades cediam-nas em arrendamento em beneficia desua tesouraria, ou somente precario, au, por ultimo, em tfocade urn foro l2. Se nao havia nada estabelecido, continuavamsendo ager publicus populi Romani; e no caso em que a co-

Significado da forma. Praefecturae

munidade au urn particular se dedicassem a cultiva-las, co­mo sucedia muitas vezes com as subseciva, vinham-se en­contrar na mesma situa~ao juridica que se gerou na epocarepublicana com a ocupa~ao do ager publicus. Utilizar essasterras era alga verdadeiramente precario: em qualquer mo­menta podiam ser requisitadas par causa de novas assigna­~oes ou de arrendamento em nome do Estado1J. Vespasia­no fez urn usa consideravel de dita possibilidade, provocandograndes descontentamentos entre as propriedrios, ate queDomiciano pos fim it permanente agita~ao das comunida­des, concedendo na lralia estes ultimos excedentes do agerpublicus a seus ocupantes par meio de uma disposi~ao

geral l 4, da qual se conserva urn exemplar epigrafico (CLL.,IX, 5420).

Do que foi dito, depreende-se a grande importancia quea forma revestia para todas essas rela~oes. Se parte de urnterritorio colonizado nao era representada na forma, na plan­ta da zona, essa parte ficava excluida de todo a procedimento~assigna~ao e nao pertencia a nenhuma das categorias de. ql* falamos antes. Pelo contrario, nos casas duvidosos, ate

onde se estendia uma forma unitaria, considerava-se ser tam­bern este 0 alcance cia circunscri~ao agrario-unid.ria15, queeventualmente abarcava territorios ate endo pertencentesa mais de uma comunidade, au parte de ditos territOrios16•

Se, depois, uma circunscri~ao agraria representada na for­ma nao se revelava suficiente, distribuia,se parte de urn ter­ritorio adjacente mediante urn sistema autonomo de coor­denadas e se estendia uma forma especial - a que, nos ca­sas duvidosos, era identico ao anterior17. Assim, essa cir­cunscri~ao, que s6 abarcava 0 campo e nenhum centro ci-

51AS GLEBAS ISENTAS DE IMPOSTOSHIST6RIA AGMRIA ROMANA50

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Fundi redditi, concessi, excepti

tadino, permanecia submetida acolonia principal; mais queisso, para sermos sinceros, era submetida aautoridade des­sa ultima apenas como competencia relativamente autono­rna, chamada praefectura, porque neSSas circunscri~oes asmagistrados da colonia delegavam a exercicio do poder ju­

risdicional a praefecti especiais18

.

Como quer que seja, tambem dentro da area compreen­dida na limitatio podiam-se encontrar glebas que ficavamexcluidas dos efeitos da assigna~ao. Em primeiro lugar, se­gundo a opiniao de ao menos parte dos agrimensores

19, sa­

bemos que, quando tambem estavam interessadas na repar­ti~ao pessoas que, ate entaO, haviam habitado precisamentenesse territorio e quando a elas, au a uma parte delas, eradevolvido a que ja possuiam, conservando tambern divisasidenticas (0 que era indicado na planta com a locu~o red­ditum suum), entaO as glebas em quesdo nao eram subme­tidas aautoridade da colonia, a menos que nao se promul­gassem disposi~oes especiais. 0 motivo desse procedimen­to nao deve ser buscado na personalidade juridica desses pro­prietarios, mas, talvez, no fato de que aque1as glebas naoeram deduzidas de novo na colonia, ja que, quando as anti­gas proprietarios cediam suas posses anteriores em troca deterrenos novas, au entao quando se devolvia so uma partejunto com as novas terrenos em troca da outra parte (naplanta, essas opera~oes eram indicadas com as locu~oes com­mutatum pro suo e redditum et commutatum pro suo respec­tivamente), a area correspondente passava a fazer parte doconsorcio agrario da colonia. Esse motivo se deduz clara­mente da manuten~ao do status quo ante das glebas. Comoja vimos no primeiro capitulo, a assigna~ao se efetuava se-

~ituaPio juridica do territorio nao assignado

Se apertica de uma colonia incluia partes de urn territo­rio de outros, a situa,ao juridica dessas partes restantes per­manecia indubitave1mente como estava. Algumas vezes, es­sas superficies eram de extensao insignificante, outras vezes(par exemplo, em Caudium)21 a territorio inteiro estavacompreendido na pertica de uma colonia limitrofe e, entao,a autoridade do municipio era limitada, para aquela circuns­cri~o, no interior dos muros da cidade, isto e, na pratica sereduzia as fun,oes de policia de abastecimentos e a jurisdi­,ao correspondente.

53

gundo a modus agri e, embora as colonos terminassem narealidade recebendo areas concretas, dado que aforma so con­tinha a modus dos assignatarios individuais nas diferentes cen­turias, juridicamente so esse modusfigurava como assignadoem todo a procedimento de distribui,ao. Tendo isso em men­te, e possive1 considerar que, quando uma gleba era anotadaexpressamente naforma como redditum e, portanto, era as­signada dentro das divisas havidas ate endo, nao se assignavaa modus, mas sim uma area conereta, razao pe1a qual nao serealizava uma autenticaadsignatio. De fato, e certo que, quan­do a dedu,ao de urn terreno tinha lugar determinando e re­presentando na planta somente as divisas (Lachmann, fig. 185),nao era ipso iure incluido no territorio da colonia. Se, depois,a terreno era submetido par disposi,ao especial aautorida­de da colonia, a superficie correspondente se chamava fun­dus concessus; se, peIo contd.rio, permanecia desvinculado,falava-se de urn fundus exceptus20•

Mas qual era a situa,ao juridica das partes do territorionao incluidas na pertica e nao submetidas par disposi,ao es­pecial a jurisdi,ao de uma comunidade?

AS GLEBAS ISEN])JS DE IMPOSTOSHIST6RIA AGIURIA ROMANA52

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Como quer que seja, quando a pertica de uma coloniasO incluia uma parte do territorio do municipio em que haviasido deduzida, verificava-se 0 fato de que existiam dois cen­trOS, urn ao lado do outro, em forma de cidade dupia, umavelha e outra nova22• Nao e impossivel determinar especi­ficamente qual era a forma de governo dessas cidades du­plas e que rela90es jurldicas existiriam entre elas, em espe­cial em referencia as limital'0es de suas atribuil'oes publi­cas; mas e cerro que, de fato, tinham uma forma de gover­

no e relal'oes muito especificas23

renos dessa zona, indicados naforma comofundi excepti, eramrepresentados na planta segundo as divisas de propriedadee, porranto, eram medidos perextremitatem. Ja fizemos refe­rencia ao fato de que nao parece necessaria, para que subsistajuridicamente esse tipo de circunscril'oes unitarias, a divisaodas glebas, coisa que ja se deduzia da planta de Frontino (fig. 4).Voltaremos mais tarde, e em detalhe (cap. IV), sobre 0 temadas outras rela90es de direito publico e administrativo des­sas circunscri~oes, que aparecem com escassa importancia nasFontes da idade classica, mas destinadas a assumir urn papelimponantfssimo tambem no desenvolvimento da economiaagra.ria ramana.

54HIST6RIA AGMRIA ROMANA AS GLEBAS ISENTAS DE IMPOS70S 55

Fundi nao municipalizados

Devemos, por fim, esbOl'ar 0 problema do destino dosfundi [glebas] antes mencionados, que nao eram assignadosa nenhum municipio, ou, melhor ainda, eram expressamentedesvinculados (fundi excepti). Antes da guerra social, sim­plesmente haviam sido inscritos nas tribus rusticae; mas, de­pois, esse procedimento ja nao foi possive!. S~do os textosdos agrimensores, eram constituidos, em compensal'ao, emterritorios autonomos. Esses fundi podiam citar as munici­pios a iudicia de territorio, eram seguramente autonomoscom respeito ao census e, em geral, so dependiam da autori­dade central de Roma24. De forma analoga, era-lhes con­cedido em cerras ocasioes 0 poder jurisdicional sobre 0 abas­tecimento como parte do poder policial referente ao mes­mO tema25. Cerramente essa situal'ao juridica teve uma im­porrancia maior nas provlncias, oode 0 census conservavaurn valor para 0 sistema tributario e para os recrutamentOSmilitares, do que na Italia, onde, alias, era bern mais rara.Do ponto de vista agrimensorio, esra claro que nos encon­tramos ante aquele tipo de ager per extremitatem mensuracomprehensus recordado por Frontino (5); tambem os ter-

Ordenapio juridica no interior das colonias

Sao escassos nossos conhecimentos para afrontar 0 pro­blema dos efeitos provocados na ordena9ao juridica vigenteno territorio de uma comunidade pela transformal'ao de di­to territorio numa colonia de cidadaos romanos. Devemosdescartar, sem duvida, a hipotese de que as rela90es entre osant~itantes e os novos colonos fossem regidas por urnesq,lema tJitario. Mommsen considera que em Nola os an­tigos proprietarios foram degradados a plebs urbana; na rea­lidade, deve ter sucedido efetivamente isso onde 0 territoriointeiro foi confiscado. N a epoca mais antiga, 0 extremo opostoe representado por .Ancio, onde os antigos habitantes foraminscritos entre os colonos. Em Pompeia, nao se verificou ne­nhuma das duas situa90es, mas provavelmente criou-se algu­ma condi9ao desigual de direito entre as duas categorias depessoas, e parece tambem que as duas mesmas categorias cor­respondiam dois tipos diferentes de divisao do ager26•

Dado 0 estado atual das fontes, nao vemos de que manei­ra pode-se esperar referir a um principio geral as relal'oes que

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se estabeleceram entre oS colonos que haviam acabado dechegar e as antigos habitantes, quando estes ultimos per­maneciam numa situa~ao juridica especial ou eram subme­tidos a outra; aqui simplesmente queremos identificar urnprindpio desse tipo. A proposito desse tema, parece queas colonias diferiram amplamente umas das outras, mas dis­pomos de alguns indicios para supor que aquelas comuni­dades em que existiam colonias de cidadaos diferiam em suasrela~oes internas, inclusive na era imperial, dos munidpiose dos outros centros habitados do Imperio com base numdeterminado criterio, nao obstante estivessem postas numplano de igualdade de direito publico com oS proprios mu­nidpios. Em rela~ao a isso, Mommsen27 observou que, aocontrario das outras comunidades, divididas, via de regra,em curiae, ao menos ate que aparecem subdivisoes da epo­ca ramana, nas colonias encontramos a divisao em tribus

28.

Pois bern, em Roma, a divisao em tribus relacionava-se in­dubitavelmente com a reparti~ao do ager, sendo logico de­duzir que a situa~ao fosse an:Hoga para as colonias de cida­daos e que, portanto, esse tipo de ordena~ao agraria tenhaconstituido, inclusive na epoca imperial, urn importante sinalproprio de distin~ao. A possibilidade de que as coisas ocor­ressem assim nao I, suposta pelo fato de que apare~a, nascolonias da Africa29, a divisao em curiae. Inclusive prescin­dindo da existencia contemporanea, em Roma, de ambasas formas de divisao, a concessao do ius colonicum aos cen­trOS em questiio remonta a uma epoca em que a cidadaniadesses centros cede frente ao crescente poder polltico do de­curionato, como sucedera em Roma com rela~ao ao Sena­do; uma epoca, pais, em que, inclusive se houvesse ocorri­do essa presumida diferen~a de ordena~ao agraria, nao te­ria havido motivO para levar a cabo a nova subdivisao doscidadaos que dai derivavalo. Tambem I, possivel que tenhahavido em mais ocasioes na epoca imperial concessoes do

Caracteristicas economicas e juridicas das glebasisentas de impostos

o fato de que s6 fossem suscetiveis do plena direito depropriedade imobiliaria as glebas que, par causa de assigna­~oes, permaneciam isentas de foros e qualquer outro grava-

simples titulo de colonial!; em todo caso, porem, deve-sedescartar a opiniao segundo a qual, quando uma comuni­dade era transformada em colonia sem que fossem deduzi­dos novas colonos, tratar-se-ia necessariamente de uma sim­ples questao de titulos carentes de significado pratico, ouque no maximo comportavam superficialidades vazias(duumviri em vez de quattuorviri e similares). Esra em con­tradi~ao com dita hip6tese a fato de que os agrimensoresexaminavam expressamente 0 caso do municipio que in co­lonia ius transfertur32 como urn caso que Ihes dissesse dire­tamente respeito; deduz-se ademais de urn trecho de GeIio(XVI, 13) que 0 titulo de colonia tinha uma impordnciaconcreta na era adriana33; finalmente, sabemos que duran­te a imperio de Tiberio, Preneste pediu que a condi~ao decolonia fosse reintegrada it de munidpi034 e, par esse mo­tivo, dita reintegra~ao devia ter urn significado pratico. Aprimeira hipotese que nos vern it mente apresenta como urnmotivo desse tipo a emprego das formas romanas de agri­mensura no solo de uma colonia. Como quer que seja, po­deremos fazer uma ideia precisa desse significado praticodepois de ter classificado as caracteristicas juridicas e eco­nomi essas formas agrimens6rias e, partanto, depois deter es ecifica 0 em que se baseava sua impordncia pratica.Com tal fim, comepremos pela divisao per centurias, usa­da na ltalia nas colonias de cidadaos, a que equivale a dizerpelos terrenos romanos isentos de impastos imobiliarios.

57AS GUSAS ISENTAS DE IMPOSTOSHIST6RIA AGRARIA ROMANA

56

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58 HIST6RIA AGRARIA ROMANA AS GLEBAS ISEN7fi.S DE IMPOSTOS 59

me real, ou entao as glebas postas numa situa~ao juridicaanaloga por uma disposi~ao legislativa especial, constitui urnprindpio geral de que em nenhum caso se pode duvidar.Os privilegios dessas glebas, que tarnbem sao particularmenteo resultado da lex agraria de 643 a.u.c. eram os seguintes.

Privitegios das glebas isentas de impostos

1. As glebas eram aptas, censui censendo, a ser registra­das na lista censitaria, que regia as obriga~oes militares etributarias, os direitos poHticos e, por conseguinte, podiamservir de per se como garantia no arrendamento dos impos­tos publicos e em outros arrendamentos similares, pelo queo patrimonio familiar hereditario (ager patritus) gozava decertos outros privilegios que nos, por outro lado, nao co­nhecemos em maiores detalhes.

2. Essas glebas, e 56 elas, eram acesslveis e estavam su­jeitas as formas de intercambio contempladas na ordena~ao

juridica romana, em particular a mancipatio e, portanto, tam­bern, as a~oes legais reais.

Faculdade de fazer parte do census

As assigna~oes viritanas dos Gracos adquiriram a capa­cidade de fazer parte do census quando foram despojadasdo car:her de ager vectigalis. Os campos sobre os quais inci­dissem as obriga~oes dos viasii vicani ficavam excluidos docensus35. Dado que faltava as assigna~oes dos Gracos ape­nas 0 direito de aliena~ao para poderem ser consideradaspropriedade plena, resulta que, em geral, toda terra possui­da como propriedade de direito nao quiritario nao passavaa fazer parte do census. 0 problema da propriedade heredita-

ria como parte do census deve ser resolvido, a meu ver, nosentido de que nao Ihe correspondia 0 direito de ser partedo census e que dito direito constituia, antes, 0 aspecto pd.­tico da propriedade ex iure Quiritium. Tudo quanto expo­remos a proposito dos distintos negocios de aliena~ao au­mentara ainda mais, do meu ponto de vista, a probabilida­de dessa tese.

Ademais, e uma caracteristica das condi~oes da proprie­dade imobiliaria romana que a lex agraria reja em particu­lar a utiliza~ao de certas categorias de terrenos, declaradaspela mesma lei ager privatus, como objeto de hipoteca nasgrandes especula~oes a que a administra~ao romana36 davaorigem. 0 solo romano possuido em pleno direito era, defato, com preferencia sobre qualquer outro bern, praedium,e constituia uma garantia que possibilitava os negocios pa­trimoniais.

Negocios per aes et libram

Eigualmente caracteristico que os negocios reais per aesetlibra~suas origens, as a~oes reais romanas tenhamse limitado as.glebas romanas isentas de contribui~oes so­bre os imoveis. Desenvolveremos imediatamente esse tema.

Importancia economica da mancipatio e do testamentum

A mancipatio, como forma de transferencia da proprie­dade de imoveis e de outros direitos imobiliarios, era ine­rente as glebas isentas de qualquer imposto patrimonial oude obriga~oes economicas ante a comunidade, tal como notestamentum a disponibilidade ilimitada do paterfamilias. Es­ta claro que esta ultima caracterfstica tinha, em especial,

j

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60 HISTORIA AGRARIA ROMANA AS GUBAS ISENT4S DE IMPOSTOS61

grande importancia do ponto de vista polltico-agd.rio. Bas­ta, de fato, comparar a limita9ao original da actio familiaeherciscundae com os bens materiais, isto e, na pd.tica, comos imoveis e seus pertences37, em virtude da locu9ao nomi·na sunt ipso iure divisa (limita9ao a que corresponde a rela­I'ao lingUistica de heres e heredium); a situa9ao da economiacoletiva, dificultada de forma intencional pela ordenal'ao ju­ddica, e os perigos derivados do prindpio da divisao igua­litaria para a conserval'ao do patrimonio imobiliario como fato de que se atribula uma enorme importancia a essaconserva9a038 por causa da importancia polltica do patri­monio imobiliario. A legisla9ao das Doze Tabuas concediaao agricultor romano uma liberdade testamentaria limita­da apenas de maneira formal e punha, assim, em suas maosurn instrumento que, junto com a patria potestas (que sose perdia ao morrer) e a possibilidade de substituir em qual­quer momento os herdeiros escolhidos por outros, medianteurn novo testamento, perseguia, da forma mais engenhosaque se possa imaginar, a mesma finalidade que se tenta ob­tef na epoca moderna com 0 direito sucessorio e com oscontratos com efeitos reais, mantendo ao mesmo tempo in­tacta a autoridade do cabel'a da familia. A importancia daspartes das fontes juddicas que tratam da simples interpre­tal'ao literal dos testamentos (em especial da exheredatio eda substitutio) demonstra-nos em que medida tambem se fezuso desse instrumento nos pedodos sucessivos. 0 cabe9ade familia romano exclula do patrimonio heredirario, embeneflcio do heres, seus outros filhos39• Estes, ao contrariodos que "adquiriam a heran9a" (os adsidu,), faziam parteda classe dos proletarii, palavra que nao significava "produ­tor de filhos" - dificilmente a linguagem legislativa ter-se­ia permitido uma ironia desse genero -, mas sim, para fa­lar com propriedade, "descendentes"40 de urn cidadao pos­suidor .de urn lugar de residencia e, portanto, pessoas que,

por sua vez, so eram cives porque seus antepassados 0 tinhamsido em virtude de seu patrimonio imobiliario. Esses prolera­rios eram, em grande patte, "deserdados" no sentido literalda palavra e constitulam, seguramente, uma pequena patte da­quela classe social - freqiientemente no primeiro plano nocurso da historia de Roma - cuja fome de terra devia ser apla­cada COm assignal'oes viritanas e com guerras de conquista,coisas que habitualmente nao sao reclamadas por uma classede camponeses acomodados, nem tampouco por uma classe depequenos burgueses da cidade. A aplica9ao rigorosa da liber­dade de disposil'ao em rela9ao it propriedade imobiliaria e itsua mobilidade absoluta representou, pois, urn forte impulsoas tendencias expansionistas41.

A,i5es reais

Nao menos caraetedstica e a limita9ao original do proce­dimento ordinario de vindicatio do agerprivatus isento de im­postos. A ausencia de execul'ao real e a liquidal'ao de interes­ses depois de uma senten,. prejudicial precedente, procedi­mento elo qual se assignava ao proprierario que ia a juizonao a g ba r mada, mas apenas seu valor comercial em di­nheiro, apres tam uma evidente similitude com as solul'oesde diferenl'as nos procedimentos coativos previstos nos atuaisregulamentos de Bolsa. Considerando a posil'ao ocupada emgeral pela vindicatio nos pleitos referentes a relal'oes agrarias,discerne-se que a semelhanl'a posta em relevo nao e casual.

Genera controversiarum segundo os agrimensores

Chegando a esse ponto, e necessario dar alguma infor­mal'ao sobre os genera controversiarum tratados pelos agri­mensores, isto e, sobre os procedimentos em que os agrimen-

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,

Pleitos de modo e de loco

A eontroversia de modo44 surgia quando uma das par­tes afirmava nao estar de posse do modus que the pertencianesse territorio com base na planta cadastral (jorma) e nasatas de transfer&ncia de propriedade (especialmente manei-

sores desempenhavam a fun~o de assessores tecnicos do juiz,ou entao de peritos, nos casos em que se tratasse de litigiosde propriedade. Os agrimensores dividiam as causas relati­vas as rela~oes de propriedade em causas de fine e causas deloco. As primeiras42 referiam-se as regulamenta~oes de di­visas e por ora nao nos interessam; as segundas inclulamtodas as demais causas de propriedade ou posse de imovelque excediam os limites das anteriores. Aqui se incluiamos pleitos por terrenos de largura superior a 5-6 pes, dadoque uma faixa dessa largura era tratada de acordo com oscriterios de regulamenta~ao de divisas e desta nao cuidavamos procedimentos referentes aos ordenamentos da proprie­dade e da usurpa~ao. Em suma, eram pleitos de loco no sen­tido lato todos aqueles que nao podiam ser decididos numiudicium finium regundorum e, sobretudo, os de loco em sen­tido estrito e os de modo. Entre outros, esses pleitos foramtratados por Voigt43, que sustentou, de forma erronea se­gundo creio, que a diferen~a entre os dois tipos de pleitoconsistia numa simples diferen~a de provas, no sentido deque, na eontroversia de modo, utilizavam-se freqiientemen­te documentos, enquanto na eontroversia de loco, id&ntica,pois, avindieatio, podia-se recorrer a provas de qualquerg&nero. Na realidade, a exig&ncia de determinados documen­tos constitula uma caracterlstica essencial cia controversia demodo, mas isso esd. relacionado com a diferente naturezajuridica em que se baseava a a~ao e 0 petitum.

~tureza juridiea do litigio

Consideremos em primeiro lugar 0 litigio de modo. Suasconseqii&ncias praticas sao descritas em Dig. 7finium regun­dorum da seguinte maneira: "De modo agrorum arbitri dan­tur, et is, qui maiorem locum in territorio habere dicitur,ceteris, qui minorem locum possident, integrum locum as­signare compellitur."

Os agrimensores asseguram 0 mesmo (39, 45): dentroda zona em questao procedia-se a uma nova divisao real48,

pela qual, havendo tra~ado novas divisas, podia-se assignara cada urn dos pereipientes a quantidade de terra que lhe Cor­respondia. 0 agrimensor utilizava a rede de divisas das pro-

63AS GLEBAS ISENli!.S DE IMPOSTOS

pationes), que podia demonstrar haver respeitado, segundoas formas juddicas previstas na ordena~ao.A parte nao afir­maYa que este ou aquele determinado terreno the pertenciade direito ou the devia ser restituido, mas simplesmente queo modus que de fato estava em sua posse nao correspondiaao que lhe pertencia segundo a forma; portanto, reclamavauma revisao das rela~oes estabelecidas no territorio e a as­signa~ao de seu modus integro45. Ao contrario do pleito deloe0

46, a parte afirmava que lhe pertencia urn lote determi­

nado e reclamava a devolu~ao sem se referir ao fato de quenao estava de posse do modus que lhe correspondia segun­do a fOrma, mas simplesmente baseando-se no titulo me­diante 0 qual adquiriu a posse desse terreno concreto. Adiferenp essencial entre os dois procedimentos .0, pois, aseguinte: enquanto 0 pleito de loco tinha lugar principal­mente em torno do ager areifinius (mas tambern se podiasustentar em torno do ager assignatus), 0 litigio de modo,em compensa~ao,so era possivel no ambito da zona repre­sentada numa fOrma47.

HISr6RlA AGMRIA ROMANA62

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Quom autern in adsignato agro secundum formam modus specte­tur, solet tempus inspici et agri cultura. Si iam excessit memoriaabalienationis, solet iuris formula (non silenter) intervenire et inhi­bere mensores, ne tales controversias concipiant, neque quietemtam longae possessionis inrepere sinit. Si et memoria sit reeens,et iam modus secundum centuriam conveniat et loci natura indi­cetur et cultura, nihil impediet secundum formas aestimatum pe·tere: lex enim maduro petiti definite prescribit, cum ante quammensura agri agatur modus ex forma pronuntiatus cum loco con·veniat. Hoc in agris adsignatis evenit. Nam si aliqua lege venditio­nis exceptus sit modus, neque adhuc in mensuram redactus, nonideo fide carere debebit, si nostra demonstratio eius in agro nonante finiri potuerit quam de sententia locus sit designatus.

Portanto, de acordo com essa afirma,ao, a situa,ao deposse se contrapunha desde tempos imemoriais ao proce-

priedades representadas na planta, restabelecia os linearii49

e, com a ajuda dos dados sobre 0 modus das distintas accep­tae, dados reproduzidos na forma50, tentava manter dentrodo possive! as divisas anteriores baseando-se no tipo decultura51, ou tra,ava novas para assignar assim a cada umo modus que the correspondia. Esse procedimento nao ti­nha nada a ver com as habituais regulariza,oes de divisas,ja que a confirma,ao das divisas precedentes era apenas umdos meios posslveis de obter a finalidade ja indicada, istoe, assignar a quem realmente tivesse direito a terra que 0

Estado garantia com um documento, a forma. Contudo, se­gundo essa forma, nao se assignava uma area concreta comdivisas bem determinadas, e sim simplesmente um deter­minado modus agri. Assim, pois, a aut&ntica finalidade des­sa opera,ao era a assigna,ao do modus. Como quer que se­ja, na epoca dos agrimensores, 0 procedimento conheceumodifica,oes essenciais em sua aplica,ao, em diversos sen­tidos. Eimportante 0 que nota Frontino (45, 11 ss.), sobreo pleito de modo:

dimento de nOva divisao. Como se deduz das pr6prias pa­lavras de Frontino, derivava-se dal a conseqii&ncia de quenenhuma exig&ncia podia mais ser baseada na forma e que,por isso, ja nao se podia proceder a uma a,ao legal de mo­dus propriamente dita52 Em rodo caso, a peti,ao de assig­na,ao do modus correspondente, segundo a forma ou do­cumentos de valor similar, ao sujeito do petitum nao obti­nha sua finalidade - inclusive quando nao existia nenhu­ma situa,ao de posse ab inmemoriabili - caso os lotes deterrenos tivessem passado a ser propriedade de algum dospercipientes mediante simples usucapiao ou, tambem, me­diante aquisi,ao, por causa da bona fide emptio et traditio,segundo os prindpios da actio Publiciana. Nesse caso, aexi­g&ncia do modus contrapunha-se um direito real sobre 0 lo­cus concreto, como exceryao; situaryao juridica esta que re­corda a rela,ao, sempre repetida em situa,oes similares, en­tre 0 titulo de propriedade e a propriedade efetiva, enten­dida no semido material, como depois esclareceremos_ Detudo isso, infere-se que a a,ao legal de modus devia ser pou­co freqiiente nos territ6rios de antiga assigna,ao; tampou­co quan se tratava de assigna,oes recentes, nas quais severificav nu rosas transfer&ncias de propriedade e fra­cionamento das areas, devia ser ainda a pratica53 em mui­tas ocasioes, fato confirmado tambem pelos agrimensores54•

Ademais, como sabemos, uma vez colocado 0 litigio de mo­do, segundo 0 procedimento processual da epoca hist6rica,a senten,a nao dava lugar aregulariza,ao efetiva das situa­,oes de posse, mas apenas a uma condena,ao pecuniaria. Aexig&ncia do modus, como mostra 0 passo ja citado de Fron­tino, era comutada par urn aestimatum petere exforma e seconvertia, assim, num caso particular da ordinaria vindica­tio, baseada apenas num motivo espedfico. Uma nova me­di,ao efetiva s6 tinha lugar quando a parte se submetia aoarbitrium de restituendo, que era levado a cabo com a cola-

64 HIsrORIA AGRARIA ROMANAAS GUBAS ISEN7AS DE IMPOSTOS

65

I,

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66 HIsr6RIA AGRARIA ROMANA AS GLEBAS ISENE1S DE IMPOSTOS67

7

bora~ao dos agrimensores; assim, 0 litigio de modo se apro­ximava do litigio de loco, embora dele diferindo fundamen­talmente.

Rela,oes com 0 litigio de loco

Este ultimo era a vindicatio Publiciana ou legltima, ba­seada habitualmente num titulo de aquisi~ao referente a urnlote determinado e tendente asua restitui~a055. Como res­saltam os proprios agrimensores56, 0 medidor do campo de­sempenha, nesse caso, urn pape! secundario, dado que naose trata de medir de novo uma parte do territorio, mas sim­plesmente de resolver a quesdo de se, com base num moti­vo de aquisi~ao com valor legal, uma area concreta perten­cia ou nao a urn determinado fundus57• Ede per se eviden­te, como ja notamos, que, com 0 passar do tempo, 0 usae a importmcia pratica do litigio de loco deviam crescer, emdetrimento do litigio de modo. Quando num territorioefetuavam-se aliena~oes de distintos lotes, cujos modus eramregistrados no documento de compra e venda, nao com ba­se numa medi~ao agrimensoria, mas apenas segundo umaestima~ao aproximada58, ou quando a transferencia de pro­priedade era registrada mediante contratos nao formais, naoera nada f:kil, inclusive em certas circunsdncias era total­mente imposslve!, remontar a uma forma, razao pe!a qualso se podia tamar uma resolu~ao segundo os criterios dolitigio de loco. Numa situa~ao jurfdica desse tipo, 0 litigiode modo, como ja notamos, tinha 0 carater de uma vindica­tio utilizave! em circunsd.ncias especiais, particularmenteem re!a~ao aa~ao para a regulamenta~ao de divisas59.

Significado original do modus agri. Aliena,oes segundoo modus agri

Mas, em suas origens, as coisas aconteciam de DutramaneIra.

Segundo as fontes, devemos admitir que ate a epoca dajurisprudencia classica a aliena~ao de lotes nao era conside­rada normal, se os agrimensores nao haviam determinadoantes, com precisao, seu modus. Pela contdrio, pareee que,tambem entao, era urn fato normal a venda, com 0 pre,ofixado por jugada, de urn numero determinado de jugadasnum lugar indicado de forma aproximada _ talvez deter­minando a centuria60 ou a pessoa que tinha 0 terreno con­finante com aquele que se vendia - e que, depois, esse con­trata era levado a cabo medindo-se e entregando-se ao com­prador uma superffcie correspondente ao modus estabe!eci­do, coisa que pressupunha, por exemplo, 0 caso tratado naL. 5, pro Si mensor fals. m. dix. (11, 6)61.

Em verdade, era objeto da transa~ao, via de regra, umaarea determinada e 0 pre~o era acertado pro iugerum; nu­rna segund~rocedia_se amedi~ao do terreno e fixava­se 0 pre~o gtobal6';)Em Dig. 45, De evictionibus (21, 2), AI­feno ainda considerava necessario ressaltar que, quando aarea vendida nao coincidisse com 0 modus indicado, antetodo tipo de reclama,oes a duvida se resolvia atendo-se asuperffcie efetivamente vendida. 0 costume de vender urnnumero determinado de jugadas acertando seu pre~o pro iu­gerum e a opiniao de que 0 objeto da compra e venda erao modus declarado sao deduzidos ademais do fato de quetambern Paulo, em L. 53, eod, sustenta que a reclama,aoparcial nao concernia aestimativa da terra reclamada, massimplesmente aresponsabilidade assumida pe!o vendedorde devolver 0 pre,o pe!o numero de jugadas reclamadas,como tambern em Dig. 4, I, De a.e.v. cita-se a obriga,ao do

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vendedor principalmente com a quantidade de jugadasprometidas63 • Tambem Scevola em Dig. 69, 6, De evietio­nibus. 0 citado costume resulta finalmente do tipo de res­ponsabilidade que pesa sobre 0 agrimensor, como se deela­ra no titulo Si mensor falsum modum dixerit (11,6): parte­se da hip6tese - L. 5, pr. I.e. - de que alguem vendeu de­terminado modus agri, dando a urn agrimensor 0 encargode medir uma area correspondente e de que este, ao efetuardita operal'ao, agiu de maneira fraudulenta, medindo mais(L. 3, 3, eod.) ou menos (L. 3, 2, eod.) que 0 devido. Daidepreende-se que, efetivamente, a compra e venda era con­cebida como referindo-se de forma essencial ao modus. De­certo, a razao principal de dita concepl'ao deve ser buscadana ausencia de entrega real de uma area bern delimitada, co­mo pressuposto da transferencia de propriedade, na formaoriginal de aquisil'ao de uma gleba - a mancipatio -, que,portanto, tampouco era juridicamente a alienal'ao de umaarea determinada, mas de urn determinado modus agri. Is­so, por sua vez, ocorria seguramente porque, nas assigna­I'0es, a forma so inelula os modi, porque tambem na profes­sio do censo se indicava 0 modus. Dado que se pode afir­mar com seguranl'a que a elassifical'ao dos cidadaos segun­do 0 valor monerario de seu patrimonio, tal como nos foitransmitido, foi precedida por uma elassifical'ao segundo aextensao das glebas possuidas64, em especial enquanto sub­sistiu uma constituil'ao agraria baseada na comunidade decampos de qualquer tipo, e bern prov:ivel que a estimativaem dinheiro dos terrenos aparecesse com a supressao da an­tiga constituil'ao agraria e com a aplical'ao rigorosa da pro­priedade imobiliaria individual, cuja estimativa era realiza­da de acordo com urn computo legalmente calculado proiugerum, de forma anaJoga ao que sucedia com a multa. Exis­tia, pois, urn interesse publico em que se pudesse determi­nar 0 modus agri que se encontrava de vez em quando em

AS GLEBAS ISENE1S DE IMPOSTOS68 HISTORIA AGJURIA ROMANA

69

posse do cidadao individual6S Enecessario reconhecer, por­tanto, que se fez necessario entao registrar 0 modus vendi­do nas formulas e documentos de rnaneipatio66. Conside­raremos, pais, como caractedsticas do ager assignatus paraos periodos mais antigos a alienal'ao segundo 0 modus e aal'ao legal correspondente. Podem-se fazer ainda algumassuposil'oes sobre 0 desenvolvimento historico e a impor­tancia dos dois fenomenos.

Afienat;!io de cotas e fotes

Obviamente, ignoramos em que epoca Comel'ou-se a per­mitir a alienal'ao das distintas Cotas imobiliarias e, depois,a alienal'ao de lotes do fundus, que em absoluto esra rela­cionada com a precedente. Da inalienabilidade dos heredia,separados, segundo a tradil'ao, do campo cultivavel, comdireito relativamente pleno de propriedade individual, sopodemos coneluir que, enquanto subsistiu a comunidadedos campos, sempre regulamentada, existiram limital'oes ge­rais em grande~ como de resto Ii natural nos maisantigos esragios'de desl!nvolvimento de qualquer coletivi­dade agricola. Bern mais anormal parece, numa sociedadeagricola coletivista, a alienal'ao de distintos lotes concretos,enquanto, habitualmente, consente-se muito antes a cessaode aliquotas correspondentes por direito a urn membro dacomunidade numa zona determinada67• A alienal'ao de urncampo segundo 0 modus - 0 que constituia a essencia darnancipatio - deve ser situada mais ou menos a meio cami­nho entre a alienal'ao das cotas e a de lotes concretos. Fossequal fosse em detalhe a ordenal'ao da comunidade do solo,sempre e quando nao estivesse organizada em ela, mas nu­rna unica coletividade, como decerto ocorreu em Roma,pode-se admitir, ademais, como fato cerro que, desde 0 ini-

II

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I

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I

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A sociedade coletivisra romana

cio, desenvolveram-se dois conceitos juridicos nitidamentedistintos: 0 Hufenrecht (para utilizar essa expressao), isto e,o direito em geral de participar da comunidade do solo, eo conjunto consequente de autoriza90es especiais correspon­dentes a todo sujeito com direito sobre as distintas partesdo territorio comum. Essas faculdades nao encontravam suaorigem no direito precedente, mas 0 problema da rela9aoentre 0 direito de ser membro da coletividade e outros di­reitos que se seguem coloca-se nos proprios termos da here­diratis petitio ante as distintas a90es sucessorias.

A locu9ao tecnica para designar 0 direito do membroda coletividade e fundus. No direito da liga itilica, a pala­vra ficou com esse significado. Quando uma cidade com­ponente da liga promulgava como lei uma decisao da cole­tividade romana, dizia-se dela fundus fit, isto e, que a cida­de aderia como co-partlcipe de direit068• A palavra e utili­zada tambem por Gelio (Noct. Au. 19,8) com 0 mesmo sig­nificado para designar a adesao a um projeto de lei.

No que diz respeito ao significado de fundus como "ter­reno" e evidente que tampouco na epoca imperial se podiadesignar como fundus qualquer terreno delimitado. De um!ado, a villa sempre pertencia ao fundus; de outro, nem to­das as terras ou todos os direitos que um propried.rio deum fundus adquiria ex novo pertenciam ao fundus, mas ape­nas aqueles que eram incluidos na administra9ao agricolado terreno originari069 • 0 fundus era considerado semprecomo uma superHcie compacta, se nao juridica, ao menosconcretamente70, em todo caso como um conjunto deobjetos71. Seguramente, as designa90es gentilicas termina­das em ianus so se aplicavam aos terrenos que iepresentaram

tais posses rurais. A meu ver, tudo isso constituia uma re­minisc&ncia do antigo significado de fundus como direitocomunitirio (Hufenrecht), direito de participa9ao na comu­nidade agniria. Depois da divisao da propriedade coletiva(podemos designar esse acontecimento com 0 termo "se­para9ao"72, quaisquer que tenham sido suas modalidades),em lugar do antigo litigio jurfdico, fosse do tipo que fosse,sobre 0 direito de participa9ao dos bens da coletividade, en­trou em cena a vindicatio do fundus entendido como umobjeto global e compacto; analogamente, no lugar da anti­ga peti9ao de "regula9ao da cota" surgiu 0 litigio de modona versao transmitida pelos agrimensores. E bastante difl­cil crer que essas duas a90es jurldicas, isto e, a exig&ncia dodireito de participa9ao e a de assigna9ao da cota social emalguma parte do territorio (correspondente aReunionskla.ge alema e aReebningsantrag dinamarquesa), fossem consi­deradas equivalentes no procedimento73• Ou melhor, a p~i­meira devia ser reservada acompet&ncia exclusiva da Supre­ma insd.ncia judicial da coletividade agraria, enquanto a ou­tra, como vimos, tambem foi tratada, depois, como umaquestao partieul~ter tecnico. Posteriormente aepocadas Doze Tabua~, encobtramos os individuos que habita­Yam 0 territorio cultivado organizados em tribus; mais tar­de, encontramos a jurisdi9ao centunviral, formada por tr&sjUlzes para cada uma das 35 tribos, cuja corte decidia quemera heres, isto e, possuidor de uma cota social COm base nodireito sucess6rio; alem disso, parece que existia uma dis­puta de compet&ncias, no campo das a90es imobiliarias, entreos centumviri e os iudices ordinarios. Por conseguinte, con­sidero que, embora se desse uma compet&ncia exclusiva doscentumviri sobre a reivindica9ao dos terrenos - coisa emsi verossimil, em que pese aadvert&ncia contraria74 de Wlas­sak -, esta devia concernir areivindica9ao do fUndus, istoe, aa9ao encaminhada para obter a assigna9ao da cota so-

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71AS GLEBAS ISENTAS DE IMPOSTOSHIST6RlA AGJURIA ROMANA70

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72 HIST6RIA AGIURIA ROMANA AS GLEBAS ISENTAS DE IMPOSTOS 73

,cial como um todo. De acordo com tudo isso, temos a fi­gura da legis actio sacramento, entendida como al'ao preven­tiva, e a necessidade da contra-reivindical'ao em oposil'aoaformula petitoria. Se dois indivlduos disputavam a possede uma cota social, devia dar-se uma sentenl'a positiva, even­tualmente com base no direito mais bem fundamentado deque so um dos dois fosse possuidor, pois de outra formater-se-ia produzido um vacuum inadmisslvel nas relal'oes dedireito publico; se, em compensal'ao, se tratava apenas darestituil'ao de um lote determinado, a denegal'ao da al'aodeterminava um vazio de fato, e tudo ficava como antes.Com a progressiva abolil'ao das antigas bases do organis­rna estatal romano, perdeu-se certamente a memoria do an­tigo significado do fundus e, tambem, 0 antigo valor tecni­co do modus agri foi debilitado, de modo que podemos re­construl-lo baseando-nos apenas nos escassos indkios ob­servados na controversia de modo.

Importancia do usucapiao para a histaria agrdria

A impordncia do modus teve inkio, como vimos, des­de 0 momento em que se admitiu 0 usucapia075• De fato,o usucapiao oferecia a possibilidade de aquisil'ao da proprie­dade com base:

1. numa iusta causa (que dtulos serviam como "justos",deixava-se aevolul'ao dos acontecimentos decidi-lo; em pri­meiro lugar, estava compreendido 0 contrato de compra evenda carente de forma legal);

2. na traditio (e aqui se manifesta da maneira mais clarao significado da ordenal'ao: a antiga mancipatio, que naopressupunha nenhuma traditio, baseava-se na alienal'ao dascotas, ou, melhor dizendo, dado que seu objetivo era 0 mo·

dus, identificava-se a rigor com essa alienal'ao sempre quenao afetasse todo 0 fundus; em compensal'ao, a nova formade aquisil'ao da propriedade so se referia a lotes concretose delimitados, a partir do momento em que so estes podiamser transferidos);

3. na posse bienal.A admissao dessa forma de aquisil'ao significou, por as­

sim dizer, a introdul'ao do prindpio do locus como equiva­lente do prindpio do modus. De fato, a finalidade e a im­pordncia pr;hica do usucapiao consistiram, nao original­mente mas depois, na protel'ao da boa-fe do adquirente an­te quem nao era proprietario. Do edito do pretor se deduz,para a epoca mais antiga, precisamente 0 contrario. As pes­quisas de Lenel puseram em evidencia que 0 mais antigodos editos sobre a vindicatio Publiciana aspirava protegernao 0 possuidor bonae fidei, mas 0 propried.rio heredita­rio, isto e, aquele que nao havia adquirido com a mancipa­tio uma res mancipi ao proprietario, mas a obtivera por trans­ferencia ex iusta causa. Como quer que seja, a intervenl'aodo pretor so representa um estagio ulterior do desenvolvi­mento ja ~hado pelas Doze Tabuas.

De fat , a raz· de promulgar 0 edito deve ser buscadana precaria situa~:ao em que se encontrava durante 0 trans­curso do prazo de usucapiao aquele que depois foi chama­do proprietario bonitario em relal'ao ao proprietario quiri­tario, ja que exclusivamente este ultimo era legltimo em fa­ce do censo e podia, portanto - ate aparecer a exceptio reivenditae et traditae -, voltar a ocupar legalmente 0 terre­no, sempre que nao 0 fizesse em segredo ou com violencia,caindo no interdito possessorio. Da mesma forma, a aqui­sil'ao estava protegida diante de terceiros, ate 0 vencimen­to do prazo de usucapiao, so em via possessoria. A faculda­de censitaria e a protel'ao de direito privado eram adquiri­das depois de dois anos. Pois bem, esta claro que toda essa

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situa,ao s6 tinha sentido se se tratasse da aquisi,ao de lotes:de per se, a mancipatio era uma forma de transfer&ncia dapropriedade tao comoda que se podia utilizar em todos oscasos; por conseguinte, nao havia motivo algum para expor­se a essa necessidade, antes de fechar urn neg6cio de com­pra e venda, depois de efetuar a transfer&ncia (e ambas ascoisas de tal maneira que, depois, pudessem ser eventual­mente provadas diante de urn tribunal) e, por ultimo, espe­rar dois anos, tudo isso apenas para evitar a interven,ao dassete testemunhas necessarias. Inversamente, tinha urn sig­nificado bern patente quando tinha-se a certeza de poderconservar, transcorridos os dois anos, aquela determinadasuperEcie que havia sido objeto da transfer&ncia, e ja naorecupera-la segundo 0 modus, em muitos caSos com divisasdiferentes, provocando uma retifica,ao em toda a zona ba­seada na forma, no registro do censo ou nos documentosda mancipatio, coisa que sucedia quando se conservavam osdireitos do Stufland diante do Reebning do direito agrariodinamarqu&s. 0 edito publiciano mais antigo que se conheceintroduziu a novidade de que, do ponto de vista do direitoprivado, 0 adquirente devia ser posto no mesmo plano queo proprietario quiricario tamhem antes do vencimento doprazo bienal. De toda maneira, tambern enta~ s6 se conti­nuou adquirindo a faculdade censitaria com a status de pro­prietario quiricari076, nao havendo a pretor disposto nadaa esse respeito. Durante a transcurso do prazo de usucapiao,encontravam-se, uma diante da outra, a "propriedade do­cumentada" do dominus ex iure Quiritium, que devia suaimportancia as rela,oes de direito publico, e a propriedadematerial de quem tinha in bonis a area que the fora trans­ferida.

Mas existia, antes que se introduzisse a usucapiao, algumtipo de prote,ao juridica da posse e, portanto, tambern daaquisi,ao de lotes concretos? Acaso a titular de uma cotasocial era obrigado a recorrer sempre a peti,ao de uma no­va medi,ao de toda a zona, como se se tratasse de urn liti­gio de modo, quando uma area ate entao sob a sua prote,aolhe era subtraida ilegalmente? Essa situa,ao tambern teriasido insustencavel numa sociedade agricola coletivista. Mas,de toda maneira, a prote,ao nao podia ser efetuada atravesdo procedimento ordinario, ja que, para este, s6 tinha va­lor a propriedade ex iure Quiritium, razao pela qual s6 po­dia ser objeto de dito procedimento, ao viger exclusivamentea criteria do modus, a fundus global, isto e, a direito domembra da coletividade a cota social (a centuria no territo­rio separado, ao Gewann au a unidade correspondente nosterrit6rios coletivos). Portanto, s6 se podia conceder a pro­te,ao possess6ria de determinados lotes se nao se prejulga­va a direitod~s demais membros reclamarem umanova medi,aoXa ReeDning) da centuria au do Gewann. E,precisamente porque a posse gerava uma situa,ao provis6­ria de iure, a prote,ao era assim disposta contra determina­das viola,oes do estado de posse, mas nunca teria podidolevar a uma discussao util sabre a estado material do direi­to dos distintos possuidores: direitos materiais sabre areasdeterminadas nao existiam, dada a constante possibilidadede novas medi,oes, pelo que a posse era, a rigor, uma merasitua,ao de fato, enquanto de direitos s6 se podia falarreferindo-se ao direito sabre a cota, expresso pelo modus.Se avaliarmos que meio juridico conhecido teria estado emcondi,oes de garantir uma prote,ao nesse estado de divisaode urn territoria, sem duvida encontraremos os interditospossess6rios. 0 interdictum de vi, limitado aos terrenos, co-

74 HIST6RlA AGRARlA ROMANAAS GLEBAS ISENE1S DE IMPOSmS

Significado da proter;ao possess6ria na hist6ria agrdria

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76 HISr6RIA AGRARIA ROMANA AS GLEBAS ISENTAS DE IMPOSTOS 77

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mo ja sabemos, proposto por urn possuidor contra quemperturbava a posse, ordenava77:

Uncle in hoc annc tu ilIum vi deiecisit aut familia tua deiecit, cumille possideret, quod nee vi nee clam nee precario a te possideret,eo illum quaeque ille tunc ibi habuit restituas.

De urn ponto de vista pratico, a posse era protegida con­tra aque!as a~oes atentatorias que entravam na categoria devis no estado de cultivo que 0 possuidor individual dos anosanteriores havia deixado. A referencia as condi~oes agrko­las esti especialmente clara na men~ao expressa da deiectiorealizada pe!a familia cultivadora. 0 interdictum de preca­rio referia-se a outro caso, em que teriam sido subtraidasilegalmente glebas concretas. Era dirigido contra 0 arren­datirio dos lotes, que desde a epoca mais remota teve urnimportante pape! na agricultura romana, se bern que, emmuitas ocasioes, encontrava-se em condi~oes sociais bern tris­tes: "Quod precario ab illo habes... id illi restituas." A proi­bi~ao, entao, conforme 0 proprio cad.ter do evento, naoinduia uma limita~ao de tempo. Muito provave!mente exis­tia urn terceiro edito, que depois passou a ser inutil, dirigi­do contra 0 terceiro tipo de posse nao valida, sempre re­cordado junto das adquiridas vi ou precario, a clandestinapossessio, edito que se limitava a proteger a posse duranteo ultimo ano. Constatamos, pois, que era garantida ao pos­suidor a area administrada por e!e contra subtra~oes efetua­das com violencia, contra ocupa~oes clandestinas e contratomadas de posse pe!o arrendatario. Deduz-se imediatamenteque 0 objeto dos interditos era a area concreta, 0 locus; tam­bern 0 dizem expressamente os agrimensores, que, alem domais, julgavam, de seu ponto de vista, a rei vindicatio e 0interdito como possibilidades de valor similar, que uma ououtra podia utilizar, segundo as circunsdincias praticas, pa­ra recuperar 0 locus subtraid078. Junto com esses tres in-

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terditos (dos quais dois documentados e urn suposto), ha­via outro, considerado originalmente urn decreto de manu­ten~ao "Uti possidetis eum fundum q.d.e., quominus ita pos­sideatis, vim fieri veto" que era cia maxima importancia pd.­tica para 0 ager publicus, sendo 0 unico meio juddico deprote~ao das rela~oes possessorias, isto e, do locus, sem con­siderar altera~oes ja ocorridas79• Dito interdito passou a ser,depois - precisamente quando foi concebida a exce~ao"quod nec vi nec clam nec precario alter ab altero posside­tis" com a interpreta~ao dada pela jurisprudencia _, urnmeio juridico subsidiario para solicitar a restitui~ao da pos­se. Nao podemos, agora, levar a cabo uma discussao deta­Ihada sobre a importancia pratica e sobre 0 desenvolvimentohistorico dos distintos interditos possessorios agririos, COn­quanto no estado atual das pesquisas essa discussao seria mui­to desejavel, mas econveniente reserva-la para urn estudoespedfico. Como quer que seja, parece-me certo que, de urnlado, a estrutura juddica particular da institui~ao possessioe a carater provis6rio80 de iure das sentens:as ditadas nosprocessos co~entes e, de outro, 0 carater capciosodo proprio pJlocesso) com seu labirinto de sponsiones, lici­tationes e Qutros cetera ex interdicta, bern como os criteriosparticulares com base nos quais se julgava - qualidades es­tas que nao seriam convenientes para uma senten~a provi­soria entendida em sentido moderno -, explicam-se pelaposi~ao que 0 procedimento possessorio Ocupava no direi­to agrario da epoca mais antiga. De fato, 0 procedimentopossessorio, numa de suas aplica~oes mais importantes, naolevava a uma solu~ao simplesmente provisoria, mas a urndejinitivum, e isso quando se tratava do ager publicus. Aquinao existia nenhum modus agri e, portanto, nao se podiafalar de direito quiritirio, mas de locus e dos meios juridi­cos dispostos para sua salvaguarda: os interditos possesso­rios. No caso do ager assignatus privado, ao contrario, en-

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78 HIST6RlA ACIURIA ROMANA AS CLERAS ISEN7AS DE IMPOSTOS79

rcontrava-se originalmente um diante dos outros (prescindin­do da legis actio sacramento ex iure Quiritium, re1ativa ao di­reito global de participa,ao, 0fundus): 0 litigio de modo, meiojurldico que levava a uma nova regula,ao da posse conformeo modus agri do individuo, com base no direito acota social;eas interditos possessorios, que constitulam uma prote~ao ju­rldica do locus, que e a area cultivada pe10 individuo, mas, na­turalmente, so de forma provisoria, ja que, devendo ser 0 lo·cus apenas aproje,ao do modusagri, a regula,ao definitiva combase no direito do modus ficava reservada. Como se deduz daseguinte constitutio constantiniana de 330 d. c., a rela,ao en­tre interditos possessorios e 0 litigio de modo permaneceu inal­terada ate a mais tardia epoca imperial: d. Cod. 7beod., I, Fin.Regund., II, 26 (= Cod. lust. 3, eod., ill, 39)81:

Si quis super invasis sui iuris locis prior detulerit querimoniam,quae finali cohaeree cum proprietate controversiae, prius super pos­sessione quaestio firiatur et tunc agrimensor ire praecipiatur ad loea,ut patefacta veritate huius modi litigium terminetur. Quodsi alte­ra pars, locorum adepta dominium, subterfugiendo moras altule·rit, ne possit controversia definiri ad locorum orclines, direetus agri­mensar dirigatur ad Ioea et si fidelis inspectio tenentis locum esseprobaverit, petitor vietus abscedat, etsi controversia eius clarueritqui prius detulerit causam, ut invasor ille poenae teneatur addic­tus) si tamen ea loca eundem invasisse constiterit; nam si per erro­rem aut incuriam domini loca dicta ab aliis possessa sunt) ipsis so­lis cedere debeat.

A meu ver, 0 sentido desse texto mal redigido e, talveztambem, viciado, e 0 seguinte: podiam desenvolver-se con­temporaneamente dois contenciosos entre dois proprieta­rios cujos terrenos fossem confinantes, uma controversia deloco, au, mais precisamente, como esclarece 0 texto maisadiante, um procedimento possessorio, e outro procedimen­to, qualificado de finalis de proprietate controversa, ja que

assim deveria soar a lacunosa proposi,ao relativa82. Eviden­temente, este ultimo designava 0 litigio de modo, agora janao pratico, que na idade imperial era considerado uma am­plia,ao do iudicium finium regundorum acima do limite de5 ou 6 pedes, porque em ambos os procedimentos a finali­dade era conseguir uma nova e efetiva delimita,ao dasdivisas

83• Uma das partes colocou 0 litigio possessorio, a

outra respondeu pedindo que se instruisse um processo demodo. Surgiam interroga,oes - em que rela,ao se encon­tram os dois procedimentos, que por prindpio excluem-semutuamente? Cai 0 litigio possessorio porque, depois dese ter pedido uma nova medi,ao, ja nao se pode conseguiruma execu,ao pratica? - a que 0 trecho responde que, emtodos os casos, devia ser resolvido em primeiro lugar 0 liti­gio possessorio. Depois, 0 agrimensor devia ir ao lugar ecomprovar 0 modus agri correspondente a cada um dos in­teressados, segundo as ordines loci, isto e, segundo a formae as atas anexas. Se, depois, a parte que obtinha razao nolitigio possessorio, locorum adepta dominium 84, retardavao desenvolvim~ontroversia de modo, 0 agrimensorera enviado em ~eguid;Jao lugar; e se resultasse que 0 pos­suidor anterior (tenens), derrotado no litigio possessorio, teriatido direito aarea contendida, segundo os prindpios do li­tigio de modo, 0 solicitante do juizo possessorio (petitor),apesar do resultado favoravel desse processo ("etsi contro­versia eius claruerit qui prior detulerit"), era tratado comoperdedor e condenado por malafides arestitui,ao do terre­no e, alem disso, a uma multa (fructuum, isto e, total dalicitatio, etc.). A provocatio ao interdito, a ordinaria rei vin.dicatio (loci) e 0 litigio de modo eram, pois, para os interes­sados, vias distintas que conduziam ao mesmo objetivo edentre as quais se elegia a mais pratica in casu, segundo sepudesse concretizar a a,ao melhor de uma maneira que deoutra85.

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Voltando as condi,aes jurldicas antecedentes aconces­sao de usucapir os terrenos, temos que 0 possuidor de umlote a titulo de emprestimo (precario) era protegido em suaposse contra terceiros, mas, em compensa~ao,era privadode toda salvaguarda86 diante do propried.rio do lote empres­tado. Quem tivesse adquirido um terreno dessa forma erapossuidor ilegitimo ante 0 titular da cota social que incluiadito terreno; para 0 census s6 0 dominus era propried.rio.Como quer que seja, 0 dominus podia expulsar 0 possuidorsolicitando uma nova medi,ao (litlgio de modo)87 e, se nao,tambem recuperar de iure 0 terreno, mas 0 possuidor, gra­,as aos interditos de vi e de clandestina possessione, estavaprotegido contra todas as interven,aes arbitd.rias do pro­pried.rio. Mais que isso, dada a bem conhecida elasticidadedos conceitos de vis e de clandestinitas, estava protegido emgeral (na pratica, nos casos mais importantes), na medidaem que tivesse podido provar ter sido possessor durante 0

ultimo ano, 0 que equivale a dizer de forma proporcionalao trabalho de cultivo realizado no ultimo ano agricola. Des­sa forma, permitia-se ao possuidor apropriar-se da colheitada terra que ele pr6prio havia cultivado sem que existissenenhum vitium possessionis. Por isso, a novidade introdu­zida pela possibilidade de usucapiao consistiu s6 nisto: quan­do a aquisi,ao de um lote de terreno tinha lugar com basenum iustus titulus, entao, depois de dois anos, 0 compra­dor era protegido contra toda expulsao e, tambem, contrapeti,aes de nova medi,ao, convertendo-se em proprietarioquirit:irio. Sobre 0 tema da prote,ao para a aquisi,ao deareas, 0 ponto de vista de Ihering, referente aepoca maisantiga, e valido no sentido literal: a prote,ao da posse deviapreceder a prote,ao da propriedade.

Voltaremos agora a concennar-nos nas vicissitudes doscriterios baseados no modus88 .

Se 0 usucapiao foi a primeira ruptura importante da an­tiga organiza,ao social agraria, ja que sua introdu,ao cons­tituiu um primeiro passo no sentido da supressao da eco­nomia coletivista, urn impulso posterior, sem duvida maisresoluto e mais decisivo, deu-se nessa dire,ao quando, coma admissao na organiza,ao coletivista de comunidades ateentao independentes e de seu territorio, terras nao dividi­das e assignadas segundo os criterios romanos converteram-seem participes do direito imobiliario romano e foram sub­metidas ao census. 0 meSilla naa acontecia, como se sabe,com as comunidades que tinham cidadania parcial: 0 terri­torio de Caere nao passou a ser objeto do census com a con­cessao da civitas sine su./fragio, em todo caso no sentido deque os possuidores de terras fossem incluidos entre os adsi­dui nas tribus rusticae; as tabulae Caeritum ficavam amar­gem do registro censit:irio dos tribulos. Nos centros que,sem aVPo{KrW''>, passaram a fazer parte da comunidade ro­mana, as coisa~ se desenvolveram de forma dife­rente. Por exe plo, Gabii (uma das primeiras cidadesa ingressar na comunidade romana, embora nao se saiba comseguranp quando), sucedeu algo assim: de fato, com as DozeTabuas, Gabii ja nao figura entre as cidades latinas sobera­nas porque, pelo que sabemos, nao havia sido urn centrode origem estrangeira nem tampouco dotado de cidadaniaparcial, enquanto da mesma nao se dizia nada acerca de as­signa,aes ou dedu,aes viritanas em seu territorio. N esse caso- e em casos analogos posteriores como tambern na admis­sao de cidadaos de direito parcial entre os cidadaos de pie­no direito -, as territorios considerados ager arcifinius deurn ponto de vista agrimensorio devem tef-se convertido,pais, em materia do census e das figuras contratuais rama­nas; eeste 0 motivo pelo qual, na enumera,ao dos genera

80 HlST6RIA AGRARIA ROMANA AS GLEBAS ISENE1S DE IMPaSTOS

Desmembramento de/initivo da sociedade coletivista

81

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82 HIST6RIA AGRARIA ROMANAAS GLEBAS ISEN7AS DE IMPOSmS 83

agrorum, Varrao (1. L. 5, 33) escreve: "Romanus, Gabinus,peregrinus, hosticus, incertus."89 Dado que tambem os ter­ritorios assignados com criterios romanos eram registradosem conformidade com seu valor monedrio e os terrenosusucapidos requeriam igualmente essa estimativa especial90,a aceita!j=ao no census nao apresentava, em si mesma, difi­culdades particulares. Como quer que seja, era uma conse­qiiencia da faculdade de inscril'ao no census a possibilidadede aplicar a mancipatio a urn territorio a que pouco convi­nha uma forma de transmissao da propriedade que prescin­disse de toda necessidade de tradil'ao. Talvez 0 mais antigoedito publiciano que garantia a propriedade hereditaria te­nha sido promulgado precisamente a proposito da incor­poral'ao desses territorios no ambito romano. Mas, de todamaneira, continha uma retifical'ao ulterior do criterio delocus - no metodo ja discutido -, na medida em que osagrimensores tratavam do ager arcifinius como 0 autenticocentro do litlgio de loco. A introdul'ao do direito imobilia­rio romano no ager arcifinius realizava cada vez mais pro­gressos e difundiu-se muito, especialmente com a lex agra­ria de 643 a.u.c., que transformou as situal'5es de posse so­bre 0 ager publicus em ager optimo iure privatus, e com aguerra social, que, por sua vez, converteu em tal os territO­rios de todas as cidades pertencentes de pleno direito aLiga.

A controversia de modo e 0 chamado criterio do modusteriam permanecido provavelmente fora de uso, nao fos­sem as assignal'5es viritanas coativas do ultimo seculo an­tes de Cristo. A mancipatio, que, como sabemos, tinha si­do numa epoca urn meio para comerciar com a terra emjugadas - como fazemos hoje, atribuindo urn prel'0 a cadaal'ao de credito -, permaneceu em vigor como uma fasti­diosa formalidade ate que, em 337 d. C, uma lei de Cons­tantino (Cod. Theod. 2, 1, De contr. empt., 3, 1)91 proibiu,a partir de endo, as vendas que nao fossem realizadas com

base numa determinal'ao exata da area e do direito do ven­dedor sobre ela, segundo 0 testemunho dos vizinhos. Dis­punha-se tambern que as formas solenes (da mancipatio) naodeviam ser levadas a cabo in exquisitis cunicolis.

o comercio de imoveis em Roma

Essa disposil'ao referia-se as caraeteristicas dpicas da man­cipatio, cuja impordncia pratica consistia de fato na possi­bilidade de transferir a propriedade de qualquer lote de ter­ra italica, situada num ponto qualquer do orbis terrarum,sempre que ali se pudessem encontrar sete cidadaos roma­nos. Em conseqiiencia, podia suceder que se vendesse oca­sionalmente urn modus maior do que correspondia ao ven­dedor, de forma analoga ao que ocorria na assignal'ao demodi, como por exemplo nas tumultuadas assignal'5es deCaio Graco em Cartago, onde em algumas centurias as­signou-se urn modus maior que 0 efetivo. Por outro lado,a principal cons .. encia dessa importante caracteristica damancipatio foi q e, em ama, 0 comercio de imoveis podeconcentrar-se em tal medida, que nunca houve nada igual,nem antes nem depois, em nenhum outro lugar. Em Ro­rna, conservavam-se todos os pianos topograficos e 0 regis­tro do censo, que informavam sobre as relal'5es de proprie­dade do ager assignatus e tambern davam alguma referenciasobre a natureza dos terrenos, fatores que, junto com as li­citationes para 0 arrendamento do solo publico e as auctio­nes para as terras a entregar como ager quaestorius, faziamde Roma a Boisa dos bens imobiliarios de todo 0 mundoantigo. Pode-se empregar corretamente 0 termo "Bolsa" jaque, no caso da L. 5 Dig., Si mensorfals. m. dix., 11, 1 (casoja discutido na p. 67), temos urn negocio imobiliario a pra­ZO; 0 caso dos negocios fechados com lex commissoria era

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o credito imobilidrio romano

similar e, em essencia, a addictio in diem era quase urn con­trato imobiliario com multa por rescisao, ja que 0 compra­dor fazia que the fosse garantida uma indeniza~aodireta ouindireta por ter concedido ao vendedor a possibilidade dese retirar do neg6cio.

Mais importante ainda, porem, e 0 fato de que precisa­mente em Roma apresentava-se a ocasiao de aproveitar-sede uma utiliza~ao especial da propriedade imobiliaria ro­mana, aque ja fizemos alusao: 0 desembolso da cau~ao nosleiloes de arrendamentos publicos. Ediflcil encontrar, noque concerne asignifica~ao do direito administrativo ro­mano em todo 0 desenvolvimento historico do direito, al­go com caractedsticas parecidas ao procedimento seguidono deposito das cau~oes comparado com as formas juridi­cas do credito real privado.

Sabemos que a garantia a dar ao Estado devia ser ofere­cida por meio de fiadores (praedes) ou terrenos (praedia).A garantia por meio de praedia ocorria da forma mais sim­ples que se possa imaginar: com a subsignatio dos terrenoshipotecados realizada pelo funcionario estatal com base nadeclara~ao oral do empreendedor. Este provavelmente de­monstrava ser 0 verdadeiro propriet:lrio, atendo-se, comona professio do censo, aforma e aos documentos de manci­patio, ou, mais simplesmente, ao registro do censo. Alemdisso, podemos sem duvida admitir que se podia subsignarapenas a propriedade quiritaria (outro aspecto pratico dadiferen~a em rela~ao ao in bonis esse). Os praedia patrita,isto e, a propriedade familiar hereditaria, gozavam de certapreferencia92. 0 motivo dessa preferencia deve ser busca­do no valor cada vez maior alcan~ado pela "antiga e segura

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85AS GLEBAS ISEN7AS DE IMPOSTOS

posse imobiliaria", como objeto de garantia por causa dasd.pidas mudanps de posse e da abalada credibilidade dosdados sobre rela~oes reais de propriedade fornecidos peloregistro do censo, fato causado por sua vez pela possibili­dade de usucapir os terrenos. Alem disso, em conseqiienciada usucapio pro herede, de cuja importancia para as rela~oesde direito publico ja falamos, a sucessao havia-se converti­do no melhor dos titulos de propriedade93.

A subsignatio tinha todos os efeitos do estabelecimentode uma hipoteca e, ademais, a prerrogativa de poder ser rea­lizada mediante venda a particulares - em geral, a a~am­barcadores de creditos similares nao cumpridos _, ao Con­td.rio dos outros titulos de credito, que nao tinham a pos­sibilidade de ser cedidos. Em compara~aocom essa elegan­te forma de garantia hipotecaria imobiliaria de direito ad­ministrativo, baseada, na realidade, nas rela~oes do censor,sob a forma de magistrado "registrador", com 0 unico re­gistro publico - a lista do censo -, as formas de que dispu­n~a ? credito i~ob~ri~ado :aziam. verdadeiramenterna fJgura. Na epoc~ mais~ltlga,so eXlstla a manczpatw fi­duciae causae, uma forma de transferencia da propriedadequirit:lria que outorgava ao credor hipotecario a condi~aojuddica de proprietario ante 0 census e, tambern, ante ter­ceiros nas rela~oes de direito privado. Posteriormente, quan­do a fianp bonitaria de bens moveis e, finalmente, a hypo­theca helenica dos terrenos entraram em uso, as figuras ju­ddicas Oportunas ja existiam. No entanto, as opera~oes fe­chadas com essas figuras nao estavam relacionadas com ne­nhum registro publico e com essa duvidosa transparenciadas rela~oes de credito, por vezes tambern de propriedade,nao se podendo obter urn credito real bem regulamentadoque tornasse possivel, por exempIo, emprestimos para me­Ihorias ou utiIiza~oes de capital sob a forma de hipotecasfrutuosas, e isso com urn alcance mais ou menos not:lvel94.

HIST6RIA AGRARIA ROMANA84

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II

Nem sequer os privilegios posteriores dos pigna publica equasi publica garantitam uma prote~ao suficiente; como querque seja, a situa~ao permaneceu sempre no nive! das atuaisre!a~5es do credito real frances, em que, por motivos am'­logos, tambem 0 documento "com data certa" emuito im­portante. Urn recurso de certa eficacia, a que recorriam, deurn lado, os particulares que queriam assegurar para si comalguma finalidade (em geral, para funda~5es) a importanciados juros dos capitais empregados em sua terra e, de outrolado, as cidades que queriam empregar de forma segura seuscapitais95 com juros, consistia na transferencia as cidades dapropriedade dos terrenos a gravar e na restitui~ao progres­siva dos mesmos aos particulares que os haviam cedido coma imposi~ao de uma renda perpetua correspondente a quantiado juro desejado, como se se tratasse de ager vectigalis. Des­sa forma, a cidade obtinha uma "primeira hipoteca" comesses juras, mas ecaracterfstico que s6 se chegasse a isso se­parando 0 terreno da categoria de ager optimo iure priva­tus. Pe!o que sabemos, os credores privados nao podiam re­COfrer a esse meio, porque a concessao cia terra, com exce­~ao do veetigal, era urn direito reservado as entidades pu­blicas, e nao so correspondia ao Estado romano, mas tam­bern as cidades, como vestigio da soberania possuida faziatempo96.

Rela-;ao do ager privatus com os gravames reais e as servidi5es

N essa situa~ao juridica, ficava exclulda a imposi~ao dehipotecas duradouras sobre a propriedade imobiliaria, talcomo e POSSIVe! e efetivamente aplicada em nossos dias. Mas,embora dessa forma, como vimos, nao se tenha consegui­do emancipar a posse imobiliaria do capital move!, quasetendo ocorrido 0 contrario - dado que a posse imobiliaria

so era objeto de garantia com fins especulativos, e nao po­dia desfrutar 0 credito concedido utilizando 0 afluxo de ca­pitais -, ainda assim conseguiu-se que 0 credito imobilia­rio romano ja nao se distinguisse em seus principais aspec­tos jurfdicos e economicos do credito mobiliario e evitou­se, como tambern se fez em nossos dias, a imposi~ao de ju­ros sob a forma de gravame real pe!os terrenos optimo iure.De fato, este e 0 resultado essencial, baseado na coerenciade todo 0 sistema. Como explicaremos no proximo capitu­lo, nao e exato afirmar que era desconhecido para os roma­nos 0 conceito de uma obriga~ao juridica correspondenteacarga real dos proses germanicos; OU, pela menos, s6 eexatono sentido de que 0 romano ager optimo iure nao era id8­neo para suportar essas imposi~5es no ambito dos negociosjuridicos inter privatos, devendo ser separado dessa catego­ria de gIebas para ficar submetid097. 0 fato de que nossasfontes falem quase exclusivamente dessa categoria so dependeda coincidencia da historia agraria da It:ilia com a difusaodo ager optimo iure~

Urna caraeteristi~~ do aterprivatus romano, importan­te como a inexistencia agora observada de cargas reais nosentido moderno, era tambern a liberdade fundamental daservidao, pe!o que as glebas sujeitas a servidao ja nao entra­yam no conceito de ager optimo iure privatus98• A forma­~ao de uma servidao requeria caracteristicamente as mes­mas figuras juridicas que a aliena~ao de uma gIeba. 0 nu­mero de servid5es era limitado, ao ser desconhecida a im­posi~ao coativa de servidao, a menos que os estatutos defunda~ao nao salvaguardassem expressamente esse direit099.As servid5es contratuais eram habitualmente inscritas emlapides, como as divisas da propria gleba100.

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Fund:lmentos economicos d:l natureza juridica do ager privatus

Esti claro que uma situa~ao juridica seme!hante so eraPOSSIVe! num territorio cujo mode!o de divisao permitisseao possuidor individual uma gestao inteiramente autono­rna. Eprecisamente essa a tendencia econ&mica mais rele­vante da agrimensura romana e, em especial, do sistema demedi~ao per centurias101 •

Antes de mais nada, garantia ao possuidor uma plenaacessibilidade a sua gleba, como ja puseram em evidenciaoutros autores. Os limites eram vias publicas e essa prerro­gativa era protegida permitindo-se que qualquer pessoa, in­clusive quem nao tivesse nenhum interesse pessoal, mais ain­da, mesmo que so tivesse a finalidade de chicanear, conse­guisse que fossem mantidas abertas, seja atuando pessoal­mente, seja recorrendo ao procedimento dos interditos.

Re!aciona-se a isso outro aspecto mais importante. Nosterritorios alemaes onde os lotes de terreno atribuldos a urnso proprietirio eram subdivididos em parce!as distintas, naoera possive! impiantar102 uma rede viaria que cobrisse 0 ob­jetivo ja exposto (a acessibilidade a todas as glebas por par­te dos respectivos propried.rios), num territorio em que aarea do possuidor individual nao fosse constituida por umasuperficie bern de!imitada. Em compensa~ao,a aplica~ao domoderno sistema de separa~ao e cercamento leva em todocaso a uma densidade maior das areas e torna POSSIVe! a rea­liza~ao de urn sistema unitirio de caminhos.

Deduz-se com grande seguran~a de nossas fontes quetambern as divis5es agd.rias romanas atribulam em prind­pio areas compactas (continuae possessiones)103. Podia ocor­fef verdadeiramente, como vimos, que se assignassem de­terminadas cotas de bosque como pertencentes a glebas deterra cultivavel, como, por exemplo, em Suessa Aurunca,

onde, precisamente por esse motivo, nao se aplicou a assig­na~ao per centurias, mas a scamnatio. Como quer que seja,eram exce~5es, devidas a circunsdncias particulares: em geral,assignava-se a cada urn sua cota, fosse grande ou pequena,mas em todo caso compacta.

Separari5es e cercamentos

Os agrimensores re!atam que essa "compacidade" dasareas era 0 contrario da situa~ao existente em muitos terri­torios antes da reparti~ao e da constitui~ao da colonia.

Vimos, no primeiro capitulo, que os agrimensores cha­mavam ager arci/inius, isto e, "delimitado por divisas naoretiHneas"104, ao territorio ainda nao submetido amedi~ao

romana. A locu~ao exprimia precisamente a diferen~a emrela~ao as divisas retangulares usadas pe!os romanos, mascom ela nao se p endia designar uma divisao arbitrariado terreno em lot irregt! ares. De forma similar, quem pe!aprimeira vez observa 0 mapa de urn territorio alemao su­jeito a uma organiza~ao coletivista nao descobre imediata­mente 0 criterio fundamental; so conseguiria reparar nasangularidades particulares das linhas de divisas, em parte de­vidas aos Gewanne, repartidos segundo a natureza do ter­reno e, em parte, ainvasao de divisas em terrenos cantI­guos durante os trabalhos de aradura. Apesar de nao ser pro­vavel que tenha existido na ltilia urn criterio pre-romanounid.rio de divisao, como quer que seja existiu uma carac­tedstica peculiar que se repetia em muitos territorios divi­didos antes da epoca romana. E 0 fenomeno desctito porSkulo FIacco (152) da seguinte maneira:

In multis regionibus comperimus quosdam possessores non con­tinuas habere terras, sed particulas quasdam in diversis locis, in-

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tervenientibus complurium possessionibus: propter quod etiamcomplures v.icinales viae sunt, lit unus quisque possit ad particulassuas iure pervenire... quorundam agri servitutem possessoribus adparticulas suas eundi redeundique praestant.

No trecho citado (De gener. contr. 130), Higino aludeao mesmo fenomeno. Logo pensamos nas promiscuas cul­turas germanas e, de fato, talvez deva ter-se colocado umasitua~aodesse tipo quando se passou de uma forma de eco­nomia coletivista, qualquer que fosse, adivisao dos bens,dado que, alem do mais, dita divisao nao se pode basear nu­rna estimativa de todo a territorio. Precedentemente, con­siderava-se alga provavel que a divisao em laciniae, utiliza­da nas colonias mais antigas, Ostia e Ancio, se referisse aeconomia coletivista original daqueles territorios, que setransformou depois, mas sem chegar a adotar uma assigna­~ao feita com criterios romanos. A observa~ao de Siculo Fiac­co sabre as viae vicinales mastra que, nesses territorios, janao existiam, via de regra, obrigatoriedades de determina­dos cultivos au formas coletivistas analogas de agricultura,que muito dificilmente teriam podido coexistir com a pro­priedade privada romana. Mais ainda, as assigna~6es roma­nas sucessivas baseavam-se, como vimas, na tendencia a ga­rantir a absoluta liberdade das unidades economicas mediantea compacidade das areas e uma rede viaria, tornada racio­nal precisamente par dita compacidade. Dada a existenciade urn territorio dividido e tao promiscuamente cultivado,essa economia individual nao teria podido subsistir sem umarede adequada de viae vicinales. Essas estracias ocupavam im­produtivamente muito terreno, talvez demasiado, como vi­mas antes. Tambem notamos que a sistema de separa~ao

e cercamento moderno persegue a mesmo objetivo. 0 sis­tema consiste no intercambio obrigatorio dos lotes agrico­las de urn territorio de cultivo promiscuo em propor~ao

a seu valor e na aboli~ao, tornada possivel dessa forma, das

servid6es e outras limita~6es da propriedade derivadas derela~6es coletivistas. Pais bern, alcan~ava-se a mesmo resul­tado tornando participes da divisao de urn territorio aque­les que ate entao a tinham possuido e efetuando a assigna­~ao com 0 criteria romano. De fato formavam-se continuaepossessiones e tambern a procedimento sucessivo era a mes­mo. Conforme narra Siculo Fiacco (155), "particulas quas­dam agrorum in diversis locis habentes duo quibus agri red­debantur, ut continuam possessionem haberent, modum promodo secundam bonitatem taxabant". Para as agrimenso­res, esse procedimento de regulamenta~ao agraria de urn ter­ritorio entrava tao daramente no conceito de constitui~ao

de uma colonia, que Higino (119, 18) podia julgar comonao panicipes do agregado colonial aqueles proprietariosa quem simplesmente se tivesse restitufdo sua area, ja quesua situa~ao (conditio) nao havia mudado. Ademais, ja res­saltamos que as marcas coloniais estendiam-se essencialmentecomo as divisoes e~oes romanas; por isso nao duvi­damos em afirmar que, pat;! a colonia civium Romanorum,a criteria de reparti~ao era fundamentaPOS, a tal ponto que,faltando este, ja nao se podia falar de colonias de cidadaos.Para constituir uma colonia, nao bastava, par ceno, que al­guns cidadaos romanos tivessem se estabelecido num lugar,nem sequer que a cidade surgida apos a coloniza~ao so ti­vesse sido habitada par cidadaos romanos, como sucedeuem Italica106: era sempre necessaria uma divisao do terri­torio agricola efetuada com criterios romanos. Par essa ra­zao, apesar da dedu~ao de colonias levada a cabo, Agrigen­tum era uma colonia de cidadaos107, tendo seu solo perma­necido iure peregrino. Analogamente, a criteria de divisaoagraria era provavelmente urn dos elementos que diferen­ciavam as colonias de cidadaos das colonias latinas108. U rnacolonia latina, ainda que fossem - au mesmo que so fos­sem - deduzidos cidadaos romanos109, nem par isso se con-

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lmportancia agraria do ius coloniae

vertia em colonia de cidadaos, ja que seu territorio conti­nuava sendo ager peregrinus; vice-versa, uma cidade em cujoterritorio se tivesse levado a cabo 0 criterio romano de di­visao naa perdia seu cad.ter de colonia civium Romanorumquando tambern participassem muitos latinos ou socii.

Se os criterios agrarios de divisao e distribui,ao eram,pois, urn elemento tao importante das coloniae civium Ro­manorum - e ja que, na epoca imperial, todas as diferen,aspoHticas perderam sua importancia -, admitiremos que ascomunidades que naquele periodo solicitavam ser transfor­madas em colonias interessava precisamente a introdu,aodesses criterios agd.rios e, portanto, que a transforma):aode uma cidade em colonia significasse na pratica uma novaorganiza,ao e estrutura,ao da zona com 0 sistema de sepa­ra,ao e cercamento dos lotes agrkolas llO. Inversamente, nocaso de Preneste, que em tempos de Tiberio pediu para voltarao status de munidpio, podemos considerar que se tendes­se a suprimir as criterios agd.rios, OU, melhar dizendo, cer­tas conseqiiencias destes. a aspecto mais oneroso dependenteda divisao agr:\ria de tipo romano era 0 gravame das estra­das e a obriga,ao de ter os limites abertos. Pois bern, desdea epoca de Ckero, todo 0 territorio de Preneste estava nasmaos de uns poucos latifundiarios, para os quais manter oslimites abertos nao devia ter, na pratica, nenhum sentido;melhor ainda, a existencia dos limites devia ser onerosa pa­ra eles, dado que fragmentavam suas propriedades e que qual­quer vagabundo podia entrar, percorrendo-os, em seus par­ques ou mirantes e conseguir que se respeitasse esse direitorecorrendo ao interdito. Essa obriga,ao sera suprimida por

., .sua convenlenCla.

93AS GLEBAS ISENTAS DE IMPOSTOS

Ate agora tratamos essencialmente das funda,aes de co­lonias em solo id.lico, nas quais se realizavam assigna,aesde terras em propriedade romana com isen,ao de impos­tos. a motivo pelo qual nao diferenciamos de maneira ex­pressa a coloniza,ao da Italia da das provincias deve ser bus­cado na ausencia de uma diferenp fundamental do pontode vista das rela,aes economicas aqui considerado, nao obs­tante as muitas ontras inegaveis diferen,as. Caio Graco foio primeiro a aplicar num territorio provincial, em Carta­go, urn modelo de coloniza,ao identico, de todos os pon­tos de vista, ao que se efetuava em solo italico, isto e, assig­na,aes de propriedade isentas de impostos. Mas essa colo­nia foi suprimida e so depois, e de forma excepcional,constitulram-se, nas provfncias, co18nias ou outros centrosa que era concedido, no ato de funda,ao ou mais tarde, essedireito sobre 0 solo, 0 ius Italicum. Habitualmente, comotambem observa Frontino (De contr. agr. 11, 36), os terri­torios das coloniasn~cias eram igualmente sujeitosa impostos. Mas, corn isso, Jao se recha,ava em absolutoo prindpio de que 0 solo colonial fosse dividido segundoo criteria romano; peIa contdrio, vimos pda inscri~ao deAd.usia, colonia naa isenta de impastos, interpretada noprimeiro capitulo, que tambem nessa localidade teve lugaro processo de reestrutura,ao agr:\ria. A inscri,ao mostra ex­pressamente a divisao como uma nova organiza,ao dada azona (ex tributario... redactus in colonicum)lll. Ao mesmotempo, essa inscri,ao nos diz, com certa credibilidade, queo imposto das colonias nas provincias recaia sobre os dis­tintos lotes e, portanto, 0 territorio era submetido ao paga­mento da contribui,ao sobre os imoveis no sentido discu­tido no primeiro capitulo, coisa confirmada por outras in­forma,aes. Ademais, os agrimensores e a inscri,ao citadaafirmam que, apesar disso, aplicava-se a limitatio e nao ascamnatio. Esta claro que isso sucedia porque nao se queria

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renunciar l rede viaria e porque, como ja foi indicado, aforma do ager centuriatus per scamna assignatus, recomen­dada por Higino para as glebas tributaveis, podia ser usadanas assigna~oes em que fossem distribuidos lotes de igualmagnitude, nao sendo portanto pratidvel nas colonias. 0aspecto economico das assigna~oes coloniais, como descre­vemos anteriormente, nao sofria em nenhum caso detrimen­to algum pela tributabilidade do solo; esta implicava umamedida similar, no fim enos meios, l do cercamentomoderno112.

A revolurao agraria rotnana e sua epoca

Vimos ou, pelo menos, nao podemos por em duvida,considerando quanto foi dita ate aqui, que 0 ager privatusromano era 0 resultado de uma tendencia consciente de po­litica agraria, que aspirava conseguir com meios urn poucoartificiosos a liberdade absoluta de dispor, economica e ju­ridicamente, da propriedade imobiliaria, ademais de sua ma­xima mobilidade possivel- uma tendencia que, na realida­de, conseguiu .alcan~ar esses objetivos, nao sem sofrer aomesmo tempo conseqiiencias muito danosas no plano so­cial e economico. Alem disso, verificamos, ou pelo menosdemonstramos como provavel, que esse desenvolvimento,conscientemente iniciado e levado adiante, substituiu umasociedade agricola coletivista, da qual nao podemos recons­tituir em detalhe a organiza~ao, e que certas caracteristicasdo ordenamento juridico agrario posterior se explicam pe­la sobrevivencia de algumas daquelas antigas institui~oes numconjunto de rela~oes juridicas completamente modificadas.Justamente, acabamos nos perguntando quando ocorreu, aoque se pode presumir, essa transi~ao revolucionaria da an­tiga l nova ordem das coisas. Efetivamente, uma transi~ao

como esta nao foi 0 resultado de uma transforma~ao gra­dual, como, por outro lado, tampouco 0 sao os modernosprocessos de separa~ao e cercamento. A decisao de dar urnpasso semelhante pode permanecer por muito tempo na or­dem do dia e habitualmente e objeto de encarni~adas lutasde classes, antes de tornar-se definitiva; e, em certas ocasioes,conseguir aplica-la em todos os casos particulares e uma ta­refa que se prolonga durante gera~oes inteiras, como suce­deu, por exemplo, na Prussia com os regulamentos e as di­visoes publicas. Como quer que seja, 0 principio introdu­zido e algo radicalmente novo, seu conteudo e uma das maio­res revolu~oes possiveis do ponto de vista agrario. Em ge­ral, esse passo e dado de uma forma ou de outra em todasociedade agricola quando come~am a prevalecer as concep­~oes juridicas cidadas, mas isso raramente aconteceu comtanta precisao como em Roma.

Se os dados nao nos enganam, a decisao de adotar 0 no­vo ordenamento jurid~madana epoca das Doze Ta­buas, ou melhor, deve'em pJte ser· identificada com elas.Na introdu~ao,ressaltamos que tudo 0 que sabemos da an­tiga politica romana denota urn nitido predominio dos pon­tos de vista do grande comercio. Por exemplo: 0 tratamen­to comercial dispensado a Cartago, com 0 qual Roma ten­tou monopolizar 0 comercio entre 0 Ucio e a propria Car­tago e converter-se no unico emporia das materias-primaslatinas e no unico mercado de tadas as mercadorias impor­tadas de alem-mar; a dedu~ao exclusiva de colonias de cida­daos na costa, 0 que encerrava fora do mar as demais cida­des da Liga latina e transformava os portos do TirreiJ.o emcentros habitados por cidadaos romanos, administrados porRoma como bairros da mesma cidade capitolina; a proibi­~ao imposta a Ancio de ter urn comercio maritimo proprio.Tambem concorda com essa concep~ao 0 sinecismo l13, quepodemos situar na origem da historia romana e que, segun-

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do a tradi~ao, perdurou durante todo 0 perlodo dos reis,ja que eurn fenomeno que se manifestou nos maiores cen­tros de comercio maritimo da Antiguidade. Como quer queseja, Roma se deteve nesse processo num momento deter­minado para dar lugar a outra tendencia, enquanto, em Ate­nas, por exemplo, Temlstocles desenvolveu-o cada vez mais,aumentando assim 0 perigo, ja inerente as condi~oes geo­gd.ficas da regiao, de que se rompessem os la~os que uniamos centros comerciais com 0 interior. Em conformidade comuma caractedstica espedfica da Antiguidade, que so se re­petiu com a mesma for~a na Inglaterra na epoca de sua gran­de expansao colonial, devemos supor que tambern em Ro­rna 0 patriciado era uma c1asse de grandes latifundiarios de­dicados a uma ampla rede de comercio; a recorda~ao de umasitua~ao semelhante se faz ainda mais diafana pela valoriza­~ao social que se dava a essas duas atividades no pedodomais tardio da Republica. Essa situa~ao era 0 sistema maisidaneo para privar a c1asse dos grandes comerciantes de seucarater internacional e pa-Ia a servi~o da politica nacional.Assim se explica tambern por que 0 patriciado romano, co­mo 0 ateniense no perfodo mais antigo, praticava em me­dida noravel a usura ante os pequenos proprierarios e, por­tanto, por que tornava bern mais exacerbado todo antago­

nlsmo.Pois bern, enquanto as mais antigas guerras de expan­

sao territorial dirigidas pelos romanos - prescindindo dadistribui~o de Albalonga, necessaria para poder estabele­cer a hegemonia, e da absor~ao das localidades mais proxi­mas num violento sinecismo - tinham simplesmente 0 ca­rater de guerra de rapina (de fato, a formula oficial com queos fetiales davam 0 ultimato era res repetere), nos deceniossucessivos a legisla~ao das Doze Tabuas iniciou-se, em com­pensa~ao, uma politica de expansao e de conquista num raiocada vez mais amplo, apos os exitos obtidos de quando em

quando. Essa politica levou a uma extensao cada vez maior,nao so dos domlnios politicos, mas tambern do territoriocultivavel a disposi~o da coletividade, ate dimensoes ver­dadeiramente grandes e, por outro lado, bloqueou 0 desen­volvimento da politica marItima. Ao mesmo tempo, as con­seqiiencias das graves lutas intestinas vao cada vez mais emdetrimento da c1asse patricia. Mommsen pOs justamente emevidencia, a proposito disso, que os grandes exitos politi­cos conseguidos pela plebe se iniciaram a partir do momentoem que a e1ei~ao dos tribunos foi posta nas maos dos coml­cios tribais e que dita inova~ao caracterizou-se pela atribui­~ao da representa~ao dos cidadaos nao nobres residentes,isto e, da c1asse dos pequenos e medios proprierarios, aosIideres do partido plebeu. De fata, os objetivos que esse par­tido se propunha eram: cria~ao de urn ordenamento juddi­co codificado em substituis:ao as normas consuetudinarias,abatimento das dlvidas,~em favor da prole excessi­va do setar agricola med\.ante Jsigna~oes de terras publi­cas e, porranto, aumento destas com guerras de conquista.Objetivos dpicos de urn partido de camponeses ou, maisexatamente, de urn partido da camada agricola media, quedevia se formar numa sociedade onde 0 contata com 0 mun­do do grande comercio e com a vida cidada dava ao peque­no proprietario uma fisionomia de homem de negocios riomarcante como a que encontramos no agricultor romano.Por outro lado, urn dos principais objetivos para fazer a1a­vanca e e1evar as proprias condi~oes sociais devia ser a des­vincula~ao da propriedade imobiliaria, tanto do ponto devista juridico quanto do ponto de vista econamico, comofez 0 partido guelfo em luta contra 0 latifundio gibelinona Floren~a do seculo XIV, com a diferen~a de que, em F10­renp, 0 poder politico estava nas maos das corpora~oes ci­dadas, enquanto em Roma se afrontavam dois grupos deinteresses agrarios. A plebe conseguiu a emancipa~ao da pro-

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98 HIST6RIA AcRARIA ROMAl'Ul

priedade imobiliaria fazendo que se inscrevessem no cadas­tro os membros da coletividade segundo 0 ordenamento paracenturias estabelecido pela constitui~ao de Servio Tulio e,sobretudo, fazendo que fosse reconhecida legalmente, nasDoze Tabuas, a liberdade contratual. E e necessario admi­tir que a emancipa~ao econ&mica que introduziu os crite­rios de separa~ao e cercamento, a vitoria cia economia indi­vidual livre de gravames patrimoniais e coletivistas e, porultimo, tambem a dissolu~ao do coletivismo agrario median­te a assigna~ao do solo em jJropriedade plenamente priva­da eram todos objetivos do mesmo partido, que logroualcan~a-Ios ao mesmo tempo. Em suma, criou, ou melhordizendo, aplicou it posse imobiliaria esse conceito de pro­priedade privada que, embora seja 0 produto artificial deuma poHtica pensada de interesses, em virtude da agudezade sua elabora~ao logica dominou e ainda domina 0 pensa­mento da jurisprudencial14•

Mas a desvincula~ao da propriedade imobiliaria indivi­dual era apenas uma das finalidades a que tendia 0 partidoda classe camponesa; a ourra, como e sabido, referia-se aoager publicus, it terra publica, e as luras por elas provoca­ram em Roma gravlssimos conflitos intestinos. Como querque seja, trataremos da sorte do ager publicus, sorte de querealmente devemos estudar os aspectos essenciais do pontode vista da historia agraria, com clareza e profundidade semduviqa maiores, em virtude de sua conexao com a naturezajurldica e econ&mica daquelas glebas que nao se achavamna condi~ao de propriedade privada romana e a cujo exa­me nos voltamos agora.

Capitulo ill

A TERRA PUBLICA E TRIBUTAVEL E AS SITUA<;:OES DE POSSE

DE DIREITO MENOR

Caracteristicas do ager publicus

Nada justifica a genese~ente nao espondnea, daordena~ao agraria romana da epoca mais recente de umaforma do diafana como 0 duro antagonismo, consciente­mente provocado, entre 0 ager publicus e a propriedade pri­vada. Carencia da faculdade de inscri~ao no censo, prote­~ao jurldica apenas nos procedimentos de interdito e somentecontra as;oes de fndole criminosa ou quase, ausencia de to­da forma de transferencia, simplesmente porque nao exis­tia nenhuma transferencia de propriedade a nao ser a su­cessao com uma ocupa~ao tutelada pela lei, extin~ao de qual­quer rela~ao jurldica referente it area ocupada com supressaoda posse de fato: sao estas as bem conhecidas caracterlsticasda antiga situa~ao possessoria estabelecida em solo publi­co. Essa situa~ao de posse se estabelecia por meio da sim­ples apropria~ao e cultivo da terra, parecendo de fato estra­nho que isso ocorresse em zonas povoadas, ainda que naomuito densamente.

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100 HIST6RIA ACMRIA ROMANA TERRA PUBLICA E POSSE DE DIRE/TO MENOR 101

Num primeiro momento, podemos sentir-nos inclina­dos a relacionar 0 antagonismo entre ager privatus eagerpublicus com aquele outro entre terra aravel e terra para pas­to. De fato, urn funcionario da era republicana definia suaatividade, relacionada com as assigna,oes de ager publicus,com estas palavras: " ... fecei ut de agro publico aratoribuscederent pastores"l. Ademais, as glebas dadas em arrenda­mento pelos censores recebiam a potiori a denomina,ao tec­nica de pascua2. Como quer que seja, esra bastante claroque, na pratica, dada a extensao do ager Romanus, 0 pastopublico dentro de pouco ja nao se encontraria numa rela­r;ao organica com 0 terreno aravel, rela~o essa que, em com­pensa,ao, encontra-se na campina dos burgos alemaes. Poroutro lado, e evidente que uma comunidade de agriculto­res nao podia prescindir de zonas dedicadas a pasto comacessos seguros e regulamentados junto aos terrenos araveis.Mas e provavel que a estrutura juridica do ager publicus naofosse ados pastos comuns das antigas coletividades agrico­las e que seja necessario, em compensa,ao, investigar as pistasdessa ultima estrutura jurfdica em Dutro fenomeno, urn ves­tigio do antigo ordenamento conservado nas epocas poste­nores: 0 ager compascuus.

Pastos comuns eager compascuus

Descobrimos que os agrimensores mencionam essa ins­titui,ao como algo que ainda se apresenta ocasionalmentee, sobretudo, como uma das formas de utiliza,ao dos subse­civa. Entre este e 0 pasto ordinario, chamado pascua publi­ca, havia uma dupla diferen,a: em primeiro lugar, so deter­minados propried.rios (na epoca dos agrimensores, a maio­ria dos proximi, isto e, dos confinantes) tinham 0 direitode desfrutar desse ager compascuus, e esse direito era consi­derado como proprio de suas glebas, com elas se transmitin-

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dOl; em segundo lugar, existia uma prote,ao especial dessedireito. "5i compascuus ager est", afirma Cicero (Top. 12)".ius est compascere". A diferen~a eevidente: para a terrapublica, para os pascua publica, nao existia urn ius, isto e,nesse caso, urn direito subjetivo sobre 0 proprio pasto, denatureza privada, protegido judicialmente. Para dizer a ver­dade, nao sabemos qual era 0 procedimento pelo qual seprotegia esse direito de pasto; talvez devamos recorrer, pa­ra a epoca de Cicero, como pretende Pernice, ao meio jurf­dico subsidiario de Ihering: a actio iniuriarum. Como querque seja, considero que, na epoca precedente, dado que pa­ra restabelecer as legitimas rela,oes de participa,ao nos ter­fenDs araveis recorria-se acontroversia de modo, existia umaas:ilo juridica an:l1oga para estimar 0 direito de pasto'.Parece-me, pois, que a institui,ao leva-nos aquele tipo derela,oes que deviam ocorrer~pos em que tinha vi­gencia urn sistema agrario cofetivistl, rela,oes que tambernse deram posteriormente onde ainda imperavam 0 cultivoprom/scuo, com a descontinuidade conseguinte das posses,e as antigas condi,oes agrarias. De maneira analoga ao quesucedeu em outros tempos e lugares, 0 particular, na quali­dade de membra legftimo da coletividade, tera recebido tantosua cota de terreno advel como de pasto, e seguramenteo ambito do direito de pasto tera sido regulado segundo 0

direito de participa,ao nos bens comuns, havendo-se apro­veitado do pasto, portanto, nao qualquer proprietario delotes, mas so quem estava autorizado a possuir umfundus.E como precisamente 0 processo de separa,ao e cercamen­to do terreno aravel determinou a assigna,ao de urn certusmodus de jugadas aos possessores individuais, assim tambem,nas Allmenden' (na medida em que continuaram subsistin-

* Basques e pastas comuns da antiga Alemanha. (N.T.E.)

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do sob a velha forma de terreno depasto de uma "comunida­de real"), aquele processo provocou a assigna,ao de urn deter­minado numero de animais de pastoreio - eventualrriente tam­bern igual- a determinadas glebas, e isso tambern em partecontra 0 pagamento de uma contribui,ao. 0 cercamento dasglebas subseqiiente as assigna,oes estava sempre ligado ao pro­cesso de reparti,ao dos bens da coletividade; e, nos lugares emque se deduzia uma col6nia sem querer privar as propriet:i­rios atuais da posse, obtinha-se aterra amais necessariaacustadas Allmenden e se pensava em indenizar as antigos proprie­tarios par essa perda concedendo-Ihes sitios compaetos e eco­nomicamente livres de obriga,oes5. Essa transforma,ao eli­minou, como notamos, a prindpio, provavelmente vigentena !taIia de maneira identica Ii antiga ordena,ao agraria ale­rna, segundo a qual so os membros da coletividade, e nao qual­quer pessoa que se houvesse estabelecido no territorio, tinhamdireito ao pasto, rmo pela qual existia uma especie de co-possede fato, constituida pelas antigas cotas de participa,ao. De fa­to, depois de os proprietarios das cotas terem sido equipara­dos juridicamente aos membros titulares da comunidade coma concessao do usucapiao, teria sido imposslvel manter durantemuito tempo a antiga ordena,ao juridica (supondo-se que real­mente tivesse existido na forma aqui conjeturada). Ja nao sepodiam encontrar diferen,as entre quem era titular do direi­to de participa,ao e quem nao era; par isso, enquanto se dei­xava em vida a velha institui,ao, podia-se dispor, como signadistintivo para os legltimos possuidores de bens imoveis, deurn sinal puramente exterior como indica,ao de divisa da co­ta de pasto que Ihes cabia6• A forma de tratar essa rela,ao cor­respondia integralmente Ii atitude inerente Ii ordena,ao agra­ria romana posterior, tendencia hostil a todo reslduo de eco­nomia coletivista, como conduimos antes.

Por outro lado, a importancia do ager compascuus nao foilimitada apenas desse ponto de vista; mais que isso, tambem

perdeu terreno em reIa,ao ao ager publicus7. Referindo-seao ager publicus na ItaIia, a lex agraria de 643 a.u.c., na li­nha 25, dispunha 0 seguinte: "Neive is ager compascuus esto,neive quis... defendito quo mi(nus quei v)elit compascereliceat."

Se analisarmos com clareza 0 antagonismo entre agercompascuus e aquele ager publicus que nao era compascuus,descobriremos que as caraeteristicas essenciais do ager com­pascuus eram, na pratica, a exclusividade de disposi,ao dopasto em favor de uma comunidade real e a impossibilida­de do exerdcio do direito de ocupa,ao, suprimido precisa­mente por esse trecho da lex agraria, direito que, pelo con­trario, era caracteristico do ager publicus. Essas duas carac­teristicas tambem eram privativas, em contraposi,ao ao quesucedia na marca comum~dade entre a ager compas­cuus e a Allmende germanib tamJ;}em resulta do fato de que,em rela,ao Ii atribui,ao da propriedade da area destinadaa compascua, nao existia urn criteria uniforme nem clarona maior parte dos casas. Se a alguns proprietarios deter­minados correspondia a direito de pasto, isso nao significa­va em absoluto que eIes possuissem a compascua com basenuma co-propriedade de tipo ordinario e, como quer queseja, nao se podia efetuar a livre divisao segundo as normasda actio communi dividundo. Em muidssimos casas, alias,e isso na pra.tica era muito mais importante, perduravamseguramente serias duvidas sabre as rela,oes dos compascuacom a ager publicus e sabre suas respectivas divisas. A pro­p6sito dos compascua, a cronista de Frontino diz (15, 26):"Certis personis data sunt depascenda, sed in communi: quaemulti per potentiam invaserunt et colunt." Quem nao selembra de que, no £lm da Idade Media, os grandes proprie­tarios cercavam seus latifundios incorporando as Allmen­den das aldeias? E, efetivamente, mutatis mutandis, as doisfenomenos tern as mesmas rafzes hist6ricas.

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104 HIST6RlA AGRARIA ROMANA

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Origens das ocupar;oes. A marca e as Allmenden

No capitulo anterior, partimos do pressuposto de quea coloniza~ao idlica, pelo que sabemos, era de tipo coleti­vista, em contraposi~ao a coloniza~ao em forma de cia. Defato, parece-me que nao se pode evitar essa conclusao. To­dos os residuos da ordena~ao coletivista, a transforma~ao

das presta~oes publicas e a avalia~ao dos direitos publicossegundo a posse imobiliaria demonstram-no as claras. Detodo modo, com isso nao se exclui em absoluto que, nosalbores da historia romana, como, de resto, nos da maiorparte dos povos cujas organiza~oes mais antigas conhece­mos, tenha existido uma rigorosa organiza~ao de cia comservidao domestica, cujas sombras se projetam visivelmen­te na epoca historica e se especificam em fenomenos tradi­cionais, como a clientela e 0 tipo de organiza~ao familiarromanas. Por outro lado, na epoca que podemos examinar,a coloniza~ao esdvel e definitiva, que e 0 que aqui nos in­teressa, deve ter ocorrido de forma coletivista. Urna colo­niza~ao semelhante permite precisamente, muitas vezes, urnato de emancipa~ao do poder patrimonial. Os grandes pro­prietarios de rebanhos, que em periodos de economia pre­dominantemente pastoril com agricultura seminomade, naausencia de uma organiza~ao formal em cia, encontram-seeconomicamente numa posi~ao de nitida superioridade an­te as outros membros da tribo, sao em conseqiiencia ini­migos naturais de toda coloniza~ao esdvel e definitiva. De­ve ser-Ihes tirado 0 direito de pastorear livremente nos cam­pos enos pastos dos colonos: ademais, eles sempre tentamincorporar a marca comum os pastos que foram separadosem beneficio da comunidade de colonos. Mas a utiliza~ao

do pasto nao era, em absoluto, a unica forma de explora­~ao da marca. Antes, a Alemanha conheceu na Antiguida­de sob outra forma.o Sifane-Recht, isto e, a ocupa~ao das

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terras incultas com a conseqiiencia de que quem havia ar­roteado a terra podia conservar a area tomada em posse pa­ra seu uso privado e protege-Ia enquanto continuava a ara­la9; e a import:\ncia desse direito cresceu ao aumentar a im­portancia da agricultura e ao diminuir 0 alcance aliment!­cio do setor de eria animal. Numa situa~ao publica maisevoluida, so se concede em geral a apropria~ao, a menos queseja interdita, apos 0 pagamento de urn tributo a adminis­tra~ao publica local; nesse sentido, gostaria de considerarprovavel a afirma~ao de Karlowa10 de que a informa~ao deApiano sobre a obriga~ao imposta ao ocupante de entregaruma cota determinada de produtos descreve urn estado decoisas que se verificou mais tarde. Nao se pode pretender,como se disse com freqiiencia, que a obriga~ao do tributotivesse caida em desuso, mas ~cios, por sua conta,nunca reconheceram semelhante obriga~ao e tiveram de seresignar em maior ou menor medida apenas em fun~ao dasrela~oes de for~a politicas. Se a area cultivada, conquistadapelo Estado e arrebatada ao inimigo, era posta a disposi~ao

da livre apropria~ao por parte de todos os cidadaos medianteofertas publicas especiais, como parece que ocorreu efeti­vamente, dever-se-a admitir que foi essa provavelmente aforma mais antiga de dispor da terra publica em interessedo erario e que, em tal caso, impuseram-se de uma vez portodas aliquotas fixas de tributos. Segundo Apiano (lac. cit.,1, 7) eram de 1/10 para as glebas dedicadas a culturas her­bkeas ou de pastos, de 1/s para as glebas dedicadas a cultu­ras lenhosas. Mas dificilmente tera sucedido 0 mesmo comos terrenos para arroteamento da marca comum, e a iden­tifica~ao dos dois fatos representa uma confusao em bene­ficio dos possuidores da terra submetida a tributoll .

Para dizer a verdade, tambern se poderia pensar queaquele tributo, tal como a scriptura para a autoriza~ao dopastoreio'em solo publico, tivesse sido introduzido - ou,

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106 H/ST6RIA AGIUR/A ROMANA TERRA PUBLICA E POSSE DE DIRE/TO MENOR 107

pelo menos, deveria ter sido introduzido - na epoca dasDoze Tabuas e por ocasiao do processo agrario de separa­,aa. De fato, a permissao de ocupa~ao naa so da terra arro­teacia cia marea, mas tambem dos pastas, tinha, a meu ver,a carater de urn exerdcio abusivo do Bifanc-Recht numa zonaque originariamente nao Ihe estava submetida. Quando selevou it pratica 0 processo de separa~ao e cercamento dasglebas comunais das antigas coletividades agdcolas, prova­velmente tambem os pastos comuns foram incluidos na ca­tegoria global do ager publicus e, possivelmente, so se fize­ram concessoes ao estado de coisas daquele momento emnivellocal, sob a forma de atribui~oes de compascua a fundideterminados e particulares, como ocorreu nas assigna,oesposteriores descritas pelas agrimensores.

Capitalismo agrario

Com toda probabilidade, conforme a natureza dos com­promissos da epoca, estabe!eceu-se uma igualdade juddicaformal de todos os cidadaos ante a terra publica com a con­cessao geral da liberdade de pastoreio e de ocupa,ao12, etentou-se mascarar, na medida do possive!, esse impulso inau­dito ao capitalismo com a introdu~ao, aa menos em teoria,da obrigatoriedade de urn tributo. De fato, observau-se fre­qiientemente que essa livre concorrencia nao pode ter be­neficiada os pequenos propriet:irios, mas, antes, os grandescapitalistas patricios ou plebeus; em suma, ela representao mais desenfreado capitalismo agrario da historia, com 0

qual nio se podem comparar, sequer de longe, tanto no sen­tido qualitativo como no sentido quantitativo, as anexa~oes

e cercamentos ilegais levados a cabo pe!os proprietarios daIdade Media tardia, que recardamos antes como casos simi­lares. Os interesses sociais e economicos de c1asse, junto com

todas as suas conseqiiencias, aparecem na historia roma~acom uma crueza e evidencia tais que oferecern aos homenspoliticos antigos e aos historiadores modernos as mesmasvantagens que a analaga evidencia do tipo de ornamenta­~io da Antiguidade c1assica proparciona ao estudo da arteantiga. Sabemas que as lutas de c1asse pelo ager publicus atra­vessaram fases cada vez mais agudas13• As propostas lidneasde lei tentaram em vao encontrar uma solu,ao, determinan­do uma extensao maxima de 500 jugadas para a ocupa~ao14.

Durante toda a era republicana, continuaram levantan­do-se vozes que reclamavam a divisio do ager publicus, masessas vozes perderam sua justificativa intima quando a massados proletarios, que as havia erguido, perdeu pouco a pou­co suas antigas caracterfsticas. Na base dessa massa encon­travam-se 0 excedentede~ao dos campos, a prole dospequenos proprietarios ; d~s c/mpaneses que havia ficadosem heranera ou caira na indig&ncia ap6s a divisao sucesso­ria, e que aspirava conseguir, com as repartieroes agd.rias,uma nova e auto-suficiente sistematizas:ao economica e in­gressar na c1asse dos adsidui, da que seus pais haviam feitoparte, fazendo-se acolher nas tribus rusticae. Como quer queseja, enquanto Roma ia assumindo cada vez mais 0 caraterde grande metropole, 0 proletariado perdeu sua energia ex­pansiva; concentrou-se numa plebe urbana de tipo mader­no, que acabou perdendo 0 sentido da honra de pertencerit categoria dos proprietarias fundiarios - transforma,aoque, em condi,oes analogas, e, em todas as partes, uma sim­ples questiio de tempo - e que absorveu com rapidez cadavez maior os camponeses pobres, tirando cia sua c1asse a far~a

para defender-se contra a tendencia do latifUndio a uma con­tinua amplia~ao.A terra assignada converteu-se muitas ve­zes em objeto de especula~ao; os colonos cediam-na de borngrade para conseguir 0 dinheiro com que tornariam a go­zar das diversoes da metropole. A tentativa dos Gracos, re-

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tomada por Sila e, finalmente, por Cesar, de por freio a ab­sor9ao de novas colonias, limitando a alienabilidade, fracas­sou todas as vezes e foi abandonada porque a ela se opu­nham tanto os interesses de quem queria alienar sua cota,como os de quem nao 0 queriam. E isso provavelmente,tambern, porque essas glebas nao alienaveis careciam da fa­culdade de inscril'ao no censo e, portanto, nao conferiama seus proprietarios os direitos poHticos que correspondiama sua classe social...l5

Fim cias ocuparoes e do ager compascuus

A enorme confusao de todas as rela90es possess6rias,tanto no plano agrario como no plano social e poHtico, ori­ginada pelo ultimo grande intento de divisao efetuado naId.Ea, isto e, 0 dos Gracos, levou, como vimos, a tres leisagrarias posteriores, a ultima das quais foi a de 643 a.u.c.Essa lei sancionou definitivamente todas as Ocupa90es ocor­ridas ate endo, garantindo a faculdade de inscril'ao no cen­so e tados os outros privilegios do ager privatus; com essagarantia, suprimiu todas as limita90es a alienabilidade16 im­postas pelos Gracos em suas colonizal'oes. Depois, elimi­nou de uma vez por tadas a antiga oposi9ao entre os pastoscomuns destinados aos camponeses e 0 direito de cercamen­to, revogando (linha 25), para 0 que ainda restava do agerpublicus, tanto a possibilidade de usa-lo como compascua,quanto a autorizal'ao para a ocupa9ao17. Ao mesmo tem­po, tomou as seguintes determina90es em relal'ao ao agercompascuus (linhas 14-15, segundo a integral'ao de Momm­sen):

Quei in agrum compascuum pequdes maiores non plus X pascetquae(que ex eis minus annum gnatae erunt postea quam gnatae

erunt... queique ibei pequdes minores non plus...) pascet quaequeex eis minus annum gnatae erunt post ea qua(m gnatae erunt: ispro iis pequdibus... populo aut publicano vectigal scripturamvenei debeto neive de ea re sati)s dato neive solvito.

A meu ver, deduz-se dai que 0 ager compascuus, enquantosubsistia no sentido de pasto comum de uma comunidadeagricola (ja que a disserta9ao versa apenas sobre 0 dito agercompascuus e nao sobre qualquer gleba adquirida em comumpor particulares e de certa forma similar aquele), era enten­dido como parte do ager publicus populi Romani e 0 Esta­do, portanto, podia dispor dele. De forma coerente com esseponto de vista, tentara-se evidentemente, num primeiro mo­mento, estender ao ager compascuus a obriga9ao de pagara scriptura e, por isso, a~reende uma declaral'ao queespecifica a medida em ~ue se)ode fmir desses pastos co­muns sem pagar tributo. Mais tarde, como dissemos, a ins­tituil'ao entrou em decadencia e desapareceu. Ja nao se cria­ram Allmenden do tipo agora exposto nas formas de assig­nal'ao descritas pelos agrimensores. Como se ressaltou, 0

ager compascuus s6 se pode manter como terra de pasto dedeterminados fundi particulares. Por ontro lado, em con­formidade com 0 carater anticomunitario e citadino da co­loniza9ao, as colonias receberam terrenos de pasta, em partepor assignal'oes e em parte mediante concessoes revogaveis(como tambern sucedera antes com frequencia), mas sem­pre sob a forma unica de pascua publica, isto e, zonas depasto postas a disposil'ao da comunidade, nao submetidasa iura singulorum, como ocorria no ager compascuus. 0Bift.nc-Recht desapareceu do ager publicus it:ilico e s6 sub­sistiu nos territorios incultos e improdutivos das provin­cias confinantes (Cod. 1heod., De rei vind., 2, 23). Em su­rna, no que se referia a It:ilia, a sorte do ager publicus, en­quanto constitufdo por terra cultivavel, estava irrevogavel­mente selada. Os ultimos conjuntos de certa importancia

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110 HIST6RIA AGRARIA ROMANA TERRA PUBLICA E POSSE DE DIRE/TO MENOR 111

foram assignados por Cesar a seus veteranos, e Domiciano,como vimos, tambern concedeu de forma definitiva os sub­seciva. Depois disso, nao sobraram restos do ager publicus,a nao ser as calles publicae, caminhos de passagem para 0

gada ate a Apulia18 e alguma outra zona de pasto. Contu­do, enquanto isso, haviam-se desenvolvido outras formasde posse que agora submetemos a exame.

Outras posses do patrim6nio nacional

Todas essas formas de posse tinham a caracteristica co­mum de que so se protegia 0 locus. Para as posses antigas,o que tinha maior imponancia pratica era que fossem her­dadas exclusivamente segundo 0 direito pretorial, ja que aprote~ao juridica do herdeiro so consistia, para ditos pre­dios, no interdictum quorum bonorum e dependia, ponan­to, do reconhecimento da bonorum possessio por pane dopretor. Parece-me que este e urn aspeeto muito significati­vo para esclarecer as origens da sucessao bonitaria ab ines­tato, que prescindia da rigorosa tradi~ao gentilicia e agnati­cia do antigo direito coletivista. A aristocracia fundiaria po­dia dispor no edito 0 tipo de sucessao que melhor se ade­quasse as suas proprias necessidades19•

Em particular, podem-se diferenciar na situa~ao juridi­ca da posse distintos estagios de desenvolvimento.

Junto com a explora~ao dos territorios adquiridos emconseqiiencia de guerras e do ager publicus ocupado havia­se aberto caminho para a utiliza~ao financeira no interessedo erario. A forma primitiva de livre ocupa~ao do solo emtroca do pagamento de urn foro em especie foi substituidapor vendas sistematicas ou por alugueis das proprias terras.Das primeiras ja falamos (cap. I) e tornaremos a falar; comrespeito aos segundos, procederemos agora a urn exame das

caraeteristicas e~senciais da situa~ao jurfdica inerente as terrasdadas em arrendamento, isto e, ao ager vectigalis, para ini­ciar depois 0 estudo das figuras juridicas a que podem serremetidas as condi~oes de posse nos territorios provinciais.

Arrendamento censitdrio

Esabido que a utiliza~ao do ager publicus sob a formade cessao a particulares, com a finalidade de valoriza-Io eexplora-Io, em troca de urn foro (em geral anual) ou de umapresta~ao em especie, era disposta pelos censores. Nessa ope­ra~ao, cabe distinguir dois momentos: a cessao do proprioager aos arrendatarios de be~trimonio nacional e 0

contrato publico, concedido ahs publkanos em troca de umasoma global, relativa aos tributos devidos por esses arren­datarios. Aqui so nos interessa a primeira dessas duas me­didas. 0 aluguel dos bens da fazenda publica se efetuava emRoma com base nos registros censitarios do ager publieus20•

Os pianos topograficos dessas regioes, com inscri~oes de to­dos os lotes particulares, dificilmente terao sido disponiveis,ao menos para grande parte dos territorios do patrimonionacional, dada a sua enorme extensa021..Mas quando se tra­tava de territorios muito produtivos do patrimonio nacio­nal, nos quais se observavam dificuldades, como no fertilterritorio da Campania, procedia-se (d. a passagem de Lici­niano citada no cap. I) a medi~ao e a representa~ao cano­grafica. Por isso, provavelmente, como se disse a propositoda passagem citada, a medi~ao per strigas et scamna foi a for­ma utilizada a principio, ainda que nem sempre, na realida­de. Se esses pianos existiam, 0 aluguel sem duvida nenhu­rna se estabelecia com base neles. Juridicamente, a opera­~ao de arrendamento tinha vigencia ate 0 termo fixado nodia 15 de mar~o do ano seguinte a posse dos novos censo-

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de urn terreno conquistado sob a forma de arrendamentode bens da fazenda publica equivalia a uma subversao dascondi~oes de posse, mas designaram essa medida com a 10­cu~ao agrum vectigalem subicere28• Por isso, muito embo­ra prescindindo da forma mais aceita e talvez de menor mon­tante em tributo, quando Torio transformou as posses empredios do patrim6nio nacional para arrendamento, coma obriga9ao de urn vectiga[29, p6de-se pensar numa melho­ria da situa~ao juridica dos ocupantes do agerpublicus. Parece­me, portanto, que nao ha nenhuma razao v:ilida para ad­mitir a explica~ao de Marquardt, segundo a qual 0 caraterrelativamente esravel da posse referente aos arrendamentosde bens do patrim6nio nacional se devia amaior dura~ao

dos periodos de aluguel. So~ario ter em mente quenao se podia falar de nova e e"fetiva 1bcu~ao formal, mas quea simples revalida~ao dos contratos, vencidos de iure30, te­ra. constituido a norma. Nao ereio ser necessaria supor quea nova concessao de todas as glebas para arrendamento doconjunto do Estado, efetuada por meio de leiloes, devesseter lugar necessariamente quando houvesse expirado 0 pra­zo de todos os arrendamentos31 • Mais ainda, considero queexistem otimas razoes para afirmar 0 contrario. Em primeirolugar, era materialmente impossivel aplicar urn procedimen­to semelhante, a menos que alguem se encontrasse no lu­gar ou que so se assignassem conjuntos de tamanha exten­sao que valesse a pena pagar aos aspirantes 0 gasto com umaviagem destinada a tomar conhecimento. E fique claro, ade­mais, que, nos territorios do patrimonio nacional africano,a lei de 64332 estabeleceu 0 nivel do vectigal futuro em fa­vor dos arrendatarios, mediante a soma monetaria paga numdeterminado periodo de aluguel, sem que, com isso, 0 ter­ritorio modificasse sua natureza juridica. Como se pode con­ciliar com isso tudo a hipotese de uma concessao a renovarem todas as ocasioes com 0 sistema de leiloes? E como se

res. Como afirma Mommsen22, a posse dos censores tinhacomo efeito a anula~ao de todos os contratos de arrenda­mento do Estado. N a realidade, a dura~ao da reten~ao naforma de aluguel por parte do proprio arrendarario ou desua familia ter-se-a estendido em geral a urn periodo nota­velmente mais longo. Ede todo natural que 0 arrendamen­to censirario, talvez considerado do ponto de vista formalcomo urn novo aluguel, tivesse que assumir na realidade,na imensa maioria dos casas, 0 cad.ter de uma revisao doscontratos de aluguel existentes23 e de uma disciplina~ao dascondi~oes de posse por parte dos arrendararios. Deslocaruma pessoa que desfrutava essa posse ou aumentar 0 alu­guel em medida consideravel devia ser normalmente do di­Hcil para 0 censor como reincorporar uma gleba para 0 reidos francos. Efetivamente, tambem 0 ager Leontinus, umadas partes mais importantes do patrim6nio nacional da Si­dlia, na realidade era posse herediraria das famllias dosarrendatarios24, e isso se explica melhor ainda se considerar­mos que a regiao inteira estava dada em arrendamento a ape­nas 84 pessoas25, de cada uma das quais 0 censor tera sabi­do sua fortuna pecuniaria. Parece, pelo contrario, que 0 agerCampanus estava em posse de uma camada de pequenos ar­rendatarios26, cuja diligencia Cicero exaltava. Mas, tambemnesse caso, a maioria dos arrendararios de bens do patrim6­nio nacional havia nascido e crescido em glebas arrendadas.Isso tambern corresponde ao processo de desenvolvimen­to: de fato, 0 arrendamento censirario substituiu ou acom­panhou a ocupa~ao com 0 pagamento de urn foro em espe­cie; mais ainda, nao foi mais que uma variante desta ulti­ma, mas ordenada e regida pelo Estado e submetida a umarevisao periodica. 0 arrendamento das terras do patrim6­nio nacional siciliano foi considerado, em particular, umaforma de restitui~ao dos campos aos antigos proprietarios27

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e as agrimensores tambt§m nao estimaram que a utilizat;:ao I

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114 HIST6RlA AGRARIA ROMANA TERRA PUBLICA E POSSE DE DIREITO MENOR 115

explicaria que 0 patrimonio nacional cia Campmia houvessedesaparecido parcialmente por causa das ocupa~oes priva­das33, se, por norma, 0 alugue! dos lotes devia ser renova­do a cada lustro?

Consequencias economicas do arrendamento censittirio

Naturalmente, num territorio tao considerado deviatomar-se, com 0 passar do tempo, cada vez mais percepti­ve! a completa transforma~ao das rela~oes possessorias, con­quanto seu alcance nesse momenta nao tenha parecido pre­cisamente amplo. Rompendo as amarras de uma sociedadecoletivista e substituindo-as por novas institui~oes juridi­cas, chegou-se, com 0 correr do tempo, a uma mistura taldos dois membros das antigas comunidades que, como re­corda Cicero, entre as arrendatarios do patrimonio nacio­nal do ager Leontinus havia uma so familia descendente daantiga comunidade34• Tambem outra conseqiiencia era ab­solutamente logica: ao arrendar qualquer territorio bastan­te extenso, era mais comodo ter de se haver com poucosgrandes arrendatitios do que com muitos pequenos arren­datitios e, sobretudo, tentava-se inicialmente alugar terri­torios do patrimonio nacional em Roma mediante 0 siste­ma de leiloes. Ao verificar-se, pois, no transcurso do tem­po, uma transforma~aoprogressiva das re!a~oes possesso­rias, tera havido uma forte tendencia a incrementar 0 nu­mero dos grandes arrendatitios. Concorda com isso 0 quesabemos por intermedio de Cicero35 sobre 0 numero ver­dadeiramente pouco e!evado de pessoas que tinham em ar­rendamento 0 solo na Sicilia. Ademais, qualquer rna admi­nistra~ao levava a uma forte pressao, efetuada precisamen­te sabre os pequenos arrendad.rios, e, como conseqiiencialogica, ao aumento das grandes fazendas36• Mas que funcio-

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nitio romano teria regido uma administra~aodigna de aplau­so? Esses grandes arrendatitios, ademais, teriam tentado,tambern do ponto de vista juddico, fixar-se em sua posseo maior tempo possive!. Essa concomirancia de aconteci­mentos encontra colabora~ao, a meu veT, no seguinte tre­cho de Higino (116, Lachmann), segundo a integra~ao rea­lizada por Mommsen (R. Staatsr., II, p. 459):

Vectigales autem agri sunt obligati, quidam f.p.p.R., quidam colo­niarum aut municipiorurn aut civitatium aliquarum, qui et ipsi ple­rique ad populum Romanum pertinent. Ex haste capti agri post­quam divisi sunt per centurias, ut adsignarentur militibus, quorumvirtute capti erant, amplius quam destinatio modi quamve militumexigebat numerus qui superfu a ri, vectigalibus subiecti sunt,alii per annos (quinos), alii [ver manClp bus ementibus, id est con.ducentibus], in annos centenos pluresve: finito illo tempore iterurnveneunt locanturque ita ut vectigalibus est consuetudo.

Os grandes arrendattirios de bens do patrimonio nacional

Mommsen suprime a frase entre colchetes. Eu propo­ria que se a mantivesse e referiria a ultima proposi~ao (jini­to illo tempore, etc.), coisa que me parece no minimo ad­missive!, so aos alugueis a longo prazo; a passagem diz en­tio que existiam duas variedades de arrendamentos de bensdo patrimonio nacional: uma de iure limitada a urn lustro,outra com prazo de cern anos. Estes ultimos ;u-rendamen­tos eram estipulados com grandes contratistas, mancipes, pormeio de leiloes porranto, e, transcorrido 0 prazo, contratava­se da mesma forma novo arrendamento. 0 procedimentoe identico ao utilizado nas adjudica~oes de vectigalia aos pu­blicanos. Isso e confirmado poucas linhas adiante: "Manci­nes vero, qui emerunt lege dicta ius vectigalis, ipsi per cen­turias locaverunt aut vendiderunt proxumis quibusque pos-

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se, como vimos, mas na realidade tambern era protegida asucessao do herdeiro na propriedade, porque a prote~ao pos­sessoria tambern estava disposta em beneflcio do herdeirode quem havia sido despojado ilegalmente (Dig. I, 44, Devi, 43, 16). Tambem nesse caso, em suma, como nas posses­siones normais no ager publicus, mediava 0 interdictum quo­rum bonorum. Essa sucessao era natural, porque em si mes­rna uma re!a~ao de alugue! nao se transmitia aos herdeiros,e ante a autoridade publica so era uma rela~ao precaria, da­do que 0 censor, ou tambem 0 consul, podiam contral-Iacom outro arrendatirio. Levando em conta as observa~oes

precedentes, a rela~ao ter-se-a configurado na pratica de talforma que 0 funcionario resp~or esse cargo ter-se-arecusado a renovar a re!a~ao d~ alugu, com 0 herdeiro ape­nas em casos particulares - por exemplo, quando variosherdeiros nao conseguiam por-se de acordo sobre a titula­ridade da posse, e 0 Estado, portanto, nao sabia a quem de­via ratificar como arrendadrio. Identica era a situa~ao rela­tiva it aliena~ao do alugue! por parte do arrendatario; naose pode dizer que isso nao fosse POSSIVe! de iure; na pratica,a funcionario nao ted. recusado essa substitui~ao no casoem que 0 novo arrendadri039 fosse uma personalidade.Nao sabemos se a lex censoria propunha prescri~oes a esserespeito, mas seguramente os funcionarios observavam de­terminadas normas. De fato, em Roma, a natureza geral des­sas re!a~oes era a seguinte: it ausencia de normas de direitocivil que as regulassem nao se opunha 0 arbitrio dos fun­cionarios, mas valiam, antes, como normas, as prindpiosde direito administrativo. Mommsen poe em realce, comrazao, que os interesses habitualmente nao estavam pior,e sim melhor. Se urn arrendatario de bens do patrimonionacional era despojado de sua posse sem que houvesse tidolugar uma lesao de seu status juridico, de forma que se pu­desse recusar com 0 interdito possessorio, a administra~ao

sessoribus." Os grandes arrendatirios de bens do patrimo­nio nacional cediam, pois, as terras a subarrendadrios e, poressa razao, eram tratados como se tivessem dado em arren­damento por sua conta, tendo 0 direito de perceber 0 alu­gue!, 0 ius vectigalis37• (Quanto ao mais, existia urn anta­gonismo similar entre os dois tipos de arrendamento: nopor leilao, os arrendad.rios eram os mancipes com urn alu­gue! de cinco anos; no sem leilao, eram arrendad.rios de bensdo patrimonio nacional com annua conductio, como tam­bern ocorria com os bens das vestais, d. Higin. 117, 5 ss.)A essas condi~oes concretas dos arrendatirios de bens dopatrimonio nacional, que tentamos ilustrar ate aqui, cor­respondia uma situa~ao juridica particular nas re!a~oes dedireito privado. Nos procedimentos civis, eram protegidoscontra determinadas lesoes de seus direitos mediante os in­terditos possess6rios, como ocorria com as ocupantes doager publicus. Eduvidosa a data do interdito de loco publicofruend0 38; foi concedido essencialmente em interesse dosgrandes arrendad.rios, como demonstra 0 uso do termo so­cius na formula. Os grandes arrendadrios 0 desejavam por­que e!es, como vimos, geralmente subarrendavam as areasque Ihes eram concedidas em arrendamento, em vez decultiva-Ias diretamente em toda a sua extensao (por isso eraobjeto de prote~ao 0 frui e lege locationis e nao 0 possidere)e porque a prote~ao da posse no ultimo ana economico,tal como Ihes era garantida pe!o interdictum possessorium,dependia das condi~oes de posse de seus subarrendadrios.Ademais, esse interdito garantia a prote~ao sem limites detempo, enquanto 0 pequeno arrendatirio, com os interdi­tos possessorios, so conservava a propriedade durante 0 ul­timo ano agricola. EPOSSIVe!, segundo 0 texto, mas nao eprovave!, que esse outro interdito tambern tenha sido con­cedido aos pequenos arrendatirios. Se isso nao ocorreu narealidade, 0 pequeno arrendatario so era protegido na pos-

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podia deixar 0 novo possuidor no predio, na qualidade dearrendad.rio, e privar 0 antigo possuidor de sua protes;ao;mas, e claro, nao era obrigada a agir nesse sentido e, segura­mente, tanto pelos procedimentos administrativos como pe­los criterios com base nos quais se decidia, devem ter exis­tida normas consuetudinarias.

Situaroes possess6rias sem prazo no solo publico. Assignaroesde glebas em troca de prestaroes de serviros pessoais.

Viasii vicani

Tratamos, ate agora, das relas;5es do aluguel normal deterras concebido de iure por urn tempo determinado. Co­mo quer que seja, pelo menos desde a epoca dos Gracos,existiam tambern terras, pertencentes juridicamente ao agerpublicus, que eram concedidas a particulares tambem semprazos e assignadas, como diz Pernice40, "com reservas".1ncluem-se nessa categoria sobretudo as fazendas assignadasaos viasii vicani, dos quais so conhecemos 0 que diz a lexagraria de 64341 . Enquanto as Doze Tabuas impunham osgravames viarios aos amsegetes, isto e, aos proprietarios ad­jacentes, e asseguravam 0 respeito de dita obrigas:ao da ma­neira tipica - so mediante a disposis;ao de que, na ausenciade urn acesso melhor, se pudesse passar atraves desses amse·getes -, depois da abertura de grandes vias publicas foi ne­cessario cuidar de forma distinta da sua manutens:ao, 0 quese fez precisamente cedendo a propriedade das glebas esta­tais condguas as estraclas a pessoas que, em tToea, assumiama obrigas:ao da manutens;ao dessas estradas. Nao sabemosse a obrigas;ao cabia a todo 0 burgo (vicus) assim fundado,nem tampouco se era coberta pelo proprio burgo, repar­tindo as corveias ou as presta~oes entre seus membros, ouse cabia a gleba particular. A primeira das duas hipoteses

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parece mais provavel pela analogia do desenvolvimento quese manifesta nos navicularii. Como quer que seja, da lei sededuz que a obrigas;ao de construir estradas exerce uma in­fluencia sobre a situas;ao juridica das distintas glebas, e issose explica facilmente no caso de que 0 encargo coubesse asglebas individuais, se bern que, talvez, coubesse por turnoaos distintos possuidores.

No que concerne a situas:ao juridica dos campos dessesviasii vicani, a lex agraria s6 nos cla esta informa~ao: naoeram ager privatus e nao tinham faculdade de censo. Quan­to ao mais, so diz que aquele campo devia ser ita uti est.1sso esra bastante claro: nao constituiam uma categoria deposse pertencente ao imbito . eito privado, mas ao dodireito administrativo. Esses redios ram assignados ex se­natus consulto. Infere-se que a assignas;ao nao implicava trans­ferencia de propriedade e que podia ser revogada por umadeliberas;ao popular para dispor de outro modo das glebas;era, pais, uma assigna~ao "ate segunda ardem". Deduz-se,ademais, que nao se falava evidentemente da possibilidadede recorrer a procedimentos civis, a nao ser 0 interdito pos­sessario, que, de resto, protegia qualquer locus cultivado.Tanto menos se podia recorrer as figuras comerciais roma­nas, especialmente a mancipatio. Em geral, nao se permitianenhuma alienas;ao sem 0 concurso das autoridades publi­cas, como provavelmente se infere da lei42 • Esra implicitona propria natureza da relas:ao que as posses relativas eramtransmisslveis por sucessao; mas ebastante duvidosa sua re­las;ao ante 0 iudicium familiae heriscundae do procedimen­to normal. Veremos mais tarde, a proposito disso, que umadivisao real arbitraria dos imoveis rurais com urn titulo me­nos v:ilido juridicamente nao era permitida em geral. Pro­vavelmente tambern nao se consentia que ditos terrenos fos­sem adjudicados por urn iudex ordinario, ja que juridica­mente a adjudicas;ao era uma sentens;a referente a proprie-

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dade. Parece, ademais, que uma disposi,ao testamend.ria di­reta que tivesse efeito de direito civil com esse Em nao combi­nava com as antigas formas do testamento e do legado. Pe10que se pode discernir, os pontos da lei re1ativos aoS viasii vica-ni nao contem 0 principio, encontrado nas outras condi,aespossess6rias, de que tambem se tivesse de proteger aque1e quehereditate testamento deditione obvenit. Mas entao ha que ex­cluir a concessao da bonorum possessio, ja que esta embasavaa prote,ao da posse no interdictum quorum bonorum, do mes­mo modo que hi que exclui-Ia para 0 arrendatirio. Como querque seja, pe1a total equivalencia estabe1ecida entre a sucessaoab inestato e a ex testamento, e certo que tambem 0 heres civilex testamento obtinha 0 desfrute dos bens na qualidade de le­gitimo sucessor. De fato, como ja dissemos, a herdabilidadede status do possuidor nao podia ser posta em duvida. Poremquando havia mais herdeiros surgiam as dificuldades. No ca­so de que entre os interessados houvesse controversia sobrequem devia assumir a titularidade do terreno, dificilmente po­demos imaginar que a sucessao fosse acertada sem a interven­,ao da autoridade publica; e esse estado de coisas se repete aprop6sito de qualquer situa,ao possess6ria nao aut6noma ju­ridicamente, tanto no direito romano como no direito alemao,como em qualquer outro direito. Tambem nesse caso nao con­fiariam em decisaes arbitririas: deviam existir normas admi­nistrativas de carater geral que regessem essa re1a,ao, emborade1as nao tenhamos conhecimento. Pois bem, antes de qual­quer outra coisa, e importante responder a esta pergunta: queacontecia se nao se havia cumprido com a obriga,ao que ca­bia a gleba? Procedia-se a execu,ao desse cumprimento de formacoativa ou despojavam-se do prMio os que nao cumpriam?Talvez fossem possiveis ambas as medidas43, ja que encontra­mas a coa~ao indireta junto com a outra, numa instituit;aorecordada pelas fontes apenas a partir da idade imperial: os

navicuLarii.

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120HIST6RIA AGMRIA ROMANA

TERRA PUBLICA E POSSE DE DIRElTO MENOR

Navicularii e gravames da frumentatio

Eram corpora,aes existentes nos portos de ultramar,a partir dos quais se efetuava abastecimento de cereais des­tinados aRoma. Deviam-se encarregar de preparar e man­dar as naus com carregamentos de cereais. Como atesta umainscri,ao (C.LL., VIII, 970) referida a quem fosse transvec­tarius et navicularius secundo, por volta do ano 400 d. c.,existia um revezamento entre os que tinham a obriga,ao.Mas 0 titulo XIII do Codex Theodosianus reza que a functioera imposta as distintas glebas desde as suas origens (anti­quitus) em razao do valor do predio (secundum agri opinio­nem) (L. 8, I.e. de 399); em c~ao cumprimento, asglebas passavam aos bens da col-pora,jb. Com isso, foi per­mitida (Cod. Theod. 36) a coa,ao tendente ao cumprimentoda obriga,ao. Tambem se permitiu a aliena,ao com trans­missao das obriga,aes inerentes (L. 8 cit.). Como quer queseja, a forma em que se levava a cabo a coa,ao e da epocaimperial44• (0 Cod. Theod. I, De aquaed., 15, 2, admitia aomesmo tempo a priva,ao da gleba em caso de omissao documprimento de uma obriga,ao de corveia.)

No primeiro capitulo, referimo-nos a possibilidade deassigna,aes de terrenos em troca de presta,aes de servi,ospessoais tambern em outros casos, especialmente em rela­,ao aos aprovisionamentos de cereais nos portos, mas so­bre isso faltam-nos dados espedficos_ Na tardia idade im­perial, estavam em conexao com a anona os agri Limitro­phi, assignados em troca de presta,aes de determinados ser­vi,os relacionados com 0 aprovisionamento do exercit045 _

Concessoes em Lugares fortificados e de /ronteira

Essa figura juridica se difundiu na epoca imperial nu­rna medida cada vez maiar. A obriga,ao de arrecadar os im-

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postos, que cabia aos decurioes, e a obriga~ao de recruta­mento, que cabia aos grandes proprietirios46

, foram avalia­das como contribui~oes sobre os imoveis; por ultimo, quan­do nos agri limitanei e nos castella ate a obriga~ao de defesadas divisas ficou reduzida a um autentico gravame47

, coma concessao hereditaria de uma gleba, e estirpes barbaras in­teiras obtiveram territorios em troca da obriga~ao de pres­tar servi~o militar48, ja se estava bastante proximo de umdesenvolvimento unitario do conceito de beneficium49

, doqual nasceu a do feudo, tal como a encontramos no direitoadministrativo dos reis germanicos a proposito dos territo­rios confiscados. Como quer que seja, a caracteristica co­mum essencial dos dais fenomenos nao e so, au melhor,nao e em absoluto a figura principal da concessao de umterreno em troca de assumir determinadas obriga~oes antea Estado, mas a emancipa~ao das rela~oes juridicas dos pre­dios em questio em rela~ao ao direito privado e suas figu­ras e regras, emancipa~ao que teve lugar nessas condi~oespossessorias de direito menor. 0 direito administrativo ro­mano ja havia lan~ado as bases de um desenvolvimento inin­terrupto nesse sentido. 0 novo e importantlssimo fermen­to espedfico, que devia surgir do pensamento juridico ger­manico e que depois determinou a preponder:incia absolu­ta do desenvolvimento germanico, analogo de outra maneiraem seu significado politico e social, foi a rela~ao pessoal defidelidade em seu aperfei~oamento particular; um aspectode um pensamento juridico que, entao, no mundo antigo,nunca teria podido manifestar-se.

Assignaroes sem prazo em troca de urn veetigal

Passamos das rela~oes de arrendamento estabelecidas deiure a prazo em terras do patrimonio nacional aquelas ou-

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tras de concessoes de terras publicas, que se efetuavam sema imposi~ao de um prazo, em troca de aceitar obriga~oes

permanentes. Entre estas ultimas examinamos ate agoraaquelas que consistem essencialmente em presta~oes de ca­rater pessoal, em servi~os. Voltamos a tratar, agora, daque­les encargos que gravavam terras estatais em concessao e queimplicavam a obriga~ao de presta~oes em dinheiro ou emespecie, dado que nessas glebas se davam condi~oes de pos­se carentes de termo juridico.

Vectigal nominal. Trientabula

Como ja vimos e discutimos~tua~ao normal deposse de terras do patrimonio nacional que se tivesse esta­belecido par periodos inteiros do census levava, em mui­tos casas, ou melhor ainda, presumivelmente na maioria doscasas, a posse hereditaria no ambito da famHia. Esclarecidoisso, devemos examinar agora 0 terreno concedido de for­ma duradoura em troca de um foro au allquota de produ­tos; cedido, pais, em enfiteuse. Nao conhecemos nenhumcaso ocorrido na ltilia em que a Estado houvesse cedidodefinitivamente a terra em troca de um foro perpetuo e naonominal em beneficia do erario; em compensa~ao, conhe­cemos distintos casas em que as cessoes se efetuaram semlimites de tempo, mas com imposi~ao de um foro nominala titulo de identifica~ao. Ja vimos a caso da concessao dostrientabula; essa concessao ocorria com base num decretado Senado e, com isso, ja se da par descontado que as direi­tos privados, que no procedimento romano podiam cons­tituir, amargem de urn interdictum possessorium, urn meiojuridico valida, nao podiam ser estabelecidos numa possesemelhante; por esse motivo, uma delibera~ao popular po­dia revogar a cessao sem lesar nenhum direito privadoso

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Nao est"- claro se a possibilidade de aliena~ao estava limita­da. Ao menos no ager quaestorius, a cujo esquema se ati­nham os trientabula (d. cap. I), ocorria precisamente 0contr:\ri051 • De resto, dada a especificidade do caso, e pos­sive! e nao improvave! que existisse uma limita~ao dessegener052 e que se exprimisse, como nas assigna~oes dos Gra­cbS, no foro nominal, cuja existencia - embora possive!­nao est"- referida no ager quaestorius (d. Sic. Flacc. 151,20;154, 1). Na realidade, essa limita~ao teria tido eventualmentea mesma impord.ncia que tinha no arrendamento normalde imoveis, porque, prescindindo dos interditos, so se dis­punha em todo caso de uma prote~ao de carater adminis­trativo, e a administra~ao publica, portanto, podia conce­der ou nao a aliena~ao segundo seu criterio. As coisas tedoido de forma analoga nas sucessoes; a aquisi~ao dos bensper universitatem era permitida, como tambern a ex testa­mento, mas nao est"- claro como se configuravam a divisaoheredit:\ria e a adjudica~ao, e dificilmente podia-se evitar umainterven~ao da administra~ao publica.

Assignari'ies dos Gracos

Sem duvida nenhuma, nas assigna~oes viritanas dos Gra­cos, a imposi~ao de urn veetigal estava re!acionada com ainalienabilidade das glebas assignadas. A unica diferen~a eque essas assigna~oes tiveram lugar apos de!ibera~oes po­pulares e nao era possive!, por conseguinte, reeuperar as gle­bas sem lesar os direitos dos particulares. Eesse 0 significa­do do termo ager privatus vectigalisque, usado tambern pa­ra essas assigna~oes. De resto, as condi~oes juddicas dessasposses nao podiam ser distintas das das outras posses ja exa­minadas, salvo uma unica exce~ao: para 0 procedimento ad­ministrativo, que tambern Ihes era aplicado, tinham compe-

tencia os triunviros das leis dos Gracos, os II/viri agris iu­dicandis adsignandis ou tambem adtribuendis citados nasinscri~5es53 .

Vectigal real. Enfiteuse

Seria surpreendente, e claro, que uma figura juddica,como a da concessao de uma gleba sem limite de tempo emtroca de urn vectigal, so fosse utilizada nominalmente co­mo figura ficticia, com fins particulares, sem contudo exis­tir concretamente como institui~ao real. Ha casos que per­mitem supor - embora sem u a a absoluta, mas, co­mo quer que seja, com urn considera I percentual de pro­babilidade - a existencia real de uma enfiteuse concedidape!o Estado.

As posses segundo a lex Thoria

Entrariam nessa categoria, antes de mais nada, as pos­ses que se estabe!eceram por ocupa~ao do ager publicus eque a lex Thoria fez submeter a urn veetigal desde a sua pro­mulga~ao ate 643 a.u.c. Eseguro que sua situa~ao juddicafoi normalizada com a imposi~aci de~se vectigal54• A hipo­tese de que 0 vectigal devia ser apenas nominal est"- em con­tradi~ao com uma informa~ao de Apiano (I.e.), segundo aqual esse novo costume teria sido introduzido com vistasao abastecimento de cereais. Se a modifica~ao consistiu naintrodu~ao de urn foro fixo em lugar de aHquotas de pro­dutos, deve-se concluir - ja que e muito dificil pensar emcontratos de alugue! estipulados com os possuidores parao periodo do censo, dado que, ademais, essa re!a~ao nao po­dia continuar sendo prec:\ria depois de Graco nao ter que-

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rido prescrever ja a desapossamento das propriedades, a naoser em troca de uma indeniza,ao - que as fazendas existi­ram com toda probabilidade a partir da epoca da lex Thoriaate a lex agraria de 643 a.u.c., que as transformou em plenapropriedade privada sob a forma de ager privatus vectigalis­que, mas com vectigal real. Isso corresponde tambern a fi­nalidade da lei, que par isso teria querido tamar impassi­ve! seu confisco no plano juridic055•

Nlo temos provas positivas para afirmar que existissemna lralia outras situa,oes de posse desse tipo. De fato, nadanos autoriza a supor que as agri vectigales, recordados fre­qiientemente Pe!os agrimensores como territ6rios do patri­mania nacional, tambem na Id.lia, diferissem dos arrenda­mentos revogaveis de iure, naa obstante a expressao vecti­galibus obligati agri, que parece referir-se a rendas perpetuas.Como quer que seja, essa expressao era apenas uma conse­qiiencia da herdabilidade efetiva dessas fazendas arrendadas,como ja demonstramos.

Ager privatus vectigalisque na Africa

DiHcil, pe!o contrario, e a problema daquelas terras pu­blicas da provincia da Africa que foram transformadas, se­gundo a lex agraria de 643 a.u.c., em propriedade privadamediante a venda publica efetuada em Roma e que eramchamadas pe!a lei agri privati vectigalisque. Com respeitoa integra,ao e a interpreta,ao daque!as partes da lei que agoranos interessam56, nao me sinto em absoluto em condi,oes,dado a estado das fontes, de acrescentar alga aO que Momm­sen escreveu no Corpus Inscriptionum Latinorum (vol. I, pp.175 e 200), nem tarnpouco de apresentar hip6teses mais plau­siveis. Nao obstante, permitir-me-ei algumas observa,oes.

Com uma disposi,ao ja recordada da mesma lei (Iinhas

85 ss.), a montante do foro de arrendamento dos arrenda­tarios normais de bens do patrimanio nacional na Africafoi fixado num nive! determinado numa especie de lex cen­soria. Par essa razao, as que naque!a epoca estavam de pos­se de bens do patrimanio nacional foram convenidos, napratica, em enfiteutas. A unica diferen,a entre as duas clas­ses de possuidores era a situa,ao juridicamente precaria daposse dos arrendatarios da Africa, ja que em qualquer mo­menta podia se produzir a renova,ao do arrendamento. 0que diferenciava, ponanto, a posse do ager privatus vectiga­lisque da de bens do patrimanio nacional era evidentemen­te, e sobretu.do, a ausencia desse c~edrio e de limi-tes temporals. • J

Natureza do vectigal no ager privatus vectigalisque

Indubitave!mente, a motivo disso e que se tratava deuma concessao em troca do pagamento de urn capital, co­mo se deduz com clareza da lei. Ponanto, dessa perspecti­va, a concessao teria sido absolutamente seme!hante aque!aoutra que reconhecemos como caracteristica do ager quaes­tius, motivo pe!o qual a mesmo Mommsen pas juntos aager privatus da lei e a ager quaestorius. De qualquer manei­ra, nao me parece segura que se identificassem sob todosas pontos de vista; poder-se-ia dizer alga definitivo se, emnosso caso, a vectigal s6 fosse nominal, au se, em compen­sa,ao, fosse real, embora, como quer que seja, muito m6di­co. No caso de a ager quaestorius ter sido gravado em geralpar urn vectigal - nao hi nenhuma informa,ao direta -,poder-se-ia tratar realmente de urn vectigal nominal, comono caso dos trientabula. Mommsen considera provavel quetambern tenha sido este a caso do ager privatus vectigalis­que da Africa. Como quer que seja, a ager quaestorius nor-

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malmente nao se chamava em absoluto ager privatus vecti­galisque e tampouco Mommsen supoe que as terras aliena­veis africanas hajam tido 0 carater de cau,ao sob a formade venda com acordo de retrovenda. 0 termo utilizado, alu­dindo tanto it irrevogabilidade da assigna,ao (privatus) co­mo it obriga,ao do tributo (vectigalis), teria sido pois inade­quado de ambos os pontos de vista. Ademais, nao teria si­do necessaria uma lei para criar essas posses, do tipo repre­sentado pe!o ager quaestorius; teria bastado urn decreto do5enado, como testemunham os trientabula: so era necessa­ria uma lei quando a concessao era irrevogavel, inclusivese ao populus correspondia 0 nudum ius Quiritium, comose deu efetivamente nas assigna,oes dos Gracos e na trans­forma,ao das posses em ager privatus vectigalisque efetuadapor Torio. Em que pese a isso, e decerto POSSIVe! que a hi­potese de Mommsen seja correta tambem no que concerneit natureza de simples regra de identifica,ao que 0 vectigaltinha. N esse caso, 0 criterio das assigna,oes dos Gracos te­ria sido transplantado para a Africa, mas, em corresponden­cia com 0 esplrito capitalista da lei, a terra nao teria sidoassignada aos proletarios, mas teria, antes, sido vendida apessoas acomodadas. Gostaria de considerar possive! 0 quedirei em seguida e nao nego que, subjetivamente, tambernme parece mais provavel.

Arrendamentos a longo prazo com tributo de sucessao

Ja vimos que existia um tipo de arrendamento com 0qual um manceps obtinha grandes superficies por um lon­go perlodo em troca de um aluguel fixo. Pois bem, e duvi­doso qual era 0 objeto da oferta no leilao. Por analogia como uso moderno, vemo-nos induzidos a supor que 0 objetoda oferta era 0 nlve! do foro de arrendament057. No en-

tanto parece que isso concorda muito pouco com os costu­mes romanos. Mais ainda, depois, como se deduz do passode Higino (204) reproduzido na p. 24, impos-se aos distin­tos lotes um vectigal ad modum ubertatis, isto e, distintode lote a lote58• Mas, entao, unificou-se 0 vectigal pro iuge·rum, 0 que certamente deriva de uma epoca mais antiga.E, dado que se comprava a um pre,o acordado pro iugerum,da mesma forma tera sido efetuado um arrendamento como meSilla criteria. Por isso, tambem, para as trientabulafixou-se 0 vectigal nominal em l' 0 iugerum e nao porcada gleba particular assignada, e quan nos outros casos,as terras assignadas eram gravadas em n,ao de sua natu­reza, ou eram dadas em hipoteca em ratio do pre,o de mer­cado. Assim, a lex dicta L. Caecilii et Cn. Domitii censo­rum59

, se continha a soma do arrendamento das fazendasafricanas a arrendar, ted. assinalado por certa au uma aH­quota de produtos - e a lei menciona a decuma -, ou umforo pecuniario fixo (e re!ativamente baixo), igual pro iuge­rum, ao menos regionalmente e para algumas classes deterrenos60, ja que nao podia abarcar as provas particularesde aluguel de todas as terras dadas em arrendamento no am­bito do patrimonio nacional. Portanto, tambem, quandoos mancipes obtinham extensas areas com um prazo de cemanos, 0 montante do arrendamento tera sido fixado pro iu­gerum num nlve! determinado, bastante baixo, mas fixo, eso ted sido objeto do leilao 0 pre,o de aquisi,ao. 50 umpre,o de aquisi,ao seme!hante podia ser garantido com prae­des epraedia, nao 0 foro de arrendamento que vencia anual­mente no transcurso de um seculo inteiro. Esse fato tam­bem explica por que se tratava esse tipo de arrendatariosde bens do patrimonio nacional com 0 mesmo criterio queos arrendadrios de tributos, e igualmente por que se ajus­tava bem a esse tipo de procedimento de arrendamento aexpressao vectigalibus subicere. Admitido isso, torna-se bem

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Forma de medi,ao

mais provavel, a meu ver, que tambem existisse urn proce­dimento similar para 0 ager privatus vectigalisque61

• Comoquer que seja, perdem sua impordncia as reservas de Momm­sen sobre a possibilidade de que a lei se referisse a urn vecti­gal real. Chegando a esse ponto, dever-se-ia admitir que alei, em alguma parte nao conservada (provave!mente na la­cuna dos paragrafos 51-52)62, impunha urn vectigal pro iu'gerum ou entao pro centuria, com maior probabilidade proiugerum, mas em todo caso muito modico, e depois punhaem leilao 0 tributo de sucessa063• Esse tributo de sucessaonao era imposto naturalmente onde 0 comprador, apos umaconcessao repetida do mesmo objeto, tivesse trocado a ter­ra ja adquirida (e ja paga) por outra terra: este e 0 sentidoda locu~ao "HS. n. 1. emptus esto", que aparece no para­

grafo 66 da lei.

A medi~ao do ager privatus vectigalisque era efetuadapor centurias, em nada distintas das centurias das assigna­~oes de pleno direito (paragrafo 66); abarcavam, portanto,200 jugadas e nao so 50, como no casO do ager quaestorius.A aliena~ao era irrevogave!, como se deduz do termo pri­vatus. A condi~ao de ager vectigalis, em compensa~ao,teratido como conseqiiencia impedir aliena~oessob a forma demancipatio e fazer necessaria a interven~ao das autoridadespublicas para as decisoes inerentes a sucessoes hereditarias64

Outras diferen~as em re!a~ao ao ager quaestorius eram oslimites viae publicae. Efetivamente, a disposi~ao dos para­grafos 88-90 (que devem ser completados assim) devia referir­se a todas as centurias, nao so aque!as do territorio de Car­tago. Se, como cremos, 0 tributo era igual pro iugerum, daise depreenderia a possibilidade de especificar 0 suficiente

o objeto tribut:l.ve! e ter urn controle id8neo, enquanto 0

possessor particular simplesmente devia declarar quantasjugadas possuia numa centuria. Obviamente, a soma das ju­gadas declaradas numa centUria devia ser igual a 200. As con­di~oes de estabilidade que se verificaram na provincia daAfrica permitiram, ao que parece, a manuten~ao da repar­ti~ao e de todas as outras rela\,oes juridicas inerentes as gran­jas, sem mudan\'as e por urn prazo extraordinariamente lon­go, isto e, ate a epoca de Honorio.~u-se entao (422d. C.) uma revisao que deu, segundh 0 cott. Theod. 13, Deindulg. deb., os seguintes resultados: naAfrica proconsularis9.002 centurias e 141 jugadas de terra tribut:l.ve!, 5.700 cen­turias e 144 1/2 jugadas de terra sem cultivar; em Byzacena,7.460 centurias e 169 jugadas de terra tribut:l.ve!, 7.715 cen­turias e 3 1/2 jugadas de terra sem cultivar; em conjunto:na Africa proconsularis, 16.703 centurias e 85 1/2 jugadas;em Byzacena, 15.175 centurias e 172 1/2 jugadas de terrasubmetida a contribui\'ao sobre os imoveis.

Nao parece, por isso, que tambem entaa as centuriaseram calculadas na taxa\,ao da contribui\'ao todas por igual,como tambern todas as jugadas. 0 territorio inteiro assimtaxado tinha aproximadamente a mesma extensao que 0 ter­reno arave! de uma provincia da prussia Oriental, por exem­plo a Posnania, e, segundo as rela\,oes juridicas de entao,so tera representado uma fra\,ao, muito embora imponan­te, da terra cultivada cia Africa. Mais adiante, trataremos dasoutras fra\,oes.

Como quer que seja, tudo 0 que foi dito sobre 0 temademonstra, a meu ver, que as granjas em questiio eram gra­vadas por urn vectigal real. Outro indicio e a manuten\,aodos limites com £Un\,ao de mas: dessa forma era possive! exer­cer urn controle para a tributa\'ao, como ja tivemos ocasiaode observar. Naturalmente, os limites, precisamente sob aforma de rigores, deviam tomar possive! a identifica\'ao dos

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lotes tambern no ager quaestorius, mas depois desaparece­ram, provavelmente porque a ager quaestorius nao era gra­vado por nenhum tributo real e, portanto, nao havia inte­resse em mant~los.Em suma, seria igualmente singular ad­mitir a existencia de uma camada de enfiteutas que nao pa­gassem nenhum foro enfiteutico nas granjas do patrimonionacional. Com efeito, admitindo que a caracterlstica juridi­ca dessas granjas fosse a herdabilidade sem alienabilidade noambito do direito civil, as possuidores do ager privatus vec­tigalisque teriam sido, de urn ponto de vista juridico, enfi­

teutas, fosse ficticio au nao 0 veetigal65 .

Enecessario ter presente que, aqui, a "probi,ao de alie­nar" equivalia simplesmente aexclusao da mancipatio e aausencia de prote,ao mediante a,oes reais nao possessoriasno procedimento ordinario, portanto ausencia de normasjuridicas para a aliena,ao; por isso, cabia apratica adminis­trativa decidir se se devia respeitar - ou sob que pressu­postos - a aliena,ao. A transi,ao rumo a uma alienabilida­de em sentido jurldico iniciou-se quand~riosda pd­tica administrativa foram fixados par l~i, e eJa era talveza situa,ao do ager privatus veetigalisque67.

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132 HIST6RIA AGRARIA ROMANA TERRA PUBLICA E POSSE DE DIRElTO MENOR 133

Alienabilidade sucessiva das glebas enfiteuticas

Nao sabemos com seguran,a se existia - e, caso tenhaexistido, por quanto tempo - uma inalienabilidade jurldi­ca das glebas enfiteuticas. Como quer que seja, ted. deixa­do de existir sucessivamente, ja que nao aparecem nas fon­tes jurldicas da epoca imperial; mais ainda, parece que sobConstantino estabeleceu-se a alienabilidade. 1sso se deduz,a meu ver, do trecho do Codex 1beodosianus analisado nap. 72, de onde se infere, ademais, que, em qualquer caso,as glebas submetidas a vectigal nao haviam obtido, ate en­do, a possibilidade de mancipatio. Em suma, aquele trechoque fala das vendas precisamente do ponto de vista tribura­rio nao teria tido, a partir de outra hipotese, nenhuma ne­cessidade de examinar especificamente a aliena,ao dosscamna66 Deve-se supor, ou melhor ainda, e seguro que aforma de venda mediante emptio venditio consensual e tra­ditio, que mais tarde se generalizou, isto e, a forma de aqui­si,ao do locus em geral, foi a unica forma de aliena,ao paratodas as posses de direito menor a que a administra,ao te­nha concedido efetivamente a alienabilidade.

Transforma,iio do vectigal em contribui,iio sobre os imoveis

Com a alienabilidade jurldica, 0 vectigal modificou seucarater de foro enfiteutico pelo de contribui,ao sobre osimoveis. Na verdade, se e correto 0 ponto de vista que ex­pusemos, 0 vectigal tinha para as posses de bens do patri­monio nacional na Africa a caracteristica, distinta das queencontramos nos impostos modemos, de nao ser graduadocom base na renda das distintas glebas, mas de gravar sabreo modus agri, sobre 0 numero de jugadas, de maneira uni­forme ou segundo grandes tarifas medias para as culturasforrageiras, herbaceas, lenhosas... Com a aplica,ao de umatecnica mais precisa para a avalia,ao dos territorios do pa­trimonio nacional, iniciou-se uma transforma~ao, naD deprincipios, mas so quantitativa. Talvez ja no ager Campa­nus se tenha aplicado urn procedimento, ainda que de for­ma incorreta, que implicava uma estima,ao dos terrenos ea especifica,ao das tarifas tributarias. Pelo menos, a repre­senta,ao cartografica e 0 pretium indictum recordam os certapretia de urn passo de Higino, citado na p. 24. Desse tre­cho, se 0 pusermos em rela,ao com outro (p. 23), no qualse trata do mesmo caso, infere-se que, sob Trajano, as gle-

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rI135TERRA PUBLICA E POSSE DE DIRElTO MENOR

bas it:Uicas. Portanto, e bem possivel - ou melhor dizen­do, originariamente era de fato assim - que 0 nivel do fo­ro das distintas glebas unirarias cadastrais oscilasse, comodiz Higino, segundo 0 tipo de cultivo e que 0 conteudo dasprofessiones, recordadas pelo mesmo Higino (lac. cit.), esti­vesse constituido enrao pela classe de cultivo, isto e, pelonumero de jugadas dedicadas a vinhedo~e. qualquerforma, essa foi uma etapa de transi,3.o. A\even:~ ausenciade qualquer cultivo em partes do campo n3.o implicou de­certo uma redu,3.o do imposto. A classifica,3.o em arvumprimum e arvum secundum ja faz pensar numa taxa,3.o per­manente da terra com base em sua produtividade; ademais,essa tarifa em categorias foi especificada ainda mais tarde,aumentando 0 numero de categorias, como mais adiante ex­plicaremos. A facilidade para passar de uma classe a outrater-se-ia conciliado mal com um sistema semelhante. Ade­mais, todas as vezes que as fontes juridicas falam do tribu­tum soli 0 fazem de tal forma que aparece como um tribu­to fixo imposto a gleba particular concreta68• Finalmente,a proposito da tributa,3.o, que se realizava, como relata VI­piano (Dig. 4, S. censib., 50, 15), com base no formulario,devemos ressaltar expressamente que, para a transforma,3.ode vinhedos e olivais - as categorias mais taxadas - emoutros tipos de culturas menos taxadas, devia-se apresentaraos funcionarios competentes um motivo suficiente para jus­tificar essa transforma,3.o; caso contrario, n3.o teria sido le­vada em conta. Nas mudan,as de cultivo que reduziam 0

montante do tributo so se podia recorrer a relevatio e a pe­requatio, medidas sobre as quais tornaremos a falar em se­guida. Como quer que seja, implicando a mudan,a de cul­tivo a passagem a uma categoria mais taxada, 0 fisco n3.otera vacilado, e claro, em aumentar 0 tributo por ocasi3.ode uma perequatio69 • Se a inscri,3.o de Arausio - reprodu­zida em Apendice - continha efetivamente, 0 que me pa-i

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HIST6RIA AGMRIA ROMANA

bas da Panonia submetidas a contribui,oes sobre os imo­veis se subdividiam em seis classes: arvum primum, arvumsecundum, pratum, silva glandifera, silva vulgaris, pascua. Da­da a magnitude dos lotes individuais - 66 2/3, 80, 100 ju­gadas _ e impensavel que essas glebas fossem sempre com­preendidas por inteiro numa so dessas categorias tribura­rias; mais ainda, 0 montante total do imposto de cada loteparticular devia ser composto de cotas relativas ao numerode jugadas de cada categoria triburaria particular incluidano proprio lote. A partir do momento em que, na forma,se indicava para cada lote quantas jugadas de arvi primi, prati,etc., continha, era facil calcular a importancia do imposto,que era estabelecido com medida uniforme pro iugerum decada classe para 0 conjunto do lote. Mas 0 imposto perma­necia invariavel se 0 possuidor mudava 0 tipo de cultura?Se se tivesse tratado de uma contribui,3.o sobre os imoveisno sentido moderno, a resposta teria sido, sem duvida, afir­mativa. Como quer que seja, devemos pensar que esses gra­vames fiscais eram historicamente 0 resultado de uma evo­lu,3.o, no transcurso da qual passaram de foros de arrenda­mento ao grau intermediario de foros enfiteuticos e, final­mente, a tributos autenticos. Por isso, seria perfeitamentelogico que, ao mudar 0 tipo de cultivo tambem mudasseo foro correspondente as distintas tarifas, referidas a diver­sas categorias tributarias. 0 arrendador e, portanto, tam­bem 0 Estado como tal, era protegido contra 0 perigo deuma redu,3.o do foro de arrendamento por causa de modi­fica,oes no tipo de cultivo devidas ao fato de que ditas mu­dan,as, dado 0 gravoso estado de dependencia em que seencontrava 0 arrendatario segundo os costumes romanos,n3.o eram habitualmente consentidas (no ultimo capitulovoltaremos ao tema). Tambem em rela,3.o as glebas provin­ciais, os imperadores reservaram para si 0 direito de inter­ditar determinadas classes de cultivo no interesse das gle-

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Natureza juridica das situa(:oes possess6rias em solo estatal

Falamos ate agora das situa,oes possessorias de direitomenor que surgiram e se desenrolaram como formas de va­lorizar 0 patrimonio publico e que tambem conservaramesse carater depois de transforma,oes profundas, radicais.Suas caracteristicas comuns no plano juridico so podem serdeterminadas de modo negativo. Ja vimos que a ausenciada propriedade quirit:iria exclula essas posses do census e,tambern, das opera,oes per aes et libram, assim como, ori­ginariamente, das outras opera,oes de aliena,ao previstasno direito privado e, em geral, em todos os direitos reais,

rece muito provavel, as assigna,oes e a soma das contribui­,oes sobre os imoveis, isso significa que estas ultimas eramf~xadas de uma vez por todas. A tendencia a fixar num de­terminado nlvel 0 tributo de uma gleba particular, excluin­do qualquer motivo de transforma,ao, foi uma tendenciaconstante, que tambern se deduz da lei de Zenao (C. I, Dei. emph. IV, 66), segundo a qual a destrui,ao parcial da gle­ba nao era motivo de remissao na enfiteuse. Devia ter sidoestabelecido, pois, desde ja faz muito tempo, 0 criterio dotributo fixo. Em conformidade com isso, tem-se como con­seqiiencia jurldica que, desde a epoca de Scevola, quandonao se pagavam os tributa efetuava-se uma subhastatio dagleba por parte de quem podia ostentar direitos (Dig. 52,D. a. c. v., 19, I, pr.). Portanto, 0 procedimento executivoera ordenado unitariamente. No Cod. 7beod. I, De aquaed.,15,2 (de 320 d. C.) previa-se, ademais, 0 confisco das glebassobre as quais recala a obriga,ao de limpeza dos condutosde agua, no caso de a obriga,ao nao ser satisfeita. Comoquer que seja, tudo isso se relaciona muito mais com 0 di­reito mais antigo.

137

Procedimento administrativo

TERRA PUBLICA E POSSE DE DIRElTO MENOR

Execu(:ao real

Tambem no procedimento administrativo 0 magistra­do que julga podia limitar-se a infligir uma multa ao trans-

Prescreveu-se tambem a necessidade delF"~~dpio, essas condi,oes de posse da prote,ao j ridica rdinaria.Enquanto nao surgiram pleitos em razao da posse, a compe­tencia devia ser reservada It jurisdi,ao administrativa, pelo queesses litigios entravam no imbito da extraordinaria cognitio.Nao vamos nos ocupar agora de quais erain os magistradosencarregados dessa fun,ao (provavelmente se apelaria It juris­di,ao do censor ou It de ordem superior, isto e, a do consul,amenos que nao se criassem competencias internas especiais,como os triunviros dos Gracos ou os duunviros da lex agrariade 643 a.u.c.). No caso dos governadores provinciais, as duasfun,oes correspondiam It mesma pessoa, portanto nao exis­tiam diferen,as nem de competencia, nem de procedimento,e isso emuito importante.

De fato, a exclusao das vias juridicas ordinarias tinha con­seqiiencias not:iveis com respeito ao modus procedendi. A ex­traordinaria cognitio nao se caracterizou nunca pela falta deurn procedimento in iudicio ou de urn procedimento equiva­lente. Dita ausencia era POSSIVel, mas em geral nao necessaria:tambem no procedimento administrativo 0 magistrado a quemcorrespondia 0 jUlzo podia remeter a vista a alguns jurados.Interessa-nos preferencialmente outra caraeteristica desse pro­cedimento: a possibilidade de execu,ao real.

ao menos ate que nao se efetuasse urn interdictum possesso­rium ou, para alguns deles, a aquisi,ao per universitatem.

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gressor, multa equivalente acondena,ao pecuniaria do pro­cedimento civil, mas tambem podia ditar uma senten,a cujaexecu,ao Fosse in natura, isto e, podia tirar a gleba do perde­dor e assigna-la ao ganhador. Eseguro que essa possibilidadeera uma caracteristica essencial da extraordinaria cognitio. Aexecu,ao real nao desapareceu de todo, nem sequer no pro­cedimento pretorial, e nao podia mesmo desaparecer. Mas,nos casos em que se manifestava70, tinha realmente 0 cara­ter de um procedimento extra ordinem, tratando-se funda­mentalmente cia execu,ao de disposi,oes passiveis de processo.Em compensa,ao, aexecu,ao real representava a regra no pro­cedimento extra ordinem e sobretudo no procedimento ad­ministrativo. Eclaro que nao tera ocorrido ao censor con­sentir que um arrendamento do Estado desapossado por umterceiro Fosse indenizado por este com uma soma em dinhei­ro, posto que estava em condi,oes de restituir a posse da gle­ba ao arrendatario legitimo. Nas assigna,oes dos Gracos, porcausa da inalienabilidade das glebas, a execu,ao em forma delitis aestimatio em dinheiro equivaleu a uma frostra,ao doobjetivo perseguido pelas assigna,oes. Com respeito acon­troversia de territorio, que em todo caso se decidia por meiode extraordinaria cognitio, as inscri,oes asseguram-nos quea execu,ao era reaF!.

1550 era obvio em rela,ao com todas aquelas condi,oesde posse cujo principal objeto era 0 locus, isto e, uma areaarrendada bem determinada, tributavel, etc. Do mesmo mo­do, 0 desenvolvimento particularmente intenso dos inter­ditos possessorios, que em sua origem so protegiam 0 lo­cus, com todas as suas violentas sponsiones punitivas, surgiudo intento de aproximar-se da execu,ao real e da coer,aoda obriga,ao de pagar em especie. Como quer que seja, issoteve grande importancia para 0 desenvolvimento ulteriordo procedimento contencioso, ja que, sendo a maior partedas glebas provinciais possuida em direito nao pleno, com

o ager vectigalis municipal

o passar do tempo a permissibilidade da execu,ao real nasa~oes reais se converteu em direito comum, como ja encon­tramos em Ulpiano, Dig. 68, De r. v. (VI, I).

A situa,ao era distinta quando 0 pretor concedia umaa,ao para uma das situa,oes depos~ di~ssao no trans­curso do procedimento ordinaria. nao nhecemos ne­nhum caso desse tipo. Tampouco as assigna,oes dos Gra­cos, as que mais se aproximavam da propriedade autentica,entravam na competencia do pretor, como ja destacamos.Da institui,ao de formulas fietlcias nada sabemos. Num uni­co caso, de que ainda nao falamos, produziu-se, mais tarde,uma a,ao real no procedimento ordinaria; mas esse casonao se referia a uma posse derivada do Estado, e sim de umacomunidade de direito inferior.

139TERRA PUBLICA E POSSE DE DIREITO MENOR

Trata-se da formula para a caso si ager vectigalis peta­tur. Segundo a interpreta,ao de Lenel, so concernia sem du­vida aos terrenos dados em arrendamento pelas comunida­des, au melhor, normalmente em enfiteuse. Deveremos exa­minar esse fenomeno mais a fundo, ja que, evidentemente,na Idlia, em todo caso depois da guerra social, nao existi­ram mais enfiteutas do Estado, e a natureza juridica do agerprivatus vectigalisque africano sempre ficou em duvida; parisso, trata-se do unico caso de enfiteuse no direito romanoda idade de aura que se pode reconhecer com clareza.

Tambem nesse caso, e indubitavel a origem administra­tiva. N enhum particular podia realizar aenfiteuse; a cons­titui,ao dessa rela,ao juridica era uma prerrogativa do di­reito soberano e deve ser considerada, nas comunidades, co­mo um vestigia da antiga soberania72• As comunidadesserviam-se dessa institui,ao para avaliar tanto suas glebas

HIsr6RIA AGIURIA ROMANA138

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Impostos e bens das comunidades

como aquelas que lhes eram assignadas sem prazo pelo Es­tado romano e que faziam parte do ager publicus.

Como se sabe, conhece-se muito pouco a maneira pelaqual as distintas comunidades do Imperio Romano conse­guiram equilibrar suas balan~as. Pelo estatuto da colonia ce­sariana de Urso, na Espanha, conservado nas inscri~6es73,

sabemos que grande parte dos servi~os comuns era cobertacom presta~6es obrigatorias em que eram empregados, deurn lado, os indivlduos membros da comunidade e, de ou­tro, seus animais de tiro. Em Urso, as jornadas de servi~o

obrigatorio eram fixadas em numero de 5 por pessoa e de3 por jugada. Eigualmente certo que, a parte isso, existiamtributos em dinheiro para aquelas necessidades a que naose podia atender com as presta~6es obrigatorias74.Sabemos,ademais, que a assistencia aos pobres das cidades era efetua­da em parte mediante 0 oferecimento de cereais a pre~o defavor pelos propried.rios de terras75 e, eventualmente, tam­bern mediante contribui~6es em especie76. Como quer queseja, nao sabemos de que forma se arrecadavam esses tribu­tos, em especial os moned.rios, nem com base em que prin­dpios se repartiam. Mas parece que as cidades da Antigui­dade tiveram em comum com as medievais 0 fato de quetodos esses impostos diretos tinham 0 carater de medidasextraordinarias estabelecidas com a finalidade de equilibrara balan~a77, e sob esse ponto de vista equivaliam a empres­timos e, talvez, como em Roma, a emprestimos for~osos.

Como quer que seja, isso teve como conseqiiencia urn au­mento do movimento financeiro das comunidades, notabi­Hssimo segundo os conceitos modernos. Nao trataremos aquidos impostos indiretos, especialmente os direitos aduanei-

r141TERRA POBLICA E POSSE DE DIREITO MENOR

Parece que seu sistema de emprestimos funcionava malna maior parte dos casos78. Essas comunidades desenvolve­ram, para dizer a verdade, as constitui~6es de rendas, masde uma forma muito primitiva, isto e, somente em formade aquisi~5es de vectigalia, de opera~5es enfiteuticas pois,ao passo que as rendas em si mesmas nao eram objeto decomercio. Junto com 0 arrendamento ordinario e 0 estabe­lecimento de enfiteuse79 de bens das comunidades, temosa aquisi~ao de terrenos de uma pessoa e a restitui~ao ames­rna pessoa com a obriga~ao de urn vectigal, como forma deutiliza~ao das finan~as da comunidade80, ou como meio degarantir rendas perpetuas para determinadas finalidades pu­blicas ou de beneficencia, em particular para manter faml­lias livres caldas na pobreza, pagando os alimentos a seusfilboS81 . Na era imperial, a autoridade central interveio deurn lado para a assistencia as classes pobres, antecipando ca­pitais para serem empregados em glebas em troca do paga­mento de juros a restituir em obras de beneficencia82, de

Constitui,oes de rendas

ros, que eram considerados receita proveniente da proprie­dade imobiliaria, mas so falaremos daquelas receitas das co­munidades constituldas por rendas.

As cidades medievais recorreram, na administra~ao deseu patrimonio, a solu~6es as vezes geni~ir da pers­pectiva juddica e economica, e desenvol,\,er~m~ particu­lar 0 negocio da renda imobiliaria, colocando-a em rela~ao

com urn sistema de emprestimos relativamente esdvel. Con­quanto conhe~amos muito pouco da gestao financeira dosdistintos centros do Imperio Romano, de todo modo e cer­to que, nesse aspecto, as comunidades ramanas permanece­ram relativamente muito atrasadas.

HIST6RIA ACRARIA ROMANA140

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142 HIST6RIA AGRARIA ROMANA TERRA PUBLICA E POSSE DE DIREl70 MENOR 143

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outro controlando 0 uso dos bens das comunidades. A alie­na,ao e tambem a enfiteuse foram parcialmente limitadas83,foi vedada as distintas comunidades a imposi,ao autonomados tributos84 e a renda derivada dos vectigalia foi dividi­da em parte entre 0 Estado e as comunidades85, pelo queo tributo pago as comunidades apresentava-se como urn su­plemento do tributo ao Estado. Trataremos aqui, em parti­cular, da natureza juddica das glebas concedidas pelas co­munidades em troca do pagamento de urn foro.

Natureza juridica do ager vectigalis

Antes de mais nada, e certo que a comunidade figuravacomo propried.ria dessas terras. Em verdade, 0 "direito aocenso" aparecia ocasionalmente em expressoes como obje­to do direito da comunidade, tal como quando se dizia deuma sacerdotisa do municipio Cartimitanum na Espanhaque ela vectigalia publica vindicavit (C.LL., II, 1956), ouquando Vespasiano concedeu a uma comunidade iberica seusvectigalia (ibid, 1423), ou, por ultimo, quando se concedeuaos habitantes de Thisbe, por meio de urn decreto do Sena­do, 0 desfrute ulterior de seus vectigalia86• a tributo pagoem Pompeia por alguns ob avitum etpatritum fundi Rudia·ni (n. 123 dos recibos tribudrios de Pompeia, d. Momm­sen em "Hermes", XII, pp. 88 ss.) corresponde ao censoalemao que se encontra nos documentos "por direito de pro­priedades". Como quer que seja, a natureza juddica dessasglebas nao e em absoluto obscura. Quem quisesse consti­tuir uma renda perpetua sobre sua gleba deveria realizar amancipatio da comunidade, para depois receb&-la desta coma obriga,ao de urn cens087• Se 0 possuidor de uma dessasglebas gravadas por rendas perpetuas renunciava a ela - afavor da comunidade, mas reservando 0 usufruto para si -,

nao existia transferencia de propriedade, porque a comuni­dade ja era propriedria88. Essa f6rmula vai acompanhadada possibilidade de afirmar 0 direito de propriedade das co­munidades de duas maneiras diferente~sco das gran­jas e a imposi.,ao de urn veetigal. a ve~tigal eta a forma na­tural em que se manifestava a afirma,ao da propriedade pu­blica. Podia-se impugnar a validade do legado de urn fun­dus vectigalis a comunidade, dado que a gleba [fundus] ja erapropriedade publica (Dig. 71, 5-6, De legat., I, 30). Note-se,ademais, que, se numa co18nia devia-se construir urn aque­duto, segundo 0 estatuto cabia a colonia 0 direito de ex­propria,ao (l. col. Gen., c. 99), como corretamente afirmaMommsen, com respeito aquelas glebas pelas quais deviapassar 0 aqueduto (por exemplo, na colonia de Urso). Asgranjas adjacentes s6 correspondia a obriga,ao de manuten­,ao (Lachmann, 248, 6 ss.) e, por isso, era-lhes imposto urntributo. Evidentemente, para poder impor-lhes urn tributosemelhante, era necessaria confisd.-Ias antes com uma in­deniza,ao para restitui-las depois aos proprierarios prece­dentes sob a forma de fundus vectigalis, naturalmente de­pois de pagar urn pre,o que diferia da soma precedente deexpropria,ao pelo aumento da indeniza,ao. Para poder cons­truir 0 aqueduto, bastava constituir depois uma servidao.

A figura juddica eleita para a constitui,ao de rendas era,em geral, a lex dicta para a mancipati089, razao pela qualpoder-se-ia inferir a equivalencia entre a "garantia de ren­da" e 0 usufruto; contudo a razao estriba no fato de quea mancipatio era a unica forma em que, inter privatas, sedeterminavam direitos permanentes uno actu para as gle­bas, e a essa figura se atinham as comunidades como sobe­ranas e, por isso, tambern como executantes do direito ad­ministrativo soberano.

Em geral, tambern poder-se-ia identificar na enfiteuse

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o nexo com 0 arrendamento no que concernia a remissio(Dig. 15, 4, Locati, 19, 2). Por outro lado, nas comunida­des, 0 vectigal sempre figurava como uma taxa de juros pa­ga sobre urn capital determinado e, por isso, poderia ser com­parado com uma hipoteca remlvel indenunciavel. 0 moti­vo mais provavel disso reside em sua conexao com 0 arren­damento publico a longo prazo, onde a compensa~ao con­sistia numa cota estabelecida para a sucessao e num for090.No transcurso da evolu~ao, 0 possessor do fundus vectiga­lis foi equiparado gradativamente, no plano pratico, ao pro­pried.rio. 0 iudicium finium regundorum podia ser inter­posto por ele e contra ele, no que nao havia nada de ex­traordinario, pois ele era protegido como possessor do lo­cus e 0 actio finium regundorum era concedido a todos aque­les - e s6 aqueles - que gozavam da prote~ao do locus (Dig.4, 9, Fin. reg., 10, I).

Por outro lado, nesses casos podia-se recorrer tambernao iudicium communi dividundo (Dig. 7, I, h.t., 10, 3, pr.)e ao iudicium familiae herciscundae (Dig. II, h.t., 10, 2); 0

fundus vectigalis podia ser reclamado como certa res medianteo dare oportere (Dig. I, De condo trit., 13, 3, pr.). Mas dasdisposi~oes relativas deduz-se que todas essas rela~oes naoeram irrefud.veis. Especialmente 0 trecho que se refere aoato de divisao (Dig. 7, Comn. div., pr.) da a impressao deter sido interpolado. Ecerto que, em sua origem e aindana epoca de Ulpiano, a aprova~ao da autoridade municipale a divisao do vectigal entre os distintos lotes de terreno de­via preceder a reparti~ao. No que concerne a alienabilida­de, a disposi~ao do c. 3, De iure emphyteutico, IV, 66,relacionava-se em todo caso com as normas juridicas a queestavam submetidos os agri vectigales, portanto era neces­saria a aprova~ao da comunidade. A disposi~ao obrigat6riana constitui~ao citada, segundo a qual devia-se recha~ar aaceita~ao do substituto s6 por motivos bern fundados, ilus-

A enfiteuse

]a e algo sabido e inquestionavel que a enfiteuse do direi­to da epoca imperial tardia esd. hist6rica e juridicamente liga-

145TERRA nlsLICA E POSSE DE DIREITO MENOR

tra da melhor maneira POSSIVel a norma administrativa de to­das as rela~oes referentes a essas situa~oes possess6rias de di­reito menor. Nada sabemos da exis encia de urn laudemiumpara 0 ager vectigalis, como 0 que ex tia em ,ompensa~ao pa­ra a enfiteuse.

Por ultimo, 0 problema da devolu~aoda gleba a comuni­dade em caso de nao cumprimento do pagamento do vectigalrepresentava a aspecto pd,tico cia controversia, mencionadatambern pelo c6digo justiniano, sobre se aquele contrato de­via ser entendido como compra e venda ou como arrenda­ment091 .

Provavelmente, a dificuldade principal para todas essas con­cessoes consistia em que, em geral, devia-se pagar urn impos­to de sucessao; portanto, 0 pagamento do vectigal nao repre­sentava a unica obriga~ao pecuniaria do possuidor e, assim,o nao cumprimento do pagamento do pr6prio vectigal naopodia implicar, sem mais, a perda da posse. Nas fontes (Dig.31, De pign., de Scevola) 0 direito de retrovenda nos casos denao cumprimento e recordado como parte essencial da lex dicta.Por isso, nao se explica em si mesmo e nao pode converter-se,como queria Matthiass, no ponto de partida para a reconstru­~ao de toda a institui~a092. A comunidade estava autorizadade per se ao uso de meios coercitivos, mas provavelmente adisposi~o mencionada em Dig. 31, cit, constitula normalmenteuma parte essencial das leges dictae referentes a enfiteuse, peloque esta rela~ao foi considerada mais tarde, em conjunto, co­mo uma transferencia, com a condi~ao do pagamento de urnforo (d. Paulo, Dig. 1, Si ager vectigalis, VI, 3).

HIST6RIA AGRARIA ROMANA144

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da aos agri vectigales dos munidpios e nao aos territoriosprovinciais gravados pe1a contribui~ao sobre os imoveis. Urnaspecto caracterlstico desse fen&meno, sobre 0 qual volta­remos no ultimo capitulo, era que 0 princeps aspirava a se­parar suas posses do vinculo com a comunidade, isto e, atornar-se independente e, em conseqiiencia, reivindicava amesma posi~ao jurldica das autoridades locais na qualidadede propried.rio de terras.

Como se deduz do proprio nome, a enfiteuse foi intro­duzida pelo oriente helenico e, numa primeira epoca, foiaplicada em terrenos para arroteamento nas provincias. Nes­ses casos, 0 enfiteuta solicitava que fosse fixado urn foro per­manente. Distinguia-se essencialmente do ager vectigalis pe1aintrodu~ao de normas bern precisas concernentes aaliena­~ao, ao direito de prela~ao do concedente, a urn impostode transmissao fixado em 2% e aespecifica~ao dos motivosde anula~ao da re1a~ao. Essa norma era bastante favoravelao enfiteuta. Tanto a enfiteuse como os agri vectigales dascomunidades e os agri privati vectigalisque do Estado eram,via de regra, formas pelas quais se concediam grandes ex­tensoes de terras a grandes empreendedores. Isso fica patenteespecialmente a partir da distin~ao entre vectigales e non vec­tigales agri em Dig. 1, Si ager vectig., VI, 3, que, como aise poe expressamente em evidencia, correspondia adistin­~ao entre terra arrendada aos conductores, hereditariamen­te ou por tempo determinado; e temos que colendi dati sunta pequenos proprietarios, isto e, a cultivadores diretos comfazenda aut&noma. Isso esclarece a situa~ao juridicamenteprecaria desses ultimos. Entre 0 cultivador direto e 0 "pos­suidor imobiliario", isto e, 0 arrendad.rio, existia uma se­para~ao nitida, nao coberta por nenhum nexo conjuntivo,nem mesmo do ponto de vista jurldico.

Glebas sicilianas submetidas ao dizimo

Algumas cidades sicilianas eram isentas de impostos93

e, em geral, estavam apartadas da a~ao direta da adminis­tra~ao romana. Outras cidades, conquistadas em guerra, ha­viam perdido 0 direito de propriedade imobiliaria; seu ter­ritorio havia sido confiscado e, uma vez transformado emager publicus, foi dado em arrendamento pe10s censores deacordo com 0 sistema que ja vimos. Nao sabemos se eramedido como 0 ager Campanus, pois de outra forma pode­rlamos aplicar-lhes a observa~ao de Frontino a proposito

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Glebas provinciais nao estatais

TERRA PUBLICA E POSSE DE DIREITO MENOR

Ate agora falamos das fi~idicas relativas apossede glebas do patrim6nio naCibnal e ijas formas afins e deri­vadas. Trataremos agora das glebas provinciais caraeteristi­cas das provincias, para analisar se tambern existia urn ne­xo entre as figuras da tributa~ao e as re1a~oes de direito pri­vado. Nao se tratava de territorios do patrim&nio nacionalno sentido estrito da palavra, isto e, ager publicus, ja queesse tambern existia na It:\lia, nem tampouco de comunida­des isentas de impostos em virtude de urn foedus ou gra~as

a uma concessao unilateral da administra~aoprovincial dogovernador; referimo-nos, isto sim, aqueles territorios pro­vinciais sobre os quais Roma exercia direitos de soberania,mas sem que fossem utilizados segundo os prindpios do agerpublicus ou assignados por funcionarios romanos segundoas figuras da posse romana. Urn rapido exame das provin­cias que sabemos terem-se constituido na era republicana,isto e, Sidlia, Asia e Africa, ensinar-nos-a em que sentidodevem ser entendidas as re1a~oes a que fizemos referenciaagora de forma ainda imprecisa.

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Uma terceira categoria era constituida pelo territorionao confiscado, mas tampouco isento de impostos. Eindu­bid.vel que, nesse caso, os romanos nao se atribufram, nemsequer teoricamente, a propriedade imobiliaria, mas se con­sideraram legitimos sucessores do tirano Hierao de Siracu­sa, ate entao soberano daqueles territorios. Em particular,adotaram seu ordenamento tributario, a chamada lex Hie­ronica94• Como e bem sabido, tal ordenamento baseava-seno direito de dizimo que cabia ao soberano. Anualmente,as distintas cidades deviam comprovar 0 numero de arato­res residentes em sua circunscri,ao, sujeitos ao pagamentodo dizimo, e compilar as listas oficiais (In Verr. 3, 120). Comessa finalidade, os aratores deviam declarar 0 numero de ju­gadas cultivadas (eod., 53) e semeadas (eod., 102). Posterior­mente, em Siracusa, 0 governador adjudicava aos publica­nos, com 0 sistema de leilao, as tarefas de arrecada,ao dosdizimos nas distintas circunscri,oes95; os publicanos assu­miam a obriga,ao de abastecer uma quantidade determina­da de produtos agricolas, enfrentando as incertezas da co­lheita. Na temporada de colheita, a arrecada,ao do dizimoera efetuada no campo, nao podendo 0 grao ser transporta­do antes de dita opera,ao. Mas, na pd.tica, raramente se re­corria a esse sistema: 0 arrendatario do dizimo chegava aum acordo com os contribuintes particulares com base nu­ma quantidade fixa, independente do resultado da colheita.

Caracterfsticas juridicas

o aspecto essencial n~edimento do ponto devista do direito administra~ivo· cafuistia em nao levar emconta as relas:oes juridicas existentes entre 0 arator e 0 ter­reno submetido ao dizimo. Impondo 0 dizimo, elas se refe­riam a quem cultivava naquele ana 0 terreno em questiio,enquanto era absolutamente indiferente que se tratasse doproprietario ou do arrendatario de um particular, ou, porultimo, do arrendatario de uma comunidade96• Desta for­ma, a jurisdi,ao sobre essas rela,oes e a norma relativa eautonoma vieram a achar-se nas maos das comunidades97•

Por outro lado, existia uma jurisdi,ao administrativa de re­cuperatores composta (mas nao sabemos com seguran,a deque maneira) por dois grupos interessados, negotiatores e ara­tores, considerados no arrendamento do dizimo; mas ditajurisdi,ao era presidida por magistrados romanos e delibe­rava sobre os pleitos referentes as rela,oes do contribuintecom 0 arrendatario do dizim098 •

Evidentemente, nao se conseguiu evitar que surgissemconflitos de competencias entre essas duas jurisdi,oes, quejulgavam partindo de diferentes pontos de vista; de fato, ajurisdi,ao de recuperatores dificilmente tera podido separaro problema que concernia a pessoa do contribuinte do pro­blema do direito sobre a gleba, especialmente quando se tra­tava de commissa na professio, caso em que se podia chegara uma a,ao penal99• Nao sabemos como eram regidas as re­la,oes entre as duas jurisdi,oes100• Em todo caso, e esse umexemplo de tentativa de conciliar a autonomia local coma tributa,ao direta por parte do Estado, e esse cruzamentode concep,oes distintas constitui a verdadeira dificuldade,o obstaculo principal para referir a situa,ao juridica das gle­bas provinciais a um ponto de vista unitario. De fato, a si­tua,ao juridica da posse imobiliaria provincial era pouco

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clara, de urn lado pela rela,ao direta entre 0 Estado e a gle­ba concreta - tanto que, ja entao, podia parecer adequadaa expressao de praedium stipendiarium que esteve em yogamais tarde -, de outro lado, pela autonomia de que goza­yam as comunidades e, portanto, pelo ius peregrinum. 0census recordado era formalmente urn censo citadino, masem essencia vinha a ser urn censo dos provinciais compila­do pelas comunidades autonomas. De fato, como e naturalno caso de impostos estatais, nao era possivel escapar de urncontrole por parte do governador provincial, deduzindo­se das observa,aes de Cicero (In Verr. II, 53, 131; 11,55,138) que, com base nesse direito de controle, correspondiaao governador a reda,ao do registro de impostos, e isso commaior razao ainda se ele ia contra os interesses dos posses­sores. Como quer que seja, tambem era necessario nas co­munidades urn cadastro para provocar suas exigencias, jaque nao bastavam para esse fim os impostos indiretos e osproventos do patrimonio comum; dificilmente poder-se-iapensar que esse cadastro fosse diferente daquele estabeleci­do em Roma para as dividas de tributos. Algumas frases deCicero nos induzem a declarar essa identidade (In Verr. III,42, .100).

Com isso, havia-se instituldo, em essencia, aquela rela­,ao que encontramos na era imperial tardia: a autonomiadas comunidades nesse campo existia formalmente, mas naopossuia urn autentico conteudo reaPO!.

Contudo essa situa,ao nao tardou a ser substituida poroutra.

As comunidades tentaram subtrair-se it insuportavel pres­sao dos publicani e ao arbitrio dos governadores romanosaumentando 0 imposto de seu territ6rio, ou entao readqui­rindo 0 arrendamento de quem melhor pagasse!02. Agin­do dessa maneira, a comunidade encontrava-se durante 0

ano em curso como se estivesse obrigada a fornecer uma

Glebas asidticas submetidas ao dizimo

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151TERRA PUBLICA E POSSE DE DIREITO MENOR

renda bern determinada em especie e estivesse autorizadaa reparti-Ia entre seus compo~ssa rela,ao que se es­tabelecia caso a caso foi transfilrmada) ao que parece (e, nomais tardar, por obra de Cesar), numa rela,ao fixa e ao mes­mo tempo convertida numa renda em dinheiro!03. Efetiva­mente, esta foi depois a situa,ao concernente as cidades si­cilianas. Assim se garantiu ate nova ordem a aplica,ao dodireito local, e efetivamente ainda se conservavam na Sici­lia, na 1dade Media, algumas institui,aes de direito local,como por exemplo 0 ius protimiseos.

Parece que, na Asia, a mesma evolu,ao se efetuou commaior rapidez. Segundo a lex Sempronia, a Asia tambern es­tava sujeita ao dizimo!04 e parece que precisamente essa fi­gura tributaria tenha substituido ourra tributa,ao mais fa­voravel, que nao conhecemos em detalhe, com base numdireito arbitrario de tributa,ao que correspondia ao rei. Amesma lei de C. Graco havia estabelecido que 0 arrenda­mento dos vectigalia fosse concedido em Roma em benefi­cio da classe dos cavaleiros romanos. 1sso tornava efetiva­mente dificil, na pratica, a competencia das comunidadese dos provinciais particulares no leilao. Quando Cicero diza prop6sito dessas comunidades: "nomen autem publicaniaspernari non possunt, qui pendere ipsi vectigal sine publi­cano non potuerint, quod iis aequaliter Sulla descripserat",tratava-se de uma reparti,ao, com base numa media, darenda total extraida da provincia entre as distintas comuni­dades pro rata, de maneira que elas se comprometiam a pa­gar uma quantidade prefixada e podiam arrecada-Ia a seumodo. Pela passagem de Cicero que acabamos de citar, po­de parecer que a tentativa nao tivesse dado resultado, pois

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de fato ainda encontramos em tempos posteriores publica.ni na Asia. Nao queremos dizer com isso que se tivesse res­tabelecido com seguran,a 0 precedente estado de coisas, mas,como quer que seja, que foi introduzida a adjudica,ao emtodas as circunscri,aes (Cic., Pro Flacco 37, 91). Como naSidlia, tambem na Asia introduziu-se 0 sistema do stipen·dium fixo, precisamente por obra de Cesar em 48 a. C. (Apia­

no, 1, 1, 5, 4).Segundo uma conhecida passagem de Ckero (In Verr.

111,6,12)105, poder-se-ia pensar que a situa,ao colocada porCesar na Sidlia e na Asia existia ab initio nas outras pro­vincias e que, partanto, aqui, a unica forma de tributa~aoera 0 pagamento de urn stipendium fixo, independente dacolheita, repartido pelas comunidades entre seus propriosmembros. Como quer que seja, seria precipitado extrair es­sa conclusao, dado que, na Sardenha, por exemplo, sucediao contd.rio106• Pode-se afirmar que, desde 0 come,o da eraimperial, manifestou-se a tendencia de tornar autonomas,no ambito do sistema tribud.rio, as comunidades dependen­tes do Imperio e a fixar a soma global das presta,aes quedeviam. Dessa maneira, a constitui,ao das Galias realizadapor Augusto levou atributa,ao dessa provincia com urnmontante tribud.rio global de 40 milhaes de sestercios

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N esse caso, nao se pode falar precisamente de reparti,ao dotributo entre os distintos contribuintes por obra de urn fun·cionario romano, mas apenas de uma divisao geral entre ascidades e as popula,aes. Com a mesma seguran,a podemosafirmar que a administra,ao estatal jamais renunciava ao di­reito de controle sobre a forma de arrecadar 0 imposto, 0

que podia levar, em essencia, a abolir a autonomia tribud.­ria segundo as transforma,aes dos criterios administrativos,como ja vimos e veremos de novo mais adiante.

Os stipendiarii na Africa

A maior parte da Africa ~feriq:::J,oenorum) fazia par­te das provincias a que foi imposto, segundo Ckero, urnstipendium fixo. Agora sabemos que, apos a guerra, haviana provincia da Africa sete civitates liberae et immunes: Utica,Hadrumetum, Thapsus, Leptis minor, Achulla, Uselis,Theudalis (lex agraria, linhas 79-80). Essas sete cidades naopagavam impostos. Pelo contrario, nao existiam comuni­dades citadinas, ja que apos a guerra haviam sido rompidostodos os vinculos comunais108 • Portanto, ante 0 Estado soexistiam individuos particulares. Urna parte desses era cons­tituida pelos colonos de Graco em Cartago, que haviam si­do convertidos em assignatarios individuais com a lex agra·ria (Mommsen, C.LL., 1, p. 97): eram isentos de impostos.

Seguramente, tambern existiam glebas nao sujeitas a tri­buto, isto e, as assignadas por Cipiao aos descendentes deMasinissa ou distribuidas aos desertores cartagineses, e asconcessaes do ager publicus feitas a comunidades imunes109,

tal como na IdJia. Todas essas condi,aes possessorias eramrevogaveis de iure. Podia-se dispor delas por lei, como sededuz das disposi,aes sobre a indeniza,ao que cabia aos pos­suidores dessa categoria, despojados da posse apos assigna­,aes ou vendas, disposi,aes ja contidas na lex agraria.Concedia-se, pois, uma indeniza,ao. Isso demonstra que aexistencia desse tipo de posse era protegida ao menos noplano administrativo e que, por isso, nao era possivelsuprimi-Ia, na ausencia de uma lei, com uma simples a,aoadministrativa110. Ja encontramos as situa,aes de posse su­jeitas a tributo a proposito dos enfiteutas do ager privatusvectigalisque e dos arrendatarios licenciaveis do ager publi·cus. A ultima categoria a examinar eados stipendiarii111

Enquanto habitualmente se fala de comunidades estipendia­rias, deduz-se com clareza do texto literal da lei que seja tra-

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tada em troca da posse imobiliaria de pessoas sujeitas astipendiumllZ. Se tentarmos estabelecer quais eram as carac­tedsticas juridicas dessa rela~ao, surpreender-nos-a antes demais nada que 0 stipendium nao fosse destinado em benefi­cio das glebas do patrimonio nacional, que eram adjudica­das aos publicani. A meu ver, essa tributa~ao nao era en­tendida como urn tributo sobre 0 ager publicus, mas antescomo uma contribui~ao.Por outro lado, e certo que essaposse estipendiaria tinha juridicamente 0 valor de proprie­dade do povo romano. De fato, deduz-se da lei que 0 Esta­do podia dispor em parte dela para vendas ou assigna~5es,

pelo que essa situa~ao possessoria, ao contrario dos agri pri­vati vectigalisque, era revogavel; e, sobretudo, infere-se dapropria lei que essas glebas deviam ser reconvertidas em for­mas publicas. Ao que parece, da locu~ao adjuntiva utei ere­publica fuleque ei esse videbitur se depreende que a repre­senta~ao cartografica apresentava caractedsticas particula­res. Efetivamente, a medi~ao ordinaria per centurias nao eraconveniente nesse caso. E, anteriormente (cap. I), avan~a­

mos a hipotese de que se tratava do caso per extremitatemmisura comprehenderel13 , hipotese essa que concorda comaquela que provavelmente era a natureza juddica dessas gle­bas. 0 ager stipendiariorum diferia do ager privatus vectiga­lisque porque este ultimo nao se podia confiscar; vice-versa,diferenciava-se das glebas dadas normalmente em arrenda­mento pela mesma caracteristica que distinguia estas ulti­mas do territorio dos estados stipendiarii, isto e, pela dura­~ao indefinida da posse e pelo imposto fixado juridicamen­teo Portanto, 0 ager stipendiariorum nao estava sujeito aoarrendamento censitirio. Ademais, nao se podia aplicar ne­nhuma medida juddica de prote~ao, nem sequer os interdi­tos possessorios, e a jurisdi~ao romana nao tinha compe­tencia para julgar sobre ele. A meu ver, essa rela,ao era con­cebida assim: em lugar das comunidades, apareciam ante 0

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Estado romano grandes propriX"ario7?de fato, nao se podepensar que as glebas eram subdivididas entre urn grande nu­mero de cultivadores diretos, porque, nesse caso, teriam si­do considerados arrendatarios, como ocorreu na Sicilia) ea esses grandes proprietarios era assignada a area, como nocaso das comunidades, em troca da obriga~ao de uma pres­ta~ao determinada e perpetua em dinheiro ou em especie,sempre em cereais na Africa.

Em conseqiiencia, a posse imobiliaria assignada era con­siderada territorium, razao pela qual nao existiam a~5es ju­diciais a proposito da propriedade desses imoveis, mas ape­nas 0 procedimento administrativo com base na forma, pro­cedimento que os agrimensores conhecem pelo nome de con­troversia de territorio e que levava a execu~ao administrati­va real e a reintegra~ao das divisas legalmente documenta­das l14, como se pode constatar no lidgio, citado no capi­tulo I, entre os patulcenses e os galilenses na Sardenha115.

A disciplina das outras rela~5es juridicas que se verificavamno interior da propriedade imobiliaria cabia ao latifundia­rio; naturalmente, era reservado ao governador 0 poder deintervir, impHcito tambem em rela~ao as comunidades es­tipendiarias quando estavam em jogo os interesses do Esta­do, ou em caso de requerimento por parte de urn interessa­do. A herdabilidade e alienabilidade dessas posses sao mui­to duvidosas. A aliena~ao de urn lote nao tinha valor dian­te do Estado, porque 0 latifundiario ficava sendo 0 unicoresponsavel do stipendium, e veremos as conseqiiencias dis­so no ultimo capitulo. A sucessao hereditaria nao ofereciaduvidas: 0 Estado se responsabilizava por regularnenti-Ia ape­nas a pedido de urn interessado, sempre que houvesse sidopago 0 stipendium. Tambem e possivel que, nas aliena~5es,

fosse necessaria originalmente a comprova~ao da posse, ten­do talvez derivado dai 0 direito de laudemium na enfiteuseposterior. Mais tarde, de fato, temos que, para os maiores

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Desenvolvimentos sucessivos da autonomia localem materia tributdria

Embora seja possivel, com base no que se disse ate ago­ra, que ate 0 come,o da era imperial a tendencia geral, pres­cindindo da situa,ao especial da provincia da Africa, con­sistisse em fixar as presta,oes impostas as comunidades pro­vinciais e em estabelecer assim uma autonomia relativa destasna reparti,ao dos impostos estatais e locais, uma tendencia

latifundiarios da Africa, que nao faziam parte de unioes decomunidades, foram confeccionados no Senado, sob 0 no­me dos latifundiarios titulares, registros pessoais em que seanotavam os direitos que cabiam aos distintos latifundia­rios e, em particular, 0 direito eventual de mercadejar

116•

Dificilmente poderia corresponder a tudo isso uma livre alie­nabilidade. De resto, cada registro pessoal equivalia as atasadjuntas a forma em todas as assigna,oes. Em suma, se nos­sa interpretas:ao ecorreta, as stipendiarii constitulam umacategoria de possuidores analoga, mas nao protegida juridi­camente de modo identico, aos grandes enfiteutas que, se­gundo nossa hip6tese, possuiam 0 ager privatus vectigalis·que. Ebastante significativo que os pequenos proprietarios,fossem eles indigenas ou romanos, nao eram incluidos namesma categoria dos arrendararios revogaveis, enquanto osgrandes proprierarios eram distinguidos por nacionalidadese, fosse qual fosse esta ultima, gozavam de melhores condi­,oes em rela,ao aos primeiros. No ultimo capitulo, falare­mos das conseqiiencias que a figura juridica exposta da pos­se estipendiaria devia ter, e efetivamente teve, para a situa­,ao juridica pessoal dos camponeses. No transcurso da eraimperial, grande parte da provincia foi organizada depoisem comunidades urbanas e especialmente em colonias.

TERRA PUBLICA E POSSE DE DIRE/TO MENOR 157

essencialmente oposta manife1:u-:::to desenvolvimentoulterior da era imperial. Enquanto a provincia da Asia eraindubitavelmente estipendiaria desde a epoca de Cesar e,portanto, 0 tributo era repartido pelas comunidades entreseus pr6prios membros, Higino fala numa passagem mui­to discutida (204) de uma contribui,ao sobre os im6veis porcausa da qual surgiam litigios entre os proprierarios ap6sfalsas professiones; especificando, nessa passagem ele punhaeste fato em rela,ao com 0 tipo de medi,ao do solo. Emsuma devia existir uma contribui,ao sobre os im6veis esta­tais que implicava importantes aHquotas. Ele fala sobretu­do do ager arcifinius vectigalis, repartido segundo as formasde medi,ao romanas, e este sistema era, como se pode ob­servar, 0 que se adotava de maneira esravel. Tampouco asmedi,oes de Augusto podem ter outro significado alem doestabelecimento de tributos sobre 0 solo. As poucas fontesque documentam a existencia de tributos sobre 0 solo, istoe, de impostos que gravavam 0 solo como tal, nao comoparte de urn patrimonio sujeito a uma taxa de imposto fixoe que remontam a uma epoca anterior ao imperio de Cara­cala, referem-se de forma exclusiva as colonias. Este e 0 ca­so da inscri,ao de Arausio, alem da inscri,ao de Cartagonova117 e da passagem do Digesto, com titulo De censibus,que se referem a Cesareia, na Siria118. Se, alem disso, 0 iusltalicum implicava essencialmente a isen,ao do imposto 50­

bre 0 solo, enquanto necessariamente relacionado com a ca­pacidade juridica quiriraria, e se esse ius foi concedido namaior parte dos casas as co18nias, enta.o enecessaria admi­tir que a reparti,ao do solo e a medi,ao, que provavelmen­te constituiam 0 conteudo real da transforma,ao em colo­nia durante a era imperial, estavam ligadas a determina,aode urn montante triburario fixo para cada lote de terreno,de forma analoga ao que sucedeu na Panonia, por cada ju­gada de determinados tipos de cultivo, e a redu,ao das obri-

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ga~oes tributarias para com 0 Estado a esta unica contri­bui~ao sobre os im6veis. Isso era tambem conveniente: ex­cetuando 0 te6rico tributum civium Romanorum, 0 cida­dao romano, durante 0 periodo de Duro do Imperio, naopodia ser gravado por nenhum imposto direto se nao pos­suisse uma gleba sujeita ao tributo sobre 0 solo ou se, emsua gleba, nao houvesse camponesesl19 submetidos a obri­ga~ao da capita~ao, que como quer que seja devia ser adian­tada pelo proprietario.

De resto, sabemos bem pouco sobre a evolu~ao dessasrela~oes e s6 podemos extrair, a partir da design~ao de pro­vinciae tributariae, a hip6tese de que, ali, a regulapo da con­tribui~ao sobre os im6veis experimentou rapidos progres­sos, seguindo a tendencia jo. observada na Panonia. De ou­tro lado, a multiplicidade das rela~oes tributarias resultan­tes da ado~ao dos sistemas tributarios preexistentes conti­nuou subsistindo inclusive depois da reforma de Dioclecia­no, como se infere da Nov. Tbeod. 23, onde a regula~ao dostributos para a Numidia, nao obstante a consolida~ao dedistintas classes de contribui~oes, permitia que subsistissem,um ao lado do outro, tres tipos de presta~oes tributarias:um stipendium fixo em dinheiro, 0 annona e a capitatio. Emparticular, a concessao dos direitos de cidadania por partede Caracala a todos os habitantes do Imperio nao produziuem absoluto a radical transforma~ao suposta por Rodber­tus. Sua import£ncia do ponto de vista tributario, ao me­nos para a propriedade imobiliaria, baseava-se provavelmenteem oferecer as comunidades, ate endo imunes ou estipen­diarias, a oportunidade de fazer uma professio do solo e rea­lizar assim uma reparti~ao diferente dos gravames tributa­rios, igualando possivelmente as notaveis diferen~as de im­postos existentes entre as distintas comunidades. Jana epo­ca de Augusto, come~ou-se a perseguir ambos os objetivos,e essa tendencia durou ate a queda do Imperio do Ociden-

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158 HIST6RlA AGRARIA ROMANA TERRA PUBLICA E POSSE DE~ENOR 159

teo Alem disso, foi uma conseqiiencia da extensao do direi­to de cidadania a todo 0 Imperio 0 intento de estabelecercriterios unitarios para as declara~oes que os proprietarioseram obrigados a fazer nas distintas comunidades por oca­siao da professio para 0 census.

A contribuir;/io sobre os imoveis na epoca de Ulpiano

Como escreve Ulpiano no livro De censibus, publicadoprecisamente na epoca dessa reforma (segundo supoe cor­retamente Rodbertus), estas declara~oes eram efetuadas combase no modelo daquelas outras, vo.lidas para as glebas pro­vinciais sujeitas ao vectigal, segundo a descri~ao feita porHigino. Era necessario declarar120 0 numero de jugadas deterreno anlvel cultivadas no transcurso dos ultimos dez anos,o numero de vides e oliveiras, 0 numero de jugadas dedica­das a prado, pasto e bosque.

Jo. que Ulpiano escreve "omnia ipse, qui defert, aesti­met", podemos deduzir que se tentou aplicar no metodode taxa~ao das provincias 0 antigo principio da declara~ao

pessoal do tributum civium Romanorum, com uma regula­menta~ao tomada possivel pelas declara~oes sobre 0 tipode cultivo, regulamenta~ao aproximada por causa da relati­va liberdade de que se desfrutava na expedi~ao das declara­~oes. Tendia-se, pois, a urn sistema unitario de avalia~ao paraas contribui~oes em dinheiro sobre os im6veis; com basenum sistema semelhante, ter-se-ia podido distribuir 0 tri­buto simplesmente segundo uma taxa por mil, como sim­plum, duplum, etc. A prop6sito disso Rodbertus citou pre­cisamente urn trecho de Lampddio121 interpretado pelomesmo de forma muito convincente. Mas 0 alcance da re­gulamenta~ao e a medida em que foi aplicada sao muito in­certos, como atesta a passagem citada a prop6sito da Nu-

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Ordenamento dioclecianiano cia contribui,iio sabre as imoveis

midia. Essa regulamenta~ao, especialmente se for entendi­da no sentido ja exposto, nao teve exito como tentativa deobter das declara~oes do contribuinte uma avalia~ao espe­dfica real dos bens sujeitos a impostos. De fato, no ordena­mento dioclecianiano nao se consideravam ditas declara~oes;

ademais, a regulamenta~ao citada nao concordaria com ainforma~ao de Ulpiano, segundo a qual fixaram-se perlo­dos medios mais longos e se aspirava, portanto, ao que pa­rece, a fixar de maneira esrave! 0 estado do patrimonio re­gistrado no cadastro. A reforma dioclecianiana re!acionou­se provave!mente com esta concep~ao. Por certo, como tam­bem se deduz das fontes juridicas, afirmou-se definitivamenteo prindpio de que toda posse imobilihia devia estar sujeitade iure, ainda que gravada por outros encargosl22, acon­tribui~ao sobre os imoveis.

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r-;TERRA PUBLICA E POSSE DE DIRElTO MENOR

to que se possa comparar ao proprio iuguml24 . Contudo,na maior parte das ocasioes, procedia-se considerando os sig­nificados dos dois termos, iugum e caput, como absoluta­mente identicos, com 0 que naa sabemos, na pra.tica, expli­car essa contradi~ao. Talvez pudessemos formular uma hi­potese nao inverossimil sobre como era verdadeiramentea situa~ao, tendo em mente os antecedentes a partir dos quaissurgiu 0 sistema de reparti~ao adotado por Diocleciano eas circunsdncias a que esse sistema teve de se adequar, doponto de vista tributario.

Durante a era republicana e sob os primeiros impera­dores, 0 termo iugum, no sentido de "par de animais enju­gados", apresenta-se-nos re!acionado com os servi~os obri­gatorios que os particulares tinham de prestar, em parte antea propria comunidade, em parte por causa da rela~ao queos ligava ao propriethio das terras. A reparti~ao dos grava­mes publicos nas antigas colonias de cidadaos, como atestaa lex coloniae Genetivael25 , baseava-se - prescindindo doservi~o militar, regido por prindpios espedficos - na obri­ga~ao dos cidadaos de realizar presta~oes em especie, a pe­dido das autoridades, em determinada medida por pessoae por cabe~a de animal de tiro. Dado que a colonia refletiaa capital tal como fora nos tempos mais antigos, essa situa­~ao tambem deve ter-se verificado em Roma. No estatutode Urso (que provave!mente representa 0 caso tipico), fixava­se urn maximo de jornadas de servi~o obrigatorio por pes­soa e por pares de animais de tirol26. Como quer que seja,o pater familias, quando estava em condi~oes de fornecerum par de animais de tiro, devia po-Io adisposi~ao, do mes­mo modo que toda pessoa a partir de certa idade dependentedele (filius familias, escravos, etc.) e e!e proprio estavam sub­metidos ao servi~o obrigatorio. De forma analoga, nas gran­des posses imobilihias, os camponeses arrendathios eramfor~ados, em razao do numero de animais de tiro que pos-

HIST6RIA ACIVlRIA ROMANA

o ordenamento tributhio dioclecianiano tinha comoponto de partida, como e bem sabido, 0 mesmo intento deefetuar um registro cadastral que tornasse possive! uma re­parti~ao dos impostos, determinando simplesmente 0 va­lor das aHquotas. Com esse fim, instituiu com os iuga e oscapita unidades triburarias de igual valor. De fato, caput eiugum eram usados, ambos, de maneira absolutamente iden­tica e, portanto, nao ha duvida de que supunham a mesmaimport£ncia em dinheiro. Em compensa~ao,e dificil expli­car qual era a sua forma. De um lado, uma informa~aol23afirma expressamente que 0 iugum era uma hea de dimen­soes variaveis segundo a natureza do terreno e que deviacorresponder a superficies preestabe!ecidas. De outro, en­contramos observa~oes referentes ao caput com base nasquais nao conseguimos imaginar nenhum objeto de tribu-

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disso, a servi~os pessoais que concerniam a eles proprios eaos membros de suas famHias l27. Quando as comunidadesquiseram passar a uma economia monetaria e substituir osservi~os em especie por impostos pecuniarios, ou quandose advertiu a necessidade de cobrir, mediante uma imposi­~ao de tributos, determinadas exigencias a que era impossi­vel satisfazer com presta~oes em especie, esses objetivos pu­deram ser alcan~ados principalmente substituindo as pres­ta~oes em especie por uma determinada presta~ao em di­nheiro ou por outros tipos de tributo para cada par de ani­mais de tiro (iugum), ou por cada pessoa (caput). Nao sepode excluir que se houvesse verificado, em Roma, urn pro­cedimento de reparti~ao tributaria similar a esse. Algumasvagas referencias a tentativas empreendidas por Tarquiniopara introduzir ou repor em vigencia urn sistema tributa­rio segundo 0 qual todo cidadao era gravado em igual me­dida por urn imposto pro capite128 confirma-lo-iam. Esse ti­po de reparti~ao tributaria e concebivel, como quer que se­ja, no caso de uma comunidade agricola e, de fato, os bensque desde os tempos mais remotos eram declarados parao census eram precisamente os animais de carga e de tiroe os escravos, alem, naturalmente, das pessoas dos cidadaoslivres sujeitos a potestasl29. Na essencia, esse sistema nao de­via ser muito diferente da reparti~ao com base no direitode participa~ao dos particulares nos terrenos da coletivida­de, ja que dita participa~ao tera sido proporcional aos ani­mais e mao-de-obra utilizados. Se antigamente a lista do cen­so nao incluia a posse imobiliaria, ela s6 podia servir paraa reparti~ao dos servi~os obrigatorios. N a realidade, a fa­cuIdade de inscri~ao no censo implicava 0 registro no in­ventario das pessoas sujeitas ao servi~o obrigatorio. Como. , ,. . .quer que seja, e certo que, a parte ISS0, sempre eXlstlu urnregistro das heran~as para a comprova~ao dos membros ti-

tulares da coletividade e que esse registro estava relaciona­do com 0 census. Talvez as registros tenham existido inde­pendentemente, urn ao lado do outro, como depois a re­gistro eleitoral e 0 dos impostos. De fato, 0 registro das he­ran~as era importante sobretudo para as direitos poHti­cos130. Mas, provavelmente, isso nao tardou a par em re­la~ao a reparti~ao tributaria com a entidade do direito departicipa~ao. Quando reapareceu a tributa~ao com base nosiuga no sistema tributario de Diocleciano, era antes de maisnada urn imposto pela posse imobiliaria; a rela~ao com ospares de animais de tiro consistia, se quisermos, na capaci­dade de possuir esses animais, e nao na posse efetiva. Indu­bitavelmente, os proprietarios a quem, com base em dispo­si~oes administrativas (sabre as quais voltaremos no ulti­mo capitulo), correspondiam as presta~oes referentes a es­ses animais atinham-se a essa obriga~aol3l.

Em seu significado original, 0 tributum romano era urnimposto em razao da posse imobiliaria e dos bens a ela ati­nentes. Em sua forma sucessiva, incidia sobre cada mil ases(urn caput)132 do capital tributavel do cidadao, determina­do com base na professio para 0 census, com urn montantevariavel segundo as exigencias financeiras. Como ja ressal­tou Huschke ("Richters und Schneiders krit.Jahrb.", XVIII,p. 617), tanto no capital cadastral de mil ases, como na clas­sifica~ao militar em centurias, tratava-se originariamente deuma taxa de cambio oficial para 0 patrimanio imobiliario.No entanto, parece-me correto admitir que se tratava emsua origem de uma medida avaliada para determinada su­perHcie. Todas as analogias demonstram, em compensa~ao,

que se tratava de uma medida em razao do direito de parti­cipa~ao, isto e, da cota133 de terreno aravel, de pasto, etc.,correspondente ao titular individual da comunidade agri­cola. Qualquer tipo de posse de lotes agricolas que nao es­tivesse relacionada com 0 ordenamento coletivista, como

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ja vimas no capitulo II, provavelmente nao era protegidocivilmente e nao tinha faculdade de census. 56 quando tam­bem quem nao era membro da coletividade obteve uma pro­te,ao real com a concessao do usucapiao e, portanto, quan­do se desagregou 0 ordenamento coletivista, teve-se de pro­ceder a conversao em dinheiro com base numa avalia,aodas areas cultivaveis. Tendo-se feito necessario estimar dealguma forma os terrenos pela desagrega,ao das coletivida­des agricolas, essa avalia,ao foi provavelmente posta comobase do census, equiparando os direitos de participa,ao decada membro titular da caletividade a um numero deter­minado de capita por cada mil ases e assignanda-lhes ummodus agri correspondente ao numero de simpla que en­travam em sua cota, apos uma estimativa dessa ultima; as­sim, os mil ases correspondiam a areas de dimensees distin­tas segundo 0 valor da estima,ao do terrena em questao.Era precisamente esta a natureza juridica do iugum no or­denamento tributario dioclecianiano. A avalia,ao em dinhei­ro possibilitou, ademais, a tributa,aa dos bens patrimoniaisdistintos da posse imobiliaria e dos lates nao registrados nocadastro pela exigiiidade de sua area, isto e, dos aerarii, se­gundo um parametro identica. Tudo isso tambem esta pro­vado pela pena de expulsao do colegia dos tribulos deter­minada pelos censores, habitualmente ligada a um aumen­to da taxa do census do castigado, do que se deduz que tam­bem as aerarii estavam sujeitos a imposto segundo 0 mes­mo criterio. N aturalmente, para os aerarii, 0 caput de milases naD correspondia a uma area real, mas representava umaquota cadastral ideal. Esse direito de tributa,ao, que impli­cava urn autentico impasto sabre a patrimonio, tomou for­ma gradativamente e nao sabemos que nivel de desenvolvi­mento alcan,au. Como indica a locu,ao capite censi adota­da para os cidadaos sem posses imobiliarias registradas no ca-

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165TERRA PUBLICA E POSSE DE DIRElW MENOR

Os iuga e os capita ea reparti,ao dos impostos nas provincias

A refarma dioclecianiana derivau da exigencia de dis­par de uma unidade de medida geral para a distribui,ao dasimpastos em todo 0 Imperio, medida analoga a encontradapor Carlos Magno para uma parte de seu imperio nas Hu­fen alemas. Diacleciana tentau fixa-la provavelmente numimpasto de mil aurei. Antes de mais nada, foi unida as pres­ta,ees abrigat6rias com animais de tiro (iuga) e ao concei­to de capacidade de dispar de ditos animais. 0 praprieta­rio fai abrigada aa tributa em razaa dessa capacidade deseus colanas, au entaa em razaa da quantidade de animaisde cria,aa em suas terras; ademais era abrigada a pagar aimpasto de capita,aa (capitatio plebeia) par seus escravase par todas as autras pessaas que prestassem servi,as emsua fazenda134 Por certo, os iuga naa eram medidas dire­tamente sabre 0 terreno; avaliava-se em compensas:ao 0 nu-

dastro, esse direito de tributa,ao substituiu um procedimentoque fazia um ral desses cidadaas pro capite e submetia-osequamente, se nao ainda aos impostos, aos servi,os obriga­torios. Em conclusao, 0 tributum era, em todo caso, umaforma de tributa,ao da posse imabiliaria que, na sua ori­gem, incidia sabre as cotas de participa,ao, mais tarde sa­bre todo 0 patrim6nio, e nao era uma contribui,ao sobreas imoveis para as distintas areas concretas, como as vecti­galia. 0 vinculo que inter-relacionava 0 tributum e 0 vecti·gal era absolutamente analago aquele existente entre a mo·dus do ager privatus assignada e a locus da posse de bensdo patrimonio nacional e aquele outro, entre 0 imposto so­bre a cota de participa,aa e os tributos sobre os lotes isola­dos. Alem dissa, a tributum representava um imposto ge­ral imperfeita sabre 0 patrimonio.

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mero de iuga pelos quais 0 possuidor respondia globalmen­tem. Na gleba, que pagava urn vectigal segundo a catego-

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na a que pertenCla, 0 !ugum se eqUiparava a urn numerodeterminado de jugadas das distintas categorias segundo 0

valor correspondente, depois media-se no terreno (emensum),ou se reagrupavam determinados lotes em iuga para efetuaruma representa,ao topografica. Quando a tributa,ao afeta­va comunidades que, ate entao, so haviam pagado urn sti­pendium global, provavelmente limitavam-se a equiparar aimpordncia total devida pela comunidade a urn numero de­terminado de simpla, deixando apropria comunidade a ta­refa da arrecada,ao. Nesse caso, 0 valor do caput era expressosimplesmente mediante uma cifra, sendo provavel que essetermo de caput tenha-se mantido junto ao de iugum preci­samente nesses casos, enquanto habitualmente capitatio de­signava 0 imposto provincial de capita,ao. Assim se expli­ca a incongruencia das fontes a que fizemos referencia136.

Toda a reforma procedeu com certa lentidao, mas nao foilevada a cabo, ou melhor dizendo, em prindpio tambemse observam retrocessos. Por causa do desconcerto finan­ceiro das provlncias, foi necessario prescindir ocasionalmentedas avalia,oes oficiais e distribuir entre as provincias 0 mon­tante tribut"-rio global com base em suas declara,oes sobresua propria capacidade contributiva. Com respeito aMace­donia e aAsia, isso est"- confirmado por urn trecho1J7 daepoca de Teodosio II (424 d. C.), alem daquele ja citado aproposito da Numidia. Esse ultimo trecho atesta, ademais,que, na Numidia, a reforma, entendida como aplica,ao dosistema das cotas tributarias, ficou muito para tras: aparteos outros tributos fixados, a Numidia inteira so pagava 200capita. N a Africa, 0 d.lculo ainda era efetuado segundo ataxa de vectigal das centurias, que inclusive talvez remon­tasse, como ja notamos, aepoca dos Gracos138. Finalmen­te, 0 trecho citado confirma que, entao, ainda existia uma

Supressao da autonomia das comunidades

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167TERRA PUBLICA E POSSE DE DIREITO MENOR

diferen,a de tributa,ao entre as colonias e as outras comu­nidades. De fato, 0 estatuto das colonias de Rusicade e Chul­lu, que est"- em parte viciado de maneira indecifravel, pres­supoe uma forma especial de tributa,ao com urn simplumcadastral unitario, para 0 qual estavam previstas disposi,oesparticulares139.

A reforma dioclecianiana continuou em geral 0 processode unifica,ao dos distintos tipos de impostos. Antes de maisnada, aplicou-se em grande escala a tributa,ao estatal diretadas glebas. A autonomia tributaria das comunidades esti­pendiarias sempre havia existido de maneira precaria, tam­bern no caso daquelas a que era confiada a arrecada,ao dotributo. Dado que, enquanto coletividades, constituiam urnobjeto unitario de tributa,ao, nao se admitia nenhuma mo­difica,ao do status da coletividade (por exemplo, 0 distan­ciamento do centro habitado)140 sem 0 consentimento daautoridade estatal. Mas 0 prindpio geral da autonomia tri­butaria na distribui,ao dos impostos estatais foi limitadocada vez mais. A autonomia derivou da emancipa,ao dascomunidades da classe dos publicani. Na era constantinia­na, encontramos abusos nos criterios de distribui,ao dosimpostos, abusos que tinham sua razao de ser na constitui­,ao timocratica ou plutocratica das comunidades141. As co­munidades tambem estavam submetidas precedentementea urn controle no interesse de uma reparti,ao justa dosgravames142; durante 0 imperio de Constantino, foram in­troduzidos modulos regulamentares para a confec,ao daslistas de impostos143. Por ultimo, os decurioes foram priva­dos em parte da tarefa de repartir e arrecadar os impostos144e, portanto, levou-se a cabo a tributa,ao direta por parte

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Unifica,ao das contribui,oes sobre os imoveis

Das fontes, podemos deduzir com clareza a progressi­va unifica~ao das contribui~oes sobre os imoveis. 0 foroenfit&utico dos grandes enfiteutas da era imperial, os vecti·

do Estado. Em que pese a isso, as comunidades continua­ram sendo responsaveis pelo montante tributario de sua cir­cunscri~ao, que deviam pagar mediante urn stipendium glo­baJ145. Ja que os decurioes deviam arrecadar os impostos e,eventualmente, antecipa-Ios, e dado que, alem dos decurioes,faziam parte da classe dos possessores146, a garantia que elesdeviam dar pelos impostos era, ja de per se, urn encargo queincidia sobre suas glebas147; e os pequenos proprietarios, dosquais se arrecadavam as impastos pro rata, vieram a encon­trar-se ante 0$ decurioes, como veremos no ultimo capitu­lo, numa situa~ao analoga it dos colonos de urn grande im6­vel ante 0 proprierario da fazenda, que antecipava seusimpostos148. Formou-se, assim, dentro e fora dos munici­pios, uma classe de possessores que estavam diretamente obri­gados ante 0 Estado e outra classe, formada por plebeii, triobutarii, coloni, que, em compensa~ao, so 0 estavam indire­tamente. Os possessores distinguiam-se conforme tivessemou nao obriga~oes ante a curia. Os possessores mais endinhei­rados tentaram por todos os meios separar suas posses imo­biliarias dos vinculos das comunidades. Como a tentativateve &xito, ao menos em parte (para os senadores, comple­tamente)149, a oneroslssima carga da responsabilidade tri­butaria recaiu essencialmente sobre os medios proprietarios,levando-os em grande parte a quebrar. A conseqii&ncia foique os bens abandonados por eles foram assignados as curiasdas comunidades150 e dados por estas, na medida do possi­

vel, em arrendamento.

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169TERRA PUBLICA E POSSE DE DIREITO MENOR

Em virtude do direito de autoriza~ao aaliena~ao de ter­renos sujeitos a vectigal, a administra~ao fiscal e, em todocaso, a administra~ao do patrim8nio privado imperial pro­vavelmente mantiveram sempre em vigor 0 principio de que,nas aliena~oes particulares de uma gleba enfit&utica, nao seseparassem dela lotes produtivos, de forma que a parte per­manente ja nao estivesse em condis:oes de sustentar sua co­ta de imposto. 0 comprador de uma parte da gleba era an­tes obrigado a assumir os gravames relativos a toda a pro­priedade. Depois, generalizou-se esse procedimento, que seestendeu a tal ponto que quem quer que tivesse adquiridouma gleba de outro podia correr 0 risco de que the adjudi­cassem mediante E1r,{30A~ os encargos de todas as outras pos-

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galia fixos dos antigos enfiteutas de bens do patrim8nio na­cional, 0 stipendium em troca do qual eram assignadas as possesimobiliarias, os vectigalia dos agri scamnati provinciais, to­dos esses tributos foram assimilados, na pratica, e unificados,na medida do possivel, no unico conceito de tributum soli151•

So conservaram 0 valor de categorias distintas de glebas su­jeitas a tributo152; mais ainda, em certas circunstancias,"transladava-se" uma gleba de uma categoria a outra153. Nes­se caso, as caraeterlsticas jurfdicas da primeira categoria eramaplicadas aoutra. Ja vimos que sem 0 consentimento da au­toridade fiscal nao se podia efetuar nenhuma inova~aona ges­rao econ8mica que tivesse implicado uma professio numa ca­tegoria tributaria menos onerosa, de forma analoga ao quesucedia nas rela~oes de arrendamento. U ma figura juridicaque mais tarde tornou-se de uso corrente, enquanto inicial­mente so era adotada nas enfiteuses publicas, especialmentena era imperial, e a chamada E1r,{30A~154.

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ses imobiliarias do vendedor155. As glebas tribud.veis aban­donadas eram deixadas livres para ocupa,ao, como 0 anti­go ager publicus, ou eram adjudicadas a propried.rios limi­trofes inclusive contra a sua vontade156. Origem analoga te­ve a figura da peraequatio. Quem possuisse, como arrenda­tario da fazenda publica estatal ou do imperador, muitasglebas em troca de urn foro de arrendamento nao podia evi­tar que a administra,ao publica repartisse a importancia glo­bal dos arrendamentos de diferente maneira sobre as dis­tintas glebas, por razoes de contabilidade, ou que, em casode cessao de uma das glebas ou de uma parte da mesma,adotasse esse criterio para a reparti,ao do arrendamento en­tre os possuidores do momento. Provavelmente advertiu­se mais de uma vez a necessidade de uma reparti,ao maisracional. Ja vimos que, no ager privatus vectigalisque e nasgrandes glebas do patrim8nio nacional assignadas aos man­cipes, 0 elemento variavel era representado pelo imposto desucessao e que 0 vectigal era determinado equamente proiugerum na base da lex dicta. Embora calculado com baseno iugerum menos produtivo, devia ser igualmente nod.­vel a disparidade no nivel do gravame permanente. Por es­se motivo, a administra,ao publica aspirava conseguir umareparti,ao uniforme baseada na produtividade157, como sededuz das fontes no caso das centurias africanas dadas emenfiteuse158. Mas uma figura semelhante fez-se necessaria pa­ra todos os terrenos sujeitos a imposto. Nas comunidadesestipendiarias, onde 0 Estado determinou 0 criterio de re­parti,ao dos tributos por meio de regulamenta,oes, ou dis­so se encarregou diretamente, essa medida teve, sem duvi­da, a natureza de uma peraequatio e foi, de fato, designadacom esse termo. 0 possuidor aspirava, por urn lado, a fixaro montante do imposto das distintas glebas, como nas mo­dernas contribui,oes sobre os imoveis; por outro lado, 0

sistema dos iuga tinha provavelmente a finalidade de poder

171TERRA PUBLICA E POSSE DE DIRE/TO MENOR

Impostos especiais junto a iugatio

arrecadar de urn simplum cadastral uma soma maior ou me­nor, segundo as necessidades. Naturalmente, esses dois pon­tos de vista chegavam a urn acordo; dada a soma relativa­mente elevada da tributa,ao imobiliaria, uma organiza,aocadastral como a desejada por Diocleciano so era possivelefetuando revisoes periodicas da cota das distintas glebas.Com esse fim, foi adotada a peraequatio159, isto e, uma re­visao do sistema de iuga nas distintas areas, e por isso aceitou­se que 0 iugum pudesse variar dentro de certos limites. A1emdisso, tambern tornou-se valido para 0 antigo ager privatuso principio, antes vigente apenas para as glebas sujeitas avectigal, de que a aliena,ao dos lotes fosse precedida de umareparti,ao da carga tributaria entre esses lotes distintos160e que por ocasiao de qualquer aliena,ao se fizesse uma de­clara,ao as autoridades fiscais, convidando-as a transcrevera capitatio em nome do novo possuidor161 . Ligava-se a es­se procedimento a supressao da mancipatio, que ja nao eraadmissivel, dado que as glebas eram gravadas em fun,ao dasuperficie e, portanto, do locus.

Trataremos por mais tempo da reforma dioclecianiana;56 nos interessava par em evidencia que, ao menos em par­te, suas caraeteristicas consistiam numa simples combina­,ao de distintos tipos de contribui,oes sobre os imoveis deepocas precedentes. Por causa das nod.veis diferen,as entreditas rela,oes tribud.rias, a reforma nao foi capaz, nem te­ria podido ser, de chegar a urn sistema tribud.rio unitario.Portanto, a tentativa de relacionar harmoniosamente comurn unico principio todas as distintas passagens tiradas dasfontes so pode ser conseguida de maneira muito aproxima­tiva. A rela,ao dos distintos terrenos e dos variados tipos de

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Tributos em especie. Adaeratio

posses imobiliarias em refer&ncia a iugatio provavelmentefoi configurada de diferentes maneiras segundo as localida­des. 0 unico criteria unid.rio consiste em extrair as conse­qii&ncias das rela,aes de posse imobiliaria ja existentes, es­pecialmente a tend&ncia de distribuir os impostos em fun­,ao das posses imobiliarias patronais.

De resto, nao e necessario explicar que nossas observa­,aes nao pretendem representar urn exame exaustivo do sis­

tema tributario imobiliario.

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173TERRA PUBLICA E POSSE DE DIRElTO MENOR

Era 0 caso dos pequenos proprietarios que cultivavam di­retamente seus campos. Por esse motivo, considerou-se opor­tuno as vezes proibir a conversao dos tributos em especieque incidiam sobre os latifundiarios e sobre as comunida­des em tributos em dinheiro (adaeratio). De fato, nesses ca­sos, as presta,aes pecuniarias a que eram obrigados, de to­das as maneiras, os camponeses dependentes dos latifundia­rios e das comunidades ter-se-iam feito demasiado pesadas.Os esfor,os dos grandes proprietarios tendiam, ao contra­rio, a fixar suas obriga,aes numa renda pecuniaria fixa, 0

que, na pratica, equivalia na maior pane dos casos a umaredu,ao de seus gravames163• Ja sublinhamos que os sena­dores e outras categorias de possessores obtiveram a con­versao em presta,ao pecuniaria, inclusive para a obriga,aode facilitar recrutas.

o aspecto mais pesado das presta,aes em especie con­sistia na obriga,ao de transpone ate os centros de consu­mo, a que eram destinados. A prop6sito disso, e significati­vo que 0 termo vectigalia derive gramaticalmente de vehi(Mommsen traduz por Fuhren); todavia, na epoca em quesurgiu, tratava-se de distancias irrelevantes. N a era impe­rial, em compensa,ao, 0 custo do transpone dos tributosem especie expressos em dinheiro era seguramente superiorao valor das mercadorias transponadas, na medida em quea distancia a cobrir por via terrestre era de cena magnitude.As dificuldades e os impedimentos chegaram provavelmenteate 0 ponto em que a administra,ao publica renunciou avaler-se da media,ao especulativa e do capital dos grandesarrendatarios dos impostos, assumindo diretamente toda aorganiza,ao referente aos tributos em especie e tornando,por isso, muito mais diHcil a adequa,ao as conting&nciasvariaveis das colheitas agrlcolas. Alem disso, a administra­,ao publica substituiu a pressao fiscal de parte de uma bu­rocracia hipenrofiada, intoleravel por causa da considera-

HIST6RIA AGMRIA ROMANA

Ate agora s6 fizemos refer&ncia ao amplo e complexosistema dos tributos em especie e nao examinamos a rela­,ao entre estes e os tributos em dinheiro. N a aplica,ao dareforma dioclecianiana foi preciso renunciar sem mais tar­dar a tentativa de incluir entre as glebas sujeitas a tributoaqueles terrenos que eram obrigados a oferecer presta,aesem especie, por isso estabeleceram-se numerosas exce,aesao principio geral de proporcionalidade do imposto sobreo patrim6nio. Por outro lado, ocasionalmente, quem eraresponsavel por determinados gravames fiscais era isento deoutros encargos gerais; por exemplo, quando eram taxadosos bens dos decuriaes, estes podiam ser dispensados ate mes­mo da obriga,ao de fornecer recrutas162• A reforma diocle­cianiana teve de admitir, pois, por toda parte, uma tributa,aoespecial para determinadas categorias de possuidores. As ve­zes, os tributos em especie foram considerados como urnsuplemento da iugatio, como 0 antigo [rumentum emptumdas provincias na era republicana; outras vezes conserva­ram seu antigo valor de cotas de produ,ao.

Em geral, nao teria sido correto afirmar que os tribu­tos em especie eram menos pesados que a tributa,ao fiscal.

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Tributarao sobre a riqueza movel

Nao examinamos a rela~ao entre a capita~ao nas pro­vlncias e a sucessiva capitatio, na medida em que esta tinhaa natureza de imposto patrimonial. Parece certo que, antesde Diocleciano, 0 tributum capitis era simplesmente 0 tri­buto provincial de capita~ao e que, precisamente, incidiaem igual medida sobre os trabalhadores livres e os colonos,sobre os escravos e sobre os animais de tiro pro capitel64,em correspondencia com os servi~os obrigatorios. Diocle­ciano trouxe, nesse campo, uma unica modifica~ao: atencio-sea tendencia ja consolidada165, fez com que tambern se in­clulsse 0 gada menor166 no inventario para a iugatio. Suareforma foi uma reforma da contribui~ao sobre os imoveis e

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175TERRA PUBLICA E POSSE DE DIRE/TO MENOR

nao e provavel que quisesse abarcar tambern 0 patrimoniomove!. Nao conhecemos as normas tributarias atinentes aesse patrimonio; e de se supor que, em geral, essa categoriade bens era gravada por "impostos objetivos". 1sso nao ex­clui que se procedesse de maneira diferente segundo as 10­calidades, especialmente naquelas em que as comunidadesrepartiam entre seus membros 0 montante tributario glo­bal antecipado por e1as. Como quer que seja, essas rela~oescomplexas, cujo exame pressupoe uma analise historico­tecnica da estrutura do mundo do trabalho no Estado ro­mano, nao podem ser incluldas numa pesquisa de historiaagraria.

Unificarao do direito de posse imobilidria

Para concluir 0 tema, resta-nos constatar por ultimo co­mo, a tentativa dioclecianiana de unifica~ao das contribui­~oes sobre os imoveis, correspondeu uma equipara~ao apro­ximada dos direitos de posse imobiliaria. Essa equipara~aofoi efetuada essencialmente no que concernia as formas deaquisi~ao da propriedade e ao direito de hipoteca no planoda propriedade bonitaria do locus. No que concernia as nor­mas do usucapiao, baseava-se na norma especial criada parao ager privatus separado. Por ultimo, no direito romano dapropriedade, teve lugar uma generaliza~ao caracterlstica dosprindpios juddicos, surgida das abstra~oes teoricas dos ju­ristas romanos, cuja raiz deve ser especificada nas rela~oes

demasiado racionais do antigo direito agrario romano, de­saparecidas desde ha muito no transcurso da era imperial.A passagem das posses estipendiarias e triburarias a esse iusgentium verificou-se em parte por meio dos editos dos go­vernadores provinciais e da legisla~ao imperiaJ167, baseando­se em parte na praxe judicial e na interpreta~ao dos juristas

HIsr6RIA ACIURIA ROMANA174

vel desorganiza~ao, pela pressao igualmente gravosa dos gran­des arrendadrios, sem conseguir introduzir, como quer queseja, grandes criterios unidxios na gestao, dadas as Dume­rasas competencias especiais dos distintos encargos, princi­pais ou secundarios, enquanto os grandes arrendatarios ha­viam alcan~ado, em compensa~ao, este mesmo objetivo. Ostftulos do Codex Theodosianus referentes as presta~oes emespecie atestam com bastante clareza quao pesada era a obri­ga~ao do transporte. N a realidade, urn sistema semelhantenum Estado rao extenso e com os meios de transporte daepoca devia apresentar enormes dificuldades pr:\ticas (porexemplo, tambem na organiza~ao militar foi preciso subs­tituir a troca de recrutas, em vigor ate a epoca de Adriano,pela circunscri~ao local). 0 Estado romano encontrou en­tao as mesmas dificuldades diante das quais Henrique IVda Saxonia tambem foi obrigado a render-se. A solu~ao doproblema so podia ser encontrada no fracionamento do ter­ritorio em regioes autonomas.

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177TERRA PUBLICA E POSSE DE DIREITO MENOR

nalmente, todas as possessiones eram protegidas civilmenteconforme a locus e contra atos atentatorios bern determi­nados. A isso correspondia sua medi~ao em strigae e scam­na: 0 magistrado com compet&ncia podia dispor a assigna­~ao da gleba concreta delimitada com certi rigores, enquan­to nas assigna~oes baseadas no modus tal coisa nao era pos­sive!. Nao sabemos se, em rela~ao a actio Publiciana, dispos-seuma prote~ao de direito civil do locus em algumas catego­rias de terrenos nao passiveis de usucapiao; provavelmen­te, isso naa ocorreu na maioria dos casas, ja que a caracte­ristica essencial da a~ao concernente ao ager vectigalis mu­nicipal consistia na possibilidade de recorrer tambern con­tra 0 municipio. Tratava-se, pois, de uma prote~ao absolu­tao Pelo contrario, quem estava sujeito a impostos estataisso podia esperar de parte do Estado ou de parte dos exato­res uma cognitio da magistratura, ou, no caso mais favora­vel, urn procedimento de recuperatio; determinadas catego­rias de possessores, por exemplo, os stipendiarii da Africa,so podiam recorrer ao procedimento administrativo extraor­dinario da controversia de territorio. Em outros casos, co­me~aram-se a considerar as condi~oes de posse da terra pu­blica segundo os mesmos criterios agrimensorios da posseimobiliaria de pleno direito. 0 ager privatus vectigalisqueera medido em centurias; a venda dos terrenos se dava emfun~ao do modus; provavelmente tambem a tributa~ao doforo fazia-se em fun~ao do modus. Os agrimensores men­cionam, ademais, a aplicabilidade da controversia de modoaos agri quaestori e vectigales, caso em que se tratava efeti­vamente de urn procedimento administrativo. Mas tudo is­so nao teve desdobramentos ulteriores, ja que 0 principiodo modus caiu em desuso ate no ager privatus. Como disse­mos anteriormente, ja na epoca de Augusto e de Tiberio,ele assinalou a aboli~ao da antiga natureza do ager assigna­tus, apos a disposi~ao que ordenava a delimita~ao das divi-

HIST6RIA AGMRIA ROMANA

e, em parte tambem, depois de Diocleciano, mediante a su­pressao dos ultimos restos dos antigos privilegios concedi­dos com 0 ius ltalicum por obra de Justiniano168

• A legis­la~ao justiniana eliminou escrupulosamente todos os restoSdas antigas diferen~as.

Nao continuaremos agora essa exposi~ao, porque, noestado atual das fontes, nao e possivel determinar a epocaem que as distintas categorias de posses de direito menorforam submetidas as normas gerais do ius gentium. Vespa­siano concedeu a Espanha 0 ius Latii (Latinitas), com exce­~ao do direito de tributa~ao; provavelmente, dai derivoua aplica~ao geral das normas do direito real bonid.rio ra­mano. Efeitos iguais provocou a organiza~ao gradual da Afri­ca em colonias e outras comunidades cidadas, dentro doslimites em que se estendeu essa organiza~ao. Isso se deduzda concessao uniforme de a~oes judiciais pelos editos dosgovernadores provinciais. De resto, esses editos provavel­mente nao continham, na epoca de Adriano, como susten­ta Lenel, uma formula unitaria para todos os praedia stipen­diaria e tributaria. Sua natureza juridica era diferente. Leve-seem conta que, na Africa, existiam aO mesmo tempo os ter­ritorios das civitates liberae, objeto do ius peregrinum, as areasassignadas em Cartago, objeto do direito privado romano,os latifundios dos stipendiarii, abandonados ao arbitrio dolatifundiario com possiveis interven~oes do governador, osagri privati vectigalisque, objeto de uma norma mista, pri­vada e administrativa, e finalmente as glebas dadas em ar­rendamento, objeto de uma norma puramente administra­tiva. Na pessoa do governador provincial, confluiam as fun­~oes diretoras, tanto administrativas como jurisdicionais,que, na pratica, em raras ocasioes foram separadas; mais ain­da, tambem na promulga~ao dos editos estavam intimamenterelacionadas. Todas essas condi~oes de posse tinham umaunica caracteristica COllum: a de serem possessiones. Origi-

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Capitulo IV

A ECONOMIA AGRARIA ROMANA E AS GRANDES FAZENDAS

PATRONAIS DA !DADE IMPERIAL

Desenvolvimento da atividade agricola

Dado que neste capitulo trataremos principalmente deurn fenomeno da idade imperial, agora so lan~aremos urnrapido olhar retrospectivo nas condi~oes da agricultura dostempos mais antigos. Nao tentaremos, pois, expor uma his­toria geral do desenvolvimento agricola romano, tomandocomo ponto de partida os resultados das escava~oes nos po­voados de palafitas e as geniais pesquisas de Hehn e He!­big, a partir das mais antigas assigna~oes. Na epoca histori­ca, a agricultura romana, que nos e descrita pe!os Scriptoresrei rusticae, nao apresenta nenhum tra~o insolito. Muito em­bora se tenha afirmado as vezes que os romanos introduzi­ram na Alemanha a economia dos tres cultivos'~, isso ja ehoje inadmissive!, pois dita economia, na forma em que po­deriamos admiti-la para as condi~oes da antiga Alemanha,

* Sistema de cu1tivo pelo qual, dividida asuperf£cie em tres partes, culrivavam­se duas, e a outra, da qual nao se obtem colheita, era deixada em repouso au paraprado natural. (N.T.E.)

HIST6RIA AGRARIA ROMANA

sas das glebas. Veremos como no transcurso posterior daera imperial chegou-se a aboli~ao do principio do modus.De Adriano em diante169, estabe!eceu-se para as posses ca­rentes de prazo 0 principio da interven~ao subsidiaria doius gentium romano e, portanto, a passagem da figura juri­dica da traditio, derivada do principio de locus com base nu­rna iusta causa. Scevola aplicava 0 direito bonidrio de hi­poteca aos terrenos compreendidos num latifundio sujeitoa vectigal170, enquanto em Ulpiano e em Papiniano encon­tramos 0 direito romano diretamente re!acionado com asglebas tribudrias. Onde nao se tratava de figuras de direitocivil, parece que Diocleciano desenvolveu sistematicamen­te essa unifica~ao, ou pe!o menos que as legisla~oes que con­cerniam as glebas stipendiarii devem-se, preferencialmente,ao mesmo Diocleciano. Quase sempre, a equipara~ao des­sas glebas stipendiarii com 0 solum ltalicum e bastante obs­cura em numerosas passagens.

No proximo capitulo, nao nos interessaremos tanto pe­los resultados, mas pe!as condi~oes de que derivaram. Di­tas condi~oes devem ser especificadas, a meu ver, no fatode que, anteriormente, as situa~oes possessorias do Impe­rio Romano eram regulamentadas com normas de direitoadministrativo, enquanto as normas de direito privado sotinham valor para tais resultados na medida em que a prati­ca administrativa ia adotando seus conceitos. Segue-se quee impossive! chegar a uma reconstru~ao de todas essas rela­~oes referindo-nos simplesmente aos conceitos de direito pri­vado, como tambem seria impossive! uma reconstru~ao dodireito feudal baseando-se nos conceitos dos direitos re­gionais171•

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nao teria sido a economia praticada por um individuo iso­lado, mas sim por uma comunidade rural, e alem disso te­ria sido indissoluvelmente ligada ao sistema unitario de cul­tivo. Os autores romanos s6 conheciam a que Thunen cha­maria de "economia livre"l. 56 falam incidentalmente darota,ao de cultivos, de maneira que nao se pode pressuporum costume regular nesse sentido. Falam do terreno aravelsemeado anualmente para cereais (ager restibilis) e adubadoregularmente com 0 sistema da amontoa; falam ademais dapratica do pousi02• Em geral, a atividade das fazendasbaseava-se essencialmente no cultivo de cereais3, mescladocom 0 de pasto4, isto e, cultivo de grlo de verlo e de in­verno (trimestris), em suma, de tipos muito selecionados,ligados racionalmente (Varrlo, cap. II) a uma rentavel cria­,ao de gado, com a correspondente produ,ao de pastoS e,portanto, com abundante esterc06• Rodbertus notou comrazao que 0 cultivo de cereais em rela,ao com as for,as detrabalho empregadas era intensivo, segundo os conceitos mo­demos, tendo permanecido sempre assim. Isso se deduz tam­bem do cultivo em lotes alinhados7 e esta em conexao coma grande imperfei,ao dos utensHios agricolas. De fato, 0 ara­do com aletas nunca se afirmou num usa generalizad0

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segundo 50mbart, 0 antigo arado ainda hoje estil em usano campo roman09• 0 aspecto tecnico da produ,ao de ce­reais foi determinado de maneira estilvel, como se infere dosScriptores rei rusticae, 0 que estilligado adecadencia do cul­tivo de cereais, relacionada com a possibilidade de obter umlucro llquido. Portanto, se 0 cultivo de cereais era conside­rado 0 fundamental da fazenda, isso s6 significa que 0 cul­tivo de grlo em grande parte das terras era inevitilvel, in­clusive nas condi,oes comerciais mais favoraveis e nas gran­des fazendas, no interesse do sustento da familia, sobretu­do se levarmos em conta que a alimenta,ao se baseava emvegetais, como em toda a Antiguidade, alias. Examinandoo balan,o-padrlo redigido por Catao sobre 0 consumo da

familia, descobrimos que preveem-se para 0 verao quatromodii e meio e para 0 inverno quatro modii de trigo pormes para cada trabalhador; para os escravos, previa-se paonuma medida ainda maior. Alem disso, previa-se exclusiva­mente aguape e, como acompanhamento (pulmentarium)oleae caducae, as vezes peixe, bern como azeite e sal, massem queijo, nem legumes, nem carne. Comparando tudoisso com a informa,ao de que, na epoca de ColumelalO,consideravam-se necessarias entre duas e tres jornadas de tra­balho por jugada para a primeira aradura (iterare) e um diapara a terceira (tertiare), calculavam-se um total de quatrodias de trabalho por jugada para completar as opera,oes dearadura, de maneira que era necessario dispor de um traba­Ihador para cada seis a sete jugadas. Comparando-se tam­bem com tudo isso a informa,ao segundo a qual semeavam­se 4 a 5 modii de trigo (Columela, 11,9), ja que dificilmen­te se pode calcular a colheita bruta em tres ou quatro vezesa quantidade semeada, deduz-se, embora nao se podendofazer uma avalia,ao exata, que a aHquota de lucro Hquidonao superava em muito as necessidades do proprietilrio pa­ra manter as for,as de trabalho caso cultivasse vinhas, oli­vais e arvores frutiferas na parte menor. De fato, por exem­plo, segundo 0 dlculo excessivamente otimista de Cataoll ,

para cada cem jugadas de vinhedo deviam-se manter dezes­seis trabalhadores fixos (De r.r. 10). De resto, ja em Carlopode-se apreciar que 0 interesse pelo cultivo de cereais esta­va passando para segundo plano em beneflcio do cultivode vinhedos e, sobretudo, de olivais. Enquanto a contabili­dade referente aos cereais s6 registrava as receitas e a formade utiliza,ao, a ratio vinaria e olearia registrava as vendas,o recebimento do pre,o de venda, as contas a receber e osestoques disponlveis para venda (Carlo, De r.r. 2). Ademais,enquanto a venda de azeite era regulada pelo nlvel dos pre­,os, a venda de cereais e (tambem naquela epoca) do vinho

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180HIST6RIA AGMRlA ROMANA ECONOMlA AGMRIA E GRANDES FAZENDAS 181

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nao era registrada na pratica habitual da fazenda, a nao ser emcaso de disponibilidade em excesso, e era registrada com 0 mes­mo vocabulo com que se designava a venda de objetos velhose de escravos idosos au enfermos12. Parece que a venda se efe­tuava em geral diretamente no lugar, em forma de leilao lJ. Eevidente que as vendas se limitavam quase sempre ao comer­cia local. Decerto, Catiio diz que levavam vantagem as locali­dades proximas do mar, de urn rio navegavel au de uma viade grande tr£fico, mas sobretudo as ultimas, pela possibilida­de de fazer vir com mais facilidade a for,a de trabalho paraa colheita14. De fato, em todas as ocasioes em que se tratavade cobrir disd.ncias de certa magnitude, a transporte par ter­ra era demasiado custoso15, e Columela, recordando a proxi­midade do mar au dos grandes rios como condi,ao favoravelpara facilitar as interdmbios de produtos agricolas par mer­cadorias e produtos manufaturados, considera que nao e opor­tuna a proximidade de grandes vias de tr£fico, porque nelasacampavam as vagabundos, difundindo a praga dos insetos(piolhos, percevejos, etc.)16. Como quer que seja, a mercadoromano de graos, em certo sentido a mercado natural da agri­cultura idlica, estava bloqueado precisamente na Italia pelasimporta,oes estatais de cereais de alem-mar. Par outro lado,essas importa,oes nao conseguiam chegar aos mercados locaise, par isso, tambem estava assegurado aagricultura idlica urncomercio, sem duvida nao re1evante, mas continuo, para oscereais. Em suma, nao se devem superestimar as efeitos, mui­to embora inegaveis, da concorrencia destas importa,oes. Ascondi,oes das regioes do interior terao permanecido esdveisem grande parte: as Scriptores rei rusticae ainda pressupoema costume de uma boa rela,ao entre a vizinhan,a; tendia-sea estabelecer boas rela,oes com as vizinhos e era natural ajudar­se reciprocamente emprestando-se as utensHios agricolas e assementes17. Nao teria existido uma a,ao especial para 0 em­pn~stimo gratuito (mutuum) sem esses restos de urn vinculode solidariedade entre vizinhos.

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183ECONOMIA AGRARIA E GRANDES FAZENDAS

Vicissitudes do cultivo de cereais. Olivais e vinhedos

Nao ha duvida nenhuma de que a cultivo de cereais es­tava destinado a estagnar, porque nao se prestava a uma rea­liza,ao rendvel para as produtores e so era vendavel den­tro de certos limites nos mercados loeais. 15so era ainda maisimportante porque, com a difusao cada vez maior dos pon­tos de vista citadinos nas rela,oes agricolas, efeito do tipode coloniza,ao e da rela,ao existente entre a vida poHticae 0 mercado citadino, e porque, ademais, a propriedrio da­miciliado em Roma tinha urgente necessidade de uma ren­da em dinheiro, 0 nivel da renda imobiliaria converteu-seno interesse principal. Os escritos de Catiio e dos outrosScriptores rei rusticae oferecern-nos urn panorama da situa­,ao semelhante ao descrito par Thaer em seu RationelleLandwirtschaft· Eles partem da premissa de que para inves­tir as capitais adquiriam-se propriedades, e dao alguns con­selhos a esse respeito; ademais, discutem, sempre da formaapropriada para ensinar as normas praticas aos inexperien­tes, temas espedficos que urn agricultor ne6fito deve conhe­cer para poder controlar grosso modo seu villicus18• A es­cassa renda proporcionada pelo cultivo de cereais ja levou,na epoca de Catiio, a evitar investimentos de capitais, comfinalidade de melhorias, nas zonas cultivadas com cereais19.o baricentro da agricultura deslocou-se para outros seta­res da produ,ao. Ja mencionamos 0 desenvolvimento cadavez maior dos cultivos de vinhedos e olivais; junto com elesassumiram uma imporrancia de primeira ordem as culti­vas de legumes, hortali,as e frutas20. Na epoca romana, acaracteristica dos cultivos de vinhedos e olivais diante daslavouras e pastagens consistia, para usarmos uma expressaomoderna, em ser intensivo nao pelo fator trabalho, mas pelofator capital. Segundo a calculo de Columela, a gasto commudas e todos os demais desembolsos necessarios para a plan-

HIST6RIA AGRARIA ROMANA182

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HIsr6RIA AGMRIA ROMANA

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185ECONOMlA AGMRlA E GRANDES FAZENDAs

agricultura (na Antiguidade, especialmente a Apulia). Poressas regiaes e pelas calles [gargantas dos Apeninos Centrais],transitavam as pastores com seus nurnerosos rebanhos, exa­tamente como hoje26• Por ultimo, era possivel dedicar-se,nos arredores da capital e ao longo das arterias que se rami­ficavam a partir delas, a produ~ao de generos ,de luxo desti­nados ao consumo dos citadinos patricios; de fato, encon­travam-se ai grandes cria~aes de galinhas (as chamadas vif­faticae pastianes) com que se obtinha uma renda conside­raveJ27. Esse desenvolvimento tambem e atestado pelas fon­tes. De fato, enquanto Cado tratava a cria~ao como umaatividade ligada organicamente a autentica agricultura, emVardo a res pecuaria adquire uma posi~ao autonoma e, porisso, e examinada a parte. 0 mesmo Vardo descreve as vil­faticae pastianes cada vez com maiores detalhes. As tecnicasagricolas nao apresentam, porem, diferen~as essenciais nasdistintas descri~aes que nos deram Catao, Varrao e Colu­mela. Naturalmente, dos tempos de Cado aos de Colume­la, as dimensaes das fazendas haviam aumentado. Segundoa descri~ao de Catao (De r.r. 3), a produ~ao oldcola e vini­cola alcan~ava um nivel comparavel ao do consumo domes­tico de nossos dias. A produ~ao de azeitonas e uvas era ven­elida de prefer&ncia "no pe", isto e, antes cla colheita, e tam­bem nos tempos de Columela esse sistema era 0 principalmetodo de computo das rendas. S6 as grandes fazendas pos­suiam lagar de vinho e de azeite, e tinham, ademais, um nu­mero fixo de trabalhadores. A meu ver, isso confirma a im­pressao de que existia uma tendencia a tornar autonoma afazenda, encarando por sua conta todas as exigencias e 0desenvolvimento da produ~ao de bens de mercado. Esse fe­nomeno deve ser considerado paralelo a supressao dos ar­rendamentos tributarios na administra~ao publica, sobrecujas causas voltaremos mais tarde.

Pradas, pastas extensivas e villaticae pastiones

A situa~ao de cultivo intensivo de pastos, que em Ca­do, mais ainda que em Varrao, parece de primeira impor­tilncia23 , era analoga. Tambem para esse tipo de cultivoeram necessarios investimentos de capitais de notivel monta,especialmente para as instala~aes de irriga~ao, sendo a aguafornecida pelos aquedutos das cidades em troca do pagamen­to de taxas caleuladas por hora de fornecimento24

• Os es­tatutos locais concediam, alem disso, autoriza~ao para as ins­tala~aes de condutos ao longo dos limites25

. Dado que, co­mo vimos ao examinar as caractedsticas do credito real ro­mano, era arriscado investir duradouramente capitais pri­vados em melhorias da propriedade, a passagem a esse tipode cultura intensiva exigia uma disponibilidade em dinhei­ro que,s6 estava ao aleance dos latifundiarios. Por outro la­do, para economizar ao mesmo tempo trabalho e capital,podia-se investir 0 dinheiro em terrenos de pasto. Comoquer que seja, tambem nesse caso so eram convenientes ospastas extensivos, coisa que, na realidade, se verificou, masraramente nas propor~aes que as vezes foram citadas, ja ques6 algumas regiaes da Id.lia eram idoneas para esse tipo de

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ta~ao de um vinhedo devia custar, por jugada, 0 dobro dovalor do terren021 • Por outro lado, nao era necessario umnumero maior de camponeses; mais ainda, segundo as ci­fras citadas por Columela e por Catao, era preciso um nu­mero menor do que para uma gleba de igual extensao mascultivada com cereais. Para 0 cultivo da oliva, a rela~ao en­tre mao-de-obra necessaria e superficie cultivada era aindamais favoravel22• Essas rela~aes, do mesmo modo que asdistintas tecnicas, nao podem ter mudado essencialmentedos tempos de Cado aos de Columela.

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Parece, em contrapartida, rico de significados positivoso termo colonus, dado que equivalia tanto a "campones"como a "arrendatario". Mas acaso podemos identificar nessaclasse as caracteristicas de uma classe camponesa nao des­provida de uma notavel import£ncia social? Contrasta comdita hipotese em primeiro lugar a estrutura juridica da ins­titui~ao romana do arrendamento. Nao so 0 arrendatarioestava privado de qualquer meio juridico de defesa contraterceiros (inclusive no caso de atos atentatorios efetuadoscom violencia), como sua posi~ao tampouco era protegida

Os colonos da era republicana

balho agricola. Esse absenteismo do deplorado dos gran­des proprietarios e a conseqiiencia do carater citadino assu­mido por esse tipo de estrutura agricola. 0 poderio politi­co da aristocracia fundiaria consistia essencialmente na pos­sibilidade de tomar parte de forma estave! na vida politicade Roma. Figuras do tipo de Cincinato, como Livio des­creve, eram autenticos modelos e, na pdtica, eram muitopouco comuns. Das lamenta~5esde Cado e Varrao deduz­se que esse absenteismo - e, mais ainda, a utiliza~ao dasglebas como objeto de especula~ao e meio para participardas especula~5es capitalistas - levou it completa transfor­ma~ao dos proprietarios em capitalistas citadinos, capazesexclusivamente de esgotar suas proprias rendas, limitando­se a visitar e so de maneira muito infreqiiente suas propriasglebas. N aturalmente nao se podia esperar de proprietariosde semelhante calibre uma gesdo economica constante eprudente: de ordinario, seu interesse se limitava em perce­ber uma renda fixa em dinheiro destinada, na maioria dasvezes, a satisfazer urgentes necessidades monetarias do mo­menta.

ECONOMIA AGMRIA E GRANDES FAZENDAS

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HIST6RIA AGMRIA ROMANA

Microeconomia e macroeconomia

Debate-se sobremodo de que forma devemos imaginaressas grandes fazendas. Em particular, e diHcil estabe!ecerse nao so a grande propriedade imobiliaria, mas tambema economia agricola em grande escala orientaram as insti­tui~5es juridicas especiais e, se 0 fizeram, por que caminhoas conduziram. Chegamos assim ao problema do pessoaldependente ou independente que trabalhava na fazenda. An­tes de mais nada, perguntemos: existia uma camada vital deagricultores independentes comparave! aos camponeses daepoca moderna?

Ecerto que, a partir da segunda guerra punica, a classedos pequenos proprietarios sofreu uma diminui~aodo con­siderave! que 0 Estado julgou necessario intervir com umalegisla~aoapropriada. Esse fenomeno ressurgiu mais tarde.Estatisticamente podemos estuda-Io nas tabelas de alimen­ta~ao, gra~as as pesquisas de Mommsen28, que atestam umadiminui~aodos pequenos proprietarios na epoca de Traja­no em re!a~ao it mesma classe na epoca dos triunviratos.Essa diminui~ao era mais lenta nas zonas montanhosas doBenevento, mais rapida na planicie paduana29• 1sso confir­rna a observa~ao anterior, segundo a qual a proximidade devias de grande trafico aceleraria 0 desenvolvimento geral.o resultado dessa tendencia podera ter sido mais ou menosabsoluto, mas, como quer que seja, nao e possive! conside­rar a classe dos pequenos proprietarios independentes co­mo urn e!emento vital do desenvolvimento agricola ulterior.

Nesse desenvolvimento ulterior adquiriram grande im­port£ncia, ao contrario, precisamente as fazendas cuja ex­tensao possibilitava ao proprietario possuir, junto com a villarustica no campo, tambern uma villa urbana na cidade, epermanecer nesta ultima tambern durante os periodos doano que nao requeriam sua presen~a para controlar 0 tra-

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por propriedrio privado algum; enquanto a administra,aoda fazenda publica, caida nas maos da classe dos mancipes,dificilmente teria estado em condi,5es de exercer urn rlgi­do controle para impedir uma explora,ao inconsiderada eirresponsave! do solo, ainda que a lex censoria houvesse di­tado disposi,5es em merito. Em geral, em face dos grandespropriedrios de terras, onde e!es davam em arrendamentosuas terras, existia uma camada de pequenos arrendatariosJO,

sendo tudo isso vantajoso tambern do ponto de vista co­mercial, ja que entao como hoje 0 arrendamento por lotesdas grandes propriedades proporcionava de ordinario umarenda relativamente alta. 0 arrendamento por lotes ofere­cia, antes de mais nada, a possibilidade de arrecadar umarenda imobiliaria fixa, e isso no come,o da era imperial de­via representar urn pape! importantissimo, ja que essa ren­da nao era gasta in loco, mas na capital. Provavelmente poresse motivo, a parceria nao teve grande desenvolvimento.Nas fontes jUrldicas, e recordada apenas uma vez, e de talforma que sua natureza jUrldica fica duvidosa (locatio ousocietas). Ja que vendia a uva e as azeitonas antes da colhei­ta para poder dispor de uma soma fixa em dinheiro, 0 pro­priedrio (a menos que se tratasse de urn grande latifundia­rio) punha-se de acordo com os colonos. Por esse motivo,o proprio propriedrio se encarrega do instrumentum fun­di, com 0 qual 0 colono praticamente nao tinha liberdadepara escolher a forma de administra,ao da fazenda: a finali­dade do arrendamento era, essencialmente, transferir os ris­cos do patrao ao colono e assegurar ao proprietario umasoma em dinheiro, provavelmente nao demasiado e1evada,mas fixa. A rela,ao em seu conjunto tambern era concebi­da como urn metodo singular de 0 propriedrio adminis­trar suas terras31 .

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diante do dominus. Tudo quanto e pOSSIVe! alcanpr de ab­solutamente draconiano, segundo as modemas legisla,5es,em materia de contrato de arrendamento por parte de as­socia,5es de propried.rios de casas ou outros grupos simi­lares de interesses (por exemplo, que 0 arrendad.rio devaem primeiro lugar desocupar 0 imove!, ao que esd obriga­do sem processo, pela simples autoridade do propried.rio,e so num segundo tempo pode conseguir que liquidem seusprejulzos, sempre que esteja em condi,5es de demonstrarque os sofreu e que, ao mesmo tempo, tern ainda direitoao uso do imove!), tudo isso foi e!evado a prindpio no di­reito romano, nao so para 0 alugue! de casas, mas tambempara 0 de terrenos. Tampouco se pode dizer que as coisassucedessem na pratica de maneira diferente; como quer queseja, e certo que uma classe social consciente de si e nao ca­rente de peso nao teria tolerado urn regime jUrldico seme­lhante, do pesado. Para dizer a verdade, os arrendatariosde bens do patrimonio nacional se encontravam numa po­si,ao pred-ria ante 0 Estado, na medida em que, transcorri­do 0 perlodo do census, podiam ser revogados e tambernporque gozavam apenas da prote,ao administrativa; de res­to tambern gozavam dessa prote,ao possessoria. Essa pro­te,ao faltava, em compensa,ao, aos arrendadrios privados,o que atesta com maior clareza do que qualquer outro fatoa inferioridade social e a debilidade dessa classe. Ja isso nosleva aconclusao de que nao podia existir uma classe de gran­des arrendadrios comparaveis aos grandes proprietarios denossOS dias. Cado coloca-se insistentemente em guarda con­tra os arrendadrios que nao queriam trabalhar sozinhos,mas com toda a sua familia. Tambem os territorios do pa­trimonio nacional ofereciam em grande medida aos capita­listas a possibilidade de arrendar os grandes conjuntos imo­biliarios para explora-los com finalidades especulativas, es­pecula,ao levada a tal ponto que nunca teria sido admitida

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Ja podemos vislumbrar aqui os germes essenciais datransforma~ao sucessiva, ligada a modifica~ao das condi~oes

dos trabalhadores agricolas. Embora se tenha falado do ar­rendamento por lotes como uma forma adotada com fre­qu&ncia para valorizar as glebas, nem por isso se deve pen­sar que era corrente desagregar urn latifundio inteiro emlotes distintos para da-los em arrendamento. Claro que is­so pode ter acontecido onde as grandes propriedades naoeram compaetas, mas formadas por diversas glebas nao con­tiguas; em geral, porem, os Scriptores rei rusticae falam davilla rustica com 0 villicus e uma familia mais ou menosnumerosa como de urn pressuposto essencial da grande fa­zenda agricola. Tambem Columela fala da cessao aos colo­nos dos agri longinquiores, isto e, das glebas perifericas dafazenda32• Todos aqueles setores da produ~ao agricola quepodiam ser explorados em sentido comercial e tambem es­peculativo, em especial a viticultura e a oleicultura, normal­mente eram administrados de forma direta pelos proprie­tarios, enquanto confiava-se aos colonos 0 cultivo do terre­no aravel, que requeria muita for~a de trabalho e nao pro­porcionava uma renda elevada, ainda que suficiente paramanter 0 pequeno cultivador que trabalhasse com sua fa­mHia por sua conta e risc033 • Os colonos tambem conse­guiam obter uma modica renda em dinheiro34; de fato, osmercados locais, muito embora nao oferecendo a possibili­dade de urn comercio de cereais em grande escala, sempreconstitufam, em todo caso, como ja assinalamos, uma safdasegura para 0 comercio rural. Por ultimo, para determinara impord.ncia da classe dos colonos, devemos examinar 0motivo que parece ter sido determinante, sendo iguais asdemais condi~oes, para a maior conveni&ncia do arrenda­mento diante da pequena propriedade, nao obstante ou pre-

as trabalhadores agricolas

Quais eram, pois, as for~as de trabalho de que 0 pro­prietario dispunha para a administra~ao autonoma da suapropriedade? Eobvio que h:i que excluir uma atividade agri­cola baseada em trabalhadores rurais independentes. Pres­cindindo das pequenas fazendas de cultivadores diretos, aforma de gestao mais frequente era aquela que se valia deescravos e de urn numero determinado de proletarios obri­gados ao trabalho agricola por causa das dividas contraidasou noxae causa, ou tambem de filii familias de cidadaos quepassavam a fazer parte da familia para serem dados em man­cipium. Quanto a isso, os Scriptores rei rusticae nao deixamnenhuma duvida. Mas 0 emprego exclusivo de escravos, ain­da que numa fazenda baseada essencialmente no trabalhodos escravos, tinha notaveis desvantagens. Antes de maisnada, em caso de morte de urn escravo sofria-se uma enor-

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cisamente por causa da situa~ao economica nao indepen­dente dos colonos: 0 interesse do proprietario na capacida­de de subsist&ncia dos colonos constituia, para estes ultimos,urn ponto de apoio nos periodos mais dificeis. As conse­qu&ncias das crises devidas as safras mais desastrosas se re­partiam, dada a elasticidade da rela~ao, na administra~ao doconjunto da fazenda. Por outro lado, no caso de arrenda­mento de uma gleba, 0 proprio pequeno capital era maisfrutifero, ja que 0 colono tinha a sua disposi~ao uma somapara a administra~ao da propriedade, soma que os peque­nos proprietarios nao tinham, pois haviam-na gastado naaquisi~ao. Tampouco existia 0 perigo de que 0 imovel fos­se gravado por dividas em casos de sucessao, tanto assimque 0 proprietario designava colono a pessoa que julgavamais idonea, em geral urn dos herdeiros.

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Pressupostos do arrendamento por lotes

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me perda de capital. Por esse motivo, Varra035 aconselhaque, nas zonas insalubres, s6 se empreguem trabalhadoreslivres, para que uma eventual doen~a ou morte nao fiquesob a responsabilidade do proprierario. Urn fator ainda maisimportante referia-se a urn problema tiio elementar comoextremamente geral, problema que surgiu em todas as epo­cas e que esti impllcito na estrutura do trabalho agricola:a despropor~ao entre a for~a de trabalho necessiria duran­te 0 periodo do plantio e, mais ainda, da colheita, e a for~a

de trabalho necessiria durante todos os meses restantes doano. Manter durante todo 0 ana 0 numero de escravos ne­cessitios na temporada de colheita significava manter du­rante longos meses for~a de trabalho superflua. N a epocade Catiio, tentou-se paliar esse inconveniente cedendo todaa colheita da uva e das azeitonas aos redemptores. De ma­neira aniloga, para os trabalhos de melhoria, dirigiam-se aospolitores (em troca de uma porcentagem sobre a futura co­lheita). Tambem para plantar itvores frutHeras, para a se­meadura e outras necessidades agrlcolas, dirigiam-se as ve­zes a negociantes36. Quando 0 proprietitio se via absolu­tamente obrigado a malbaratar a colheita ou pagar qualquerpre~o pelos trabalhos agricolas, ji que de outra forma teriaprecisado renunciar a esses trabalhos e a colheita, 0 neg6­cio se the tornava logicamente desfavoriveL A colheita decereais que nao oferecia boas possibilidades de venda ficavaa seu cargo e Ihe era necessaria, entre outras coisas, para man­ter a/amilia. Portanto, era importante admitir trabalhado­res livres37, coisa que em geral acontecia em troca de umacota nao indeterminada da colheita. Por isso Catiio enalte­cia as regioes que tinham operariorum eopia. Em todo caso,depois ji nao se seguiu por esse caminho: quanto mais au­mentava a importancia do nivel da renda em dinheiro parao proprietitio, tanto mais desconsiderada se fazia a explo­ra~ao da for~a de trabalho dos escravos, do "capital falan-

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te" (instrumentum voeale)38 e, portanto\ ainda mais claroo isolamento das fazendas agricolas do resto do mund039.Evitou-se de forma absoluta par os escravos em contato comos trabalhadores livres e admitir estes ultimos por perio­dos demasiado grandes40. Isso supos necessariamente umadiminui~o da oferta de for~a de trabalho livre. Prescindindode casos de necessidade especial, sobretudo os pedodos decolheita, nao havia lugar para eles junto dos escravos nasfazendas; de resto, 0 proletariado citadino nao estava pre­parado nem tinha aptidoes para os trabalhos agdcolas41. Aconseqiiencia, como dissemos, foi urn abuso cada vez maiordo trabalho dos escravos. Compravam-se os escravos maisbaratos, habitualmente delinqiientes, noxii, para empregi­los nos vinhedos e olivais. Columela dava uma explica~aofisiol6gica42 para esse fato, segundo a qual esse tipo de in­dividuo seria, em geral, de urn animo particularmente vi­vaz e, portanto, mais idoneo para os cultivos lenhosos, en­quanto os herbiceos e forrageiros requeriam urn tempera­mento mais reflexivo. Columela recomenda, ademais, quese fap os escravos trabalharem ate 0 esgotamento total desuas fors:as, para que nao pensem em nada, senao em dor­mir43. Depois tentava-se influir sobre os escravos para queprocriassem numerosa prole44. Com respeito ao villieus,consentia-se habitualmente, ou melhor dizendo, desejava­se e favorecia-se que contraisse uma re1a~ao esd.vel, corres­pondente ao casament045. Mas nao se tratava, em geral, decontubernia fixas, ji que os escravos eram alojados comonum quartel46. As mulheres eram premiadas por sua fecun­didade, isentando-as do trabalho durante determinado lap­so de tempo e, inclusive, concedendo-Ihes, ocasionalmen­te, a liberdade47. De resto, as relas:oes sexuais eram livres,mas naturalmente sob a oportuna vigilancia do villieus. Ade­mais - e este era urn fato de importancia bern diferente _,a necessidade de manter uma grande parte da forp de tra-

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balho necessaria na epoca da colheita refor~ou a tend~nciaa encarregar-se de todas as exig~ncias no ambito da fazendae a vender nos mercados locais produtos para os diferentestipos de consumo, De fato, podia-se explorar assim duran­te todo 0 ano a fon;a de trabalho, de outra forma superfluadurante longos meses, Ao EP'Y0l(J7~pwp48 hel~nico corres­pondia 0 antiquissimo eTgastulum existente em todas as fei­torias, na qual trabalhavam e dormiam os escravos acorren­tados, devedores e noxii49 , e onde os demais expiavam aspenas de reclusao que Ihes haviam sido impostasso, Tratava­se de ordinario de urn local subterrweo com respiradou­ros, Entende-se que 0 "trabalho carcerario" prestado emsemelhantes lugares raramente era satisfatorio, Mas enquantoVarrio, ao falar das atividades a realizar nos diferentes me­ses do ano, quase nao se refere a outros trabalhos que naasejam os propriamente agricolas, Columela pretende quea roupa branca fosse confeccionada na propria feitoria e Pa­ladio patenteia a necessidade de tornarem-se independentesdas cidades, conseguinda dispor de ferreiros, carpinteiros,tanoeiros e oleiras proprios5!, A autarquia do "oikos", so­bre a qual Rodbertus, num tratado genial alias, baseou 0

desenvolvimento global da historia economica da Antigui­dade, mas que teria entrado em decad~ncia,segundo ele, du­rante a era imperial, determinou-se em sentido proprio emprimeiro lugar nas propriedades imobiliarias, N a epoca deCado, os principais interesses se referiam amaneira maisconveniente de libertar a fazenda da ulterior elabora~aodosprodutos, de livrar-se desse setar comercial mediante umadivisao das tarefas, de descarregar os riscos sobre 0 ataca­dista e de ter uma renda pecuniaria garantida52. Cado expli­ca minuciosamente a maneira de alcan~ar esses objetivos. Es­se sistema sofreu, depois, uma regressao muito evidente e pre­valeceu a administra~o direta da fazenda. T omaremos adiantesobre a tema da organiza~aodesse novo sistema, Como quer

que seja, a possibilidade de uma explora~aomais proveito­sa da for~a de trabalho constituiu, a meu ver, 0 principalmotivo pelo qual as grandes fazendas ass~iram todas astarefas que, no casa de terem sido divid¥yas, teriam corres­pondida ao artesanato citadino. Como!,guer que seja tam­bern, nesse sistema mantinha-se a necessidade de uma quan­tidade consideravel de for~a de trabalho na epoca da colheita.De fato, esse desenvolvimento, em certo sentido industrial,requeria, para que nao implicasse perdas, escravos especia­lizados como artesaos, como eram empregados na realida­de na era imperial, enquanto para as necessidades simples­mente agdcalas era melhor dirigir-se a for~as de trabalhorurais e pOlleo custosas.

A crise agricola no in£Cio ria eTa impeTial

Essa disfun~ao do sistema se tornou mais aguda depoisdos acontecimentos que acompanharam a constitui~ao doprincipado. A situa~ao sustentou-se enquanto no mercadode escravos a oferta de for" de trabalho, como conseqii~n­cia das guerras civis e de conquista, manteve-se inalterada,Mas, depois, dado que Augusto e Tiberio renunciaram atoda intento de expansao dos limites do Imperio, produziu­se provavelmente uma consideravel diminui~ao dessa ofer­ta, se nao imediata, ao menos depois de certo tempo e deforma cronica, Ja na epoca de Augusto teve-se que lamen­tar casos em que os proprietarios conseguiam for~a de tra­balho por meio de sequestros de pessoas. Em conseqii~nciaAugusto mandou confeccionar uma lista das eTgastula daItalia53

, 0 imperio de Tiberio viu como se repetiam os mes­mos casos: armavam-se emboscadas para os viajantes e tam­bern para os recrutas que haviam desertado, escondendo-senos campos, Parece que os proprietarios postavam-se nas

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puramente economicos dos grandes proprietarios, de for­ma analoga ao que ocorreu na Alemanha apos a "tregua ci­vil perpetua". E tanto na Alemanha como em Roma a con­sequencia foi a cria~ao de propriedades!~obiliarias no sen­tido que Knapp deu ao termo, isto e, o'de uma combina~aoentre uma feitoria funcionando com trabalhadores e um nu­mero determinado de camponeses sujeitos a presta~5es obri­gatorias. Na epoca da colheita, as colonos e as camponesesdependentes da fazenda eram chamados a integrar, com seusservi~os pessoais e as de seu gada, a for~a de trabalho que,de outra forma, teria sido insuficiente. Dentro de certos li­mites, esse sistema sempre fora aplicado. 0 possessor ro­mano precario nao era urn arrendad.rio no sentido em quehoje a entendemos, mas um trabalhador agricola dotado peloproprietario de uma area par um tempo limitado e de for­ma revogaveL Ao menos parece-me que a institui~ao naopodia ser concebida de outra maneira, nem tampouco quetendesse a outra finalidade colonial; e ja que essa institui­~ao continuou subsistindo na epoca da jurisprudenciadassicaS9, deduz-se que nao estava ligada aservidao da gle­ba, nem a alga similar. Esta foi, porem, a forma romanacomo se constituiu a classe dos pequenos agricultores. Asfontes nao nos informam se, na era republicana, as colo­nos se estabeleciam numa gleba em troca da promessa deprestar seu proprio trabalho, mas provavelmente semprese tera contado com a trabalho que as colonos e seus filhosteriam podido eventualmente prestar em beneficia do pro­prietario. Mas a cerne da rela~ao se apoiava entao no forode arrendamento a pagar. Quando a proprietario, todavia,come~ou a aplicar racionalmente a administra~ao direta eautonoma de sua fazenda, a interesse par uma renda pecu­niaria para gastar fora do ambito rural passou para segun­do plano" Par isso Columela observava que a valor que seatribula aos colonos era proporcional ao foro de arrenda-

HISr6RIA ACMRIA ROMANA

Consequencias. Desenvolvimento das/azendas com camponesesobrigados a presta~5es pessoais

Com a pacifica~ao do Imperio e a fim do predomlniopatricio, a estada em Roma perdeu a interesse politico quetivera ate entao. Voltaram, pais, a prevalecer as interesses

estradas como as bandoleiros, nao aca~a de dinheiro aude objetos agricolas; par isso Tiberio considerou oportunoordenar uma inspe~ao em todos as ergastula da Id.lia parmeio de curatores designados ad hoc"\ para as quais quasese poderia utilizar a expressao de "inspetores das fazendas" .U ma ampla e perigosa subleva~ao de escravos foi sufocadano nascedouro (Tae., Ann IV, 27). Tiberio propunha-se in­tervir com alguma medida contra as grandes fazendas ba­seadas no trabalho dos escravos, mas, dada a resistencia pas­siva do Senado, nao se atreveu a atacar as interesses dos gran­des propried.rios, nem, par outro lado, sentia-se em condi­~5es de encontrar remedios positivos, devido ao que con­tentou-se com descrever as condi~5es sociais da agriculturanuma carta ao Senadoss, carregando nas tintas" Parece quea pre~o do terreno havia diminuldo bastante entao na Ita­lia, enquanto, em contrapartida, continuava aumentandoa necessidade de credito, e de fato a Senado obrigou as /oe"neratores a investir um ter~o de seu capital em bens imobi­liarios a adquirir na ItaJiaS6" Augusto ja concedera, depoisda queda de Alexandria, emprestimos gratuitos de dinhei­roS7 aos proprietarios e as funda~5es alimentarias da era tra­jana tambem perseguiam a mesmo objetivo, dado que a ta­xa de juros era autenticamente baixaS8 " A crise foi grave,portanto, nesse periodo de transi~ao. Mas iambem outroelemento contribuiu para deslocar a baricentro do sistema

organizativo da fazenda.

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HIsr6RIA AGIURIA ROMANA

riae, inscri<;ao que, completada e interpretada de maneiraconvincente por Mommsen62, atesta a existencia de proprie­dades imobiliarias no sentido antes mencionado, isto e, 0

de uma rela,ao organica entre uma fazend;yeentral admi­nistrada diretamente e as presta,oes de colpnos submetidosa ela (sobretudo economicamente). A inscl-i,ao faz referen­cia a uma queixa dos colonos de urn saltus imperial situadona Africa ao comportamento do arrendatario de bens dopatrimonio nacional (conductor). Os petentes afirmam queo arrendatario maltratou-os e for,ou-os a presta<;oes a quenao eram obrigados, segundo 0 decreto que regia essas rela­,oes imobiliarias, uma lex Hadriana63_ Segundo esse decre­to, suas presta,oes eram limitadas a dois dias de trabalhopara a aradura, dois para 0 plantio e outros tantos para acolheita; especificando, tratava-se de servi,os pessoais e comseu proprio gado. 0 arrendadrio havia aumentado a exten­sao das partes agrarias, isto e, havia ampliado, a meu ver,toda a propriedade imobiliaria administrada diretarnente porele proprio e fizera-a arrotear de novo. Comportaram-se demaneira anaIoga os proprietarios alemaes na epoca da Re­forma, pretendendo que os camponeses sujeitos a presta<;oesefetuassem os trabalhos de cultivo e de colheita numa areamais extensa; tambern entaa a conseqiiencia 6bvia de seme­Ihante comportamento foi 0 intento de aumentar as pres­ta<;oes pessoais e com animais de tiro. Parece-me que da ins­cri,ao depreende-se com toda clareza a conexao entre ar­rendamento por lotes e necessidade, por parte da fazenda,de for<;a de trabalho mais numerosa na epoca do plantioe da colheita.

Essa organiza,ao da economia fundiaria baseada nas pres­ta,oes obrigatorias dos colonos, que constitula uma solu­,ao adequada ao problema do trabalho agricola, e a que exis­tia de ordinario em todas as grandes propriedades da eraimperial. Nas fontes juridicas sempre encontramos urn con-

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mento, se nao ao trabalho (opus) que estavam em condi,oesde prestar60. EPOSSIVel que esse opus se referisse ao culti­vo da gleba arrendada, mas e muito improvavel que so sereferisse de forma exclusiva agleba arrendada; sem duvidae mais provavel que se entendesse por opus tambem 0 tra­balho agricola na epoca da colheita e 0 cultivo dos campos,que se referisse em suma ao dever do arrendadrio de culti­var e realizar a colheita numa parte determinada da pro­priedade patronal. A rela,ao consistia pois numa combina­,ao de arrendamento de pequenos lotes e de loca,ao de partedo trabalho de cultivo e de colheita para os redemtores, coi­sa que 0 proprio Catio nao ignorava. So que, agora, 0 re­demtor, enquanto pequeno arrendadrio, estava ligado es­sencialmente ao dominus por uma estreita rela,ao de depen­dencia e sua remunera,ao consistia nos frutos da terra queele cultivava por sua conta, pela qual ademais pagava urnforo. Tambem das fontes se deduz claramente, a meu ver,urn desenvolvimento efetivo nesse sentido. Urn trecho deColumela61 atesta que os colonos eram alimentados porconta do propriedrio, como os escravos, mas naturalmen­te so durante os periodos em que trabalhavam nas terraspatronais. De resto, isso acontecia com quem quer que tra­balhasse na fazenda. Do ponto de vista dos negocios, a ope­ra,ao pode configurar-se assim: os colonos comprometiarn-sea trabalhar na fazenda patronal no cultivo e na colheita eobtinham como remunera,ao uma cota da colheita em tro­ca de uma quantidade fixa de trabalho. 0 baricentro eco­nomico da situa,ao oscilava segundo as circunsd.ncias con­cretas entre a existencia de camponeses sujeitos a presta,oesobrigatorias e a existencia de trabalhadores esdveis da fa­zenda. As glebas patronais que os trabalhadores deviam cul­tivar sao provavelmente 0 que uma inscri,ao da epoca deComodo queria dar a entender com a expressao partes agra-

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Natureza jurtdica das fazendas patronais

A forma mais antiga dessas grandes fazendas foi a pos­se sobre 0 ager publicus de que ja falamos. Nao ha duvida

ductor, actor, procurator da propriedade oposto a numero­sos colonos; alem desses encontrava-se na fazenda uma fa­milia de escravos as ordens do conductor au actor. Infere-sedas mesmas fontes, embora isso nao esteja esclarecido emtodos as detalhes, a status de dependencia dos colonos dafazenda patronal64• Como quer que seja, nessas condi~oes,a partir do momento em que a utiliza~ao da for~a de traba­Iho dos colonos em suas terras se converteu no principalinteresse do propried.rio, esd claro que a rela~ao que liga­va 0 colono a gleba patronal- rela~ao que, enquanto 0 ca­r,lter de simples arrendamento nao passou para segundo pIa­no, se configurou como transferencia do direito sobre osfrutos da terra em troca de uma remunera~ao - era conce­bida, por sua vez, ainda que em teoria se tratasse do mes­mo negocio juridico, exatamente como admissao da obri­ga~ao de cultivar as glebas proprias e do propriedrio emtroca da cessao de uma area por urn modico foro de arren­damento, como sumariamente atesta 0 ja citado trecho deColumela. Esses colonos eram, em essencia, agricultores in­dependentes, estavelmente vinculados a fazenda patronal,aproximadamente intermediarios entre os pequenos cam­poneses independentes e os jornaleiros65. Em todo caso, 0

mais importante era a correspondencia entre a poder, juri­dicamente garantido, do propriedrio sobre os que depen­diam da fazenda e a situa~ao existente de fato numa parteda fazenda patronal. Para demonstrar essa corresponden­cia era necessario dar uma olhada no modo como se forma­ram as distintas categorias de fazendas agrlcolas e a que ca­tegorias juridicas de propriedade pertenciam.

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nenhuma de que essas posses eram grandes fazendas que em­pregavam numerosos escravos, junto dos quais parece cer­ta, como ja assinalamos, a presens:a de camponeses ali resi­dentes, mas revogaveis gra~as as concessoes precario. Pl.s pos­sessiones representavam indubitavelmente para rahstocra­cia a forma mais importante de propriedade im6biliaria. 0possessor que fosse proprietario de areas suficientes de agerprivatus para ser inscrito na categoria mais elevada do cen­so tera julgado 0 mecanismo das assembleias de tribo "dosbons tempos antigos" de antes dos Gracos com 0 mesmoespirito com que hoje poderia faze-Io um membro da anti­ga nobreza fundiaria que possuisse algumas cotas no terri­torio rural da comunidade. Nao e necessario dizer que aexclusao das possessiones do ambito do direito civil66, e, por­tanto, sua isen~ao de numerosos gravames legais e tributa­rios, nao era entendida como privilegium odiosum. Quan­do 0 movimento dos Gracos, considerado revolucionarioprecisamente por esse motivo, demonstrou que os mem­bros da comunidade, extraindo 0 capital movel do traba­Iho, podiam chegar a ser incomodos, decidiu-se pela primeiravez transf6rmar as possessiones em ager privatus, sem queisso parecesse uma medida revolucionaria.

Vimos num capitulo anterior que uma parte dessas pos­sessiones ficou excluida de todo vinculo com as comunida­des na organiza~ao de uma Idlia em municipios e, em par­ticular, nas assigna~5es em qualidade de fundi exceptio A pro­posito disso, os agrimensores utilizam a locu~ao in agro pu­blico populi Romani, no sentido de que essas glebas so esta­yam sujeitas a competencia administrativa e jurisdicionaldo poder central67• Entre eles, uma importante categoria

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Stipendiarii. Arrendatdrios de hens do patrimonio nacional

Como vimos, provavelmente tambem os stipendiarii daAfrica gozavam de uma situa,ao similar, nao dependendode comunidade alguma. A respeito dos grandes enfiteutasdo ager privatus vectigalisque, tedo por certo gozado de umaposi,ao igualmente favoravel. Todas essas categorias de pos­ses tendiam, como ja ressaltamos, a fundir-se numa unicacategoria de possessores. Os arrendatarios de glebas do pa­trimonio nacional ou os fiscais conseguiram, em distintasocasioes, que seu foro de arrendamento fosse fixado de ma­neira esravel69 e que os reinantes the prometessem a posseperpetua daquelas glebas, como faziam os reis francos comseus feudatarios. De quando em quando tentou-se por em

era constituida pelo patrimonio privado do imperador, queele, pessoalmente, tambern a partir da funda,ao do princi­pado - para as epocas sucessivas as fontes atestam -, ted.isentado, com certeza, na medida do possivel, de qualquervinculo com as comunidades68 _ As mesmas categorias tam­bern existiam nas provincias, ou melhor dizendo, numaquantidade ainda mais consideravel; em particular, as gle­bas imperiais eram em parte dadas em enfiteuse, em parteeramfundi dominici (fiscais), em parte fundi patrimoniales(pertencentes ao patrimonio privado), mas todas sujeitas aadministra,ao direta de urn funcionario imperial, nao adosmunidpios. Existiam, ademais, como ja vimas, nas provln­cias, territ6rios da fazenda publica concedidos a lange pra­zo a grandes arrendatarios, e outros arrendados pelo perio­do de urn lustro. Nem uns nem outros estavam vinculadosde maneira alguma a comunidade, ja que eram ager publi­cus e sabemos que este s6 era concedido a comunidade quan­do dele nao se podia dispor de outra forma.

Situa,ao juridica dos subordinados das possess5es imobilidrias

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203ECONOMIA AGJURIA E GRANDES FAZENDAS

Se tentarmos imaginar a situa,ao juridica dos subordi­nados das grandes fazendas, em particular dos colonos, per­ceberemos c1aramente, antes de mais nada, a impossibilida­de em todos os territ6rios estatais dados em arrendamentode urn procedimento juridico ordinario entre os colonose 0 conductor, dado que as presta,oes dos colonos eram obri­gat6rias. 0 arrendatario de bens do patrimonio nacionalnao se encontrava, como 0 publicanus, numa rela,ao con­tratual com os colonos. Se os mancipes, recordados pelosagrimensores, haviam admitido subarrendatarios, transcor­rido 0 prazo do arrendamento esses pequenos arrendatariosse haviam convertido em colonos esraveis. Os grandes ar­rendatarios haviam conseguido 0 arrendamento do Estadoou do imperador, em principio com base na lex censoria,mais tarde com base em leis analogas que, como a lex Ha­driana, conservada epigraficamente no censo do saltus daAfrica, eram gravadas habitualmente em bronze ou pedrae colocadas nos territ6rios correspondentes como normaslocais, incluindo tambem disposi,oes sobre as obriga,oesdos colonos. Enquanto os grandes arrendatarios humilha­yam os colonos e exigiam deles presta,oes superiores as de­vidas, na era republicana existia, no caso mais favora.vel, urnprocedimento administrativo com recuperatores72 e na era

vigor 0 criterio das novas concessoes por meio de leilao acada cinco anos70, para depois abandona-lo. Os stipendia­rii e os demais particulares isentos de tributos foram entaosubmetidos a iugatio; deviam pagar a importancia tribura­ria global pelo territ6rio inteiro em sua P9Sse;~alem da ca­pitatio por todas as pessoas residentes no iterrit6rio e sujei-tas a esse tribut07!. '

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imperial simplesmente urn recurso administrativo as auto­ridades da fazenda publica e, em ultima insrancia, ao impe­rador. Como notou Mommsen, as presta~oes a que os co­lonos estavam obrigados sao tratadas por eles na citada ins­cri~ao africana (de forma analoga as presta~oes impostas pelascomunidades, por exemplo, por Genetiva7J) como presta­~oes de natureza publica, por assim dizer, que cabiam deoficio ao conductor. Da discussao que fizemos no capituloIII deduz-se que tambem estavam destinados a juizo admi­nistrativo todos os litigios possessorios relativos as terrasdos colonos. Quanto a uma transfer~ncia do arrendamen­to a outros, era, naturalmente, incumb~ncia do conductor.A situa~ao era id~ntica nos territ6rios dos stipendiarii daAfrica, como ja vimos no capitulo anterior. A autoridadeera representada aqui pelo possessor e s6 era possivel a inter­ven~ao administrativa do governador. Por ultimo, onde oscolonos s6 eram efetivamente arrendatarios do propried­rio, como nos fundi excepti da Italia e nas amplas zonas deager privatus vectigalisque da Africa dadas em enfiteuse, fal­tava em todo caso uma autoridade judicial municipal e sose podia apelar para a insrancia mais alta, inclusive s6 paraa suprema insrancia em Roma. Na era imperial tardiaprocedeu-se it equa-reparti~ao da administra~ao da justi~a

e concedeu-se aos colonos a possibilidade de apelar para 0

juiz ordinario contra 0 proprietario, em particular tambemno caso de que este houvesse aumentado 0 foro tradicionaldos colonos74. Tambem desse ponto de vista fez-se uma s6familia dos arrendatarios originalmente privados e original­mente publicos: 0 que nao era permitido aos grandes ar­rendatarios da fazenda publica em rela~ao aos pequenos ar­rendatarios do Estado (aumento do foro de arrendamento)foi proibido tambern aos outros possessores. Efetuou-se urnnivelamento ainda em outro aspecto, mas desta vez favora­vel aos colonos. Ja ressaltamos outras vezes que a posse in-

Origo e procedimento administrativo para reconduziro colono asua gleba

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205ECONOMIA AGIURIA E GRANDES FAZENDAS

Tambem dessa outra perspeetiva, a rela~ao se configu­rou de maneira analoga ao tratamento dos decurioes e deoutros sujeitos obrigados a encargos. 0 fato de pertencercom todas as suas conseqii~ncias a uma comunidade foi li­gado ao origo de pertencer ao Imperio. Para 0 colono, eralugar de nascimento a posse de que era originarius. Sabe­mos tambern que na, era imperiallimitou-se ainda mais, napratica, a liberdade de movimento das pessoas sujeitas a pres­ta~oes publicas. Em certo sentido, sempre fora assim. Co­mo se sabe, procedia-se it pignoris capio contra os senadoresque nao participavam das sessoes; 0 recurso it coer~ao dire­ta para leva-los it sessao teria sido considerado inoportunoe inaplicavel, mais que legalmente inadmissivel. Na era im­perial, substituiu-se, em geral e tambem com esse proposi-

divisa nao constitula necessariamente, ao que parece, umaparte da circunscri~ao territorial medida extrema linea75.Como quer que seja, em circunscri~oes territoriais e tam­bern no caso de fundi excepti podia ocor;:er que urn colonoadquirisse a propriedade de uma terra.;Mas, depois, prova­velmente, ja tendo tornado corpo de torma esdvel 0 con­ceito de depend~ncia do colono, come~ou-se a par em du­vida sua liberdade para alienar essa gleba e finalmenteestabeleceu-se que essa liberdade era inadmissivej76, peloque, relativamente it aliena~ao, colocaram-se no mesmo pIa­no a gleba que 0 colono tinha em propriedade e aquela quetinha em arrendamento, evidentemente porque as presta­~oes do colono foram consideradas como urn encargo queincidia sobre todas as glebas que ele detinha, em analogiacom os gravames impostos pelos decurioes e similares77.

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to particular, a coer~ao indireta pe/a exeeu~ao rea! admi­nistrativa. Como se depreende da narra~ao do censo de Au­gusto feita pelo Evangelho de Lucas, na "poca da reda~ao

de dito Evange/ho a consciencia geral considerava inadmis­sive/, no interesse do censo, que os provincianos fossem obri­gados a transladar-se a seu origo. Na "poca de Ulpiano, osdecurioes podiam sem duvida ser levados de novo por coa­~ao as comunidades a que pertenciam por origo. Se, depois,algumas comunidades litigavam entre si ou com grandes fa­zendas para decidir se uma gleba e as pessoas que ne/a seencontravam faziam parte de seu territorio e, portanto, es­tavam obrigadas as presta~oes tribudrias e militares, essasdissensoes se resolviam no transcurso de urn procedimentoadministrativo mediante a controversia de territorio. Ja emtempos de Ulpiano falava-se de uma vindicatio incolarum.E logico que nao se procedesse com os colonos dependen­tes de uma posse de maneira distinta que com os decurioes,no caso de que se atrasassem no cumprimento de obriga­~oes publicas ou quase publicas, consistentes por exemploem servi~os pessoais. Por via administrativa eram reintegra­dos a seu origo78. Quando na era dioclecianiana 0 procedi­mento civil e 0 procedimento administrativo confluframurn no outro, sendo e/iminada toda diferen~a, existiu umavindicatio, e se as curias das comunidades perseguiam bru­talmente seus funcionarios com aactio dominica, com maiorrazao devia 0 colono submeter-se a urn tratamento juridi­co seme/hante. Por ultimo tamb"m chegou-se a aplicar nocaso dos colonos, a parte do dos escravos, 0 interdictum utru·hi, e de novo encontramos claramente de/ineado 0 caraterde trabalhadores agricolas fixos numa fazenda que era atri­bufda aos colonos79• Sem duvida pensava-se que 0 traba!ha­dor agricola "pertencia" a fazenda patrona!80, e na rea!idadeassim se configurava concretamente a re/a~ao, porque a de­pendencia em re/a~ao a fazenda patronal ja era totaI8!. A

Colonato das fazendas patronais e colonato livre

Com isso trouxemos claramente a luz todas as caracte­risticas extremas essenciais da rela~ao juridica conhecida co­mo "colonato". Essa re/a~ao referia-se fundamentalmenteas grandes posses fundiarias e isso explica por que, nas fon­tes juridicas da era imperial, encontramos junto de/a a rela­~ao normal de arrendamento por parte de arrendadrios li­vres. A natureza administrativa das normas especiais vigentespara 0 colonato das fazendas patronais explica 0 motivo peloqua! os juristas quase nao trataram das caracteristicas dessare/a~ao. Ta!vez, na pratica, a situa~ao juridica oscilasse en­tre as distintas possibilidades e, por isso, na compila~ao dostratados juridicos nao foram examinados esses diferentes as­pectos.

possibilidade de levar de novo os colonos efetivamente agleba revestia urn enorme interesse para os proprietarios,sobretudo porque e/es eram responsaveis pe/as cotas tribu­tarias dos colonos. Essas cotas trib~arias (referentes aos im­postos sobre os imoveis e de caiita~ao) eram acrescentadas(adscribere)82 a sua propria iugdtio no registro do censo e,por isso, os colonos erarn chamados adscripticii. Os proprie­tarios das fazendas, do mesmo modo que as comunidades,estavam sujeitos a obriga~ao de fornecer urn contingentepreestabelecido de recrutas. Isso era concebido como urnonus rea! que incidia sobre a fazenda, e os proprietarios ten­tavam conseguir a isen~ao, coisa que por vezes logravamobter pagando rendas em dinheiro83. 0 imposto de capi­ta~ao permaneceu em vigor, ao que parece, para todos oscolonos provinciais, que por isso se chamavam censiti e fa­ziam parte daque/a classe de provincianos com menores di­reitos civis, a quem correspondia essa designa~a084.

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Situarao juridica das possessoes

o status juridico dos proprietarios em re1a~ao aos colo­nos tinha a natureza de uma autoridade publica. Em geral de-

Relaroes similares. Fortalezas. Estabelecimentos de barbaros

Outro conjunto de re1a~6es era considerado no plano ju­ridico com 0 mesmo criterio que 0 colonato. Por exemplo,os residentes nos castella da Africa eram daramente colonosdependentes do castellum, obrigados a presta~6es pessoais esubmetidos a urn funcionario imperial especial85

. No entan­to, eram mais importantes os barbaros que se estabe1eceramnas provincias limitrofes a titulo de colonos. Ap6s sua sub­missao, Hon6rio distribuiu os ciros como colonos entre osgrandes proprietarios86, como se costumava fazer com os de­sempregados. Tambem anteriormente ted. havido casos simi­lares. Mommsen refere a origem do colonato aos estabe1eci­mentos de barbaros efetuados por Marco Aurelio. Tambempoderiam ser considerados colonos os laeti galicos. Mas exis­tia, a meu ver, uma diferenp substancial: os Laeti e as estirpesbarbaras que se estabe1eceram em grupos compactos nao per­tenciam, pelo que sabemos, a urn conjunto fundiario na qua­lidade de camponeses dependentes, mas eram possessores re­conhecidos pelo Estado. Parece-me possivel, portanto, que osestabe1ecimentos de barbaros tenham refor~ado a tendenciageral a fixar em direitos reais as obriga~6es pessoais de servi­~os publicos, mas, por outro lado, creio que a rela~ao juridicarepresentada pe10 colonato tambem pode ser explicada hist6­rica, juridica e economicamente, sem levar em conta esses es­tabe1ecimentos. Como quer que seja, as fontes diferenciavamos barbaros residentes no ambito do Imperio, os gentiles, dossimples colonos; ademais, os primeiros tinham direitos pes­

soais privativos de seu statuP.

via corresponder aos proprietarios 0 poder policial e, emrazao dessa atribui~ao, 0 conductor do saltus Burunitanushavia podido mandar a~oitar seus colonos. Claudio fez queo Senado Ihe concedesse 0 d)Iiito de mercado para as fa­zendas imperiais, direito a 4ue ia de par, em todo caso, 0exerdcio do poder policial"em materia de abastecimento.Alem disso, 0 proprietario tinha a faculdade de ditar dispo­si~6es sobre a qualidade das mercadorias, sobre 0 conteudodas dedara~6es referentes it qualidade e aos principais de­feitos das mercadorias no comercio de gado e de escravos,com base no tipo de disposi~6es ditadas pe10s edis. Por ana­logia, acabou-se concedendo esse poder de regulamenta~ao

em materia de mercado tambern aos proprietarios privados(C.LL., VIII, 270). Estes, gra~as ao poder policial de que dis­punham, chegaram as vezes a encarcerar no ergastulum seussubordinados, como se fossem escravos, ate que interveioa legisla~ao estatal contra os carceres privati e tentou e1imina­los porquanto representavam urn menoscabo dos direitossoberanos do Estado e urn crimen laesae maiestatis88• Tam­bern se produziram, evidentemente, conflitos de competen­cia entre as autoridades administrativas estatais e as das fa­zendas aut&nomas sobre a admissibilidade de disposi~6es ad­ministrativas promulgadas pe1as primeiras nos territ6riosdas fazendas. As administra~6es dessas fazendas pretendiamque, para perseguir os de1inqiientes e aplicar outras medi­das necessarias em seu territ6rio, era preciso urn requeri­mento das autoridades estatais89• Em outras palavras, que­riam conseguir 0 que no reino dos francos costumava-se de­finir como "imunidade". Os imperadores se opuseram. Poroutro lado, os grandes proprietarios fundiarios tentavamconseguir, ao menos em parte, que os procedimentos civise penais contra seus subordinados ficassem reservados it com­petencia jurisdicional da grande propriedade fundiaria. 0proprietario representava 0 colono diante do tribunal e 0

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assistia90, A autonomia das posses em re!a~ao as circunscri­~oes judiciais municipais foi-se configurando atraves de urndesenvolvimento gradual e espondneo. Alem disso, as gran­des posses gozavam, no que concernia ao recrutamento mi­litar e a administra~ao tribud.ria, de outras autonomias. apropriedrio confeccionava por sua parte listas do censo desua fazenda, arrecadava impostos e dispunha do direito deexecu~a091. a resultado foi que os provincianos emigraramem massa das cidades, que haviam perdido sua for~a de atra­~ao pe!o desaparecimento gradual dos espedculos de gla­diadores e pe!o crescente interesse pe!as lutas partidarias nasdistintas localidades, circunscritas ja a poucas famHias do­minantes de decurioes e, por ultimo, depois da organiza­~ao do trabalho artesanal e industrial no interior das posses·siones. Essa emigra~ao levou os provincianos a se refugia­rem sob a prote~ao dos grandes proprietarios92• Estes ulti­mos tinham interesse em preservar seus subordinados e afor~a de trabalho de suas fazendas do recrutamento e, so·bretudo, em mante-Ios com boa saude, portanto em atri­buir urn trabalho nao superior a suas for~as a cada urn. Nointerior das possessiones escapava-se da organzia~ao tributa­ria estatal, que havia absorvido grande parte das popula~oes

citadinas (ou, melhor, precisamente os maiores contribuin­tes, convertendo-os numa especie de empregados estatais de­pendentes do organismo administrativo) e que em parte ha­via nacionalizado a produ~ao industrial e em parte Ihe deraurn carater oficial, pondo-a sob urn severo controle. A for­ma~ao do capital tornou-se provave!mente muito mais di­Hcil em todo 0 Imperio, exceto naquelas provincias lim!·trofes onde se iniciara uma nova fase de desenvolvimentogra~as a coloniza~ao. Essas dificuldades deviam-se a autar­quia das possessiones e a nacionaliza~ao de importantes se­tores industriais, entre os quais em particular os generos ali­menticios de primeira necessidade. Dado que, ademais, era

impossive! para os decurioes conseguir, via de regra, paten­tes superiores na hierarquia militar, as cidades ofereciam,em ultima analise, aos cidadaos das classes mais altas, pers­pectivas pauperrimas de~'er carreira. Isso constituiu maisurn motivo para os pro riedrios e para os decurioes vive­rem afastados das cidad s. Como ja assinalamos, no inicioda era imperial, com 0 ocaso das perspectivas poHticas daaristocracia, os proprietarios voltaram a desenvolver sua ati­vidade diretamente no campo. Ia Colume!a recomendavaque construissem uma residencia confortavel e apare!hadano campo, de forma que tambern permitisse uma estada per­manente da famHia proprietaria93. Paladio pressupunha co­mo 6bvia a existencia do praetorium94, isto e, do palacio,junto da fabrica95• N a era tardo-imperial, verificou-se emgeral 0 fen8meno do transporte de quadros, moveis, reves­timentos de marmore, decora~oes e ornamentos de diferentetipo por parte dos propriedrios, de suas casas na cidade pa­ra suas vilas no campo. As vezes mudavam tudo, deixandoa casa da cidade completamente vazia96. Eram em particu­lar os decurioes que queriam desvincular suas propriedadesda autoridade municipaL Ia no come~o da era imperial e!esse opuseram a legisla~ao e aos estatutos locais, proibindoo desmante!amento dos ediHcios citadinos sem 0 consenti­mento das autoridades publicas, impedindo tambem a mu­dan~a dos moveis das casas citadinas dos possessores. Em quepese a isso, porem, a progressiva desagrega~ao das cidadesfoi excepcionalmente intensa. Tal fato nao esd em contra­di~ao com 0 aumento da popula~ao e do bem-estar mate­rial de algumas cidades, por exemplo Milao, que surgia nolugar onde convergiam as estradas para as provincias limi­trofes, em que se registrava urn forte aumento da popula­~ao colonizadora e da produ~ao agricola. Sobretudo, issonao esd em contradi~aocom 0 considerave! desenvolvimen­to dos centros urbanos nessas provincias limitrofes. Na Ga-

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Ea, 0 retorno a condi~oes de economia rural, baseada princi·palmente em produtos agricolas, so ocorreu na epoca dos me­rovingios. Como quer que seja, a tendencia de fundo agorailustrada produziu seus efeitos ja na era tardo·imperial, emtodo 0 Imperio globalmente e em particular nas provlnciasmais antigas. Poder-se-ia tentar exprimi·la desta forma: "0ar do campo faz livres." Foi necessario que transcorressemcinco seculos antes que as condi~oes estivessem maduras pa­ra chegar asitua~ao contraria. Mas nem 0 cidadao que se reofugiava como colono sob a prote~ao de urn possessor, nem 0

servo da gleba estabelecido numa cidade como cidadao suoburbano podiam esperar conseguir uma liberdade individualno sentido moderno. Por outro lado, 0 conceito de liberda­de que 0 individuo podia formar, de que queria ser livre, esobretudo as perspectivas de urn desenvolvimento e a espe­ranp de uma existencia digna de ser vivida, segundo as ideiasda epoca, dependiam desses fenomenos seculares de floresci­mento e decadencia. Pois bern, no perfodo da decadencia doImperio Romano, toda perspectiva de desenvolvimento es­tava ligada as grandes propriedades fundiarias.

Aprendemos com as fontes que existiam tanto colonosde fazendas patronais como colonos para os quais, se qui­sermos adotar a linguagem da moderna legisla~ao agraria,nao existia uma relas;ao direta do tipo "patrao-campones",isto e, para os quais 0 vinculo com 0 proprietario fosse pu­ramente contratual. Estes ultimos existiam fora das proprie­dades fundiarias, mas, como assinalamos no capitulo ante­rior, a responsabilidade tributaria dos decurioes levou muitasvezes ao fracionamento dos territorios citadinos em OECJ1rO

n{a, aassigna~ao dos pequenos proprietarios a estas OElJ7ron{a: cada decuriao arrecadava destes ultimos e dos colo­nos os impastos de sua OECJ1r07(da, isto e, do territ6rio sub­metido asua administra~ao, e assim os contribuintes que

faziam parte de uma oElJ7ro7da eram efetivamente mediati­zados97• as tributarii eram essa classe de subordinados dospossessores. A classe destes ultimos se destacava, pois, niti­damente, como classe privaf.va dos contribuintes diretos.a fato de pertencer acuria(citadina podia ter valor de gra­vame sobre os imoveis98 piu-a os possessores cujas fazendasestivessem incluidas na jurisdi~ao municipal devido a umaisen~ao que Ihes houvesse sido concedida, por exemplo, daobriga~ao de fornecer recrutas provenientes de suas gle­bas99• Esra claro que essa tendencia se verificou em diferentemedida segundo as localidades e as vezes foi apenas esbo~a­

da, como 0 foi em seu tempo a ideia cesariana de organizartodo 0 Imperio em circunscri~oes municipais. Se quisermosexprimir com uma formula as tendencias de desenvolvimen­to, mas tendo sempre presente que so se tratava de tenden­cias cujo nivel de aplica~ao era diferente segundo as locali­dades e que talvez nao tenham sido levadas a cabo em ne­nhum lugar em perfeita correspondencia com a imagem idealque podemos formar, e-nos permitido dizer, a meu ver semtemor de parecermos atrevidos, que talvez a ideia de Cesarestivesse voltada em principio para a organiza~ao do Impe­rio como urn mosaico de munidpios administrativamenteautonomos, sujeitos apresta~ao de contribui~oes de inscri­~ao e que, em contrapartida, 0 principado havia suprimidopouco a pouco a autonomia administrativa e os municipioscoincidiam normalmente com as circunscri~oes administra­tivas do Imperio. Mas, na realidade, havia-se estendido portodo 0 Imperio uma rede de latifundios patronais diantedos quais os municipios se limitavam a realizar a fun~ao

de odiosos exatores no interesse da administra~ao tribura­ria estatal, sem chegarem a ser 0 cerne indispensavel da ati­vidade comercial, da forma~ao de capital ou simplesmenteJimpon,",o ill"',"",.

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Organiza,ao interna das grandes propriedades /undidrias

Dispomo-nos agora a examinar as rela,oes internas exis­tentes nas possessiones. Como vimos, os possessores adminis­travam as posses por meio de funcionarios, segundo 0 mo­delo dos funcionarios municipais. 0 villicus ainda existiarealmente na era imperialloo como cabe,a da fazenda, masjunto dele, na realidade nao raro em seu lugar, havia surgi­do 0 actorlOI , analogo ao funcionario municipal hombni­mo. A pr6pria defini,ao de actor indicava que ele era en­carregado de incumbencias administrativas quase publicas,como tambem se infere das fontesl02 . Como 0 villicus, eravia de regra urn escravo. N as fazendas maiores surgia 0 pro­curatorlOl no lugar do actor, ou como funcionario de urnnivel mais elevado. Esse procurator tomava como modeloo funcionario hombnimo imperial e era habitualmente urnliberto. Esses funcionarios se encarregavam da administra­,ao geral e estabeleciam as listas; 0 tratamento que lhes eradispensado era absolutamente similar ao devido aos funcia­narios da administra,ao estatal e imperiallo4. Nas grandesfazendas, em especial nas fazendas imperiais, tambem exis­tia urn tesoureiro chamado dispensatorloS, geralmente urnescravo; encarregava-se da compila,ao das listas urn tabula·riusl06. Em ocasioes distintas foram lamentados abusos departe desses administradoresl07, em geral pelos mesmos rna­tivos que os dos recursos africanos, A situa,ao dos colonos,em especial nas fazendas privadas autbnomas, era freqiien­temente precarissima. Como vimos, eles estavam em subs­dncia vinculados agleba e a conseqiiencia mais importan­te era a absoluta impossibilidade de abandonar a fazenda.Por outro lado, essa limita,ao da liberdade de movimentonao era considerada, via de regra, uma imposi,ao, ja quetalliberdade equivalia ao abandono da gleba cultivada e naoera considerada, pois, como urn direito significativo. No

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entanto, para os colonos era muito mais importante 0 se­guinte problema: a possibilidade de que devessem ser vin­culados agleba, inclusive contra a vontade do proprietario,com 0 que este nao teria podido rejeid-los como arrenda­tarios livres normais, nem tao/pouco aumentar-lhes 0 foroao vencer 0 prazo de urn perfodo qualquer de arrendamen­to. Esd claro que quem habibva numa propriedade nao pa­dia ser afastado dela sem m;";s nem menos e, de fato, ne­nhuma comunidade era obrigada a recebe-lo. Portanto, 0

problema era na pratica 0 seguinte: podia 0 proprietario pri­var de suas glebas os colonos para transforma-los em jorna­leiros, au, 0 que da no mesmo, anexar suas glebas e concede­las a outros? Esta claro que em casos de sucessao heredid­ria uma interven,ao direta do proprietario para recuperara gleba teria sido muito arbitraria. Ademais, como ja vimosno capitulo anterior, a lex agraria proibia, no interesse dosarrendatarios africanos da fazenda publica e, corresponden­temente, dos possessores obrigados ao pagamento do dizimo,que se aumentasse mediante a lex censoria 0 foro de arren­damento, etc. As leges censoriae contraidas com os manci­pes nos arrendamentos de glebas da fazenda publica previamcertamente a quantidade maxima de presta,oes que 0 gran­de arrendadrio poderia exigir dos pequenos arrendatarios,como ja acontecia nos arrendamentos de glebas imperiais.Tambem uma instru,ao de Constantino, referente aos ter­rit6rios do patrimbnio nacional na Sicilia, Sardenha e C6r­sega (Cod. Theod., Comm. div" 2, 25), dispunha que nas di­visoes de fundi patrimoniales e emphyteuticarii a agnatio dosescravos devia permanecer unida e nao ser desmembradaarbitrariamente. Dessa instru,ao, puramente explicativa erelativa aos escravos, Triboniano extraiu a conhecida cons­titui,ao concernente aos coloni adscripticiae condicionis (Cod.lust., II, Comm. div., 3, 38) e referia a instru,ao, de formabastante geral, aos proprietarios privados, muito embora em

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principio nao se falasse em absoluto de particulares. Referia-se a eles, em compensa,ao, aquela constitutio constantinia­na (Cod. lust. 2, De agric., 11, 47) que proibia que os com­pradores de terras retivessem os escravos para emprega-Iosem outro lugar. U ma proibi,ao semelhante nao teria sidonecessaria segundo 0 direito civil, nem tampouco segundoo direito administrativo - ja que 0 colono de uma fazendapatronal estava vinculado a ela por seu origo - se a confu­sao existente entre rela,aes privadas e publicas nao tivesselevado a concep,ao de que os colonos pertenciam ao pro­prietario num sentido muito particular de direito privado.Uma aplica,ao igualmente abusiva do direito servil era atentativa de vender as pessoas Hsicas dos colonos, como sefazia com os escravos. Ja que eles s6 pertenciam a gleba nosentido de que deviam habitar nela, esse neg6cio nao se jus­tificava juridicamente de nenhuma maneira. Mas tentava­se criar confusao sobre a natureza da rela,ao alienando pe­quenos lotes da fazenda e transferindo com eles os direitosde soberania e de disposi,ao sobre os colonos, buscando as­sim, em ultima analise, tornar as colonas alienaveis

108.

Tentou-se opor resistencia a semelhantes intentos e 0 Cod.lust. 7, loc. cit., ampliou essa proibi,ao aos servi rustici ads­cripticiae conditionis, isto e, inscritos em particular nas lis­tas censid.rias das propriedades com uma taxa de imposto.Os colonos e outros escravos assimilados na pratica aos co­lonos s6 podiam se transferir pro rata. As fontes nao men­cionam outras proibi,aes expressas de despojar os colonos,mas parece que se considerava admisslvel uma prote,ao ad­ministrativa dos terrenos possu,dos por camponeses. De fato,consentia-se um tipo de procedimento extraordinario con­tra os intentos dos proprietarios de elevar 0 foro dos colo­nos109. A interven,ao s6 podia ser arbitraria, e sempre foiassim, provavelmente, como por exemplo, conforme dis­semos no capitulo III, nas terras dos stipendiarii, onde tal-

vez tenha se originado. No caso de morte do colono, eraimpossivel privar 0 propriedrio da faculdade de colocar nolugar do pai 0 herdeiro que the parecia mais id6neo; os ou­tros tornavam-se inquilini. Nao sabemos ate que ponto seestendia a prote,ao concedida aos camponeses dentro dasterras privadas. De resto, ela ¢o era necessaria em geral paraa manuten,ao dos colonos,(porque, como ja vimos, 0 pr6­prio dominus tinha interesse em manter subordinados quevivessem e trabalhassem por sua conta e risco e que estives­sem a sua disposi,ao com seu trabalho na epoca do plantioe da colheita.

o nivel de independencia dos colonos e suas condi,aesgerais eram provavelmente bastante distintos nas diversaslocalidades e, talvez, em correspondencia com isso, tambemera diferente 0 tipo de colonato nas diversas fazendas. NaAfrica - tambem certamente em rela,ao as incursaes dastribos do deserto - existiam os vici dos plebeii, isto e, dadoque se tratava de stipendiarii, de todos os residentes, colo­nos, artesaos, comerciantes, cujas casas se concentravam emtarno das quintas "in madum munitiorum", como escre­vem os agrimensores nos trechos antes citados. 1sso tam­bem se produzia provavelmente quando os colonos provi­nham da massa dos escravos atraves de um processo gra­dual de emancipa,ao, sendo, portanto, principalmente tra­balhadores submetidos a estreita vigiIancia do inspector, doactor e do villicus, como pressupae Columela, especialmentese sua manuten,ao devia estar a cargo da fazenda durantea maior parte do ano, sendo os dias trabalhados mais nu­merosos que os livres llO. Por outro lado, Columela consi­dera normal que os colonos residissem em glebas distantesda villa. Portanto, e muito diHcil dizer algo geral sobre asitua,ao dos colonos em rela,ao ao proprietario, sobre 0

nivel efetivo de dependencia e sobre suas condi,aes sociais.Como quer que seja, a glebae adscriptio nao representava um

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Vicissitudes cia classe dos trabalhadores agricolas

pioramento dessas condi~oes, sobretudo porque nao acres­centava nenhum e!emento novo.

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219ECONOMIA AGRARIA E GRANDES FAZENDAS

vestimentas, estabe1eciam rela~oes sexuais monogamicas,eram convidados algumas vezes a comer com 0 propriet:i­riollS e tinham peculium no pasto comum. Em condi~oesanaJogas encontravam-se os praeftcti, postos no comandodos distintos grupos de escravos. Eles tambem estabe!eciamre!a~oes monog£micas e tin1fam peculium116 (estes dois fe­n6menos eram habitualmehte parale!os). Pois bern, quan­to mais diminuiam as imp6rta~oes de escravos, tanto maisnecessario era evitar vazios nas filas dos escravos agricolase controlar severamente, com este fim, a organiza~ao emque estavam estruturados. Colume!a117 faz referencia aosmagistri officiorum; dessa alusao podemos deduzir que osescravos eram repartidos em classes e decuriae, nao so nosentido militar, mas tambem em fun~ao dos officia, isto e,do tipo de trabalho desenvolvido. Isso est:i re!acionado coma import£ncia cada vez maior que se ia atribuindo as tecni­cas. as autores mais antigos, Cado e Varrao, distinguiamno maximo os pastores segundo 0 gado que vigiavam, pon­do todos os demais juntos sob a denomina~ao de operarii.Ja Colume!a recomenda admitir vinearii peritos e mante­los exclusivamente no setor vinicola, no qual se havia em­pregado ate entao a for~a de trabalho mais barata118. As di­ferencia~oes entre as ocupa~oes tomaram-se ainda mais clarasquando nas grandes fazendas come~ou-se a organizar urnartesanato proprio. Columela diz que os jabri eram, em ge­ral, escravos comprados119, talvez em escolas profissionais,porem com maior probabilidade em oficinas de artesaos dacidadel20. Em compensa~ao,depois, nos tempos de Paladio,os artesaos nasciam e aprendiam 0 oflcio na propria fazen­da. Portanto, nessa epoca a for~a de trabalho se dividia ni­tidamente em dois setores: agricola, officia, e artesanal,artificia121

• a fato de pertencer a urn dos setores tomou­se, em todo caso, praticamente hereditario, ja que se aban­donou 0 sistema dos dormitorios e da promiscuidade entre

HIST6RIA AGRARIA ROMANA

Pe!o contrario, e possive! encontrar mais de urn fen6­meno geral que pressupoe urn desenvolvimento da situa­~ao dos escravos. Ja vimos que a organiza~ao das fazendasbaseadas no trabalho escravo era, na epoca de sua maior di­fusao (come~os da era imperial), de carater estritamente mi­litar. as escravos dormiam em dormitorios, comiam todosjuntos e em geral nao podiam estabe!ecer re!a~oes sexuaismonog£micas. De manha deviam formar em decurias, 0 vii·licus e a villica deviam passa-Ios em revista e depois eramlevados para 0 trabalho em grupos de 3 a 10 individuos, soba vista dos vigilantes (monitores)111. A distribui~ao das ta­refas era feita em fun~ao da for~a Hsica: os mais fortes paraas lavouras, os mais frageis para os vinhedos112. Alem dis­so, nos olivais enos vinhedos empregavam-se, como vimas,as escravos menos caras e, provavelmente, a maior partedos agrilhoados. as escravos deviam conservar sua roupaem determinados quartos, como acontece nos quarteis mo­demos. Cada urn recebia todos os anos uma tunica, cadadois anos urn sagum (Cado, 59); ademais tinha indument:i­rias grosseiras para 0 trabalho (centones). Duas vezes pormes eram passados em revista113. a escravo devia deposi­tar as roupas para os dias festivos na casa da villica, que di­rigia a atividade da cozinha comum, do lanificium, em queas escravas fiavam a la necessaria para a confec~ao do ves­tuario, e do valetudinarium (enfermaria)114. No comandodos escravos, como vimos, era posto 0 villicus, geralmentetambern escravo, crescido na fazenda; depois os actores. Es­tes ultimos usavam, segundo Columela (12, 3), as melhores

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0$ escravos, coisa que com certeza ocorreu antes para asartesaos. 0 abandono desse sistema na villa rustica foi, semduvida, 0 e!emento decisivo do desenvolvimento. Para osempregados da fazenda, os officiales, isso ja acontecera naepoca de Columela: e!es eram mon6gamos, como vimos,e possuiam urn peculium. Jan<) inicio da era imperialverificavam-se casamentos livres entre e!es: as pessoas per­tencentes a uma fazenda sentiam-se, enquanto organizadasprecisamente nesse sentido pe!a pr6pria fazenda, represen­tantes de uma classe para a qual a consecu~ao da liberdadeera urn objetivo a alcan~ar sem sair da pr6pria classe

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significado moral desse desenvolvimento decerto nao ne­cessita ser ressaltado. Epreciso ter em mente que, no mun­do antigo, no inicio da era imperial, a forma juridica idealdo casamento concebida por Bebe! havia sido levada a cabode facto nas classes superiores, de iure em geral. As conse­quencias saO conhecidas. Nao e possive! avaliar, dentro doslimites deste texto, a conexao entre esse desenvolvimentoecon6mico e a influencia exercida pe!o ideal cristao do ca­samento; como quer que seja, e certo que a separa~ao dosescravos da envilecedora vida de promiscuidade nas fazen­das representou urn fen6meno de profundo e intimo sanea­mento, que nao foi pago com urn pre~o demasiado alto coma queda das classes privilegiadas numa barbarie plurissecu­lar. Como ja ressaltamos, 0 estabelecimento de pequenasfazendas camponesas por escravos, tal como se verificou emgrande escala com 0 encarecimento do custo da mao-de-obrae a consequente diminui~ao das rendas nas fazendas direta­mente administradas pelos proprietarios, representou 0 re­sultado exterior do desenvolvimento agrario da epoca im­perial. 0 desenvolvimento levou espontaneamente atrans­forma~ao dos escravos em Lassiten - para usar uma analo­gia modema - mon6gamos e dotados de alojamento pr6­prio. A situa~ao juridica em rela~ao ao propried.rio mani-

festou a mesma tendencia aemancipa~ao da fazenda patro­nal em troca de presta~oes de renda fixa. As fontes distin­guem 0 caso do escravo residente numa area da fazenda emtroca de uma renda fixa do caso em que e!e a cultiva fidedominica, isto e, por conta do proprietario123. Neste ulti­mo caso, e!e fazia parte da d\:Jta~ao da fazenda, ao contra­rio do primeiro. Nao e este dlugar para discutir a re!a~aodesta fides dominica com rela~~ in truste dominica que severificou nos territ6rios conquistados pe!os francos. A pro­gressiva aproxima~ao das condi~oes do escravo das do co­lono, isto e, a transforma~ao dos trabalhadores agricolas emcamponeses e urn dos acontecimentos mais importantes eindubit:iveis da hist6ria do Imperio Romano.

Nos primeiros seculos depois de Cristo, os escravos seuniram em grupos de tipo corporativo, collegia, em partecom a finalidade de constituir urn fundo de socorro mutuoe para os funerais, em parte para estabe!ecer uma uniao pes­soal e sociaj124 mais estreita, em que podemos vislumbraro nucleo a partir do qual se desenvolveu uma nova e maisespond.nea organiza~ao da institui~ao familiar.

] a anteriormente, 0 proprietario fundiario havia permi­tido que seus artesaos tambem trabalhassem "para 0 mer­cado", mesmo porque isso constituia para ele uma fontede rendas e, para os colonos, urn esdmulo para aprendero oficio e tomar-se artesaos. Ele POSSUIa pequenas lojas devarejo nas cidades e as administrava por meio de filii fami·lias e de escravos na qualidade de institores125• Em certasocasioes tambern permitia que e!es comerciassem por con­ta pr6pria. Nao podemos aprofundar-nos aqui no examede institui~oes juridicas ligadas a essas re!a~oes, as chama­das actiones adiecticiae. S6 podemos dizer que essa situa~ao

nao levou entao aemancipa~ao dos artesaos vinculados apropriedades imobiliarias, como aconteceu na Idade Media.A diferen~a essencial em re!a~ao asitua~ao dos artesaos me-

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Conclusao

o sentimento nacional havia destruido conscientementea Republica com a constitui9iio do orbis terrarum como con­junto de comunidades municipais. No transcurso posteriorda era imperial, enquanto fase psicologicamente ativa, fal­tou 0 patriotismo local das comunidades citadinas. A ideo­logia cosmopolita tomara corpo e dera seus frutos como urnfator nao politico, mas religioso. 0 intento, de resto dema­siado tardio e excessivamente complicado pelas necessida­des fiscais da administra9ao publica, de transferi-Io do am­bito te6rico ao pratico foi se chocar contra a media9ao damaiaria dos habitantes do Imperio residentes nas proprie-

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223ECONOMIA AGJURIA E GRANDES FAZENDAs

dades fundiarias ou situados em dependencia da pr6pria ad­ministra9ao publica. 0 generico habitante deste imperiomundial s6 havia reconquistado a pouca terra que ele pr6­prio cultivava e em que devia viver, e recome90u a dirigire limitar 0 ambito de seus pensamentos e de seus interes­ses. Era necessaria a desagrega9ao da uniao imperial em au­tonomias territoriais e loc>!s para permitir urn novo desen­volvimento em que a antiga,unidade do Imperio p6de de­senvolver uma influencia ativa; apresentando-se aos homensnao mais como urn organismo fiscal e administrativo, mascomo uma imagem ideal da unidade mundial.

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HIsr6RlA AGJURIA ROMANA

dievais vinculados a uma gleba consiste na impordncia co­mercial dos propriedrios da Antiguidade, que nunca desa­pareceu de todo. Na base da sua presen9a permanente nosistema encontrava-se a vigilmcia exercida sobre os posses­sores pela administra9ao publica imperial por meio de fun­cionarios remunerados e com a advert~ncia de urn exercitopermanente. 56 quando essa vigilmcia faltou e a autorida­de local dos propried.rios, centrlfuga por sua pr6pria natu­reza, esteve em condi90es de sustentar-se por si s6, por suaconta e risco, e que chegou 0 momento em que os possesso­res mandaram fabricar armas em suas oficinas e a autarquiadas grandes propriedades fez essas ultimas aparecerem co­mo os unicos nucleos em torno dos quais se podia organi­zar urn poder territorial. Mas os propriedrios deixaram quese lhes escapasse das maos a dire9ao do desenvolvimentoecon6mico e industrial; e, enquanto eles se dedicavam denovo a p6r em primeiro plano a importmcia politica dapropriedade fundiaria, 0 desenvolvimento industrial passouas maos dos artesaos vinculados as suas pr6prias glebas.

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APENDICE

A inscrirao de A rausio, ClL., XII, 1244 (if. addi­tamenta, eod.)

o original do fragmento mais importante (isto e, 0 daesquerda) da inscri~ao que reproduzimos adiante, compos­ta por dois fragmentos, esd. em posse do professor Hirsch­feld, que 0 pas cortesmente it minha disposi~ao. Reproduziaqui 0 fragmento pela unica razao de que no CLL. nao semencionam as medidas; de resto, nao pretendi oferecer umareprodu~ao exata. Nao era necessaria, ja que sua leitura esegura. 0 professor Hirschfeld so possui uma copia do se­gundo fragmento, isto e, 0 da direita, extraido dos addita­menta do CLL. As medidas, desconhe~o. Parece-me mui­to provavel que este fragmento fazia parte da lacuna do pri­meiro, abaixo it direita, sempre que as medidas correspon­dam. A leitura na margem superior ealgo duvidosa. Comoquer que seja, nao inseri este peda~o porque nao pudeinteirar-me de suas medidas. Se a combina~ao integrativaassinalada Fosse correta, a inscri~ao da centuria, conservada

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Ex. tr. XII, col. XCVIII (XC.VIII?) Colvarius (col. Varius?)Calid. XX a. IIX.XXVI. n.a. II.XII. Appuleia Paulla XLII.a.IIX.X... a.II.XII. Valer. secundus IV. a.nxX.II. Everda­deiramente surpreendente que no fragmento da esquerda,por baixo da faixa obHqua, haja uma linha a mais que noda direita. Os lados do retangulo esdo entre si numa pro­por~ao de 6:5 (14:11,6 em), isto e, 24:20, nao por acaso, masintencionalmente, porque uma mudan~a do quadriculadocartogd.fico teria deslocado 0 sinal gd.fico que representao aqueduto. De fato, parece-me inegavel, segundo 0 que so­bra da inscri~ao embaixo aesquerda, que a faixa obHquarepresenta precisamente um aqueduto. 0 terceiro fragmentoabaixo situado foi incluldo no c.I.L. somente segundo umaedi~ao anterior, e sua leitura parece viciada.

Os poucos complementos tentados justificam-se por si.Segundo 0 tipo dos caracteres, a inscri~ao pode remontaraidade de ouro do Imperio; mas, dado que as formae eramreproduzidas em bronze e em tela de linho, trata-se eviden­temente de uma copia cujo original poderia remontar a umaepoca anterior. Na interpreta~ao,cuja consecu~ao seria demaxima importancia para estabelecer as rela~5es tribud.riase 0 tipo de reparti~ao geral das col6nias nas provlncias, enecessario ter presente em particular que a.IIX. se repetetres vezes. Se tivesse havido uma medida de superHcie iguala 10 jugadas e cujo numero come~assepor a, poder-se-ia in­ferir que a centuria em questao era evidentemente a de 240jugadas, de que fala Nipsus, usual para a terra tributada (queNipsus simplesmente indica com ager scamnatus). A somaglobal dos numeros que nao esdo precedidos por a. ou porX e de 20 + 12 + 42 + 12 + 4 = 90, resultado a que corres­ponderia a cifra da segunda linha, se fosse XC e se 0 VIIIda linha seguinte se referisse a col. Varius, isto e, apalavrasubseqiiente. Talvez a.IIX. designe a allquota de produtos(octava) do terreno aravel, junto da qual esti indicado 0 vec-

229APENDICE

tigal fixo, representado pe!os numeros apos 0 sinal graficode "dinheiro", enquanto a.II (arvum secundum) indicariaa terra de menor importancia sujeita aduodecima (~ XII),ou a nenhum imposto. Mommsen considera pOSSIVe! quea. deva ser interpretado como asses, mas naG emuito veros­slmil. Como quer que seja, eu referiria os numeros sima­dos imediatamente atras de um nome ao modus agri das pes­soas correspondentes. Do fragmento da esquerda deduz-seque as cotas son:eadas deviam estender-se por virias centu­rias. Mommsen'completou assim a parte inicial: ex tributa­rio (scil. agro) y redaetus in colonicum, de modo que se tra­taria do caso de que Higino fala nas pp. 203 ss.: reparti~ao

de um territorio tributive! segundo as formas agrimenso­rias romanas. Esti claro que neste caso havia lotes de dife­rente extensao. Como quer que seja, tinha-se sobretudo in­teresse pe!a qualidade, como se depreende dos dados nume­ricas da inscri~ao (Calidus estava sujeito a um vectigal deXX e XXVI denarii, Secundus de IV e II denarii). Nao esticlara a finalidade da copia, como de resto sao duvidosas to­das as tentativas de interpreta~ao.

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NOTAS

Capitulo I

1. Frontin., De agr. qual. 1 55. (Lachmann).2. Corp. Inse. Graec., II, 1485 (Boeckh).3. A dedu~ao (deductio), como 0 A. explica adiante (d. p. 47), euma forma

de coloniza~ao consistente na funda~ao de cidades ou na transform3f3,o destas.(N.E.)

4. As dire~oes dos limites variavam ao variar 0 ponto de oode surge 0 sol.15so ja se verificava nos terrenos de palafitas da planfcie paduana (Helbig, Die Ita­liIeer in der Poebene). 56 depois aprendeu-se a determinar exatamente a dires;aoeste-oeste (Higino. De lim. canst. 170, 187).

5. M. Jun. Nipsus so menciona, alem do ager centunatus, 0 ager scamnatus(Lachmann, 293).

6. Lachmann, fig. 3.7. Na epoca de Varrao, quatro centUM constitufam urn saltus. Portanto,

naquela epoca ainda naa estava em usa a maior largura das quintarii.8. Higin., De condia. agr. 121, 16 ss.9. Cf. Lachmann, figs. 21, 22, 184b.10. Higin., loe. cit., linha 20.11. Higin. 200.12. Cf. no quadro 1 a reprodu~o de um fragmento de um plano cadastral

romano de Musio e a interpret~ao dada no Apendice.13. Sicul. FIacc., 155.14. Suet., Div. JuL 20: "Campum Stellatem... agrumque Campanum... divi-

sit extra sortem ad viginti milibus civium..."15. c.I.L., I, 200, 3-4. Bruns, Fontes, p. 72.16. Para esse conceito, cf. adiante.17. ca., r, 200, H.

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18. Rom. Staatsrecht, III, 26, 793.19. Nessas comunidades, por exemplo, entre as celtas, 0 problema cia divi­

sao da terra nao existia dessa forma, j:i que 0 chefe podia distribuir a seu arbitrioo terreno. Dal a divisao irregular - em lotes arbitrarios - na Irlanda.

20. Essa distribui£ao foi mantida ate a idade imperial Duma das mais antigascolonias de cidadaos, Ancio, deduzida em 416 a.u.c., como se depreende do fibercoloniarum, 229, 18 "Antium populus deduxit... ager eius in lacineis est adsigna­tus". A import3.ncia dessa colonia para nosso problema se deduz do fato de quenao tinha, como as outras coloniae maritimae daquele periodo, 0 carater de desti­no de guarni9ao, mas, evidentemente, 0 de uma organizacao real de todo 0 terri­torio com a particip~ao de todos os habitantes (Liv. Vill, 14). Por outro lado,tambem se pensa que, em 6stia, havia em parte uma distribuicao em lacineis.Voltaremos mais tarde ao problema.

21. Tambem considero uma confirmacao da extensao diferente dos lotes urntrecho da lex agraria de 643 a.u.c. (c. 60), aquele em que se dispoe que "neiveunius hominis (nomine quoi... colono sive quei in colonei nu)mero scriptus est,agrum quei in Nrica est, dare oportuit licuitve, amplius iugera CC in (singuloshomines data adsignata esse fuisseve iudicato...)". Mommsen considera provavel(CLL., ad. h. L) que houvesse mais categorias de proprietarios, as com 200 juga­das por pessoa e as com menos. De fato, como demonstra Pompeia (d. Nissen,Pompejan. Studien), existiam dentro das cidades gradua90es semelhantes do sor­teio. Mas, na disposiCao citada, a lei so fixa uma extensao maxima para as arease nao diz, em absoluto, que a extensao de 200 jugadas deva ser considerada comomedida regulamentar das glebas de determinada categoria de colonos. Conside­ro, antes, que os lotes eram distintos segundo a natureza do terreno e que nin­guem devia receber mais de uma centuria inteira: a posse de uma area maior equi­valia tecnicamente a urn latus fundus (Lachmann, 157, 5).

22. Sao essas as assignacoes aos veteranos desde os tempos mais remotos,como tambem as dos veteranos da segunda guerra punica (Liv. XXXI, 4). Alias,as mais antigas assignacoes viritanas sao uma forma de reparti9ao do butim.

23. Frontin. 14; Higin., De lim. const. 203.24.0 incentivo foi dado provavelmente pelas centurias retangulares utiliza­

das nos territorios provinciais (e, tambem, na Icilia, embora mais raramente). Comoatesta a inscri9ao reproduzida no apendice 1, 0 costume era dispor a dire9ao dalongitude de forma distinta nas diversas regioes; em Arausio, ao que parece, naregio citrata sinisrra estava disposta em sentido este-oeste, na regio citrata dexrraem sentido norte-suI. De forma anaIoga, tambem na subdivisao das centurias perscamna et strigas a posi9aO destas tinha distintas orientacoes. A orient~ao e iden­tificas;ao dos lotes numa zona parcelada dessa forma eram mais simples do que

utilizando apenas faixas paralelas.25. Higin., De lim. 172, 6.26. Por isso podia ocorrer que, pela veemencia dos afrontamentos, fossem

distribuidas mais jugadas do que as que eram efetivamente disponiveis, ou enta~que se assignassem glebas ja alienadas, como parece que sucedeu em grande escalana assigna9ao de Caio Graco em Cartago, por causa dos tumultos que a acompa­nharam. Isso e posto em evidencia pela lex agraria de 643 a.u.c., que continhadisposi90es para 0 caso em que a' mesma gleba Fosse assignada mais vezes.

27. Frontin. 3.28. Assim se procedia tarnbem com os bens dos templos egfpcios, segundo

o que se infere da inscri9ao hierogHfica de Edfu (interpretada por Lepsius, "Ab­handl., der Berl. Ak. der Wissensch.", 1855), que cita com exatidao pelo menoso comprimento. e a largura dos lados dos distintos lotes, e isso pela rnesrna razao:para poder identificar com maior precisao as diferentes glebas.

29. Cic., Pro Fiacco 32, 80 ss.: "rnaiorem agri modum...".30. Lib. col., 236, 7: "Ostensis ager ab impp. Vespasiano, Traiano et Hadria­

no, in praecisuris, in lacineis et per strigas, colonis eorum est adsignatus." Esd.claro que ess~ formas de assigna9ao, vigemes ao mesmo tempo, derivavam dasassigna90es precedentes e so foram adotadas pelos tres imperadores agora citados.

31. Fron~1in. 3.32. Levan o-se em conta que Suessa era uma colonia latina, evidentemente

seria prematuro uzir que a reparticao do terreno tivesse sido realizada sobre-tudo in scamna.

33. Segundo as conc1usoes de Mommsen, 6stia tinha a tribus Voturia. Poroutro lado, existem inscricoes fidedignas que atribuem aos habitantes de 6stiaa tribus Palatina. A isso corresponde a consideravel variedade de divisoes: laci·niae, precisurae e strigae. Localizamos anteriormente, nas iancinae de Ancio, 0

resultado provavel de uma divisao similar aem Gewanne (lotes de terreno dividi­dos em partes de figura quadrada) e de uma organiza9aoagraria coletivista origi­nal. Se isso e correto, as laciniae de 6stia representariam 0 territorio da antigacolonia; por sua vez, as strigae constituiriam a area distribuida aos percipientesestabelecidos, com a obrigac3.0 de determinadas prestacoes para 0 abastecimentode cereais aRoma, desde Augusto ou anteriorrnente. Everdadeiramente dignode ser destacado que precisamente tres pontos, de importancia segura para os abas·tecimentos de cereais, tivessem tribus citadina. Pelo que sabemos, nao houve na­vicuiarii em 6stia; os mencionados nas epfgrafes eram estrangeiros. Os navicula­rii (d. Cod. 7beod. XIII, 5-7) so aparecem nos.portos de cereais de alem-mar. Pelocomrario, a maioria das associa90es de 6stia referemes ao abastecimento eramindicadas nas inscri90es. Como se sabe, em Puteoli, 0 antigo munidpio se mante­ve ate a epoca imperial junto da colonia deduzida em 560 a.u.c. A dedu9ao dacolonia (0 que concorda mal com a epoca da sua fundacao) so tinha, ou tinhaentre outras coisas, a finalidade de assegurar 0 abastecimento de cereais. A inscri­9ao CLL., X, 1881, relativa as distribuicoes de dinheiro aos cidadaos, cita emprimeiro lugar os decuriones, em segundo Iugar os Augustales, depois os ingenuiet veterani corporati e, finalmeme, os municipes. As relacoes entre os diversos per­cipientes eram de 12:8:6:4. Dado que em nenhum caso os veteranos teriam podi­do fazer parte de uma classe de artesaos, e melhor admitir que se tratava de cor­pora90es encarregadas das Jrumentationes e que se entregavam aos veteranos ascotas de terreno em troca de assumir determinadas obriga90es relacionadas comas proprias Jrumentationes, obrigacoes que recalam sobre os ingenui, que eramcontrapostos aos municipes e tambem aos antigos colonos. Apresentam analogiasos viasii vicani e os navicularii. Concorda com a hipotese desse tipo de doa90esem 6stia 0 sucessivo envio de colonos sob Vespasiano, Trajano e Adriano (Lib.col., 236, 7), ja que a necessidade de mao-de-obra para aJrumentatio devia aumen­tar e, ademais, os lotes de terreno podiam ficar livres.

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232 HIST6RIA AGMRIA ROMANA NOlilS 233

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34. Lib. col., 230, 8: "Alatrium, muro ducta colonia, populus deduxit, iterpopulo non debetur, ager eius per centurias et strigas est adsignatus."

35. Id., 230, 17.36. Id., 255, 17.37. Id., 259, 19.38. Id., 238, 10.39. Id., 260, 10.40. Id., 231, 8.41. Id., 230, 5.42. Id., 257, 6 e 26.43. 121.44. 115; 110, 8; 125 abaixo; 136, 15; 152; 153, 3; 154.45. Rudorff, nas Gromat. Institut., admite que 0 Estado cleve tef estabeleci­

do com as compradores acordas diferentes conforme a situ~ao; mas a aquisi~aodo terrene apresenta-se-nos como uma instituilY3.o unid.ria.

46. No caso citada por Llvia (XL, 51, 5: "M. Fulvius... locavit... basilicam...circunclatis tabemis, quas venditit in privatum."), poder-se-ia considerar admissi­vel a alienayao da propriedade sem deliberay3.o popular, talvez porque 0 terrenoedifidvel tinha sido comprado antes e podia ter ficado adisposis:ao do magistra­do que 0 vendia ate 0 termino da obra e sua probatio. Em Livio XLI, 27, 10, naose faz notar que a alienas:ao Fosse efetuada em privado, e talvez nao Fosse assim.

47. Quando os confiscos dos triunviros nao se identificavam com confiscosdos bens dos adversarios, seu fundamento juridico nao era claro, em parte naoexistia em absoluto. 0 fato de que se procedesse imparcialmente e-nos assinaladomelhor que por qualquer outra coisa por uma observa~aode Siculo FIacco (160,25): determinado numero de proprietarios era convidado a fazer a professio desua propriedade, aparentemente com a finalidade da assigna~ao e registro no cen­sus. Porem, apos a dedara~ao, era-lhes paga uma indeniz~aoproporcional ao va­lor dec1arado e seus terrenos eram embargados. 0 truque juridico consistia emque, recorrendo as vias legais, ja que 0 resultado do procedimento teria consisti­do no m.ue.imo numa conden~ao pecuniaria, nunca se podia receber mais queo valor monetario correspondente apropria declara!j:ao, 0 que ja havia sido rece­bido. Tratava-se, em todo caso, de uma venda coativa., que tambem tera sido uti­lizada em outros, em que se menciona uma indeniz~ao aos proprietarios. Faz­nos pensar nas possessiones a loeu~ao, freqiiente nos agrimensores, vetus possessor

de Graco (d. cap. III).48. Como quer que seja., a anota~ao do modus naforma no-lo faz presumir.

49. Frontin. 4.50. No cap. IV, falar-se-a dos fundi excepti medidos per extremitatem e dos

saltus em conexao com as grandes posses imobiliarias e suas rela~ees com a orga­

niza!j:ao administrativa romana.51. Mommsen (C.LL.,loc. cit.) designa essa decisao como "arbitramento".

Nao pude adotar esse termo, na medida em que naO se alude a compromissosno texto. Evidentemente tera havido uma querela unilateral, seguida de um pro­cedimento contumaz e de uma execu~ao.Parece-me, antes, tratando-se de muni·apia stipendiaria, que nada se opee a hip6tese de urn litigio comum, na-

turalmente em forma de iudicium extraordinarium e, portamo, seguido de umaexeeu~ao real.

52. Assim tambem a lex agraria de 643 a.u.c. dispunha que 0 territorio daAfrica, deixado anteriormeme a stipendtarii, deveria ser reduzido in fomuln pu·blicam, coisa que fora abandonada na epoca da instituis:ao da provincia e depoisdo desconcerto das assigna~oes dos Gracos. No cap. ill tentaremos esclarecer aquem se fmam, nesse caso, as assignas:6es.

r235NOlilS

Capitulo II

1. Se~ deriva de pango, pode-se admitir com facilidade a referencia aurn territorio de 1imites estabelecidos com urn contrato que exclufa a comunida­de agraria.

2. Mas ;3. 0 fato de as casas das aldeias serem unidas entre si por taipas co­muns, ate onde chegou 0 territorio mais tarde colonizado pelos tOmanos (como,por exemplo, na Lorena), era uma conseqiiencia da existencia., nas mesmas aldeias,de ruas, desconhecidas nas aldeias rigorosamente alemas. A ausencia abso1uta dessefenomeno tao evidente e0 que Tacito recorda quando (Germania, 16) fala da 10­caliza!j:ao isolada das feitorias em contraposis:ao aco1onizas:ao em aldeias.

3. Desconhe!j:o as rela!j:oes agnirias das colonias 1atinas.4. Higino, De condo agr. 114, 11.5. Pleitos juridicos entre os munidpios de iure territorii tambem ocorriam

por esse motivo. Cf. Hig., De cond. agr. 52, 21.6. rd. 154, 9: "Divisi et assignati agri non unius sum conditionis. Nam et

dividuntur sine assignatione et redduntur sine divisione. Dividuntur ergo agri 1i­mitibus institutis per centurias, assignantur viritim nominibus."

7. rd. 160, 14: "Aliquando... in limitationibus, si ager etiam ex vicinis terri­toriis sumptus non suffecisset, et auctor divisionis quosdam cives coloniis darevelit et agros eis assignare, vo1untatem suam edicit commentariis aut in formisextra 1imitationem: 'monte illo, pago illo, illi iugera tot', aut 'illi agrum illum,qui fuit illius'. Hoc ergo genus fuit assignationis sine divisione... Sunt vero divisinee assignati, ut etiam in aliquibus regionibus comperimus, quibus, ut supra dixi­mus, redditi sum agri: iussi professi sunt quantum quoque loco possiderent."

8. 0 que se deduz, por analogia, da po1emica explicas:ao que da Higino, 118,9 sS., d. 119, 8 sS.: " ... quidam putaverunt, quod... repetendum arbitror, ut eisagris qui redditi sunt veteribus possessoribus, iuris dictio esset coloniae eius euiuscives agros adsignatos accipiebant, non autem videtur... alioquin, cum ceteros pos­sessores expelleret... quos dominus in possessionibus suis remanere panus est, eo­rum condicionem mutasse non videtur...".

9. rd., 6, 4, 5 ss.; 20; 22; 52; 7; 53; 16; 110, 14 S5.; 117, 17,25; 132, 155,23;162, 20; 163, 10; 202, 5.

10. rd., 114, 3; 133, 4; 196, 18; 197,20; 198, 202, 3 5S.

IUd., 15; 48, 24; 116,22; 117, 18; 120, 16; 157,9; 196, 18; 201; 15; 202,3.12. Cf. os trechos da nota 10.

HISr6RIA AGMRIA ROMANA234

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Page 125: WEBER, Max. História agrária romana

D. Cf. as trechos da nota 9.14. Id., 54.15. Como se infere da polemica de Higino (d. n. 65, cap. III), era esta pela

menos a opiniao predominante, e tambem se depreende da identificayao entreforma e pertica (154, 18): "... quamvis una res sit forma, alii meum perticam, aliicancellationem, alii typon, quod... una res est: forma".

16. 164, 5 55.: " ..• multis... erepta SUnt territoria et divisi sunt compluriummunicipiorum agri et una limitatione comprehensa sunt: facta est pertica omnis,id est omnium territorium, coloniae eius in qua colani deducti sunt. Ergo fit Ut

plura territoria unam faciem limitationis accipiam".17. Cf. 0 trecho de Sieulo FIacco na nota seguinte.18. Fromino, lib. II, 26, 10: "quidquid huic universitati - acolonia - ad­

plicitum est ex alterius civitatis fine, praefeetura appellatur..."; 49, 9: " ... colo­niae quoque loca quaedam Ilabent adsignata in alienis finibus, quae loca solemuspraefeeturas appellare". Mas em especial Siculo Fiacco, 159, 26; 160: "Illud prae­terea comperimus, deficiente numero militum veteranorum agro qui territorioeius loci continetur in quo veterani milites deducebamur, sumptos agros ex vici­nis territorriis divisisse et assignasse; horum etiam agrorum, qui ex vicinis popu­lis sumpti sum, proprias factas esse formas. Id est suis limitibus quaeque regiodivisa est et non ab uno puncto omnes limites aeti sunt, sed, ut supra dictumest, suam quaeque regio formam habet. Quae singulae praefecturae appellanturideo, quoniam singularum regionum divisiones aliis praefecerunt, vel ex eo quodin diversis regionibus magistratus coloniarum iuris dictionem mittere soliti sum."(Texto em parte viciado.) Pode parecer estranho que no texto nao se tenha apre­semado a rela~ao causal inversa e se tenha dito: para os distritos jurisdicionaisseparados se desenham formae especiais. Nao se deve afirmar por conseguime quea necessidade de se confeccionar uma forma especial tenha sido 0 fundamemojurldico para a cria):ao de um drculo especial com jurisdi):ao delegada. Como querque seja, a expressao antes utilizada nao foi escolhida sem razao. Ealgo absoluta­mente caractedstico que um sistema unitario de agrimensura tambem correspon­da, nos casos duvidosos (mas houve exces:oes: d. 162, 3), a um distrito adminis­trativo autonomo. Por indus:ao, admitiremos que a causa disso deve ser buscadano fato de que cada uma das distintas comunidades agrkolas romanas residemesno antigo territorium, coisa provavel em si e por si, tivesse de certa forma umaadministra):ao autonoma, que a divisao do patrimonio comum tenha sido efetua­cia separadamente para cada uma e que essas zonas divididas - cada uma das quaisja apresentava na epoca da limitatio urn sistema particular de coordenadas paraos lim£tes - conservassem, tambem em tempos posteriores e, em todo caso, du­rante algum pedodo, a autonomia administrativa original. Dado que, segundoparece, a historia agraria nao se deveria ocupar desses temas, eu nao poderia ten­tar por em rela~ao 0 que vimos a proposito das tribus e dos pagi; mas se as expli­ca):oes anteriores fossem ao menos aproximadamente corretas, entao a reparti):aoautonoma de cada comunidade agricola particular representaria 0 precedente his­torico em relas:ao asitua~ao jurisdicional especial das praefecturae. Entende-se queeste ultimo termo so e empregado no sentido que tem nos trechos dos agrimen­sores citados.

19. Hig. 118; d. 116, 16; 160,24; 178, 5; 197, 14.

20. Hig. 197.21. C.LL., IX, 2165; Lib. col., 232. Em casos similares, tambem a tribus era

distima: d. eLL., IX, 2167 (tribus Stellatina dos colonos de Benevento) e 2168(tribus Faleria dos Caudinos).

22. Assim aconteceu com toda probabilidade em Interamnia Praetuttiano­rum (segundo Frontino, 18, com 0 que concorda a inscri~ao eLL., IX, 5074)e tambem em Puteoli (Tac., Ann. XIV, 27), Valentia (eLL., II, 3745), Apulum(c.n., Ill, 183) , Thignica.

23. 0 fragmento de Ulpiano, Dig. 27, I, Ad municip., 50, I, parece tratardas rela~oes jurisdicionais dessas cidades duplas: quem reside no municipio, e naona coloni"" participa de todas as suas manifesta):Oes publicas, etc., efetua suas com­pras, etc.,\~'omnibus denique municipii commodis, nullis coloniarum, fruitur",tem no mUQi<;'lpio seu domicilium, e nao ali onde ele "colendi (ruris Flor.) causadeversatur"~actedsticoque 0 rus colere apare~a como uma qualidade essen­cial dos colonos.

24. Hig. 53; 197, 10. Cf. 0 cap. IV para os detalhes.25. C.LL., VIII, 270; d. "Eph,m. 'pigr.", II, p. 271.26. Nissen, Pompejan. Studien, e Mommsen, em Corpus Inscriptionum Lati­

narum, XIV. Verdadeiramente todos os detalhes sao duvidosos. Nao se pode de­terminar com exatidao se urn ter~o da cidade, geralmente situado ao norte, estavadisposto per strigas (ao contrario das outras partes da cidade), porque ali tinhamsido estabelecidos os colonos de Sila com posse inalienavel ou porque residiamali os antigos habitames com obriga):ao de vectigal. Mommsen considera que osantigos habitantes eram relegados em geral as portas. Mas se nos ativermos aoque nos consta dessa situa!rao, nao poderemos falar de "cidade dupla", na medidaem que dita defini~ao so deve ser utilizada quando, como em Valentia, se podemencontrar duas ordines e, portanto, tambem dois tipos de autoridade, de compe­t~ncia exclusiva; de outra forma, quase todas as colonias seriam "cidades duplas".

27. "Ephem. epigr.", II, p. 125.28. Por exemplo, na colonia augustana de Lilybaeum e na colonia Iulia Ge­

netiva Ursonensis.29. Nao e seguro que Hippo regius e Lambaesis fossem colonias na epoca

em que se menciona que havia curiae ne1as. Em compensa~ao, isso e certo comrespeito acolonia de Iulia Neapolis (CLL., VIII, 974) e tambem para a coloniatrajana de Thamugaddi (CLL., VIII, 5146).

30. A unica excelfao seria Neapolis, se tivesse sido colonia cesariana, 0 queePOllCO provavel (PUnio nao conhece essa colonia).

31. Dig. I, 3, De cens., 50, 15: "Ptolemaeensium... colonia... nihil praeter no-men coloniae habet."

32. Assim deve-se ler em 203, 8.33. Para It31ica e para Utica.34. Gelio, loco cit.35. Lex. Agrar. 13, segundo a integr3.(j:ao de Mommsen, seguramente correta.36. Linha 28.37. Em tempos mais antigos ainda limitava-se, como 0 nome indica, ao in­

vend.rio, evidentemente porque entao ainda nao existia uma propriedade imobi­liaria privada.

237NOT4SHIST6RIA AGRARIA ROMANA236

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38. Cf. a formula com que se proibiam os desperdicios e os privilegios jarecordados do praeditum patritum.

39. Isso podia parecer em contradi~liocom a presumida finalidade da medi·da, mas enecessaria levar em conta que 0 aspeeto polItico do negocio predomi­nava, por ceeta, sabre 0 puramente econ8mico. 0 que interessava DaD era a can·serva~aoda gleba concreta para poder viver nela, mas a permanencia do 6lho her­deiro e de seus descendentes, em cujas maos ficavam os sacra da famllia, na tribuse na mesma classe de ceoso, na qualidade de propried.rios de terras.

40. Cf. fidalgo - filho d'algo, filius alieuius.41. Se nlio tivesse sido possivel ajudar os fuhos restantes com as terras obti­

das mediante guerras de conquista, teria sido igualmente possivel conservar 0 pa­trimonio familiar deserdando esses outros filhos. Uma situ~ao absolutamentesimilar provocou a "fome de terra" dos germanos. A chamada "compacidade"dos lotes camponeses (Bauernhofe) manteve-se na Alemanha durante tanto tem­po somente gra~as a uma circunstancia, a saber, porque aqueles terrenos estavam,ate certo ponto, livres da dependencia do propried.rio. A indivisibilidade da pro­priedade imobiliaria so se pode conservar de maneira est3,vel em terrenos vincu­lados; em Roma no ager vectigalis, na Alemanha nas glebas submetidas aservi­dao. De resto, e significativo, pela realidade da conexao afirmada no texto, que,mal se ultimou 0 processo de expansao do territorio cultivavel submetido pelosromanos e foram feitas as assigna~oes nas zonas aptas a serem colonizadas, a 1i­berdade testamentaria foi suprimida na praxis da jurisdi~ao centuviral da ftetiocontida na querela ino/ficiosi testamenti. Eevidente a importancia que tinha, aomenos em parte, 0 antiquissimo ver sacrum para a poHtica demogcifica, na medi­da em que significava a emigra~ao do territorio patrio de elementos da nova gera­~ao privados de meios, porque os recursos disponiveis eram excedentes e, porisso, encomendados aos deuses. A manifesta~ao sagrada dessa medida, no sentidode sacrificio, poe em relevo 0 proprio intento da mais antiga medida de poHticademognlfica, consistente em sacrificios humanos, medida que ainda hoje utilizamaqueles povos que nao tern a possibilidade de se expandir nos territorios proxi­mos, alem de dispor de recursos alimentares limitados, como, por exemplo, osdravidianos na India. Por ultimo, a organizas:ao dessas emigras;oes, frequentes en­tre os germanos, como se sabe, e igualmente caraeteristica da antiga sociedadecoletivista, tanto como foi, para a estrutura posterior da agricultura, 0 envio doexcedente populacional aterra publica, em parte ja disponivel, em parte aindapor conquistar. Frontino demonstra a conexao ininterrupta entre conquista e as­signa~ao colonial (Strat. 4, 3, 12).

42. 12; 37; 41; 126.43. "Abh. der Sachs. Ges. d. Wiss. Phil.-Hist. Cl.", XXV (1873), p. 59.44. Cf. 13; 45; 76; 131.45. Por isso, quando a lex agraria de 643 a.u.c. quis restringir os lotes de

terreno, muitas vezes demasiado grandes, distribuidos por C. Graco em Cartago,dispos que "neive (Ilvir) unius hominis nomine... amplius iug. CC in (singuloshomines data assignata esse fuisseve iudicato)". Portanto, nao se podia recorrerao lidgio de modo por uma quantidade maior de jugadas; a regularizas;ao da zonafazia-se com base na hipotese de que apessoa com direito so correspondia 0 mo­dus minimo. So era objeto da assignaS;ao 0 modus, nao uma area concreta.

46. Cf. 13, 43; 80, 129 (Lachmann).47. Frontino, 13,3, observa a proposito do lidgio de loco que "haec autem

controversia frequenter in arcifiniis agris... exercetur"; vice-versa, eod., linha 7:"de modo controversia est in agro adsignato". Analogamente, nos trechos cita­dos nas notas anteriores.

48. Frontino, De contr. agr. II, 39, 11 ss.; 47, 21 ss.49. Front. 47, 21; 48; Nipsus, 286, 12 ss.; 290, 17 ss. Os linearii tinham essa

unica finalidade: d. 168, 10 ss.50. Cf. em especial Frontino, 55, 13: "si r. p. formas habet, cum controver­

sia mot~est, ad modum mensor locum restituit". N a verdade, tratava-se aqui deloca pui'{ic,!> mas como quer que seja era decisivo que a senten~a ditada com basenafo~osse identica aassigna~ao do modus.

51. Front., loc. cit.; A. Urb., 11, 8 ss.52. 0 termo "agri cultura" s6 tern, no trecho citado, 0 sentido de que 0

agrimensor nao devia confundir terras de cultivo diferente quando as media denovo para devolver a urn individuo seu verdadeiro modus. Encontramos 0 mes­mo sentido em Frontino, 39, 11 ss. Eventualmente a diferens;a era saldada emefetivo (aestimatum petere). 0 tipo de cultura nao era motivo de impedimentopara instaurar 0 litlgio de modo, como se deduz a partir de Siculo FIacco, 161,3 ss.

53. Sobre 0 litfgio de modo d. Higino, 131, 16: "hoc compen in Samnio,uti quos agros veteranis divus Vespasianus adsignaverat, eos iam ab ipsis quibusadsignati erant alieter possideri, quidam enim emerunt aliqua loca adieceruntquesuis finibus et ipsum, vel via finiente vel flumine vel aliquolibet genere: sed necvendentes ex acceptis suis aut ementes adiecentesque ad accepta sua certum mo­dum taxaverunt, sed ut quisque modus aliqua, ut dixi, aut via aut flumine autaliquo genere finiri potuit, ita vendiderunt emeruntque. Ergo ad aes quomodo

. . '"pervemn potes.... .54. A verdadeira rel~ao entre os litfgios de modo e de loco deveria recordar

a todo estudioso de historia agraria a posis;ao que ocupava 0 chamado Stuflandno procedimento de Reebning usado na Dinamarca e no Schleswig-Holstein. Es­se procedimento consistia, como se sabe (Hanssen, Agrarhist. Anh., I, pp. 54ss.), em medir de novo os campos, cultivados segundo urn sistema de unidadesterritoriais, isto e, de Gewanne com cultivos promiscuos, onde se teria produzi­do uma confusao na titularidade da posse, onde, portanto, os interessados ja naoestivessem de posse da area que lhes correspondia com base a seu direito de parti­cipas;ao (Hufenrecht) e em distribuir de novo, se necessario, esses campos combase nesse direito Qut. L., I, 49, 55; Erch-Seel. Ges., II, 54). Em princfpio, s6 erapermitido alienar fras;oes da area (1/2, 1/3, 118, etc.) e, inclusive nesse caso, s6atraves da divisao hereditaria. Depois (mas tambem numa epoca bastante antiga),permitiu-se alienar tambem lotes concretos; e, no periodo para 0 qual conhece­mos 0 procedimento de Reebning, mediante exclusao do territ6rio global a divi­dir, ficavam para 0 possuidor (pressuposta a prova da aquisis;ao) nos limites queexistiam ate entao. (Cf. tambem 0 decreto sobre os recintos do Schleswig de 26de janeiro de 1770, citado por Hanssen, loc. cit., p. 56.) Tudo isso e perfeitamenteanalogo asituas;ao juridica do locus agri, adquirido titulo singulari - e para 0 usu­capiao, como se deve acrescentar, pela situas;ao juridica originaria, com base noque se inferira do tratamento seguinte - e exclufdo da nova divisao que seguiao lit.lgio de modo. Mais tarde tornaremos a encontrar essa analogia. Esca claro que

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238 HIST6RIA AGMRIA ROMANA N07AS 239

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nas zonas em que se efetuavam freqiientes alien~oes de lotes 0 procedimentode Reebning cleve ter caida em desuso.

55. Cf. Frontino, 44, 8, oode se identifica 0 lidgio de loco com 0 interditouti possidetis e com a vindicatio ex iure Quiritium. Cf. ademais Hig. 129, 12: "Deloco si agitur. Quae res hane habet quaestionem, ut nee ad formam nee ad ullamscripturae (documemo de mancipa~ao) revertatur exemplum. Sed tantum hunelocum hine dieD esse, et alter ex contrario similiter."

56. Hig., loe. cit., 130, L: "Constabit tamen rem magis esse iuris quam nos-tri operis, quoniam saepe usucapiumur loea, quae in biennia possessa fuerunt."

57. Higino, lac. cit.; A. Urb., 13, 9.58. Hig., passagem ja citada, 131.59. Parece que Papiniano, no trecho citado (7,fin. regund), a incluia nessa

ultima categoria. J.1 notamos que 0 lidgio de modo era distinto de um simplesprocedimento para regular as divisas; mais tarde voltaremos ao tema.

60. Como se depreende das disposio;oes da lex agraria de 643 a.u.c., definia­se dessa forma 0 objeto a adquirir nas compras e vendas de terra publica.

61. Ulpiano, lib. XXN Ad Edictum; "Si mensor non falsum modum renun­tiaverit, sed traxerit renuntiationem, et ob hoc evenerit, ut venditor laederetur,qui assignaturum se modum intra certum diem promisit.. .". Portanto, 0 modusera vendido em todas as ocasioes a um pre~o pro iugerum e 0 agrimensor deviaentao medir uma cota do terreno correspondente a esse modus, de forma que 0

vendedor pudesse, com base no que havia sido combinado, entreg.1-Io ao com­prador. Por isso, nao e admisslvel a interpretayao contraria de que teria sido ven­dida determinada gleba e se devesse medir 0 modus para calcular 0 preo;o; de fato,em dita hipotese, nao teria havido uma possivellaesio do vendedor. Isso so podiaocorrer se 0 objeto da transao;ao Fosse 0 modus e se 0 vendedor nao efetuasse aentrega desse modus no prazo legal, caindo assim em mora.

62. Isso se depreende de Dig. 40, 51, De contr. emt. (ambos os trechos sao

de Paulo).63. A aestimatio era feita pro bonitate loci s6 onde tivesse sido posto em ven­

da urn numero determinado de jugadas de vinhedos, olivais, etc., com referenciaa categorias do cadastro. Em Dig. 64, 3, De evictionibus, Papiniano sustenta a opi­niao contraria, mais modema, de que na evicyao parcial sempre era necessaria

uma taxa~ao.64. Cf. os tipos de magnitude das glebas de Pompeia, ordenadas segundo

uma progressao regular, como demonstrou Nissen; e tambem as importantes ob­servao;:oes citadas por ele em seus Pompejanischen Studien.

65. Skulo Flacco (138, 11) descreve 0 antagonismo entre os agri occupatoriie os agri divisi et assignati; "Homm ergo agrorum nutlam est nee, nulla forma,quae publicae fidei possessoribus testimonium reddat, quoniam non ex mensurisactis nunc quisque modum accepit..." Aforma garantia aos possessores esse testi·monium publico nao para as divisas de seu lote, mas, como se diz no mesmo tex­

to, somente para 0 modus da gleba.66. Para apreciar com precisao 0 lado pratico da situayao global e necessario

ter sempre presente que, dando vida amancipatio, a traditio nao era necessariapara a transferencia da propriedade, como ja ressaltamos. Se se produzia manci­patio de urn determinado modus sem que 0 objeto da transao;ao tivesse sido medi­do, entao 0 direito sobre esse modus passava ao comprador. Tampouco se pode

dizer que a aplicao;:ao da mancipatio so as glebas concretas e limitadas seja obvia.Em todas as sociedades agrkolas organizadas com base em prindpios coletivistas- seja qual for 0 aspeeto em que se apresentem - e nas quais seja permitida aalienao;ao das c~tas, primeiro se alienam estas, depois se passa aaliena~ao das gle­bas concretas. E de se supor que no desenvolvimento social e juddico romanoas coisas tenham ocorrido precisamente assim.

67. Cf. a nota anterior.68. Marquardt identifica fundus fieri a auctor fieri. Nao nos caberia investi­

gar aqui apiferen~a entre os dois conceitos, mas e seguro que tal diferenya existe.Se 0 Sen'jii.? aceitava uma delibera9aO do populus nao se podia dizer: "patres fun­di fiunt"i~ Convertia-se em fundus quem aderia em igualdade de condi~oes, na qua~lidade de, socio; este e precisamente 0 significado do termo referido as cidadesda Liga. :De.fato, toda comunidade independente podia introduzir com leis pr6­prias as institui90es romanas e tambem ab-roga-Ias, se assim preferisse. Mas umacidade da Liga ItaIica que se convertia em fundus - e, evidentemente, era esteo valor juddico espedfico do termo - aceitava a lei por acordo, por ser romana;com tendencia a fazer deJa uma lei da Liga, promulgada por Roma, que a estavaencabe9ando. A lei, que com 0 fundus fieri havia sido aceita pelas cidades mem­bros da Liga, convertia-se pois em direito da confedera9aO e com grande probabi­lidade foi derivada da conseqiiencia juddica de que ja nao era possivel as distintascidades confederadas fazerem emendas unilaterais. Roma tinha 0 direito de ini­ciativa nessa legisla~ao dos confederados e nao e necessario dizer que papd teveessa faculdade no direito publico romano e em que perspectiva aparece 0 foedusaequum do ponto de vista do direito publico.

69. Dig. 27, 5; 20, 7, De instrum. (33, 7), ambos trechos de Scevola; Dig. 60;211, De v.s. (de Ulpiano).

70. Cf. Dig. 26, De a.v.a.p., onde, particularmente, poe-se em relevo a possi­bilidade de posse de uma pars pro diviso fundi e, por outro lado, a vistosa expres·sao ("maxime si ex alio agro qui fuit eius... adiecit") utilizada em Dig. 24, 2, Delegat., 1.

71. Tambem dessa classe era a citada dos fund~ para a qual d. Mommsenem "Hermes", XI, pp. 390 ss.

72. Cesar pos em evidencia 0 antagonismo com a comunidade do territoriovigente entre os germanos no famoso trecho do Bell. Gall. IV, I, onde fala de"privatus ac separatus ager".

73. Os agrimensores diferenciavam nitidamente 0 lidgio de proprietate doslidgios de modo e de loco, pois os ultimos se referiam aextensao de urn fundus,enquanto 0 litfgio de proprietate se referia a uma gleba como urn todo (15, 48,80). A antiquissima vindi.catio gregis era uma a~ correspondente avindicatio fundi.

74. Romische Prozessgesetze, passim.75. Com, respeito ao litigio de loco, Higino (130, 1) diz: "Constabit tamen

rem magis esse iuris quam nostri operis, quoniam saepe usucapiuntur loca quaein biennio possessa fuerint." Portanto, a permissibilidade do usucapiao excluiua atividade agrimens6ria espedfica. Cf. os trechos anteriormente citados.

76. Quem desse provas ulteriores sobre as rda~oes existentes entre proprie-­dade quiritaria e usucapiao com 0 census poderia consegui-Ias do usucapio pro he­rede. Se bern que, nesse caso, se tratasse da hereditas, isto e, do direito global de

~ participayao nos bens comuns de que 0 demandante era titular, e nao, como an-

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tes, de bens isolados; bastava de todo modo a posse por so urn ano, sem outrodtulo alem da perda de direitos por marte do membra anterior da comunidade,para tomar perfeito 0 usucapiao. 1550 sucedia porque era inadmissfvel que umacota social permanecesse diretamente vacante e DaO tivesse urn titular legitimoante 0 census e as deuses; por isso, durante 0 transcurso do ano, se 0 demandadoDaO fazia valer seus direitos, deixava-se ao detentoT 0 desfrute da cota e de eraregistrado como membra da comunidade. 0 praze maior das aliena~5es inter vi·vos refletia, em compensarrao, uma situar;ao mais clara, ja que, enquanto 0 USllca­piao DaD demonstrava que era valida a propriedade que havia surgido enquantoisso, 0 antigo propried.rio quiritario conservava sua natureza de membro da co­letividade, ou de propried.rio do modus agri anteriormente seu. Com respeitoao significado de direito publico do usucapio pro herede, e interessante observarque, segundo a expressao precisa do edito publiciano, 0 usucapiente nao dispu­nha, durante 0 prazo de usucapiao, de meio jurldico algum similar a actio Publiciana.

77. Segundo a reconstru~ao de Lenel.78. Frontin. 44: "De loco, si possessio petenti firma est, etiam interdicere

licet, dum cetera ex interdicto diligenter peragantur: magna enim alea est litemad interdictum deducere, cuius est executio perplexissima. Si vero possessio mi­nus firma est, mutata formula ex iure Quiritium peti debet proprietas loci."

79. De fato, tinha a finalidade de tornar possivel urn exame da situas:ao atualda posse e uma determinas:ao. Pareee-me indubid.vel que, como considera Dern­burg, os interditos possessorios se aplicassem principalmente ao ager publicus, em­bora nao fosse essa a unica ap1icas:ao.

80. Faltando urn exame funditus, isto e, conforme 0 direito comunitario.81. Os compiladores entenderam mal esta lei: "Si quis super sui iuris locis

prior de finibus detulerit quaerimonium, quae proprietatis controversiae cohae­ret, prius super possessione quaestio finiatur et tunc agrimensor ire praecipiaturad loca, ut patefacta veritate huiusmodi litigium terminetur. Quodsi altera pars,ne huiusmodi quaestio terminetur, se subtraxerit, nihilominus agrimensor in ip­sis locis iussione rectoris provinciae una cum observante parte hoc ipsum faciensperveniat." Como se ve, aqui se diz mais ou menos 0 contrario do texto original.Mas, naturalmente, na idade justiniana, 0 litfgio de modo havia desaparecido ha

tempos.82. A meu ver, a passagem deve ser lida assim: "quae cum finali cohaeret

de proprietate controversia".83. Esd. claro que 0 litfgio de modo nao era identico a as:ao sobre as divisas

e tampouco era urn caso especial. De fato, a as:ao de retifica~ao das divisas naotinha como finalidadft de assignaij:ao 0 modus e nao estava limitada ao ager adsig­natus. Mais tarde, como quer que seja, dado que 0 litfgio de modo terminou sen­do aplidvel apenas em casos excepcionais, chegou-se com facilidade a considera­10 uma aplicaij:ao da as:ao sobre as divisas acima da latitudo de 5-6 pedes, comorealmente sucedeu depois, ja que, por principio, tendia a uma delimitas:ao realde divisas. A operas:ao de retificas:ao das divisas tambem se distinguia do litfgiode modo porque neJa 0 usucapiao era ineficaz.

84. Dever-se-ia dizer possessionem. A imprecisa expressao deve-se ao fato deque se consideraram antagonicos so os objetos dos dois litfgios paralelos: moduse locus.

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85. Cf. 0 trecho de Sfculo FIacco (44) ;a citado.86. Pode-se ver uma caractedstica precisa do carater essencialmente positivo

do direito possessorio na concep~aoda relaij:ao de arrendamento ante 0 proprie­tario que a concedia, alem da tomada de posse violenta ou clandestina, como vi­tium possessionis, de modo que se devia discutir no procedimento possessorio. Is­so constitui uma prova suficiente do carater de "estado de fato" que a posse teveem sua origem. Depois, os juristas tentaram uma abstra~ao semelhante, mas soquando 0 antigo conceito juddico de possessio se havia transformado completa­ment~ em seu significado pratico ate chegar a nao ser mais reconhedvel.

/87. Aqui se apresenta uma situas:ao juddica completamente analoga adosterritorios alemaes divididos em Gewanne com 0 procedimento de Reebning (ouconi a nova divisao correspondente), antes do reconhecimento dos privilegios doStu;tand. 0 membro da coletividade que tivesse revendido urn lote de terreno- coisa que nao tardou a ocorrer, ao menos pelo que podemos inferir - naopodia naturalmente expulsar 0 comprador e recuperar 0 terreno. Mas se era soli­citada uma nova medi~ao do Gewann, 0 terreno em questao era de novo postoem jogo e 0 comprador so podia pleitear com 0 membro titular, quando por cau­sa da nova medis:ao 0 lote tivesse mudado de forma e divisas.

88. Damos uma brevlssima referencia sobre 0 interdictum utrum, de impor­tancia essencialmente agraria: "Utrubi hic homo maiore parte huiusce anni necvi nec clam nec precario ab altero fuit, quo minus is eum ducat, vim fieri veto."Esse interdito dispunha sobre os litfgios possessorios de bens moveis, entre osquais os mais imponantes eram, como se depreende da formula, os escravos.Tratava-se de saber com quem 0 escravo havia trabalhado durante a maior partedo ano.

89. Eu explicaria assim 0 significado das cinco categorias: 0 ager Romanusera 0 ager assignatus; 0 ager Gabinus era 0 ager arcifinius de pleno direito; 0 agerperegrinus era 0 territorio dos Estados confederados; 0 ager hosticus pertencia aosEstados que mantinham rela~oes comerciais com Roma; por Ultimo, 0 ager incer­tus abarcava os territorios estrangeiros nao regidos juridicamente. A inferiorida­de augural do ager Gabinus estava relacionada tambern com a ausencia de divisase de assignaij:ao. A designa~ao correspondia as tabulae Caeritum.

Beloch destacou que Gabii devia ser, ja em torno dos anos 331-375, urn cen­tro de cidadaos, dado que, naqueles anos, segundo as inscri~oes familiares de Ga­bii, rnencionam-se os Antistii entre os funcionarios de Roma. Mas esta nao e,naturalmente, uma prova decisiva.

90. Com 0 passar do tempo, adrnitido 0 usucapiao dos terrenos e abando­nando-se 0 principio das cotas de participaij:ao, 0 cadastro redigido com base novalor monetario converteu-se numa necessidade. Naturalmente, este e so urn dosmotivos que justificam esse tipo de cadastro, evidenternente nem 0 unico, nemo essencial.

91. Nao se podia proceder as solenes formalidades da venda senao depoisque uma certa et vera proprietas, isto e, uma area bern determinada e nao urn cer­tus modus, a vicinis demonstretur. portanto, so depois da rnedi~ao e da delimita­~ao da posi~ao exata. Na pratica, produziu-se uma reviravolta: enquanto ante­riorrnente, uma vez vendido 0 terreno, fazia-se que urn agrimensor realizasse amedis:ao, agora a medi~ao devia preceder a venda. A locu~ao a vicinis demomtre­tUT referia-se as perguntas dirigidas aos vizinhos e a seu reconhecimento do direi-

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to do vencleclor sabre a area por de delimitacla, e pade ser que signifique precisa­mente isso. Como quer que seja, tambem poderia significar, embora soe lingUis­ticamente como urn for~amento, que as divisas deviam ser determinadas a vici­nis, isto e, pelas divisas das glebas adjacentes (por isso, expliquei 0 sentido da for­rna colocada no texto). A passagem continua - e isso eessencial para as objeti­vos da constitutio - dizenclo: "usque eo legis istius cautioue decurrente, ut etiarn­si [subsellia vel ut vulgo aiuut] scamna vendantur, ostendendae proprietatis pro­batia compleatur". Esta claro que aqui nao se falava da venda de subsellia e queas palavras pastas entre colchetes foram seguramente interpoladas por urn copis­ta preocupado com a gramatica do texto. Falava-se, em compens~ao, da vendado ager scamnatus, isto e, dos terrenos cujas divisas eram reproduzidas no planotopogdfico cadastral; por isso, esses terrenos representavam uma certa proprie­tas; mas embora os motivos que levaram aconstitutio nao se referissem a eles (vero texto), dispunha-se, como quer que seja, que esta tambem devia valer para eles.Assim, Constantino, em cuja epoca ja nao se aplicava a diferen~a entre as distin­tas classes de tribut~ao dos terrenos, tambem tornou-os uniformes nas outrasrela~oes. A controversia de modo foi abolida, como procedimento especial, peloCod. Theod. 4, 5, Fin. reg., 2,26 (de 392 d. C.), disposi~ao em que locus designaa antftese de finis, como ja encontramos em Frontino 9, 2.

92. Da lex agraria, 28, nao se depreende que a subsignatio s6 podia ser poss!­vel com 0 agerpatritus; ao contrario, a forma de expressao de dita lei parece signi­ficar que pro patrito subsignare s6 era urn caso especial da subsignatio, tambempermitida com outro tipo de terras. Como quer que seja, e necessario admitirque a rela~ao entre 0 modus dos praedia a subsignare e 0 valor monetario a cobrircom a subsignatio era mais favoravel no caso dos praedia patrita do que nos ou­tros casos.

93. 0 mesmo sucede em qualquer lugar em que as rela~oes juridicas da pos­se imobiliaria sao complicadas ou pouco claras. Por exempIo, na Inglaterra, ondeprevalecia a seisin do solicitante que se baseava num titulo sucess6rio.

94. Se se devia garantir 0 credor mediante a entrega dos documentos de aqui­si~ao, entao 0 devedor, como se depreende de Dig. 43, De pign. act. (13, 7), naoera livre na pratica de alienar a gleba e, portanto, a posi~ao do credor era predriaante as hipotecas gerais e apossibilidade de contratos hipotedrios nao formaismais antigos.

95. Cf. Plinio, Ep., VII, 18; C.I.L., X, 5853; alem dos recibos dos impostos,em Pompeia, n. 125 e 126, comentados por Mommsen em "Hermes", XII, pp.88 ss.

96. Nao s6 as cidades que haviam sido soberanas (os municipia), mas tam­bern as coI8nias (como Pompeia) podiam manter 0 direito de vectigal; contudo,isso s6 foi possfvel ap6s agrega~oes especiais que se fizeram lei, ditadas talvez pelalex municipalis de Cesar.

97. Em tudo isso est3. contido urn conceito rnuito mais justo do que poderiaparecer aprimeira vista. A ideia de Rodbertus de gravar a posse imobiliaria comrendas perpetuas e, hoje, urna utopia sem uma capitis deminutio correspondenteda gleba gravada com referencia a sucessoes, alienabilidade e tudo 0 mais. Umdos ind£cios mais elaros do carater pdtico que distinguiu a comissao de coloniza­~ao da Posnania e da prussia Oriental e que se tenha chegado precisamente a essaconclusao, no par. 8 Abs. 3 (v. tambem "com respeito asucessao") no contrato

de renda normal de bens (Druck-sachen des Preussischen Abgeordnetenhausesvon 1889, n. 42, Apendice XIII).

98. Provavelmente, designavam-se com essa expressao as glebas "cercadase separadas", isto e, livres de servidoes publicas, de obriga~oes de determinadoscultivos, etc. De fato, ate a epoca dos agrimensores, houve na Idlia, no ager pri_vatus ex iure Quiritium portanto, zonas de cultivo promfscuo, como se depreen­de de Urn trecho de Siculo FIacco (152) que depois discutiremos. Penso ser opor­tuno mencionar a interpret~ao que 0 professor Brentano deu desse trecho, talcome,.' a vi num caderno de notas, no sentido de que ditos cultivos promfscuoscorr4spondem a uma situa~ao similar dos territ6rios alemaes. Entretanto, comoobse~aStculo FIacco, loco cit., nas zonas de cultivo prom!scuo nao convinha, emgeral,l:.~correr as viae vicinales, 0 que teria constitu!do urn desperdicio inutil deespa~o. Por isso, deve ter existido algum tipo de cultivo obrigat6rio, como vestI­gio local de uma situa~ao mais antiga; mas nao considero prudente adiantar hipO­teses sobre quem devia dirigir e regulamentar a agricultura da zona com a autori­dade de urn alcaide, se 0 chefe dos pagi ou qualquer outro.

99. Por exemplo, no estatuto da colonia Genetiva, C. 99, ficava reservado 0

direito de expropria~ao para tudo aquilo que se referisse aconstru~ao de urn aque­duto (d. Mommsen, "Eph. epigr.", II, pp. 221 ss.). Ruggieri (Sugli uffizi degliagrimenson.) observa corretamente que sO a disposi}io privada estava contida dentrodos limites de urn numero deterrninado de servidoes, enquanto com a lex agrodicta podiam-se constituir servidoes, nao admissfveis de outra forma (Dig. 17,Comm. paed., d. Dig. 1,23, De aq. et aq. pl.).

100. Inscri~oes desse tipo se encontram predominantemente, se nao de mo­do exclusivo, em agri assignat~ como ressaltei num exame do Corpus Inscriptio.num Latinarum.

101. Ja pusemos em evidencia que tambem podia haver limites no ager scam­natus; melhor dizendo, numa epoca sucessiva isso ocorria como regra geral; ade­mais, a area era assignada num numero limitado de lotes, enquanto s6 a bosque,como sucedeu em Suessa Aurunca, era dividido de maneira especial.

102. Como ja se observou na nota 98.103. Higin. 130, 3: "respiciendum erit... quemadmodum solemus videre qui­

busdam regionibus particulas quasdam in mediis aliorum agris, nequis similis huicinterveniat. Quod in agro diviso accidere non potest, quoniam continuae posses­siones et adsignantur et redduntur". Cf. 117, 14; 119, 15; 152; 155, 19; 178, 14.

104. Assim Roby, nas "Transact. of the Cambridge Phil. Society", II (1881-2),p.95.

105. Para poder afirma-Io com seguran~a nao se deve pensar: 1) que todareparti~ao efetuada com criterio romano implicasse a constitui~ao de uma colo­nia; 2) que dito criterio fosse 0 unico elemento tipico das colonias de cidadaos.

106. C.LL., I, 546, e Mommsen, eod.107. Cl.L., X, 737.108. Nao sabemos se 0 criterio de divisao empregado nas colonias latinas

era similar ao romano, se, portanto, havia subseciva e 0 que ocorria_ 56 sabemosque seu territ6rio nao era ager Romanus. Na epoca mais antiga, 0 elemento dife­rencial do ponto de vista agnirio era que nas co18nias de cidadaos sempre se de­viam deduzir 300 membros da comunidade, enquanto as colonias latinas estavamisentas dessa obrigafaO.

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109. Por exemplo, Livia (XXXIV, 53) diz que: ..... Q. Aelius Tubero tribu­nus plebis ex senatus consulto tulit ad plebem plebesque Scivlt, ut Latinae duaecoloniae... deducerentur. His deducendis triumviri creati, quibus in trienniumpotestas esset". Nesse trecho, a dedu~o de 00160ias latinas parece, pais, uma quesclopuramente romana.

110. Durante meu exame de doutorado, ja tive a hama de defender essespontos de vista diante de nosso grande mestre, 0 professor Monunsen. Ele julgou.-oscom justi~, naquela ocasiiio e mais tarde, como hip6teses carentes de argumen~tos que as provassem. Agora queria pensar que demonstrei certa verossimilhan~ada hip6tese, em conexao com urn conjunto de acontecimentos hist6ricos. Naome causa estupor que nas obras dos historiadores romanos nao se encontre ne­nhuma referencia a esse tema: buscarfamos inutilmente, na maior pane da histo­riografia modema, qualquer alusao ao sistema de remembramento utilizado naPrussia. Entre os centros que adotam esse sistema e os outros ha diferen~as mfni­mas de direito publico, exatamente como entre colonias e municipios da idadeimperial. Nao tenho a menor inten~ao de negar que a diferen~a entre coloniase municipios consistia, tanto do ponto de vista historico, como segundo 0 con­ceito que os proprios interessados tinham, na soberania original dos municipios,enquanto as colonias eram formadas, em sua origem, em grande pane por casasde cidadaos, nao sendo, pot"tanto, independentes. Uns e outras tornaram-se, naidade imperial, centros com algum vestigio de soberania poHtica. A hipotese deque as colonias de cidadaos pudessem ser administradas em sua origem como bairrosde Roma baseia-se substancialmente na identidade do tipo de divisOes agrarias ena organiza~ao coletivista. Assim tambem a transform~ao das colonias latinasem municipios depois da guerra social dependeu da ausencia da organiza~aoagra­ria romana. Nao afirmo que todos os conjuntos de lotes cercados tivessem 0 va­lor de dedu~5es coloniais, mas creio que tinham-no em lugares em que, por meiodos magistrados romanos, se efetuava uma estrutura~aonova e unitaria do terri­torio cultivavel, com urn sistema unitirio de decumani e com uma forma. Momm­sen (Schriften, d.r. Feldm., n, p. 156) cita Graviscae e Verulae como centros emque a estrutura~ao agraria romana teve lugar sem que, por isso,lhes Fosse conferi­da, a seu jUlzo, a natureza de colonia. 0 liber coloniarum (239, 1) diz sobre Veru­lae que "ager eius limitibus Gracchanis in nominibus est adsignatus, ab imp. Nervacolonis est redditus". Parece-me que essa frase nao permite tirar conclusoes sobreo que aconteceu; ao War de limites Gracchani, tratava-se de lotes assignados ave­teranos (e, ponanto, de lotes viritanos), ponanto so de uma pane do territorio.o caso de Graviscae e distinto. Essa cidade era colonia de cidadaos desde 573 a.u.c.Pais bern, 0 liber coloniarum (220, 1) diz: "Colonia Graviscos ab Augusto deduciiussa est: nam ager eius in absoluto tenebatur. Postea imperator Tiberiu~ Caesariugerationis modum servandi causa lapidibus emensis r[es] p[ublica] loca adsigna­vit. Nam inter privatos terminos egregios posuit, qui ita a se distant, ut breviintervallo facile repperiantur. Nam sunt et per recturas fossae interiectae, quaecommuni ratione singularum iura servant." Ponanto, 0 territorio daquela colo­nia _ ja que e isso 0 que era tambem sob Augusto, e Celso fala igualmente (Dig.30, De leg., TI) de uma colonia eorum referindo-se a Graviscae - achava-se, na suaepoca, in absoluto. Como quer que seja, apos 0 usucapiao dos lotes, que 0 antigosistema havia alterado, Augusto ordenou deduzir a colonia, isto e, como se de­preende do contexto (v. nam), reestruturar e representar na forma 0 territorio

mediante uma nova assignarrao realizada com 0 criterio do modus. Pelo que dedu­trao e reestruturaryao coincidiriam, conforme a advertencia antes feita. Mas Tibe.­rio fez depois 0 contrario, isto e, protegeu 0 locus dos distintos possessores coma colocarrao de marcos de pedra nas divisas das posses (inter privatos). EIe revo­gou assim a natureza de colonia dos centros que dela gozavam, como de restofez em Preneste. Parece-me que a trecho citado confirma a hipotese aqui defendi­da. Como quer que seja, continua sendo uma hip6tese, como muitas outras asser­rr5es deste livro, ao longo do qual notou-se muitas vezes a ausencia da mais dificildas artes, ;ykrs ignorandi. Dou-me perfeitamente conta de que apresento algumasteses for¥ulando-as de uma maneira talvez pouco afortunada, sobre as quais can­vini tor~ar. c.om pesquisas espedficas. 0 problema e que eu ~ao teria sabido de­fender aq~l essas minhas teses, sobretudo devendo apresenta-Ias no texto, semtentar re1aciona-las a urn marco mais amplo.

111. Ela nos permite conhecer, ademais, com certa seguranrya as diferentesextensoes dos distintos lotes. Cf. a Apendice.

112. Pode ser uma casualidade que nao se tenha conservado nas leis de Sal­pensa e Malaca nenhuma disposirrao re1ativa as re1arr5es agd.rias (irrigarrao, aque­dutos, ruas), enquanto nas leis da colonia Genetiva falava-se nesse tema. Mas eprovavel que as leis dos dois primeiros centros (latinos) nao tratassem em absolu­to disso. E natural que, a prop6sito das assignarr5es aos veteranos (isto e, viri­tanas) dentro dos territorios dos munidpios, a lei cesariana, a chamada lex Mami­lia Roscia Peducaea Alliena Fabia, dispusesse sabre os limites nao so para as colo­nias, mas tambem para aqueles munidpios que eram constitu£dos ex hac lege.Baseando-se sempre nessas prescrirroes, constitufram-se novas munidpios, aliassempre por causa da dissolurrao das tribus rusticae, como ja na epoca de Sila. Poressa razao, territorios assignados viritim foram submetidos aos munidpios. Co­mo ja ressaltamos mais de uma vez, 0 que a nosso jufzo caracterizava as coloniasnao era a presenrra do ager limitatus et assignatus, mas a organizarrao de todo 0

territorio com base num criterio comunidrio, com a assignaryao de acceptae ava­liadas segundo 0 modus agri e dentro de urn sistema unidrio de decumani repre­sentado num mapa geral. Era rarissimo e anormal numa colonia a existencia deurn sistema duplo de decumani, como houve em Nola, muito embora os dois sis­temas tenham sido representados numa unicafonna, como sistema direito (dexte.rior) e esquerdo (sinisterior), com 0 que 0 prindpio, por nos defendido, da unita­riedade das distribuirroes encontra uma nova confirmarrao.

113. De synoecismus e sinoekismos syn = conjuntamente; cikeo = habitar.Na Grecia Antiga, concentraryao de dois ou mais Estados num so. Por extensao,agrupamento flsico e juridico dos povoados dispersos de uma regiao.

114. Aqui s6 podemos indicar que, em Atenas, Solon conduziu a urn com­promisso enfrentamentos parecidos, como se depreende de uma obra de Arist6­te1es recentemente reencomrada. TambellJ em Atenas havia urn partido que re­damava a repaniryao de todo 0 territorio. E uma observaryao que talvez possa ser­vir de comend.rio ao fato bern conhecido de que a legislarrao solonica foi objeto,oficialmente, de urn exame por parte dos romanos quando se iniciou a tarefa decodificaryao das Doze Tabuas.

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246 HIST6RIA AcRARIA ROMANA NOT4.S 247

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Capitulo III1. C.LL., I, 551. Segundo a que supoe Mommsen, trata-se cia assigna~ao fei­

ta pelo consul Pompilio em 622 a.u.c. para aplicar as leis dos Gracos.2. Pllnic, N.H. XVIII, 11; Cicero, De l. agr. I, 1, 3.3. A5 passagens mais importantes em que as agrimensores fa1am dos com­

pascua sao as seguintes; "Est et pascuorum proprietas pertinens ad funclos sedin commune; propter quod ea compascua multis locis in Italia communia appel­lantur, quibusdam in provinciis pro indiviso." (Frontin., De contr. 15); "In hisigitur agris (nos campos superfluos para vender) quaedam 10ea propter asperita­tern aut sterilitatem non invenerunt emptorem. Itague in farmis locorum talisadscriptio, id est 'in madum compascuae', aliquando facta est, et 'tantum com­pascuae'; quae pertinerent ad proximos quosque possessores, qui ad ea attinguntfinibus suis. Quod genus agrorum, id est compascuarum, etiam nunc in adsigna­tionibus quibusdam incidere potest" (Higin., De condo agr. 116,23); "inscribun­tur et 'compascua'; quod est genus quasi subsecivorum, sive loca quae proximiquique vicini, id est qui ea contingunt, pascua..." (aqui ha uma lacuna) (Sicul.Flacc., 157); "Siqua compascua aut silvae fundis concessae fuerint, quo iure dataesint formis inscribemus. Multis coloniis immanitas agri vicit adsignationem, etcum plus terrae quam datum erat superesset, proximis possessoribus datum estin commune nomine compascuorum: haec in forma similiter comprehensa os­tendemus. Haec amplius quam acceptas acceperunt, sed ut in commune haberent"(Higin., De lim. const. 201, 12). Depois citaremos tambem uma passagem de Ag­genio Urbico (15).

4. Frontin. 48, 26; 49 (d. tambem Aggenio Urbico 15, 28): "De eorum (istoe, dos compascua) proprietate ius ordinarium solet moveri, non sine inteventumensurarum, quoniam demonstrandum est quatenus sit assignatus ager." Tam­bern na passagem citada na nota anterior, Frontino trata dos compascua a propo­sito das controversiae de proprietate. A participa~ao no pasta comum era original­mente objeta de proprieras, exatamente como a participarrao no terreno aravel dacoletividade e, tambem, na pratica, na forma de beneficia-lao Esta claro que, en­tao, surgia facilmente uma propriedade normal pro indiviso, como as Allmenden(bosques e pastas comuns) alemis. Mas tambem no caso de Dig. 20, 1, Si seroit8, 5, Scevola, parece-me muito dificil, caso existisse uma co-propriedade ordina­ria (com arrao de divisao?), dizer ate que ponto era passive!: "Pluris ex municipi­bus qui diversa praedia possidebant, saltum communem, ut ius compascendi ha­berent, mercati sunt, idque etiam a successoribus eorum est observatum; sed non­nulli ex his, qui hoc ius habebant, praedia sua illa propria venumdederunt; quae­ro, an in venditione etiam ius illud secutum sit praedia, quum eius voluntatis ven­ditares fuerint, ut et hoc alienarent? (mais adiante insiste) Item quaero, an, quumpars illorum propriorum fundorum legato ad aliquem transmissa sit, aliquid iu­ris secum huius compascui traxerit? Resp., quum id quoque ius fundi, qui legatusesset, videretur, id quoque cessurum legatario." Como quer que seja, cumpre des­tacar a qualifica~ao de proprii dada aos distintos fundi, quando se podia tratarde aquisirrao da terra publica por arrendamento, por heranp de arrendamentoou por compra segundo 0 direito questorio, mas sem que se adquirisse nenhumtitulo de proprietas. Nessc caso, seria necessaria observar que, como fica patenteno texta, se adquiria urn direita e nao uma simples autariza~ao protegida por viaadministrativa (fica clara, assim, a analogia com as antigas Allmenden). Compare-

se tudo isso com uma passagem de Cicero (Pro Quinet., c. 6, extr.). Nas tabelasde alimentas:ao (Veleia, col. 4, linha 84; Baebia, col. 2, linha 47) mencionam-sccomo pertencentes aos fundi as eommuniones e as saltus.

5. Siculo Fiacco (155, 20) diz a proposito dos possessores indenizados destaforma: " ... in locum eius quod in diverso erat maiorem partem accepit...". Masisso so era possivel se a area assignada apos a procedimento de separarrao e cerca­mento fosse maior do que a antes destinada a terreno aravel; por sua vez, istos6 era possive! se tambem se dividiam as pastos comuns.

6. Cf. as passagens citadas na nota 3, p. 248.I 7. Aqui equivale a dizer em relar;ao aterra submetida a pasta completamen-

rle livre e ao direito de ocupas:ao.i, 8. Com base no que sabemos, em nenhum lugar uma organiza~aosemelhante~inou historicameme uma comunidade humana por razoes puramente eco­nomicas. A organizas:ao social por grupos familiares au clis s6 foi substituida maistarde, tanta no ordenamento agrario como nos demais, por uma organizas:ao es­sencialmente regida por prindpios economicos (coisa que tentei demonstrar comurn proposito bern distinto em meu escrito Zur Gesehichte der Handelsgesellsehaften). Muitas vezes resultou disso que as distintas famflias se uniram mais estreita­mente. TaIvez tambem tenha ocorrido assim em Roma.

9. Cf. Festa: "Occupaticius ager dicitur qui desertus a cultoribus frequenta­ri propriis, ab aliis occupatur."

10. Em sua R6miseher Rechtgesehiehte.11. Parece-me que ha uma confusao analoga implfcita no conceito de ager

oecupatorius, a proposito do qual afirmou-se em distintas ocasioes que nao deviaser identico ao ager oeeupaticius (esta e a opiniao de Mommsen e de Rudorff-Bruns,Fontes, p. 348, n. 5; Feldm., II, 252). Parece que por ager oecupatorius entendia-seantes de mais nada 0 mencionado em ultimo lugar, isto e, a terra de conquistautilizada com a obrigas:ao de urn tributo impasto aos ocupantes. Siculo Fiacco(138) diz: "Occupatorii autem dicuntur agri quos quidam arcifinales vocant, qui­bus agris victor populus occupando nomen dedit. Bellis enim gestis victores po­puli terras omnes, ex quibus victas eiecerant, publicavere atque universaliter tcr­ritorium dixerunt intra quos fines ius dicendi esset. Deinde ut quisque virtutecolendi quid occupavit, arcendo vicinum arcifinalem dixit." Pelo contrario, Hi­gino (De cond agr. 115, 6), falando do que denominamos antes brevementc ageroecupatorius, afirma: " ... quia non solum tantum occupabat unusquisque, quan­tum colere praesenti tempore poterat, sed quantum in spem colendi habuerat am­bietat" (d. Sic. Flacc., 137,20).0 interesse em ampliar de forma efetiva 0 territ6­rio cultivado nao so se manifestava na ocupa~aodas terras incultas, mas tambemna ocupa~ao dos territorios de conquista em troca do pagamenta de cotas de pro­dus:ao, ja que 0 Estado, enquanto titular dos dizimos, estava interessado na am­plia~ao do territ6rio cultivado e ted assignado de outra forma os terrenos impro­dutivos. A citada ocupa~ao, "quantum in spern co1cndi habuerat", nao se referea nenhum desses casos, mas ao ager arcifinius ordinario, isto e, ao territorio dos mu­nidpios de cidadaos que nao fosse medido segundo criterios romanos. Dado quea maioria das situas:oes de posse transformadas em propriedade pela lei agd.ria de643 a.u.c. estava constituida em ager occupatorius obtido com guerras de conquista,acabou se identificando toda terra possufda em lotes de perfmetro irregular com estaclasse de possessoes. Par isso, 0 conceito mais amplo creio que e a de ager occupato-

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nus, que cleve ser jdentificado com 0 de ager arcifinius do ponto de vista agrimen­sorio e com 0 de ager Gabinus no sentido augural, enquanto 0 ager occupaticiusrepresentaria 0 caso especial das posses devidas ao Bifarn:-Recht. Essa identifica­~ao tambem explica por que 0 vetus possessor, isto e, 0 ocupante do ager publicus,cuja posse era antecedente, segundo a convincente exposi~ao de Mommsen (emCLL., I, lex agraria), is leis dos Gracos au tambern alex agraria de 643 a.u.c.,foi identificado com 0 arci/inalis possessor na passagern citada de SIcula Flaceo e,ademais, com maior precisao, por Frontino (5, 9), peIa mesma Skulo FIacco(157,22) e por Higino (197, 15). Pode tef sido esta uma otima rauo pela qualo ager arcifinius nao tinha 0 valor de plena propriedade privada, como demons­tram na pritica as expropriar;:oes dos tritinviros e sobretudo as novas ordenamentosdo territorio cultivado, dotados de autoridade, com a entrada de novas possesso­res, dentro dos limites em que se pode falar do ponto de vista juddico.

12. as plebeus deviam ter sido explicitamente autorizados para a ocupar;:aoja com anterioridade, como se depreende do tradicional incidente da multa im­posta a Lidnio Stolo par ter ultrapassado 0 limite maximo de ocupar;:ao concedi·do pela lei que ele proprio formulou.

13. Nao trataremos mais desse tema, j:i que me parece que nao acrescentanenhum dado novo ao quadro j:i conhecido das lutas de dasse, do ponto de vistada historia agraria.

14. Talvez tambem remonte aquele periodo a introdur;:ao de urn impostomonetario sobre 0 pasta. Sabemos em todo caso, pela tradir;:ao, que as leges Lici­niae Sextiae tambem introduziram urn numero maximo para a gada de pasta isentode impostos: 100 caber;:as para 0 gado maior, 50 para a gado menor. (Cf. Apiano,loco cit., I, 8.)

15. Em todo caso, depreende-se da lex agraria, 38, que as assignar;oes dosGracos nao estavam equiparadas, com respeito a faculdade censitaria, ao ager op­timo iure privatus. Por desgrar;:a, nada sabemos do tipo de transformar;ao do cen­sus, que em algum lugar deve ter ocorrido ao menos em parte, de registro dascotas sociais (na epoca do ordenamento coletivista) em cadlogo dos bens patri­moniais. Portanto, seria possivel que tambem se tivesse concedido de algum mo­do a pro/essio a posse imobiliaria nao quiritaria, mas eu manteria como certo queessa proftssio nao podia, de todo modo, levar a inscrir;:ao entre os adsidui nastribus rusticae. Num discurso de Cicero (Pro Flacco 80), alguem afirma ter denun­ciado em Roma, pelo censo, uma gleba que tinha em Apolonia, na Asia. Ciceroresponde-Ihe com estas palavras: "Illud quaero: sintne ista praedia censui censen­do? habeant ius civile? sint necne sint mancipi? subsignari apud aerarium aut apudcensorem possim? In qua tribu denique ista praedia censuisti?"

16. Isso j:i havia sido concedido pela primeira das leis citadas. A lei de 643limitou-se a ratificar a concessao de forma definitiva, outorgando-lhe a possibili­dade de mancipatio (e este, de fato, 0 sentido do V. 8).

17. Como se sabe, Graco tornou a por em vigor a lex Licinia com a modifi­car;:ao de que, acima das 500 jugadas previstas por dita lei, se assignassem outras250 para cada dais filhos, ao mesmo tempo que proibira as ocupar;:oes (Momm­sen, em CLL., I, lex agraria). Apesar disso, realizaram-se ainda algumas ocupa­r;:oes que foram sancionadas pela lei de 643 ate uma superflcie maxima de 50 juga­das par pessoa. Mas, enquanto isso, a lex Thoria agraria introduziu, ao que pare-

ee, uma modificar;ao importante no status da posse, modificar;:ao indicada por CI­cero (Brutus 36, 136) com estas palavras: "(Sp. Thorius}... agrum publicum vitio­sa et inutili lege vectigali levavit." Segundo a interpretar;:ao de Mommsen, aceitapor Rudorff (R.R.G.L, p. 41), 0 significado e 0 seguinte: ele liberou ao ager publi.cus de uma vitiosa et inutilis lex impondo urn vectigal. Conquanto literalmenteessa explicar;:ao nao parer;a espont£nea, creio que nao e Hcil substitui-Ia por outramais satisfat6ria que tenha sentido. Ademais, esta ea unica interpretar;ao que naoperde seu sentido, se a compararmos com uma passagem de Apiano (loc. cit,I, ~7): r1 P J.tEP yijp W/K€n Otap€w:LJ.I, (f)..)...'Elpat TWP EXOPTWP, Kat' r.poPOlJ<; hipauirij<; T{[J b~JL'!' K.aTan'8Ef.l8at, isto e: as situar;oes de posse do ager publicusforam transformadas em ager vectigalis, grar;:as ao que, em lugar do pagamentode~m foro (como em teoria estava previsto), que pela afinidade com 0 tributopago,pelo arrendatario parcial tinha 0 valor de indicador de uma posse juridica­mente predria, introduziu-se urn vectigal fixo e, portamo, houve uma adaeratio,como a desejada e muitas vezes conseguida pelos proprietarios na era imperial;por ultimo, estabeleceu-se que a terra so seria confiscada caso nao se pagasse 0

vectigal, eliminando-se, de resto, 0 Carater precario que a posse tivera ate entao.18. Cf. as inscrir;:oes, por exemplo CLL., IX, 2438, e tam bern Vardo, Re­

rum rusticarum, II, 1.

19. Sobre os abusos e arbitrios nas relar;:oes hereditarias, tornadas possiveisdessa maneira, compare-se 0 primeiro livro do Accus. in Verrem.

20. Tabulae censoriae: Plinio, N.H. XVIII, 3, 11; Cic., De leg. agr. I, 2, 4.21. Esses pIanos sao mencionados em CLL., VI, 919. Na era imperial, por

exemplo, sob Vespasiano (Higin. 22, 20), teriam sido realizados em todos os lu­gares onde fosse posslvel fazer mapas exatos.

22. Staats., II, p. 347, 425 nota 4.

23. Precisamente por isso, como ressalta Mommsen (Staats., II, p. 428)baseando-se numa informar;ao de Livio (XLIII, 14 ss.) sobre a censura de 585-86a.U.C., a revisao dos contratos existentes tinha prioridade sobre as operar;:oes deconservar;:ao do censor.

24. Cic., In Verr., 3, 97, cf. 3, 120, onde se destaca que, por causa da pessimaadministrar;:ao de Verres, os aratores do territorio estataI de Leontini haviam di­minuido de 52 unidades, expulsos da posse "ita..., ut his ne vicarii quidem succes­serint". A persistencia da posse valia, pois, como norma.

2S. Cicero, no ultimo trecho citado.26. Cic., De leg. agr. 2, 3, 184.27. Cic., In Verr. 3, 13.28. Higin., 116.

29. Ou seja, quando e1e os transformou dessa maneira. Depois explicaremoscomo provavelmente essas modificar;:oes juridicas, devidas a imposir;ao do veai.gal, tiveram ademais outras conseqiiencias.

30. E isso ocorria precisamente por consenso t3.cito (relocatio tacita). Segun­do Mommsen, locare significa "colocar", "situar"; par isso, 0 censor deixava ha­bitualmeme a terra que j:i havia sido "colocada" no status quo ante. Inclusive asdistimas concessoes de obras publicas eram consideradas uma crue1dade (Cic., InVerrem I, 130).

31. As observar;:oes de Cicero (De leg. ~gr. I, 3, 7 e 2, 2L, 55) tambem fazemreferencia ao arrendamemo dos impostos. E seguro que nao se podem equipararos arrendamentos de bens do patrimonio nacional com esse arrendamento. au

~I,,

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devia 0 arrendatario de terrenos do patrimonio nacional apresemar tambem gaorantia com praedes e praedia? U rna coisa ccerta: que 0 censor podia dispor qual­quer arrendamento de hens estatais com 0 sistema de leiloes e ebern proV3.velque devesse agjr assim quando estabelecia arrendamentos a longo prazo com grandesarrendatarios.

32. Linhas 85·86, segundo a interpreta~ao de Mommsen, em C.LL., ad. h. l.33. Vcr 0 trecho de Liciniano (30) ja citada em outras ocasioes. Diz entre

outras coisas que 0 funcionario competente teria arrendado as glebas ad pretiumindictum, ista e, scm leiHio.

34. In Verr. 3, 109.35. In Ven-. 3, 120.36. Naturalmente este ultimo fenomeno tambem afctava as centros sujeitos

a tributo, cujo territ6rio nao passara a fazer parte do patrimonio nacional roma·no. Segundo Cicero (loc. cit.), a administra~ao de Verres levou a uma diminui(j:aodo numero de arrendad.rios: de 84 a 32 no ager Leontinus, de 188 a 88 no agerMurycensis, de 252 a 120 no ager Herbiunsis, de 250 a 80 no ager Agyrinensis. Paradizer a verdade, nao sabemos que porcentagem da diminui(j:ao corresponde aoaumento das grandes fazendas em detrimento das pequenas e que outro aos aban­donos, mas e improvavel que Cicero tenha razao atribuindo toda a diminui(j:ao

a estes ultimos.37. A admissao desses arrendamentos depois do periodo do censo nao podia

ser efetuada a gosto do censor, mas pressupuuha uma delibera(j:ao do Senado. Naouma lei, porque entao tambem teria sido necessaria uma lei para a constitui~aodos trientabula, a partir do momento em que aqui so se devia conceder de formaesd.vel aos credores 0 direito de restitui~ao, e nao aadministra~ao 0 direito de

retomar a terra.38. "Quo minus loco publico, quem is, cui locandi ius fuit, fruendum alicui

locavit, ei qui conduxit sociove eius e lege locationis frui liceat, vim fieri veto"

(Lenel, Edict., p. 368).39. Clcero (In. Verr. 3, 120) identifica as sucessores do arrendad.rio com a

termo de vicarii.40. Parerga, "Z.F.R.G. Rom. Abt.", V, pp. 74 ss.41. Linhas 11-13 (completadas par Mommsen): "(Quei ager publicus populi

Romanei in terram Italiam P. Muucio L. Calpurnio cos. fuit ... quod eius IIIviria.d.a. viasei)s vicaneis, quei in terra Italia sunt, deberunt adsignaverunt relique­runt: neiquis facito quo m(i)nus ei oetantur fruantur habeant po(ssiderentque,quod eius possessor. .. agrum locum aedifici)um non abalienaverit, extra euma(grum... extra)que eum agrum, quam et h.1. venire dari reddive oportebit. Queiager locus aedificium ei, quem in (vi)aseis vicanisve ex s.c. esse oportet oportebit­ve (ita datus adsignatus relictusve est eritve... quo magis is ag)er locus aedificumprivatus siet, quove ma(gis censor queiquomque erit, eum agrum locum in cen­sum referat... quove magis is ager locus aliter atque u)tei cst, siet, ex h.l.n.r."

42. Cf. 0 ponto"... urn non abalienaverit" na nota anterior.43. A lei previa a priva~ao para os possessores do ager privatus vectigalisque

precisamente por causa da falsa professio ou de omissao da mesma, evidentementepela analogia do procedimento contra 0 incensus e como meio eventual em casode demora no pagamento do tributo de heran~a, mas nao do vectigal, e no do

pagamento da cau(j:ao efetuado na vendapecunia praesenti por conta do inadimplente.Na Sidlia, 0 publicanus valia-se da pignoris capio contra 0 arator, Fosse qual Fosseo dtulo de posse.

44. Eram levados de novo, coativamente, ao terreno abandonado.45. Cf. Cod. Theod., Tit., XI, 59.46. Cod. Theod. 13, De Tiron., VII, 13, oude se diz que as glebas dos senadores

gravados com essa obriga<fao podiam ser desvinculadas pagando-se urn tributo emdinheiro.

i 47. Recordemos as concessoes de Alexandre Severo aos confinantes "ut eo­ruin essent, si heredes eorum militarent, nee unquam ad privatos pertinerent", dePri'obo aos veteranos em Isauria "ut eorum filii ab anno XVII ad militiam mitteren­tub(. Alem disso, os fundi castellorum, d. Cod. Theod. I, De burgariis, VII, 14; Cod.Theoa. 2, 3, Defundis limitrophis et term etpaludibus etpascuis et limitaneis et caste/·lorum, XI, 59. Ao todo, nas aliena(j:oes e nas sucessoes, era indispensavel a interven­<fao das autoridades publicas, para as quais a praxe administrativa valia como nor­ma para todas as rela~oes jurldicas essenciais.

48. Nao podemos examinar aqui em detalhe as rela(j:oes desses laeti. Cf. a res­peito Bocking, Ad Not. Dign., vol. II, pp. 1044 ss. Mais adiante, falar-se-a da lei deHonorio e Teodosio referente aos Esquiros.

49. a Cod. Theod. emende por beneficium em primeiro lugar as glebas que,por motivos particulares, eram concedidas com isen~ao do foro dos fundi patrimo­nialese emphyteuticarii (Cod. Theod. 5, De colI. den., XI, 20, de 424 d. C.); em segun­do lugar (c. 6, eod., de 430), todas as redu<;oes das contribui<;oes sobre as imoveis,mencionadas sob as formas de relevatio, adaeratio, transforma<;ao em propriedadeprivada ou passagem a uma categoria tribura.ria mais favoravel.

50. Por isso, a rela(j:ao jurfdica so era tecnicameme urn /rui in trientabulis, co­mo recorda a lex agraria (parcialmente completada por Mommsen) na linha 32,pelo que tambern 0 agerpublicus que se deixava as comunidades foi posta em cone­xao com dita rela~ao.

51. as trechos dos agrimensores que citamos anteriormente falam de aliena­(j:ao de lotes. Mas, entao, tambern seria possivel que 0 ager quaestorius se transferissede iure somente per universitatem, se nao so com a consentimento da administra­~ao publica. Tambem ser-lhe-ia imposto, depois, um vectigal nominal.

52. Par isso, na lex agraria, lac. cit., so se fala de aquisi<;ao ex testamento, heredi­tate, dedictione. Par aquisi<foes ex dedictione Mommsen (no comentario alex agra­ria, em C.LL., I) entende aquelas par legados e par mortis causa donatio. Parece-memais provavel que se referisse aos casos de sucessoes universais inter vivos, em par­ticular as arroga<foes.

53. elL., I, 554-556; IX, 1.024-1.026sobre os termos lapideos de 624-625 a.u.c.54. Cf. os trechos de Apiano e Cicero, ja citados na p. 250, nota 17.55. De faro, segundo Apjano (loc. cit., I, 27) este era seu conteudo: T~IJ !J.EII

"{fjll /L'fJK€1"t &all€!J.HII, QAt: fillm 1"I:~1J EXOIITWII, Km' <popov') ~1rEP cl:lhfj') T~ O~/L<fKOITOIn'OfaOm.

56. Transcrevemo-las aqui segundo a integra~ao de Mommsen (loc. cit.):" ... q]uei ager locus in Africa est, quei Romae publice... eius49 esto, isque ager locus privatus vectigalisque u... tus erit; quod eius agri

locei extra terra Italia est... [socium nominisve Latini,50 quibus ex formula t]ogatorum milites in terra Italia imperare solent,

eis po[puleis..., ve agrum locum queiquomque habebit possidebit

252 HISTORIA ACMRIA ROMANA N07)JS 253

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51 [fruetur..., eiusv]e rei procurandae causa erit, in eum agrum, locum,

in[mittito ... se dolo m]alo.52 Quei ager locus in Africa est, quod eius agri [... habeat pos]sideat

fruaturque item, utei sei is ager locus publi[ce... IIvir, quei ex h.I. factus crea­tusve erit,] in biduo proxsumo,

S3 quo factus creatusve erit, edici[to... in diebus] XXV proxsumeis, qui-bus it edictum erit [... cbtu]m adsignatum siet, idque quam.

54 profitebitur cognito[res ] mum emptor siet ab eo quoius homin[isprivatei eius agri venditio fuerit , L.] Calpurni(o) cos.

55 facta siet, quod eius postea neque ipse n[eque...] praefectus milesvein provinciam erfit... colona eive, quei in cDarrei nu]mero

56 scriptus est, datus adsignatus est, quodve eius ... ag... [u]tei curatoreius profiteatur, item ute[i... ex e]o edicto, utei is, quei

57 ab bonorum emptore magistro curato[reve emerit, .,. Sei quem quidedicto IIvirei ex h.1. profiteri oportuer]it, quod edicto IIvir(ei) professus exh.I. n[on erit, .,. ei eum agrum lo]cum neive emp-

58 tum neive adsignatum esse neive fuise iudicato. Q ... do, ei ceivi Ro­mano tantundem modu]m agri loci... quei ager publice non venieit, dare red­

dere commutareve liceto.59 IIvir, q[uei ex h.1. factus creatusve erit. .. de] eis agreis ita rationem

inito, itaque h... et, neive unius hominis nomine, quoi ex lege Rubria quaefuit colono eive, quei [in colonei numero

60 scriptus est, agrum, quei in Africa est, dare oportuit licuitve... dataadsign]ata fuise iudicato; neive unius hominis [nomine, quoi... colono eive,quei in colonei nu]mero scriptus est, agrum quei in Africa est, dare oportuitlicuitve, amplius iug(era) CC in [singulos

61 homines data adsignata esse fuiseve indicato... neive maiorem nu­merum in Africa hominum in coloniam coloniasve deductum esse fu]iseveiudicato quam quantum numer]um ex lege Rubria quae fuit ... a IIIviris co­loniae dedu]cendae in Africa hominum in coloniam coloniasve deduci opor­

tuit licuitve.62 IIvir, quei [ex h.1. factus ereatusve erit...] re Rom ... agri [...d]atus

ad[signatus ... quod eiu]s agri ex h.1. adioudicari63 licebit, quod ita comperietur, id ei heredeive eius adsignatum esse

iudicato [ ...quod quand]oque eius agri locei ante kal. I [... quoiei emptum]est ab eo, quoius eius agri locei hominus privati venditio

64 fuit tum, quom is eum agrum locum emit, quei [... et eum agrum

locum, quem ita emit emer]it, planum faciet feceritve emptum esse, q[uemagrum locum neque ipse] neque heres eius, neque quoi is heres erit abaliena­verit, quod eius agri locei ita planum factum

65 erit, IIvir ita [ ...dato re]ddito, quod is emptum habuerit quod eiuspublice non veniei[t. Item IIvir sei is] ager locus, quei ei emptus fuerit, pu­blice venieit, tantundem modum agri locei de eo agro loco, quei ager lo[cusin Africa est, quei publice non venieit,

66 ei quei ita emptum habuerit, dato reddito... Queique ager locus itaex h.1. datus redditus erit, ei, quoius ex h.1. f]actus erit, HS n(ummo) I emp­tus esto, isque ager locus privatus veetigalisque ita, [utei in h.1. supra] scrip-

tum est, esto."57. Como ocorreu com 0 arrendamento dos bens do templo de Heradeia:

d. as notas de Kaibel na Tab. Heracleensis editada nas [mer. Graec. Sic. et [tal.,n. 645. De resto, a inscrirrao nao contem nada que agora nos possa interessar. A

especificarrao dos objetos eobtida de forma similar a como se fez com a inscri~ao

de Edfu, que ja dtamos. Em geral, os lotes eram retangulares, separados uns deoutros por ruas. Ver os planas em Kaibel, loe. cit., pp. 172-173.

58. Forneceremos maiores detalhes ao longo do capftulo.59. Do ana 639 a.u.c.60. Calculados mais ou menos de acordo com a modelo dos veetigalia do

territorio da Panonia. •61. Na linha 52 do trecho "(habeat pos)sideat fruaturque item, utei sei in

ager locus publi(ce a censonbus mancipi locatus esset?)", a lei se refena provavel­mente asoncessao em arrendamento de glebas por meio de leilao.

62. E arriscado aduzir como prova de uma tese a lacuna de uma inscri~ao,

I',mas, como quer que seja, em nosso caso esegura que a lei continha disposi~oes'~bre as re1a~oes e, tambem, sobre a obriga~ao de vectigal do territorio, ja quenNinha 66 somos remetidos a essas disposi~oes.

63. Tada a questao seria mais clara se se tivesse conservado 0 que, segundoo texto <!as linhas 53-54, os emptores cia regiao haviam dedarado na professio. Incline­me a crer que, de maneira analoga ao que ocorreu mais tarde na Panonia comos possessores cuja professio Higino recorda no trecho citado na p. 21, 0 vectigalera impasto em fun~aodo numero de jugadas de terreno aravel, florestal, de pra­do, de pasto - ou de categorias an3..logas - que des possulam. De fato, emborano texto apontemos como provavel urn veetigal unidrio, isso nao exclui uma clas­sifica~ao primitiva como a que mais tarde encontramos. Com toda probabilida­de, a pro/essio tinha substancialmente essa finalidade. Depreende-se da lei, alemdisso, que 300 longo de toda a disposi~ao tambem se falava, talvez de forma princi­pal, dos possessores que haviam adquirido, ja antes que a lei Fosse promulgada,a terreno mediante emptio. Se a observ~ao anterior sobre os mancipes da zonade arrendamento esd correta, isso significa (d. n. 61, acima) que se confirmoua irrevogabilidade da posse, de per si temporal, daqueles que haviam arrendadoas glebas do patrimonio nacional africano em troca de urn tributo de sucessao;se, alem disso, tambem isso Fosse verdade, entao a indiscutlvel tendencia capita­lista de uma Iegisla~ao seme1hante resultaria ainda mais pronunciada. Os latifun­diarios de terras do patrimonio nacional nao chegaram a ser isentos do veetigal,como havia ocorrido na Icilia, mas foram situados na condi~ao outorgada porT6rio aos possessores idJicos. Ja aos possessores de bens do patrimonio naeionalcujo agera censoribus locari solet, isto e, aos pequenos arrendatarios, antigos habi­tantes ou idlicos, foi assegurado que nao deveriam pagar de pronto urn arrenda­mento, como ate aque1e momenta, mas sua posse permaneceu numa situa~ao ju­rfdica pred.ria. Se a inscri~ao de Halaesa - Kaibe1, Inser. Graec. Sic et Ital., n.352 - contivesse efetivamente, como sustenta Kaibe1, 0 montante dos foros dearrendamento dos lotes, tambem esses lotes so poderiam ter sido estabe1ecidosde forma geral. Ademais da rel~o dos XAaPOL e oaL8p.o/' e1a demonstra que, aqui,o arrendamento consistia essencialmente num deslocamento dos detentores e eli­minava qualquer concorrencia. Nao est;\. claro de que tipo eram as situa~oes pos­sessorias citadas na conhecida inscri~ao de Acrae (Kaibel,loc. cit., n. 217; d. Goet­ding, Inser. Aer., e Degenkolb no artigo ja citado sobre a lex Hieronica). Comoquer que seja, tal coisa nao reveste nenhuma importancia para n6s.

64. Isso se depreende da maneira como se fala do heres nas linhas 62-64. Sim­plesmente significa que 0 governador da provincia tinha competencia para ditarnormas gerais sobre 0 tema e publicar em editos quando concederia a1iena~oes

r255N07J4SHIST6RIA AGRARIA ROMANA254

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I,I-,

257NOTAS

lei devia incluir algurna disposi93.0 especial sabre a a1ien~o, anaIoga talvez aquelasque se referiam a enfiteuses posteriores. Nao sabemos se a lei colocava normasque arnpliassern 0 direito tambem sobre essas glebas. Na linha 93 fala-se de urnin ious adire que parece referir-se ao ager ex s(enatus) c(onsulto) datus adsignatusja examinado antes. E duvidoso de que glebas se tratava. Momrnsen, loco cit.,idemifica-as com as posses ordinarias de bens do patrim8nio nacional. Dado queDuma passagem da lei aparece uma posse ex senatus consulto, nao me parece fora4a realidade que se tratasse das glebas dos naviculari~ dos quais ja falamos. A se­~inte parte da lei talvez Fosse centrada no problema das obriga90es de transpor­te, 'pesadfssimas, e no pagamento em especie dos tributos, problema que depoisfoi regulamentado freqiiemememe mediante disposiiYoes imperiais.

68. Dig. 39, 5, De legat., I, 30. Recorde-se tambem a inscri~3.o de Cartagonova (CLL., II, 3424) acerca da possibilidade de que alguem edificasse urn tern.plo conforme 0 legado sine deductione XX (vicesimae) vel tributorum (portanto,de uma importSncia fixa) (d. Mommsen). No trecho citado do Digesto, vectigale tributum sao pastos lado a lado. A diferen~a deve ser buscada no Carater relati­vamente oscilante do vectigal. 0 tributum... ubertatis (CLL., ill, 352) existenteem Nacolia e Orcistus, na Fdgia, na epoca de Constantino, referia-se a urn im­posto sobre os irnoveis fixado definitivameme com base numa estima9ao da na­tureza do terreno. Procedia·se de forma amiloga com 0 tributum sobre as glebasadjacentes a aquedutos (Lachmann, p. 348). Tambem em Dig. 42; 52, 2, De pact.,2, 14, 0 tributo e tratado como uma presta9ao fixa.

69. De qualquer modo, esse tributo imobili:irio (como, de resto, todo im­pasto sobre os im6veis), enquanto nao se tornava excessivo, era urn meio paraconservar as culturas no estado em que se encontravam, isso porque a passagema uma explora~ao de tipo extensivo, paralisada ao permanecer 0 tributum sol~teria sido comparativamente muito mais gravada. Heisterbergk p8s em evidenciaesse ponto, que me parese indubitavelmeme digno de grande aten9ao, em espe­cial no que concerne a Africa, seu pomo de vista, segundo 0 qual a irnposi9aOdos tributos fixos em especie comribuiu para manter 0 cultivo de cereais maisdo que teria sucedido sem ela; isso tambern e importame para 0 problema docolonato. Mas nao me parece exato que este tenha sido 0 elememo essencial dodesenvolvimento do colonato.

70. Dig. 2, 8, Testam. quemadm., 29, 3 (omnimodo compelletur); Dig. 3, 9,De tab. exh., 43, 5 (coercen debere); Dig. I, 3, De insp. ventr., 25, 4 (cogenda reme­diis praetoriis); Dig. 5, 27, Ut in poss. leg. c., 36, 4 (per viatorem aut officialem);Dig. 3, 1, Ne visfiat, 43, 4 (extraordinaria executio); Dig. l, 1, De migrando, 43,32 (exrraordinem subvenire).

71. CLL., X, 7852, e Mommsen, em "Hermes", il.72. Na verdade, como ja ressaltamos, tambem as col8nias de cidadaos po­

diam realizar a enfiteuse. Podiam-se constituir rendas vitalfcias num fundus tam­bern em beneffcio de urn particular, cf. Dig. 12, 18, pr., De annuis, 33, 1; C.l.L.,V, 4489. Mas nao existiam rendas anaJ.ogas perpetuas; urn legado de rendas semprazo era de per se nulo e s6 tinha efeito como renda vitalicia fideicomissaria,Dig., 12 cit.

73. Lex coloniae Genetivae, "Ephem. epigr.", il, pp. 221 sS., c. 98, 99.74. CIcero, De lege agr. 30, 82; In Verr. 11,53, 131; 11,55, 138; Pro Fiacco

9,20; alem disso, C 1, 10, De vectig. IV, 61.

HIST6RIA AGRARIA ROMANA

e a quem assignaria, como herdeiro, a gleba. De fato, ele era, ao mesmo tempo,funcionario administrativo e juiz instrutor dos procedimentos.

65. J£ antes (cap. 1) e tambem agora nesse case consideramos provavel quenao houvesse limita~ao "real" aalienabilidade do ager quaestorius normal. Ene­cessaria examinar mais a fundo urn fato desse tipo. Juridicamente, 0 ager quaesto­rius era uma situ~ao de posse sabre 0 ager publicus, urn habere possidere uti /ruicomo (odos as demais, privado ponanto de mancipatio e de as:oes reais, com ex­ces:ao do interdictum possessorium, e so protegido por via administrativa; dessaprotes:ao se encarregavam presumivelmente os consules Ga que eles, segundo Li­via XXXI, 13, tambem ratificavam 0 estabelecimento nos trientabula). Mas co­mo tampouco interessava ao Estado, no caso dos trientabula, quem eram os pos­suidores das glebas, ter-se-a concedido em geral essa prote<;ao aqueles que tives­sem realizado a aquisi~ao segundo as formas prescritas em outros casos para aaquisi<;ao do locus - com base na traditio ex iusta causa, portanto - a urn possui­dor anterior igualmente legitimo. Uma situa~ao semelhante nao tera sido enten­dida como purameme pred.ria, mas como algo obvio, e de fato os agrimensoresmencionam a aliena<;ao mediante emptio venditio como urn acomecimento nor­mal no ager quaestorius. A observa<;ao feita por Higino (116) a proposito dessetema "non tamen universos paruisse legibus quas a venditoribus suis acceperant"pode ser entendida como uma notifica<;ao da aquisi<;ao ou algo similar. A "alie­nabilidade" so deve ser emendida e afirmada nesse sentido, mas parece-me que,dentro desses limites, nao pode ser posta em duvida, ja que dificilmente poder-se-acrer na manuten<;ao da inalienabilidade quando nao existia urn interesse praticoimediato em forma de vectigal. Na verdade, em rel3.9ao aos agri privati vectigalis­que, nao era esta uma diferen<;a jurfdica nftida, mas apenas pratica e com todauma gama de graus interme&irios. Cf. nota 67.

66. A rela<;ao com 0 census, declarada pelo mesmo titulo da passagem emquestao, demonstra que os scamna eram emendidos nesse caso como glebas comobrig3.9ao de vectigaL Tratava-se de dais tipos de glebas: aquelas que eram res mancipie estavam sujeitas ao census imperial baseado no tributo cidadao e aquelas grava­das particularmente par urn imposto sobre as imoveis. Como quer que seja a di­ferenp pratica com n::speito avenda era esta: para a primeiro tipo de glebas, apropriedade se transferia, em rela~ao ao census, com a mancipatio, enquanto atraditio so era necessaria para aperfei<;oar a transferencia, servia como prova deque uma ampla superffcie, como se depreendia da ata de mancipatio, esta efetiva­mente adisposi<;ao do comprador. Essa vacuae possessionis traditio nao tinha grandeimpordncia para a prote9ao petitoria, mas so para a possessoria. Vice-versa, nocaso dos scamna, que eram glebas sem possibilidade de mancipatio, a traditio equi­valia a urn ato de transferencia da propriedade, enquamo a anterior emptio vendi­tio era simplesmente urn ato de que nascia a obriga<;3.o. Pois bern, 0 trecho emquestao, como ja dissemos ameriormente (cap. II), dispunha que, de entao emdiante, a medi<;ao ou a determina93.0 das divisas deviam preceder a mancipatioe, por isso, eliminava a antigo carater de aliena9ao de cotas que a mancipatio tive­ra. Embora no caso dos scamna Fosse distinto, ja que a emptio consensual naotransferia a propriedade, Constantino disp8s que a lei tambem servisse para des.

67. Mommsen (CLL., I, na lex agraria) infere a possibilidade de venda doager privatus vectigalisque da IOCU93.0 empregada nas linhas 54 e 63: "cuius eiusagri hominis privati venditio fuerit". Dessa IOCU93.0 se deduz, a meu ver, que a

256

I"

,II;1:,

•I

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75. Dig. 27, 3, De usufr., correspodente ao frumentum emptum das provin­

elas.76. Cicero, In Verr. III, 42, 100 (nesse caso como complemento do tributo

a pagar em Rama).77. Tambem se incluem nesses impastos diretos as indictiones temporariae

da I, 28, De USU, 33, 2, quando se tratava de cotas tribud.rias das comunidades.78. As cidades da Asia calram em maos dos usurarios quando ja DaO estavam

em condilYoes de pagar 0 stipend-ium (Plut., Lucullo, 7, 20).79. Recordada, por exemplo, em Dig. 219, De v.s., como surgida apbs a loca­

tio por meio de mancipes.80. as imperadores deram instrus:oes aos governadores e aos curatores das

comunidades para que as somas de dinheiro das comunidades provenientes dehipotecas fossem deixadas nas maos dos antigos devedores, Dig. 33, De usur., 22, 1.

81. Assim ocorreu em Atina, CLL., X, 5056, em Terracina, CLL., X, 6328,

e em outros lugares.82. Sao conhecidas as grandes funda90es assistenciais da epoca que vai de

Nerva a Alexandre Severo. Ai; inscri90es atestam duas funda90es da epoca trajana(CLL., IX, 1455; d. Desjardins, De tab. alim., Paris, 1854; Henzen, Annalen desarch. Inst. in Rom, 1844). As somas de dinheiro foram dadas em emprestimo comjuros minimos. Ha que considerar como fora de duvida que os possuidores dasglebas nao podiam renunciar. De resto, a consideravel soma de retrovenda emrel~ao abaixa taxa de juros garantia que isso nao ocorresse.

83. Assim na lex col. Genetivae, c. 82, as vendas e os arrendamentos sao limi­

tados por urn minimo de cinco anos.84. C. 2, Vedig. nov., IV, 62, de Severo e Caracala.85. C 13, De vectig., IV, 61, de Teodosio e Valentiniano (um ter90 para as

comunidades, dois ter90s para 0 Estado).86. "Eph. epigr.", I, pp. 279 ss.87. CLL., IX, 5853; PHnio, Ep. 1, 8, 10; VII, 18, 2.88. CLL., X, 1783, em Pozzuoli.89. Dig. 61, De pignor. (de Scevola); Cicero, De I. agr. III, 2, 9; cf. eLL.,

V, 4485. Nesse sentido tambem deve ser interpretado 0 locare da 1. 219, Dig.,De v.s., assim como 0 redemit et reddidit da inscri9ao de Ferentino. eLL., X,5853. Como quer que seja seria uma medida pouco clara a de uma comunidadeque primeiro transferisse urn fundus para urn particular, depois 0 reouvesse e,finalmente, 0 restituisse com a imposi9aO de urn vectigal. Ademais, isso tambemesd. em contradi9aO com 0 termo redimere. Pelo contrario, se para os interessa­dos a transferencia acomunidade por meio de particulares tinha um valor pura­mente formal, nao nos deve surpreender se se citava primeiro 0 redimere e depoiso reddere: 0 redimere concernia ao demento obrigatorio do neg6cio, 0 redderereferia-se, por sua vez, a uma parte do aspecto real do proprio negocio, que seaperfei~oava depois com a mancipatio segundo a lex dicta.

90. Por isso nas Institutiones de Justiniano (3, De loc. III, 34) diz-se que: " ...familiaritatem aliquam inter se habere videntur emtio et venditio, item locatioet conductio, ut in quibusdam causis quaeri soleat, utrum emtio et venditio con­trahatur an locatio et conductio. Ut ecce de praediis, quae perpetuo quibusdam

fruenda traduntur".91. Cf. 0 que segue 0 trecho citado na nota anterior.

92. Isso foi posto justamente em evidencia por Pernice, Parerga ("2.f.R.G.",Roma \I).

93. Eevidente que nos centramos aqui na situa~ao dessas provincias, paraas quais as principais f6ntes sao os discursos contra Verres, de Cicero, apenas dentrodos limites em que se referem a nosso problema.

94. Cf. Degenkolb, Die lex Hieronica, Berlim, 1861; Pernice, Parerga "2.£.R.G., Rom. Abt.", V, pp. 62 ss.

95. Cicero, In Verr. III, 33, 77; Ill, 44, 104; III, 64, 149.96. In Verr. III, 8, 20.97. In Verr. II, 13, 32.98. Sobre isso d. Degenkolb, loco cit.99. CE. In V",.,.. III, 22, 55.100. Como quer que seja, nao me parece que tenha existido uma norma geral

que regesse essas rela90es, como se depreende da passagem citada na nota anterior.101. As medidas adotadas em rela9ao as doze colonias latinas rebeldes do

ano de 548 a.u.c. foram mais ou menos as seguintes: foi-Ihes imposto, como dizLIvio XXXIX, 15, urn stipendium perpetuo de 1 por 1000 (urn por mil) de patri­monio global e dispos-se que "censumque in iis coloniis agi ex formula ab Roma­nis censoribus data", isto e, nao com base na formula censitaria romana, mas se­gundo urn regulamento adequado asitua9ao, promulgado pelo censor romano,da mesma forma que 0 patrimonio das cidades era avaliado segundo uma normaposta por Roma, a lex Hieronica. Os censores locais deviam comunicar aRoma,sob juramento, os resultados da colheita. De iure, devia haver urn contrale.

102. In Verr. III, 39, 88; III, 42, 99.103. PHnio, N. H. III, 91.104. Apiano, B.c. 5, 4.105. "Ceteris (com exce9ao da Sicflia e da Asia) impositum veetigal est cer­

tum, quod stipendiarium dicitur, ut Hispaniae et plenisque Poenorum."106. Liv. XXXVI, 2, 13. Tambem na Espanha existiam glebas sujeitas ao

dizimo que Chiudio, na qualidade de censor, estabeleceu em 49 d. C, como ates­ta a inscri9ao eLL., II, 1438.

107. Eutrap. 6, 17; Suet., Caes. 25.108. Apiano, Pun. 135.

109. Lex. agr., linhas 79-80-81. Parece duvidosa a situa9ao juridico-publicados perfugae. Epossfvel, como sustenta Mommsen, que tivessem formado umacomunidade propria. Parece-me mais provavel que se tratasse de latifundiariosque passaram para 0 lado romano com seus camponeses, que ficaram de possedos terrenos na qualidade de stipendiarii (para 0 que d. 0 texto), mas sem pagaro stipendium. De fato, sua posse, como sustenta 0 mesmo Mommsen, nao tinhao valor de uma posse de bens do patrimonio nacional.

110. Era essa, a meu ver, a situa9ao juridica daquelas pessoas de que a leifala na seguinte passagem (linha 91): "Quibuscum tran]saetum est, utei bona, quaehabuisent, agrumque, quei eis publice adsignatus esset, haberent [possiderent frue­rentur, eis... quantus] modus agri de eo agro, quei eis publice [datus adsign]atusfuit, publice venieit, tantundem modum [agri de eo agro, quei publicus populiRomani in Africa est, quei ager publice non venieit..., magistratus commutato]."Mommsen sustenta que se tratava daqueles com quem se concluira a pratica da de­cl~ao tribudria. Eu, porem, considero que se tratava de possessores de bens do pa-

'r259N07A5Hl5T6RIA ACRARIA ROMANA258

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trimonio nacional sujeitos a impastos, cuja posse era protegida no plano admi­nistrativo, de forma que, obrigas:ao tribudria aparte, eram equiparados aos per­fugae. Eles naa eram stipendiarii (para 0 que d. 0 texto) porgue suas glebas eramager publicus populi Romani. Nas linhas 92-93 a lei fala dos possessores habituais.Eles eram arrendad.rios do Estado, revogaveis de iure. Aqui se pode observar aidentidade fundamental entre 0 arrendamento censidrio e a ocupa~ao de direito

pred.rio.111. Mas d. a nota 110. Niio se tratava, oeste casa, do pasta publico, ja que

so se referia a situa~5es de posse.112. Linha 77 da lei: "II]vir, quei ex h.I. factus creatusve erit, is in diebus

CL proxsumeis quibus factus creatusve erit, facita, quan[do Xvirei, quei ex] legeLivia factei createive sunt fueruntve, eis hominibus agrum in Africa dederunt ad­signaveru[ntv)e, quod stipendium [pro eo agro populo Romano pendere opor­tet, sei quid eius agri ex h.t. ceivis Romanei esse oportet oportebitve,... de agro,quei publicus populi Romanei in Africa est, tantundem, quantum de agro stipen­diario ex h.t. ceivis) Romanei esse oportet oportebitve, is stipendiarieis det adsig­netve idque in formas publicas facito ute[i referatur i(ta) u(tei) e r(e) p(ublica)

f(ide)]q(ue) eli) e(sse) v(idebitur)."113. Frontino, 5, 6: "eadem ratione et privatorum agrorum mensurae

aguntur".114. C.I.L., X, 7852.115. Em todo caso, essa rela~ao ja estava bern caracterizada em suas linhas

principais, como se deduz de uma passagem, freqiientemente citada em rela~aoa outros temas, de Frontino (Lachmann, 53): "Inter res p. et privatos non faciletate in Italia controversiae moventur, sed frequenter in provinciis, praecipue inAfrica, ubi saltus non minores habent privati quam res p. territoria: quin immomultis saltus longe maiores sunt territoriis: habent autem in saltibus privati nonexiguum populum plebeium et vicos circa villam in modum munitionum. Tumr.p. controversias de iure territorii solent mouere, quod aut indicere munera di­cant oportere in ea parte soli, aut legere tironem ex vico, aut vecturas aut copiasdevehendas indicere eis locis quae loca r. p. adserere conantur. Eius modi litesnon tantum cum privatis hominibus habent, sed et plerumque cum Caesare, quiin provincia non exiguum possidet."

116. CLL., Vill, 270, a prop6sito das nundinae do saltus &guemis. Cf. Wil­

mans, "Eph. epigr.", II, p. 278.117. Cf. p. 257, n. 68.118. "Divus Vespasianus Caesarienses colonos fecit, non adiecto, ut et iuris

Italici essent, sed tributum bis remisit capitis; sed Divus Titus etiam solum im­munem factum interpretatus est." Di$. 8, 7, De cens., 50, 15.

119. Deve ter sido este 0 caso da Africa, onde 0 imposto de capita~ao existiadesde a epoca da terceira guerra punica (Apiano, Lyb. 135).

120. Dig. 4, De censibus, 50, 15.121. Lampr., Alex. 39: "Vectigalia publica in id contraxit, ut qui X aureos

sub Heliogabalo praestiterant, tertiam partem auri praestarent, hoc est tricesimampartem. Tuncque primum semisses aureorum formati sunt, tunc etiam cum adtertiam partem auri vectigal decidisset, tremisses...". Como quer que se interpre­te este trecho, a primeira frase diz seguramente que, diminuindo urn determi-

nado imposto pagavel em ouro de 10 a 3 1/3 aurei, obtem-se uma redu~ao de10% a 3 1/3% de urn determinado imposto baseado no cadastre.

122. Cf. por exemplo Cod Theod 13, De senat., 6, 2, onde se estabelece emparticular a isen~ao dos impostos para os bens dos navicularii.

0123. Do codigo siriaco-romano, publicado por Mommsen em tradus:ao ale­

rna em "Hermes", III, p. 430.I 124. Cf. em particular Eumenii gratiarum actio 11.'\125. C. 98.

126. 5 por pessoa, 3 por par de animais de tiro.127. ClL., VllI, 10570; Mommsen, "Hermes", XV, pp. 385 ss., 478 ss.128. Dionis. 4, 43, num trecho muito confuso. Tambem a tributa~ao espe­

cial dos 6rfaos menores de idade, das pupillae et viduae se explica pela conexaooriginal existente entre a reparti~ao do imposto e a obriga~ao de presta,s:oes pes­soais para os romanos maiores de idade.

129. Tambem no do homo liber in mancipio, isto e, dofiliusfamilias dadoem emprestimo como trabalhador bra~al.

130. Tambem para as colonias houve provavelmente dois registros, ja queterao repartido os servi~os obrigatorios segundo os iuga, os capita e os impostos,de forma aniloga ao tributum romano.

131. 0 colono obrigado a prestar servi~os com seu proprio gado nao estavaisento, mesmo que nao 0 possuisse; mais ainda, por esse motivo proibiu-se maistarde que os colonos alienassem 0 peculium.

132. Frontin. 364 (segundo a complementa,s:ao de Mommsen, "Abh. der berl.ak.", 1864, p. 85): "tributorum collatio cum sit alias in capita, id est ex censu...",Liv. XXIX, 15, 9; XXXIX, 7, 4, vv. "in milia aeris".

133. Por essa mesma razao, as servitutes praediorum que substitulram a anti­ga economia coletivista tinham a faculdade de census como res mancipi.

134. Para a referencia as presta,s:oes obrigatorias, ver Cod. Theod. 5, De itin.mun., 15,3, de 412 d. c., segundo 0 qual em Bidnia os gravames vi.irios afetavamos possessores em razao do numero de iuga ou de capita de suas glebas. Mas nestecaso a repartis:ao nao se fazia em fun~ao dos pares de gado de tiro, como se de­preende da passagem mm (Cod Theod 4, De eq. coil., 11, 17) em que se fala depresta~oes com gado de tiro, como diz 0 dtulo, mas nao da reparti~ao em razaodos pares de gado, como demonstra a locu~ao possessionis iugationisve modus.

135. Isso se depreende do criterio de avalia~ao das 0€a7l'07HCU de Tralles (cf.nota seguinte).

136. A inscri~ao Corp. Inscr. Graec., 8657, que comem os fragmentos do ca­dastro de Astypalaea, cataloga assim as glebas sujeitas a imposto: (.1.f) a7l'o(n')o::S'6€OOoUAOU.

xw. 'AXLAAUCOS' Su...xU)· BappoS' p,f.•. su... apep • KexU)· BO::7paxou p,€••• 0, Su... apep . KXw. .1.apP£op Su...Su·= Strya eram os animais de tiro, aP8p (U)7I'0£) os colonos e os escravos. Boe1h

quereria entender p,€. por JoI,€PTl = lotes taxados pro rata. Urn fragmento do cadastrode Tralles ("Bull. d. corresp. hellenique", IV, pp. 336 ss., 417 ss.) cataloga as glebascom f61ios pessoais, entre os quais em cada latifUndio os &ypo~ e os ro7l'0~, e estespor S(V"}'a = iuga) e os escravos e os sWa por K (€opo::Acn'). Calculando 0 total seespecificavam Szrya e KfopaAO:{ Astypalaea e Tralles eram cidades livres e provaveI­mente era-lhes imposta uma soma tribut.iria global de urn numero determinado

r261NO'E4.SHIST6RIA AGIURIA ROMANA260

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de capita, repanidos depois por essas cidades entre os possessores segundo os iugae as capita. Pda contrano, as fragmemos cadastrais de Tera e Lesbos, que naotinham aVToPOpta, com que seu territorio estava sujeito a vectigaJ, catalogam asglebas taxadas com 0 impasto em OfU'lfOTEtCn e denteo destas enumeram os terre­nos araveis ('Yt1 (J1r'OPl.~) e as vinhedos (ap.'lrEAo~) por jugadas, as olivais (€Ao:tl:i)em two do numero de mores ou de l'upa, talvez para plantar. Assim tambem(em Lesbos) catalogam as prados e os pastas segundo 0 numero de jugadas, berncomo as escravos, indicando sua idade, as bois, as asnos, 1rpol3aT<x e, finalmente(em Tera), os 1rapOLKot (co10nos). A iugatio e a capitatio das &U1rOT€tcn eram obti­das provavelmente calculando a soma global dos impastos que incidiam sobre asdistintas categorias de glebas induidas na &O'1rO'THa. Citemos agora urn trecho dolivro de leis siriaco-romanas (Mommsen, "Hermes", ill, p. 430) que trata da de­termina~ao dos iuga quando as cotas de impasto sobre os imoveis dos distintosterrenos eram agrupadas em iuga: "agros vero rex Romanus mensura perticae sicemensus est. Centum perticae sunt 1rAe6pop (em grego no original). 'IoUyoP alitemdiebus Diodetiani regis emensum et determinatum est. Quinque iugera vineae,quae X 1rAf8pCl. efficiunt, pro uno iugo posita sunt. Viginti iugera seu XL 1rAf8pCl.agri consiti annonas dant unius iugi. Trunci (?) CCXX(V) olearum vetustarumunius iugi annonas dant: trunci CDL in monte unum iugum dant. Similiter (si)ager deterioris et montani nomine positus (est), XL iugera quae effieiunt LXXX1rM8pCl., unum iugum dant. Sin in 'TPL'T't/ positus seu scriptus est, LX iugera, quaeefficiunt (CXX) 1rAe6pa, unum iugum dant. Montes vero sic scribuntur: Tempo­re scriptionis ii, quibus ab imperio potestas data est, aratores montanos ex aliisregionibus advocant, quorum OOKLj.LCl.uta scribunt, quot tritici vel hordei modiosterra montana reddat. Similiter etiam terram non consitam, quae pecudibus mi­noribus pascua praebet, scribunt, quantam O'UP'TEAHCl.P in 'TCl.1JlEiop factura sit, etpostulatur pro agro pascuo, quem in 'TCl.J.Lu.iop quotannis offerat, denarius (ou seja,aureus) unus seu duo seu tres et hocce tributum agri pascui exigunt Romani men­se Nisan (Abril) pro equis suis". Urn trecho de Eumen. gratiar. actio fala, em con­trapartida, de urn caso do primeiro tipo, em que era imposto globalmente a urnpais determinado certa cota de capita. Nesse caso, diz-se de Constantino: "septemmilia capitum remisisti... remissione ista septem milium capitum ceteris vigintiquinque milibus dedisti vires, dedisti opem, dedisti salutem". Os eduos, de quemse esta. falando, deviam pagar, portanto, a importancia exata de 32.000 capita, dosquais 7.000 foram perdoados. Isso esd em contradis:ao com 0 autentico impostosobre os imoveis, e tampouco se fala de outra reparti~aosobre 32.000 capita, mas,como quer que seja, ficaram 25.000. Quando se tratava, como neste caso, de valo­res puros, isto e, de "cotas tribudrias ideais" na pd.tica, utilizava-se a termo ca­put; inversamente, quando existia uma conexao com 0 latifundio concreto se utili­zava 0 termo iugum. Esta e provavelmente a diferen~a original entre os dois ter­mos. Mas ja que 0 valor dos dois impostos era identico, chegou-se a utilizar ambosos termos indistintamente. 0 fragmento do cadastro de Volceii (CLL., X, 407)de 323 d. C cataloga as distintas glebas por jugadas e exprime seu valor cadastralem milia. Essa avalias:ao global das glebas esdligada a anterior liberdade de grava­mes fiscais sabre 0 solo, de maneira que esta era a llilica forma possivel de tributa­~ao. Por isso, na IdJia, a millena substituiu depois 0 iugum, do qual nao diferiasubstancialmente (Valent., Nov., tit. V, 4; Nov. maior., tit_ VII, 16; d. a sanctiopragmatica justiniana, c. 26, de 554 d. C), a nao ser porque a iugum compreendiahabitualmente terrenos pertencentes a distintas categorias agnlrias e, portanto, eraestabelecido com base em criterios diferentes.

137. Cod. Theod. 33, De annon. et tribut., II, 1. Nesse trecho, poe-se especi­ficameme em evidencia que nenhum inspector devia avaliar OS bens das provlncias.

138. As cenrurias das assigna~oes individuais de Cesar no ager Campanussao vislveis ainda hoje, exceto breves imerrup~oes, como se observa no modernoplano topogcifico de Capua (0 professor Meitzen deu-me a oponunidade de ve..!h; 0 plano sera publicado proximamente em sua obra). As s:entUrias sempre equi­valem a 200 jugadas; por isso na Campania, bern como na Africa, sempre foi pos­sivel calcular quantas jugadas eram submetidas a impasto e quantas eram isentas- 'cf. Dig. 2, De indulg. deb. (Honorio e Arcadio, 395 d. C.), onde se perdoa 0

imposto sobre 528.042 jugadas "in locis desertis et squalidis".139. Fala-se de urn imposto de 5 centesimae.140. Vespasiano, com uma disposis:a,o que se conserva epigraficamente (ClL.,

I, 1423), autorizou a comunidade estipendiaria dos saberienses, na Espanha, a des­mantdar sua cidade e reconstrul-la na plan1cie, ratificando 0 status quo referentea seus vectigalia. Para impor novos tributos tinham, parem, de pee/ir autoriza~aoao governador.

141. 0 Cod. Theod. 3, De extr. et sord. mun., 11, 16 (de Constantino, 324d. C.) privava as comunidades de Calcfdica e Macedonia da autonomia na repar­ti~ao dos munera, dado que os potiores aproveitavam-se em prejulzo dos outroscontribuintes.

142. Cod. Theod. 4, De extr. et sord. mun., 11, 16 (de Constantino, 328 d. C).Antes de mais nada deviam-se determinar as cotas tributmas correspondentes dospotiores, mediOCTes e infini. Tambem neste caso esd clara a relas:ao com os servi­s:os obrigatorios. Evidentemente os potiores se arranjavam para que 0 tUfno sem­pre come~asse pe10s infini, com 0 que nunca chegava a sua vez.

143. Ver os trechos citados nas duas notas anteriores. Segundo 0 ultimo de­les, 0 esquema estabelecido pelo rector tinha Carater de norma.

144. Tambem era assim no caso dos minores possessores segundo 0 Cod. Theod.12, De exact, 11, 7 (de 383 d. C).

145. Conquanto 0 Cod. Thead. 2, De exact., 11,7 (de Constantino, 319 d. C)tenha Jimitado a responsabilidade dos decurioes a seus subordinados (coloni e tri­butarit), a Nov. maior., 4,1, designa corretamente os curiales como servi reipubli­cae, com 0 que e certo que a responsabilidade dos decurioes nao se limitava aesse caso. a significado da disposi~ao de Constantino e 0 seguinte: na regulamen­ta~ao tributaria, as glebas dos propriedrios considerados comribuintes com me­nos de urn iugum inteiro e, em geral, todas as gJebas de quem nao ocupasse 0cargo de decuriao eram atribuidas, do ponto de vista tributario, a determinadosdecurioes segundo a circunscri~ao, estando os decurioes obrigados a antecipar 0imposto exclusivamente para a circunscri~ao que lhes fora assignada. Tambemeste sistema surgiu depois da repani~ao dos impostos em iuga (d. nota 148). JaConstantino permitiu que os decurioes viajassem, mas so por ocasiao de licen~asautorizadas (Cod. Theod. 12, De decur., 12, 1, de 31 d. C.) e 0 Cod. Thead. 96,eod., de 383 d. C, dispos que fossem levados de novo a for~a para seus lugaresde residencia, no caso de que fossem suspeitos de fuga.

146. a Cod. Theod. 72, De decur., 12, 1 (de 370 d. C) dispunha em particu­lar que urn negotiator pudesse ser inscrito~ ao adquirir possessiones, no livro dosdecurioes. Pelo livro de Thamugaddi na Africa, de 360-67 d. C, que conserva­mos epigraficamente ("Eph. epigr.", 1), sabemos que os decurioes nao se identifi­cavam com aque1es que tinham direito de sentar-se na cUria; esse direito so cor­respondia aque1es decuric3es que haviam ocupado cargos especiais na escala decurio­nal, isto e, existia a mesma relas:ao que havia entre 0 grupo senatorial e 0 sena-

263N07ASHIST6RlA ACRARlA ROMANA262

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do em Rama (Mommsen, loe. cit.). Segundo 0 Cod. Theod. 33, De decur., 12, 1(de 342 d. C.), a posse sabre a qual eventualmente se estabelecia a obriga~ao dodecunonato era de 25 jugadas.

147. 0 Cod. Theod. L, De praed. et mens. CUT., 32, 3 (de 386 d. C.) exigiaportanto a permiss1io das autoridades para a alien~ dos bens decurionais e tratava­as, pais, como glebas taxadas com presta~oes obrigat6rias em especie.

148. Ver nota 145. Tambem por esse motivo, as fragmentos dos cadastros cita­dinos que citamos catalogam as glebas sujeitas a impasto sempre como &(17fOTE{m.Como vimos na nota 145, as pequenos proprietarios figuravam entre as bens dosdecuri3es no registro do census - censibus adscribere, portanto adscripticii (cf. cap.IV) - e provavdmente eram tratados como 1rapOtKOt. colani. Dessa forma, foi san·cionada definitivamente no plano juridico e expressa tambem no plano tribut3.rioa diferen~a de dasse entre possessores e plebs rustica. A meu ver, ainda nao foi postao suficiente em relevo que a reforma dioclecianiana consistiu essencialmente numsistema tribut3.rio baseado nas possessOes imobiliacias patronais. No Ultimo capitu­lo, examinaremos as conseqiiencias ulteriores dessa imponanterd~ e tentaremosdocumend-Ias amplamente. De resto, a propria rda~ao, isto e, a responsabilidadede urn contribuinte por muitos outros, e antiga e ja foi observada por Papinianoem Dig., De cern., 50, 15, pr.: "Cum possessor unus expediendi negotii causa tribu­torum iure convenitur, adversus ceteros, quorum aeque praedia tenentur, ei qui con­ventus est, actiones a fisco praestantur, scilicet ut omnes pro modo praediorum pe­cuniam tributi sonferant." Nesse caso, trata-se das rd~5es dos possessores (= decu­rioes) entre si. E evidente que os decurioes ja eram obrigatoriamente responsaveispdo tributo devido por todo 0 territorio. Como ja notamos, a constitui~o de Cons·tantino citada na nota 145 dirigia-se contra essa sit~ao.

149. Cod. Tbeod 3, De praed senator, 6, 3 (de 396 d. C). No ano seguinte,os bens dos senadores ficaram novamente submetidos ajurisdis;ao da curia, masnao por muito tempo, ja que nesse mesmo ano (Cod. Tbeod. 13, De tiron., 7, 13)os senadores recuperaram urn privilegio rderente aobriwo de fornecer recrutas.

150. Cod. lust., tit. XI, 58; C 8, De exact. trib., 10, 19.151. Assim em Cod. 7heod. 1,2, De extr. et cond. mun., 11, 16, os praedia

enfiteuticos, patrimoniais e (ver c. 13 eod.) todos os outros praedia perpetuo iurepossessa foram equiparados aos extraordinaria onera.

152. Assim 0 Cod. 7heod. 5, De cemitor., XIll, 11, confunde 0 foro enfiteuti­co com 0 imposto sobre os imoveis. Existe uma confusao anaIo~a em Cod. 7heod.I, De colI. don., XI, 20.]a no Cod. lust. 13, De praed., 5, 71 (de Diocleciano eMaximiano) eram equiparados 0 praedium vectigale, 0 praedium emphyteuticume 0 praedium patrimoniale.

153. Urn caso desse tipo e citado no Cod. 7heod. 6, De call. don., 11, 20.154. No Cod. Tbeod. 5, De locat. fund. i. emph. (de 383 d. e), encontramos

a f1ft{30'A.?1 no ager vectigalis das comunidades; no Cod. Tbeod. 4, De annon. et trib.,11, 1 (de 337 d. e), a proposito dos bens enfiteuticos e patrimoniais.

155. Cod. 7heod. I, Sine cemu, 11, 3 (de Constantino).156. Cod. lust., tit. XI, 58 cit.157. a Cod. 7beod. 14, De censitor., 13, 11, dispunha portanto que quem

solicitasse uma reduS;ao do cemus para uma de suas gtebas devia submeter todasas suas glebas a uma nova avalia~ao. Eventualmente, 0 imposto era repartido en­tre estas de outra maneira.

~ 158. Cod. 7heod. 10, De annon. et trib., 11, 1 (de 365 d. C). Quem possuiana Africa opulentae et desertae centuriae era obrigado a pagar 0 imposto ad inte­grum professionis modum, mas 0 Cod. 7beod. 31, eod. (de 412 d. C.) ab.rogou esta

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265NOTAS

Capitulo IV

disposis;ao·e concedeu a isenryao do impasto as centuriae destitutae. a primeirotrecho atesta, a meu ver, que tambem entao existia 0 vectigal imposto em razaodo modus, em conformidade com nossa hipotese de que a vectigal foi impastoao ager privatus vectigalisque com a lex agraria de 643 a.U.C.

15?r Com essa finalidade, os curiales conseguiram obter as cemitores: Cod7heod. ~, De praed. senator., 6, 3 (de 396 d. C).

16p. Era este 0 objetivo da disposi9aO, ja citada, contida no Cod. Theod. 2,1, De cOptr. empt., 3, 1. Ver texto mais adiante.

161\cod. Theod. 5, Sine censu, 11, 4.162. Cod. Theod. 1, Qui a praeb. tiron., 11, 18 (de 412 d. C).163. Por isso, a adaeratio aparece como urn gravame no Cod. Theod. I, Ero­

gat., 7, 4 (de 325 d. C), enquanta nas Nov. Theod. 23 (a. E.) e no Cod Theod.2, De eq. coIL, 11, 17 (de 367 d. C), figura como uma facilitas;ao e, por ultimo,no Cod. Theod. 6, De coIL don., 11,20 (de 430 d. C), como urn privilegio tributa.rio. A Nov. Theod. 23 tinha a intens;ao de acabar com todas as facilidades devidasa relevatio, adaeratio, donatio e translatio.

164. Segundo a sua tarifa tributacia de 202 d. C, conservada epigraficamen~te (CLL., VITI, 4508), tambem a cidade de Zara taxava com 0 mesmo montame(1 sestercio) escravos, cavalos e mulas. Este artigo da tarifa chamava-se lex capitu­laris, relacionado certamente com a capitatio.

165. A inscril\=ao citada na nota anterior registra sob 0 mesmo titulo de im­posto as asnos, bois, porcos, ovelhas e cabras.

166. Isso se depreende do fragmemo ja citado do cadastro de Lesbos ("Bull.Co. hell.", IV, pp. 417 ss.).

167. Par exemplo, Vat. /ragm. 283, 285, 286, 293, 313, 315, 326.168. Cod., tit. VII, 31, 40.169. Iulian., Dig. 32, De leg., 1, 3.170. Dig. 52, De a.e.v., 19, 1, pr.171. Tentamos, em essencia, em conexao com as observa90es de Pernice

("Z.f.R.G.", Rom., V), configurar a disciplina dessas re!al\=oes, baseadas simples~mente na pratica administrativa. Nao citamos as formulas estritamente jurfdicasnao porque seja impossive!, mas porque pareceu-nos fora de proposito. Trata-se,de fato, de criterios administrativos cujas conseqiiencias praticas podiam tomarcorpo no direito civil das mais variadas formas, sem que se possa entender a rela­911.0 global numa configura9ao geral qualquer.

1. Catao, De r.r. 148, falando da venda do pabulum hibemum nos prata irri­gata, nota que 0 redemtor tambem podia entrar nos campos adjacentes para efe­tuar a sega, com a permissao do vizinho, "vel diem certum utrique facito". Tratava­se de instalal\=oes de irrigal\=ao e areas adjacemes dedicadas a prado. Parece que adedaral\=ao de uma pessoa com direito acerca da epoca em que pensava realizara sega tinha determinados efeitos, cujos detalhes nao conhecemos. Se assim era,e logico conduir que, em principia, 0 dia da sega era estabelecido pe!a coletivida-

HIST6RIA ACRJ!RIA ROMANA264

IiiI,

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de, como acomecia com a sistema unid.rio de cultivo, e que 0 procedimento in­dividualista antes citado substituiu este ultimo.

2. Cadio, De r.r. 35.3. Catao, De r.r. 29.4. Tremolfos, favas, ervilhas para a amontoa. CataO, De r.r. 37. Para a sega

do feno, d. eod., 53.5. Catio, De r. r. 13: esrabulo publico de inverno e verao para 0 gada bovi­

na. De r.r., 4: produ~ao de forragem. De r.r. 2955.: pabulum aridum. Forragem:verde fresco (frons ulmea, populnea, quernea) e balatas, gavinhas (De r.r. 54), fenaOU, em seu lugar, palha com sal, misturada com tremo~os e trevo, tambem ervi­lhaca e trigo sarraceno. 56 em casos excepcionais pastas de colmo, d. Varrao,

R.r. X, 52.6. Cad-D, De r.r. 29 55.: estrume de pombo ou de ovelha. A inscri~ao CLL.,

XIII, 2462, quase recorda a situa~ao existente na China: de fato, contem uma ad­vertencia que proibia a passagem nao autorizada por urn campus pecuarius. A pe­na prevista consistia, ademais de uma multa pecuniaria, na obrigalfao de deter-seno campus ate deixar no terreno 0 estrume do gada (e 0 proprio?).

7. Columela (De r. r. i, 7) deplora as desvantagens da utiliza~ao de escravospara 0 cultivo de cereais, que requer urn grande cuidado.

8. Para 0 plantio: "Tabellis additis ad vomerem simul et saturn frumentumoperiunt in porcis et sulcant fossas, quo. pluvia aqua ddabatur". Vardo, R.r. I, 23.

9. No momento de bater os cereais, costumava-se fazer com que os animaispisassem 0 grao, aIem do pisao arrastado por animais e 0 eixo dentado, d. Var­do, R.r. I, 52. 0 grao era cortado com a podadeira; a sega com foice nao e men­cionada nunca. Segundo Varrao, R.r. I, 50, 0 grao era agarrado com a mao es­querda e se segava com a direita, urn tipo de sega lentfssimo. Era freqiiente segarantes as espigas e, depois, a palha, separadamente.

10. Columela II, 4.11. Tambem Columela calcula 1 trabalhador fixo e experimentado para ca-

da 7 jugadas de vinhedo (III, 3).12. Catao, De T.T. 2.13. Catao, lac. cit.14. Cado I.15. Segundo os dlculos de Varrao, a POSilfaO proxima do mar criava uma

diferenp no nivel de rendas entre as glebas costeiras e as do interior, diferen<;:aavaliada numa relalfao de 5:1, e isso porque as glebas costeiras podiam realizarcultivos precoces, obtendo produtos que eram vendidos como generos de luxo(Varrao, R.r. III, 2); no caso de produtos agricolas de amplo consumo, essa dife­ren<;:a devia ser ainda mais clara.

16. Columela I, 5.17. Catao,.De T.T. 5 e 142. Catao da a entender que as ajudas mutuas limitavam­

se a urn ambito bern determinado de grupos familiares. Como quer que seja, demesmo fala (De T.T. 4) das ajudas entre vizinhos operis iumentis materia como um

fato corrente.18. E interessantfssima a informa<;:ao de Catao (De T.T. 2) sobre as peti<;:oes

referentes aagricultura feitas pelo novo comprador ao villicus por ocasiao dasvisitas realizadas de vez em quando apropriedade e sobre a forma em que 0 paterfamilias conseguia impor-se ao feitor com seus conhecimentos sobre a materia.

19. Catao, De r.r. I: "scito... agrum... quamvis quaestuosus siet, si sumtuo­sus siet, relinquere non multum".

20. Catao fala de aspargos (.De T.T. 161) e repolhos (156 ss.); os legumes apa­recem pela primeira vez em Columela (II, 10 ss.) como urn produto de grandeimpofancia. Cada vez se produziam em maiores quantidades as hortalis:as e tam­bem;as flores (Columela X). Varrao (I, 41) fala do envio de sementes aos viveirose, vil=e-versa, de importas:oes de sementes de aMm-mar. Uma descris:ao minuciosada a~oricultura ja se encontra em Catao 40 ss. (enxertos com estacas, lac. cit.;enxertos de borbulha, Vardo I, 40; cultivo de plantas em vasos, Catiio 52). Catiiosugere a produs:ao de madeira (lenha de queimar) como rentavel nas proximida­des das cidades (De T.T. 7); tinha importancia, alem disso, 0 cultivo de canis:ose juncos para constru<;:ao e cestas (em De r.r. I, 0 salicum e considerado uma cate­goria agricola em si mesma).

21. Columela (III, 3) calcula assim: para cada 7 jugadas de vinhedo era neces­sario urn vinitoT, que naquda epoca vinha a custar entre 6.000 e 8.000 sestercios,ja que se contratava urn trabalhador especializado, nao urn noxius de lapide comona era republicana. Com 0 custo do terreno, 1.000 sestercios por jugada, urn totalde 7.000. Alem das vinae cum sua dote, isto e, cum pedamentis et viminibus, cujocusto era de 2.000 sestercios por jugada, ao todo 14.000 sestercios. Globalmente29.000 sestercios, aos quais deviam-se somar juros de 6% ate que as vides dessemuva, portanto mais 3.480 sestercios em media durante dois anos. Em suma, erapreciso dispor de urn capital de investimento de 32.480 sestercios. Para conseguiruma renda de 6% do capital investido, 0 vinhedo tinha de produzir 1.950 sester­cios de lucro Hquido por ano. Renda minima por jugada: 1 culleus (= 0,52527).Pres:o minimo pTa culleus era, entao, de 300 sestercios. Ganho global: 21.000 ses­tercios. Nesse dlculo interessante, que por isso reproduzimos aqui, pressupoe-seque a manuten<;:ao do vinitoT e dos trabalhadores empregados de forma eventualGa que para 7 jugadas nao era suficiente so 0 vinitor, ainda que as vides estives­sem colocadas em parrado e nao em vinha aberta, d. Catao 32) era compensadapelos ganhos da fazenda. Esse gasto nao era registrado entre as saidas da contabi­lidade do vinhedo.

22. Catao calcula 13 trabalhadores estaveis por 240 jugadas de olival e nadamenos que 16 por 100 jugadas de vinhedo. As planta<;:oes oleicolas e vinicolas eramcolocadas em fileiras, de forma que se deixavam faixas de terreno aravel, 0 quepermitia 0 cultivo misto (Varrao 8); efetuava-se uma estrumas:ao abundante e naera republicana as p1antas:oes estavam tao bern organizadas que permitiam 0 em­prego dos escravos mais baratos.

23. Catiio (De r.T. 1) cataloga os praedia em ordem de importancia da seguin­te maneira: vinea, honus irriguus, salictum, oletum, pTatum, campusfrumentarius,silva caedua, arbustum, glandaria silva. Vardo poe em primeiro lugar os bonapara, os pata paTata dos maiores (isto e, prados irrigados por conta da coletividade).

24. CLL., 3649, 3676 e outras inscris:oes.25. Estatuto de Genetiva ("Eph. epigr.", II, pp. 221 ss.), c. 100.26. Na era tarda-imperial, esses pastores se organizaram em temiveis ban­

dos de salteadores, d. Cod. Theod., tit. IX, 29, 30, 31. a segundo livro da obrade Vardo descreve as condis:oes gerais desse pastoreio. Para cada 80 a 100 ove­lhas, havia urn pastor e dois para cada 50 cavalos. Na Apulia tinharn manadasde cavalos para prover aos servis:os de transporte. Por esse motivo, 0 pres:o de

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urn asno era alga alto: na p. 207 (Bipont.) cita-se 0 pre~o de 40.000 sestercios,5 vezes a de urn escravo instruido na epoca de Colume1a. Dado que, no verao,as manadas pastavam no ager publicus, 0 publicanus, que podia e1evar 0 pre~o dascriptura, beneficiava-se. As manadas passavam 0 inverno na Apulia, que por essemotivo era dividida e assignada em saltus, correspondentes grosso modo a 800 ju­gadas na epoca mais antiga, 5.000 jugadas depois. Nesse territorio, as tentativasde coloniz~ao do tipo das colonias agrfcolas resultaram absolutamente vis. Tam­bern 0 imperador possula na Apulia saltus e grandes manadas. Provavelmente aassigna~ao dos saltus aos territorios das comunidades nuoea aconteceu em grandeescala; mais ainda, constituiram em conjunto a maior extensao territorial que,na ItaIia, nao fazia parte de circunscri~oes municipais, e a isso se deve, por certo,o fato de os saltus tomarem 0 nome das propriedades fundiarias. Os pastores eramarmados e submetidos aos magistri pecudis; em geral eram escravos. Cesar tentouconseguir que ao menos urn ter~o dos pastores Fosse composto por homens Ii­vres. Era permitido aos pastores levar consigo uma mulher para cuidar da cozi­nha; a refei~ao principal era realizada coletivamente em presen~a do magister, asoutras separadamente, cada pastor perto do seu rebanho. Caso fossem proprieda­de imperial, os rebanhos organizados dessa maneira eram confiados globalmentea conductores. Cf. CLL., 2438, onde se afirma que 0 magistrado de Saepinum re­cebeu a ordem de por fim as vexa~5es de que eram objeto os conductores. De res­to, d. V3fdio, loco cit.

27. Cf. Vanio, R.r. III, introdu~ao e primeiro capltulo.28. "Hermes", XIX, pp. 395 ss. (Die Alimententafeln und die romische Bo­

denteilung).29. 0 capital constituldo pelos ligures em Benevento consistia em cerca de

400.000 sestercios divididos entre 66 proprietarios; 0 dos velejates em cerca de1.000.000 de sestercios repartidos entre 52 proprietarios. Em Benevento, a pre­priedade fundiaria estava, em geral, nas maos dos camponeses. ] a em Veleia, s6a metade dos proprietarios tinha urn patrimonio inferior a 100.000 sestercios, mui­tos deles possulam muito mais que 0 censo senatorio. Tambem existiam grandessaltus (pertencentes ao territ6rio das comunidades), estimados por urn valor de­terminado ate urn maximo de 1.250.000 sestercios.

30. Especialmente os colonos que se haviam estabelecido de forma perma­nente, como depois veremos, deviam ser, via de regra, pequenos arrendatarios,nao medios ou grandes. Todas as experiencias (por exemplo, em Mecklenburgo)demonstram que a coloniza~ao permanente com 0 estabelecimento de grandesagricultores so e possivel para 0 Estado, enquanto proprietario do patrimonionacional, ou para os autenticos latifundiarios, como por exemplo 0 prIncipe Pless;proprietarios menos endinheirados so teriam podido dar lugar aforma~ao de umaclasse de camponeses e jornaleiros com casa propria e sem direitos sobre 0 terre­no (Hausler), muito embora essa condi~ao possa faciIitar a coloniza~ao.

31. Columela I, 7.32. Columela, loco cit.33. Certamente 0 proprietario se encarregava de forma direta das glebas mais

feneis, ja que assim fazendo obtinha delas uma renda maior do que a que se teriapodido esperar dos colonos (Columela, loco cit.). De resto, aos colonos era conce­dido precisamente 0 ager/rumentarius, dado que era 0 que, menos que qualqueroutro, podia permitir urn empobrecimento do terreno por parte do colono, ao

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passe que, se se confiava esse cultivo aos escravos, ele nao era economico, dadoo grande cuidado que requeria.

34. Isso era posslvel a panir do momento em que esses colonos, de formasimilar aos s:amponeses-criadores, cuja import:mcia foi recentemente sublinhadapor Sombaft, trabalhavam eles mesmos a terra com toda a sua famflia, nao con­tratavam f~abalhadores estaveis e, por isso, nao tinham de pagar salarios fixos,arriscand~se, no maximo, nos anos desfavoraveis, a passar fome com toda a fa-mHia. \

35. Varrab I, 17.

36. Segundo Catao, De r.r. 136, apolitio se efetuava em troca de 1/8 da co­Iheita dos melhores campos, 1/5 dos piores. "Vineam curandam an paniarius",eod., 137. Empreitada da colheita de olivas: Catao 145; da moenda das azeitonas:Catao 146; venda das azeitonas no pe, eod; venda da uva no pe: Catao 147; emvasilhas no atacado apos a prensagem: Catao 148, num negocio com normas bernfixadas; venda do pabulum hibernum no prado: Catao 149;/ructus ovium: Catao150. Em qualquer lugar, 0 proprietario provia ao menos em parte amanuten~aodos trabalhadores e, via de regra, tambem se encarregava das ferramentas necessa­rias, fornecendo por exemplo aos partiarii os fornos de cal (Catao 16). Esta daroque dessa maneira so se queria obter uma presta~ao de trabalho; 0 dominus eraobrigado a aceder ao metodo, mais vantajoso para os trabalhadores, do trabalhopor empreitada em troca de uma cota de participa~ao na colheita, so porque naodispunha da for~a de trabalho necessaria. Eevidente que, aparte isso, ele deviaencarregar-se da manuten~ao dos trabalhadores. 0 edito dioclecianiano De pre­tiis rerum venalium atesta que esta era a norma para 0 emprego de trabalhadoreslivres.

37. Isso corresponde absolutamente anecessidade de ter trabalhadores "defora" jUnto com os "proprios" nas grandes fazendas modernas. Na prussia Oriental,esses trabalhadores "de fora" foram necessarios numa propor~aode cerca de 1:4com respeito afor~a de trabalho total.

38. Em contraposi~aoao instrumentum semivocale (0 gada) e ao instrumen­tum mutum (as ferramentas).

39. Todos as Scriptores rei rusticae concordam (cf. Columela I, 8) com a con­veniencia de manter a villicus a mais possivel afastado dos mercados e tambemdo comercio com outras zonas e de permitir-Ihe exc1usivamente 0 comercio comOutras zonas, consideradas OpOrtunas pelo proprietario. Os estrangeiros nao eramrecebidos por princfpio na villa (Catao 5 e 142; Varrao I, 16) e os escravos nuncadeviam abandonar a propria villa (Varrao, Loc. cit.). Foi esta, depois, uma das ra­z5es principais pela qual as fazendas tentaram evitar gradualmente a necessidadede recorrer ao artesanato citadino, abastecendo-se de artesaos proprios (Varrao I, 16).

40. Catao, De r.r. 5: "(Villicus) operarium, mercenarium, politorem diutiuseundem ne habeat die."

41. Como atesta a resuitado de todas as demandas de for~a de trabalho agri­cola feitas mediante avisos nas grandes cidades para albergues sem teto e outrosrefugios similares, inclusive quando se oferecia gratuitamente a transporte paraa local de trabalho. A esse pedido nao respondia sequer 1% dos desempregadoscitadinos. Na era tarde-imperial procedeu-se de forma mais energica: os desocu­pados eram consignados brevi manu aos proprietarios, com pouca satisfat;ao des­tes ultimos, alias.

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42. Columela I, 9: "Plerumque velocior animus est improborum hominum,quem desiderat huius operis conditio. Non solum eoim fortem, sed et acuminisstrenui ministrum pastulat. Ideoque vineta plurimum per alligatos excoluntur."Por motivos de conveniencia acrescenta: "Nihil tamen eiusdem agilitatis homofrugi non melius, quam nequem, faciet. Hoc interposui, oe quis existimet, in eame opinione versari, qua malim per Doxios quam per innocentes rura colere."

43. Colume1a I, 8 (p. 47, Bipont.).44. Columela, loe. cit.45. Columela 1,8; Varrao I, 17. Os vigias "coniunctas conservas (habeant)

e quibus habeant filios". De outra maneira 0 escravo varaa, por causa das rela­~c3es sexuais DaO regulamentadas au regulamentadas arbitrariamente, era conside­rado sem fllhos, que s6 eram atribwdos aescrava, uruca a que correspondia a cria~odestes e, portanto, tambem 0 premio previsto (Columela, lac. cit.).

46. 0 alojamento do instrumentum vocate se encontrava perto dos esdhu­los do gado. Os escravos, se eram soluti, dormiam em "cellae meridiem spectan­tes"; se estavam acorrentados, num ergastulum subterraneo "quam saluberrimumsubterraneum ergastulum, plurimis, idque angustis, illustratum fenestris, atquea terra sic editis, ne manu contingi possint". 0 villicus morava perto da portada villa. Os vigias tinham provavelmente celas individuais, do tipo dos comparti­mentos dos chefes de dormit6rio nos quarteis modernos (Columela I, 6). A refei­o;:ao se realizava em comum circa larem familiae; 0 villicus cornia numa mesa es­pecial, mas de maneira que pudesse vigiar os escravos (Colume1a TI, 1).

47. Colume1a 1,8: "Feminis quoque foecundioribus, quarum in sobole cer­tus numerus honorari debet, otium nonnunquam et libertatem dedimus, cum com­plures natos educassent. Nam cui tres essent filii, vacatio, cui plures libertas quo­que contingebat. Haec enim justitia et cura patrisfamilias multum confert augen­do patrimonio." Concedendo-Ihes a liberdade, livravam-se oportunamente da rna­nuteno;:ao de velhas escravas ja incapazes de procriar. Dos escravos homens maisvelhos, desfaziam-se de outra forma (Catao 2). Estes, bern como os escravos oufilhos de escravos inutili:civeis, eram expostos, como era costume desde temposimemoriais (Cod. lust. 8, 151). Claudio proibiu mad-los (Suet. 25) e dispos quea exposio;:ao implicava a aquisi~ao da liberdade pelos expostos.

48. Nao e raro nas inscrio;:oes no sentido de oficina publica ou privada (jabri·ca em Paladio) e tambem no sentido de forma de explorar 0 solo, por exemploem Corp. Inscr. Graec., I, 1119, onde a proibio;:ao de adubar e arar - K.01rPOP elu&.'YeLP - uma gleba era colocada junto com a proibio;:ao de ter urn fP'Ycx.arrlPwP.

49. Cabia ao villicus examinar a solidez das correntes (Columela II, 1).50. A possibilidade de impor essas penas dependia do villicus. Em prindpio,

s6 0 propriedrio em pessoa podia perdoa-las (Columela II, 1). Provave1mente 0

ergastuium tambern era originalmente a enfermaria. Depois, os doentes eram le­vados ao valetudinarium, onde os metodos de cura terno consistido, de resto, co­mo em muitos hospitais militares de hoje em dia, em ser enclausurado e passarfome (Columela 12, 1); e claro que nao os deixavam aos cuidados dos conturbena­les, porque teria sido demasiado comodo.

51. Paled. 1,6. Esabido que Augusto so vestia tecidos feitos em sua propriacasa (Suet., Aug. 73)_

52. Columela ainda cita a tradicional instruo;:ao de Varrao, a ser dada ao vii­iicus, de que sempre tenha preparado dinheiro vivo para 0 propried.rio e que,

portanto, nao 0 gaste em compras ou outros neg6cios comerciais, pois de outraforma poderia acontecer que "ubi aeris numeratio exigitur, res pro nummis os­tenditur" (Columela 11, 1).

53. Suet., Aug. 32: "rapti per agros viatores sine discrimine liberi serviqueergastulis possessorem opprimebantur". Por isso: "ergastula recognovit".

54.~t., Tib. 8: "Curam administravit ... repurgandorum tota Italia ergas­tuloru~, quorum domini in invidiam venerant, quasi exceptos opprimerent, nonsolum I,viatores sed et quos sacramenti metus ad eius modi latebras compulisset."

55. Tac., Ann. II, 33; III, 53.56. Tac., Ann. VI, 23. Na epoca de Augusto, ap6s a tomada de Alexandria,

a importao;:ao de Duro supbs urn aumento geral dos pre'i=OS (Suet., Aug. 41).57. Suet., lac. cit.58.5%; em Veleia talvez s6 2,5%, porem com maior probabilidade tambem

at 5%.

59. Em Dig. 10, De a.p., 41, 2 (Ulpiano), discute-se 0 caso de quem contra­tau primeiro urn arrendamento e depois fez uma ata precario. Nesse caso, urnpequeno propriedrio nao mantinha a propriedade em troca de um foro e combase num contrato, mas somente sob a forma de trabalhador demidve1 a qual­quer momento. Era anatogo a este a caso em que se tivesse estabelecido par con­trato que 0 colono nao devia pagar foro algum ao propried.rio (Dig. 56, De pact.).Tambem nesse caso 0 que importava era 0 trabalho do colona, pois de outra for­ma nao se entende que sentido 0 neg6cio podia ter.

60. 0 trecho de Colume1a (De Y. Y. I, 7) diz 0 seguinte, em seus POntos prin­cipais: "Atque hi (scil. homines) vel coloni, vel servi sunt, soluti, aut vincti. Co­miter agat (sci!. dominus) cum colonis, facilemque se praebeat, et avarius opusexigat, quam pensiones: quoniam et minus id offendit, et tamen in universummagis prodest. Nam ubi sedulo colitur ager, plerumque compendium, nunquam(nisi si coeli maior vis, aut praedonis incessit) detrimentum affert, eoque remis­sionem colonus petere non audet. Sed nec dominus in unaquaque re, cui colo­num obligaverit, tenax esse iuris sui debet, sicut in diebus pecuniarum, ut ligniset ceteris parvis accessionibus exigendis, quarum cura maiorem molestiam, quamimpensam rusticis affert... L. Volusium asseverantem audivi, patrisfamilias feli­cissimum fundum esse, qui colonos indigenas haberet, et tanquam in paterna pos­sessione natos, iam inde a cunabulis longa familiaritate retineret... propter quodoperam dandam esse, ut et rusticos, et eosdem assiduos colonos retineamus, cumaut nobismetipsis non licuerit, aut per domesticos colere non expedierit: quodtamen non evenit, nisi in his regionibus, quae gravitate coeli, solique sterilitatevastantur. Ceterum cum mediocns adest et salubritas, et terrae bonitas, nunquamnon ex agro plus sua cuique cura reddidit, quam coloni: nunquam non etiam viI­lici, nisi si maxima vel negligentia servi, vel rapacitas intervenit... In longinquistamen fundis, in quos non est facilis excursus patrisfamilias, cum omne genusagri tolerabilius sit sub liberis colonis, quam sub villicis servis habere, tum prae­cipue frumentarium, quem minime (sicut vineas aut arbustum) colonus everterepotest, et maxime vexant servi."

61. Columela II, 9. 0 trecho citado na nota anterior diz que 0 colono, sea gleba produzir uma boa renda, "remissionem petere non audet". Depreende­se, a meu ver, que se fala de cultivo da gleba do dono. Se esta dava uma boa ren-

270 HISrORIA ACIURIA ROMANA NOTAS 271

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da, 0 colona nao podia pedir por isso a remissio por causa de uma presumida rnacolheita em sua gleba.

62. "Hermes", XV, pp. 390 55.

63. De acordo com outros, 0 conductor enviara soldados azona, mandaraencarcerar alguns colonos e ao;oitar outros, apesar de serern cidadaos romanos:"Ita tota res compulit nos miserrimos homines iussum divinae providentiae tuaeinvocare. Et ideo rogamus, sacratissime Imperator, subvenias. Ut capite legis Ha­drianae quod supra scriptum est, adscriptum est, ademptum sit ius etiarn procu­ratoribus, nedum conductori, adversus colonos ampliandi partes agrarias aut ope­rarum praebitionem iugorumve: et ut se habent litterae procuratorurn, quae suntin tabulario tUD tractus Carthaginiensis, non amplius annuas quam binas arato­rias, binas sartorias, binas mes.sorias operas debeamus itque sine ulla controversiasit, utpote cum in aere incisa et ab omnibus omnino undique versum vicinis visaperpetua in hodiernum forma praescriptum et procuratorum litteris, quas suprascripsimus." Vivendo de seu trabalho, eIes nao teriam se revoltado contra 0 ricoconductor, pessoa muito grata aos procuradores.

64. Como se depreende de Dig. 9, 3, Locati, a instala~ao dos colonos se efe­tuava com base numa lex locationis unita.ria para toda a propriedade (a que car­respondem a lex censoria da epoca mais antiga para os grandes arrendadrios debens do patrimonio nacional e a lex Hadriana para a saltus Burunitanus impe­rial). Os colonos formavam uma comunidade especial, a colonia (Dig. 24, 4, eod.).Diante deles se encontrava a grande arrendadrio, 0 conductor com sua familiade escravos (Dig. 11, eod., pr.), au 0 procurator do propriedrio (Dig. 21, De pign.,20, 1). Partanto, s6 se atribuia aos colonos uma parte das terras, sendo a outraadministrada peIo actor do propried.rio com as escravos (Dig. 32, De pign.). Osreliqua colonorum, isto e, as foros de arrendamento atrasados, podiam ser consi­derados de certa forma como pertencemes ao fundus, ainda que, juridicamente,nao 0 fossem em sentido estrito (Dig. 78, 3, legat., III). Colonos e escravos eramconsiderados duas categorias distintas de residemes na fazenda (Dig. 91; 101, eod.;Dig. 10,4, De usu et hab., 7, 8). Em caso de venda, a colona era considerado urnpertence que aumentava a valor da gleba, exatamente como os escravos (Dig. 49,De a.c.v., pr.). Em Dig. 53, Locati, observa-se 0 nexo existente com 0 ja citadosubarrendamemo dos praedia publica por parte dos mancipes que tinham urn con­trato a longo prazo. Os conductores das fazendas imperiais tinham, em compen­sa~ao, urn contrato a curto prazo, de iure quinquenal, 0 mesmo que ocorria comos colonos (Dig. 24, 2, Locati). As vezes, 0 termo colonus provoca confusao por­que eusado no sentido de "arrendarario" (Dig. 19,2, Locati; Dig. 27, 9,11, Ad.1. Aquil.). Mas evidentemente tratava-se de fundi nao organizados como praprie­dades imobiliarias e certamente nao se tratava de fazendas patronais, no sentidoutilizado ate agora. Portanto, a pouca clareza de alguns trechos das Fontes se ex­plica pda confusao entre colonos livres e colonos das fazendas patronais. Comose depreende de Dig. 19,2, Locati, cit. e de muitos outrOS trechos, 0 arrendamen­to sempre constitula uma reIa~ao de comunidade entre propriedrio e arrendara­rio, que recorda 0 joint business. Esra claro que 0 neg6cio ted. adquirido inume­ras formas distintas em funiYao das relapSes de forp economicas. Discorremosaqui sobre aquela forma que pressupunha uma preponderancia poHtica e econ8­mica relativamente forte do proprierario, forma em que, portanto, a reIa~ao dearrendamento s6 era uma reIaiYao de trabalho mascarada. Em Dig. 25, 3, Locati,

e em Dig. 32, cod. (de Juliano, enquanto os autros passos citados sao de Scevola,Papiniano, U~piano e Paulo), a colonato e entendido como obriga~aode cultivara terra arren4ada (d. a texto). Par isso, segundo Dig. 24, 2, Locati, 0 propriedriotinha direit~ se 0 colono abandonava a fazenda antes do vencimento do contra.to, de agir j-vidicamente contra 0 colono, de forma imediata, sem esperar quese verificasse butro motivo de demissao au 0 nao cumprimento do pagamentodo foro. Mas nos trechos citados nao se explica de que forma procedia no julga­mento. Como quer que seja, esd claro que 0 objetivo era 0 pagamento dos juras,visto que a gleba arrendada nao fora cultivada como previa a contrato. Alem dis­so, no paragrafo 3, cod., alude-se ao opus que 0 colono devia prestar; e em todosas casos a a~ao judicial era concedida precisamente como prote~ao dessa presta­~ao. Portanto, 0 cultivo das glebas patranais e das glebas arrendadas eram postosno mesmo plano, mas via de regra estava previsto que 0 propried.rio s6 podiacontrolar 0 tipo de cultivo da gleba arrendada depois do vencimento do contra­to. Entre outras coisas, 0 propried.rio podia ceder a gleba arrendada tambem deoutra maneira. Essa cessao esra relacionada com a faculdade posterior de obrigaro colono a voltar agleba, assim como a faculdade de dispor diversamente dosbens concedidos aos navicularii morosos estava relacionada com sua convoca~aoforiYosa. A primeira tambern era a forma civil de coer~ao, a segunda, a forma ad­ministrativa. Tambem Dig. 16, De in rem V., 15,3, atesta que 0 colono era umtrabalhador livre, ao contrario do escravo, que nao era livre. Fala-se do caso emque se tenha arrendado uma gleba em troca de um foro a um escravo, de formaanaloga ao arrendamento entre pessoas livres. De fato, domiciliando-se numa ca­sa pr6pria fora da villa rustica, 0 escravo tinha 0 direito de ser tratado como colona.

65. A hereditariedade era ponto pacffico na realidade, de tal modo que emDig. 7, 11, Comm. divid., discute-se em detalhe a inaplicabilidade da a~ao diviso­ria ao direito de arrendamento. A ja varias vezes citada I, 112, De legat., I, sabrea nulidade do legado por parte de inquilini se as praedia quibus adhaerent, refere­se as rela~5es da fazenda patronal, de que logo trataremos. Em seu artigo sabreo saltus Burunitanus, Mommsen fez referencia aos colonos com contratos pluria­nuais, cuja existencia na Idlia esra documentada epigraficamente.

66. 0 direito civil s6 consentia essas posses como rela~5es existentes de fac­to, com prote~ao possess6ria. Esse antagonismo gritante entre direito sobre umaarea e locus explica, a meu ver, a clara contraposi~ao entre direitos reais e posse.Aqui s6 podemos assinalar que a diferen~a entre 0 possidere pro heredc e 0 posside­re pro possessore nas a~5es sucess6rias teve· sua origem na duplicidade analoga daposse em rela~ao anatureza prejudicial do pracesso.

67. Sic. Flacc. 157,7: "Inscribuncur quaedam 'excepta', quae aut sibi reser­vavit auctor divisionis et assignationis, aut alii concessit." Higin. 197, 10: "Ex­cepti sunt fundi bene meritorum, ut in totum privati iuris essent, nec ullam colo­niae munificentiam deberent, et essent in solo populi Romani" (isto e, fora dascircunscri~5es jurisdicionais municipais). No decreto de Augusto sobre a aque­duto de Venafro (CLL., X, 4842) aparecem dais fundi isentos, ao menos em cer­tos aspectos. Fromin. 35, 16; "Prima... condicio possidendi haec est ac per Ita­liam, ubi nullus ager est tributarius, sed aut colonicus, etc... , aut alicuius... saltusprivati." Sobre a controversia de territorio, ver 0 capitulo anterior. Tambem emCod. Theod. 18, De lustr. call., 13, 1, diferenciam-se a respeito da Africa territoriae civitates.

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68. Os saltus Caesarn levaram a mais de urn pleito de territoria, d. 0 trechoja citado (p. 53, Lachmann). Claudio solicitou do Senado 0 direito de mercadopara as bens imperiais (Suet., Claud. 12).

69. Cod. 1heod. 3, De lo,"e fund. iUT. emph. (de 380 d. c.). Cf. Cod. 1heod.I, 2, De pascuis, 7, 7; Cod. 7beod. S, De censitor., 13, 11.

70. Cod. Tbeod. I, De veetig., 4, 12.71. Cod. Theod. 14, De annan. et tribut., 11, 1. Pela comririo, de acordo

com essa constituio;:ao, as colonos, sempre que possuissem uma area, por menorque fosse, eram obrigados a pagar 0 tributo ao exactor habitual. Mas semelhantedisposi~ao dificilmente £oi mantida em vigor, como demonstra a analogia como Cod. Theod. X, Ne col. insc. dam., 5, 11.

72. Como entre as publicani e as contribuintes sujeitos ao dizimo.73. Estatuto de Genetiva, c. 98.74. Cod. lust., tit. XI, 49.75. Provavelmente tambem 0 saltus Burunitanus da inscri~ao africana ja ci­

tada em distintas ocasioes era medido, como se depreende da referencia ao tabu­larium principis e da forma, neste caso atas acessorias que continham disposi~oes

mais detalhadas.76. Cod. Theod. I, Ne coL insc. dam., 5, 11 (de Valente e Valentiniano): "non

dubium est quin non liceat".77.0 Cod. Theod. 2, De pign., 2, 30, proibia a constitui~ao na gleba do pro­

prietario de hipotecas em favor do servus, procurator, colonus, actor, conductor,eo Cod. Theod. I, Quod iussa, 2, 31, dispunha que contrair urn emprestimo comeles nao comprometia 0 proprietario. Tratava-se evidentemente da confusao sur­gida devido adistin~ao pouco clara entre a gleba propriedade do colono e a doproprietario mantida em arrendamento.

78. Revocare ad originem a proposito dos curiales, cf. Dig. 1, De decurioni­bus, 52 (Ulpiano); Cod. Theod. 16, De agror. in r., 6,27. Por isso curiales originalesem Cod. Theod. 96, De decur., 12, 1. Remeto de merallarii a seu origo, d. Cod.Theod. 15, De metallar., 10, 19. a modo de se exprimir de 1. I, De decur., cit.,atesta a natureza administrativa do procedimento. Tambem para as colonos 0

procedimento era administrativo em sua origem, como se depreende globalmen­te dos trechos que falam disso; tratava-se do restituere origini segundo 0 direitoadministrativo (Cod. Theod. I, Defugit. coL,S, 9). Tambem nesse caso configurou-seo procedimento administrativo segundo as normas em vigor para as prerrogati­vas da classe social e para 0 direito privado, por exemplo, em rela~ao aos efeitosdo casamento com membros de outras comunidades, ja que devia ser reguladoo pertencimento acomunidade ou apropriedade fundiaria. Era obvio que, nessecaso, se remetesse por analogia as normas relativas aos escravos. Se a autoridadedos Estados da epoca moderna fosse mais fraca e a liberdade de ir e vir estivessemais limitada, nas modernas propriedades fundiarias encontrar-nos-lamos diantede situa~oes parecidas e, em particular, nao se conseguiria manter por muito tem­po diferenciadas as obriga~5es de direito privado com 0 proprietario enquantodono da fazenda e as de direito publico sempre em rela~ao ao proprietario, masenquanto autoridade administrativa. Algo que nao se pode dizer em absoluto nocaso de camponeses sujeitos a presta~5es obrigatorias, como nas propriedades ro­manas. A origem administrativa da norma das rela~oes derivadas do casamentotambem e testemunhada por Cod. Theod. I, De inquil. et coL,S, 10, em especial

na disposi~ao segundo a qual quem estivesse obrigado acessao da colona podiaficar isemo cedendo em troca uma vicaria de aproximadamente a mesma idade.De resto, d. Nov. Valent., I, II, tit. 9, bern como Cod. lust. un., De coL Palaest.,11, 50, onde a lex a maioribus constitura deve ser posta em relafao com a lex Ha­driana do saltus africano; d. ademais 0 tit. LL, 51 e 52 e, sobretudo, 0 tema Cod.lust., tit. 11,47. Os inquilini freqiientemente citados eram "internos", isto e, naoinstal;J.dos~c6mocolonos, mas residentes desde seu nascimento na propriedade,na pratica descendentes dos colonos. a Cod. lust. 13, De agrie., 11,47, nota, por­tanto, que em rel~ao ao direito de leva-los de novo para seu origo as duas catego­rias nao se diferenciavam.

79. Cod. Theod. I, Utrubi, 4, 23. Antes de mais nada, devia-se repor em vigoro bonae fzdei possessor, depois devia-se tratar a causa originis et proprietatis.

80. Cod. Theod. 2, Si vag. pet., 10, 12, "cuius se esse profitetur".81. Por isso, segundo as conceitos daquela epoca so se tratava de uma trans­

ferencia a outra categoria de subordinados da fazenda, quando segundo Cod. Theod.I, De fugit. col., 5, 9, os colonos fugitivos deviam ser feitos escravos para realiza­rem como escravos os ofJicia quae liberis congruunt, isto e, as tarefas correspon­dentes aos subordinados livres da fazenda. Como os curiales (Nov. maior., 4, 1)foram designados servi curiae e disp8s-se em particular que nao podiam ser tortu­rados (Cod. Theod. 39, De decur., 12, 1), assim os colonos foram designados "serviterrae" (Cod. Theod. 26, De annon., 11, 1).

82. No registro do censo sempre se utilizava 0 termo adscribere para inscre­ver as prestafoes e os gravames tributarios dos possessores e dos decurioes, d.Cod. Theod. 3, De extr. et sord. mun., 11, 16; Cod. Theod. 51, De decur., 12, 1; Cod.Theod. 7, De censu, 13, 10; Cod. Theod. 34, De op. pub!., 15, 1; Cod. Theod. 2, 3,De aquaed., 15, 2; Cod. Theod. 2, Sine cemu, 11, 3 (servi adscripti censibus).

83. Cod. Theod. I, Qui a praeb. tiron., 11, 18, segundo 0 modelo das fazendasimperiais que estavam isentas (Cod. Theod. 2, De tiron., 7, 13). Adaeratio no casode senadores (Cod. Theod. 13, eod.).

84. Em particular 0 Cod. Theod. 3, De numerar., 8, 1, dispunha a isen~ao

do imposto de capita~ao para aqueles subalternos que eram registrados na classedos censiti com a finalidade de poder submete-Ios atortura.

85. Severo Alexandre construiu em 234 d. C. muralhas per colonos eiusdemcastelli (trata-se de Castrum Vianense, na Maurid.nia), valendo-se pois da mao-de­obra desses colonos (C.lL., VIII, 8701. Cf. 8702, 8710, 8777).

86. Lei de Honorio e Teod6sio de 409 d. C. (Cod. Theod. V, 4, I, 3): "Scyras..imperio nostro subegimus. Ideoque damus omnibus copiam, ex praedicta gentehominum agros proprios frequentandi, ita ut omnes sciant, susceptos non alioiure quam colonatus apud se futuros."

87. Proibi~ao de casamento com os gentiles, d. Cod. Theod. I, De nupt. gent.,3, 14.

88. Cod. Theod. I, De privat. care., 9, 5.89. Cod. Theod. II, De iurisd., 2, 1. Os actores tentavam antes de mais nada

emancipar-se de todos os niveis ulteriores de jurisd.i~ao. a comrario em Cod. Theod.1, eod.

90. Cf. Cod. Theod., De actor., 10,4, para os subordinados das propriedadesfundi.irias imperiais. Tambem os propried.rios privados buscavam 0 mesmo ob­jetivo e 0 alcanr;aram, como atestam as severas medidas contra os patrocinia e

.~

275N07ASHIST6RIA AGRARIA ROMANA274

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cOntra aqueles que, tanto para evitar 0 recrutamento, como sobretudo para go­zar da protefao do propried.rio, se houvessem estabelecido em propriedades fun­diirias ou tivessem declarado estar sujeitos aautoridacle do propriecirio: Cod. Theod1,2, De patroc. vic., 11, 24; Cod. Theod. 5, 6, eod.; Cod. Thead. 21, De lustr. coll.,13, 1; Cod. Theod. 146, De decur., 12, 1 (comra as decurioes que se refugiavam"sub umbram potentium"). Em Cod lust. 1, 1, Ut nemo, 11, 53, utiliza-se 0 ter­mo clientela para esta relafao. Cf. Dig. 1, De fugit., 11, 4.

91. Cf. Dig. 52, De a.o.v.pr., oode urn conductor saltus leiloava a gleba porcausa de impastos a pagar atrasados. a propried.rio confiava habitualmente suafazenda a escravos e colonos com a recomenda~ao de desincumbir-se desses en­cargos administrativos e, por esse motivo, 0 Cod. lust. 3, De tabular., 10, 69, dis­punha que 0 propried.rio fosse pessoalmeme responsavel.

92. Cf. os trechos citados na nota 90.93. Columela 1, 4. Cf. 1, 6.94 Palad. 1, 8; 1, 33. A esterqueira devia estar bern distante deles.95. I, 8.96. Cf. a proposito disso a I. col. Genet., C. 75; "Eph. epigr.", III, pp. 91 sS.;

ClL, X, 1401 (decreto senatorial de 44-46). Contra a remo~ao dos adornos dascasas da cidade para as vilas do campo, d. Cod. lust. 6, De aedif. priv., 8, 10. Con­tra a residencia de pessoas de alta condi<;ao social no campo, d. Cod. Theod. dt.VI, 4.

97. Cod. Theod. 2, De exact., 11, 7 (disposi~ao de Constantino, de 319 d. C).Os decurioes nao deviam ser citados em juizo se nao por seu tributo e 0 de seuscolonos e tributari~ nunca pro alio decurione vel terntorio. Efetivamente podia-sefalar de responsabilidade coletiva e podia-se citar em jUlzo urn decuriao chamando-oa responder pela impordncia global da comunidade, como sucedeu segundo Dig.5, De cens., 50, 15. 0 territorio da cidade nao tardou a ser fracionado em O€(1'1fOn[w (territoria) e todo decuriao era responsave! por seu temtorium. Isso concor­da com os fragmemos do cadastro citados no capItulo anterior. Tambem aquios 1r&pouw~ dificilmeme eram apenas colonos; como quer que seja, 0 termo tam­bern se repete numa inscri<;ao beocia da cpoca de Marco Aurelio (Corp. InseT. Grace,1625). Havia ocorrido uma doa~ao aos 1COA€(1"W<; Ka:! 1rct.PO(KOU; Kct.t dKTTfjlfPOU,.

t dificil que, neste caso, os 1r&pO~KOt fossem colonos; tratava-se antes dos habitan­tes obrigados ao pagamento do impasto, mas nao de forma direta, como cramos decurioes (1rOA€i"ml.), 0 que e confirmado por Corp. Inscr. Graec., 2906, ondese fala de 1rapOtKOL que eram debos. Os 1rapO~KO~ eram antes cidadaos passivos,isto e, provavelmente 0 cram para justificar 0 termo tributarius, citado junto aocolonus e relacionado com os impostos municipais. Como ja assinalamos, parece­me que se entendia com isso as pequenos propriedrios sujeitos it o€a1ron[et, istoe, aque!es que nao cram possessores. Isso concorda com 0 Cod. Theod. 2, Si ·vag.pet., 10, 12. Dava-se a obriga~ao tribud.ria que incumbia ao propried.rio - paraisso basta dar uma olhada nas fames - uma impordncia tao grande em rcfercn­cia ao conjunto de relayoes com os colonas, que a identifica~ao aproximada detodos os adscripticii com as colonos nao deve surpreender. Ocasionalmente 0 termocolonus tambern era empregado para os suhordinados de propriedades fundiariasque nao residiam nas fazcndas (d. Cod. Thead. 4, De extr. ct sod. mun., 11, 14,e 0 comcnd.rio fcito por Gothofredus). A meu ver a pouco clara e por vezes vi­ciada constituiyao do Cod. lust. 2, In q. Co col., 11, 49, rcferia-se Jque1es que naocram colonos quaisquer, mas contribuintes mediatizados, por assim dizer, somcnte

apos a atribui~ao de uma posse aO€fJ1r07€(a.. Fala-se de colonos eensibus dumtaxatadscripti e, ademais, dos tributa que as tornavam subiecti, e se dispunha que eles,como os colonos, nao eram legitimados para exercer a~oes contra as proprieta­rios, mas que podiam, isso sim, conseguir uma assistencia legal extraordinaria noscasos ja previstos para as colonos. Em suma, segundo parece, a finalidade da leiera a equipara~ao dos simples adscripticii com os colonos. 0 texto seguime dale(~oi interpolado por Triboniano, em cuja epoca havia desaparecido toda dife­ren<;a,__'Lt.alpomo que eIe acreditou que 0 trecho falava de escravos.

98. Cod. Theod. 33, De decur., 12, 1; Cod. Theod. 1, De praed. et mane. cur.,12, 3.

99. Cod. Theod. I, Qui a pram. tir., 11, 18.100. C.I.L., v. 90; 878; 7739; X, 1561; 1746; 4917.101. C.LL., V, 5005; 1939; VIII, 8209; XII, 2250.102. Cf. a trecho citado adiante. Em ColumeIa I, 7, 0 actor e colocado jumo

com a familia.103. Procurator de particulares em CLL., V, 4241; 4347; VIII, 2891; 2922,

8993. Procurator imperial, par exemplo em C.I.L., X, 1740; 6093.104. C.I.L., X, 3910: trata-se do caso de urn sujeito que, numa epoca, havia

sido funcionario do Estado e que, depois, tornara-se praefectus de urn particular,par certo bastante rico. Isso pode ser comparado com aque1cs casos modernosem que guardas florestais publicos passam ao servi~o de particulares. 0 termopraefectus referia-se, cclaro, ao mandata oficial. Em Vardo I, 17, os praefecti dafazcnda agricola eram inspetores fixos as ordens do villicus. em todo caso escra­vas casados em relayao monogamica. Em Vardo (3, 6) fala-sc de procuratores en­carregados do aviarium, em Columcla (9, 9) dedicados aagricultura, portanto,ainda a fun~oes estritamente agrlcolas.

105. CLL., V, 83; XIV, 2431.106. CLL., VIII, 5361 (privado), 3290 (imperial).107. Cod. Theod. 1,7,7. Os procuratores potentium dcviam manter-se dcntro

de cenos limites. Cod. Theod. 1, De iurisd., 2, 1; Cod. Theod. 1, De actor., 10,4.108. Hoje t3.mbem se coloc3.m problemas similarcs na divisao de bens que

constituem uma propriedadc fundiaria. Em rc1a.,:iio a esses problemas, componamo­nos de difereme modo segundo as localidades.

109. N:b se tratava de urn procedimento civil, mas de um facinus comproba·re, e devia ser possive! apelar para qualqucr juiz, dado que na fazenda nio cxisti3.uma autoridade judicial ordinaria c, panama, punh3.-se em duvida a possibilida~

de de recorrer a todas as insrancias.110. Como Mcitzen me fez observar, parece que na Calia ocorreram movi­

mentos migrat6rios que !cv3.ram os colonos a sc agrupar em tnrno das glebas pa­tronais formando aldeias; 0 campo era dividido em Brewannc. A meu ver, issopoderia significar que as proprietarios j:i. n30 tinham escf3.VOS em numcro nod­vel 1..', por isso, culr.ivavam SU3.S glebas s6 com as colonas, a quem dcvi,lm assegu­rar condiyoes m:lis favoraveis, semc1hantes as dos camponcscs suj.,;itos a presta­yoes pessoais. Os colonos desejav:lm uma reparti.,:ao Ja terra segundo 0 mode1opar cota.s de uma socicdade coletivist:l; portanto, d"tuava-se uma nova divisao,com a qual 0 ~roprictario, por motivos de ddesa, CO:1SCgui~l, por out~o bdo. (l

objctivo de ,cr seus subordinaJos mais perto de si. Como quer quc' scja isso ,-;C

\'erifi<:ou na cOJonizayao alem5 c, logo, nao (,'!llt<l no tcrna de no';"c tr<1::ldo.

277NOT4SHIST6RlA ACMRlA ROMANA276

Page 146: WEBER, Max. História agrária romana

279N07AS

urn ordo Baulanorum. Sempre segundo Mommsen (ClL., X, 1748), tambem exis­tiam decuriones villae Lucullanae. Em c.r.L., X, 1746, 0 villicus dafamilia de Baulicornpra urn sepu1cro. Cf. a inscris;ao brid.nica ClL., VII, 572 (collegium conser-

, vorum) e a collegium familiae publicae em ClL., X, 4856. A inscris:ao cr.L., XN,'\ 2112, menciona urn estatuto em que os rnembros de uma corporas:ao estabele-\ ciam multas convencionais para os opprobria redprocos (d. ClL., n, 27). Os~~uneraisdos membros ficavam a cargo do collegium; no caso de escravos cujo cor-

po 0 proprietario nao queria emregar, fazia-se urn funeral simb6lico. Como querque seja, nas fazendas de Puteoli os collegia eram a organizas;ao oficial da fami.lia, segundo 0 modelo das comunidades.

125. Einteressantfssima a comparas;ao com os Obrok russos, que se encon­travam em condis;oes absolutamente anaJogas.

HIST6RIA ACRARIA ROMANA278

111. Columela 1, 9; 12, 1.112. Columela 1, 9.113. Columela 11, 1.114. Colume1a 12, 1.115. Columela 1, 8.116. Varrao 1, 17.117. Colume1a 11, 1.118. Columela 3, 3.119. Colume1a 11, 1.120. Sao freqiiemes nas fomes juridicas as contratos para 0 adestramento

de escravos num oHcio.121. Dig. 65, De legat., 3: quando urn escravo passava do officium ao artifi­

cium, perdia toda validez urn legado a esse mesmo escravo por mudan~a do obje­to. A niticla distin~ao entre familia rustica e familia urbana era mais amiga. Paraa epoca seguinte, d. Dig. 99, De legat., 3, pr.; Dig., 10, 4, De usu et habit., 7, 8.Na era republicana mandava-se 0 pessoal superfluo dafamilia urbana ao campo;depois, as caisas mudaram: Columela (1,8) queria que ajamilia rustica Fosse con·siderada, por principio, mais importante.

122. Casamento de escravos com livres em CLL., LX, 4319; 5297; 6336; 7685.Villicus e libertus aparecem cr.L., n, 1980. Liberti et officiales, CLL., X, 6322.Relas;oes monogamicas dos actores: CLL., V, 90; 1939; XU, 2250. Contuberniumesd.vel dos escravos ordinarios, CLL., V, 2625; 3560; 7060. as servi dispensatoreseram freqiientemente abastados (Henzen, 6.651) e, segundo uma hipotese deMommsen (CLL., V, 83), nao eram postos em liberdade para pode-Ios submeteratonura quando necessario enquanto tesoureiros. Se 0 contubernium estavel hou­vesse sido a norma na epoca da jurisprud&ncia classica, teria sido legitimado maisdecididamente do que na conhecida servilis cogruztio.

123. Dig. 20, 1, De instrueto, 33, 7 (de Scevola). Fala-se de urn sujeito quelegou umfundus junto com 0 instrumentum: "quaesitum est, an Stichus servus,qui praedium unum ex his colonis... debeatur. Respondit, si non fide dominica,sed mercede, ut extranei coloni solent, fundum coluisset, non deberi". Em con­trapanida, Dig. 18,44, eod. (de Paulo): "Quum de villico quaereretur, et an ins­trumento inesset, et dubitaretur, Scaevola consultus respondit, si non pensioniscena quantitate, sed fide dominica coleretur, deberi." No primeiro trecho diz-seque as dotes colonorum haviam sido dadas em legado, isto e, havia-se concedidoa dotas:ao necessma para urn cultivo autonomo de seus lotes. !sso atesta com maiorclareza que, nesse caso, qualquer outro tipo de trabalhador que nao 0 colono subs­tituia 0 trabalho dos escravos na fazenda autonoma e que tambem as fazendasbaseadas no trabalho dos escravos tendiam a fracionar-se em pequenas fazendascamponesas, das quais 0 proprietario extraia rendas fixas. Portanto, quando notranscurso ulterior do desenvolvimento agrario (para 0 qual d. adiante no texto)novas e mais prementes exig&ncias poHticas fors;aram 0 propried.rio a renunciaraadministras;ao direta da fazenda, aperfeis;oou-se a emancipas;ao das fazendas con­fiadas aos escravos que trabalhavam fide dominica e so permaneceu uma depen­d&ncia de natureza social e poHtica: a servidao da gleba.

124. Segundo Mommsen (CLL., X, 1748), nas fazendas imperiais de Puteolios escravos e libertos estavam organizados em collegium com ordo e decuriones.Em Bauli, existia na villa (CLL., X, 1747) urn collegium Baulanorum e tambem

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Capitulo III

Capitulo II

"",.,,:~.

282

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