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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PROCESSO SELETIVO – DOUTORADO – 2011
CANDIDATA: SARAH NERY SIQUEIRA CHAVES
TÍTULO:
MÍDIA E EDUCAÇÃO NA INTERFACE: ESTUDOS DE MÍDIA E EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS
LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO E MÍDIA: IMAGEM TÉCNICA E CULTURA ESCRITA
ORIENTADORA: MARIA LUIZA OSWALD
Rio de Janeiro,
2010
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CANDIDATA: SARAH NERY SIQUEIRA CHAVES
MÍDIA E EDUCAÇÃO NA INTERFACE: ESTUDOS DE MÍDIA E EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS
Projeto de pesquisa apresentado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro como pré-requisito para participação no processo de seleção para Doutorado em Educação.
Prof. Orientadora: Maria Luiza Oswald
Rio de Janeiro
2010
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................... 4
DELIMITAÇÃO DO TEMA .................................................................... 10
JUSTIFICATIVA .................................................................................... 14
HIPÓTESE ............................................................................................. 16
OBJETIVOS ........................................................................................... 20
QUADRO TEÓRICO CONCEITUAL ..................................................... 20
METODOLOGIA .................................................................................... 30
CRONOGRAMA .................................................................................... 32
REFERÊNCIAS ..................................................................................... 33
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INTRODUÇÃO
“Este trabalho consistia em começar a se interrogar politicamente sobre as imagens e os sons, e sobre suas relações. Era não dizer mais: ‘É uma imagem justa’, mas: ‘É justo uma imagem’; não dizer mais: ‘É um oficial do exército dos federais sobre um cavalo’, mas:
‘É a imagem de um cavalo e de um oficial’.”
Godard apud Bourdieu
É quase senso comum afirmar que as mídias são elementos centrais na
experiência contemporânea. Inúmeros autores abordarão essa presença
hegemônica, enfatizando “a importância central da mídia na cultura e na
sociedade do novo milênio” quando afirmam que “é impossível escapar à
presença, à representação da mídia”1. Tanto em aspectos cotidianos -
ordinários - quanto em macro questões dos setores político, econômico e
cultural, a entidade nomeada “A Mídia” está presente, pautando e influenciando
diferentes questões relacionadas à vida numa sociedade global e fornecendo
material com o qual as pessoas forjam sua identidade2. Nesse contexto, os
chamados Estudos de Mídia, vinculados especialmente aos Estudos Culturais,
pretendem “pôr a mídia no cerne da experiência, no coração de nossa
capacidade ou incapacidade de compreender o mundo em que vivemos”3.
Junto a essas constatações, está o temor em torno do inegável poder de tal
entidade, a partir do qual repetimos a eterna questão: a mídia é boa ou má? O
paradigma Apocalípticos versus Integrados é periodicamente revisado,
geralmente em conjunto com a reavaliação do valor da cultura em níveis4 – a
discussão da qualidade. Ainda oscilamos entre uma visão “apocalíptica” da
mídia, segundo a qual não há nada a ser aproveitado desses meios e veículos,
ou então uma visão “integrada”, geralmente advinda de profissionais do setor
que encaram seus conteúdos com um alegre relativismo. As perguntas
persistem: quais conteúdos seriam mais benéficos à sociedade? Qual o papel e
1 SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a Mídia? São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 122 KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia. Bauru: EDUSC, 2001.3 SILVERSTONE, op. cit., p. 94 ECO, Umberto. “Cultura de Massa e ‘níveis’ de cultura”. Em: Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectiva, 2006
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responsabilidade da Mídia na formação do cidadão? A TV aliena ou educa?
Enfim, qual seria a saída? Segundo Roger Silverstone (2002), tal veredicto
nunca acontecerá e nem deveria. Na sociedade da comunicação, com seu
volume incomensurável de conteúdos, todas essas questões ainda estão longe
de um consenso, mas nunca foi tão clara a necessidade de estudá-las.
Notadamente, desde os primeiros embates frankfurtianos envolvendo Adorno,
Horkheimer e Benjamin, somados à importante contribuição posterior de
Umberto Eco na sistematização do debate, continuamos investigando a
validade desses argumentos fundadores enquanto tentamos fugir das
dicotomias tentadoras sobre o tema, apesar de acreditarmos que, nos últimos
anos, abandonamos as “concepções maniqueístas e totalizadoras” sobre a
mídia, enfocando nossos estudos não mais em generalizações sobre os meios,
mas em análises de produtos específicos5. Ainda assim, inúmeros autores se
queixarão da oscilação entre “a total rejeição da cultura de massa” herdada da
Escola de Frankfurt, e, por outro lado, uma “louvação irrefletida da cultura da
mídia”6. “Será assim tão certo que essas oposições binárias deem conta das
realidades?”7, pergunta-se Jacques Gonnet (2004). O desafio segue, portanto,
em encontrar um caminho do meio.
Somado à complexidade dos temas, este campo de estudos ainda sofre o que
Martín-Barbero chama de “mal-olhado intelectual”, a resistência por parte dos
homens de letras a refletir seriamente sobre a problemática das mídias que
urge da contemporaneidade, principalmente quando o assunto é televisão.
“Boa amostra dessa crítica, que não passa de queixa em sua mistura de
indignação moral e asco estético” acredita que a televisão “é, por natureza,
inculta, frívola e até imbecil”8. Barbero observa um ranço platônico nessa
condenação das imagens, que teriam sido confinadas por este filósofo ao
mundo do engano e da ilusão. O autor pergunta-se ainda “por que os
intelectuais e as ciências sociais na América Latina continuam majoritariamente
padecendo de um pertinaz ‘mal-olhado’, que os faz insensíveis aos desafios
5 FRANÇA, Vera. Programas “populares” na TV: desafios metodológicos e conceituais, p. 2. Artigo apresentado na XIII COMPÓS, São Bernardo do Campo/SP: 2004.6 KELLNER, op. cit., p. 4247 GONNET, Jacques. Educação e mídias. São Paulo: Edições Loyola, 2004, p. 128 MARTÍN-BARBERO, Jesús. Os Exercícios do Ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva. São Paulo: Editora Senac SP, 2004a, p. 23
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culturais que a mídia coloca”9? Um questionamento específico, feito por
Barbero, é o agente propulsor da presente pesquisa e nos acompanhará
durante nossa trajetória teórico-conceitual. Ele pergunta: enquanto a crítica às
mídias estiver reduzida à simples queixa, quais políticas de comunicação serão
possíveis? E quais políticas educativas? Nenhuma, diz ele, já que “a escola –
que nos ensina a ler – não teria nada a fazer aqui”10.
Continuaremos com a problemática do papel da escola nesse processo mais
adiante. Por hora, ainda gostaríamos de comentar esse verdadeiro ‘mal’ que
acompanha os estudos de mídia: o “mal-olhado” dos intelectuais. Um exemplo
emblemático vem do professor Arlindo Machado, conhecido por ser um dos
poucos pesquisadores a levar a televisão “a sério”, mas que apresenta nesse
adjetivo o cerne de sua visão de mundo em relação à televisão. Já que o que
ele fez em A Televisão Levada a Sério (2000) foi “arrolar cerca de duzentos
programas, produzidos em várias partes do mundo, que podem ser
considerados dignos de atenção da parcela mais inteligente do público e cujo
conhecimento é imprescindível a todos aqueles que se dedicam seriamente à
abordagem da televisão”11. Machado apresenta algumas listas tais como “os
trinta programas mais importantes da história da televisão” - segundo ele
mesmo -, à moda dos esforços canônicos da crítica.
As imagens selecionadas por Machado, classificadas por ele como “referências
sofisticadas”, apresentavam constantemente a intervenção de agentes de
outras áreas culturais mais nobres, como cinema, literatura, música erudita,
artes plásticas, na televisão. Sem dúvida, a maior parte das referências de
Machado aponta para instâncias de uma “alta cultura” que, - surpreendam-se,
diz ele - também pode ser encontrada na televisão – especialmente na
televisão européia, é claro, fontes privilegiadas de suas listas. O autor assume
que “em lugar de prestar atenção apenas às formas mais baixas de televisão, a
idéia é deslocar o foco para a diferença iluminadora, aquela que faz expandir
as possibilidades expressivas desse meio”. Ou seja, a idéia é aproximar a TV
do cinema e da alta cultura – para satisfazer à “parcela mais inteligente do
público”. A ideia é não só manter como reforçar as hierarquizações culturais 9 Idem, p. 2510 Idem, p. 2711 MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. São Paulo: Editora Senac SP, 2000, p. 10
10
entre as “formas mais baixas” e a “diferença iluminadora”. Ou seja, a ideia é
elitizar a televisão, o que de fato não resolve o problema de quem realmente
assiste à televisão, pois, na realidade, esse tipo de argumento “diz menos
sobre a televisão do que do olhar radicalmente decepcionado do pensador
sobre as pessoas pobres de hoje”12. Segundo esta visão ‘aristocrática’ da
cultura, “o que nos deve preocupar não é o mal que faça às pessoas ignorantes
(os analfabetos ganham algo!), senão o que ela faz à minoria culta (...),
roubando suas preciosas energias intelectuais”13. Por isso, Barbero reclama:
E isso, embora o lamentemos, nós, os acadêmicos e intelectuais que mascaramos com muita frequência nossos gostos de classe por trás de etiquetas políticas que nos permitem rejeitar a cultura de massa em nome da alienação que ela produz, quando na verdade essa rejeição é para a classe que gosta dessa cultura a sua experiência vital outra, “vulgar” e escandalosa, à qual é dirigida.14
Já no início do debate, Umberto Eco também instigava os “homens de cultura”
a assumirem a responsabilidade pela superação do impasse. Ele diz: “exige-se
por parte dos homens de cultura, uma indagação construtiva; ali onde
habitualmente se opta pela atitude mais fácil”15 Não só a academia em suas
altas instâncias, mas a escola e seus principais agentes têm sido convocados
ao debate com cada vez mais freqüência enquanto, ao mesmo tempo,
apresenta-se com clareza a problemática da resistência a essa cultura
audiovisual (também) no ambiente escolar, frente ao lugar privilegiado
(também) da cultura letrada. Este será um assunto abordado por inúmeros
pensadores que concordam que as mídias dizem respeito à escola e
denunciam o lugar sagrado que o livro didático adquiriu junto à hegemonia da
cultura letrada. Indaga-se, por exemplo, se aprender a ler com a imprensa seria
mais estimulante e motivador do que a tradicional cartilha, como muitas
experiências já demonstraram, desde a época da tipografia16. E também
coloca-se em cheque as representações e os conteúdos de “verdades” que
existiriam tanto nas mídias como no livro didático, avaliando em qual dos dois
12 MARTÍN-BARBERO, op. cit., p. 2413 Idem14 MARTÍN-BARBERO, Jesús. Ofício de Cartógrafo: travessias latino-americanas da comunicação na cultura. São Paulo: Edições Loyola, 2004b, p.121.15 ECO, op. cit., p. 3516 Gonnet cita Charles Rollin, em 1964. GONNET, op. cit., p. 72
11
veículos os alunos teriam mais ou menos distanciamento na hora de aceitar
alguns estereótipos como verdades sobre o mundo.
Apesar do veemente desprezo imposto às massas17 e, consequentemente, à
comunicação de massa, torna-se cada vez mais evidente para uma grande
parcela da sociedade a necessidade de novas políticas de comunicação e de
educação (se possível, juntas) para que se consiga sair do impasse e do medo
em relação à irreversível presença dessas mídias na vida contemporânea e de
seus efeitos ainda obscuros em meio a opiniões apaixonadas. Um dos
argumentos comuns gira em torno da necessidade de desenvolvimento de
leitores críticos, capazes de conviver com todo esse arsenal de informações e
estímulos de consumo de forma ativa e consciente. Aí entra o papel da escola
novamente. Percebe-se a demanda por uma “alfabetização midiática”, ou seja,
formas de tornar o indivíduo “capaz de ver, interpretar e problematizar as
imagens da TV, de assistir e entender aos filmes, de analisar as publicidades
criticamente, de ler e problematizar as notícias dos jornais, de escutar e de
identificar programas de rádio, de saber usar o computador, de navegar nas
redes e de produzir outras representações através de diversas mídias”18.
Segundo os especialistas, esse tipo de alfabetização deve começar desde
cedo, pois também estimula o protagonismo do aluno frente à aprendizagem,
além de outros tantos argumentos favoráveis, como a transversalidade do
conhecimento através das mídias, que transitariam por todas as disciplinas, a
mudança do estatuto de passividade do aluno frente à autoridade do professor,
passando a um estatuto dialógico e construtivista, além do aumento
considerável do prazer de estudar. De qualquer forma, percebemos a
emergência dessas questões pois sabemos que “uma parte do futuro de
nossas sociedades depende de nossa capacidade de dominar a informação e a
comunicação, de saber ler as mídias que nos solicitam até a saturação e que
são tudo, salvo neutras”19.
17 SLOTERDJIK, Peter. O desprezo das massas: ensaio sobre lutas culturais na sociedade moderna. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.18 FANTIN, Mônica. “Alfabetização midiática na escola”. Trabalho apresentado no Seminário VII Seminário “Mídia, Educação e Leitura” do 16º COLE, Campinas, 10 a 13 de julho de 2007.19 GONNET, op. cit., p. 13
12
Frente a todas essas problematizações a respeito do campo da Comunicação e
da Mídia, outros campos aparecem como interlocutores em muitos momentos
do debate. O campo político tem sido cada vez mais solicitado a uma revisão
de posicionamentos e procedimentos frente à sua quase dependência do
aparato midiático. E, mais intensamente nos últimos anos, o campo da
Educação, alvo comum de críticas e exigências sobre as rápidas
transformações do saber e do conhecimento na Sociedade da Informação, é ao
mesmo tempo responsabilizado pelo “baixo nível” da aprendizagem ou a falta
de interesse dos alunos pelo conhecimento institucionalizado, mas também é
constantemente eleito o “salvador” em potencial para todos esses jovens sem
futuro, vítimas de uma cultura do consumo hegemônica e superficial. O papel
da escola torna-se então mais uma vez estratégico para a democratização dos
olhares “críticos” sobre essas realidades, e com isso dá-se continuidade aos
questionamentos sobre as maneiras de aproximar a escola do cotidiano, ou,
neste caso, a escola das mídias.
Por fim, vale apresentar esta extensa porém central declaração de Douglas
Kellner, que, junto aos questionamentos de Martín-Barbero e a base conceitual
de Jacques Gonnet, nos mobilizaram a escrever a presente proposta. Ela
enfatiza a naturalização das mídias pelas gerações que nascem e morrem sob
sua influência e a necessidade de decodificá-la criticamente.
Para quem viveu imerso, do nascimento à morte, numa sociedade de mídia e consumo é, pois, importante aprender como entender, interpretar e criticar seus significados e suas mensagens. Numa cultura contemporânea dominada pela mídia, os meios dominantes de informação e entretenimento são uma fonte profunda e muitas vezes não percebidas de pedagogia cultural: contribuem para nos ensinar como nos comportar e o que pensar e sentir, em que acreditar, o que temer e desejar – e o que não. Consequentemente, a obtenção de informações críticas sobre a mídia constitui uma fonte importante de aprendizado sobre o modo de conviver com esse ambiente cultural sedutor. Aprendendo como ler e criticar a mídia, resistindo à sua manipulação, os indivíduos poderão fortalecer-se em relação à mídia e a cultura dominantes. Poderão aumentar sua autonomia diante da cultura da mídia e adquirir mais poder sobre o meio cultural, bem como os
13
necessários conhecimentos para produzir novas formas de cultura.20
Nesse contexto, os “Programas de Educação para as Mídias”, ou a chamada
“Educomunicação”, a “Alfabetização midiática” ou ainda a “Pedagogia Crítica
da Mídia” são algumas propostas que vem sendo apresentadas e discutidas
como alternativas de trabalho nas escolas. Segundo Douglas Kellner, uma
pedagogia crítica da mídia teria como finalidades: possibilitar que os leitores e
os cidadãos entendam a cultura e a sociedade em que vivem; dar-lhes o
instrumental de crítica que os ajude a evitar a manipulação da mídia e a
produzir sua própria identidade e resistência; inspirar a mídia a produzir outras
formas diferentes de transformação cultural e social. São sobre esses projetos
que nos dedicaremos a estudar com a presente proposta de pesquisa.
DELIMITAÇÃO DO TEMA
Nosso tema possui muitos nomes: Educação para as Mídias, Mídias na
Educação, Educomunicação, Pedagogia Crítica da Mídia, Alfabetização
Midiática e certamente outros. Em síntese, tratam-se de programas
pedagógicos que visam aproximar a problemática das mídias nas escolas, não
só como ferramental para os professores transmitirem seus conteúdos através
de novas possibilidades tecnológicas, mas do estímulo ao distanciamento
crítico em relação ao que recebemos e produzimos com as mídias. Semelhante
a Jacques Gonnet, “não abordaremos aqui, com efeito, as mídias educativas
cujo objetivo é auxiliar o professor, mas a mídia em geral”21.
Nessa interface entre Mídia e Educação, discute-se a necessidade de as
mídias constituírem uma disciplina autônoma nos sistemas educativos, levando
em consideração o movimento em curso de remanejamento da organização
geral dos conteúdos22. É necessário e viável a abordagem desse tema na
escola? Mesmo não entrando no currículo – espaço de disputas conceituais -,
20 KELLNER, op. cit., p. 1021 GONNET, op. cit., p. 2322 Idem, p. 47
14
essas propostas poderiam ser absorvidas de outras formas pelas disciplinas?
Com efeitos similares?
Nesse contexto, surgem algumas ações em prol disso que podemos chamar de
“Educação para as Mídias”, seguindo o conceito adotado por Jacques Gonnet.
No Brasil, por exemplo, um programa com o nome de “Mídias na Educação”,
de formação continuada para professores do ensino básico, foi oferecido pelo
Ministério da Educação em 2010. Promovido pela Secretaria de Educação à
Distância (SEED), o programa enfatizava a utilização das mídias enquanto
ferramentas pedagógicas – especialmente para a educação à distância -, mas
também dedicava-se a pensar a chamada “Educomunicação”, conceituada da
seguinte maneira:
Conjunto das ações destinadas a ampliar o coeficiente comunicativo das atividades educativas, sejam as formais, as não-formais e as informais, por meio da ampliação das habilidades de expressão dos membros das comunidades educativas e de sua competência no manejo das tecnologias da informação, de modo a construir ecossistemas comunicativos abertos e democráticos, garantindo oportunidade de expressão para toda a comunidade.23
Esse programa de educação à distância do MEC pretendia ensinar o uso
pedagógico das diferentes tecnologias da informação e da comunicação – TV e
vídeo, informática, rádio e impresso – aos professores, tornando-os
educomunicadores. “Entre os objetivos do programa estão: destacar as
linguagens de comunicação mais adequadas aos processos de ensino e
aprendizagem; incorporar programas da Seed (TV Escola, Proinfo, Rádio
Escola, Rived), das instituições de ensino superior e das secretarias estaduais
e municipais de educação no projeto político-pedagógico da escola e
desenvolver estratégias de autoria e de formação do leitor crítico nas diferentes
mídias.”24 Destacamos este aspecto final de leitura crítica, que interessa-nos
particularmente nesta pesquisa, além de investigar ainda todas as ações
historicamente implementadas pelo Ministério da Educação em relação a essa
23 Disponível em: http://www.eproinfo.mec.gov.br/webfolio/Mod83684/glossario.htm. Acesso em: 23/09/1024 Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/sme/exibeconteudo?article-id=885171. Acesso em: 23/09/10
15
temática. Há algum programa sistematizado de políticas públicas no Brasil
voltado para a educação nas mídias?
Segundo um posicionamento parcial do MEC, percebe-se a ênfase no papel do
professor enquanto educomunicador, fundamental para a adequada promoção
das mídias na escola (a capacitação dos professores será uma questão
importante), e do domínio das ferramentas da comunicação por parte dele. No
entanto, a esfera da produção protagonizada pelos alunos será um pólo
fundamental para este tipo de disciplina, conduzido a partir de exercícios de
leituras das mídias, identificações de seus gêneros e formatos, e produção de
conteúdos próprios. A questão da representação é uma constante nesses
estudos – tanto nos Estudos Culturais quanto na Educação para as Mídias – e
seria mesmo a problemática fundadora deste último campo.
Grande incentivador dessas novas práticas pedagógicas, Douglas Kellner
explica que “a pedagogia crítica da mídia desenvolve conceitos e análises que
capacitam os leitores a dissecar criticamente as produções da mídia e da
cultura de consumo contemporâneas, ajudam-lhe a desvendar significados e
efeitos sobre sua própria cultura e conferem-lhes, assim, poder sobre seu
ambiente cultural.”25
Por isso, é importante que esse projeto seja desenvolvido, para o ensino de um modo crítico de descodificar as mensagens da mídia e de distinguir seu complexo espectro de efeitos. É importante a capacidade de perceber as várias expressões e os vários códigos ideológicos presentes nas produções da nossa cultura e fazer uma distinção entre as ideologias hegemônicas e as imagens, os discursos e os textos que as subvertem.26
Segundo Jacques Gonnet, cuja obra Educação e Mídias trabalha inúmeras
questões relevantes em relação à temática, os diferentes programas de
educação para as mídias que existem no mundo apresentam um conjunto de
argumentos bastante próximos. “Eles ressaltam que, em todas as partes, as
mídias dizem respeito à escola”27. Segundo ele, o primeiro argumento dessa
25 KELLNER, op. cit., p. 2026 Idem, p. 42427 GONNET, op. cit., p. 50
16
educação está baseado na constatação do lugar das mídias na vida cotidiana.
“Ele é legítimo, é dever da escola ensinar o aluno a ser ‘um expectador ativo,
um explorador autônomo e um autor da comunicação midiática’.” A escola
deveria “torná-lo apto a uma atitude criativa em face das mídias, isto é, capaz
de se apropriar de um máximo de informações originais a partir de uma visão
pessoal de qualquer tipo de documento midiático.”28 Além disso, a Educação
para as Mídias favoreceria a tomada de consciência – “nós somos todos alvo
das mídias” – e o distanciamento para apreciar as mensagens.
Com todos esses nomes e abordagens, surgem infinitas questões a serem
problematizadas em torno dessa temática:
Em relação ao currículo, como seria a inserção de uma abordagem de
educação para as mídias em sala de aula? É necessária a inclusão de uma
disciplina das mídias no currículo escolar? Deveríamos inserir transversalmente
ferramentas midiáticas em todas as disciplinas? Com a “escolarização do
saber” sobre as mídias, perderíamos a espontaneidade do desejo de aprender?
“A questão que se coloca então é saber, do ponto de vista da escola, como
apreender esta realidade, como utilizá-la, ensinando a criança a se distanciar
dela”29
Em relação à legitimidade dos saberes: como são vividos esses novos saberes
que vêm das mídias? Qual é a sua legitimidade para a escola? Em que medida
se dá o fluxo de aprendizagem entre os saberes midiáticos e os escolares?
Em relação à postura crítica: como democratizar uma visão crítica das mídias
sem pender para uma visão populista ou dogmática? Como transmitir os
conceitos da crítica para os alunos? A produção por si só é eficaz para tal
distanciamento?
Sobre os conteúdos destas mídias, quais modelos eles propõem? Quais
representações hegemônicas e contra-hegemônicas? Quem tem voz nas
mídias? Quais vozes estariam ausentes?
28 Idem, p. 50-5129 Idem, p. 23
17
Em relação às diferenças de classes sociais, a aplicação do mesmo programa
de educação para as mídias em escolas públicas e privadas trariam resultados
semelhantes?
O que as chamadas “pedagogias novas” ou alternativas pensam sobre a
questão das mídias em relação às pedagogias tradicionais?
É certo que nem todas essas perguntas sejam respondidas com a presente
pesquisa, além de que outras surjam e tomem seus lugares.
JUSTIFICATIVA
Vivemos na “Era da Informação”, na “Sociedade da Comunicação” etc. Há
muitas qualificações para os fenômenos que estão acontecendo em alta
velocidade e transformando a vida em sociedade. Em todos eles, o paradigma
da comunicação aparece central. Evitando determinismos tecnológicos, não há
mais dúvidas em relação à presença irreversível das mídias na vida
contemporânea, que domina quase todas as instâncias do cotidiano. Como
enfatizam os Estudos Culturais, todos esses conteúdos servem para a
formação de nossa identidade e tomam forma no conflituoso território da
cultura, uma arena discursiva na qual os significados estão constantemente em
disputa.
Cada vez mais estudos interdisciplinares têm sido desenvolvidos em diferentes
partes do mundo na tentativa de compreender os fenômenos sociais
midiatizados, que por sua presentificação extrema, nos escapam pelos dedos.
As mídias perpassam todos os campos do conhecimento – da política à
economia –, e suas respectivas interfaces abrem vastos portais de
possibilidades e problematizações, infinitos. Estudar as mídias tornou-se uma
questão não só importante na sociedade pós-moderna como vital para a
compreensão da sociedade, através do estudo de produtos concretos
contextualizados e complexificados. Essa forte tendência no campo acadêmico
18
está fazendo surgir uma nova categoria do conhecimento, os chamados
Estudos de Mídia, que parecem caminhar ao lado dos Estudos Culturais30.
Nesse contexto, torna-se cada vez mais evidente o poderoso encontro entre os
campos da Comunicação e da Educação. Especialmente quando levamos em
consideração a desconfiança generalizada em torno da chamada “cultura de
massa”, com seus conteúdos de “baixo nível”, a junção dessas poderosas
ferramentas de mídia com conteúdos “educativos” sempre foi a saída
encontrada por 10 entre 10 pensadores do assunto. As chamadas TVs
educativas (TV Cultura, TV Brasil, TV Escola) são iniciativas emblemáticas das
políticas públicas do setor, assim como demais veículos semelhantes (como a
Rádio MEC). Ainda assim, cada vez mais procura-se pensar em maneiras de
inserção das questões da produção e da recepção das mídias dentro da
própria escola, voltados para o estímulo da leitura e da escrita midiática
implementadas pelos alunos, e não só como auxiliar ferramental para o
professor31.
“Por que esta focalização nas mídias? Porque elas não refletem a realidade.
Elas a codificam. As mensagens midiáticas não são neutras”32. Esse
argumento revela uma preocupação que é o cerne motivador das pedagogias
críticas das mídias. Seria o que Bourdieu chamada de “efeito de real” e “efeitos
no real”: a mídia “pode fazer ver e fazer crer no que faz ver”33 com poderosos
efeitos de mobilização. Ou, segundo Silvertone, trata-se tão somente de poder.
“O poder que a mídia tem de estabelecer uma agenda. O poder que ela tem de
destruir alguém. O poder que tem de influenciar e mudar o processo político”.
Cito um argumento desse autor que cabe bem para nossa justificativa:
Estudamos a mídia porque nos preocupamos com seu poder: nós o tememos, o execramos, o adoramos. O
30 Exemplo emblemático foi a criação do Departamento de Estudos Culturais e Mídia na Universidade Federal Fluminense, em Niterói, no ano de 2003. Já em 2005, o Departamento lançou o curso de graduação em Estudos de Mídia.31 Outras novidades no setor acadêmico evidenciam as mudanças. A Escola de Comunicação e Artes da USP acaba de lançar um curso de “licenciatura em educomunicação”, com ingressos a partir de 2011. Segundo eles, “a educomunicação tem como meta construir a cidadania, a partir do pressuposto básico do exercício do direito de todos à expressão e à comunicação.” Fonte: http://www.usp.br/nce32 GONNET, op. cit., p. 5133 BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 28
19
poder de definição, de incitação, de iluminação, de sedução, de julgamento. Estudamos a mídia pela necessidade de compreender quão poderosa ela é em nossa vida cotidiana, na estruturação da experiência, tanto sobre a superfície como nas profundezas. E queremos utilizar esse poder para o bem, não para o mal.34
Em 1959, Umberto Eco já alertava sobre o estabelecimento de uma civilização
dos mass media, “cujos sistemas de valores deverão ser discutidos, e em
relação à qual será mister elaborar novos modelos ético-pedagógicos”35. Esses
modelos estão em plena discussão de acordo com as categorias apresentadas
neste projeto, voltados especialmente para as crianças que, desde bebês, são
estimulados por mídias em todos os lados. Por isso, acredita-se que as
crianças e jovens precisam aprender desde cedo a se relacionar com as mídias
de maneira a tirarem o melhor proveito delas. Além disso, ao colocar este
público como produtor de mídia, fornecendo uma “alfabetização midiática” –
como já fazem diversos projetos em ONGs e escolas públicas –, trabalha-se
com um paradigma educacional em que o aluno é o ator principal de um
conhecimento mais diretamente relacionado ao seu cotidiano. “Tal perspectiva
é benéfica na construção da auto-estima destes jovens, sua leitura do mundo,
articulação e expressão. Facilita ainda a gestão de suas próprias vidas e a
relação com a comunicação e o ambiente”.36
HIPÓTESE
Percebe-se que junto à democratização dos meios de produção (de discursos)
acorre o aumento de um pensamento crítico orgânico em relação a essas
mesmas ferramentas. Nesse sentido, alguns autores defenderão que a melhor
maneira de se mobilizar a tão almejada postura crítica frente à cultura
midiática, especialmente em crianças e jovens, seria justamente através do
estímulo à produção de mídias. O exemplo da fotografia é emblemático. Com a
democratização das câmeras digitais e dos softwares de tratamento de
imagens, cidadãos comuns passaram a produzir discursos visuais em seu 34 SILVERSTONE, op. cit., p. 26435 ECO, op. cit., p. 3536 CAIRES, Luiza. “Licenciatura em educomunicação é o novo curso de graduação da ECA para 2011”. Disponível em: http://www4.usp.br/index.php/educacao/19382-licenciatura-em-educomunicacao-e-o-novo-curso-de-graduacao-da-eca-para-2011. Acesso em: 21/09/10
20
cotidiano e simultaneamente perceberam o quanto de “recorte”, de
“enquadramento”, de “performance”, enfim, de “escolhas” existe no fazer
fotográfico, cujo resultado será sempre uma parcela da realidade e nunca a sua
totalidade. Somado ao acesso às mágicas ferramentas de alteração e edição
de imagens – a “cultura Photoshop” –, adquire-se uma profunda relativização
de seus conteúdos, que, descobre-se, são passíveis a todo o tipo de
manipulação.
Frente à problemática da escolarização do saber sobre as mídias, com algum
prejuízo para o aprendizado, pensa-se em propostas diferenciadas frente à
tradicional crítica pelo discurso que, segundo Bourdieu, é “um substituto,
menos eficaz e divertido, do que poderia ser uma verdadeira crítica da imagem
pela imagem, tal como a encontramos, aqui e ali, de Jean-Luc Godard (...) até
Pierre Carles.”37 Acreditamos que a chamada crítica da imagem pela imagem
seria um método interessante de se trabalhar a crítica das mídias com crianças
e jovens, por meio da produção das próprias mídias. Esta afirmação de
Bourdieu nos levou a pensar inúmeras maneiras de se promover essa tal
crítica, e a encontramos no emblemático exemplo de René Magritte, Ceci n´est
pas une pipe (1928). A imagem de um cachimbo com a inscrição “Isso não é
um cachimbo” nos leva a problematizar questões importantes sobre a
representação dos objetos que nos são apresentados como os objetos em si,
com o “efeito de real”. Isso não é um cachimbo, é a representação de um
cachimbo.
37 BOURDIEU, op. cit., p. 12.
21
Nesse sentido, Bourdieu volta a citar o cineasta Jean-Luc Godard, que
procuraria revelar em suas próprias imagens e construções narrativas a
presença do caráter poético, de criação e fabricação do sentido, por meio de
uma edição auto-reveladora e de pequenos subtextos que estendem ao público
a consciência e o distanciamento em relação às imagens. Diz ele: “Este
trabalho consistia em começar a se interrogar politicamente sobre as imagens
e os sons, e sobre suas relações. Era não dizer mais: ‘É uma imagem justa’,
mas: ‘É justo uma imagem’; não dizer mais: ‘É um oficial do exército dos
federais sobre um cavalo’, mas: ‘É a imagem de um cavalo e de um oficial’.”38
Podemos também comparar esses procedimentos com o posicionamento
brechtiano de eliminar “o abismo que separa os atores do público”39 e inúmeras
outras formas de problematização dos papéis de produtores e receptores de
discursos, dentre outras análises possíveis40.
O slogan “Não odeie a mídia, seja a mídia” faz parte de uma cultura de
resistência à hegemonia da mídia que enfatiza o empoderamento dos modos
de produção de discursos próprios, particularmente quando vinculados a
grupos subalternos cujas vozes reclamam-se ausentes nos canais
hegemônicos de representação. É o caso dos Centros de Mídia
Independente41, dos movimentos de “Mídia Tática”42 e centenas de rádios
comunitárias e outros veículos populares que ainda sofrem todo o tipo de
cerceamento e repressão policial.
Com a emergência da Comunicação em Rede ou Sociedade em Rede
(Castells), a tão almejada democratização dos meios de comunicação tornou-
se efetivamente real para grande parcela da população: micro-computadores,
lan houses, softwares livres, blogs, Youtube, redes sociais – todas essas
38 GODARD apud BOURDIEU, p. 1239 BENJAMIN, W. “Que é o teatro épico?”. Em: Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e História da Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985. (Obras escolhidas 1)40 No Brasil, Guel Arraes é um importante difusor dessa crítica da imagem pela imagem, como é mais explícito em TV Pirata (1988) e Cena Aberta (2004), mas de fato seria uma constante em toda a sua produção. Ver: CHAVES, Sarah Nery Siqueira. “’Tenho cara de pobre’: Regina Casé e a periferia na TV”. Dissertação de mestrado em Comunicação e Cultura. ECO/UFRJ, 2007, 110f.41 www.midiaindependente.org42 www.midiatatica.info
22
ferramentas contribuem para o empoderamento do poder de fala pelos
cidadãos e para uma pluralidade nunca vista nessas proporções em termos de
produções culturais. Para usar alguns conceitos de Pierre Lévy, é nessa
“cibercultura” que se mostrará um tipo intenso de “cultura participativa” e de
“inteligência coletiva”, quando, cada qual com o seu saber, colabora-se uns
com os outros por meio da troca e compartilhamento da informação e do
conhecimento. Nesse cenário, o consumidor está sendo promovido cada vez
mais ao rótulo de “ativo” e “crítico”, já que possui acesso aos meios de
informação e comunicação. Essa perspectiva “contrasta com noções mais
antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação”43
Não há dúvidas de que a escola precisa inserir-se nesse contexto, dialogando
com os diferentes agentes e sendo um pólo – uma “ilha” nesse oceano
cibernético – para o distanciamento e pensamento crítico sobre a realidade
circundante. Para tanto, precisa-se repensar o tradicional “aprender a ler e a
escrever” na escola, em função da latente demanda social por uma leitura
educativa e crítica em relação à intensa vida global contemporânea. Paulo
Freire é particularmente importante para nos ensinar a promover leituras
críticas em relação ao que chama de “palavramundo”, bastante pertinente
nesta temática das mídias. Como há tempos nos ensinava o pedagogo, “a
leitura do mundo precede a leitura da palavra e a leitura desta implica a
continuidade da leitura daquele”44. É sempre bom lembrar.
OBJETIVO GERAL
A partir da reflexão na interface entre Educação e Comunicação, nosso objetivo
principal é contribuir para o avanço dos estudos em torno da problemática das
mídias na educação e da educação nas mídias, auxiliando no desenvolvimento
de programas possíveis de Educação para as Mídias nas escolas através do
aprofundamento teórico no emergente campo de Estudos de Mídia.
43 JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2009. P. 3044 FREIRE, Paulo. A Importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 2008
23
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Mapear os programas de Educação para as Mídias existentes na rede
municipal de ensino do Rio de Janeiro.
Avaliar diferentes programas e experiências que combinam o aporte das mídias
com uma abordagem educativa.
Refletir sobre a necessidade de reformulação curricular ou a abertura para
essa possibilidade de trabalho com conteúdos midiáticos.
Chegar a um método de trabalho de Educação para Mídias, a partir de
pesquisa empírica.
Contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas de educação e
comunicação.
QUADRO TEÓRICO-CONCEITUAL
A partir da presente proposta temática, trabalharemos interdisciplinarmente
com dois campos do conhecimento que já são interdisciplinares por si: a
Educação e a Comunicação. Ambos seriam campos de abrangência, segundo
José Luiz Braga e Maria Regina Calazans, por possuírem “tendências
‘avassaladoras’ sobre variadíssimos aspectos do mundo social e físico”45.
Sobre a mesma amplitude, Jacques Gonnet observa que “interrogar a
educação e as mídias significa, por um jogo de espelhos, analisar uma
sociedade inteira.”46 Além de sua abrangência, tal interfaceamento, segundo
Braga e Calazans, “em vez de apenas gerar um campo específico na fronteira,
tendencialmente penetra os dois campos, solicitando reconsiderações em
largas porções de suas práticas e seus conceitos”47
45 BRAGA, José Luiz; CALAZANS, Maria Regina Zamith. Comunicação e educação: questões delicadas na interface. São Paulo: Hacker, 2001, p. 56.46 GONNET, op. cit., p. 1547 BRAGA, op. cit., p. 56.
24
Para esses autores, que escreveram o livro Comunicação e educação:
questões delicadas na interface, existem muitos momentos de interface entre
Educação e Comunicação. O primeiro e mais evidente deles refere-se “ao uso
dos meios nos processos formais de ensino, presencial e a distância”. De fato é
como a encontramos na maioria dos casos em que se apresentam a
problemática mídia e educação, ou seja, “propostas a partir das
intencionalidades educativas – no esforço de aperfeiçoar os processos
comunicativos necessários à obtenção da aprendizagem”48 Ainda assim,
acredita-se que com os questionamentos iniciais em torno da EAD e das
maneiras de potencializar o ensino e a aprendizagem com as mídias, “ao trazer
os meios para a sala de aula e ao gerar produtos e processos para Educação a
distância, o sistema escolar lentamente vai desenvolvendo suas próprias
competências para compreender a sociedade mediatizada e para interagir com
ela”49.
No entanto, rapidamente percebe-se, a partir desses usos ferramentais, outras
capacidades de leituras das mídias, onde queremos chegar:
As atividades dessa interface já têm uma longa história, em que uma concepção inicial dos recursos tecnológicos como auxiliares de ensino foi se alterando para uma compreensão mais sutil de qualidades próprias às imagens (como seu valor polissêmico), bem como de possibilidades múltiplas de interpretação do aluno-receptor diante de produtos culturais com lógicas (e dimensões) distintas dos procedimentos escolares apoiados na linguagem verbal.50
Assim, acontece o que os autores classificam como uma segunda perspectiva
de encontro entre os campos: o “encontro entre o sistema escolar e a própria
“sociedade da comunicação” – e é relacionado à necessidade educacional de
formar e socializar estudantes para esta.”51 Num novo terreno de interface,
estariam as tentativas que vem sendo feitas para trabalhar as relações de fluxo
entre os saberes e os processos da escola e os saberes e processos
48 Idem, p. 5749 Idem, p. 5950 Idem, p. 57-58.51 Idem, p. 59
25
mediaticamente disponibilizados. “Os saberes circulam na sociedade de modo
acelerado, diversificado, a partir de fontes mais variadas, e vinculados a
objetivos muito diferenciados. Mais do que simplesmente ‘saberes’,
multiplicam-se dispositivos de mediação e circulação dos saberes. Em
conseqüência, modificam-se as aprendizagens relacionadas a tais saberes”52
As aprendizagens decorrentes do espaço mediático (enquanto disponibilizador de conhecimentos e atitudes) de distinguem das aprendizagens escolares por diversas razões. Os conhecimentos que, na escola apareceriam de modo mais formalizado (ou sistematizado) em conjuntos coerentes, aqui aparecem de modo mais disperso, topicalizado, menos sistemático.53
Volta-se à delicada questão da valoração do conteúdo e da aprendizagem em
diferentes espaços e ambientes: afinal, o conhecimento adquirido através das
mídias é melhor ou pior que o conhecimento adquirido na escola? Os saberes
das mídias são menos válidos que os da escola? Ressaltam os autores:
“Aprende-se de outro modo, outras coisas”. A relativização dos usos e
apropriações culturais é um tema particularmente observado por Canclini, que
tanto em Culturas Híbridas54, como em Diferentes, Desiguais e
Desconectados55, aborda essa relação exemplificando diferentes maneiras de
reapropriações através de objetos como o artesanato local. Se levarmos um
objeto de seu local de origem para outro culturalmente distinto, esse objeto
“perde” o seu valor original? De acordo com o autor, “não há porque
argumentar que se perdeu o significado do objeto: transformou-se”56. Voltando
a Braga e Calazans:
Se aprender é mudar o repertório e as atitudes, é sempre possível aprender coisas boas e coisas negativas. Na verdade, os próprios critérios de ‘bom’ de ‘negativo’ devem ser relativizados, pois, no que se refere a aprendizagens, estes critérios têm sido normalmente desenvolvidos em outros espaços – na educação, na
52 Idem, p. 6253 Idem, p. 63.54 CANCLINI, N. G. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003
55 CANCLINI, N. G. Diferentes, desiguais e desconectados: mapas da interculturalidade. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.56 Idem, p. 42
26
família, na cultura, ou nas solicitações e problemas práticos da vida. (...) Seria preciso, pois, pensar em uma renovação de critérios para carcterizar o que pode ser ‘bom’, ‘mau’, pertinente ou não, no que se refere especialmente a aprendizagens no espaço mediático.57
Mais uma vez, a problemática dos binarismos e dicotomias se faz presente.
Concordamos com a crítica dos autores de que deveríamos repensar as
categorias de “bom” e “mau” – e como outros autores dirão, de “alto” e
“baixo”. A pequena obra de Braga e Calazans nos ajudou a observar alguns
aspectos desse amplo espaço de interface entre os campos da Educação e
da Comunicação, concordando que por sua abrangência, “esse recorte não
dá conta de todas as questões que podem surgir na interface”58, mas lança
luz sobre esse delicado e conflituoso campo híbrido. Eles concluem:
Apesar destes esforços, é evidente que as expansões do campo educacional, até o momento, não foram suficientes para dar conta da situação, ou minimamente propor critérios interpretativos para caracterizar seus desafios. É fácil perceber, portanto, que temos aí uma área de interface particularmente delicada, sujeita a tensões ou hesitações sobre as melhores perspectivas a adotar – e que parece solicitar o empenho generalizado tanto do campo educacional como do campo das comunicações: o desenvolvimento de articulações entre os saberes e processos da escola e os saberes e processos do espaço das interações sociais mediáticas. Estas articulações parecem ser necessárias aos dois campos, de tal modo que possam qualificar suas relações de fluxo.59
Jacques Gonnet também inicia sua obra Educação e Mídias abordando o
problema dos binarismos e dos argumentos freqüentes de “acusação” e
“defesa” dos meios de comunicação, só que da perspectiva da educação, que
veria as mídias como “adversários a eliminar”.
A acusação se refere tanto à banalização do assassinato, do crime, na televisão (ao final da escola primária uma criança já viu, em média, 8 mil assassinatos e mais de 100 mil atos violentos) como os conteúdos da maioria dos videogames que giram em torno de adversários a “eliminar”. Ao contrário, a defesa em favor das mídias proporá uma utilização educativa massiva destas novas
57 BRAGA e CALAZANS, op. cit., p. 6458 Idem, P. 5759 Idem, p. 66-67
27
tecnologias das quais se espera que tragam tonicidade e saber para a escola.60
Em um dos clássicos da comunicação, Apocalípticos e Integrados, no capítulo
específico sobre “Cultura de Massa e ‘níveis’ de cultura”, Umberto Eco também
sistematizou os argumentos de “acusação” e “defesa” em voga nos anos 60 em
torno da cultura de massa. A valoração em termos de “boa” ou “má” permanece
na questão, novamente: a mídia é boa ou má? Para Eco, “a falha está em
formular o problema nestes termos: ‘é bom ou mau que exista a cultura de
massa?’. Mesmo porque a pergunta subentende a desconfiança reacionária na
ascensão das massas (...). Quando, na verdade, o problema é: (...) qual a ação
cultural possível a fim de permitir que esses meios de massa possam veicular
valores culturais?”61
O texto de Gonnet se assemelha ao de Eco em outro ponto interessante:
ambos citam o diálogo entre Fedro e Sócrates para questionar o lugar de
nobreza que a cultura escrita ganhou no mundo contemporâneo,
desnaturalizando esse lugar historicamente. Eles narram o processo de
desconfiança e “acusações” pelo qual passou a escrita no momento de sua
inserção social – de transição entre a cultura oral e a cultura escrita -, assim
como fazem agora em relação à perda de hegemonia desta cultura letrada
frente à cultura dos mass media. A pergunta que se coloca é: “Tem o saber
escrito uma legitimidade que o saber oral ou visual não poderia pretender?”62
Em Os Exercícios do Ver, Martín-Barbero é outro que observa a tensão
ideológica entre letras e imagens, observando que, desde o princípio, a
imagem carregou uma pesada carga de estigmas por suas funções
advinhatórias, de encantamento e cura. “Daí sua condenação platônica ao
mundo do engano, sua reclusão/confinamento no campo da arte e sua
assimilação como instrumento de manipuladora persuasão religiosa,
ideológica, de sucedâneo, simulacro ou malefício”63. Sua crítica segue e se
estende à escola: “No que concerne à escola, esta encarna e prolonga, como
60 GONNET, op. cit., p. 1761 ECO, op. cit., p. 5062 GONNET, op. cit., p. 3163 MARTÍN-BARBERO, 2004a, p. 16
28
nenhuma outra instituição, o regime de saber que a comunicação do texto
impresso instituiu”64.
Daí a antiga e pertinaz desconfiança da escola para com a imagem, para com sua incontrolável polissemia, que a converte no contrário do escrito (...). Não obstante, a escola buscará controlar a imagem a todo custo, seja subordinando-a à tarefa de mera ilustração do texto escrito, seja acompanhando-a de uma legenda que indique ao aluno o que diz a imagem.65
Frente ao elogio do escrito estaria então o “perigo televisionado”. E o que mais
costuma incomodar esses pensadores é que todas essas importantes questões
da contemporaneidade são colocadas a partir de um ponto de referência quase
renascentista, por um viés saudosista de uma idade de ouro do saber ou o que
Gonnet classificará como “o tempo de ‘antes’”. Segundo ele, “a idade de ouro é
uma referência indispensável para estruturar o pensamento. Deve-se por isso
paralisar a reflexão ao ponto de colorir com uma nostalgia sem saída todo
projeto de futuro?”66 Eco também coloca a mesma questão, defendendo que
existiria um novo “homem gutemberguiano” com seus sistemas de valores
próprios e distintos daquele modelo de homem “renascentista”, que não existe
mais.67 Para acalmar os ânimos dos apocalípticos em relação a essas críticas,
ele enfatiza que “nada disso exclui o julgamento severo, a condenação, a
atitude rigorista: mas aplicados em relação ao novo modelo humano, e não em
nostálgica referência ao velho”68
A questão do “nível cultural” colocado por esses autores possui uma
problemática bastante específica na escola, no momento em que o saber dos
alunos será visto como de “baixo nível” em conseqüência de um uso excessivo
das mídias. Gonnet interroga-se sobre o ponto de referência a partir do qual se
mediria esse nível, perguntando: “Que nível é esse que não acaba mais de
baixar, desde uma idade de ouro que seria bom identificar”?69 De fato o autor
observa que “não temos nenhum ou temos poucos elementos que permitam
64 Idem, p. 5665 Idem, p. 5766 GONNET, op. cit., p. 3667 ECO, op. cit., p. 34-3568 Idem, p. 3569 GONNET, op. cit., p. 36
29
verdadeiramente comparar o nível dos alunos de hoje e, por exemplo, daqueles
de há 100 anos”.70 Tal valoração dos conteúdos e seus níveis seria
extremamente subjetiva, dizendo mais sobre as nossas próprias interrogações
do que sobre uma possível evolução dos comportamentos.
Superando as dicotomias
Uma contribuição importante para a superação dessas dicotomias vem da
perspectiva da “circularidade cultural” proveniente dos estudos de Bakhtin
sobre o carnaval de Rabelais. Não à toa têm sido feitas tantas releituras deste
autor na atualidade, cujos conceitos de dialogismo, polifonia e circularidade
(este último, na realidade, uma aplicação feita por Ginzburg71) nunca estiveram
tão em pauta nos circuitos acadêmicos, pois ajudam a solucionar inúmeros
impasses teórico-conceituais. Dentre tantas contribuições, Bakhtin nos ajuda a
perceber a “reversibilidade intrínseca de toda ordem simbólica” a partir das “as
permutações constantes do alto e do baixo”72 ou o que ele chama de “A Roda”.
É a tradicional inversão de valores da perspectiva carnavalesca e sua alegre
relativização das hierarquias e autoridades que nos ajuda a compreender o
caráter essencialmente mutável e historicamente localizado das ordens
simbólicas estabelecidas.
Da mesma forma, diferentes pensadores vinculados aos Estudos Culturais -
latino-americanos ou não – contribuem para a superação dessas dicotomias
limitadoras e avançam a investigação a respeito das intricadas relações mídia
& cultura, mídia & sociedade ou, como pretendemos, mídia & escola. Jesús
Martín-Barbero – assim como Nestór García Canclini, Beatriz Sarlo, Renato
Ortiz, para citar os mais conhecidos - provocam o que Maria Immacollata
Vassallo chamou, em relação à teoria de Barbero, de deslocamentos e
rupturas: “Deslocamentos dos lugares tradicionais de onde são feitas as
perguntas. Rupturas com as respostas reducionistas e maniqueístas ‘à direita e
70 Idem, p. 3771 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição: São Paulo, Companhia das letras, 200672 BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec/ UnB 1999, p. 10
30
à esquerda’”73. Esses pensadores abrem “caminho a um novo olhar que, por
um lado, des-cobre a envergadura atual das hibridizações entre visualidade e
tecnicidade e, por outro lado, resgata as imagísticas como lugar de uma
estratégica batalha cultural”74.
Nota-se que o viés culturalista – ou o que Stuart Hall chamou de “a
centralidade da cultura”75 – é decisivo para o processo de revisões conceituais
em torno da problemática das mídias. Mais uma vez procura-se abandonar o
carregado conceito de “cultura de massa” e passa-se a tratar de uma “cultura
da mídia” (Santaella, Kellner), não deixando de lado o conceito de “indústria
cultural” e da perspectiva da “cultura enquanto mercadoria”. As transformações
tecnológicas são tratadas mais como processos culturais do que como
determinismos tecnológicos. Alguns títulos são emblemáticos dessa
centralidade da cultura: Cibercultura (Pierre Lévy), A Cultura da Interface
(Steven Johnson), A Cultura da Mídia (Douglas Kellner), A Cultura da
Convergência (Henry Jenkis), são alguns exemplos recentes relacionados às
novas tecnologias. De acordo com a cartografia de Barbero, “achamo-nos em
processo de construção de um novo modelo de análise que coloca a cultura
como mediação, social e teórica, da comunicação com o popular, que faz do
espaço cultural o eixo desde o qual encontrar dimensões inéditas do conflito e
vislumbrar novos objetos a pesquisar” 76
Da mesma forma, a ênfase nas práticas de recepção reformularam o campo e
promoveram rupturas teórico-metodológicas importantes em relação às teorias
apocalípticas da década de 60 e 70. “Reagindo a esse modelo, muitas das
teorias mais recentes ressaltaram a capacidade do público de resistir à
manipulação da mídia, criando seus próprios significados e usos e
fortalecendo-se com a matéria-prima extraída de sua própria cultura”77. A
problemática do chamado “receptor” está sendo recolocada radicalmente, com
ênfase nas diferentes “usos e leituras” desenvolvidas pelos grupos populares e
na própria ideia de popular enquanto “cumplicidade, resistência e réplica”
73 MARTÍN-BARBERO, 2004a, op. cit., p. 0974 Idem, p. 1675 HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 22, nº276MARTÍN-BARBERO, 2004b, op. cit., p. 110.77 KELLNER, op. cit., p. 12
31
(Barbero) ou na relação entre “conformismo e resistência” (Chauí), com
herança importante dos conceitos de hegemonia e contra-hegemonia de
Gamsci.
Sem dúvida, Michel de Certeau, e a sua A Invenção do Cotidiano, é um autor
fundamental nessa reavaliação dos estigmas do receptor passivo quando
apresenta as “práticas” ou “maneiras de fazer” cotidianas, que são fabricadas e
produzidas por todos. Para o autor, “a análise das imagens difundidas pela
televisão (representações) e dos tempos passados diante do aparelho
(comportamento) deve ser completada pelo estudo daquilo que o consumidor
cultural “fabrica” durante essas horas e com essas imagens”. Segundo ele e a
partir dele, muitas teorias surgirão em torno não só das táticas de
sobrevivência cotidianas (como a negociação da dona-de-casa com a lista de
compras e o dinheiro que tem disponível) como também das chamadas “táticas
de mídia”78. Segundo Certeau, “o cotidiano se inventa com mil maneiras de
caça não autorizada” 79.
Outra obra emblemática dessas novas produções, A Cultura da Mídia, de
Douglas Kellner, que apresenta um amplo estudo de fenômenos concretos
contextualizados - como Madonna, MTV, Hollywood, - também possui como
objetivo revelar as funções e efeitos contraditórios da mídia. Sobre as
negociações instauradas pelos receptores em relação aos emissores, Kellner
afirma que a cultura veiculada pela mídia induz os indivíduos a conformar-se,
mas também lhes oferece recursos que podem fortalecê-los na oposição a
essa mesma sociedade.80
o público pode resistir aos significados e mensagens dominantes, criar sua própria leitura e seu próprio modo de apropriar-se da cultura de massa, usando sua cultura como recurso para fortalecer-se e inventar significados, identidade e formas de vida próprios. Além disso, a própria mídia dá recursos que os indivíduos podem acatar ou rejeitar na formação de sua identidade em oposição aos modelos dominantes.81
78 O movimento Mídia Tática é explicitamente influenciado pelo conceito de tática de Certeau.79 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994, p. 3980 KELLNER, op. cit., p.1281 Idem, p. 11
32
A “educação para mídias”
Para finalizar este quadro teórico conceitual, vamos apresentar algumas
conceituações e contextualizações em torno da chamada “Educação para as
mídias”, cujo próprio nome é repensado em diferentes ocasiões. Gonnet conta
que este título - “Educação para as mídias” - deixa pairar a priori uma suspeita
das mídias, por isso também costuma-se usar “mídias na educação”.82
Segundo o autor, “a fórmula ‘educação para as mídias’ se refere a um uso
nascido em torno dos anos 1960 nos meios internacionais que tratam dos
problemas da educação, particularmente na Unesco. Nesta época, as
previsões dos especialistas se concentravam na explosão visível da
comunicação de massa, especialmente da televisão.” Abordavam-se como
temas freqüentes: “a capacidade desta nova ferramenta mágica de alfabetizar
em grande escala populações privadas de estruturas de ensino e de equipes
de pessoal qualificado; a reticências dos professores em aceitar a televisão
como uma abordagem legítima do saber; a necessidade de abordagens críticas
em face dos riscos de manipulação das mídias em geral”83
Segue a definição do Conselho Internacional do Cinema e da Televisão (CICT):
Por educação para as mídias convém entender o estudo e a aprendizagem dos meios modernos de comunicação e expressão, considerados como parte de um campo específico e autônomo de conhecimentos, na teoria e na prática pedagógicas, o que é diferente de sua utilização como auxiliar para ensino e aprendizagem em outros campos de conhecimentos tais como as matemáticas, a ciência e a geografia84
Segundo Jacques Gonnet, os temas e os objetivos fundamentais desses
programas são: as linguagens (desconstrução e construção de mensagens); as
tecnologias (dessacralizar as ferramentas); as representações (postulado da
não-transparência); as tipologias (tomadas de consciência de gêneros,
funções, ambiguidades, procedimentos narrativos); os públicos (“sou um
público-alvo”); os produtores (quem produz?).
82 GONNET, op. cit., p. 2283 GONNET, op. cit., p. 2384 Éducation aux médias, Paris, UNESCO, 1984, 7 apud GONNET
33
A escola deve ensinar as crianças a utilizar a televisão, quer se trate de programas ou da publicidade. É necessário explicar-lhes qual uso se pode fazer dela, dizer-lhes quando ela não serve pra nada. (...) Em vez de fazer como se a televisão não existisse, a escola deveria propor às crianças discutir implementar programas pedagógicos que visassem a fazer das crianças telespectadores dotados de espírito crítico, e isto desde a tenra idade. Deixá-los utilizar os equipamentos de vídeo para fazer pequenos espetáculos e anúncios publicitários; para que as crianças se dêem conta por elas mesmas de que se pode facilmente deformar a realidade com uma câmera.85
Para Gonnet, este surpreendente manifesto desemboca num “verdadeiro
programa de educação para as mídias”.
METODOLOGIA
Para realizar a presente proposta, utilizaremos metodologias teóricas e empíricas a fim de alcançar os nossos objetivos.
A pesquisa bibliográfica pretende mapear as principais referências, autores e pesquisas que trabalham essa temática. Observaremos especialmente o posicionamento dos Estudos Culturais Latino-Americanos e a emergência de um possível novo campo chamado Estudos de Mídia.
Junto a fontes primárias (escolas) e secundárias (sites, material institucional, pesquisas), também pretendemos mapear as propostas e programas de “Educação para as Mídias” (dentre outros nomes) em andamento no Brasil, em diálogo com algumas propostas emblemáticas de outros países, e promovendo um recorte mais detalhado na cidade do Rio de Janeiro ou na chamada Baixada Fluminense86. Uma amostragem inicial nos ajudará na definição de um corpus mais preciso (em termos de bairros e números de escolas pesquisadas). Quantas escolas da rede pública utilizam as mídias em suas aulas? De que forma?
Seguindo nesta pesquisa documental, identificaremos o posicionamento e as iniciativas do Ministério da Educação brasileiro e da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro no que tange ao ensinamento das mídias nas escolas. Quais
85 COUNDRY apud GONNET op. cit., p.35-3686 Por seu caráter periférico à metrópole Rio de Janeiro, a baixada fluminense apresenta singularidades identitárias – de afirmação e negação – que a tornam um corpus privilegiado para pensar a possibilidade de auto-representação, de expressão, de voz e de memória. Sobre o tema: ENNE, Ana Lucia Silva. “Lugar, meu amigo, é minha Baixada”: memória, representação social e identidade. Tese de Doutorado em Antropologia. PPGAS/Museu Nacional/UFRJ, 2002.
34
são essas ações? Como essas instituições se posicionam a respeito dessa temática?
Há ainda interessantes ações do chamado Terceiro Setor, como a Escola Popular de Comunicação Crítica da Maré, cujas metodologias devem ser levadas em consideração na pesquisa.
A partir dessa coleta inicial de dados, passaremos para a segunda fase da pesquisa, que constará de pesquisa de campo em escolas públicas do Rio de Janeiro ou arredores que utilizem alguma metodologia de ensino de mídias em seu currículo ou de forma extra-curricular. A definição dessa amostragem será viabilizada após esse mapeamento inicial, de forma que sejam escolhidos de um a três casos, de acordo com seus graus de aprofundamento, para desenvolvimento de uma pesquisa de campo de cunho etnográfico, utilizando-se da observação participante. O objetivo é observar as utilizações das mídias na escola, seus usos, produções e efeitos. O relatório dessas atividades deve descrever e delimitar os processos e métodos de ensino utilizados, observando as variáveis mutáveis.
Com a identificação das permanências e dos núcleos de interesse comum entre as diferentes propostas estudadas, nosso passo seguinte seria sistematizar um modelo/projeto de Educação para as Mídias, que possa ser aplicado escolas da rede pública ou privada, e em outras possíveis situações, como no Terceiro Setor, por exemplo. Essa proposta buscaria sistematizar os diferentes ensinamentos adquiridos ao longo da pesquisa, tonando-o aplicável em uma realidade concreta, com devidas adaptações possíveis. Nosso objetivo final, como dissemos, é poder contribuir de alguma forma com o avanço da discussão e com o desenvolvimento de políticas públicas de educação e comunicação.
CRONOGRAMA
ATIVIDADES1º sem. 2011
2º sem. 2011
1º sem. 2012
2º sem. 2012
1º sem. 2013
2º sem. 2013
2014
Levantamento de referencial teórico
X X
Primeiras leituras X XCursar disciplinas X XLevantamento de dados sobre o MEC e Rede Pública de Ensino do RJ
X X
Delimitação do corpus XInvestigação em X X
35
campoDescrição inicial dos fenômenos
X X
Tabulação e qualificação das pesquisas de campo
X X
Sistematização de uma proposta de Educação para as Mídias
X X
Estudos comparativos X XSistematização da tese
X X
Participação em Congressos e Seminários
X X X X X X X
Encontros de orientação
X X X X X X X
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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