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23 Teoria e Debate 83 H julho/agosto 2009 WEB ROMPE ESQUEMAS Fotos: Walter Craveiro O que você acha da possibilidade de um terceiro mandato, não do Lula, mas do mesmo projeto? Independentemente de quem for o eleito, terá de fazer um upgrade do que foi feito por Lula. Ele teve um papel relevante, conseguiu tirar o país da ar- madilha da dívida interna pesada, que veio da apreciação do real em 1994, e instituiu políticas sociais de inclusão irreversíveis. Ajudou a criar um novo padrão no mercado de consumo e de consciência social, típica de país moderno. O Brasil está entrando na Luis Nassif é um dos introdutores do jornalismo eletrônico no país. Vencedor de muitos prêmios, coleciona algumas batalhas dentro da grande imprensa. Nesta conversa fala sobre economia e avalia o impacto das novas tecnologias na política e na mídia por Nilmário Miranda e Rose Spina ENTREVISTA modernização, processo que teve iní- cio com a Constituição de 1988. Agora faltam as próximas etapas. O país não tem visão estratégica. FHC e Lula tinham projeto de poder. Mas com esse modelo político é preci- so fazer uma tal ginástica para acomo- dar forças, para impedir a desestabi- lização, que os presidentes acabam se amarrando. São dois os grandes fatores de desestabilização, que começam a se anular. Um é o mercado. Se Lula tiver o mínimo de bom senso e não permitir a apreciação do real, fica livre do jugo

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23 Teoria e Debate 83 H julho/agosto 2009

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O que você acha da possibilidade de um terceiro mandato, não do Lula, mas do mesmo projeto?

Independentemente de quem for o eleito, terá de fazer um upgrade do que foi feito por Lula. Ele teve um papel relevante, conseguiu tirar o país da ar-madilha da dívida interna pesada, que veio da apreciação do real em 1994, e instituiu políticas sociais de inclusão irreversíveis. Ajudou a criar um novo padrão no mercado de consumo e de consciência social, típica de país moderno. O Brasil está entrando na

Luis Nassif é um dos introdutores do jornalismo eletrônico no país. Vencedor de muitos prêmios, coleciona algumas batalhas dentro da grande imprensa. Nesta conversa fala sobre economia e avalia o impacto das novas tecnologias na política e na mídia por Nilmário Miranda e Rose Spina

EnTrEvisTa

modernização, processo que teve iní-cio com a Constituição de 1988. Agora faltam as próximas etapas.

O país não tem visão estratégica. FHC e Lula tinham projeto de poder. Mas com esse modelo político é preci-so fazer uma tal ginástica para acomo-dar forças, para impedir a desestabi-lização, que os presidentes acabam se amarrando. São dois os grandes fatores de desestabilização, que começam a se anular. Um é o mercado. Se Lula tiver o mínimo de bom senso e não permitir a apreciação do real, fica livre do jugo

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que foram os que trouxeram a inova-ção. Em termos de gestão, os progra-mas top vieram da área social: o Bolsa Família, o Luz para Todos... Quando Lula completa esse ciclo, com essa popularidade, ocupa todo o espaço de centro-esquerda.

Serra, pelo PSDB, tinha dois ca-minhos a seguir: ou se apresentava pela direita como a grande esperança branca, ou pelo centro-esquerda como um upgrade de Lula, a continuidade com algo a mais. Mas Serra é, politi-camente, incompetente. É muito su-bordinado a FHC, que tem sobre ele grande ascendência emocional. Deu a guinada para a direita. Ele, que tinha bandeiras desenvolvimentistas no co-meço dos anos 90, permite que Dilma ocupe esse espaço. Fecha com a Veja, com a Folha, pessoal que foi para a ul-tradireita, passa a se valer dos jornalis-tas agressivos, alguns completamente desqualificados. E vai para a direita como um todo, e fica sozinho. Em São Paulo, diz que não está em campanha, mas faz tudo em função disso.

do mercado. O segundo fator é o papel da grande mídia, que começa a ser anulado pela popularidade de Lula e pela emergência da nova opinião pública, graças às novas tecnologias. Com a internet, blogs fazendo o con-traponto, reduz-se essa capacidade desestabilizadora da mídia.

Às vezes criticamos Lula pela lentidão com que ele caminha, pelas alianças, mas a probabilidade de uma desestabilização é muito grande. E a oposição, então? Todo mundo fala “o PT fazia isso”. Quando não tinha possibilidade política, o partido jogava na desestabilização. No jogo político, quem está fora do poder é agressivo. Depois, o PT virou poder, e aí pensa-mos: “Agora vamos ter uma política de país desenvolvido, programas de lado a lado...” Mas o que faz o PSDB com a mídia? Parte para esse jogo de de-sestabilização. Tudo o que aconteceu tentaram transformar em escândalo para desestabilizar – até tapioca. A ponto de Sarney, hoje, virar fator de estabilidade. É incrível ter de defender Sarney.

O novo presidente, com uma base econômica melhor, terá de ser muito mais ousado em relação ao Banco Cen-tral, ao qual Lula se subordinou, e vai ter de trabalhar com visão estratégica, que é o que o PAC começa a desenhar. O PAC rompe com a armadilha cria-da por Marcílio, mantida por Malan e continuada por Palocci. Então, o ter-ceiro governo, do PT ou não, vai ter de dar esse salto porque o país está ama-durecendo, já tem uma massa crítica de pensadores, um mercado interno robusto de multinacionais brasileiras, o pré-sal, que permitiu um grande sal-to, a discussão sobre educação, política social... Lá na frente entenderemos a importância dessa estabilização com inclusão social.

Essa ofensiva da oposição é deses-pero ou estratégia eleitoral?

O que está acontecendo agora com a oposição é um pouco o que aconte-ceu com o PT no começo do governo FHC, com o Plano Real. Todo mundo só pensava na instabilidade inflacio-nária. Houve um esperneio para criar CPIs. Depois de 2006 Lula acabou for-talecido. Conheço muito militante do PT que tinha se afastado em 2005 e, quando iniciaram a campanha de desestabilização, voltou. O carisma pessoal de Lula é muito forte. Ele mon-tou uma estratégia tão brilhante em termos de discurso que será analisada na história do Brasil como uma ma-nobra do nível de um Getúlio Vargas. Apropriou-se dos pontos que eram bandeiras do PSDB, estabilidade eco-nômica, não mexeu no BC – foi ruim para o país, segurou o crescimento, mas manteve a estabilidade – e, ao mesmo tempo, passou a desenvolver programas sociais. Isso graças a essa multiplicidade que é o PT, que tinha de Palocci aos movimentos sociais,

“LuLa tem um carisma muito forte, montou uma estratégia tão briLhante em termos de discurso que será anaLisada na história como uma manobra do níveL de um getúLio”

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Serra se inviabiliza sozinho porque não tem marca política em São Paulo. Ele é uma ameaça à pacificação. É o seu pessoal que monta CPIs, são os jornalistas ligados a ele que atacam colegas. Na outra ponta, surge Aécio, com a imagem do avanço, a continua-ção melhorada de Lula. Se o PSDB fos-se um partido racional, iria de Aécio, e com ele haveria uma disputa, até ideológica. Ele seria a consolidação do mercadismo... Aécio, em termos de gestão, criou marca. Mas, como os aliados de Serra fariam a mudança de lado, é complicado.

Serra esvaziou politicamente, pode estar com 35% nas pesquisas, mas a tendência é declinante e irreversível. Só que ele criou em seu entorno um círculo de interesses, de aliados. Tem o caixa mais fornido do PSDB, para bancar aliados, está ligado à mídia e à executiva do partido. A única esperan-ça de Serra reverter essa sua tendência declinante e a ascendente de Dilma é um escândalo. O que ele fez com a Roseana, no caso Lunus, em 2002. Os jornais perderam a capacidade de gerar escândalos. Criaram anticorpos que agora são potentes na blogosfe-ra. Com os blogs, há uma articulação fantástica. Em 2006, eram quatro ou cinco blogueiros atuando. Hoje há um universo de blogs, em que um escreve um artigo e os leitores levam e trazem artigos. Isso anula a capacidade de desestabilização da mídia, que per-deu também a noção de princípios jornalísticos básicos pelo desespero de desestabilizar a candidatura Lula. Tentam agora apertar o botão verme-lho, que é a CPI da Petrobras.

O que você acha dessa CPI, de tentar desestabilizar um símbolo nacional?

Se começar a colocar para fora, veremos que a pior fase da Petrobras

foi a gestão Joel Rennó. Com relação a marketing, por exemplo, a gestão de Alexandre Machado foi complicada. Qualquer projeto de marketing cultural tinha de passar por São Paulo. Tudo foi abafado, foi o acordo entre José Dirceu e FHC para uma transição tranquila.

A Petrobras é uma empresa de ca-pital aberto. É tão provável encontrar trambicagens lá como no Grupo Ultra, na Odebrecht... Só que a empresa tem ferramentas que controlam isso, audi-toria, acionistas, tribunal de contas... Pegam uma companhia que é chave para o desenvolvimento do país e co-locam no fogo. O PT, durante tanto tempo, teve dificuldade de se con-solidar porque passava a imagem de incendiário. O PSDB, que tinha aquela imagem do razoável, cola em Serra essa imagem de que, se precisar de-sestabilizar o país para atingir o poder, desestabiliza. E o resultado é terrível para ele mesmo. Grandes empresas de São Paulo, que o viam com bons olhos porque era um desenvolvimentista, hoje estão assustadas.

Serra tem consciência de que sua candidatura está naufragando?

Ele não é de enfrentar grandes de-safios, para ser ministro da saúde re-lutou um mês. Tem aquela imagem de pessoa decidida, mas não é, travou na greve da polícia civil, no caso USP. Em 2006, quando era para sair candidato, abriu espaço para Alckmin, e agora já há sinais de que pretende se candida-tar à reeleição em São Paulo.

Como você avalia o desempenho do país na crise econômica?

Em termos de política pública foi fantástico. A atuação da área opera-cional, Ministério da Fazenda, BNDES e bancos públicos foi extraordinária. Perceberam a gravidade no início, par-

tindo para políticas compensatórias com rapidez e determinação. Já o BC foi um desastre e sua atuação foi in-jetar dinheiro nos bancos, sem exigir contrapartida. Só olhou os bancos, e não seus objetivos, que seriam em-presas e pessoa física. Aumentou os juros uma semana antes do estouro da Lehman Brothers. “Ah, mas o BC não podia adivinhar...” Só que em dezem-bro a economia estava desmanchando e o relatório do BC dizia que estava robusta. Os dados estatísticos não ti-nham aparecido, e eles só conseguem entender economia depois de ver da-dos. Se está desabando, comecem a diminuir os juros.

Lula disse que seria uma maroli-nha, e foi uma boa marola. Perdemos uns 2 pontos de PIB, o que é muita coisa, por culpa do BC. E a imprensa fica numa sinuca de bico, porque o ponto que tem para criticar Lula é o BC. Mas quem o avaliza é a imprensa, que trata os pontos de vulnerabilida-de de Lula como se fossem a herança bendita de FHC e diz que o problema são os recursos do Bolsa Família, que foi o que segurou o país. Foi esse mer-cado de consumo abastecido por Bolsa Família, salário mínimo, previdência social que segurou a peteca.

E agora o BC está, de novo, jogando o câmbio para baixo. Esse é o ponto em que Lula tinha de ter ousado mais.

O jornalismo econômico respaldou, sem mediações, o neoliberalismo. Como se comporta após a deslegiti-mação dessa agenda, com a crise?

Continua a mesma porcaria. Falam o tempo todo: “Precisamos ter capital externo para o país crescer”. Daí vem uma crise, e o capital especulativo voa. Assenta um pouco, e o capital espe-culativo volta. O analista econômico é avaliado pela margem de acertos de

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suas previsões. Esse pessoal erra, rei-teradamente.

Fala-se que o custo Congresso e o custo Judiciário são grandes, mas o maior que temos é o custo mídia. É a mídia que pauta o Congresso, cria a instabilidade, impede a discussão de políticas de médio prazo, que acha que tem poder para derrubar ou pro-teger o criminoso que quiser. E é esse esquema que está sendo rompido com as novas tecnologias.

Nas eleições de 2006 a opinião pú-blica se descolou da mídia. Esse foi um fenômeno ocasional ou revela uma tendência mais profunda?

Veja, por exemplo, o blog da Petro-bras (www.petrobras.com.br/fatoseda-dos). Resolveram enfrentar. Há dois anos fui vítima de ataques baixos da Veja e do blogueiro de Serra e resolvi enfrentar. Está se tomando consciência de que não se pode curvar a cabeça. Sarney conseguiu me tirar da Folha em 89. Um acordo entre ele e o jornal custou a minha cabeça, seis meses depois de ter ganhado o Prêmio Esso. Hoje me vejo na contingência de defendê-lo porque sei o que está por trás das denúncias. Há uma prateleira com denúncias contra quem você quiser, esperando o momento em que sirva a algum interesse escuso. A questão não é tirar Sarney para mora-lizar. Em seu governo, o homem mais poderoso da República era Roberto Ma-rinho. Nenhum ministro era indicado sem seu aval e ganhou concessões de TV em função do poder que tinha sobre Sarney. E hoje, no Globo, sai: “20 anos de trambicagem de Sarney”. Se isso não for oportunismo, o que é? Sarney derrubou o governador do Maranhão Jackson Lago e a candidata derrotada Roseane Sarney assumiu o cargo. Isso é um escândalo – e a repercussão foi nenhuma.

A mídia rejeita qualquer regulação. O que seria razoável?

Direito de resposta. Sofri um ata-que há um ano, entrei com o pedido de resposta, caí na vara de Pinheiros, que rejeitou. Daí recorri à segunda instância, que reconheceu o erro, vol-tou para a juíza. E passou-se um ano. Tudo demora e é caro enfrentar uma enorme corporação com seus próprios recursos. Nem essa regulação mínima, direito de resposta rápido, se tem. Re-solvi enfrentar a Veja, que abriu cinco processos contra mim. Nem a ABI, nem a Fenaj, nem o Sindicato dos Jornalis-tas (de São Paulo) se manifestou. Só se manifestam quando é de interesse direto deles. Recebi apoios individuais, do Milton Coelho, do Mino Carta, do site Comunique-se, de leitores e de 800 blogs. Esses blogs são aliados para essa situação, em outra dependerá. A internet é uma revolução, arrebenta os esquemas tradicionais de poder e influência.

Gilmar Mendes fala em liberda-des individuais, mas não se manifesta quanto aos ataques contra a honra. Se você não estiver acoplado a um grupo, tem de se virar. A vantagem da internet é juntar vários setores de uma forma não alinhada.

Então não vê chance de regulação...Tem de ter regulação, nos casos

de crimes contra a honra, de notícias falsas que provocam comoção popular ou política. Mas a Justiça tem de regu-lar, não o Executivo. A Veja intimida juízes e desembargadores.

Você expressa forte convicção sobre as possibilidades abertas pela inter-net. Em que medida a web muda a comunicação?

Antes, havia o poder da mídia, era a assimetria de informação: o jornal

tinha mais informação do que os leitores. Como o jornal abarca uma gama grande de temas, o jornalista conversa com a fonte, faz a matéria, e o indivíduo que conhece sabe que é besteira, mas sobre o conjunto ele não sabe porque não domina. Na internet é diferente, porque eu publico uma matéria, 90% dos leitores não conhe-cem o tema, mas 10% que conhecem trazem informações adicionais, que pegam a globosfera. Hoje, a simetria de informações é contra os jornais, o conjunto dos leitores e blogs têm mais informação do que os jornais.

Só a internet não explica a perda de influência da mídia. Por exemplo, em assembleia de orçamento participa-tivo de Betim, com 2 mil pessoas, ao ser solicitado o e-mail apenas 20 pessoas tinham. E Lula tem alta penetração nessas camadas.

Mas nisso há influência das políti-cas sociais. Lula passa para todos sua preocupação com a pobreza e a mi-séria, de quem viveu isso na carne. Já FHC teve seu maior fator de desgaste em sua arrogância – nem para fingir solidariedade ao povo. O povo capta se o cara tem vergonha da própria ori-gem. E para um presidente, que está toda hora na TV, é difícil enganar. Essa autenticidade de Lula de não rejeitar as origens, com seu linguajar, é sua maior força. Sua palavra o transformou num personagem de influência mundial. E o pessoal caçoa...

Coisa da classe média...Não só a classe média, mas alguns

jornalistas políticos, que são analfa-betos. Por exemplo, o programa ha-bitacional ou o PAC do Saneamento, o governo define regras e dialoga com os governos estaduais e municipais, articulando os três níveis, sem prestar

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atenção em qual é política. Afinal, o ca-dastro é feito pela prefeitura. Além de ser irreversível em termos de avanço federativo e democrático, muda a face do país. O Bolsa Família é concedido por um cartão, e não tem o retratinho de Lula, mas é evidente que a popula-ção percebeu sua solidariedade com as famílias.

É um cartão e o cidadão faz o que quer com o dinheiro.

Maria Inês Nassif, minha irmã, tem ótimas análises sobre o Bolsa Família. Quem cadastra é a prefeitura, e mesmo assim ele rompeu com o coronelismo. O programa é o que tem de top. Há in-dicadores, pesquisas qualitativas, um caminho traçado. Nem no Primeiro Mundo tem isso.

Decisão importante de Lula foi consi-derar a Previdência solução. É o maior distribuidor de renda do país.

Há uma pesquisa que revela que 55% dos aposentados são arrimo de família. São famílias não desagre-gadas, possibilidade de adolescente estudar, menor criminalidade e me-nos problemas de saúde. Esse dado legitima a Previdência. Daí vem o pes-soal de mercado e solta um trabalho para tentar provar que o aumento do salário mínimo amplia a propensão à vagabundagem. Trata-se de gente que recebe R$ 500 por mês, R$ 400. É inacreditável que a imprensa dê es-paço para isso.

As zonas de miséria são de Belo Horizonte para cima; as zonas que es-tão crescendo acima da média nacio-nal são de Belo Horizonte para cima. A cara do Nordeste está mudando, foi criado um mercado de consumo. Temos uma empresa como a Nestlé, com estratégia de venda para a classe D e E. De outro lado, um princípio que

sempre foi questão de honra para os liberais: dar o dinheiro e o cidadão gastar no que quiser. Mas os defen-sores do neoliberalismo dizem que há desperdício porque estão com-prando geladeira e fogão. Os grandes países são mais pragmáticos: se têm um problema, pouco importa de que lado vem a solução. Esse pragmatismo de Lula, que marcou muitas políticas sociais, deu um nó na cabeça de mui-tos setores.

Há um fator de modernização que podia ter avançado mais. Ainda há a visão petista de que gestão é forma de exploração. O Planejamento começa a implantar mais ferramentas de ges-tão. Elemento essencial para dar esse salto. O PT conseguiu criar modelos: Dilma com o PAC; o Minha Casa, Mi-nha Vida; o PAC do Saneamento... Em termos de modelos para gerir um país houve avanços modernizadores muito grandes, que passam desapercebidos porque há uma guerra ideológica. No primeiro mandato de Lula não havia indicadores. Hoje, a Casa Civil realiza

esse trabalho. Estivesse FHC à frente do país na crise, ele teria seguido o receituário com um ajuste fiscal que teria jogado o PIB lá embaixo.

Há alguma chance de regular a en-trada e saída de capital das grandes corporações?

Com a crise, como os bancos esta-vam abrindo o bico, havia espaço para fazer grandes reformas. Para apagar o incêndio, Obama jogou muito re-curso e, com isso, a pressão que havia para fazer as mudanças. O Brasil está novamente sendo alvo de uma onda especulativa, e o BC não faz nada. Este é o problema de Lula: não ter colocado um técnico no BC, com coragem de inverter essa dinâmica.

Pesquisa do IPEA identificou que pobres pagam mais impostos do que os ricos. Uma reforma tributária é possível?

Toda forma de tributação implica imposto indireto. A carga tributária é elevadíssima. Mas o ponto central é

“o boLsa famíLia é concedido por um cartão, e não tem o retratinho de LuLa, mas a popuLação percebeu sua soLidariedade com as famíLias. é irreversíveL e muda a face do país”

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que tanto à esquerda quanto à direita há uma visão muito preconceituo-sa em relação às empresas. No blog, quando ocorre alguma discussão so-bre tributação, há muitos leitores do PT que acham que tem de ter tributo alto, mas isso significa, na ponta, o consumidor pagando. A desoneração da folha de pagamentos é extraor-dinária porque abre espaço para a formalização do emprego. Hoje, o emprego com registro em carteira é penalizado. Jornalista recusa por causa dos descontos, e para a empre-sa é um custo enorme. Em um país que, para crescer, precisa ter emprego formal e pequenas e microempresas fortalecidas, o custo sobre a folha é irracional. Já à direita, essa visão de mercado, qualquer demanda da eco-nomia real é vista como choradeira. A empresa e o empregado são parceiros. O ambiente que garante o emprego é aquele em que o modelo econômico favorece as empresas, que geram em-pregos e salários.

Aqui o modelo favorece o espe-culador financeiro. O grande capital brasileiro, em vez de ser investido no país, está em fundos offshore e retorna como recurso estrangeiro. Haverá de ter um pacto em favor da produção. Há três empregadores no país: o Es-tado, as empresas e o terceiro setor. A mídia consegue colocar os três como adversários, e eles não são. O cresci-mento de um país se dá em cima de grandes empresas que ajudam a de-senvolver tecnologia, das pequenas e microempresas que geram emprego em parceria com o governo. Lula tem isso claro quando faz propaganda do produto brasileiro no exterior. Outro problema que o próximo presidente vai ter de enfrentar é que, para Lula, assim como para FHC, a economia é mercado f inanceiro e grandes

corporações, a pequena e microem-presa não têm vez.

Que mudanças relevantes têm ocor-rido no mercado de mídia?

O mercado de opinião é composto por quatro grupos, Globo, Abril, Folha e Estadão. Eles competiam entre si, mas em 2005 fizeram um pacto, pois tinham um novo “inimigo”: as novas tecnologias e os novos grupos de tele-fonia que dominarão a comunicação. Desses, a Folha não sobrevive, o Uol, sim; o Estadão está à venda; a Abril tem uma capacidade de se endividar permanente; a Globo é o único que tem fôlego.

O pacto que eles fizeram era para derrubar o governo porque achavam que teriam poder para barrar a entrada dos novos grupos. Mas não percebe-ram o avanço da internet, o fortale-cimento de Lula, o aparecimento da nova opinião pública e tinham uma geração de diretores de redação que talvez seja a mais medíocre que já vi em quase 40 anos de jornalismo.

Há censura no Brasil, hoje? Há interdição do debate na mídia.

Em outros países o jornalismo é mais austero, trata temas relevantes, ajuda a formular políticas públicas. No Brasil, nos anos 90, os jornais enveredaram pelo sensacionalismo para melhorar a tiragem a qualquer preço e se dis-tanciaram dessa função.

Temos hoje uma estrutura de gru-pos de conhecimento de um país de-senvolvido, na área social, em saúde, gestão, há especialistas para todas... Em outros países essas ideias ganham corpo e se disseminam por intermé-dio dos partidos, universidades, e por uma imprensa de opinião. Aqui não temos nenhum dos três. Com a inter-net, comunidades se articulam e, com

o tempo, as informações vêm à tona. Uma mudança ampla.

Em termos de internet, o que você acha mais interessante e promissor?

A interação informal entre os blogs é uma revolução. Há as redes sociais, muito relevantes. Tenho uma rede li-gada ao blog de 4.700 pessoas gerando informação. A próxima etapa será a criação de sites que agregarão e darão massa crítica a essas informações, hoje pulverizadas. Isso vai caminhar com a web2 para formas gradativas de demo-cracia direta. Com a internet, esse mo-delo político acaba. A cada denúncia, os leitores trazem mais informações, de modo que ficou impossível man-ter a política tradicional. Esse modelo que tem um candidato, fornecedores que bancam a campanha e caixa dois tende a desaparecer. Um conjunto de leitores me trouxe informações no caso da CPI do Grampo que desmoralizava o factoide.

Como avalia a formação de um setor público de comunicação, em parti-cular a TV?

A TV pública é fundamental por-que a privada não cumpre as obriga-ções: abrir espaço para os grandes debates nacionais, para a cultura e integração nacionais, a informação de qualidade. Mas deve haver uma governança muito bem definida, com autonomia orçamentária, para evitar a influência do governante de plan-tão. A referência é o modelo inglês, a BBC. Tinha um programa de discussão de políticas públicas na TV Cultura, estava negociando o programa, e Serra cortou meu pescoço. Agora estou indo para a TV Brasil. ✪

nilmário Miranda é presidente da Fundação Perseu Abramorose spina é editora de Teoria e Debate