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AS REPRESENTAÇÕES DO DIVINO: Pré-História, Idade Antiga e Idade Média Wander Blaesing Ivan Adriano Dias de Andrade Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Licenciatura em História (HID0023) – Prática do Módulo IV 18/12/2010 RESUMO O Divino pode ser designado como o catalisador da fé. Presente em toda a história humana, o divino se manifesta das mais diversas formas, ora como natureza, ora como mito, ora como divindade, ora como o próprio homem. No presente artigo, o autor estabelece o conceito de divino, sua origem e sua evolução histórica. Por fim, o autor tece algumas considerações sobre a presença do mito, da religião e do Divino na história como um todo, assim como possíveis abordagens futuras sobre o assunto Palavras-chave: Representação do Divino, História Humana, Evolução Histórica. 1 INTRODUÇÃO Talvez a característica mais exclusiva do ser humano em relação aos demais animais seja a fé. Dogmática ou não, a fé sempre esteve presente nos processos de evolução cultural, intelectual e até mesmo biológica da humanidade, ora como força motriz da história, ora como pano de fundo das aspirações humanas.

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Trabalho que analisa o surgimento do Divino, o conceito base para as creanças humanas, sob um ponto de vista materialista

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AS REPRESENTAÇÕES DO DIVINO:Pré-História, Idade Antiga e Idade Média

Wander BlaesingIvan Adriano Dias de Andrade

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVILicenciatura em História (HID0023) – Prática do Módulo IV

18/12/2010

RESUMO

O Divino pode ser designado como o catalisador da fé. Presente em toda a história humana, o divino se manifesta das mais diversas formas, ora como natureza, ora como mito, ora como divindade, ora como o próprio homem. No presente artigo, o autor estabelece o conceito de divino, sua origem e sua evolução histórica. Por fim, o autor tece algumas considerações sobre a presença do mito, da religião e do Divino na história como um todo, assim como possíveis abordagens futuras sobre o assunto

Palavras-chave: Representação do Divino, História Humana, Evolução Histórica.

1 INTRODUÇÃO

Talvez a característica mais exclusiva do ser humano em relação aos demais animais seja a

fé. Dogmática ou não, a fé sempre esteve presente nos processos de evolução cultural, intelectual e

até mesmo biológica da humanidade, ora como força motriz da história, ora como pano de fundo

das aspirações humanas. Porém a fé, por si só é vazia de significado, para que se manifeste,

necessita de um catalisador: O Divino.

No presente artigo, busca-se identificar a evolução histórica do Divino (baseado numa visão

eurocêntrica) desde sua origem, nos primórdios da humanidade até o apogeu de sua influência

opressora, na Idade Média, assim como sua correlação ao contexto sóciocultural e até mesmo

biológico de seus respectivos tempos históricos.

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Para tanto, a visão abordada por este artigo parte da observação das correntes místicas,

religiosas, ideológicas e filosóficas predominantes em cada período, cujas origens e durações,

muitas vezes extrapolam este tempo predefinido, remontando, às vezes, do surgimento do ser

humano sedentário e perdurando, outras vezes, até os dias atuais. Também é necessário expor, que

as culturas e sociedades abordadas referem-se apenas àquelas que contribuíram culturalmente, de

forma predominante, para a formação sociedade ocidental atual, sendo que outras culturas e

sociedades não são analisadas.

Com base em uma análise crítica da literatura especializada, o presente artigo opta por

abandonar a neutralidade ideológica em detrimento de um posicionamento fundamentado no

humanismo secular, tanto pelo seu discurso estritamente científico-fenomenológico, tanto pela sua

total alienação religiosa, necessária para um estudo que visa abordar diversas formas de crença.

Partindo de uma sequência que visa elucidar progressivamente o ponto de vista abordado, o

artigo inicia-se com uma breve discussão sobre o conceito do Divino, para então partir para o

estudo da representação do Divino na Pré-História: a origem do divino como força da natureza;

Idade Antiga: o Divino como o próprio Homem, e Idade Média: o Divino antropomórfico, como

unificador e opressor.

Por fim, estabelece-se uma análise causal entre o passado do Divino e o presente, tecendo

comparações e críticas, bem como divaga sobre possíveis pressupostos a serem abordados em um

trabalho futuro, sequencial a este artigo.

2 O DIVINO

O ser humano é o único animal conhecido que possui consciência de passado e futuro, assim

como da própria morte. Tal fato leva a relacionar a um outro aspecto muito mais complexo,

resultado dessa consciência: o ser humano é o único animal que busca transcender a própria

existência e para isso, lança mão do recurso da "fé".

Não é necessário dizer que a fé é uma característica única do ser humano, e pode ser

basicamente conceituada em três palavras: crença, confiança e crédito (BADEM, 1985, p. 26).

Porém, o conceito de fé per si não se sustenta sem que haja uma catalisador, um avatar prático e

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"concreto" no mundo real. A esse catalisador/avatar, atribue-se o conceito de " Divino".

Seria errado tratar o Divino como Deus, da mesma forma que fé em relação à religião,

embora a atual sociedade se esforce ativamente na tentativa de atribuir à fé o conceito de religião.

Torna-se necessário esclarecer este absurdo: religião é apenas um aspecto severamente limitado da

fé, uma tentativa antinatural de corromper a ânsia transcedental do ser humano à um conjunto de

regras e dogmas sistematizado, mas de pouca empregabilidade, embora traga dentro de si algumas

das regras naturais de moralidade, inerentes ao ser humano, fruto do processo evolutivo de seleção

natural, como exposto por Richard Dawkins (2006, p.286):

Temos [...] quatro motivos darwinianos para que os indivíduos sejam altruístas, generosos ou 'morais' uns com os outros. Em primeiro lugar, há o caso especial do parentesco genético. Em segundo, há a replicação: o pagamento dos favores recebidos, e a execução de favores 'antecipando' seu pagamento. Depois desses vem, em terceiro lugar, o benefício darwiniano de adquirir uma reputação de generosidade e bondade. E, em quarto, [...], vem o benefício adicional específico da generosidade conspícua, como forma de comprar uma propaganda autêntica e impossível de falsificar.

Neste sentido, até mesmo um ateu pode possuir fé, tendo como Divino sua crença e devoção

para com a raça humana, por exemplo.

2 A ORIGEM DO DIVINO: PRÉ-HISTÓRIA

Pode-se dizer que o desejo humano de transcender-se, consequentemente, o Divino, surgiu

do medo da morte inevitável, aliado à observação do caráter cíclico da natureza. O humano

primitivo, ao perceber que as estações sempre se repetiam, num ritmo imutável através dos tempos,

que o sol sempre ressurgia a cada dia, que as mesmas flores, plantas e frutos voltavam a aparecer

em determinada época, todos os anos, começou a nutrir a esperança de que o mesmo acontecia com

a própria vida, através de um processo de reencarnações.

À medida que este conceito de vida após a morte foi se difundindo começavam a surgir

rituais relacionados à morte, os ritos fúnebres, onde o morto era enterrado com seus melhores

pertences, para que pudesse usá-los em sua passagem para outras vidas.

Além da angústia gerada pelo medo da morte, os primeiros seres humanos também estavam

a mercê da natureza e de um mundo misterioso onde uma série de processos e transformações

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naturais, aparentemente inexplicáveis ocorriam à sua volta. Foi quando, à cerca de 30 mil anos,

surgiu uma nova forma de ver o mundo: a arte.

Esta arte é talvez a primeira evidência indireta do uso da nova linguagem para a criação de mitos. É possível que fosse usada por xamãs tribais como instrumento de controle social, sob a forma de explicações mágicas para processos naturais que só eles conheciam. A natureza autoritária dessas explicações pode ter conferido um poder mágico aos xamãs, que usavam seu conhecimento misterioso para prever os fenômenos naturais. Essa arte pode ter sido usada para formar cenários ritualísticos em ocasiões cerimoniais. Ela ocorre primeiro nas cavernas, lugares provavelmente sagrados em cujas paredes os xamãs e seus assistentes pintavam imagens de animais e onde realizavam cerimônias de iniciação [em algumas cavernas, os pisos de lama endurecida exibem sinais de pés dançando]. O propósito das pinturas parece ter sido o de aplacar as forças da natureza, das quais a comunidade dependia (BURKE;ORNSTEIN, 1998, p.45).

Percebe-se aí, o surgimento de um outro aspecto, muito ligado à história do Divino: a

opressão pela fé, consequentemente, a criação de uma elite dentro do grupo social, formada por

aqueles que detinham o conhecimento da natureza e dos rituais.

Porém, esta forma de poder não podia se sustentar em uma comunidade onde cada indivíduo

se tornava cada vez mais especializado dentro de um grupo que só evoluía e crescia devido à essa

diferenciação de afazeres: o caçador, o coletor, o guerreiro, o xamã, etc.

A consequente necessidade, por parte dos líderes tribais, de manter unidos grupos cada vez mais heterogêneos sob condições cada vez mais difíceis pode ter, por outro lado, gerado a necessidade de encontrar-se uma fonte de autoridade ainda maior e mais poderosa que eles próprios.

As pinturas encontradas na caverna-santuário de Trois-Frères, no sul da França, contêm a representação de um ser meio-homem meio-cervo1 batizado pelos arqueólogos de ‘O feiticeiro’, que pode ser uma das primeiras figurações da nova autoridade: um deus que conservava o bem-estar da comunidade em seu poder e que só podia comunicar-se com o líder através da mediação do xamã2. No meio ambiente em constante mutação daqueles tempos, a introdução deste tipo de mitologia sobrenatural pode ter tornado mais eficaz a hierarquia de comando e consolidado a unidade do grupo face às tensões sobre ele colocadas pelo temor de que o clima se tornasse ainda pior e a sobrevivência ainda maisprecária (Ibid, p. 46).

Surgia, entre os seres humanos, a consciência mítica, que é a tentativa de se explicar os

fenômenos naturais, assim como a própria existência. Deve-se salientar que esta forma de

1 Curiosamente, esta é a representação mais comum do Contra-Divino cristão Lúcifer. Este erro se dá devido ao costume cristão de tornar os símbolos de outras religiões como algo negativo, pecaminoso.2 É necessário dizer que outra figura mítica recorrente nesse período é à da mãe terra, também conhecida como a Vênus do paleolítico. Aparentemente, é a única representação do Divino que sempre foi venerada ao longo de toda a história, sob a forma de Ísis, no Egito; Gaia, Hera e Juno, na Grécia e Roma Antiga; Sofia, para os filósofos, alquimistas e iluministas; Maria, para os cristãos, entre outras tantas.

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representação do Divino, especialmente o culto à Mãe Terra e ao Deus Galhudo/Chifrudo e suas

variações, foi a mais significativa em toda a história da humanidade ocidental eurocêntrica, cuja

vigência (se ignorarmos o fato de que Javé/Maria são um reflexo desta representação) corresponde a

três quartos de toda a história cultural humana.

3 O DIVINO COMO REFLEXO DA HUMANIDADE: IDADE ANTIGA

3.1 AS CIDADES

O mesmo processo de observação da natureza que levou o ser humano a construir o Divino

para seu consolo existencial e controle social, permitiu a ele descobrir o funcionamento do ciclo

vital das plantas e dos animais. Com este conhecimento em mãos, o ser humano passaria a se

libertar dos temores que os caprichos da natureza lhe inspiravam.

O surgimento das primeiras cidades, que só foram possíveis graças à agricultura e a

pecuária, de um lado libertaram o ser humano dos problemas comuns à uma vida nômade: incerteza

quanto ao futuro, escassez de alimentos, ataques de animais ferozes e peçonhentos, doenças

causadas pelas intempéries, entre outros; porém, por outro lado, criaram novos problemas.

Nunca antes na história humana, tantos indivíduos estiveram reunidos num mesmo lugar. As

dificuldades que outrora obrigavam as pessoas a se unirem para garantir sua sobrevivência, agora

eram superadas pelas estruturas cosmopolitas, acentuando ainda mais as diferenças e

consequentemente, gerando inúmeras tensões sociais.

As antigas divindades não eram mais capazes de suprir a demanda de controle social, pois

não ofereciam respostas nem proteção contra os novos problemas citadinos: as epidemias, a

violência urbana, as diferenças sociais, a convivência conturbada, etc., apenas prometiam proteger

contra problemas de certa forma já superados.

Em resposta a isso, surge uma nova forma de representação do Divino: o Divino voltado ao

ser humano. Se antes o homem via-se na condição de pertinente à natureza, agora, reunido em

cidades, controlando o ciclo vital a seu favor, por meio da agricultura e da pecuária, ele se vê acima

de sua condição natural, portanto, dotado de poderes sobre o mundo.

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O novo Divino apresenta-se como igual ao homem, porém, muito mais poderoso. Sua

função é fundamentar regras comuns de conduta: as leis, os costumes e a moral, assim como

responder questionamentos muito mais abrangentes em relação à própria existência humana.

Por ser semelhante ao ser humano, o novo Divino possui defeitos igualmente humanos, a

bondade não é mais uma premissa obrigatória, sendo que a principal características dessas novas

divindades é seu caráter vingativo. O que possibilita às elites sacerdotais agirem com extrema

brutalidade e violência3, garantindo maior controle sobre outras classes.

Como representa o ser humano, de comportamentos e diferenças individuais muito diversas,

o politeísmo é característica predominante desta época histórica, sendo que era comum que deuses

entrassem em conflito. O conceito de um deus ou conjunto de deuses únicos, que representassem

toda a verdade ainda não era difundido e como as guerras eram comuns nesta época,

consequentemente, o intercâmbio cultural, não raro, divindades semelhantes sincretizavam-se em

outras.

Neste processo, como resultado sincrético do agrupamento de uma série de divindades

sumérias, egípcias, persas, entre outras, uma pequena nação subdesenvolvida de pastores nômades

cria uma divindade única: El, que mais tarde seria responsável pelo surgimento das três grandes

religiões monoteístas do mundo.

3.2 GRÉCIA

Na Grécia Antiga uma nova formas de representação do Divino surge de forma totalmente

revolucionária: O deus a serviço do homem e o deus-homem questionador.

O panteão grego, muito semelhante aos demais deuses dos povos antigos em sua forma,

passa a se diferenciar em seu objetivo principal. A mítica grega estava relacionada quase que

exclusivamente à resposta aos questionamentos naturais, humanos e existenciais. Os gregos não se

3 Jeová, também conhecido como Javé, El, Demiurgo, Yahveth, JVH, ou simplesmente o Deus cristão, muçulmano e hebraico é originalmente oriundo desta época, daí suas características predominantes de sanguinolência e vingança.

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viam comandados pelos deuses, mas sim, à parte deles e sua relação, estritamente pragmática, era

mais baseada em uma espécie de “troca de favores4”, por meio de sacrifícios e oferendas do que em

culto propriamente dito (embora houvessem cultos na Grécia Antiga).

Porém, novas mudanças surgiriam na Grécia à partir da adoção de um sistema de escrita

totalmente inovador, fácil de se aprender e reproduzir: o sistema alfabético:

Com o alfabeto grego, os humanos tinham pela primeira vez um ‘sistema de armazenamento de dados’ fácil de usar que compensava as consideráveis limitações da memória. A memória imediata só sobrevive sem repetição por dois segundos, e os seres humanos só podem manter de cinco a sete itens em seu estoque temporário. Mais que tudo, o sistema é muito vulnerável a interferências, como se pode ver na memória da testemunha, sabidamente não confiável

[...]

[...] A introdução das letras gregas e, de um modo mais geral, a literatura por elas gerada, iriam alterar o caráter da Cultura humana e diferenciar as sociedades alfabéticas de suas contemporâneas orais. Elas tornaram possível a forma democrática de governo e um sistema educacional mais rápido e eficaz. As crianças não mais precisariam memorizar centenas de ícones e o conhecimento da comunidade não precisava mais se afogar em recitações poéticas longas e difíceis como fora, na Grécia, por milhares de anos. Mais importante que tudo, talvez o alfabeto [...] [fosse uma das tantas inovações] que iriam mudar o modo de funcionamento do cérebro humano e, por conseguinte, a maneira de os humanos alfabéticos encararem a si mesmos e sua relação com o mundo. (Ibid., p.86-87).

Com base nisto, nasce uma concepção única, inovadora do Divino, capaz de eliminar a

necessidade de entes sobrenaturais para explicar o mundo e exorcizar o medo da morte: a Filosofia.

Com a proposta de buscar os questionamentos básicos que levariam à resposta sobre a

verdade apenas pelo exercício do pensamento, a filosofia grega iria fundamentar toda a cultura

ocidental à partir de então.

Epicuro, um dos mais importantes filósofos gregos sintetiza esta nova forma de pensar, o

novo Divino, o homem-questionador, como “[...] uma ‘medicina da alma’, cujo objetivo último é

nos fazer compreender que ‘a morte não deve amedrontar’” (FERRY, 2007, P. 24). Para tanto,

sugere quatro formas de se encarar o mal de todos os mortais “Os deuses não devem ser temidos, a

morte não deve amedrontar, o bem é fácil de conquistar, o mal é fácil de suportar”(Ibid., p. 24).

4 Pode-se ilustrar a relação dos gregos com seus deuses se compará-los à devoção dos atuais fiéis católicos aos “santos”.

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Como agora, o ser humano era o Divino, o ideal transcendental do homem grego seria a

perfeição física e intelectual, valorizava-se (assim como hoje) o ser “primeiro”, a competitividade,

pois apenas um indivíduo forte e saudável, de corpo e mente, poderia ser divino.

Com o fortalecimento da democracia em Atenas, ser o primeiro ainda é importante, mas é preciso convencer os cidadãos que as suas ideias são as melhores. Surgem os sofistas, que ensinavam a arte de argumentar na Assembleia. [...] Para muitos sofistas, como Pitágoras [...], o certo e o errado eram questão de pontos de vista, e o importante era saber defendê-lo [sic]. [...] Sócrates e Platão [...] acreditavam, contudo, que a mente humana é capaz de conhecer a verdade por meio do questionamento incessante das ideias estabelecidas. Num método envolvendo perguntas e respostas [maiêutica], Sócrates tentava levar seus interlocutores a encontrar por si próprios as soluções para as questões propostas [...] (AVENTURAS NA HISTÓRIA, p.32).

Da mesma forma, Aristóteles proporia um novo sistema, a lógica, base da razão. Aplicada ao

mundo natural: Biologia, Física, Matemática, Astronomia, entre outras, a lógica aristotélica

preenchia muitas das lacunas do conhecimento sobre a natureza, de modo que, embora fosse

incapaz de responder a todas as perguntas, esta nova forma de se investigar a realidade superava em

muito as respostas sugeridas pelos mitos e pela religião.

Porém, nem mesmo os homens-Divino gregos seriam capazes de sobreviver aos próprios

conflitos e ao poder de um novo e grande império: Roma. Uma a uma suas cidades-estado caíram, e

Atenas, o berço da filosofia, embora subjugada, deixaria sua marca no mundo por muito tempo.

Roma preservou muito do conhecimento grego, difundindo-o por toda a grande extensão de

seu império. Porém, antes de cair, Roma imporia uma nova e grande mudança.

4 IDADE MÉDIA: O DIVINO OPRESSOR

Derivada de uma antiga crença monoteísta, oriunda de um povo da Idade do Ferro e

atualizada segundo a interpretação de um suposto “messias5”, uma nova crença antifilosófica e

dogmática, supostamente benevolente, porém ambígua, é tomada como verdade pelo imperador

romano Constantino, O Grande, como forma de controle social no ano de 337 dC.

Este novo Divino, o cristianismo, surge com a proposta de que todos são iguais perante uma

5 Existem sérias evidências de que Jesus Cristo, da forma como é representado nos escritos mitológicos cristãos, jamais existiu, sendo uma compilação de uma série de divindades egípcias, gregas e persas, tais como Hórus e Mythra.

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divindade suprema, e que a morte não deve ser tomada como um mal, mas sim uma passagem para

um mundo – se o indivíduo for bom – melhor, paradisíaco.

Além do conceito de igualdade, o cristianismo apresenta uma outra grande novidade em

relação à filosofia grega: todas as questões estão resolvidas, e se algo não é do entendimento do

indivíduo comum, ele não deve ser questionado, pois pertence a Deus, e as razões de Deus são

insondáveis6. A salvação é individual, e não depende do questionamento da realidade, pois a

“bondade de Deus” é tamanha, que ele deixou prontas as simples regras para se atingir a vida

eterna.

Um outro aspecto interessante é o que diz respeito ao sofrimento. Para o cristianismo, o

sofrimento é desejável, pois purifica a alma, e se as condições de vida são difíceis, elas não são

resultado das pressões sociais, mas sim, tentações e provas divinas. À partir deste mecanismo

gerador de indivíduos dóceis e irracionais, a Igreja católica controlou, com mão de ferro, toda a

Europa e até parte da América por cerca de mil anos.

Porém, uma parcela da Igreja, formada por intelectuais, questionava este dogmatismo

exacerbado e a falta de uma filosofia cristã, o que impedia o exercício da razão por parte dos

cristãos. Não seria possível queimar/ torturar (como era de costume) todas estas vozes, pois muitos

eram membros influentes do clero, assim como leais aliados da Igreja.

Foi quando a Igreja Católica mudou sua atitude em relação à filosofia, pois, conforme seria

explícito por Tomás de Aquino e Santo Agostinho, que viriam a associar o cristianismo à filosofia

grega:

[...] Embora a doutrina cristã de salvação não seja filosófica, não deixará de haver, no seio do cristianismo, lugar para o exercício da razão. Ao lado da fé, a inteligência racional vai encontrar modo de se exercer pelo menos em duas direções: por um lado, para compreender os grandes textos evangélicos, quer dizer para meditar e interpretar a mensagem de Cristo, mas, por outro, para conhecer e explicar a obra da natureza que, enquanto obra de Deus, deve certamente trazer em si, algo como a marca de seu criador (FERRY, 2006, p. 75).

Porém, a forma cristã de se ver o mundo entrou em declínio com o aumento do comércio na

Europa, a ascensão da burguesia e, principalmente, o surgimento de um movimento que visava

6 É, provavelmente, graças a esta armadilha filosófica que o cristianismo continua prosperando na atualidade.

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restaurar os ideais greco-romanos: o Renascimento. Com o Renascimento, O Homem aos poucos

voltava a tomar seu lugar de direito: o de Divino, O Homem por si só, a Humanidade como centro

das atenções da humanidade, por intermédio do pensamento observador/questionador: a Ciência.

É certo que o dogmatismo cristão ainda se faz presente na sociedade atual, mas é só um

remanescente em decadência do terrível poder opressor de outrora, e é possível que, muito em breve

se extinguirá, pois como diria Ralph Waldo Emerson (apud. DAWKINS, 2006, p. 53): “A religião

de uma era é o entretenimento literário da seguinte”.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É fato que o ser humano sempre criou para si deuses e mitos. Também é fato que em todos

os lugares do mundo há uma religião dominante. O mito e o Divino são parte integrante da história

humana, e a cultura teve, nas entranhas do mito a sua origem

Porém, o Divino e o mito (por conseguinte a religião) não são as mesmas coisas. O mito

sempre esteve presente onde não haviam respostas, como um placebo para a angústia da ignorância

inerente a todo o ser humano, que nasce sem conhecer o mundo em que vive. O Divino é a

aspiração básica, a matéria formadora do mito, da religião, e de forma mais evoluída, do

conhecimento científico, das aspirações morais mais elevadas e ferramenta da eterna busca pela

felicidade.

Surgido da observação de seu meio, da natureza, o Divino partiu do homem para o mundo,

modificando-o, muitas vezes afastando-o de sua verdadeira essência, culminando na cegueira

religiosa medieval. Porém, o Divino sempre retorna ao seu princípio: o Ser Humano, que ignorante

da totalidade de sua existência e, engatinha a duras penas o caminho da busca pela verdade.

Partindo do ponto deixado em aberto por este trabalho, um estudo mais detalhado do Divino

poderia elucidar muitas das lacunas deixadas pelo presente artigo, assim como uma possível

sequência, retomando o estudo à partir da Idade Moderna, Contemporânea e traçando uma possível

previsão para o futuro do Divino no seio da Humanidade.

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REFERÊNCIAS

AVENTURAS NA HÍSTÓRIA. São Paulo: Abril, Aventuras na História 68, mar. 2009.

BURKE, James; ORNSTEIN, Robert. O presente do fazedor de machados: os dois gumes da história da cultura humana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

DAWKINS, Richard; Deus: um delírio. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

FÉ. In: BADEM, Enciclopédia. 14ª ed. São Paulo: Livraria Editora Iracema, 1985. v. 4. p. 26.

FERRY, Luc; Aprender a viver: filosofia para os novos tempos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.