vulnerabilidades estruturais

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Vulnerabilidades estruturais A coluna de Armando Cavanha Filho [27.09.2013] 17h07m / Por Armando Cavanha Filho Os estrangeiros não precisam nos espionar. Eles são os primeiros a ter as informações sobre nossa sísmica, poços, reservas, reservatórios. Muito antes de nós mesmos. A cadeia produtiva do petróleo, na fase exploratória, é constituída de aquisição geofísica, processamento e interpretação. A sísmica em águas profundas é feita por barcos e sistemas sofisticados americanos ou europeus (PGS, Western, CGG, etc.). Os primeiros a ver e gravar os dados não são os brasileiros. Quando os recebemos, eles já foram salvos automaticamente nos equipamentos estrangeiros. Em perfilagem de poços três empresas dominam o mercado mundial, todas estrangeiras (Schlumberger, Halliburton, Baker). Nos escritórios, os dados são armazenados em sistemas operacionais e máquinas do exterior. A estrutura de banco de dados e o software é todo estrangeiro (Oracle, Landmark, etc.). Enviar dados na atualização de versões dos aplicativos é possível, mas não deve ser comum, pois as consequências são graves. A confiabilidade e a competição entre elas pode eliminar do mercado alguém que vaze dados. Restam-nos a interpretação e as reuniões de locação. Que também são feitas por mecanismos eletrônicos estrangeiros, como bancos de dados e aplicativos, salas de visualização, de Oracle, Landmark, Schlumberger, entre outras. Portanto, “espionar” seria o termo correto? Não seria preferível entender que esses provedores são parceiros tecnológicos em atividade produtiva mundial? Em qualquer lugar do mundo essas empresas têm as tecnologias utilizadas em processos exploratórios, descobertas, desenvolvimentos. Há muitos e muitos anos. Os e-mails são enviados por sistemas estrangeiros (Lotus Notes, Microsoft Outlook e até Gmail, Yahoo, Hotmail). Estudos de reservatórios? As ferramentas são quase todas de fora. Sem falar nos programas para desenvolvimento da produção. Muitos dados já migram diretamente para a nuvem, armazenados em servidores fora do país. Poderia elencar centenas de operações internas em uma companhia de petróleo e suas vulnerabilidades. Essas tecnologias não são brasileiras, mas a gestão delas sim, bem como as escolhas, as configurações, a contratação. Então, onde reside a nossa diferença? Temos um quadro de geofísicos, geólogos e engenheiros de reservatório notável. E o carro-chefe dessa história de sucesso é a Petrobras. Sem ela não se sabe o que teríamos, talvez nem o pré-sal. Claro, o passado não garante o futuro, mas ele foi mais de acertos que de erros, muito investimento em capacitação, um oásis intelectual nacional. Apesar de todos os problemas, como influências políticas, limitações nas contratações e por vezes funções também de Estado. O Brasil ainda tem um longo caminho. Desenvolver a indústria brasileira que suporta a atividade de petróleo é um desafio enorme. Passa por educação, treinamento, investimento em pesquisa, uma pitada de nacionalismo e muita organização, sobretudo mental. E continuidade. A cada interrupção de processo exploratório tudo desmorona. Ficamos cinco anos com discussões políticas e em poucos meses desaguamos várias rodadas de concessões e partilha da produção, tudo ao mesmo tempo. O que haverá no ano que vem? E no próximo? Como se faz planejamento e investimento com tanta incerteza? Essa flutuação causa desconfiança, desinvestimento. Decisões que aparentam mais autoridade do que competência. Portanto, em vez de ficarmos desconfiados e decepcionados com a tal “espionagem”, melhor seria combinar esforços, aprender, capturar conhecimento, fazer colaboração e harmonia, pois a atividade de petróleo simplesmente não existe sem estrangeiros. Pelo menos atualmente. Não há magia. Tem de haver trabalho duro, pesado, sequente. Resultados são do conjunto, apesar de haver méritos individuais. Não há atalhos ou política milagrosa. Tanto a nova geopolítica em construção como as tecnologias substitutas do petróleo contarão uma nova história, que não sabemos ainda qual será. É viver para ver. Excepcionalmente a coluna de Armando Cavanha Filho está sendo publicada este mês E-mail [email protected]

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Vulnerabilidades estruturais A coluna de Armando Cavanha Filho

[27.09.2013] 17h07m / Por Armando Cavanha Filho

Os estrangeiros não precisam nos espionar. Eles são os primeiros a ter as informações sobre

nossa sísmica, poços, reservas, reservatórios. Muito antes de nós mesmos.

A cadeia produtiva do petróleo, na fase exploratória, é constituída de aquisição geofísica,

processamento e interpretação. A sísmica em águas profundas é feita por barcos e sistemas

sofisticados americanos ou europeus (PGS, Western, CGG, etc.). Os primeiros a ver e gravar os

dados não são os brasileiros. Quando os recebemos, eles já foram salvos automaticamente nos

equipamentos estrangeiros. Em perfilagem de poços três empresas dominam o mercado mundial,

todas estrangeiras (Schlumberger, Halliburton, Baker). Nos escritórios, os dados são armazenados

em sistemas operacionais e máquinas do exterior. A estrutura de banco de dados e o software é

todo estrangeiro (Oracle, Landmark, etc.).

Enviar dados na atualização de versões dos aplicativos é possível, mas não deve ser comum, pois

as consequências são graves. A confiabilidade e a competição entre elas pode eliminar do

mercado alguém que vaze dados.

Restam-nos a interpretação e as reuniões de locação. Que também são feitas por mecanismos

eletrônicos estrangeiros, como bancos de dados e aplicativos, salas de visualização, de Oracle,

Landmark, Schlumberger, entre outras.

Portanto, “espionar” seria o termo correto? Não seria preferível entender que esses provedores

são parceiros tecnológicos em atividade produtiva mundial? Em qualquer lugar do mundo essas

empresas têm as tecnologias utilizadas em processos exploratórios, descobertas,

desenvolvimentos. Há muitos e muitos anos.

Os e-mails são enviados por sistemas estrangeiros (Lotus Notes, Microsoft Outlook e até Gmail,

Yahoo, Hotmail). Estudos de reservatórios? As ferramentas são quase todas de fora. Sem falar nos

programas para desenvolvimento da produção. Muitos dados já migram diretamente para a nuvem,

armazenados em servidores fora do país.

Poderia elencar centenas de operações internas em uma companhia de petróleo e suas

vulnerabilidades. Essas tecnologias não são brasileiras, mas a gestão delas sim, bem como as

escolhas, as configurações, a contratação.

Então, onde reside a nossa diferença? Temos um quadro de geofísicos, geólogos e engenheiros de

reservatório notável. E o carro-chefe dessa história de sucesso é a Petrobras. Sem ela não se sabe

o que teríamos, talvez nem o pré-sal. Claro, o passado não garante o futuro, mas ele foi mais de

acertos que de erros, muito investimento em capacitação, um oásis intelectual nacional. Apesar de

todos os problemas, como influências políticas, limitações nas contratações e por vezes funções

também de Estado.

O Brasil ainda tem um longo caminho. Desenvolver a indústria brasileira que suporta a atividade de

petróleo é um desafio enorme. Passa por educação, treinamento, investimento em pesquisa, uma

pitada de nacionalismo e muita organização, sobretudo mental. E continuidade. A cada interrupção

de processo exploratório tudo desmorona. Ficamos cinco anos com discussões políticas e em

poucos meses desaguamos várias rodadas de concessões e partilha da produção, tudo ao mesmo

tempo. O que haverá no ano que vem? E no próximo? Como se faz planejamento e investimento

com tanta incerteza? Essa flutuação causa desconfiança, desinvestimento. Decisões que

aparentam mais autoridade do que competência.

Portanto, em vez de ficarmos desconfiados e decepcionados com a tal “espionagem”, melhor seria

combinar esforços, aprender, capturar conhecimento, fazer colaboração e harmonia, pois a

atividade de petróleo simplesmente não existe sem estrangeiros. Pelo menos atualmente.

Não há magia. Tem de haver trabalho duro, pesado, sequente. Resultados são do conjunto, apesar

de haver méritos individuais. Não há atalhos ou política milagrosa.

Tanto a nova geopolítica em construção como as tecnologias substitutas do petróleo contarão uma

nova história, que não sabemos ainda qual será. É viver para ver.

Excepcionalmente a coluna de Armando Cavanha Filho está sendo publicada este mês

E-mail [email protected]