vulnerabilidade e educacao

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VULNERABILIDADE SOCIAL E EDUCAÇÃO ISSN 1982 - 0283 Ano XX Boletim 19 - Novembro 2010

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Page 1: Vulnerabilidade e Educacao

VULNERABILIDADE SOCIAL E

EDUCAÇÃO

ISSN 1982 - 0283

Ano XX Boletim 19 - Novembro 2010

Page 2: Vulnerabilidade e Educacao

Sumário

Vulnerabilidade social e educação

Apresentação da série ................................................................................................. 3

Rosa Helena Mendonça

Proposta da série ......................... ............................................................................ 5

Martina Ahlert

Texto 1 - Educação e pobreza

Educação e pobreza: provocações ao debate ......................... .................................. 11

Jane Margareth de Castro

Texto 2 - intersetorialidade e vulnerabilidade

Vulnerabilidade, intersetorialidade e educação......................... ................................ 15

Cynthia Paes de Carvalho e Patrícia Monteiro Lacerda

Texto 3 - Compartilhando experiências......................... ............................................. 22

Daniela Peixoto Ramos

Page 3: Vulnerabilidade e Educacao

3

Vulnerabilidade social e educação

APrESENTAÇÃo DA SÉriE

O menino Tonho

mexendo no lixo

achou um sonho

e pôs-se a sonhar.

(…)

O sonho era duro

e estava mofado.

E ele desistiu

de sonhar acordado1.

Como garantir a todas as crianças o direito

de sonhar? De que forma a educação, sendo

ela mesma um direito constitucional, “pode

ser ferramenta de combate à desigualdade

social”? Essa é uma das questões presentes

na série Vulnerabilidade social e educação,

que a TV Escola apresenta, por meio do pro-

grama Salto para o Futuro.

Ao trazer para o centro do debate “as tra-

mas da relação complexa entre pobreza e

educação no Brasil” e o “reconhecimento

da vulnerabilidade social como fenômeno

de múltiplas dimensões”, a série, que conta

com a consultoria da antropóloga Martina

Ahlert (DAN-UnB), problematiza questões

como a intersetorialidade na gestão das po-

líticas educacionais, a relação entre a escola

e a família e, ainda, apresenta iniciativas de

acompanhamento dos alunos em situação

de vulnerabilidade.

Tanto nos textos que compõem esta publica-

ção como nos programas televisivos, busca-

se entender de que forma variáveis como

renda, gênero e raça dificultam o acesso, a

permanência e o sucesso dos alunos na es-

cola, em nosso país.

Acreditamos que a temática, por sua urgên-

cia e relevância, contribuirá para a reflexão

de professores, gestores e demais envolvidos

1 Desistência. In: DINORAH, Maria. Barco de sucata. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986.

Page 4: Vulnerabilidade e Educacao

4

nos cotidianos das escolas, considerando o

significado social da instituição escolar na

promoção de uma sociedade equânime em

que, como o poema em epígrafe retrata,

crianças não sejam impedidas de sonhar

com uma realidade mais justa.

2 Supervisora pedagógica do programa Salto para o Futuro/TV ESCOLA (MEC).

Rosa Helena Mendonça2

Page 5: Vulnerabilidade e Educacao

5

Vulnerabilidade social e educação

ProPoSTA DA SÉriE

Martina Ahlert1

A relação entre educação e pobreza perpas-

sa diversos debates que educadores e ges-

tores públicos têm se colocado ao pensar

a educação no Brasil: Quais são os impactos

da vulnerabilidade social na trajetória escolar

de um aluno? A educação pode ser ferramen-

ta de combate à desigualdade social? Em que

medida reproduzimos a desigualdade na – e a

partir da – escola? As perguntas são comple-

xas e extrapolam a competência da escola,

dos responsáveis e familiares dos alunos ou

da gestão pública, quando cada uma destas

instituições é pensada isoladamente.

Todos nós temos refletido sobre estas ques-

tões a partir de experiências empíricas de

trabalho, de discussões com os colegas, de

resultados de pesquisas e programas que re-

metem a essas temáticas. Esta série do pro-

grama Salto Para o Futuro é um convite para

pensarmos juntos as tramas da relação com-

plexa entre pobreza e educação no Brasil.

A complexidade desta relação provém das re-

alidades com as quais lidamos: as trajetórias

de crianças e adolescentes provenientes de

famílias em situação de vulnerabilidade so-

cial. Por um lado, partimos do pressuposto

de que “há uma estreita relação entre desi-

gualdades sociais e as diferenças de acesso e

sucesso no sistema escolar” (Barbosa, 2009)

– de maneira que a variável ‘renda’, hoje, é

a mais impactante no acesso e na perma-

nência dos alunos na escola no Brasil2 (em

relação às variáveis gênero e raça, segundo

os dados da Pnad, 2008). Por outro lado, con-

cordamos que as experiências de vulnerabili-

dade social são multifacetadas, assim como

são as experiências de vida dos alunos.

Neste sentido, um dos desafios ao tratar da

relação entre educação e pobreza é partir do

1 Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade de Brasília (DAN-UnB). Consultora da série.

2 Se, por exemplo, lançarmos mão dos dados da Pnad 2008 sobre os anos de escolaridade de pessoas de 25 anos (os 25% mais ricos e os 25% mais pobres da população brasileira) podemos indicar uma diferença significativa: os 25% mais ricos, em 2007, tinham como média 12 anos de escolaridade; por sua vez, para o grupo dos mais pobres os anos de estudo caem pela metade. Os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios) podem ser encontrados no site: www.ibge.gov.br

Page 6: Vulnerabilidade e Educacao

6

acesso universal à educação – de fazer valer

o direito de aprender a todos e todas – mas,

também, para além disso, pensar estratégias

específicas e particulares que se relacionam

com o contexto social com o qual estamos

lidando. É um desafio para as escolas na me-

dida em que todas estas questões ingressam

no ambiente escolar, colocando em questão

metodologias de ensino e práticas unifor-

mes de trabalho.

O reconhecimento da vulnerabilidade social

como fenômeno de múltiplas dimensões

coloca no centro do debate três elementos:

a intersetorialidade na gestão das políticas

educacionais, a relação entre a escola e a

família (ou o contexto social no qual está

inserida a escola) e as iniciativas de acom-

panhamento da frequência dos alunos em

situação de vulnerabilidade. O primeiro des-

tes elementos, a intersetorialidade, é uma

estratégia de gestão que dialoga diretamen-

te com a visão multifacetada da pobreza,

concebendo-a não apenas economicamente,

mas também como formada por fatores cul-

turais, sociais, familiares, intergeracionais e

individuais. A intersetorialidade é um olhar

baseado na integralidade e, desta forma, no

enfrentamento coletivo da pobreza, pela ar-

ticulação de redes entre diferentes serviços,

órgãos governamentais e não-governamen-

tais (Bronzo e Veiga, 2005; Bronzo, 2007):

Portanto, para fazer frente à problemá-

tica da pobreza crônica levando em con-

ta sua complexidade, a consequência é

desenhar estratégias de intervenção

capazes de abranger distintos setores

das políticas públicas, remetendo à atu-

ação conjunta e necessária de diversos

programas e iniciativas sociais (Bronzo,

2007, p. 9).

Ao potencializar o atendimento de famílias

vulneráveis a partir da intersetorialidade

busca-se, ainda, fortalecer o papel da esco-

la. Sabemos que a escola é o espaço onde

aparecem muitos dos fatores de vulnerabi-

lidade trazidos pelos alunos, o que constitui

a escola como um local de escuta e conhe-

cimento das experiências de vida dos mes-

mos. Estes fatores vêm à tona na escola por-

que interferem na permanência de alunos

vulneráveis, bem como no seu aprendizado.

Daí a relevância de que a escola esteja aten-

ta aos mesmos. Contudo, sabemos também

que a escola sente-se sobrecarregada ao ter

que lidar com todos os problemas que a al-

cançam. Neste sentido, uma das intenções

desta série do programa Salto para o Futuro

é apontar para a intersetorialidade ao des-

tacar uma rede de proteção social que pode

estar articulada com as escolas no acompa-

nhamento dos alunos em situações de vul-

nerabilidade.

Dito isto, somos levados ao segundo ele-

mento mencionado acima: a relação entre a

escola e a família (a comunidade ou o con-

texto). A UNESCO e o Ministério da Educa-

Page 7: Vulnerabilidade e Educacao

7

ção publicaram, no ano de 2009, um relató-

rio composto de um conjunto de subsídios

tratando da interação entre escola e famí-

lia. Quando se pensa sobre esta interação,

um dos questionamentos possíveis trata da

função da escola quando ela se remete ao

contexto no qual se localiza. Versando sobre

esta preocupação, o relatório acima citado

destaca que “aproximar-se da vida de cada

um dos alunos é uma forma de conhecer,

reconhecer e utilizar as lições da realidade

a favor de sua aprendizagem” (Castro e Re-

gattieri, p. 59). Um olhar atento à realidade

social da qual provém o aluno, neste senti-

do, se conjuga com as preocupações peda-

gógicas da escola.

Por um lado, notamos que a escola não

pode mais se distanciar do contexto social

no qual vivem seus alunos, transformando

preocupações tidas como exteriores à esco-

la em preocupações das próprias escolas.

Por outro lado, podemos notar outro mo-

vimento importante: nas políticas públicas

e sociais de combate à pobreza no Brasil,

a educação tem sido concebida como fun-

damental. Hoje, por exemplo, no Programa

Bolsa Família – programa do Governo Fede-

ral de transferência condicionada de renda

– há uma conjugação da política de assistên-

cia social com as políticas de educação e de

saúde. A partir desta iniciativa, o Ministério

da Educação acompanha nominalmente a

frequência e a permanência na escola de

cerca de 16 milhões de alunos em situação

de vulnerabilidade em todo o Brasil3.

O acompanhamento da frequência destes

alunos é antes um ponto de partida do que

um ponto de chegada: ele nos coloca diante

de discussões importantes, relativas à qua-

lidade do ensino, à permanência na escola

e ao aprendizado. Qualificar estas consta-

tações, contudo, não pode ser um pretexto

para nos imobilizarmos. Deve ser, sobretudo,

um incentivo para reconhecermos os novos

desafios que esta situação traz para gesto-

res e escolas. Estamos diante de uma nova

situação no Brasil: o aumento do acesso e

da permanência dos alunos em situação de

vulnerabilidade ao ambiente escolar (Castro

e Regattieri, 2009). Este cenário sugere que a

inter-relação das variáveis ‘pobreza ‘ e ‘edu-

cação’ sejam pauta de nossas agendas como

gestores, educadores e pesquisadores.

3 Este dado remete às crianças e adolescentes de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família. Para mais informações, ver texto 3 desta série.

Page 8: Vulnerabilidade e Educacao

8

TExToS DA SÉriE VuLnERABiLiDADE sOCiAL E EDuCAçãO4

Esta série tem como proposta pensar as tramas da relação complexa entre pobreza e educação

no Brasil. A complexidade desta relação provém das realidades com as quais lidam professores

e gestores: as trajetórias de crianças e adolescentes provenientes de famílias em situação de

vulnerabilidade social. Ao tratar da relação entre educação e pobreza, o desafio é assegurar o

direito de acesso universal à educação, propondo estratégias específicas e particulares relacio-

nadas ao nosso contexto social. O reconhecimento da vulnerabilidade social como fenômeno

de múltiplas dimensões coloca no centro do debate três elementos: a intersetorialidade na

gestão das políticas educacionais, a relação entre a escola e a família (ou o contexto social

no qual está inserida a escola) e iniciativas de acompanhamento da frequência dos alunos em

situação de vulnerabilidade.

TExTo 1: EDuCAÇÃo E PobrEzA

Educação E pobrEza: provocaçõEs ao dEbatE

O primeiro texto da série pretende contextualizar as discussões sobre educação e pobreza

pensando no acesso e nas trajetórias escolares de alunos provenientes de contextos de vulne-

rabilidade social. A educação tem papel central na reprodução das desigualdades sociais, visto

que alunos oriundos de diferentes situações socioeconômicas têm acesso e permanência desi-

guais no sistema escolar (menor acesso, mais baixa permanência e acesso a escolas de menor

qualidade). Além disso, muitos destes alunos obtêm resultados educacionais que os habilitam

à inserção desigual nas diversas esferas sociais, em especial, no mercado de trabalho. Este

cenário nos faz pensar na necessidade de mudanças no sistema educacional. Estas mudanças

devem garantir tanto o acesso à escola quanto a permanência na escola e a educação de boa

qualidade aos grupos mais vulneráveis, a fim de evitar que a desigualdade social se conjugue

aos processos de desigualdade educacional (Gentili, 2009).

4 Estes textos são complementares à série Educação e Pobreza, com veiculação no programa Salto para o Futuro/TV Escola (MEC) de 22/11/2010 a 26/11/2010.

Page 9: Vulnerabilidade e Educacao

9

TExTo 2: iNTErSEToriAliDADE E VulNErAbiliDADE

O segundo texto da série compreende a vulnerabilidade como composta de múltiplas dimen-

sões. Há um reconhecimento cada vez maior entre gestores e pesquisadores da gestão pública

de que fenômenos multifacetados necessitam de respostas intersetoriais, a partir da articula-

ção das diversas instâncias e atores. Reconhecendo a complexidade das experiências dos alu-

nos que envolvem situações diferentes de vulnerabilidade, o segundo texto esboça um cenário

do sistema de garantia de direitos e de proteção social às crianças e adolescentes. Uma das

considerações que norteiam esta abordagem é pensar quais são as possibilidades de diálogo

que estão ao alcance das escolas e que funcionam como suporte ao lidar com os problemas

sociais trazidos pelos alunos. Além disso, pretende explorar quais são as articulações possíveis

de serem pensadas pelos gestores municipais para integralizar o atendimento às famílias vul-

neráveis.

TExTo 3: ComPArTilhANDo ExPEriêNCiAS

O terceiro texto da série apresenta iniciativas de acompanhamento da frequência dos alunos

provenientes de famílias vulneráveis. O acompanhamento da frequência, nesta perspectiva,

busca combater a evasão escolar e o abandono, além de incentivar o percurso educacional

regular. O Ministério da Educação, por intermédio da DEAVE (Diretoria de Estudos e Acompa-

nhamento das Vulnerabilidades Educacionais) constituiu, para acompanhamento da frequên-

cia dos alunos beneficiários do Programa Bolsa Família, uma rede de atores formada por ope-

radores municipais, coordenadores estaduais e diretores responsáveis pelo acompanhamento

da frequência e pela informação dos motivos de ausência dos alunos na escola. Este texto da

série privilegia o compartilhamento das informações acerca destas experiências, enfocando as

dificuldades e as iniciativas positivas que se desdobram, pelo Brasil, nas atividades de acompa-

nhamento da presença e permanência de alunos na escola. O acompanhamento da frequência

permite uma análise articulada com questões sobre a relação escola-família, sobre a articula-

ção entre escolas e outras instituições pertencentes à rede de proteção social e, desta forma,

sobre situações de vulnerabilidade.

Os textos 1, 2 e 3 também são referenciais para as discussões do PGM 4: Outros olhares sobre Vulne-

rabilidade social e educação e do PGM 5: Vulnerabilidade social e educação em debate.

Page 10: Vulnerabilidade e Educacao

10

rEFErêNCiAS biblioGráFiCAS

BARBOSA, Maria Lígia. Desigualdade e desem-

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ticle=751.

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Ivo. O Direito de Aprender: Potencializar

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UNICEF, 2009.

Page 11: Vulnerabilidade e Educacao

11

TExTo 1

educação e pobreza

educação e pobreza: proVocações ao debate

Jane Margareth de Castro1

A Constituição de 1988 determina que a edu-

cação é direito social básico de todos os ci-

dadãos brasileiros.

Consolida, assim,

um amplo proces-

so de lutas iniciado

com a urbanização

acelerada do país a

partir da década de

1950. Além disso, a

Carta Magna esta-

belece percentuais

mínimos de investi-

mento na área, por

parte dos governos

federal, estadual e municipal, exigindo de

todos os níveis e esferas de governo propos-

tas e projetos para que esse direito se torne

efetivo, de fato. Assim, se 16% das crianças

de 7 a 14 anos estavam fora da escola em

1988, esse índice caiu para 4% uma década

depois. Considerando apenas o Ensino Mé-

dio, as matrículas aumentaram cerca de

57% no período de 1994 a 1999.

A inegável expansão do acesso à escola

não correspondeu, contudo, a uma efeti-

va democratização

da educação nem à

oferta de uma edu-

cação de qualidade,

elementos essen-

ciais para garantir

tanto a permanência

quanto a conclusão

da educação básica

na idade adequada.

O sistema educacio-

nal, ao mesmo tem-

po em que inclui,

exclui parcela significativa das crianças e

dos adolescentes da escola. Os altos índices

de repetência e evasão, evidenciados pelos

sistemas oficiais de avaliação da educação

básica, são fatores de exclusão produzidos

pela própria escola. Este é o grande desafio

que as escolas e sistemas de ensino enfren-

tam até hoje.

1 Psicóloga, pós-graduada em psicologia experimental e gestão de políticas públicas. Trabalha com consultoria, pesquisa e diagnóstico na área de educação.

Os altos índices de

repetência e evasão,

evidenciados pelos sistemas

oficiais de avaliação

da educação básica,

são fatores de exclusão

produzidos pela própria

escola.

Page 12: Vulnerabilidade e Educacao

12

Muitos estudos demonstram uma forte cor-

relação entre desigualdades educacionais

e desigualdades de renda e de condições

de vida. Estudo realizado pelo Instituto de

Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) so-

bre desigualdades na educação mostra que

os indicadores educacionais são piores na

população rural e nas regiões mais pobres

em todas as etapas

da educação básica.

Esse estudo eviden-

cia uma relação de

mão dupla: sem solu-

cionar os problemas

educacionais não se

diminuirá a exclusão;

e sem solucionar os

problemas sociais,

não será possível me-

lhorar os resultados escolares.

A expansão do acesso à escola propôs um

difícil desafio às equipes escolares: propi-

ciar que crianças e jovens de famílias po-

bres, muitas em situação de vulnerabilida-

de social, sejam incluídos no universo dos

conhecimentos historicamente elaborados.

Ou seja, o sistema educacional passou a li-

dar, em seu interior e com cada vez maior

intensidade, com desigualdades sociais pro-

venientes da pobreza.

No entanto, a própria definição de pobreza

não é simples, pela multiplicidade e ampli-

tude de situações a que se aplica. Pode va-

riar de uma região para outra, de um esta-

do para outro, ou até de um bairro a outro

numa mesma cidade. De modo simplificado,

pobreza pode ser definida como a situação

em que a criança, o jovem ou a família não

têm condições de efetivo acesso aos serviços

e bens construídos pela sociedade – como,

saúde, educação, lazer, habitação, cultura –

nem de participação

ativa na vida política

do país. Apreender

as múltiplas e diver-

sificadas dimensões

da pobreza pode aju-

dar os educadores

a compreenderem

melhor o processo

de exclusão origina-

do pela evasão, repe-

tência e pela falta de acesso à escolarização.

Seria ingênuo pensar que as políticas pú-

blicas de educação são o único ou princi-

pal fator de mudança social e de inclusão

educacional. O quadro de exclusão exige

que a educação faça parte de uma política

articulada de desenvolvimento do municí-

pio, do estado, da região e da nação. Isto,

contudo, não justifica qualquer imobilismo,

pois uma parte também pode impulsionar o

todo. Não podemos nos conformar com as

condições sociais e individuais dos nossos

alunos de forma que estas características

justifiquem o fracasso escolar. Pobreza não

significa insucesso escolar. O sistema edu-

O sistema educacional –

em todos os níveis, até o

interior da escola – tem

instrumentos que podem

contribuir para a melhoria

e superação da exclusão.

Page 13: Vulnerabilidade e Educacao

13

cacional – em todos os níveis, até o interior

da escola – tem instrumentos que podem

contribuir para a melhoria e superação da

exclusão.

De acordo com o Art.2º da Lei de Diretrizes

e Bases da Educação Nacional – LDB, a edu-

cação, dever da família e do Estado, inspirada

nos princípios de liberdade e nos ideais de so-

lidariedade humana, tem por finalidade o ple-

no desenvolvimento do educando, seu preparo

para o exercício da cidadania e sua qualifica-

ção para o trabalho.

Não se atinge esse objetivo amplo e demo-

crático sem um projeto de atuação adequa-

do. Daí a importância de a escola avaliar seu

projeto pedagógico, sua prática, sua forma

de atuar e os resultados que está obtendo.

• Que referências a escola tem usado na

construção de seu projeto pedagógico

e das suas metodologias de ensino?

• Os conteúdos têm significado no pre-

sente e para o futuro de seus alunos?

• As metodologias são interessantes e

estimulam o pensamento e a desco-

berta?

• A escola conhece seus educandos,

sabe com quem e em que condições

eles vivem moram, conhece seu con-

texto de vida?

• A escola está atenta para o fato de as

desigualdades de cor, raça, gênero e

condição social e econômica serem

fatores que contribuem decisivamen-

te para as desigualdades de acesso à

educação, de oportunidades de apren-

dizagem e interferem na relação entre

professores e alunos?

• Quais são os conhecimentos e infor-

mações que devem ser revistos, adqui-

ridos e que motivem os professores a

avaliarem suas práticas pedagógicas?

• Sabemos que o apoio e a valorização

da família são fatores importantes no

sucesso escolar dos alunos. Como a

escola vem lidando com esta questão?

Estas questões desafiantes são referência

não só para o projeto pedagógico, mas tam-

bém para a prática em sala de aula e para

a avaliação da aprendizagem. Uma das con-

clusões de um recente estudo elaborado pela

UNESCO em parceria com o Ministério da

Educação indica que não podemos persistir

em práticas homogêneas que desconsiderem

as diferenças dos alunos e obriguem todos a

se conformar a um modelo de aluno esperado.

Além de não ser desejável, isso não é possível.

As diferenças linguísticas, culturais, étnicas,

econômicas, físicas, etc. não podem ser con-

vertidas em desigualdades de desempenho e de

oportunidades. isto significa pensar em proje-

tos político-pedagógicos, políticas e programas

que contemplem todos e cada um dos alunos –

o que não impede que se pense em atendimen-

tos e serviços diferenciados de acordo com suas

necessidades (CASTRO e REGATTIERI, 2009).

Page 14: Vulnerabilidade e Educacao

14

No entanto, sabe-se que a oferta de uma

educação de qualidade não é responsabilida-

de somente das políticas educacionais, pois

o sucesso na aprendizagem e a superação da

exclusão educacional extrapolam as compe-

tências da educação. O desafio está em criar

condições para que nossas crianças e jovens

tenham garantido o direito fundamental

de terem uma educação de qualidade que

lhes permita terem acesso a outros direitos

como saúde, trabalho, lazer, habitação, etc.

rEFErêNCiAS biblioGráFiCAS

BARROS, Ricardo Paes de, Mirela de Carva-

lho, e Samuel Franco. Pobreza, desigualdade

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Page 15: Vulnerabilidade e Educacao

15

TExTo 2

intersetorialidade e Vulnerabilidade

Vulnerabilidade, intersetorialidade e educação

Cynthia Paes de Carvalho 1e Patrícia Monteiro Lacerda2

André3 tem faltado a muitas aulas e quase nunca traz os deveres de casa. Ele tem 11

anos e está matriculado no 2º ano do Ensino Fundamental da escola perto de sua casa

numa favela da periferia da capital. Ele tem dois irmãos menores, um está na pré-escola

e o outro numa creche comunitária. Depois que seus pais se separaram, a mãe de André

começou a beber e tem ficado cada vez mais difícil conseguir faxinas. O pai de André

se mudou depois da separação, formou nova família em outra cidade e não fez mais

contato.

Desde os anos 60, estudos internacionais4

trouxeram evidências empíricas irrecusá-

veis, do ponto de vista estatístico, sobre a

forte associação entre origem social e de-

sempenho escolar dos alunos. Esta correla-

ção também foi comprovada em inúmeros

estudos nacionais (Barbosa, 2009), deixando

claro que os fatores extraescolares não res-

peitam os muros da escola e perseguem os

alunos em situação social mais vulnerável

nos pátios e nas salas de aula. Desde então,

diversas pesquisas5 desestabilizaram o dis-

curso da escola meritocrática, mostrando a

escola não como promessa de equalização

de oportunidades e superação de distâncias

sociais, mas como um mecanismo de repro-

1 Pesquisadora e professora do Departamento de Educação da PUC-Rio.

2 Mestre e Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Pesquisadora colaboradora do SOCED (Grupo de Sociologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e professora do curso de especialização Educação e Inclusão da mesma universidade.

3 Nome fictício.

4 Pesquisa longitudinal do I.N.E.D. na França (1962-1972), o Relatório Coleman nos Estados Unidos (1966), o Plowden Report na Inglaterra (1967), entre outros.

5 Destacam-se os livros: ideologia e Aparelhos ideológicos de Estado, de Althusser (1970); A Reprodução, de Bourdieu e Passeron (1970); A Escola Capitalista na França, de Baudelot e Establet (1971) e A Escola na América Capitalista, de Bowles e Gintis (1976).

Page 16: Vulnerabilidade e Educacao

16

dução social, na medida em que convertia

desigualdades sociais em desigualdades

educacionais.

Enquanto na Europa e nos EUA as teses da

reprodução social pela escola repercutiam

e abalavam a visão mais utópica e emanci-

padora do sistema educacional, no Brasil,

essa discussão era

superposta a uma

agenda de luta pela

universalização do

acesso à escola. Os

dados populacionais

indicavam que entre

nós, a segregação

social era ainda mais

perversa6, já que até

a década de 90, um

grande contingente

de meninos e meni-

nas das camadas populares estava fora da

escola. Essa realidade mobilizou uma grande

coalizão de forças em favor da garantia do

acesso à escolarização para todos e ajudou

a criar marcos legais para garantir direitos

para crianças e adolescentes e, em especial,

o direito à educação de qualidade. A Consti-

tuição de 1988, o Estatuto da Criança e Ado-

lescente de 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases

de 1996 reconfiguraram as responsabilida-

des do Estado, da família e da comunidade.

Foram instituídos novos mecanismos de in-

tervenção tanto nas famílias quanto nos sis-

temas de ensino, como Conselhos Tutelares

e Procuradorias da Infância e da Juventude,

para garantir os direitos da população em

idade de escolarização obrigatória. Na es-

teira destas transformações, fortaleceu-se a

doutrina da proteção integral que entende a

condição peculiar da

criança e do adoles-

cente como pessoas

em desenvolvimen-

to, cujos direitos de-

vem ser garantidos

e efetivados atra-

vés de uma Rede de

Proteção Integral.

A proteção integral

supõe a articulação

dos serviços públi-

cos – estatais ou não

– endereçados ao cumprimento dos direi-

tos sociais (saúde, educação e assistência)

de crianças e adolescentes, principalmente

aqueles que se encontram em situação de

vulnerabilidade, ou seja, tem como requisito

a lógica da intersetorialidade.

O presente texto pretende refletir sobre as

articulações possíveis e necessárias para

integralizar o atendimento às famílias vul-

neráveis e as possibilidades de diálogo que

A Constituição de 1988,

o Estatuto da Criança e

Adolescente de 1990 e a

Lei de Diretrizes e Bases

de 1996 reconfiguraram

as responsabilidades do

Estado, da família e da

comunidade.

6 Até o início da década de 80, cerca de 30% das nossas crianças em idade escolar não tinham acesso à escola (Oliveira & Araújo, 2005).

Page 17: Vulnerabilidade e Educacao

17

estão ao alcance das escolas para dar supor-

te aos alunos que vivem problemas sociais

mais agudos provenientes destas famílias.

VulNErAbiliDADE

Castel (1998), entre outros autores, identifica

uma correlação profunda entre o lugar ocu-

pado pelo indivíduo na divisão social do tra-

balho (trabalho no mercado formal, trabalho

precário sem carteira assinada, eventual),

sua participação em redes de sociabilidade

e seu acesso aos sistemas de proteção social

disponíveis em dada sociedade (educação,

saúde, seguridade social, etc.). O conceito de

vulnerabilidade procura caracterizar a situa-

ção de indivíduos ou grupos sociais expostos

a condições de risco potencial de perda de

seu bem-estar social, que geralmente está

associada à sua inserção precária no mer-

cado de trabalho e à fragilidade de acesso a

possíveis suportes ou oportunidades sociais,

o que, por sua vez, dificulta ainda mais sua

capacidade de enfrentar e superar sua con-

dição de risco social e o potencial destes ris-

cos deteriorarem ainda mais sua condição

de sobrevivência e trazerem consequências

importantes para sua vida (Kaztman, 2000).

A vulnerabilidade, segundo o autor, pode ser

entendida como uma condição resultante de

uma defasagem ou falta de sincronia entre

os requerimentos de acesso às estruturas

de oportunidades oferecidas pelo mercado,

pelo Estado e pela sociedade e os ativos ou

condições dos domicílios que permitiriam

aproveitar estas oportunidades. Nesse senti-

do, o conceito de vulnerabilidade focaliza a

debilidade ou a força dos ativos que indiví-

duos ou famílias dispõem para enfrentar os

riscos existentes no entorno e, de maneira

mais abrangente, as condições do local de

residência das pessoas, o que implica a pos-

sibilidade de degradação parcial ou total de

bem-estar ou de condição de sobrevivência

com dignidade. A ideia de vulnerabilidade

remeteria, portanto, a uma condição de mo-

radia e trabalho que não apenas é precária,

como também fragiliza a capacidade de con-

trolar as forças que determinam esta condi-

ção de vida e combater seus efeitos sobre o

próprio bem-estar.

O fato de a análise enfocar os “ativos” e não

os “passivos” das pessoas ou famílias chama

a atenção para a importância de um conjun-

to de atributos que se considera necessários

para a identificação e o aproveitamento efe-

tivo das oportunidades existentes, enfatizan-

do a dinâmica de formação de diversos tipos

de capital (conhecimentos, informações, re-

lações sociais, etc.), potencialmente mobili-

záveis, e as relações entre eles, assim como

os processos de perda ou desgaste destes

ativos (quando uma família se vê impelida

a mudar de domicílio por não poder mais

pagar o aluguel, por exemplo) ou de outros

fatores limitantes que impedem o acesso às

oportunidades sociais (rede pública de edu-

cação, saúde, assistência, etc.). O grau de

capacidade de resposta às adversidades ou

Page 18: Vulnerabilidade e Educacao

18

riscos dependerá, obviamente, da diversi-

dade de recursos a serem mobilizados (uma

família ampliada que possa oferecer abrigo

quando se perde a casa numa enchente,

transporte gratuito para a escola, etc.), além

da flexibilidade para a sua utilização.

Diversos estudiosos de estratégias de redu-

ção da pobreza urbana, além de destacar o

caráter dinâmico desse enfoque, valorizam

especialmente a importância dos recursos

materiais e simbólicos das famílias na ca-

pacidade de responder a crises. Isto signifi-

ca que os ativos familiares, mais do que a

posse ou não de bens materiais, abrangem

os conhecimentos e experiências culturais,

bem como traços mais subjetivos, como o

desenvolvimento dos sentimentos de incer-

teza e insegurança em relação à sua capaci-

dade de mobilidade social ascendente.

Os estudos de vulnerabilidade que estão na

base do desenho das políticas sociais mais

recentes de redução da pobreza, como os

programas de transferência de renda para

grupos sociais considerados em situação

de extrema pobreza, a exemplo do Bolsa Fa-

mília no Brasil, costumam enfatizar o gru-

po familiar e não apenas o indivíduo como

unidade de análise e foco de intervenção.

Como o nome indica, o programa incide

sobre famílias e sua perspectiva é articular

três dimensões consideradas essenciais à

superação da situação de vulnerabilidade e

pobreza: 1) promoção do alívio imediato da

pobreza, por meio da transferência direta de

renda à família; 2) reforço ao exercício de di-

reitos sociais básicos nas áreas de Saúde e

Educação, condicionando a continuidade do

benefício à frequência escolar das crianças e

aos check-ups médicos regulares de crianças

e de mulheres grávidas, que deve contribuir

para que as famílias consigam romper o ci-

clo da pobreza entre gerações; 3) coordena-

ção de programas complementares, que têm

por objetivo o desenvolvimento das famílias,

como, por exemplo: programas de geração

de trabalho e renda, de alfabetização de adul-

tos, de fornecimento de registro civil e de-

mais documentos, o Programa de Erradica-

ção do Trabalho Infantil (PETI) e o Programa

de Atendimento Integral às Famílias (PAIF),

desenvolvido nos Centros de Referência de

Assistência Social (CRAS). Ou seja, a ideia é

“dar o peixe” e também “ensinar a pescar”...

Como se pode perceber no desenho do Bolsa

Família, o acesso à educação (tanto dos adul-

tos, como das crianças e jovens) é privilegia-

do como perspectiva de ruptura do “ciclo da

pobreza” entre as gerações, constituindo-se

no caso das crianças em uma das “condicio-

nalidades” do programa.

iNTErSEToriAliDADE

O exemplo do Programa Bolsa Família retrata

mudanças no pensamento político interna-

cional e nacional, que apontam a interseto-

rialidade (enquanto relação entre diferentes

agentes sociais públicos e privados) como

Page 19: Vulnerabilidade e Educacao

19

medida possível e necessária de potenciali-

zar e integralizar o atendimento aos grupos

vulneráveis no Brasil. A ação intersetorial

implica uma visão integrada dos problemas

sociais e de suas soluções, numa perspec-

tiva integrada e integradora de recursos e

agentes sociais que podem ser acessados

por uma população que ocupa determinado

território (Junqueira, 2004). Busca-se assim

otimizar os recursos através da busca de

soluções integradas, articulando saberes e

experiências no planejamento, realização e

avaliação de ações para alcançar efeito si-

nérgico em situações complexas, visando ao

desenvolvimento social e superando a ex-

clusão social: a complexidade da realidade

social exige um olhar que não se esgota no

âmbito de uma única política social (op. cit.,

p. 27). Essa forma de atuar impõe mudan-

ças nas práticas e na cultura organizacional

das instituições envolvidas, impondo novos

desafios aos diferentes agentes e gestores,

enfrentando não poucas vezes resistências.

Afinal, além de nem todos compreenderem

e aceitarem essa perspectiva de ação social,

frequentemente cada organização tem difi-

culdades de “dar conta” do seu pedaço de

responsabilidade: podem faltar professores

na escola, médicos no Posto de Saúde, ocu-

pações dignas que possam garantir a sobre-

vivência das famílias na região para encami-

nhar as pessoas desempregadas...

No caso do estudante André, relatado no

início do texto, a escola – através dos pro-

fessores e gestores – precisa estar atenta às

faltas e, caso a família esteja inscrita no Bol-

sa Família, informá-las ao órgão municipal

que monitora as condicionalidades do bene-

fício. A equipe do Posto de Saúde precisa se

articular com a escola de André, as institui-

ções que atendem a seus irmãos menores, e

a equipe do CRAS para buscar perspectivas

de trabalho para a mãe... Todas essas arti-

culações dão trabalho, implicam conheci-

mento mútuo e compreensão das responsa-

bilidades e competências de cada um para

alcançar um atendimento integral a André e

à sua família. Nessa perspectiva, a articula-

ção entre setores sociais supõe uma decisão

política e profissional de cada um dos agen-

tes em prol de objetivos comuns. Além de

compartilhar objetivos, é preciso viabilizar

as relações de colaboração através de víncu-

los interpessoais e interinstitucionais – esta-

belecendo momentos de troca e avaliação,

canais de comunicação e fluxos de decisão

coordenados –, preservando as diferenças e

as especificidades de cada componente que

contribui da sua maneira na construção de

uma política que preserve os princípios da

cidadania, da liberdade e da justiça.

EDuCAÇÃo

Retomando nosso ponto de partida. Sabe-

mos que a escola não está apartada dos seus

contextos sociais e que fatores extraescola-

res atravessam e ajudam a definir os resulta-

dos da educação escolar. Diversas pesquisas

Page 20: Vulnerabilidade e Educacao

20

têm demonstrado que há escolas e redes de

ensino que conseguem possibilitar a apren-

dizagem mesmo dos alunos oriundos de

contextos sociais vulneráveis – promovendo

o que consideramos equidade (Albernaz et

al., 2002). A busca dos fatores intraescola-

res e intraeducacionais (relativos às redes de

ensino) que favoreceriam a equidade resul-

tou em estudos so-

bre o chamado “efei-

to-escola” (Bressoux,

2003) e “efeito-rede”

(UNICEF, 2009). Nes-

te caminho, identifi-

cou-se que determi-

nados processos de

gestão educacional,

de administração

escolar e de inter-

venção pedagógica

aumentavam as chances de sucesso escolar

mesmo dos alunos em situação de vulnera-

bilidade.

Dois estudos coordenados pelo UNICEF e

pelo MEC abordam esse tema, baseando-se

em resultados da Prova Brasil. Ao nível da

escola, estes estudos indicaram que a edu-

cação deve ser contextualizada, ou seja, o

aluno deve ter seus contextos de vida social

e cultural conhecidos e respeitados para

aprender, que o professor é central, mas não

pode ser o responsável isolado pela apren-

dizagem dos alunos e que nenhuma práti-

ca isolada pode gerar condições efetivas de

aprendizagem. No caso das redes municipais

de educação, dentre os fatores que promo-

vem a aprendizagem dos alunos se encon-

tram as parcerias intersetoriais articuladas

em torno do direito de aprender.

Uma observação importante do mergulho no

interior dos sistemas de ensino que os estu-

dos de Efeito Escola

e Efeito Rede trazem

é que o conhecimen-

to das condições de

vida dos alunos, o

relacionamento com

outros serviços so-

ciais e a participação

na rede de proteção

integral de crianças

e adolescentes são

aspectos fundamen-

tais das práticas que promovem aprendiza-

gem com equidade. Nesse sentido, a escola

– ao reconhecer as condições de vulnerabili-

dade que afetam seus alunos e encaminhá-

los e as suas famílias aos serviços públicos

que podem apoiá-los – desenvolve melhores

chances de realizar sua função específica de

promover sucesso escolar.

Nessa perspectiva, a educação escolar e os

sistemas ou redes de ensino podem atuar

como “nós” importantes da rede de prote-

ção social, colaborando para superar e não

apenas reproduzir as desigualdades sociais.

Cabe ainda lembrar que escolas são um dos

Sabemos que a escola não

está apartada dos seus

contextos sociais e que

fatores extraescolares

atravessam e ajudam a

definir os resultados da

educação escolar.

Page 21: Vulnerabilidade e Educacao

21

equipamentos públicos mais presentes nos

mais diferentes espaços sociais, âncora pri-

vilegiada da garantia do atendimento públi-

co aos direitos sociais da população, o que

realça sua responsabilidade social.

Finalmente, sabendo que as intervenções em

escala micro são mais eficazes em contextos

em que são apoiadas por políticas sociais

de natureza macro, que criam condições de

base mais propícias à superação da situação

de pobreza, no longo prazo a redução das

desigualdades que assolam nosso país de-

pende também da eficácia da escola e sua

articulação com os demais serviços sociais.

rEFErêNCiAS

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UNICEF. Redes de Aprendizagem: boas práti-

cas de municípios que garantem o direito de

aprender, 2009.

Page 22: Vulnerabilidade e Educacao

22

TEXTO 3

compartilhando experiências

Daniela Peixoto Ramos 1

iNTroDuÇÃo

Este terceiro texto tratará de alguns dos

principais resultados de pesquisas avaliati-

vas, promovidas pela SECAD/MEC, a respei-

to da implementação do acompanhamento

da frequência escolar dos alunos benefici-

ários do Programa Bolsa Família. O texto

aborda a necessidade de pensar a relação

entre educação e pobreza por meio da in-

vestigação sobre as percepções de atores

da política educacional a este respeito e da

tentativa de conhecer os diversos cenários

subnacionais de acompanhamento da fre-

quência escolar de alunos em situação de

vulnerabilidade. Buscou-se investigar a qua-

lidade da gestão deste acompanhamento

escolar e os resultados que ele tem gerado,

tanto no âmbito das administrações locais

quanto nas escolas. Portanto, uma preocu-

pação fundamental das avaliações levadas

a cabo era a de compreender em que me-

dida este acompanhamento, que tem sido

estimulado e coordenado em nível federal,

teria sido institucionalizado, de acordo com

princípios intersetoriais. Outra intenção era

a de identificar as percepções de alguns dos

principais envolvidos no acompanhamento

– secretários de educação, coordenadores

estaduais da frequência escolar, operadores

municipais máster, diretores escolares, pro-

fessores e alunos – a respeito das mudanças

geradas por esse acompanhamento sobre

o trajeto educacional dos alunos. Ao longo

deste processo avaliativo, foram identifica-

das fragilidades institucionais que sinalizam

a necessidade de intervenção para correção

de rumos, mas também muitas referências

positivas que necessitam ser divulgadas, a

fim de que o Ministério da Educação conti-

nue desempenhando seu papel de indutor

e propositor de políticas que visam reduzir

desigualdades educacionais.

1. Avaliação de políticas públicas –

uma prática em consolidação

A avaliação de políticas públicas – objeto

deste texto da série do Salto para o Futuro

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade de Brasília e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.

Page 23: Vulnerabilidade e Educacao

23

Vulnerabilidade social e Educação – pode ser

definida como um processo de coleta e aná-

lise sistemáticas de informações sobre in-

sumos, processos e resultados de uma ação

governamental, com base em critérios de

eficiência, eficácia e efetividade, de forma a

gerar recomendações para aperfeiçoar a ges-

tão. A avaliação é, portanto, um instrumen-

to de promoção da governança democrática,

que contribui para tornar mais transparen-

tes as relações entre

Estado e sociedade e

para assegurar que o

Estado seja capaz de

responder adequada-

mente às demandas

sociais, implemen-

tando intervenções

ajustadas à resolu-

ção dos problemas

diagnosticados. O

Governo Federal e os

governos estaduais e municipais têm se pre-

ocupado cada vez mais em submeter suas

ações à avaliação, de forma a se poder re-

visar, de forma cuidadosa e criteriosa, pro-

cessos que não geram os retornos desejados.

Como afirma Rua (s.d., p. 2), a avaliação é

“decisiva para o processo de aprendizagem

institucional” pois, por meio dela, as insti-

tuições adquirem ganhos de racionalidade e

de conhecimento e aprimoram o desenho de

suas ações.

A SECAD, a partir da DEAVE (Diretoria de Es-

tudos e Acompanhamento das Vulnerabili-

dades Educacionais) promoveu uma série

de pesquisas das quais se esperava que pu-

dessem gerar subsídios para a melhoria da

gestão do acompanhamento da frequência

escolar e, consequentemente, efeitos posi-

tivos para o público-alvo, que atinge hoje

aproximadamente 17 milhões de alunos

(32% do total de alunos da Educação Bási-

ca em todo o Brasil).

Nestas avaliações,

privilegiou-se o uso

de métodos qualita-

tivos, caracterizados

pela valorização das

percepções e inter-

pretações feitas pe-

los atores a respeito

dos bens e serviços

públicos que cons-

tituem o objeto da

avaliação. O uso destes métodos pressupõe,

segundo Deslandes (2006, p. 5), que o suces-

so de uma intervenção depende dos signifi-

cados atribuídos a ela pelos sujeitos sociais,

os quais variam conforme a inserção cultu-

ral, social e econômica destes sujeitos. Por-

tanto, a avaliação qualitativa procura com-

preender como se combinam expectativas

e necessidades de beneficiários, gestores,

políticos e outros atores com os serviços

oferecidos por elas.

Em termos metodológicos,

as avaliações, cujos

resultados são discutidos

neste texto, envolveram a

realização de trabalho de

campo em municípios do

Brasil inteiro.

Page 24: Vulnerabilidade e Educacao

24

2.As avaliações do acompanhamento

da frequência escolar – caracteriza-

ção geral

Em termos metodológicos, as avaliações,

cujos resultados são discutidos neste tex-

to, envolveram a realização de trabalho de

campo em municípios do Brasil inteiro. Ini-

cialmente, ainda em 2009, foi enviado for-

mulário eletrônico a todos os chamados

“operadores munici-

pais máster” (atores

encarregados de pro-

mover, em nível mu-

nicipal, a gestão da

condicionalidade de

educação do Progra-

ma Bolsa Família) e,

em seguida, realizada

pesquisa telefônica

em amostra nacional

de municípios, com

os seguintes objetivos: investigar o grau de

padronização dos processos de acompanha-

mento da frequência, identificando gargalos

e inovações, em especial no que se refere à

articulação intersetorial entre as áreas en-

volvidas (educação, assistência social e saú-

de); verificar o perfil dos operadores muni-

cipais e sua qualificação para a função, bem

como sua articulação com as escolas; inves-

tigar percepções sobre distinção entre bene-

ficiários e não beneficiários em termos de

vulnerabilidade e indicadores educacionais

relativos à frequência à escola, ao abandono/

evasão e ao desempenho escolar. Atenção

especial foi dirigida a comunidades quilom-

bolas e indígenas, por meio da contratação

de consultores específicos para pesquisar

algumas dessas comunidades e investigar

suas especificidades e a relação delas com

o acompanhamen-

to da frequência.

Foram empregadas

técnicas de pes-

quisa diversas, tais

como questionários

semiestruturados,

entrevistas em pro-

fundidade com de-

terminados atores,

grupos focais com

outros, observação

in loco, diários de campo, instrumento de

completamento de frases2 e análise de do-

cumentos.

Em termos gerais, as avaliações se distingui-

ram por privilegiar eixos temáticos distintos,

que determinaram seu escopo metodológico

e amostral. Em uma delas, que teve foco na

gestão do acompanhamento da frequência,

Se é na escola que

a avaliação adquire

materialidade, é na vida

cotidiana de professores,

estudantes e suas famílias

que ela deposita seus

desdobramentos.

2 Trata-se de um instrumento composto por 19 frases a serem completadas livremente, aplicado antes do início dos grupos focais, a alunos beneficiários e não beneficiários, com o intuito de captar percepções subjetivas a respeito de temas como: escola, educação, futuro e Programa Bolsa Família. Exemplos de frases: Meus professores...; O Bolsa Família...; Meus colegas...; Quando não consigo aprender...; Aqui na escola...; O que eu mais quero...).

Page 25: Vulnerabilidade e Educacao

25

os objetivos eram: (i) avaliar o nível de insti-

tucionalização deste acompanhamento, com

ênfase na implementação de uma de suas

principais dimensões – a intersetorialidade –

no âmbito da gestão da educação tanto nas

secretarias de educação quanto nas escolas;

e (ii) identificar fragilidades institucionais e

obstáculos à intersetorialidade e demandas/

necessidades de capacitação. No caso de ou-

tra avaliação, centrada nas escolas, o eixo te-

mático priorizado foi o de vulnerabilidade e

seus objetivos foram: (i) avaliar os resultados

do acompanhamento da frequência escolar

entre alunos e diretores/professores/secre-

tários escolares); (ii) captar percepções de

atores escolares sobre a vulnerabilidade do

público beneficiário; (iii) mapear estratégias

pensadas pelas escolas para atender ao pú-

blico beneficiário, incluindo encaminhamen-

tos dados às situações de baixa frequência

ou não-frequência dos alunos.

Houve, ainda, a pesquisa centrada na cap-

tação de referências positivas, cujo objetivo

foi o de identificar e categorizar práticas de

acompanhamento da frequência escolar e

manutenção das crianças nas escolas desen-

volvidas pelos atores da condicionalidade de

educação, no âmbito do programa Bolsa Fa-

mília. Utilizando um conjunto de métodos

de enfoque qualitativo e quantitativo de for-

ma complementar, elencou-se um conjunto

de práticas que poderão ser adotadas como

referências positivas para os próximos perí-

odos.

A decisão pelo direcionamento das avalia-

ções a cada um destes enfoques se deveu ao

entendimento de que estas são as dimensões

constituintes da ação de acompanhamento

da frequência escolar que necessitam ser

priorizadas, conjugado à lacuna informacio-

nal a respeito delas. O acompanhamento é

percebido, no âmbito da SECAD, como re-

sultado da implementação de quatro fatores

que, em conjunto, são responsáveis pelos

altos índices de informação da frequência3:

o sistema de informação criado pelo MEC, a

rede de parcerias estaduais e municipais, o

monitoramento do acompanhamento pelo

Governo Federal, a cada período, por meio de

indicadores e as capacitações promovidas pe-

riodicamente. Todos estes fatores deveriam

contribuir para apoiar a institucionalização

desta ação nos demais níveis de governo. No

entanto, havia a necessidade de investigar

até que ponto esta institucionalização está

de fato acontecendo, em que medida secre-

tarias de educação estariam incorporando

o acompanhamento a suas políticas locais,

com as adaptações necessárias, e integran-

do-o a outras políticas educacionais.

De forma análoga, a preocupação com o con-

ceito de vulnerabilidade se justifica em razão

da suposição de que o acompanhamento da

3 Em todo o período de outubro de 2006 até março de 2010, a taxa percentual média de beneficiários com registro de frequência escolar foi de 95,6%.

Page 26: Vulnerabilidade e Educacao

26

frequência, para ser tomado como uma ação

de cunho educacional, e não como apenas

uma contribuição da educação para uma

ação assistencial, requer que o problema a

ser atacado – a vulnerabilidade dos alunos be-

neficiários, definida em sentido amplo – seja

compreendido como perpassando também

a esfera educacional. Ou seja, seria preciso

investigar como os atores locais e estaduais

entendem os objetivos a serem alcançados

por meio da condicionalidade de educação e

como este entendimento se relaciona com a

percepção destes atores a respeito da condi-

ção socioeducacional em que se encontram

os alunos beneficiários do Bolsa Família.

3. Alguns resultados gerais

A avaliação concluiu, de forma geral, que há

um avanço em termos da institucionaliza-

ção da implementação da condicionalidade,

dado que se constatou um elevado grau de

padronização dos procedimentos de levan-

tamento dos dados relativos à frequência

escolar nas gestões municipais. Os opera-

dores têm se mostrado capazes de cumprir

com sucesso, o que é demonstrado pelo alto

percentual de informação da frequência, um

processo que já se tornou rotina nas admi-

nistrações locais em todo o país, como ex-

tensamente comprovado pela pesquisa de

campo: o acesso ao sistema, a impressão

de formulários, a distribuição deles às esco-

las (com soluções variadas e informais em

municípios de grande dispersão geográfica

de escolas, em especial as da zona rural) e

o recolhimento dos formulários nos perí-

odos previstos para inserção dos dados no

sistema. Desta forma, pode-se afirmar que

o nível mais elementar de institucionaliza-

ção – o nível operacional, relativo às “roti-

nas de trabalho e atividades desenvolvidas”

(Carneiro, 2007, p. 60) – teria sido superado,

restando agora o desafio mais difícil, que é o

de alcançar os níveis mais estratégicos e de

enraizamento dos objetivos que norteiam a

implantação da condicionalidade.

A intersetorialidade aplicada à gestão da

condicionalidade de educação, a incorpo-

ração desta gestão às demais políticas edu-

cacionais locais e o entendimento dos seus

objetivos por parte de atores educacionais

– desde secretários de educação até secre-

tários escolares – são dimensões relevantes

do processo de institucionalização que ain-

da não foram alcançadas plenamente. Em

razão disso, não se tem promovido o uso

estratégico de dados relativos aos motivos

da baixa frequência como subsídio para in-

tervenções públicas mais amplas, inclusive

de cunho educacional, junto a famílias em

situação de risco (incapazes de cumprir o re-

quisito da frequência escolar).

No entanto, o passo inicial para a institucio-

nalização desta ação junto às Secretarias de

Educação já foi dado e o funcionamento re-

gular da rede de operadores municipais com

acesso ao sistema online de acompanha-

Page 27: Vulnerabilidade e Educacao

27

mento é o maior indicador disso. Ademais,

a condicionalidade consiste num procedi-

mento já incorporado à rotina de escolas e

beneficiários, ou seja, as escolas já tinham

o dever de acompanhar a frequência de seus

alunos e mesmo de tentar descobrir os mo-

tivos pelos quais ocorrem as faltas junto às

próprias famílias devido a normas legais an-

teriores ao programa - Lei de Diretrizes e Ba-

ses da Educação, que

estipula um percen-

tual de frequência

mínima (75%) me-

nor que o estabele-

cido pelo PBF, que é

de 85% para alunos

de até 15 anos – as-

sim como as famílias

já haviam internali-

zado o requisito da

frequência escolar

como condição para aprovação dos alunos.

Desta forma, o programa não criou exigên-

cias desconhecidas e incompatíveis com a

rotina escolar. Esta é uma base sobre a qual

é possível avançar no sentido de institucio-

nalizar os demais procedimentos necessá-

rios para que escolas e Secretarias de Edu-

cação enxerguem no acompanhamento da

frequência escolar dos beneficiários do PBF

um instrumento relevante de identificação

de vulnerabilidades que podem resultar em

evasão escolar ou baixo rendimento de par-

te significativa de seus alunos. A maximiza-

ção do potencial redistributivo do programa

Bolsa Família depende de um investimento

maior na articulação com o setor educacio-

nal.

rEFErêNCiAS biblioGráFiCAS

CARNEIRO, Carla

Bronzo. intersetoria-

lidade como princípio

e prática nas políticas

públicas: reflexões

a partir do tema do

enfrentamento da po-

breza. XX Concurso

del CLAD sobre Re-

forma del Estado y

Modernización de la

Administración pública, 2007.

DESLANDES, Suely. Metodologia de avaliação

III: introdução aos métodos qualitativos.

Brasília: ENAP, 2006.

RUA, Maria das Graças. A avaliação no ciclo

da gestão pública. http://www.pr.gov.br/sepl/

avalciclogestpubl.doc

A maximização do

potencial redistributivo

do programa Bolsa

Família depende de um

investimento maior na

articulação com o setor

educacional.

Page 28: Vulnerabilidade e Educacao

28

Presidência da república

ministério da Educação

Secretaria de Educação a Distância

Direção de Produção de Conteúdos e Formação em Educação a Distância

TV ESColA/ SAlTo PArA o FuTuro

Coordenação-geral da TV Escola

Érico da silveira

Coordenação Pedagógica

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Supervisão Pedagógica

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Acompanhamento Pedagógico

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Coordenação de utilização e Avaliação

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Copidesque e revisão

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Diagramação e Editoração

Equipe do núcleo de Produção Gráfica de Mídia impressa – TV BrasilGerência de Criação e Produção de Arte

Consultora especialmente convidada

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novembro 2010