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F r a n c i s c o

Vsperas de Abri l

S e l x a s d a c o s t a

COM O AR SERENO QUE PROJECTAVA CONFIANA,A QUE a calvcie precoce tambm ajudava, o Antnio

juntou-se mesa do Montecarlo onde, sem

arranjos prvios, nos amos encontrando em

algumas noites desses ltimos meses de 1973.

Forte da sua aura de resistente, que sabamos

ligado ao Partido ainda antes das lutas de 69

em Coimbra, com contactos cuja solidez nos no

passava pela cabea pr em causa, lanou em

tom algo displicente, seguro de antecipar a

nossa ignorncia: Ento, j h mais novidades

de Castelo Branco?.

Porque outra coisa no seria presumvel na

sua boca, habitualmente dada ao srio reportar

de eventos hericos das massas , logo nos chei

rou a bernarda poltica sobre a qual. porm, a

nossa troca de olhares rapidamente traiu uma

amesquinhante comunho no desconhec i

mento. Explorando o embarao colectivo, o

Antnio, sem largar o tom algo sobranceiro de

quem bebe do fino , mas j aberto a alguma

generosidade informativa, l esclareceu: Ento

vocs n.o sabem do levantamento de rancho e da

sada das tropas para a rua?.

Ningum sabia de nada, ningum tinha

ouvido falar de qualquer movimentao de tro

pas, parte substancial da mesa acordara nesse

segundo para a prpria existncia de um regi

mento em Castelo Branco.

Registe-se, para a Histria, que era tudo

mentira, que nem uma palha mexera na tropa

das Beiras, que o boato surgira, como habitual

mente, da magnificao de uma qualquer rixa

menor, lida luz da matriz de esperana que

poca pintava qualquer bulio castrense, com

que a rapaziada roda do PCP ia alimentando a

perptua madrugada dos amanhs que por c

tardavam em cantar.

Era assim o Portugal de ento, para quantos

de entre ns, na casa dos 20 e dos 3D, nos entre

tnhamos, na cavaqueira aps o j antar, a cultivar

pequenas historietas com ressonncia poltica,

enquadrando-as nessa manta de retalhos infor

mativos que individualmente coleccionvamos

e que nos dava a iluso de estarmos a acompa

nhar o curso das coisas, de percebermos o fio

condutor do que politicamente se p assava

nossa volta.

(Previno, desde j, o leitor que no encon

trar, no que se vai seguir, veleidades de genera

lizao sociolgica e que assumo, sem hesita

es, o carcter subjectivo da minha prpria

experincia pessoal e o datado simplismo da

p erspectiva que deixo registada. Mas arrisco

poder representar, em muita dessa vivncia e

desse mesmo olhar, um ambiente que combi

nou o tempo estudantil de alguns, a diversa vida

j profissional de uns quantos e o percurso j or

nalstico-intelectual de outros escassos eleitos

que quase todos invejvamos.)

Juntos construamos, no cultivo do debate

de mbito quase renascentista e da troca do gos

sip poltico-cultural, nessa Lisboa de pouco

antes de Abril, um terreno de convivialidade dis

persa que marcou alguma da nossa gerao.

A Lisboa dos cafs, onde muitos de ns ate

nuvamos a solido de quem cara na capital um

tanto desamparado, era um espao de absoro,

por vezes um tanto impressionista, de uma

imensido de sinais culturais que, ainda que

sem grande critrio, pressentamos essenciais

afirmao de uma certa modernidade de pensa

mento, que nos dava a cmoda sensao de per

tena tribo.

As novidades francesas recolhidas (sabe-se

l como . . . ) das mesas da Livrelco ou da

cmoda solido da Universitria , os suple

mentos literrios dos vespertinos, os ciclos de

cinema francs e as sesses de cine-clube do

Chile, os cursos poltico-culturais e os colquios

no