vozes de nós

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Livro edição: ACEP Coordenação: Alain Corbel Design: Armanda Vilar

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Page 1: Vozes de nós
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Díli MAPUTO

PRAIAcoordenação: ALAIN CORBEL

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Permito-me começar por endereçar uma palavra de reconhecimento à ACEP (Associação para a Cooperação entre os Povos, congratulando-a por esta segunda edição do livro Vozes de Nós, desta feita com um olhar mais vigilante a vivências experimentadas em Cabo Verde, Moçambique e Timor-Leste.

Desde o momento da sua aprovação inicial, no quadro da XIX Reunião de Pontos Focais de Cooperação da CPLP, realizada na cidade da Praia, em Julho de 2009, que a CPLP vem dedicando um especial carinho e atenção a este projeto que tem como objetivo dar voz a crianças e jovens em situação de vulnerabilidade ou exclusão, sensibilizando e corresponsabilizando a sociedade no atendimento que deve ser devido a estes contextos de particular dificuldade.

A presente publicação transmite-nos um conjunto de perceções, simultaneamente comoventes e enternecedoras, relativas à segunda fase do projeto “Meninos de Rua: inclusão e inserção” que, na sua fase anterior, abrangeu três países: Angola, Guiné- -Bissau e S. Tomé e Príncipe. É um desejo de toda a CPLP que as crianças e meninos de rua dos nossos países não corram o risco de serem vítimas do não reconhecimento por parte da sociedade da sua condição infantil. Não é sustentável que se continuem a negar as suas condições concretas de existência como indivíduos. A estas crianças e jovens não pode ser negada a razão, a palavra, o conhecimento e o poder de decisão, entre outras competências.

Desta forma, no âmbito das reflexões conjuntas que a CPLP vem desenvolvendo com os seus parceiros da sociedade civil, tem sido afirmada a perceção clara de que é necessário continuar a apostar no reforço das capacidades humanas e institucionais desses atores, o que, no âmbito da presente atividade, foi possível através da capacitação de organizações locais que intervêm na promoção e desenvolvimento das crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. Neste âmbito, cumpre igualmente destacar a possibilidade da criação ou consolidação de redes informais de intercâmbio e disseminação de boas práticas dentro de cada país beneficiário e entre os países participantes no projeto. Assim, esta atividade constituiu uma experiência pioneira de articulação nestes domínios, entre países de contextos e culturas distintos, que possuem uma língua comum, o que se configura, também por esta via, como um claro contributo para as políticas sectoriais da CPLP.

Apraz-me, por isso, verificar que, não obstante constrangimentos vários e graças a um esforço conjunto e solidário, que incluiu a participação dos países e organizações intervenientes na fase anterior, foi possível viabilizar a elaboração deste importante projeto que, adotando práticas inovadoras e ancorando-se nos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, promove um claro exercício de educação para a cidadania e para o desenvolvimento, procurando projetar uma nova dimensão de cooperação, com caráter estruturante, com vista à melhoria das condições de vida das crianças e jovens no espaço da CPLP.

A vontade e o empenho político no fortalecimento da cooperação multilateral a nível dos Direitos Humanos e da Educação para a Cidadania e Desenvolvimento, no quadro da CPLP, devem continuar a fortalecer-se e a consolidar-se em Atividades que respeitem os princípios e objetivos que estiveram presentes na origem e nascimento da nossa organização.

Acreditamos, pois, que a plena execução deste projeto representa um importante contributo para o diálogo em curso sobre a construção e reforço dos processos de desenvolvimento na nossa Comunidade. E, como não pode deixar de acontecer, esse compromisso político, terá de ser prosseguido pela CPLP auscultado a sociedade civil e envolvendo os parceiros internacionais. Tal parceria alargada potenciará benefícios mútuos decorrentes da partilha de experiências e criará um ambiente propício à viabilização de um trabalho em rede no quadro da CPLP.

Formulamos votos de que a leitura deste documento sirva como mais um alerta e nos inspire a continuar a prosseguir esforços nas diferentes dimensões das nossas responsabilidades e áreas de intervenção.

Manuel Clarote Lapão / Secretariado Executivo da CPLP / Diretor de Cooperação

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O projecto “Meninos de Rua: Inclusão e Inserção” começou por juntar três organizações de três países de língua oficial portuguesa da Costa Ocidental de África (a AMIC na Guiné-Bissau, a Fundação Novo Futuro em São Tomé e Príncipe, a Okutiuka em Angola) e uma organização portuguesa (ACEP).

Intervindo em contextos diferentes, com culturas e abordagens diferentes, partilhávamos uma mesma vontade de defender e promover os direitos das crianças. Juntos embarcámos numa viagem que tinha como objectivo reforçar a auto-estima das crianças e jovens em situação de vulnerabilidade socioeconómica com os quais essas organizações trabalhavam, dando-lhes voz e criando oportunidades para se expressarem e serem ouvidos.

Ao longo dos últimos três anos, trilhámos um caminho composto por múltiplas geografias. Passámos pelo Brasil onde tecemos laços com organizações congéneres que utilizam teatro, dança, poesia, fotografia e muitas outras expressões artísticas como metodologia de inserção. A meio do percurso juntaram-se mais três organizações, de horizontes tão distantes e distintos como Cabo Verde, Moçambique e Timor-Leste.

Depois de Bissau, São Tomé e Huambo, em 2010, o ilustrador Alain Corbel esteve, em 2012, em Díli, Maputo e Praia, dinamizando ateliês criativos com crianças e jovens e recolhendo histórias de vida. Foram intensos momentos de conhecimentos e interconhecimento, cujo resultado está agora entre as mãos do leitor.

“Vozes de Nós – Díli, Maputo, Praia” reúne histórias de vida e ilustrações de raparigas e rapazes de Cabo Verde, Moçambique e Timor-Leste. Estes jovens co-autores irão também participar na sua divulgação e levar a outras crianças a aspiração de fazer ouvir a sua voz.

Este segundo volume “Vozes de Nós” irá atravessar oceanos e cruzar continentes para chegar ao maior número de pessoas, ser lido e partilhado por crianças, jovens, pais, professores, animadores, jornalistas, responsáveis políticos e muitos mais. Ambicionamos/desejamos que possa contribuir para a criação de uma consciência de co-responsabilização de toda a sociedade na protecção das crianças e jovens e promoção dos seus direitos.

Mais do que um projecto, tem sido um caminho feito de múltiplos desafios. Entre eles, o de tecer uma rede que vá para além do intercâmbio, que favoreça a aprendizagem mútua e a mobilização colectiva no sentido da realização dos direitos das crianças e jovens no espaço CPLP. Nesse sentido, foram também criados espaços de conhecimento e reflexão, com a colaboração do sociólogo Orlando Garcia, sobre metodologias de intervenção com crianças e jovens ao nível dos oito países da CPLP, que servem de base de trabalho nos diferentes contextos.

Juntaram-se vontades, criaram-se pontes, alargaram-se perspectivas, mas o destino ainda vai longo e não há atalhos possíveis. Lançámos as bases de um edifício que só se constrói no longo prazo. Esperamos agora dar corpo a esta rede que permite conhecer outras realidades, debater problemas, articular soluções, respeitando a especificidade de cada um.

Os direitos não esperam. Mãos à obra! É o convite que deixamos a quem nos lê.

ACEP/ Lisboa, ACRIDES / Praia, FCJ/ Díli, MDM/ Maputo

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Tive a sorte de ser uma criança feliz, aberta ao mundo pela minha avó e outros camponeses que gostavam de mim. Hoje, sou pai de 3 filhos. Não sei se é suficiente para criar uma ligação com as crianças mas digamos que, na área da recriação, consigo entender alguma coisa. É uma linguagem que nunca

perdi e que as crianças entendem perfeitamente. É na recriação que qualquer um pode inventar-se, reinventar e continuar a sonhar com o seu futuro. Estou imensamente grato aos participantes dos ateliês por terem desenhado o seu quotidiano e por terem conseguido animá-los através dos seus jogos e risos. Foi em Díli que tive uma das experiências que mais me encantou com um grupo de crianças que tinha vivido histórias difíceis. Numa dedicação inimaginável eles criaram dezenas de imagens absolutamente fabulosas. As crianças adoram desenhar. É um acto criativo necessário, mas também terapêutico. Desenhar é apelar à poesia onde já não há esperança. Muitos de nós gostamos de desenhar. Mas quantos de nós desenhamos? Basta um olho sarcástico para aniquilar todos os nossos esforços. Um pouco mais de atenção e de perseverança, e alguém poderia ser feliz.

Crianças são continentes. Continentes na escala de uma semente. É preciso tempo e cuidado para perceber cada um delas e cabe aos adultos proteger essas sementes. Ensinar dogmaticamente uma criança não é de todo uma atitude muito corajosa. Desenvolver e aprimorar o pensamento crítico de uma criança é tarefa muito mais complicada. Mas é também um desafio formidável. Não há nada mais bonito que o desejo duma criança, a sua capacidade de apreciar e o seu prazer quando explora as maravilhas do mundo ao seu redor. Infelizmente, muitos de nós recusamo-lhes a sua qualidade de criança. Ganhar dinheiro extra fazendo truques sujos parece tarefa muito mais lucrativa. Neste esquema, uma criança pode tornar-se uma ferramenta útil. Basta primeiro desrespeitá-la. Mas as crianças são respeitáveis e veneráveis e não deveríamos esquecer essa dimensão: o sagrado. Não é preciso ser religioso ou acreditar para considerar essa noção. Uma criança é sagrada e devemos protegê-la. A todo o custo.

Em Díli, Maputo ou Praia, notei que, às vezes, apesar das suas condições mínimas de vida, as crianças gostavam do local onde viviam a partir do momento em que se sentiam protegidas e amadas. Para elas, a verdadeira felicidade é ser amada pelos seus pais ou familiares. Quando fazia falta um telhado, ou uma escola, o impacto dos centros era crucial. Quando a escola faz falta, as crianças gostam de estar num lugar que lhes é dedicado, um lugar onde fazem amizades, aprendem alguma coisa, e, especialmente, sonham com algo mais. Durante esse tempo curto da infância, os adultos têm a responsabilidade de as ajudar a serem o que elas já são. Apenas devemos acompanhá- -las o suficiente para que sejam minimamente organizadas e capazes de pensar por si próprias.

As ilustrações realizadas pelas crianças são relatórios sobre o estado do mundo, mas também sonhos para que a terra seja definitivamente a casa de todos.

Alain Corbel

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Vozes de Crianças Timorenses

Nos recantos do Mundo, chegam as vozes de Crianças timorenses que falam de valores velhos em novos desafios. É com profunda

responsabilidade moral que falo dos valores velhos. Valores que se prendem com a solidariedade, com a tolerância, com a ética, com o respeito pela vida, com o humanismo com a honra, com a família e seria bom que esses valores continuassem vivos entre nós. Negá-los é negar a verdade, a justiça, a liberdade, o amor, a fraternidade. Diria que é uma luta gloriosa de todos os tempos; do passado, do presente e do futuro. É uma luta que preserva esses valores a que diríamos “os mandamentos universais“.Mas a luta pelos velhos valores coloca-nos novos desafios. Esses novos desafios são também universais. Os novos desafios da pobreza, do abandono, do desemprego, das negligências, dos vários tipos de violência, do trabalho infantil, da guerra. Como poderíamos intervir, pôr fim a tudo o que viola a dignidade dessas crianças. São esses os novos desafios, mesmo que a humanidade saiba de coração generoso sobre a dignidade humana, mesmo que os Instrumentos Internacionais sobre os Direitos das Crianças sejam ratificados pelos países, mesmo que as conferências falem destas violações e todo o mundo recorra ao bem-estar social dos seus cidadãos, mas não será o fim de tudo. As famílias terão constantemente o seu papel de protector da família, o Estado terá o seu papel de intervenção com as suas políticas públicas de protecção social e a Sociedade Civil através das Instituições de Solidariedade terá igualmente o seu papel de parceria com o Estado nos seus serviços e equipamentos sociais para dar respostas a esses novos desafios.

Estamos no momento de darmos as mãos, de vencermos os nossos maus hábitos, sobretudo de termos a força de querermos fazer novas mudanças de paradigma humano e de manifestarmos a todo o custo a nossa atenção para com essas crianças do mundo, porque vale a pena actuarmos em prol daqueles que são mais frágeis do que nós e precisam da nossa ajuda para voltarem a ter rosto e voz humano!É dentro desta abordagem que desejo colocar esta minha mensagem a todos quanto puderem transformar os valores velhos em novos desafios.Timor-Leste um país pequeno, situado no Sudeste Asiático, que ocupa a parte oriental da Ilha de Timor, com uma taxa predominante da população jovem. Um jovem e primeiro País independente

neste terceiro milénio que fez quase cinco séculos sob a administração de Portugal, 25 anos de anexação à Indonésia e começou a erigir o seu Estado a partir do Zero porque as suas infraestruturas foram altamente destruídas e injustamente perpetradas violações de direitos humanos, sendo mortos mais de 200.000 timorenses e forçadas mais de 300.000 pessoas para Timor-Ocidental como refugiadas, aquando do anúncio da vitória pela independência.Esta situação gerou a

pobreza absoluta em Timor-Leste, como é contada pela Abrília e os seus colegas do Centro Miguel Magone. Hoje é um Estado de Direito Democrático com os direitos sociais consagrados na sua Constituição.

Maria Domingas Fernandes Alves / / Activista dos Direitos Humanos

e Ex Ministra da Solidariedade Social do IV Governo Constitucional

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TIMOR LESTE

Baucau

Los Palos

Bobonaro

DILI

Maubisse

Oécussi

Suai

ATAÚRO

Viqueque

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A maioria das crianças que passa pelo Centro Miguel Magone, enquanto espera que os seus

casos sejam tratados, são rapazes. Mas há algumas excepções. Abrilia, uma menina de 8 anos, é a grande amiga de Juvencia. Ambas vêm da região de Maubisse e gostam de saltar ao elástico e de brincar com Fati. Um dia, quando Abrilia percebeu que Juvencia não tinha nenhuma boneca, ofereceu-lhe Abia, a sua boneca, sem hesitação. Para além de brincar, Abrilia gosta também de ler e escrever.

Os seus pais são da região de Maubisse, localizada no sudoeste do Timor, mas Abrilia nasceu no bairro de Ailok Laran, em Díli, onde reside a família. Há alguns meses, vivia com os pais e, daqui a alguns dias, estará de regresso a casa. Abrilia é a quarta duma irmandade de seis e os seus pais, apesar da sua actividade profissional, têm regularmente dificuldades económicas para sustentar toda a família. Para que todos – pais e filhos, e nomeadamente Abrilia – pudessem recuperar forças, o Centro Miguel Magone acolheu-a por uns tempos. Aliás, o Centro acolhe frequentemente crianças cujos pais têm o mesmo tipo de dificuldades.

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Os pais são comerciantes. Vão regularmente até Maubisse para comprar legumes – ervilhas, pimentos, rabanetes, cebolas, couves, melão, favas, melancias, tomates, salsa, nabos e couves-flor que vendem a seguir no mercado de Halé Laran, um dos grandes mercados de Díli. É uma atividade que requer muita atenção, pois, os produtos têm que estar sempre frescos. Apesar da curta distância entre Díli e Maubisse, a viagem de bis para lá é demorada porque a estrada tem curvas intermináveis e os buracos são muitos. Mas os pais não têm alternativa.

A área de Maubisse tem condições ideais para a agricultura; a água não falta, a terra generosamente dá colheitas abundantes e, além disso, é onde vive a maior parte dos seus familiares, todos eles agricultores. Apesar de estarem muito envolvidos nesta actividade, o lucro é pouco e não há tempo para mais.

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Quando os pais de Abrilia estão a trabalhar, deixam sempre os seus filhos em casa, uma grande casa Piku. Os vizinhos do bairro de Ailok Laran, todos originários de Maubisse, cuidam deles mas não podem estar presentes o dia todo. Abrilia tem uma irmã mais velha, Bicina, já com 16 anos. Num dia normal, ela fica em casa com Luci e Simão, os dois filhos mais pequeninos, enquanto os outros vão à escola. À tarde, depois da escola, as crianças vão buscar água e lenha para preparar o jantar. Comem sasoro quando os pais regressam a casa.

Abrilia já acompanhou os seus pais até Maubisse para ver os seus avós. Conta que eles têm muitos porcos mas também uma horta com cenouras, repolho e alface. Ela lembra-se sobretudo que “lá é muito frio”. Na verdade é o ponto mais alto de Timor-Leste, o Monte Tatamailau, que tem 2.960 metros de altura, não muito longe de Maubisse.

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Daqui a alguns dias, Abrilia vai voltar para casa dos pais.

De certeza que a amizade de Juvencia, de Fati e dos outros

meninos e o cuidado, para não dizer o carinho, dos responsáveis

do Centro Miguel Magone vão ajudá-la a perceber melhor o

que pode ser o seu futuro. É quase certo que, daqui a uns anos,

Abrilia, uma menina muito doce, continuará a oferecer prendas

ao mundo da mesma maneira que deu uma à sua amiga Juvencia.

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Quando fala ou responde a perguntas, a cara de Bosco anima-se que nem um céu atormentado e não consegue esconder o que sente, imagina

ou pensa. E, enquanto as expressões de surpresa, de ansiedade ou de felicidade desfilam a grande velocidade na sua cara simpática, também as suas mãos começam a dançar para acrescentar qualquer coisa à conversa. Tudo nele respira juventude: a sua cara expressiva, o seu corpo franzino e a sua maneira de ser.

“Nasci em Veninalé”, diz Bosco.Veninalé é uma pequena cidade rodeada por montanhas localizada na estrada que vai de Baucau até Viqueque. É também nessa zona do subdistrito de Baucau que os “Salesianos instalaram três colégios”, explica.

Bosco não gosta de ser apanhado. Mas foi.

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Baucau é a segunda cidade de Timor-Leste logo após Díli. Nessa grande cidade perto do mar e apesar do desemprego ser muito alto, as lojas, os restaurantes e o imponente Mercado Municipal fazem negócio. Bosco já lá foi algumas vezes.

Bosco tinha apenas um ano quando o seu pai morreu. Proprietária de uma grande horta onde “a família planta milho, mandioca, arroz e batata doce”, a sua mãe não quis ficar sozinha e, portanto, resolveu casar novamente com outro homem. Desse casamento, nasceram mais quatro filhos. Bosco diz que “não conhece o seu padrasto”, mas após uma pequena hesitação, acrescenta “não me dou bem com ele”. Ainda bebé, Bosco foi entregue pela sua mãe à sua irmã, a tia Isabel e, por isso, nunca conviveu muito com o padrasto.

Antes de integrar a família da tia, moradora de um bairro de Díli, ela já tinha filhos, sete no total, e todos mais velhos que Bosco, excepto uma menina. Bosco gosta da sua tia e “dava- -se bem com o seu marido”, um carpinteiro perito na construção de cadeiras, armários e mesas. Quando Bosco não ia para a escola (neste momento está na quinta classe), gostava de “ficar com o tio na carpintaria”, sentir o cheiro da serragem, das lascas de madeira, e brincar com as ferramentas.

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Um dia, em 2009, o tio fez uma mesinha e pediu a Bosco “para a levar até o Mercado de Halé Laran para a vender”. Bosco cumpriu a primeira parte da tarefa: dirigiu-se até ao mercado e vendeu a mesinha a uma pessoa. Mas, a seguir e por alguma razão que mal explica, Bosco não voltou para casa do tio e ficou a entreter- -se com amigos dentro do mercado. Entretanto, nem o tio, ocupado com o trabalho na sua oficina, nem a tia foram atrás de Bosco para saber se ele já tinha vendido a mesinha. Foi como se ninguém quisesse saber onde ele andava. E ele gozou dessa liberdade

nova para ficar fora de casa até esgotar o dinheiro todo da venda. Uma noite, já com fome e sem meios financeiros, em vez de regressar para a casa do tio, tentou roubar uma galinha e um galo dentro do mercado para poder continuar a sua escapada. Infelizmente, a roda da sorte já tinha escolhido o seu caminho e nessa noite ela não girou para o seu lado. No mercado de Halé Laran, são muitos os comerciantes que fazem das suas bancas de madeira as suas camas. Uns porque são camponeses e vivem muito longe e não podem regressar aos seus lares, outros porque querem proteger os seus haveres dos ladrões.

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Bosco arriscou mas não petiscou. Na sua tentativa, foi apanhado por dois jovens adultos que logo o entregaram aos guardas do posto da polícia situado ao lado do mercado. Esses, por seu lado, telefonaram para o posto da polícia de Kaikoli. Um responsável do posto telefonou a uns trabalhadores sociais que levaram Bosco ao Centro Miguel Magone. Mais tarde, os responsáveis do Centro encontraram-se com os seus tios para que aceitassem Bosco de volta no seio da família. Mas eles, desiludidos pela sua atitude no mercado, não o quiseram de volta. Doravante sem abrigo, Bosco teve que ficar no Centro até que uma solução conveniente fosse encontrada.

Ele já sabe que o seu futuro terá que passar pela casa da mãe e do padrasto em Velilalé. De momento, e apesar de não nutrir simpatia pelo padrasto, Bosco “não quer pensar no que vai acontecer”. Manteve sempre contacto com a sua mãe e duas vezes por ano vai visitá-la. A última vez, durante o mês de Outubro, foi de bis. Por sorte, “o padrasto trabalhava noutro distrito” e Bosco não se encontrou com ele. Assim, pôde estar à vontade com a sua mãe.Se pudesse voltar atrás e rectificar o passado, Bosco entregaria o dinheiro da venda da mesinha ao seu tio de quem “tem saudade”. Bosco não gosta de ser apanhado. E nunca mais vai ser, porque já percebeu que as consequências nem sempre são aquelas que esperamos.No Centro Miguel Magone, Bosco fez muitos amigos e gostou muito dos ateliês de desenho porque conseguiu melhorar muito e aprender técnicas novas.

Um dia quer ser doutor,

mas após alguma

hesitação, não sabe

dizer porquê.

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Todas as amigas lhe chamam “Fati”, alcunha de Fátima. Fati soa-lhe melhor, a alcunha é leve e, de facto, Fati é uma pessoa alegre.

Mas é seguramente muito mais do que isso: ela tem uma vontade de viver... a todo o custo.

Como muitas raparigas timorenses, Fati é uma pessoa reservada e não fala facilmente com toda a gente, mas o seu sorriso é contagiante e ilumina frequentemente o seu rosto deixando adivinhar uma vontade positiva para não dizer indestrutível.

Em 1999, os seus pais deixaram Timor Lorosae em direcção a Timor Barat, a parte indonésia da ilha de Timor, a Oeste. Fugiam aos confrontos na sequência do referendo que foi promovido pelas Nações Unidas, confrontos que deixaram boa parte das infraestruturas do país destruídas e matou milhares de pessoas.

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Fati viveu esses momentos da sua curta vida ao lado da mãe que ajudava em praticamente todas as actividades. Por exemplo, quando Fátima fez 7 anos, foi a sua mãe que lhe ensinou a tecer Tais coloridos ao estilo de Ermera. A mãe nasceu num suco do distrito de Ermera e sempre reproduziu os padrões daquela zona montanhosa de Timor-Leste.

A aprendizagem começava a seguir à escola onde Fati, com a sua amiga Santi, gostava de ir para aprender e para brincar. Bastavam dois dias para a mãe tecer um Tais que podia ser usado como roupa: Tais Mane para os homens e Tais Feto para as mulheres.

A vida na casa de Jacinta tornou-se bem diferente da vida com a sua mãe. Em primeiro lugar, Fati não foi autorizada a ir à escola. Jacinta esclareceu assim a situação: “É melhor ficares em casa porque não há dinheiro para tudo”, mesmo sabendo que a escola era gratuita. Assim, Fati cuidava das duas crianças de Jacinta o dia todo, varria, limpava a casa e levava água do poço.

Ambas viviam numa casa de pikus. Além da venda dos Tais que dava algum dinheiro para sustentar a família, a mãe tinha uns porcos e algumas galinhas.

O pai de Fati morreu de doença a seguir ao nascimento do seu último filho, Evaristo, já lá vão 7 anos. Na altura, o casal já tinha nove filhos dos quais três morreram. A Fati é a penúltima dessa irmandade. A seguir à morte do seu marido, a mãe sem meios teve que entregar dois dos seus filhos a um tio, residente também no Timor Barat. Só Evaristo e Fati ficaram com ela. Uns tempos depois, receberam a visita de Jacinta, uma das irmãs mais velhas de Fati que tinha regressado com o marido para a capital de Timor Oriental, Díli. Uma outra irmã tinha voltado para a zona de Ermera. Nessa visita, Fátima seguiu Jacinta até Díli. Fizeram uma viagem de Bis que durou um dia, saíram de manhã e chegaram à tarde. Naqueles primeiros dias do encontro entre as duas irmãs, Jacinta que tem dois filhos pequenos - um de três anos e um bebé de poucos meses - era bastante amável com Fati. Mas durou pouco tempo.

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Um mês depois da chegada de Fátima a casa da irmã, uma casa de pikus muito maior que a da mãe, Jacinta começou a zangar- -se com Fati. De vez em quando, Fati tinha licença para ir brincar no Centro Juvenil Padre António Vieira, em Taibesi. O Centro era o único lugar onde podia estar com as suas amigas, brincar, cantar e ler livros num ambiente sossegado, mas também divertido.

No início, Jacinta batia-lhe. Passado um tempo, ela e o marido, condutor duma ambulância do Hospital central de Díli, espancaram-na. Um dia, Jacinta foi buscá-la furiosa ao Centro e perguntou-lhe por que é que ela contava aos outros histórias da família quando, de facto, Fati só partilhava com as suas amigas parte da sua dor. De regresso a casa, Jacinta bateu-lhe e proibiu-a de vez de regressar ao Centro. Foi assim que o dia-a-dia de Fátima se tornou infernal: era só trabalho e violência. Numa das vezes, deram-lhe um murro tão violento no peito que Jacinta teve que a levar para o hospital onde lhe fizeram um raio-X e detectaram umas fracturas nas costelas.

Mais tarde, a 14 de Novembro de 2010, a sua irmã zangou-se novamente com ela porque, aparentemente, Fati não cuidava bem dos dois pequeninos. Sem mais nem menos, Jacinta apanhou Fátima e pendurou-a com um Tais pelo pescoço a uma viga de madeira para a tentar matar. Naquele momento tão infeliz, Fati teve sorte porque a Jacinta não quis presenciar a morte da sua pequena irmã e saiu. Fátima conseguiu desfazer o nó e fugir. Correu para casa de Ana Paula, a contabilista do Centro Miguel Magone, moradora no bairro de Taibesi, que a ajudou e tirou fotografias das marcas do estrangulamento no seu pescoço e do sangue cuspido. No dia seguinte, contou o caso a Cipriano, o director do Centro Miguel Magone.

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De facto, aquele Centro foi para Fátima um planeta novo, estranhou tudo. Nada do que vivera até então era assim: nunca tinha dormido sozinha numa cama nem tinha comido numa mesa. Em casa da mãe, onde não havia mesa, dormia na cama da mãe.

Um mês depois daquele pesadelo, Fátima recuperou forças e recomeçou a ter aquele sorriso de felicidade na cara. No centro, fez uma nova amiga, Juvencia, e deu-se bem com toda a gente.

Algum tempo depois, fez-se uma pesquisa sobre a sua vida na casa da sua irmã Jacinta e do marido, e os vizinhos testemunharam que a irmã deitava a comida que sobrava no chão para ela comer. Fátima confirmou, mas nunca quis contar essa triste e impensável realidade.

Fátima diz que já não sabe tecer Tais, mas muito

provavelmente, frente ao tear, lembrar-se-ia

logo dos gestos ensinados pela sua mãe porque

quem foi ensinado por uma pessoa querida

dificilmente esquece.

Quando for grande, Fati quer ser médica para

poder tratar bem da sua mãe, do seu pequeno

irmão e das pessoas em geral.

A tragédia já foi ultrapassada e, da sua irmã, Fati fala pouco. Não a quer ver numa prisão, mas “se ela continua nesse mau caminho então terá que ser”. Uma coisa é certa: nunca mais viverá com ela. Voltar a casa da sua mãe é o seu sonho.

Fati tem 10 anos e quem olha para ela a desenhar, falar, brincar, trabalhar, percebe que o sorriso que muitas vezes ilumina a sua cara é um sossego radiante, contagiante, capaz de ultrapassar todas as dores do mundo.

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Um sonho de Mariano pode ser uma longa caminhada no meio da plantação de café do pai, num suco do sub-distrito

de Railaku, distrito de Ermera. Lá, na margem da plantação, passa um Laku grande como um gato gordo. O Laku tenta esconder-se atrás das árvores mas a sua grande cauda chama a atenção de Mariano. Desta vez, o jovem esboça um sorriso e deixa-o passar. Se não fosse um sonho, o animal seria caçado “porque é carne”.

Mariano gosta de rir com os amigos, mas à frente dum desconhecido a natureza dos seus risos é duma pessoa desconfiada que mal esconde a sua timidez.

No futuro, Mariano vê-se camponês porque é a actividade que mais gosta. De momento, Mariano há-de ficar mais uns tempos no Centro Miguel Magone, em Díli. O pai foi condenado a 10 anos de prisão e cumpre neste momento a pena no centro de Becora, na capital. No passado, enquanto trabalhavam juntos no campo, o pai contava-lhe algumas histórias de grande violência entre pessoas sem saber que um dia ele próprio ia ser protagonista de uma dessas tragédias.

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Durante toda a sua infância, Mariano e os seus irmãos fizeram pequenos trabalhos como capinar, ir buscar água ou madeira. O tipo de trabalhos que fazem quase todas as crianças, cujos pais são camponeses. Mas, aos 10 anos, Mariano começou a trabalhar a sério com o pai para sustentar a família. Apesar de querer, não teve a sorte dos irmãos mais novos e deixou de ir à escola.

Ter uma grande plantação onde cresce mandioca, café robusta, milho e coqueiros significa ter muito trabalho e portanto é preciso muitos braços para cuidar de tudo. Talvez isso seja razão suficiente para os pais terem tantos filhos. Os pais de Mariano tiveram doze filhos dos quais oito eram rapazes e quatro raparigas. Um rapaz e uma rapariga morreram. Mariano é o oitavo da irmandade.

A família produzia também vinho de palma. O pai cuidava das grandes palmeiras e Mariano das pequenas.

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A casa da família era bastante grande e, tal como muitas casas timorenses, era toda feita de canas de bambu.

As mangueiras e as bananeiras ficavam em redor da casa, assim como alguns animais livres de andar onde

quiser: quatro porcos, dez vacas e muitas cabras. São os cortes feitos nas orelhas que permitem aos donos

saber quais são as suas vacas. Ninguém mata as vacas dos outros. Quem o faz, é multado. As vacas são quase

sempre amigáveis, mas nem sempre é boa ideia passar atrás delas. Anos atrás, um dos irmãos de Mariano

foi infeliz ao fazê-lo. Quis imitar o pai que tinha acabado de ordenhar uma delas, mas não teve sorte e levou

um pontapé no tórax. O irmão foi levado para o hospital, mas quando fizeram um raio-X “estava tudo

preto”, lembra-se Mariano. O irmão morreu pouco depois.

Os pais de Mariano tinham uma relação normal com os vizinhos. Aliás, alguns deles faziam também parte da família. Juntos bebiam vinho de palma e contavam histórias enquanto as crianças brincavam. Até ao dia da tragédia, a vida do suco era relativamente sossegada.

Há uns meses atrás, Mariano estava a plantar grãos de café na horta quando, de repente, o seu irmão mais novo, Leonardo, apareceu a gritar que o pai deles estava metido numa grande briga com os vizinhos. Sem pestanejar, Mariano largou as ferramentas no campo e correu imediatamente até casa.

Quando lá chegou, uma mulher estava no chão, mas ele não teve tempo para analisar mais a situação, pois foi apanhado por alguns vizinhos que entretanto tinham também chegado ao local e levou uma grande sova. Minutos depois, foi também agredido pelos agentes da polícia que o achavam responsável pelos acontecimentos. Finalmente, Mariano foi levado para o posto da Polícia de Gleno e interrogado.

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O dia e a noite que passou nesse posto foram suficientes para ele perceber a gravidade da situação: dois dos seus tios e o seu pai entraram numa discussão com os vizinhos, também familiares e, antes de fugir, o seu pai matou uma mulher com um bloco de madeira e feriu gravemente um homem.

Como não conseguiram vingar-se logo do pai, os vizinhos destruíram a casa da família. A sua mãe e os seus irmãos pequenos encontraram refúgio noutro suco. Mais tarde, foi ela que contou a Madalena, uma responsável do Centro Miguel Magone, que a fonte do desentendimento entre os vizinhos era um terreno. No passado, nem o chefe do suco, nem a polícia conseguiram encontrar uma solução para o problema.

Quando, em Janeiro de 2011, Mariano chegou ao Centro Miguel Magone, chorava todos os dias com saudades dos pais e da vida na plantação de café. O seu caso há-de resolver-se mas, antes disso, Madalena deverá encontrar a sua certidão de nascimento em Railaku para confirmar a sua idade legal.

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Natalino, com 24 anos, é o pensionário mais velho e também o mais antigo do Centro Miguel Magone em Taibesi. Os 11 anos que ali passou fizeram com que o Centro fosse a sua casa. Durante a infância, Natalino vivia em Viqueque, uma cidade a sudeste de Díli, com os pais, as irmãs e o irmão. Quando o pai, um condutor de bis, morreu, Natalino tinha apenas 11 anos. A vida tornou-se extremamente difícil para a pequena família. De um dia para o outro, a sua mãe encontrou-se sem meios para sustentar os seus filhos. Quando, pouco tempo depois, uma das suas filhas morreu, a mãe tomou a decisão de entregar Natalino e a outra irmã ao Orfanato Seroja, uma entidade pública indonésia, em Díli, para ter a certeza que eles, pelo menos, iam sobreviver. Só um menino ficou com ela, o mais pequeno.

Construir casas foi sempre o maior desejo de Natalino. No dia 19 de Novembro de 2011,

uma vez concluído o bacharelato em Construção Civil, Natalino começou a sonhar com a etapa seguinte: completar a licenciatura. Ele sabe que Timor-Leste precisa de pessoas formadas para construir edifícios e portanto acha que vale a pena continuar os estudos nesse sentido.

Quem teve a oportunidade de passar uns dias com ele percebe logo que Natalino é atraído pelas artes, quaisquer que sejam. Parece que as suas maõs só sabem atrair objectos que desenham quadros, tocam guitarra ou contam banda desenhada.

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Essa separação aconteceu antes do referendo de 1999 sobre o futuro de Timor-Leste. Logo a seguir ao resultado do referendo, as forças de oposição à independência de Timor- -Leste atacaram civis e criaram uma situação de violência generalizada. Foi um mês depois dessa crise que a sua irmã, um ano mais nova que Natalino, voltou para Viqueque para viver com a sua mãe.

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Ele continuou sozinho no orfanato indonésio até ao seu encerramento em 2001 e, a seguir, foi acolhido no Centro Miguel Magone, onde começou algumas das actividades que ainda hoje pratica no Centro: tocar guitarra, cantar e desenhar. Nos dias de hoje e por causa da sua experiência, Natalino é como o irmão mais velho das crianças que chegam ao Centro até os seus casos serem resolvidos. Oficialmente, ele não faz parte dos quadros do Centro, mas isso não o impede de orientar e ajudar os outros o mais que pode. O facto de ficar no Centro foi uma decisão sua. Na escola, já andava no sétimo ano e não quis parar os estudos. Durante as férias, Natalino vai sempre passar uns dias com os seus familiares em Viqueque. Ainda tem por lá amigos, todos eles já com trabalho e, muitas vezes, com família.

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“A Universidade não é muito cara porque é pública”, explica Natalino. Mesmo assim é preciso que haja alguém de boa vontade para pagar as propinas. Nesse caso, o seu tio, irmão da sua mãe, dá-lhe o apoio necessário. O Natalino sabe que, se quer continuar a licenciatura, terá que trabalhar fora do Centro para poder pagar os seus estudos. Ainda não encontrou soluções. Já tentou obter bolsas para ir estudar na Austrália, mas o seu nível de inglês não lhe deu oportunidade e, por enquanto, teve que desistir dessa opção. A esperança de Natalino e da sua família provém certamente do Centro Miguel Magone. Todos confiaram nele, nos seus talentos. Qualquer que seja o seu destino, é quase certo que a sua mãe que, de momento, vende hortaliça previamente comprada aos camponeses num mercado de Viqueque, deve estar muito orgulhosa do seu filho.

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BIS = Transporte público. Pequenos autocarros de 15 pessoas com três portas. Os bis são sempre pintados com desenhos e letras. A maior parte do tempo a música é indonésia e toca muito alto.

CASA DE PIKUS = Casa feita com canas de bambu.

LAKU = Animal parecido com o pando,

que vive na floresta, nas árvores

grandes.

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SUCO = Designa uma divisão administrativa. Um suco pode ser composto por uma ou mais aldeias.

LAKU = Animal parecido com o pando,

que vive na floresta, nas árvores

grandes.

SASORO = Guisado de arroz com legumes.

TIMOR BARAT = Parte ocidental e indonésia da ilha de Timor.

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A felicidade de um povo lê-se no sorriso das crianças. O sorriso de uma criança é o sol que desabrocha as flores que

se tornarão fruta, semente e árvore do amanhã. Por isso as crianças são flores que nunca murcham.Durante a guerra civil, às crianças do sexo masculino era ensinado a matar e eram usadas como máquinas de guerra. Hoje graças à paz, que dura há 20 anos, os rapazes aprendem ofícios benéficos ao seu desenvolvimento. Mas uma pergunta me fica: o que é feito desses a quem foi roubada a infância e aprenderam a matar na mais tenra idade? Serão hoje homens normais? Conseguiram superar os traumas? Será que conseguiram empregos e construíram famílias?Hoje, Moçambique vive um clima de paz, mas essa paz ainda não penetrou nos corações da maioria das crianças. Enquanto as vozes do mundo inteiro se unem numa só pelos direitos da criança, rapariguinhas, na mais tenra idade, são sexualmente abusadas por homens adultos até à morte. Outras crianças são traficadas, escravizadas por indivíduos pouco escrupulosos ávidos de lucro à custa do sacrifício da vida das crianças. Há crianças torturadas e abandonadas nas ruas pelos próprios pais. As rádios e as televisões de vez em quando reportam casos de recém-nascidos abandonados nas lixeiras da cidade. A sociedade está cada dia mais atenta e luta contra a violação dos direitos das crianças, mas os violadores usam cada vez maiores artimanhas. A luta pela paz não é apenas o calar das armas. Nas comunidades, algumas

tradições ainda contribuem muito para a violência da desigualdade. Quando uma menina nasce, não há grande celebração. O pai não se interessa lá tanto e mesmo a mãe sente algum desconforto por ter gerado uma rapariga. Mas quando nasce um rapaz, há quase sempre uma festa de arromba, porque nasceu o varão, o homem da casa, o continuador do nome da família,

aquele que vai ter todos os herdeiros. No crescimento, ao rapaz se ensina a mandar, e a menina a obedecer.É doloroso para uma menina ver o irmão a banhar-se e a seguir o caminho da escola, onde vai aprender um ofício e coisas do desenvolvimento enquanto ela vai ao lado da mãe a caminho da lavra aprender a cultivar e a ceifar os campos de milho ou de arroz. As meninas não precisam de aprender tanto, dizem algumas tradições; precisam sim de arranjar um marido e saber cuidar da família. É por

isso que as raparigas são submetidas aos ritos de iniciação, onde aprendem sobre a obediência e como ser esposa. Findos esses ritos é considerada mulher e entregue a um marido velho antes de completar sequer os 13 anos de idade.Onde parece haver só tristezas, aparece também uma esperança. Desenvolvem-se cada dia mais leis e reformas a favor da criança. Há organizações da sociedade civil que se esforçam por promover a causa da criança no dia-a-dia e a mensagem vai chegando aos lugares mais distantes.A felicidade das crianças ainda é uma semente que está a germinar. O seu crescimento depende de muitas mãos. Nas campanhas que se vão fazendo a favor da criança se vai ensaiando um novo futuro.

Paulina Chiziane / Escritora moçambicana

A Criança Feliz

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Xai-Xai

Quelimane

Nampula

Pemba

Ilha de Moçambique

Tete

Beira

Bilene

MAPUTO

ILHA BENGUERRA

ILHA BAZARUTO

MOÇAMBIQUE

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As crianças não gostam muito quando os adultos lhes fazem perguntas e a maioria delas procura uma saída de emergência para não responder.

Ao contrário de muitos, Abiba não tenta escapar ao exercício nem, sobretudo, ao olhar do interlocutor. Em vez disso, ela coloca os seus olhos directamente nos olhos dele e responde às perguntas sem pestanejar, sem interrupções e com um vocabulário escolhido. Isto é particularmente claro quando Abiba é acompanhada pela prima, Jacinta, uma menina de 11 anos de idade que mal esconde a sua timidez. É preciso dizer, a fala de Abiba é cativante e ela gosta de contar histórias. Quando começa, o rosto dela torna-se bastante grave para uma menina de 9 anos. Não por causa de uma contrariedade, mas sim porque precisa de concentração para partilhar a sua história.

Abiba é nativa da região de Nampula, no Norte de Moçambique. A família vivia numa aldeia chamada Pebane. “Quase que (eu) tinha um mês”, quando os seus pais se instalaram em Maputo, no Sul, “para procurar emprego”, diz ela. “O meu pai trabalha numa empresa, G4S. Ele trabalha como guarda. A minha mãe vende capulanas”.

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Ambos “vivem juntos” e tiveram nove filhos mas “quatro faleceram,

ficamos cinco”, conta Abiba que enumera assim a irmandade: “O meu irmão

Sharik é o primeiro, tem quase 15 anos. Depois vem o meu irmão que tem

14, o Resik. Venho eu, com 9 anos. Veio o meu irmão que tem 4 anos, o Helton, e a mais pequenina que tem 3 meses, a Fátima”.

Mas, como explica Abiba, a família ainda não está completa, mesmo se “vai fazer um ano e meio que ele, o Sharik, chegou em Maputo”. A seguir à sua chegada, esclarece, Sharik “começou imediatamente as aulas na escola”, mas como os pais “não pagavam a mensalidade, ele fica em casa. Vem no centro. Vai começar o curso de costureiro aqui no centro”. Antes de viver em Maputo, Abiba explica que o seu irmão vivia na casa “da minha avó Floriana. Ela é camponesa, tem cabras, cuida de ovelhas”. “Não sei onde foi o meu avô, mas disseram que faleceu”, acrescenta.

Quem “ficou lá, na minha terra, com a minha avó” foi o Resik. “Ele estuda. Não sei, mas parece que a minha mãe sabe”, diz ela. Abiba encontrou o Resik pela primeira vez “quando tinha 5 anos”. A sua memória ainda está viva quando conta que: “Eu e a minha mãe, ela estava grávida, fomos de carro. A viagem durou uma semana. Alguns ficavam de pé. Eu desci do carro para ver os animais domésticos”. Mas à noite, nota Abiba, os passageiros tomavam algumas precauções porque “lá fora é muito perigoso, alguém pode esfaquear alguém, lançar pedras.Dormíamos no carro parado”.

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O encontro com o irmão foi curto e Abiba confessa

que “ficamos lá uma semana” e portanto

“não conheço bem o meu irmão”.

Abiba enumera todos os lugares onde a família viveu, desde que está em Maputo, há nove anos: “Primeiro vivemos pelo Caniço, lá. Depois, vivemos no bairro Ferroviário melhor do que o Caniço, Maxaquene, Polana Caniço A, depois Mavalane, finalmente aqui na Polana Caniço B”. “Na Polana Caniço A, havia bandidos, às vezes entravam em casa, ameaçavam-nos, às vezes com pistola, às vezes com faca”. Em Mavalane, Abiba lembra-se que também havia bandidos que “tiravam as torneiras” para as vender para vendê-las mais tarde e “partiam as janelas”. Mas, roubar em Maputo pode ser uma prática muito arriscada. Nos bairros onde a polícia não tem presença, a população faz a sua própria justiça. Uma justiça rápida que Abiba testemunhou várias vezes: “Quando pegavam um ladrão, punham um pneu, levavam capim, fósforo, acendiam. A pessoa começava a arder e saia sangue na boca”. Outras vezes “as pessoas levavam um ferro, punham no lume, depois queimavam um olho, quase todo. A pessoa não morria. Os ladrões eram jovens, outros eram velhos”. “Vi isso muitas vezes mas não podia fazer nada. Eu chamava a polícia, mas ninguém vinha”, lamenta ela.

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No bairro da Polana Caniço B, “temos uma pequena casa, tem uma varanda, dois quartos, uma sala”, adianta Abiba, e acrescenta: “Eu, o Sharik e a Jacinta dormimos na sala. No outro quarto é pai, mãe e um bebé. No segundo quarto é a loiça. Os donos da casa faleceram. Jacinta tem 11 anos de idade e é filha da irmã do pai. A minha mãe pediu à minha tia, lá mesmo em Nampula, para ela viver connosco”. Abida nunca perguntou porque é que a Jacinta foi escolhida para viver com eles em Maputo em vez do seu irmão Resik. O mais importante é que ela dá-se bem com a Jacinta, apesar de “ela começar a provocar” pequenos conflitos. “Ela diz que não gosto dela mas do fundo do coração gosto dela e brincamos juntas”, comenta Abiba. Quem encontra as primas juntas no Centro da Polana Caniço não duvida que ambas são amigas a sério.

De momento, a família de Abiba está de jejum por causa do Ramadão, um tempo de renovação da fé para os muçulmanos. “Nós jejuamos só três dias da semana: Sábado, Domingo e Segunda”, diz ela. Durante este período, a família não janta “até às 17h25. Cada dia é um minuto diferente”. A sua mãe prepara um prato especial para essa ocasião, tal como “batata frita, salada e pão sem manteiga. O pão não tem manteiga porque a salada já tem óleo para os tomates, as cebolas e a alface”. No Ramadão, como ela explica, a família segue novos compromissos: “Cada dia, vamos para a mesquita Triunfo às 18h00, ou às 19h30 até às 21h30. É só rezar”. “Os homens têm o cantinho deles e as mulheres têm o cantinho delas. Os homens ficam em baixo e as mulheres ficam em cima”. Mesmo que seja muito tempo a rezar para uma criança, Abiba afirma que “temos que cumprir as ordens de Deus”. Depois de rezar, voltam para casa e jantam. “Às 4h00 – da manhã –, acordamos para fazer Suhoor, comer a última refeição”. A seguir, voltam para a cama e “acordamos às 6h00”.

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Jacinta, a prima de Abiba, conta que, no dia- -a-dia, a “primeira coisa da parte da manhã é escovar, e depois lavamos a loiça com Abiba, e depois vou varrer dentro sozinha, e depois Abiba vai varrer fora comigo. Demora uma hora, e depois vamos tomar banho”. A seguir, e porque nenhuma das duas vai à escola, vão passar a manhã “aqui no centro, até às 12h00”. “Eu estudei há muito tempo, tenho um livro em português para aprender. Tenho os meus cadernos lá em casa”, lembra-se Abiba quando fala do ensino básico. Ela sabe escrever e cantar em Português assim como recitar suras do alcorão em Árabe.

No entanto, e se por razões económicas, elas não podem estudar como a maioria das crianças, à tarde seguem um curso numa escola corânica com Apa, uma jovem professora que aprendeu Árabe numa mesquita na África do Sul. “Onde eu estudava, lá nas Mahotas, explica Abiba, raparigas e rapazes eram misturados. Aqui, as mulheres têm que ter a sua professora, e os homens o seu professor”. Quando Abiba soube das histórias dos pequenos Talibés guineenses que ficam na rua a pedir esmola em Dacar, ela comentou: “É pecado!”. Nas ruas, às vezes, Abiba ouve: “Deus para todos, cada um por si”. Ela discorda com essa ideia e afirma que “todos temos que ajudar”.

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Sempre com aquele olhar firme e intransigente, Abiba esboça um plano para o seu futuro: “Quando for grande, quero ajudar os pobres. Gostaria de fazer uma casa enorme só para eles, muitos, muitos quartos, muitas salas e médicos, uma varanda enorme para eles conversarem . Depois de fazer isso queria ser uma engenheira informática para mexer nos computadores, para comunicar com os outros países e saber como é que o mundo anda em redor do sol”. Questionada sobre se o mundo anda bem, Abiba afirma “não sei, hei-de pensar”, e acrescenta “também gostaria ser médica para cuidar dos doentes”.

Apesar desses sonhos lindos e promissores, Abiba não deixa de ser uma criança quando confessa que “a actividade que mais gosto é brincar mas gostaria de continuar a estudar. Trabalhar quando é criança não dá, é muito difícil e muito chato”. Jacinta concorda: “Limpar dentro e varrer fora é o mais difícil”, e sonha ser um dia jornalista para contar histórias.

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“Lá, vão matar a minha mãe”, é a imagem que, desde meses atrás, assombra a mente

de Aurélio, um adolescente de 13 anos de idade. Lá, é uma aldeia no sul de Moçambique, na província de Gaza, uma região que faz fronteira, a Sul, com a África do Sul e, a Oeste, com o Zimbabué. É o lugar onde Aurélio morava com a família antes de se mudar para Maputo.

Durante quatro anos, o seu pai trabalhou na África do Sul. De vez em quando, voltava e deixava mercadorias para a família, que bem precisava dessa ajuda. Antes disso, o pai foi membro da Polícia Militar do Exército de Moçambique. A morte dele, há dois anos, foi o início dos problemas para o resto da família.

Um dia, ele voltou, já doente, para a aldeia. A sua doença gerou confusão. Aurélio afirma que “eles o mataram”. Eles são os vizinhos que, a seu ver, eram invejosos e trataram de eliminá-lo com “feitiçaria”. Em Moçambique, as crenças na feitiçaria são ainda muito fortes.

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Após a perda do marido, a mãe de Aurélio decidiu mudar não só de casa,

mas também de região. Foi assim que eles se instalaram em Maputo. Na aldeia, explica Aurélio, mesmo se “não era casa boa, era de caniço, dois quartos, uma sala”, pelo menos toda a família vivia junta. Isso mudou também. A morte do pai significou falta de meios para sustentar a família.

Um primeiro irmão de Aurélio, Dionísio, decidiu viajar até à África do Sul, para ajudar a mãe e ganhar dinheiro. “Quando está de folga, às vezes ele vem”, conta Aurélio. Além desse irmão que tem 24 anos de idade, Aurélio tem mais dois irmãos, o Cardoso e o Beto, respectivamente com 16 e 3 anos de idade. Do lado do pai, os irmãos têm também uma irmã de 11 anos, a Zinha.

Recentemente, o Cardoso “ foi com o mano mais velho” à África do Sul. Ele “não estava a estudar, conta o Aurélio, só ia trabalhar ao lado do Hospital Geral de Mavalane, numa fábrica de cimento”.

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É porque a mãe temia pela sua segurança e dos seus filhos que eles fugiram da aldeia. Aurélio conta que a irmã mais nova do pai, a Maria, assim como a sua segunda mulher, chamada Nosta, “queriam matar a sua mãe”. O objectivo dessas duas mulheres era recuperar os documentos deixados pelo pai. Uma vez recuperados, ambas podiam usufruir da casa da família de Aurélio e da pequena pensão dada pelo Estado moçambicano às famílias dos polícias reformados ou mortos. A Nosta tinha também outro projecto: porque ela própria não tinha documentos legais, queria usurpar a identidade da mãe de Aurélio.

Felizmente, na sua fuga, a mãe conseguiu segurar a maior parte deles. Ao longo deste drama, teve sempre o suporte do Luís, o irmão do marido. Anos atrás, ele foi agente da polícia mas, de momento, encontra-se na África do Sul onde trabalha.

Quando saíram de Gaza, deixaram para trás todos os seus bens, pensando voltar mais tarde para recuperá-los.

Infelizmente, a Nosta levou tudo entretanto.

No passado, o Aurélio, já tinha brincado com a Zinha, sua irmã e filha de Nosta, “às vezes na minha casa, às vezes na casa dela”. Manter a relação é agora impossível.

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A seguir à fuga, a família veio ter com a Dina, irmã mais velha da mãe, empregada na Baixa de Maputo. Ficaram um ano no bairro de Maxaquene até ela pedir para que saíssem da sua casa. A mãe procurou e encontrou uma casa no quarteirão 39 de Polana Caniço B. Desde o acontecimento, Aurélio nunca foi visitar a tia Dina. Essa nova casa é uma casa de guarda emprestada por uma igreja evangélica com uma sala e um quarto só. A sua mãe, que tem 44 anos de idade, “lava roupa, limpa dentro, cozinha, varre o quintal” e “trabalha no quintal duma senhora que ajuda na Igreja Universal”.

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Quando vivia ainda na aldeia, Aurélio andava na 3a classe mas aqui, em Maputo, nunca se matriculou na escola. No bairro de Polana Caniço B há uma escola pública e algumas escolinhas privadas, algumas delas são laicas, outras religiosas. As aulas nessas escolas custam uns 100 meticais por mês, mas a mãe de Aurélio não consegue juntar sozinha esse valor e, de qualquer forma, para passar para a classe seguinte, no dia dos exames é necessário mostrar um documento válido. O grande problema de Aurélio é que nem bilhete de identidade tem. Ele explica que “os seus documentos foram roubados na casa deles em Gaza”. Pelos mesmos motivos, nenhum dos seus irmãos estuda. Para não ficar desocupado, Aurélio passa todos os seus dias no centro de Meninos de Moçambique onde encontra sempre qualquer coisa para fazer. “O dia que não vim foi por causa da missa do meu pai”, diz ele para justificar um dia de falta.No bairro de Polana Caniço B, muitas das crianças

são órfãs de pai ou de mãe e, por consequência, eles são muitas vezes vítimas da pobreza. Outros são abandonados pelos pais e ficam na mão dos avós. A maior preocupação deles é o pão de cada dia. Muitos deles só têm uma refeição por dia.

Um dia destes, quando for grande, Aurélio quer fazer parte da polícia “para proteger as pessoas”. E a sua mãe, sem dúvida.

Com os seus amigos, o José Mathe Paulo, o Tó, o Pedro e o Chizley, gosta de brincar ao “polícia e ladrões” mas também “aos berlindes, fazer carinhos e pião”.

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Nunca houve luta entre eles e até se dão bem com as outras crianças, mesmo as meninas.

Aurélio conta que “nunca explorou

os arredores do bairro”, sempre

ficou aqui desde que a família se instalou

em Maputo. Isso não lhe parece nada uma

situação desagradável porque entre Gaza

e Polana, Aurélio prefere viver na Polana e

insiste em dizer que “Lá”, em Gaza “vão

matar a minha mãe”.

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A Cristina, ou Tina, é uma jovem cujo rosto diz muito da sua felicidade.

É moradora do bairro Luís Cabral, mais comummente chamado Xinhembanine. Ela nasceu a poucos quilómetros daqui, no Hospital Central de Maputo, mas sempre viveu nesse bairro periférico da capital e não conhece as outras regiões do seu país, Moçambique.

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Tina sabe os nomes dos seus pais: a mãe é Cristina e o pai, Ernesto. Ambos têm 50 anos de idade. Tiveram cinco filhos juntos, mas é preciso dizer que a mãe da Tina teve duas filhas com outro homem antes de viver com o Ernesto. Marta, a filha mais velha e irmã de Tina, vive no Bairro Malhapsene e já tem cinco filhos. A segunda filha, Hélia, é vendedora e vive perto da casa da mãe. Hélia é mãe de um filho.

Consoante o período do ano, a sua mãe vende produtos diferentes numa banca. No Inverno por exemplo, “ela vende laranjas, tangerinas, tintsiva e cana doce”. Durante o Verão vende “chamuças de peixe carapau” que faz com a ajuda das filhas, Tina e Aida. “O pai não trabalha mas vende sacos de plástico na cidade de Maputo”, explica Tina.

O dia-a-dia de Tina não varia muito: “Vou lavar a cara, os dentes, varrer o quintal, lavar a loiça, depois varrer dentro de casa”. A seguir é só “arrumar a banca, um bocado grande”, depois “fico lá sentada das 8h00 ou 9h00 até às 11h00 ou às 12h00”. Ao meio-dia, Tina toma “mata-bicho e chá que compramos no mercado. É pão com manteiga”, antes de preparar para ir “estudar na Escola Primária Completa Unidade 6”. Ela está na 7ª classe.

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Anos atrás, o mata-bicho era sempre o pequeno-almoço que a maior parte das pessoas tomavam entre as 8h00 e as 10h00 da manhã. Nos dias de hoje, por falta de meios financeiros, o mata-bicho tornou-se também o almoço. No final das aulas, quando Tina volta para casa, conta que “encontra comida preparada pela sua mãe como massa, feijão, arroz”.

Normalmente “faço os trabalhos da escola sozinha”, conta. Quando não consegue resolver um problema, “fala com a irmã”. Na escola, Tina não gosta do Inglês, mas “Português, Matemáticas, Ciências Sociais, Moral Cívica são as matérias que eu gosto”, diz ela. No curso de Ciências Sociais, explica Tina, “falamos daqueles que estavam na luta, de Samora Machel, de outros países”. No início das aulas “cantamos o hino nacional”, um hino de que ela gosta.

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“Temos seis professores e temos D.T. (director de turma) que cuida da nossa turma”. Laura, uma professora de Português, é a D.T da classe da Tina. Tina gosta dela “porque explica bem”.

Antes de sair para a escola, Tina veste um uniforme. Em quase todas as escolas de Maputo, os alunos vestem um uniforme. Cada escola tem cores específicas. As raparigas vestem uma camisa e uma saia ou umas calças, os rapazes vestem umas calças e uma camisa. Um conjunto custa entre 100 e 120 meticais. Para muitos pais, a compra de um uniforme é uma grande despesa e é uma razão suficiente para não matricular os seus filhos na escola, particularmente quando se têm muitos. Normalmente, os livros não se pagam. Há uma distribuição gratuita ao início do ano escolar, cada livro é registado e devolvido no final do ano. Quem compra livros pode também entregá-los no ano seguinte a um membro mais novo da família ou revendê-los.

No fim das aulas, Tina adianta que “sai na rua para brincar com as minhas amigas até às 20h00. Brincamos maflex, plastiquinhos de gelo”.

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Maflex é basicamente o jogo do elástico. Tina e as suas amigas, Mimi, Maria e Aida, esticam os plásticos que servem para os sorvetes de gelo – são precisos muitos – e amarram-nos para fazer um elástico comprido. A seguir, duas amigas esticam-no entre as suas pernas enquanto outra salta por cima contando de 1 até 20. Esse jogo assemelha-se a outro jogo, o “pidjonson”, em que os jogadores cantam e dançam em cima do elástico.

Tina, Maria, Mimi e Aida brincam também ao jogo da “Banana” que é o jogo das escondidas. Em Moçambique o jogador que fica no cantinho em busca dos outros pergunta sempre: “Banana” e, se os outros respondem: “Ainda não comeu”, o caçador tem que esperar um tempinho antes de começar à procura dos jogadores escondidos.

Tina já tem planos para o seu futuro: “Quero ser professora de Matemática. Gosto de Matemática. Não é uma disciplina difícil para mim”, diz ela. De certeza que os seus alunos hão-de gostar de uma professora cujo rosto sorridente comunica naturalmente paz.

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Catarina e Avozinha vivem juntas, com mais três

moços, numa casa sem telhado. Melhor dizendo, o telhado é a copa de uma árvore enorme que cobre inteiramente a casa e o jardim em frente. A casa está escondida atrás de uma alta parede que não tem porta. A escada usada pelos adolescentes para chegar aos seus quartos é uma rachadura na parede provocada pela forte raiz de uma planta. Não trepa quem quiser: é preciso alguma agilidade para chegar ao topo da parede. Os adolescentes são meninos de rua e na sequência de histórias diferentes, escolheram viver ali.

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Catarina tem 16 anos, o rosto de uma menina de 12 anos mas já com corpo de mulher. Apesar disso o seu rosto é fechado “porque lá” não há beleza, “é duro só”. Nasceu em Marracuene, um bairro de Maputo. Um dia, a sua mãe foi-se embora com mais três meninos e deixou Catarina com o pai. Ela era pequena ainda e não se lembra da data do acontecimento. “Ela está em Gaza. Os outros três estão com a minha mãe. Sou a mais velha. Temos o mesmo pai, a mesma mãe. Sou a mais velha. A minha mãe me fugiu”, constata ela. Quem cuidou dela a seguir foi o seu pai. Viveram juntos por uns tempos até o pai ficar doente. “A doença era cólera. Porque o meu pai estava doente, deixaram-me no Centro de São Roque”, explica. O pai foi internado no hospital mas vinha visitar regularmente a filha no Centro. Tempos depois, conta Catarina, “O meu pai veio me levar do Centro. Vivi com ele em Marracuene, só nós os dois. Ele não trabalhava. O meu pai vinha aqui na Baixa comigo, para pedir esmolas”. Nesses dias, Catarina acompanhava sempre o pai. Explica como essa experiência mudou a sua vida: “Eu tinha amigas encontradas na rua, e depois fiquei a dormir no Ponto Final com as minhas amigas. Mesmo na rua”. A Catarina não sabe dizer ao certo quanto tempo é que ficou a viver na rua. “Muito tempo” diz ela. Ela estava nessa situação com mais duas amigas. Uma noite, enquanto estavam a dormir, “moços violaram” as três amigas e “pediram dinheiro”, conta Catarina chorando ao rememorar este terrível momento. Em Maputo, todas as meninas que vivem nas ruas são submetidas a esse teste que elas próprias chamam de “baptismo”, parecido ao baptismo dos caloiros mas bem mais violento, e só são aceites por um grupo depois de o ter passado. A seguir, uma amiga, a Beatriz chamada “Mãe” pelas crianças de rua, mostrou-lhe o Centro de Lhaisseca, um lugar onde Catarina pôde ficar e onde era possível “tomar chá, tomar banho, comer”.

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Actualmente, Catarina vem diariamente ao Centro de Meninos de Moçambique. “Cheguei em 2009”, lembra, quando fala da sua instalação na casa que faz frente ao Centro. Conta que no dia-a-dia, “acorda, toma banho por volta das 8 horas da manhã”. Ela e os seus companheiros tiram a água no jardim antes deste fechar. Em casa “tem panela” e aquecem a água para se lavarem.

Page 61: Vozes de nós

“Não gosto de andar muito. Fico a dormir à tarde” diz ela, fechando a cara e não querendo falar mais sobre o assunto até dizer: “ Faço negócio noutros sítios porque na Baixa há televisões, etc.” Por uma noite de trabalho, Catarina pode ganhar 1500 meticais. Entrega sempre 500 à sua tia-avó, 500 ao seu pai e guarda 500 para ela. Ajuda a tia-avó porque “ela está aleijada a um pé”. A avó é a tia, irmã mais velha do pai. Ela “vive na Maxaquene e vende comida perto do Mercado Central”. Catarina trabalha das 18h00 até às 23h00. Quando está na rua com outras adolescentes “ vêm pessoas do hospital para cuidar” diz. E “para não engravidar, usa preservativos”.

Catarina e Avozinha ficam em casa quando não vão trabalhar na rua. Avozinha conta: “Arrumar a casa, lavar nem sempre, não tem muita roupa. Gosto de lavar mas não quero lavar todos os dias, cozinhar com panelas, arroz, amendoim, peixe fresco” que vão buscar ao Mercado Central. Quando é hora de fazer as compras, “Somos duas. Vamos juntas. Lavamos e cozinhamos juntas”, dizem elas. Quando estão fora de casa, “ninguém entra, nem rouba” no quarto delas. À noite, mesmo durante o Inverno, “Não faz frio. Tem uma cortina para tapar”, explica Catarina.

Page 62: Vozes de nós

Catarina não sabe nada dos irmãos que ficaram com a sua mãe em Gaza. “Hei-de ir lá um dia”, diz ela simplesmente.

Recentemente, conta, “o meu pai foi atropelado por um carro. Foi a minha avó que me disse”. O pai vive agora com a irmã mais velha no bairro da Liberdade, na Matola. Mas, devido ao seu recente acidente, continua sem trabalhar.

O desejo de Catarina é simples: “ Quero ir à escola, fui até à 6ª classe. ”

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Para Avozinha, que fugiu de casa

aos 13 anos, “por causa da

madrasta, a Laura, ela

maltratava-me com

chinelos na mão, o sonho

agora é sair de onde

estou. É muito duro”,

confessa ela. Dois sonhos que

deveriam ser obviamente realizados.

Page 64: Vozes de nós

“Nasci em Springs, na África do Sul”, conta Leonardo, mais conhecido por Clinton. Ele não sabe onde fica Springs, nunca lá voltou. Viveu lá até aos seus sete anos de

idade, antes de voltar para Moçambique com a sua mãe, doente na altura. Era “ainda criança” quando o seu pai morreu “atropelado”. A mãe “faleceu em 2007”.

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“Sou eu” o mais novo, diz ele. Tem cinco irmãos. O mais velho “tem 25 anos” e “faz pão, pizza em Joanesburgo”. A segunda é a Sandra. Ela “está aqui, tem 17” e não estuda. “Tem uma menina, a Melucha”. O terceiro chama-se Aron e “vive no bairro de Maxaquene” onde vive com a avó paterna. O quarto é o Amado. Também vive em Maxaquene. O Leonardo não sabe as idades desses dois irmãos.

Quem vivia com a mãe em Springs era a irmã, o Aron e ele, o Leonardo.

Apesar de não viverem todos juntos, todos têm os mesmos pais.

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“A minha mãe, que estava doente, veio aqui em Moçambique para ver a sua mãe. Foram ao hospital, ela estava de baixa e, depois de dois dias, ela morreu”, conta o Clinton, “ela tinha 49 anos”.

Em Springs, a mãe “vendia roupa numa loja”. A casa da família “era um quarto, uma sala, uma cozinha e uma casa de banho. Era uma casa boa”, comenta.

O Clinton não sabe ao certo quantos anos é que a sua mãe ficou na África do Sul. Lá, ele ía à escola “estava na quarta classe”, onde se falava “inglês e afrikaans”. Na escola, os alunos eram brancos e pretos, “era bom”, não havia tensões. O Clinton não se lembra do nome dos seus amigos e esqueceu um bocado a língua mas quando tenta rememorar-se alguma coisa, vê-se no seu rosto concentrado que tem ainda muita saudade daquele tempo.

Page 67: Vozes de nós

Agora, Clinton vive com a avó Lina. Ela “faz apas e chamuças.

As apas são feitas de trigo, são fritas”, parecem um

crepe pequenino. Na realização das apas e das chamuças “quando

ela quer água, dou”, conta ele. “Ela vende aqui na

barraca que pertence ao marido”, que não é o pai da

mãe do Clinton. Ele é “simpático”, comenta o Clinton. “Ele vai

cortar caniços em Manaquene”, acrescenta. Com a sua

carrinha pequena, “leva os caniços para vender aqui

na barraca”, do bairro Luís Cabral aos moradores ou a quem

precisa de material para “que façam cozinha, quintal

ou casa de banho”. De qualquer forma, “são as pessoas

que vêm buscar o caniço”. Ele nunca vai a casa deles.

Às vezes, o Clinton “faz casinhas com o caniço”.

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“Estou na 5ª classe. Fiquei um ano sem ir à escola”, lamenta. É a sua avó que paga as propinas. Os seus irmãos não vão à escola. “Não estão a gostar da escola”, diz ele. Mas Clinton “gosta muito” da escola, particularmente das “Matemáticas, do Português e da Educação Visual”. Mas despreza as Ciências.

Quando Clinton tem tempo livre “fica perto da barraca” e nunca “vai brincar no cemitério” localizado ao lado do bairro e onde muitas crianças, muitas delas forçadas pelos familiares, vão para levar água às pessoas que lavam as campas. Os seus amigos são o Enoque, o Felis, o Bernaldo, o Edilson, o Romão, o Mito, o Nando, o Renaldo e o Rolando. Com eles, Clinton gosta de jogar futebol ou karaté. “Tem uma sala”, aqui no Bairro, onde “o professor Nelado dá uma classe de karaté, de capoeira e de boxe”. “É 100 meticais por semana”. “Às vezes, quando tenho tempo”, Clinton vai lá.

Ele “gosta muito” de bairro Luís Cabral, “das pessoas, animais, cão”.

“Sozinho às vezes”, ele vai “visitar a família, a minha avó Maria” que é uma tia já com idade. “Ela fica em casa e conta histórias da família”. É importante que as histórias da família sejam contadas por alguém. A mãe do Clinton tinha sete irmãos e não sobrou nenhum. Morreram todos para grande tristeza da sua avó Lina.

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“A casa onde vivíamos aqui no bairro queimou. Foi uma vela” começa o Clinton. “A minha cunhada, ela estava a usar roupa para ir ao serviço e depois esqueceu de tirar a vela”. Aconteceu à tarde e os bombeiros não vieram. Quem apagou o fogo foram os vizinhos “com baldes de água. Eu vi a casa arder”, diz ele. A casa era de pedra e a família ainda vive nela. “Tem fumo na parede e cheira a fumo”.

Um dia, se for possível, Clinton quer ser “desenhador para jornal” ou “médico”. Mas não há duvida que já é desenhador e que se quisesse poderia pôr em banda desenhada por exemplo, as histórias contadas pela avó Maria para que continuem a viver na memória de todas as pessoas da sua família.

Quando questionado sobre a sua alcunha, Clinton, responde “Me deram esse nome. A minha mãe”.

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APAS = Doces fritos feitos de trigo.

CASA DE CANIÇO = Casa construída com canas.

BADJIAS = Pastéis de feijão Nhemba

feitos com cebola, alho,

cebolinha, e às vezes piri-piri, sal e óleo.CAPULANA = Tecidos com variedades de desenhos de cultura africana. A maior parte vêm da Índia.

ESCOLA CORÂNICA = Escola onde os alunos aprendem

o alfabeto árabe, bem como os

primeiros preceitos da leitura

e da escrita do Aalcorão, isto é,

a introdução ao conjunto das suras.

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MATA-BICHO = Pequeno-almoço.

MATAPA = Prato moçambicano à base

de folhas de mandioca

acompanhado de arroz.

MASSALA = Fruto silvestre de cor verde.

METICAL/METICAIS = Moeda de Moçambique.

MLAFEX = (em Changana, uma das línguas faladas

em Moçambique) Flexões. Joga-se com

enumeração de números, de 1 a 20.

SUHOOR = (para os muçulmanos) A refeição que deve ser feita antes do amanhecer, antes da oração do Fajr, todos os dias, durante o tempo do Ramadão.

TALIBÉS = Estudantes muçulmanos.

TINTSIVA = Pequeno fruto

silvestre de cor

castanha.

PIDJONSON = Jogo da elástica. Joga-se com canções.

XINDIRE = Pião.

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Muitas vezes há um “chamamento” que nos diz que há pessoas que de nós precisam. Que muito podemos dar, para que o Mundo seja mais

solidário e inclusivo, levando a muitos dos que nos rodeiam momentos de alegria, bem- -estar, conforto e dignidade. Os Bairros da Achada Grande e Tira Chapéu são-me muito próximos, na medida em que por razões profissionais e políticas tive contactos directos com essas Comunidades.“Vozes de Nós” vem-nos alertar para situações sociais e sociológicas dos nossos países e mostra-nos que o Mundo mudou e que importa escutar as nossas Crianças/Adolescentes. As experiências contadas por elas vêm confirmar este desiderato. Dão-nos uma lição de vida, dizendo que não devemos baixar os braços, mas sim ir à luta! As histórias dos meninos e meninas destes Bairros são prova disso.O Anilton que nos traz um conjunto de dados familiares, a luta do dia-a-dia, mas que, apesar de tudo, acredita no futuro. O Leu (Anildo), “caçador” de ferro velho nas ruas, trazendo para casa o produto da venda, a Vany, que quer ser Polícia ou Professora, o que demonstra uma certeza no futuro, apesar dos problemas familiares, a Ilena, cujo pai tem duas casas, duas famílias, sonha ser Médica, a Dália cuja vida é feita de viagens e de laços familiares, com os olhos postos na diáspora, o Hélder que quer ser Jogador de Futebol ou Aeromoço e que pouco sabe da mãe, desconhecendo inclusive a data de aniversário desta, o Mário, que pouco sabe do pai já falecido, opinando sobre o seu Bairro

(Tira Chapéu), como violento, mas com os olhos postos no amanhã.Os sonhos e anseios destas Crianças/Adolescentes mostram-nos que o “Sonho Comanda a Vida”, apesar dos encontros/desencontros, dos desejos não concretizados hoje, da morte prematura de alguns membros da família, da gravidez precoce de muitas meninas, das separações inoportunas. O que nos impressiona positivamente nestas realidades vividas e partilhadas é a forma

como elas alimentam o porvir e lutam por um futuro risonho, como cidadãos de pleno direito. Estas histórias de vida são contadas com tanta emoção, tanta entrega e realismo, que até nos fazem entrar por elas dentro.A Associação das Crianças Desfavorecidas (ACRIDES) sabe o quanto é importante o seu trabalho, desenvolvendo diversas acções em busca de um futuro mais estável para as nossas Crianças e Famílias.A Associação para a Cooperação entre os

Povos (ACEP) que trabalha para esta causa tão nobre em vários países, merece uma palavra de apreço.Este trabalho não termina aqui e agora. Vai continuar com certeza e cada dia que passa, a esperança, o sonho e a realidade transformada, dir-nos-ão que VALEU A PENA.

Herminia Curado Ferreira /

/ Ex-Deputada Nacional, Professora, Escritora

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PRAIA

ILHA DO SAL

ILHA DA BOAVISTA

ILHA DESANTO ANTÃO

ILHA DESÃO VICENTE

ILHA DESÃO NICOLAU

ILHÉUS DO ROMBO

ILHA DO FOGO

ILHA DE SANTIAGO

ILHA DO MAIO

CABO VERDE

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Anilton não vive do outro lado do mundo, não. Anilton vive na Achada Grande de Trás, na ilha de Santiago, em Cabo Verde. Para chegar ao bairro é preciso

apanhar um táxi ou transporte público, ou fazer uma longa caminhada a pé porque o bairro está localizado do outro lado do aeroporto internacional Amílcar Cabral, no Plateau bordado pelo oceano Atlântico.

Os pais de Anilton são ambos moradores do bairro Achada Grande de Trás, mas “não vivem juntos”. Separaram-se quando a mãe, com 17 anos, estava ainda grávida de Anilton. Ele ficou com a mãe. De vez em quando Anilton encontra-se com o pai, mas nunca viveu com ele. O pai tem mais dois filhos, uma menina de 6 anos e um filho de 20 anos que vive em Boston, nos Estados Unidos. Mas do irmão “não sabe nada”, porque nunca enviou cartas. Da parte da mãe, Anilton tem também uma irmã mais nova de 8 anos, chamada Emilsa. O pai de Emilsa vive também em Boston nos Estados Unidos, já lá vão 7 anos.

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Os pais que a mãe de Anilton escolheu para ter os seus filhos tinham sempre mais de 30 anos, mas nem por isso ficaram com ela, nem deram apoio apesar de precisar. Com 28 anos, a mãe “vem dum bairro da Praia chamado Safinde”. Deixou de estudar no final da escola primária e “não pôde continuar a estudar, mas se pudesse ainda continuava”.

Ela “tem dores na coluna” e diz que “não pode carregar” cargas. Mas aqui no bairro da Achada Grande de Trás quase toda a população carrega água, do Chafariz até casa, simplesmente para sobreviver. A água é para beber, para cozinhar, para lavar o corpo, a roupa ou a loiça, entre outras coisas. A água é vida. Durante o dia, os chafarizes animam-se como se fossem colmeias; os moradores vão e vêm. É uma verdadeira procissão: há quem tenha a vida facilitada com carrinhas, mas a maior parte das pessoas carregam e transportam os seus baldes de plástico, simplesmente com a força dos braços ou em cima da cabeça. A cada um o seu jeito. Assim, regularmente, a mãe de Anilton carrega, apesar das dores, baldes de 20 litros de água.

De momento, a mãe de Anilton não trabalha mas “já foi empregada doméstica”. Gosta de cozinhar e um prato que ela costuma fazer para Anilton e Emilsa é “peixe frito com arroz”.

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Na casa da mãe de Anilton vive também a avó. É ela, com os seus 60 anos, que “dá apoio” à pequena família. Teve oito filhos e uma das suas filhas vive agora nos Estados Unidos. Essa tia de Anilton, quando pode, “envia sempre ajuda” aos seus familiares.

No bairro, quando se fala de violência “é só de boca”. Os homens do bairro “são amigáveis”, comenta a mãe de Anilton “mas, infelizmente, muitos deles não têm trabalho”. Às vezes, tentam trabalhos ilegais como ser taxista, para levar os moradores do bairro até à Fazenda, na Praia. Porque, além do problema recorrente da falta de água, faltam também transportes.

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Anilton “não tem ideia nenhuma” sobre o que quer fazer no futuro. Mas tem uma certeza: depois das férias vai passar para o 6.º ano, último ano da escola primária. A seguir terá que ir para o Liceu, situado do outro lado do Plateau, na Achada Grande da Frente. Mais uma longa caminhada à vista, a menos que consiga pagar o bilhete do autocarro. Durante as férias, com os amigos do bairro, irá de vez em quando “nadar nas águas da Prainha”, encalhada entre o bairro da Achada Grande de Trás e o de Marrocos. E lá, no mar, a água nunca falta, está por todo lado.

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A história da família da Dália é toda feita de viagens e de laços familiares. Das viagens que ela fez, a maior parte foram curtas e sempre à volta da cidade da Praia, mas houve uma viagem

que deu para atravessar o Atlântico e conhecer a realidade dos Estados Unidos.

Uma promessa para mais viagens é, talvez, a profissão que Dália escolheu para o seu futuro, “quer ser modelo”. Enquanto espera que isso aconteça um dia, continua os seus estudos ou partilha os momentos livres com as amigas.

Durante alguns anos, a sua família “viveu na casa grande dos avós” maternos no bairro da Achada Grande de Frente. Com eles vivia também um tio cujos filhos “viviam noutra casa”. Mas agora como ela explica: “Desde há 3 ou 4 anos, a família vive deste lado da Achada, quer dizer Achada Grande de Trás.” A casa, que lhes pertence, “é mesmo atrás da igreja de Nazaré”. Para Dália, viver na Achada Grande de Frente ou na Achada Grande de Trás, os bairros mais populosos da cidade da Praia, não faz diferença nenhuma porque ela “gosta dos dois lados”.

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Os pais da Dália são a Sónia e o Dany. “Ela tem 37 anos de idade e ele 42. São casados, vivem juntos há 16 anos” e tiveram três filhas. Cada uma dela tem um apelido cuja primeira letra é o D, seguramente inspirado pelo nome do pai. Dalila “tem 11 anos de idade” e Dailine “tem 7”. Dália é a irmã mais velha e tem 14 anos de idade.

A mãe da Dália já viajou bastante. Pelo passado, “ela foi três vezes nos Estados Unidos, em Portugal, no Senegal, na Costa do Marfim”, conta a Dália. A razão maior dessas viagens todas era “um negócio de roupas, sapatos e artigos para o cabelo” que a mãe tinha. Mas ultimamente, a mãe “faz doces que vende mais tarde à frente do Liceu” onde Dália estuda: “pastéis, bolos, bananinhas, iogurtes e donutes”. O pai de Dália “ajuda a mãe a fazer os bolos”. Já há muitos anos que “ele não tem emprego”. Ele já andou à procura “para ser motorista, mas ainda não conseguiu”.

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Para vender os doces, a mãe sai de manhã. No final do dia, depois de ter vendido os produtos, volta acompanhada da filha que tem um horário de tarde na escola.

Dália está no 9º ano e a seguir ao Verão irá entrar no 10° ano. Os seus pais “pagam entre 2.000 e 2.500 escudos por ano de propinas, mais o material para as aulas”. As suas irmãs também estão matriculadas na escola, respectivamente no 5º e no 2º ano.

De momento, a sua mãe “está em Portugal”. Viajou para resolver um assunto familiar: Dália tem uma avó nos Estados Unidos que “preencheu uma petição para chamar toda a família”. Nesse caso, a família envolve também um primo de 18 anos de idade que vive em Portugal mas uma deficiência física dificulta a sua entrada no território dos Estados Unidos. Portanto, como explica a Dália, meses antes, a sua mãe “teve que viajar até os Estados Unidos” para que as autoridades americanas deixassem entrar o primo. Afinal, a história soa como muitas outras histórias cabo-verdianas: uma diáspora à procura de melhores condições de vida espalhada pelos continentes à volta do Atlântico, mas também uma solidariedade extremamente forte entre cada membro da família. Os Estados Unidos, Dália já conhece. Há 3 anos atrás, na companhia da mãe e das irmãs “ficaram na casa da avó” materna que desde “há 7 anos atrás vive lá”, explica Dália. Ela tinha “11 anos de idade”, na altura. Gostou e espera repetir a experiência um dia destes. Por enquanto, o quotidiano de Dália passa-se aqui na Achada Grande, na companhia das suas amigas, “a Dávia que tem 14 anos”, moradora da Achada Grande de Frente, “a Liliani que tem 18 anos” e que, neste momento “segue uma formação”, a Sheila, uma moça de 17 anos, sem esquecer a Vânia de 16 anos que “sempre sonhou ser polícia para investigar crimes”.

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Para além da escassez de água, nota ainda que “à noite, às 19h00, não há mais transporte”. Isso não impede Dália de gostar do seu bairro. Acha que “os rapazes são simpáticos”. Ela “nunca teve autorização para sair à noite”. Aliás, a sua mãe “bateria ela” se, por acaso isso acontecesse. Portanto, até ao dia que o seu sonho de ser Modelo seja realizado, Dália “fica em casa, limpa, cozinha”, e “vai buscar água”.

A Vânia “estuda numa escola em Palmarejo”, um bairro localizado a oeste da Praia que cresceu bastante estes últimos anos, porque a sua mãe “é empregada dessa escola”. Como ela explica: ”Duas vezes por dia, apanhamos o autocarro”. Dália conta que “a companhia de transportes Moura cobra 40 escudos para um bilhete por um trajecto” entre as duas Achadas. 40 escudos não parece um valor muito alto mas muitas famílias poupam o mais que podem. Portanto, quer chuva, quer faça sol, “é a pé” que vai “a maioria dos alunos no Liceu”.

No Liceu, Dália “gosta do Português e da Formação Pessoal e Social (FPS)”, um curso específico sobre temas tão diversos como sexualidade, planeamento familiar, gravidez precoce, a Constituição, a Cidadania e os dias feriados em Cabo Verde. Ela gosta também “de Geografia, de Desenvolvimento onde se fala da pobreza em Cabo Verde, das causas e das consequências” e quais são as soluções para remediar a esses problemas. E os problemas não faltam. Como explica: “há sempre cortes nos chafarizes”, e os moradores “ficam muitos dias sem água” e “vão para outros bairros”. A sua mãe “compra também água aos bombeiros, ela tem dois grandes bidões em casa”.

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As casas são muitas no bairro Tira Chapéu. Podemos acrescentar: o bairro é só casas, umas em cima das outras. A cor cinzenta dos blocos de

cimento predomina. É, às vezes, iluminado por pedaços azulados ou pequenas estrelas amarelas.

Sair de casa quer dizer estar logo na rua, onde vão e vêm os moradores, os vendedores ambulantes e alguns carros. Não há estádio nem parque para passear. Mas essa ausência não afecta o desejo de Hélder ser “jogador de futebol”. No fim-de-semana, “vai treinar com os amigos numa ribeira” perto do bairro. Nunca viajou num avião, mas ser aeromoço pode ser uma alternativa. Ser comandante é arriscado demais para o Hélder que “não quer descontrolar o avião”.

Uma doença prolongada, a Trisa roubou-lhe o pai quando faltavam poucos dias para Hélder festejar o seu oitavo aniversário. O pai “não podia apanhar sol nem comer certos alimentos”. A doença tem cura, mas mesmo assim e por algumas razões que ele não sabe explicar o pai não se safou. A sua mãe, Kátia, “teve mais quatro filhos com outro homem” além do Hélder, “ três machos e uma fêmea de 1, 2, 4 e 6 anos de idade”. Quando vai trabalhar - ela “é empregada doméstica” - Kátia deixa os seus meninos com a sua mãe, Diolanda. Mas isso já não faz parte do quotidiano do Hélder. Desde bebé, já muito antes da morte de seu pai, que “já não vive com a mãe”. A sua casa é “a casa da Nuna”, a sua avó paterna no bairro de Tira Chapéu. A casa está localizada um bocado abaixo do chafariz, mas do outro lado da rua.

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Mãe e filho encontram-se de vez em quando, “anteontem, ela estava”, diz o Hélder, mas ele sabe pouco da sua mãe e “não sabe” ao certo a sua idade nem “a data do seu aniversário”. O mais importante é que ela ajuda, “sempre que tiver, dá o que puder”.

Afinal, Hélder está mais familiarizado com a história de Nuna. A avó tem 52 anos de idade e vive “com o mesmo homem desde os seus 14 anos”, aqui em Tira Chapéu. Tendo em conta a falta de planeamento familiar e a curta vida dos casais na ilha de Santiago, esta relação é um pequeno milagre. O casal “teve nove filhos, seis rapazes e duas raparigas” e todos, menos uma rapariga, vivem ainda com eles. “Assim de repente, apanha nome”, é com essa fórmula que Nuna comenta a maneira como escolheu o nome dos seus filhos. Os netos também vivem com os avós. Hélder “é o mais velho deles”, mas nem por isso tem uma relação privilegiada com a avó. Nuna “vende peixe no bairro desde há 11 anos atrás”. Antes “fazia rendas”. Compra o peixe no cais da Praia consoante o dinheiro que sobrou da venda do dia anterior. Tem “sempre os mesmos clientes” mas nem sempre “vende os mesmos peixes”. A variedade depende do momento do ano. Não pretende ter mais clientes.

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Aqui no bairro de Tira Chapéu, as mulheres “não se comprometem muito”, explica Emanuel, técnico na Acrides. Existem instituições que concedem microcréditos às pessoas que desejam lançar ou melhorar um negócio. Ele conta assim a história de uma mulher que tem a maior casa de Tira Chapéu: aos 28 anos de idade, iniciou um negócio de cabeças de galinhas. Com a ajuda de um microcrédito, conseguiu em dez anos dinamizar e diversificar o seu negócio. Agora, viaja até Dacar para comprar mercadorias que vende aqui no bairro. Quatro empregadas trabalham na sua loja e ela cria também “filhos que nem são dela”.

Em casa dos avós, quem acorda primeiro é o bebé de uma tia, “pede pão nesse momento”, conta Hélder, e ele “pede o seu leitinho”, mais tarde, ao pequeno-almoço. O segundo “é um tio que vai a pé com o seu amigo pescador, o Djacky, até Cobon-de-Figueira, uma zona de pesca entre Palmarejo e Tira Chapéu para comprar peixes” que mais tarde, irão “cozinhar e partilhar com outros homens” num quarto duma casa que pertence a outro amigo. Nesse encontro, “não há mulheres, só homens que gostam de falar, fumar, beber um groguinho” e estar juntos à vontade. Se a presença das mulheres não é desejada é porque esses homens acham que elas fofocam a mais e querem sempre qualquer coisa. Hélder “não sabe” se é um exemplo a seguir. Às vezes, na companhia dos adultos, ele também vai à praia, não para comprar peixe mas sim para gozar do mar.

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Hélder “dá-se muito bem com a Zuleita”, a sua tia de 22 anos de idade, mesmo se ela já não vive com o resto da família, mas sim noutra casa do bairro com o seu marido, um ajudante mecânico, e os seus três filhos. É só com ela que o Hélder consegue partilhar segredos, pedir ajuda e pedir conselhos. Zuleita “não tem água em casa”, e portanto enche “um bidão que chega para a semana”. Não é só a distância que lhe impede de ter mais água. É o dinheiro. A água vinda do chafariz paga-se. Ela nunca pensou “mudar de bairro”, apesar das dificuldades porque a presença da família por perto é muito mais importante do que qualquer bem. Apenas “quer mais trabalho para ocupar os jovens e reduzir a violência” e “espaços verdes para passear”.

O plano quotidiano do Hélder é quase sempre o mesmo: acordar, “tomar café, lavar loiça e botar lixo”. A escola só começa às 13h00 e acaba às 17h30. Volta directamente para casa, nunca “fica na rua”. Se não há trabalhos para ele em casa, “estuda algumas disciplinas”. As suas preferidas são Matemáticas, Física e Música. É muito raro ir para a rua brincar com os amigos.

Da ilha de Santiago, Hélder só conhece São Jorge dos Órgãos onde foi num dia de visita e, claro, Tira Chapéu e alguns bairros da Praia. Apesar das dificuldades, Hélder gosta de Tira Chapéu. Mas o lugar no mundo que ele quer visitar é os Estados Unidos da América, porque há “seis amigos do bairro que foram lá”.

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Ilena vive numa casa situada à beira-mar no bairro de Marrocos. Para chegar ao bairro é preciso abandonar as avenidas limpas do Plateau, centro

histórico no coração da Praia, a capital de Cabo Verde, a bordo dum pequeno autocarro público que sai do bairro da Solidariedade e dirige-se na direcção do aeroporto internacional Amílcar Cabral ou do Porto onde chegam navios do mundo inteiro. No cimo de uma encosta bastante íngreme viramos à direita para contornar uma zona desértica somente sobrevoada por pedaços de plástico e por aviões que vão e vêm entre as dez ilhas e o mundo. Até aí, a estrada era toda de alcatrão, mas numa bifurcação torna-se de blocos de pedras pretas com bordas salientes e só a parte que vai até ao Porto continua com alcatrão.

Andamos mais um quilómetro antes de passar o bairro da Achada Grande de Trás e, finalmente, estamos no bairro de Marrocos, assim nomeado pelos moradores da Achada por causa duma telenovela brasileira “O clone”, cuja acção se passava em Marrocos. Nessa história, as mulheres tinham as caras tapadas com lenços e andavam num chão de terra batida tal como no bairro de Ilena, onde o pó nunca teve mercê para ninguém. O nome há-de ficar para sempre, mesmo se a Câmara já começou a pavimentação das ruas para tornar a vida dos moradores um pouco mais fácil.

O bairro, rodeado pelo mar,

não tem água. E, sem a rotação

dos camiões que alimentam

regularmente os chafarizes,

a vida nesse canto do planalto

seria impossível.

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Ilena e os irmãos vivem com a mãe. O pai, de 42 anos, vai e vem entre duas casas, duas famílias. Mas Ilena não se importa com a situação e dá-se bem com ambos.

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Sonha ser médica para poder cuidar das crianças no futuro, mas Ilena terá que lutar bastante para conseguir o seu sonho. Por razões económicas, deixou de ir à escola no ano passado. Em Cabo Verde, o ensino primário é gratuito, mas no Liceu localizado na Achada Grande de Frente pagam-se propinas e a mãe não tem meios suficientes. O pai do seu lado apoia apenas os estudos do seu filho. Um ano de estudos no Liceu custa entre 3.000 a 5.000 escudos consoante os rendimentos dos pais.

Ilena encontrou outra forma de continuar a estudar; aproveita os livros do décimo ano do seu irmão mais novo. O seu caso não é único. Pelas mesmas razões, as suas amigas - a Chica, a Sheila e a Vanessa - tiveram que parar os estudos.

Meses atrás, havia um programa de alfabetização no bairro intitulado “Sina bo nomi” (Assina o teu nome). Mas o programa, pago pelo Estado, era dedicado unicamente aos adultos para que aprendessem a escrever o seu nome. Um acto importante quando uma pessoa vai tratar de documentos administrativos. Devido à falta de financiamento, o programa está parado.

Trabalhar para conseguir o dinheiro em falta não é ainda opção para uma jovem menor. Mesmo se ela quisesse, a lei não lhe dá esse direito. Durante o dia, enquanto a mãe faz biscates, Ilena cuida das tarefas domésticas: vai buscar água ao chafariz, limpa a casa e cozinha. Toma conta também de Neimar, o bebé de oito meses da irmã Rineia, de 20 anos. Rineia é vendedora na rua de produtos comprados a comerciantes chineses e melhora assim os rendimentos da pequena família.

De vez em quando, com as suas amigas, Ilena vai de autocarro até ao centro da cidade da Praia para se divertir e ver coisas novas nas lojas. No caminho, no planalto da Achada Grande, entre o bairro de Frente e o de Trás, o autocarro cruza-se frequentemente com aviões. Ilena não contou se sonha com lugares longínquos onde todas as raparigas têm o direito e a possibilidade de estudar, mas o seu, ser médica, não é sonho para ser abandonado de todo.

Page 93: Vozes de nós
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Leu é um menino como muitos outros, vai à escola e gosta de brincar com os seus amigos. A “sua família vive aqui”, no bairro da Achada Grande de Trás.

É nesse bairro que podemos ver, de vez em quando, o Leu à procura de qualquer coisa nas ruas ou nos espaços circundantes da Achada. Tal como muitos outros meninos, Leu é caçador de ferro. São muitos e de todas as idades. Andam de um lado para outro da Achada. Alguns levam as suas colheitas em cima da cabeça, outros usam sacos, ou pequenos carrinhos.

“Há um mês que comecei essa actividade”, diz ele, e “ninguém pediu-me para começar o negócio”. A “vontade de fazer o mesmo”, veio quando “vi os outros a ganhar qualquer coisa” com a venda desse material.

Na primeira operação, “a colheita foi 12 quilos de ferro” que “entregaram a uma companhia” italiana chamada Ferro Velho, localizada perto do Porto da Praia. Essa companhia recupera de tudo: ferro, cobre e garrafas. Quem entrega um saco de 50 quilos de garrafas recebe 100 escudos por exemplo.

Portanto, com um amigo, começaram a “catar” depois da escola.

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Dessa primeira colheita, Leu e o seu amigo receberam 140 escudos. Dividiram o montante. Mesmo com o pouco que receberam, 70 escudos, os seus pais ficaram felizes. É provável que o Leu tenha entendido isso como um encorajamento para continuar. Mas ele nunca pretendeu exercer somente essa actividade, que “faz sempre fora do horário da escola”. Leu “ajuda também a sua irmã maior que vende pastéis de peixe na rua”.

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No bairro de Tira Chapéu, as crianças são inúmeras. Durante o dia, enchem as ruas, vão ou voltam da escola, brincam. A maior parte cresceu aqui e portanto quase todos se conhecem. São crianças

vivas, extrovertidas, gostam de rir, fazer brincadeiras, falar e, muitas vezes, gritar. São elas que dão vida ao bairro, um emaranhamento de casas, onde as cores e as plantas são mais do que bem-vindas nesse ambiente mineral de cimento e pedras, duro e acinzentado.

Quando se trata duma actividade colectiva como um ateliê de desenho é muito fácil adivinhar quem são os tímidos. Mário é um deles. Com 13 anos de idade, é um moço muito dedicado às actividades que faz e raramente se deixa interromper pelos amigos.

Mário é um novo morador do bairro.

Há dois anos atrás, vivia na Achada São Filipe, um bairro localizado na estrada que sai da capital, Praia, em direcção à Assomada, a grande cidade dos Picos, essa zona montanhosa do centro da ilha de Santiago, a maior ilha de Cabo Verde.

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Em São Filipe, Mário tinha amigos como o Gelson, o Freddy, o Rick, o Patrick e o Fábio, com quem partilhava jogadas de futebol, de basquetebol ou de andebol. “São Filipe tem um grande pátio para as crianças brincar”, precisa Mário, enquanto no bairro de Tira Chapéu, as crianças conformam-se com ruas estreitas. É preciso sair do bairro para encontrar um espaço aceitável onde jogar à bola.

Quando nasceu, no Hospital Agostinho Neto da Praia, a sua mãe trabalhava como empregada doméstica. O seu pai não tinha emprego. Do pai, Mário não sabe muitas coisas porque ele já faleceu. Mário tinha 3 anos de idade quando ele, um homem ainda jovem, estava a brincar numa praia da ilha de Santiago com alguns amigos e fez um disparate que lhe tirou a vida: instalado no topo duma pirâmide feitos pelos corpos dos seus amigos, o pai de Mário decidiu saltar fazendo uma cambalhota. Infelizmente, não aterrou bem no chão e quebrou as cervicais do pescoço.

Mesmo antes da morte do pai, Mário já não “vivia junto com a sua mãe”, que teve mais dois filhos, mas sim a tia Quinha, irmã do seu pai. Ele já “não se lembra” quando deixou de viver com a sua mãe. Durante anos, quem cuidou dele foi a Quinha, mãe também de quatro filhos.

A seguir ao seu décimo primeiro aniversário Mário veio viver com a sua avó Daniana, aqui no bairro de Tira Chapéu. Daniana teve seis filhos e um deles é a mãe do Mário. Dos seis, um é mais jovem que o Mário.

A actividade principal da sua avó “é fazer bolos, todos eles muito bons” confirma o Mário.

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Tira Chapéu “é o mais violento”, afirma o Mário, há “a guerra todos os dias entre zonas. É tiro, noite, dia”. Parece que, anos antes, não havia violência. Nos dias de hoje, a violência é quotidiana, às escondidas durante o dia, e na rua durante a noite Envolve qualquer um, jovens e adultos. As calamidades são a droga e os roubos. A polícia não tem muita presença e só aparece quando “há fogueira”, confirma Emanuel, um dos responsáveis do centro da Acrides em Tira Chapéu, “o vandalismo é muito comum e é difícil colocar objectos de valor” num local, “sem que haja boa protecção”. O problema dessa violência urbana é sério e, enquanto os moradores não se juntam para afastar o medo, não haverá soluções. Todos “sabem quem é quem”, mas a falta de solidariedade colectiva paralisa qualquer início da solução.

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Mário, tal como outras crianças, já teve possibilidade de sair do bairro, de visitar outros lugares e ter actividades escolares, sempre com o apoio da Acrides. O centro da Acrides de Tira Chapéu apoia também as crianças com acompanhamento escolar. Felizmente, Mário é um bom aluno e gosta de desenhar, “não sabe porquê”. No futuro, “quer ser professor”. Por enquanto, dedica-se a 100% às matérias que ele mais gosta: “as Matemáticas, as Ciência, as Artes Plásticas e a Música”. Uma prática bem viva aqui em Cabo Verde.

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Até hoje, as ruas do bairro de Tira Chapéu nunca tiveram nomes dados pela administração, excepto as ruas antigas. Quem procura um morador do bairro tem de conhecer no

mínimo o nome da pessoa, ou melhor ainda, o nome da sua casa, porque aqui no bairro, cada casa tem nomes em vez de números. Os vizinhos ajudam sempre. Portanto, se você quer saber onde mora a Vany, “é só pedir a casa da Minga”. Seguramente haverá quem sabe onde é. A Minga era a sua avó e a responsável pela construção da casa onde a Vany e a sua família moram. Entretanto “a avó já morreu”, informa a Vany.

Ela, como a maior parte da população de Tira Chapéu, não sabe o porquê do nome do bairro. Alguém sugeriu que, dantes, quando os viajantes passavam por perto da igreja de Nazaré a caminho da Cidade Velha, sempre que olhavam para o edifício religioso, tiravam o chapéu. Mas saber isso nunca preocupou a Vany. Estar com as suas amigas, a Siomara e a Márcia, é muito mais importante.

Vany esta no 5° ano e tem “boas notas nas aulas de Música e das Artes Plásticas” apesar de gostar mais das disciplinas de Português e de Ciências. Vany estuda à tarde, das 13h00 até às 17h30, na escola da “Capelinha”, uma escola, construída depois da Independência. As pessoas deram-lhe essa alcunha “porque a arquitectura faz pensar numa capela”.

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O esquema do seu dia-a-dia é quase sempre o mesmo: depois de se levantar, Vany “lava a cara” e “sai à rua comprar o pão, o leite e os ovos para preparar o pequeno- -almoço”. A loja Strela, no edifício mais alto de Tira Chapéu, e outra loja, são os dois lugares onde ela vai para abastecer a família.

Em casa, “cada um toma as suas refeições consoante o seu horário”, explica a Vany. Uma vez tomado o café, “estuda as matérias da escola” durante toda a manhã e “não se preocupa com as compras para o almoço”. Quem o faz é a sua mãe, Antoneta, que volta normalmente aos mesmos locais onde a Vany foi de manhã. Ela “ajuda de vez em quando para fazer a comida”, mas nem sempre. Em casa, “não há água”, mas a família “compra água da torneira à vizinha”, explica Vany. Assim, poupa-se um esforço penoso porque ninguém da família precisa de ir até o Chafariz com bidões.

Vany tem duas irmãs e dois irmãos. A Sílvia, a Vanice e o Yannick têm respectivamente 19, 17 e 12 anos de idade e todos eles ainda vivem juntos, na casa da mãe. Quem já tem casa própria aqui no bairro, é o seu irmão, de 22 anos de idade.

Antoneta é a mãe de todos eles, mas os pais são diferentes. A Vany e o Yannick têm o mesmo pai, o Vá. As irmãs mais velhas têm também um pai comum. Recentemente, a Sílvia, que “vivia com o seu pai e só passava as férias com a mãe”, decidiu “ficar definitivamente” com eles apesar do pouco espaço. Tal como muitas casas do bairro onde a coabitação entre avós, filhos e netos, é frequente, o espaço é pouco na casa da Antoneta.

O pai da Vany e do Yannick foi-se embora já lá vão uns 10 anos. Primeiro, viveu algum tempo na ilha de Santo Antão, uma das dez ilhas do arquipélago de Cabo Verde, mas a seguir voltou por uns meses à ilha de Santiago e de lá viajou para Portugal, e ficou em Lisboa, até hoje. A Vany afirma que “não se lembra dele” porque tinha só 2 ou 3 anos quando ele se foi embora.

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Vany, quando for adulta, afirma que “quer ser polícia ou professora”. Dificilmente imaginamos um polícia com uma personalidade tímida e uma cara tão doce. É muito provável que o exemplo do vizinho, um polícia, lhe tenha dado ideias. De qualquer forma, ter uma presença apaziguadora não seria um luxo para os moradores do bairro. A mãe da Vany, que “pede para não sair no final da tarde por causa da delinquência”, não iria dizer o contrário. Normalmente, depois da escola, Vany está em casa por volta das 18h00 e quando vai passear “é sempre entre as 18h00 e as 19h00”. Só aos fins-de-semana é que, “com adolescentes mais velhos ou adultos”, vai ao Plateau, o centro histórico da cidade.

Ele, pelo contrário, nunca esqueceu a família. Nos dois últimos anos, enviou dois bidões grandes cheios de roupa e de diversos elementos para a casa. De vez em quando, telefona também. Neste momento, “ele está a tratar de documentos” para que o Yannick e a Vany possam viajar até Lisboa. Se o plano andar como previsto, “o Yannick viajará primeiro”, porque tem um pequeno problema de saúde. Qualquer ajuda é bem-vinda à família. A Antoneta é empregada doméstica em Palmarejo, mas não tem horário definido, portanto, fica à disposição do patrão que só a chama quando é preciso. Os pais dos seus filhos ajudam também a pagar a escola e algumas pequenas despesas.

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Um dos motivos pelo qual a Vany “gosta do

bairro” e “não quer sair daqui” é que

as crianças são tantas que encontrar alguém para

brincar nunca é um problema. Mas, sobretudo, ela

“não quer separar-se da família”.

Além disso, a Vany acha que “não falta nada

em Tira Chapéu”, mesmo se não há água

corrente, parques para passear ou árvores nas ruas.

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AEROMOÇO = Comissário de bordo.

MACHO E FÊMEA = Aplica-se a crianças, para dizer rapaz e raparigas,

em crioulo, quando se fala de filhos ou de irmãos.

PLATEAU = Centro colonial da cidade

da Praia, chama-se assim por ser

um planalto sobre o mar.

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TRISA = Palavra popular para designar a icterícia, que se caracteriza pela coloração amarelo-dourada

da pele, e é um sintoma da Hepatite.

ESCUDO = Moeda de Cabo Verde.

GROGUINHO = Diminutivo de Grogue, bebida alcoólica feita à base de cana-de-açúcar e muito apreciada em Cabo Verde.

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Crianças e jovens que participaram nos ateliês criativos

DíliArmando Mariz, Abrília Paula de Deus Maia, Bosco Guterres Tilman, Claudino Pereira, David Mendonça,Domingos, Fátima Mesquita, Filipe Pereira , Flaviano Lopes, Juvencia Mendonça , João Pereira, João , Lourença, Olinda da costa, Letícia Da Silva, Mariano Soares, Natalino Alves, Nilton Dos Santos, Sanzay Ângelo Battagliola, Saturlino Lopes.

MaputoAbiba Ricardo, Adelaide Leonardo, Alcina António Mussa, Amália Jaona, Ana Silva Machava, Anatercia Jaoo, Anifa Luis Nhanquila, António Juma Mandlane, Argelia Tomas SuaveCartilio Horacio, Basilio Julio Nelson, Camilta, Salomao Mabunda, Catia Joao Cumbane, Cristina Ernesto Balane, Crizaldo Mazimbe, Cristina Chilando, Davide Junhor Machavana, Dias Domingos Machel, Eugenio Orlando Ambrete, Edna Rocha, Ercilia Adelaide Zitula, Elsa Luisa Mabinga, Ermenegildo Manjate, Esperaança Feliciano, Esperança Luciano Braz, Felisberto João Machava, Florinda Ana Madanga, Francisco Victorino, Gina Saquina Mussa, Inês Alfredo Checa, Ismael Rodrigues, Ivan jose Ndove, Jacinta Miguel, Jerson Ernesto, Jostino António Nhanassengo, Hamilton Mabwaia, Làzaro Isac Sigauque, Leonardo Jonas Chirindza, Lina Xadreque Zandamela, Lino João Obadias, Leonardo Nelson, Mafalda Rocha, Momad Castigo Mussa, Márcia Xadreque, Margarida Osia Manhiça, Marta joana, Maria Lino, Mario Leonardo, Mariza João Machava, Marta Elsa Macandza, Namburete Alfredo Gune, Nelson Ernesto Mbunhane, Neta Ernesto Mabinga, NeYma Ernesto Nancula, Ernesto Phacula, Ofélia, Tchamo, Paulino Orlando Ambrete, Paulo Blinda, Paulo José Mata, Paulo Olindes, Paulo Moortize, Paulo Sebastião Cossa, Reginaldo Lurdes Fernando, Rosa António Vilanculos, Rute Rocha, Sanssão, Carlos Mulhui, Shelton Ernesto, Tina Luis Nhanquila, Olinda Júlio Chemula.

PraiaAdilson Ramos Sousa, António Carlos Vaz Tavares, Artur Duarte RamosCarlos Gomes, Dália Teixeira Delgado, Daniela Vaz,Edsana FernandesEdvánia Moreno de Sousa, Egio Henrique Moreno de Barros, Elizabeth de Pina, Elizângela Moniz Semedo, Emanuel Mendes Correia, Gisela Moreno de Sousa, Hélder Vaz Tavares, Hugo Lopes Fernandes Vaz, Jailson Oliveira Ribeiro, Licia Tilly Ramos Cardoso, Maira Adymisa neves Miranda, Márcio Joel Ramos dos Santos, Marcos Garcia Ribeiro, Mário Moniz, Mauro Daniel Fortes Teixeira, Miriam Patricia Furtado, Rafael Vaz Tavares, Raíssa Chacura Lopes Brão, Renato Fragoso Moreno, Roclima Lorbates Lopes Brão, Sílvia Da Costa Freire de Pina, Tiago Fonseca Ferreira da Silva, Tiana Loisa Mendes, Vânia Eviline Bores Cabral, William Monteiro Pina, Wilson Freede Gomes Tavares, Wilson Vaz da Luz, Yvanilda Mendes Marques de Sousa, Zelito José Semedo.

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AgradecimentosUm agradecimento a todos os rapazes e raparigas que participaram nos ateliês. Espero que o mundo seja doce para todos eles e que possam seguir os seus sonhos. Sem eles nada feito.

Timor-LesteAo Angelino e ao Paulino, pela sua assistência e pelas brincadeiras.À Adota pela sua paciência durante as entrevistas.À Mingas, Titi, Filipa, Nela, Regina, pela sua participação nos ateliês e pela sua constante ajuda.Ao Natalino pela sua poesia (desenhos e guitarra).Ao Cipriano e à Madalena pela sua gentileza e pela ajuda.À Xana e ao Vasco pela amizade durante o passeio até Baucau.À Paulo e à sua família pela festa de Natal.Ao Pedro Rosa Mendes que sabe juntar amigos.Ao Zé, o homem do cachimbo e ao meu vizinho no Centro Juvenil de Taibesi.

MoçambiqueAo Timóteo Simbine, assistente 5 estrelas durante três semanas, pelo seu sentido de humor, o seu calor e, claro, a sua grande ajuda.À Luísa, pela sua assistência durante os ateliês no Polana Caniço B.Ao Remane, pelas boleias todas.Ao Francisco e à Dona Judite, pela ajuda durante os ateliês, os almoços e as plantas.Ao Azize pelo seu lindo sorriso e a sua entrevista.À Cláudia, Dona Ana, Telma, Hamilton, Paulino, e ao pessoal todo da ONG Meninos de Moçambique, pela sua paciência e ajuda.Ao Sr. Abdul Faquir, pela conversa instrutiva.À Tânia Muianga, pela ajuda na revisão dos textos, e pelo amor.

Cabo-VerdeAo Ima, assistente 5 estrelas, pelo seu empenhamento durante os ateliês e pela sua generosa amizade.

À Jaka, que soube estar presente para sossegar os jovens e pelos seus bonitos desenhos.Ao Gilson, pelas chaves e pela visita ao Chafariz.À Romina, Dulce, Herminalda, Rute e Sofia, pela ajuda, as conversas e as caminhadas nas ruas da Praia.À Lourença e ao seu marido, pelo apoio e o saboroso jantar.Aos taxistas ilegais da Achada Grande de Trás, pelas suas conversas.

LisboaÀ Cristina Sampaio, minha irmã lisboeta, sem quem estou perdido.Ao Pierre Pratt, meu irmão lisboeta e canadiano, sem quem estou perdido.Um abração à malta da ACEP, Fátima, Hazel, Liliana e Filipa, companheiras duma década, pela sua paciência comigo e pelos sonhos partilhados.

Agradeço também os meus colegas da MICA, José Villarrubia, Shadra Strickland, Matt Rota e Cali Ciesemier, que souberam organizar o seu tempo para que eu pudesse arrancar os ateliês em Díli.

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Título Vozes de Nós – Díli, Maputo, PraiaCoordenação dos ateliers e recolha das historias Alain CorbelFotografias Alain CorbelIlustrações Crianças e jovens participantes no projecto em Díli, Maputo e PraiaCoordenação da edição Liliana Azevedo | ACEPColecção Arquipélago (ver www.acep.pt) Criação de Arte Armanda Vilar Revisão ACEPEdição ACEP - Associação para a Cooperação Entre os PovosAv. Santos Dumont nº 57, 4º Esq., 1050-202 [email protected] | www.acep.ptcom ACRIDES - Associação Crianças Desfavorecidas (Praia), FCJ - Fórum Comunicação e Juventude (Díli) e MDM- Meninos De Moçambique (Maputo)Apoio financeiro CPLP – Comunidade dos Países de Língua PortuguesaPré-impressão, impressão e acabamentos Guide – Artes GráficasISBN 978-989-8625-01-4Depósito Legal 322423/11

Este livro é, em primeiro lugar, fruto do entusiasmo e talento do Alain Corbel e das crianças e jovens, que são os seus autores.E foi possível graças à cumplicidade de muitos outros nos 4 países (Cabo Verde, Moçambique, Portugal e Timor-Leste).Obrigado à Hermínia Curado Ribeiro, à Maria Domingas Fernandes Alves e à Paulina Chiziane, pela sua leitura das histórias no contexto dos seus países.Uma instituição, a CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, possibilitou a continuidade deste projecto, o apoiou e financiou.Obrigado também à Fundação Calouste Gulbenkian e à Fundação Alta Mane, que lhe permitiram melhores condições de realização com o seu co-financiamento.Que estas histórias quebrem inércias e nos levem a reflectir e agir!

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