vontade de poder e o ideal ascético rev.06- pós-entrega

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Departamento de Filosofia VONTADE DE PODER E O IDEAL ASCÉTICO EM NIETZSCHE Geraldo Natanael de Lima Dissertação apresentada ao Programa de Graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Católica do Salvador - UCSAL, como requisito parcial para obtenção do título de bacharelado. Orientador: Profº Haroldo Cajazeiras Alves Salvador, Dezembro / 2006

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Monografia Nietzsche

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Page 1: Vontade de poder e o ideal ascético  rev.06- pós-entrega

UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADORInstituto de Filosofia e Ciências Humanas

Departamento de Filosofia

VONTADE DE PODER E O IDEAL ASCÉTICO EM NIETZSCHE

Geraldo Natanael de Lima

Dissertação apresentada ao Programa de Graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Católica do Salvador - UCSAL, como requisito parcial para obtenção do título de bacharelado.

Orientador: Profº Haroldo Cajazeiras Alves

Salvador, Dezembro / 2006

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UCSAL. Sistema de Bibliotecas.

Setor de Cadastramento.

S732 Lima, Geraldo Natanael de Vontade de poder e ideal ascético em Nietzsche / Geraldo Natanael de Lima. –

Salvador: 2006.

50p.

Monografia apresentada ao Departamento de Filosofia da Universidade Católica do Salvador, como um dos requisitos para obtenção do grau de Bacharel em Filosofia. Orientador: Prof. Haroldo Cajazeiras. Inclui bibliografia.

1. Nietzsche, Friedrich Wilhelm - Filosofia. 2. Poder - Vontade - Filosofia. 3. Ideal ascético - Filosofia. 4. Ascetismo - Ideal - Filosofia. 5. Filosofia alemã. 5. Filosofia contemporânea. II. UCSAL. Instituto de Teologia. Departamento de Filosofia. III. Título.

CDU 1(430)NIETZSCHE, F.W.

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GERALDO NATANAEL DE LIMA

VONTADE DE PODER E O IDEAL ASCÉTICO EM NIETZSCHE

Monografia apresentada como requisito para obtenção do título de Bacharel em Filosofia.

Universidade Católica do Salvador

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________

Orientador: Profº Haroldo Cajazeiras

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___________________________________________________________

2º Examinador: Profº Fernando Gigante Ferraz

____________________________________________________________

3º Examinador: Profº Valério Hillesheim

PARECER: ____________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________

AGRADECIMENTOS

Ao professor HAROLDO CAJAZEIRAS, sem cuja sábia orientação e sempre oportunas intervenções, este trabalho não teria sido realizado. E também por sua postura sempre compreensiva e amiga.

Aos professores da UCSAL pelo empenho na transmissão da filosofia, representado especialmente pelo Profº BENEDITO PEPE pela ajuda na revisão de alguns conceitos desta monografia.

A cada membro da douta Banca Examinadora pela presença, ou disposição para isso, neste momento tão importante da minha vida.

A minha família especialmente a minha esposa CYNTIA MARIA, companheira, amiga e compreensiva que me incentivou junto com o meu sogro FRANCISCO FONTES, a continuar os meus estudos e aos meus filhos RODRIGO, DANILO e BIANCA.

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Aos meus colegas de filosofia especialmente a GISLAINE MATOS que foi minha amiga e colega de equipe durante todo o curso de licenciatura e bacharelado.

A Deus, sendo que, se isso parece contraditório, foi este processo dialético heraclitiano da vida e da moral, que me levou ao estudo da engenharia mecânica, da psicanálise, da filosofia e de Nietzsche.

Lima, Geraldo Natanael de. Vontade de poder e ideal ascético em Nietzsche: 2006. 50f. Dissertação (Bacharelado em Filosofia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Católica do Salvador, Salvador, 2006.

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo estabelecer uma correlação entre a vontade de poder e o ideal ascético em Nietzsche tendo o livro Genealogia da moral (2005) como pilar fundamental do trabalho. O poder para Nietzsche, não consiste necessariamente no domínio sobre os outros, é como se fosse uma vontade orgânica em que todo o corpo quer viver, é um aspecto primário, sem escolhas, que se manifesta quando encontra obstáculos e resistências, não é vontade pelo poder, mas o poder da vontade. Por outro lado, ele considera o ideal ascético como o princípio negativo da vida, uma negação da vontade de viver, em que a vida se volta contra si mesma, negando-se na esperança da existência de uma vida após a morte, de um outro tipo de existência. O ideal ascético utiliza a vontade de poder para suprimir a própria vontade de poder através da utilização da ascese como um ideal de vida. É através da negação da nossa vida concreta com todos os nossos problemas e vicissitudes que criamos uma possibilidade e esperança de viver verdadeiramente uma outra vida, pois não suportamos viver a vida que temos. No mundo contemporâneo, com a ciência moderna e o advento do ateísmo, poderíamos acreditar que veríamos o fim do ideal ascético, porém a ciência carrega consigo uma vontade de verdade que não é senão uma transfiguração sublimada do próprio ideal ascético. O ateísmo não pode ser considerado através do ponto de vista genealógico como contrário ao ideal ascético, pois a negação de Deus é substituída por uma verdade na ciência, se constituindo um tipo de verdade divina, onipotente e onipresente. Nietzsche elabora uma questão, sobre o por que “o homem preferirá ainda querer o nada, a nada querer” (2005f, p.149). Este é o núcleo principal da nossa monografia, nos levou à pesquisar sobre a vontade de poder, ao ideal ascético, à inocência do devir heraclitiano, ao eterno retorno e ao amor fati . O nada tem um significado de negar a própria vontade de viver. Safranski afirma no seu livro Nietzsche – biografia de uma tragédia,

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que “pode-se dizer que toda a filosofia de Nietzsche é uma tentativa de manter-se vivo” (2005, p.13). O querer o nada, é uma escolha do ideal ascético, do querer algo e ao mesmo tempo negá-lo, é escolher viver na alienação, na errância da vida, no niilismo positivo, é escolher não ser o que si é, é negar a si mesmo. Já o nada querer, significa a escolha de não viver, do niilismo negativo, da morte. O homem procura um sentido para a sua vida e busca objetivos ou finalidades, algo que lhe dê um significado ainda que seja o nada, pois a vontade prefere querer o nada a não querer. Assim fica justificada a necessidade do homem de elaborar objetivos para sua vida, sendo que quando atingimos nossas metas temos que estabelecer outras para que possamos suportar o peso da nossa existência e continuar vivendo e desejando. Para desenvolver este tema teremos que acompanhar a investigação genealógica realizada por Nietzsche.

PALAVRAS-CHAVES: vontade de poder, ideal ascético, genealogia, má consciência, vontade de verdade, moral, niilismo, ascese, espírito livre, transvalorização dos valores, inocência do vir-a-ser, amor fati e eterno retorno.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 07

CAPÍTULO 1

Vontade de poder.

1.1- Genealogia...................................................................................................................... 09

1.2- O que é vontade de poder?............................................................................................. 10

1.3- Algumas formas de vontade de poder............................................................................ 16

CAPÍTULO 2

O ideal ascético

2.1- Ascetismo, má consciência e a origem do ideal ascético............................................... 18

2.2- O que é, e qual a finalidade do ideal ascético?............................................................... 21

2.3- Judaísmo, cristianismo e a inversão dos valores............................................................. 26

CAPÍTULO 3

Vontade de verdade.

3.1- A ciência e a vontade de verdade.................................................................................... 29

3.2- A filosofia e os filósofos.................................................................................................. 31

3.3- Transvalorização dos valores........................................................................................... 32

CAPÍTULO 4

Por que o homem prefere o nada a nada querer?

4.1- O que é vontade niilista e vontade afirmativa?............................................................... 33

4.2- Porque devemos ser o que se é?...................................................................................... 37

4.3- O eterno retorno e amor fati............................................................................................ 38

CONCLUSÃO....................................................................................................................... 43

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................... 47

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INTRODUÇÃO

O objetivo central deste trabalho é compreendermos o que é vontade de poder e ideal

ascético em Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900), e estabelecermos uma correlação entre

estes conceitos, tendo como obra principal a Genealogia da moral (2005f). Buscaremos entender

e analisar as conseqüentes implicações da vontade de poder e do ideal ascético nas nossas vidas e

compreender porque devemos procurar ser o que se é.

Realizamos uma leitura crítico-analítica do livro Genealogia da moral, e de outros textos

de Nietzsche, respaldado em bibliografias complementares de comentadores como Carlos Alberto

Ribeiro Moura, Gilles Deleuze, Jean Lefranc, Oswaldo Giacóia Júnior, Scarlett Marton,

Wolfgang Müller-Lauter e o biógrafo Rüdiger Safranski.

O tema vontade de poder está presente em quase todas as obras de Nietzsche, sendo

bastante discutido, tomando vários significados nos diferentes momentos da sua vida e das suas

experiências práticas. Nietzsche é um filósofo contemporâneo do final do século XIX que está

bastante em evidência na vida acadêmica devido principalmente ao mal estar presente na nossa

atualidade, com questionamentos sobre a moral vigente, a existência de Deus e como devemos

entender e aceitar a nós mesmos sem a necessidade de uma busca metafísica presente nos ideais

acéticos, procurando se afirmar no próprio homem e na sua vontade de poder. Procuraremos

desenvolver o conceito de vontade de poder como forma de desestimular a fuga através do ideal

ascético e buscar uma explicação para a dinâmica e a diversidade da nossa vida através da

vontade de poder.

O livro Genealogia da moral foi escrito utilizando uma metodologia genealógica,

procurando identificar a origem da moral vigente, que foi institucionalizada. Nietzsche escreve de

uma maneira clara e didática inclusive mostrando o momento da consolidação do atual conceito

de bom e mau. Segundo o nosso filósofo, o valor bom surgiu inicialmente, no movimento de

auto-afirmação dos valores dos nobres. Primitivamente a palavra bom não significava altruísmo

ou estava ligado à utilidade como afirmou Herbert Spencer, citado por Nietzsche no livro

Genealogia da moral. Nietzsche verificou que o sentido da palavra bom remete a idéia de

distinto, nobre em contraposição à palavra mau, ruim que na sua origem designava aquilo que

estava ligado à vulgar, plebeu, pobre.

Entrementes, o sentido da palavra bom para os fracos e escravos não tinha um significado

de auto-afirmação, pois surgiu como uma reação aos dominadores, sendo caracterizada como

uma inversão de valores dos nobres. Então, os ressentidos atribuíram a palavra mau aos fortes e

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ricos. Esta inversão dos valores originais ocorreu inicialmente com a vingança do povo judeu,

que eram escravos, aos seus dominadores através dos seus sacerdotes impotentes. As classes

sacerdotais converteram os valores morais e políticos em religiosos como forma de não serem

questionados, pois a verdade divina estava acima da verdade dos homens. Somente após a guerra

dos Trinta Anos (1618-1648) entre católicos e protestantes, iniciada na Alemanha e que foi

transformada em uma luta européia é que as palavras bom e mau assumiram definitivamente os

novos significados com os valores atuais.

O livro Genealogia da moral realiza uma abordagem de como foi estabelecida a moral

ocidental e se propõe fornecer os subsídios para que possamos conhecer o valor dos nossos

valores. O homem é visto como aquele que constrói a sua própria realidade, a sua moral e os seus

valores através das suas escolhas. Falta somente entender qual o sentido da sua existência, que

não pode ser explicada, mas vivida através da práxis da vida, superando os conceitos de bom e de

mau que foram estabelecidos historicamente através da defesa de interesses de grupos como os

dos nobres, aristocratas ou dos valores defendidos pelos escravos e ressentidos, sendo validados

metafisicamente pelos sacerdotes acéticos.

Nietzsche estuda como foram estabelecidos os valores morais vigentes e porque o homem

através da vontade de poder pode lutar contra os ideais ascéticos com o objetivo de criar

condições de se aceitar e transvalorizar os valores decadentes, destruindo a metafísica e afirmar o

nosso mundo que é o único que possuímos.

Este trabalho se justifica devido à importância, necessidade e atualidade para a filosofia

contemporânea no entendimento e uso do conceito de vontade de poder como geração e

manutenção da vida. Existe também um paradoxo na vontade de poder que é o ideal ascético,

negador da vida concreta, que iludido pelo pagamento de uma dívida eterna e a promessa de outra

vida após a morte, faz com que rejeitemos a nossa existência induzindo-nos a querer o nada.

Assim poderemos abdicar desta vida, vegetar e esperar morrermos para obtermos a vida desejada.

É a própria vontade de poder que combate à fonte da vontade, estabelecendo um conflito que só é

explicado através da introjeção da culpa e explicado pelos sacerdotes através do pecado. Sendo

que a solução proposta pelo ascetismo é a própria remissão dos atos, a inibição dos nossos

impulsos e a supressão da vida.

Uma questão fundamental para o desenvolvimento deste trabalho e que foi levantada por

Nietzsche a qual nos apropriaremos é, por que as pessoas preferem querer o nada a nada querer?

Na busca de responder a esta questão deveremos entender outra problemática elaborada por

Nietzsche que é o por que devemos procurar ser o que se é? Para isso temos que nos aceitar,

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compreender a nossa realidade ou as perspectivas de vida e admitir as diferenças, ou seja, todos

nós somos iguais por sermos diferentes. Somente através do entendimento da inocência do ser do

devir, defendida por Nietzsche, deste canto da sereia inaudito que só os fortes podem escutar e

ainda permanecerem vivos, poderemos aceitar e viver esta crua realidade que é a nossa

existência.

CAPÍTULO 1

VONTADE DE PODER.

1.1- Genealogia.

A palavra genealogia vem do latim e significa estudo da origem, procedência e formação

do indivíduo ou da espécie. É um modo de pensar que consiste em descer às fontes. Hilton

Japiassú e Danilo Marcondes entendem que genealogia designa o estudo e a definição da filiação

de certas idéias, e acrescentam que:

O conceito de genealogia aparece na filosofia com a obra de Nietzsche (Genealogia da moral) como uma forma crítica que questiona a origem dos valores morais e das categorias filosóficas que mascaram esses valores a serviço de interesses particulares. O empreendimento genealógico supõe que valores ou verdades não devam ser considerados em si mesmos, pois só possuem sentido quando ligados à sua origem. Essa origem é derivada. A ‘genealogia da moral’, indo ‘para além do bem e do mal’, utiliza um método de interpretação da hierarquia dos valores, mas invertendo-os: são os fracos e os escravos que dão um sentido aos valores morais. Os atuais valores mascaram sua decadência e sua ausência de querer-viver. O ressentimento e a denegação constituem a base da positividade dos valores (2001, p.115).

Segundo Carlos Moura a genealogia para Nietzsche será a história desembaraçada e

liberada da metafísica, é um jogo de dominações, é o vir-a-ser heraclitiano em que a “história não

há providência nem causa final, apenas o jogo da necessidade gerindo o acaso” (2005, p.115). A

genealogia é uma espécie de hermenêutica sem essência ou finalidade, é um método que deve ser

utilizado com o objetivo de separarmos os vários tipos de interpretações, recuperando as verdades

profundas que foram escondidas nas nossas práticas cotidianas.

Jean Lefranc propõe que a genealogia diz mais que a história, pois representa a origem das

palavras e o fundamento das coisas. Ele cita Michael Foucault que acredita que a origem

genealógica não se trata do começo, mas “a legitimidade das pretensões a uma herança, a um

nome” (2005, p.135) e acrescenta que:

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A própria genealogia enquanto método crítico jamais foi dada como ciência. Por mais objetivos e mais ‘frios’ que possam parecer os materiais usados na Genealogia da moral, o subtítulo a designa como ‘um escrito polêmico’. Polêmico contra o que? Ecce homo não deixa nenhuma dúvida: contra o cristianismo. (2005, p.146).

O filósofo como genealogista, tem que ter um olhar crítico para penetrar nas máscaras do

ascetismo e buscar removê-las, descobrindo o porquê de insistirem manter as máscaras da moral.

A genealogia teria a função de organizar as ciências e a filosofia, propiciando uma nova

determinação dos valores no futuro. Gilles Deleuze no seu livro Nietzsche e a filosofia ressalta

que genealogia significa simultaneamente o valor de origem e a origem dos valores. Ele continua

a sua análise e em outras palavras defende que:

Genealogia significa o elemento diferencial dos valores donde emana o seu próprio valor. Genealogia quer portanto dizer origem ou nascimento, mas também diferença ou distância na origem. Genealogia quer dizer nobreza e baixeza, nobreza e vileza, nobreza e decadência na origem. O nobre e o vil, o elevado e o baixo, tal é o elemento propriamente genealógico ou crítico. Mas assim compreendida a crítica é ao mesmo tempo o mais positivo. O elemento diferencial não é crítico do valor dos valores, sem ser também o elemento positivo de uma criação. É por isso que a crítica nunca é concebida por Nietzsche como uma reacção, mas como uma acção. Nietzsche opõe a actividade da crítica à vingança, ao rancor ou ao ressentimento (2001, p. 7).

Scarlett Marton no livro Nietzsche: a transvaloração dos valores, assinala que o autor de

Zaratustra afirmava que a submissão das idéias ao exame genealógico, é o mesmo que inquirir se

são signos de plenitude de vida ou da sua degeneração. Marton entende que a genealogia repousa

numa cosmologia, pois “Nietzsche postula a existência de forças, dotadas de um querer interno,

que se exercem em toda parte” (1996, p. 63), que seria a vontade de poder, tema que trataremos a

seguir.

1.2- O que é vontade de poder?

Vontade de poder ou potência é o princípio afirmativo da vida, é o querer viver, é a vontade

de domínio inclusive na atividade criativa, é o esforço em direção a mais potência, é a confiança

em si mesmo e na independência. É como se fosse uma vontade do organismo em que todo o

corpo quer viver, é um aspecto primitivo onde não se pode escolher, que se manifesta quando

encontra obstáculos e resistências. Nietzsche afirma no livro Além do bem e do mal que:

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“Vontade”, é claro, só pode atuar sobre “vontade” – e não sobre “matéria” (sobre “nervos”, por exemplo –): em suma, é preciso arriscar a hipótese de que em toda parte onde se reconhecem “efeitos”, vontade atua sobre vontade – e de que todo acontecer mecânico, na medida em que nele age uma força, é justamente força de vontade, efeito da vontade. – Supondo, finalmente, que se conseguisse explicar toda a nossa vida instintiva como a elaboração e ramificação de uma forma básica da vontade – a vontade de poder, como é minha tese –; supondo que se pudesse reconduzir todas as funções orgânicas a essa vontade de poder, e nela se encontrasse também a solução para o problema da geração e nutrição – é um só problema –, então se obteria o direito de definir toda força atuante, inequivocamente, como vontade de poder. O mundo visto de dentro, o mundo definido e designado conforme o seu “caráter inteligível” – seria justamente “vontade de poder”, e nada mais (2006a, p.40).

Scarlett Marton escreveu no prefácio do livro A doutrina da vontade de poder em Nietzsche

de Wolfgang Müller-Lauter, em nota de rodapé, que a melhor tradução para a expressão “Wille

zur Macht” é vontade de potência, entretanto potência não deve ser vista do ponto de vista

aristotélico. Entrementes, se for traduzida essa expressão por vontade de poder, o vocábulo

“poder” não pode ser entendido no sentido político de força do poder. Para ela o termo Wille

significa disposição, tendência, impulso e o vocábulo Macht, está associado ao verbo machen,

que significa fazer, produzir, criar, ou seja, a vontade de potência é “o impulso de toda força a

efetivar-se e, com isso, criar novas configurações em relação com as demais” (1997, p.10-11).

Gilles Deleuze no livro Nietzsche e a filosofia entende que vontade de poder é o elemento

diferencial da força em que uma força se relaciona sempre com uma outra força e ressalta que

vontade de poder é o

(...) elemento genealógico da força, simultaneamente diferencial e genético. A vontade de poder é o elemento de onde dimanam simultaneamente a diferença de quantidade das forças postas em relação e a qualidade que, nessa relação marca cada força . A vontade de poder revela aqui a sua natureza: é o princípio para a síntese de forças. É nesta síntese, que se refere ao tempo, que as forças tornam a passar pelas mesmas diferenças ou que o diverso se reproduz. A síntese é a das forças, da sua diferença e da sua reprodução; o eterno retorno é a síntese de que a vontade do poder é o princípio (2001, p.77).

Jean Lefranc defende que é preciso compreender a vontade de poder como uma

multiplicidade de forças em contínua luta recíproca, sendo que “na expressão vontade de poder, a

vontade não pode, pois, ser pensada como causa, nem o poder como fim” (2005, p.117). A

vontade de poder tem um caráter de precedência, de primazia, porém não visa o extermínio ou a

aniquilação dos outros. Como Nietzsche afirma na Genealogia da moral:

Exigir da força que não se expresse como força, que não seja um querer-dominar, um querer-vencer, um querer-subjugar, uma sede de inimigos, resistências e triunfos, é tão absurdo quanto exigir da fraqueza que se expresse como força (2005f, p.36).

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A vontade de poder busca sempre a superação e está inscrita na essência da própria vida,

não tendo nenhuma finalidade, ficando restrita ao momento do próprio desejar. Ela passa de um

estado para outro, sendo sempre estabelecido um novo limite a ser ultrapassado. A vontade de

poder é um princípio múltiplo de explicação de toda a vida e é considerada como a única forma

de vontade.

Na citação selecionada por Carlos Moura “‘onde eu encontrei vida’, diz Nietzsche, ‘ali

encontrei vontade de potência’” (2005, p.208), podemos constatar a utilização de uma linguagem

organicista atrelada ao princípio da multiplicidade do vir-a-ser heraclitiano, defendendo a

necessidade de autodestruição e de superação, que é a dinâmica da própria vida. Assim Carlos

Moura afirma que:

Nietzsche reconhece na vida a vontade de potência em sua facticidade, enquanto a vida naturalmente se relaciona e, em seu relacionar-se, exprime a vontade de potência: viver é essencialmente apropriação, violação, dominação do outro e do mais fraco, ela é opressão, severidade. Em todo corpo vivo realiza-se este caráter fundamental: ele precisará crescer, alcançar a preponderância – e isso não por alguma moralidade ou imoralidade, mas porque ele vive e a vida é vontade de potência (2005, p.199).

A vontade de poder para Nietzsche concebe o conhecimento como perspectivo, com um

movimento destinado a superação de si em direção a outra perspectiva ou interpretação, sendo

que “o próprio ‘interpretar’ é uma forma da vontade de potência, que tem existência não como

ser, mas como processo, como vir-a-ser” (Ibidem, p.201). O dogmatismo então, necessita ser

rejeitado, sendo que para isso precisamos admitir que não existe verdade alguma e assim

poderemos gozar de mais potência e viver realmente a vida com as suas vicissitudes e

adversidades. Nietzsche no livro O nascimento da tragédia afirma que:

(...) o eterno fenômeno da arte dionisíaca, a qual leva à expressão a vontade em sua onipotência, por assim dizer, por trás do principium individuationis, a vida eterna para além de toda a aparência e apesar de todo o aniquilamento. A alegria metafísica com o trágico é uma transposição da sabedoria dionisíaca instintivamente inconsciente para a linguagem das imagens: o herói, a mais elevada aparição da vontade, é, para o nosso prazer, negado, porque é apenas aparência, e a vida eterna da vontade não é tocada de modo nenhum por seu aniquilamento. ‘Nós acreditamos na vida eterna’, assim exclama a tragédia; enquanto a música é a Idéia imediata dessa vida. Um alvo completamente diverso tem a arte do artista plástico: aqui o sofrimento do indivíduo subjuga. Apolo mediante a glorificação luminosa da eternidade da aparência, aqui a beleza triunfa sobre o sofrimento inerente à vida, a dor é, em certo sentido, mentirosamente apagada dos traços da natureza.(2005i, p.101-102).

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Nietzsche analisou a vida helênica e concebe “que ‘viver’ deveria ser definido ‘como uma

forma duradoura dos processos das fixações de força em que os diversos combatentes crescem

desigualmente’” (MOURA, 2005, p.199). Só existe vontade de poder e não existe vontade de

existência, pois o que não é não pode querer. Então, a estrutura fundamental da vida é a limitação

de uma ambição ilimitada, buscando o equilíbrio apolíneo entre as forças dionisíacas e a nossa

herança cultural. Rüdiger Safranski no livro Nietzsche, biografia de uma tragédia, afirmou que:

(...) Nietzsche sempre voltará a pedir que façamos de nós mesmos uma pessoa inteira. Porém esse ser inteiro não significa a impossível superação do modo e existência dividual, e sim uma eficiente auto-configuração e auto-instrumentação. Devemos nos tornar maestros dos impulsos de nossa vida, poder equilibrar-nos sobre nossas fendas e orquestrar a confusão de nossas vozes. A ominosa Vontade de poder – em anos posteriores, veremos, ela vai crescer desmedidamente tornando-se um princípio de explicação cósmica e diretiva da grande política – em Nietzsche sempre permaneceu em um tom camerístico, e significa: conseguir poder sobre si mesmo (2005, p.169).

É necessário ir até o fundo das coisas, escavar as profundezas da história, quebrar este

casco duro da moral, se despir desta vestimenta que nos protege contra esta vontade que não

cansa de insistir. Viver é despojar-se, explorar, conviver com a música dionisíaca, e não permitir

que alguns sentimentos dominem os outros, então teremos que buscar a harmonia apolínea.

A vontade de poder, é a própria vontade de vida, é este querer viver sem permitir que uma

verdade cristalizada nos torne cego e submisso a uma vida mesquinha, ascética, característica da

gentalha que vegeta e que morre estando viva. Sendo assim, devemos procurar compreender o

regime dos valores desta moral vigente e lutar pela proeminência da vida, pela excelência, pela

grandeza de se viver e de ser o que se é, buscando a superação de si.

Ocorreram diversas interpretações sobre o tema da vontade de poder em Nietzsche. Uma

delas foi defendida por Wolfgang Müller-Lauter que faz um contraponto ao livro de Heidegger

sobre a filosofia de Nietzsche e que segundo Marton, Heidegger acreditava que:

A vontade de potência designa o ser do ente enquanto tal, sua essência; o niilismo diz respeito à história da verdade do ente assim determinado; o eterno retorno do mesmo exprime a maneira pela qual o ente é em totalidade, sua existência; o além-do-homem caracteriza a humanidade requerida por essa totalidade; a justiça constitui a essência da verdade do ente enquanto vontade de potência. A partir daí, Heidegger empenha-se em mostrar de que modo o pensamento nietzschiano fica enredado nas teias da metafísica. Procurando impor a própria reflexão como um movimento antimetafísico, Nietzsche opera tão-somente a inversão do platonismo, pois “a inversão de uma proposição metafísica permanece uma proposição metafísica” (1997, p.45).

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Heidegger considera que a filosofia nietzschiana constitui o momento de completude da

metafísica ocidental, pois invertendo o pensamento de Platão, a ela propiciou esgotar suas

possibilidades essenciais, enquanto Müller-Lauter acreditava que Nietzsche conseguiu a

destruição da metafísica a partir dela mesma. Müller-Lauter desenvolve o seu texto baseado no

fragmento póstumo da Vontade de poder de junho-julho de 1885, nº38 [12] em que Nietzsche

afirma que:

(...) quereis um nome para esse mundo? Uma solução para todos os seus enigmas? Uma luz para vós, vós os mais ocultos, os mais fortes, os mais intrépidos, os mais da meia-noite? – Esse mundo é a vontade de poder – e nada além disso! (NIETZSCHE, apud MÜLLER-LAUTER, p. 67).

Identifiquei no aforismo nº36 do livro Além do bem e do mal em que Nietzsche afirma que

“O mundo visto de dentro, o mundo definido e designado conforme o seu ‘caráter inteligível’ –

seria justamente ‘vontade de poder’, e nada mais” (2006a, p.40), uma ratificação do que Müller-

Lauter identificou no fragmento póstumo. Quando o autor de Zaratustra escreve que o mundo

seria vontade de poder e nada, além disso, Müller-Lauter acredita ter posto nas mãos uma chave

para a compreensão de seu pensamento, pois ele nomeia o fundamento do ente e determina, a

partir dele, o ente em sua totalidade.

Para Müller-Lauter, a vontade de poder é a multiplicidade das forças em combate umas

com as outras. Não existe uma força, sendo que a unidade só pode ser concebida como um

sentido de organização. Müller-Lauter então afirma que “O um não é. Então também a vontade

de poder não é como um. A unidade de formações de domínio, nas quais está inserida uma

multiplicidade de quanta de força, não tem nenhum ser” (Ibidem, p.75). Mas o que seria ser para

Nietzsche? Em uma nota de rodapé nº46 Müller-Lauter afirma que:

Nietzsche utiliza a palavra “ser” também no sentido de “vida”. Então o próprio ser é entendido como devir. Por vezes, ele é empregado também no sentido de “essência”, de “efetividade”, de “ente particular”, assim como de “ente em sua totalidade” (Ibidem, p.76).

Müller-Lauter defende que a vontade de poder não pode ser entendida como pluralidade de

mônadas indivisíveis com substancialidade no sentido leibniziano, mas como uma multiplicidade

de forças organizadas em unidade. Ele compreende que cada povo se distingue por sua particular

vontade de poder, representado pelo cultivo dos seus valores, sendo que Nietzsche afirmava que:

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(...) um povo que ainda creia em si, venera em seu Deus, por meio de projeção de seu sentimento de poder, “as condições por meio das quais ele se eleva”. Esse Deus representa “a alma agressiva, sedenta de poder, de um povo, sua vontade de poder” (NIETZSCHE, apud MÜLLER-LAUTER, p. 94).

O mundo é visto por nós através de perspectivas, logo não há o mundo, há apenas mundos

que é a soma das forças factualmente dadas. Não há o um, há apenas multiplicidades se reunindo

e se separando. O mundo é considerado uma unidade como organização e não como uma unidade

do todo, pois necessitaria de um incondicionado, um Deus que organizaria a multiplicidade total.

Não há nenhuma força fundamental organizando o mundo em um todo, por esse motivo é que

Nietzsche afirma que “tem-se que estilhaçar o todo; desaprender o respeito pelo todo; retomar

para o próximo, o nosso, aquilo que demos ao desconhecido, ao todo” (NIETZSCHE, apud

MÜLLER-LAUTER, p. 103). Assim podemos concluir que existem apenas “multiplicidades de

vontades de poder, a vontade de poder não existe” (Ibidem, 104).

Todos os entes são concebidos como quanta de poderes hierarquicamente organizados,

sendo que o impulso no homem é a vontade de poder. Cada impulso é segundo Nietzsche “uma

espécie de anseio de domínio, cada um tem sua perspectiva, que ele gostaria de impor como

norma a todos os demais impulsos” (NIETZSCHE, apud MÜLLER-LAUTER, p.105). O ego

para Nietzsche seria como uma “pluralidade de forças de espécie pessoal, das quais ora essa, ora

aquela estaria em primeiro plano, e olharia para as outras como um sujeito olharia pra um

sugestivo e determinante mundo exterior” (MÜLLER-LAUTER, p.105).

Também os entes inorgânicos são vontade de poder, e como nenhuma vontade de poder é

uma vontade cega, Nietzsche “é obrigado a admitir um ‘conhecer’, um ‘perceber’ também para o

mundo inorgânico” (Ibidem, p.115). A diferença principal se deve a que no mundo inorgânico

domina a verdade e no orgânico devido a especialização, começaria a aparência, e as diferentes

percepções favorecendo a múltiplas perspectivas e as diversas interpretações do mundo.

É através da defesa de determinado conjunto de interpretações do mundo que surge a

moral, ou seja, a moral surge quando o homem no período histórico impõe uma determinada

explicação do mundo contra as outras explicações, criando um critério de verdade. Nietzsche

entendia que o período pré-moral da humanidade ocorreu no tempo pré-histórico e que a

construção histórica do homem “deve fundamentar a necessidade de futura fortaleza numa era

pós-moral, a partir do retorno àquilo que inicialmente deve ter sido. Essa fortaleza seria, então,

verdadeira fortaleza” (Ibidem, 134).

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1.3- Algumas formas de vontade de poder.

Existem algumas formas de vontade de poder, como o ideal ascético, a vontade de verdade

e ser o que se é. A vontade de poder é um querer fundamental que se apresenta com diferentes

configurações tais como a sua negação que é o ideal ascético, a vontade de verdade que pode ser

representada pelo dogmatismo ou a ciência e por último o “ser o que se é” através da afirmação

de si e da múltipla interpretação da nossa existência.

Nietzsche no livro Genealogia da moral afirma que o ideal ascético foi o modo de como o

homem não aceitando a condição da sua existência devido ao seu sofrimento, termina por desejar

esta mesma condição, desde que lhe seja mostrado um sentido, uma causa para o seu sofrer.

Nietzsche busca a origem do ascetismo e enumera as “três palavras de pompa do ideal ascético:

humildade, pobreza, castidade” (2005f, p.98), sendo que:

(...) o ideal ascético nasce do instinto de cura e proteção de uma vida que degenera, a qual busca manter-se por todos os meios, e luta por sua existência; indica uma parcial inibição e exaustão fisiológica, que os instintos de vida mais profundos, permanecidos intactos, incessantemente combatem com novos meios e invenções. O ideal ascético é um tal meio: ocorre, portanto, exatamente o contrário do que acreditam os adoradores desse ideal – a vida luta nele e através dele com a morte, contra a morte, o ideal ascético é um artifício para preservação da vida (Ibidem, p.109-110).

Os ricos, nobres e possuidores são para Nietzsche os senhores, são aqueles que afirmam

sua superioridade pelo seu poder. Os escravos são os homens comuns, os fracos que querem

dominar os fortes através da sua moral do ressentimento e da sua tática de comunidade, de

rebanho, de grupo. Para Nietzsche o senhor reconhece a si mesmo, enquanto o escravo se

reconhece através da mediação de seu oposto, o senhor. O homem virtuoso da moral escrava, o

altruísta, tem como norma a renúncia e o sacrifício de si mesmo.

O ideal ascético é caracterizado como uma forma de desnaturalização, uma espécie de

negação da vontade de poder, pois esta vida é como se fosse uma ponte para uma outra

existência. É na luta pelo existir que nasce o ideal ascético, através do instinto de proteção de

uma vida que degenera, lutando pela preservação dessa existência mesquinha e de sofrimento.

O sacerdote negando esta vida quer dominar a própria vida, ele é uma potência

conservadora e afirmativa de uma vida adoecida. Conciliando os sofredores com a sua existência,

o sacerdote busca reduzir o sentimento de vida e estimula o amor ao próximo, que é um tipo de

vontade de potência moderada em que é incentivada a formação do rebanho, desviando o

sofredor de encarar o seu próprio ressentimento e o seu sentimento de fraqueza.

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Viver é explorar, dominar, sendo que este instinto é inerente à própria natureza da vida.

Assim “a ‘luta pela proeminência’ [grandeza, excelência] de Nietzsche viria tomar o lugar da

‘luta pela vida’ de Darwin” (MOURA, 2005, p.209). Para Nietzsche ao contrário do que defendia

Darwin, os mais fortes, os mais bem dotados, terminaram dominados pelos tipos médios, e pelos

escravos através da moral ascética. Entrementes, Scarlett Marton no livro Nietzsche: a

transvaloração dos valores afirma que:

Se a ruína do cristianismo trouxe como conseqüência a sensação de que “nada tem sentido”, “tudo é em vão”, trata-se agora de mostrar que a visão cristã não é a única interpretação do mundo – é só mais uma. Perniciosa, ela inventou a vida depois da morte para justificar a existência; nefasta, fabricou o reino de Deus para legitimar avaliações humanas. Na tentativa de negar este mundo em que nos achamos, procurou estabelecer a existência de outro, essencial, imutável, eterno; durante séculos, fez dele a sede e a origem dos valores (1996, p.65).

Assim, como alternativa ao ideal ascético nasce a vontade de verdade que se apresenta

como uma vontade com finalidade, “surge como um querer algo como a verdade, os bens, a

felicidade” (Ibidem, p.189). A ciência é uma vontade de verdade e se apresenta como uma

verdade absoluta, dogmática e que pode explicar e resolver os questionamentos sobre a nossa

existência. A vontade de verdade é uma forma de vontade de poder que em vez de trazer luz para

a nossa existência, vende uma ilusão iluminista que só faz o homem imergir em uma outra

verdade dogmática. A ciência, através da construção de um modelo tecnológico leva o homem a

se esquecer da sua verdadeira condição que é a da sua finitude e das idiossincrasias, reflexo das

perspectivas de vida.

Por último, a “‘grande razão’ do corpo, interpretada pela vontade de poder” (LEFRANC,

2005, p.133), é a vontade de viver e designa o movimento da superação de si, sendo que as

perspectivas, as interpretações são infinitas, então o dogmatismo precisa ser rejeitado. Devemos

então, buscar ser o que se é devido a não termos outra escolha, que será explicado pelo amor fati

e pela doutrina do eterno retorno. Veremos a seguir uma abordagem mais detalhada desses temas.

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CAPÍTULO 2

O IDEAL ASCÉTICO

2.1- Ascetismo, má consciência e a origem do ideal ascético.

Ascetismo é a prática da ascese, ou seja, é o exercício prático que leva à efetiva realização

da virtude e plenitude da vida moral, desvalorizando os aspectos corpóreos e sensíveis do

homem. Para Nietzsche, o ascetismo é a negação da vontade de potência, do querer viver e que

está presente em toda religião. O ideal ascético nasceu do processo de degeneração da vida que

luta pela sua existência. O ascetismo teve origem com o advento do platonismo que Nietzsche

chamava de filosofia da decadência, negando os instintos, negando a vida, negando este mundo

em função de um mundo de ficção.

Nietzsche acreditava que o homem é necessariamente esquecido e que nossos ancestrais

através dos séculos criaram uma idéia de uma dívida adquirida pelos trabalhos realizados e

vitórias alcançadas. Essas dívidas impagáveis foram transferidas para os deuses, ficando o

sentimento de um castigo eterno pela impossibilidade de quitá-las.

Para os cristãos, Jesus – o próprio Deus – se sacrificou por amor para pagar as dívidas

impagáveis adquiridas pelo homem, porém agora o homem passa a ser dependente para sempre,

para que possa alcançar sua salvação e a vida eterna. Entretanto a história para Nietzsche é que o

homem fraco de má consciência tem uma vontade de se torturar, criando um instrumento para

este fim, que é a elaboração de uma hipótese religiosa com a idéia de uma dívida eterna em

relação a Deus, com o objetivo de conseguir um suplício o mais elevado possível, pois não

poderá jamais pagar esta dívida e que somente poderá ser alcançada através da graça de Deus.

O ascetismo nasceu e se criou no domínio e no rigor das leis penais, que permitiram

manter presentes na memória das pessoas o gozo de algumas exigências primitivas da sociedade.

Nietzsche cita alguns castigos realizados na vida social e pacífica alemã para valorizar a razão e

fixá-los na memória dos indivíduos, tais como:

(...) a roda (a mais característica invenção, a especialidade do gênio alemão no reino dos castigos!), o empalamento, o dilaceramento ou pisoteamento por cavalos (o ‘esquartejamento’), a fervura do criminoso em óleo ou vinho (ainda nos séculos XIV e XV), o popular esfolamento (‘corte de tiras’), a excisão da carne do peito; e também a prática de cobrir o malfeitor de mel e deixá-lo às moscas, sob o sol ardente (NIETZSCHE, 2005f, p.52).

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O homem está ligado ao futuro como uma promessa e a origem desta responsabilidade

está na moralização dos costumes que foi um longo trabalho que ele realizou sobre si mesmo. A

“mnemotécnica” consiste no ensinamento e na criação de uma memória, uma recordação

necessária para o povo fixar certas idéias. Para Giacoia Júnior, a mnemotécnica, é uma gravação

“a fogo, para que fique na memória” (2002, p.40), sendo que Nietzsche afirma que quando:

(...) o homem sentiu a necessidade de criar em si uma memória; os mais horrendos sacrifícios e penhores (entre eles o sacrifício dos primogênitos), as mais repugnantes mutilações (as castrações, por exemplo), os mais cruéis rituais de todos os cultos religiosos (todas as religiões são, no seu mais profundo, sistemas de crueldades) – tudo isso tem origem naquele instinto que divisou na dor o mais poderoso auxiliar da mnemônica (2005f, p.51).

Estes castigos ou aparatos da má consciência foram estabelecidos pela consciência da

falta, que teve sua origem na idéia da dívida material. Anteriormente a lei da equivalência ou da

compensação do sofrimento era o que predominava, como por exemplo, o devedor dava como

garantia da sua honradez no caso de não pagar a dívida, uma indenização com alguma coisa que

possuía como a sua mulher, sua liberdade, uma parte do corpo ou até com a sua vida. O castigo

tem muitas finalidades, entretanto o castigo também propicia ao castigado um aumento de força e

resistência. Para Carlos Moura, anteriormente:

Punia-se por cólera, por ter sofrido um dano, desafogava-se a cólera em quem a havia causado. Foi essa cólera que se encontrou limitada e modificada pela idéia de que todo dano encontra seu equivalente em uma dor imposta ao seu autor. Mas de onde provém essa idéia, tão enraizada, de que existiria uma equivalência entre o dano e a dor? Ela vem da relação contratual entre credor e devedor (MOURA, 2005, p.139).

Esta maldade desinteressada de punição sem remorso era concretizada através do sofrer

por parte do devedor que compensava as suas dívidas ao credor, através de um prazer macabro.

Este mecanismo de redenção, entretanto sofreu uma modificação no momento em que foi tornada

ilegítima a compensação pela dor. Os sacerdotes ascéticos inverteram a moral e transformaram os

credores em devedores. Com a morte de Jesus na cruz, este deleite com a crueldade foi

transformado em uma compaixão trágica.

O conceito de justiça foi sendo aprimorado através de leis e regras que possibilitaram a

vida das pessoas em cidades com a convivência em grupo, pois caso se viole as leis, a

comunidade fará com que o credor pague sua dívida através de uma punição. Então os limites da

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liberdade foram estabelecidos pela sociedade e até do ponto de vista biológico, as condições de

vida passaram a serem caracterizadas pelas restrições da vontade.

Através da pesquisa genealógica, Nietzsche sustenta que geralmente a origem de uma

coisa é distinta da sua finalidade, como ocorreu com o castigo e a punição. A história não tem

uma progressão lógica ou um fim. A noção de progresso para Nietzsche está relacionada a

vontade de poder e se torna mais clara quando ele afirma que a “magnitude de um ‘avanço’,

inclusive, se mede pela massa daquilo que teve de lhe ser sacrificado; a humanidade enquanto

massa sacrificada ao florescimento de uma mais forte espécie de homem – isso seria um avanço”

(2005f, p.67).

A origem da má consciência surgiu quando o homem teve de renunciar a todos os seus

nobres instintos com a consolidação da vida na sociedade. Sobre uma enorme força repressora da

comunidade e a contenção dos instintos, ocorreu a interiorização do homem, nascendo assim à

noção do que se chama de alma. Por falta de inimigos externos e da repressão dos instintos, as

ações voltaram-se contra o próprio homem, a ira e a crueldade foram dirigidas para o homem

interior, nascendo o conflito e a má consciência. Foi desta forma que Nietzsche constatou que

todos “os instintos que não se descarregam para fora voltam-se para dentro – isto é o que chamo

de interiorização do homem” (Ibidem, p.73). Para Carlos Moura, isto ocorreu, pois o homem que

era habituado à guerra e “tiveram seus instintos desvalorizados, eles foram reduzidos a pensar,

concluir, calcular – eles foram reduzidos à ‘consciência’” (2005, p.141).

Os instintos perversos que fazem parte da natureza humana impossibilitados de se

exteriorizar pela moral e pelos costumes da civilização humana fizeram com que o homem

maltratasse a si próprio e este desesperado tornou-se o inventor da má consciência. O homem

impedido de exteriorizar os seus instintos básicos se torna assim, um ser contemplativo e

espiritual. Para Carlos Moura, “quando um homem se convence de que deve ser comandado, ele

já é um crente” (Ibidem, p.148). Jean Lefranc defende que:

Ao contrário, a crueldade do escravo que se vinga, do homem do ressentimento, supõe a consciência, a ‘má consciência’, a astúcia e o cálculo, o prazer com os sofrimentos não só do outro mas também, no ideal ascético, com os sofrimentos infligidos a si mesmo. (2005, p.161).

A má consciência é o uso da vontade de poder contra si mesmo, por este motivo, a má

consciência é uma característica do pensamento dos escravos. Entretanto Nietzsche acreditava

que na antiga Grécia, os deuses possuíam uma imagem reflexa dos homens nobres e por isso os

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homens se sentiam divinizados. Os gregos utilizavam os seus deuses para combater a má

consciência e construir e gozar da sua liberdade. Com o estabelecimento de uma nova moral, a

dos escravos, o homem guerreiro e nobre, teve os seus instintos inatos reprimidos e

desvalorizados, sendo reduzidos aos pensamentos e à consciência. Para Osvaldo Giacoia Júnior, a

intenção de Nietzsche é “reconstituir a gênese da consciência moral” (2002, p.37), sendo que ele

vai mais longe e afirma que:

O sentimento de culpa, que todos conhecemos como má consciência – de remorsus ou morsus conscientiae (literalmente, ‘mordedura de consciência’) – tem sua origem ligada ao domínio material do direito das obrigações, mais particularmente, das relações contratuais de troca, escambo, compra, venda, débito, crédito. É a partir dos sentimentos e avaliações correspondentes a tais categorias que se desenvolve e de certa forma se espiritualiza a culpa moral (Ibidem, 38).

Com o advento do Deus cristão, é criada a expressão mais alta do divino, o que faz com

que se produza no homem o maior sentimento de obrigação e culpa pelos seus pecados,

potencializando o sentimento advindo da má consciência. Entretanto existe uma expectativa de

que com o triunfo do ateísmo, o homem poderá se libertar do sentimento de obrigação, nascendo

uma segunda espécie de inocência para a humanidade.

Nietzsche acreditava que o ideal ascético teve origem quando o homem cansado desta

vida utilizou a vontade de poder contra si mesmo, negando-se em função de uma outra vida após

a morte, porém é esta vida terrena a única de que dispomos. Para Giacóia Júnior, Nietzsche

acreditava, que o ideal ascético também teve origem “num instinto de autoproteção e salvação da

vida; mas de um tipo de vida que degenera e que, com todas as suas forças, luta

desesperadamente contra a morte, pela autoconservação” (2002, p.61).

2.2- O que é, e qual a finalidade do ideal ascético?

Nietzsche acreditava que a problemática do valor da moral é uma importante questão a ser

discutida e analisada. A moral para Nietzsche está ligada aos valores que foram criados pelos

humanos e tiveram origem em um determinado momento e lugar. A genealogia tem a função de

identificar esta origem, pois assim poderemos conhecer quais são os interesses particulares

vinculados a esta moral vigente e questioná-los, libertando-nos dos grilhões morais

institucionalizados, criando condições de transmutá-los por valores afirmativos da vida.

Os valores da nossa civilização estão estabelecidos na religião, na filosofia, ciência, arte e

na política. Nietzsche realiza uma crítica aos valores morais, questionando o valor desses valores.

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Quanto maior for um valor, maior será o esforço da superação de si, maior será a vontade de

poder e maior será a potência de sua vontade. Nietzsche criticava os valores morais vigentes,

porém atribuía ao filósofo do futuro, a tarefa de criar novos valores compatíveis com a vida. A

decadência da atualidade representa o menor grau da vontade de poder, pois busca negar a

vontade de poder. A decadência é uma condenação da vida e a moral escrava atual é a negação da

vontade de viver.

Nietzsche propõe repensar toda a tradição moral, valorizando tudo que é amaldiçoado e

rejeitando tudo que é bendito. Somente deste modo é que poderemos aproximar o homem da sua

realidade e transformar o ideal na própria vida. Transvalorizar ou transmutar os valores tem como

objetivo afirmar os valores compatíveis com a vida, com a terra e com o homem.

Nietzsche afirma que o ascetismo é um meio de vida fraco, doente, de autodisciplina, em

que se economizam forças para manter a existência. Para poder sobreviver, os fracos devem

renunciar às paixões e às emoções. Então a moral tradicional e a religiosidade ajudam a vontade

de poder a se entregar aos ideais ascéticos. O ideal ascético tem uma estratégia de

desnaturalização, de negação da vontade, sendo uma vontade de nada. O ascetismo tem medo da

felicidade e hostiliza a vida. Todo ideal ascético é um ideal contrário à vida, porém integra a

própria constituição do homem através do instinto de preservação.

Nietzsche acreditava que o princípio de todo o ideal ascético está na vontade do homem,

devido ao seu horror ao vácuo. O homem necessita de uma finalidade, de um querer, de se sentir

útil e de trabalhar por objetivos, sendo que ele “preferirá ainda querer o nada a nada querer”

(NIETZSCHE, 2005f, p.88). Nietzsche descreve a vida ascética da seguinte forma:

(...) uma vida ascética é uma contradição: aqui domina um ressentimento ímpar, aquele de um insaciado instinto e vontade de poder que deseja senhorear-se, não de algo da vida, mas da vida mesma, de suas condições maiores, mais profundas e fundamentais; aqui se faz a tentativa de usar a força para estancar a fonte da força; aqui o olhar se volta, rancoroso e pérfido, contra o florescimento fisiológico mesmo, em especial contra a sua expressão, a beleza, a alegria; enquanto se experimenta e se busca satisfação no malogro, na desventura, no fenecimento, no feio, na perda voluntária, na negação de si, autoflagelação e autosacrifício (Ibidem, p.107).

O grande perigo para o homem é o niilismo negativo, a vontade do nada, o tédio e a

compaixão. Os doentes também representam um grande perigo, pois junto com os desgraçados,

vencidos, impotentes e fracos corrompem a vida, envenenam e destroem a nossa confiança.

Segundo Nietzsche, os judeus e Eugen Dühring alcançarão a vingança total quando conseguir

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“introduzir na consciência dos felizes sua própria miséria, toda a miséria, de modo que estes um

dia começassem a se envergonhar da sua felicidade, e dissessem talvez uns aos outros: ‘é uma

vergonha ser feliz! Existe muita miséria!’” (Ibidem, p. 114). Por isso, os fortes são de grande

importância, pois garantirá o futuro do homem. Os doentes não podem fazer nada, logo é

necessário que nos afastemos dos hospícios e hospitais. Vejam que ironia, Nietzsche irá morrer

13 anos mais tarde em um manicômio.

O amor ao próximo é uma vontade de potência moderada, uma vontade de reciprocidade

que estimula a formação do rebanho de fracos, um ótimo remédio contra a depressão, pois desvia

seus problemas e sua aversão a si para a comunidade. Por isso, que estes doentes “buscam

instintivamente organizar-se em rebanho, na ânsia de livrar-se do surdo desprazer e do sentimento

de fraqueza” (MOURA, 2005, p.155).

Os sacerdotes judeus, desprezando a história, transferiram o passado de seu povo para o

campo religioso, atribuindo a vontade de Deus a suas crenças e quereres, conservando através

deste método suas práticas cotidianas. Quem não quisesse seguir estas regras, não estaria

desobedecendo a lei dos homens, mas as leis de Deus. A partir deste momento a desobediência

aos sacerdotes foi considerada um pecado, ou seja, uma desobediência às leis de Deus. O meio

para se redimir dos seus pecados será seguir a Deus através das escrituras sagradas, a bíblia, ou

melhor, seguir ao sacerdote que representa a palavra de Deus que é o único que pode salvar.

Os sacerdotes vivem dos pecados, pois necessitam da existência de pecadores para que

possam sustentá-los, dá-lhes status e poder. O sacerdote “através da negação quer dominar não

algo na vida, mas a própria vida” (Ibidem, p.151). O sacerdote ascético é um afirmador de uma

vida adoecida, que degenera e tem a missão de reconciliar os humanos sofredores com a sua

existência. O sacerdote busca “combater o mal-estar dominante com recursos que reduzam o

sentimento de vida ao seu grau mais baixo: nenhum querer, nenhum desejo, nenhuma paixão, não

amar nem odiar” (Ibidem, p.153).

Os ideais ascéticos valorizam a espiritualização, uma desnaturalização devido a

impotência de agir o que significa uma negação da vontade de poder, uma negação da vida. A

vida segundo o asceta é como se fosse uma ponte para uma outra existência, como foi defendida

pela filosofia de Platão e foi consolidada no cristianismo que considera o humano como pecador e

indigno de existir, devendo ser condenado e hostilizado. As religiões tal e em particular no

cristianismo têm como objetivo combater o cansaço generalizado e aliviar a dor através do

consolo. Os meios adotados para combater a dor têm sido reduzir a vida à sua menor expressão e

deixá-la com um:

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Se possível nenhum querer, nenhum desejo mais; evitar tudo o que produz afeto, que produz ‘sangue’ (não comer sal: higiene do faquir); não amar; não odiar; equanimidade; não se vingar; não enriquecer; não trabalhar; mendigar; se possível nenhuma mulher, ou mulher o menos possível; em matéria espiritual, o princípio de Pascal, ‘il faut s’abêtir’ [é preciso embrutecer-se]. Como resultado, em termos psicológicos-morais, ‘renúncia de si’, ‘santificação’; em termos fisiológicos, hipnotização – uma tentativa de alcançar para o homem algo aproximado ao que a hibernação representa para algumas espécies animais, a estivação para muitas plantas de clima quente, um mínimo de metabolismo, no qual a vida ainda existe, sem no entanto penetrar na consciência (NIETZSCHE, 2005f, p.121).

Nietzsche acreditava que, quem deve dar apoio aos doentes deve ser o sacerdote ascético,

o pastor e defensor do rebanho doente, pois para poder entender dos doentes é necessário que

também seja doente. O sacerdote ascético segundo Nietzsche é:

(...) a encarnação do desejo de ser outro, de ser-estar em outro lugar, é o mais alto grau desse desejo, sua verdadeira febre e paixão: mas precisamente o poder do seu desejo é o grilhão que o prende aqui; precisamente por isso ele se torna o instrumento que deve trabalhar para a criação de condições mais propícias para o ser-aqui e o ser-homem – precisamente com este poder ele mantém apegado à vida todo o rebanho de malogrados, desgraçados, frustrados, deformados, sofredores de toda espécie, ao colocar-se instintivamente à sua frente como pastor. Já me entendem: este sacerdote ascético, este aparente inimigo da vida, este negador – ele exatamente está entre as grandes potências conservadoras e afirmadoras da vida (Ibidem, p.110).

Entretanto o sacerdote deve ser forte de vontade para possuir a confiança dos doentes e ser

para eles “um amparo, apoio, resistência, coerção, instrução, tirano, deus” (Ibidem, p.115). O

sacerdote também tem a função de mudar a direção do ressentimento. O doente busca a causa

para a sua dor e para a sua doença e questiona que alguém deve ter sido o causador do seu mal-

estar e de ser culpado pelo seu sofrimento. Então o pastor responde:

‘Isso mesmo, minha ovelha! Alguém deve ser culpado: mas você mesma é esse alguém – somente você é culpada de si!...’. Isto é ousado bastante, falso bastante: mas com isto se alcança uma coisa ao menos, com isto, como disse, a direção do ressentimento é - mudada (Ibidem, p.117).

Para que o homem possa estar ocupando totalmente o seu tempo, se esquecendo de si

próprio, o sacerdote ascético emprega a bênção do trabalho na luta contra a dor, na obediência

pontual e passiva desta atividade maquinal.

Para os homens que ocupam as baixas camadas sociais foi elaborado um remédio mais

adequado pelo cristianismo que foi a caridade, o amor ao próximo, o auxílio, benefícios e

esmolas. Assim se desenvolve a vontade de mutualidade com a formação de uma sociedade de

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socorros recíprocos coordenada pelo sacerdote que busca a formação dos rebanhos com o

crescimento da comunidade. O indivíduo vive em função de Deus e da comunidade religiosa

desenvolvendo uma aversão à sua própria pessoa, pois “os fortes buscam necessariamente

dissociar-se, tanto quanto os fracos buscam associar-se” (Ibidem, p.125). Então Nietzsche

relaciona os meios que foram empregados pelos sacerdotes ascéticos na luta contra a dor:

(...) o amortecimento geral do sentimento de vida, a atividade maquinal, a pequena alegria, a do ‘amor ao próximo’ sobretudo, a organização gregária, o despertar do sentimento de poder da comunidade, em conseqüência do qual o desgosto do indivíduo consigo mesmo é abafado por seu prazer no florescimento da comunidade (Ibidem, p.125-126).

Os meios empregados pelos sacerdotes ascéticos para atingir os seus objetivos foram a

exaltação dos sentimentos das grandes paixões como a “cólera, pavor, volúpia, vingança,

esperança, triunfo, desespero, crueldade” (Ibidem, p.128). Através de uma justificação religiosa

os sacerdotes se utilizam destes sentimentos para “despertar o homem da sua longa tristeza, pôr

em fuga ao menos por instantes a sua surda dor, sua vacilante miséria” (Ibidem, p. 129). Assim os

doentes ficam mais doentes, pois não combatem a doença, somente remediam a dor, entretanto

existe um prazer de um alívio imediato do seu sofrimento através do combate à depressão através

de uma falsa identificação da causa do seu sofrimento.

É através do uso do pecado ou da má consciência que o sacerdote ascético justifica ao

doente a sua doença, sendo que isto só é possível através da crueldade interiorizada, representada

pelo sentimento de culpa de uma contravenção moral. Por este motivo Nietzsche afirma que:

Sofrendo de si mesmo de algum modo, em todo caso fisiologicamente, como um animal encerrado na jaula, confuso quanto ao porquê e o para quê, ávido de motivos – motivos aliviam –, ávido também de remédios e narcóticos, o homem termina por aconselhar-se com alguém que conhece também as coisas ocultas – e vejam! Ele recebe uma indicação, recebe do seu mago, o sacerdote ascético, a primeira indicação sobre a ‘causa’ do seu sofrer: ele deve buscá-la em si mesmo, em uma culpa, um pedaço de passado, ele deve entender seu sofrimento mesmo como punição... Ele ouviu, ele compreendeu, o infeliz: agora está como a galinha em torno da qual foi traçada uma linha. Ele não consegue sair do círculo: o doente foi transformado em ‘pecador’... E agora estamos condenados à visão desse novo doente, ‘o pecador’ (Ibidem, p.129-130).

Segundo o cristianismo o homem em falta e desespero, busca a confiança e o respeito de

Deus e para que isso aconteça é necessário que suas escolhas fiquem restritas, pois para sermos

pertencentes à família de Deus é preciso que sejamos santos e irrepreensíveis, apesar de ser um

caso da Graça de Deus, ou seja, de um favor imerecido. Deste modo é reconstituído a angústia

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humana e o modo de operar do sacerdote ascético: a falta, a dor, o medo, o pecado, o instante de

felicidade, a contrição, o torturador que tortura a si próprio pela sua consciência enferma, o

castigo, o grito desesperado pela salvação, a intervenção do sacerdote ascético, a disciplina, a

abstinência e a negação de si que é a essência de todo ideal ascético. Esse é o ciclo de punição

que o homem cria para si, em que existe:

(...) uma espécie de loucura da vontade, nessa crueldade psíquica, que é simplesmente sem igual: a vontade do homem de sentir-se culpado e desprezível, até ser impossível a expiação, sua vontade de crer-se castigado, sem que o castigo possa jamais equivaler à culpa, sua vontade de infectar e envenenar todo o fundo das coisas com o problema do castigo e da culpa (Ibidem, p.81).

No antigo testamento ainda podemos encontrar traços de uma cultura forte, de um povo

com sentimentos humanos que luta, onde encontramos “grandes homens, uma paisagem heróica e

algo raríssimo sobre a terra, a incomparável ingenuidade do ‘coração forte’” (Ibidem, p. 133). No

novo testamento criou-se a condição para que o sacerdote ascético corrompesse a saúde da alma.

A Igreja deixava fora das portas as pessoas simples, então surgiu Lutero com gostos rústicos

querendo “falar diretamente, falar ele próprio, falar ‘informalmente’ com o seu Deus... Bem, ele o

fez” (Ibidem, p.134).

O ideal ascético foi a finalidade encontrada pelo homem para afirmar a sua existência. O

homem não conseguia justificar a si mesmo, pois existia uma imensa lacuna, algo da sua

existência que não podia ser explicado. O homem necessita de uma razão, uma finalidade para

justificar a sua dor. No ideal ascético “o sofrimento era interpretado; a monstruosa lacuna parecia

preenchida; a porta se fechava para todo niilismo suicida” (Ibidem, p.149). Entretanto esta

interpretação substituía a dor, por uma dor mais profunda, mais íntima, justificada pelo pecado,

porém agora pelo menos existe uma finalidade.

Nietzsche concluiu o livro Genealogia da moral afirmando que “o homem preferirá ainda

querer o nada a nada querer” (Ibidem). Esta vontade de aniquilação é uma hostilidade à vida,

porém é pelo menos uma vontade.

2.3- Judaísmo, cristianismo e a inversão dos valores.

Scarlett Marton no seu livro Nietzsche: a transvaloração dos valores, conta uma fábula do

lobo e do cordeiro para concluir com a moral da história de que “sempre predomina a razão do

mais forte” (1996, p.7), sendo que sempre ficamos do lado do mais fraco que neste caso é o

27

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cordeiro, pois atribuímos a ele o valor do bom. Nietzsche busca através da genealogia identificar

como foram instituídos o que é bom e o que é mau.

O valor bom segundo Nietzsche, era considerado pertencente aos nobres, poderosos,

belos, afortunados, amados por Deus. Entrementes ocorre uma sublevação dos escravos que

começa com o judaísmo e é consolidado com o cristianismo invertendo os valores morais. Para

Nietzsche a moral vigente é a de escravos, enquanto que na cultura grega e antes do advento do

cristianismo predominava a moral de senhores. Os gregos e até mesmo o homem do antigo

testamento, era mais forte que o homem de hoje, sendo o niilismo moderno e o ateísmo derivado

da moral dos escravos.

A filologia mostrou que a “origem do juízo ‘bom’ não está no suposto beneficiário da

ação, mas no próprio nobre, ao considerar-se a si mesmo, sem menção a qualquer utilidade”

(MOURA, 2005, p.122). O valor bom surgiu assim, no movimento de auto-afirmação dos valores

dos nobres. Como já falamos na introdução, somente após a guerra dos Trinta Anos (1618-1648)

entre católicos e protestantes, iniciada na Alemanha e que foi transformada em uma luta européia

é que as palavras bom e mau assumiram definitivamente os novos significados e os valores

atuais.

Carlos Moura afirma que para Nietzsche, o senhor se afirma e diz que tudo o que provém

dele é bom e o que é do outro, é mau. É uma vontade de poder que exige do querer que se

expresse como força, é um “querer-dominar, um querer vencer, um querer-subjugar, uma sede de

inimigos, resistências e triunfos” (Ibidem, p.130). O escravo criou valores seguindo uma lógica

do ressentimento, desejando que o senhor aja de outra maneira e o aceite, entretanto isso é

absurdo, pois se exige da força que se expresse com fraqueza.

Na lógica do pensamento dos escravos, existe um equilíbrio original das forças,

pressupondo uma igualdade, uma neutralização do princípio das forças. Na lógica do pensamento

dos senhores, existe um desequilíbrio natural e original das forças, é o universo homérico e

heraclitiano, “aqui o vir-a-ser é apenas uma sucessão de dominações, de diferentes configurações

de potência, nunca um equilíbrio rompido” (Ibidem, p.132). O devir é apenas um jogo de

dominações em que não existe bom, mau ou justiça, restando saber somente quem domina.

O ressentimento teve origem na criação dos valores morais dos mais fracos, dos escravos.

O valor e significado do bom para os fracos e escravos não tinham um significado de auto-

afirmação, pois surgiu como uma reação aos dominadores, uma inversão de valores dos nobres.

Os ressentidos atribuíram a palavra mau aos fortes e ricos. Esta inversão dos valores originais

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ocorreu inicialmente com a vingança dos judeus, dos antigos escravos, aos seus dominadores

através da orientação dos sacerdotes. As classes sacerdotais converteram os valores morais e

políticos em religiosos como forma de não serem questionados, pois a verdade divina estava

acima da verdade dos homens. Nietzsche afirma no livro O anticristo, que em vez de dizer que

“Deus perdoa a todo o que faz penitência”, deveríamos dizer que Deus perdoa a quem “se sujeita

ao sacerdote” (1997, p.44), pois os sacerdotes vivem da existência da culpa e dos pecados.

Com os judeus e mais de vinte séculos de história, ocorreu a emancipação dos escravos e

a moralização dos costumes, sendo que hoje acreditamos que esta é a verdade, pois eles

triunfaram completamente. Nietzsche no livro Genealogia da moral vai mais longe e afirma que:

Foram os judeus que, com apavorante coerência, ousaram inverter a equação de valores aristocrática (bom=nobre=poderoso=belo=feliz=caro aos deuses), e com unhas e dentes (os dentes do ódio mais fundo, o ódio impotente) se apegaram a esta inversão, a saber, ‘os miseráveis somente são os bons, apenas os pobres, impotentes, baixos são bons, os sofredores, necessitados, feios, doentes são os únicos beatos, os únicos abençoados, unicamente para eles há bem-aventurança – mas vocês, nobres e poderosos, vocês serão por toda a eternidade os maus, os cruéis, os lascivos, os insaciáveis, os ímpios, serão também eternamente os desventurados, malditos e danados!...’ (2005f, p.26).

Com Jesus Cristo ocorreu a consolidação da vingança judaica, pois o ódio dos judeus aos

dominadores foi transformado em amor, na sua forma mais sublime, porém contendo os mesmos

fins, ou seja, a conquista e a sedução. Jesus através da sua mensagem foi considerado o

“evangelho vivo do amor, esse ‘redentor’ portador da vitória e da bem-aventurança aos pobres,

aos doentes e aos pecadores” (Ibidem, p. 27).

A moral dos escravos é utilitária, valorizando a humildade, o amor ao semelhante, a vida

em comunhão. Entretanto a origem do cristianismo vem de um ódio e ressentimento proveniente

do instinto judaico. Conforme o que Carlos Moura afirmou, a fórmula do Redentor nasce com a

máxima de que a ‘salvação virá dos hebreus’, assim o cristianismo nutre “sentimentos

antijudaicos, sem compreender que ele é, na verdade, a última conseqüência do judaísmo” (2005,

p.134). Para Nietzsche, o cristianismo será a continuidade da lógica do ressentimento elaborados

pelos sacerdotes judeus.

Jesus conseguiu com que fossem adaptados e transmitidos os valores judaicos para os

outros povos e foi legitimado através da rejeição do seu próprio povo judeu e consagrado através

da sua crucificação e derramamento do seu sangue, o sangue do cordeiro de Deus para a salvação

da humanidade, retirando o pecado do mundo. Estes fatos históricos conseguiram transformar os

ideais ascéticos em ideais nobres.

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A justiça e a vingança passaram a ser da responsabilidade de Deus, sendo a humildade e

submissão características dos miseráveis, pois passaram por provações a espera da felicidade

eterna. Nietzsche afirma na Genealogia da moral, que os “fracos – também eles desejam ser os

fortes algum dia, não há dúvida, também o seu ‘reino’ deverá vir algum dia – chamam-no

simplesmente ‘o Reino de Deus’” (2005f, p.39-40).

Nietzsche descreve no aforismo 32 de O anticristo, um Jesus Cristo histórico sendo que

“Jesus poderia chamar-se um espírito livre” (1997, p.51) recusando toda espécie de dogmatismo,

sendo um senhor, não um escravo, pois afirma a si mesmo. Para Carlos Moura, o Cristo para

Nietzsche, se degenera em São Paulo “esse gênio do ressentimento que foi Paulo: a história de

Cristo foi reinterpretada no mesmo espírito com que os judeus reescreveram a história de seu

povo” (2005, p.138), pois transferiu a existência de Cristo para a mentira do Jesus ressuscitado.

Com isso mais uma vez é transferido o poder para os sacerdotes, pois a crença na imortalidade da

alma foi o meio encontrado por eles para pregar que esta vida não tem mais sentido. Assim a falta

de sentido do sofrer, não o sofrer, passou a ter uma explicação para o sofrimento do homem. “É

neste momento que o cristianismo reata com o judaísmo, que o sacerdote cristão torna-se o

herdeiro natural do sacerdote judeu” (MOURA, 2005, p.139). O cristianismo também irá declarar

guerra contra o nobre, pois considera o homem superior, forte como reprovável ficando ao lado

dos débeis e fracassados.

Anteriormente com a moral dos senhores, o homem europeu era feliz, poderoso, temido,

venerado, altivo e sublime. Com a vitória da moral de escravos, as virtudes cristãs transformaram

o europeu em um ser medíocre, prudente, inofensivo, indiferente, fraco e altruísta. Foi

estabelecida assim uma moral utilitária, em que a compaixão, a humildade e amabilidades se

tornaram qualidades úteis para ajudar a viver.

CAPÍTULO 3

VONTADE DE VERDADE.

3.1- A ciência e a vontade de verdade.

Nietzsche afirma que a ciência também pode ser considerada como uma evolução interna

do ideal ascético, pois se encontra no mesmo terreno e com a mesma superestimação da verdade.

Ele defende de que devemos pôr em dúvida o valor da verdade e da ciência. Nietzsche na

Genealogia da moral escreveu que no seu livro A gaia ciência realizou uma análise deste tema

afirmando que:

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(...) ‘o homem veraz, naquele ousado e derradeiro sentido que a fé na ciência pressupõe, afirma um outro mundo que não o da vida, da natureza e da história; e na medida em que afirma esse ‘outro mundo’, como? Ele não deve assim negar o seu oposto, este mundo, nosso mundo?... É ainda uma fé metafísica, aquela sobre a qual repousa a nossa fé na ciência (Ibidem, p.140).

Vontade de verdade para Nietzsche é um fenômeno moral, pois é uma vontade de não

enganar nem sequer a si mesmo. Vejamos esta passagem no livro A gaia ciência “Por conseguinte,

‘vontade de verdade’ não significa ‘Não quero me deixar enganar, nem sequer a mim mesmo’: – e

com isso estamos no terreno da moral” (2004a, p.236). Assim, a ciência permanece cativa da

vontade de verdade, este ideal é uma fé metafísica da verdade, e por isso a crença na ciência afirma

um outro mundo que não o nosso, da vida, da natureza e da história, do erro. Por isso Nietzsche se

questiona:

(...) de onde poderá a ciência retirar a sua crença incondicional, a convicção na qual repousa, de que a verdade é mais importante que qualquer outra coisa, também que qualquer convicção? (Ibidem, p.235).

No lugar da vontade de verdade, Nietzsche defende que prevaleça a vontade de poder, a

vontade da vida, pois “vida é composta de aparência, quero dizer, de erro, embuste, simulação,

cegamento, autocegamento” (Ibidem, p.236). Na vontade de verdade existe um princípio

destruidor, inimigo da vida e uma oculta vontade de morte. Nietzsche então levanta duas questões:

“‘Por que ciência?’, leva de volta ao problema moral: para que moral, quando vida, natureza e

história são ‘imorais’?” (Ibidem) e ele mesmo responde que:

(...) a fé na ciência pressupõe, afirma um outro mundo que não o da vida, da natureza e da história; e, na medida em que afirma esse ‘outro mundo’ – não precisa então negar a sua contrapartida, este mundo, nosso mundo?... Mas já terão compreendido onde quero chegar, isto é, que a nossa fé na ciência repousa ainda numa crença metafísica – que também nós, que hoje buscamos o conhecimento, nós, ateus e antimetafísicos, ainda tiramos nossa flama daquele fogo que uma fé milenar acendeu, aquela crença cristã, que era também de Platão, de que Deus é a verdade, de que a verdade é divina... (Ibidem).

Para Nietzsche “o próprio Deus se revela como a nossa mais longa mentira” (Ibidem, 236),

então o erro, a cegueira, a mentira são características próprias da constituição humana. Então se

nada é verdadeiramente absoluto, logo tudo é permitido e devemos abandonar a fé na vontade de

verdade o que permitirá como afirma Carlos Moura, o surgimento da “autêntica liberdade de

espírito, quando o dever que ainda restava em relação à verdade dá lugar ao puro querer. É o

nascimento do niilismo perfeito” (2005, p.252).

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3.2 - A filosofia e os filósofos.

Nietzsche acreditava que todas as coisas boas foram em outro tempo más, pois a realidade

da vida é uma constante mudança. Para ele a filosofia foi iniciada influenciada pelos ideais

ascéticos, sendo que “o sacerdote ascético serviu, até a época mais recente, como triste e

repulsiva lagarta, única forma sob a qual a filosofia podia viver e rastejar” (NIETZSCHE, 2005f,

p.105). O autor de Zaratustra, entretanto levanta uma questão e logo após responde: “‘que

significa um filósofo render homenagem ao ideal ascético?’, eis aqui ao menos uma primeira

indicação: ele quer livrar-se de uma tortura” (Ibidem, p.95). Nietzsche acreditava que a moral

dos escravos e filosofia tem a mesma origem, pois o homem do ressentimento já era naturalmente

o filósofo.

Para Nietzsche, o filósofo necessita de descanso, tranqüilidade, nobreza e silêncio. Deve

evitar coisas com grande luminosidade e ruidosas como a glória, os príncipes e as mulheres. O

filósofo tem um comportamento humilde, não gosta de ser perturbado com amizades, inimizades

ou do papel de mártir. Procura a verdade e sua falta de paternidade é compensada com seu

próprio nome, que lhe dará uma pequena imortalidade. Nietzsche realiza uma reflexão sobre o

papel da filosofia e dos filósofos, afirmando que:

Todas as ciências devem doravante preparar o caminho para a tarefa futura do filósofo, sendo esta tarefa assim compreendida: o filósofo deve resolver o problema do valor, deve determinar a hierarquia dos valores (Ibidem, p.46).

O filósofo do futuro aceita a diversidade, e acredita que não existe uma verdade

dogmática e universal, pois o nosso saber é construído através de perspectivas e interpretações.

Como não existe um mundo verdadeiro, não necessitamos da existência de Deus ou de valores

absolutos. Com a morte de Deus, ocorre a desvalorização dos valores simultaneamente no

momento que encaramos o mundo através de uma nova perspectiva.

Para Nietzsche a tarefa do filósofo do futuro deverá ser de resolver o problema do valor e

determinar a hierarquia dos valores. Carlos Moura realiza uma síntese do que Nietzsche

acreditava ser os principais personagens para a formação da nossa civilização ocidental: os

filósofos, os sacerdotes e os escravos. Então ele defende que:

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O filósofo inventa um mundo da razão, onde a razão e as funções lógicas são adequadas, e daqui procede o “mundo verdade”; o homem religioso inventa um “mundo divino”, e assim nasce o mundo desnaturalizado, contra a natureza; o homem moral simula um mundo do “livre-arbítrio”, e daqui se origina o mundo bom, perfeito, justo. Esses três mundos fictícios confluem em um único “outro mundo”, eles são três maneiras convergentes de negar o mundo do vir-a-ser. O mundo-verdade, o filósofo e a razão; o mundo divino, o sacerdote e a virtude; o mundo moral, o escravo e a felicidade; são esses três mundos que se identificam na equação socrática entre razão, virtude e felicidade. Para Nietzsche, é a tríplice aliança que forma a identidade constitutiva de nossa “civilização”. O que significa reconhecer que a civilização ocidental é originalmente determinada pelo cristianismo, esta imensa conspiração contra o “tipo superior” de homem. Qual o valor dessa civilização? A Genealogia da moral, enquanto análise daquela tríplice aliança, traz os elementos básicos de uma crítica a nossa civilização (2005, p.157).

3.3- Transvalorização dos valores.

Nietzsche afirma no livro Além do bem e do mal, que a moral é a “teoria das relações de

dominação sob as quais se origina o fenômeno ‘vida’” (2006a, p.24). Nietzsche não acreditava na

moral como um dado, nem em uma moral válida para todos. Ele acreditava na existência de morais

e poderíamos apreender os problemas da moral comparando as diversas morais. Carlos Moura

afirma que “Nietzsche dirá que as morais ‘são o principal meio de moldar o homem ao gosto de

um poder criador’ – logo, o principal meio de formação da humanidade” (2005, p.58).

O autor de Zaratustra buscava uma posição fora da moral, perguntando sobre o valor de

nossos valores, tomando uma posição para além de bem e mal, contrário à vontade de verdade,

pois reconhece que a mentira é uma condição humana. Nietzsche criticava os valores morais, pois

acreditava que eles não tinham qualquer origem sublime, “mas nascem apenas de um conjunto de

jogos de dominação” (Ibidem, p.116). Para criticar os valores morais, devemos investigar a origem

desses valores, sendo que para Nietzsche “a transvaloração dos valores não será a negação da idéia

mesma de valor, ao contrário, criar valores sempre será, para ele, o ‘verdadeiro direito do senhor’”

(Ibidem, p.81).

Scarlett Marton no seu livro Extravagâncias, afirmou que “Nietzsche dispõe-se a explorar

o que acredita estar por vir” (2001, p.91). Isto ocorre devido a uma crítica ao fundamento dos

valores judaico-cristãos que imprimiram na nossa vida cotidiana, que nada tem sentido e que tudo

é em vão. Isso foi estabelecido devido à tentativa de negação deste mudo e a construção

metafísica de um outro mundo, eterno e imutável o que durante séculos, fez dele a origem dos

valores.

O niilismo que Nietzsche constata foi devido à ausência de sentido provocada pelo

esfacelamento dos valores transcendentais. Ele então propõe “a intenção de pôr ‘no lugar da

metafísica e da religião, a doutrina do eterno retorno’” (Ibidem, p.92), sendo também necessária

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a travessia deste niilismo através da superação dos valores morais vigentes. Para que isso ocorra é

preciso a afirmação de si através de um dionisíaco dizer-sim ao mundo tal como ele é. Marton

então cita um fragmento póstumo 26 [284] do ver/outono de 1884 em que Nietzsche defendia:

(...) a inversão de todos os valores; não mais o prazer da certeza mas da incerteza; não mais ‘causa e efeito’ mas a criação permanente; não mais vontade de conservação mas de potência; não mais a fórmula humilde ‘tudo é apenas subjetivo’ mas ‘é também nossa obra – orgulhemo-nos disso! (NIETZSCHE apud MARTON, 2001, p.115).

A arte é o maior grau de oposição ao ideal ascético, pois santifica a mentira e a vontade do

falso. Por este motivo, Platão foi contra Homero e contra a arte. A dialética platônica foi

valorizada no lugar dos instintos e ocorreu um empobrecimento da energia vital. Nietzsche afirma

na Genealogia da moral que podemos constatar este empobrecimento com “o advento da

democracia, dos tribunais de paz em lugar das guerras, da igualdade de direitos para as mulheres,

da religião da compaixão” (2005f, p.142), estes são sintomas apontados por Nietzsche de uma

vida que declina.

Para Nietzsche, somente os comediantes é que são inimigos do ideal ascético. No seu livro

Assim falou Zaratustra, os homens passaram por três etapas na história: inicialmente foram

camelos, por carregarem em si as culpas do mundo que foram atribuídas pelos sacerdotes e

justificados através do pecado, reprimindo seus instintos nobres e puros que foram considerados

pecaminosos. Depois se transformaram em leões, pois se rebelaram contra essas culpas e passaram

a questionar a existência de Deus. Por último assumiram a forma de crianças, com uma nova

moralidade de inocência, livres dos preceitos morais estabelecidos anteriormente através do

maniqueísmo do bem e do mal. Este é, o momento de superação do niilismo, em que se afirma o

que si é, e só então será possível compreender o que é eterno retorno e o amor fati.

CAPÍTULO 4

POR QUE O HOMEM PREFERE O NADA A NADA QUERER?

4.1- O que é vontade niilista e vontade afirmativa?

Isto significa que o querer o nada é o querer algo, é querer viver, é um tipo de vontade de

poder negativa. O querer o nada é o ideal ascético. Para Giacoia Júnior “a vontade humana

consiste em seu horror ao vácuo: ela sempre tem necessidade de uma meta – por isso, prefere

antes querer o nada, a não querer” (2002, p.54).

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A vontade niilista está presente quando a reação é maior do que a ação e acreditamos que

este mundo não tem mais valor. O nada querer é um niilismo negativo que deve ser evitado, pois

predomina a pulsão de morte. O ideal ascético é um niilismo positivo que desvaloriza este mundo

em função de uma promessa de um outro que ninguém sabe se realmente existe e que já nascemos

e aprendemos a conviver com ele, existindo um domínio da moral tradicional. Esta é a moral

judaico-cristã que apresenta a vida como um mal, desestimulando qualquer movimento em afirmar

a si mesmo ao inventar um outro mundo. Isto ocorreu historicamente desde quando os judeus

promoveram a desnaturalização dos valores naturais.

Nietzsche afirma no livro Assim falou Zaratustra que “‘O homem é uma corda estendida

entre o animal e o super-homem – uma corda sobre um abismo’” (2005c, p.38). A vontade niilista

do último homem ocorrerá quando existir a supressão de Deus, porém este mundo não terá mais

valor quando acreditarmos que não há outro mundo. Assim, Zaratustra declama que “‘Fora de uma

vez, semelhante Deus! É melhor não termos nenhum Deus, é melhor forjarmos o destino com as

nossas próprias mãos, é melhor sermos doidos, é melhor sermos Deus nós mesmos!’” (Ibidem,

p.308).

O homem de espírito livre nunca defende verdades absolutas, não tem convicções e não

necessita de certezas. Ele critica a imposição de normas de comportamento e de maneiras de

pensar, sendo um eterno experimentador, tem autonomia na determinação de si e busca construir

os seus próprios valores, possuindo uma vontade de vontade livre. O espírito livre possui uma

vontade de potência que o leva a uma constante afirmação e superação de si. Já o homem com

espírito de servo, é fraco, dogmático e crê em verdades como se fossem definitivas e não gosta se

ser contestado.

Nietzsche constrói o personagem Zaratustra como se fosse o protótipo do espírito livre,

pois não tem convicções, é o bailarino, um experimentador, um investigador que acordou do

sonho dogmático e precursor do filósofo do futuro. Nietzsche também acredita que o Jesus Cristo

histórico, conforme descrito no aforismo 32 de O anticristo, era quase um espírito livre recusando

o dogmatismo e afirmando a si mesmo.

A vontade afirmativa do super homem se dará quando a ação for maior do que a reação, e

então destruiremos o outro mundo e a vontade de potência será a única virtude. Assim, o homem

superior deve ter uma grande força que seria necessária para suportar viver com uma grande

diversidade de instintos. Nietzsche no seu livro Assim falava Zaratustra afirma que:

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O super-homem não pode ser confundido com o homem superior, nem mesmo é seu sucessor direto; entre o homem superior enviscado no pântano do niilismo e o aparecimento do super-homem, o filho esperado por Zaratustra, era preciso que se realizasse uma nova conversão de todos valores (2005c, p.229).

Vontade afirmativa é a vontade de potência, como afirmação da vida, é uma vontade de

viver com contínua superação de si. O senhor tem a vontade afirmativa, pois nenhum instinto

domina tiranicamente os demais e isto garante um amplo campo de experiência, enquanto o

escravo vive em um mundo limitado pela moral que é contra sua natureza. Nietzsche defende que:

(...) o indivíduo soberano, igual apenas a si mesmo, novamente liberado da moralidade do costume, indivíduo autônomo supramoral (pois ‘autônomo e ‘moral’ se excluem), em suma, o homem da vontade própria, duradoura e independente, o que pode fazer promessas – e nele encontramos, vibrante em cada músculo, uma orgulhosa consciência do que foi finalmente alcançado e está nele encarnado, uma verdadeira consciência de poder e liberdade, um sentimento de realização (2005f, p.49).

O senhor, nobre e forte, possui instintos disciplinados, sendo passageiro o domínio de

algum instinto sobre os demais, apesar da constante luta entre as forças. No escravo, pobre e fraco,

existe uma anarquia dos instintos sempre ocorrendo uma dominação tirânica de um sobre os

outros. É esta economia dos instintos que determina quem é senhor e quem é escravo. Nietzsche

critica Sócrates como decadente e doente, pois defendia a soberania da razão sobre os demais

instintos, sendo a razão o único instinto admissível.

O senhor possui um espírito livre, participando do jogo dos instintos, o que ocasiona um

constante descontentamento consigo, pois sua vontade de poder o levará a uma contínua tentativa

de superação de si, e nunca se apresentará como um ser essencial, já constituído por uma

substância. Já no escravo e fraco, um instinto tiraniza os demais, se tornando um dogmático e um

animal de rebanho, dono de uma verdade única e absoluta. O escravo não tem controle das suas

reações, pois existe uma ausência de disciplina dos instintos e não sabe como lidar com este jogo.

O escravo é dominado pela memória e pelo ressentimento, não conseguindo agir. Sua

consciência rumina as recordações, pecados e culpas, não sendo protegido pelo esquecimento. A

moral é um instinto de decadência, uma vontade de poder sob a forma de vontade de vingança. Os

valores considerados como superiores são elaborados pela forma degenerada da vontade de

potência que consiste em querer a igualdade para todos, ou seja, em vingar-se de todos os que

detêm a potência.

Com a consolidação da moral, a vida se degenera e o ideal ascético se apresenta como

alternativa para dar sentido ao sofrimento do homem, pois o homem não se incomoda com o

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sofrimento, mas com a falta de sentido no sofrer. O ideal ascético aparece como o único que pode

dar uma interpretação a este sofrimento humano, pois qualquer sentido é melhor do que nenhum.

Agora o homem passa a querer algo e a sua vontade fica salva, porém o indivíduo fica mais

doente. Assim Nietzsche na Genealogia da moral escreve que:

(...) o medo da felicidade e da beleza, o anseio de afastar-se do que seja aparência, mudança, morte, devir, desejo, anseio – tudo isto significa, ousemos compreendê-lo, uma vontade de nada, uma aversão à vida, uma revolta contra os mais fundamentais pressupostos da vida, mas é e continua sendo uma vontade!... E, para repetir em conclusão o que afirmei no início: o homem preferirá ainda querer o nada a nada querer (2005f, p. 149).

Nietzsche considerou o platonismo como uma filosofia que nega tudo que representa a

vida, sendo inventado um outro mundo que faz com que esta vida se torne algo reprovável e que

deve ser combatido em todas as suas variações. Foi nesta perspectiva unívoca que nasceu e se

desenvolveu o ideal ascético. Com a morte de Deus e a desvalorização dos valores, a vida

decadente se torna visível sem a máscara da verdade ascética que a tornava tolerável. É com a

morte de Deus que surge o niilismo e que para Nietzsche existem dois significados que é

apresentado da seguinte maneira por Carlos Moura:

Em primeiro lugar, o niilismo significa a negação e a depreciação da vida, que adquire valor de nada, de mera aparência, por oposição a um ‘verdadeiro mundo’ de valores superiores, em função dos quais esta vida é desvalorizada. Em segundo lugar, o niilismo designa a desvalorização dos próprios valores supremos, a negação de sua existência e validade. Neste segundo sentido de niilismo, não se trata mais de desvalorizar a vida em nome dos valores supremos, mas de negar esses próprios valores: negação de Deus, da moral e da verdade (2005, p.249).

Estes dois significados parecem contraditórios, porém são dois momentos contínuos de um

mesmo processo, ou seja, passa de uma desvalorização da vida em função dos valores supremos, à

posterior desvalorização desses valores. Nietzsche defendia uma teoria da auto-supressão em que

as próprias coisas vão ao fundo por si mesmas e não por uma causa exterior.

O niilismo aparece quando se busca um sentido em tudo o que ocorre e se perde a crença

em seu próprio valor, verificando que não existe nada infinitamente valioso. Para Nietzsche, o

niilismo foi um fenômeno europeu que ocorreu com a morte da idéia de Deus e como

conseqüência, surge a convicção de que não existe verdade alguma, nenhuma qualidade absoluta

nas coisas e de que não existe a coisa em si.

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O último niilista sabe que Deus morreu, mas ainda vive sob a moral cristã, pois ainda

necessita dela. Este é o niilista perfeito que superou o cristianismo, mas ainda tem o sentimento de

que a vida não vale a pena, pois o mundo tal como deveria ser, não existe. Sendo assim, o niilista

é um cristão infeliz alguém para quem “o mundo, tal como deveria ser, não existe, e o mundo, tal

como existe, não deveria ser” (MOURA, 2005, p.257).

Para superar o niilismo, é necessário pôr fim à associação entre o vir-a-ser e o sofrimento e

substituir a negação e condenação do mundo pela sua afirmação. Negar o mundo foi o sentimento

que deu origem a filosofia, a moral e ao cristianismo. Foi isso que deu origem ao ressentimento, ao

pecado, a culpa e a vontade de vingança. Com o ressentimento vivemos justificando o sofrimento

do presente acreditando em uma promessa de futuro ou se consolando do passado de sofrimento

com um presente de abstinência e resignação.

A vontade de vingança procura os responsáveis, porém é necessário para nossa libertação

que renunciemos a culpar aos outros e a si mesmo, superando o ressentimento. Somente com a

compreensão do regime dos valores é que poderemos analisar as nossas possibilidades e escolhas,

sendo que o valor é a projeção daquilo que atribuímos como sendo nossos objetivos apontando

para o que queremos realizar.

4.2- Porque devemos ser o que se é?

Nietzsche não gostava dos defensores da igualdade que é defendida pela moral de escravos.

Somente os fracos defendem a igualdade, pois querem ser iguais aos fortes e poderosos. Nietzsche

sustenta que devemos afirmar a nós mesmos, aceitar ser como somos, ultrapassando o conceito de

bom e de mau, pois devemos estar além do que foi denominado de bem e de mal. No entanto o

mundo continuará com o jogo das forças que é originário e eterno, tal como na inocência do vir-a-

ser descrito por Heráclito que acreditava que o mundo não tinha nenhum alvo e não caminhava

para nenhum estado final. Scarlett Marton no livro A doutrina da vontade de poder em Nietzsche

de Müller-Lauter afirma no prefácio que:

A filosofia nietzschiana se dá ao leitor enquanto reflexão incessante, em permanente mudança. Como o rio de Heráclito, ela afirma a inocência do vir-a-ser: mais ainda, ela se põe enquanto vir-a-ser (1997, p.48).

Com a morte de Deus, o autor de Zaratustra entende que podermos admirar o acaso do

mundo, em que “o terrível, o equívoco, o sedutor, faz parte da essência” (NIETZSCHE apud

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MOURA, p.277). Poderemos agora afirmar a nossa existência, dizer-sim ao mundo em vez de

negá-lo como fez o homem moral ou religioso. Nietzsche defende o perspectivismo, recorre aos

aforismos o que possibilita abordar os problemas com múltiplas interpretações ou leituras.

Müller-Lauter afirmou que para Nietzsche, nós somos seres perspectivamente

interpretantes, sendo que o mundo é construído através das diversas perspectivas interpretantes

das vontades de poder. A filosofia de Nietzsche busca “fortalecer os futuros fortes para a tomada

de poder, então todas as ex-posições particulares, como também a ex-posição da efetividade

como um todo, têm de ser postas a serviço dessa tarefa” (1997, p.139). O aumento de poder se dá

através da obtenção de novas perspectivas, o que favorece o alargamento e “incorporação de

interpretações para nós ainda inacessíveis, [e que] poderiam, em comparação com os viventes de

hoje, ampliar ainda sua compreensão da efetividade” (Ibidem, p.150).

4.3- O eterno retorno e amor fati.

Scarlett Marton no livro Nietzsche: a transvaloração dos valores, afirmou que foi em um

dia do mês de agosto de 1881 que Nietzsche caminhando pelos Alpes próximo a uma localidade

chamada Silas Maria em Surlei que o autor de Zaratustra teve a visão do eterno retorno:

Tudo retorna sem cessar. Se o universo tivesse um objetivo, já o teria atingido; se tivesse alguma finalidade, já a teria realizado. Não existe um deus, soberano absoluto, com desígnios insondáveis. Todos os dados são conhecidos: finitos são os elementos que constituem o universo, finito é o número de combinações entre eles; só o tempo é eterno. Tudo já existiu e tornará a existir. Cada instante retorna um número infinito de vezes, cada instante traz a marca da eternidade. O universo é animado por um movimento circular que não tem fim (1996, p.31).

Nietzsche se opunha à idéia de que os acontecimentos históricos ensinavam os homens a

não repeti-los, defendendo a teoria do eterno retorno, que alguns consideram como de remota

inspiração na filosofia pitagórica e na física estóica, que compreendia a aceitação de periódicas

destruições do mundo pelo fogo e seu ressurgimento. Desta forma, não só tudo poderia acontecer

novamente como tudo poderia ser tentado outra vez. Nietzsche no livro Assim falou Zaratustra

declara na própria boca do profeta, o mestre do eterno retorno, que:

Retornarei com este sol, com esta terra, com esta águia, com esta serpente – não para uma nova vida ou uma vida ou uma vida melhor ou semelhante; - eternamente retornarei para

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esta mesma e idêntica vida, nas coisas maiores como nas menores, para que eu volte a ensinar o eterno retorno de todas as coisas – para que eu volte a pregar a palavra do grande meio-dia da terra e do homem, para que eu volte a anunciar aos homens o super-homem. (2005c, p.263).

Para Jean Lefranc através de autores como “Plutarco e Diógenes Laércio, Nietzsche sabia

que este retorno periódico de todas as coisas era atribuído aos ‘magos’ da Pérsia Antiga” (2005,

p.301) e dos pensamentos de Schopenhauer da cultura da Índia. Scarlett Marton afirmou que

Nietzsche talvez tenha tido contato com a obra História do materialismo de Lange em que

Lucrécio “faz referência a uma série de mundos possíveis que poderia repetir-se” (2001, p.107).

Nietzsche também poderia ter tido contato com o trabalho de David Strauss, A antiga e a nova fé,

que se refere a “um processo eterno de criação e destruição do cosmos, que excluiria a idéia de

Deus como criador” (Ibidem, p.108). Marton também cita Schopenhauer que no livro O mundo

como vontade e representação afirma que se nós não tivermos nada a temer, “consentiria em ver

sua vida, tal como a viu desenrolar-se, durar sem termo ou em vê-la repetir-se sempre”

(SCHOPENHAUER, apud MARTON, 2001, p.108). Para Rüdiger Safranski, a idéia do tempo que

gira sobre si mesmo pertence à tradição filosófica e religiosa encontrada nos “mitos hindus, nos

pré-socráticos, nos pitagóricos, em subcorrentes heréticas do Oriente” (2005, p.205), sendo que

Nietzsche já sabia disso desde quando era estudante. Nietzsche realiza a doutrina do eterno retorno

como forma de buscar preencher o buraco deixado com a morte de Deus, ele defendia que se:

Deus morreu? Sim, sem dúvida. Mas que ninguém se aborreça muito com isso. Encontramos um substituto à altura para garantir a união de nossa existência ao todo do ser: um vir a ser como totalidade que recupera em si todos os seus momentos, o vir-a-ser sob a forma do eterno retorno do mesmo (MOURA, 2005, p.288-289).

Gilles Deleuze no livro Nietzsche e a filosofia defende que a doutrina do eterno retorno em

Nietzsche é a repetição do vário, do diferente, não é a permanência do mesmo, ele afirma o devir

sem uma meta ou finalidade, é a inocência do vir a ser. É um pensamento do absolutamente

diferente “que reclama fora da ciência um princípio novo. Esse princípio é o da reprodução do

diverso enquanto tal, o da repetição da diferença” (2001, p.72). Ele acredita que se o tempo

passado fosse infinito, “o devir teria atingido o seu estado final, se tivesse um, e que não teria

saído do estado inicial se tivesse um” (Ibidem, p.73). Para Deleuze o eterno retorno,

(...) não deve ser interpretado como o retorno de qualquer coisa que é, que é uno ou que é o mesmo. Na expressão “eterno retorno”, comete-se um contrassenso quando compreendemos: retorno do mesmo. Não é o ser que retorna, mas o próprio retornar

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constitui o ser enquanto se afirma do devir e do que passa. Não é o uno que retorna, mas o próprio retornar é o uno que se afirma do diverso ou do múltiplo. Noutros termos, a identidade no eterno retorno não designa a natureza daquilo que retorna, mas pelo contrário o facto de retornar para o que difere. É por isso que o eterno retorno deve ser pensado como uma síntese: síntese do tempo e das suas dimensões, síntese do diverso e da sua reprodução, síntese do devir e do ser que se afirma do devir, síntese da dupla afirmação (Ibidem, p.75).

Segundo a interpretação de Carlos Moura sobre a doutrina do eterno retorno, o vir-a-ser é a

forma do eterno retorno do mesmo e que o “amor fati retoma aquela atitude dionisíaca diante da

existência, o dionisíaco dizer-sim ao mundo, e ao mundo tal como ele é, sem desconto, exceção e

seleção” (2005, p.274). O retorno sobre a vida será triunfar sobre a necessidade, pois “faz com que

a contingência, transformada pelo tempo em passado inerte, adquira a figura do irremediável”

(Ibidem, p.281). Nietzsche no seu livro Ecce Homo realiza uma comparação da doutrina do eterno

retorno com o pensamento de Heráclito:

A afirmação do fluir e do destruir, o decisivo numa filosofia dionisíaca, o dizer Sim à oposição e à guerra, o vir a ser, com radical rejeição até mesmo da noção de ‘Ser’ – nisto devo reconhecer, em toda circunstância, o que me é mais aparentado entre o que até agora foi pensado. A doutrina do ‘eterno retorno’, ou seja, do ciclo absoluto e infinitamente repetido de todas as coisas – essa doutrina de Zaratustra poderia afinal ter sido ensinada também por Heráclito. (2005e, p.64).

Carlos Moura defende ter a doutrina do eterno retorno uma face cosmológica e outra

antropológica. Nietzsche concebeu esta doutrina cosmologicamente, entretanto terá um sentido

antropológico, pois passará ter um significado para a vida, para a existência humana. Assim o

homem deverá ter uma atitude de aceitação diante da transformação da vida, pois deve buscar

afirmar a vida, pois “ele viverá de modo a desejar viver, outra vez, aquilo mesmo que sucedeu”

(2005, p.274). Cosmologicamente falando, é uma doutrina que busca uma alternativa para a morte

de Deus com a afirmação do vir-a-ser. O eterno retorno se baseia na tese de que o tempo é infinito

e que as forças são finitas, assim Carlos Moura defende que:

(...) quem aceita a legitimidade dos princípios antiteológicos da infinidade do tempo e da finidade das forças, terá de admitir um vir-a-ser que forçosamente perdeu a faculdade da eterna novidade, terá de admitir que tudo já se repetiu e já se repetiu infinitas vezes. Quem vive em regime de morte de deus precisa extrair esta última conseqüência: o vir-a-ser não é a produção do novo, mas o retorno do mesmo. (2005, p.269).

Segundo a interpretação realizada por Carlos Moura, Nietzsche vê “o mundo como curso

circular que infinitas vezes já se repetiu, um curso circular de séries absolutamente idênticas”

(Ibidem, p.278), no lugar de Deus, Nietzsche acredita em um princípio de plenitude regendo o

universo.

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O amor fati é aquilo que é preciso querer, é a vontade que quer, de “aprender a sempre ver

o belo na necessidade das coisas, com tudo o que isso implicará: renúncia ao ressentimento, à

culpa, à vontade de vingança” (Ibidem, p.274). É a atitude dionisíaca de dizer-sim ao mundo com

todas as suas diferenças, da maneira como ele é, sem desconto, exceção ou seleção.

Carlos Moura analisa uma aparente incoerência entre o aspecto cosmológico de “um

mundo sem meta, sem finalidade, sem sentido, um processo perfeitamente circular” (Ibidem,

p.286) e o aspecto antropológico em que “não se pode falar em ‘vontade’, deixando de lado a

intencionalidade e a finalidade do querer humano, que sempre visa a um fim futuro” (Ibidem),

porém ele acredita que é uma simples falta de coesão entre os dois aspectos.

Consultando o professor Benedito Pepe na UCSAL sobre a possível incoerência entre os

aspectos cosmológico e antropológico, ele me explicou que não existe falta de coesão, pois para

Nietzsche no aspecto cosmológico ele afirma o ser do devir ou o retorno ao vário, uma pluralidade,

sendo o retorno uma seqüência de movimentos que mesmo voltando ao mesmo lugar ou repetindo

o mesmo resultado, nunca poderia ser ao mesmo, pois ocorrem em tempos diferentes. Aí se

encontra o aspecto antropológico, pois no retorno está contido o mesmo, como sentido de eterna

transformação, afirmando o que está por vir, afirmando o sentido da vida, com suas adversidades e

singularidades.

Scarlett Marton no seu livro Extravagâncias, apresenta a hipótese cosmológica da doutrina

do eterno retorno, citando o fragmento póstumo 14 [188] da primavera de 1888 o qual

reproduziremos a seguir:

“Se o mundo pode ser pensado como grandeza determinada e como número determinado de centros de força – e toda outra representação permanece indeterminada e conseqüentemente inutilizável –”, escreve, “disso se segue que ele tem de passar por um número calculável de combinações, no grande jogo de dados de sua existência. Em um tempo infinito, cada combinação possível estaria alguma vez alcançada; mais ainda: estaria alcançada infinitas vezes. E como entre cada combinação e seu próximo retorno todas as combinações ainda possíveis teriam de estar transcorridas e cada uma dessas combinações condiciona a seqüência interira das combinações da mesma série, com isso estaria provado um curso circular de séries absolutamente idênticas: o mundo como curso circular que infinitas vezes já se repetiu e que joga seu jogo inifinitum” (NIETZSCHE, apud MARTON, p. 95).

Scarlett Marton menciona assim, os dois pontos que Nietzsche irá recorrer em seus textos e

que são novamente exemplificados em citações da obra Gaia ciência: “a repetição dos

acontecimentos (‘cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de

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indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar’) e o movimento circular em que

a mesma série de eventos ocorre (‘e tudo na mesma ordem e seqüência’)” (2001, p.88).

Na visão cosmológica de Nietzsche, ele parte de duas idéias “a força é finita e o tempo,

infinito” (Ibidem, p.96). Para Nietzsche, o tempo não teve início nem terá fim e a “natureza inerte

ou vida orgânica – é constituído por forças, todas elas finitas” (Ibidem). As forças são um efetivar-

se através de um processo de agir e resistir sobre outras forças. Toda “força motora é vontade de

potência, não existe fora dela nenhuma força física, dinâmica ou psíquica” (NIETZSCHE, apud

MARTON, 2001, p.97), sendo que as forças não têm finalidades ou teleologias.

Segundo Marton, para Nietzsche o princípio da conservação de energia exige o eterno

retorno, logo se “o número dos estados por que passa o mundo é finito e se o tempo é infinito,

todos os estados que hão de ocorrer no futuro já ocorreram no passado” (2001, p.99). Marton então

conclui que:

Com o eterno retorno, Nietzsche desautoriza as filosofias que supõem uma teleologia objetiva governando a existência, desabona as teorias científicas que presumem um estado final para o mundo, desacredita as religiões que acenam com futuras recompensas e punições. Recusa a metafísica e o mundo supra-sensível, rejeita o mecanicismo e a entropia, repele o cristianismo e a vida depois da morte. (Ibidem, p.114).

Para ela, Nietzsche realiza uma filosofia experimental, buscando fazer experimentos com o

pensar e fazendo uma relação direta com a sua vida. Isso significa um “dionisíaco dizer-sim ao

mundo, tal como ele é, sem desconto, exceção e seleção” (NIETZSCHE apud MARTON, 2001,

p.91). A doutrina do eterno retorno é a alternativa encontrada por Nietzsche para ocupar o lugar

deixado pelo desmoronamento dos valores judaico-cristãos o que leva o homem ao niilismo, ou

seja, a não encontrar sentido para a sua vida. Então é necessário “viver de tal modo que queiramos

viver ainda uma vez e queiramos viver assim pela eternidade” (Ibidem, p.92). Scarlett Marton em

outras palavras sustenta que:

Ao falar do eterno retorno, Nietzsche é incisivo: “a tarefa consiste em viver de tal maneira que devas desejar viver de novo – tu viverás de novo de qualquer modo!” Por um lado, ele fornece um imperativo para a ação: o de só querermos algo de forma a também querermos que retorne sem cessar; por outro, assegura que, queiramos ou não, tudo retornará sem cessar. À advertência sobre a conduta humana, justapõe uma visão determinista. Em seus textos, parece oscilar entre conceber o eterno retorno como a superação do niilismo e entendê-lo como um “dionisíaco dizer-sim ao mundo, tal como é”; parece hesitar entre encará-lo como “uma tentativa de transvaloração de todos os valores” e considerá-lo “a mais científica de todas as hipóteses possíveis” (2001, p. 95).

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Baseado nessas premissas, o amor fati é a superação do niilismo que surge com a morte de

Deus. O amor fati então seria o amor a esta vida como única possibilidade, pois o homem não

possui outra vida além desta. Marton então afirma que “contra o ressentimento, é preciso lembrar

que não há vida eterna; esta vida é eterna” (Ibidem, p.115). Logo, “não temos escapatória: estamos

condenados a viver inúmeras vezes e, todas elas, sem razão ou objetivo; tudo o que nos resta é

aprender a amar o nosso destino” (Ibidem, p.114).

CONCLUSÃO

Analisando através da minha perspectiva, a vontade de poder é antes de ser um simples

querer é um desejo de algo, que não se satisfará com nenhuma conquista. E é aí que podemos

experimentar o que é a nossa vida, neste estranhamento das nossas atitudes, neste confronto com

nossos erros e nossas diferenças. Para Nietzsche o princípio de individuação é muito importante,

pois garante a afirmação de si e a autenticidade do ser do devir. Para Jean Lefranc, é quando:

(...) Nietzsche, por um salto que lhe é habitual, passa da biologia à antropologia, da floresta primitiva aos selvagens que supostamente a teriam habitado, o ‘movimento’ da vontade de poder é enunciado em termos de domínio e de submissão à lei; domínio progressivo das forças naturais pela técnica e tecnociência; e sobretudo domínio interno dos instintos e dos desejos (2005, p.115).

O forte é aquele que conhece e utiliza adequadamente sua força dionisíaca, a controla e a

apazigua com sua disciplina apolínea. Não devemos considerar um instinto mais importante do

que outro, valorizando demasiadamente a razão, ou acreditar em verdades absolutas ou

dogmáticas. Devemos procurar nos conhecer e buscar a superação de si, utilizando

adequadamente o que cada força e instinto se propõe. Como afirmou Safranski sobre o

pensamento nietzschiano, deveríamos ser como:

(...) Ulisses, que se deixa amarrar num mastro para ouvir o canto das sereias sem ter de segui-lo e cair na própria destruição. Ulisses encarna a sabedoria dionisíaca. Ele escuta o Inaudito, mas para proteger-se aceita as algemas da cultura (2005, p.70).

Para Carlos Moura “Nietzsche se pensa como quem nos propõe uma ‘filosofia da

existência’, não uma filosofia do conhecimento ou filosofia da ação” (2005, p.254) e afirma que a

dificuldade final da filosofia de Nietzsche é “fazer com que coincidam o querer e o destino, a

liberdade e a necessidade” (Ibidem, p.283).

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Nossa cultura ocidental atual teve origem com os judeus que foram escravos libertos e que

necessitaram criar uma moral para poderem sobreviver frente aos fortes e poderosos. Dentro

desta perspectiva nietzschiana, os sacerdotes ascéticos atribuíram a Deus as suas leis e costumes

para que não fossem contestados em seus planos de dominação. Caso alguém os desobedecessem

não estariam contrariando aos sacerdotes, mas diretamente a Deus, estariam cometendo um

pecado. A principal questão é que os sacerdotes por serem fracos e submissos só lhe restavam a

força do ressentimento e da vingança contra os seus dominadores e inimigos. Por este motivo

criaram uma moral do ressentimento em que não valorizavam o indivíduo e a afirmação da vida.

Inventaram um outro mundo seguindo o mesmo que foi defendido por Platão, pois ambos, os

filósofos e religiosos não conseguiam entender e aceitar o sofrimento da própria existência.

Entretanto os fracos necessitavam continuar querendo algo, mesmo que este algo fosse o nada,

um mundo imaginário, um Deus, pois eles preferiam querer o nada a nada querer, visto que o

querer é condição para existir.

Os fortes e poderosos foram vencidos pelos fracos e ressentidos, sendo que estes últimos

se agruparam em rebanhos, em comunidade para poder enfrentar e inverter a moral dos nobres.

Nietzsche afirma no livro Humano, demasiado humano, que os “bons são uma casta; os maus,

uma massa” (2002b, p.51). Por este motivo, foram os escravos vencedores que deram sentido e

validade aos valores morais atuais. Jean Lefranc faz uma tradução de um fragmento elaborado em

1888, em que Nietzsche afirma que:

Esta vontade de poder, na qual reconheço a característica e a razão última de toda mudança, coloca à nossa disposição o meio de saber por que a seleção, quando ela tem lugar, não é favorável às exceções, aos acasos bem-sucedidos; os mais fortes, os mais aptos a vencer são fracos quando têm contra eles os instintos organizados dos rebanhos ou bandos, os fracos induzidos ao medo e seu número. O aspecto geral do mundo dos valores mostra a meus olhos que, nos valores superiores que são propostos hoje à humanidade, não são os acasos que vingaram os melhores tipos de seleção que levaram vantagem; mas antes dos tipos de decadência – talvez não haja nada de mais interessante no mundo do que este espetáculo não desejado (NIETZSCHE, apud LEFRANC, 2005, p.110).

Então, os escravos que foram os vencedores continuaram doentes, pois criaram valores

que não afirmavam a vida, negavam a própria existência, não admitem a finitude e a condição

humana. Eles querem ser santos, anjos que destroem a vida, pois não compreendem que a nossa

existência é constituída de fatos que devem estar além do que foi denominado como bem ou

como mal. O próprio Jesus Cristo foi qualificado por Nietzsche como quase um espírito livre,

pois afirmava a si mesmo, porém também foi utilizado no cristianismo pelos sacerdotes ascéticos

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para dar continuidade ao domínio do rebanho. O homem desde então carrega a culpa pelos seus

pecados morais, porém agora pelo menos está justificado o seu sofrimento devido a sua própria

condição de pecador, necessitando continuar acreditando na existência de uma vida após a morte

devido à sua renúncia a esta vida, a única de que realmente dispomos.

Com este estudo genealógico, Nietzsche, busca reconstituir a origem dos valores morais e

defender a necessidade da morte de Deus junto com a moral construída pelos sacerdotes

ascéticos. Ele estuda a cultura grega e identifica a existência antes de Sócrates de uma vida

trágica que afirmavam os valores humanos com instintos dionisíacos e o equilíbrio apolíneo

através de um jogo de forças que o indivíduo está submetido. Com o advento da ciência surgiu

uma nova vontade de verdade, uma verdade dogmática, absoluta, que não afirma a vida, pois

nega o erro, sendo que o humano é afirmado não somente nos acertos, mas no erro, na mentira, na

comédia, na vida. Os ateus se libertaram da idéia de Deus, porém continuaram defendendo a

moral constituída pelos ideais ascéticos, pois não encontraram nada para colocar no seu lugar e

acreditaram que esta ética era imanente ao homem, ou seja, tem vida própria, independente da

invenção de Deus e não viram que a moral foi construída junto com o ascetismo.

Por estes motivos é que Nietzsche defendia a vida, a vontade de poder, a afirmação de ser

o que se é, imperfeito, com erros, incompletos, ou seja, humanos. O homem de espírito livre tem

uma vontade livre que se basta nos seus próprios fins, não necessitando de deuses, do

dogmatismo moral ou da vontade de verdade científica. Estamos pra ver nascer uma nova raça de

homens, ou melhor, de super homens, que conseguirá superar todas as formas de ideais ascéticos,

da vontade de verdade e da moral que nos tornam cegos e dogmáticos. Esta nova raça de homens

saberá viver com a vontade de poder, se aceitar como se é, transmutando os valores vigentes e

estabelecendo uma nova era de prosperidade para a humanidade. Será uma raça além do homem

em que não haverá espaço para o ressentimento sendo a característica mais importante, o

esquecimento e a inocência como ocorre com as crianças.

Assim, como afirmou Jean Lefranc, Nietzsche entendeu sua filosofia como uma filosofia

vivida, em que não podemos tratar separadamente o homem da obra e que existe uma “‘unidade

vital, não lógica, que não proscreveu a variedade’ [e que] é exatamente a da obra inteira de

Nietzsche” (2005, p.38). Nietzsche na sua obra Ecce homo entende que a:

(...) filosofia, tal como até agora a entendi e vivi, é a vida voluntária no gelo e nos cumes – a busca de tudo o que é estranho e questionável no existir, de tudo o que a moral até agora baniu. (2005e, p.18).

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Acredito que a filosofia do eterno retorno e do amor fati foi uma busca de Nietzsche para

explicar a necessidade através do acaso, de explicar as leis da natureza, de explicar a ordem no

caos do universo, de elaborar uma alternativa para a morte de Deus, do niilismo e para a condição

da finitude humana. A teoria do eterno retorno admite que existe uma tentativa de repetição das

coisas e que em algum momento se repete o mesmo. Ele realizou uma analogia com o jogo de

dados e admitiu que o acaso no resultado dos números de um jogar de dados, com o decorrer do

tempo vira uma necessidade de repetir os mesmos números que inicialmente eram aleatórios.

Assim, Nietzsche deduz que como o tempo é infinito e as forças são finitas teríamos um retorno

mesmo das coisas. Com isto o acaso afirma a necessidade das coisas, nossas escolhas que é o

acaso agora, não seriam verdadeiramente escolhas, pois iria ocorrer a repetição do mesmo. Nossa

morte não estaria sem significado, pois posteriormente retornaríamos ao mesmo, só nos restando

aceitar a nossa vida, pois estaríamos condenados a revivê-la. Nietzsche afirmou no seu livro Ecce

homo que:

Minha fórmula para a grandeza do homem é amor fati: nada querer diferente, seja para trás, seja para frente, seja em toda a eternidade. Não apenas suportar o necessário, menos ainda o ocultá-lo – todo idealismo é mendacidade ante o necessário – mas amá-lo... (2005e, p.51)

Este é o momento em que Nietzsche “eternizando o aqui e agora, transforma em ser o vir-

a-ser” (MARTON, 2001, p.115), ratificando e validando o devir. Entretanto para alguns

comentadores como Carlos Moura, na doutrina do eterno retorno existe uma incoerência, pois

como então seríamos espíritos livres para transmutar os valores se só nos resta repetir o mesmo e

o amor fati? Esta é uma nova perspectiva de estudo do tema que surgiu após a elaboração da

minha monografia. Acredito que esta é uma ótima questão que juntamente com outras, deverá ser

discutida e aprofundada depois desta monografia, quem sabe no mestrado e no doutorado?

Nietzsche morreu derramando o seu sangue para nos salvar, não como um ressuscitado,

mas como um homem demasiadamente humano, e como ele afirmou no livro A gaia ciência:

“Sim, vale a pena viver! Sim, vale a pena que eu viva!” (NIETZSCHE, 2004a, p.53).

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