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32 VOLUME PSICOPEDAGOGIA REVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDAGOGIA • Nº 99 • 2015 • ISSN 0103-8486 EDITORIAL / EDITORIAL ...................................................................................................283 ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES • Autoeficácia de cuidadores de crianças com o transtorno do espectro autista ............. 285 • Há relação entre desenvolvimento psicomotor e dificuldade de aprendizagem? Estudo comparativo de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, dificuldade escolar e transtorno de aprendizagem......................................................... 293 • Avaliação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe e deficiência intelectual leve............................................................................. 302 • Análise de itens da versão brasileira do Ages and Stages Questionnaires para creches públicas da cidade do Rio de Janeiro ......................................................... 314 RELATO DE EXPERIÊNCIA / EXPERIENCE REPORT • Avaliação psicopedagógica de criança com alterações no desenvolvimento: relato de experiência........................................................................................................ 326 ARTIGO ESPECIAL / SPECIAL ARTICLE • Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas ....................... 336 ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES • A dupla-excepcionalidade: relações entre altas habilidades/superdotação com a síndrome de Asperger, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e transtornos de aprendizagem....................................................................................... 346 • O brincar na clínica psicopedagógica .............................................................................. 361 • Educação Superior: vicissitudes da ação psicopedagógica ............................................. 366

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32VOLUME

PSICOPEDAGOGIAREVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDAGOGIA • Nº 99 • 2015 • ISSN 0103-8486

EDITORIAL / EDITORIAL ...................................................................................................283

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

• Autoeficácia de cuidadores de crianças com o transtorno do espectro autista .............285

• Há relação entre desenvolvimento psicomotor e dificuldade de aprendizagem? Estudo comparativo de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, dificuldade escolar e transtorno de aprendizagem .........................................................293

• Avaliação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe e deficiência intelectual leve .............................................................................302

• Análise de itens da versão brasileira do Ages and Stages Questionnaires para creches públicas da cidade do Rio de Janeiro ......................................................... 314

RELATO DE EXPERIÊNCIA / EXPERIENCE REPORT

• Avaliação psicopedagógica de criança com alterações no desenvolvimento: relato de experiência ........................................................................................................326

ARTIGO ESPECIAL / SPECIAL ARTICLE

• Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas .......................336

ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES

• A dupla-excepcionalidade: relações entre altas habilidades/superdotação com a síndrome de Asperger, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e transtornos de aprendizagem .......................................................................................346

• O brincar na clínica psicopedagógica .............................................................................. 361

• Educação Superior: vicissitudes da ação psicopedagógica .............................................366

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SEÇÃO BAHIADiretora Geral: Nilzan Gomes Santos

Av. Tancredo Neves, 3343 – Edif. Cempre, sala 1105Caminho das ÁrvoresSalvador – BA – CEP: 41820-021Tel: (71) 3341-0121 Seção / (71) 3362-0906 / 8838-9190 E-mail: [email protected] / [email protected]: Joanice Maria Bezerra Souza

SEÇÃO BRASÍLIADiretora Geral: Walderlene Ramalho

QNE 02, Lote 01, sala 203, Ed. Bombini ClínicasTaguatinga / Brasília – DF – CEP: 72125-020 Tel (61) 9986-9667E-mail: [email protected] / [email protected]: Marina Lima Beust

SEÇÃO CEARÁDiretora Geral: Andréa Aires Costa

R. João Carvalho, 800, sala 1008 – Ed. Talent Center – AldeotaFortaleza – CE – CEP: 60140-140Tel: (85) 8543-4331/ 9967-2002E-mail: [email protected] / [email protected]: Graça Maria de Morais Aguiar e Silva

SEÇÃO GOIÁSDiretora Geral: Lucila Menezes Guedes MonferrariAv. 85, 684, sala 207 – Ed. Eldorado Center – Setor OesteGoiânia – GO – CEP: 74120-090Tel/Fax: (62) 3214-2178 / 8153-9648E-mail: [email protected] / [email protected]: Denise A.S. Baiocchi Carneiro

SEÇÃO MINAS GERAISDiretora Geral: Regina Rosa dos Santos Leal

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SEÇÃO PARÁDiretora Geral: Maria de Nazaré do Vale Soares

Travessa 3 de Maio, 1218, sala 105 – Ed. Alpha CenterSão Braz – Belém – PA – CEP: 66060-600Tel: (91) 3229-0565 / 9981-2076E-mail: [email protected] / [email protected]: Eliane Souza de Deus Neto Almeida

SEÇÃO PARANÁ NORTEDiretora Geral: Rosa Maria Junqueira Sccichitano (interina)

Rua Antonio Amado Noivo, 440 – Vila IpirangaLondrina – PR– CEP 86010-640Tel: (43) 9131-8016E-mail: [email protected]

SEÇÃO PARANÁ SULDiretora Geral: Loriane Ferreira

Rua Fernando Amaro, 431, Alto da XVCuritiba – PR – CEP: 80045-080Tel: (41) 3363-8006 / 3282-9357 / 9106-9645E-mail: [email protected] / [email protected]: Heloisa Monte Serrat Barbosa

SEÇÃO PIAUÍDiretora Geral: Maria Alice de Santana Resende

Rua Arlindo Nogueira, 333, SI 05Edif. Luiz Fortes, CentroTeresina – PI – CEP: 64000-290Telefone: (86) 9992-0817 E-mail: [email protected] / [email protected]: Benilde Ferreira de Assunção Farias

SEÇÃO RIO DE JANEIRODiretora Geral: Maria Katiana Veluk Gutierrez

Av. Nossa Senhora de Copacabana, 861, sala 302 – CopacabanaRio de Janeiro – RJ – CEP: 22060-000Tel: (21) 2236-2012 E-mail: [email protected] Vice-Diretora: Fátima Galvão Palma

SEÇÃO RIO GRANDE DO NORTEDiretora Geral: Ednalva de Azevedo Silva (interina)

Rua Kerginaldo Cavalcante, 279 – Nova DescobertaNatal – RN – CEP: 59075-240 Tel: (84) 99988-3260E-mail:[email protected]

SEÇÃO RIO GRANDE DO SULDiretora Geral: Iara Caierão

Av. Venâncio Aires, 1119, sala 09 – BonfimPorto Alegre – RS – CEP: 90520-000Tel: (51) 3333-3690 / (54) 9607-7053E-mail: [email protected] / [email protected]: Gilca Maria Lucena Kortmann

SEÇÃO SANTA CATARINADiretora Geral: Maria Alice Moreira Bampi

Rua Rui Barbosa, 574, apto 801 - AgronômicaFlorianópolis – SC – CEP: 88025-301Tel: (48) 3365-1097 / 9999-0753E-mail: [email protected] / [email protected]: Lucimara Maia da Silva

SEÇÃO SÃO PAULODiretora Geral: Sandra Lia Nisterhofen Santilli

Av. Dr. Arnaldo, 1690 – SumaréSão Paulo – SP – CEP: 01255-000Tel – (11) 995131411 / 3259-0837 / 99158-0993E-mail: [email protected] / [email protected] Vice-Diretora: Maria Cristina Natel

SEÇÃO SERGIPEDiretora Geral: Nielza da Silva Maia de Souza

R. Riachuelo, 1188, sl 16 – São JoséAracajú – SE – CEP: 49015-160Tel: (79) 3214-5363 r/ 222 / 9134-5652 E-mail: [email protected] / [email protected]: Maria de Fátima Vasconcelos Gomes

NÚCLEO ESPÍRITO SANTOCoordenadora: Cheila Araujo Mussi Montenegro

Av. Nossa Senhora da Penha, 1495 – sl 504ªEd. Corporate Center – Santa LúciaVitória-ES – CEP: 29056-905Tel: (27) 98875-4508 / 99969-5545E-mail: [email protected] / [email protected]: Lucia Maria Gogoy

NÚCLEO PERNAMBUCOCoordenadora: Roberta Claro (interina)

Rua Aviador Severiano Lins, 73, sala 5 – Boa ViagemRecife – PE – CEP 51020-060 Tel: (81) 3466-1362E-mail:[email protected]

NÚCLEO SUL MINEIROCoordenadora: Janaina Cristiane Guidi Pereira

Rua Alberto Cabre, 300 – Vila PintoVarginha – MG – CEP: 37010-630Tel: (35) 9808-2392 / 9841-6249E-mail: [email protected] / [email protected]: Marília Vieira Siqueira de Arante

Sede: Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - CEP: 05405-000 - São Paulo - SPPabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567 - www.abpp.com.br - [email protected]

SEÇÕES E NÚCLEOS

Triênio 2014/2016

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Conselho editorial internaCional

Carmen Pastorino - UruguaiCésar Coll - EspanhaIsabel Solé - EspanhaMaria Cristina Rojas - ArgentinaNeva Milicic - ChileVitor da Fonseca - Portugal

Conselho editorial naCional

Ana Lisete Rodrigues SPAnete Busin Fernandes SPBeatriz Scoz SPDébora Silva de Castro Pereira BAEdith Rubinstein SPElcie Salzano Masini SPEloísa Quadros Fagali SPEvelise Maria L. Portilho PRGláucia Maria de Menezes Ferreira CEHeloisa Beatriz Alice Rubman RJIara Caierão RSLeda M. Codeço Barone SPMargarida Azevedo Dupas SPMaria Auxiliadora de Azevedo Rabello BAMaria Cecília Castro Gasparian SP

Conselho exeCutivoMaria Irene Maluf SPLuciana Barros de Almeida GO

editoraMaria Irene Maluf SP

Maria Célia Malta Campos SPMaria Cristina Natel SPMaria Lúcia de Almeida Melo SPMaria Silvia Bacila Winkeler PRMarisa Irene Siqueira Castanho SPMônica H. Mendes SPNádia Bossa SPNeide de Aquino Noffs SPNívea M.de Carvalho Fabrício SPRegina Rosa dos Santos Leal MGRosa M. Junqueira Scicchitano PRSônia Maria Colli de Souza SPSônia Maria Pallaoro Moojen RSVânia Carvalho Bueno de Souza SP

Consultores ad hoc

Ana Maria Maaz Acosta AlvarezJaime ZorziLino de MacedoLívia Elkis Luiza Helena Ribeiro do ValleSaul CypelSylvia Maria Ciasca

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PSICOPEDAGOGIA – Órgão oficial de divulgação da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp é indexada nos seguintes órgãos:

1) LILACS - Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde - BIREME

2) Clase - Citas Latinoamericanas en Cien-cias Sociales y Humanidades. Universidad Nacional Autónoma de Mexico

3) Edubase - Faculdade de Educação, UNI-CAMP

4) Bibliografia Brasileira de Educação - BBE CIBEC / INEP / MEC

5) Latindex - Sistema Regional de Informa-ción en Línea para Revistas Científicas de América Latina, El Caribe, España y Portugal

6) Catálogo Coletivo Nacional – Instituto Brasileiro em Ciência e Tecnologia – IBICT

Psicopedagogia: Revista da Associação Brasileira de Psicopedagogia /Associação Brasileira de Psicopedagogia. - Vol. 10, nº 21 (1991). SãoPaulo: ABPp, 1991-

Quadrimestral

ISSN 0103-8486

C o n t i n u a ç ã o , a p a r t i r d e 1 9 9 1 , v o l . 1 0 , n º 2 1 d e B o l e t i m d aAssociação Brasileira de Psicopedagogia.

1. Psicopedagogia. I. Associação Brasileira de Psicopedagogia.

CDD 370.15

7) INDEX PSI – Periódicos – Conselho Federal de Psicologia

8) DBFCC – Descrição Bibliográfica Fundação Carlos Chagas

9) PEPSIC – Periódicos Eletrônicos em Psicologia

Editora Responsável: Maria Irene Maluf

Revisão e Assessoria Editorial: Rosângela Monteiro

Editoração Eletrônica: Rudolf Serviços Gráficos

O conteúdo dos artigos aqui publicados é de inteira responsabilidade de seus autores, não expressando, necessariamente, o pensamento do corpo editorial.É expressamente proibida qualquer modali-dade de reprodução desta revista, seja total ou parcial, sob penas da lei.

[email protected]

Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - Cep: 05405-000 São Paulo - SP - Pabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567

Acesse a revista na íntegra: www.revistapsicopedagogia.com.br

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diretoria da assoCiação Brasileira de PsiCoPedagogiatriÊnio 2014/2016

Ana Paula Loureiro e Costa RJClarissa Farinha Candiota RSDébora S. de Castro Pereira BAEvelise Maria Labatut Portilho PRFabiani Ortiz Portella RSFrancisca Francineide Cândido CEGaleára Matos de França Silva CEIara Caierão RSJoyce Maria Barbosa de Pádua PILuciana Barros de Almeida GOLuciana Queiroz Bem Portela CE

Márcia Alves Simões SPMaria Cristina Natel SP Maria José Weyne M. de Castro CEMaria Teresa Messeder Andion SPMarisa Irene Siqueira Castanho SP

SuplenteSEdimara de Lima SP Heloisa Beatriz Alice Rubman RJJozélia de Abreu Testagrossa BAMárcia Alves Affonso SP

PresidenteLuciana Barros de Almeida (GO)

Vice-PresidenteEdimara de Lima (SP)

1ª TesoureiraQuézia Bombonatto (SP)

2ª TesoureiraAna Paula Loureiro e Costa (RJ)

1ª Secretária AdministrativaMaria Teresa Messeder Andion (SP)

2ª Secretária AdministrativaHeloísa Beatriz Alice Rubman (RJ)

1ª Assessora CientíficaMarisa Irene Siqueira Castanho (SP)

2ª Assessora CientíficaEvelise Maria Labatut Portilho (PR)

Assessoras de Relações PúblicasDébora Silva de Castro Pereira (BA)Galeára Matos de França Silva (CE)Marilene Ribeiro de Azevedo (GO)

Assessoras de Comunicação e DivulgaçãoIara Caierão (RS)Maria José Weyne Melo de Castro (CE)Maria Katiana Veluk Gutierres (RJ)

ASSeSSoriASAssessora de Publicações Científicas Maria Irene Maluf (SP)

Assessora de Formação e Regulamentação Neide De Aquino Noffs (SP)

Beatriz Judith Lima Scoz SPEdith Rubinstein SPLeda Maria Codeço Barone SPMaria Cecília Castro Gasparian SPMaria Célia Malta Campos SP

Maria Irene Maluf SPMônica H. Mendes SPNeide de Aquino Noffs SPNívea Maria de Carvalho Fabrício SPQuézia Bombonatto SP

Conselheiras vitalíCias

Conselheiras eleitas – gestão 2014/2016

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sumário

EDITORIAL / EDITORIAL

Irene Maluf ...................................................................................................................................283

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

• Autoeficácia de cuidadores de crianças com o transtorno do espectro autista Self-efficacy of caregivers of children with autism spectrum disorder

Maria de Lourdes Merighi Tabaquim; Roberta Gelain de Souza Vieira; Ana Paula Ribeiro Razera; Sylvia Maria Ciasca .........................................................................285

• Há relação entre desenvolvimento psicomotor e dificuldade de aprendizagem? Estudo comparativo de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, dificuldade escolar e transtorno de aprendizagem

There is relationship between psychomotor development and learning disability? Comparative study in children with attention deficit hyperactivity disorder, school difficulties and learning disorder

Mariana Coelho Carvalho; Sylvia Maria Ciasca; Sônia das Dores Rodrigues .........................293

• Avaliação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe e deficiência intelectual leve

Memory evaluation in children and adolescents with limitrophe intellectual capacity and mild intellectual disability

Amanda Morão Pereira; Carolina Rabelo Araújo; Sylvia Maria Ciasca; Sônia das Dores Rodrigues .........................................................................................................302

• Análise de itens da versão brasileira do Ages and Stages Questionnaires para creches públicas da cidade do Rio de Janeiro

Item analysis of the Ages and Stages Questionnaires Brazilian version for public day care centers in Rio de Janeiro

Luis Filipe F.A. Tavares; Daniel C. Mograbi; Jesus Landeira-Fernandez .................................314

RELATO DE EXPERIÊNCIA / EXPERIENCE REPORT

• Avaliação psicopedagógica de criança com alterações no desenvolvimento: relato de experiência

Psychopedagogical evaluation of one child with developmental abnormalities: experience report

Leila Santos Batista; Bárbara Gonçalves; Márcia Siqueira de Andrade ...................................326

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ARTIGO ESPECIAL / SPECIAL ARTICLE

• Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas Inclusion strategy: rescue of embodiment within schools

Sandra Maria Correa Miller; Maira Miller Ferrari ....................................................................336

ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES

• A dupla-excepcionalidade: relações entre altas habilidades/superdotação com a síndrome de Asperger, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e transtornos de aprendizagem

The twice-exceptionality: relations between giftedness with Asperger’s syndrome, attention deficit hyperactivity disorder and learning disorders

Rauni Jandé Roama Alves; Tatiana de Cássia Nakano ..............................................................346

• O brincar na clínica psicopedagógica The play in clinic psychopedagogical

Rosanita Moschini; Iara Caierão .................................................................................................361

• Educação Superior: vicissitudes da ação psicopedagógica Higher education: vicissitudes of psycho-pedagogical action

Sílvia Maria de Oliveira Pavão; Amanda do Prado Ferreira Cezar ...........................................366

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283rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 283-4

EDiToriAL

Nesta 99ª edição, a revista Psicopedagogia oferece aos seus leitores arti-gos de alta qualidade acadêmica, que abordam questões envolvidas na aprendizagem, na Psicopedagogia, na Educação, fundamentando-se

em autores diversos, embasados em experiências bem distintas, o que confere a este número uma característica muito interessante.

Iniciamos com a apresentação aos leitores de quatro excelentes artigos de pesquisa.

O primeiro dentre eles, “Autoeficácia de cuidadores de crianças com o transtorno do espectro autista”, de autoria de Maria de Lourdes Merighi Tabaquim; Roberta Gelain de Souza Vieira; Ana Paula Ribeiro Razera e Sylvia Maria Ciasca, discorre sobre um estudo que teve como objetivo identificar a relação do padrão de independência da criança com transtorno do espectro autista e o nível de autoeficácia do seu cuidador.

“Há relação entre desenvolvimento psicomotor e dificuldade de aprendi-zagem?” é um trabalho comparativo entre crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, dificuldade escolar e transtorno de aprendizagem, de interesse especial para educadores e especialistas em Psicopedagogia, que foi escrito por Mariana Coelho Carvalho; Sylvia Maria Ciasca e Sônia das Dores Rodrigues. A avaliação do desempenho psicomotor de crianças com transtorno de aprendizagem, dificuldade escolar e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade foi o primordial objetivo das autoras, que ressaltam a necessidade de se inserir a educação psicomotora na escola, com o objetivo se prevenir e minimizar problemas acadêmicos.

Não menos interessante e produtivo é o artigo que segue, “Avaliação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe e deficiência intelectual leve”, uma contribuição de Amanda Morão Pereira, Carolina Rabelo Araújo, Sylvia Maria Ciasca e Sônia das Dores Rodrigues, que teve como objetivo avaliar e comparar a memória de crianças e adolescentes classificados como intelectualmente deficientes (grau leve), inteligência limí-trofe e sem comprometimento intelectual. Especificamente, foram analisadas a memória operacional, memória de curto prazo imediata e memória de longo prazo (episódica e semântica), nos três grupos mencionados, e o resultado desse trabalho reveste-se de maior importância, pois remete à ideia de que estratégias de ensino embasadas nos resultados de tais estudos podem favo-recer a aprendizagem dessas crianças.

Ao lado desses trabalhos figura ainda neste número o artigo original “Análise de itens da versão brasileira do Ages and Stages Questionnaires para creches públicas da cidade do Rio de Janeiro”, um teste de rastreamento usado para avaliar o desenvolvimento de crianças na idade pré-escolar (8 a 60 meses), utilizado pela Secretaria de Educação da Prefeitura do Rio de Janeiro como instrumento para avaliar a qualidade do atendimento em creches municipais, que nos foi encaminhado por Luis Filipe F. A. Tavares; Daniel C. Mograbi e Jesus Landeira-Fernandez.

Na atualidade, a concepção de avaliação psicopedagógica vem ganhando novas abrangências e, como exemplo, trazemos a público o interessante artigo de Leila Santos Batista; Bárbara Gonçalves e Márcia Siqueira de Andrade,

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284rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 283-4

EDiToriAL

“Avaliação psicopedagógica de criança com alterações no desenvolvimento: relato de experiência”.

“Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas” é o artigo especial da 99ª edição desta Revista. Associando duas questões de relevância para reflexão do leitor, as autoras Sandra Maria Correa Miller e Maira Miller Ferrari realizam um contraponto entre educação e corporeidade no contexto do sistema oficial de ensino, enfatizando a importância de resgatar o ato motor e o significado da corporeidade em diferentes etapas da educação básica.

“A dupla-excepcionalidade: relações entre altas habilidades/superdotação com a síndrome de Asperger, transtorno de déficit de atenção de hipera-tividade e transtornos de aprendizagem”, de Rauni Jandé Roama Alves e Tatiana de Cássia Nakano, é o primeiro entre três artigos de revisão desta edição e, certamente, nos remete a um complexo tema que decorre de uma condição onde a presença de capacidades superiores em uma ou mais áreas ocorre conjuntamente a deficiências ou condições tidas como incompatíveis a essas capacidades.

Vemos emergir em seguida um outro tema de grande importância, “O brincar na clínica psicopedagógica”, escrito por Rosanita Moschini e Iara Caierão, um trabalho elaborado a partir da revisão de literatura acerca da temática, em complementaridade com a prática psicopedagógica.

Segue-se a este o último artigo deste número, “Educação Superior: vicissi-tudes da ação psicopedagógica”, de Sílvia Maria de Oliveira Pavão e Amanda do Prado Ferreira Cezar, um trabalho centrado nas discussões sobre as opções da intervenção psicopedagógica direcionada aos estudantes da Educação Superior, um campo ainda pouco estudado entre nós.

Findo o segundo ano da gestão de Luciana Almeida e após o X Congresso Brasileiro de Psicopedagogia, eis-nos agora organizando com imensa alegria o 100º número da revista Psicopedagogia, uma edição comemorativa para a qual estamos desde já convidando nossos leitores a aguardarem.

Agradecendo a colaboração generosa dos autores, desejamos a todos exce-lentes momentos de leitura, de compreensão intensa sobre tantos e profundos temas que envolvem a aprendizagem humana e que compõem este número.

Irene MalufEditora

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autoefiCáCia de Cuidadores de Crianças Com o transtorno do esPeCtro autista

rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 285-92

285

ArTiGo oriGiNAL

RESUMO – O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é considerado um transtorno global do desenvolvimento, com características graves e comprometedoras. A sobrecarga materna é apontada por diversos autores como sendo uma consequência da própria condição da criança, a qual implica em uma dependência intensa e constante do portador em relação à sua mãe. O objetivo deste estudo foi identificar a relação do padrão de independência da criança com TEA e o nível de autoeficácia do seu cuidador. Participaram do estudo 13 cuidadores, sendo 15,4% do sexo masculino e 84,6% do sexo feminino. Para a coleta de dados foram utilizados dois protocolos: Escala de Percepção de Autoeficácia e Índice de Katz de Atividades de Vida Diária. Os resultados demonstraram que os cuidadores possuíam um bom índice de Autoeficácia, com ausência de sobrecarga do cuidador (M=40,3). As pontuações no Índice de Katz (M=11,3) evidenciaram 3 crianças dependentes, 4 que necessitavam de ajuda e 6 independentes. O estudo apontou para a ausência de correlação do nível de dependência da criança com TEA e da percepção de autoeficácia do cuidador, sugerindo

CorrespondênciaMaria de Lourdes Merighi TabaquimRua Bandeirantes, 9-60 – apto 61 – Centro – Bauru, SP, Brasil – CEP 17015-012E-mail: [email protected]

Maria de Lourdes Merighi Tabaquim – Neuropsicóloga, Doutora em Ciências Médicas, Docente do Departa-mento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB/USP) e da Pós-Graduação do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP). Bauru, SP, Brasil.Roberta Gelain de Souza Vieira – Psicóloga, Especialista em Neuropsicologia aplicada à Neurologia Infantil pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Es-tadual de Campinas (FCM/Unicamp), Campinas, SP, Brasil.Ana Paula Ribeiro Razera – Enfermeira, Doutoranda em Ciências da Reabilitação pelo Programa de Pós-Graduação do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP), Bauru, SP, Brasil.Sylvia Maria Ciasca – Neuropsicóloga, Doutora em Neu rociências e Livre-docente em Neurologia Infantil, Professora Associada da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP, Brasil.

autoefiCáCia de Cuidadores de Crianças Com o transtorno do esPeCtro autista

maria de Lourdes merighi Tabaquim; roberta Gelain de souza Vieira; Ana Paula ribeiro razera; sylvia maria Ciasca

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limitação e particularidade da amostra, cujos cuidadores se manifestaram com disponibilidade prática e afetiva, para atender às demandas da criança, minimizando o impacto decorrente.

UNITERMOS: Eficácia. Cuidadores. Criança. Transtorno autístico.

INTRODUÇÃOO transtorno autista ou autismo infantil faz

parte de um grupo de transtornos do neurodesen-volvimento denominados Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGDs), Transtornos Invasi-vos do Desenvolvimento (TIDs) ou Transtornos do Espectro do Autismo (TEAs). Esse grupo de transtornos compartilha sintomas centrais no comprometimento em duas áreas específicas do desenvolvimento: déficits sociais e de comunica-ção e presença de comportamentos repetitivos e restritivos1. A incidência de casos do Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem crescido de forma significativa em todo o mundo, especialmente durante as últimas décadas, atingindo a média de 40 e 60 casos a cada 10.000 nascimentos2-4. Atualmente, não há uma estimativa oficial que indique o número de portadores do transtorno, sendo utilizados dados de pesquisas internacio-nais como referência5.

A presença de uma criança com TEA tende a modificar as relações familiares e, em alguns casos, o rompimento de vínculos6. As dificul-dades pertinentes ao transtorno devido à sua cronicidade, condições físicas e mentais resul-tam em uma maior dependência em relação às suas mães, sendo elas a principal cuidadora dos portadores de autismo e, por isso, está mais propensa ao desenvolvimento de altos níveis de estresse, resultando em sobrecarga, agravos à saúde física e psicológica7.

A partir da perspectiva da aprendizagem so-cial, a autoeficácia é definida como o julgamento do sujeito sobre sua habilidade para desempe-nhar com sucesso um padrão específico de com-portamento. Este envolve o julgamento sobre as capacidades para mobilizar recursos cognitivos e ações de controle sobre eventos e demandas do meio8. Tais crenças podem influenciar as as-

pirações e o envolvimento com metas estabeleci-das, o nível de motivação, a perseverança diante das dificuldades, a resiliência às adversidades, relacionando-se com a qualidade de pensamento analítico, a atribuição causal para o sucesso ou fracasso e a vulnerabilidade para o estresse e depressão9. Esse conceito tem sido transposto para o campo das relações familiares e sugerido que o senso de autoeficácia para o desempenho de atividades de cuidados gerais, prestados por pais a seus filhos, está relacionado ao quanto esses pais se sentem capazes de realizar as tarefas com sucesso10. Um estudo demonstrou que a autoeficácia parental é negativamente relacionada aos problemas comportamentais de crianças11. Outros autores complementam essa noção, demonstrando que baixos níveis de au-toeficácia estão associados a pouca persistência, depressão e diminuição da satisfação quanto ao papel parental12.

Diante deste contexto, o objetivo deste estudo foi identificar a relação do padrão de indepen-dência da criança com TEA e o nível de percepção de autoeficácia do seu cuidador.

MÉTODOParticiparam deste estudo 13 cuidadores de

crianças diagnosticadas com TEA, de ambos os sexos, na faixa etária de 3 a 12 anos, matricula-das em um centro de equoterapia localizado em uma cidade do interior do Estado de São Paulo. O critério para inclusão no estudo foi o diagnóstico clínico realizado pela equipe interdisciplinar da instituição participante e a adesão por meio do consentimento formal dos responsáveis com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Após os procedimentos éticos da pesquisa sob o protocolo no 903.528, foi realizado o convite

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para a participação espontânea na pesquisa. Aos interessados, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para a de-vida formalização da autorização. Durante o período de permanência na instituição onde os pais aguardam o tempo de terapia dos filhos, um horário foi agendado para a coleta de dados em um único encontro de aproximadamente 50 minutos, visando à aplicação dos instrumentos Escala de Percepção de Autoeficácia13 e o Índice de Katz de Atividades de Vida Diária14, de acordo com as normas estabelecidas em cada protocolo, com o cuidador. O ambiente foi programado na instituição participante, em sala adequada para os devidos procedimentos, e foi realizada a de-volutiva aos cuidadores.

A Escala de Percepção de Autoeficácia tem o objetivo de identificar a percepção do cuidador sobre a sobrecarga do trabalho e relação com a pessoa sob seus cuidados. É um instrumento composto por 22 itens que avaliam os compor-tamentos mais apresentados por indivíduos com autismo e o quanto os pais e cuidadores acre-ditam serem capazes de manejá-los. É formada por três categorias: autoeficácia para obtenção de uma pausa; autoeficácia para responder a comportamentos inadequados da pessoa cui-dada; autoeficácia para controlar pensamentos negativos sobre o ato de cuidar. A pontuação é obtida por meio de uma escala Likert de seis pontos, que varia de “Nenhuma confiança” (0) até “Completamente confiante” (4)13.

Já o Índice de Katz de Atividades de Vida Diária é um instrumento que tem o objetivo de identificar o nível de independência de pessoas com deficiência ou necessidades especiais, por meio da avaliação do impacto da doença/defi-ciência, com ênfase na limitação imposta pelas condições crônicas. É constituído de seis ativida-des de rotina, tais como: tomar banho, vestir-se, controlar os esfíncteres, usar o banheiro, loco-moção e alimentação. Apresenta a pontuação de 1 a 3, representando o nível de dependência, dependência parcial e independência, sendo: 1 – Dependente; 2 – Necessidade de ajuda; 3 – Independente. Cada participante pode ter a

pontuação com um mínimo de 6 até um máximo de 18 pontos, onde resulta a seguinte classifi-cação:≤6–Dependente;7-12–Dependênciaparcial; 13-18 – Independente14.

Os dados foram pontuados de acordo com os critérios normativos de cada instrumento utili-zado na pesquisa e descritos visando à análise do desempenho e a correlação com a sobrecarga dos cuidadores. Tabelas descritivas das variá-veis observadas foram elaboradas, analisadas e comparadas em relação ao grau de percepção de autoeficácia e independência da criança, tendo como referência a classificação proposta pelo instrumento utilizado, utilizando como base o software de análise estatística Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), sendo adotado nível de 5% para que as diferenças fossem con-sideradas estatisticamente significantes. Na aná-lise dos dados foi também considerado o estudo estatístico sobre a média e desvio padrão, para obtenção dos escores brutos e transformados.

RESULTADOSOs resultados foram apresentados por meio

da caracterização da amostra, seguido dos dados obtidos com os instrumentos previstos na me-todologia. Foram consideradas as ponderações e os percentuais resultantes das informações analisadas.

Os dados sociodemográficos dos cuidado-res, submetidos aos instrumentos requeridos, indicaram que 84,6% dos cuidadores eram do gênero feminino e 15,4% do gênero masculino. Em relação à escolaridade, 15,4% dos cuidadores possuíam o ensino fundamental, 61,5% o ensino médio e 23,1% o ensino superior. No que con-cerne à atividade laboral, 46,2% dos cuidadores declararam trabalhar fora e 53,8% colocaram-se como “do lar”, ou seja, dono(a) de casa ou apo-sentado (Tabela 1).

A média de idade dos participantes foi de 42 ± 7,49 anos, sendo o máximo 62 anos e o mínimo 34 anos. Quanto ao gênero da criança cuida-da, constatou-se que predominou o masculino (76,92%) e média de idade de 7 anos, sendo a máxima de 12 anos e a mínima de 3 anos.

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Para identificar o grau de independência da criança e o nível de percepção de autoeficácia do cuidador, foram administrados os instru-mentos, conforme descrito na metodologia. A Tabela 2 demonstra as medidas da avaliação de autoeficácia do cuidador e as características de independência da criança com TEA.

Os resultados demonstraram que, de modo geral, os cuidadores possuíam um bom índice de Autoeficácia, já que os resultados apon-taram que não houve sobrecarga do cuidador

(M=40,30 ± 12,09). As pontuações no Índice de Katz (M=11,31 ± 4,40) evidenciaram que 3 crianças eram dependentes, 4 necessitavam de ajuda e 6 eram independentes.

A Tabela 3 apresenta o intervalo de confiança, a média e o desvio padrão, conforme a Escala de Autoeficácia aplicada. Quanto às catego-rias, os dados apontaram que houve um nível baixo de autoeficácia para “obtenção de uma pausa” (M=11,84 ± 8,53), um nível moderado em relação à “autoeficácia para responder a

Tabela 1 – Representação dos dados sociodemográficos dos cuidadores e das crianças com TEA.

Gênero do Cuidador

Idade do Cuidador Escolaridade Trabalha Fora Gênero da

CriançaIdade da Criança

Feminino 45 Ensino médio sim Feminino 6

Feminino 62 Ensino fundamental Não masculino 12

Feminino 35 Ensino médio Não masculino 8

Feminino 40 superior sim masculino 3

Feminino 42 Ensino fundamental Não Feminino 7

Feminino 40 Ensino médio sim masculino 12

Feminino 38 superior sim Feminino 6

Feminino 34 Ensino médio sim masculino 3

Feminino 39 Ensino médio Não masculino 10

Feminino 39 Ensino médio Não masculino 11

Feminino 43 Ensino médio Não masculino 7

masculino 39 superior sim masculino 3

masculino 52 Ensino médio Não masculino 12

Tabela 2 – Avaliação de autoeficácia do cuidador e nível de independência da criança.

Instrumentos n Mínimo Máximo Média Desvio padrão

Escala de Autoeficácia 13 27,00 64,00 40,30 12,09

Índice de Katz 13 6,00 18,00 11,31 4,40

Tabela 3 – Representação das categorias da Escala de Percepção de Autoeficácia.

Categorias N Mínimo Máximo Média Desvio padrão

1) Autoeficácia para obtenção de uma pausa 13 0,00 25,00 11,84 8,53

2) Autoeficácia para responder a comportamentos inadequados da pessoa cuidada

13 10,00 24,00 15,23 4,30

3) Autoeficácia para controlar pensamentos negativos sobre o ato de cuidar

13 8,00 24,00 13,15 5,06

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comportamentos inadequados da pessoa cui-dada” (M=15,23 ± 4,30), e um nível moderado no que se refere à “autoeficácia para controlar pensamentos negativos sobre o ato de cuidar” (M=13,15 ± 5,06).

Observando o grau de parentesco na amos-tra, constatou-se que 70% dos participantes eram mães, 16% pais, 7% avó e 7% tia. Dentre as mães, 5 exerciam atividades profissionais fora de casa (Tabela 4). A caracterização da amostra do estudo quanto à relação parental com a criança está representada na Figura 1, onde se observa que as mães se apresentam em maior número como cuidadoras e, portanto, como participantes.

Para análise de correlação entre os fatores da escala foi utilizado o teste de Spearman (Tabela 4). Os escores obtidos na escala Katz possuem correlação negativa com os escores da escala de Autoeficácia (rs=-0,042; p=0,893), indicando que são variáveis que se movem em sentido con-trário, ou seja, há uma tendência de que quando há mais pontos na escala Katz, menos ocorre na escala de Autoeficácia e vice-versa. No entanto, é uma correlação muito fraca e não significativa.

DISCUSSÃOA motivação de todos os cuidadores para

participar da pesquisa foi surpreendente, todos se mostraram disponíveis ao agendamento e compareceram como solicitado. À medida que as perguntas foram feitas, houve reflexão, por parte do cuidador, antes da resposta. Em alguns momentos, houve manifestação de sentimentos relacionados à sobrecarga e preocupação com o futuro, manifestada com choro e, em outros momentos, demonstraram autocontrole em si-tuações exigidas pela criança.

A distribuição dos cuidadores em relação ao gênero apontou para o padrão tradicional familiar do Brasil, onde o papel de cuidar dos filhos, sobretudo aqueles portadores de cuidados especiais, é delegado às mães ou às mulheres, que constituem 84,6% da nossa amostra7.

Os resultados indicaram um percentual significativo de cuidadoras que não exercem atividades laborais fora do domicílio. Esse dado sugere que, diante das necessidades e fragi-lidade da criança, possam ter se mobilizado a proteger cada vez mais o filho, muitas vezes, dificultando a convivência da criança com outras pessoas além do círculo familiar, como amigos, por exemplo.

Durante a aplicação dos testes foi possível observar que a maior parte dos cuidadores de-monstrava sentir-se incapaz de obter uma pausa no ato de cuidar, evidenciando culpa ao pensar em ter um tempo para si próprio e ter que pedir a um amigo ou familiar para cuidar da criança.

No que diz respeito à avaliação de Autoefi-cácia do cuidador e as características de Inde-

Tabela 4 – Correlações dos tipos de Autoeficácia.

Valor de Correlação Índice de Katz

Escala de Autoeficácia rs -0,042

p 0,893

Autoeficácia para obtenção de uma pausa

rs 0,124

p 0,687

Autoeficácia para responder a comportamentos inadequados da pessoa cuidada

rs 0,017

p 0,956

Autoeficácia para controlar pensamentos negativos sobre o ato de cuidar

rs -0,243

p 0,424

Figura 1 – Demonstrativo da condição parenteral dos participantes.

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pendência da criança com TEA, os resultados demonstraram que, de modo geral, os cuidadores possuíam um bom índice de Autoeficácia. As pontuações no Índice de Katz demonstraram que poucas crianças eram dependentes, a maioria com necessidades de assistência, ou mesmo, independente.

Os escores obtidos na escala Katz tiveram correlação negativa com os escores da escala de Autoeficácia, porém trata-se de uma correlação frágil e não significante. Por isso, esses dados devem ser analisados com cautela, haja vista o tamanho limitado da amostra, assim como os desvios padrão.

Considerando que a autoeficácia consiste no julgamento da pessoa sobre a sua habilidade para desempenhar com sucesso um padrão es-pecífico de comportamento, no caso, de cuidador, um dos participantes do estudo, na figura do pai, teve o índice de impacto “intenso” na escala aplicada. Este dado remete à compreensão sobre as dificuldades de ordem prática, uma vez que essa expectativa interfere e regula o pensamento (reações afetivas) e as ações (desempenho com a criança) realizadas intencionalmente, podendo inclusive gerar ansiedade e desmotivação. Os sucessos obtidos contribuem para a construção de uma forte crença na eficácia pessoal. Por outro lado, as falhas podem comprometê-la, especialmente se estas ocorrerem antes que um sentimento de eficácia esteja firmemente estabelecido15.

Os cuidadores que conseguem trocar infor-mações e falar sobre suas dificuldades apre-sentaram o índice de impacto “ausente”. As crenças de eficácia podem ser desenvolvidas por meio de fontes de informação, uma delas é constituída pelas experiências vicárias, forneci-das por modelos sociais. Ver pessoas parecidas a si mesmo, sendo bem-sucedidas por esforços mantidos, aumenta a crença dos observadores de que eles possuem as capacidades e habilidades para dominar atividades comparáveis de forma bem sucedida15.

Na experiência vicária, o impacto da modela-gem na percepção de autoeficácia é influenciado pela semelhança percebida em relação aos mo-

delos, o que pode encorajar e empoderar. Neste estudo, os cuidadores tinham a oportunidade de vivenciar a troca de experiências pela proximi-dade na instituição participante, o que pode ter contribuído para a minimização das situações impactantes e estressoras advindas da sobrecar-ga no cuidado com a criança com necessidades especiais, como no caso da criança com TEA.

No que diz respeito à variável emprego, do total de 6 participantes que trabalham fora, 4 apresentaram índice de impacto “ausente” de sobrecarga. Sugere-se que, além desse ofício complementar à renda familiar, exista a possi-bilidade compensatória de redirecionar os inte-resses e as responsabilidades, tornam-se mais disponíveis, oferecendo mais oportunidades para uma relação mais prazerosa com a criança, sentindo-se eficazes no papel de cuidadores.

Enquanto alguns estudos apresentam discor-dâncias sobre as fontes do estresse familiar como típicas ou não da sintomatologia do autismo16-18, outros estudos não levam em conta fatores im-portantes nesse processo, tal como o apoio social disponível a essas famílias ou a gravidade dos sintomas presentes na criança19-21. Depreende-se disso que essa questão permanece controversa. Contudo, os resultados parecem apontar para uma sobrecarga maior nas mulheres, pelo me-nos em termos de cuidado direto da criança. De qualquer modo, a relação entre autoeficácia em cuidadores de indivíduos com o espectro autista tem sido pouco investigada na literatura.

O conhecimento gerado neste estudo objeti-vou, nesse sentido, contribuir com dados empí-ricos, para uma maior compreensão da situação atual dos cuidadores de crianças com TEA. Os dados encontrados são importantes, portanto, pois possibilitam uma melhor compreensão da sobre-carga dos cuidadores dessas crianças, fornecendo suporte para uma proposta de intervenção.

CONCLUSÃO O estudo apontou para a ausência de corre-

lação do nível de dependência da criança com TEA e da percepção de autoeficácia do cuida-dor, sugerindo limitação e particularidade da amostra, cujos cuidadores se manifestaram com

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disponibilidade, prática e afetiva, para atender às demandas da criança, minimizando o impacto decorrente.

As pontuações no Índice de Katz demons-traram que poucas crianças eram dependentes, a maioria com necessidades de assistência, ou

mesmo, independente. No que diz respeito à avaliação de Autoeficácia do Cuidador e às ca-racterísticas de Independência da criança com TEA, os resultados demonstraram que, de modo geral, os cuidadores possuíam um bom índice de Autoeficácia.

SUMMARYSelf-efficacy of caregivers of children with autism spectrum disorder

Disorder Autism Spectrum (TEA) is considered a global development disorder with serious and compromising features. Maternal overhead is mentioned by several authors as a consequence of their own child’s condition, which implies an intense and constant dependence carrier in relation to his mother. The objective of this study was to identify the child’s independence pattern of relationship with TEA and the self-efficacy level of your caregiver. This study was attended by 13 caregivers, 15.4% male and 84.6% female. To collect data we used two protocols: Perception Scale Self-efficacy and Katz Index of Activities of Daily Living. The results showed that the caregivers had a good Self-efficacy rate with no caregiver burden (M=40.3). Scores on Katz Index (M=11.3) showed three dependent children, 4 needed help and 6 independent. The study pointed to the lack of correlation of the child’s level of dependency with ASD and perception of caregiver self-efficacy, suggesting limitation and particularity of the sample, whose caregivers demonstrated with practical and emotional availability, to meet the demands of the child, minimizing the impact.

KEY WORDS: Efficacy. Caregivers. Child. Autistic disorder.

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Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médi-cas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Uni camp), Campinas, SP, Brasil.

Artigo recebido: 22/8/2015Aprovado: 4/11/2015

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desenvolvimento PsiComotor e ProBlemas de aPrendizagem

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ArTiGo oriGiNAL

RESUMO – Introdução: O objetivo deste estudo foi avaliar o desempenho psicomotor de crianças com transtorno de aprendizagem (TA), dificuldade escolar (DE) e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Especificamente, foi identificada a relação entre habilidades psicomotoras nos diferentes tipos de problemas com a aprendizagem. Método: Foram avaliadas 25 crianças, de ambos os gêneros, com idade entre 7 e 11 anos de idade, com diagnóstico de TDAH (n=8), TA (n=6) e DE (n=11), avaliadas no DISAPRE/FCM/UNICAMP. A Escala de Desenvolvimento Motor (Rosa Neto, 2002) foi utilizada para avaliar motricidade fina, motricidade global, equilíbrio, esquema corporal, organização espacial e organização temporal. Resultados e Conclusões: Todas as crianças tiveram idade motora inferior à idade cronológica. Comparando as habilidades psicomotoras, constatou-se que

CorrespondênciaSônia das Dores Rodrigues Rua Heitor Ernesto Sartori, 730, apto 204 – bloco 9 – Praça dos Profetas – Santa Genebra – Campinas, SP, Brasil – CEP: 13080-657.E-mail: [email protected]@hotmail.com

Mariana Coelho Carvalho – Graduação em Psicologia (Uni versidade de Ribeirão Preto - UNAERP), Aprimo ra-mento em Psicopedagogia aplicada à Neuro lo gia Infantil (UNICAMP), Especialização em Neu ropsicologia apli-cada à Neurologia Infantil (UNICAMP), Mestrado em Ciências Médicas (UNICAMP), Campinas, SP, Brasil.Sylvia Maria Ciasca – Graduação em Psicologia (PUC – Campinas), Mestrado em Psicologia (Neurociências e Comportamento) (USP), Doutorado em Neurociências (UNICAMP), Livre-docência em Neurologia Infantil, Campinas, SP, Brasil.Sônia das Dores Rodrigues – Graduação em Pedagogia (UNICAMP), Especialização em Psicopedagogia (PUC-Campinas), Especialização em Psicomotrocidade (ISPE-GAE/FMABC), Mestrado e Doutorado em Ciências Médicas (FCM-UNICAMP), Campinas, SP, Brasil.

há relação entre desenvolvimento PsiComotor e difiCuldade de aPrendizagem?

estudo ComParativo de Crianças Com transtorno de défiCit de atenção e hiPeratividade, difiCuldade esColar

e transtorno de aPrendizagem

mariana Coelho Carvalho; sylvia maria Ciasca; sônia das Dores rodrigues

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INTRODUÇÃONo momento em que nasce, a criança se vê

num mundo extremamente complexo, repleto de estímulos visuais, auditivos e táteis, princi-palmente. Nessa etapa, o bebê é dotado basica-mente de reflexos e suas estruturas nervosas ainda não estão devidamente mielinizadas. Como consequência, dependerá do cuidado de terceiros para sobreviver e se desenvolver ade-quadamente. Tais cuidados incluem não só ali-mentação, higiene e homeostasia, mas também suporte afetivo e emocional. Gradativamente, a criança se torna um ser cada vez mais indepen-dente e, à medida que isso ocorre, alterações comportamentais são observadas.

Esse processo evolutivo, no entanto, requer a intersecção de uma série de fatores, que en volvem o desenvolvimento constitucional (in -tegridade e maturação do sistema nervoso, cons tituição física, capacidade intelectual, etc.), psicomotor, intelectual, afetivo-social e as expe-riências transmitidas pelos agentes sociais (fa-mília, escola, sociedade)1. Falha em qualquer um desses fatores pode resultar em atrasos, disfunções ou transtornos neuropsiquiátricos di-versos e, como consequência, comprometimento na aprendizagem.

Dentre os transtornos resultantes de fatores intrínsecos à criança que podem interferir no desenvolvimento e na aprendizagem infantil, destacam-se o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e o transtornos de apren-dizagem (TA), a seguir sintetizados.

o grupo com TDAH teve pior desempenho, porém diferença estatisticamente significativa foi encontrada apenas em esquema corporal (quando se com-parou o grupo TDAH com o grupo com TA). As autoras chamam a atenção para a relação entre baixo desempenho em habilidades psicomotoras com problema de aprendizagem e ressaltam a necessidade de se inserir a educação psicomotora na escola, com o objetivo de se prevenir e minimizar problemas acadêmicos.

UNITERMOS: Desempenho psicomotor. Transtornos de aprendizagem. Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade

TDAH é um termo utilizado para se referir a um transtorno mental crônico, cujas manifesta-ções essenciais são moduladas pelos estágios evolutivos por que passam os indivíduos. Ca-racteristicamente, portadores de TDAH têm dificuldade de prestar atenção e de mantê-la, de adaptar o nível de atividade e de moderar as ações impulsivas. Como resultado, condutas ina daptadas que não correspondem à idade e nem ao nível de desenvolvimento do sujeito são observadas2-4.

Dados da literatura demonstram que o TDAH é mais frequente em meninos (três a quatro vezes mais), porém também há relatos de que as me-ninas não são devidamente encaminhadas para diagnóstico e, além disso, na adolescência a di-ferença entre os gêneros é menos pronunciada5.

Com relação à prevalência, estima-se que 3% a 6% da população escolar tenha TDAH6. Entretanto, dependendo da metodologia utiliza-da, bem como do local de realização da pesquisa (Centros de Atenção Primária ou Centros de Re-ferência de Transtornos Psiquiátricos), os índices podem ser superiores ao mencionado.

Do ponto de vista etiológico, ainda não é pos sível definir e estabelecer uma etiologia espe-cífica responsável pelo TDAH. Sabe-se, porém, que: a) se trata de um transtorno hereditário, com índices que variam de 80% a 90%5-7; b) não existe um único gene responsável pelo TDAH, já que vários genes associados e de pequenos efeitos levam à propensão do desenvolvimento do qua-dro8; c) estudos com neuroimagem demonstram

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que há evidências de alterações em determina-das áreas cerebrais, sendo essas significativas nas regiões do córtex pré-frontal dorsolateral, regiões do gânglio da base e cerebelo5.

Em relação ao último aspecto, o fato da região frontal do cérebro estar mais comprometida nos indivíduos com TDAH resulta em dificuldades acentuadas nas funções executivas. Tal termo engloba várias funções que são essenciais para o funcionamento normal dos indivíduos, tais como: elaboração do raciocínio abstrato, alter-nância de tarefas, planejamento e organização das atividades, elaboração de objetivos, geração de hipóteses, fluência e memória operacional; resolução de problemas; formação de conceitos; inibição de comportamentos, automonitoramen-to; iniciativa; autocontrole; flexibilidade mental; controle da atenção; manutenção do esforço sustentado; antecipação; regulação de compor-tamentos e criatividade.

No referente ao transtorno de aprendizagem, as evidências mostram que se trata de um dis-túrbio do desenvolvimento, que afeta em torno de 5% a 15% da população escolar. Caracteris ti-camente, o TA está presente desde a fase precoce, persiste na vida adulta e é evidente a dis crepância entre o potencial cognitivo e desempenho aca-dêmico. Sinais neurológicos leves (soft signs) e/ou outras comorbidades (como o TDAH) podem (ou não) estar presentes9-11.

Tanto no que se refere ao TDAH, quanto ao TA, é importante que se faça a distinção destes com um problema bastante comum em nosso meio, ou seja, com a dificuldade de aprendiza-gem secundária a fatores ambientais (pedagó-gico, por exemplo). Nesse caso, preferimos nos referir a estes como tendo quadro de dificuldade escolar (DE).

Como o ato de aprender é extremamente com-plexo, há necessidade de abordagem interdisci-plinar, com o objetivo de se investigar todos os fatores envolvidos (cognitivo, acadêmico, fami-liar, comportamental, psicomotor) com a proble-mática e se realizar o diagnóstico diferencial.

No referente ao aspecto psicomotor, a litera-tura demonstra que há íntima relação entre este

com dificuldades no contexto acadêmico (leitura, escrita, matemática). A questão que se coloca, então, é se há relação entre etiologia da dificul-dade de aprendizagem com desenvolvimento psicomotor. Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo geral avaliar o desempenho psi comotor de crianças com TA, DE e TDAH. Especificamente, pretendeu-se identificar se haveria diferenças nas habilidades psicomotoras dos grupos estudados e, com isso, verificar a pos-sibilidade de se estabelecer processo interven-tivo adequado.

MÉTODOContexto geralTrata-se de um estudo descritivo, que avaliou

as habilidades psicomotoras de crianças com dificuldade de aprendizagem decorrente de dis-função do sistema nervoso central (transtorno de aprendizagem - TA), de ordem pedagógica (di ficuldade escolar - DE) e de transtornos de atenção (TDAH). Fizeram parte do estudo 25 sujei-tos, com idade entre 7 e 11 anos, sendo a maioria (19/25) do gênero masculino.

Os sujeitos avaliados foram selecionados no Laboratório de Distúrbio, Dificuldade de Apren-dizagem e Transtorno Atenção (DISAPRE), da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), da Uni versidade Estadual de Campinas. Rotineira-mente, as crianças chegam a esse laboratório com queixa de dificuldade de aprendizagem para avaliação diagnóstica, de modo a identificar se a dificuldade de aprendizagem tem origem funcional (transtorno de aprendizagem, aten-cional (relacionada ao transtorno de déficit de atenção e hiperatividade), pedagógica (dificul-dade escolar), ou decorrente de outros fatores neuropsiquiátricos.

Inicialmente, as crianças passaram por proto-colo do Serviço, que inclui avaliação neuropsico-lógica de base, constituída por dados objetivos e subjetivos (tais como anamnese, entrevista com a família, contato com a escola e observação clínica durante o processo de avaliação e discus-são do caso).

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Aquelas que receberam hipótese diagnóstica de TA, DE e TDAH foram selecionadas para o estudo. Os pais foram informados sobre o teor da pesquisa e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Instrumento de avaliaçãoUma vez selecionadas, as crianças foram

sub metidas à avaliação motora complementar, por meio da Escala de Desenvolvimento Motor (EDM) de Rosa Neto12. Esta compreende um conjunto de provas diversificadas e de dificul-dade graduada, conduzindo a uma exploração minuciosa das seguintes áreas do desenvolvi-mento: motricidade fina (óculo manual); motri-cidade global (coordenação); equilíbrio (postura estática); esquema corporal (imitação de postura, rapidez); organização espacial (percepção do es-paço); organização temporal (linguagem, estrutu-ras temporais) e lateralidade (mãos, olhos e pés).

A Escala de Desenvolvimento Motor (EDM) é de aplicação individual, com duração média de 30 a 45 minutos, permitindo a classificação do desenvolvimento motor, desde o nível “Muito Inferior” até “Muito Superior”, traçando um per-fil motor que abrange todas as áreas avaliadas.

Análise dos dadosOs dados obtidos foram avaliados quantitati-

vamente e qualitativamente. A análise estatística foi feita por meio do programa SAS System for Windows (versão 8.02) e SPSS for Windows (ver-são 10.0.5) e a escolha do teste para a avaliação dos resultados foi realizada segundo o tipo de variável analisada. Foi considerado significativo valor de p > 0, 05.

RESULTADOSPor meio da Escala de Desenvolvimento

Motor (EDM)12, constatou-se que todos os sujei-tos apresentaram idade motora inferior à idade cro nológica.

Conforme se observa na Tabela 1, a maioria dos sujeitos teve desempenho motor abaixo do esperado, já que quando se comparou a idade

cronológica à idade motora, foi observado que todos tiveram idade negativa. Com relação à classificação final, apenas 5/25 sujeitos foram classificados como normal médio. Os demais foram classificados como normal baixo (9/25), inferior (10/25) e muito inferior (1/25). Nenhum sujeito foi classificado como normal alto, supe-rior ou muito superior.

Na Tabela 2, é apresentado o desempenho de todos os sujeitos, segundo as áreas motoras avalia-das. Como se nota, a organização espacial, seguida de equilíbrio, organização temporal e esquema corporal, foram as áreas mais comprometidas.

Considerando-se o desempenho motor em função da etiologia da dificuldade de aprendi-zagem (DE, TA ou TDAH), verifica-se na Tabela 3 que:

a) O grupo TDAH teve pior desempenho que o grupo TA em todas as habilidades motoras avaliadas (motricidade final, motricidade global, equilíbrio, esquema corporal, orientação espacial e orientação temporal), porém a diferença foi estatis-ticamente significativa apenas em uma habilidade motora (esquema corporal);

b) Comparando-se os grupos DE e TA, nota--se que o primeiro obteve pior desem-penho em todas as habilidades motoras avaliadas (motricidade final, motricidade global, equilíbrio, esquema corporal, orientação espacial e orientação tempo-ral), porém a diferença não foi estatisti-camente significativa;

c) Comparando-se os grupos DE e TDAH, nota-se que o segundo obteve pior desem-penho, uma vez que ficou abaixo em 4/6 funções avaliadas (motricidade global, esquema corporal, orientação espacial e orientação temporal), porém a diferença não foi estatisticamente significativa;

DISCUSSÃOConforme se pôde observar na exposição dos

resultados, a maioria das crianças avaliadas era do gênero masculino. Tal dado está de acordo com a literatura, que tem indicado que os meninos

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Tabela 1 – Apresentação do resultado na Escala de Desenvolvimento Motor (Rosa Neto, 2002), em função da idade cronológica, idade motora, quociente motor geral, idade negativa e classificação geral.

Sujeito Idade cronológica (meses)

Idade motora (meses) Idade negativa Classificação

1 127 91 -36 i

2 108 98 -10 NB

3 127 100 -27 i

4 108 78 -30 i

5 132 118 -14 NB

6 95 77 -18 NB

7 120 101 -19 NB

8 96 81 -15 NB

9 102 80 -22 i

10 127 91 -36 i

11 120 107 -13 NB

12 132 100 -32 i

13 108 102 -6 Nm

14 120 84 -36 i

15 132 121 -11 Nm

16 132 119 -13 Nm

17 132 116 -16 NB

18 92 73 -19 i

19 120 110 -10 Nm

20 108 80 -28 i

21 108 100 -8 Nm

22 108 87 -21 NB

23 132 113 -19 NB

24 132 98 -34 i

25 108 74 -34 miLegenda: mi = muito inferior, i = inferior, NB = normal baixo, Nm = normal médio.

Tabela 2 – Síntese da classificação dos sujeitos na EDM, em função das áreas motoras avaliadas.

Áreas avaliadasClassificação/no. de sujeitos

MI I NB NM NA S MS

motricidade fina 3 2 10 10 0 0 0

motricidade global 5 3 6 11 0 0 0

Equilíbrio 5 5 8 7 0 0 0

Esquema corporal/rapidez 3 6 10 6 0 0 0

organização espacial 9 6 3 7 0 0 0

Linguagem/organização temporal 3 7 7 8 0 0 0Legenda: i = inferior, mi = muito inferior, NB = normal baixo, Nm = normal médio, NA = normal alto, s = superior, ms = muito superior.

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costumam ter mais transtornos de aprendizagem e da atenção do que as meninas13.

Ciasca11,14 descreve a prevalência de meninos com dificuldades de aprendizagem quando comparados às meninas, numa proporção de 6:1. Este predomínio do sexo masculino tem sido explicado por hipóteses genéticas, anatômicas, de especialização hemisférica e devido a causas sociais, dependendo da população estudada.

No referente à idade cronológica no momento da avaliação, observa-se que a média do grupo foi de 10 anos. A esse respeito é interessante destacar que, anteriormente, as crianças eram en-caminhadas mais precocemente13. Possivelmente, a progressão continuada explica esse fato, pois é mais comum se proceder à reprovação no 5º ano, quando as crianças têm em torno de 10 anos de idade. Assim, essas são encaminhadas nesse momento crítico, quando se constata que a apren-dizagem está aquém daquilo que é esperado.

No presente estudo, foi constatado que a ida-de motora de todos os sujeitos foi inferior à idade cronológica. Tal dado reforça o que é mencionado por Fonseca15, de que a motricidade organiza as sensações e percepções que dão origem a apren-dizagens cada vez mais complexas. Depreen-de-se, então, que a desorganização psicomotora resulta em alterações na aprendizagem infantil.

A esse respeito vale mencionar o trabalho de-senvolvimento por Moreira et al.16. Ao comparar escolares da 2ª e 3ª série do primeiro grau (com

dificuldade de aprendizagem e com rendimento escolar normal), por meio do teste de proficiên-cia motora de Bruininks-Oseretsky, os autores encontraram que as crianças sem histórico de fracasso escolar tiveram desempenho motor su-perior, quando comparado àquelas que tinham dificuldade de aprendizagem.

No que se refere às funções psicomotoras mais comprometidas, é importante citar o traba-lho desenvolvido por Rosa Neto12. Crianças de 4 a 12 anos com dificuldades de aprendizagem, apresentaram perfil motor geral classificado como “inferior”, com maior comprometimento no equi-líbrio, esquema corporal, organização espacial e temporal. Os mesmos resultados foram encon-trados em estudo realizado com escolares de 5 a 14 anos com problemas na aprendizagem, tendo a organização temporal, o equilíbrio e a organi-zação espacial como áreas de maiores déficits.

De fato, Fonseca15 menciona que as crianças com dificuldades de aprendizagem costumam ter mais deficiência na noção de corpo, orientação, adaptação e exploração espacial.

No presente estudo, tais dados são compro-vados, já que as funções psicomotoras mais de-ficitárias foram organização espacial, equilíbrio, organização temporal e esquema corporal.

No que se refere à relação entre funções psi-comotoras e TDAH, Bardy et al.17, utilizando a EDM12, encontraram que a defasagem mais

Tabela 3 – Comparação do desempenho motor, em função da etiologia da dificuldade de aprendizagem.

GruposFunções motoras avaliadas

Motricidade Fina

Motricidade Global Equilíbrio Esquema

corporalOrientação

EspacialOrientação Temporal

DE (n=11)TA (n=6)

97,6105,0

p=0,36

105,2106,0

p=0,44

91,6104,0

p=0,20

96,5109,0

p=0,16

91,694,0

p=0,95

95,4109,0

p=0,18

DE (n=11)TDAH (n=8)

97,6103;5

p=0,55

105,294.5

p=0,58

91,693,0

p=0,93

96,586,2

p=0,25

91,684,0

p=0,25

95,490,7

p=0,58

TA (n=6)TDAH (n=8)

105,0103.50,84

106,094,50,17

104,093,00,29

109,086,20,05

94,084,00,28

109,090,70,08

Valor de p: Teste de mann-Whitney

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considerável foi em esquema corporal, seguida da função de equilíbrio e organização espacial. No nosso estudo, encontramos mais defasagem em orientação espacial, seguida de esquema corporal e orientação temporal.

Após realização da pesquisa, foi possível ava-liar o desempenho psicomotor de crianças com transtorno de aprendizagem (TA), dificuldade escolar (DE) e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). A análise dos dados demonstrou que todas as crianças apresentaram idade motora inferior à idade cronológica.

Comparando-se as habilidades psicomoto-ras em função da etiologia da dificuldade de aprendizagem, constatou-se que o grupo TDAH teve o pior desempenho que o grupo DE em algumas habilidades (motricidade global, es-quema corporal e orientação espaço tempo-ral). Quando comparado ao grupo TA, o grupo TDAH apresentou pior desempenho em todas as habilidades, sendo estatisticamente signi-ficativo em esquema corporal. Surpreenden-temente, embora não tenha havido diferença estatisticamente significativa, o grupo DE teve pior desempenho que o grupo TA, em todas as habilidades motoras. Apesar do tamanho da amostra analisada, tais dados reforçam a ideia de que há relação entre desenvolvimento de habilidades psicomotoras com problemas de aprendizagem, independente da etiologia da mesma.

Nesse sentido, chama-se a atenção para o pa pel da escola (notadamente educadores/professores) no que diz à necessidade de inserir no seu pla-nejamento pedagógico educação psicomotora, principalmente no ensino infantil e séries iniciais do ensino fundamental. Pelo fato da abordagem psicomotora integrar funções cognitivas, socioe-mocionais, simbólicas, psicolinguísticas e moto-ras, esta pode promover o desenvolvimento global do individuo e, ainda, minimizar a dificuldade de aprendizagem das crianças.

CONCLUSÕESNeste estudo, foram avaliadas e comparadas

as habilidades psicomotoras de indivíduos com transtorno do déficit de atenção e hiperativida-de, transtorno de aprendizagem e dificuldade escolar. Os dados demonstraram que todos os sujeitos apresentaram idade motora inferior à idade cronológica. Quando se comparou o de-sempenho em função dos diferentes diagnósticos (TDAH, TA e DE), verificou-se que o grupo com TDAH teve pior desempenho que o DE e o TA, porém diferença estatisticamente significativa só foi identificada em esquema corporal (em comparação ao grupo DE). As autoras chamam a atenção para a relação entre desenvolvimento psicomotor e aprendizagem e ressaltam a impor-tância da educação psicomotora na escola desde o ensino infantil, com o objetivo de se minimizar a dificuldade acadêmica das crianças.

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SUMMARYThere is relationship between psychomotor development and

learning disability? Comparative study in children with attention deficit hyperactivity disorder, school difficulties and learning disorder

Introduction: The study aimed to evaluate psychomotor performance of children with learning disabilities, learning difficulties and attention deficit hyperactivity disorder (ADHD). The specific objective was to evaluate psychomotor skills in different types of learning disability. Methods: 25 children both genders were evaluated. The age at evaluation was 7-11 years. After evaluation at the DISAPRE/FCM/ UNICAMP the children received the following diagnoses: ADHD (8), learning disabilities (6) and learning difficulties (11). Motor Development Scale (Rosa Neto, 2002) was used to assess fine motor skills, gross motor skills, equilibration, body perception, spatial organization and temporal organization. Results and Conclusions: All children had lower motor age than expected for their chronological age. Children with ADHD had worst performance than children with learning disabilities and learning difficulties, but result statistically significant was found only in body perception This study show that there is relationship between poor performance on psychomotor skills in all children with different types of learning problem. So, it is important introduce psychomotor education at school in order to prevent and minimize academic problems.

KEY WORDS: Psychomotor performance. Learning disorders. Attention deficit disorder with hyperactivity.

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Trabalho realizado no Laboratório de Distúrbios e di -fi culdades da aprendizagem e transtornos da aten-ção – DISAPRE, da Faculdade de Ciências Médicas/UNICAMP, Campinas, SP, Brasil.

Artigo recebido: 5/9/2015Aprovado: 12/11/2015

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Pereira am et al.

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ArTiGo oriGiNAL

RESUMO – O presente estudo teve como objetivo avaliar e comparar a memória de crianças e adolescentes classificados como intelectualmente deficiente (grau leve), inteligência limítrofe e sem comprometimento intelectual. Especificamente, foram analisadas a memória operacional, memória de curto prazo imediata e memória de longo prazo (episódica e semântica) nos três grupos mencionados. Participaram deste estudo 38 sujeitos divididos em três grupos: deficientes intelectuais de grau leve (GDI), limítrofes (GL) e controle (GC), constituído por crianças com quociente de inteligência dentro da normalidade. Para avaliação dos diferentes tipos de memória foram utilizados os instrumentos: Figura Complexa de Rey, Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey (RAVLT), Blocos de Corsi (TBC) e os subtestes da WISC-IV dígitos, sequência de números e letras e vocabulário. Os dados obtidos demonstram que, quando comparado ao GC, o GDI apresentou prejuízo significativo na memória operacional e na memória de longo prazo semântica, mas não na memória episódica. Em teste que utiliza a repetição de informações, as crianças do GDI tiveram melhor desempenho. Tal dado é importante, pois remete à ideia de que estratégias de ensino embasadas nessa abordagem podem favorecer a aprendizagem dessas crianças. Quanto ao GL, constatou-se prejuízo significativo em todos

CorrespondênciaAmanda Morão PereiraRua Padre Teixeira, 2670 – bloco Roma – apto. 153 – Vila Nery – São Carlos, SP, Brasil – CEP: 13560-210E-mail: [email protected]

Amanda Morão Pereira – Psicóloga, São Carlos, SP, Bra sil.Carolina Rabelo Araújo – Neuropsicóloga, mestre em Ciências Médicas pela FCM/UNICAMP, Campinas, SP, Brasil.Sylvia Maria Ciasca – Professora Livre-Docente do Departamento de Neurologia e Coordenadora do DISAPRE – Laboratório de Pesquisa em Distúrbios de Aprendizagem, Dificuldades de Aprendizagem e Trans-torno de Atenção – FCM/UNICAMP, Campinas, SP, Brasil.Sônia das Dores Rodrigues – Pedagoga, Psicopedagoga e Psicomotricista, Mestre e Doutora em Ciências Médi-cas pela FCM/UNICAMP, Campinas, SP, Brasil.

avaliação da memória em Crianças e adolesCentes Com CaPaCidade inteleCtual

limítrofe e defiCiÊnCia inteleCtual leve

Amanda morão Pereira; Carolina rabelo Araújo; sylvia maria Ciasca; sônia das Dores rodrigues

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os tipos de memória avaliados, quando comparado ao GC. A comparação entre o GL e o GDI demonstrou que os primeiros tiveram melhor desempenho (estatisticamente significativo) apenas na memória semântica. Diante disso, considera-se importante que se discuta a necessidade de crianças com inteligência limítrofe receberem na escola o mesmo suporte educacional especializado oferecido às crianças intelectualmente deficientes.

UNITERMOS: Memória. Aprendizagem. Inteligência. Deficiência in-telectual.

INTRODUÇÃOO aprendizado pode ser definido como a mo-

dificação de comportamentos em resposta ao meio, cuja principal característica é aquisição de informações. A base do aprendizado é composta por diversas funções cognitivas, como atenção, percepção, gnosias, memória, linguagem, pra-xia, inteligência e funções executivas, além de adequado aparato neuropsicológico. Interessa-nos, neste estudo, abordar a memória, função cogni-tiva responsável pela aquisição, formação, con-servação e evocação de informações1-3.

Existem diferentes tipos e classificações de memória. No que se refere ao tempo, esta função é normalmente dividida em memória operacio-nal, memória de curto prazo (MCP), memória de longo prazo (MLP) e memória remota1,4.

A memória operacional mantém a informa ção durante alguns segundos, no máximo poucos minutos, até que seja utilizada para solu cionar al-guma tarefa. Tem também como característica a possibilidade de atualizar as informações neces-sárias para a concretização de uma atividade, ou para realizar outra tarefa. Quatro componentes compõem a memória operacional: a alça fono-lógica, que armazena as informações auditivas; o esboço visuoespacial, que sustenta as infor-mações espaciais e visuais; o buffer episódico, que integra as informações auditivas, visuais e espaciais provenientes dos outros subsistemas; e o executivo central, que gerencia e controla o fluxo de informações e tem a capacidade de acessar a informação, manipulá-la e modificá-la5.

Quanto à MCP, esta se estende dos primeiros segundos ou minutos seguintes ao aprendizado

até 3 a 6 horas, o que representa o tempo de efeti-vação da MLP. O papel da MCP é permanecer tempo suficiente para que o indivíduo possa dar continuidade a alguma tarefa por meio de uma “cópia” momentânea da memória principal, que será gradativamente substituída pela MLP1.

A MLP armazena grande quantidade de in-formações e permanece por muitas horas, dias ou até anos e, neste ultimo caso, tem o que se denomina de memória remota4.

Quanto ao conteúdo, a memória costuma ser di vidida em declarativas, que registram fatos, eventos ou acontecimentos, e procedimentais, que estão relacionadas com procedimentos auto-máticos (motores) e com informações adquiridas por condicionamento e habituação4,6.

A memória declarativa se subdivide ainda em função do tipo de conteúdo, ou seja, denominam--se de memória episódica os eventos aos quais assistimos ou dos quais participamos e de me-mória semântica àquelas relacionadas a conhe-cimentos gerais, fatos, conceitos e vocabulário. É a memória operacional que define o que será guardado na memória declarativa ou procedi-mental e que memória deverá ser evocada em cada caso1.

A memória operacional é um forte preditor da capacidade de raciocínio, ou seja, quanto maior o nível de agregação da memória operacional, maior a capacidade de raciocínio e inteligência geral. Nesse sentido, a memória operacional tem papel essencial na realização de tarefas complexas7.

A literatura indica que o treinamento da memó-ria operacional pode melhorar a inteligência, já

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que as tarefas desse tipo de memória necessitam de processos de execução variados, intimamente associados à inteligência fluida8.

A titulo de esclarecimento, entende-se por in-teligência a capacidade mental geral, que inclui raciocínio, planejamento, resolução de proble-mas, pensamento abstrato, compreensão de ideias complexas e aprendizagem. Inteligência fluida e cristalizada são subtipos desse conceito mais amplo. Enquanto a primeira se refere às operações mentais utilizadas pelo indivíduo em tarefas novas que não podem ser executadas de forma automática, a segunda refere-se à habili-dade de aplicar definições, métodos e procedi-mentos aprendidos previamente, para lidar com situações-problema8-10.

Um dos modos de medir a inteligência é a quan tificação, o que pode ser realizado com o uso de instrumentos psicológicos variados. Dentre estes instrumentos, destaca-se a Escala Wechsler de Inteligência para crianças (WISC- IV), que utiliza a seguinte classificação em ter-mos de Quociente de Inteligência (QI): muito superior (QI de 130 ou mais), superior (QI de 120 a 129), médio superior (QI de 110 a 119), médio (QI de 90 a 109), médio inferior (QI de 80 a 89), limítrofe (QI de 70 a 79) e intelectualmente deficiente (QI abaixo de 69)11.

No presente estudo, atentamo-nos para defi-ciência intelectual e para inteligência limítrofe.

A deficiência intelectual é definida pela American Association on Mental Retardation (AAMR) como incapacidade que se caracteriza por limitações consideráveis principalmente no funcionamento intelectual e também na capaci-dade adaptativa, competências práticas, sociais e emocionais. Desenvolve-se antes dos 18 anos e resulta em prejuízos no funcionamento social do indivíduo. Aprendizagem, raciocínio e resolução de problemas são capacidades cognitivas que também são prejudicadas nesse quadro9.

A deficiência intelectual subdivide-se em leve (QI na faixa de 50 a 69), moderada (QI na faixa de 35 a 49), grave (QI na faixa de 20 a 34) e profunda (QI abaixo de 20). Na deficiência in telectual leve, ocorrem dificuldades na apren-

dizagem, porém há facilidade na adaptação; quando adultos, podem conseguir trabalhar e manter relacionamentos sociais9,12.

Indivíduos classificados com inteligência limítrofe apresentam capacidade suficiente para, com apoio, alcançar bom grau de autonomia nas atividades de vida diária. Quanto às característi-cas dessa população, destacam-se: ausência de traços físicos aparentes; defasagem entre a idade cronológica e a idade mental; carecem de inicia-tiva; tem dificuldade para generalizar mecanis-mos racionais que lhes permitam desenvolver-se com autonomia em situações cotidianas; dificul-dade na tomada de decisões e na resolução de conflitos; dificuldade para adaptar-se com êxito em situações difíceis; baixo desempenho escolar; dificuldade para estabelecer e manter relações interpessoais, bem como em organizar o tempo livre; baixa autoestima e baixa tolerância ao fra-casso e à frustração13.

Em se tratando da relação entre aprendiza-gem e memória, chama-se a atenção para a me mória operacional, pois há relatos de que dificuldade nessa habilidade pode impactar de forma negativa o aprendizado.

No caso de crianças e adolescentes com de-ficiência intelectual, estudos referem que estes apresentam estrutura de memória operacional semelhante à de indivíduos com desenvolvimen-to cognitivo dentro do esperado. Considera-se que, possivelmente isto ocorre porque tais sujei-tos se apoiam em conhecimentos armazenados na memória de longo prazo, ou nas habilidades executivas centrais, o que maximiza o seu de-sempenho nessa habilidade. Assim, quando se compara a memória operacional de deficientes intelectuais com aqueles que têm desenvolvi-mento cognitivo dentro do esperado, pode não haver diferença significativa entre ambos14.

Há estudos, no entanto, que sugerem o con-trário, ou seja, que há diferenças significativas entre os dois grupos mencionados, no que diz respeito a vários elementos da memória opera-cional. Essa diferença estaria relacionada, prin-cipalmente, ao comprometimento na alça fono-lógica, região responsável pelo armazenamento

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de informações auditivas. Nesse caso, haveria re dução da capacidade de armazenamento, e não na precisão de processamento. Supõe-se, ainda, que esse prejuízo seria fator causal na deficiência intelectual, cujos efeitos ocorrem desde o início do desenvolvimento cognitivo15,16.

Estudo comparando o desempenho de defi-cientes intelectuais e sujeitos classificados como limítrofes com crianças de grupo controle cons-tatou que somente crianças com deficiência intelectual tiveram defasagem em atividades processadas pela alça fonológica; sujeitos com inteligência limítrofe obtiveram o mesmo desem-penho que o grupo com desenvolvimento cog-nitivo dentro do esperado15.

Em relação à recuperação de informações complexas, dados sugerem que crianças e ado-lescentes com deficiência intelectual apresen tam melhor desempenho quando estas são aprendi-das de forma implícita, e não explícita, enquanto os sujeitos com desenvolvimento cognitivo den-tro da normalidade apresentam desempenho eficiente, independente da forma que são dadas as instruções17.

Diante do até então exposto, a questão que se coloca é se crianças e adolescentes com deficiên-cia intelectual leve e com inteligência limítrofe se diferenciam em termos de funcionamento nos diferentes tipos de memória. O conhecimento de tal dado é importante, pois a partir disso se pode direcionar e elaborar estratégias eficazes que possam favorecer positivamente o aprendizado de tais crianças.

Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo principal avaliar e comparar a memó-ria de crianças/adolescentes classificados como intelectualmente deficiente de grau leve e crianças/adolescentes com inteligência classifi-cada como limítrofe. Especificamente, foram avaliadas e comparadas a memória de curto prazo (imediata e operacional) e de longo prazo (episódica e semântica) de crianças com defi-ciência intelectual leve, inteligência limítrofe e com desenvolvimento cognitivo dentro da normalidade.

MÉTODOO presente estudo foi realizado no Labora-

tório de Pesquisa em Distúrbios de Aprendiza-gem, Dificuldades de Aprendizagem e Trans-torno de Atenção (DISAPRE/FCM/UNICAMP) e em duas escolas públicas dos municípios de Campinas e Limeira, após aprovação pelo Co-mitê de Ética em Pesquisa (Parecer: 923.066). Contou com a participação de 38 sujeitos, de ambos os gêneros, com idade entre 7 e 15 anos.

Os sujeitos foram divididos em três grupos: onze indivíduos no grupo experimental 1, com deficiência intelectual (GDI); 10 no grupo expe-rimental 2, com inteligência limítrofe (GL) e 17 no grupo controle, sem comprometimento cognitivo (GC).

Os sujeitos dos grupos experimentais (GDI e GL) foram avaliados no referido laboratório, enquanto que as crianças do grupo controle (GC) foram avaliados na própria escola que frequentavam. Os seguintes critérios foram defi-nidos para inclusão nos grupos experimentais: 1) os sujeitos do GDI deveriam ter QI entre 50 e 69, segundo a Escala Wechsler de Inteligên-cia para crianças (WISC-IV)9 e, assim, serem classificadas como deficientes intelectuais de grau leve; 2) os sujeitos do GL deveriam ter QI entre 70 e 79, segundo a mesma escala e, assim, serem classificadas como inteligência limítrofe; 3) Ambos os grupos (GDI e GL) não poderiam apresentar nenhuma síndrome ou patologia de base que justificasse tal quadro; 4) Os pais ou responsáveis deveriam assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), após esclarecimento sobre o teor da pesquisa; 5) As crianças/adolescentes deveriam ser informadas sobre a pesquisa e concordarem em participar da mesma, assinando o Termo de Assentimento para Menores.

Os sujeitos do grupo controle (GC) foram es-colhidos aleatoriamente em duas escolas públi-cas dos municípios de Campinas/SP e Limeira/SP, tendo sido estabelecidos como critérios de inclusão: 1) crianças/adolescentes sem alteração neurológica ou queixas de dificuldade de apren-dizagem, de acordo com seus professores; 2)

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deveriam estar regularmente matriculados na série correspondente à sua idade cronológica; 3) deveriam ter QI acima de 80, segundo a WISC- IV e, assim, serem classificadas no mínimo com inteligência dentro dos padrões de normalidade; 4) os pais ou responsáveis deveriam assinar o TCLE, após esclarecimento sobre o teor da pesquisa; 5) as crianças/adolescentes deveriam ser informadas sobre a pesquisa e concordarem em participar da mesma, assinando o Termo de Assentimento para Menores.

Para avaliação da memória foram utiliza dos os seguintes instrumentos: WISC-IV, Figura Complexa de Rey, Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey (RAVLT) e Blocos de Corsi (TBC).

A memória de curto prazo imediata foi avalia-da pelo subteste dígitos ordem direta da WISC-IV e Blocos de Corsi (ordem direta). A memória ope-racional foi avaliada pelo teste Blocos de Corsi (ordem inversa) e pelos subtestes dígitos ordem inversa e sequência de números e letras da WISC-IV. A memória de longo prazo episódica verbal foi avaliada pela evocação tardia (RAVLT – A7) e aprendizagem verbal (RAVLT – A1-A5); a memória de longo prazo episódica visual pelo teste Figura Complexa de Rey (reprodução); a memória de longo prazo semântica foi avaliada pelo subteste vocabulário da WISC-IV.

Foram realizadas duas sessões com duração de aproximadamente uma hora com cada parti-cipante para aplicação dos testes neuropsicoló-gicos citados. Após coleta de dados, os mesmos

foram analisados de forma qualitativa e quan-titativa. A análise estatística foi feita por meio de programas SAS System for Windows (versão 16.0). Foi considerado significativo valor de p igual ou menor que 0,05.

RESULTADOSDos 38 sujeitos que constituíram a presente

casuística, 23 eram do gênero masculino. A idade variou de 7 a 15 anos (média de 10 anos).

Conforme mencionado anteriormente, a WISC-IV foi o instrumento utilizado para classi-ficar as crianças dos grupos experimentais (GDI e GL) e controle. Em relação a este último, fo ram obtidas as seguintes classificações: superior (2 sujeitos), médio superior (3 sujeitos), médio (7 sujeitos) e médio inferior (5 sujeitos). Nos tópicos seguintes serão apresentados os dados relativos à comparação dos três grupos analisados, nos diferentes tipos de memória.

Desempenho e comparação dos grupos nos testes de memória operacional Nos subtestes dígitos ordem inversa e se-

quência de números e letras da WISC-IV, GDI e GL apresentaram desempenho significativa-mente inferior quando comparados ao GC. En-tretanto, não houve diferença estatisticamente significativa entre o GDI e GL nos referidos subtestes (Tabela 1).

No Teste Blocos de Corsi (ordem inversa), é possível observar que GDI e GL apresentaram

Tabela 1 – Comparação do desempenho dos grupos nos testes de memória operacional da WISC-IV – dígitos ordem inversa (DOI) e sequência de números e letras (SNL).

Grupo “mean rank” DOI Valor de “p” (*) “mean rank”

SNL Valor de “p” (*)

GDiGC

8,0018,71 0,000

8,2718,53 0,000

GLGC

7,2517,97 0,019

9,3516,74 0,000

GDiGL

10,4111,65 0,336

9,7712,35 0,636

Legenda: (*)Teste de mann-Whitney, GDi = Deficiente intelectual, GL = Limítrofe, GC = Controle.

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desempenho significativamente inferior ao GC. Porém, o mesmo não foi observado quando se com-parou o desempenho entre GDI e GL (Tabela 2).

Desempenho e comparação dos grupos nos testes de memória de curto prazo GDI e GL apresentaram desempenho signifi-

cativamente inferior, quando comparados ao GC no subteste dígitos ordem direta da WISC-IV. Na comparação entre ambos, no entanto, constatou-se que o GL teve melhor desempenho que o GDI, porém a diferença não foi estatisticamente signi-ficativa. No Teste Blocos de Corsi (ordem direta), apenas GL teve desempenho significativamente inferior ao GC; não houve diferença estatistica-mente significativa entre GDI e GL (Tabela 3).

Desempenho e comparação dos grupos nos testes de memória de longo prazoNo subteste vocabulário da WISC-IV, GDI e

GL apresentaram desempenho significativamen-te inferior quando comparado ao GC; também houve diferença estatisticamente significativa na comparação do GDI e GL, com melhor desem-penho do GL (Tabela 4).

Na avaliação da aprendizagem verbal (A1-A5 do RAVLT), observa-se que apenas GL apresen-tou desempenho significativamente inferior, quando comparado ao GC. GDI obteve resulta-dos inferiores ao GC, mas superiores ao GL, po rém, em ambos os casos, não houve diferença estatisticamente significativa. Já a avaliação da evocação tardia (A7 do RAVLT), GDI teve desem-penho inferior ao GC e superior ao GL, mas am-bos sem diferença estatisticamente significati va. GL teve desempenho significativamente infe rior, quando comparados ao GC (Tabela 5).

Na cópia da Figura Complexa de Rey, GDI e GL apresentaram desempenho inferior, estatis-ticamente significativo, quando comparados ao GC. Entre GDI e GL, GDI obteve melhores resul-tados na cópia, mas não foi significativo do ponto de vista estatístico. Em relação à reprodução da figura, apenas GL apresentou desempenho significativamente inferior, quando comparado ao GC. GDI apresentou resultados inferiores ao GC e superiores ao GL, mas essa diferença não foi estatisticamente significativa em ambos os casos (Tabela 6).

Tabela 2 – Comparação do desempenho dos grupos no Teste “Blocos de Corsi” (TBC) –

ordem inversa.

Grupo“mean rank”

TBCOrdem inversa

Valor de “p”(*)

GDiGC

9,4517,76

0,008

GLGC

8,9017,00

0,010

GDiGL

10,3611,70

0,619

Legenda: (*) Teste de mann-Whitney, GDi = Deficiente in-telectual, GL = Limítrofe, GC = Controle.

Tabela 3 – Comparação do desempenho dos grupos no subteste dígitos ordem direta (DOD) da WISC-IV e Teste Blocos de Corsi (TBC) ordem direta.

Grupo “mean rank”DOD Valor de “p” (*) “mean rank”

TBC ordem direta Valor de “p”

(*)

GDiGC

7,5519,00

0,000 11,6416,35

0,134

GLGC

7,4017,88

0,001 9,4016,71

0,020

GDiGL

10,1811,90

0,507 12,149,75

0,375

Legenda: (*) Teste de mann-Whitney, GDi = Deficiente intelectual, GL = Limítrofe, GC = Controle.

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DISCUSSÃO Indivíduos com limitação intelectual muitas

vezes são prejudicados na aprendizagem acadê-mica e, em parte, isso decorre do fato de que a escola não costuma se atentar para as defasagens e habilidades cognitivas dessa população.

A memória é uma dessas habilidades que merece atenção, já que está intimamente rela-cionada à aprendizagem. O planejamento das

atividades de ensino, então, deveria levar em con sideração o desempenho desses sujeitos nos diferentes tipos de memória.

Isso, no entanto, requer que os profissionais da educação tenham conhecimento sobre os subtipos de memória e seu funcionamento. En-tretanto, comparado a outras causas que resul-tam em dificuldade de aprendizagem, pode-se dizer que são escassos os estudos sobre funções cognitivas nessa população, principalmente no que diz respeito às crianças com inteligência limí-trofe. Tal constatação é que motivou a realização deste estudo, que teve como objetivo principal investigar memória operacional, de curto prazo e de longo prazo em crianças com quociente de inteligência abaixo dos padrões de normalidade, mais especificamente, em crianças com deficiên-cia intelectual leve e com inteligência limítrofe. Os resultados obtidos trazem informações inte-ressantes que serão a seguir relatadas.

Em relação à memória operacional, consta-tou-se que os grupos experimentais (GDI e GL)

Tabela 4 – Comparação do desempenho dos grupos no subteste vocabulário da WISC-IV.

Grupo “mean rank” Valor de “p” (*)

GDiGC

7,0519,32

0,000

GLGC

8,6017,18

0,006

GDiGL

8,0014,30

0,01

Legenda: (*)Teste de Mann-Whitney, GDI = Deficiente In-telectual, GL = Limítrofe, GC = Controle.

Tabela 5 – Comparação do desempenho dos grupos no RAVLT – A1-A5 e RAVLT – A7.

Grupo “mean rank”A1-A5 Valor de “p” (*) “mean rank”

A7 Valor de “p” (*)

GDiGC

11,3616,53

0,104 12,9115,53

0,405

GLGC

9,2016,82

0,016 9,1016,88

0,013

GDiGL

11,7310,20

0,573 12,009,90

0,431

Legenda: (*) Teste de Mann-Whitney, GDI = Deficiente Intelectual, GL = Limítrofe, GC = Controle.

Tabela 6 – Comparação do desempenho dos grupos no teste Figura Complexa de Rey.

Grupo “mean rank”Cópia Valor de “p” (*) “mean rank”

Reprodução Valor de “p” (*)

GDiGC

10,5917,03

0,036 11,0916,71

0,071

GLGC

8,0017,53

0,002 9,0516,91

0,010

GDiGL

11,6410,30

0,509 12,099,80

0,333

Legenda: (*)Teste de mann-Whitney, GDi = Deficiente intelectual, GL = Limítrofe, GC = Controle.

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tiveram pior desempenho (estatisticamente sig-nificativo) que o controle (GC) nos testes que avaliam processamento de informações auditi-vas (avaliado por meio dos subtestes de dígitos ordem inversa e sequência de números e letras da WISC-IV). A hipótese que se levanta é que tal fato está relacionado à menor capacidade de armazenamento da alça fonológica, um dos com-ponentes da memória operacional responsável pelo armazenamento de informações auditivas.

A literatura a respeito dessa temática é con-troversa, pois trazem dados divergentes. En-contram-se dados que sugerem não haver dife-renças estruturais na memória operacional de deficientes intelectuais quando comparados a grupo controle, pelo menos no que diz respeito à alça fonológica, esboço visuoespacial e exe-cutivo central14. Por outro lado, outros estudos de monstram o contrário.

Alloway18, por exemplo, avaliou e comparou o desempenho da memória operacional de defi-cientes intelectuais (grau leve), limítrofes e grupo sem comprometimento cognitivo. Os dados ob-tidos demonstraram déficit específico na capa-cidade de armazenamento da alça fonológica em crianças com deficiência intelectual leve. Entretanto, diferente do nosso estudo, não foi encontrada diferença significativa no grupo de crianças com inteligência limítrofe.

Brankaer et al.16 também investigaram o de-sempenho na memória operacional de crianças deficientes intelectuais e grupo controle e en-contraram alteração não só no processamento da alça fonológica, mas também em outros dois componentes da memória operacional, ou seja, no esboço visuoespacial e executivo central. Sugere-se, ainda, que tais alterações seriam pro-porcionais ao grau de deficiência intelectual.

Nesse estudo depreendeu-se que os sujeitos dos grupos experimentais tiveram prejuízo no esboço visuoespacial, uma vez que foram encon-tradas alterações no processamento de infor-mações visuoespaciais, como confirmado por outros autores15,16.

No que se refere ao grau de comprometimen-to cognitivo, há relato de que sujeitos limítrofes

também apresentam prejuízo na memória opera-cional, quando comparado a controle, tanto em relação ao domínio verbal, quanto visuoespacial. Quanto aos deficientes intelectuais, sugere-se que, quanto maior o prejuízo cognitivo, menor a sua capacidade de memória operacional, o que justificaria o desempenho inferior desse grupo em tais testes16,18.

Vale ressaltar que, no nosso estudo, os defi-cientes intelectuais tiveram pior desempenho que os limítrofes, no entanto, a comparação entre ambos não foi estatisticamente significativa.

No que se refere à memória de curto prazo, verificou-se que, nas tarefas que envolvem in-formações auditivas, o desempenho dos nossos grupos experimentais (GDI e GL) foi significa-tivamente inferior ao grupo controle.

Uma possível explicação para esse fato é en-contrada na literatura, quando menciona que a memória operacional seria o melhor preditor de habilidades intelectuais para tarefas de memó-ria de curto prazo. Logo, prejuízo na memória operacional resultaria em prejuízos também nas tarefas de memória de curto prazo, em relação à capacidade de armazenamento das informa-ções auditivas. Há relato também de que o pre-juízo dos deficientes intelectuais não estaria relacionado somente à redução na capacidade de armazenamento, mas também à lentidão no processamento da informação7,19.

Interessante mencionar que neste estudo uma situação diferente aconteceu nas tarefas que avaliam aprendizagem verbal, que envolve informações auditivas com repetição. Embora o grupo de deficientes intelectuais tenha obtido resultados inferiores, a diferença não foi esta-tisticamente significativa. A hipótese que se levanta, a partir de dados fornecidos pela litera-tura19, é que tais sujeitos teriam capacidade para aprender, entretanto, diferentemente daqueles que não possuem comprometimento cognitivo, estes necessitariam de mais tempo e do uso de repetições do conteúdo para o favorecimento da memorização. Quanto maior o comprometimen-to, maior seria a necessidade de repetições. Isso demonstra que estratégias de ensino envolvendo

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repetições seriam mais eficazes para o aprendi-zado desses indivíduos.

No que se refere ao desempenho no teste Blocos de Corsi, que avalia memória de curto prazo com informações visuoespaciais, não foi encontrada diferença significativa, quando se comparou o desempenho dos grupos experi-mentais (GDI e GL) em relação ao controle (GC). Uma possível explicação para tal fato é que esse tipo de memória envolve um sistema baseado em coordenadas visuoespaciais e um sistema cinestésico, que armazena séries de movimentos, além de componentes motores20, o que pode ter favorecido os referidos grupos a obterem melhor desempenho.

Além disso, tanto a codificação, como o arma-zenamento das sequências espaciais a serem exe-cutadas pelo examinando, estariam envolvidos com o sistema executivo central, além do esboço visuoespacial. A simetria utilizada na realização das sequências espaciais poderia ser uma contri-buição da memória de longo prazo, integrada à informação da memória visuoespacial21,22.

Apesar do desempenho no teste Blocos de Corsi ser favorecido por componentes visuoes-paciais, ocorreu diferença em relação ao desem-penho na ordem direta e inversa, o que pode ser justificado pelo prejuízo na memória operacional.

O pior desempenho, significativo estatistica-mente, na memória de longo prazo semântica no GDI e GL, quando comparados ao GC, pode ser justificado pela capacidade de armazenamento limitada desses indivíduos, que dificulta aquisi-ção de vocabulário. Dessa forma, a dificuldade na linguagem também teria influência no pior desempenho desse teste. A literatura indica15 que nos sujeitos com limitação intelectual o processo para adquirir o conhecimento é lento, assim, menos conteúdo é inserido e processado, consequentemente, diminuindo o volume de informações na memória de longo prazo.

Já os resultados obtidos na memória epi-sódica (evocação tardia) demonstraram que o GDI teve pior desempenho, mas este não foi estatisticamente significativo. Isso pode ser in-dicativo de que tais indivíduos se apoiam mais

em conhecimentos armazenados na memória de longo prazo para compensar seus prejuí-zos na memória operacional. Tal estratégia foi observada nos deficientes intelectuais, que se lembraram mais facilmente das primeiras pala-vras (efeito de primazia), que é proveniente da recuperação da memória de longo prazo. Houve ainda sujeitos do GDI que se lembraram com mais facilidade das últimas palavras (efeito de recência), o que pode indicar tanto limitação maior na capacidade de armazenamento, como ausência de revisão. Porém, em relação ao gru-po experimental de limítrofes, a diferença de desempenho foi significativa, o que demonstra que a memória de longo prazo episódica desse grupo apresenta prejuízos14,23,24.

O mesmo aconteceu no teste da Figura Complexa de Rey, que também avalia memória de longo prazo episódica. Ambos os grupos experimentais (GDI e GL) tiveram pior desem-penho (estatisticamente significativo) quando comparados ao controle na cópia de figura; im-portante destacar que certo nível de dificuldade foi também observado no GC, possivelmente, isso se deve ao fato de que nesta atividade são exigidos também planejamento e habilidade motora. Os sujeitos com limitação cognitiva, neste caso, têm pior desempenho. No que se refere ao subteste de reprodução da Figura Complexa de Rey, apenas os limítrofes tiveram desempenho significativamente inferior ao con-trole. Destaca-se que a literatura é escassa, em se tratando desse instrumento de avaliação em crianças e adolescentes. São mais frequentes os estudos que o utilizam para avaliar memória de longo prazo em idosos que tenham sofrido lesões cerebrais.

A escassez de literatura sobre as habilidades cognitivas, especificamente a memória, de sujei-tos com inteligência limítrofe, demonstra maior necessidade de estudos nesse contexto.

CONCLUSÃODe acordo com os dados obtidos neste estu-

do, conclui-se que crianças e adolescentes com

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deficiência intelectual apresentam pior desem-penho nas habilidades de memória operacional auditiva e visuoespacial, memória de curto prazo auditiva e na memória de longo prazo semântica, quando comparados a crianças com desempenho cognitivo global preservado. Na memória de longo prazo episódica, no entanto, o desempe-nho, apesar de inferior, não foi estatisticamente significativo; em relação à aprendizagem verbal, este dado pode ser útil, pois aponta o benefício do uso dessa habilidade no desenvolvimento de métodos de aprendizagem na população de deficientes intelectuais.

Finalizando, ressalta-se que o grupo de su-jeitos com inteligência limítrofe teve desempe-nho significativamente inferior ao controle na memória operacional auditiva e visuoespacial, memória de curto prazo auditiva e visuoespacial

e memória de longo prazo episódica e semântica. Quando comparados aos deficientes intelec tuais, os limítrofes apresentaram diferença significati-va apenas na memória semântica, com melhor desempenho que os deficientes intelectuais de grau leve. Com isso, sugere-se que discussões amplas sejam realizadas no contexto escolar, principalmente, no sentido de se avaliar a ne-cessidade de crianças com inteligência limítrofe receberem na escola o mesmo suporte educacio-nal oferecido às crianças com deficiência inte-lectual. Além disso, sugere-se que seja realizada a análise pormenorizada dos diferentes tipos de memória das crianças que apresentem qualquer nível de comprometimento cognitivo (limítrofe e deficiente intelectual), a fim de que sejam pla-nejadas estratégias adequadas de ensino e de intervenção.

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SUMMARYMemory evaluation in children and adolescents with

limitrophe intellectual capacity and mild intellectual disability

This study aimed to evaluate and compare the memory of children and adolescents classified as intellectually disabled (mild degree), limitrophe intelligence and with no intellectual impairment. Particularly the operational memory, the short-term immediate memory and long-term memory (episodic and semantic) were subjected to analysis in the three aforementioned groups. Thirty-eight subjects participated in this study divided in three groups, all of which were composed by children with intelligence quotient of normality: intellectually disabled of mild (GDI), limitrophe (GL) and control degree (GC). In order to evaluate the different types of memory the Rey Complex Figure, the Rey Auditory-Verbal Learning Test (RAVLT), the Corsi Block Test (TBC) and the WISC-IV digits, sequence of numbers and letters, and vocabulary subtests were performed. The obtained data shows that when compared to GC, the GDI presented meaningful loss in the operational and in the long-term semantic memory, but not in the episodic memory. With tests that use information repetition, children with GDI had better performance. Such data is important because refers to the idea that tea-ching strategies based on this approach may favor these children learning. As for the GL, a meaningful loss in all the types of evaluated memory was noticed, when compared to the GC. The comparison between GL and GDI presented that the firsts had better performance (statistically meaningful) only in the semantic memory. Accordingly, the debate regarding the need of children with limitrophe intelligence receiving at school the same specialized educational support offered to children intellectually disabled is considered important.

KEY WORDS: Memory. Learning. Intelligence. Intellectual disability.

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Trabalho realizado no Laboratório de Pesquisa em Distúrbios de Aprendizagem, Dificuldades de Apren-dizagem e Transtorno de Atenção (DISAPRE) do Hos-pital de Clínicas da Unicamp, Campinas, SP, Brasil.

Artigo recebido: 28/9/2015Aprovado: 3/11/2015

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ArTiGo oriGiNAL

RESUMO – O Ages & Stages Questionnaires 3ª Edição, na tradução para o português-BR (ASQ3-BR), é um teste de rastreamento usado para avaliar o desenvolvimento de crianças na idade pré-escolar (8 a 60 meses), tendo sido utilizado pela Secretaria de Educação da Prefeitura do Rio de Janeiro como instrumento para avaliar a qualidade do atendimento em creches municipais. No presente estudo, foram analisados os resultados obtidos nos testes aplicados entre 2010 e 2012, para 124.292 crianças de 468 creches públicas do município do Rio de Janeiro, avaliando a consistência interna dos resultados para os 6 itens de cada um dos 5 domínios do ASQ3-BR, para cada uma das 16 faixas etárias estabelecida pelo instrumento. Embora o ASQ3-BR tenha sido resultado de uma retrotradução, bem como tenha recebido adaptações culturais para assegurar a adaptação do teste para a cultura brasileira, os coeficientes de “Alfa de Cronbach” abaixo de 0,7, bem como a “Correlação Item-Total” abaixo de 0,3, identificam itens relevantes para serem analisados e discutidos. Os resultados constataram que, embora o ASQ3-BR seja um bom instrumento para avaliação do desenvolvimento de crianças na pré-escola, quando na sua aplicação em ambiente de creches, pode ter fidedignidade aumentada por algumas adaptações em função dos procedimentos operacionais específicos dessas creches.

UNITERMOS: Desenvolvimento infantil. Psicometria. Pré-escolar. Questionários.

CorrespondênciaLuis Filipe F. A. TavaresRua Humaitá, 12 – apt. 303 – Rio de Janeiro, RJ, Brasil – CEP 22261-001E-mail: [email protected]

Luis Filipe F. A. Tavares – Mestrando em Psicologia Clínica da PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.Daniel C. Mograbi – Doutor em Neurociências e Psi-cologia, Professor assistente, Departamento de Psi-cologia, PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.Jesus Landeira-Fernandez – Doutor em Neurociências e Comportamento, Bolsista de Produtividade em Pes -quisa do CNPq - Nível 1B - CAPS - Psicologia e Serviço Social, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

análise de itens da versão Brasileira do Ages And stAges QuestionnAires

Para CreChes PúBliCas da Cidade do rio de Janeiro

Luis Filipe F.A. Tavares; Daniel C. mograbi; Jesus Landeira-Fernandez

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INTRODUÇÃOAs transformações da criança na fase da pri-

meira infância, ou seja, os primeiros 6 anos de vida, excedem tanto em velocidade quanto em amplitude qualquer outra fase da vida. Durante a primeira infância ocorrem o crescimento físico, o amadurecimento do cérebro, a aquisição dos movimentos, o desenvolvimento da capacidade de aprendizado, a iniciação social e afetiva, entre outros, e cada um desses aspectos é interligado com os demais e influenciado pela realidade na qual a criança vive1-3.

O desenvolvimento infantil sempre foi um foco de pesquisa das Ciências da Educação e da Saúde. Contribuições importantes foram dadas pela Pedagogia, Psicologia, Pediatria e Neuro-ciências, campos do conhecimento que produ-zem as principais teorias do desenvolvimento.

Jean Piaget4 delimitou saltos no desenvol-vimento infantil baseados em comportamentos motores e sociais emanados pela criança. Já Arnold Gesell5 procurou detalhar a fase pré-es-colar considerando os domínios da linguagem, do desenvolvimento motor, desenvolvimento adaptativo e desenvolvimento pessoal-social de crianças desde o nascimento até os 5 anos. De acordo com Gesell6, embora esses domínios com-preendam a maioria dos padrões visíveis de com-portamento da criança, eles não se apresentam em compartimentos separados. A criança reage sempre como por inteiro. Essa classificação por domínios é, portanto, apenas uma conveniência para facilitar sua observação e análise, entretan-to é importante que se avalie também a interação psicológica de um determinado comportamento.

Instrumentos que se proponham a avaliar o desenvolvimento da primeira infância de modo rápido e econômico são raros. Outrossim, a de-tecção de problemas no desenvolvimento global de crianças em idade pré-escolar tornou-se uma questão cada vez mais difícil de avaliar, visto que os profissionais responsáveis por seu diag-nóstico, os pediatras, não conseguem vislumbrar problemas de desenvolvimento infantil em 60% a 80% dos casos7,8. A justificativa pode se dar tanto por conta do pouco tempo que a criança

passa em média com o profissional durante a consulta, quanto pela ausência de instrumentos específicos para a avaliação global do desen-volvimento infantil. Sendo que as pessoas mais indicadas a fazer o acompanhamento e a triagem de crianças com potenciais déficits são aquelas que convivem diariamente com as crianças, isto é, pais, cuidadores e educadores.

Em 1980, os pesquisadores Diane Bricker, Jane Squires e Linda Mounts, da Universidade do Oregon (Estados Unidos), criaram o Infant/Child Monitoring Questionnaires (IFMQ: Ques-tionário de Monitoramento Infantil/da Criança), com o objetivo de rastrear e acompanhar o de-senvolvimento em crianças de 4 meses a 5 anos de idade por meio daqueles que convivem com o bebê ou a criança, possibilitando monitorar o seu desenvolvimento e identificar potenciais problemas. Em 1995, o IFMQ foi revisado ge-rando o Ages e Stages Questionnaires (ASQ), tendo sua última versão em 2009 designada como ASQ37, sendo considerado um instrumento confiável e preciso para identificação de crian-ças com possível atraso e que necessitariam de receber outra avaliação complementar de maior profundidade9.

Hoje, o ASQ3 é utilizado por diversos paí-ses, como Estados Unidos, França, Espanha, Dinamarca, Noruega, Quênia, Zâmbia, China e Coréia. Há, ainda, uma recomendação da Aca-demia Norte-Americana de Pediatria (American Academy of Pediatrics) para o uso do ASQ3 como parte da avaliação de bebês e crianças durante a anamnese, juntamente com os pais ou responsá-veis, para vislumbrar a possibilidade de déficits em seu desenvolvimento10.

O ASQ3-BR foi selecionado pela Secretaria de Educação do município do Rio de Janeiro como uma ferramenta de rastreio para avaliar a qualidade do atendimento pelas creches para crianças de 8 a 60 meses, numa versão ajustada da versão original inglesa, mas ainda sem uma validação para as características socioculturais da população atendida.

O objetivo do presente trabalho foi o de ve-rificar, por meio de uma análise estatística dos

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resultados obtidos entre os anos de 2010 e 2012, em ambiente de creche pública, como os itens do instrumento apresentaram suas propriedades psicométricas para avaliação dos 5 constructos que o compõem, e como poderiam ser aperfei-çoados para esse tipo de aplicação.

MÉTODOParticipantes O presente estudo considerou os resultados

do ASQ3-BR aplicado entre 2010 e 2012 para crianças na faixa etária de 10 a 60 meses, nas creches públicas do Rio de Janeiro. O objetivo inicial desta aplicação, definido pela Secretaria Municipal de Educação, foi de estabelecer um sistema de indicadores de resultados alcançados, permitindo monitorar e avaliar o desenvolvimen-to infantil relacionado com a qualidade e eficácia

dos serviços oferecidos, além promover a melho-ria na qualidade e a organização das atividades e rotinas diárias das creches.

Os resultados de 8 meses não foram considera-dos devido ao reduzido número de participantes.

A população avaliada foi distribuída confor-me pode ser observado na Tabela 1.

InstrumentoAs características psicométricas do ASQ3 po-

dem ser avaliadas por meio de três parâmetros: a primeira se refere à validade do instrumento. De acordo com estudos de Squires, a validade para o ASQ3 foi estabelecida comparando os resultados dos testes com o teste Battelle Developmental Inventory (BDI)12. Estudos desenvolvidos por Squires et al.13 apresentaram correlação alta entre a ASQ3 e a BDI através das faixas etárias

Tabela 1 – Distribuição por idade e gênero nos 3 anos do estudo.

Faixa etária

Total 2010 2011 2012

Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem

10 135 129 87 91 30 27 18 11

12 272 258 167 169 59 50 46 39

14 594 606 280 281 75 78 239 247

16 717 655 86 86 226 205 405 364

18 1410 1294 456 456 420 365 534 473

20 1565 1460 506 439 498 447 561 574

22 1416 1273 384 382 506 417 526 474

24 2066 1865 622 539 702 610 742 716

27 3306 2904 995 832 1059 945 1252 1127

30 3799 3463 1164 1078 1066 1032 1569 1353

33 4443 4060 1565 1502 1295 1162 1583 1396

36 7170 6690 2564 2414 1882 1714 2724 2562

42 11258 10400 4360 4008 2953 2724 3945 3668

48 10317 9568 4069 3909 2616 2436 3632 3223

54 8457 8082 3683 3404 3270 3257 1504 1421

60 7403 7257 21 21 7382 7234 0 2

64.328 59.964 21.009 19.611 24.039 22.703 19.280 17.650

51,8% 48,2% 51,7% 48,3% 51,4% 48,6% 52,2% 47,8%

124.292 40.620 46.742 36.930

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e áreas de desenvolvimento, variando de 82,6% a 88,9%.

O segundo parâmetro se refere à Fidedig-nidade. Estudos realizados por Squires et al.14 consideraram a fidedignidade de teste-reteste, comparando-se os resultados de pais que com-pletaram dois questionários sobre seu filho dentro de um intervalo de duas semanas. Os resultados apresentaram 92% de concordância dos 2 testes, considerando crianças com desen-volvimento típico ou não. A fidedignidade in-ter-avaliadores foi analisada comparando-se os resultados das avaliações do pai com os de um examinador treinado para a mesma criança. Os resultados obtidos foram de 93% de concordân-cia. Já as correlações intraclasse considerando os 5 domínios e as diferentes idades resultaram em valores de 0,43 a 0,69, sendo o mais forte o domínio da Comunicação e o mais fraco para o domínio Pessoal-Social13. Outrossim, a consis-tência interna corresponde a como o indicador é capaz de apresentar resultados semelhantes para o mesmo constructo. Nos estudos de Squires et al.14, foi realizada correlação de Pearson entre o domínio específico e o resultado geral, bem como calculado o alfa de Cronbach. Os resultados da correlação de Pearson variaram de 0,60 a 0,85, exceto para o domínio Motora Ampla, com 2 resultados abaixo de 0,60, e os resultados para o alfa de Cronbach se mantiveram na faixa de moderada a alta, variando de 0,51 a 0,8714.

Finalmente, quanto maior for a sensibilidade e especificidade de uma dada medida, maior será a precisão da medida. O ASQ3 apresentou nos estudos desenvolvidos por Squires et al.14, níveis moderados de sensibilidade (82,5-89,2%) e especificidade (77,9-92,1%)13.

Considerando que o ASQ3 foi originalmente desenvolvido para a língua inglesa e cultura americana, para aplicação do ASQ3 nas cre-ches do Rio de Janeiro foi necessária não só a tradução para o português brasileiro, bem como a adequação à cultura brasileira, de forma a conseguir ser entendido pelas responsáveis pela aplicação do teste, mas que também mantivesse a capacidade de medir o constructo original. O

primeiro passo foi utilizar o procedimento de retrotradução como parte da metodologia. Três tradutores bilíngues diferentes fizeram a versão do ASQ3 para o português/brasileiro. Em segui-da, um estudo piloto foi feito para determinar problemas de compreensão e entendimento dos itens com 120 professores e agentes auxiliares de creche, resultando em adaptações culturais para melhor entendimento do ASQ3-BR7.

ProcedimentoPara a aplicação do instrumento, na primei-

ra rodada em 2010, os diretores das creches públicas foram convidados a participarem de uma reunião de treinamento do ASQ3-BR, com duração de 8 horas, previamente agendada pela Secretaria de Educação da cidade do Rio de Janeiro. Cada reunião teve aproximadamente 30 diretores de creches e os 20 questionários ASQ3-BR foram apresentados no que consistiam, critérios de avaliação e procedimentos de preen-chimento e registro. Cada diretor ficou respon-sável por levar os instrumentos necessários para serem aplicados em suas respectivas creches. Cada diretor ficou também responsável pelo treinamento das cuidadoras, que, por sua vez, foi responsável pela administração do ASQ3-BR para as crianças em suas salas de aula. Em se-guida, as cuidadoras ou diretores tabularam os dados de cada criança de sua respetiva creche em um banco de dados. Nas rodadas de 2011 e 2012, foram realizadas apenas reuniões de atualização entre os diretores e as cuidadoras7.

Análise estatísticaOs dados coletados pela Secretaria Munici-

pal de Ensino do Rio de Janeiro foram dispo-nibilizados para o Departamento de Psicologia da PUC-Rio em base ACCESS (2010 e 2011) e Excel (2102).

Foi feita inicialmente uma análise de consis-tência, verificando a correção de gênero, idade, e digitação dos resultados do ASQ3-BR, que originalmente foram pontuados, para cada item, como 1 = sim, 2 = às vezes e 3 = ainda não, bem como dados faltantes que foram digitados

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como 9. Participantes que foram identificados com alguma discrepância foram removidos da população em estudo, tendo alcançado 4% em 2010, 10% em 2011 e 6% em 2012, estando dis-tribuídos uniformemente entre todas as faixas etárias do estudo. Posteriormente, os valores 1, 2 e 3 do questionário foram substituídos pelos valores de classificação correspondentes de 10, 5 e 0, respectivamente.

Os resultados dos testes aplicados entre os anos de 2010 e 2012 foram analisados estatisti-camente no sentido de se observar sua consis-tência e representatividade das questões ou itens utilizados nos domínios mencionados. Para tan to, foram analisados os resultados do Alfa de Cronbach para cada faixa etária e cada domínio, ressaltando os resultados com valores abaixo de 0,70. Complementarmente, para os resultados significativos do Alfa como mencionado, foi feita uma análise de correlação item-total para cada uma das questões ou itens em cada domínio. Foi

feita uma análise semântica para as questões que apresentaram correlações abaixo de 0,3.

A ferramenta utilizada para realização dos cálculos estatísticos foi o SPSS 22.0.

Aspectos éticosOs dados utilizados foram fornecidos pela

Secretaria de Educação do Município do Rio de Janeiro, e foram trabalhados estatisticamente, selecionando apenas as faixas etárias estabe-lecidos pelo instrumento ASQ3-BR. Nenhuma relação com as creches ou indivíduos foi objeto de estudo pelo presente trabalho. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica - Rio.

RESULTADOSAnálise dos itens para o domínio comunicação Os resultados da análise de consistência

interna para o domínio comunicação podem ser observados na Tabela 2, sendo que, conside-

Tabela 2 – Dados normativos e consistência interna do domínio comunicação.

Idade meses

Score 2010/2011/2012Alfa

Cronbach

Correlação item-total

Total Masc Fem Item 1

Item 2

Item 3

Item 4

Item 5

Item 6Média dp Média dp Média dp

10 34,6 16,0 31,7 16,5 38,3 14,6 0,70 0,47 0,50 0,55 0,38 0,26 0,46

12 38,7 15,4 38,4 14,7 38,9 16,0 0,72 0,41 0,40 0,49 0,48 0,49 0,48

14 37,0 15,2 35,9 15,2 38,1 15,2 0,71 0,53 0,49 0,43 0,28 0,52 0,43

16 34,0 13,8 33,4 14,9 34,6 1,4 0,74 0,23 0,64 0,35 0,42 0,60 0,58

18 35,6 15,5 34,7 15,2 36,6 15,6 0,75 0,27 0,35 0,61 0,66 0,45 0,63

20 38,2 18,0 36,2 18,0 40,3 17,7 0,82 0,71 0,67 0,47 0,70 0,26 0,67

22 40,3 16,8 39,0 17,0 41,8 16,4 0,79 0,60 0,25 0,48 0,63 0,61 0,71

24 48,2 15,4 47,0 15,7 49,6 14,9 0,82 0,52 0,72 0,30 0,71 0,71 0,61

27 51,1 12,3 49,9 13,0 52,5 11,3 0,74 0,29 0,59 0,47 0,60 0,58 0,43

30 52,0 11,5 50,7 12,4 53,5 10,3 0,73 0,56 0,31 0,45 0,60 0,39 0,60

33 51,6 11,7 50,5 12,5 52,8 10,6 0,70 0,36 0,54 0,37 0,57 0,37 0,41

36 49,8 10,3 49,0 10,9 50,7 9,6 0,60 0,30 0,42 0,34 0,49 0,35 0,28

42 49,4 11,2 48,6 11,7 50,4 10,6 0,62 0,33 0,41 0,31 0,33 0,40 0,45

48 51,7 11,4 50,9 12,0 52,5 10,7 0,75 0,48 0,44 0,54 0,54 0,37 0,56

54 52,9 10,7 52,1 11,3 53,6 10,0 0,75 0,49 0,60 0,55 0,32 0,52 0,48

60 48,8 11,1 47,7 11,7 50,0 10,3 0,63 0,37 0,37 0,38 0,37 0,36 0,42Dados Normativos: média, desvio padrão, consistência interna: alfa Cronbach e correlação item-total.

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asq3-Br: análise de itens

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rando-se o alfa de Cronbach menor que 0,7, verificou-se que as faixas de 36, 42 e 60 meses se apresentam como relevantes. Complemen-tarmente, analisando a correlação item-total dessas faixas, observa-se uma reincidência de valores mínimos para o item 6 em 36 meses (0,28) que correspondem à mesma frase ‘Quando você pergunta: Qual é o seu nome completo? A criança diz seu nome e sobrenome?’ Essa mesma questão corresponde ao item 4 da faixa etária de 42 meses (0,33).

Outrossim, embora o alfa tenha permanecido acima de 0,7, observa-se a correlação item-total baixo para as questões 4 da faixa de 14 meses (0,28) e a questão 1 da faixa de 16 meses (0,23) com a frase “O bebê/criança aponta, toca ou tenta pegar as figuras de um livro?” A disponibilidade de livros adequados para essa idade, bem como a observação sistemática dessa interação, pode afetar a avaliação desse constructo.

Observa-se, também, correlação item-total abaixo da linha de corte, para as questões 5 da

faixa etária de 20 meses (0,26) e a questão 1 da faixa de 27 meses (0,29) com a frase: “Sem que você dê dicas à criança, apontando ou usando gestos, ela atende pelo menos três dos comandos abaixo: a) Ponha o brinquedo na mesa; b) Feche a porta; c) Pegue a bola para mim; d) Ache sua mochila; e) Pegue minha mão; f) Pegue um livro”.

Análise dos itens para o domínio coordenação motora amplaOs resultados da análise de consistência in-

terna para o domínio coordenação motora ampla podem ser observados na Tabela 3. Considerando--se o alfa de Cronbach menor que 0,7, verifica-se que, na faixa de 24 meses, a questão 1 com corre-lação item-total de 0,26, que tem como pergunta: “A criança desce escadas se você segurar uma das mãos dela?”, apresenta uma condição em comum com as questões 3 da faixa de 36 meses (0,27) e a questão 1 da faixa etária de 42 meses (0,25), que questionam: “A criança sobe as esca-das colo cando apenas um pé em cada degrau?”,

Tabela 3 – Dados normativos e consistência interna para coordenação motora ampla.

Idade meses

Score 2010/2011/2012Alfa

Cronbach

Correlação item-total

Total Masc Fem Item 1

Item 2

Item 3

Item 4

Item 5

Item 6Média dp Média dp Média dp

10 44,2 14,8 45,1 14,5 43,1 15,1 0,74 0,28 0,23 0,55 0,64 0,69 0,50

12 46,2 15,5 46,5 15,9 45,9 15,1 0,80 0,44 0,52 0,57 0,53 0,70 0,59

14 52,2 13,6 52,2 13,4 52,1 13,8 0,84 0,52 0,61 0,83 0,39 0,77 0,82

16 55,3 9,4 55,6 9,2 54,9 9,6 0,76 0,55 0,52 0,60 0,56 0,55 0,52

18 56,5 7,2 56,9 7,0 56,2 7,3 0,64 0,39 0,32 0,45 0,39 0,37 0,46

20 55,0 8,7 55,1 8,6 54,9 8,8 0,67 0,32 0,48 0,40 0,40 0,48 0,46

22 52,5 10,1 53,2 9,4 51,7 10,8 0,65 0,44 0,44 0,31 0,35 0,42 0,48

24 54,7 8,6 55,1 8,1 54,2 9,0 0,62 0,26 0,43 0,34 0,37 0,42 0,47

27 54,4 9,3 54,7 9,0 54,0 9,5 0,67 0,33 0,37 0,56 0,36 0,55 0,35

30 55,2 8,4 55,4 8,2 55,1 8,6 0,64 0,37 0,33 0,37 0,49 0,36 0,41

33 55,4 8,4 55,7 8,2 55,2 8,6 0,65 0,34 0,38 0,47 0,30 0,44 0,39

36 56,4 7,7 56,6 7,5 56,2 8,0 0,67 0,32 0,50 0,27 0,44 0,37 0,51

42 56,5 7,0 56,5 7,0 56,5 7,1 0,60 0,25 0,38 0,35 0,43 0,39 0,24

48 55,8 8,0 55,9 8,0 55,8 8,0 0,66 0,39 0,20 0,36 0,47 0,46 0,49

54 54,7 9,1 54,5 9,2 54,9 8,9 0,69 0,44 0,37 0,46 0,43 0,48 0,43

60 52,9 10,2 52,6 10,4 53,1 10,0 0,72 0,31 0,44 0,49 0,50 0,56 0,48Dados Normativos: média, desvio padrão, consistência interna: alfa Cronbach e correlação item-total.

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que também se repete na questão 6 da faixa de 42 meses (0,24) “A criança sobe os degraus de um escorregados e escorrega sem ajuda”.

Análise dos itens para o domínio coordenação motora finaOs resultados da análise de consistência in-

terna para o domínio coordenação motora fina podem ser observados na Tabela 4. Embora tenham sido identificados alguns resultados do alfa de Cronbach abaixo de 0,7 com correlações item-total abaixo de 0,3, apenas a questão 4 da faixa etária de 22 meses e a questão 6 da faixa etária de 30 meses, ambas com correlação item--total de 0,29, apresentaram conteúdo similar “A criança vira as páginas de um livro...”.

Análise dos itens para o domínio resolução de problemasOs resultados da análise de consistência

interna para o domínio resolução de problemas

podem ser observados na Tabela 5, apresentando resultados de alfa de Cronbach abaixo de 0,7 de forma generalizada, ressaltando com os menores valores as faixas de 20 e 27 meses (0,58).

Na faixa de 20 meses, pode-se notar o item 2, relativo à questão “Depois de ver você desenhar uma linha em uma folha de papel com um giz de cera (ou lápis ou caneta), a criança imita você desenhando uma única linha em qualquer dire-ção? (Marque “ainda não” se a criança rabisca em várias direções)”, que apresentou correlação item-total de 0,27. Essa mesma questão é apre-sentada como item 4 para a faixa de 22 meses (0,29) e o item 5 para a faixa de 18 meses (0,29).

Outrossim, ainda para a faixa de 20 meses, observa-se o item 3 relativo à questão “Se você fizer algum dos seguintes gestos, a criança imita pelo menos um deles? A) Abrir e fechar a boca; B) Piscar os olhos; C) Colocar a mão na cabeça; D) Mandar Beijo”, que apresentou uma corre-lação item-total de 0,16. Essa mesma questão é repetida no domínio Pessoal/Social para o item

Tabela 4 – Dados normativos e consistência interna para coordenação motora fina.

Idade meses

Score 2010/2011/2012Alfa

Cronbach

Correlação item-total

Total Masc Fem Item 1

Item 2

Item 3

Item 4

Item 5

Item 6Média dp Média dp Média dp

10 43,3 15,5 42,7 15,4 44,1 15,6 0,77 0,25 0,47 0,55 0,58 0,65 0,55

12 41,3 15,1 42,0 15,3 40,5 14,8 0,72 0,44 0,43 0,50 0,47 0,45 0,43

14 41,7 15,0 41,7 14,8 41,7 15,1 0,70 0,26 0,40 0,43 0,59 0,36 0,56

16 48,3 13,1 48,2 13,1 48,5 13,0 0,71 0,47 0,32 0,59 0,54 0,32 0,46

18 48,3 12,6 48,2 12,6 48,3 12,6 0,68 0,33 0,61 0,37 0,57 0,33 0,34

20 46,2 12,8 45,4 12,9 47,1 12,6 0,65 0,29 0,52 0,31 0,37 0,48 0,37

22 46,3 11,6 46,4 11,5 46,3 11,7 0,61 0,32 0,42 0,42 0,29 0,30 0,37

24 48,4 11,1 48,0 11,1 48,8 11,0 0,62 0,28 0,33 0,44 0,32 0,45 0,41

27 41,6 14,7 41,1 14,5 42,2 14,8 0,72 0,32 0,20 0,65 0,41 0,51 064

30 41,0 16,8 39,1 17,1 43,1 16,2 0,77 0,29 0,70 0,47 0,71 0,62 0,29

33 43,8 16,3 42,2 16,7 45,5 15,6 0,76 0,63 0,45 0,65 0,57 0,30 0,38

36 48,5 14,6 46,8 15,4 50,4 13,4 0,76 0,61 0,44 0,57 0,64 0,40 0,33

42 45,9 13,3 44,6 13,9 47,2 12,6 0,67 0,47 0,48 0,36 0,34 0,36 0,44

48 44,2 15,0 42,4 15,6 46,2 14,1 0,72 0,42 0,38 0,54 0,36 0,51 0,50

54 45,7 13,4 43,4 14,2 48,2 12,1 0,69 0,46 0,31 0,49 0,41 0,44 0,40

60 47,9 13,0 45,7 14,0 50,1 11,6 0,75 0,33 0,46 0,40 0,56 0,61 0,58Dados Normativos: média, desvio padrão, consistência interna: alfa Cronbach e correlação item-total.

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2 da faixa de 22 meses (0,27) meses, item 1 da faixa de 27 meses (0,23) e item 1 da faixa 30 meses (0,23).

Na faixa de 27 meses, pode-se notar o item 2 (0,26) que é o mesmo item 4 na faixa de 24 meses (0,27), a questão “A criança coloca as coisas de volta no lugar? Por exemplo, ela sabe onde os brinquedos ficam guardados ou os sapatos ou os pratos?”

Um outro grupo relevante cujos índices de correlação item-total apresentaram valores bai -xos, observa-se para os itens 2 para faixa de 30 meses (0,25), item 3 para a faixa de 33 meses (0,24) e item 2 para a faixa de 36 meses (0,20) com a questão “Se a criança quer algo que não consegue alcançar, ela procura alguma coisa para subir e pegar o objeto (por exemplo, para pegar um brinquedo numa prateleira ela sobe no bloco de espuma)?”

O terceiro grupo relevante é das faixas de 36 e 42 meses que apresentaram alfa de 0,64 e 0,60, respectivamente. O item 3 da faixa de 36 meses

(0,28) e o item 1 da faixa etária de 42 meses (0,26) têm a mesma questão, que é: “Quando você aponta para a figura ao lado e pergunta à criança “O que é isso?”, ela diz uma palavra que se refere a uma pessoa ou algo similar? (Marque “sim” para respostas como “boneco”, “menino”, “menina”, “papai”, “mamãe”, “Homem-Aranha”, “Ben 10” ou “Macaco”.) Escreva a resposta da criança:”.

Finalmente, podemos destacar o grupo com alfa de Cronbach baixo referente aos 42 meses (0,60), 48 meses (0,65) e 54 meses (0,68) e que apresentam a mesma questão com índices de correlação item-total reduzidos, ou seja “A crian-ça se fantasia e faz de conta que é outra pessoa ou outra coisa? Por exemplo, a criança pode se vestir com roupas diferentes e fingir que é a mamãe, o papai, um irmão, uma irmã ou um personagem ou animal imaginário”. Apresentaram correlação item-total nos itens 6 da faixa de 42 meses (0,28); item 5 da faixa de 48 meses (0,25) e no item 2 da faixa de 54 meses (0,19).

Tabela 5 – Dados normativos e consistência interna para resolução de problemas.

Idade meses

Score 2010/2011/2012Alfa

Cronbach

Correlação item-total

Total Masc Fem Item 1

Item 2

Item 3

Item 4

Item 5

Item 6Média dp Média dp Média dp

10 42,3 16,0 41,23 17,1 43,6 14,4 0,73 0,43 0,47 0,50 0,62 0,36 0,41

12 37,89 16,0 36,92 16,1 38,8 15,8 0,73 0,29 0,45 0,41 0,60 0,57 0,45

14 41,63 14,6 41,27 14,5 42,0 14,7 0,71 0,46 0,55 0,37 0,47 0,53 0,38

16 43,92 14,9 43,93 14,9 43,9 15,0 0,73 0,49 0,54 0,35 0,44 0,52 0,51

18 40,92 13,7 41,12 13,7 40,7 13,7 0,68 0,25 0,46 0,57 0,37 0,29 0,58

20 43,54 11,8 42,89 11,7 44,2 11,9 0,58 0,31 0,27 0,16 0,37 0,43 0,36

22 45,19 11,8 44,84 12,1 45,6 11,5 0,60 0,30 0,40 0,32 0,29 0,40 0,38

24 45,8 11,9 45,34 11,9 46,3 11,8 0,61 0,32 0,41 0,32 0,27 0,33 0,45

27 51,7 10,3 51,21 10,6 52,3 9,8 0,58 0,32 0,26 0,39 0,32 0,36 0,37

30 48,19 13,3 46,94 13,8 49,5 12,6 0,68 0,34 0,25 0,34 0,47 0,52 0,54

33 50,9 11,7 50,08 12,2 51,8 11,1 0,64 0,33 0,31 0,24 0,41 0,46 0,50

36 51,86 11,1 51,23 11,5 52,5 10,6 0,64 0,32 0,20 0,28 0,54 0,38 0,51

42 51,39 10,9 50,52 11,4 52,3 10,3 0,60 0,26 0,43 0,32 0,45 0,30 0,28

48 47,38 12,9 46,26 13,3 48,6 12,2 0,65 0,34 0,38 0,39 0,44 0,25 0,45

54 41,68 14,0 40,24 14,3 43,2 13,5 0,68 0,50 0,19 0,46 0,30 0,47 0,51

60 43,31 15,4 41,96 15,7 44,7 15,0 0,74 0,29 0,51 0,52 0,38 0,61 0,56Dados Normativos: média, desvio padrão, consistência interna: alfa Cronbach e correlação item-total.

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Análise dos itens para o domínio pessoal e socialOs resultados da análise de consistência

interna para o domínio pessoal e social podem ser observados na Tabela 6, que apresenta re-sultados de alfa de Cronbach abaixo de 0,7 de forma ainda mais intensa. Podemos ressaltar, inicialmente, o grupo das faixas etárias de 27 meses (0,59), 30 meses (0,58), 36 meses (0,51), 42 meses (0,48), 48 meses (0,53), 54 meses (0,51) e 60 meses (0,52).

Podemos ressaltar a correlação item-total bai-xo para a questão 1 para as faixas de 27 (0,23) e 30 meses (0,23), correspondente à pergunta “Se você fizer algum dos seguintes gestos, a criança imita pelo menos uma delas: a. Abrir e fechar a boca; b. Piscar os olhos; c. Colocar a mão na cabeça; d. Mandar beijo”.

Semelhantemente, as questões 6 da faixa etária de 36 meses com correlação item-total de 0,24 e a questão 4 da faixa de 42 meses com cor-relação 0,24 consistem na mesma problemática

com “A criança aguarda a sua vez enquanto é a vez de outra criança ou adulto?”

Ainda na faixa dos 30 meses encontra-se uma correlação item-total baixa para o item 3 (0,29) para a questão “A criança empurra um pequeno carrinho de compras ou de bebê ou outro brinquedo com rodas conduzindo-o em torno de objetos, recuando de cantos que não consegue contornar?”. Essa mesma questão se apresenta no item 2 para a faixa de 33 meses (0,28) e o item 2 da faixa de 36 meses (0,26).

Semelhantemente, a questão “A criança fala para você o nome de dois ou mais colegas, sem contar irmãos e irmãs?” está presente nos itens 4 da faixa de 48 meses e item 2 da faixa de 54 meses.

A mesma situação se encontra nos itens 1 das faixas de 33 meses (0,29) e 36 meses (0,29) com a questão “A criança usa colher para se alimentar sem derramar quase nada?”, o item 4 para a faixa etária de 36 meses (0,28) e item 2 da faixa de 42 meses (0,29) com a questão “A criança veste casaco ou camisa sozinha?”, bem como o item

Tabela 6 – Dados normativos e consistência interna para pessoal e social.

Idade meses

Score 2010/2011/2012Alfa

Cronbach

Correlação item-total

Total Masc Fem Item 1

Item 2

Item 3

Item 4

Item 5

Item 6Média dp Média dp Média dp

10 41,85 15,6 42,1 15,7 41,55 15,6 0,62 0,22 0,36 0,12 0,56 0,42 0,53

12 36,34 14,9 35,63 15,7 37,04 14,1 0,70 0,44 0,43 0,49 0,52 0,44 0,27

14 36,9 15,4 35,86 15,3 37,92 15,3 0,69 0,49 0,42 0,30 0,40 0,51 0,39

16 39,6 14,5 39,01 14,5 40,23 14,5 0,65 0,31 0,40 0,31 0,35 0,43 0,47

18 45,95 13,0 45,16 13,7 46,82 12,0 0,64 0,32 0,31 0,42 0,46 0,27 0,47

20 42,39 12,9 40,28 13,4 44,64 12,0 0,63 0,37 0,29 0,37 0,44 0,40 0,33

22 46,22 11,7 44,94 12,3 47,65 11,0 0,61 0,45 0,23 0,32 0,33 0,44 0,37

24 43,29 13,0 41,87 13,4 44,87 12,5 0,65 0,28 0,48 0,37 0,43 0,39 0,40

27 41,93 12,5 40,5 12,9 43,56 11,7 0,59 0,23 0,37 0,33 0,32 0,39 0,41

30 49,1 10,3 47,97 10,6 50,34 9,7 0,58 0,23 0,31 0,29 0,35 0,42 0,34

33 50,46 10,6 49,15 11,2 51,9 9,7 0,60 0,29 0,28 0,37 0,36 0,37 0,39

36 52,24 8,9 51,09 9,6 53,48 8,0 0,51 0,29 0,26 0,29 0,28 0,33 0,24

42 51,24 9,1 50,15 9,7 52,41 8,3 0,48 0,21 0,29 0,24 0,24 0,31 0,30

48 51,47 9,8 50,86 10,1 52,14 9,4 0,53 0,33 0,29 0,27 0,22 0,40 0,29

54 50,93 9,7 50,21 10,1 51,68 9,1 0,51 0,23 0,20 0,38 0,32 0,25 0,32

60 51,34 9,0 50,21 9,4 52,5 8,3 0,52 0,31 0,33 0,25 0,37 0,23 0,24Dados Normativos: média, desvio padrão, consistência interna: alfa Cronbach e correlação item-total.

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asq3-Br: análise de itens

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3 da faixa para 48 meses (0,27) e o item 1 para 54 meses (0,23) com a questão “A criança lava as mãos com água e sabão e depois se seca com uma toalha, sem ajuda?”

DISCUSSÃOOs resultados obtidos pelo presente estudo

indicam que diversas questões poderiam ser modificadas no sentido de tornar o instrumento mais fidedigno na avaliação dos constructos pro-postos quando aplicado em ambiente de creche.

Verificou-se que, no domínio Comunicação, um dos itens com a correlação baixa está re-lacionado com as particularidades culturais brasileiras e que podem ser adequadas na sua característica semântica e um segundo item é relativo à inexistência de comando.

Para o primeiro caso, observou-se, na relação de nomes das crianças em questão, que apenas 1% das crianças têm apenas 1 sobrenome, sendo comum 2 ou 3 sobrenomes, dificultando a crian-ça definir qual seria o sobrenome principal, o que poderia acarretar correlações item-total baixas. Questionar pelo nome da criança e de sua mãe poderia ser mais producente.

Para o segundo caso, não está claro a quem o comando foi dirigido quando se fala em uma creche com diversas crianças juntas. A nomeação antecipada de qual criança está sendo solicita-da pode deixar mais clara a questão. Chamar a criança pelo nome antes do gesto poderá ex-plicitar a ordem de comando. Outrossim, itens relativos à disponibilidade de livros, podem ser ampliados na sua abrangência mencionando “fi-guras impressas”, podendo ser em livro, revista ou outro meio.

No domínio da Coordenação Motora Ampla, verificou-se três questões com correlação baixa em função das condições de segurança relativas à existência e acesso ou não de escada na ins-tituição em que as crianças pudessem acessar sozinhas. Avaliação considerando um substituto, como por exemplo, o jogo de “Amarelinha” (Céu), pode ser mais factível em ambiente de creche.

No domínio Motora Fina, a questão comum se refere a “A criança vira as páginas de um li-

vro...”. Tais questões relativas à disponibilidade de livros podem ser ampliados na sua abrangência para livro, revista ou outro meio.

No domínio Resolução de Problemas, da mesma maneira que a versão original do ASQ 3 em inglês, que apresentou suas característi-cas psicométricas com alfa de Cronbach até de 0,51, os resultados da versão adaptada também demonstraram consistência interna baixa, entre-tanto 4 características se sobressaem.

A primeira é a ausência de comando nas questões. Se espera uma ação da criança na qual ela talvez ainda não possua autonomia suficiente para executar o que se espera no teste. Não está clara na questão a orientação de “comando”. Não está claro porque a criança iria imitar. A questão poderia ser completada pela afirmação: “Faça igual à tia/professora!”, ou definir um co-mando: “Agora vamos arrumar as coisas!”

A segunda é em relação às condições de risco restritas ao ambiente de creche quanto à questão de segurança em que as crianças estariam sujei-tas caso fossem disponibilizadas condições para subir em algum objeto. Essa condição bastante factível num ambiente doméstico se torna arris-cada num ambiente de creche. Subir em alguma coisa para pegar objeto poderia ser substituído por abrir gaveta ou caixa para pegar objeto.

Na terceira, a interpretação de um desenho incompleto pode significar outras coisas, mais comuns da realidade da criança. Como a refe-rida figura pode ter outro significado além de um personagem, como por exemplo um inseto, dependerá do ambiente em que a criança se desenvolve para ser capaz de estabelecer asso-ciação como se espera. Dessa forma, em vez de marcar positivamente para respostas que reme-tem a figuras humanas, poderia se perguntar “o que é isso?”, e pedir para explicar, já que o domínio visa “Resolução de Problemas” e não Comportamento Social/Pessoal”.

Finalmente, no domínio Resolução de Proble-mas, se remete à questão da existência ou não na creche de utensílios que a criança possa utilizar para “fazer de conta”. Num ambiente familiar é muito fácil usar os sapatos da mãe ou do pai,

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mas na creche não existe essa possibilidade. A questão sobre se vestir pode ser impraticável, po dendo ser alterada de “vestir e fingir” para “vestir ou fingir”.

No último domínio Pessoal e Social, um grande número de faixas etárias apresentou con sistência interna reduzida semelhante ao estudo do ASQ3 original13. Entretanto, na versão do ASQ3-BR po-demos ressaltar dois pontos que podem agravar essa característica psicométrica, quais sejam: comando e práticas operacionais de uma creche.

As questões com a indefinição de comando, como mencionado nos domínios anteriores, não esclarecem para a criança o que se espera dela. No ambiente doméstico, é mais fácil para a mãe/pai solicitar ações de imitação devido à linguagem corporal dos mesmos. Já, em um am-biente de creche, a abordagem necessitaria de uma dinâmica diferenciada, o que às vezes não é possível. Da mesma forma, “A criança aguar-da da vez do outro” deve ser consequência de um comando, já que na fase de 36 e 42 meses a criança ainda está num período egocêntrico4,6, onde a criança é muito autocentrada e tem mui-tas exigências, mas que é capaz de obedecer às regras domésticas quando lhe explicadas ou ordenadas5. Esperar que uma criança imite um adulto sem um comando, em um ambiente com outras crianças, seria muito improvável. Ques-tões como “a criança coloca de volta o copo”, “escova os dentes ou se veste sozinha”, ou “fala o nome de colegas ou irmãos” sem um comando ou solicitação explicita entram em conflito com as características para essa faixa de idade. Para as questões identificadas, uma frase inicial tal como “depois que a professora ter orientado, …” poderia ter melhor repercussão para avaliar o constructo em questão.

O segundo ponto são as práticas operacio-nais. Num ambiente de creche, não é possível a criança se servir, já que ela recebe a alimentação pronta. Substituição desta frase por, “a criança

entrega o prato e os talheres para serem lavados após a refeição?”, está mais alinhada com a rea-lidade da creche onde o ASQ3-BR for aplicado.

CONCLUSÃOConforme verificado, o instrumento ASQ3 na

sua versão original apresenta propriedades psi-cométricas suficientes para identificar possíveis desvios de desenvolvimento para a população de língua inglesa em ambiente familiar13 (13). A versão ASQ3-BR, embora tenha sido produto de uma retrotradução para a língua portuguesa utilizada no Brasil, também apresenta caracte-rísticas psicométricas para o mesmo objetivo, com restrições para o domínio Pessoal e Social. Entretanto, quando aplicado em ambiente de creches, foram identificados diversos itens que apresentavam índices de correlação item-total com o domínio em questão abaixo dos limites razoáveis, sendo que alguns deles afetam a consistência interna do domínio verificado pelo alfa de Cronbach. O domínio Comunicação apre-sentou 6% dos itens com correlação abaixo de 0,3 ligados a três condições comuns aos itens rele-vantes. O domínio Coordenação Motora Ampla apresentou 7% dos itens com correlação baixa, referentes a uma condição comum. O domínio Coordenação Motora Fina, embora também apresentasse 7% dos itens com correlação baixa, nenhum item comum foi observado. No domínio Resolução de problemas, observou-se 16% dos itens com correlação baixa, ligados a 4 condições comuns. Finalmente, o domínio Pessoal e Social apresentou 32% dos itens com correlação baixa, ligados a 3 condições comuns.

Dessa forma, podemos concluir que a fer-ramenta ASQ3-BR aplicada para avaliação do desenvolvimento infantil em creches pode ter sua fidedignidade aumentada pela adequação das questões para as condições semânticas, de risco, comando e operacionais da realidade e ambiente onde serão utilizadas.

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asq3-Br: análise de itens

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SUMMARYItem analysis of the Ages and Stages Questionnaires

Brazilian version for public day care centers in Rio de Janeiro

The Ages & Stages Questionnaire Third Edition in the Portuguese-BR translation (ASQ3-BR) is a screening test used to evaluate the development of children in pre-school age (8-60 months), having been used by the Department of Education of Rio de Janeiro as a tool to assess the quality of care in public kindergartens. In this study, the results obtained in the tests between 2010 and 2012, for 124. 292 children in 468 public kindergartens in the city of Rio de Janeiro, were assessed for internal consistency of the results for the six items of each of the 5 domains ASQ3-BR for each of the 16 age groups established by the instrument. Although ASQ3-BR went through back translation and cultural adaptation to ensure the adaptation of the test to the Brazilian culture, coefficients of “Cronbach’s alpha” below 0.7 and the “Item-Total correlations” below 0.3 identified relevant items to be analyzed and discussed. The results indicated that although the ASQ 3-BR is a good tool to evaluate the development of children in preschool, its reliability can be improved with some adaptations considering specific procedures at these nurseries

KEY WORDS: Child development. Psychometrics. Child, preschool. Questionnaires.

REFERÊNCIAS 1. Winnicott DW. A criança e seu mundo. Rio

de Janeiro: Zahar; 1975. 2. Souza NN. Concepções de educadoras de

creche sobre o desenvolvimento da criança de 0 a 3 anos. Curitiba: Universidade Fede-ral do Paraná; 2008.

3. Oliveira JBA. Políticas e práticas de aten-dimento à primeira infância: lições na ex-periência internacional. Brasília: Alfaebeto; 2013.

4. Piaget J. Seis estudos de Psicologia. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense; 1984.

5. Gesell A. The first five years of life. London: Methuen & Co.; 1974.

6. Gesell A. A criança dos 0 aos 5 anos. São Paulo: Martins Fontes; 2003.

7. Filgueiras A. Adaptação transcultural e avaliação psicométrica do Ages and Stages Questionnaires (ASQ) em creches públicas da cidade do Rio de Janeiro. Psicologia, PUC--Rio. Rio de Janeiro: PUC-Rio; 2011.

8. Rodrigues OMPR. Escalas de desenvolvi-mento infantil e o uso com bebês. Curitiba: Editora UFPR; 2012.

9. Squires J, Bricker D, Twonbly E. Ages e Sta-ges Questionnaires, Third Edition (ASQ3): user’s guide. San Antonio: Paul H. Brookes Publishing Co.; 2009.

10. Squires J, Bricker D, Twonbly E, Potter L, Bri-cker D. Guidelines for cultural and linguistic adaptation of ASQ3 and ASQ-SE. San Anto-nio: Paul H. Brookes Publishing Co.; 2013.

11. Pasquali L. Psicometria: teoria dos testes na Psicologia e na Educação. Rio de Janeiro: Vozes; 2012.

12. Glascoe F, Byrne K. The usefulness of the Battelle Developmental Inventory Screening Test. Clinical Pediatrics. 1993;32:273-80.

13. Squires J, Bricker D, Twonbly E, Potter L, Bri-cker D. Psychometric Studies of ASQ3. 2009.

14. Squires J, et al. Psychometric studies of ASQ, 3rd ed. San Antonio: Paul H. Brookes Pu blishing; 2009.

Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Psicologia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Artigo recebido: 21/9/2015Aprovado: 18/11/2015

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rELATo DE ExPEriêNCiA

RESUMO – Objetivo: Apresentar relato de avaliação psicopedagógica de criança com queixa de alterações no desenvolvimento. O caso rela-tado é o de menino, 9 anos de idade, atendido em clínica-escola de ins-tituição da grande São Paulo. O relatório médico reportou alterações no desenvolvimento, especificamente atraso do desenvolvimento neu rop-si comotor, desatenção e dificuldade de aprendizado, com diagnóstico de transtorno específico misto do desenvolvimento e outro transtorno com portamental e emocional especificado com início habitualmente na infância ou adolescência (F83 e F98-8). Método: O relato foi elaborado a partir da descrição do protocolo utilizado para avaliação, que constou de oito sessões em que foram aplicados os instrumentos: Desenho da Família, Desenho da Família Cinética, Desenho do Par Educativo, Hora do Jogo Diagnóstica, Sondagem da escrita e Provas Piagetianas. Resultados: A avaliação psicopedagógica indicou atraso na aprendizagem da escri ta, no desenvolvimento cognitivo, além de dificuldades de coordenação mo tora, interação e comunicação. Verificou-se vínculo saudável com o objeto de conhecimento, percepção saudável da estrutura familiar, ausên cia de vínculo entre os membros da família, e vínculo comprometido com o ensinante. Conclusão: A avaliação psicopedagógica permitiu uma aná lise abrangente do sujeito e de sua aprendizagem, e sugestões de encaminhamento ba-seadas nos resultados alcançados.

UNITERMOS: Psicopedagogia. Diagnóstico. Aprendizagem.

CorrespondênciaMárcia Siqueira de AndradeCentro Universitário FIEO- UNIFIEOPrograma de Psicologia EducacionalAv. Franz Voegeli, 300 – Vila Yara – Osasco, SP, Brasil – CEP: 06020-190E-mail: [email protected]

Leila Santos Batista – Psicopedagoga, mestranda do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psi co lo-gia Educacional, Centro Universitário FIEO-UNIFIEO, Osasco, SP, Brasil. Bárbara Gonçalves – Psicopedagoga, Mestranda do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psico -logia Educacional, Centro Universitário FIEO-UNIFIEO, Osasco, SP, Brasil. Márcia Siqueira de Andrade – Doutora em Psicologia Educacional pela PUC/SP, Coordenadora do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia Educa-cional, Centro Universitário FIEO-UNIFIEO, Osasco, SP, Brasil.

avaliação PsiCoPedagógiCa de Criança Com alterações no desenvolvimento:

relato de exPeriÊnCia

Leila santos Batista; Bárbara Gonçalves; márcia siqueira de Andrade

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avaliação PsiCoPedagógiCa de Criança Com alterações no desenvolvimento

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INTRODUÇÃOO Código de Ética do Psicopedagogo, no seu

artigo 1o, define a Psicopedagogia como “(...) um campo de atuação em Saúde e Educação que lida com o processo de aprendizagem humana: seus padrões normais e patológicos conside-rando a influência do meio, família, escola e so ciedade no seu desenvolvimento, utilizando procedimentos próprios da Psicopedagogia”1. A Psicopedagogia surge para atender a uma demanda específica de auxílio à superação das dificuldades de aprendizagem, atuando de forma preventiva e terapêutica2.

A Psicopedagogia se divide em três processos: prevenção, diagnóstico e intervenção. Na pre-venção, o psicopedagogo realiza uma investiga-ção institucional, avaliando os processos didáti-cos e metodológicos aplicados, e a dinâmica dos profissionais, buscando compreender o processo ensino/aprendizagem e propondo alternativas que otimizem os esforços empreendidos pelos envolvidos3.

A Psicopedagogia, na forma clínica, busca a promoção da saúde mental auxiliando o indiví-duo na superação das dificuldades de aprendi-zagem, investigando os sintomas, a modalidade de aprendizagem e desenvolvendo atividades interventivas. O atendimento psicopedagógico com uma postura clínica considera a singu-laridade do sujeito, os aspectos inconscientes envolvidos no não aprender nos seus diversos contextos (biológico, afetivo e cognitivo), além da família e da escola4.

O presente estudo se desenvolveu a partir do relato de um processo de Diagnóstico Psico-pedagógico numa perspectiva teórica clínica.

Diagnóstico Psicopedagógico ClínicoO diagnóstico, para o terapeuta, tem a mesma

função que a rede para um equilibrista6, ou seja, ele dará o suporte para que o psicopedagogo caminhe de maneira segura durante o processo de intervenção. O sucesso e a eficácia do diag-nóstico psicopedagógico pressupõem por parte do terapeuta: profundo conhecimento teórico

do processo de aprendizagem, postura clínica, capacidade de observação e instrumentos e métodos adequados5.

O objetivo do diagnóstico psicopedagógico clínico é identificar a modalidade de aprendi-zagem, o nível da escrita e o nível cognitivo. Os instrumentos aplicados no diagnóstico psico-pedagógico aqui relatado são descritos no item método e fazem parte do protocolo utilizado na clínica-escola campo desta pesquisa5.

Modalidade de aprendizagemA forma como cada indivíduo entra em con-

tato com o objeto de conhecimento, a modali-dade de aprendizagem, é particular, individual e oferece um saber que é singular para cada indivíduo. A modalidade de aprendizagem é construída desde o nascimento e nas várias si-tuações de aprendizagem, constituindo-se como um esquema de operar ou processar as informa-ções6. Com a identificação da modalidade de aprendizagem do sujeito com dificuldades de aprendizagem, o psicopedagogo poderá intro-duzir a intervenção adequada, que atenda às necessidades específicas do paciente.

Para melhor compreensão do processo que resulta em modalidade de aprendizagem, é importante compreender o movimento definido como “adaptação”. Adaptação é o resultado de um duplo movimento complementar de assimi-lação e acomodação. Por meio da assimilação, o sujeito transforma a realidade para integrá-la às suas possibilidades de ação e, através da aco-modação, transforma e coordena seus próprios esquemas ativos, para adequá-los às exigências da realidade7.

As modalidades de aprendizagem sintomá-ticas são geradas por um desequilíbrio nos movimentos de assimilação e/ou acomodação. O excesso (hiper) ou escassez (hipo) em um desses movimentos afeta o resultado (aprendi-zagem), ou seja, dificuldades de aprendizagem estão relacionadas a uma hiperatuação ou hipo--atuação de um desses processos8. Quando há o predomínio da assimilação, as dificuldades

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de aprendizagem são da ordem da não resig-nação, o que leva o sujeito a interpretar os ob jetos de modo subjetivo, não internalizando as características próprias do objeto. Quando a acomodação predomina, o sujeito não empresta sentido subjetivo aos objetos, antes, resigna-se sem criticidade8.

As modalidades de aprendizagem sintomáti-cas são assim descritas8:• Hiperassimilação:sendoaassimilaçãoo

movimento de adaptação que permite a alteração das informações fornecidas pelo meio, para que possam ser incorporadas pelo sujeito, na aprendizagem sintomati-zada pode ocorrer um exagero desse mo-vimento, de forma que o sujeito não se submete ao aprender. Nesse movimento, há o predomínio dos aspectos subjetivos sobre os objetivos;

• Hipoacomodação:aacomodaçãoconsisteem adaptar-se para que ocorra a internali-zação. A sintomatização da acomodação ocorre pela resistência em acomodar elementos do meio (informações), que pode ser definida como a dificuldade de internalizar os objetos;

• Hiperacomodação:seacomodarsignificainternalizar os elementos do meio (infor-mações), o exagero nesse processo pode levar a uma pobreza de contato com a subjetividade, levando à submissão e à obediência acrítica às normas;

• Hipoassimilação: nesta sintomatizaçãoocorre uma assimilação pobre ou baixa, o que resulta na pobreza no contato com o objeto. As informações, ou elementos do meio, são pouco alterados, de forma que não podem ser incorporados pelo sujeito, apenas acomodados.

Analisando a forma como operam as modali-dades de aprendizagem, existem três grupos de modalidades (organizações) que perturbam o aprender: hipoassimilação-hipoacomodação; hiperassimilação-hipoacomodação; e hipoassi-milação-hiperacomodação9.

Desenvolvimento InfantilO conceito de desenvolvimento infantil pode

ser entendido como um processo que envolve vários aspectos: crescimento físico, maturação neurológica, construção de habilidades relacio-nadas ao comportamento e às esferas cognitivas, social e afetiva da criança. O desenvolvimento adequado habilita a criança a atender à demanda do meio, tornando-a “competente” para respon-der às suas necessidades, considerando o seu contexto de vida10.

O desenvolvimento infantil relaciona-se di-retamente com fatores biológicos e ambientais. Os fatores biológicos estão relacionados a danos ocorridos nos períodos pré, peri e pós-parto, que podem conduzir a deficiências e problemas no desenvolvimento neurológico. Neste grupo estão os distúrbios de ordem genética, malformações congênitas, prematuridade, hipóxia cerebral, meningites e condições da gestação da mãe (uso de drogas, fumo e doenças) que podem impac-tar o desenvolvimento da criança. Os fatores ambientais estão relacionados à exposição da criança aos estímulos e situações do meio, tais como condições de habitação, higiene, conforto, nutrição, estímulo familiar e vida social11.

Neste contexto, a reabilitação é o processo pelo qual a criança com alterações no desenvol-vimento poderá ser adequadamente estimulada com o objetivo de melhorar a funcionalidade das suas habilidades físicas, mental e/ou social. Nessa perspectiva, todo trabalho de reabilitação, independente da idade, deve estar centrado nas habilidades da criança, lembrando que sua integridade e dignidade devem sempre ser res-peitadas. Para tal, importa que, ao planejar os programas de reabilitação e de apoio, o terapeuta possa impreterivelmente considerar os costumes, possibilidades e as estruturas da família e da comunidade, adequando sua proposta terapêu-tica às dificuldades e necessidades da criança12.

No entanto, para orientar qualquer proposta terapêutica, a avaliação diagnóstica é a primeira etapa. Neste contexto, o objetivo do presente artigo é apresentar o relato de avaliação diagnós-tica psicopedagógica de menino encaminhado à

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clínica-escola por apresentar alterações no de-senvolvimento e dificuldades de aprendizagem.

MÉTODOCampo da pesquisaA criança, submetida à avaliação psicopeda-

gógica relatada no presente estudo, será tratada pelo nome fictício “Pedro”. Pedro foi atendido pelo serviço de atendimento psicopedagógico, desenvolvido no âmbito de uma clínica-escola de uma instituição particular de ensino superior, localizada na grande São Paulo. A clínica recebe crianças, adolescentes e adultos encaminhados por serviços de saúde e educação e possui um protocolo de avaliação, por meio do qual todos os indivíduos encaminhados são avaliados. Pedro foi atendido em grupo de 5 crianças, da mesma faixa etária (9 anos)5.

ParticipanteÉ estudante do 3o ano do Ensino Funda-

mental I, com idade de 9 anos, lê e escreve com dificuldade, não apresenta problemas de comportamento e foi encaminhado ao atendi-mento psicopedagógico pelo Neurologista por apresentar:

a) atraso no desenvolvimento neuropsico-motor: refere-se a atraso no desenvol-vimento de dois ou mais domínios: mo-tricidade, linguagem, cognição, habilida-des sociais ou aquelas requeridas em ati vidades da vida diária, e/ou ainda, uma inadequação no desenvolvimento que impossibilita a saudável sequência de estágios considerados importantes marcadores semiológicos de integridade do sistema nervoso central14,15;

b) desatenção: refere-se à dificuldade de concentração ou à falta de atenção;

c) dificuldade de aprendizado: refere-se a problemas na aquisição e uso de habili-dades como leitura, escrita e matemática, conduzindo a rendimento escolar abaixo do esperado. As dificuldades de apren-dizagem possuem etiologias diversas e são distintas dos transtornos de aprendi-

zagem, que são específicos e de origem neurobiológica. Assim, dificuldades de aprendizagem podem estar associadas a problemas pedagógicos, sociais, deficiên-cia intelectual ou ser secundários a outros transtornos16.

F83: Transtornos específicos misto do desen-volvimento. Esta categoria agrupa transtornos que apresentam ao mesmo tempo sinais de um transtorno específico do desenvolvimento da fala e da linguagem, das habilidades escolares, e das funções motoras, mas sem a predominância suficiente de elementos para constituir o diag-nóstico principal13.

F98.8: Outros transtornos comportamentais e emocionais especificados com início habi-tualmente na infância ou adolescência. Inclui sintomas como comer unhas, déficit de atenção sem hiperatividade, enfiar os dedos no nariz, masturbação exagerada e sucção do polegar.

InstrumentosEm conformidade com o protocolo implan-

tado na clínica-escola citada, os instrumentos utilizados no processo e considerados para o presente estudo foram5: • Desenho da Família: nessa atividade,

ob serva-se a estrutura familiar, a fim de investigar como se dá a relação entre seus membros como um todo e individualmente;

• DesenhodaFamíliaCinética: essa ati-vidade busca compreender como se dá o estabelecimento de vínculos entre os membros da família;

• DesenhodoParEducativo: essaprovatraz subsídios específicos para a com-preensão da relação entre quem ensina, quem aprende, e o objeto de conhecimen-to, como é percebido pelo sujeito;

• Horado JogoDiagnóstica: a aplicaçãodessa prova tem como objetivo geral iden-tificar a modalidade de aprendizagem do sujeito e de analisar como o mesmo se apropria do objeto de conhecimento dese-jado. Por outro lado, analisa-se, também, como ele lida com o não conhecer, como

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ele trabalha com questões cognitivas relacionadas às habilidades mentais de classificar, ordenar e seriar;

• SondagemdaEscrita: essa prova tempor objetivo identificar o nível conceitual da escrita do sujeito: se ele já reconhece as letras, se já está alfabetizado ou não e como está seu processo de aquisição da leitura e escrita. Com base em Ferreiro é possível identificar em que nível de aquisição da leitura/escrita o paciente se encontra, dentro das seguintes possi-bilidades: pré-si lábico, silábico, silábico alfabético, alfabético e ortográfico;

• ProvasPiagetianas: tempor finalidadeidentificar o estágio do desenvolvimento cognitivo em que o sujeito se encontra. Para isso, foram aplicadas provas de conservação: conservação de pequenos conjuntos discretos de elementos, con-servação de quantidades contínuas e conservação de líquido (transvasamento);

• EntrevistacomosPais:pretende-seobtero máximo de informação possível sobre a história de vida do sujeito, a relação estabelecida entre ele, enquanto alguém com possibilidades de aprender, e os pais como aqueles que podem ensinar. Tem de se ter em conta não só o que é dito, mas também como é dito, bem como observar a linguagem corporal dos entrevistados.

ProcedimentosO processo de avaliação diagnóstica psico-

pedagógica ocorreu ao longo de 8 sessões, cada qual com duração de 60 minutos. Para o forta-lecimento do vínculo paciente/terapeuta, foram desenvolvidas, ao término da aplicação de cada uma das provas, atividades lúdicas como brinca-deiras, jogos diversos, montagem de quebra-ca-beça, leitura de histórias e desenho livre.

Na primeira sessão, os responsáveis foram informados sobre os procedimentos de avaliação diagnóstica e sobre as normas da clínica-escola. Nessa sessão, foi ouvida a queixa principal dos pais com relação à criança. Após, os pais foram

liberados e foi desenvolvida atividade para es-tabelecimento de vínculo.

A sala para atendimento do grupo foi esco-lhida levando em consideração a necessidade de interação social e comunicação apresentadas por Pedro. A terapeuta escolheu uma sala peque-na, com mesa redonda, que proporcionou uma maior aproximação dos integrantes e facilitou a comunicação. Os materiais disponibilizados para realização das atividades foram de uso cole-tivo, também pensando na proposta de interação social e comunicação.

Na segunda sessão, foi aplicado Desenho da Família; na terceira, Desenho da Família Ciné-tica; na quarta, Desenho do Par Educativo; na quinta, entrevista com pais, na sexta, Hora do jogo Diagnóstica; na sétima, Sondagem da escrita; e, por fim, na oitava sessão, Provas Piagetianas.

Ao término das sessões de avaliação diagnós-tica, os testes foram analisados de acordo com Andrade4 e as informações compiladas em um re-latório, cujas informações foram compartilhadas e esclarecidas com o responsável pela criança.

RESULTADOS E DISCUSSÃOA análise da produção do paciente se deu

conforme descrito a seguir.Estabelecimento do Vínculo: na primeira

sessão, o paciente não interagiu com o grupo. Comportou-se de maneira tímida, introvertida e apresentou problemas na fala (linguagem). Parti-cipou da atividade proposta (jogo pega-varetas), porém não demonstrou compreensão das regras.

Desenho da Família: após a consigna “de-senhe uma família”, Pedro desenhou os três membros da família (ele, pai e mãe); conforme Figura 1, notam-se esquemas corporais empo-brecidos, olhos vazados e ausência de braços; observa-se que Pedro se desenhou ao lado da mãe; o tamanho relativo dos personagens foi evidenciado e a produção foi centralizada na folha; por fim, evidencia-se que Pedro desenhou a sua família real, composta por ele, pai e mãe, o que sugere uma percepção de relação saudável entre os membros.

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Desenho da Família Cinética: nesta atividade foi solicitado o desenho de uma família fazendo alguma coisa. Pedro desenhou os personagens sem diferenciação de sexo; todos os membros da família num mesmo ambiente, porém cada um fazendo uma coisa diferente. Essa situação sugere comprometimento no vínculo familiar.

Desenho do Par Educativo: foi solicitado ao grupo o desenho de alguém aprendendo alguma coisa e alguém ensinando. Pedro se desenhou fazendo uma prova; observa-se no desenho que ele está ao lado de uma folha, com um lápis na mão; a ausência de ensinante sugere vínculo comprometido com quem ensina e não com o objeto de conhecimento (folha de prova); o ta-manho do aprendente, o tamanho do objeto de conhecimento e o contato do aprendente com o lápis sugere vínculo saudável com o objeto de conhecimento.

Entrevista com os pais: durante a entrevista a mãe relatou que Pedro é autista (apesar dessa informação não constar no relatório médico), tem problemas na fala e dificuldades de socialização. Faz acompanhamento neurológico, fonoaudiólo-go e usa os medicamentos Risperidona e Tofranil. Na entrevista, foi evidenciado que Pedro tem um primo (filho de um tio por parte de mãe), com a idade de 7 anos, que também é autista. A mãe relatou que Pedro nasceu de parto normal, sem complicações e começou a falar com 1 ano 2 meses.

Hora do Jogo Diagnóstica: após apresentar a caixa, foi solicitado ao grupo para realizar a ati-vidade. Pedro não fez inventário, pegou um livro e ficou folheando, depois pegou a lata de palitos e brincou um pouco, sem demonstrar muita vontade, por fim, fez um desenho, utilizando canetinhas e papel sulfite, porém não terminou. Essa atitude demonstra a dificuldade da criança em se apropriar do objeto de conhecimento dese-jado; o contato superficial com a caixa e com os objetos oferecidos sugere dificuldades em lidar com a situação e com o não conhecer.

Sondagem da Escrita: conforme Figura 2, a escrita de Pedro foi classificada como silábica--alfabética, sem o registro da sílaba de três letras, estando aquém do esperado para a idade, de acordo com a padronização do teste. As palavras ditadas ao paciente foram: elefante, rã, formiga, cachorro e tigre; e a frase foi: “O elefante pisou na formiga”.

Frente às Provas Piagetianas, apresentou res-postas perceptivas e de não-conservação, quando o esperado para a idade seria uma res posta cog-nitiva (lógica) e conservativa, próprias do estágio

Figura 1 – Desempenho de Pedro na Prova da Família. Figura 2 – Desempenho de Pedro na Sondagem da Escrita.

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do desenvolvimento cognitivo operacional-con-creto, adequado a crianças de 7 a 11 anos.

No mais, observações gerais com relação ao desempenho, comportamento e conduta do paciente durante o processo foram registradas conforme relato a seguir. Pedro esteve presente em todas as sessões e realizou todos os testes aplicados com dedicação. Utilizou o material de maneira adequada e se mostrou organiza-do devolvendo os lápis de cor na caixa correta, guar dando borracha e apontador no estojo após o uso e recolocando cadeiras no lugar ao término das sessões.

Desde a primeira sessão, Pedro apresentou di ficuldades relacionadas à interação social e comunicação (linguagem verbal). Nota-se o com prometimento do desenvolvimento da fala e da linguagem de forma acentuada, conforme descrição da CID-10 F8311. Interagiu pouco com o grupo e com a psicopedagoga, limitando mui-tas respostas a “sim” ou “não”. Respostas mais complexas, adequadas às perguntas, surgiam apenas quando abordado de forma mais pre-cisa e individualizada, o que sinaliza prejuízos associados às possíveis alterações das funções cognitivas, dentre elas a linguagem, apresenta-das pelo quadro (CID-10 F83).

Déficits relacionados às funções motoras, descritos na CID-10 F83, foram evidenciados durante a execução das atividades de Sonda-gem da Escrita, e nos Testes piagetianos, e percebidos também nas brincadeiras e jogos lúdicos (montagem de quebra-cabeça, pega--varetas, entre outras). Prejuízos relacionados à desatenção não foram evidenciados na ava-liação, Pedro se mostrou atento às normas e às consignas solicitadas.

À medida que os encontros foram se cons-tituindo, Pedro foi se integrando ao grupo, e essa integração pôde ser percebida em atitudes comportamentais, tais como: rir com os colegas diante de uma situação engraçada; chamar a te-rapeuta pelo nome; expressar o desejo de contar histórias diante dos testes projetivos (família, família cinética e par educativo) e contar sobre sua rotina diária.

Mesmo com evidente dificuldade de comu-nicação e socialização, Pedro não se isolou com-pletamente do grupo. No decorrer dos encontros ao longo do processo diagnóstico, à sua maneira, esteve presente, realizando as propostas e par-ticipando das atividades lúdicas (jogos, conta-gem de histórias, desenho e pintura, dentre ou-tras). Apresentou muitas vezes comportamento motor estereotipado e repetitivo, movimentando dedos e/ou mãos, fazendo caretas, rindo sozinho e evitando contato visual. Demonstrou também, durante a execução das atividades, a fixação por rotinas e regras.

Foi principalmente nas atividades lúdicas, a partir da 4ª sessão, que se tornaram evidentes uma melhor compreensão do grupo com relação às dificuldades apresentadas pelo Pedro (co-municação e coordenação motora fina). Essa evidência se embasa no auxílio que o grupo passou a prestar, ajudando-o em atividades onde o mesmo demonstrava mais dificuldades, esclarecendo com calma as regras dos jogos e esperando com paciência e respeito a sua res-posta ou fala.

Com relação à modalidade de aprendiza gem, Pedro foi classificado como Hipoassimilativo/Hi poacomodativo. Na hipoassimilação, ocorre pobreza de contato com o objeto, e déficit lúdico e criativo; na hipoacomodação, além de pobreza de contato com o objeto, ocorre também dificul-dade na interiorização das imagens6.

Apesar dos déficits e prejuízos apresentados, Pedro cumpriu todas as atividades propostas. A avaliação psicopedagógica demonstrou déficits da aprendizagem da escrita, dificuldades rela-cionadas à coordenação motora e à comunicação (linguagem verbal), além de prejuízo no desen-volvimento cognitivo. Com relação aos aspectos emocionais, os resultados obtidos a partir das análises da produção da criança sugerem a existência de percepção saudável da estrutura familiar; vínculo saudável com o objeto de co-nhecimento, percepção de ausência de vínculo familiar, e vínculo comprometido com o ensinan-te. Essas informações sugerem que, com relação à dimensão afetiva da aprendizagem (dimensão

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subjetivante), na qual opera a lei do desejo que permite dar um significado à ignorância16, Pedro apresenta potencial de aproximação do objeto do conhecimento para construção e apropriação da aprendizagem.

Frente ao desempenho do paciente nas ativi-dades propostas, presume-se que as dificulda-des de aprendizagem apontadas pelo relatório médico sejam oriundas, em parte, das alterações no desenvolvimento (CID-10 F83; F98-8), e em parte da falta de atendimento adequado às suas necessidades especiais, considerando a reali-dade das instituições públicas de ensino e das políticas sociais nacionais.

Assim, tendo em vista as dificuldades elenca-das, e a importância do funcionamento indepen-dente e simultâneo dos aspectos afetivos e cog-nitivos do pensamento do sujeito que aprende, algumas recomendações para atendimento de Pedro são: scompanhamento psicopedagógico com oferecimento de atividades que contribuam para o desenvolvimento das suas habilidades cognitivas (pensar, simbolizar, perceber, criar, analisar, etc) e sociais (comunicação e lingua-gem), que favoreçam o desenvolvimento da coor denação motora fina e que possibilitem o pro cesso criativo; e atividades que contemplem os aspectos emocionais e afetivos, favorecendo o contato com o objeto de conhecimento e ali-mentando o desejo que leva à aprendizagem. É importante também acompanhamento peda-

gógico, se possível, individualizado, visando à alfabetização, e um aprofundamento na análise das percepções da criança, a fim de se compreen-der a sua relação com quem ensina (ensinante).

CONCLUSÃOA descrição do processo avaliativo da criança

com alterações no desenvolvimento teve como objetivo ilustrar o processo diagnóstico psico-pedagógico, seus instrumentos e possibilida-des de interpretação de seus resultados. Dessa for ma, a avaliação psicopedagógica permitiu uma análise abrangente do sujeito e de sua aprendizagem, contribuindo para a compreen-são de como Pedro se coloca na construção do conhecimento, subsídios que auxiliarão ao en-caminhamento do caso.

A avaliação psicopedagógica deve possi-bilitar o entendimento das especificidades e necessidades da criança, suas dificuldades, sua relação com o outro e com a aprendizagem, possibilitando delinear ações terapêuticas para atendimento dessas necessidades. Limitações e direções futuras apontam para o fato de que o atendimento em grupo não otimiza o processo de avaliação e o próprio desenvolvimento das crianças, exceto com relação à interação social e comunicação, uma vez que muitas crianças que chegam às clínicas de psicopedagogia podem requerer atenção individualizada para lidar com suas dificuldades.

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SUMMARYPsychopedagogical evaluation of one child

with developmental abnormalities: experience report

Objective: Present psychoeducational valuation report of child complaint changes in development. The case reported is a boy, 9 years old, attended by clinic-school located in greater São Paulo. The medical report tells developmental abnormalities, specifically developmental delay, learning difficulties with inattention, with a diagnosis of mixed specific developmental disorders and other specified behavioral and emotional disorders with onset usually occurring in childhood and adolescence (F83 and F98-8). Methods: The experience report was drawn from the description of the protocol used for evaluation which consisted of eight sessions in which the instruments were applied: Family drawing, Kinetics family drawing, Educative pair drawing, Diagnostic playtime, Writing survey, Piagetian tasks. Results: The psychopedagogic evaluation showed delayed literacy, and cognitive development, and difficulties in motor coordination, interaction and communication. There was perception of healthy link with the object of knowledge and healthy perception of the family structure, although there was perception of lack of link between family members and impaired with teacher. The psychopedagogic evaluation provided a comprehensive analysis of the subject and their learning, and routing suggestions based on the achieved results.

KEY WORDS: Psychopedagogy. Diagnosis. Learning.

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Trabalho realizado no Centro Universitário FIEO-UNIFIEO, Osasco, SP, Brasil.

Artigo recebido: 10/8/2015Aprovado: 7/11/2015

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ArTiGo EsPECiAL

RESUMO – O presente trabalho faz uma reflexão sobre os caminhos da educação no futuro, centrada na condição humana, sob a égide do princípio da unidade-diversidade proposto por Edgar Morin. Realiza um contraponto entre educação e corporeidade no contexto do sistema ofi cial de ensino, enfatizando a importância de resgatar o ato motor e o sig nificado da corporeidade em diferentes etapas da educação básica. Reapresenta o papel do corpo como um elemento essencial no processo de aprendizagem e apresenta a valorização da corporeidade e do movimento como estratégias para o sucesso da educação inclusiva e da escola como espaço de convivência, inclusive durante a adolescência, considerando o Ensino Fundamental e Médio. A educação inclusiva é vinculada à busca incessante de proporcionar a autonomia de ser e de saber da(o) educanda(a), valorizando e respeitando o seu conhecimento prévio, sua singularidade e linguagem corporal, visto ser o estudante um sujeito social em construção.

UNITERMOS: Inclusão educacional. Percepção. Imagem corporal.

CorrespondênciaSandra Maria Correa Miller Secretaria de Estado do Meio AmbienteRua Ulysses Jamil Cury, 715 – Distrito Industrial Ulisses Guimarães – São José do Rio Preto, SP, Brasil – CEP: 15092-601 E-mail: [email protected]

Sandra Maria Correa Miller – Educadora e Especialista Ambiental da Secretaria de Estado do Meio Ambien-te-SP e Psicopedagoga e Educadora do Centro Paula Souza – São José do Rio Preto, SP, Brasil.Maira Miller Ferrari – Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais – Linha: Ambiente e Sociedade – Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), São Carlos, SP, Brasil.

estratégia de inClusão: resgate da CorPoreidade no interior das esColas

sandra maria Correa miller; maira miller Ferrari

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INTRODUÇÃOQuais são os caminhos para que a educação

possa ser centrada na condição humana e con-siga ilustrar o princípio de unidade-diversidade? É a unidade humana que traz em si os princípios de suas diversidades, portanto, unidades com-plexas como o ser humano ou a sociedade, são multidimensionais. Compreender o humano é compreender sua unidade na diversidade, sua diversidade na unidade. O ser humano é, ao mesmo tempo, biológico, psíquico, social, afetivo e racional e existem condições que permitem interrogações fundamentais sobre o mundo, o ser humano e o próprio conhecimento. Entretanto, para isso, é necessária a reforma do pensamento, uma reforma paradigmática, e não programática. Essa é a questão emergencial da educação, já que se refere à nossa aptidão para organizar o conhecimento1.

A educação é um subsistema, e ao mesmo tempo um sistema, ele próprio, confrontado com o sistema global de que faz parte. Está moldado sobre o paradoxo da pessoa humana, a rela-ção dialética entre o indivíduo e a sociedade, a parte e o todo, que preocupa todos os sistemas políticos e pedagógicos. A educação da pessoa, como a própria pessoa, é parcialidade e totali-dade2. O ser humano é um ser de cultura e o que ele acrescenta à natureza é, basicamente, obra da educação. No futuro, modelos inteiramente diferentes do atual podem acarretar o gradativo desaparecimento do aparelho escolar tradicio-nal. A escola, se sobreviver, será a instância des tinada a produzir estímulos, referências e coordenações, atuando, portanto, muito menos por si que por intermédio de outras instâncias2.

Entre as contribuições positivas da educação para a sociedade destacam-se duas: a reorga-nização da cidadania e o desenvolvimento das habilidades, competências para a vida, que permitam menos exclusão e desigualdades sociais e econômicas, levando-se em conta a di versidade e a pluralidade cultural balizadas pelo conhecimento científico, técnico e huma-nista na formação dos aprendizes. A educação é uma atividade para vida, que ocorre na família,

na rua, na igreja, no trabalho, na escola e em todos os espaços sociais3. Tem um sentido amplo, extrapola o compromisso com a transmissão de conhecimentos via razão e busca abranger outras dimensões, valorizando os processos criativos4.

Henri Wallon, psicólogo e educador, ressal-ta que é dever da escola oferecer, sem discri-minação, o que há de melhor na cultura, pois a interação com o outro e a interação com a cul tura ampliam o conceito de socialização5. Nessa visão, para respeitar o aluno é necessário conhecê-lo, identificar sua etapa de formação, não impor limites ao seu desenvolvimento e, principalmente, aceitar que a Educação é uma relação evolutiva em transformação, que deveria tender para a autonomia do aluno6. Em suma, uma forte ética de trabalho cultural é traduzida em maior motivação, zelo e persistência, uma vantagem emocional. O significado básico da palavra emoção é “mover”7. Goleman7 desta-ca que o psicólogo Robert Adler investigou e apresentou a descoberta de rotas biológicas que levam a considerar que mente, emoção e corpo não são entidades separadas, mas intimamente interligadas.

A vida humana é substantivada por meio do corpo. Ele materializa a nossa existência e é expressão dessa identidade. “Entretanto, as relações que estabelecemos com o nosso corpo estão inseridas e marcadas por uma visão de mundo em que a razão ocupa o centro da cena”4. Contudo, a corporeidade do ser humano é in-vestigada por filósofos, psicólogos, educadores físicos, pedagogos e psicopedagogos, assim como por especialistas da área da saúde. Na Psicopedagogia, por exemplo, é o ato motor no campo da Educação, que leva indubitavelmente à questão da corporeidade.

As bases da psicomotricidade, em sua ori-gem, são profundamente reeducativas e com a crescente complexidade das teorias cognitivas, das neurociências e das teorias da afetividade, passou-se a discutir mais objetivamente a inte-gração dessas funções na formação do sujeito e da sua corporeidade, de forma interdisciplinar e transdisciplinar8. Ferreira & Ramos8 indicam

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que Henri Wallon, Paul Schilder e Ajuriaguerra já dialogavam interdisciplinar e transdisciplinar-mente na primeira metade do século XX.

Desaprendemos a conviver com a realidade corpórea e a aprender partindo da reversibili-dade dos sentidos. Privilegiamos a razão sem corpo. O corpo como elemento acessório no processo educativo ainda é predominante, en-tretanto, a percepção, compreendida como um acontecimento da motricidade, pode resgatar esse saber. Existem caminhos de compreensão do corpo na educação que buscam ampliar as referências educativas ao considerar a fenome-nologia do corpo e sua relação com o conhe-cimento, incluindo reflexões contemporâneas sobre os processos cognitivos advindos de uma nova compreensão da percepção9.

Goldberg10 destaca que, tanto em Freud como em Lacan11, as discussões sobre o conceitos de corpo e percepção configuram um aspecto im portante, pois o estudo da percepção é fun-damental para se entender a noção de sujeito10.

Especialmente nos estudos da percepção apresentados por Merleau-Ponty12, há uma apro-ximação com a pesquisa científica atual da cog-nição e, nessa visão, existe a crítica ao conceito mentalista de representação, enfatizando-se a compreensão interpretativa do conhecimento baseada na percepção e no movimento. Esses estudos têm contribuído para ampliar a com-preensão de cognição, no sentido de tornar mais claro como acontece a realização do fenômeno conhecer9.

Merleau-Ponty12 redimensiona a compreen-são de sujeito no processo de conhecimento e essa nova compreensão de sensação modifica a noção de percepção proposta pelo pensamento objetivo, fundado no empirismo e no intelec-tualismo10. A cognição emerge da corporeidade, expressando-se na compreensão da percepção como movimento e não como processamento de informações. O movimento tem a capacidade não apenas de modificar as sensações, mas de reorganizar o organismo como um todo, consi-derando ainda a unidade mente-corpo. Assim, a percepção não apenas decodifica estímulos,

linear mente, mas reflete a estrutura do nosso corpo perante o entorno, em contextos múltiplos9.

Se o corpo sempre suscitou questões, gerando formulações diversas no interior de tantos cam-pos do conhecimento humano, ele certamente também não deixou de chamar a atenção dos psicoterapeutas, como atesta o sucesso das te-rapias ditas “corporais”. O corpo toma a frente da cena social13.

Entretanto, qual é o lugar, de fato, do corpo na educação básica e formal? A proposta é iden-tificar e discutir o conceito da corporeidade no ensino fundamental e médio, em resposta às novas necessidades de transformações exigidas na realidade educacional, que se apresenta em condições inusitadas com o processo de inclusão vigente.

Ferreira & Ramos8 propõem a aplicação da psicomotricidade ao atendimento de pessoas com necessidades especiais, na perspectiva da inclusão dessa clientela. E quando Nóbrega9

questiona o lugar do corpo na educação, indaga sobre o modo pelo qual o corpo foi compreendido nos currículos escolares, na construção e apro-priação dos saberes na cultura escolar. Por sua vez, o documento construído pelo Ministério da Educação (MEC) e o Ministério do Meio Am-biente (MMA)4 traz recomendações que são aqui destacadas, entre outras: reinventar as relações com o corpo em movimentos de encontro de cada um consigo mesmo; atentar às concepções e práticas de trabalho que reproduzem a cisão entre corpo e mente; pensar um novo modo de funcionamento escolar que permita aprender a respeitar as vontades do corpo; ampliar os es-paços e tempos de movimentar-se livremente, assim como relaxar, estar atento à respiração e cuidar da postura.

Graciani3 aponta que, no amplo cenário só-cio-econômico-cultural, reaparece a educação, cuja má qualidade, a falta de formação de seus agentes, a pouca infraestrutura onde ocorre, dentre outros inúmeros fatores, é responsável também pela pobreza, desigualdade e exclusão social no Brasil, reafirmadas em estudos e pes-quisas que comprovam essa relação por falta

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de condições para o pleno êxito do aprendiz no que se refere ao seu espírito crítico, criativo e participativo, a partir de uma aprendizagem competente e consequente, ampla e inquietan-te. Há um movimento em marcha, na sociedade global, onde as manifestações da sociedade civil se propõem a novas crenças e capacidades de organizar-se, mobilizar-se e conquistar por si pró pria aquilo que os setores públicos não conse-guem proporcionar, frente à pobreza e a exclusão3.

O médico e educador Decroly foi um dos pre-cursores dos métodos ativos, fundamentados na possibilidade do aluno conduzir o próprio apren-dizado e aprender a aprender14. Dedicou-se a experimentar uma escola centrada no aluno, e não no professor, e que preparasse as crianças para viverem em sociedade14,15. Para esse edu-cador, a pedagogia se modifica e se renova a cada idade, e é fundada sobre as relações que se estabelecem entre o indivíduo e a realidade de cada época15. Poderíamos dizer que a edu-cação compreende quatro dimensões básicas: a cidadania, o lazer, o trabalho e a cultura. Cada uma delas, com a sua nota distintiva: a dimensão política, a dimensão criativa, a dimensão social e a dimensão que é chave e síntese das demais – a da consciência significante, através da qual se or-ganiza o universo humano. É evidente que o que distinguimos são apenas predominâncias, já que os quatro aspectos basicamente se confundem6.

Ivic16, na obra sobre Vygotsky, traz que todos os instrumentos culturais são “extensões do ho-mem”, isto é, são considerados prolongamen-tos e amplificadores das capacidades humanas e que “a análise crítica das instituições e dos agentes socioculturais – incluindo uma crítica das instituições escolares – poderia contribuir para determinar as condições nas quais “os ins-trumentos” socioculturais se tornam fatores de formação do desenvolvimento”16.

Se o homem se forma e seu limite é determi-nado pelo social, a escola, como meio, deve ser um centro de divulgação da cultura, nas dife-rentes áreas, pois essa diferenciação possibilita um desenvolvimento mais completo e integrado das várias aptidões6. Educar significa promover

condições que respeitem as leis que regulam o processo de desenvolvimento, levando em con-sideração as possibilidades orgânicas e neuroló-gicas do momento e as condições de existência do aluno. A essência do educar é respeitar essa integração no seu movimento constante5.

O estudo e a teoria de desenvolvimento de Henri Wallon5,6 facilitou compreender o indiví-duo em sua totalidade, mostrando uma visão integrada da pessoa no aluno. Para esse autor, é preciso escapar de um raciocínio dicotômico, motor ou afetivo ou cognitivo, na direção de um raciocínio que apreenda a pessoa como se cons tituindo dessas dimensões em conjunto. Qualquer atividade motora tem ressonâncias afe tivas e cognitivas. Toda disposição afetiva tem ressonâncias motoras e cognitivas, toda operação mental tem ressonâncias afetivas e motoras. Wallon, afirma ainda que a questão fundamental é o estudo da consciência e que o melhor caminho para a entender é buscar sua origem. Para ele a pessoa está continuamente em processo, aberto, sempre a caminho de sua formação e nunca acabado. O resultado é a pes-soa individual, única, que ao mesmo tempo em que garante essa integração, é resultado dela. O afetivo e o cognitivo têm sempre como suporte a atividade motora, ou em sua expressão exterior (deslocamento no espaço) ou em sua expressão plástica (a forma do corpo mediante seu tônus), reagem como um todo diferenciado aos estímu-los internos e externos5.

Entre os pontos que se destacam na Teoria de Wallon está a sua proposta de não limitar a ação da escola na instrução e sim em converter-se em um instrumento para o desenvolvimento e este pressupõe a integração entre todas as dimensões da pessoa inteira5,6. No texto, O Estádio do Espe-lho11,17,18, Lacan reforça que a apreensão do corpo é prematura em relação ao próprio domínio motor e fisiológico insuficientes da criança.

Mesmo antes de nascer, já somos movimento. Esse princípio de vida, pelo movimento, parece não ter espaço na tradição escolar que se serve do corpo como mero instrumento de acesso às faculdades mentais. Cindidos, corpo e mente

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parecem travar batalhas diárias no ambiente escolar19. Podemos apreender o interesse pelo corpo descrito nos Parâmetros Curriculares Na cional para a Educação Infantil (2006)19,20

no eixo de trabalho Movimento. Nesse nível de ensino, vários espaços curriculares e físicos são legalmente previstos para o corpo. O corpo da criança é estimulado pelo toque e por atividades sensório-motoras. Porém, observa-se, na prática e nas disposições legais da Educação Básica, gradativa perda do espaço para o corpo em sala de aula e nos espaços físicos e curriculares da escola como um todo. É notório que há nas es-colas pouco interesse em apresentar uma visão integral do corpo, assim como não há discussão em torno da interdependência entre corpo e mente. Portanto, a Educação ainda carece de práticas que ultrapassem o modelo limitado da resposta moral-disciplinadora dos corpos. Em diversas etapas da aprendizagem escolar, é pos-sível apontar diferenças tanto nas proposições pedagógicas quanto na própria atuação dos corpos, de discentes e docentes19.

Freire21, inclusive, afirma que os profissionais da Educação necessitam conhecer suas próprias limitações e potencialidades, mantendo um eter-no diálogo entre os seus sentimentos e o mundo de forma consciente, buscando compreender o significado de cada uma de suas sensações pelo reconhecimento da importância delas no cotidiano e na estruturação de ações flexíveis em relação aos seus educandos.

Para crianças com necessidades educati vas especiais o contato com este tipo de profissio-nais pode representar a diferença entre buscar alternativas para superar suas dificuldades (fí sicas, sensoriais, mentais e outras) através da possibilidade de reconhecer não apenas os seus limites, mas as suas potencialidades, pois “a experiência do próprio corpo é uma unidade em construção”22.

A adolescência, por exemplo, é o tempo de descoberta da falta e do impossível, que atinge o saber. É o tempo da destituição dos pais e da instauração da falta como constitutiva do corpo. O corpo é, então, o primeiro elemento pelo qual

se anuncia aquilo que faz a adolescência. É, por-tanto, aí dentro que há algo a pacificar, a velar. Pacificar esse efeito de real da novidade pube-ral23. Impulsionado pelas novas necessidades, o jovem alterna e combina o espírito de dúvida e de construção, de invenção, de descoberta, de aventura e de criação. Não se restringe sim-plesmente à parte do saber, pois, a afetividade predomina nesse período e as leis, mágicas ou científicas, dão ao mundo uma nova dimensão e põem à prova a personalidade do jovem24.

Embora cada área do cérebro se desenvolva em ritmo diferente durante a infância, o início da puberdade assinala um dos períodos mais abrangentes de poda neuronal em todo o cére-bro. Várias áreas cerebrais críticas para a vida emocional são as de mais lento amadurecimen-to. Embora as áreas sensoriais amadureçam durante a primeira infância, e os sistemas lím-bicos, na puberdade, os lobos frontais, sede do autocontrole emocional, compreensão e hábil resposta, continuam a se desenvolver até o fim da adolescência, num momento qualquer entre os dezesseis e os dezoito anos7.

O jovem expressa seus sentimentos com o corpo todo. Mímicas, gestos exagerados frequen-tes, que orientam seu comportamento exterior, traduzindo a falta de habilidade para dominar todo o potencial de que o novo corpo é capaz, com o crescimento acelerado na estatura. De modo geral, é por meio de brincadeiras, risadas, conversas em tom de voz elevado e muita mo-vimentação que o jovem expressa o prazer em estar realizando diferentes atividades24. Tantas e intensas transformações fazem surgir no jovem a necessidade de se apropriar, novamente, de um corpo que se transforma rapidamente e que já não reconhece. Apresenta maior sensibilidade à imagem corporal e surge, então, a necessidade de reorganização do esquema corporal que é condição para a construção da pessoa, de sua personalidade. Reajustar-se ao novo corpo vai exigir do jovem um mergulho para dentro de si e confere uma orientação centrípeta a esse estágio de desenvolvimento. Uma das características mais marcantes da adolescência é a ambiva-

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lência de atitudes e sentimentos, resultante da riqueza da vida afetiva e imaginativa que traduz o desequilíbrio interior24.

Nos cursos de formação em Pedagogia e de Psicopedagogia, há recomendações a respeito da utilização do corpo como instrumento essencial para o desenvolvimento cognitivo e propriocep-tivo na Educação Infantil. Porém, esse mesmo corpo, é suscetível a preconceitos e discrimi-nações desde a Educação Infantil, culminando com o “bulling” comum no Ensino Fundamental, marcante na adolescência. E ainda, estudos re-ferentes às diversas síndromes e transtornos de aprendizagem são excluídos do “cardápio” de formação e especialização em Educação. Este fato impulsiona a atenção dos profissionais envolvi-dos, seja da saúde ou da educação, em direção ao polêmico processo de inclusão em andamento, que gerou até o momento críticas e experiências frustrantes nas instituições escolares.

Entendemos, dessa forma, a educação como condição de saúde, por se tratar de processo nos quais subjetividades são produzidas. Saúde é a possibilidade de nos manter criativos, capa-zes de (re) inventar-nos em todas as situações imagináveis. Dessa forma, a educação pode ser entendida como condição de saúde, por se tratar de processo nos quais subjetividades são pro-duzidas. Como compreender que a questão da inclusão deve ultrapassar os corpos excluídos, se as práticas escolares, como têm se dado, produ-zem sujeitos desiguais, oprimidos, impotentes, deficientes?25

A fim de encontrar o lugar de cada um no processo de aprendizagem e para contribuir com a afirmação do processo inclusivo no âmbito escolar, propõe-se repensar o ato de aceitação do outro e entender, de forma multidisciplinar, a unicidade de cada corpo na prática pedagógica, independente de deficiências físicas ou neces-sidades especiais.

Desde a Declaração de Salamanca (1994)26, discute-se sobre espaços e formas de inclusão. Profissionais da área da Educação e da Saúde buscaram alternativas no campo psicomotor que pudessem contemplar o sujeito para além de

suas necessidades especiais, buscando na intera-ção psique-soma novas formas de comunicação, desenvolvimento emocional e interação social. No campo psicomotor, considera-se relevante o estudo da interação entre a imagem e o esquema corporal e estes são conceitos e objetos precisos da psicomotricidade, cada vez mais discutidos na contemporaneidade. Buscam fugir de velhos pa-radigmas e apostar no sujeito que está presente8.

Ainda segundo a Declaração de Salamanca26, “o princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças deveriam aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter, acomodando tanto estilos como ritmos diferentes de aprendizagem e deveriam receber qualquer apoio extra que possam precisar, para que se lhes assegure uma educação afetiva”.

Na medida em que há uma superação da hie-rarquização entre pensamento e vida, é possível chegar à seguinte lógica: existem as vivências, e isso é o que há de essencial; existem pessoas pensando as vivências, o que já é algo tardio e existem pessoas a pensar o pensamento. Se a escola não consegue abarcar o mais simples, que é o que há de mais fundamental, como poderá abarcar o mais complexo?27

Educação e Saúde são áreas indissociáveis no atendimento a pessoas com necessidades especiais, porém a ausência de diálogo entre essas áreas é sentida na formulação das políticas e ações governamentais de atenção à pessoa e na organização da prestação de serviços te-rapêuticos e educacionais. Embora o trabalho com essa clientela seja por princípio de nature-za multidisciplinar, verifica-se com frequência uma fragmentação de serviços, em que cada profissional considera sua área prioritária. Se não houver troca de saberes e experiências, in -clusive, os futuros profissionais continuarão com uma postura fragmentada e especializada8.

O processo de formação se tornou mais um procedimento do que um processo, mais algo externo do que uma vivência. É por meio dessa mentalidade de longa duração, fruto de uma hierarquização, que separa o pensamento da

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vida, que diversas leis foram criadas, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-nal prevista na constituição, revogado pela Lei nº 9.394 de 199628. Não é possível utilizar o modelo pedagógico da Escola Tradicional para embasar as políticas inclusivas dos séculos XX e XXI, na medida em que é problemática a visão da escola enquanto ambiente, apenas, de “instrução formal”. Uma nova forma de conceber a educação gera uma nova forma de conceber o humano. Inclusão não é submissão, “integração” às normas a que os “normais” estão submetidos27.

Segundo Rumpf29, as práticas escolares su-pervalorizam as operações cognitivas e distan-cia progressivamente o sujeito da experiência sensorial direta. Para esse autor, a escola, nos últimos 150 anos de processo civilizatório, pre-tende não somente disciplinar o corpo e, com ele, os sentimentos, as ideias e as lembranças a ele associadas, mas também anulá-lo. Este autor analisou as formas atuais de controle do corpo: nos regulamentos da escola, no conteúdo das disciplinas, nos livros didáticos e nos discursos e hábitos metodológicos do professor30.

Alunos em fileiras, professor à frente, livros didáticos, programas de estudo sobrecarregados e falta de motivação, sugerem que, infelizmente, décadas de pesquisa em educação pouco fizeram para mudar nossas escolas. Há avanços, mas, de um modo geral, nossas escolas comportam--se como se Piaget, Vygostky, Freire ou Papert jamais tivessem existido. A maioria concordaria que conhecimento se constrói (Piaget), que a escola precisa fornecer ferramentas de leitura do mundo (Freire), que o “fazer” é um grande instrumento de aprendizado (Papert) e poucos afirmariam que o melhor jeito de aprender é com um aluno sentado durante horas, ouvindo o professor4.

Existe inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre, de um lado, os saberes desunidos, divididos, compartimentados e, de outro lado, as realidades ou os problemas cada vez mais multidisciplinares, transversais, multi-dimensionais, transnacionais, globais e planetá-rios. O global é mais que o contexto, é o conjunto

das diversas partes ligadas a ele de modo inter--retroativo ou organizacional e a sociedade é o todo organizador de que fazemos parte1.

A aprendizagem de conteúdos é uma apren-dizagem sem corpo, e não somente pela exi-gência do aluno ficar sem movimentar-se, mas, sobretudo, pelas características dos conteúdos e dos métodos de ensino, que o colocam em um mundo diferente daquele no qual ele vive e pensa com seu corpo. Na escola, constata-se o privilégio dado às operações cognitivas abs-tratas, dissociando-as da participação corporal e desvinculando-as de experiências sensoriais concretas, além de esquecer o sentido existencial do presente em função de um futuro abstrato30.

O ensino, ligado até agora à educação es-peculativa e verbal, tem de refazer-se no todo para fazer-se prático. É ilusão supor-se que existe oposição entre educação geral e educa-ção prática. O que existe são diversos tipos de educação geral, cada um deles estruturado de modo diferente segundo as condições próprias de cada tipo de sociedade2.

“A aprendizagem formal, está presente de corpo inteiro. Pois o ser que pensa é também o ser que age e que sente. O sujeito realiza-se e se constrói movido pela intenção, pelo desejo, pelos sentidos, pela emoção, pelo movimento, pela expressão corporal e criativa31”. “A per-cepção do corpo é confusa na imobilidade, pois lhe falta a intencionalidade do movimento. A intencionalidade não é algo intelectual, mas uma experiência da motricidade”9.

Apesar de filósofos contemporâneos expli-carem o corpo na sua totalidade, este não é um problema resolvido. Ao contrário, o resgate da totalidade e, com isso, da corporeidade deve ser uma preocupação perene para aqueles que, de alguma forma, lidam com a questão do corpo e com a educação. “A aprendizagem ocorre via corporeidade em meio à cultura que nos cerca”32.

Para responder à pergunta inicial colocada no início desse artigo, quais são os caminhos para que a educação do futuro possa ser centrada na condição humana e que consiga ilustrar o princípio de unidade/diversidade em todas as

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esferas? Buscou-se realizar um contraponto entre educação e corporeidade no contexto do sistema oficial de ensino; resgatar o ato motor e o significado da corporeidade em diferentes etapas da educação básica; reapresentar o pa-pel do corpo como um elemento essencial no processo de aprendizagem e apresentá-lo como estratégia para o sucesso da escola inclusiva e como espaço de convivência, inclusive durante a adolescência, no Ensino Fundamental e Médio.

CONSIDERAÇÕES FINAISInicialmente, podemos considerar que na

Educação estamos diante de dois desafios: o primeiro deles é responder à pergunta que se estende há anos: “qual escola que queremos?” E, finalmente, começar a “co-responder” por meio de uma prática efetiva. Considera-se o fato de que há subsídios teóricos em quantidade e diversi-dade para sustentar a prática. O outro e, talvez, o maior desafio para um sistema edu cacional padronizado, sempre será a “unicidade do ser”.

No cotidiano escolar é possível conferir a singularidade de cada um. O que possibilita argumentar: se cada ser é único e diferente do outro, não se deveria trabalhar a questão da diversidade apenas quando se depara com um processo de inclusão no âmbito escolar. Este deveria ser um processo planejado e permanen-te para não proporcionar o constante paradoxo inclusão/exclusão.

Durante reflexões sobre possíveis contribui-ções à inclusão, a questão que se apresenta à frente é: como pensar em inclusão de crianças

e jovens sem pensar nas deficiências e necessi-dades especiais do sistema educacional vigente? A escola, como parte do sistema, apresenta defi-ciências que deveriam ser sanadas para acolher toda diversidade de ser que nela adentra. E constata-se como um agravante que os espaços educadores, na contemporaneidade, ainda estão impregnados do conceito do dualismo cartesia-no, cisão entre corpo e mente. Contudo alguns autores citados, entre outros, apontam há muito tempo caminhos e descaminhos presentes na Educação, na tentativa de superar este modelo ainda arraigado na sociedade ocidental.

O ato motor reconsiderado e a corporeidade valorizada no fazer pedagógico, como estratégia no processo de inclusão, de socialização e difu-são de cultura, especialmente no Ensino Funda-mental, contribuiria para amenizar dificuldades relacionadas ao processo de aprendizagem, minimizando deficiências e carências presentes no próprio sistema educacional e no subsistema Escola e poderia ganhar significado na prática incipiente da inter e a transdisciplinaridade.

Como aponta Nóbrega9: “ler, escrever, contar, narrar, dançar, jogar são produções do sujeito humano que é corpo”. A gestualidade e os cuida-dos com o corpo podem e devem ser tematizados nas diferentes práticas educativas propostas nos currículos e viabilizados por diferentes discipli-nas. Afinal, a educação inclusiva é vinculada à busca incessante de proporcionar a autonomia de ser e de saber da(o) educanda(a), valorizando e respeitando o seu conhecimento prévio, sua singularidade e linguagem corporal, visto ser o estudante um sujeito social em construção.

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SUMMARYInclusion strategy: rescue of embodiment within schools

This work is a reflection on the education of paths in the future, centered on the human condition, under the aegis of the principle of unity-diversity proposed by Edgar Morin. Performs a counterpoint between education and corporeality in the context of the official education system, emphasizing the importance of rescuing the motor act and the meaning of corporeality in different stages of basic education. Restates the body’s role as an essential element in the learning process and presents the valuation of corporeality and movement as strategies for the success of inclusive education and the school as living space, including during adolescence, considering the elementary and high school. Inclusive education is linked to the incessant quest to provide autonomy to be and to know the student, valuing and respecting their prior knowledge, their uniqueness and body language, as it is the student a social subject in construction.

KEY WORDS: Mainstreaming (Education). Perception. Body image.

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30. Gonçalves MAS. Sentir, pensar, agir: corpo-reidade e educação. Coleção Corpo e Motri-cidade. 15ª ed. Campinas: Papirus; 2012.

31. Freire P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Editora Paz e Terra; 1991.

32. Aragão M, Cardoso ANT. Consciência cor-poral: uma concepção filosófica-pedagógica da apreensão do movimento. Rev Bras Cienc Esporte. 2001;22(2):115-31.

Trabalho realizado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), São Carlos, SP, Brasil.

Artigo recebido: 12/8/2015Aprovado: 30/10/2015

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ArTiGo DE rEVisão

RESUMO – A “dupla-excepcionalidade” pode ser definida como a presença de capacidades superiores em uma ou mais áreas, que ocorre conjuntamente a deficiências ou condições tidas como incompatíveis a essas capacidades. O presente estudo objetivou apresentar e discutir a presença das Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) na Síndrome de Asperger (SA), Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e nos Transtornos de Aprendizagem (TA). Comportamentos sociais e criatividade mostraram-se características fundamentais para diferencia-ção ou diagnóstico concomitante da SA e AH/SD. Em relação ao TDAH, verificou-se que comportamentos característicos a esse transtorno também podem ser observados nas AH/SD. Os TA representam o diagnóstico mais incomum de ser realizado em conjunto às AH/SD, pois corriqueiramente o bom desempenho acadêmico é atrelado à superdotação.

UNITERMOS: Inteligência. Criatividade. Síndrome de Asperger. Trans-torno do deficit de atenção com hiperatividade. Transtornos de apren dizagem.

Correspondência Rauni Jandé Roama AlvesPUC-Campinas – Programa de Pós-Graduação em PsicologiaAv. John Boyd Dunlop, s/n – Jardim Ipaussurama – Campinas, SP, Brasil – CEP: 13060-904. E-mail: [email protected]

Rauni Jandé Roama Alves – Psicólogo, doutorando em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica (PUC) – Campinas, Campinas, SP, Brasil.Tatiana de Cássia Nakano – Psicóloga, professora dou-tora do programa de pós-graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica (PUC) – Campinas, Cam pinas, SP, Brasil.

a duPla-exCePCionalidade: relações entre altas haBilidades/suPerdotação Com a síndrome de asPerger, transtorno de défiCit de atenção e hiPeratividade e

transtornos de aPrendizagem

rauni Jandé roama Alves; Tatiana de Cássia Nakano

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INTRODUÇÃOA “dupla-excepcionalidade” pode ser definida

como a presença de alta performance, talento, habilidade ou potencial, ocorrendo em conjunto com uma desordem psiquiátrica, educacional, sensorial e física1. Envolve, também, a ideia de que pessoas que demonstram capacidades supe-riores em uma ou mais áreas poderiam apresen-tar ao mesmo tempo deficiências ou condições incompatíveis com essas características2. Como exemplo, na área cognitiva, pode-se citar casos em que crianças possuem Altas Habilidades/Su-perdotação (AH/SD) juntamente com transtornos do neurodesenvolvimento, como a Síndrome de Asperger (SA), Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtornos de Apren-dizagem (TA), dentre outros3.

A literatura aponta que o reconhecimento dessa dupla condição é, sobretudo, resultado de observações clínicas, muito mais do que de estudos teóricos e empíricos, haja vista também que até o momento nenhuma teoria específica tenha sido elaborada para explicá-la4. Esse tema vem se constituindo cada vez mais em uma área de grande interesse científico, mesmo com a escassez de estudos no Brasil, e tem sido tomado como detentor de grande potencial para a compreensão mais global da população com necessidade educacional especializada5.

Especificamente em relação às AH/SD, ainda é comum em práticas institucionais observar-se o mito de que os indivíduos que as possuem não apresentam dificuldades educativas, emocionais, comportamentais ou especiais6,7, mesmo estando inclusas pela lei brasileira como uma condição que necessita de atendimento educacional espe-cializado8. De acordo com material disponibiliza-do pela Organização dos Estados Ibero America-nos (www.oei.es/quipu/brasil/educ_especial.pdf), de 2012, é papel da educação especial ser “uma modalidade de ensino destinada a educandos portadores de necessidades educativas especiais no campo da aprendizagem, originadas quer de deficiência física, sensorial, mental ou múltipla, quer de características como altas habilidades, superdo tação ou talentos”.

Faz-se notar que uma grande parcela de pro-fissionais das mais diversas áreas, desde a edu-cação até a saúde, corriqueiramente não possui preparo teórico e/ou clínico para o reconhe ci-mento de que sujeitos com algum tipo de dé-fi cit possam possuir melhores habilidades do que aqueles com desenvolvimento considerado normal9. Os educandos continuam sendo “cate-gorizados” e atendidos, em sua grande maioria, apenas por suas dificuldades10. Os modelos prevalentes de avaliação cognitiva, principal-mente em âmbito nacional, frequentemente também apresentam foco em características de-ficitárias (como, por exemplo, em expectativas estereotipadas de baixo desempenho, em atrasos desenvolvimentais, nos déficits em oportunida-des e experiências, nas visões restritas de su-perdotação e nas preocupações específicas com a deficiência), mesmo quando realizados inter-disciplinarmente3. Pouca atenção tem sido dada ao quadro oposto, marcado pela alta habilidade em alguma área ou mesmo para uma possível dupla-excepcionalidade.

Além disso, nota-se um despreparo na ope-ra cionalização das práticas previstas nas le-gislações, somadas à grande quantidade de con cepções equivocadas acerca do fenômeno e problemas na formação docente, de modo que prejuízos podem ser notados não somente no re-conhecimento, mas também na forma como rea-bilitar e estimular esses quadros11. Justifica-se, assim, a importância do trabalho com todos os pro fissionais que lidam direta e principalmente com crianças, os quais devem ser incentivados com o objetivo de ampliar seu papel na indicação e atuação em relação àqueles que possuam a dupla-excepcionalidade12.

Neihart13 afirma que é possível se observar a existência de três grandes grupos de crianças duplamente-excepcionais com AH/SD, os quais exigem características diferentes para identifi-cação e formas de intervenção. O primeiro gru-po engloba aqueles em que a alta capacidade linguística possibilita bons desempenhos no ensino infantil, mas os níveis de desempenho e realização diminuem conforme a elevação das

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exigências do currículo escolar, principalmente quando relacionadas à área da dificuldade, tornando os déficits mais evidentes. O segundo grupo é referente a crianças que apresentam dificuldades percebidas precocemente, as quais, muitas vezes, acabam mascarando seus talentos. Tais crianças são encaminhadas frequentemente para salas de reforços, mas não para as de acele-ração de suas potencialidades e talentos. Por fim, há crianças cujos talentos mascaram as dificul-dades, atuando de forma a impedir a percepção e estimulação do seu potencial, as quais podem, inclusive, nunca serem identificadas. Ainda de acordo com o autor, de forma geral, os compor-tamentos, atitudes e realizações de crianças com essas características não se assemelham com as comumente atribuídas a pessoas com habilida-des cognitivas desenvolvidas, pelo contrário, são comuns aspectos como: resistência e comporta-mentos perturbadores em sala, hiperatividade, negativismo, desempenho abaixo da média em leitura, escrita e matemática, imaturidade social, etc. McEachern & Bornot14 verificaram que esse último seria o grupo mais prevalente desse tipo de dupla-excepcionalidade, e atingiria cerca de 41% da população com esse quadro. Reconhe-ce-se, assim, a possibilidade de existência de diferentes modos da superdotação, bem como a heterogeneidade dos indivíduos que compõem esse grupo15.

Nesse sentido, Kalbfleisch & Iguchi5 propõem que três grandes áreas devem permear o aten-dimento e pesquisa sobre essa dupla-excepcio-nalidade: (a) identificação apropriada, (b) in-tervenção e (c) suporte emocional e social. Na primeira estariam os cuidados a serem tomados na identificação do quadro, considerando-se principalmente que o processo de identificação é complexo e envolve, além de dados psicomé-tricos, a utilização de uma variedade de recur-sos11,16, os quais contemplam análises clínicas do histórico do indivíduo, resultados de uma bateria de conhecimentos, teste de inteligência e de criatividade, indicadores de processamento cognitivo e observações comportamentais, assim como avaliação de pais e professores. Tais infor-mações podem auxiliar na decisão acerca da pre-

sença de critérios indicativos da dupla excepcio-nalidade, já que muitas vezes os testes podem não apresentar claramente esse perfil, exigindo experiência dos que estiverem envolvidos na avaliação. Entretanto, Kerr & Sodano17 chamam a atenção para o fato de que, muitas vezes, in-felizmente, após todo o processo avaliativo, os resultados da avaliação das AH/SD mostram-se inconclusivos, apontando que alterações devem ser feitas também na própria estrutura dos ins-trumentos, cujos processos de validade preditiva e de normatização deveriam ser realizados de modo a contemplar essa população específica, considerando-se suas especificidades18.

Na segunda área, da intervenção, há algumas modalidades de programas que vêm sendo im-plementados e estudados em diferentes países no atendimento às necessidades de pessoas com AH/SD, dentre eles: programas de enri-quecimento curricular, programas de aceleração e pro gramas de treinamento19-21. No caso da dupla-excepcionalidade, independentemente do programa, a literatura tem reforçado a necessida-de de se investigar como realizar a estimulação das habilidades e a superação das dificuldades, ambas ocorrendo concomitantemente. Estra-tégias que possam envolver as habilidades na superação das deficiências são uma das táticas que devem ser abordadas. Infelizmente, na prá-tica, essas ações não atingiram todas as escolas ou cidades do Brasil, pois há ainda problemas na identificação desses alunos2.

Em relação ao suporte emocional, deve-se tomar um grande cuidado em relação a esses in -divíduos duplamente excepcionais. A literatu ra tem apontado que grandes dificuldades emo-cionais, comportamentais e sociais podem apa-recer em comorbidade a esses casos, mas que frequentemente somente aspectos cognitivos são levados em consideração em processos de avaliação e intervenção8,13,20,22-24. Por outro lado, pesquisas vêm investigando como a forte motivação, aliada à utilização de es tratégias de coping, permite a compensação das dificuldades em muitos casos5,25.

Considerando-se as características gerais que foram expostas até o momento sobre a dupla-ex-

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cepcionalidade envolvendo as AH/SD, o pre-sente estudo, teórico, foi proposto. Dessa forma, objetivou-se apresentar e discutir a presença das AH/SD em transtornos que mais comumente aco-metem a infância, especificamente a SA, TDAH e nos TA3,18, a partir de uma revisão da literatura.

MÉTODOFoi realizada revisão da literatura de estudos

teóricos e empíricos sobre a dupla-excepciona-lidade. Investigaram-se livros (presentes na bi blioteca da Pontifícia Universidade Católica de Campinas), bases de dados eletrônicas na-cionais (Scientific Electronic Library Online e a base de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e internacionais (American Psychological Asso-ciation, Education Resources Information Center, PubMed e Scopus).

Nas bases de dados foram utilizados e cruza-dos os seguintes descritores na busca das publi-cações: dupla-excepcionalidade, inteligência, autismo, Síndrome de Asperger, Transtorno de Dé ficit de Atenção e Hiperatividade, TDAH, transtornos de aprendizagem, dificuldades de aprendizagem, superdotação, altas habilidades; nas bases internacionais foram utilizadas suas respectivas traduções em inglês. Foi delimi-tado tempo de busca de 2000 a 2015. Foram selecionadas as investigações que possuíssem no título os descritores citados, bem como seus objetivos de análise tivessem sido a ocorrência da dupla-excepcionalidade nesses casos. Os aspectos metodológicos e resultados que com-punham essas produções foram brevemente descritos e formaram o corpo das três principais seções desse artigo: discussões sobre a dupla--excepcionalidade na (1) SA, no (2) TDAH e nos (3) TA. Ao final de cada seção, foi realizado um resumo dos achados encontrados considerados mais relevantes sobre cada temática.

DUPLA-EXCEPCIONALIDADE EM TRANS-TORNOS DA INFÂNCIASíndrome de Asperger A SA diferencia-se do autismo clássico e

possui critérios diagnósticos próprios, sendo

os mais evidentes: prejuízo grave e persistente na interação social; desenvolvimento de pa-drões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades; alto poder de memo-rização e velocidade de raciocínio relaciona-dos às ati vidades repetitivas; nenhum atraso signi ficativo no desenvolvimento da linguagem; não há atrasos clinicamente significativos no de senvolvimento cognitivo (inteligência) ou no desenvolvimento de habilidades de autoajuda apropriadas à idade26. Atualmente, está inclusa dentro do Transtorno do Espectro Autista, sendo sua nomenclatura considerada em desuso pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-V)27.

Tendo como foco estudos sobre a SA e a dupla-excepcionalidade, primeiramente aqueles teóricos e de levantamento bibliográfico, pode-se citar o estudo realizado por Neihart28. A autora destaca a alta frequência de relações feitas entre essa síndrome e as AH/SD, muitas vezes sem base científica, tanto na própria literatura como no senso comum, provavelmente em razão de que, em alguns casos, os indivíduos que apre-sentam SA também apresentam inteligência acima da média. A autora aponta, também, que clinicamente são verificadas dificuldades na rea-lização do diagnóstico das AH/SD em crianças com SA, pois esse tipo de autismo muitas vezes está relacionado à dificuldade de aprendizagem, ao contrário do que é frequentemente pensado, sendo tal dificuldade usualmente focada na ava liação e no diagnóstico, não havendo a preo-cupação em identificar as AH/SD. Nesse sentido, a autora propõe que algumas observações mais centrais sejam realizadas para que haja o correto diagnóstico da dupla-excepcionalidade entre a SA e as AH/SD (SA/AH/SD): unidos a critérios diagnósticos para AH/SD, devem ser observadas também maiores dificuldades de mudança de rotina e de contato social, ausência de compreen-são de abstrações (considerando tudo “ao pé da letra”), maiores complicações de ordem motora e estereotipias.

Outras características que podem ser obser-vadas em sujeitos com essa dupla-excepcionali-

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dade são apontadas por Alencar & Guimarães29, Horn30 e Norris & Dixon31: discurso fluente alia-do a um pensamento original e analítico (na SA pura haveria um discurso mais pedante e menos coeso); assim como somente ocorre na SA, nesses indivíduos haveria uma maior dificuldade em comportamentos que envolvam empatia e ex-pressão da afetividade; são criativos com jogos de palavras e em trocadilhos, mas o humor estará alterado, não entendendo piadas e situações que exigiam maior abstração (comumente isso não ocorre em crianças com AH/SD puramente); as dificuldades no contato social serão frequentes, corriqueiramente esses sujeitos falarão incessan-temente sobre um tema de interesse sem perce-ber a reação do outro (o que não acontece com aqueles que possuem somente AH/SD).

Dentro desse quadro duplamente-excepcio-nal, importante estudo foi conduzido por Vieira & Simon32, tendo como objetivo o levantamento das publicações científicas sobre a temática, entre os anos de 2000 a 2011, em livros, artigos e teses pertencentes a diversas bases de dados nacio-nais e internacionais. A partir desse estudo, as au toras pretendiam conhecer as características comuns e diferentes dos sujeitos com SA e AH/SD. Para tanto, agruparam as características em quatro categorias: cognição, interação social, comportamento adaptativo e comunicação. Cate-gorias semelhantes também foram apontadas por Simões et al.33.

Sobre a primeira categoria, a cognição, as se-melhanças compartilhadas entre SA e AH/SD seriam a ausência de atrasos significativos na linguagem e desenvolvimento cognitivo, assim como presença de fluência, precocidade em lin-guagem falada e escrita (hiperlexia), vocabulário sofisticado, linguagem sofisticada e formal, de-senvolvimento superior em determinada área de interesse e desenvolvimento não equiparado entre cognitivo e social/afetivo. Em indivíduos com AH/SD, diferentemente daqueles que apre-sentam SA, encontrar-se-ia um maior desenvol-vimento das seguintes habilidades: alto grau de curiosidade, atenção concentrada, interesse por problemas filosóficos, morais, políticos e sociais,

assim como originalidade para resolver proble-mas, e, consequentemente, criatividade - sendo essa última uma das principais características que os diferenciam32.

Em relação à área da interação social, as au-toras destacam que, ao contrário de sujeitos que possuem AH/SD, os sujeitos com SA apresentam comprometimento grave e persistente nesse quesito, com dificuldades em se colocar no lugar do outro, rigidez de pensamento, dificuldade em discernir a ficção da realidade e dificuldade em perceber o perigo. Em relação ao comporta-mento adaptativo, enquanto sujeitos com AH/SD mostram-se independentes, autônomos, perfec-cionistas, persistentes, contrários a atividades curriculares regulares e questionares de regras, os sujeitos com SA usualmente mostram compor-tamentos restritos e estereotipados, área única de interesse intenso, movimento repetitivo, contato visual mínimo, respostas afetivas inadequadas, passividade, agressividade, apego a rotina32.

Por fim, dentre as características de comuni-cação mais comumente observadas nos indiví-duos com SA, e que não se fazem presentes nas AH/SD, estariam as dificuldades para iniciar ou manter conversa, o discernimento de um assunto como adequado, a falta de linguagem corporal adequada, a incapacidade de interpretar a lin-guagem corporal e expressões faciais alheias, a fala pedante e exagerada, as dificuldades em identificar diferenças e variedade de sons da lin-guagem (prosódia)32. Apesar disso, costumam-se diferenciar-se do autismo clássico, quando há a dupla-excepcionalidade em ambos os diagnósti-cos, por melhores desempenhos em habilidades verbais do que em matemática (essa última seria mais desenvolvida no autismo clássico)34.

Em relação aos estudos especificamente em-píricos, primeiramente pode-se citar o conduzi do por Mettrau et al.35, que teve como objetivo ava liar o Quociente de Inteligência (QI) de 100 crian-ças diagnosticadas com SA, por meio da Escala Wechsler de Inteligência para Crianças – 3a Edição (WISC-III). Os resultados demonstraram que 5 crianças obtiveram classificação muito superior (QI acima de 130), tanto no QI verbal

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como no de execução (com exceção de um sujeito classificado como superior nesse último, com 129 pontos de QI), assim como nos índices fatoriais de velocidade de processamento, resistência à distração, organização perceptual e compreensão verbal, todos com classificação muito superior. As autoras concluíram que, dentre algumas poucas crianças diagnosticadas com SA, pôde-se verificar a dupla-excepcionalidade.

Em estudo desenvolvido por Guimarães36, foi investigado o desenvolvimento, características cognitivas e socioemocionais de um indivíduo com SA (sexo masculino, 11 anos, estudante do 5o ano do Ensino Fundamental na escola regular e frequentador de sala de recursos para AH/SD). Os dados coletados por meio de entrevistas e documentos, assim como acompanhamento das atividades realizadas pelo sujeito, apontaram para uma inteligência superior, habilidades em diferentes áreas (português, língua estrangeira, ciências, matemática, informática e desenho), concomitantemente à presença de dificuldades emocionais e sociais, claramente con cluído como um caso de dupla-excepciona lidade. A au tora finaliza argumentando que, quando há a dupla-excepcionalidade, pode haver benefícios significativos para a melhora do nível adaptati-vo do transtorno, principalmente por as AH/SD fornecerem bases importantes para a superação das dificuldades apontadas.

Verificou-se, de forma geral, que em relação à SA e às AH/SD, os estudos visaram diferenciar e entender a integração desses diagnósticos que são frequentemente considerados altamente correlacionados, desmistificando essa afirmação, assim como a de que todo SA apresentaria in-teligência superior. O comportamento social foi um dos indicadores mais marcantes e importante de ser investigado mais detalhadamente, assim como também comportamentos de comunicação e emocionais, para que o diagnóstico diferencial de ambos os diagnósticos, principalmente quan-do houver suspeita de dupla-excepcionalidade, seja bem realizado. Esse comportamento se mostrou em prejuízo sempre quando há a SA, mesmo acompanhada das AH/SD. Já a criativi-

dade se mostrou como um indicativo cognitivo importante de ser observada em um processo avaliativo, pois corriqueiramente não estará de-senvolvida em casos puros de SA, ao contrário do que ocorreria nos casos de AH/SD.

Transtorno de Déficit de Atenção e Hipera-tividadeO TDAH caracteriza-se por um padrão persis-

tente de desatenção e/ou hiperatividade, mais frequente e grave do que aquele tipicamente obser vado em indivíduos em nível equivalente de desenvolvimento. Pode-se apresentar em três grupos: predominantemente desatento, pre dominantemente hiperativo/impulsivo e com-binado. Esses sintomas interferem diretamente em atividades da vida diária, sendo um dos transtornos mais comuns da infância27.

Em relação aos estudos teóricos e de revisão bi bliográfica que envolveram a dupla-excepcio-nalidade entre o TDAH e as AH/SD (TDAH/AH/SD), pode-se citar primeiramente o realizado por Kaufmann et al.37, que verificaram que, apesar de condições diferentes, apresentam inúmeras habilidades semelhantes, tais como uma fala rá-pida, impulsividade, alta sensibilidade à estimu-lação ambiental, intensa curiosidade, tendência a misturar realidade e ficção, comportamentos exacerbados, constantes queixas comportamen-tais por parte de seus cuidadores, e dificuldades de ajustamento a novos ambientes.

Hosda et al.38 também afirmaram que os sujei-tos com AH/SD ou TDAH apresentam compor-tamentos aparentemente semelhantes, fato que causa equívocos na caracterização e na identi-ficação de ambos os quadros. Muitos compor-tamentos típicos do TDAH (tais como agitação constante, problemas em permanecer sentado, distração, respostas impulsivas, dificuldade em terminar tarefas, desorganização e exposição a riscos) também podem ser apresentados por alu-nos com AH/SD, devido principalmente a fatores como frustração, atividades pouco desafiadoras, currículo escolar insuficiente e procedimentos inadequados de ensino-aprendizagem. Como exemplo, a agitação, principal característica do

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TDAH, costuma se manifestar nas AH/SD quan-do o conteúdo que está sendo desenvolvido em sala de aula já é de conhecimento, ou quando o indivíduo conclui suas tarefas em sala de aula e está em período ocioso. A diferença situar-se-ia no fato de que nas crianças com TDAH a agita-ção está presente na maioria dos ambientes que frequenta e naquelas com AH/SD somente em contextos que fujam da área do seu interesse, sendo comum serem observados questionamen-tos relacionados a uma curiosidade ou conheci-mento fora do que está sendo debatido. Tem-se, então, que a impulsividade e hiperatividade possam ser características de ambos os quadros, mas se diferenciam principalmente em relação à frequência e intensidade, assim como as ocasiões em que acontecem8.

Ainda que semelhanças possam ser encontra-das entre ambos os quadros, Hosda & Romano-wski39 e Antshel et al.40 defendem a existência de características específicas para quando estive-rem associados. O sujeito que apresentar TDAH/AH/SD poderá ter um desempenho acadêmico inconstante, o que corriqueiramente não acon-tece com aqueles que possuem somente AH/SD, além de prejuízos em habilidades motoras finas e, consequentemente, na escrita, como em indi-víduos somente com TDAH. Poderá ser obser-vada também área de interesse relacionada a conhecimentos não acadêmicos41. Esses sujeitos apresentarão maior facilidade na aquisição de um conhecimento, mais rapidamente que um su-jeito com apenas o TDAH37. Interessantemente, em estudo exploratório realizado por Silva42, foi encontrada a prevalência de 37,8% de sintomas de TDAH em crianças com alta inteligência.

Os sujeitos que possuem ambas as condições podem ser reconhecidos somente por um padrão de comportamento durante o processo de avalia-ção, o que será prejudicial para um bom prognós-tico. Budding & Chidekel43 apontam que um dos grandes diferenciais de uma criança que possui apenas TDAH ou apenas AH/SD para uma crian-ça que possua o TDAH/AH/SD é o desempenho criativo e o pensamento divergente, que tendem a estar mais desenvolvidos nesse último quadro

e deverão ser detalhadamente observados no processo avaliativo. Outro cuidado apontado re fere-se à avaliação da inteligência, visto que alguns autores44 observaram que os testes comu-mente aplicados no grupo com TDAH tendem a não demonstrar seus verdadeiros potenciais intelectuais, de modo que o aspecto clínico deve prevalecer sobre o raciocínio nos testes a serem utilizados, sem desconsiderar como os comportamentos característicos do TDAH podem influenciá-los e, dessa forma, facilitar a identificação das AH/SD.

Em termos de resultados empíricos, Germa-ni45 estudou crianças que apresentavam AH/SD, TDAH e TDAH/AH/SD. O objetivo de sua pesquisa foi investigar quais padrões de compor-tamento seriam semelhantes e diferentes entre os três grupos. A metodologia utilizada foi a qua-litativa, baseada em análise de entrevistas reali-zadas com os professores, pais e com as próprias crianças. Após análise de tais entrevistas, foram organizadas oito categorias de comportamento: (1) aprendizagem; (2) relacionamento social entre seus pares; (3) motivação e persistência; (4) criatividade; (5) organização e planejamento; (6) atenção e memória; (7) regras e comunicação e (8) interesses e/ou habilidades. Foram verifi-cadas muitas diferenças entre os diagnósticos de AH/SD e TDAH em praticamente todas as categorias. Entre os quadros de TDAH/AH/SD e AH/SD foram verificadas maiores diferenças nas categorias 1, 5, 6 e 7, com melhor desempenho do último grupo. Entre os quadros de TDAH/AH/SD e TDAH foram vistas poucas diferenças, mais em relação às categorias 4 e 7, com piores desempenhos das crianças com TDAH, a autora afirma que a observação de tais categorias po-derá ser decisiva em um processo de avaliação.

Também Ourofino & Fleith8 desenvolveram estudo com o objetivo de comparar alunos com AH/SD, TDAH e TDAH/AH/SD em relação a criatividade, inteligência, autoconceito, déficit de atenção e hiperatividade/impulsividade, com portamento antissocial e dificuldades de aprendizagem. Participaram do estudo 114 crianças, sendo 52 com AH/SD, 43 com TDAH e

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19 com TDAH/AH/SD. Os resultados indicaram diferenças significativas entre as crianças dos três grupos em favor dos que possuíam AH/SD em praticamente todas as habilidades investi-gadas, com diferença estatística significativa nas medidas de inteligência, autoconceito e criativi dade (originalidade verbal). As crianças com TDAH apresentaram um escore mais ele-vado nas me didas de desatenção, hiperatividade/im pulsividade, comportamento antissocial e dificuldades de aprendizagem, em comparação aos outros grupos. Especificamente em relação ao grupo com dupla-excepcionalidade quando comparado ao grupo com TDAH houve somente uma diferença: apresentaram resultado maior em inteligência.

Por outro lado, em estudo realizado por Fugate et al.46, foi encontrado um outro perfil de di-ferença em criatividade. Os autores realizaram uma investigação que teve por objetivo avaliar e comparar a memória de trabalho e criatividade de alunos com AH/SD (n=20) e TDAH/AH/SD (n=17). Foram encontradas diferenças signifi-cativas em memória de trabalho, com os alunos TDAH/AH/SD apresentando pior desempenho. Foram encontradas diferenças significativas em criatividade também, porém com o grupo TDAH/AH/SD apresentando melhores desempenhos, ao contrário do que visto no estudo anterior.

Foley-Nicpon et al.47 buscaram examinar a autoestima e autoconceito de crianças e adoles-centes com TDAH/AH/SD. Os dados foram co-letados em 112 sujeitos, com idade entre 6 e 18 anos, identificadas como tendo alta capacidade cognitiva (QI de 120, percentil 91, ou superior), sendo que 54 também preenchiam critérios diagnósticos para TDAH. Os autores verifica-ram que os alunos TDAH/AH/SD apresentaram menores escores em medidas de autoestima e autoconceito do que os que possuíam somente AH/SD. Além disso, as crianças relataram maior felicidade geral do que os adolescentes, em ambos os grupos.

Whitaker et al.48 realizaram uma investigação que buscou identificar possíveis diferenças entre processos estratégicos de memória verbal entre

crianças com AH/SD, TDAH/AH/SD e TDAH; 125 participantes foram avaliados por meio da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças (4a Ed.) e o California Verbal Learning Test para crianças (CVLT-C). Os resultados revelaram diferenças significativas entre os grupos, com as crianças TDAH/AH/SD obtendo pontuações mais baixas no CVLT-C em comparação às crian ças que pos-suíam somente AH/SD, mas escores mais altos do que aqueles que possuíam somente TDAH.

Verificou-se que o TDAH e AH/SD, muitas vezes, compartilham comportamentos seme-lhantes e que, corriqueiramente, são atribuíveis somente ao TDAH. A presença contextual de com-portamentos de desatenção, impulsividade e hi-peratividade se mostrou como um dos principais focos de investigação no diagnóstico, tanto para diferenciá-los como para considerá-los conco-mitantes. No TDAH, eles tenderiam a ser mais generalizados, nas AH/SD se apresentariam quando os sujeitos são expostos a situações já conhecidas (como, por exemplo, uma atividade escolar) e, consequentemente, não motivadoras. A criatividade também se mostrou como um foco rico de investigação quando ocorre a dupla-ex-cepcionalidade, uma vez que, em alguns estu-dos, a identificaram como desenvolvida e outros não, quando comparada a casos de AH/SD puros. De modo geral, tal habilidade encontrou-se mais desenvolvida em casos de TDAH/AH/SD do que em casos puros de TDAH. Além disso, foi en-contrado um estudo sobre memória verbal, que apontou piores desempenhos de crianças com TDAH/AH/SD quando comparadas a crianças com AH/SD.

Transtornos de aprendizagemOs TA caracterizam-se como dificuldades na

aprendizagem e no uso de habilidades acadê-micas, com substancial desempenho abaixo do esperado para idade cronológica, que não devem ser explicadas por deficiências intelec-tuais, acuidade visual ou auditiva não corrigida, outros transtornos mentais ou neurológicos, adversidades psicossociais, falta de proficiência na língua de instrução acadêmica ou instrução

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educacional inadequada. Podem ser encontrados também sob as nomenclaturas de “distúrbios de aprendizagem”, “dislexia” (para transtorno específico de leitura), “discalculia” (para trans-torno específico de matemática) e “disgrafia” (para transtorno específico de escrita)27.

Em estudos teóricos e de levantamento biblio-gráficos relacionados à dupla-excepcionalidade nos TA, pode-se citar primeiramente os reali-zados por Fetzer49, Lovett50 e Silverman51, que verificaram que os TA constituem diagnósticos que mais raramente são reconhecidos como passíveis de acompanhar um quadro de AH/SD. Atualmente, os modelos mais atuais na área das AH/SD permitem que sujeitos com dificulda-des acadêmicas também possam receber esse diagnóstico15,52-54.

De forma geral, autores apontam os seguintes comportamentos como característicos de crian-ças TA/AH/SD55-57: ao contrário do que é fre-quentemente visto em crianças que possuiriam somente AH/SD, costumam ser consideradas crianças desleixadas, desorganizadas e com dificuldades em memória, dentro do ambiente escolar; frequentemente fracassam em ativida-des que exijam atividades de leitura, escrita e/ou aritmética, esperadas para sua série e idade escolar; apresentariam maior disposição à de-pressão e ansiedade que crianças que somente possuam TA; necessitam de um tempo maior para realização de atividades acadêmicas do que uma criança somente com AH/SD; possuem alta produção criativa; possuem facilidade em ativi-dades que envolvam processamento visual, como quebra-cabeças; apresentam facilidade em ativi-dades que envolvam pensamento abstrato; bom vocabulário; boa percepção de condutas sociais; são observadoras; apresentam-se moti vados em tarefas que exijam a resolução de pro blemas não acadêmicos; autoconceito mais rebaixado que uma criança com AH/SD.

De acordo com Baum58 e Baum et al.59, as crian ças com TA/AH/SD podem ser divididas em três grupos: (1) que apresentam claramente um determinado talento e sutis dificuldades de aprendizagem; (2) aquelas em que não fica clara

a presença de ambos os quadros, pois suas ha-bilidades mascarariam suas dificuldades e proporcionariam um desempenho acadêmico mediano; (3) aquelas que possuem claramente ambas as características, desde o início de seu desenvolvimento e vida escolar.

O primeiro grupo seria facilmente diagnosti-cado, em razão de seu alto desempenho, princi-palmente em testes de QI. No entanto, conforme os sujeitos se desenvolvem, as discrepâncias entre o desempenho acadêmico e inteligência começam a ficar mais evidentes. Nos anos es-colares iniciais, nos quais há um maior tempo para realização das atividades, maior ênfase na independência e na compreensão daquilo que está sendo trabalhado, esses estudantes, muitas vezes já possuidores do diagnóstico de AH/SD, apresentariam também bom desempenho escolar. No entanto, com o passar do tempo, por exemplo, costumariam impressionar seus pro-fessores por suas altas habilidades em lingua-gem oral, enquanto que, na linguagem escrita (especificamente leitura, escrita e soletração), o desempenho ficaria cada vez mais rebaixado (quando houver um transtorno com dislexia ou disgrafia). Seus cuidadores e educadores, fre-quentemente, acreditam que, caso as crianças se desempenhem individualmente em superar as dificuldades, as farão sem maiores problemas. Porém, se realmente possuírem algum TA, isso não irá ocorrer, e causará confusão e muitas demandas emocionais para todos os envolvidos, principalmente para as crianças58,59.

No segundo grupo estariam aquelas crianças que não costumam ser diagnosticadas nem com TA nem com AH/SD. Suas altas capacidades estariam constantemente trabalhando de forma a superar as dificuldades acadêmicas, no caso o TA mascararia a AH/SD e vice-versa. Seus talentos e habilidades costumariam aparecer em alta demanda em forma de criatividade para diversos modos de aprender, ao contrário de crianças sem dificuldades de aprendizagem com AH/SD, que investiriam seu potencial em desempenhos que estariam além do esperado para seu nível de desenvolvimento. De acordo

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com Lovett & Sparks60, deve-se ainda tomar cuidado com a análise dos testes psicométricos utilizados na avaliação, pois essas habilidades também podem mascarar desempenhos em ins-trumentos de medida de habilidades escolares. Esses estudantes são os mais difíceis de serem diagnosticados, pois não necessitam tão clara-mente de atendimento especializado (sejam por suas habilidades, quanto por suas dificuldades). Os TA frequentemente serão descobertos no en-sino médio ou quando adultos, quando ao acaso têm contato com informações do que seria um TA, identificando-se58,59,61.

As crianças pertencentes ao último grupo fre quentemente são identificadas em grupos de atendimento a TA. Os profissionais que lidarão com crianças com TA/AH/SD ainda não identi-ficadas com AH/SD poderão observar inúmeras habilidades antes nunca observadas, como na resolução de problemas cotidianos (inter e in-trapessoais), habilidades musicais, científicas, fi losóficas, entre outras. Em contextos fora do am biente escolar, elas costumam ser bem mais evidenciadas. Durante um processo diagnóstico, a investigação dessa diferença de desempenho em diferentes contextos deverá ser criteriosa-mente realizada, já que, muitas vezes, na escola não há oportunidade para que haja expressão desses potenciais. De forma geral, esse seria o grupo mais afetado em aspectos emocionais, pois convivem constantemente com a percepção de suas dificuldades desde o início de sua vida escolar. Sentimentos mais introspectivos até comportamentos inadequados no contexto escolar podem ser observados58,62,63.

Infelizmente, ainda é senso comum a ideia de que quando há AH/SD dificuldades acadêmicas não existirão64. Salienta-se que o acompanha-mento realizado por profissionais especializados em aprendizagem é recomendado também para crianças com AH/SD, por se tratar de crianças em pleno desenvolvimento e que, consequente-mente, possam vir a apresentar desempenhos incompatíveis com o que seja o esperado. As difi-culdades de aprendizagem num quadro de AH/SD poderão ser decorrentes de inúmeros fatores,

como um despreparo pedagógico para lidar com esse diagnóstico, problemas emocionais e sociais, ou mesmo a existência de TA. Cada um ne cessitará de intervenções específicas, sendo dessa forma essencial para profissionais que as acompanharão (e não menos importante para aqueles que as avaliarão) o conhecimento de que todos esses fatores possam coexistir concomi-tantemente65.

Em relação a estudos empíricos, pode-se citar primeiramente o realizado por Foley-Nicpon et al.66. Os autores buscaram identificar o conhe-cimento sobre a dupla-excepcionalidade dentro da comunidade educacional e psicológica, mais especificamente de profissionais que trabalham diretamente com a população de alunos com necessidades educacionais especializadas. Para isso, um questionário on-line, com 14 pergun-tas, foi respondido por 317 profissionais. Os re-sultados indicaram que os educadores estavam mais familiarizados com as legislações dentro da sua área de especialização (por exemplo, educação de superdotados ou de deficientes), assim como demonstraram mais conhecimento empírico que teórico sobre o tema. Por sua vez, os profissionais da Psicologia estavam mais fa miliarizados com o uso de programas de ava-liação e intervenção, como os do modelo de Res ponse to Intervention (RtI).

Interessantemente, por meio de programas de Rti, McCallum et al.67 verificaram que esse mo-delo de avaliação/intervenção seria uma ferra-menta importante na identificação de crianças com TA/AH/SD. Para isso, aplicaram RtI em 1242 crianças com alta inteligência. Os resultados indicaram a prevalência de 5,48% das crianças com dificuldades em matemática e 4,83% em leitura. De modo geral, concluíram, por meio de análises de discrepância, que 10% da amostra necessitariam de uma avaliação mais aprofun-dada sobre suas dificuldades, a fim de verificar um possível transtorno de aprendizagem.

Gilger et al.68 compararam exames de imagem de ressonância magnética funcional (fMRI) durante a realização de tarefas de rima, leitu-ra e processamento espacial em adultos com

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dislexia, com AH/SD, com AH/SD e dislexia e controle. Os resultados evidenciaram que o gru-po duplamente-excepcional apresentou redes neurais semelhantes às do grupo que somente possuía dislexia durante a realização de todas as tarefas, assim como encontrado em outro es-tudo realizado Gilger & Olulade69. Por sua vez, o grupo com AH/SD apenas apresentou redes neurais semelhantes ao do grupo controle. Os autores concluíram que as AH/SD, quando em conjunto com a dislexia, não modificam as redes de leitura corriqueiramente alteradas nesse transtorno. Berninger & Abbott70 e Viersen et al.57 verificaram que, muitas vezes, as AH/SD podem mascarar o baixo desempenho em habilidades escolares de crianças com dislexia, mas que, no entanto, quando avaliadas habilidades cog-nitivo-linguística, como de processamento fo-nológico, são encontrados prejuízos.

Foram ainda encontrados trabalhos de es-tudos de caso. Chakravarty71 e Kim & Ko72 apon taram para o fato de que, de modo geral, indivíduos com TA/AH/SD apresentariam como característica desempenho criativo acima do que é observado em casos puros de AH/SD. Es-pecificamente em relação à dislexia, os autores afirmam que, provavelmente, esse padrão seria explicado por condições cerebrais: o hemisfério direito seria mais desenvolvido, principalmente o lobo parietal, sendo tal condição responsável pelo talento e por produções criativas. Chakra-varty73 cita alguns casos famosos de AH/SD, como o de Leonardo Da Vinci e de Albert Einstein, que provavelmente possuíam dislexia, e argu-menta que tal diferença anatômica cerebral po-deria estar presente.

Por fim, dentre os achados mais interessantes, verificou-se que o quadro de TA/AH/SD seria um dos diagnósticos mais incomuns de ocorrência, pois a AH/SD está comumente atrelada a um bom desempenho acadêmico, relação essa des-mistificada por estudos mais atuais na área da superdotação. Como visto, em razão da AH/SD, os TA podem se manifestar de diversos modos quando em conjunto e mascarar um ao outro, é preciso que muitas vezes acompanhamentos

com caráter avaliativo sejam realizados longitu-dinalmente, tanto para aquelas crianças com diagnósticos realizados transversalmente de um quadro ou outro. Verificou-se que, quando houver TA/AH/SD, a criatividade provavelmente estará desenvolvida. Estudos de caso, com especula-ções teóricas sobre grandes pensadores tidos como superdotados, apontaram a criatividade frequentemente como desenvolvida quando há a dupla-excepcionalidade TA/AH/SD, mais do que em um quadro puro de AH/SD.

CONCLUSÕESOs estudos apresentados aqui apontaram

para diferentes padrões de comportamentos ca-racterísticos das AH/SD quando concomitantes a SA, TDAH e TA. Percebeu-se que as pesquisas buscaram investigar padrões cognitivos espera-dos, que possam ser semelhantes ou diferentes, em cada quadro duplamente-excepcional, sendo dado maior foco à comparação com casos puros de AH/SD. Fez-se notar que essa dupla-condição é passível de existência em termos probabilísti-cos, e que as avaliações devem possuir extrema atenção a detalhes, como respostas maquiadas em testes psicométricos, verificar possíveis habi-lidades em diversos ambientes, assim como ser proposta uma investigação mais longitudinal, sendo realizada uma intervenção com carac-terísticas também avaliativas, como ocorre em programas de RtI.

Observou-se que a criatividade foi uma das habilidades mais frequentemente investigadas quando houve a comparação entre grupos, com resultados apontando que ela deve ser conside-rada um foco de extrema importância durante o processo avaliativo. Principalmente quando se comparou grupos puros com AH/SD com grupo de indivíduos duplamente-excepcionais, a criati-vidade mostrou-se estar desenvolvida em ambos, com algumas vezes melhores desempenhos no segundo grupo. Esse dado se torna importante devido ao fato de que crianças são encaminha-das, avaliadas e passam por intervenções so-mente por suas dificuldades, e que mesmo com testes indicando alto QI, suas habilidades ficam

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em segundo plano ou, muitas vezes, não são iden tificadas, em todos esses procedimentos. Vale lembrar que, tanto a criatividade como a inteli-gência são consideradas elementos constituintes das AH/SD dentro dos modelos explicativos mais atuais desse fenômeno15,53,54,74, e ambas devem ser analisadas para que haja um diagnóstico mais completo, como o da identificação da dupla-ex-cepcionalidade.

Como limitação do presente estudo tem-se o número limitado de estudos e transtornos

abor dados. Outros transtornos e deficiências são pas síveis de serem estudados dentro da proposta da dupla-excepcionalidade, além de também ser possível abordar outras características desenvol-vidas, não somente as AH/SD.

De qualquer forma, acredita-se que o presente estudo atingiu seus objetivos, e, além disso, espe-ra-se que promova ainda mais o reconhecimento de que habilidades possam estar desenvol vidas em quadros considerados debilitantes.

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SUMMARYThe twice-exceptionality: relations between giftedness

with Asperger’s syndrome, attention deficit hyperactivity disorder and learning disorders

The “twice-exceptionality” can be defined as a presence of high capacity in one or more areas occurring along deficiencies or conditions incompatible with these capabilities. This study aimed to present and discuss the presence of the Giftedness (GF) taking place concurrently in Asperger Syndrome (AS), Attention Deficit Disorder and Hyperactivity Disorder (ADHD) and Learning Disorders (LD). Social behavior and creativity proved to be as fundamental characteristics for differentiation or concomitant diagnosis of AS and GF. In relation to ADHD, it was found that this characteristic behavior disorder may also be observed in GF. The LD was the most unusual diagnosis to be held in conjunction with GF, commonly due to academic performance be linked giftedness.

KEY WORDS: Intelligence. Creativity. Asperger syndrome. Attention deficit disorder with hyperactivity. Learning disorders.

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Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica (PUC) – Campinas, Campinas, SP, Brasil.

Artigo recebido: 30/8/2015Aprovado: 21/10/2015

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ArTiGo DE rEVisão

RESUMO – O presente artigo visa apresentar aspectos do brincar re la-cionados com a clínica psicopedagógica, com base na revisão de lite ratura acerca da temática, em complementaridade com a prática psicopedagógica. As reflexões baseiam-se na importância de se estabelecer um espaço de jogo na clínica psicopedagógica visando a qualificação do processo terapêutico, como um espaço de criatividade.

UNITERMOS: Psicopedagogia. Aprendizagem. Jogos e Brinquedos.

CorrespondênciaIara CaierãoAv. Venâncio Aires, 1119, cj 09 – Porto Alegre, RS, Brasil CEP: 90040-193E-mail: [email protected]

Rosanita Moschini – Psicopedagoga; Mestre em Edu-cação (UFSM); Especialista em Infância e Família (UFRGS) e Orientação Educacional (UNINTER); Li-cen ciada em Pedagogia (UNISINOS); Membro do Gru po Didático Psicopedagógico, Coordenado por Alícia Fernàndez (2011-2015); Membro da Diretoria da ABPp-RS, Gestão 2011–2013 e 2014-2016; Docente em Cursos de Pós-Graduação em diversas IES; Assessora e Consultora em Educação, Porto Alegre, RS, Brasil.Iara Caierão – Psicopedagoga; Doutora em Educação (UFRGS); Mestre em Educação (PUCRS); Licenciatura em Pedagogia – Habilitação em Supervisão Escolar; Habilitação em Letras/UPF; Membro Comissão Cien-tífica ABPp Nacional; Presidente ABPp-RS Gestão 2011-2013; 2013-2016. Docente em Cursos de Pós-Gra-duação em diversas IES. Assessoria Psicopeda gógica a Secretarias Municipais de Educação, Porto Alegre, RS, Brasil.

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rosanita moschini; iara Caierão

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INTRODUÇÃOA valorização da autoria de pensamento

é, sem dúvida, emergente nos tempos atuais, acompanhada da capacidade de estar a sós e ao desenvolvimento da potência do brincar.

O presente artigo busca tecer algumas con-siderações acerca da importância do brincar e na criação do espaço potencial, enfocando este conceito no espaço terapêutico psicopedagógico no que tange as dificuldades de aprendizagem.

Enquanto psicopedagogos, compreendemos que se faz necessário nutrir a própria autoria e a permissão para o brincar, a fim de descobrir nossa singularidade, nossa diferença, nossa marca e, partindo disso, abrir espaços potenciais. Só assim é possível construir esses espaços em tempos que se acredita que as máquinas tendem a substituir-nos como sujeitos pensantes e dese-jantes. Assim, torna-se imperioso nosso trabalho de abrir espaços de criatividade1.

Para Winnicott2, qualquer que seja a defini-ção que tenhamos a respeito de criatividade, ela deverá incluir a ideia de que a vida só é digna de ser vivida quando a criatividade forma par-te da experiência vital do indivíduo. “Para ser criativa, uma pessoa tem que existir e sentir que existe”. Para esse autor, a criatividade é o “fazer que surge do ser. Indica que aquele que é, está vivo”. O impulso poderá estar adormecido, mas quando a palavra “fazer” se torna apropriada, então já há criatividade. Nesse sentido, o brincar e a criatividade são inseparáveis, pois brincar (e não o brinquedo) implica, sempre, em criar.

Portanto, para que o aprender se constitua como processo significativo, há que conter os elementos da arquitetura lúdica, ou seja, a curiosidade, o desafio, o desejo, o prazer no processo, a produção (e não o produto) e a síntese. Essa síntese não pre-cisa ser conclusiva, mas síntese de um percurso em que a palavra substitui o fazer. Ao fazer meu, um conhecimento estou (re)criando-o, (trans)formando-o e (in)corporando-o, caso contrário trata-se apenas e tão somente de (in)formação. Reconhecer o brincar como po tência é essencial para quem faz mediação psicopedagógica.

O ESPAÇO DE JOGO COMO POTENCIA-LIZADOR DA APRENDIZAGEMEntender o espaço de jogo no atendimento

psicopedagógico como um espaço de criativi da-de, no qual estão envolvidos o brincar, o pa ciente e o terapeuta, é primordial quando pen samos em constituição psíquica e desenvolvimento da imaginação. É por meio desses espaços lúdicos que os espaços de pensamento serão efetivos, assim, sendo capaz de autorizar-se a ressignificar sua história sem perder a memória (recordação) do passado.

Para Rodulfo3, não há no brincar apenas uma função, pois, “nos diferentes momentos da ação subjetiva, observaremos variantes e transformações na função do brincar”. Alinhado à perspecti va de Winnicott2, o autor insiste no conceito brincar, pois, diferentemente de brinquedo, que remete a um produto de certa atividade, o brincar, no infinitivo, indica seu caráter de produção. O autor argenti-no diz que o brincar se constitui no fio condutor “que podemos tomar para não nos perdermos na complexa problemática da constituição subjetiva. (...) não há nenhuma atividade significativa no desenvolvimento da simbolização da criança que não passe vertebralmente por ele (o brincar)”.

Já Huizinga4 também dá ênfase ao caráter pro cessual, mas o termo por ele adotado é “o jogo” e não o “brincar”. Para ele o jogo é uma fun-ção significante que encerra um determinado sentido em si mesmo e, nas diferentes concepções do jogo, há nelas um elemento comum: “todas elas partem do pressuposto de que o jogo se acha ligado a alguma coisa que não seja o próprio jogo, (...) pois, o jogo seja qual for sua essência, ela não é material”. Quanto à limitação de tem-po e espaço, a segunda é mais flagrante, pois todo e qualquer jogo acontece no interior de um campo previamente delimitado, seja de maneira concreta ou imaginária, mas há essa delimita-ção, por vezes com precisão. Nessa perspectiva, é possível dizer que a floresta, a fazendinha e os planetas têm todos a forma e a função de territóriosa de jogo, em cujo lugar se respeitam

a Prefere-se o termo território ao invés de terreno, pois o conceito de território remete a uma apropriação do espaço: espaço habitado, espaço apropriado por alguém, espaço que se faz seu.

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determinadas regras. Mundos temporários, efê-meros, fugazes, mas não menos real.

Agamben5, no capítulo “O país dos brinquedos: reflexões sobre a história e sobre o jogo”, utiliza o termo “brinquedo” e “brincadeira” para desig-nar o lúdico na sua dimensão processual. Nessa altura e com a entrada do jogo e da brincadeira no cotidiano, o tempo passa a ter outra dimensão. Há dois tempos: o tempo do calendário, do reló-gio, da repetição e o tempo do jogo que altera completamente essa estrutura lógica do tempo real. “O jogo carrega na sua essência a esfera do sagrado; por meio dele o homem conserva o passado – com o qual as crianças brincam”. O jogo, para o autor, transforma e fragmenta toda a estrutura em eventos e rompe a conexão en-tre o passado e o presente. O jogo transforma a sincronia (do tempo rígido e ritual) em diacronia. Contudo, se houvesse uma sociedade que to-masse o tempo pela perspectiva do jogo como re ferido pelo autor no país dos brinquedos, as horas poderiam correr como faíscas ou aconte-ceria como a roda de Íon, que gira em chamas por toda a eternidade.

O tempo do brincar é o tempo da alma, da fan-tasia e do poder, pois em território lúdico a crian-ça se empodera e realiza o que, no cotidiano, se sente impedida ou limitada para fazer. Num passe de mágica se transforma em personagens bons ou maus, mas geralmente mais fortes que elas, como podemos ver na letra da canção “João e Maria”, de Chico Buarque: “Agora eu era he-rói e o meu cavalo só falava inglês e a noiva do cowboy era ... além das outras três (...)”.

Mas como brinca uma criança em sofrimento? Como lida com o descompasso de suas apren-dizagens e de sua atenção fragmentada?

De acordo com Fernàndez1, quando nos en-contramos ante um sujeito que padece de um pro -blema de aprendizagem, tal tarefa não só se faz mais imperiosa, como tem, por sua vez, especifi-cidades. A inteligência, a elaboração obje tivante, participa da tarefa autobiográfica e, por sua vez, a realização de tal obra alimenta a inteligência. Necessitamos da inteligência para construir nossa autoria e, reciprocamente, para crescer, a inteli-gência precisa de um sujeito que se assuma autor.

Para tanto, só há possibilidade de haver a cons-trução do saber, se o indivíduo for capaz de jogar com o conhecimento. Por isso a importância de entendermos o espaço de jogo não relacionado a um ato e sim a um processo. Winnicott2 chama de espaço transicional, espaço de confiança de criatividade. Transicional entre o crer e não crer, entre o dentro e o fora. O espaço transicional é o único onde se pode aprender. Espaço transicio-nal e espaço de aprendizagem são coincidentes, como destaca Fernàndez6.

Para construir um saber, para se apropriar de um conhecimento, devemos jogar com a informa-ção e relativizá-la, sendo certa e sendo não certa. É neste processo que irá se construir o espaço de criação, a possibilidade de transformar o objeto, de acordo com a experiência individual e, por sua vez, deixar-se transformar pela inclusão do objeto.

A capacidade de jogar, reordenar, tomando, separando, com ideias, com informações, é fun-damental no processo de aprendizagem, pois a criança que não realiza tais ações em território lúdico terá, possivelmente, dificuldade em fazê-lo em espaço escolar.

Na clínica psicopedagógica, é perceptível nos atendidos um déficit no jogar, correlacionado com o déficit na aprendizagem. Na medida em que potencializamos o brincar no tratamento psi-copedagógico, a partir de um espaço de confiança, vão-se modificando a rigidez, estereotipias das modalidades de aprendizagem.

“A Psicopedagogia, cuja função é mediar o processo de aprendizagem de quem se encontra impossibilitado de fazê-lo e resgatar o prazer de aprender fazendo-se autor do seu próprio aprender, encontra na ação do brincar os principais funda-mentos para a sua prática emancipatória com crianças, pois não há como fazer Psicopedagogia fora da perspectiva lú-dica, já que lúdico implica construção, autoria e prazer7”.

Com isso, podemos considerar que o objeti-vo do trabalho psicopedagógico é auxiliar a recu peração do prazer perdido de aprender e a

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autonomia do exercício da inteligência, a partir da recuperação do prazer de jogar. Nessa pers-pectiva, Caierão7 afirma que, é na arquitetura lúdica realizada pela criança, no ato dinâmico do brincar, que colhemos significativos elementos para conhecer e compreender o funcionamento cognitivo do sujeito e a partir dele realizar a devida intervenção psicopedagógica.

Assim, frente ao processo de diagnóstico psi-copedagógico, temos dentre outros momentos um que é de grande importância: a Hora do Jogo.

Na sessão intitulada Hora do Jogo, a criança não está jogando (uma vez que responde a ordem para que brinque), mas nos mostrando como pode jogar. Por isso um dos parâmetros de obser-vação na Hora do Jogo Psicopedagógica vai ser o mostrar-ocultar-esconder6.

Como afirma Winnicott2, “é no jogo que a crian-ça relaciona as ideias com a função corporal”. Portanto, é através do jogo que a criança vai expressar agressão, para adquirir experiência, para controlar a ansiedade, para estabelecer con-tatos sociais como integração da personalidade e por prazer.

HORA DO JOGO PSICOPEDAGÓGICAA Hora do Jogo no setting psicopedagógico

tem como objetivo compreender alguns proces-sos que podem ter levado às dificuldades de apren dizagem, uma vez que o espaço de apren-dizagem e de jogar são coincidentes; ambos os processos têm nome analogizáveis (inventário – organização – integração); a modalidade de sen-volvida no jogo e o tipo de tratamento do objeto lançam luz sobre a cena de aprendizagem; o

brincar possibilita o desenvolvimento das signifi-cações de aprender, o que na criança se expressa por meio da atividade lúdica6.

Estabelecemos a hora do jogo no primeiro mo mento do processo de diagnóstico psicopeda-gógico, antes da primeira reflexão interdiscipli-nar, para assim termos uma aproximação inte-ligência-desejo-corporeidade, a partir da qual optaremos pela necessidade ou não de observar outros aspectos.

De acordo com Fernández6, a Hora do Jogo Psico pedagógica “supera a dicotomia dos testes projetivos, pois ajuda a observar em seu operar, aqueles aspectos que tradicionalmente foram estudados de forma isolada e somente em seus produtos (testes de performance, psicomotricida-de, maturidade visomotora, etc.). A Hora do Jogo per mite observar a dinâmica da aprendizagem”.

CONSIDERAÇÕES FINAISA partir das considerações acima, podemos

afirmar que, entender o brincar como um processo e um espaço de criatividade, portanto po tencial e de aprendizagem, é fator primordial quando se trata da clínica psicopedagógica.

Para tanto, faz-se necessário buscar compreen-der como se estabelece o brincar e os espaços transicionais, para, assim, compreender como se dá a constituição psíquica e, consequentemente, o desenvolvimento da imaginação.

O processo de autoria está intimamente vin-culado ao processo de aprender, assim como o aprender está relacionado à capacidade de jogo, de tomar para si o objeto e transformá-lo, re criá-lo construindo novos significados, novas possibili-dades e novas aprendizagens.

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SUMMARYThe play in clinic psychopedagogical

This article presents aspects of playing-related psychoeducational clinic, based on a review of literature on the theme, complementing the psychoeducational practice. The reflections are based on the importance of establishing a space game in psychoeducational clinic aiming to qualify the therapeutic process as a space for creativity.

KEY WORDS: Psychopedagogy. Learning. Play and Playthings.

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Trabalho realizado na Associação Brasileira de Psi co-pe dagogia – Seção Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.

Artigo recebido: 10/11/2015Aprovado: 8/12/2015

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ArTiGo DE rEVisão

RESUMO – Objetivo: Discutir as vicissitudes da intervenção psico-pe dagógica direcionada aos estudantes da Educação Superior. Método: Abordagem qualitativa, classificado como um estudo com enfoque analítico do tipo análise de conteúdo clássica. Resultados: A ação psicopedagógica para estudantes da Educação Superior se diferencia quanto à abordagem. Formação profissional na área e seleção de procedimentos e recursos adequados a cada caso são determinantes nesse processo. Práticas de reconhecimento do estilo de aprender, sistematização dos modos de estudo e diálogo consistem em práticas recomendadas, por mostrarem certa eficácia no desempenho acadêmico. Conclusão: A dinâmica dos acontecimentos na trajetória universitária desafia o psicopedagogo a desenvolver ações que atendam às diferentes necessidades dos sujeitos.

UNITERMOS: Educação Superior. Universidades. Aprendizagem. Psico-pedagogia.

CorrespondênciaSílvia Maria de Oliveira PavãoRua Portugal, 199 – Bairro São João – Santa Maria, RS, Brasil – CEP: 97030490E-mail: [email protected]

Sílvia Maria de Oliveira Pavão – graduada em Edu-ca ção Especial pela Universidade Federal de Santa Maria, mestre em Inovação e Sistema Educativo pela Uni versidad Autonoma de Barcelona e doutora em Educação pela Universidad Autonoma de Barcelona. Pro fessor adjunto da Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil.Amanda do Prado Ferreira Cezar – pedagoga com es pecialização em Psicopedagogia Clínica e Insti-tucional pela Faculdade Internacional de Curi tiba, mestranda do Programa de Pós-graduação em Edu-cação da Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil.

eduCação suPerior: viCissitudes da ação PsiCoPedagógiCa

sílvia maria de oliveira Pavão; Amanda do Prado Ferreira Cezar

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INTRODUÇÃOA inclusão educacional é um dos temas re-

correntes na atualidade, no Brasil, foi impulsio-nada principalmente pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva1, que fortalece a ideia de transversali-dade no ensino e aponta um novo cenário edu-cacional, inaugurando e motivando diferentes ações pedagógicas. A repercussão dessa política impactou todos os níveis e modalidades de ensi-no, da Educação Infantil à Educação Superior. Essa última tem se estruturado, no que tange ao acesso de estudantes com deficiência por meio das políticas de acessibilidade, e mais especi-ficamente pelo Programa Incluir2. Ainda são consideradas recentes as ações desenvolvidas nas universidades, com o público de estudantes que apresentam algum tipo de dificuldade ou especificidades para aprender3-9.

Esse novo cenário nacional da Educação tem provocado mudanças no interior das instituições educacionais, tornando evidente que as práticas de educadores, instituições e sistemas de ensino, bem como a sociedade, necessitam ser reestru-turadas para atender às necessidades dessas pessoas com características diferentes, tendo em vista a inclusão. No que tange as instituições e sistemas de ensino, uma das mudanças necessá-rias implica na qualidade do ensino, razão pela qual a inclusão educacional incita a compreen-são das diferentes formas e estilos de aprender dos sujeitos, bem como das dificuldades de apren dizagem desses sujeitos compreendidas na maior parte das vezes a partir das limitações ou deficiências do próprio indivíduo10.

As instituições e sistemas de ensino são historicamente reconhecidos como espaços de correção das muitas desigualdades, principal-mente aquelas geradas ou evidenciadas nas sociedades de sistema capitalista11. Nota-se que, mesmo considerando os preceitos de uma edu-cação inclusiva, que implicam em proporcionar condições de igualdade e atendimento a todos os tipos de diferenças ou condições sociais, ainda não é possível observar a diminuição da exclu-são10, pois nem sempre esse processo de inclusão

educacional, dada sua extensão e complexidade, se efetiva na prática.

Diante disso, parece que as instituições edu-cacionais com vistas a favorecer os processos de aprendizagem de sujeitos que apresentam dife-rentes formas de aprender, devem desenvolver ações que possam garantir o mínimo de êxito es perado. A Psicopedagogia, enquanto área de conhecimento e prática na Educação, parece caminhar nesse sentido, qual seja: de compreen-der os diferentes estilos de aprendizagem, tendo como foco sua potencialização e prevenção aos problemas de aprendizagem e, quando neces-sário, de uma intervenção dirigida.

Salienta-se que a Psicopedagogia executa sua função no meio educacional ao realizar ações que envolvam os eixos da potencialização, pre-venção e intervenção direta ou dirigida (quando se realiza um contato com o sujeito da aprendi-zagem). Consiste em ações de potencialização e prevenção aos problemas de aprendizagem, a oferta de recursos e serviços de apoio pedagógi-co e didático que viabilizem o sucesso acadêmi-co e possíveis identificações de problemas que possam vir a interferir na aprendizagem (semi-nários, grupos de discussão, palestras, orienta-ção profissional, outros). É nesse sentido que a in tervenção psicopedagógica mostra-se neces-sária, isto é, quando são observadas que certas dificuldades podem estar mais prontamente relacionadas com os problemas exatamente de ensinar10. Práticas que favorecem os modos de ensinar e aprender são consideradas práticas in clusivas. Ao comprometer os sujeitos de um processo educacional com os propósitos e fins al mejados, está-se permitindo que o conheci-mento seja construído e significado por aquele ou aqueles que dela farão uso.

O estudo se circunscreve a partir de um ques-tionamento que se pauta nas práticas psicopeda-gógicas: quais são as vicissitudes da intervenção psicopedagógica com estudantes da Educação Superior? A partir desse problema, o objetivo con-figura-se na ação de discutir as vicissitudes da intervenção psicopedagógica direcionada aos es-tudantes da Educação Superior. Compreende-se

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que poucos estudantes com dificuldades no desempenho e ajustamento acadêmico buscam apoio especializado para obter êxito acadêmico.

Dessa forma, este estudo se justifica, visto que traz contribuições importantes para o debate em questão, uma vez que se percebe carências na produção e difusão de investigações que tenham como propósito compreender possíveis impactos que vem sendo gerados pelas iniciativas das práticas psicopedagógicas com o estudante da Educação Superior, visando não só ampliar ações para o campo de atuação do profissional da Psicopedagogia abrangendo a aprendizagem de adultos, mas também buscando o tratamento ou prevenção das dificuldades de aprendizagem.

PRÁTICA PSICOPEDAGÓGICAQuando direcionada a adultos em situação

de aprendizagem, a Psicopedagogia estende sua ação na busca do tratamento ou da prevenção das dificuldades de aprendizagem. É necessá-rio compreender que essa prática não está so-mente dirigida a pessoas com dificuldades de aprendizagem, mas também ao processo de apren dizagem com todas as suas nuances, ca-nalizando o seu fazer para o como se aprende, para o sujeito que aprende e para os processos de aprendizagem.

A partir da análise de um esquema evolutivo da aprendizagem12, observou-se que a aprendi-zagem começa a se manifestar desde as primei-ras relações vinculares entre a mãe e a criança e vai se estendendo pela família, pela comunida-de, pela escola até a vida adulta e continua exis-tindo sempre. Nesse caso, se pode inferir sobre a construção subjetiva do estilo de aprendizagem pessoal que acompanhará o sujeito por toda sua trajetória vital. Idealmente, considera-se que o estilo de aprender também adquira diferentes formas ao longo da vida, caracterizando-se por efetivamente ser um processo em construção, pois cada pessoa vai imprimindo, a partir de suas vivências cotidianas, as formas de relacionar-se com o mundo e aprendê-lo.

No trabalho psicopedagógico, é importante atentar para uma série de fatores que possam

conduzir o profissional a uma análise mais profun-da, a uma avaliação, um diagnóstico e tra tamento mais eficazes. Com adultos essas considerações são muito específicas, por se tratar de pessoas que já têm uma consciência firmada sobre si mesmo, sobre o que buscam, sobre o que que-rem, tem uma vida relativamente definida, tanto pessoal como profissional.

A intervenção psicopedagógica prevê a ela-boração de um planejamento onde constarão os objetivos a serem seguidos, tais como: adultos já definem a priori aquilo que desejam, apesar de muitas das vezes não identificar seu desejo com tanta clareza; quando um adulto procura por um auxílio psicopedagógico, geralmente sabe espe-cificar o motivo que o levou até o profissional e quer resolutividade no processo de avaliação, diagnóstico e encaminhamento assertivo, buscan-do e solicitando esclarecimento para todo tipo de procedimento utilizado pelo profissional13.

Por outro lado, o psicopedagogo, ao consi-derar todas essas questões evidenciadas pelo adulto em processo de acompanhamento psico-pedagógico, tem nesse manancial subsídios para o levantamento de hipóteses e de canalização para um trabalho mais efetivo, não perdendo de vista questões extremamente importantes, específicas da ação psicopedagógica que são inerentes aos processos de diagnóstico, enca-minhamento e intervenção, estas são possivel-mente as vicissitudes da ação psicopedagógica, dentre as quais se pode citar: queixas e motivos que levam o sujeito à busca de ajuda, contexto de vida pessoal, profissional; condições de apren-dizagem que envolvam os aspectos cognitivos, afetivos e sociais.

A passagem da adolescência para a vida adul-ta envolve transformações orgânicas. O desenvol-vimento cognitivo, principalmente o emocional, passa por desajustamentos devido às expectati-vas e dificuldade de adaptação. Com vistas a isso, se observa a necessidade de estruturas no interior das instituições de Ensino Superior, voltadas ao atendimento das especificidades de aprendiza-gem dos sujeitos que delas participam. Portanto, se constata a importância de estudos e pesquisas

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na área e de serviços de apoio psicopedagógico para o estudante adulto, pela relação direta com o desempenho acadêmico, visando ao alcance da formação profissional almejada.

MÉTODOO estudo foi classificado quanto ao tipo bi-

bliográfico, sendo que os dados foram coletados em fontes primárias e secundárias, e de abor-dagem qualitativa para a análise, já que se con-sidera que o tema é permeado pela subjetividade interpretativa. Foi classificado como um estudo com enfoque analítico do tipo análise de conteú-do clássica14. Nesses termos, consoante com a pesquisa qualitativa em que se analisam textos15, do mesmo modo, as observações in loco, ou co-leta de falas dos sujeitos das pesquisas também fazem referência aos modos de pensar, sentir e planejar. Os principais referenciais utilizados perpassam linhas e abordagens de atuação que permitiram ampla e profunda análise do tema, possibilitando e desafiando um olhar psicope-dagógico sobre os problemas de aprendizagem na Educação Superior4,7,10,12,13,15-18.

RESULTADOSA prática psicopedagógica com o estudante

da Educação Superior apresenta vicissitudes quanto aos procedimentos realizados e sua abordagem, bem como quanto ao uso de recur-sos. Requer uma ação reflexiva que envolverá sujeito da aprendizagem e o psicopedagogo em ação, em uma permanente busca de ações que possibilitem o encontro às vias de acesso ao conhecimento.

Visando discutir as vicissitudes da inter-ven ção psicopedagógica direcionada a jovens adultos, foi realizada uma análise comparativa entre as propostas de intervenção direcionada a crianças e a jovens adultos. A intervenção psico-pedagógica realizada com crianças, estudantes geralmente do nível de ensino da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio) que antecedem a Educação Superior conserva algumas características19-23 que as dife-renciam daquelas que podem ser utilizadas com

os estudantes da Educação Superior7-9,16. Com vistas à construção de um quadro comparativo da ação diferenciada entre esses dois públicos, usando os referenciais teóricos apontados, foi desenvolvida uma proposta comparativa aberta com ênfase na elaboração dessa análise para a intervenção direcionada a jovens e adultos (Quadro 1).

Diferenças cruciais são observadas na ação psicopedagógica direcionada aos jovens adultos comparativamente à criança. Notadamente, a prática com adultos usa da exploração dos obje-tos de aprendizagem, da interação dialogada e de um processo de intervenção em que não há protagonistas, ou seja, o processo é construí-do com base nas necessidades e interesses do sujeito adulto que busca pela intervenção psi-copedagógica.

O jovem adulto, ou adulto que frequenta o nível de Ensino Superior, e busca por uma in-tervenção psicopedagógica pode encontrar nela algumas respostas às dificuldades que enfrenta. Quase sempre o jovem adulto que busca por essa intervenção no contexto universitário está en-frentando dificuldades para aprender. E, sendo constatada essa situação, é dado encaminha-mento à intervenção psicopedagógica e as ações que podem ser desenvolvidas devem atender, inicialmente, à identificação das diferenças das áreas do conhecimento. Na universidade, cada curso de graduação possui uma matriz curricu-lar, não sendo possível desenvolver um planeja-mento da ação psicopedagógica, sem que haja uma interação com os docentes e coordenador do curso. Pois, na Educação Superior, a participa-ção dos professores - conhecendo a necessidade e dificuldade de aprender dos alunos - pode ser decisiva no alcance dos resultados esperados para esse nível de ensino.

Ato contínuo ao contato com o corpo docente do curso em que o estudante está matriculado na universidade, está a participação desse su-jeito em encontros semanais ou mensais com o psicopedagogo, construindo e apresentando atividades que sejam pertinentes a sua formação acadêmica. Nesses momentos pode-se adaptar

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Quadro 1 – Intervenção psicopedagógica: da criança ao jovem adulto, 2015.

Procedimento Criança Jovem adulto

Contato inicial Pela escola ou pais Geralmente o próprio sujeito procura atendimento, mas há casos na Educação superior em que o estudante tem sua matrícula, ou permanência recomendada a um

atendimento psicopedagógico pela coordenação do curso que frequenta, em virtude de rendimento acadêmico defasado (muitas reprovações, ou problemas de conduta,

ajustamento, adaptação).

Avaliação Quase sempre realizada com testes,

levantamentos e materiais lúdicos

Entrevista inicial que pode ser diagnóstica. o próprio sujeito responde, salvo em casos especiais, como os estudantes

com alguma deficiência que impossibilite sua participação na entrevista. Nesses casos, um familiar, cuidador ou um

docente que o acompanha no curso de graduação pode ser a pessoa mais indicada para participar dessa entrevista inicial. Há casos em que é necessário o uso de testes para avaliação

de áreas específicas da aprendizagem.

Parecer da avaliação Verbal ou escrito Verbal ou escrito.

Devolução Participação dos pais, quase sempre é

necessário um parecer escrito

Conversação dialogada com o próprio sujeito, auxiliando na percepção das dificuldades encontradas

e na busca pela melhor forma de atuar face a minimização ou supressão das dificuldades.

Apresentação de principais dificuldades encontradas, analisando-as à luz das teorias do desenvolvimento da aprendizagem.Nem sempre é necessário a entrega

de um parecer diagnóstico.

Encaminhamentos Assessoramento aos pais na procura por uma rede de apoio multiprofissional, quando necessário

Conversação dialogada com o próprio sujeito.orientação para a participação de processos em espaços coletivos que favoreçam a compreensão da diferença.

intervenção Acompanhamento familiar e demais

profissionais pertencentes à rede multiprofissional

interação com o próprio sujeito e demais profissionais envolvidos, visando a sua autonomia.

Quando o jovem está inserido em um espaço acadêmico na Educação superior, o desenvolvimento de um plano de intervenção estratégico é necessário com vistas ao melhor desempenho e rendimento. A Educação superior é regida por concepções amplamente diferenciadas da Educação

Básica, tendo como característica principal a autonomia do sujeito. Espera-se que os estudantes sejam praticamente autodidatas, o que nem sempre é possível nos casos em que as dificuldades de aprendizagem somam-se ao quadro dos desafios e propostas na Educação superior. Diante ao fato, uma das ações necessárias é o contato com professores do

curso que o estudante frequenta, analisando a possibilidade de flexibilizações curriculares e outras formas de apoio,

como o atendimento na rede multiprofissional.

materiais didáticos, discutir temas que serão ava liados no curso com vistas a corroborar a

apropriação dos conhecimentos, organizando agenda de estudo, realizando outros exercícios

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didáticos de acordo com área de saber específico, entre outros.

Entretanto, dentre as muitas ações que po-dem ser desenvolvidas, está em primeiro plano o reconhecimento por parte do profissional da Psicopedagogia, do contexto universitário em si, que apresenta per si uma série de diferenças que incidirão sobre sua ação. Diferenças estas que ocorrem em primeiro plano na área do co-nhecimento (exatas e da terra, biológicas, enge-nharias, agrárias, sociais e aplicadas, linguística, letras e artes, multidisciplinar, saúde, humanas, naturais, exatas, rurais) até aquelas no plano subjetivo em que se incluem, a personalidade, interesse, motivação.

Para além das diferenças cruciais em torno de uma ação psicopedagógica que leva à com-preensão de condutas práticas e resolutivas no âmbito da Educação Superior, está a formação, análise e interpretação das ações propostas e desenvolvidas pelo profissional que conduz o processo psicopedagógico. Para tanto, o conhe-cimento acerca das teorias do desenvolvimento e a aprendizagem24, aliados a uma adequada formação de profissionais da área da educação e da intervenção psicopedagógica, são auxiliares imprescindíveis no processo de intervenção psi-copedagógica, desde a avaliação até os encami-nhamentos e intervenção necessária. Orientação tal que vale para a conduta do psicopedagogo com a criança, adolescente ou adulto.

As teorias do desenvolvimento e aprendi-zagem podem ser classificadas em teorias psi-canalíticas (Freud, Erikson); teorias cognitivas desenvolvimentais (Piaget); teorias sociológicas (ciclo familiar); teorias humanistas (Maslow, Rogers); teorias comportamentais (Skinner)24. Cada uma dessas teorias abarca conceitos acerca do sujeito da aprendizagem, que são definidores para o bom andamento do processo acadêmico e da ação psicopedagógica. A apropriação desses saberes pelo profissional da Psicopedagogia contribui para que sua ação seja orientada pelos pressupostos teóricos que auxiliam no esclare-cimento dos muitos nexos causais originadores dos sintomas e dificuldades para o aprender25,26.

A intervenção psicopedagógica com os sujei-tos em idade adulta, seja em caráter preventi vo ou de acompanhamento direcionado a uma causa específica de não aprender, tem se mostrado cada vez mais necessária, como apontado pelos dados do censo da Educação Superior17. Esse olhar psicopedagógico permitirá que os estu-dantes da Educação Superior concluam o curso eleito com qualidade.

CONCLUSÃOO contexto universitário se caracteriza pri-

mordialmente pela diferença entre as áreas do conhecimento. A partir do momento em que um estudante elege uma área de conhecimento e nela um curso de graduação universitária, cuja estrutura curricular é regida por discipli-nas com escopos teóricos específicos, inicia-se um processo formativo que nem sempre ocorre fluentemente.

As dificuldades de aprendizagem e os proble-mas associados a ela surgem no momento em que esse estudante, não compreendendo os objetivos do campo teórico disciplinar, apresenta desem-penho acadêmico defasado. É nesse cenário que ingressa e passa a atuar o psicopedagogo. Esse estudo que teve por objetivo discutir as vicissitu-des da intervenção psicopedagógica direcionada aos estudantes da Educação Superior conclui que a permanência e a conclusão do curso estão na dependência da abrangência de ações que com preendem a vida adulta.

A prática psicopedagógica desenvolvida com adultos tem peculiaridades complexas, visto que o adulto tem posicionamentos e concepções definidas ao longo de sua trajetória vital que podem colaborar num plano de compreensão dos propósitos de uma intervenção psicopeda-gógica ou serem elas a própria origem das atuais dificuldades de aprendizagem. Do mesmo modo como ocorre com crianças e adolescentes, para desenvolver o trabalho com os adultos, a Psico-pedagogia considera todas as questões apresen-tadas pelos sujeitos tendo em vista a construção de uma intervenção psicopedagógica pautada pela abordagem dialogada e crítica.

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Na universidade, o estudante vivencia pro-cessos de aprendizagem muito dinâmicos, essa é uma característica positiva desse nível de ensino, pois é justamente graças à impermanência de saberes e verdades científicas que novos conhe-

cimentos são produzidos e difundidos na univer-sidade. O desafio da ação psicopedagógica é, ao identificar as dificuldades de aprendizagem, desenvolver ações que reconheçam a diferença de ser e de aprender dos sujeitos.

SUMMARYHigher education: vicissitudes of psycho-pedagogical action

Objective: To discuss the vicissitudes of pedagogical intervention tar-geted to higher education students. Method: Qualitative approach, classified as a study of analytical focus and classical content analysis type. Results: Psychopedagogic action for students of higher education differs in the utilized approach. Professional qualification in the area and selection of procedures and adequate resources for each case, are crucial in this process. Recognition practices of learning style and systematization of modes of study and dialogue are both recommended for showing some effectiveness in academic performance. Conclusion: The dynamics of events in the university course challenges the educational psychologist to develop actions that meet the different needs of individuals.

KEY WORDS: Education, higher. Universities. Learning. Psychopedagogy.

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Trabalho realizado na Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil.

Artigo recebido: 30/10/2015Aprovado: 4/12/2015

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ALAGOASMaceió

ELIANE CALHEIROS CANSANÇÃ[email protected] (82) 3223-4258 – Farol

BAHIAItabuna

GENIGLEIDE SANTOS DA [email protected](73) 3617-0372 – São Caetano

Salvador

ADRIANA AGUDO RODRIGUES [email protected](71) 9905-1911 – Barra

ARLENE NASCIMENTO [email protected](71) 3347-8777 – Caminho das Árvores

DEBORA SILVA DE CASTRO [email protected](71) 3341-2708 – Candeal

GLEIDE MOREIRA TEIXEIRA GUIMARÃ[email protected](71) 3498-5000 – Graça

JOANICE MARIA BEZERRA [email protected](71) 9935-2192/8864-0897 – Mares

JOZELIA DE ABREU [email protected](71) 9609-3937 – Piatá

KARENINA TRINDADE S. DE [email protected](71) 3345-3535 – Pituba

MÁRCIA GONÇALVES [email protected]/[email protected](71) 3332-7055 – Federação

MARIA ANGELICA MOREIRA [email protected](71) 8625-2433 – Caminho das Árvores

MARIA AUXILIADORA DE A. [email protected](71) 3353-2207 – Pituba

MARIA DE FÁTIMA SOARES DE [email protected](71) 3488-2939 – Nazaré

NILZAN GOMES [email protected](71) 3322-4133 – Nazaré

SIMAIA SAMPAIO [email protected](71) 9971-2497 – Stella Maris

Senhor do Bonfim

AMERICO FERREIRA DE ARAGÃO JÚ[email protected](82) 3223-4258 – Pera

CEARÁFortaleza

ANDRÉA AIRES COSTA [email protected](85) 3261-0064 – Aldeota

DALMA RÉGIA MACEDO [email protected](85) 3491-2280 – Vila União

ELIANE CÁSSIA ROCHA BLANES [email protected](85) 3244-2820 – Dionísio Torres

ELIANE LACERDA FERNANDES DE [email protected](85) 8699-3407 – Meireles

ELISABETE SILVEIRA CASTELO [email protected](85) 3281-1673 – Rodolfo Teófilo

FRANCISCA FRANCINEIDE CÂ[email protected](85) 3272-3966 – Fátima

GALEÁRA MATOS DE FRANÇA SILVA [email protected](85) 3264-0322 – Aldeota

GERALDO LEMOS DA [email protected](85) 3246-7000 – Dionísio Torres

LUCIANA QUEIROZ BEM [email protected](85) 3101-2201 – Farias Brito

MARIA ENEIDA NOBRE [email protected](85) 3294-2281 – Cj Ceará

MARIA JOSÉ WEYNE MELO DE CASTRO [email protected](85) 3261-0064 – Parque Manibura

MARISA PASCARELLI [email protected](85) 3267-5714 – Varjota

OTÍLIA DAMARIS [email protected](85) 3246-7000 – Dionísio Torres

ROSEANNE MARY ALVES [email protected](85) 4011-9999 – Benfica

Sobral

SILVIA DE SOUZA [email protected](88) 9231-3136 – Dom Expedito Lopes

Tianguá

GRAÇA MARIA DE MORAIS AGUIAR E [email protected](88) 9963-5854 – Centro

DISTRITO FEDERALBrasília

CLAUDIA DANTAS RIBEIRO STIVAL [email protected](61) 8116-6906 – Asa Norte

MARINA LIMA [email protected](61) 3326-9314 – Asa Norte

MARLI LOURDES DA SILVA [email protected](61) 3321-9666 – Plano Piloto

WALDERLENE RAMALHO DA [email protected](61) 3037-5009 – Taguatinga

Guará

ELINE LIMA MOREIRA DE [email protected](61) 3901-7583 – Vila Tecnológica

ESPÍRITO SANTOVitória

CHEILA ARAUJO MUSSI [email protected](27) 99969-5545 – Santa Lúcia

HIRAN [email protected](27) 4009-2547 – Goiabeiras – Campus

MARIA DA GRAÇA VON KRUGER [email protected](27) 3225-9978 – Praia do Canto

MARISTELA DO [email protected](27) 3215-5039 – Jardim da Penha

GOIÁSGoiânia

CARLA BARBOSA DE ANDRADE [email protected](62) 3225-9805 – Setor Oeste

DENISE ARAUJO SANTOS BAIOCCHI [email protected](62) 3259-6666 – Nova Suíça

LUCIANA BARROS DE ALMEIDA [email protected](62) 3636-6234 – Setor Oeste

ASSOCIADOS TITULARES – 2015

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LUCILA MENEZES GUEDES [email protected](62) 3259-3592 – Setor Bueno

MARILENE DE AZEVEDO [email protected](62) 9977-3952 – Setor Oeste

MARISTELA NUNES [email protected](62) 3259-0247 – Setor Bueno

MATO GROSSOCuiabá

ÂNGELA CRISTINA MUNHOZ [email protected](65) 9214-4484 – Jardim Cuiabá

MARIA MASARELA MARQUES DOS [email protected](65) 3028-1372 – Campo Velho

MINAS GERAISBelo Horizonte

ÂNGELA MATILDE [email protected](31) 3372-7231/3372-4079 – Gutierrez

DJANIRA DAMASCENO GONÇ[email protected](31) 3418-6773 – Ouro Preto

ILKELINE DE [email protected](31) 8685 2179 – Santo Antonio

REGINA MARIA CALDEIRA DO COUTO E [email protected](31) 3564-4506 – Santo Antonio

REGINA ROSA DOS SANTOS [email protected](31) 3239-5920 – Santa EfigêniaCampanha

RAMONA CARVALHO FERNANDEZ [email protected](35) 3261-2119 – CentroElói Mendes

JANAINA CRISTIANE GUIDI [email protected](35) 3264-3397 – Centro

Lavras

ROSELMA [email protected](35) 3822-7676 - CentroPouso Alegre

CLAUDIA MARQUES CUNHA [email protected](35) 3422-2050 – Fátima

São Gonçalo do Sapucaí

MARÍLIA VIEIRA SIQUEIRA DE [email protected](35) 3241-3195 – Centro

Uberlândia

SANDRA MEIRE DE O. [email protected](34) 9195-8911 – LidiceVarginha

ELISA MARIA MAGANHA SOARES CÂ[email protected](35) 3221-7949 – Vila Pinto

MARIA CLARA R. R. [email protected](35) 3212-3496 – Centro

REGINA CLAUDIA A. S. [email protected](35) 3214-5660 – Novo Horizonte

PARÁBelém

ANA CYLENE VALENTE [email protected]/[email protected](91) 4009-7102 – Umarizal

ANA SYLVIA VALENTE [email protected](91) 3204-3500 – Nazaré

CARMEM CYLBELLE PEREIRA ALVES VIÉ[email protected](91) 3259-3531 – São Braz

CÉLI DENISE CORRÊA DA [email protected](91) 3252-0201 – Nazaré

EDNA TOTI AMARO DA [email protected](91) 4008-1200 – Batista Campos

ELIANE SOUZA DE DEUS NETO [email protected](91) 3259-3531 – Cidade Velha

HORTENCIA VITAL DE [email protected](91) 3257-4107 – Icoaraci

ILKA MARINA PAMPONET ELIAS DE MEN-DONÇ[email protected](91) 99615-5380 – Umarizal

LUZILENE ARAÚJO [email protected](98) 98300-6548 – Parque Shalon

MARIA DE NAZARÉ DO VALE [email protected](91) 9981-2076 – São Braz

PARANÁCambé

NEOCLEIDE [email protected](43) 3223-2654 – Centro

Cornélio Procópio

IVANI APARECIDA C. A. [email protected](43) 3524-2377 – Centro

Curitiba

ADRIANE CREDIDIO R. C. DYMINSKI [email protected](41) 3672-3454 – Jardim Menino Deus

ARLETE ZAGONEL [email protected](41) 3363-1500 – Alto da Glória

CINTIA BENTO M. VEIGA [email protected](41) 3332-2156 – Rebouças

EVELISE M. LABATUT PORTILHO [email protected](41) 3271-1655 – Prado Velho

FABIANE CASAGRANDE C. O. [email protected](41) 3022-4041 – Batel

MÁRCIA CRISTINA PINHEIRO [email protected](41) 3243-5779 – Bigorrilho

ROSE MARY DA FONSECA [email protected](41) 3026-2865 – Centro Cívico

SIMONE [email protected](41) 3363-1500 – Alto da Glória

SONIA MARIA GOMES DE SÁ KUSTER [email protected](41) 3264-8061 – Centro

Foz do Iguaçu

ANA ZANIN [email protected](45) 3523-6103 – Maracanã

Londrina

ROSA MARIA JUNQUEIRA [email protected](43) 3342-7308 – Jardim Caiçaras

Maringá

NERLI NONATO RIBEIRO [email protected](44) 3261-4887 – Campus Universitário

Page 102: VOLUME - ABPP · 2017-03-13 · R. Riachuelo, 1188, sl 16 – São José Aracajú – SE – CEP: 49015-160 Tel: (79) 3214-5363 r/ 222 / 9134-5652 E-mail: abppsergipe@gmail.com

São José dos Pinhais

CÉLIA REGINA BENUCCI [email protected](41) 3282-0450 – Ouro Fino

LORIANE DE FÁTIMA [email protected](41) 3282-9357 – Centro

SIMONI CAMARGO DE FRANÇ[email protected](41) 3398-2771 – Centro

PERNAMBUCO

Jaboatão dos Guararapes

LEOPOLDINA MARIA ARAUJO DE [email protected](81) 3341-8411 – Candeias

ROBERTA CLARO ROMÃO CORRÊ[email protected](81) 3468-3529 – Piedade

Recife

JOJEMIMA ESTEVÃO DE MESQUITA [email protected](81) 3342-4094 – Boa Viagem

MANUELA BARBOSA PIMENTEL DE [email protected](81) 9694-7857 – Boa Viagem

MARIA ANETE MOURA [email protected](81) 3797-6060 – Boa Viagem

NEULIA DO CARMO PEREIRA DA SILVA [email protected](81) 3355-4040 – Boa Viagem

PIAUÍFloriano

RAIMUNDA FERREIRA PAIVA [email protected](89) 3515-1156 – Centro

Teresina

BENEDITA ILZA VIEIRA [email protected](86) 9921-3693 – Jóquei

BENILDE FERREIRA DE ASSUNÇÃO [email protected](86) 3221-2620 – Centro

CRISTINA MARIA DE SOUSA [email protected](86) 9461-4020 – Vila Operária

FABRÍCIO CÉSAR MOURA [email protected](86) 8801-0155 – Lourival Paarente

JOYCE MARIA BARBOSA DE [email protected](86) 3221-1013 – Centro/Sul

MARIA ALICE DE SANTANA [email protected](86) 9482-6447 - Uruguai

MARIA DA SANTIDADE LOPES [email protected](86) 3221-4444 – Centro/Norte

MARIA DOS REMÉDIOS MENDES CHAVES [email protected](86) 3220-2743 – Santa Fé

RIO DE JANEIRONiterói

FÁTIMA GALVÃO [email protected] (21) 2710-5577 – Icaraí

Rio de Janeiro

ANA MARIA ZENÍ[email protected](21) 2556-3767 – Flamengo

ANA PAULA LOUREIRO E [email protected](21) 2436-1803 – Jacarepaguá

CLYTIA SIANO FREIRE DE [email protected](21) 2247-3185 – Ipanema

DIRCE MARIA MORRISSY [email protected](21) 2236-2012 – Copacabana

HELOISA BEATRIZ ALICE [email protected](21) 2259-9959 – Jardim Botânico

JANE BRAVO [email protected](21) 98746-4623 - Botafogo

LÚCIA HELENA MACHADO [email protected](21) 2239-5878 – Gávea

MARIA HELENA C. LISBOA [email protected](21) 2266-0818 – Humaitá

MARIA KATIANA VELUK [email protected](21) 2527-1933 - Copacabana

MARIA LÚCIA DE OLIVEIRA [email protected](21) 9345-4020 – Botafogo

MARLENE DIAS PEREIRA [email protected](21) 9739-5332 – Leblon

MARTHA IZAURA DO NASCIMENTO [email protected](21) 2570-0065 – Barra da Tijuca

VERA BEATRIZ DA COSTA NUNES MENDONÇ[email protected](21) 2266-0298 – Botafogo

RIO GRANDE DO NORTEMossoró

MARIA BERNADETE SILVA DE HOLANDA [email protected](84) 3314-5878 – Centro

Natal

ADRIANNA FLÁVIA DE FIGUEIREDO M.P. GUIMARÃ[email protected](84) 3081-3623 – Tirol

CRHISTINA SALES [email protected](84) 3206-4449 – Dix Sept Rosado

EDNALVA DE AZEVEDO [email protected](84) 3221-6573 – Lagoa Seca

HEBERT EZEQUIEL FERNANDES DE [email protected](84) 8733-9780 – Lagoa Nova

Parnamirim

LUCIANA SIQUEIRA LIRA DE [email protected](84) 3645-1218 – Cohabinal

RIO GRANDE DO SULAlto Alegre

CLAUDETE [email protected](54) 3382-1093 – Centro

Carazinho

LOVAINE SALETE STREIT [email protected](47) 9265-4827 – Centro

Casca

BEATRIZ ANA ZAMBON [email protected](54) 3347-1394 – Centro

Espumoso

JUSSÂNIA MARIA GADENS [email protected](54) 8411-1438 – Jardim dos Coqueiros

Page 103: VOLUME - ABPP · 2017-03-13 · R. Riachuelo, 1188, sl 16 – São José Aracajú – SE – CEP: 49015-160 Tel: (79) 3214-5363 r/ 222 / 9134-5652 E-mail: abppsergipe@gmail.com

Farroupilha

LAURA CRISTINA NARDI [email protected](54) 9992-1893 – Centro

Não-Me-Toque

MARIA DE LOURDES EILERT [email protected](54) 3332-1400 – Centro

Nova Prata

CLADISMAR LUIZA [email protected](54) 3342-2507 – Centro

Paraí

LIANE FÁTIMA PASINATO [email protected](54) 3477-1158 – Centro

Passo Fundo

IARA SALETE CAIERÃ[email protected](54) 3311-5230 – Centro

Porto Alegre

BRUNA MAINARDI ROSSO [email protected](51) 3342-1624 – Higienópolis

CLARISSA FARINHA [email protected](51) 3346-2243 – Moinhos de Vento

EVA ALDA MEDEIROS [email protected](51) 3334-1675 – Petrópolis

FABIANI ORTIZ [email protected](51) 3209-5722 – Cidade Baixa

HELENA VELLINHO [email protected](51) 3388-7960 – Auxiliadora

MARIA MELANIA F. [email protected](51) 3347-1604 – São Sebastião

MARILENE DA SILVA [email protected](51) 8182-0721 – Higienópolis

NEUSA KERN [email protected](51) 3333-5478 – Petrópolis

OLÍVIA [email protected](51) 3237-6556 – Boa Vista

ROSANITA MOSCHINI [email protected](51) 3516-6859 – Boa Vista

SANDRA MARIA CORDEIRO SCHRÖEDER [email protected](51) 3328-3872 – Chácara das Pedras

SONIA MARIA PALLAORO [email protected]/[email protected](51) 3333-8300 – Centro

Tapejara

SOLANGE MARIA [email protected](54) 3344-1289 – Centro

SANTA CATARINABalneário Gaivota

MARIA BERNADETE FRANCISCO PROENÇ[email protected](48) 3526-2821 – Centro

Florianópolis

ALBERTINA CELINA DE MATTOS [email protected](48) 3244-5984 – Coqueiros

ANA CRISTINA BARBOSA [email protected](48) 3223-0641 – Centro

ANA PAULA DOS [email protected](48) 3232-6494 – Trindade

DANIELA CHAGAS [email protected](48) 3209-8035 – Estreito

JANICE MARIA [email protected](48) 8453-7791 – Ingleses

LILIANA [email protected](48) 9982-8901 – Balneário

MÁRCIA [email protected](48) 3224-0441 – Centro

MARIA ALICE MOREIRA [email protected](48) 9116-0753 – Agronômica

MARIA LÚCIA ALMADA [email protected](48) 3223-0641 – Trindade

SANDRA [email protected](48) 3331-1944 – Trindade

Maravilha

SILVANA MARIA BEDUSCHI DA [email protected](49) 3664-2186 – Centro

Videira

PATRICIA APARECIDA [email protected](48) 3566-5096 – Matriz

SÃO PAULOCampinas

MARIA LAURA CASSOLI [email protected](19) 3254-2714 – Jardim N. Sra. Auxi-liadora

Guarujá

VICTOR NASCIMENTO DOS [email protected](13) 3358-3083 – Santa Rosa

Limeira

ADALGISA CRISTINA MARQUES [email protected](19) 3443-1654 – Centro

Santos

ANGELA COTROFE [email protected](13) 3232-5020 – Ponta da Praia

São Bernardo do Campo

BEATRIZ PICCOLO [email protected](11) 4368-0013 – Rudge Ramos

São Paulo

ADA MARIA GOMES [email protected](11) 6261-2377 – Jardim França

ALEXANDRA MARIA CRISTINA [email protected](11) 5524-5415 / 99621-5900 – Jardim Hípico, Santo Amaro

ANA LISETE P. [email protected](11) 3885-7200 – Jardim Paulista

ARIANE ZANELLI DE [email protected](11) 2659-5435 – Perdizes

BEATRIZ JUDITH LIMA [email protected](11) 3651-9914 – Alto de Pinheiros

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CARLA [email protected](11) 3815-5774 – Vila Madalena

CLEOMAR LANDIM DE OLIVEIRA [email protected](11) 99302-5501 – Moema

CRISTIANE CÁSSIA [email protected](11) 2778-4492 – Vila Santa Isabel

DILAINA PAULA DOS [email protected](11) 99219-5114 – Santana

EDIMARA DE [email protected](11) 5563-1392 – Jardim Prudência

EDITH REGINA [email protected](11) 3743-0090 – Vila Sonia

ELIANE LAGHETTO M. [email protected](11) 6128-4234 – Vila Prudente

ELISA MARIA DIAS DE TOLEDO [email protected](11) 5184-1340 – Granja Julieta

LEDA MARIA CODEÇO [email protected](11) 3045-9064 – Vila Olímpia

LUCIA BERNSTEIN [email protected](11) 3209-8071 – Aclimação

MARCIA ALVES [email protected](11) 5093-1188 – Brooklin

MÁRCIA ALVES SIMÕES [email protected](11) 98192-0921 – Tatuapé

MÁRCIA [email protected](11) 97973-0667 – Moema

MARIA BERNADETE GIOMETTI PORTÁ[email protected](11) 2950-6072 – Santana

MARIA CÉLIA MALTA [email protected](11) 3819-9097 – Pinheiros

MARIA CRISTINA [email protected](11) 5081-2067 – Vila Mariana

MARIA IRENE DE MATOS MALUF [email protected] (11) 3258-5715 – Higienópolis

MARIA TERESA MESSEDER [email protected](11) 3023-5834 – Alto de Pinheiros

MARISA IRENE S. CASTANHO [email protected](11) 3491-0522 – Ipiranga

MARISTELA HELENA BUK FORLI [email protected](11) 99663-0693 – Vila Prudente

MÔNICA ABUD PEREZ DE CERQUEIRA [email protected](11) 3782-8905 – Jd D’Abril

MÔNICA HOEHNE [email protected](11) 5041-1988 – Indianópolis

NÁDIA APARECIDA [email protected](11) 2268-4545 – Mooca

NEIDE DE AQUINO [email protected](11) 3871-9115 – Perdizes

NÍVEA MARIA DE CARVALHO FABRÍ[email protected](11) 3868-3850 – Perdizes

QUÉZIA BOMBONATTO [email protected](11) 3815-8710 – Vila Madalena

REBECA LESCHER N. DE [email protected](11) 3816-1066 – Alto de Pinheiros

REGINA A. S. I. [email protected](11) 5041-1988 – Brooklin

REGINA ZAIDAN PEREIRA [email protected](11) 3872-2434 – Pacaembu

SANDRA G. DE SÁ KRAFT MOREIRA DO NASCIMENTO [email protected](11) 3805-9799 – Morumbi

SANDRA LIA NISTERHOFEN SANTILLI [email protected](11) 3259-0837 – Higienópolis

SILVIA AMARAL DE MELLO [email protected](11) 3097-8328 – Pinheiros

SÔNIA MARIA COLLI DE [email protected](11) 3287-8406 – Bela Vista

TELMA PANTANO [email protected](11) 3062-6580 – Jardins

VALÉRIA RIVELLINO [email protected](11) 5041-7896 – Brooklin

VÂNIA M. CARVALHO BUENO DE SOUZAvâ[email protected](11) 3644-7133 – Lapa

VERA MEIDE MIGUEL [email protected](11) 3511-3888 – Pacaembu

YARA [email protected](11) 2976-8937 – Vila Ester

Ribeirão Preto

FÁTIMA REGINA QUEIRÓZ [email protected](16) 3237-2852 – Jd Canadá

Taubaté

BENEDITA ILZA VIEIRA [email protected](12) 3411-6637 – Centro

Valinhos

SILVANA [email protected](19) 3242-9889/3829-1704 – Paiquerê

SERGIPEAracaju

AUREDITE CARDOSO [email protected](79) 3211-8668 – São José

EDITE SOBRAL FREITAS [email protected](79) - 3254-1641 – Nossa Sra. do Socorro

MARIA BETANIA GONÇALVES DE ALMEIDAbetania_gonç[email protected](79) 9606-1326 – Centro

MARIA GORETTI DE ALMEIDA GONÇ[email protected](79) 3211-8668 – Centro

NIELZA DA SILVA MAIA DE [email protected](79) 3214-5363 – São José

TÂNIA REGINA ESPIRIDIÃO DE [email protected](79) 3211-8668 – Centro

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Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - Cep: 05405-000 São Paulo - SP - Pabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567

www.abpp.com.br - [email protected]

A Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) éuma entidade de caráter científico-cultural, sem finslucrativos, que congrega profissionais militantes na área da Psicopedagogia.

Em 12 de novembro de 1980, um grupo de profissionais jáenvolvidas e atuantes nas questões relativas aos problemas da aprendizagem fundou a Associação Estadual dePsicopedagogos do Estado de São Paulo, a AEP.Devido ao grande interesse em torno dessa Associação, a sua expansão a nível Nacional surgiu como necessidade imperiosa.Em 1986, a AEP transformou-se na ABPp e gradativamente foram sendo criados os seus escritórios de representação por todo o Brasil, denominados de Núcleos e Seções.

Durante estes anos, a ABPp vem cuidando de questões referentes à formação, ao perfil, à difusão e ao reconhecimento da Psicopedagogia no Brasil, já tendo alcançado muitas vitórias na luta pela sua regulamentação. Atualmente (2015), a ABPp possui 15 Seções e 3 Núcleos, distribuídos pelo território nacional, estando devidamente vinculados e sob sua orientação.

A ABPp promove conferências, cursos, palestras, jornadas,congressos, bem como a divulgação de trabalhos sobre sua área de atuação, por meio da revista científica Psicopedagogia, da Revista do Psicopedagogo, do informativo Diálogo Psicopedagógico e do site www.abpp.com.br. Oferece, ainda, descontos tanto nos eventos queorganiza quanto em eventos de terceiros, que são parceiros einteressados nos assuntos desta área.

Preocupada com as questões sociais, a atual diretoria da ABPp Nacional organizou um novo trabalho de cunhosociocientífico, que visa não só ao atendimento da população carente, promovendo a inserção social e a divulgação da importância da prática psicopedagógica, como também à implantação de um novo modelo de estudo e pesquisa nesse campo. Dele poderão participar todos osassociados interessados em prestar um trabalho social.

Podem associar-se à ABPp todas as pessoas interessadas nessa área de atuação, tendo ou não concluído a sua especialização em Psicopedagogia.

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