volte sempre: o atendimento ao cliente - do balcão às redes associativas de supermercados

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Volte Sempre: O Atendimento ao Cliente – Do Balcão às Redes Associativas de Supermercados Rubens Garcia Multiplicador da Escola Nacional de Supermercados Departamento de Recursos Humanos Associação Sul-mato-grossense de Supermercados Campo Grande-MS Brasil E-mail: [email protected]

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Evaristo, empregado de uma fábrica no Rio Grande do Sul depois de se demitir da empresa em 1969, migra com a mulher para Rondonópolis-MT onde abre um pequeno empório.O negócio prospera até que surge um concorrente. Mesmo copiando o concorrente Evaristo percebe que dificilmente sobreviverá se não atentar para dois aspectos fundamentais: a profissionalização e a união. Assim decide, em conjunto com outros empresários da cidade, fundar a Rede Volte Sempre de Supermercados, uma instituição associativista que reúne empresas em torno de objetivos comuns. É para falar sobre essa experiência que Evaristo é convidado a proferir palestra na Convenção Nacional de Supermercados realizada pela Associação Brasileira de Supermercados no Rio de Janeiro. O aprendizado de Evaristo é o pretexto para uma palestra surpreendente que serve de pano de fundo para este conto.

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Volte Sempre: O Atendimento ao Cliente – Do Balcão às Redes

Associativas de Supermercados

Rubens Garcia Multiplicador da Escola Nacional de Supermercados

Departamento de Recursos Humanos Associação Sul-mato-grossense de Supermercados

Campo Grande-MS Brasil

E-mail: [email protected]

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DE GRÃO EM GRÃO...

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uatro horas da manhã: a C-10 branca estava estacionada em

uma fila que parecia interminável. Um barulho intenso vinha da

rua lateral. Caminhões chegavam de diversas partes do país para

descarregar hortifrutis. Dentro de 15 minutos a CEASA - Central de

Abastecimento iria abrir seus portões pela primeira vez.

O lugar era imponente. Visto do alto, parecia uma construção futurista

concebida para um cenário de filme do século XXI; 50 mil metros quadrados

compostos de 150 boxes e alguns arruamentos por onde transitariam os

veículos.

Inquieto e preocupado com as duplicatas que venciam naquele dia,

Evaristo esperava a abertura dos portões. Finalmente encontraria, em um só

lugar, todas as qualidades de hortifrutis necessários ao seu pequeno

comércio.

Estava cansado de esperar pacientemente pelos vendedores vindos

de São Paulo e que invariavelmente traziam frutas e legumes de qualidade

duvidosa, quando não estragados; fato que o fez acostumar-se a barganhar

no preço e a iniciar a promoção da venda nas pequenas bacias como havia

visto na feira livre em São Paulo.

Pensava agora na aventura que foi abrir seu armazém. Era o ano de

1969 e o Lucas nem tinha nascido ainda. Recém-casado com Edineide, saíra

de Porto Alegre para "tentar a sorte" em Rondonópolis. Tudo o que tinha era

uma vontade enorme de vencer na vida e muita fé em Deus.

Filho de uma família de sete irmãos, Evaristo tivera poucas chances

de estudar e trabalhara até os 26 anos como chefe de oficina de uma

indústria de calçados. Conhecera Edineide em uma festa de 15 anos. Estava

linda em seu vestido bordado e seu sorriso contido. Fora amor à primeira

vista. Casaram-se três meses depois.

Edineide já estava grávida de Lucas quando vieram para Mato

Grosso. Foram três dias de viagem a bordo de um velho Fordão americano.

Q

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O dinheiro do acerto da fábrica mal daria para comprar a pequena

casa na Rua dos Hibiscos e Evaristo combinou com seu Onofre, o

proprietário, que pagaria uma entrada e o restante em 12 parcelas iguais em

Notas Promissórias que venceriam a cada 30 dias.

O restante do dinheiro do acerto na fábrica serviu para comprar um

jogo de sala, uma cama de casal e um fogão a gás. Pensou também no

pequeno armazém que abriu depois da reforma que fez na parte da frente da

casa: Quebrou duas paredes laterais, mandou construir um amplo balcão de

madeira e montou as prateleiras em madeira de cerejeira que na época era a

mais barata.

Foi em um domingo de páscoa bem cedinho, antes do sol raiar, que

Evaristo e Edineide pregaram, na porta do estabelecimento, uma tabuleta

escrita à mão "Armazém Vencedor". O nome não foi escolhido por acaso:

Depois de ficar sem um tostão no bolso, de preparar a casa para que tivesse

uma aparência mais comercial e de negociar prazos de pagamento com os

principais fornecedores, estava em pé o primeiro negócio da vida do casal.

Os primeiros meses foram duríssimos: Conquistar a freguesia, manter

o armazém abastecido e ainda pagar as contas parecia tarefa para super-

herói de revistas em quadrinhos. Acordavam por volta das 4 da manhã e a

rotina se instalava. As cinco era o leiteiro, as cinco e meia o padeiro e as seis

o armazém tinha que estar aberto, afinal os fregueses precisavam tomar o

café da manhã antes de ir para o trabalho.

Não havia tempo para diversão. A vida resumia-se em trabalho e mais

trabalho. Tanto trabalho, que Evaristo nem percebeu, mas a barriga de

Edineide crescia a cada dia. E foi assim que em outubro de 1969 nasceu

Lucas, o primeiro filho do casal.

Envolvido em suas memórias Evaristo abre a carteira e observa,

numa velha foto em preto e branco amarelada pelo tempo, o sorriso faceiro

de Lucas, já com 3 anos de idade. Uma lágrima insistente embaça-lhe a vista

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enquanto no rádio uma canção sertaneja antiga de Chitãozinho e Chororó se

desmancha a falar da vida no campo e da felicidade do caipira.

Talvez devesse ter ido trabalhar na roça... Talvez a vida devesse a ele

alguma gratidão por tanto esforço... Evaristo quase é traído por esse

pensamento quando a sirene anuncia a abertura dos portões da CEASA.

São quase quatro e meia da manhã. Um movimento frenético de veículos

começa a se desenhar em direção aos portões. Ele guarda a foto na carteira,

engata a C-10 branca e avança na direção da CEASA.

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“BURRO DE CARGA”

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CEASA é um enorme mercado a céu aberto. As ruelas são

estreitas, o movimento é muito grande e o tempo é muito curto

para qualquer mortal permanecer naquele ambiente por mais de duas horas.

Diziam na véspera, que como se tratava de inauguração, a

administração da central iria oferecer um café da manhã de boas-vindas. É

iria mesmo, pensou Evaristo, porque café que é bom, nada. Não se

importava, pois há muito se acostumara a sair para o trabalho com apenas

um cafezinho preto no estômago.

Com tanta gente querendo comprar, Evaristo acabou estacionando a

C-10 bem distante e começou a percorrer os boxes de venda. Havia um

pouco de tudo: De bananas oriundas de Rondônia até tâmaras do Oriente

Médio. A lista que preparou na véspera não ajudava muito, mas servia de

bússola para orientar sua compra. Prevenido, trouxera dinheiro no bolso para

as negociações, assim teria a oportunidade de regatear no preço e de exigir

mais qualidade; qualidade, aliás, que não se diferenciava tanto assim

daquela ofertada pelos fornecedores de antes.

A parte mais fascinante era a negociação. Evaristo não entendia nada

de Economia, mas de negociação sabia muito; tanto que conseguiu 10% de

desconto em quase todas as compras que fez naquele dia. Comprar era,

assim, uma atividade lúdica, quase um entretenimento, uma diversão

prazerosa, um exercício que Evaristo aprendera ao longo do tempo.

Descobriu que além do básico como batatas, cenoura, chuchu, cebola

e tomate, encontraria na CEASA muita verdura, pois os produtores ao

saberem da novidade correram para ocupar um espaço nos boxes. As

mercadorias eram fresquinhas e, finalmente, acabariam seus problemas de

ter que “ressuscitar” folhas de couve, agrião, alface, almeirão e cheiro verde

na base de uma saca de estopa úmida.

Mais adiante encontrou um box especializado em frutas e a surpresa

foi perceber que até frutas importadas poderiam ser compradas. A maçã

A

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Argentina, por exemplo, vinha em caixa de madeira envolvida em uma

espécie de papel de seda azul quase transparente. Melões espanhóis

exalavam um cheiro delicioso do meio da palha de arroz que os protegiam e

mesmo que não quisesse Evaristo acabou se lembrando de sua infância e

das vitaminas que sua mãe preparava com melões daquela espécie.

Embora encontrasse quase tudo o que precisava para seu armazém,

aprendeu que quanto mais tempo ficava, mais acabaria comprando.

O difícil foi quando descobriu que teria que fazer o carregamento

sozinho. Já estava acostumado a descarregar a C-10 branca, quando vinha

do município vizinho trazendo arroz e feijão em sacas de 50 quilos, mas

carregar e descarregar hortifrutis todos os dias era um desafio que ainda não

conhecia. Não havia carrinhos, muito menos “chapas”, e o jeito foi levar o

que desse em mãos até a caminhonete e depois encostá-la para o

carregamento da mercadoria restante. Encontrar uma vaga em frente ao box

consumiu quase 40 minutos.

Eram quase 6 da manhã quando a C-10 branca deixou a CEASA. A

neblina ainda embaçava os vidros e com sorte Evaristo estaria no armazém

em 20 minutos.

Uma das portas do armazém já estava aberta quando Evaristo chegou

da CEASA. Eram quase seis e meia da manhã. No balcão, Edineide atendia

alguns fregueses que esperavam em fila indiana.

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A CAMINHO DO SUCESSO

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mês de setembro no Rio de Janeiro é silencioso. A baixa

temporada espanta o turista interno e o que se vê nos seus

enormes calçadões são grupos isolados de estrangeiros

desfilando apressados para os próximos passeios.

A avenida Atlântica como sempre é repleta de amostras do universo paralelo

de violência e pobreza que cerca a cidade. A miséria até então oculta, sai à

noite para freqüentar os melhores bares de Copacabana. Invariavelmente

meninas e meninos são vistos acariciando gringos(1) ou vendendo

bugigangas para ganhar alguns trocados.

No décimo andar do Meridien, Evaristo ajeita rapidamente o nó de sua

gravata. Edineide desceu há algum tempo para tomar o café da manhã.

A imagem no espelho é de um homem bem-sucedido. Os cabelos

levemente ondulados não conseguem esconder a ação do tempo e as

mechas brancas insistem em tomar conta da parte lateral.

O fundo do espelho revela uma velha escrivaninha, um telefone, a

mala desfeita, alguns pertences pessoais espalhados pelo chão e sacolas de

um shopping da Barra onde Edineide esteve na tarde do dia anterior para

fazer compras.

Evaristo distraído assovia uma canção qualquer enquanto termina o

nó da gravata. Nunca foi afeito ao uso de terno e confessava que se sentia

empacotado cada vez que precisava usá-lo. Termina a tarefa que parece

impossível, pega o crachá sobre a cama, pega também um bloco de

anotações, um CD regravável de computador e deixa o apartamento.

Dentro de algumas horas irá experimentar o sabor do sucesso. Foi

convidado a proferir uma palestra no primeiro dia da Convenção Brasileira de

Supermercados, o segundo maior evento de varejo alimentício do mundo.

A caminho do Centro de Convenções do Riocentro os pensamentos

se misturam. Havia estudado atentamente tudo o que iria dizer em sua

1 Termo popular e depreciativo para designar estrangeiros.

O

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palestra, mas ao mesmo tempo ficava se perguntando como pôde um filho

de lavrador chegar tão longe. Que encanto teria despertado em seus amigos

da Associação Brasileira de Supermercados para receber convite tão

importante?

Depois de anos de experiência em supermercados sua oportunidade

agora era muito diferente: Falar para milhares de pessoas sobre o

atendimento ao cliente. Por mais que tivesse imaginado a situação não

conseguia tirar conclusões. Parecia que tudo voltava sempre à estaca zero.

Na medida em que o tempo passava ia pensando nas experiências

que teria que reproduzir. Como fazer minha estória tornar-se interessante,

pensa. Sabe que sua apresentação foi cuidadosamente preparada, pois

elaborou, com alguns dias de antecedência, um belo texto de estudo e

recorreu a um profissional de informática para ajudá-lo na finalização da

apresentação, mas teria que surpreender, que apresentar algo de novo, algo

ousado o suficiente para que o público além de oferecer-lhe crédito ainda

ficasse encantado.

Ainda a caminho do Riocentro pegou um pedaço de papel e rabiscou:

"o auto-serviço não precisa de cliente". Rabiscou uma vez mais por cima do

que havia escrito e arrematou: "o cliente não precisa do auto-serviço".

Em princípio pareceu-lhe bobagem. Como é que ele, um interiorano,

nascido no Rio Grande do Sul e vivendo na região Centro-Oeste que

representa 0,4% das vendas do auto-serviço brasileiro poderia propor um

tema tão polêmico quanto este? Pior: como poderia mudar toda a sua

apresentação? Deixa prápra lá, pensou fixando o olhar na paisagem.

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VERY IMPORTANT PERSON - VIP

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Riocentro estava lotado. A previsão da ABRAS era de que

mais de 40 mil pessoas visitariam a feira. Entrando pela sala

VIP, Evaristo parecia viver um sonho. Daqui a pouco a

ExpoAbras seria aberta com a presença do Presidente da República. Por

isso recebeu um pequeno broche azul, fixado pela segurança do Presidente.

Evaristo na verdade nem sabia direito o que significava a sigla VIP

colada com adesivo plástico na porta da sala onde foi recebido, mas sabia

que naquele momento ele era uma dessas pessoas importantes, diferente

das demais. Sentia muito orgulho e ao mesmo tempo medo de estar

sonhando.

Meia hora mais tarde um alvoroço se instalou. Evaristo ouvia o

barulho do helicóptero que trazia o Presidente. Holofotes da imprensa não

tardaram a iluminar toda a sala VIP. Seguranças corriam de um lado para o

outro. O Presidente da ABRAS solícito acabou por apresentar todos ao

Presidente da República. Flashes pipocavam em toda a sala. Aquele

supermercadista do interior estava agora apertando a mão das pessoas mais

importantes do país!

Edineide não se conteve e pediu: "presidente me dá um autógrafo?".

O presidente sorridente além do autógrafo ainda parou para posar em foto

exclusiva junto de Edineide e Evaristo.

Parecia mesmo um sonho, mas não, era real e muito real. A felicidade

do casal era tanta que nem percebeu a mesa posta com os lançamentos do

patrocinador naquele ano.. Ao lado, um mix completo de refrigerantes,

cervejas e vinhos finos compunha o brunch servido naquela sala tão

especial.

O alvoroço aumentou. Seguindo o presidente da república e o

presidente da ABRAS, os presidentes estaduais de associações de

supermercados, inclusive de seu Estado Mato Grosso, o casal saiu em

visitação inaugural à exposição.

O

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Depois disso ainda discursariam no auditório onde Evaristo faria sua

palestra. A excitação de Evaristo era tanta que nem percebera o tempo

passar. Terminada a parte cerimonial foi logo convidado aos camarins.

Olhou-se no espelho. Estava nervoso, era verdade, mas ao mesmo tempo

sabia que nada poderia afastá-lo desse momento. Como diria seu guru, um

Consultor de Marketing que contratara há alguns meses: "muita calma e boa

pontaria".

Ouviu pelo alto falante a leitura de seu currículo que a esta altura

parecia interminável. Dirigiu-se para a boca de cena. Podia ver, no vão da

cortina, milhares de olhos brilhando ansiosos refletidos pelos efeitos do

canhão de luz sobre o palco.

A voz metálica pelo auto-falante acaba concluindo seu currículo:

"Senhoras e senhores, vamos receber o empresário e um dos idealizadores

da Rede Volte Sempre de Supermercados, Evaristo Marconi Del Pino!".

Um calafrio percorreu seu corpo, as mãos suavam frio e o estômago

parecia que iria saltar-lhe para fora da boca. Havia treinado dezenas de

vezes para realizar esta entrada, mas sempre em auditórios vazios. Agora

era diferente, estava diante de uma enorme platéia de pessoas importantes

ligadas ao varejo brasileiro.

O canhão refletor tornava Evaristo o centro das atenções e dos

olhares. Enquanto a música tocava pegou calmamente o microfone,

caminhou uns 20 passos em direção à boca de cena e parou.

A platéia fica na expectativa. O silêncio paira sobre o auditório.

Silêncio absoluto. O tom de Evaristo é de mistério. Quase sussurrando ele

diz: O auto-serviço brasileiro não precisa e clientes e os clientes não

precisam do auto-serviço.

Cochichos se espalham pela platéia. Apagam-se as luzes e quando

Evaristo volta só o canhão de efeitos especiais o acompanhará até o fim de

sua palestra. A partir do próximo capítulo parte dessa palestra será

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reproduzida não com a intenção de promover Evaristo - até porque ele não

precisa mais disso - mas para que o leitor possa ter uma idéia de como se

constrói uma vida de sucesso a partir da perspectiva do cliente.

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A BORDO DO BALCÃO

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ocês devem estar pensando que sou louco. É talvez eu seja

mesmo um pouco louco porque quando digo que o auto-serviço

brasileiro não precisa de clientes e que os clientes não precisam do auto-

serviço é porque vivo a experiência de lidar com clientes desde 1969 quando

fui com minha mulher para o município de Rondonópolis e lá abrimos o

Armazém Vencedor.

Tudo o que irei falar com vocês nasce da experiência de lidar com o

varejo, mas em particular, de lidar com gente. Gente que vive como nós,

suas alegrias e suas angustias, gente que sente, que fala, que pensa, que ri

e que chora e que faz a grandeza deste país.

Portanto para entender do que é feito o sucesso da Rede Volte

Sempre de Supermercados é preciso entender de gente.

No armazém, com todas as dificuldades enfrentadas no início,

trabalhávamos das 4 da manhã às 6 da tarde e ainda tinha direito ahá uma

hora para o almoço. O freguês normalmente trazia sua famosa lista e

separávamos das prateleiras, os produtos que ele precisava.

Nosso armazém não era lá grande coisa. Tínhamos um conjunto de

12 prateleiras onde colocávamos a lataria, as massas e as conservas em

geral. Nas laterais do balcão tínhamos uma sacaria de arroz, feijão, açúcar e

milho. A perfumaria ficava debaixo dos balcões de vidro transparentes e para

ter acesso aos produtos, o freguês tinha, obrigatoriamente, que pedir o que

queria.

Estávamos já no ano de 1970 e o Brasil tornava-se tri-campeão

mundial de futebol. Os negócios iam bem e com muita economia chegamos

ao final desse ano com uma casa nova. A casa antiga, comprada no ano

anterior, acabaria sendo reformada e o armazém ganharia o dobro de

espaço. Rondonópolis era, para qualquer um que viesse de fora, um

verdadeiro paraíso. O eldorado onde se ganhava muito dinheiro.

V

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Pacata, a cidade tinha poucos milhares de habitantes. Uma rua

principal, uma igreja da matriz e uns poucos pontos de comércio espalhados

pelas ruelas barrentas dos dias chuvosos.

O armazém ganhou fama na região e gente de Coxim, de Jaciara e

São Pedro da Cipa viajava léguas para comprar conosco. Na época de

pagamento era comum recebermos ônibus da Viação Baleia lotados de

gente para comprar. Separar toda a mercadoria, preparar os pedidos e

embalar todas as compras era uma tarefa gigantesca e às vezes íamos

dormir muito tarde pois no outro dia cedinho a maioria dos fregueses tinha

que voltar às suas casas.

No primeiro ano tínhamos apenas um funcionário, criado que era

ainda um menino quando o conhecemos e que cresceu conosco. Mário

Carneiro era dessas pessoas franzinas, mas dispostas a vencer pelo

trabalho. Muitas vezes trabalhamos aos domingos arrumando o depósito.

Terminada a empreitada nos servíamos de um bom sanduíche de pão

francês com mortadela e voltávamos para casa. Além das tarefas no

armazém, Mário nos ajudava a cuidar do Lucas e a realizar algumas tarefas

domésticas.

A reforma demorou seis meses e causou muito transtorno. Era um

entra-e-sai sem fim, poeira para todo lado e muita sujeira que aplacávamos

com um bom regador de alumínio espalhando água sobre o piso.

A vida transcorria calmamente. A reforma foi concluída, o Lucas

crescia. O armazém gerava bons lucros e mesmo as vendas de caderneta

eram dadas como certas, pois no dia do pagamento lá estavam nossos

fregueses para fazer seus acertos. Maravilhosas margens aquelas 50, 60 até

80% em produtos de primeira necessidade!

Parecia um pedaço do paraíso. A bordo do nosso velho balcão de

madeira víamos o faturamento aumentando, tanto, que pude até encostar

minha amada C-10 branca e comprar uma Variant TL novinha em folha,

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nosso carro de passeio. O que não sabíamos é que existia no mundo uma

coisa muito incômoda chamada concorrência.

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JOGANDO A TOALHA

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notícia quem deu foi o próprio Mário Carneiro. A informação

parecia mais um boato típico daqueles de cidades do interior,

mas para tristeza nossa não era. Estavam construindo um

"grande armazém" na saída para Cuiabá. É coisa grande seu

Evaristo, dizia Mário Carneiro.

Com tantos clientes para atender, com tantas preocupações no dia-a-

dia do armazém acabei não dando a menor bola para o que o garoto dizia.

O tempo foi assim tomando conta da situação e seis meses depois

começamos a perceber que os fregueses não vinham mais ao armazém,

foram raleando, ficando cada vez mais raros até que comecei a me perguntar

se algo estava errado. Havia algo errado, só não sabíamos o que e onde.

Num daqueles dias depressivos, de vendas em queda, resolvi dar

uma volta com minha Variant e descobri, na saída para Cuiabá, que

realmente havia um novo armazém na cidade. Na fachada estava escrito:

Peg Pág da Vila e logo abaixo do nome havia um letreiro menor com a frase

"Volte sempre. Temos prazer em atendê-lo". Não quis arriscar uma espiada

por dentro, mas de fora podia ver um formigueiro de gente comprando e

saindo satisfeita. Na porta do estabelecimento mocinhas uniformizadas e

sorridentes cumprimentavam os que entravam e despediam os que saiam.

Com o movimento caindo ainda mais, acabei não resistindo e entrei

no tal armazém. Descobri, encantado, que não era um armazém igual ao

meu. Começava pelos produtos que estavam dispostos em prateleiras ao

alcance da mão dos fregueses Ao invés da velha gaveta de madeira como

caixa, havia uma geringonça que eles chamavam de caixa registradora. Os

fregueses usavam carrinhos com rodinhas e pegavam as mercadorias

diretamente nas prateleiras. Tudo era muito bem iluminado, havia até

música!

Joguei a toalha: meu concorrente estava muito mais preparado para

conquistar e satisfazer seus clientes. A questão era mudar ou morrer.

A

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Nesse mundo nada se cria, tudo se copia. Daquele dia em diante

pensei seriamente em mudar e descobri também, que a mudança não pode

ser uma característica temporária, ela tem que nos acompanhar o tempo

todo, temos que estar abertos às mudanças e atentos aos movimentos do

mercado para poder entender os porquês do sucesso ou do insucesso dos

nossos negócios.

Parti imediatamente para uma cópia fiel do que o meu mais novo

vizinho havia criado. Tomei o cuidado de observar bem a planta do

concorrente, embora não entendesse muito bem certas disposições que mais

tarde ficariam claras em minha visão. Construímos inicialmente um barracão

com mais ou menos 450 metros quadrados. Gastamos um dinheiro que não

tínhamos para copiar o que o nosso vizinho fazia. Hoje sabemos que

devemos muito a esse concorrente. Foi ele quem determinou o rumo da

nossa mudança e nos apontou um horizonte de sucesso no futuro. Muita

gente diz que fará coisas no futuro e pensa o futuro como se ele nunca

viesse a existir. O futuro para a Rede Volte Sempre de Supermercados é um

exercício diário e constante de antecipar novidades, de superar expectativas,

de sair na frente e garantir o pódio na competição que o mercado representa

hoje.

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O AUTO-SERVIÇO CHEGOU

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ão demoramos a compreender que a idéia do auto-serviço

realmente funcionava. A montagem era muita mais complicada

do que o armazém tradicional: exigia uma sistemática que ainda não

conhecíamos. Aconselhado por minha mulher viajei para São Paulo e visitei

várias lojas de supermercados, a mais importante foi, sem dúvida, a visita

feita ao Pão de Açúcar.

Descobri, aos poucos, que não estávamos inventando a roda, mas

simplesmente importando um conceito que já funcionava há anos nos

Estados Unidos e na Europa.

Na prática teria que montar um açougue nos fundos, uma padaria,

uma boa seção de hortifruti e a distribuição das gôndolas deveria obedecer a

um padrão. Na saída teríamos caixas registradoras e os carrinhos ficariam à

disposição dos fregueses para eles comprarem o que quisessem.

Foram 6 meses de construção até que a inauguração ficasse marcada

para 8 de julho. A data não tinha nada de especial, a não ser que era um

sábado e as pessoas teriam mais tempo para conhecer a novidade.

Novidade, aliás, que já nem era tanta assim pois o Peg Pag da Vila já estava

instalado há mais de 8 meses na cidade.

Aumentamos o número de funcionários, trouxemos até um gerente do

interior de São Paulo, que dizia já ter trabalho no Jumbo Eletro, para nos

ajudar a inaugurar a loja. Tudo correu conforme programado: Loja bem

abastecida, muita gente comprando, milhares de cruzeiros entrando no

caixa.

Claro que algumas coisas deram errado. Os equipamentos de

refrigeração não tinham recebido carga de gás, pois a empresa contratada

era de Goiás e houve problemas na estrada e os técnicos não chegaram a

tempo. O serviço de refrigeração era muito caro e só havia fora do município.

Para se ter uma idéia, a maioria das geladeiras ainda funcionava àa

gás e a televisão ainda era à válvula. O conceito de Supermercado, portanto,

N

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era muito novo para a região, acostumada às modorrentas esperas dos

ônibus da Viação Baleia.

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A DÉCADA PERDIDA

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década de 80 foi, para a economia mundial, de um modo geral,

a chamada década perdida. E para os supermercados não foi

diferente. O regime político dos generais e da ditadura aos poucos foi

afrouxando as rédeas e descobrimos que poderíamos manifestar nossa

opinião. Lembro-me de uma frase do Presidente Figueiredo: "hei de fazer

deste país uma democracia". Figueiredo representava justamente o

crepúsculo do domínio militar sobre todos os aspectos da vida brasileira.

Seu juramento foi cumprido quando Tancredo Neves foi eleito através

do Colégio Eleitoral. Como supermercadista não entendia nada de política,

mas de economia, com certeza, eu entendia muito e mais do que isso, eu

entendia de gente.

O fato é que Tancredo Neves com todas as garantias de que a

chamada "abertura política" não sofreria solução de continuidade, não

poderia assumir o Governo, pois era pública sua inclinação conciliadora e

sua tendência pró-esquerda. Foi assim que assumiu, em processo nebuloso

e até hoje muito mal explicado, o vice-presidente José Ribamar da Costa

(José Sarney). Estávamos em 1985 e a inflação disparava

assustadoramente. A situação tornava-se incontrolável. A salvação era

trabalhar muito e aplicar todas as economias diárias no over night. O sistema

financeiro garantia, assim, a alimentação de um círculo vicioso: para se

defender da inflação, gerava-se mais inflação.

Foi no início de 1986 que o Presidente José Sarney veio à televisão

para declarar, em tom retumbante, que a inflação acabaria a partir daquele

dia. Ele estava assinando um Decreto-Lei que acabava com a moeda oficial

o Cruzeiro e criava, a partir de então, o Cruzado. Acostumados aos pacotes

anti-inflacionários do Ministro Delfim Neto, os agentes econômicos saudaram

as medidas com entusiasmo; muita gente correu logo em apoio ao que ficou

conhecido por Plano Cruzado, idealizado pela equipe do Ministro Dilson

Funaro.

A

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O Plano Cruzado não era só um corte de três zeros na moeda, era

muito mais profundo do que isso: Trazia no seu bojo, um tabelamento de

preços. O mercado, como sempre, reagiu silenciosamente. Os consumidores

comemoraram, pois foram induzidos a pensar que a inflação poderia ser

derrubada com uma canetada.

O sistema montado pelo Governo era o mesmo de antes, fundado no

autoritarismo, na força contra a razão. A única diferença é que agora o

governo tinha a população a seu favor. Parecia uma liberdade ampla,

irrestrita, mas na verdade era uma disposição firme de encontrar um bode

expiatório para toda a situação de preços altos vivida até então.

Foram dias difíceis, pois acostumados a ganhos financeiros fáceis,

muitos empresários não tinham a menor idéia de como se fazia uma

composição de custos, muito menos o que significava mark up e por aí afora.

Viviam, por assim dizer, da chamada Ciranda Financeira onde se aplicava,

por exemplo, Cr$ 1.000,00 de noite e se amanhecia com Cr$ 1.020,00 na

conta corrente no dia seguinte.

O que o governo não esperava é que as leis de mercado

começassem a aparecer. Se no curto prazo o consumidor entendia que

estava levando vantagem, nos médio e longo prazo descobria que fora

enganado. Seis meses depois do anúncio do Plano Cruzado, houve

inevitavelmente o desabastecimento. O ponto mais visível desse fenômeno

econômico foi a falta de carne. Os produtores simplesmente pararam de

mandar animais para o abate e até a Polícia Federal foi mandada aos pastos

em busca dos "fazendeiros criminosos". Era um verdadeiro pesadelo.

Percebendo que não havia outra saída, o governo impunha pela força

e em nome do tabelamento de preços, muitos supermercados foram

fechados e seus gerentes ou proprietários foram presos. A máquina

etiquetadora de preços passou a ser tratada como instrumento de

bandidagem.

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29

O fenômeno que aconteceu tem a ver com a administração pública

sempre muito mal conduzida em nosso país. O governo atacava as causas e

não as conseqüências. Todos sabiam que a causa da inflação estava na

gestão dos gastos públicos. O governo tinha um rombo no caixa e precisava

de dinheiro novo diariamente para cobrir seus compromissos de curto prazo,

assim recorria ao mercado que exigia juros cada vez mais altos para

continuar alimentando o círculo vicioso. O resultado só podia ser inflação.

A inflação penalizava a todos. Não foi fácil sobreviver a ela, no

entanto, estamos aqui hoje e tenho certeza de que na platéia há muitos

sobreviventes dessa época. Nós também sobrevivemos, talvez em razão da

proposição afirmativa do nome que carregamos há tantos anos:

Supermercado Vencedor.

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A LUZ NO FIM DO TÚNEL

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Plano Cruzado fracassou vigorosamente e pelo fracasso

foram simplesmente substituindo Ministros, um atrás do

outro. Depois do Cruzado veio o Cruzado II que na verdade

era mais um pacote de medidas paliativas que não atacava o principal: o

déficit público.

Parecia mesmo que a vocação dos governos era a edição de

fracassos. Os planos seguintes estavam sempre vinculados à ascensão de

um novo Ministro da Fazenda. Plano Verão, Plano Bresser e por último o

Plano Collor que cometeu a estupidez de confiscar a poupança dos

brasileiros. Não suportou mais do que dois anos e recebeu, dos mesmos

eleitores que o elegeram pelo voto direto, um cartão vermelho. Collor foi

expulso do poder pelo voto do Congresso Nacional, mas o apelo popular foi

muito grande, pois o povo saiu às ruas em manifestação pública, movimento

liderado principalmente por estudantes que pintaram seus rostos de verde e

amarelo e se vestiram de luto na antevéspera da queda do Presidente.

Para o lugar de Collor chegou à presidência o mineiro Itamar Franco.

Poucos meses depois de assumir o governo anunciou o último Plano de uma

série seqüencial: o Plano Real.

O Plano Real não trazia tabelamento de nada, não interferia na

economia a não ser pelo fato de que iria, aos poucos, desinflacionando os

preços, cortando gastos públicos, abrindo o país para o comércio exterior e

amparado por uma âncora cambial lastreada no dólar. Da noite para o dia

(que coincidência!) tínhamos uma moeda valendo mais do que o dólar

americano. Lembro-me bem que o dólar americano valia algo em torno de

R$ 0,94 no início do Plano Real. A diferença agora é que o governo começou

a agir com muito rigor no controle de gastos públicos.

A política de Itamar foi aprofundada por Fernando Henrique Cardoso.

Se Itamar tinha comportamento comedido próprio de sua mineirice, FHC

como ficou conhecido, projetou o Brasil no mercado mundial, abriu o país ao

O

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32

mercado globalizado e a história creditará a ele o fato de ter mudado o

conceito de valor dado principalmente à moeda e à auto-estima dos

brasileiros.

Vocês devem estar pensando por que é que estou falando de todos

esses planos. È porque eles influenciaram e continuam influenciando a

economia até hoje. Por mais que nosso otimismo seja grande, a inflação é

um perigo real. Basta lembrar as dificuldades de negociação que tivemos no

final do ano passado. A pressão por maior lucratividade não pode nos tornar

um bando de míopes, não podemos cometer os mesmos erros do passado.

É preciso negociar, brigar, discutir, ponderar e obter sempre vantagens que

possamos repassar ao consumidor final.

A retrospectiva histórica, portanto meus queridos clientes, tem a ver

com o modelo de futuro que pretendemos construir. E o futuro se constrói

hoje, agora, já. Não há espaço para os acomodados e para os levianos. O

preço a pagar pela leviandade hoje é a morte de sua empresa amanhã. Isto

é tão certo como uma equação matemática.

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33

AJUSTANDO O FOCO

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consumidor brasileiro só começou a ser encarado de modo

singular a partir de 1990 com o surgimento do Código de

Defesa do Consumidor. Entender aquela legislação parecia impossível a

vários segmentos e mesmo hoje ainda temos setores econômicos que se

recusam a aceitar o Código.

Os supermercados, no entanto, saíram na frente e a grande revolução

que estamos empreendendo começou há muitos anos atrás. Com o Código

de Defesa do Consumidor passamos a compreender que não dava mais

para gerenciar uma loja praticando a mesma política do antigo balcão onde

valia a máxima do "compra quem quiser". O fortalecimento da economia

gerou oportunidades e muitas lojas de supermercados foram abertas desde o

início da década de 90. Por outro lado quem não se modernizou, quem

continuou esperando que a Ciranda Financeira voltasse, acabou fechando

suas portas.

A questão toda passou a ser o vigor com que as lojas de

supermercados caminhassem na direção de satisfazer seus clientes. A

década de 90 foi assim, uma espécie de "hora da verdade" para o setor

supermercadista. Quem caminhou na direção do cliente sobreviveu, quem

continuou acreditando que o cliente é quem devia caminhar em direção à

loja, morreu.

Muito se tem falado de satisfação do cliente, de voltar seus negócios

em direção do cliente, que o cliente é muito importante, que o cliente pode

mais do que tudo, que ele dita as regras do mercado e que sem ele ninguém

sobrevive.

O foco realmente mudou e todas as conclusões até agora

apresentadas apontam na direção dessa misteriosa entidade chamada

cliente. Os ajustes, no entanto, precisam ser feitos para que se alcance o

cliente no modo singular. Não adianta investir milhões em propaganda e

pensar que os clientes vão se apaixonar por sua loja.

O

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35

O maior investimento deve ser feito em pesquisa; e quando falo de

pesquisa não estou falando daquela mocinha bonita contratada por dois dias

para entrevistar pessoas na porta da loja. Estou falando de pesquisas

globais, fundadas nos hábitos dos clientes, estou falando de pesquisa de

novas tecnologias capazes de proporcionar mais lucratividade, estou falando

de processos científicos.

Sujeito metido a besta. Isso é o que vocês devem estar pensando,

mas se tenho o privilégio de estar aqui falando com vocês hoje, não é só

pelo fato de ser supermercadista. Precisei enfrentar um banco de faculdade

e me dedicar muito para conseguir o título de pós-graduado em Marketing

para poder entender um pouco como funcionam as empresas, como funciona

o mercado e como podemos atuar de modo mais produtivo e lucrativo no

negócio de supermercados.

Houve sim uma mudança de foco: o foco agora é o cliente, mas como

parar de perder clientes e, pior ainda, de perder dinheiro se não conhecemos

nossos clientes? Como combater o desperdício se nem medimos o

desperdício? Como saber o quanto ganhamos se nossas vidas estão cada

vez mais tomadas por tarefas operacionais que não agregam valor ao nosso

negócio? Como saber, como fazer, como resolver a angústia que é correr os

riscos de manter nossa loja aberta?

São tantas perguntas não? Pois é. O maior especialista de Marketing

do mundo, um americano chamado Philipp Kottler já disse que o melhor

estrategista de marketing não é aquele que oferece as melhores respostas,

mas aquele que sabe fazer as melhores perguntas. A pergunta crucial e que

é o grande motivo de estarmos aqui é justamente aquela que poucos têm

coragem de responder: será que estamos trabalhando mesmo na satisfação

dos nossos clientes?

Vamos então visualizar algumas situações e no final voltamos a esta

reflexão.

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RELACIONAMENTO

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primeiro ponto a ser considerado é o relacionamento. Todos os

homens se relacionam. Nenhum ser humano consegue

sobreviver sem se relacionar de alguma maneira, a não ser que seja um

ermitão. Mesmo o ermitão terá que se relacionar com o ambiente, com os

recursos naturais e até com a caça que tenha que abater eventualmente

para satisfazer sua fome.

Portanto a primeira pergunta é sobre relacionamento. Como vai seu

relacionamento com o cliente? Melhor ainda: você já parou para pensar

nisso? Como é que o cliente está vendo sua atuação? Será que o cliente

acredita no que você diz?

O relacionamento é sempre construído a partir de comportamentos.

Isto nos leva a uma outra pergunta: que tipo de comportamento temos tido

no relacionamento com nossos clientes? Novamente vou recorrer ao pai do

Marketing, que define os tipos de comportamento mais conhecidos. Para ele

os comportamentos mais comuns são os seguintes:

Básico, o vendedor vende o produto, mas não faz qualquer acompanhamento posterior; Reativo, o vendedor vende o produto e incentiva os clientes a ligarem sempre que tiverem algum problema ou dúvida; Confiável, o vendedor liga para o cliente após a venda para verificar se o produto satisfez suas expectativas ou se houve decepções; pede sugestões para melhorar o produto, o que ajudará a empresa a aperfeiçoar continuamente suas ofertas; Pró-ativo, o vendedor ou outras pessoas da empresa ligam para o cliente de tempos em tempos com sugestões sobre melhor uso do produto ou novos produtos úteis; Parceria, a empresa trabalha continuamente com o cliente para identificar meios de oferecer o melhor valor.

2

Invariavelmente temos o hábito de adotar um dos comportamentos

descritos por Kottler, mas a parceria que sem dúvida é a melhor forma de

relacionamento, essa deixamos sempre para depois. Parceria tem sido uma

palavra muito desgastada e usada para substituir a velha Lei de Gerson,

aquela de "levar vantagem em tudo". Definitivamente parceria não tem nada

a ver com a Lei de Gerson.

2 KOTLER, Philip. Administração de Marketing. Atlas: São Paulo, 1994.

O

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38

Vejam ainda que a primeira pergunta não termina, ela acaba gerando

outra pergunta que gera outra pergunta e que poderíamos enunciar uma

centena de perguntas para continuar perguntando indefinidamente.

O segundo ponto - e nem por isto menos importante - é a observação.

Observar o comportamento das pessoas.

Para simplificar quero lembrar que somos humanos e o maior mérito

que todo relacionamento deve carregar em si, é o fato da tendência dos

humanos de viver em grupos. Observem os adolescentes, eles são um

exemplo claro do que é ser humano: vivem se ajuntando em bandos que têm

os mesmos hábitos, as mesmas características, as mesmas aspirações, os

mesmos sonhos enfim.

Somos seres sociais e precisamos do outro para viver bem, por isso

precisamos do grupo tanto quanto o grupo precisa de nós.

O terceiro ponto importante do relacionamento é medir. Fazer

perguntas é relativamente fácil, mas é preciso também medir, usar algum

instrumento para saber qual é a freqüência das respostas obtidas.

Dependendo da freqüência das respostas, podemos aproveitar para tirar

inúmeras conclusões. Nesse particular é importante saber o quanto, definir

em números exatos o comportamento do cliente ou de um grupo de clientes.

Aqui irão surgir perguntas do tipo: Quantos membros tem a família? Quanto

gasta? Quantas vezes veio à loja? Quanto ganha? Onde mora? No que

trabalha? O que mais gosta? O que consome? Quais são os desejos e

expectativas desse cliente?

Outro ponto importante é parte de sua estratégia. Agora que você já

sabe um pouco mais sobre o seu cliente é preciso saber como agir. Que

tipos de promoção pode fazer? Essas promoções são viáveis? Suas ações

serão agradáveis do ponto-de-vista do cliente? O cliente vai comprar mais?

Vai voltar à loja? Se voltar esse cliente agrega valor ao negócio?

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Observem que acabamos fazendo mais perguntas do que oferecendo

respostas.

O que podemos concluir é que não bastam tapinhas nas costas e

belos sorrisos. O desafio é muito maior: precisamos saber mais e mais sobre

o cliente, precisamos estar sintonizados com o que ele pensa, com o que ele

deseja, com o que ele espera e com o que ele quer.

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ENTENDENDO A ESTRATÉGIA

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á falei sobre pesquisa. E a estratégia só pode ser construída se

você estiver amparado por uma excelente pesquisa. Desde a

escolha do ponto onde vai instalar a loja até a entrega dos

produtos na casa do cliente, toda a estratégia deverá ser escorada em uma

excelente pesquisa.

Fala-se muito em fidelização do cliente. A verdade é que o cliente fiel

está cada vez mais raro. Primeiro porque nem sempre suas necessidades

são atendidas e segundo porque sempre poderá haver um concorrente

oferecendo mais vantagens do que a sua empresa.

Mas será que é só a concorrência quem atrapalha? Pesquisas

indicam que não e que na verdade a perda de clientes está muito mais

relacionada à falta de qualidade do atendimento oferecido. Mas o que vem a

ser qualidade? Qualidade é o atributo ou a característica do que é diferente.

Assim para parar de perder clientes é preciso, cada vez mais, um nível maior

de diferenciação.

Aqui temos um dilema: como ser diferente nesse mercado cada vez

mais igual?

Para ser diferente não é preciso ser extravagante. Preço qualquer um

pode oferecer, mas qualidade, variedade, atenção, carinho, e soluções

personalizadas, pouquíssimas ou quase nenhuma loja possui. Ninguém

gosta de ser igual. Experimente dizer a gêmeos do mesmo sexo que eles

são iguais! Quantas vezes, na situação cliente, você já recebeu alguma

demonstração de carinho? Quantas vezes você tem retribuído a preferência

do seu cliente demonstrando que ele realmente é importante? O que tem

sido feito àa respeito? Como potencializar vendas se o foco do negócio é

preço baixo? Será que alguém perguntou isto a quem paga a conta? E quem

paga a conta é sempre o cliente. É dele a chave para o sucesso de qualquer

ação empresarial. Isto é uma verdade tão real, que não há quem consiga

contestar. Eis o foco!

J

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A inesquecível Vera Giangrande 3 ensinava: "o atendimento na loja é

a hora da verdade e, por isso, é necessário motivar a equipe para ter prazer

em servir".

O cliente quer tratamento individual, personalizado; não quer

perambular de forma anônima dentro da loja. Também não quer recorrer aos

preços baixos de alguns produtos que viu na televisão. Quer ser visto e

ouvido de forma individual, até porque é um indivíduo, com hábitos e

costumes diferentes dos demais clientes. Diante desse fato a personalização

do atendimento inclui desde a abordagem pura e simples no interior da loja

até a instituição de cartões fidelidade com tarjas específicas como cliente

premium, top, preferencial, etc. Uma boa ferramenta para levantar dados a

respeito dos hábitos de consumo desse cliente é oferecer-lhe sempre um

tratamento personalizado, capaz de fazê-lo sentir-se importante.

A estratégia tanto mais sucesso terá quanto mais incluir

relacionamentos de parceria que valorizem o indivíduo.

3 GIANGRANDE, Vera primeira ombudsman do Grupo Pão de Açúcar e autora, entre outros, do livro "O cliente tem mais do que razão". Gente. São Paulo: 1987.

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SENTINDO NA PRÓPRIA PELE

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magine uma situação em que você precisa comprar um aparelho de ar

condicionado. A região onde você vive é muito quente e juntando todas

as economias feitas nos últimos 6 meses finalmente, você consegue o

dinheiro necessário para a realização desse sonho: adeus noites quentes,

adeus dias incômodos de calor, enfim, é a melhora da sua qualidade de vida

que você está esperando. Essa é a sua expectativa: expulsar dias calorentos

de sua vida!

Precavido você faz uma boa cotação de preços, avalia o prazo de

pagamento, as condições de entrega, a garantia e, principalmente, a

potência dos equipamentos oferecidos.

Depois de ouvir atentamente todos os vendedores consultados e com

o buraco esperando o aparelho na parede você decide comprar um ar

condicionado da marca A. Esse aparelho, apesar de robusto, não irá

consumir tanta energia assim. O vendedor insistiu nesse ponto: a tecnologia

inibe o gasto com energia e o senhor terá muito conforto por menos gastos.

Fique tranqüilo, disse ainda o sorridente vendedor.

Faceiro da vida você vai para casa levando seu sonho de consumo.

Era tudo o que você queria, tudo o que você desejava e agora estava na

mala do seu carro, prontinho para ser usado!

Seguindo todas as instruções do manual e auxiliado pelo pessoal

técnico da loja, o aparelho é finalmente instalado.

Feito criança, você não quer mais sair do quarto que agora é um lugar

gostoso para passar as poucas horas de descanso a que você tem direito.

Tudo vai bem até que a primeira fatura de energia elétrica chega.

Desesperado você tenta entender o porquê do aumento de 40% nessa

fatura. É o ar condicionado, sem dúvida, é o ar condicionado!

É nesse momento que a venda terminou. A sensação é a de quem

sofreu um furto. É como passar a mão no bolso e descobrir que um larápio

levou sua carteira e você nem percebeu. O primeiro sentimento é de auto-

I

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culpaautoculpa: "como fui burro em acreditar naquele sujeito!". O sentimento

seguinte é de revolta, mas seus problemas estão apenas começando.

Julgando-se enganado você pega a nota fiscal, arranca o aparelho da

parede e segue de volta à loja. De lei você entende e vai logo avisando ao

Serviço de Atendimento ao Cliente: quero devolver este aparelho e quero

meu dinheiro de volta, estou arrependido de ter comprado essa droga.

A gentil mocinha do Atendimento ao Cliente pede "um minutinho" e

retorna com um sorriso dizendo "infelizmente o prazo para arrependimento

terminou ontem e nada poderá ser feito a respeito". Buscando paciência no

fundo de sua alma você ainda tenta argumentar:

- Mas é só um dia de diferença...

E ela arremata atirando definitivamente seu sonho de consumo na

lama:

- Se o senhor quiser podemos negociar seu equipamento por um

mais barato, só que o senhor terá que pagar a diferença.

Pagar a diferença? Que diferença, você pensa enquanto tenta, em

vão, conter a raiva que começa a subir no sangue.

- É que seu aparelho é usado senhor e para substituí-lo nós vamos

lhe dar um novo que custa 30% mais do que esse aparelho que o

senhor tem.

Não se dando por vencido você usa a última arma que ainda resta:

- Quero falar com o gerente.

E a mocinha de fala mansa, com o mesmo sorriso artificial de sempre

retruca:

- Um minutinho por favor.

Passaram-se exatos 40 minutos até que o gerente, um sujeito

bonachão e cheio de ginga chega no balcão de atendimento:

- Pois não senhor, posso ajudá-lo?

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Pacientemente você conta toda a estória, inclusive tudo o que já havia

contado à mocinha do atendimento, detalhe por detalhe, não sem ser

interrompido algumas vezes pelo solícito gerente que atendeu três ligações

enquanto ouvia o seu caso. Terminando de contar sua estória o gerente dá o

veredicto:.

- Lamentavelmente não posso fazer nada. O seu prazo de

arrependimento terminou ontem e o máximo que posso fazer é lhe

oferecer um aparelho novo recebendo o seu como parte do

pagamento. Nesse caso, o senhor terá que pagar a diferença de

30%... etc, etc, etc.

Resumindo: o problema agora era seu. O sonho virou pesadelo. Os

dias calorentos continuariam pela aposentadoria precoce do seu aparelho de

ar condicionado, a não ser que você estivesse disposto a "pagar a

diferença".

Imagine isto acontecendo com você. Pois bem, será que isto não

acontece com o seu cliente? Será que estamos oferecendo dias agradáveis

aos nossos clientes? Qual é a sensação que a sua loja vende? O cliente que

reclama é ouvido? Qual é a importância que a sua loja dá a uma

reclamação? Quando o cliente volta para reclamar levará com ele a

sensação de que faz parte do seu negócio?

Pesquisas indicam que um cliente insatisfeito divulgará sua

insatisfação para 8 ou 10 pessoas em média e que o custo para atrair novos

clientes é seis vezes maior do que se gasta para manter os clientes já

conquistados. Outra pesquisa indica que sete em cada dez clientes retornam

se a solução de um problema for concluída em seu favor(4).

E então será que é tão difícil administrar uma loja oferecendo qualidade

no atendimento? O que se discute não é mais o atendimento puro e simples,

4 BORGES, Ezequiel. MARTIN, Domingo. "Relacionamento com Clientes". ABPL - Altamiro Borges

Planejamento & Logística. 1ª Edição. São Paulo: 2000.

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mas a diferença na qualidade do atendimento que se oferece. Todas as

vezes que um cliente reclamar, coloque-se no lugar dele e pergunte a você

mesmo: e se fosse comigo? O que eu estaria esperando? É a chamada

empatia, ou seja, a capacidade de tentar se colocar no lugar do outro.

Surpreenda esse cliente oferecendo a ele algo além do que estiver

esperando e, com certeza, sua empresa será lembrada sempre pela

qualidade que é capaz de garantir.

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GESTÃO PELA QUALIDADE

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gestão pela qualidade requer a presença de alguns

pressupostos básicos e indispensáveis que precisam ser

pensados antes de qualquer atividade, como primeiro passo

para o sucesso, como garantia de que a empresa terá sempre ao seu dispor

uma bússola indicando a direção, apontando os caminhos.

Visão do negócio

A visão de uma loja de supermercados é a definição mais

preciosa que iluminará todo o negócio ao longo da existência da vida da

empresa. É a visão o farol que aponta a direção, que motiva as pessoas a

entenderem os porquês da existência daquele lugar.

Quanto mais próxima estiver a visão dos sentimentos coletivos,

quanto mais ela se vincular aos desejos e anseios das pessoas, maiores

chances terá de garantir a sobrevivência da empresa ao longo do tempo.

A definição da visão tem a ver com o core-businness, ou seja,

com os sentimentos mais íntimos que definem o negócio e que o fazem

tornar-se um bem necessário e útil à sociedade.

Na prática a visão do negócio tem que ser um resumo do sonho

que o supermercadista sonhou quando decidiu abrir uma nova loja ou de um

grupo quando resolveu se reunir em associação.

Finalidade

A visão deve apontar uma direção, um caminho a ser perseguido.

Trata-se, pois, de uma declaração de intenção, da manifestação pública de

uma vontade de realizar algo. Assim, a visão deverá representar uma

finalidade capaz de reunir, motivar e de empolgar as pessoas.

A

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50

Para o negócio supermercadista, de um modo geral uma visão

precisa sintetizar o foco do negócio e não há como desvincular esse foco da

satisfação de seus clientes.

Como exemplo, vou usar uma definição que encontrei nas minhas

andanças por aí:

"Somos uma empresa moderna, ágil e criativa que respeita a concorrência, que acredita na livre iniciativa, que investe no desenvolvimento e na valorização humana, que oferece produtos de qualidade pelos menores preços possíveis e que tem como meta a satisfação de seus clientes através de um atendimento de qualidade direcionado pela ética e pelo respeito ao ser humano."

É fácil perceber, no exemplo acima, o que a empresa pretende.

Sua declaração de intenções é clara, objetiva e ao mesmo tempo

empolgante.

Missão

A missão tem a ver com os objetivos da empresa.

Para a definição da missão o ideal é formular um pequeno

questionário:

Figura 1 – Missão da empresa

O que a empresa deve fazer? A quem se destinam seus produtos e serviços? Quem são

seus clientes?

Para que a empresa existe?

Como fazer para atingir seus objetivos?

Onde atuará? Qual é a sua base territorial?

Qual é a sua responsabilidade diante da sociedade?

MISSÃO

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51

Assim enquanto a visão é muito mais estratégica, pois trata das

intenções de longo prazo, a missão é mais executiva pois indica claramente

os meios que a empresa deverá utilizar para que a visão se concretize.

Objetivos

Os objetivos da empresa determinam como esta deseja realizar

sua missão e, por conseqüência, atingir o ideal firmado pela visão.

Podemos dividir os objetivos em três categorias: executivos,

estratégicos e táticos.

Os objetivos executivos são as ações planejadas e executadas

pela alta direção da empresa e deve conciliar suas práticas com a missão e a

visão. É o que a empresa tem que fazer para chegar lá, para alcançar as

metas de curto, médio e longo prazo. Trata-se de uma função de

planejamento relacionada à inteligência do negócio.

No plano estratégico os objetivos precisam apontar metas de

curto, médio e longo prazo. Essas metas são avaliadas e calibradas

precisam ser ordenadas de acordo com a situação do mercado e, para isto,

será preciso entender um pouco sobre cenários e tendências que

analisaremos em outro capítulo.

Os objetivos táticos ou operacionais são aqueles que determinam

o cotidiano das empresas e, portanto, estão ligados à realização de alguma

tarefa como vender, por exemplo.

É importante afirmar que os objetivos são perfeitamente

mensuráveis, isto é, podem ser medidos no espaço e no tempo. E aqui

novamente é interessante construir um pequeno roteiro para orientar o

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trabalho de definição dos objetivos. O quadro abaixo demonstra alguns

exemplos.

Objetivos Como?

Executivos Aumentar vendas em 15%

Estratégicos

Treinar e capacitar equipes de venda

Realizar campanha publicitária

Investir na manutenção de clientes

Táticos

Participar de treinamentos

Gravar comerciais de televisão, spots de rádio e

confeccionar panfletos de ofertas.

Relacionar-se com os clientes descobrindo suas

necessidades e expectativas

Para aumentar as vendas todos os setores do supermercado

deverão estar comprometidos com os objetivos. O envolvimento só não

basta, é preciso que todos estejam comprometidos com as metas.

Seria interessante também quantificar, ou seja, determinar a

quantidade dos objetivos em cada um dos planos para que um sistema de

avaliação e acompanhamento pudesse permitir saber onde estamos e onde

queremos chegar.

Os objetivos são, em síntese, os fatores críticos de sucesso, ou

seja, são os objetivos que determinarão os rumos para que uma idéia

alcance os resultados esperados e para que possa resultar em um plano de

ação adequado à necessidade do supermercado.

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Para encerrar este capítulo é bom lembrar que visão, missão e

objetivos não podem ser dentro das empresas, apenas uma tabuleta

dependurada na parede. Empresas são organismos vivos e precisam como

qualquer ser vivo, de alimentação, de motivos para continuar, por isso a

importância da função de planejamento e dos instrumentos de avaliação. O

processo tem que ser contínuo. Quando tudo paracer bem, desconfie e não

hesite em começar tudo de novo.

Cenários

Os cenários são indicativos que sinalizam a direção a seguir. São

como uma bússola para quem decide fazer uma longa viagem onde a única

coisa que se sabe é o destino.

Quando elaboramos a visão da empresa criamos um norte,

determinamos um rumo, uma direção a seguir, mas para chegar lá é preciso

ser orientado por algum indicativo, por alguma forma de instrumento que nos

permita avaliar o caminho.

A análise de cenários é, portanto, a bússola que orienta o

caminho das empresas.

Para entender um pouco o como são os cenários é preciso saber

que na medida em que a empresa cresce e se desenvolve, será afetada por

fatores que podem influenciar na sua operação. Assim é preciso estar atento

a alguns fatores, principalmente aos seguintes:

Tecnológico - a tecnologia se desenvolve rapidamente a

afeta o desempenho das empresas. A análise do cenário tecnológico indica

as novas tecnologias existentes, seu nível de influência na operação da

empresa, as tendências para tempo futuro e os meios para que a empresa

"aprenda" a usá-las.

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Exemplo: etiquetas inteligentes - um projeto desenvolvido pela

Associação ECR do Brasil indica que nos próximos 5 anos as etiquetas

convencionais de códigos de barra serão substituídas por etiquetas

inteligentes com um chip5 que emite ondas de rádio que serão lidas

automaticamente pelos check-outs 6. Como a empresa deverá se comportar

diante desse novo componente de tecnologia? O que deverá ser feito? Será

que haverá demissões? Quanto irá custar essa nova tecnologia? Seu uso

será obrigatório?

Observem que ao analisar as possibilidades, mesmo sem determinar

tempo, temos muito mais perguntas do que respostas, aliás, as melhores

soluções de marketing não são aquelas que sabem oferecer respostas mais

rápidas, mas aquelas que têm a ousadia de realizar as melhores perguntas.

Parece que isto já foi dito... Será?

Político-econômico - o fator político-econômico tem que

ser considerado no dia-a-dia, pois sua influência vive em constante

mudança. É certo que enquanto dormimos, os mercados orientais estão

abertos, a bolsa de Tóquio está funcionando e os negócios estão

acontecendo em tempo real, afetando a economia. No plano político

enquanto pensamos na política de juros, nas reformas necessárias, uma

guerra mundial pode estar sendo planejada em algum lugar do planeta.

Portanto a análise do cenário político-econômico é fundamental para que não

sejamos surpreendidos pelos fatos.

Produto/Prestação de Serviço - Novamente é preciso

recorrer às perguntas para analisar com clareza as tendências dos produtos

5 Chips – Componentes eletrônicos minúsculos capazes de realizar operações complexas mediante processamento e

interpretação de dados. 6 Check-outs – Os caixas de supermercados.

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e serviços que oferecemos. Será que o mix7 é adequado? Qual a

composição de custos ideal? Onde está o produto concorrente? Quais são

as estratégias de produtos concorrentes? Existe a possibilidade de que meus

produtos e serviços sejam substituídos? Qual é mesmo a nossa meta de giro

do estoque?

Propósitos atuais e potenciais - Será que estamos na

direção certa? Quais são a inovações que precisamos fazer? Estamos

correspondendo às necessidades e expectativas de nossos clientes? Nossa

atuação é capaz de satisfazer a clientela? Existem oportunidades de novo

negócios em nossa região? Quais são essas oportunidades? Será que

supermercado não poderia oferecer um serviço de sapataria, por exemplo?

Por que não oferecer comidas semi-prontas?

Sócio-cultural - na análise desse cenário é preciso

observar as tendências sócio-culturais da população, seus hábitos e

costumes. Um exercício interessante é observar o passado e tirar proveito

das experiências anteriores para projetar o futuro. Exemplos típicos desse

cenário são as mulheres: o que acontecia com as mulheres há 20 anos atrás

é impensável nos dias atuais. Hoje é comum encontrarmos mulheres

liderando processos, dirigindo empresas e até caminhões. Mudou o cenário,

mas qual é a tendência?

Os cenários podem ser vistos de ângulos diferentes a para

compreendê-los a melhor forma é, novamente, construir uma tabela:

7 Mix – Popularmente é a quantidade de itens dispostos em gôndolas à disposição do cliente para compra, parte do

estoque de um supermercado localizado na área de vendas.

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Exemplo:

Cenário Político-

Econômico

Reforma Tributária

Otimista A reforma é aprovada no Congresso e logo

a seguir há uma redução na carga

tributária.

Indiferente A reforma emperra no Congresso, o tempo

passa e não sai a aprovação. Nada muda.

Pessimista A reforma é aprovada com emendas e são

criados novos impostos aumentando a

carga tributária.

O mais importante na análise de cenários é não perder de vista

que sua influência sobre os destinos da empresa será sentida de alguma

forma. O que se propõe não é um exercício de adivinhação, mas de análise

sistemática dos fatores que podem influenciar o comportamento e o

desempenho das empresas.

O planejamento deverá ser feito através das variáveis "se-então",

ou seja, se acontecer isto faremos aquilo. O planejamento então,

contemplará todas as situações. Não é possível admitir que em planejamento

ocorra algo imprevisto, se ocorrer é porque o planejamento falhou, foi mal

feito.

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A UNIÃO FAZ A FORÇA

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fenômeno das redes independentes Foi no ano 2000. Um alvoroço começou a se

estabelecer na região de Rondonópolis. Supermercadistas considerados

pequenos da região estavam se reunindo para formar um grupo forte de

empresas. Confesso que no início achei que era mais uma jogada da

concorrência, mas descobri mais tarde, que estava enganado.

Estava nascendo um movimento de união em torno da formação de

uma central de compras. Nas primeiras reuniões eu achava aquilo tudo uma

bobagem, um amontoado de gente que ficava "batendo boca" sem sair do

lugar.

Foram seis meses de discussão até que decidimos que a Rede

deveria ter um nome: Rede Volte Sempre. Naquela época, lembro-me bem, o

Servsempre era um conjunto de três lojas. Somando algumas lojas

arrebanhadas na região territorial do município, a Rede Volte Sempre foi

inaugurada com dezenove lojas, a maior dela, para minha felicidade, tinha

pouco mais de 800 metros quadrados. Não era então, um concorrente que

representasse ameaça.

Já estávamos fazendo compras de alguns itens há mais de seis

meses e começamos a estruturar a Rede Volte Sempre. Alugamos um

barracão que servia de depósito temporário de mercadorias em trânsito e no

mezanino ficava o escritório onde realizávamos os negócios.

O

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Contratamos um Gerente de Compras e montamos uma pequena

estrutura de apoio com Secretária, telefones, conexão com a Internet, enfim,

dotamos a sede da Rede de infra-estrutura necessária para funcionar a

contento. Até então só tínhamos despesas; mensalidades por check-outs,

contribuições "espontâneas" e outras situações onde precisamos literalmente

"correr o pires".

Desde as primeiras reuniões sabíamos que precisávamos ser mais

agressivos na publicidade para poder competir com os maiores varejistas já

instalados na região. Contratamos então uma Consultoria de Marketing. Foi

aí que o negócio começou a render os primeiros resultados positivos. A

Consultoria de Marketing nos esclareceu vários pontos que até estavam

ocultos: não tínhamos uma logomarca, as lojas não obedeciam a um padrão

e não sabíamos muito bem por onde começar.

A Consultoria não demorou para estabelecer uma logomarca,

padronização visual externa e interna e sinalização visual para cada uma das

lojas, lay-out de departamentalização, padronização dos uniformes dos

empregados e confecção de tablóides quinzenais.

Depois implantou um amplo programa de ampliações e reformas em

algumas lojas, impondo uma avaliação individual para piso, teto, decoração,

limpeza e higiene que fez pelo menos quatro lojas abandonarem o projeto.

O ponto mais marcante foi a revolução que isto produziu não só em

nossos negócios, mas em nossas vidas. Tivemos que investir pesado em

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treinamento e capacitação. Descobrimos, ironicamente, depois de anos

trabalhando que não sabíamos nada, que estávamos dando os primeiros

passos.

A parte mais importante foi quando descobrimos, na força da nossa

união, que podíamos freqüentar a televisão diariamente. Trinta dias depois

que contratamos a Consultoria de Marketing, marcávamos nossa presença

na televisão com um comercial de trinta segundos em horário nobre. Foi

realmente a glória. Mas o melhor ainda estava por vir.

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PROPAGAR - ESTA É A ORDEM

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as telecomunicações existe um fenômeno chamado

propagação. Se algum de vocês aqui é ou foi radioamador

certamente saberá do que estou falando. A propagação, em

linhas gerais, é um fenômeno típico das ondas Herterzianas; é ela quem

permite que uma emissora de rádio funcione, por exemplo, na Inglaterra e

seja captada na Argentina É claro que entre a emissão e a recepção existem

barreiras físicas a serem quebradas, mas isso não impede que as ondas

emitidas circulem livremente pelo ar e sejam eventualmente captadas.

Muito bem, faço essa consideração preliminar para demonstrar a força

que tem a propaganda. Além dos tablóides quinzenais e dos out-doors

espalhados pelas cidades onde a Rede Volte Sempre se instalou,

produzimos, como já disse, comerciais para a televisão. No início eram

chamadas puramente institucionais, ou seja, divulgávamos nossas lojas e até

os integrantes da Rede. Nosso objetivo, segundo a Consultoria de Marketing,

era nos tornarmos conhecidos. Os resultados foram tão bons que o prefeito

da cidade logo nos convidou ao seu gabinete, seguido pelo governador do

Estado que até usou o símbolo maior de toda nossa estratégia: um boné com

a logomarca da Rede.

As primeiras semanas dessa fase foram quase desesperadoras: lojas

lotadas, gente, muita gente comprando; centenas de entregas para fazer e

resultados cada vez mais surpreendentes. Houve lojas que aumentaram seu

faturamento em mais de cinqüenta por cento!

Estávamos, literalmente, no paraíso.

Por isso dormíamos sonhando com propagandas, com idéias novas.

Em pouco tempo descobrimos que tínhamos habilidades não só para

comprar, mas para bolar os melhores comerciais que já haviam sido

publicados. A dupla tablóide/televisão realmente nos encantava.

N

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ARRUMANDO A CASA

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o primeiro aniversário da Rede tínhamos claros os critérios

para admitir novos associados, as exigências para que uma

empresa qualquer tivesse a oportunidade de viver parte de

nosso sonho.

É bem verdade que algumas empresas não agüentaram. Se por um

lado vendiam cada vez mais, precisavam gerenciar com eficiência seus

ganhos. Na maioria dos casos, as empresas que tiveram problemas tinham

causas bem visíveis: ou já estavam a caminho da quebra ou de algum modo

desviaram parte do seu giro para objetivos estranhos aos de suas lojas.

O processo de seleção foi feito naturalmente. Os que estavam

comprometidos com o sucesso da Rede seguiram adiante e os aventureiros

foram eliminados.

E assim a casa foi arrumada.

N

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DAR A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR

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oderia ser melhor? Sim, respondeu nossa Consultoria de

Marketing. Iniciamos, logo depois do primeiro aniversário da

Rede, um amplo Programa de Relacionamento com

Fornecedores. Para gerenciar o programa fizemos reuniões sistemáticas

com os fornecedores e propusemos o seguinte: não vamos pedir mais nada;

nenhum tipo de verba, mas precisamos da contribuição do fornecedor para

nos ajudar a continuar mantendo o status da Rede.

Para participar do programa de relacionamento o fornecedor teria

duas opções: associar-se à Rede pagando uma mensalidade fixa ou

pagando um percentual sobre as compras efetivamente realizadas pela Rede

em um determinado período de tempo.

A idéia era bastante simples, mas difícil de se operacionalizar. Os

fornecedores se sentiam muito inseguros e não acreditavam muito na idéia.

Nesse particular pudemos sentir a força que a pressão coletiva exerce:

sempre que um fornecedor estivesse em dúvida, formávamos uma comissão

de três ou quatro lojistas e lá íamos nós com argumentos, números e um

bom contrato na mão. Os resultados não tardaram a aparecer. No fim de seis

meses, 70% das despesas fixas da Rede estavam sendo bancadas pelo

programa.

Sentimos, na implantação desse programa, que é preciso, como diz o

ditado "dar a César o que é de César". A lógica é bastante simples: por que

manter um estoque nas gôndolas sem receber remuneração nenhuma por

isto? E se o fornecedor paga comissões e oferece verbas por que não

enxugar as gorduras e oferecer isto em forma de vantagens permanentes

aos seus clientes?

P

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A armadilha desse programa, no entanto, começou a aparecer

quando alguns associados corriam para produtos concorrentes no primeiro

aceno de preços mais baixos. A intervenção da Rede, nesses casos,

garantiu que os fornecedores parceiros integrantes do programa de

relacionamento, fossem privilegiados nas negociações. Isto só foi possível

porque tínhamos o controle efetivo da situação e sabíamos, através de

planilhas de computador, a situação de cada fornecedor em relação a cada

associado.

A principal característica desse programa é a verdade. Não adianta

tentar enganar o fornecedor ou tentar obter alguma vantagem pensando que

o fornecedor é mágico. Ninguém fabrica dinheiro, a não ser a Casa da

Moeda, portanto, muito cuidado quando for implantar um programa de

relacionamento porque pode gerar bons resultados, mas se a velha política

Franciscana do "é dando que se recebe" for mais forte, os resultados serão

desastrosos.

Lembre-se, ao propor um programa desses aos fornecedores, é

preciso ética, transparência, paciência e verdade absoluta. Não adianta

prometer o impossível só para agradar, também não adianta pensar que o

fornecedor vai "dar" alguma vantagem. O que vai acontecer, na prática, é

uma recompensa, um pagamento, uma remuneração pelo esforço de cada

um em benefício de todos. Isto é pensar coletivamente. Isto é unir para

vencer.

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APRENDENDO A APRENDER

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s experiências que acumulamos nesses anos de vivência no

varejo de auto-serviço nos ensinou muito. Temos lições vividas

no chão de loja que serviriam para escrever milhares de páginas e produzir

volumes inteiros de uma enciclopédia.

Para não correr o risco de me tornar cansativo ou irritante, gostaria de

resumir essas lições em uma pequena frase que está em moda: é preciso

aprender a aprender.

Estranho não? Aprender a aprender?!!!

O aprendizado, na opinião da maioria dos teóricos é o conhecimento

colocado em prática. O conhecimento sem ação é pedra bruta, sem

movimento, sem valor.

As empresas de hoje precisam aprender e para isto não basta ter

excelentes produtos, localizar-se na melhor praça, fazer a melhor promoção

ou praticar o melhor preço. Você pode ter tudo isto em sua loja, em sua

Rede, mas continua acreditando que é o dono da verdade, que só você sabe

das coisas e que aquele botequim da esquina não representa ameaça

alguma para o seu negócio porque afinal, ele é "pequeno".

Lição numero um: nunca subestime seu concorrente! Aquele botequim

pode estar sintonizado com a melhor estratégia de longo prazo para destruir

o seu negócio.

Lição número dois: para se defender estude, estude dia e noite o

comportamento de sua concorrência. Descubra aondeonde ela está. Existe

possibilidade de que a concorrência apareça onde você menos espera.

Aprenda com a concorrência. Faça do benchmarking 8 um aliado na

estratégia de aprender o que é positivo, o que realmente funciona em outras

empresas e pode ser aproveitado no seu processo de gestão.

8 Benchmarking – estratégia de marketing que consiste em literalmente copiar o que dá certo em outras organizações.

A

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Só para exemplo quero lembrar dos velhos pagers 9, aqueles

aparelhos que utilizavam um bip como meio de comunicação. Lembram-se

deles? Era comum os vendedores dizerem: "me biparam, me empresta seu

telefone que eu tenho que ligar para a matriz". Quem não se lembra?!

Pois bem: onde andam os pagers hoje? Vamos fazer um teste: quem

aqui nesta sala tem um aparelhinho de bip na cintura?

Onde aconteceu o erro?

O que o pessoal dos pagers não percebeu é que um produto

substituto chegava ao mercado: o telefone celular. Voltemos ao nosso teste:

quem aqui tem um aparelho de telefone celular? Evidentemente a maioria

tem e usa.

Cuidado! Isto pode acontecer com você. Daqui há dois anos as

etiquetas colocadas nos produtos em nossas lojas serão substituídas por

etiquetas inteligentes. Será que estamos preparados para essa nova

tecnologia? O que estamos fazendo a respeito?

Aprender a aprender é, portanto, um exercício diário e constante. As

empresas têm que estar preparadas e receptivas ao aprendizado. Não às

experiências cegas, mas ao aprendizado com aplicação correta do

conhecimento, com investimentos cada vez maiores na busca de novas

tecnologias para que estejam sempre um passo à frente do seu tempo. Foi

assim quando deixamos o balcão e assim será quando voltarmos a ele.

9 Pagers – Pequenos aparelhos portáteis, operados por uma central de rádio, que serviam para enviar mensagens de texto

à distância.

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VALORIZANDO O CHÃO DE LOJA

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alorizar o conhecimento significa, antes de tudo, valorizar o ativo

mais esquecido de nossos balanços: o ser humano. Enfrentamos o

problema da rotatividade de mão-de-obra aplicando técnicas

medievais de relacionamento com nossos colaboradores.

Acreditamos ainda que empregado é despesa, que treinamento é

despesa, que Educação é despesa. É preciso romper com esta barreira que

nos induz ao atraso e gera, no longo prazo, prejuízos que nem aprendemos

a medir.

Temos o mau-hábito de julgar pelas aparências e por isto, não damos

crédito às pessoas. Quantas vezes somos convencidos de que o ser humano

não tem mais jeito. É um deslize do funcionário, um erro do açougueiro, um

troco a mais dado pelo caixa, uma entrega malfeita e pronto: crucificamos o

empregado, eliminando as conseqüências sem atacar as causas.

A causa maior de erros visíveis é a falta de preparo dos

colaboradores. O empregado poderá eventualmente ter um conjunto muito

bom de habilidades, ser disposto, motivado, produzir durante certo tempo

sob determinadas condições, até que um dia comete um erro. A primeira

providência é mandá-lo para a rua.

Será que com essas atitudes estamos acreditando na existência de

nossas empresas no futuro? A Educação é uma questão de Cultura e vice-

versa. O auto-serviço brasileiro, exceto as grandes redes de hipermercados,

só passou a se preocupar com a formação de mão-de-obra depois da

abertura do mercado. Foi em 1999 que a ABRAS - Associação Brasileira de

Supermercados deu o primeiro passo nessa direção criando a Escola

Nacional de Supermercados.

Oferecendo cursos de requalificação, de qualificação e estimulando a

implantação de cursos tecnológicos de nível superior, a Escola Nacional de

Supermercados é o primeiro marco da experiência do segmento de auto-

V

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serviço brasileiro a se preocupar efetivamente com tecnologia para o varejo

alimentar no Brasil.

Estamos como diz um amigo meu de Campo Grande, correndo contra

o tempo perdido. Correndo atrás, para ser mais exato. Não seria melhor se

estivéssemos correndo ao lado ou na frente?

Preocupados com essa verdade temos investido pesadamente em

Educação na Rede Volte Sempre. Ao lado de programas de incentivo à

conclusão dos estudos regulares, temos participado de todos os cursos

oferecidos pela Escola Nacional de Supermercados e mais recentemente

criamos um programa de bolsa para os colaboradores que estão

freqüentando cursos universitários voltados para a administração de varejo.

Além disso, criamos também um plano de cargos e salários,

implantamos planos de benefícios e nenhum colaborador entra em uma loja

se não tiver passado por duas etapas fundamentais do processo de seleção:

a semana de integração e a semana de estágio. Terminadas essas etapas

ele ainda vai encontrar um ambiente acolhedor onde terá a segurança de

que poderá trabalhar em constante evolução, aprendendo sempre.

Não queremos com isto, demonstrar que somos melhores ou piores,

mas que é preciso valorizar o chão de loja. Não o piso, os colaboradores

para que se sintam cada vez mais comprometidos com os ideais da

empresa, para que se sintam parte dela e nos ajudem a construir, a cada dia,

um negócio cada vez mais vitorioso.

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DE VOLTA AO COMEÇO

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fim está próximo. Não se preocupem, não estou me

referindo ao fim do mundo que deveria ter acontecido,

segundo os futurólogos, no ano de 2000.

O que estou dizendo é que estamos finalizando nossa modesta

opinião sobre o auto-serviço brasileiro.

Se a memória não falhar lembro-me que arrisquei duas frases no

início desta nossa conversa: o auto-serviço brasileiro não precisa do cliente e

o cliente não precisa do auto-serviço brasileiro.

As frases foram propositais. Não as escrevi e disse por acaso. Estou

certo de que as frases encerram algumas verdades que precisam ser

discutidas.

O auto-serviço, que completou efetivamente 50 anos em 2003, adotou

um formato de loja impessoal e o maior exercício que tenho feito nos últimos

anos, é percorrer lojas e ouvir os comentários dos clientes. Das observações

que tenho feito, a maior preocupação é com aquele cliente que fica

perambulando pela loja em busca de algum produto específico e a conclusão

que cheguei não é muito animadora: quanto maior a área de vendas, maior

será a chance de que esse cliente esteja insatisfeito.

A insatisfação está gerando um fenômeno que vem crescendo nos

últimos anos: o crescimento das lojas de vizinhança. O conceito de loja de

vizinhança não pode ser descrito apenas pelo fator geográfico, ou seja, não é

só porque a loja está perto do cliente que ela pode ser considerada loja de

vizinhança.

O que está fazendo a diferença é o aconchego, a noção de um

espaço menor mas com um mix adequado à realidade do cliente, com pelo

menos um colaborador em cada corredor prestando auxílio quando esse

cliente precisa.

O

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Vejam que ironia. Para conquistar o cliente de volta precisamos

retomar o estilo balcão. Estamos então, de volta ao começo. É claro que não

temos balcão, mas o conceito de atendimento é o mesmo: olho no olho! É a

hora da verdade, como dizia a inesquecível Vera Giangrande.

O cliente, de igual modo, recusa-se a freqüentar o auto-serviço

despersonalizado. Isto era uma tendência e hoje está se tornando uma

realidade. Intuitivamente esse cliente está em busca de um balcão imaginário

onde possa encontrar uma pessoa humana como ele que o atenda em suas

necessidades e contribua para que sua vida seja um pouco melhor. O auto-

serviço, com a grandiosidade que conquistou, perdeu muito do calor

humano do velho e bom balcão de armazém. Os proprietários de lojas

desapareceram, os gerentes são inacessíveis e só atendem com hora

marcada, os serviços de atendimento ao consumidor são automatizados e

respondem como se fossem robôs. Definitivamente: desse tipo de auto-

serviço o cliente não precisa.

Por isso meus amigos vamos garantir a continuidade do auto-serviço

hoje e no futuro, mas antes disso, precisamos deixar nossas salas

climatizadas por aparelhos de ar condicionado e construir balcões

imaginários onde possamos distribuir nossa simpatia aos milhares de

clientes que nos dão o prazer de viver um pouquinho melhor a cada dia.

Vamos criar motivos para que o cliente volte sempre.

Que tal começar hoje mesmo ali na porta de entrada de sua loja com

um belo sorriso no rosto e uma sincera homenagem aos nossos queridos

clientes através uma simples e honesta frase: obrigado, volte sempre!