vol. viii; nº 16; issn 1983-3733 - uemg

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JULHO/DEZEMBRO | JULIO/DICIEMBRE | 2015 VOL. VIII; Nº 16; ISSN 1983-3733 Periodicidade: Semestral | Periodicidad: Semestral Revista | Periódico -“Perspectivas em Políticas Públicas”, Faculdade de Políticas Públicas “Tancredo Neves”, Campus de Belo Horizonte, Universidade do Estado de Minas Gerais, Brasil EdUEMG - Barbacena 2015 Documento:Revista Cientifica PPP16 CORRIGIDO_OK.pdf;Página:1;Data:16 de Sep de 2015 21:02:17

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Page 1: VOL. VIII; Nº 16; ISSN 1983-3733 - UEMG

JULHO/DEZEMBRO | JULIO/DICIEMBRE | 2015

VOL. VIII; Nº 16; ISSN 1983-3733

Periodicidade: Semestral | Periodicidad: Semestral

Revista | Periódico - “Perspectivas em Políticas Públicas”,Faculdade de Políticas Públicas “Tancredo Neves”,

Campus de Belo Horizonte,Universidade do Estado de Minas Gerais, Brasil

EdUEMG - Barbacena 2015

Documento:Revista Cientifica PPP16 CORRIGIDO_OK.pdf;Página:1;Data:16 de Sep de 2015 21:02:17

Page 2: VOL. VIII; Nº 16; ISSN 1983-3733 - UEMG

Cadastrada em “Sumários Org-Sumários de Revistas Brasileiras”- Fundação de PesquisaCientífica de Ribeirão Preto (FUNPEC- RP) - www.sumarios.org/periodicos.aspCadastrada em “Banco de Dados Bibliográficos da USP” - DEDALUS-USP/BrasilIndexada pelo Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Científicas deAmérica Latina, el Caribe, España y Portugal (LATINDEX) www.latindex.unam.mxIndexada por DIALNET - Fundación Dialnet de La Universidad de La Rioja/ Espanha -http://dialnet.unirioja.es/servlet/revista?codigo=14513Capes B5

EdUEMG - EDITORA DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS |EdUEMG - EDITORA DE LA UNIVERSIDAD DEL ESTADO DE MINAS GERAISAv. Coronel José Máximo, 200 - Bairro São Sebastião - CEP 36202-284 - Barbacena - MinasGerais - BrasilTel.: (55) 32 3362-7385 - [email protected]

PROJETO DA CAPA | PROYECTO DE LA TAPACentro de Estudos e Desenvolvimento de Projetos de Design - Escola Design/CBH/UEMG/Brasil

VERSÃO ELETRÔNICA|VERSIÓN ELECTRÓNICArevistappp.uemg.br

DIAGRAMAÇÃO | DIAGRAMACIÓNFelipe Miquéias Vilaça

EDITORA GERAL | EDITORA GENERALCynthia Rúbia Braga Gontijo

COMITÊ EDITORIAL | COMITÉ EDITORIALAdmardo Bonifácio Gomes JúniorCarmem Lúcia Freitas de CastroDarli de Souza DiasDaniela Soares dos Santos (Secretária - Secretaria)Luciana Moraes Raso Sardinha PintoNaiara Alexsandra Lessa Meneses BelatoVanda Arantes de Araújo

REVISORA PARA PORTUGUÊS E INGLÊS|REVISORA PARA PORTUGUÉS YINGLÉSVanda Rosignoli____________________________________________________________________

P 467 Perspectivas em Políticas Públicas; Vol.VIII; Nº.16 (julho-dezembro,2015);Barbacena: EdUEMG; Belo Horizonte : Faculdade de PolíticasPúblicas “Tancredo Neves”, Universidade do Estado de MinasGerais, Brasil, 2015.V.VIIISemestralTextos em português e espanhol.ISSN 1983-37331. Administração Pública - Periódicos 2. Políticas Públicas - Periódicos.CDU 351

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REVISOR (A) PARA ESPANHOL|REVISOR (A) PARA ESPAÑOLVanessa Sanabria Leza

CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONAL | CONSEJO EDITORIALINTERNACIONALAlejandra Faúndez - Consultora Inclusión y Equidad (Chile)Elisabete de Carvalho - Instituto Superior de Ciências Sociais e PolíticasUniversidade de Lisboa (Portugal)Enrique Martinez Larrechea - Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO/Uruguay)Geyser Margel - Universidad de la República (UDELAR/Uruguay)Marco Aurélio Navarro Leal - Sociedad Mexicana de Educación Comparada (México)Marta Eugenia Picado Mesen - Universidad de Costa Rica (UCR/Costa Rica)Myriam Cardozo Brum - Universidad Autónoma Metropolitana de México (UAM/México)Norberto Fernández Lamarra - Universidad Nacional de Tres de Febrero (UNTREF/Argentina)Ursula Zurita Rivera - Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO/México)

CONSELHO EDITORIAL NACIONAL | CONSEJO EDITORIAL NACIONALÁlvaro Ramalho Júnior - Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)Antônio de Pádua Nunes Tomasi - Centro Federal de Educação Tecnológica de MinasGerais (CEFET/MG)Bruno Lazzarotti Diniz Costa - Fundação João Pinheiro (FJP/MG)Dijon Moraes Júnior - Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)Domingos Antonio Giroletti - Faculdades Integradas de Pedro Leopoldo (FIPL/MG)Eniel do Espírito Santo - Paidós Educação e Consultoria Ltda (Brasil)Francisca Cândida Candeias de Moraes - Fundação de Desenvolvimento e AdministraçãoPública (FUNDAP/SP )Frederico José Lustosa da Costa - Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ)Janete Gomes Barreto Paiva - Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)Júlio César Machado Pinto - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG )Lígia Gomes Elliot - Fundação Cesgranrio (RJ)Márcia Soares de Alvarenga - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/RJ)Marco Antônio Machado - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MINAS)Maria Cecília Loschiavo dos Santos - Universidade de São Paulo (USP/SP)Maria Celeste Morais Guimarães - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG )Maria Coeli Simões Pires - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)Maria de Lourdes Melo Praes - Universidade Federal de Uberlândia (UFU/MG)Nelson Colossi - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/SC)Otávio Soares Dulci - Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)Pedro Antônio de Melo - Instituto de Pesquisas e Estudos em AdministraçãoUniversitária (INPEAU/UFSC)Rogerio Cunha Campos - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)Rogério Delamare Ruas - Consultor Independente (Brasil)Salomão Antônio Mufarrej Hage - Universidade Federal do Pará (UFPA)

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AVALIADORES | EVALUADORESÁlvaro Ramalho Júnior - Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)Carmen Déa Moraes Pataro - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)Carlos Roberto Jamil Cury - Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG)Domingos Antonio Giroletti - Faculdades Integradas de Pedro Leopoldo (FIPL/MG)Elisabete de Carvalho - Instituto Superior de Ciências Sociais e PolíticasUniversidade de Lisboa (Portugal)Eniel do Espírito Santo - Paidós Educação e Consultoria Ltda (Brasil)Enrique Martinez Larrechea - Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales(FLACSO- Uruguay)Fátima Marília Andrade de Carvalho - Universidade Federal de Viçosa (UFV/MG )Fernanda Tarabal Lopes - Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)Francisca Cândida Candeias de Moraes - Fundação de Desenvolvimento eAdministração Pública (FUNDAP/SP )Frederico José Lustosa da Costa - Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ)Geyser Margel - Universidad de la República (UDELAR/Uruguay)Márcia Soares de Alvarenga - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/RJ)Marco Aurélio Navarro Leal - Sociedad Mexicana de Educación Comparada (México)Maria Coeli Simões Pires - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)Maria de Fátima de Paula - Universidade Federal Fluminense (UFF/RJ)Maria de Lourdes Melo Praes - Universidade Federal de Uberlândia (UFU/MG)Myriam Cardozo Brum - Universidad Autónoma Metropolitana de México (UAM/México)Nelson Colossi - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/SC)Norberto Fernández Lamarra - Universidad Nacional de Tres de Febrero (UNTREF -Argentina)Pedro Antônio de Melo - Instituto de Pesquisas e Estudos em AdministraçãoUniversitária (INPEAU/UFSC)Rogério Cunha Campos - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)Rogério Delamare Ruas - Consultor Independente (Brasil)Salomão Antônio Mufarrej Hage - Universidade Federal do Pará (UFPA)Tania Hogla Rodriguéz Mora - Universidad Nacional Autónoma de la Ciudad deMéxico (UNAM - México)Ursula Zurita Rivera - Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO -México).

AVALIADORES ad hoc | EVALUADORES ad hoc

Ana Paula Prado GarciaAna Rafaela Correia FerreiraBruno Vasconcelos de AlmeidaCarlúcia Maria da SilvaCássio Miranda dos SantosHenrique Lima QuitesJosé Márcio Pinto de Moura BarrosMônica Eulália da SilvaNeimar Duarte AzevedoSarah Rosignoli SouzaThiago Torres Costa Pereira

Documento:Revista Cientifica PPP16 CORRIGIDO_OK.pdf;Página:4;Data:16 de Sep de 2015 21:02:18

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GESTÃO SUPERIOR DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS(UEMG) | GESTIÓN SUPERIOR DE LA UNIVERSIDAD DEL ESTADO DEMINAS GERAIS (UEMG)

REITOR| RECTORDijon de Moraes Júnior

VICE-REITOR | VICERRECTORJosé Eustáquio de Brito

PRÓ-REITORA DE GRADUAÇÃO| PRORRECTORA DE GRADUACIÓNRenata Nunes Vasconcelos

PRÓ-REITORA DE EXTENSÃO | PRORRECTORA DE EXTENSIÓNVânia Aparecida Costa

PRÓ-REITORA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO | PRORRECTORA DEPESQUISA Y POSTGRADOTerezinha Abreu Gontijo

PRÓ-REITOR DE PLANEJAMENTO, GESTÃO E FINANÇAS | PRORRECTOR DEPLANEAMIENTO, GESTIÓN Y FINANZASAdailton Vieira Pereira

CHEFE DE GABINETE | JEFE DE GABINETEEduardo Andrade Santa Cecília

DIRETOR GERAL DO CAMPUS DE BELO HORIZONTE (CBH) | DIRECTORGENERAL DEL CAMPUS DE BELO HORIZONTE (CBH)Roberto Werneck Resende Alves

DIRETORA DA FACULDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS “TANCREDO NEVES”(FaPP/CBH/UEMG) | DIRECTORA DE LA FaPP/CBH/UEMG/BRASILCarmem Lúcia Freitas de Castro

VICE-DIRETORA DA FaPP/CBH/UEMG/BRASIL | VICEDIRECTORA DE LAFaPP/CBH/UEMG/BRASILCynthia Rúbia Braga Gontijo

EdUEMG | EdUEMGCoordenação: Daniele Alves Ribeiro

CORRESPONDÊNCIA | CORRESPONDENCIARevista “Perspectivas em Políticas Públicas”Faculdade de Políticas Públicas “Tancredo Neves”/CBH/UEMGRua Major Lopes, 574 - Bairro São PedroBelo Horizonte - Minas Gerais - Brasil CEP: 30330 050E-mail: [email protected] “on line”: revistappp.uemg.brSite: www.uemg.brTel.: 55 31 3194-2508

Documento:Revista Cientifica PPP16 CORRIGIDO_OK.pdf;Página:5;Data:16 de Sep de 2015 21:02:18

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LINHA EDITORIALEDITORIAL LÍNEA

A Revista “Perspectivas em Políticas Públicas, bilíngue (português eespanhol), editada semestralmente pela FaPP/CBH/UEMG, dedica-sea publicar textos inéditos (artigos científicos, artigos de atualização,artigos de revisão, resenhas, relatos de experiências, depoimentose entrevistas) relacionados a temáticas de políticas públicas nasdiferentes dimensões sociais. Constitui-se em canal para veiculação denovos conhecimentos e experiências sobre a temática, promovendoo intercâmbio nacional e internacional, especialmente no contexto daAmérica Latina, e, ainda, em canal para a qualificação das diversasvozes e discursos produzidos no âmbito dessas políticas.

Os textos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores.As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o pontode vista da FaPP/CBH/UEMG.

É permitida a reprodução total ou parcial desta Revista, desde que afonte seja citada.

----------------------------------------------------------------------------------El periódico “Perspectivas en Políticas Públicas”, bilingüe (portuguésy español), editado semestralmente por la FaPP/CBH/UEMG/Brasil,destínase a publicar textos originales (artículos científicos, artículos deactualización, artículos de revisión, reseñas, relatos de experiencias,declaraciones y entrevistas).relacionados con las temáticas depolíticas públicas en las diferentes esferas gubernamentales.Constituyese em canal para la vehiculación de nuevos conocimientosy experiencias em políticas públicas, promoviendo el intercambionacional e internacional en este campo, especialmente en el contextode la América Latina. Y, aún, en un canal para la calificación de lasdiversas voces y discursos producidos en el ámbito de esas políticas.

Los textos publicados son de entera responsabilidad de sus autores.Las opiniones emitidas en ellos no exprimen, necesariamente, elpunto de vista de la FaPP/CBH/UEMG/Brasil.

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Se permite la reproducción parcial o total de los textos de esteperiódico, desde que sea citada la fuente.

Documento:Revista Cientifica PPP16 CORRIGIDO_OK.pdf;Página:8;Data:16 de Sep de 2015 21:02:18

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Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VIII | Nº 16 | P. 09-10 | jul/dez 2015

SUMÁRIO

EDITORIAL .............................................................................. 11

ARTIGOS

A CENTRALIDADE DAS INSTITUIÇÕES NO NEOINSTITUCIONALISMO:um referencial analítico para o estudo das políticas públicasCarlos Eduardo de Andrade Lima da Rocha, Fabio Kurt Schneidere Samuel Goldenberg ......................................................... 25

ANÁLISE DOS DESDOBRAMENTOS DO CONCEITO DEPARTICIPAÇÃO DIANTE DA PRÁTICA DOS CONSELHOSDA ASSISTÊNCIA SOCIAL, PREVIDÊNCIA SOCIAL E SAÚDEMárcia Maria Silva Brandão................................................ 45

EDUCAÇÃO SUPLETIVA E ENSINO SUPLETIVO COMO POLÍTICANACIONAL: nas trilhas da história da Educação de Adultos - daConstituição de 1891 à Lei nº 5.692/71 de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacionalAdálcio Carvalho de Araújo.................................................. 69

ESPAÇOS DA MEMÓRIA E POLÍTICA CULTURAL NA UNIVERSIDADEDO ESTADO DE MINAS GERAISPablo Gobira, Fernanda Corrêa e Karla Danitza de Almeida.... 101

GESTÃO SOCIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS: a identificação de fluxoscomunicativos na construção da PNATER e em sua operacionalizaçãona BahiaÁlvaro Antônio Xavier de Andrade......................................... 121

MATRICIALIDADE SOCIOFAMILIAR: centralidade na família ou namulher?Thiago Prisco........................................................................... 155

QUALIDADE SOCIAL DA EDUCAÇÃO: um debate em abertoAnderson Luiz Tedesco.................................................... 173

PONTO DE VISTA

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: possibilidades de participação ereconhecimentoLiliane da Conceição Rosa da Silva...................................... 201

ANEXOS

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO .............................................. 219

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Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VIII | Nº 16 | P. 09-10 | jul/dez 2015

SUMÁRIO

EDITORIAL .............................................................................. 16

ARTÍCULOS

LA CENTRALIDAD DE LAS INSTITUICIONES EN ELNEOINSTITUCIONALISMO: un referencial analítico para el estúdio delas políticas públicasCarlos Eduardo de Andrade Lima da Rocha, Fabio Kurt Schneidere Samuel Goldenberg ......................................................... 25

ANÁLISIS DE LOS DESDOBLAMIENTOS DEL CONCEPTO DEPARTICIPACIÓN EN FUNCIÓN DE LA PRÁCTICA DE LOS CONSEJOSDE ASISTENCIA SOCIAL, PREVIDENCIA SOCIAL Y SALUDMárcia Maria Silva Brandão................................................ 45

EDUCACIÓN Y ENSEÑANZA COMPLEMENTAR COMO POLÍTICANACIONAL: los senderos de la historia de la Educación de Adultos de laConstitución de 1891 a la Ley N ° 5.692 / 71 de Directrices y Bases dela Educación NacionalAdálcio Carvalho de Araújo.................................................. 69

PLACES FOR MEMORY AND CULTURAL POLICY IN THE STATEUNIVERSITY OF MINAS GERAISPablo Gobira, Fernanda Corrêa e Karla Danitza de Almeida.... 101

GESTIÓN SOCIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS: la identificación de losflujos de comunicación en la construcción de la PNATER y su puesta enejecución en el Estado de BahíaÁlvaro Antônio Xavier de Andrade......................................... 121

MATRICIALIDAD SOCIAL FAMILIAR: centralización en la familia o en lamujer?Thiago Prisco........................................................................... 155

LA CALIDAD SOCIAL DE LA EDUCACIÓN: un debate abiertoAnderson Luiz Tedesco.................................................... 173

PUNTO DE VISTA

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DERECHO: posibilidades de participación yreconocimientoLiliane da Conceição Rosa da Silva...................................... 201

ARCHIVOS ADJUNTOS

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO .............................................. 219

Documento:Revista Cientifica PPP16 CORRIGIDO_OK.pdf;Página:10;Data:16 de Sep de 2015 21:02:19

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EDITORIALEDITORIAL

Carmem Lúcia Freitas de Castro

Prezados leitores,

Em sua 16ª edição, aRevista Perspectivas emPolíticas Públicase a FaPP comemoram seus 9 anos de existência. Neste ciclo, vários

ideais se solidificaram, inúmeras realizações e conquistas se aliaram

a um crescimento permanentemente cuidado. Assim, este número

16 se reveste de conotações históricas, consagrando conquistas e

se projetando muito além do almejado. Numa trajetória audaciosa,

a PPP vem aglutinando esforços e saberes nos quais se fundamenta

e ousa sempre galgar por novos espaços .

A PPP é fruto de uma construção múltipla e sua história se confunde e

se complementa com a da própria FaPP. E, portanto, seria impossível

não reverenciar, neste número, o Professor José Antonio dos Reis.

Com um currículo denso, o primeiro diretor da FaPP exerceu diversas

atividades na UEMG, ocupando, inclusive, a cadeira de Reitor e a

de Vice-Reitor. Sua longa jornada profissional, docente e discente

(cursando recentemente o doutorado em Portugal), em muito

contribuiu para o que hoje usufruímos. Seu legado, voz, sonhos e

sorrisos ocuparão sempre os corredores e salas de aula da FaPP. A

sua humanidade não lhe retirou a capacidade de se indignar com

tudo que não lhe parecia justo e ético. Por esta e por tantas lições, o

nosso eterno agradecimento, professor!

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Neste número, a PPP congrega 7 artigos e um Ponto de Vista que nos

remetem a reflexões de políticas públicas em dimensões diversas,

mas convergentes por pensarem possibilidades e formas possíveis

de intervenção que culminem em ações afirmativas e exitosas.

O primeiro artigo A Centralidade das Instituições noneoinstitucionalismo: um referencial analítico para o estudo daspolíticas públicas, de Carlos Eduardo de Andrade Lima da Rocha,Fábio Kurt Schneider e Samuel Goldemberg, baseado em uma

pesquisa bibliográfica, busca compreender a implementação

das ações do Estado por meio das instituições, como elemento

essencial e que se configuram como a estrutura material do Estado.

Este trabalho, sem pretender esgotar o tema, entendendo que o

referencial teórico é considerado relativamente novo, evidencia a

importância das instituições no contexto das políticas públicas e suas

relações de poder e autonomia no âmbito das decisões políticas,

considerando-se o binômio Estado e sociedade.

Márcia Maria Silva Brandão assina o artigo Análise dosdesdobramentos do conceito de participação diante da práticados Conselhos de Assistência Social, Previdência Social e Saúde.A autora discute o lugar e o papel dos Conselhos de Direitos, a

importância e o significado dessas instâncias participativas e as

diferentes dinâmicas dos processos deliberativos. Apesar não se

apresentarem totalmente estruturados, apresentam avanços para o

controle e a participação social na formulação e gestão das políticas

públicas. Ressalta também a importância de sua formação paritária

e democrática, sem, entretanto, deixar de focar nos desafios a

serem vencidos, uma vez que estes espaços, que são recentes em

nossa cultura e práxis política tanto para a sociedade quanto para

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os agentes responsáveis pela implementação das políticas públicas,

ainda não conseguem cumprir integralmente seu papel.

O texto sobre Educação Supletiva e Ensino Supletivo comoPolítica Nacional: nas trilhas da história da Educação de Adultos –da Constituição de 1891 à Lei nº 5.692/71 de Diretrizes e Basesda Educação Nacional, de Adálcio Carvalho de Araújo, discutea Educação de Jovens e Adultos durante o final do século XIX e

no século XX. Segundo o autor, esta temática não despertava o

interesse político, e, embora a preocupação com o analfabetismo

adulto fosse recorrente, o seu protagonismo somente ocorreu pela

intervenção dos educadores. Ao destacar as conquistas da educação

supletiva nesse período, o artigo ressalta a inserção, nesta política,

do adolescente, até então excluído da legislação educacional.

Outra dimensão da política pública focada neste número aborda Osespaços da memória e política cultural na Universidade do Estadode Minas Gerais, assinado pelos autores Pablo Gobira, FernandaCorrea e Karla Danitza de Almeida. O artigo apresenta os resultados

parciais do projeto Direitos à Produção e ao Acesso à Arte e à Cultura

no contexto da UEMG, e busca refletir sobre a relação entre estes

espaços e a política cultural da universidade. Os autores consideram

estes espaços como instrumentos geradores de pesquisa, ensino e

extensão, além de permitirem que tanto a comunidade acadêmica

como a sociedade em seu entorno construam a sua identidade

cultural. Ressaltam ainda a necessidade de se criar mecanismos

de interação entre os diversos projetos e movimentos existentes

nas unidades, que, muitas das vezes, se apresentam solitários; e a

importância do estímulo e da valorização dos espaços de memória

para que estes se tornem visíveis e passíveis de serem ocupados

Documento:Revista Cientifica PPP16 CORRIGIDO_OK.pdf;Página:13;Data:16 de Sep de 2015 21:02:20

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com atividades culturais, garantindo assim maior acesso à cultura e

à produção cultural.

Com o objetivo de identificar a existência de fluxos comunicativos

na construção da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão

Rural (PNATER) e em sua operacionalização realizada pela Empresa

Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA), Álvaro Antonio Xavier

de Andrade assina o artigo Gestão Social de Políticas Públicas: aidentificação de fluxos comunicativos na construção da PNATER eem sua operacionalização na Bahia. A partir de dados levantadosem uma pesquisa de campo nos municípios do semiárido baiano, o

autor considera esta política de direito, que garantiu, em momentos

distintos, a pretensão da sociedade civil e a vontade do Estado,

ressaltando, entretanto, que esta política está ligada à mobilização

social e não apenas a um projeto de Estado para promover

participação e buscar sua legitimidade. Sua pesquisa constata a

fragilidade e quase inexistência dos processos comunicativos com

pouca perspectiva de mudanças; um grande número de programas

e políticas públicas que devem ser trabalhadas; e a insuficiência

de servidores podem ser considerados como entraves para que os

processos participativos sejam efetivados.

Numa outra perspectiva de análise, Thiago Prisco analisa a

matricialidade sociofamilar da assistência social, no artigo intitulado

Matricialidade Sociofamiliar: centralidade na família ou na mulher?.Seu trabalho realiza uma breve contextualização sobre o debate

contemporâneo da centralidade da matricialidade nas famílias e se

a Assistência Social almeja realmente atingir a família, considerando

que a Política Nacional da Assistência Social e seus agentes

privilegiam a mulher-mãe em detrimento dos demais membros do

grupo familiar. Ao considerar a família como um termo que tende a

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abranger infinitas possibilidades e formatos, abarca, nesse conceito,

inclusive os que vivem fora dela, reflete sobre a insuficiência da

política quando o poder público concentra sua proteção em um único

membro da família, no caso, na mulher, e não na família, já que uma

não substitui a outra, mas sobrecarrega-a.

Discutindo outro patamar da educação, o artigo seguinte aborda

a Qualidade Social da Educação: um debate aberto, de AndersonLuiz Tedesco. Buscando aprofundar no conceito de qualidade

construído na história da educação, foca seu estudo nas reformas

ocorridas a partir de 1990. O autor identifica a escola de qualidade

social como aquela que atende às expectativas das famílias, dos

estudantes e profissionais, proporcionando a construção de vivências

democráticas. Sem pretender formular um conceito ideal de qualidade

social de educação, o texto busca refletir sobre o tema, registrando

que as posições conservadoras pensadas no país se apresentam

inadequadas para uma escola com as características desejadas, já

que se optou pela quantidade em prol da qualidade. Nesse sentido,

reflete sobre o desafio na conciliação de se implementar políticas

educacionais inclusivas com o desenvolvimento de ações sociais

capazes de impactar na melhoria das condições econômicas dos

assistidos, na educação básica, pela escola pública.

Na sessão Ponto de Vista, Liliane da Conceição Rosa da Silva finaliza

este número da PPP com o texto Estado Democrático de Direito:possibilidades de participação e reconhecimento. Com um olharpara a influência da sociedade civil na busca de reconhecimento

de direitos nas tomadas de decisão política do Estado, Silva sinaliza

que, apesar de um alto grau de apatia popular, algumas parcelas

da sociedade estão organizadas e preparadas para o debate e que,

mesmo com conflitos, retrocessos, a luta pela ampliação de espaços

Documento:Revista Cientifica PPP16 CORRIGIDO_OK.pdf;Página:15;Data:16 de Sep de 2015 21:02:20

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Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VIII | Nº 16 | P. 11-21| jul/dez 2015

16

e inclusão de maior número de autores nas políticas e decisões vem

sendo processualmente legitimada e produzindo resultados.

Boa leitura!

_______________________________________________________

Estimados lectores,

En su 16ª edición, la Revista Perspectivas en Políticas Públicasy la FaPP conmemoran sus 9 años de existencia. En este ciclo, varios

ideales se solidificaron, innúmeras realizaciones y conquistas se

aliaron con un crecimiento permanentemente. Así, este número 16

se reviste de connotaciones históricas, consagrando conquistas y

proyectándose mucho más de lo anhelado. En una trayectoria audaz,

la PPP viene agrupando esfuerzos y conocimientos en los que se

fundamenta y osa siempre escalar nuevos espacios.

La PPP es fruto de una construcción múltiple y su historia se confunde

y se complementa con la de la propia FaPP. Por tanto, seria imposible

no venerar en este número al profesor José Antônio dos Reis. Con

un currículo denso, el primer director de la FaPP ejerció diversas

actividades en la UEMG, ocupando inclusive el cargo de Rector y

de Vicerrector. Su larga jornada profesional, docente y discente

(habiendo cursado recientemente el doctorado en Portugal), ha

contribuido mucho para lo que hoy disfrutamos. Su legado, voz,

sueños y sonrisas ocuparán siempre los corredores y las salas de

clase de la FaPP. Su humanidad no le quitó la capacidad de indignarse

con todo lo que le parecía injusto y no ético. Por esto y por tantas

lecciones, ¡nuestro eterno agradecimiento, profesor!

En este número la PPP congrega 7 artículos y un Punto de Vista

que nos llevan a reflexiones sobre las políticas públicas en diversas

Documento:Revista Cientifica PPP16 CORRIGIDO_OK.pdf;Página:16;Data:16 de Sep de 2015 21:02:20

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Perspectivas em Políticas Públicas | Belo Horizonte | Vol. VIII | Nº 16 | P. 11-21| jul/dez 2015

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dimensiones, más convergentes por pensar sobre posibilidades y

formas posibles de intervención que culminen en acciones afirmativas

y de éxito.

El primer artículo La Centralidad de las Instituciones en elNeoinstitucionalismo: un referencial analítico para el estudio delas Políticas Públicas, de Carlos Eduardo de Andrade Lima daRocha, Fábio Kurt Schneider y Samuel Goldemberg, basado en una

investigación bibliográfica, busca comprender la implementaciónde las acciones del Estado por medio de las instituciones, como

elemento esencial y que se configuran como la estructura material

del Estado. Este trabajo, sin pretender agotar el tema, entendiendo

que el referencial teórico es considerado relativamente nuevo, pone

en evidencia la importancia de las instituciones en el contexto de

las políticas públicas y sus relaciones de poder y autonomía en el

ámbito de las decisiones política, considerándose el binomio Estado

y sociedad.

Márcia Maria Silva Brandão firma el artículo Análisis de losdesdoblamientos del concepto de participación en función de lapráctica de los Consejos de Asistencia Social, Previdencia Social ySalud. La autora discute el lugar y papel de los Consejos de Derechos,la importancia y el significado de esas instancias participativas y las

diferentes dinámicas de los procesos deliberativos. A pesar de que

no se presenten totalmente estructurados, aportan avances para el

control y la participación social en la formulación y gestión de las

políticas públicas. Resalta también la importancia de su formación

paritaria y democrática, sin, no en tanto, dejar de focalizar los

desafíos a ser vencidos, ya que estos espacios, que son recientes en

nuestra cultura y praxis política tanto para la sociedad como para los

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agentes responsables por la implementación de las políticas públicas,

todavía no consiguen cumplir integralmente su papel.

El texto sobre Educación y Enseñanza Complementar (de adultos)como política Nacional: los senederos de la historia de la Educaciónde Adultos de la Constitución de 1891 a la Ley n°5.692/71 deDirectrices y Bases de la Educación Nacional, de Adálcio Carvalhode Araújo, discute sobre la Educación de Jóvenes y Adultos durante

el final del siglo XIX y en el siglo XX. Según el autor, esta temática

no despertaba el interés político y, aunque la preocupación con

el analfabetismo adulto era un tema recurrente, su protagonismo

solamente ocurrió por la intervención de los educadores. Al destacar

las conquistas de la educación suplemental durante ese periodo, el

artículo resalta la inserción, en esta política, del adolescente, excluido

hasta entonces de la legislación educacional.

Otra dimensión de la política pública enfoca en este número aborda

Los espacios de la memoria y política cultural en la Universidad

del Estado de Minas Gerais, firmado por los autores Pablo Govira,

Fernanda Correa y Karla Danitza de Almeida. El artículo presenta

los resultados parciales del proyecto “Derechos a la Producción y al

Acceso al Arte y a la Cultura en el contexto de la UEMG”, y busca

reflexionar sobre la relación entre estos espacios y la política cultural

de la universidad. Los autores consideran estos espacios como

instrumentos generadores de investigación, enseñanza y extensión,

además de permitir que tanto la comunidad académica como la

sociedad, construyan en su entorno su identidad cultural. Resaltan

todavía la necesidad de crear mecanismos de interacción entre los

diversos proyectos y movimientos existentes en las unidades, que

muchas veces se presentan solitarios, y la importancia del estímulo

y de la valorización de los espacios de memoria para que se tornen

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visibles y pasibles de ser ocupados con actividades culturales,

garantizando así mayor acceso a la cultura y a la producción cultural.

Con el objetivo de identificar la existencia de flujos comunicativos

en la construcción de la Política Nacional de Asistencia Técnica y

Expansión Rural (PNATER) y en su ejecución realizada por la Empresa

de Bahía de Desarrollo Agrícola (EBDA), Álvaro Antonio Xavier de

Andrade firma el artículo Gestión Social de Políticas Públicas: laidentificación de los flujos de comunicación en la construcción dela PNATER y en su ejecución en el Estado de Bahía. A partir dedatos levantados en una investigación de campo en los municipios

del semi-árido de Bahía, el autor considera esta política de derecho

que garantizó, en diferentes momentos, la voluntad de la sociedad

civil y la del Estado, resaltando entretanto, que esta política está

unida a la movilización social y no apenas a un proyecto de Estado

para originar participación y buscar su legitimidad. Su investigación

constata la fragilidad y casi inexistencia de procesos comunicativos y

con pocas perspectivas de mudanzas; un gran número de programas

y políticas públicas que deben ser trabajadas y la insuficiencia de

funcionarios pueden ser considerados como trabas para que los

procesos participativos sean efectuados.

En otra perspectiva de análisis, Thiago Prisco analiza la matricialidad

social familiar de la asistencia social en el artículo Matricialidadsocial familiar: ¿centralización en la familia o en la mujer? Su trabajorealiza una breve contextualización sobre el debate contemporáneo

de la centralidad de la matricialidad en las familias y si la Asistencia

Social desea realmente alcanzar a las familias, considerando que la

Política Nacional de Asistencia Social y sus agentes favorecen a la

mujer-madre en perjuicio de los demás miembros del grupo familiar.

Considerando la familia como un marco que tiende a envolver un

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sinfín de posibilidades y formatos, en este concepto , inclusive los

que viven fuera de ella, refleja sobre la insuficiencia de la política

cuando el poder publico concentra su protección en un solo miembro

de la familia , en el caso en la mujer , y no en la familia , ya que uno

no reemplaza al otro, pero la sobrecarga.

Discutiendo otro nivel de educación, el siguiente artículo analiza

la Calidad de la Educación Social: un debate abierto , Anderson

Luiz Tedesco. Tratando de profundizar en el concepto de calidad

construida en la historia de la educación , centra su estudio sobre

las reformas que han tenido lugar desde 1990. El autor identifica la

escuela de calidad social como la que cumpla con las expectativas

de las familias, los estudiantes y los profesionales, ofreciendo la

construcción de experiencias democráticas. Sin pretender formular

un concepto ideal de una calidad de educación social, se busca

reflexionar sobre el tema, señalando que las posiciones conservadoras

pensadas en el país se presentan inadecuadas para una escuela con

las características deseadas, ya que optó por la cantidad a favor de la

calidad. En este sentido, se reflexiona sobre el reto de la conciliación

de la implementación de políticas educativas inclusivas con el

desarrollo de acciones sociales que tienen un impacto en la mejora

de las condiciones económicas de los beneficiarios, en la educación

básica, por la escuela pública.

En la sesión de Punto de Vista, Liliane da Conceição da Silva finaliza

este número de la PPP con el texto Estado democrático de derecho:

posibilidades de participación y reconocimiento. Con un vistazo a la

influencia de la sociedad civil en la búsqueda del reconocimiento de

los derechos en la toma de decisión política del Estado, Silva indica

que a pesar de un alto grado de apatía popular, algunos sectores de

la sociedad están organizados y preparados para el debate y que ,

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incluso con conflictos y retrocesos, la lucha por la ampliación de los

espacios e inclusión de un mayor número de autores en las políticas

y decisiones están siendo jurídicamente legitimadas y produciendo

resultados.

¡Buena lectura!

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A CENTRALIDADE DAS INSTITUIÇÕES NONEOINSTITUCIONALISMO: um referencial analítico para o

estudo das políticas públicas

Carlos Eduardo de Andrade Lima da Rocha1∗

Fabio Kurt Schneider*2 ⃰

Samuel Goldenberg3***

RESUMO

No que concerne aos estudos das políticas públicas, nitidamente,observa-se uma gama de perspectivas de análise. No presenteartigo, porém, busca-se compreender, por meio de uma pesquisabibliográfica, como as instituições constituem elemento essencialpara as ações do Estado, tendo em vista a implementação dasações governamentais. Diante da relevância do tema em tela, opresente trabalho busca apresentar alguns conceitos e teorias quepodem auxiliar na construção do conhecimento basilar e necessárioao processo de análise de políticas públicas. Para tal, o trabalhoestá dividido em três itens, iniciando por uma breve apresentaçãosobre o campo da análise de políticas públicas, ingressando nosconceitos sobre a teoria neoinstitucionalista e suas tipologias, alémdas considerações finais.

Palavras-chave: Neoinstitucionalismo. Políticas Públicas.Instituições.

* Vice-diretor de Gestão e Desenvolvimento Institucional da Fiocruz Paraná.Doutorando em Ciências na Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR.** Pró-reitor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR. Doutor emEngenharia Elétrica pela University of Washington. Professor da UTFPR.*** Diretor da Fiocruz Paraná, Doutor em Ciências pela Université de Paris VII.Pesquisador Titular da Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ.

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Carlos Eduardo de Andrade Lima da Rocha,Fabio Kurt Schneider e Samuel Goldenberg

LA CENTRALIDAD DE LAS INSTITUICIONES EN ELNEOINSTITUCIONALISMO: un referencial analítico para el

estúdio de las políticas públicas

RESUMEN

A respecto a los estudios de las políticas públicas, claramente seobserva una variedad de perspectivas de análisis, sin embargo,en este artículo trátase entender, a través de una investigaciónbibliográfica, cómo las instituciones son esenciales para lasacciones del Estado, teniendo en consideración la implementaciónde las acciones gubernamentales. Dada la importancia del tema,este trabajo busca presentar algunos conceptos y teorías quepueden ayudar a crear los conocimientos básicos y necesarios parael proceso de análisis de políticas públicas. Para ello, el trabajose divide en tres artículos, iniciando con una breve presentaciónsobre el campo del análisis de políticas públicas, continuando enlos conceptos sobre la teoría neoinstitucionalista y sus tipologias,además de las consideraciones finales.

Palabras-clave: Neoinstitucionalismo. Políticas Públicas.Instituciones.

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A CENTRALIDADE DAS INSTITUIÇÕES NO NEOINSTITUCIONALISMO: um referencial analíticopara o estudo das políticas públicas

THE CENTRALITY OF INSTITUTIONS INNEOINSTITUTIONALISM: an analytical framework for the

study of public policies

ABSTRACT

Regarding the study of public policies, one can clearly observe arange of analytical perspectives. However, performing a reviewof the literature, this article seeks to understand how institutionsare essential to State actions in view of the implementation ofgovernment actions. Given the importance of this theme this paperseeks to present some concepts and theories that can help to createbasic knowledge that is necessary to the analysis of the public policyprocess. Therefore, the paper is divided into three items, initiatingwith a brief presentation on the field of public policy analysis, thenconsidering the concepts of neo-institutionalist theory and its types,ending with the final considerations.

Keywords: Neoinstitucionalism. Public Policy. Institutions

1 INTRODUÇÃO

Para entender a relevância do campo de conhecimento denominadopolíticas públicas, faz-se necessário um aprofundamento nas teoriassustentadas por diversos cientistas políticos que se dedicaram, emespecial, à produção dos principais conceitos, modelos analíticos etipologias na área.

Nesse contexto, cumpre registrar que, para Souza (2003), as últimasdécadas registraram o ressurgimento da importância das políticaspúblicas, assim como das instituições, regras e modelos vinculados.

O pressuposto analítico que permeia o arcabouço teórico do presentetrabalho é o de que as instituições pesam e são fundamentais naconfiguração: Estado <-> Sociedade <-> Decisões Públicas. Essaconfiguração produz desdobramentos no âmbito das burocracias

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estatais, no posicionamento do próprio Estado perante a sociedadee, ainda, na relação de autonomia que se apresenta diante dessearranjo. Assim, tendo em vista o recorte metodológico que seapresenta pela centralidade das instituições, o neoinstitucionalismoserá o objeto de formulações teóricas e conceituais adotadas para arevisão da literatura.

No que concerne aos estudos das políticas públicas, observa-senitidamente uma gama de perspectivas de análise; porém, nesteesforço inicial, busca-se compreender como as instituições constituemelemento essencial para as ações do Estado.

Organizam essa perspectiva quatro questões centrais: i) Com quefrequência e em que extensão os Estados são autônomos? ii) Quecondições promovem a autonomia? iii) Quais são as consequênciasde diferentes formas de Estado para as políticas governamentais?iv) Como burocratas e políticos conseguem se tornar autônomos emcondições democráticas? (PRZEWORSKI, 1995).

Debates sobre políticas públicas implicam responder à questão sobreo espaço que cabe aos governos na definição e implementaçãodas políticas públicas. Não se defende aqui que o Estado (ou osgovernos que decidem e implementam as políticas públicas ououtras instituições que participam do processo decisório) reflete tãosomente as pressões dos grupos de interesse, como diria a versãomais simplificada do pluralismo. (SOUZA, 2003).

Diante da relevância do tema em tela, o presente trabalho buscaapresentar alguns conceitos e teorias que podem auxiliar naconstrução do conhecimento basilar necessário ao processo deanálise de políticas públicas. Para tal, o trabalho está dividido emtrês itens: iniciando com uma breve apresentação sobre o campoda análise de políticas públicas, ingressando nos conceitos sobre ateoria neoinstitucionalista e suas tipologias, e as considerações finais.

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Importante argumentação, que se coaduna com o objetivo dotrabalho em tela, é a de Leite e Flexor. (2006). Os autores registramque, em razão da complexidade dos padrões de interação sociaisenvolvidos na formulação e na gestão das políticas públicas, osestudiosos dessas formas de ações coletivas organizadas têmprocurado elaborar modelos e/ou referenciais analíticos capazesde capturar os elementos essenciais do processo de decisão quelevaram a sua institucionalização.

2 SOBRE A ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS

De acordo com Serafim e Dias (2012, p. 125), as políticas públicastêm, cada vez mais, se convertido em objetos de análise que atraem aatenção de diversos grupos, dentre os quais gestores e pesquisadores,para se debruçarem sobre as diversas formas assumidas pela relaçãoEstado-Sociedade. Como constatado pelos autores mencionados, aolongo das últimas décadas, um número crescente de estudos temsido desenvolvido com base na Análise de Política.

Ainda sob a ótica de Serafim e Dias (2012), observa-se que se tratade um campo de pesquisa relativamente consolidado no exterior e,cada vez mais, também no Brasil. Uma advertência inicial se faznecessária antes de iniciar o tratamento das principais característicase contribuições desse campo, qual seja, os esforços de análise depolíticas públicas não devem ser confundidos com “avaliações depolíticas públicas”.

Nesse sentido, percebe-se que a análise considera um arranjocomplexo, cujo entendimento prescinde de um conhecimento sólidopor parte do analista acerca dos conceitos de análise de políticaspúblicas e, ainda, da diferenciação quanto ao processo de avaliaçãono que tange aos objetivos distintos dessas duas ações atreladas aocampo de estudo das políticas públicas.

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Segundo Cavalcanti apud Serafim e Dias (2012, p. 126), emboracompartilhem o objeto central que exploram (a política pública), aavaliação e a análise constituem exercícios bastante diferentes. Oavaliador, por um lado, se ocupa, fundamentalmente, da apreciaçãodos resultados da política (ou ainda ações, programas e projetos),atentando para categorias como eficiência, eficácia e efetividade,derivados da comparação entre metas e resultados.

Registro importante é apontado por Dagnino e Dias (2008), quandoafirmam que, enquanto a avaliação propõe uma leitura ex-postda política pública, a Análise de Política reforça a importância daapreciação dos processos que, em última instância, determinam ascaracterísticas gerais da política.

Sendo assim, o presente trabalho ingressa na abordagem doneoinstitucionalismo como teoria que pode moldar o instrumentalanalítico vinculado ao estudo das políticas públicas, em especial, noque se refere ao alicerce teórico que considera as Instituições comoatores relevantes na relação Estado-Sociedade-Decisões Públicas.

3 NEOINSTITUCIONALISMO

Considerando as abordagens teóricas aqui apresentadas, observa-seque as ações dos burocratas e agentes políticos estão fortementeatreladas às instituições públicas que configuram a estrutura materialdo Estado.

Segundo Hall e Taylor apud Ribeiro (2012, p. 90), a discussãocontemporânea sobre sistemas de governo e, em especial, sobreas relações entre cada sistema de governo e a estabilidadeconstitucional, tema que perpassa o pensamento político ocidentalhá dois milênios, dá-se na matriz teórica hegemônica no campo daCiência Política. Esta hegemonia se desdobra no âmbito daquilo que,de forma muito geral, chama-se novo institucionalismo.

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Para Hochman (2007, p.15), na década de 1990 ocorreu um novodeslocamento na agenda de pesquisa em políticas públicas noBrasil. Sob influência da literatura sobre processo decisório e, maisparticularmente, da literatura neoinstitucionalista em suas váriasvertentes, a análise da produção de políticas públicas passa a serexaminada dominantemente pelo ângulo de suas relações com asinstituições políticas.

Na perspectiva de Dahl (1988, p. 85), o Estado é considerado comoalgo neutro, cuja função é promover a conciliação dos interesses queinteragem na sociedade, segundo a lógica do mercado.

Segundo Skocpol apud Rocha (2005, p.14), retomando a tradiçãoalemã de Max Weber e Otto Hintze, observa-se uma reorientaçãoteórica em relação às abordagens precedentes e uma tentativa paraorganizar as bases da análise neoinstitucionalista. Com efeito, emaderência ao que fora mencionado pela autora, materializa-se umentendimento de que o Estado seria autônomo naquelas situaçõesnas quais os governantes conseguem ter capacidade institucionalpara escolher seus objetivos e realizá-los, mesmo diante de interessesconflitantes.

Nessa linha, a autonomia supõe a possibilidade de o Estadoperseguir interesses e objetivos que não são reflexos de demandase interesses de classes sociais, grupos ou da sociedade civil. Emúltima instância, políticas públicas pressupõem um dado nívelde autonomia do Estado. Vale considerar que, para perseguirdeterminados objetivos, os atores estatais esbarram em limitaçõesresultantes da sua impossibilidade de controlar, em sua plenitude,a estrutura econômica. Skocpol entende, preliminarmente, que asociedade sofre forte influência do Estado. Logo, devendo este sercompreendido como algo muito maior do que apenas um lócus onde

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os grupos de interesse estabelecem suas relações de forças e tentamfazer prevalecer suas posições em uma relação entre classes.

Ainda de acordo com Rocha (2005), nesse esforço, Skocpol (1985)critica os pluralistas apontando que, em suas análises, os fatorescausais determinantes de decisões concretas de políticas públicasentram, muitas vezes, em contradição com suas conclusões teóricas:o conteúdo das decisões públicas supera, em diversos casos, ocaráter das demandas vindas da sociedade. Ou seja, o conteúdodos outputs costuma não raro extrapolar o dos inputs.

Para Skocpol (1985), considerando o enfoque na teorianeoinstitucionalista, o Estado não se submete simplesmente ainteresses localizados na sociedade, sejam das classes, sejam dosgrupos de interesse. Não obstante, Przeworski (1995, p. 67) registraque a perspectiva state-centered apresenta problemas e que talperspectiva possui coerência apenas quando o Estado exerce seupoder pelo monopólio da força.

Conforme destacam March e Olsen apud Howlett et al. (2013,p.50), o neoinstitucionalismo evita as limitações da maior parte dasteorias, ao explicar por que, afinal, existem as instituições políticas,econômicas e sociais, como os governos, as empresas e as igrejase qual o impacto que essas estruturas de nível macro exercem namodelação de restrições e na criação de oportunidades para ospolicy-makers.

AdotandoaafirmaçãodeRocha(2005,p.24),omodeloneoinstitucionalé hoje, indiscutivelmente, uma referência fundamental para oestudo das políticas públicas. Assim, depreende-se que a teorianeoinstitucionalista se apresenta como um denso insumo para oestudo das políticas públicas e possui lugar de destaque na agendade pesquisa de diversos cientistas políticos.

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Para Emmendoerfer e Silva (2009), o neoinstitucionalismo,especialmente o dos estudos da corrente funcionalista, parte dopressuposto de que a organização da política e do ambiente socialocorre por meio das instituições. A organização da política pode sercompreendida como a instituição e a rotinização de mecanismos queproporcionam a estabilidade das decisões sociais, as quais reduzema incerteza do ambiente social e possibilitam aos diversos atores aconstrução de expectativas de comportamento por parte dos demais.Com isso, as instituições constituem o objeto para entendimento dofenômeno político.

Conforme exposto por Dieguez (2010), no neoinstitucionalismosociológico, por outro lado, os procedimentos institucionais queguiam as ações humanas deveriam ser concebidos tendo em vistaos padrões de significação construídos por sistemas de símbolos,esquemas cognitivos e modelos morais. Sua diferença principal,quando comparado à primeira vertente mencionada, é sublinhar queaquilo que um indivíduo considera uma ação racional é ele próprioum objeto socialmente constituído

Logo, diante do desafio de interpretar as particularidades da teoriaem questão, inicia-se a discussão acerca das instituições, tendoem vista que esse é um elemento fundamental para a análisedo fenômeno tratado pela corrente neoinstitucionalista, seja naabordagem clássica (sociológica), do neoinstitucionalismo histórico,seja da escolha racional.

Desta forma, verifica-se que o objeto de diferenciação se materializapela forma como as instituições são entendidas pela função deinteresses e comportamentos dos agentes em face do elementoinstitucional no aparato estatal em um dado sistema político.

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4 O PAPEL CENTRAL DAS INSTITUIÇÕES NA TEORIANEOINSTITUCIONALISTA

A abordagem neoinstitucionalista traz a preocupação de efetuaruma observação mais próxima acerca das instituições e de seusdesdobramentos no processo de decisão pública. Cumpre enfatizarque o neoinstitucionalismo se contrapõe ao Pluralismo e não conversacom a corrente teórica Marxista. Em segundo lugar, são objetos deapresentação inescapável para a teoria neoinstitucionalista, o conceitode autonomia do Estado, no qual se insere o corpo burocráticocom seus interesses e o aparato estatal. Assim, evidencia-se umateoria em que o Estado ocupa uma posição importante em relaçãoà sociedade.

Howlett et al. (2013, p. 50) descreveram que as instituições sãodefinidas com o fim de incluir não apenas as organizações formais.Logo, com base nessa assertiva, pode-se considerar outros elementosde ordem cultural e normativa no bojo da tipificação do conceito deinstituições que permeiam o ambiente das políticas públicas.

De acordo com Codato (2013), as instituições podem ser, porexemplo, normas e valores, incluindo sistemas simbólicos,esquemas cognitivos, modelos morais, etc., que não só estipulamo funcionamento de organizações, mas também determinam ocomportamento individual por uma série de categorias de percepçãoque guiam a prática social dos agentes, determinam inteiramentesuas preferências, interesses, objetivos, como é o caso da definiçãodo neoinstitucionalismo “clássico” ou sociológico.

Essa última abordagem se coaduna com o nível de importância egrau de relacionamento vinculado aos agentes, pois estabelece umconceito de instituição que concilia sua a aplicabilidade no nívelmacro da teoria neoinstitucionalista.

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A CENTRALIDADE DAS INSTITUIÇÕES NO NEOINSTITUCIONALISMO: um referencial analíticopara o estudo das políticas públicas

De forma quase que compulsória, registra-se a definição deinstituições formais:

Não possuem apenas hierarquias internas deimplementação e de tomadas de decisão, poissão capazes também de estabelecer e ratificaro poder coercitivo de certos membros da socie-dade relativamente a outros. Este poder passa,então, a ser usado para a distribuição de serviços,a coordenação das ações de indivíduos com inte-resses comuns, a garantia de que os poderosospossam continuar a usufruir de benesses, ou paraarbitrar conflitos inevitáveis, de forma a reduziros custos para os participantes e outros afetadospela contenda. (LEVI, 1991).

Assim, atos contínuos e apresentam os conceitos de institucionalismohistórico e em sequência àquele que se ocupa da vertente da escolharacional, tendo em vista que o neoinstitucionalismo se “apropriou”das tipologias da teoria institucionalista, trazendo uma releitura à luzdas condicionantes do sistema político contemporâneo.

Como adotado por Emmendoerfer e Silva (2009), esta exposiçãosobre a noção de instituições como característica distintiva doneoinstitucionalismo possibilita aos seus estudiosos optarem, comoobjetos de pesquisa do fenômeno político, por uma variedade deinstituições: formais ou informais, estáveis ou instáveis, emergentes,em processo de consolidação, ou já consolidadas.

Ainda, segundo os autores supra, dessemodo, os neoinstitucionalistasconsideram que as instituições não são necessariamente integradase permanentes, e qualquer sinal de mudança social é uma questão aser verificada empiricamente e não presumida por meio de princípiosgerais ou da arquitetura institucional existente.

Segundo o exposto por Moreira (2013), Taylor e Hall apresentam oneoinstitucionalismo em pelo menos três perspectivas. Trata-se doinstitucionalismo histórico, o institucionalismo da escolha racional e

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o institucionalismo sociológico. Ambos têm em comum trazer para aanálise uma ideia de sistema que define certo campo de previsão dasações dos indivíduos escritos em uma dinâmica processual entre suasescolhas e o peso das instituições nestas. As perspectivas variamsegundo cada corrente, que são divididas pelos autores a partir deuma ênfase “calculadora” e outra com uma ênfase “culturalista”.Ambas reduzidas à prática da ação social orientadas a fins comodescritas por Weber para a ação burocrática.

Ainda segundo o autor, deve-se considerar, portanto, que tais modelosanalíticos são utilizados na análise do comportamento político eminstituições, como Congressos Nacionais, organizações, empresas,definindo o foco de estudo da ciência política.

Para Moreira (2013), a ênfase do institucionalismo histórico utilizadona historiografia pode ser proveitoso ao considerar as trajetóriasdas instituições como uma das variantes da explicação de suasorigens e mudanças, deixando um suposto anacronismo presenteno institucionalismo da escolha racional que traz um pressupostodo homem moderno como o modelo de um homem universal ea-histórico. Contudo, aplicado ao contexto de sua origem, os EstadosUnidos, a explicação das ações políticas dirigidas pelo cálculo daotimização e maximização da satisfação das preferências dos atoresparece bastante instigante. Para o caso da mudança e origem dasinstituições, defendem que as instituições seguem por uma economiadas transações.

E por último, Moreira (2013) registra que o institucionalismosociológico dá ênfase a uma espécie de ‘culturalismo’ pelo qual outrasvariáveis são aplicadas para a análise da ação política dos indivíduos,mais do que a teoria das escolhas ou a perspectiva da trajetóriadas instituições, este último sugere que as instituições devem servistas como práticas culturais, como ritos. O que explicaria o sentido

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que elas conferem à ação dos indivíduos e explicam sua renovação,aproximando ‘instituições de cultura’.

Para March e Olsen (2008), o neoinstitucionalismo beneficiar-se-iade um desenvolvimento teórico similar se ele pudesse se realizar.Assim como as observações anteriores sobre a racionalidade limitadae o conflito interno, as observações a respeito da importância dasinstituições tomaram, de modo geral, a forma de crítica das ideiasteóricas existentes, em vez da delineação de um conjunto alternativode conceitos teóricos precisos. Desenvolver uma estrutura teóricaabrangente para a reflexão institucional é, por certo, uma tarefaprodigiosa e pretensiosa e não será empreendida aqui. Entretanto,pode-se identificar algumas ideias associadas ao neoinstitucionalismoque poderiam ser merecedoras de atenção teórica.

5 INSTITUCIONALISMOHISTÓRICOESUASCONTRIBUIÇÕESPARA O NEOINSTITUCIONALISMO

De acordo com Ribeiro (2012), os pontos definidores doinstitucionalismo histórico referem-se, primeiro, à eleição de umprojeto científico que se preocupa em elucidar a construção,manutenção e adaptação das instituições. Essa tipologia se ocupa,em larga medida, da relação dos atores no ambiente circunscritopelas instituições nas quais esses agentes exercem suas funções.Nessa linha, tem papel importante o caminho percorrido pelas viasprocedimentais (rotinas/normas) que configuram essa abordagemdo neoinstitucionalismo.

Na perspectiva de Sanders (2008), a aproximação a tais temas se dápela percepção de que os atores políticos detêm metas e objetivos,o que se mostra como uma finalidade da ação social mais amplado que sujeitá-la exclusivamente a fins racionalmente definidos eassociados à otimização de escolhas entre diferentes opções de

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políticas públicas, que é a hipótese comportamental da escolharacional.

Nesse contexto, o institucionalismo histórico aborda, como objeto deestudo, o conjunto de agentes em interação permanente, no âmbitodas instituições. Como consequência dessa definição preliminar, naabordagem histórica, as instituições emergem como procedimentos,protocolos, regras, normas de natureza oficial e formal ou não que semostram como “inerentes à estrutura organizacional da comunidadepolítica.” (HALL; TAYLOR, 2003, p. 196).

O neoinstitucionalismo histórico recupera e reelabora modeloshistórico-estruturais, como o weberiano, o marxista e o funcionalista,para compreender o funcionamento das instituições, no intuito deimpedir, retardar, consolidar ou acelerar processos de mudançasocial. As instituições são portadoras de legados de forças políticas,sociais e históricas, que as configuram, justapondo diferentes lógicasde ordem política, cada uma com seu próprio traço temporal. Váriosarranjos institucionais que compõem uma política podem emergir dediferentes épocas. (STEINMO; THELEN, 1992).

Depreende-se, que o Neoinstitucionalismo Histórico entende asinstituições nos moldes atuais, como, por exemplo: o Legislativo,Judiciário e as organizações que constituem o Poder Executivo.

6 INSTITUCIONALISMO DA ESCOLHA RACIONAL

De acordo com Ribeiro (2012), embora o novo institucionalismoapresente-se por meio de uma diversidade de temas, a abordagemda escolha racional reclama para si certa hegemonia, não apenas nocontexto dos institucionalismos, mas também da Ciência Política emgeral.

Nesse contexto, o institucionalismodaescolha racional trilhou caminhopróprio em termos de modelo de pensamento. Preliminarmente,

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consideram-se os conceitos da economia neoclássica na formalizaçãoe racionalização das escolhas sociais.

Na ótica da escolha racional, as instituições são entendidas pelasseguintes interpretações:

i) As instituições são entendidas por regras ou estruturas noarranjo ESTADO<>SOCIEDADE<>DECISÕES PÚBLICAS;

ii) As Instituições estabelecem os atores que figuram noarranjo, suas capacidades e limites de ação, considerandoo nível de informações dada à assimetria vinculada e,ainda, o resultado das escolhas.

Esta estrutura, como um manual de regras de um jogo, ganhadinamismo quando os atores interagem entre si, levando em contassuas preferências individuais, as quais são exógenas, vale dizer, osmodelos de escolha racional não buscam explicar a ordenação depreferências dos atores segundo a pauta de votação. As instituiçõessão entendidas como “exogenous constrains or as an exogenouslygiven game form.” (SHEPSLE, 2008, p. 24).

Para Hall e Taylor apud Ribeiro (2012), os exemplos de tais instituiçõesremetem, fundamentalmente, ao poder de agenda, à estruturapartidária das comissões, aos poderes de decisão das comissões, àsrestrições/possibilidades de encaminhamento de emendas a peçaslegislativas por parte de legisladores individuais, etc.

Segundo Emmendoerfer e Silva (2009), no modelo da escolharacional, a política é uma expressão peculiar do comportamentohumano, calculado, deliberado e estratégico, em que os indivíduos,com seus objetivos e recursos claramente definidos, confrontam-se na busca de seus interesses, bem como no ordenamento queprevalecerá na sociedade.

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Na tipologia da escolha racional, os indivíduos adotam uma postura“calculadora”, sendo que essa característica foi expressa, inicialmente,no âmbito do Poder Legislativo. Observa-se que os agentes racionaisquerem estabelecer seus interesses moldando as regras do jogo edefinindo as características das instituições.

De acordo com Tsebelis (1990), o neoinstitucionalismo da escolharacional parte do pressuposto de que os indivíduos moldam asinstituições, influenciando sua criação e função, desenvolvendo umcomportamento estratégico em um contexto de normas e regras. Ocomportamento racional de um ator político deve estar balizado porum sistema de crenças e preferências internamente consistentes ecompatíveis com o mundo real.

Do ponto de vista metodológico, portanto, a escolha racional elegecomo objeto de estudo a interação, em nível micro/individual,entre as preferências e a maximização de satisfações/utilidade numcontexto de restrições institucionais estáveis (sejam exógenas ouparcialmente responsivas a ações de alguns agentes). (SANDERS,2008).

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho buscou apresentar o neoinstitucionalismo como ummodeloanalítico para o estudo das políticas públicas, registrando por meio doreferencial teórico um caminho metodológico, que considerou algunsdos principais teóricos acerca da temática e, ainda, as contribuiçõesadicionais advindas da conciliação dos registros bibliográficos.

Nesse sentido, diante das sustentações teóricas abarcadas nopresente trabalho, ficou evidente a importância das instituições nocontexto das políticas públicas, bem como sua relação de poder eautonomia atrelada ao Estado em face da sociedade no âmbito dasdecisões públicas.

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No que tange à agenda de pesquisa, pode-se identificar que ateoria neoinstitucionalista possui presença frequente na baseteórica que estrutura o desenho das políticas públicas, implicando,consequentemente, o modelo de análise e avaliação das açõesimplementadas pelo Estado.

Contudo, o recorte para a teoria neoinstitucionalista não objetivouclassificar ou definir a presente abordagem como a melhor ou únicapossível para adoção em um modelo analítico no campo de estudodas políticas públicas, tendo em vista que a presente teoria possuisuas limitações e não esgota as possibilidades de interpretação sobreo papel do Estado e das Instituições.

Insta frisar que a análise das políticas públicas e seu referido arcabouçoteórico representa um campo disciplinar relativamente novo. Por viadireta, a relevância inerente ao estudo das políticas públicas registraimportante crescimento, que se observa pelo incremento do númerode pesquisas atreladas ao tema e, ainda, pela apropriação dessatemática nas universidades e institutos de pesquisa.

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ANÁLISE DOS DESDOBRAMENTOS DO CONCEITO DEPARTICIPAÇÃO DIANTE DA PRÁTICA DOS CONSELHOS DAASSISTÊNCIA SOCIAL, PREVIDÊNCIA SOCIAL E SAÚDE

Márcia Maria Silva Brandão1∗

O presente trabalho é o resultado do processo de pesquisabibliográfica e análise do processo de participação e deliberaçãonos Conselhos de Assistência Social, Saúde e Previdência Social. Oobjetivo central deste estudo é discutir o significado e a importânciadesses canais participatórios e da dinâmica de deliberação delese refletir sobre a importância do papel dos Conselhos para aspolíticas públicas. Para atingir a finalidade proposta, num primeiromomento foram realizadas pesquisas bibliográficas e um estudoa partir de autores especialistas no assunto. Conclui-se que otrabalho propiciou conhecer o contexto dos três Conselhos esuas especificidades, além de constatar diferenças quanto aofuncionamento, à participação e à deliberação desses. Também,apreende-se que quanto mais qualificada a participação dos atoresenvolvidos e politicamente comprometidos com a transparência e apublicização mais visibilidade terá o exercício do controle público emais ampliado será o espaço público.

Palavras-chave: Conselhos de Assistência Social. Saúde ePrevidência Social.Participação e Deliberação.

* Bacharel em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais –PUC MINAS. Especialista em Sistema de Proteção Social no Brasil: Seguridade Social eTrabalho pelo Instituto de Educação Continuada – IEC da PUC-MINAS. Pós-graduandaem Gestão Pública pela Faculdade de Políticas Públicas da Universidade do Estadode Minas Gerais – FaPP/UEMG. Analista de Políticas Públicas. Assistente Social noConselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belo Horizonte –CMDCA/BH.

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Márcia Maria Silva Brandão

ANÁLISIS DE LOS DESDOBLAMIENTOS DEL CONCEPTO DEPARTICIPACIÓN EN FUNCIÓN DE LA PRÁCTICA DE LOSCONSEJOS DE ASISTENCIA SOCIAL, PREVIDENCIA SOCIAL

Y SALUD

RESUMEN

Este trabajo es el resultado de la labor de investigación bibliográfica yanálisis del proceso de participación y deliberación en los Consejosde Asistencia Social, Salud y Previdencia Social. El objetivoprincipal de este estudio es el de discutir sobre el significado y laimportancia de esos canales de participación y sobre la dinámica dedeliberación de ellos, y reflexionar además sobre la importancia delpapel de los Consejos para las políticas públicas. Para alcanzar lafinalidad propuesta, inicialmente fueron realizadas investigacionesbibliográficas así como un estudio a partir de autores especialistasen el asunto. Se llegó a la conclusión que el trabajo facilitó conocerel contexto de los tres Consejos y sus características propias,además de constatar diferencias en cuanto al funcionamiento, a laparticipación y a la deliberación de ellos. También se aprende quecuanto más cualificada, la participación de los actores envueltos ypolíticamente comprometidos con la transparencia y la divulgación,más visibilidad tendrá el ejercicio del control público y más ampliadoserá el espacio público

Palabras-clave: Consejos de Asistencia Social. Salud YPrevidencia Social. Participación y Deliberación.

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ANÁLISE DOS DESDOBRAMENTOS DO CONCEITO DE PARTICIPAÇAO DIANTE DA PRÁTICA DOSCONSELHOS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL, PREVIDÊNCIA SOCIAL E SAÚDE

AN UNFOLDING ANALYSIS OF THE CONCEPT OFPARTICIPATION WITHIN THE PRACTICE OF SOCIALASSISTANCE, WELFARE AND HEALTH COUNCILS

ABSTRACT

This paper is the result of a research on literature review and analysisof the participation and deliberation process in the Social Assistance,Health and Welfare Councils. It aims at discussing the meaning andimportance of those participatory channels and the dynamics of theirdeliberation as well as reflecting on the importance of those Councils’role on public policies. To begin with, some literature review wasmade and a study about the experts on the theme. To conclude,the paper made it possible to know the context of those threeCouncils and their specificities as well as to show the differences intheir operation, participation and deliberation. It was also possibleto observe that the more skillful and politically committed withtransparency and publicization the authors are the more visibility thepublic control exercise will be and the public space will be expandedas consequence.

Palavras-chave: Social Assistance Councils. Health and welfare.Participation and deliberation.

1 INTRODUÇÃO

Para uma melhor apreensão do assunto, este trabalho foi divididoem quatro partes: a primeira introduz o assunto e faz menção aospontos principais desenvolvidos neste estudo; a segunda partecentra-se nos fundamentos do processo histórico de construção doscanais participatórios. A terceira parte constitui-se na abordagem doConselho Nacional de Assistência Social - CNAS, Conselho Nacionalde Saúde - CNS e Conselho Nacional de Previdência Social - CNPSna perspectiva da participação e deliberação. No último momento, o

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estudo se orienta por meio das considerações finais que apresentamos aspectos analisados ao longo do processo de trabalho. Subjacenteà análise, pontuam-se as respostas obtidas de acordo com a propostaempreendida, subsidiada na literatura consultada.

Dessa forma, deve ser reafirmado que as declarações presentes nestetrabalho são fruto de um processo de maturação pessoal, intelectuale profissional, da recorrência a fontes bibliográficas originais, e,sobretudo, do empenho em compreender, o mais fielmente possível,o processo de controle público, participação e deliberação nosconselhos aqui elencados, a fim de possibilitar uma melhor apreensãodo assunto. O presente estudo não está acabado, é um processoque motiva a novos desafios, a construção e aprofundamento dasquestões. É apenas o início de outras interlocuções.

2 BREVE HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO DOS CANAISPARTICIPATÓRIOS NO BRASIL

OWelfare State, Estado de Proteção Social, é um fenômeno históricoque se consolidou no período após a Segunda Guerra Mundial, decaráter normativo e intervencionista e permitiu a legitimação dapolítica social e a possibilidade de materialização dos direitos sociaisde cidadania. Dentre os sistemas de proteção social, destacam-seo modelo bismarckiano, de caráter seletivo e corporativista, e obeveridgiano, que visava ser um sistema universal, assistencial e deresponsabilidade do Estado.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 possibilitou ainstitucionalização do conceito de Seguridade Social com o objetivode universalizar a cobertura dos programas e serviços sociais, alémde implementar um novo significado para a Seguridade Social. Essemodelo se estruturou a partir de três pilares: a Previdência Social, aSaúde e Assistência Social. Portanto, o processo de redemocratizaçãodo Brasil dos anos 1980 fez possível o desenvolvimento de uma

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democracia participativa muito afeta à criação dos conselhos queoportunamente seriam responsáveis pela elaboração das políticaspúblicas sociais.

O desenvolvimento histórico dos conselhos nas políticas públicas noBrasil deve ser entendido como um movimento de lutas cotidianas.Para a sua materialização, precisa ser analisado num processo amploe articulado à dimensão do lugar da “participação”.

De acordo com Cortes (2002), alguns teóricos têm corroboradocomo “participantes” em potencial, a comunidade, o consumidor, asclasses populares, o cidadão e o usuário. Ela esclarece que, definirparticipante, advém fundamentalmente da orientação política eideológica daquele que o aplicar. Contudo, a autora identifica queo conceito de participação de usuários faz menção às pessoas queusam determinados serviços em dada região territorial.

Apesar de ser similar ao de participação do consumidor, tal termonão se reduz à perspectiva mercantil, visto que se incorporaà noção de direito social. Pontua que a literatura utiliza distintasperspectivas ou nuances do que poderia ser compreendido comoparticipação. Dessa forma, o envolvimento daqueles que participampoderá ser caracterizado como manipulação, consulta, negociaçãoou participação, sendo esta última quando o indivíduo faz parte doprocesso decisório da política.

Na maioria dos países em desenvolvimento, grande parcela dapopulaçãonão era organizada de forma a sustentar atividades políticase os interesses sociais eram representados por meio de processosinformais. Segundo Cortes (2002), no Brasil, até a década de 1970,houve mecanismos participatórios institucionalizados exclusivamenteno campo previdenciário. As ações da Política da Previdência Socialeram ministradas apenas aos trabalhadores inseridos no mercado,pois estes pagavam as contribuições.

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Contudo, a partir de 1974 foram realizadas ações para promovero envolvimento da “comunidade” no setor da saúde. Tais medidasforam implementadas inicialmente na saúde pública por meio deserviços destinados à população excluída do acesso aos serviçosprevidenciários.

Segundo Cortes (2002), até a década de 1970, apenas na previdênciasocial havia mecanismos participatórios institucionalizados. Jána emergência da previdência social, em 1923, com as Caixas deAposentadorias e Pensões, acontecia a eleição de representantes dostrabalhadores contribuintes em órgãos decisórios dessas instituições.As caixas eram organizadas por empresas, como sociedades civis, nasquais a única participação estatal se dava por meio da normatizaçãode seu funcionamento feito mediante lei federal, aprovada peloCongresso Nacional. Estas intuições atendiam aos marítimos eferroviários e suas famílias, oferecendo aposentadorias, pensões epecúlios e assistência ambulatorial e hospitalar em caso de cirurgia.Conforme trecho abaixo:

Desde o início da previdência social brasileira,através da criação, em 1923, das Caixas deAposentadorias e Pensões, havia eleição derepresentantes dos trabalhadores contribuintesem órgãos decisórios dessas instituições.As caixas eram organizadas por empresas, comosociedades civis, nas quais a única participaçãoestatal dava-se por meio da normatização deseu funcionamento feita através de lei federal,aprovada pelo Congresso Nacional. A participaçãode representantes de trabalhadores ocorria emseu principal órgão diretivo, o qual era compostopor três membros designados pela empresa e doisdo corpo de empregados, eleitos diretamente.(OLIVEIRA; TEIXEIRA apud CORTES, 2002, p.27).

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Cortes pontua que os Institutos de Aposentadorias e Pensões,criados a partir de 1933, também tinham mecanismos participatórios,todavia necessitavam de autonomia em relação ao Estado. Osinstitutos previdenciários eram autarquias vinculadas ao Ministériodo Trabalho, que abrangiam categorias nacionais de trabalhadoresurbanos. O governo federal interferia na escolha dos representantesdos trabalhadores que tomavam parte em órgãos diretivos dosinstitutos.

A partir de 1945, a democratização da política e o crescimentoindustrial favoreceram o fortalecimento do movimento sindical,aumentando sua influência na escolha dos dirigentes dos institutose, principalmente, na indicação dos representantes dos empregadosque deveriam tomar parte nas instâncias colegiadas dos institutosprevidenciários.

No período autoritário militar, a partir de 1964, estimulou-se acentralização das instituições políticas e o crescimento do setorprivado de bens e serviços. Houve a centralização do poder e aimplementação de um modelo autoritário de administração pública,a qual defendia o planejamento e a gestão pública, fundamentadoem decisões técnicas e a supressão de canais abertos à manifestaçãopública. Tal contexto laqueou os mecanismos de participação dostrabalhadores em órgãos decisórios e consultivos da previdênciasocial. Em 1974, percebe-se que inicia uma preocupação por partedo governo em relação ao incentivo às políticas de provisão deserviços e ações na saúde.

De acordo com Cortes, nas décadas de 1980-90, em váriosmunicípios, na área de saúde, os movimentos sociais urbano, rural esindical mobilizavam-se e apresentavam suas propostas aos gestorese políticos. Após meados da década de oitenta apresentam suas

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demandas via comissões interinstitucionais municipais de saúde e,depois, por meio dos conselhos e conferências de saúde.

Conforme Azevedo e Anastasia (2002), no Brasil, com o colapso doperíodo autoritário-militar (1964-1984), apresentam-se, na agendapolítica, a redemocratização da ordem e o discurso da participaçãopopular. Contudo, os autores esclarecem que tal participação se davapor meio de programas participativos, os quais se fundamentavam em“participação restrita ou instrumental” construídos por movimentosreivindicativos com a finalidade de obter melhorias socioeconômicas.Nesta modalidade de participação, o governo tinha como foco dividira responsabilidade com a comunidade quanto às ações da políticapública.

Por meio desse tipo de iniciativa, o governobuscava alcançar diferentes objetivos: dividirresponsabilidades com as comunidades carentesna aplicação de verbas escassas; ampliar osrecursos disponíveis, por meio da substituição departe do capital por mão-de-obra gratuita ou sub-remunerada; aumentar a eficácia na alocação derecursos; elevar o nível de legitimação do governoe/ou das burocracias públicas, entre outros.(AZEVEDO; PRATES apud AZEVEDO; ANASTASIA,2002, p. 83).

Outra experiência de participação identificada pelos autores é a deorganizações associativas de baixa renda, motivadas por finalidadespragmáticas, traduzia-se na maneira de como obter do governo maisrecursos para os programas tradicionais. Outro tipo é a “participaçãoampliada”, ou seja, além das experiências citadas anteriormente,também os movimentos clássicos, denominados como organizaçõescoletivas.

Azevedo e Prates (2002) pontuam que, no campo da gestão, aConstituição Federal de 1988 introduziu a participação popular pormeio dos Conselhos, sendo reiterada em Constituições Estaduais e

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ANÁLISE DOS DESDOBRAMENTOS DO CONCEITO DE PARTICIPAÇAO DIANTE DA PRÁTICA DOSCONSELHOS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL, PREVIDÊNCIA SOCIAL E SAÚDE

nas Leis Orgânicas Municipais. Foram criados para exercitar a açãopopular no âmbito governamental público e desempenhar papelpreponderante no processo de democratização, na formulaçãodas políticas públicas da Previdência, Saúde e Assistência Social, afim de controlar as ações mediante os Conselhos. O Estado passaa apreender a política social pública como forma planejada deenfrentamento das desigualdades sociais.

3 CONSELHOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, SAÚDE EASSISTÊNCIA SOCIAL: participação e deliberação

Para Tatagiba (2004), na contemporaneidade, os conselhosgestores de políticas públicas são experiências fundamentais dedemocracia participativa em nosso país, e estes estão presentesna maior parte das cidades brasileiras, abrangendo áreas como asaúde, educação, habitação, meio ambiente, transporte, cultura,entre outras. Apresentam como novidade histórica a possibilidadede institucionalização de uma conversa entre governo e sociedade,espaço este que viabiliza canais públicos e plurais que promova umadistribuição mais justa dos recursos públicos.

De acordo com pesquisa realizada pela autora, focando a “democraciae participação” nos conselhos municipais de Curitiba, na área desaúde, assistência social e criança e adolescente; e conselhosgestores do Paraná e conselhos municipais de Maringá, é precisoavançar na apreensão do espaço da participação nos Conselhos. Énecessário identificar a participação como estratégia dos atores dasociedade civil na forma de encaminhamento de suas demandas,pois o que se tem percebido, segundo Tatagiba, é o afastamento dasorganizações civis no cotidiano dos conselhos após a eleição de seusrepresentantes.

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Valeria a pena investir mais na compreensãodessas conexões externas, não apenas comoforma de identificar a desigualdade de recursosentre os segmentos que compõem os conselhose o impacto dessa desigualdade sobre o processodeliberativo, mas também para avançar acompreensão do lugar que a participação nosconselhos ocupa na estratégia dos atores dasociedade civil como forma de encaminhamentode suas demandas. Trata-se de compreenderse, e até que ponto, uma permeabilidade maiorou menor das instituições políticas influencia adecisão das organizações sociais de participarefetivamente nos conselhos. Ou seja, seriaimportante analisar até que ponto organizaçõescapazes de mobilizar redes de apoio políticono poder Legislativo, no poder Executivo e/ounos partidos estariam dispostas a investir suas“fichas” em canais públicos de deliberação, comoforma de realização dos seus interesses. Sobessa perspectiva, poderíamos investigar a formacomo os atores da sociedade civil combinamou articulam suas várias frentes de atuação eo quanto valorizam de fato a participação emespaços como os conselhos. Isso porque, comoa bibliografia vem demonstrando, no geral asentidades indicam seus representantes e então,afastam-se do cotidiano dos conselhos, nãodemonstrando valorizar efetivamente essescanais. (TATAGIBA, 2004, p. 210).

Tatagiba (2004) ressalta que as negociações nos conselhos tiveramprevalência de propostas do Estado, e as questões relacionadas àpolítica pública são decididas sem debate ou negociação, o que podesugerir a despolitização em tais instituições. Ainda, salienta que, porserem experiências inovadoras, caracterizam-se pela ambivalência eparticipação “branda e não crítica”, não sendo restritas aos conselhos,nem ocorrendo apenas no Brasil. Percebe-se que há um avanço nosegmento gerencial, no entanto, apresentam ínfima inovação nocentro de formulação da política pública.

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ANÁLISE DOS DESDOBRAMENTOS DO CONCEITO DE PARTICIPAÇAO DIANTE DA PRÁTICA DOSCONSELHOS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL, PREVIDÊNCIA SOCIAL E SAÚDE

Cunha (2009) esclarece que a legislação brasileira regulamentadistintos campos das políticas públicas que, desde 1988, enfatizamcomo diretriz a participação da sociedade civil na definição eno controle destas. Afirma que o caminho para materializar talobjetivo é a criação dos conselhos, sendo estes compostos porrepresentantes do governo e da sociedade civil e integram princípioscomo a participação e deliberação sobre as políticas públicas, sendoinstitucionalizados por leis e organizados nas três esferas do governo.

Em pesquisa realizada pela autora sobre os conselhos Municipais deAssistência Social - CMAS e de Direitos da Criança e Adolescentes- CMDCA de Belo Horizonte, focando a capacidade de deliberaçãodestas instituições, ela pontua que existem alguns critérios quefundamentam a participação e a deliberação. Dentre eles, cita: aprevisão de câmaras/comissões; paridade entre os membros; formade escolha democrática; segmento que ocupa a presidência; formade escolha do presidente; quem elabora a pauta. Ressalta, ainda, aexistência da pluralidade dos membros.

Cunha declara que a deliberação comporta o debate e o momentodecisório, e, analisando tais itens, verificou que a participação nestesespaços não é homogênea. Ao concluir a pesquisa sobre o CMAS e oCMDCA de Belo Horizonte, a autora salienta que tais conselhos sãoespaços de deliberação democrática, nos quais os atores apresentamsuas opiniões sobre os assuntos abordados nos debates. A autoradefine o termo participação:

[...] como a ação política de sujeitos ou deatores coletivos que, por meio de discurso e daargumentação, colocam questões de interessepúblico para a deliberação do conselho, ou seja, afala em processos deliberativos públicos entendiacomo uma ação política. (CUNHA, 2009, p. 30).

De acordo com Cortes (2002), ao pesquisar a participação no campoda saúde, identificam-se cinco determinantes para a participação

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dos usuários nos conselhos. Todavia, salienta que todos eles seafetam mutuamente e compõem as partes de um todo integradoe conflituoso. Pontua ainda que os dois primeiros sejam os maisdecisivos. Esclarece, ainda, que os fóruns não existiriam se não fosseo arcabouço institucional que os criou, e apenas haverá participaçãose existir organização da sociedade civil.

1) Mudanças recentes na estrutura institucionaldo sistema brasileiro de saúde, que ocorreram emrelação aos conselhos e conferências de saúde,influenciaram determinantemente no processoparticipatório: essas mudanças formam o conjuntode programas e disposições legais da década de 1980,acrescidos das normas operacionais do Ministério daSaúde (1993 e 1996), normatizando e estimulando amunicipalização. Esse conjunto proporcionou as basespolíticas e legais para que o sistema brasileiro de saúdese tornasse mais integrado, menos descentralizado emais universalizado. Destarte, cresceu nos anos 1990 aimportância dos conselhos e conferências de saúde comoespaço de participação e reivindicações de representantesdo setor.

2) Organização dos movimentos popular e sindical:a força dos movimentos popular e sindical poderá produzira ocorrência ou não de participação de representanteslegítimos e autônomos dos setores populares nesses fóruns.Assim, o padrão de organização mais centralizado ou maisdescentralizado é decisivo para o nível de participação nosconselhos e conferências.

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3) Relacionamento entre profissionais de saúdepública e lideranças populares e sindicais: a açãocombinada dos reformadores do sistema brasileiro de saúdecom a dos ativistas dos movimentos sociais urbano, rurale sindical tem estimulado o envolvimento de usuários nosconselhos e conferências. A elite dos reformadores tematuado com o Executivo e Legislativo com a finalidade deintroduzir modificações político-institucionais que viabilizem aparticipação dos usuários. Também, as ações de profissionaisde saúde pública em unidades ambulatoriais, localizadasem áreas pobres ou rurais, favoreceram a participação dosusuários nos fóruns, que se tornaram canais de comunicaçãodireta entre lideranças populares, gestores e políticos e, aomesmo tempo, reforçaram essas lideranças dentro de suasorganizações.

4) Posições das autoridades federais, estaduaise municipais de saúde em relação à participação:a posição das autoridades das três esferas do governo nasaúde sobre a participação poder ser considerada comodeterminante, pois, muitas vezes, eles dirigem o conselhoe a organização da conferência. Mesmo quando não é ocaso, como gestores, eles influenciam diretamente: (1) naformação da agenda de discussão; (2) no funcionamentogeral do fórum; (3) na possibilidade de cumprir as decisõesali tomadas; e (4) na possibilidade de pressionar os demaisgestores e os prestadores de serviços de saúde para ocumprimento das decisões.

5) Dinâmica de funcionamento dos fóruns: estefator está relacionado à forma de coordenação do fórum e àpostura do gestor em relação à participação. A divisão clara decompetências entre comissões técnicas, jurídicas e similares

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pode contribuir para evitar a sobrecarga de discussõesdetalhadas nos conselhos, mas pode se transformar em umaproposta ou estratégia para diminuir o poder deliberativo doconselho e algumas questões podem ser consideradas nãoquestões e decididas no gabinete, fora do escrutínio público.

Para uma melhor compreensão sobre a participação nas políticaspúblicas elencadas neste estudo, dispõe-se abaixo umquadro sintéticoe explicativo sobre a estruturação dos Conselhos relacionados aelas e uma análise geral dessas instituições. Depois, procede-se aoexame individual do CNPS.

QUADRO I

Análise dos Conselhos Saúde, Assistência Social ePrevidência Social no Brasil - 2014

Regras e insti-tucionalização

Conselho Nacionalde AssistênciaSocial - CNAS

ConselhoNacional dePrevidênciaSocial - CNPS

Conselho Na-cional de Saúde

- CNS

Existência decomissões te-máticas

1) Comissão de Política;2) Comissão de Nor-mas; 3) Comissão deFinanciamento e Orça-mento; 4) Comissão deConselhos; Comissãode acompanhamento debenefícios e Comissãodas Conferências.

Poderão serinstituídos comis-sões ou gruposde trabalho paraanálise ou elabo-ração de propos-tas, pareceres, erecomendaçõesque subsidiemas decisões doplenário. Noentanto, nãodefine o númerode comissões.

Existem 26 Comissõestemáticas, instituídaspela Resolução Nº 407,de 12 de setembro de2008 (Texto alteradopela Resolução 435,de 12/08/2010).

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Periodicidadedas reuniões

De acordo com o Regi-mento Interno, o ConselhoNacional de AssistênciaSocial (CNAS) reunir-se-á,ordinariamente, uma vezpor mês, por convocação deseu Presidente ou, extraor-dinariamente, medianteconvocação de um terço deseus membros, observado,em ambos os casos, o prazomínimo de cinco dias paraa convocação da reuniãoextraordinária.O Plenário do Conselho Na-cional de Assistência Socialinstalar-se-á e deliberarácom a presença da maioriaabsoluta de seus membros.

01 (uma) reuniãoordinária mensal.Reuniões extraordi-nárias poderão serconvocadas pelopresidente ou 1/3de seus membroscom uma semana deantecedência.

Serão realizadas 12 reu-niões por ano, e o calen-dário será construído emdezembro. Assim, confor-me o Regimento Interno doCNS, reunir-se-á, ordinaria-mente, doze vezes por anoe, extraordinariamente, deofício, por convocação doPresidente ou por delibera-ção do Plenário, a requeri-mento de qualquer Conse-lheiro. O calendário do anosubsequente será definidona Reunião Ordinária ouExtraordinária do mês dedezembro. O quórum deinstalação do Conselho éde maioria absoluta. Cadamembro terá direito a umvoto.

Número total demembros

De acordo com o Re-gimento Interno, o Con-selho Nacional de As-sistência Social (CNAS)reunir-se-á, ordinaria-mente, uma vez pormês, por convocaçãode seu Presidente ou,extraordinariamente,mediante convocaçãode um terço de seusmembros, observado,em ambos os casos, oprazo mínimo de cincodias para a convocaçãoda reunião extraordi-nária.O Plenário do ConselhoNacional de AssistênciaSocial instalar-se-á e de-liberará com a presençada maioria absoluta deseus membros.

15 (quinze) mem-bros:–Seis represen-tantes do governofederal.

–Nove represen-tantes da socie-dade civil:-Três represen-tantes dos apo-sentados e pen-sionistas.-Três represen-tantes dos traba-lhadores em ati-vidade.Três representan-tes dos emprega-dores.

O Conselho Nacional de Saúdeé formado por 48 conselhei-ros titulares e seus respectivosprimeiro e segundo suplentes,representantes de entidades emovimentos sociais de usuá-rios do Sistema Único de Saúde(SUS), entidades de profissionaisde saúde, incluída a comunidadecientífica, entidades de pres-tadores de serviço, entidadesempresariais da área da saúde egoverno federal.

De acordo com o Regimento In-terno do CNS, a composição doConselho é definida da seguinteforma:

- cinquenta por cento dos mem-bros representantes de entida-des e dos movimentos sociais deusuários do SUS, escolhidos emprocesso eleitoral direto; e

- cinquenta por cento dos mem-bros representantes de entida-des de profissionais de saúde,incluída a comunidade científicada área de saúde, entidades deprestadores de serviços de saú-de, entidades empresariais comatividade na área de saúde, to-das eleitas em processo eleitoraldireto; os representantes do go-verno, do Conselho Nacional deSecretários de Saúde (Conass) eConselho Nacional de SecretariasMunicipais de Saúde (Conasems)são indicados pelos seus respec-tivos dirigentes.

A fim de manter equilíbrio dosinteresses envolvidos, a distri-buição das vagas é paritária, ouseja, 50% de usuários, 25% detrabalhadores e 25% de presta-dores de serviço e gestores..

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Presença deparidade entreos membros

Sim

Não. São 06representantesdo governo e 09representantes dasociedade civil.

Sim. A fim de manterequilíbrio dos interes-ses envolvidos, a dis-tribuição das vagas éparitária, ou seja, 50%de usuários, 25% detrabalhadores e 25%de prestadores de ser-viço e gestores.

Forma de esco-lha da socieda-de civil

Através do maior nú-mero de votos obtidosem cada segmento dasrepresentações, emfóruns próprios.

Os membros doConselho Na-cional de Previ-dência Social eseus respectivossuplentes serãonomeados peloMinistro da Pre-vidência Socialmediante indi-cação:-do Ministrode Estado daPrevidência, osrepresentes doGoverno Federal.Dos dirigentesdas centrais sin-dicais e confede-rações nacionais,os representantesdos trabalhadoresem atividade,dos aposentadose pensionistase dos emprega-dores.

De acordo com o Re-gimento Interno, ficaa cargo das entidadesou dos movimentossociais a indicação dosrespectivos represen-tantes para o exercíciodo mandato, bem comoa sua substituição. Elei-ção direta, organizadapela Comissão Eleitoral.

Mandato Go-verno

02 (dois) anos, per-mitida 01 (uma) únicarecondução por igualperíodo.

Os representan-tes do governofederal poderãoser substituídos aqualquer tempo.

03(três) anos, compossibilidade de 01(uma) recondução porigual período.

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Mandato Socie-dade Civil

02 (dois) anos, per-mitida 01 (uma) únicarecondução por igualperíodo.

Os represen-tantes dos tra-balhadores ematividade, dosaposentados epensionistas, dosempregadores eseus respectivossuplentes terãomandato de02 (dois) anos,podendo serreconduzidos porigual período,uma única vez.

03 (três) anos, compossibilidade de 01(uma) recondução porigual período.

Quem ocupa apresidência

A presidência é ocupadaalternadamente entregoverno e sociedadecivil

É presididopelo Ministrode Estado daPrevidência.

Pode ser de qualquerorigem, desde que sejaconselheiro, e há alter-nância entre sociedadecivil e governo.

Forma de es-colha do presi-dente

Na primeira reuniãoapós a eleição da So-ciedade Civil, o CNASelegerá o presidente porvoto de, pelo menos,2/3 de seus membrostitulares.

Indicação política.

Eleição com mandatode 01 ano com possibi-lidade de reeleição por,no máximo, 03 anos.

Quem elabora apauta

A Presidência Ampliada,composta pelo presi-dente e vice-presidentee pelos coordenadoresdas Comissões Temá-ticas.

A pauta é organi-zada pela Secre-taria Executiva.

A Mesa Diretora elabo-ra a pauta e envia paraos conselheiros com 10(dez) dias de antece-dência.

Legislação Fe-deral

Lei 8.742, de 07 de de-zembro de 1993 – LOAS.

CF 1988, art.194, Inc. VII. Lei8.213, de 26 dejulho de 1991.

Lei 8.080/90 e Lei8142/90.

Regimento vi-gente

Resolução CNAS nº 6,de 9 de fevereiro de2011.

Resolução 1.212,de 20 de abril de2002.

Resolução Nº407 de 12de setembro de 2008.(Texto alterado pelaResolução 435 de12/08/2010).

Fonte: Autora, 2014.

No primeiro item do é quadro possível verificar que há comissõestemáticas nos CNAS e CNS, todavia, o CNPS apenas cita que poderãoser criadas tais comissões, porém não fala da existência delas. Ostrês conselhos determinam a ocorrência de reuniões mensalmente.

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Assim, percebe-se que, para o refinamento da deliberação, os doisprimeiros se estruturam de forma mais clara para esta finalidade.

Emrelaçãoaonúmerodemembros,oCNSdeterminaummaiornúmerode representantes. Quanto à paridade entre os representantes,observa-se que os CNAS e CNS corroboram pela paridade dosmembros, o que, segundo Cunha (2009), assegura equilíbrio narepresentatividade. Todavia, o CNPS possui 06 representantes dogoverno e 09 representantes da sociedade civil, o que presumiriauma maior defesa em prol da coletividade. Lembrando que a escolhada sociedade civil é realizada pelo CNAS e do CNS via eleição eo CNPS é “indicado” pelas instituições, e, dessa forma, é possívelentender, segundo Cunha (2009), que a seleção para a composiçãodos membros, aponta o potencial democrático e de inclusão doconselho. Assim, pode-se inferir que o CNAS e CNS podem ser maisdemocráticos e inclusivos do que o CNPS.

Quanto ao mandato do governo, tem-se estipulado o período paraos CNAS e CNS, o que pode permitir uma continuação na sequênciadas diretrizes para a política pública e saber a quem demandar. Noentanto, isso não ocorre no CNPS, no qual o representante pode sersubstituído a qualquer momento, à disposição do governante. Nostrês conselhos, o mandato da sociedade civil é claramente definido.

Sobre a igualdade entre osmembros, no CNAS e CNS ela sematerializana eleição da presidência de cada conselho, pois o cargo poderáser ocupado pela sociedade civil ou governo de forma alternada.Entretanto, no CNPS apenas o Ministro da Previdência Social ocupatal cargo, sendo a forma de escolha realizada por indicação, enquantoque, nos dois primeiros, se faz por eleição como forma democráticade escolha. Fato este que aponta o conservadorismo e resistência àparticipação neste Conselho.

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Em relação ao CNPS, na pesquisa realizada por Delgado (2002) sobrea participação no CNPS, ele identifica que o modelo de participaçãosocial não é precedido por movimento social, diferentemente dasaúde. Ressalta que, anteriormente, o conselho era corporativista etripartite2.

A Constituição Federal de 1988, no Título VIII, da Ordem Social,Capítulo II, Seção I das Disposições Gerais, no Artigo 194, em seuinciso VII, traz como objetivo o “caráter democrático e descentralizadoda administração, mediante gestão quadripartite, com participaçãodos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governonos órgãos colegiados”. (BRASIL, 1998).

De acordo com Delgado (2002), o acesso do princípio da participaçãoà prática real da política social ocorreu legalmente com a suaregulamentação realizada pela Lei nº 8213/1991, que instituiu váriasestruturas peculiares de participação social na gestão pública dosistema previdenciário, como o Conselho Nacional de PrevidênciaSocial e o Conselho Nacional da Seguridade Social. Contudo, esteúltimo foi extinto a partir de 1999 por ocasião da 5ª reedição daMedidaProvisória nº 1799-5/1999. Também foram extintos os conselhosestaduais e municipais. O autor pontua que, aparentemente, noCNPS, tudo começa e termina com a norma jurídica.

O processo formal de criação do CNPS passou pela regulamentaçãoconstitucional com a edição da Lei nº 8213, de 26 de julho de 1991,que estabeleceu suas funções, dentre elas: competências (art.4º); o processo decisório (Regimento Interno); a composição e arepresentação (art. 3º); a organização e o funcionamento (art. 3ºaté 8º); e a descentralização (art. 7º).

2 Era composto pelo governo, trabalhadores e empresários.

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Delgado (2002) expõe que o ato constitutivo do CNPS é tímido aonormatizar o princípio da participação e da descentralização dagestão e ao estabelecer suas atribuições de forma vaga. Afirma quetais princípios, a partir do funcionamento efetivo do colegiado, vãose revelando pouco aplicáveis às ações destinadas aos seguradosativos e aposentados.

Sem o apoio significativo de movimentos sociaise do respaldo de uma trajetória histórica que lheconfira legitimidade, como foi o caso do ConselhoNacional de saúde amparado na experiênciado Movimento Sanitarista Brasileiro de décadasanteriores, o CNPS torna-se uma estrutura fracae frequentemente refém da alta administração eda própria burocracia do INSS. Nesse contexto, aproposta de constituir-se o CNPS em um conselhode administração do INSS (proposta de um dosentrevistados) pode ser uma alternativa pensável,mas que provavelmente terá dificuldadesde vingar, porque não correspondia a umadescentralização real de poder político, mas umasimples transferência de poder do Executivo parao CNPS, algo que nunca ocorre gratuitamente.(DELGADO, 2002, p. 37).

Segundo Delgado (2002), o CNPS é um órgão consultivo, sendo, emsua origem, formato, descentralização, forma de representação ede funcionamento adotaram padrões legais. Possui certa fragilidadepolítica e social dos seus organismos representativos, com umaestrutura centralizada. Quanto à participação na cogestaõ é ínfima.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo permitiu ampliar o conhecimento em relação à dinâmicados três conselhos pesquisados. Também é o resultado de umprocesso que possibilitou amaturação de conhecimentos relacionadosà temática, além de contribuir como subsídio para a práxisprofissional. Por conseguinte, é fonte que respalda o pensamentoacerca da diversidade de indagações que perpassa este complexo e

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vasto assunto. Tornou-se necessário mapear, ainda que brevemente,algumas especificidades apontadas por autores especialistas naliteratura relacionada aos conselhos, políticas públicas, controlepúblico, deliberação e participação, com ênfase neste último.

Após o estudo, verificou-se que há comissões temáticas nos CNASe CNS, no entanto, no CNPS, observa-se que apenas é citadoque poderão ser criadas tais comissões, porém não está dispostaa existência delas. Assim, percebe-se que, para o refinamento dadeliberação, os dois primeiros se estruturam de forma mais clarapara esta finalidade.

Quanto à paridade entre os representantes, constata-se que osCNAS e CNS possibilitam a paridade dos membros, o que asseguraequilíbrio na representatividade. Contudo, o CNPS possui 06representantes do governo e 09 representantes da sociedade civil, oque presumiria uma maior defesa em prol da coletividade, porém aescolha da sociedade civil é realizada pelo CNAS e do CNS via eleiçãoe o CNPS é decidido por “indicação” pelas instituições. Assim, épossível inferir que a eleição para a composição dos membros apontao potencial democrático e de inclusão do conselho. Dessa forma,pode-se apreender que o CNAS e CNS podem ser mais democráticose inclusivos do que o CNPS.

Em relação ao mandato, tem-se determinado o período para osmembros e a presidência nos CNAS e CNS, o que pode permitir umacontinuação na sequência das diretrizes para a política pública esaber a quem demandar. Entretanto, isso não ocorre no CNPS, noqual o representante que ocupa a presidência pode ser substituído aqualquer momento, à disposição do governante. Nos três conselhos,o mandato da sociedade civil é claramente definido.

Sobre a questão da igualdade entre os membros, no CNAS e CNS,ela se materializa por meio da eleição da presidência de cada

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conselho, pois o cargo poderá ser ocupado pela sociedade civil oupelo governo de forma alternada. Entretanto, no CNPS apenas oMinistro da Previdência Social ocupa tal cargo, sendo a forma deescolha realizada por indicação, enquanto que nos dois primeiros sefaz por eleição como forma democrática de escolha. Fato este queaponta o conservadorismo e resistência ao princípio da participaçãoneste Conselho.

Observa-se que o ato constitutivo do CNPS é tímido ao normatizaro princípio da participação e da descentralização da gestão e aoestabelecer suas atribuições de forma vaga. Tais princípios, a partirdo funcionamento efetivo do colegiado, vão se revelando poucoaplicáveis às ações destinadas aos segurados ativos e aposentados.Sendo o CNPS um órgão consultivo e pouco deliberativo em suaorigem, formato, descentralização, forma de representação e defuncionamento, adotou padrões legais. Esse contexto corrobora paraa fragilidade política e social dos seus organismos representativoscom uma estrutura centralizada e com uma participação insignificantena cogestão.

Em vista dos argumentos apresentados, percebe-se que aparticipação pode ser utilizada de forma passiva e cooptável devido àestrutura do Conselho, ou de maneira a discutir e construir propostasque efetivem os direitos coletivamente nos Conselho. Constata-seque quanto mais qualificada a participação dos atores envolvidos epoliticamente comprometidos com a transparência e a publicização,mais visibilidade terá o exercício do controle público e mais ampliadoserá o espaço público. Destarte contribuirá para o desenho depolíticas públicas, como é o caso da saúde e da assistência social, asquais, com avanços e retrocessos, têm possibilitado o exercício daparticipação e deliberação.

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Enfim, há desafios relacionados à participação e deliberação nosconselhos, em especial no CNPS. Ainda convém lembrar que osconselhos são inovações recentes no contexto brasileiro e trazemnovas relações quanto ao controle público. Para contribuir com talsituação, faz-se necessário cultivar uma cultura democrática a fimde promover o exercício do controle público no CNPS, CNAS e CNS,ampliando o espaço público.

Neste ponto da apreciação, parece adequado indagar se osprofissionais implementadores de políticas sociais públicas ea sociedade civil, inclusive, veem a necessidade de conhecercriticamente a importância deste processo de construção do controlepúblico, participação e deliberação na práxis cotidiana como formade contribuir para promover mudança na realidade.

Levando em consideração esses aspectos, compreende-se que estetema é recomendável para a leitura dos acadêmicos, assistentessociais, e demais profissionais em geral, sobretudo por aqueles quetêm sensibilidade com o bem-estar social, pois o assunto é relevante.Portanto, trata-se de um estudo indispensável neste momento emque se construíram novas maneiras para democratizar o controlepúblico, possibilitar a efetivação da participação e deliberação quantoà política pública.

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Recebido: 11/06/2015Aprovado: 13/08/2015

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EDUCAÇÃO SUPLETIVA E ENSINO SUPLETIVO COMOPOLÍTICA NACIONAL: nas trilhas da história da Educação deAdultos - da Constituição de 1891 à Lei nº 5.692/71 de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional

Adálcio Carvalho de Araújo*

RESUMO

AEducação de Adultos no Brasil se apresentou, ao longo da história,como uma temática de desinteresse político, que não possuía umaação pública muito efetiva. A proposta deste trabalho é discutir aEducação de Adultos, no Brasil, no contexto histórico do final doséculo XIX e no século XX, com destaque para dois momentos:quando se propõe uma política de educação supletiva e umapolítica de ensino supletivo no âmbito federal. Utilizando da revisãobibliográfica, o trabalho apresenta discussões dos marcos legaisque corroboraram e consolidaram as políticas de alfabetização deadultos, partindo da Constituição de 1891 com o veto ao voto doanalfabeto à legalização do ensino supletivo no regimemilitar. Nessaabordagem, destaca-se a conceituação de educação supletiva e deensino supletivo e sua mesclagem, apontando também o momentoem que o sujeito adolescente passa a integrar o público-alvo dapolítica de Educação de Adultos.

Palavras–chave: Educação de Adultos. Educação supletiva.Ensino supletivo. Política Nacional deEducação.

* Professor da Faculdade de Políticas Públicas da UEMG. Coordenador Adjunto daUAB/UEMG. Mestrando em Educação pela Faculdade de Educação - FaE/CBH/UEMG. Especialista em Geografia e Meio Ambiente, Sociologia e Supervisão Escolarpela Faculdade do Noroeste de Minas (FINOM). Licenciado em Matemática pelaUniversidade Metropolitana de Santos (UNIMES). Licenciado em Geografia pelaUniversidade Estadual de Montes Claros.

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EDUCACIÓN Y ENSEÑANZA COMPLEMENTAR COMOPOLÍTICA NACIONAL: los senderos de la historia de la Educaciónde Adultos de la Constitución de 1891 a la Ley N ° 5.692 / 71 de

Directrices y Bases de la Educación Nacional

RESUMEN

LaEducacióndeAdultos enBrasil se presenta, a lo largode la historia,como tema de desinterés de la política práctica, que no tenía unaacción pública muy efectiva. El propósito de este trabajo es discutirla Educación de Adultos en Brasil, en el contexto histórico de finalesdel siglo XIX y en el siglo XX, especialmente en dos momentos:cuando se propone una política de educación complementar y unapolítica educativa complementar al nivel federal. Haciendo uso dela revisión bibliográfica, el artículo presenta las discusiones sobrelos marcos legales que corroboraron y consolidaron las políticas dealfabetización de adultos, partiendo desde la Constitución de 1891con el veto al voto de los analfabetos, hasta la legalización de laeducación complementar en el régimen militar. En este enfoque, sedestaca el concepto de la educación y la enseñanza complementary su fusión en el momento en que el adolescente también pasaa formar parte del público objetivo de la política de Educación deAdultos.

Palabras clave: Educación de Adultos. Educación complementar.La enseñanza complementar. Política deEducación Nacional.

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SUPPLEMENTARY EDUCATION AS A NATIONAL POLICY:on the paths of Adult Education history – from the 1891 BrazilianConstitution to Law number nº 5.692/71 on National Education

Guidelines and Framework Law

ABSTRACT

Adult Education in Brazil has been a theme of no political interestand without effective public actions along the history. This paperaims at discussing Adult Education in the country in the historicalcontext of the end of the 19th century and the beginning of the 20th.Two moments are being highlighted: when policies of supplementaryeducation are proposed and that of federal supplementary education.The article makes a literature review discussing the legal milestonethat have corroborated and consolidated the policies of adults’literacy beginning with the 1891 Brazilian Constitution that prohibitedilliterates to vote until the accreditation of supplementary educationduring the military dictatorship. In this approach the conceptualizationof supplementary education and supplementary teaching and theirmix are highlighted as well as it is appointed that moment whenadolescents became target of Adult Education policies.

Keywords: Adult Education. Supplementary Education.Supplementary teaching. National Policies ofEducation.

1 INTRODUÇÃO

A Educação de Adultos no Brasil tem uma trajetória muito recente.Pensar e falar da sua institucionalização requer fazer um caminhohistórico remissivo, que, como alguns autores da temática afirmam,não é um caminho fácil. Nesse percurso, incorre-se o risco de deixarpara trás várias pegadas das quais não restam mais vestígios ouem que estes passam despercebidos. Do ponto de vista prático, a

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Educação de Adultos no Brasil possui uma trajetória que caminhaparalelamente à história político-administrativa do país nos seusvários períodos.

Levando em consideração que, no país, tenha sido iniciado umprocesso colonizador/explorador desde a terceira década após asua “descoberta” e, como partícipe desse processo, a difusão docatolicismo pela presença missionária dos jesuítas na catequizaçãodos índios, que se dava por meio da instrução, pode-se considerarque o ensino de adultos, ainda que não pensado como instruçãoescolar ou educação no seu sentido amplo, iniciou-se temporalmentepoucos anos depois da chegada dos portugueses.

As mudanças históricas e, mais precisamente, a chegada do país aoséculo XIX - um século de mudanças - com seus acontecimentos naesfera política (vinda da família real para o Brasil, Independência,Imperialismo, abolição da escravatura, República) semearam novasideias, que germinaram ao longo do século XX e se desdobraram empolíticas educacionais.

A Educação de Adultos, com o pensamento já iniciado nos séculosanteriores, mas sem uma preocupação pública efetiva, adentrao século XX e o percorre com presença na agenda política, emalguns períodos mais e em outros, menos. Este trabalho pontuará,justamente, a presença dessa temática do início até o século XX esua trajetória até a década de 1970.

A proposta deste trabalho é discutir a Educação de Adultosno contexto histórico do final do século XIX e no século XX comdestaque nos dois momentos históricos: quando se pensou numaeducação supletiva a partir da Constituição de 1934 e da Conferênciada ONU (1945); e num ensino supletivo a partir da Lei 5692/71 deDiretrizes e Bases da Educação, chamando atenção à consolidação

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da educação supletiva e do ensino supletivo na política educacionalno âmbito federal.

As discussões desses dois momentos históricos, especificamente, nãosão feitas aqui descontextualizadas ou como se esses dois momentosfossem pontos isolados, mas sim dentro do contexto de mudançasdo século XX, dentro de um contexto histórico, sendo esses doismomentos acontecimentos na trajetória de Educação de Adultos noBrasil. Nessa abordagem, destaca-se a conceituação de educaçãosupletiva e de ensino supletivo e sua mesclagem, apontando tambémo momento legal em que o sujeito adolescente também passa aintegrar o público-alvo da educação supletiva.

A metodologia utilizada neste trabalho foi a revisão bibliográfica,que, nas suas diversas fontes, artigos, livros, censos e textos legais,oferecem uma série de dados e informações trabalhadas ao longodas discussões aqui estabelecidas. Dentre esses autores, destacam-se Haddad e Pierro (2000), que já trazem trabalhos sobre a discussãonesse período; Nogueira (2012) com o estudo das escolas primáriasnoturnas, abrangendo o início do século XX; e a Revista Brasileirade Estudos Pedagógicos nos seus primeiros anos de existência,especificamente uma edição do ano de 1947 que trata da educaçãopopular com ênfase à educação supletiva, bem como textos legaiscomo o Decreto nº 16.782-A, de 13 de janeiro de 1925, a Constituiçãode 1934 e a Lei nº 5.692/71.

2 DA PROIBIÇÃO AO VOTO À POSSIBILIDADE DA ESCOLA

A Constituição Republicana de 1891, ao vetar o direito ao voto atodos os analfabetos, sublima e reforça a ideia de que, para sercidadão com todas as prerrogativas, era necessário ser, ao menos,alfabetizado, “isso em um momento em que a maioria da populaçãoadulta era iletrada”. (HADDAD; PIERRO, 2000, p. 109).

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Nesse período, marca, na Educação de Adultos, a Escola Primárianoturna, que tem um papel muito importante nas políticas dasprovíncias brasileiras, levando instrução à população trabalhadora.Percebe-se nesse período que, nos discursos políticos, aparece ainstrução do adulto como algo comque o Estado deveria se preocupar;no entanto, o discurso ainda se encontrava longe de constituir empolítica, visto as grandes controvérsias entre os legisladores.

A discussão sobre a instrução de adultos no Congresso mineiro,por exemplo, alongou-se por todo o final do século XIX e início doséculo XX com muitas idas e vindas, com aberturas e fechamentosde escolas e fixação de números de escolas que poderiam existir emcada município e/ou distrito, como aponta Nogueira (2012), na obraA escola primária noturna em Minas Gerais (1891-1924).

É consensual que essa discussão tenha sido um fomento derelevância às ações posteriormente empreendidas nas décadasseguintes, levando em conta que já traziam em si discursos quepincelavam a importância de ofertar aos trabalhadores, entendidosaqui como adultos, o “auxílio à instrução”, como afirmou o deputadoVasco Azevedo.

A necessidade da Educação, sr. Presidente, estápatente ao espírito de todos nós, tanto mais aeducação do operário, que é o braço forte quefomenta a grandeza das nações, porque senho-res, o operário representa o soldado glorioso dosesquadrões que se batem nas linhas avançadasdo progresso. Insistir no dever que tem os po-deres públicos de dispensar ao operário o auxílioda instrução, seria fatigar sem proveito o espíritoda Câmara dos srs. Deputados. (AZEVEDO, 1900,p.76 apud NOGUEIRA, 2012, p.43).

Ainda que os discursos de algumas províncias fossem tendenciososà otimização da educação de adultos em toda a Primeira República,o cenário existente no país pouco mudara desde o Período Imperial.

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Se no Império uma pequena parcela da população era alfabetizadae a sua maioria permanecera analfabeta, três décadas após aimplantação do regime republicano no país, 72% da populaçãoacima de 5 anos de idade ainda compunha o grande coeficiente deiletrado, conforme apontara o censo realizado em 1920. (HADDAD;PIERRO, 2000, p. 110).

As discussões em torno do índice de analfabetismo nesse períodoestão presentes também no cenário internacional. Em 1920, Portugalrealizou o sexto censo geral da população e as preocupações a respeitodos números que esse censo apresentou revelam o pensamento queestava, à época, sendo difundido a respeito da instrução: de que estaera o instrumento de crescimento da nação. No Brasil, somente maisao final da década de 1920 e início da de 1930 esse pensamento faráparte também da república ao pensar a educação.

Uma democracia será tanto mais perfeita quantomais desenvolvida fôr a instrução e a cultura ge-ral do povo. O analfabetismo em Portugal é ain-da o inimigo mais terrível da nossa democraciae contra o qual é urgentíssimo que a Repúblicafaça o mais decidido e energético esfôrço, procu-rando, num lapso de tempo relativamente curto,modificar a desgraçada e vergonhosa situação le-gada pelo antigo regime que não soube ou nãopôde fazer mais em prol da instrução primária,deixando-nos entre os países mais atrasados daEuropa [...] Se o poder legislativo e os governosnão tomarem sérias medidas para debelar maisprontamente a crise do analfabetismo, e se, pelocontrário, fôr mantido o pequeno incremento dapercentagem que acusam os números acima in-dicados, por êles também podemos concluir, comcerta aproximação, que o analfabetismo só virá adesaparecer no decénio 2030 a 2040, e que noano de 2000 a percentagem dos que sabem lernão irá além de 78,5. (PORTUGAL, 1923, p.12).2

2 Optou-se, neste artigo, por manter a grafia dos documentos das épocasmencionadas.

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A realidade de Portugal apresentava uma similitude com a realidadebrasileira, uma herança tanto quanto indesejada. Se para Portugal –que foi por muito tempo metrópole do Brasil – o analfabetismo erapreocupação, não era de se estranhar que, no Brasil – com poucosanos de independência (menos de um século) da ação direta dePortugal –, os resultados de um processo colonizador tão duradouroretratassem os mesmos traços da nação que o colonizara.

Já anterior ao censo brasileiro de 1920, o analfabetismo,especialmente dos adultos, era preocupação de vários grupos deeducadores nacionais. Essas preocupações levaram, em 1915, noRio de Janeiro, à criação da Liga Brasileira contra o Analfabetismo,“um movimento vigoroso e tenaz contra a ignorância visando àestabilidade e à grandeza das instituições republicanas”. (PAIVA,1978, p. 96-97 apud GALVÃO; SOARES, 2010, p. 37).

Esse não foi um movimento isolado. Paralelamente a essa iniciativa,surgiram outras iniciativas de luta contra o analfabetismo nopaís, como as Ligas de São Paulo e da Bahia. Assim, os dados de1920, apresentados no Censo, apenas reforçaram hipoteticamenteuma verdade que já era perceptível e apontada pelos membros eidealizadores dessas ligas.

As Ligas encabeçaram várias discussões entre a segunda e terceiradécada do século XX, atingindo uma representatividade significativa.Um dos objetivos dessas ligas, segundo Argôlo, “era se esforçar paraque até a data do centenário da Independência, isto é, até 1922, oBrasil estivesse livre do analfabetismo para não aparecer aos olhosdo mundo como um país de analfabetos, considerado uma vergonhanacional” (2010, p. 255), uma proposta um tanto quanto ousada esem êxito em face da estagnação política e da falta de recursos quepossibilitassem isso.

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Apesar de tantos esforços empreendidos na discussão do problema,até ofinal dadécadade1920, no cenário político republicanobrasileiro,pouco se fez para mudar essa realidade. Parecia não ser prioridadedo governo brasileiro, àquela época, que os adultos pertencessemao número de cidadãos com direito à legítima participação nasociedade, já que a alfabetização legitimava essa participação pelodireito ao voto e, se bem implementada uma política educacional deadultos, daria condições de a população levantar críticas ao governoe à forma de governar.

Excepcionalmente para a educação de adultos, o Decreto nº 16.782-A, de 13 de janeiro de 1925, traz luzes aos possíveis rumos que aeducação desse contingente tenderia. Ainda que o artigo 26 dessedecreto estabelecesse que a idade escolar máxima para o ensinoprimário era até os 11 anos de idade, o artigo 27 promove umaabertura significativa ao corroborar a possibilidade da criação deescolas noturnas destinadas à população adulta.

Art. 26. A creação e a situação de escolas sub-vencionadas obedecerão às mais urgentes neces-sidades da população, tendo em vista a estatísticados menores em idade escolar (8 a 11 annos deidade).

Art. 27. Poderão ser creadas escola nocturnas,do mesmo caráter, para adultos, obedecendo àsmesmas condições do art. 25. (BRASIL, 1925).

Esse decreto, por certo, trouxe à luz os diversos clamores daquelesque, desde o início do século XX, reivindicavam o acesso do adultoà educação. A garantia de que ele seria cumprido ainda estava naexpectativa, mas a possibilidade, em âmbito federal, de criar escolaspara os adultos num país em que as iniciativas de alfabetização dessepúblico eram, na maioria, não formais e, entre as poucas formais, oacesso era restrito, decerto foi um grande ganho.

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3 DÉCADAS DE 1930-1940: a educação de adultos ganhanome e fundo

Mergulhada na recessão de 1929, a comunidade internacionalcomeçou a rever a prática dos seus paradigmas e difundiu-se,internacionalmente, a ideia de que um país desenvolvido é um paísque possui sua população alfabetizada3. Preconiza-se, com essepensamento, umnovo olhar para a educação brasileira, especialmentepara a questão de haver uma população tão numerosa de analfabetosna idade adulta, resultante de anos de insuficiência do Estado emoferecer uma educação que abrangesse a maioria da população, oumesmo pelo fato de a educação escolar não ter sido tão importantenos momentos anteriores da história política do país ou, ainda, pelofato de que, por muito tempo, ela fosse apenas um detalhe para opovo que não via a educação escolar como algo a ser buscado.

Essa problemática em torno do ideário de uma nação desenvolvidaarrastou-se por toda a década de 1930 e foi justamente nessa décadaque se firmaram marcos importantes para a educação de adultos.

Fruto da Constituinte de 1932, a Constituição Federal de 1934previu como competência da União (artigo 5º) “traçar as diretrizesda Educação Nacional”; e, no capítulo tratante da Educação e daCultura, estabelece, no artigo 150, a oferta do “ensino primáriointegral gratuito e de frequência obrigatória extensivo aos adultos”.(BRASIL, 1934).

3 O pensamento de que uma nação, para ser desenvolvida, precisava ser alfabetizada,não é datado do final da década de 1920. Já se apresentava tal pensamento em etapasanteriores da história internacional. As reflexões do texto de publicação do censo de1920 de Portugal já trazem essa ideia, quando diz que “uma democracia será tantomais perfeita quanto mais desenvolvida fôr a instrução e a cultura geral do povo”(PORTUGAL, 1920, p.12), e, mais remotamente, presente no início do século XIX, nocontexto da América Latina, quando, na constituição venezuelana de 1811, propunhaa educação de todos os cidadãos e, no contexto argentino, em 1810 que “buscava-sepor meio da educação popular a criação de um país, para ‘pôr os fundamentos daprosperidade perpétua’”. (CASASSUS, 1995, p.24-25).

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A abertura dada pela Constituição representou um marco históricopara a educação de adultos. Os esforços populares empreendidosdesde o início do século se viram consolidados, ao menos legalmente,pela lei máxima do país, sua Constituição Federal. Ainda que essemarco constitucional tenha trazido expectativas, fica marcadamentepercebida, no texto constitucional, a maleabilidade da oferta doensino primário aos adultos, ao destacá-la com teor de extensividade(que pode se ter ou não) e não como uma obrigatoriedade de ofertado Estado.

Atendendo à demanda educacional gerada pela constituição, a Leinº 378, de 13 de janeiro de 1937, cria, pelo artigo 39, o “Institutonacional de pedagogia, destinado a realizar pesquisas sobre osproblemas do ensino, nos seus differentes aspectos” (BRASIL,1937). O Decreto-Lei nº 580, de 30 de julho de 1938, renomeia esseinstituto, que passa a se denominar “Instituto Nacional de EstudosPedagógicos”. (BRASIL, 1938).

Com o auxílio do resultado das pesquisas do Instituto Nacionalde Estudos Pedagógicos, instituiu-se, em 1942, o Fundo Nacionaldo Ensino Primário, que, em 1945, se consolida, contemplando aeducação de adultos, tendo um quarto de seus recursos destinadosa um plano geral de Ensino Supletivo, conforme artigo quarto doDecreto nº 19.513, de 25 de agosto de 1945:

Art. 4º Os auxílios federais, provenientes do Fun-do Nacional de Ensino Primário, serão aplicadosnos têrmos seguintes:

A importância correspondente a 70% de cadaauxílio federal destinar-se-á a construções esco-lares. Os projetos deverão ter aprovação préviado Ministério da Educação e Saúde. As obras se-rão executadas pela autoridade administrativa decada unidade federativa interessada, correndo asdespesas, no todo ou em parte, por conta do au-xílio federal concedido.

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A importância correspondente a 25% de cada au-xílio federal será aplicada na educação primáriade adolescentes e adultos analfabetos, observa-dos os têrmos de um plano geral de ensino su-pletivo, aprovado pelo Ministério da Educação eSaúde.

A importância correspondente a 5% de cada au-xílio federal, converter-se-á em bôlsas de estudodestinadas ao aperfeiçoamento técnico do pesso-al dos serviços de inspeção e orientação do en-sino primário a critério do Instituto Nacional deEstudos Pedagógicos. (BRASIL, 1945).

A Educação de Adultos não somente recebe um nome, como tambémo nome com o qual é batizada carrega em si o sentido do ensinodispensado a esse público na realidade brasileira, ainda que não fosseo ensino pensado internacionalmente. O ensino supletivo oferecidoé um ensino de ‘suplência’, que consistia em oferecer ao adulto o“ensino comum não dispensado nas idades próprias”. (PARECER DACOMISSÃO DE EDUCAÇÃO POPULAR DO IBECC, 1947, p. 250).

Até a década de 1940, portanto, as ações para promover a educaçãopara o público adulto não passavam de iniciativas pontuais,organizadas localmente com poucos ou quase nada de recursospúblicos e, muitas vezes, de incentivos de autoridades locais.As iniciativas, até então em pequena escala, quando partiam deações organizadas popularmente, previam o crescimento individualda pessoa, alargando sua fronteira e de modo que o indivíduo sesentisse e fizesse parte do universo social do seu tempo.

[...] a educação de adultos que inicia a sua evo-lução no país, nos meados da década de 1940,não mais se confunde com as práticas que aprecederam na fase anterior. [...] Uma legislaçãofragmentária, que não caracterizava um compro-misso das administrações regionais para com aextensão de serviços às populações adultas, eum pequeno número de escolas mantidas pelas

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iniciativas estaduais, municipais e particulares,e abertas aos reduzidos contingentes de adultos[...] cedem lugar, nessa nova fase, a um empre-endimento global do governo da União. (BEISIE-GEL, 1982, p.10).

A ação governamental de fomento à educação de adultos em escalafederal, possibilitadapeloFundoNacionaldoEnsinoPrimário,deu inícioa um projeto de alfabetização em massa pela modalidade supletiva,introduzindo uma nova finalidade em face do ‘desenvolvimento’do país: “prover qualificações mínimas à força de trabalho para obom desempenho aos projetos nacionais de desenvolvimento [...] Aeducação de adultos passava a ser condição necessária para que oBrasil se realizasse como nação desenvolvida.” (HADDAD; PIERRO,2000, p. 111).

Nesse período, também marca a educação de adultos a Conferênciadas Nações Unidas em Londres, quando se criou a UNESCO(Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e aCultura), dando visibilidade às temáticas da educação no mundopós-guerra e incentivando ações de promoção educacionais por todoo mundo. Dentre essas ações, encontra-se a proposta de educaçãopopular, que, no Brasil, se encarnou como educação supletiva (paraos adultos) em um entendimento de gerenciamento das ações, aindaque esse conceito fosse contestado por especialistas da época epelos hodiernos.

Essa proposta de educação supletiva, muitas vezes mesclada como termo ensino supletivo (que, naquele momento, apesar de sediferenciar conceitualmente, entrava no mesmo arcabouço), nãopautava, na sua premissa, numa oferta apenas da instrução, mastambém num conjunto de práticas (escolares e não escolares) quepromovessem a educação de modo integral.

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4 A EDUCAÇÃO SUPLETIVA (ENSINO SUPLETIVO) NA ÓTICADAS AUTORIDADES POLÍTICAS E EDUCACIONAIS EM 1947

A segunda metade de década de 1940 foi momento ímpar para aEducação de Adultos no Brasil. No ano de 1946, criou-se o InstitutoBrasileiro de Educação, Ciência e Cultura – IBECC4, e na organizaçãodesse Instituto instalou-se a Comissão de Educação Popular, quetinha como atividades promover

a) estudos relativos à “Educação Popular” no Bra-sil, no sentido de ensino “comum”, a ser a todosdispensado, e, ainda, no de preparação profissio-nal, elementar e média, hoje, àquele muito liga-da;b) idem, quanto ao “ensino supletivo”, ou seja, aoensino comum não dispensado nas idades pró-prias (ensino primário a adolescentes e adultos);c) idem, quanto à educação de imigrantes e “gru-pos marginais”, inclusive parcelas de populaçãoautóctone;d) estudos relativos à democratização, ou facili-tação geral do ensino comum e profissional aomaior número, e, bem assim. Ao estabelecimentoe orientação dos meios de difusão cultural popu-lar (bibliotecas, museus, rádio, cinema). (PARE-CER DA COMISSÃO DE EDUCAÇÃO POPULAR DOIBECC, 1947, p. 250).

Chama a atenção, no texto do Parecer da Comissão em 1947, que,na questão da formulação do público-alvo dessa política nacionalde educação para adultos, o público-alvo do ensino supletivo não

4 O IBECC foi criado no Rio de Janeiro, com sede no Palácio do Itamaraty, peloDecreto 9.355, de 13 de junho de 1946, vinculando-se ao Ministério das RelaçõesExteriores (MRE), cujo titular era João Neves da Fontoura. De acordo com seu Estatuto(estabelecido pelo Decreto 9.335, de 13 de junho de 1946), a nova entidade seriaadministrada pela Diretoria e por um Conselho Deliberativo (CD). A composição deambos foi determinada pelo presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, nomeando40 membros para o CD, pertencentes ao MRE, a segmentos intelectuais, políticos ecientíficos, bem como a um grupo de representantes de 120 instituições, eleitos pelaConferência Geral, ligadas à educação, à ciência e à cultura. (ABRANTES; AZEVEDO2010, p. 476).

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se restringia ao adulto. Houve uma nova configuração, inserindo osujeito adolescente nesse público, um sujeito até então deixado delado ou, se atendido, que se encontrava escondido nas entrelinhasdos decretos e leis anteriores, aparecendo anteriormente, em 1945,no Decreto nº 19.513, de 25 de agosto de 1945, e aqui retomadopela Comissão.

Notadamente, o conceito de Ensino Supletivo para a Comissão deEducação Popular do IBECC encontrava-se dentro de um conceitoamplo de educação popular e consistia na oferta do ensino primárioao público que não o recebera na idade própria e que, também,por vezes, ganhava o nome de educação supletiva. Entretanto,contrapunham-se, nessa concepção conceitual do Ensino Supletivo,vários especialistas educacionais, dentre eles os próprios membrosda Comissão, políticos e autoridades responsáveis pelos institutos einstituições educacionais do país, como se pode ver na sequência.

Em janeiro de 1947, O Jornal, do Rio de Janeiro, realizou uma mesaredonda sobre educação popular, reunindo quatorze nomes da políticae educação nacional5. A transliteração dessa mesa, publicada pelaRevista Brasileira de Estudos Pedagógicos, oferece um conteúdoque descreve a visão das autoridades educacionais e políticas sobreo assunto, assinalando enfaticamente o Ensino Supletivo. Com base

5 Compunham a mesa redonda sobre Educação Popular, promovida pelo O Jornalem 26 de janeiro de 1947, Lourenço Filho - diretor do Departamento Nacional deEducação – nominado Lourenço no discurso; Ivo D’Aquino - senador federal; LeviCarneiro - presidente do IBECC, nominado Levi; Everardo Backheuser - presidente daComissão de Educação Popular do IBECC; Murilo Braga - diretor do Instituto Nacionalde Estudos Pedagógicos, nominado Murilo; Fernando Raja Gabaglia - ex-secretáriode Educação do Distrito Federal; Alberico Fraga - deputado à Assembleia Constituintede 1940 e deputado estadual à Constituinte de 1934 da Bahia, nominado Alberico;Valdemar Ferreira Marques - presidente do SENAC Regional, nominado Valdemar;João Luderitz - diretor do Departamento Nacional do SENAI; Fernando Tude de Sousa- assistente técnico do Ministro da Educação e Diretor do Serviço de RadiofusãoEducativa do Ministério da Educação, nominado Tude (debatedor da mesa); e, DjalmaCavalcanti - secretário de Educação do governo do Pará.

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no texto dessa mesa, terão seguimento as demais discussões destetópico.

A discussão sobre os conceitos de educação popular e ensino supletivose delineava nas falas dos convidados da mesa e até se confundiam.Lourenço afirmava que “a educação popular seria a educação quehomogeniza” e que não poderia, a aspiração, “ser levada além dograu primário”, dada as condições do país. Assim, era necessário,mediante tais condições, que se recorresse “a todos os meios para osupletivo primário, colhendo o indivíduo em todas as idades”. (MESAREDONDA SOBRE EDUCAÇÃO POPULAR, 1947, p. 211-212).

O discurso das autoridades sobre o ensino supletivo se dava ementender o que seria a educação supletiva. Cavalcanti afirmara que osentido exato de educação popular era “educação para adultos”. Talafirmação encontra argumento na fala de Levi, que se justificava pelofato de o ensino primário já ser obrigatório para a criança, levando apensar que, realmente, a educação popular era uma educação paraadultos.

LEVI — Era o que eu ia dizer, porque, realmente,no sentido político da expressão, a criança não épovo. Quando se diz “todo poder emana do povo”,como na Constituição, o povo não é a primeira in-fância. Por outro lado, a educação primária já éobrigatória na primeira infância. Por conseguinte,parece que seria especialmente a educação doadulto, mormente quando esse problema é ummal, é um problema terrível, numa democracia.[...] O professor Lourenço tem razão nessa idéiade homogenizar. Esse pensamento está, até, ex-presso na Convenção de Londres, isto é, na ho-mogenização pela educação. Mas dentro desseconceito geral da educação popular deve-se terespecialmente em consideração a educação doadulto. (MESA REDONDA SOBRE EDUCAÇÃO PO-PULAR, 1947, p. 212).

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Backheuser fecha a conclusiva de Levi dizendo que o temárioencaminhava para a “educação supletiva, e supletiva é principalmentea educação de adultos” (MESA REDONDA SOBRE EDUCAÇÃOPOPULAR, 1947, p. 212), sinalizando que a educação popular tinhase resumido, no Brasil, na educação de adultos.

Destaque também ganham as falas de Gabaglia. Ele chama aatenção ao fato de considerar a educação de adultos apenas aeducação primária. Não poderia ser daquela forma a concepção. Nãobastava oferecer uma “educação supletiva, pois, se o sujeito nãotem a educação primária, a educação não seria supletiva”. (MESAREDONDA SOBRE EDUCAÇÃO POPULAR, 1947, p. 212).

Na fala do professor Gabaglia estava presente a preocupação de quetipo de educação oferecer. Não poderia ser supletiva (suplemento),se havia sujeitos que não tinham tido acesso nenhum a ela. Talpreocupação remete à necessidade de pensar uma educação paraaquém e para além do primário, uma educação integral de formaçãohumana, rumos que norteava a educação popular na sua premissa.

Lourenço chamou a atenção para a interpretação conceitual deeducação supletiva e educação popular e deixou claro que, somenteno Brasil, a educação popular, nos textos dos convênios e dasestatísticas, ganhara nome de educação supletiva. Entretanto, aindaque a nomenclatura fosse educação supletiva, ela não deveria enem poderia se fechar no ensino primário, essa era uma tendênciabrasileira e não das premissas do pensamento de educação popular(educação supletiva).

LOURENÇO — Estou chamado de novo ao debate.E peço desculpas de estar insistindo. Mas, a ob-servação do ilustre presidente do IBECC é muitooportuna, mesmo para esclarecimento da expres-são popular education do texto original inglês.Esse texto — e lastimo discordar do dr.Tude —não se pode referir a educação supletiva apenas

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no sentido da educação primária, por isso que aprópria expressão educação supletiva, no sentidorestrito de educação primária, é muito brasileira.Não está nos catálogos de indicações de títulos deassuntos de educação, quer americanos, quer in-gleses, quer, ainda, nos organizados pelo BureauInternacional de Educação; certamente, porqueeles não concebem numa organização sistemáticae numa educação, afinal, suficiente, que existaisso.

A expressão “educação supletiva” é dos nossosconvênios, é das nossas estatísticas. Os ingleseslançaram a expressão adult education, não tantopara a educação primária, como para o ensino decontinuação e a reeducação profissional. É o quefaz o SENAI, é educação para o trabalho e paraassimilação do imigrante. Penso que o papel edu-cativo tem sentido que pode envolver, em cadacaso, como no nosso, a parte primária, a partefundamental; mas não excluir as demais. (MESAREDONDA SOBRE EDUCAÇÃO POPULAR, 1947, p.213).

O termo supletivo era um termo redundante, mas nele se viam,como afirmou Backheuser, “aspectos de educação supletiva primária,supletiva secundária e supletiva profissional”. (MESA REDONDASOBRE EDUCAÇÃO POPULAR, 1947, p. 213). O termo não seresumia, portanto, no oferecimento de uma educação de uma etapaperdida, mas na oferta da educação das etapas da vida do cidadão,quer ele não a tivesse recebido na idade própria, quer, por vontade,ele quisesse uma educação continuada, que contribuísse na suaformação cidadã e humana.

Essa proposta de educação supletiva, entendida e difundida à época,tinha umagravante nomeio político: a descrença dos próprios políticosna sua eficácia de abrangência quantitativa e qualitativa. Chegandoaté, na afirmação do senador D’Aquino, ser o analfabetismo deadultos mensurado naquele momento, um problema que se resolveria

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naturalmente com a morte dos analfabetos e o investimento eficazna educação infantil.

D’AQUINO — Há uma coisa interessante no Brasilque devemos notar. Estamos ampliando bastantea educação da criança.

Ainda estamos no mínimo; mas nos últimos quin-ze anos, talvez nos últimos vinte anos, o Brasiltem realizado bastante em relação a si mesmo.É só consultar as estatísticas. Costumamos dizerque temos 75% de analfabetos no Brasil, masdesses analfabetos o maior número é de adultos,não são crianças. Se dilatarmos e aprofundarmosa educação da criança, daqui a vinte anos grandeparte desses adultos, hoje analfabetos, vaidesaparecendo. Vamos, então, ter um saldo naestatística, a nosso favor. Dentro de vinte anos, onosso índice de alfabetização vai baixar de repen-te, porque essa geração de adultos analfabetos,e que não se alfabetizará com facilidade, tambémmorrerá, desaparecerá; ao passo que as crian-ças, nós as estamos alfabetizando já em maiornúmero, com maior intensidade, no Brasil. Vamosentão, ter uma queda grande. (MESA REDONDASOBRE EDUCAÇÃO POPULAR, 1947, p. 215).

Tal fala demonstra o desprezo pelo direito à educação que todostêm, direito previsto no artigo 166 da Constituição Federal de 1946.A afirmação do senador comprova o que vários autores abordamsobre a história da educação de adultos no Brasil6, de que ela sempreesteve à margem das políticas públicas e, quando aparece, aparececomo apêndice.

Não bastasse o lugar que a educação de adultos ocupava nas políticaspúblicas na visão do senador D’Aquino, a educação supletiva teriaefeitos positivos no meio urbano. Em face da extensão territorial

6 A educação de Jovens e Adultos ocupou uma posição marginal na história brasileira,inclusive na reforma de 1996, como afirma Di Pierro (2005, p.1115).

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rural do país e da sua densidade demográfica, no meio rural não teriaêxito. Esse tipo de posicionamento marca o conceito que se tinhado rural e do urbano e as preocupações para com esses espaços noprocesso de desenvolvimento que o país se propunha. As dificuldadesestabelecidas no meio rural ou nas exequibilidades das políticaspúblicas, nesse caso, a educacional para o espaço rural, deixavamo morador do campo com as ninharias que sobravam do urbano ou,muitas vezes, sem nenhuma contemplação no plano nacional.

D’AQUINO — Eu não acredito que consigamosalfabetizar adultos com grande êxito. Vou dizerpor que: pela falta de densidade de nossas popu-lações. A educação só se faz com relativa facilida-de, nos meios de certa densidade de população,como é evidente. Ora, esses analfabetos adultossão espalhados por um território imenso, e pe-gar um por um para alfabetizar é praticamenteimpossível; poder-se-á fazer alguma coisa nosmeios urbanos; mas os analfabetos rurais per-manecerão analfabetos. (MESA REDONDA SOBREEDUCAÇÃO POPULAR, 1947, p. 215).

A dura fala “os analfabetos rurais permanecerão analfabetos” foi aconfirmação de que não se esperava muito da educação supletivapara o meio rural. Não se pretendia, ao menos na visão do senador,mudar a realidade rural do Brasil. Alfabetizar os adultos não eraprioridade dos políticos. Todo o empecilho político era dado paraque se tivesse uma educação que trabalhasse a integralidade doindivíduo. Do analfabeto adulto não era esperado senão que, namedida do possível, aprendesse a escrever, ou melhor, desenhar oseu próprio nome.

O discurso do senador D’Aquino é justificado pela fala do deputadoAlberico Fraga. Ele afirma categoricamente que não era interessedos partidos políticos fazer a educação supletiva (educação popular)pensada pela UNESCO, em 1945, que o adulto aprendesse a desenharo nome era a preocupação desses partidos. A educação supletiva ou

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qualquer educação pensada para o adulto não era importante já que,para os partidos, a educação não tinha como finalidade produzir umapopulação participante e ativa, mas uma população eleitora, pacatae desatenta às questões do Estado.

Alberico - Se me permitissem eu diria que os par-tidos políticos não fazem propriamente essa edu-cação supletiva. Têm apenas a preocupação deensinar os futuros eleitores somente a desenhar onome. Aprendem a desenhar o nome, mas ficamdesconhecendo as letras. (MESA REDONDA SO-BRE EDUCAÇÃO POPULAR, 1947, p. 224).

Percebe-se, nas falas do deputado Alberico, que a política que opaís apresentava para a educação popular (supletiva para adultos)era a educação de massas. Ou melhor dizendo, tentava-se elevaro quantitativo de “alfabetizados” no país, independentemente doproduto que esse modelo iria trazer ou não, ainda que suas basesapontassem para uma formação integral do indivíduo.

5 DO I AO II CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DEADULTOS

Diante do pensamento político de massificar o ensino de adultos,começavam também as preocupações dos estudiosos e profissionaisda educação. Para que rumo iria esse novo modelo de ensino? Porquais procedimentos, processos metodológicos e suportes didáticosseria possibilitado esse ensino?

Diante de tantas indagações sobre essa modalidade que atingira umalarga escala, acontece, ainda nos anos finais da década de 1940,o primeiro Congresso Nacional de Educação (1947) e o SeminárioInteramericano de Educação de Adultos (1949), promovido pelaUNESCO e pela OEA (Organização dos Estados Americanos). Odestaquepara a realidadeda educaçãode adultos nopaís foi o primeiroCongresso, que abriu a discussão sobre a necessidade de repensar

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metodologicamente essa modalidade de ensino a fim de não a veremapenas como uma reprodução de conhecimento e técnica de leiturae escrita, mas também como formadora de cidadãos, “uma educaçãocom o homem e não para o homem” (FREIRE apud FRIEDRICH;BENITE; BENITE; PEREIRA, 2010, p. 396). Isso significava pensaro adulto como um todo, oferecendo-lhe condições de crescimentocomo pessoa, e não somente lhe oferecendo instrução morta, mastambém algo capaz de modificar seu espaço e sua condição.

Cresceram as discussões acerca da educação de adultos (educaçãosupletiva) e, no ano de 1958, no governo do presidente JuscelinoKubitscheck de Oliveira, acontece, por convocação dele, o IICongresso de Educação de Adultos, quando os vários grupos quediscutiam a temática nos estados brasileiros foram convidados aapresentarem suas experiências. O congresso trouxe à discussão ecriticou a forma com que o Estado mantinha seus programas deEducação de Adultos.

Nesse II Congresso, torna-se notória a participação do grupo deeducadores pernambucanos que tinha como líder o educador PauloFreire (GODOTTI, 2000 apud FRIEDRICH; BENITE; BENITE; PEREIRA,2010, p. 396), e, de tais discussões, nasceu a Campanha Nacionalde Erradicação do Analfabetismo (CNEA) com o fim de diminuir ataxa de analfabetismo, que veio a ser extinta em 1963. Fruto aindadesse segundo Congresso, “surge o Plano Nacional de Alfabetizaçãode Adultos, dirigido por Paulo Freire”. (FRIEDRICH; BENITE; BENITE;PEREIRA, 2010, p. 397), que perdurou até 1964.

Os anos seguintes ao II Congresso foram marcados pela suarepercussão e seus resultados. A tônica em torno da educação deadultos (ainda pensada a partir da proposição da ONU em 1945)incentiva o início e mesmo o fortalecimento de vários movimentos deação popular. Cresce também, com esses movimentos e campanhas,

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a discussão em torno da criação de uma identidade própria daeducação de adultos que, na visão dos especialistas da época,deveria diferir pedagógica e didaticamente da educação oferecida demodo regular nas escolas. Assim se firma não um modelo específico,dado o fato de a educação de adultos ser “um universo tão plural”,mas todos esses movimentos partiam de um mesmo princípio, comoafirmam Di Pierro, Joia e Ribeiro (2001):

O paradigma pedagógico que então se gestavapreconizava com centralidade o diálogo comoprincípio educativo e a assunção por parte doseducandos adultos, de seu papel de sujeitos deaprendizagem, de produção de cultura e de trans-formação de mundo. (DI PIERRO; JOIA; RIBEI-RO, 2001, p.60 apud FRIEDRICH; BENITE; BENI-TE; PEREIRA, 2010, p. 397).

As contribuições dos movimentos populares, no período entre o I e oII Congresso de Educação de Adultos, consistiram em dar a educaçãode adultos aquela face pensada na proposta de Londres em 1945. Aproposta de uma educação que integralizasse o sujeito ganha forçana voz de líderes como Paulo Freire e, aos poucos, foi ganhandoformas as palavras de Backheuser, quando presidente da Comissãode Educação Popular do IBECC, ao afirmar que, na educação popular,se veriam aspectos de educação supletiva primária, secundária eprofissional (MESA REDONDA SOBRE EDUCAÇÃO POPULAR, 1947,p. 213), ou seja, de uma educação que vislumbrava toda a vidado adolescente e do adulto e não somente o letramento semintegralização.

As propostas do final da década de 1950 e início da década de 1960deram um grande avanço ao pensamento político e pedagógico daeducação de adultos, só que não durou muito tempo.

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6 AQUEDADADEMOCRACIA: desestruturação do patrimônioda educação de jovens e adultos

O golpe militar de 1964 não foi uma mudança apenas de governo.A mudança do sistema político do país trouxe drásticas mudançasna educação de jovens e adultos, ou melhor, trouxe grandes cortesem todo o progresso até então obtido pela discussão democráticado movimento popular. Nesse período, a maioria dos movimentospopulares que promovia a educação de adultos e os programasgovernamentais de incentivo a essas iniciativas e que fomentavamo ensino nessa modalidade foram extintos por não atender àsdemandas do governo militar.

A política de governo, baseada na repressão como forma de mantera lei, também se preconiza na educação na medida em que osmovimentos que ainda perduraram, como o Movimento de Educaçãode Base, promovido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil(CNBB) e que, durante muito tempo, era financiado pelo Estado,perdem o seu caráter educacional e de formação de consciênciacrítica. Cai por terra, nesse momento histórico, a concepção de“uma educação com o homem e não para o homem”, e retorna aideia de oferecer, aos adultos, apenas instrução necessária para odesenvolvimento de sua atividade econômica.

De 1964 a 1971, a educação de adultos no país se constitui detrês ações propriamente ditas: 1) pelo Movimento de Educação deBase (CNBB), iniciado antes de 1964, e, como já mencionado, quevai perdendo o seu caráter inicial de formação da pessoa humana,passando a ser instrucional, assumindo, posteriormente, apenasum caráter evangelizador; 2) pela Cruzada de Ação Básica Cristã,movimento surgido em oposição ao movimento opositor as ideiasde Freire, criado em 1965, que ganha espaço durante o governomilitar, mas que também não tem vida muito longa, alcançando

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seu auge e exaurindo no início da década de 1970. Esse, “servia demaneira assistencialista do regime militar, tornando-se praticamenteum programa semioficial” (HADDAD; PIERRO, 2000, p.110); 3) peloMovimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, nascido já dentrodo contexto do governo militar pela Lei 5.379, de 15 de dezembrode 1967, que “provê sobre a alfabetização funcional e a educaçãocontinuada de adolescentes e adultos” (BRASIL, 1967) e que, aospoucos, vai se delineando na sua dúbia função, “dar uma respostaaos marginalizados do sistema escolar” e atender aos “objetivospolíticos dos governos militares”. (HADDAD; PIERRO, 2000, p.114).

7 NASCE O ENSINO SUPLETIVO: semelhante nomenclatura,distintas personalidades

No governo militar, o termo Ensino Supletivo retornou ao contextoeducacional e se consagrou efetivamente pela Lei n.º 5.692 de 1971,das Diretrizes e Bases da Educação, que trouxe, no seu escopo, umcapítulo destinado a regulamentar essa modalidade de ensino nopaís. O artigo 24 dessa Lei define as finalidades da modalidade,dando assim o assentimento legal ao sentido de suplência, quesempre acompanhou a educação de adultos no país.

O ensino supletivo terá por finalidade: a) suprir,a escolarização regular para os adolescentes eadultos que não tenham seguido ou concluído naidade própria; b) proporcionar, mediante repetidavolta à escola, estudos de aperfeiçoamento ouatualização para os que tenham seguido o ensinoregular no todo ou em parte. (BRASIL, 1971, p.6).

Essa finalidade denominou, implicitamente, o adulto analfabeto ouquem não tinha concluído o ensino básico, de retardado, atrasado,que não se desenvolveu. A ideia de preparação para o trabalho,apontada nos artigos 26 e 27 como qualificação profissional, acabasendo o fio condutor da política do ensino supletivo nesse período e

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torna-se ferramenta reforçadora do pensamento desenvolvimentistaque acompanhava a história do país naquele período.

Ainda que corroborada na década de 1940-1960, a ideia de aeducação popular (supletiva para adultos) preparar para o trabalho,a ideia de qualificação de mão de obra apregoada nos governosmilitares sobrepunha a anterior, visto estar instituída dentro da próprialegislação do ensino supletivo e da qual sairiam todas as demandasdas esferas estaduais para regularizar cursos que profissionalizassemo sujeito.

O projeto de Lei encaminhado pelo Ministro Jarbas Passarinho,em 30 de março de 1971, que deu origem ao ensino supletivoregulamentado pela lei supracitada, apresenta três princípios que,segundo Haddad e Di Pierro (2000), assentam as características doEnsino Supletivo.

Três princípios ou “ideias-força” foram estabele-cidos por esses documentos que conformam ascaracterísticas do Ensino Supletivo. O primeiro foia definição do Ensino Supletivo como um subsis-tema integrado, independente do Ensino Regular,porém com este intimamente relacionado, com-pondo o Sistema Nacional de Educação e Cultu-ra. O segundo princípio foi o de colocar o EnsinoSupletivo, assim como toda a reforma educacio-nal do regime militar, voltado para o esforço dodesenvolvimento nacional, seja “integrando pelaalfabetização a mão de obra marginalizada”, sejaformando a força de trabalho. A terceira “ideia-força” foi a deque o Ensino Supletivo deveria teruma doutrina e uma metodologia apropriadas aos“grandes números característicos desta linha deescolarização”. Neste sentido, se contrapôs demaneira radical às experiências anteriores dosmovimentos de cultura popular, que centraramsuas características e metodologia sobre o gruposocial definido por sua condição de classe. (HAD-DAD; PIERRO, 2000, p.117).

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A primeira ideia da estruturação do ensino supletivo como umsubsistema foi um grande passo para organizar um ensino quepensasse na independência da educação de jovens e adultos. Foi umpasso à organização estrutural que pudesse surgir posteriormente. Asegunda, a formação da mão de obra, ainda que uma emergência domomento do país, fez do ensino supletivo um modelo tecnicista deensino propício ao regime em que o país estava vivendo.

Já a terceira ideia apresentada pelos autores, a adoção de umadoutrina própria, consolida o pensamento educativo da ditadura.Não era necessária uma formação crítica, até porque não se podiacriticar, era necessária apenas uma mão de obra qualificada paramovimentar o mercado que gerava lucro, e, assim, o país progredia.

Afirma, categoricamente, Di Pierro (2005), que

[...] a “doutrina do ensino supletivo” (como a de-nominaram seus formuladores) não incorporou asricas contribuições que os movimentos de educa-ção e cultura popular do início da década de 1960legaram à educação de adultos (difundidas emtodo o mundo pela obra de Paulo Freire). Ao con-trário, atendeu ao apelo modernizador da educa-ção a distância e aderiu aos preceitos tecnicistasda individualização da aprendizagem e instruçãoprogramada, que fundamentaram a difusão dasmodalidades de educação não presencial em cen-tros de estudos supletivos e telecursos, que sesomaram aos cursos presenciais na configuraçãode um subsistema de ensino supletivo em expan-são. (DI PIERRO, 2005, p. 1117).

Assim, o ensino supletivo de 1971 formatava verdadeiramente, comoa sua própria nomenclatura indica: uma política voltada apenas parao ensino, a escolarização, seja do ponto de vista da alfabetização,seja da preparação de mão de obra qualificada. Do sentido deeducação proposto e agregado à educação supletiva da década de1940-1960 resta apenas a similitude do pensamento de ofertar uma

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escolarização “fora do tempo”, com expansão ao ensino secundário,entretanto, da ideia de oferecer uma educação integral não restanem vestígio na legislação, já que até seus formuladores, dos queainda viviam, estavam degredados pelo sistema.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Educação de Adultos no Brasil se apresentou, ao longo da história,como uma temática de desinteresse político, que não tinha uma açãopública muito efetiva. O presente trabalho discutiu a Educação deAdultos, no Brasil, no contexto histórico cronológico do final do séculoXIX e no século XX, destacando os momentos da proposição de umapolítica de educação supletiva e uma política de ensino supletivo noâmbito federal.

Foi realizada uma revisão bibliográfica apresentando as discussõesdos marcos legais que corroboraram e consolidaram as políticas dealfabetização de adultos, partindo da Constituição de 1891, com oveto ao voto do analfabeto, à legalização do ensino supletivo noregime militar em 1971.

As discussões do analfabetismo de adultos foram recorrentes eacentuadas no século XX, e o seu protagonismo não se deu pelosméritos das elites governantes; antes, pelo povo, personificadonos educadores que clamaram pelo olhar político à realidade. Asconquistas que tiveram a educação de adultos até a metade dadécada de 1960 foram marcos da conquista popular.

As três grandes conquistas até 1964: 1) a possibilidade da aberturade escolas noturnas para adultos; 2) o fundo para o ensino supletivo;e 3) os movimentos da educação popular; possibilitaram a construçãocumulativa de uma consciência de que a educação a ser ofertadanuma política educacional para adultos deve levar em conta muitomais que o letramento, como também uma formação integral que

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pensasse o adulto como um todo, oferecendo-lhe condições decrescimento como pessoa. Não somente lhe oferecendo instruçãomorta, mas também algo capaz de modificar seu espaço e suacondição.

A inserção do sujeito adolescente nas políticas de educação deadultos sinalizou também um olhar para esse público que nãoaparecia nas linhas legais da educação. Sua renegação é confirmadapelo seu aparecimento no Decreto nº 19.513, de 1945, e no texto daComissão de Educação Popular do IBECC de 1947.

O golpe militar de 1964 e a “doutrina do ensino supletivo” comopolítica do governo foram um grande atraso para o patrimônioque a Educação de Adultos construiu com as lutas das camadaspopulares por educação. A doutrina tecnicista dos desdobramentosda Lei 5692/71 foi o retrocesso da política educacional da formaçãohumana pensada, integral e social do pensamento freireano, queestava em voga em 1964.

A trajetória da Educação de Adultos no decorrer do século XX,apresentada neste trabalho, mostrou a inserção da temática noâmbito das políticas públicas federais, tendo como contributo paraessa inserção a participação popular por meio dos movimentosdeflagrados ao longo das seis primeiras décadas do século.

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Recebido: 24/04/2015Aprovado: 10/06/2015

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ESPAÇOS DA MEMÓRIA E POLÍTICA CULTURAL NA UNIVERSIDADEDO ESTADO DE MINAS GERAIS

ESPAÇOS DA MEMÓRIA E POLÍTICA CULTURAL NAUNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Pablo Gobira1*

Fernanda Corrêa**2⃰

Karla Danitza de Almeida3***

RESUMO

Este trabalho, resultado parcial do projeto de Programa Institucionalde Extensão, intitulado Direitos à Produção e ao Acesso à Arte eà Cultura, tem como proposta levantar questões a respeito dapolítica cultural no contexto de uma Instituição Pública de EnsinoSuperior (IES), a Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).Pretende-se, a partir disso, apresentar os espaços da memória nauniversidade para, em seguida, debater, de modo inicial, a relaçãoentre tais espaços e a política cultural da IES.

Palavras-chave: Arte. Política. Cultura. Preservação. Memória.

ESPACIOS DE MEMORIA Y POLÍTICA CULTURAL EN LAUNIVERSIDAD DEL ESTADO DE MINAS GERAIS

RESUMEN

Este trabajo, resultado parcial del proyecto Programa Institucional deExtensión, intitulado Derechos a la Producción y al Acceso al Arte y ala Cultura, tiene como propuesta levantar cuestiones respecto de lapolítica cultural en el ámbito de una Institución Pública de EnseñanzaSuperior (IES), la Universidad del Estado de Minas Gerais (UEMG).A partir de ahí se pretende presentar los espacios de la memoria en

* Doutor, Escola Guignard, Universidade do Estado de Minas Gerais.** Graduanda, Escola Guignard, Universidade do Estado de Minas Gerais.*** Graduanda, Faculdade de Políticas Públicas, Universidade do Estado de MinasGerais.

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Pablo Gobira, Fernanda Corrêa e Karla Danitza de Almeida

la Universidad para, enseguida debatir inicialmente la relación entreesos espacios y la política cultural de la IES.

Palabras-clave: Arte. Política. Cultura. Preservación. Memoria.

PLACES FOR MEMORY AND CULTURAL POLICY IN THESTATE UNIVERSITY OF MINAS GERAIS

ABSTRACT

This paper is the partial result of an Extension Institutional Programproject, named Rights to Production and to Access to Art andCulture. It aims at proposing some questions about cultural policyin the context of a public Institution of Higher Education (IHE), theMinas Gerais State University (UEMG). It also intends to presentsome spaces of memory at the university and, as an opening, todiscuss the relation between those spaces and the cultural policy inthis Institution of Higher Education.

Palavras-chave: Art. Policy. Culture. Preservation. Memory.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho é o resultado parcial do projeto do Programa Institucionalde Extensão, intitulado Direitos à Produção e ao Acesso à Arte e àCultura. Neste artigo, busca-se, com base nas discussões iniciais doprojeto, debater a questão da política cultural e suas possibilidadesexistentes, bem como essa política institucional se relaciona com aquestão da memória nessa Instituição de Ensino Superior (IES).

A UEMG é uma instituição multicampi com 25 anos de atividades.A sua atual presença em 17 cidades, apesar de promover adiversidade na instituição e atender amplamente o Estado de MinasGerais dificulta, por sua imensidão, a manutenção de uma políticaigualitária de acesso à arte e à cultura e/ou mesmo aos espaçosculturais da instituição. Além de seus vários espaços de convivência

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nas unidades, a UEMG também tem acervos e arquivos que compõemseu patrimônio, que deve ser livremente acessado pela comunidadeinterna e externa a ela.

A partir do reconhecimento desses espaços, propõe-se este trabalhocomo uma leitura da realidade da UEMG. Essa realidade institucionalé extensa, portanto não é possível ser analisada em apenas algumaspoucas páginas. O exame dessa realidade é objeto de um programainstitucional de extensão do qual este estudo se origina, então, paraviabilizar este trabalho, será realizado um recorte da realidade daUEMG.

Para isso, este trabalho está organizado do seguinte modo. A seçãoseguinte apresenta as noções de “política cultural” relacionadas aocontexto da universidade. Na terceira seção discute-se a ideia de“espaço da memória” também no contexto da universidade. A quartaseção apresenta as potencialidades dos espaços da memória dentroda universidade aqui em foco, apresentando-os ao leitor. A últimaseção apresenta as considerações finais sobre as políticas culturaispossíveis relacionadas a esses espaços.

2 POLÍTICA CULTURAL E UNIVERSIDADE

2.1 Política cultural

Quando falamos hoje de cultura, o que nos vemà mente não é a imagem de uma totalidadecoerente e coesa, fechada e auto-sustentada,com partes claramente articuladas e intimamenteentrelaçadas, mas o quadro de uma vasta matrizde possibilidades na qual incontáveis combinaçõese trocas não absolutamente coordenadas podemser feitas e com efeito o são. (BAUMAN, 1999).

Com Bauman (1999), compreende-se a diversidade de conceitos decultura e a liberdade que se encontra na percepção da cultura nosdias de hoje. As atuais trocas são mais ágeis e suas impregnações

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mais dinâmicas. Isso pode levar a entender que conceituar cultura eas políticas culturais originárias desse processo requer o olhar amploe descerrado. Entende-se haver variações designadas a partir dolugar de percepção: por ora são conceitos vindos da relação Estado epolíticas culturais; em outros momentos são daqueles construídosa partir da percepção simbólica contida no desenvolvimento dacultura. É nessa linha que é traçado o conceito de políticas culturaisdo qual este trabalho se vale.

Em sua origem, as políticas culturais são princípios, objetivos eestratégias desenvolvidas para a garantia ao acesso, à difusão,à fruição, à identidade e ao patrimônio, à criação e à produçãocultural de uma sociedade. Têm, entretanto, um laço forte com asorganizações econômicas e sociais de um país, suas proposiçõesderivarão da condução que é dada a tais políticas.

Propõe-se,neste tópico, remontaraoseuprocessodedesenvolvimentoa partir da Conferência Mundial sobre políticas culturais (no México,em 1982). Nesse momento, inicia o fortalecimento das discussõesem torno das identidades culturais e da necessidade de “estreitar acolaboração entre as nações, garantir o respeito ao direito dos demaise assegurar o exercício das liberdades fundamentais do homem edos povos, e do seu direito à autodeterminação.” (DECLARAÇÃO DOMÉXICO, 1985).

Nesse período, uma forte crítica ao elitismo da “alta cultura” começoua ser empreendida e novas propostas de acesso às “diferentesmanifestações culturais” (LIMA; ORTELLADO; SOUZA, 2013)começaram a serem praticadas de forma mais abrangente e com odiálogo ligado ao pluralismo da sociedade.

No ano de 1987, ocorreu a Conferência de Brundtland, na qual osconceitos de sustentabilidade e biodiversidade foram introduzidosnos debates sociais. Passa-se, portanto, aos estudos sobre como a

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sustentabilidade cultural está intimamente ligada à sustentabilidadede uma sociedade. E ressalta-se a importância da manutenção dossaberes, da língua, da perenidade da simbologia encontrada nasdiferentes formas de cultura.

Na década de 1990, torna-se público um relatório da ComissãoMundial de Cultura e Desenvolvimento da Organização das NaçõesUnidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). O mundoestá imerso no desenvolvimento de políticas neoliberais, em queo Estado se retira das funções de providência e se aproxima domercado. Configura-se, portanto, a busca por um Estado mínimo.

No Brasil ocorre um momento crítico, pós-Collor, responsávelpelo desmantelamento da cultura como, por exemplo, havendo ofechamento de fundações importantes para promoção de políticasculturais no país. Uma delas é a Fundação Nacional das Artes(FUNARTE), constituída no ano de 1975. Logo após, surge o governode Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que retoma a culturaem um Ministério.

A Lei Rouanet (1991), desdobramento da Lei Sarney (1986), tem umcrescimento, mas é desenhada pelas escolhas da iniciativa privada,que a utiliza como mecanismo de isenção fiscal, pois a dedução queé permitida se torna também um meio de uso do marketing comoalavancagemsocial e econômica. Desde então, essa é umaperspectivade construção de política cultural que vem sendo insistentementecriticada por artistas, produtores, estudiosos e intelectuais da culturaoriundos das universidades e de fora delas.

No final da década de 1990, acontece a Conferência de Estocolmopara Políticas Culturais, que apresenta como objetivos: a políticacultural como estratégia de desenvolvimento; a promoção dacriatividade e envolvimento na vida cultural; a preservação daherança cultural; a promoção das indústrias culturais; promoção da

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diversidade linguística e cultural; a disponibilização e o acesso àsfontes humanas e financeiras para o desenvolvimento cultural.

Em 2001, é proclamada a Declaração Universal sobre a DiversidadeCultural, da qual o Brasil é umdos signatários e assume o compromissode levar a compreender e fortalecer as ações ligadas à diversidadedos povos.

No Brasil, a partir dos anos 2000, as políticas culturais navegam pelasdiretrizes da UNESCO, porém, têm seus altos e baixos no diálogo coma sociedade. Os desafios estão presentes: a constante alteração deseus condutores; a necessidade de revisão das políticas de fomentos;o ir e vir de propostas há tempos iniciadas, como exemplo, o SNC –Sistema Nacional de Cultura, o PNC – Plano Nacional de Cultura, e osfundos de financiamento; bem como os desafios dos debates locais,criação de conselhos estaduais e municipais; descentralização;acesso e outras mais.

Existem poucos anos de debates intensos e profícuos sobre políticacultural. Ainda assim, pode-se entender que política cultural étoda e qualquer possibilidade de organização da discussão parao entendimento da cultura, do acesso a ela e da sua produção.Além disso, é também a capacidade de propor a construção e aprática de direitos, a garantia de voz em uma sociedade, a garantiade manutenção de suas crenças e valores e a composição de suasestratégias para o desenvolvimento e sustentabilidade da cultura deseu povo.

2.2 A política cultural e a universidade

Para contextualizar as relações que estão impregnadas nas estruturas– da educação e da cultura – parte-se, aqui, da leitura do trabalho deLuiz Costa Lima (2013). Para o autor, essa impregnação é históricae passa pelo lugar-comum de nossas percepções e construções

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educacionais e, de formamais contundente, pelos desvios provocadospor uma ditadura que iniciou nas décadas de 1920 e 1930 e foiretomada entre os anos de 1964 e 1985.

Essas interrupções interferemdiretamente na fundação ouna extinçãode universidades no Brasil, o que, para o autor, é fator decisivo najá atrasada construção acadêmica. Sendo assim, é claro o fato deexistir, no processo educacional, a dificuldade de desenvolvimentodas questões políticas.

Aliadas às questões trazidas por Lima, existem as atuais relaçõesadvindas novamente por arranjos políticos, por diretrizesinternacionais, pelos processos de construção dos planos educacionale cultural, dentre outros, assim também como os desafios incessantesda edificação das políticas culturais, educacionais e públicas. Incluem-se também os processos do capitalismo que não deixam de envolvero ensino superior.

A Reforma do Ensino Superior no Brasil nasce como resposta àsdiretrizes de organismos internacionais e tem como orientador iniciala publicação de 1994, do Banco Mundial, intitulada Higher education:the lessons of experience. A regulação inicial se dá no GovernoFernando Henrique Cardoso (FHC), entre 1995 e 2002, que, assimcomo no caso da cultura, facilita o desenvolvimento da educaçãoem relação com o mercado. Há, com isso, o sucateamento dasuniversidades públicas, com o aumento de universidades privadase a transferência de verbas públicas para a expansão dessas IES.Na sequência, no ano de 2003, o Governo Lula implanta o Grupode Trabalho Interministerial (GTI), responsável pela construçãode novos parâmetros para a educação universitária. Várias linhasde atuação são defendidas, entre elas PPPs (Parcerias Público-Privadas), Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior,Lei de Inovação Tecnológica, Educação à Distância, e o PROUNI

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– Programa Universidade para Todos4. É importante ressaltar que,parte dessas políticas, tal como o PROUNI, também desempenhapapel semelhante de manutenção do funcionamento das IESprivadas na forma de incentivo, mantendo o estudante egresso deescolas públicas.

Quando se cruza o contexto das políticas culturais com o contexto daimplantação das políticas para as IES, percebe-se nitidamente queuma e outra se desenvolvem a partir de premissas internacionais. Se,de um lado, pode-se avaliar tais processos pelo entendimento globale da universalização dos direitos; por outro, pode-se entendê-loscomo meios e metas para o apagamento da identidade e memóriade uma sociedade ou uma região. É nesse momento que se voltao olhar para as Instituições do Ensino Superior como organizaçõesessenciais - mas não únicas, é preciso dizer - para a criação dosinventários de nossa memória como sujeitos culturais.

A seguinte questão emerge: como as IES, neste caso a UEMG, vêmexecutando políticas para a construção e o desenvolvimento de seusespaços de memória? Na busca de uma resposta, deve-se dar inícioao entendimento do que são as políticas culturais nas IES e o quesão os espaços de memória na formação da identidade.

Recordando que se propõe o conceito de política cultural comotoda e qualquer possibilidade de organização da discussão parao entendimento da cultura, bem como a capacidade de se propora construção e a prática de direitos, a garantia de voz de umasociedade, a garantia de manutenção de suas crenças e valorese a composição de suas estratégias para o desenvolvimento esustentabilidade da cultura de seu povo, pode-se observar aquilo

4 Importa ressaltar que nosso intuito é apenas trabalhar com essas informaçõesapenas para a contextualização histórica e efetiva das políticas que vêm sendodesenvolvidas no Brasil para as Instituições de Ensino Superior e, assim, amparar onosso contexto específico, o da Universidade do Estado de Minas Gerais.

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que é proposto no Programa Mais Cultura nas Universidades – PINº18 – 18 de dezembro de 2013, que, no objetivo VI do artigo 3º,oferta apoio às iniciativas “com ênfase na valorização da diversidadecultural brasileira, na proteção, preservação e valorização dospatrimônios culturais [...]”, o que, para nós, tem o grifo especial,pois dá luz e justificativas aos questionamentos quanto ao que sevem construindo nas IES sobre políticas culturais e os espaços damemória.

Como política, o programa mencionado traz estímulos, fomentos,fortalecimentos, articulações e estruturações no âmbito dasIES. Desse modo, permite que as instituições contribuam como atendimento aos artigos da Constituição Federal de 1988 quepreveem a garantia a todos do direito à educação e o pleno exercíciodos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional - PortariaInterministerial nº18. (BRASIL, 2013).

Aí está o fio condutor para a interseção política cultural e espaçosde memória, ligados aos saberes locais, à diversidade cultural e àspossibilidades de mediação que a universidade pode empreenderentre o que é produzido dentro e fora dela.

3 ESPAÇOS DA MEMÓRIA

Lugares da memória podem ser objetos, instrumentos ou instituições,dependendo apenas que estejam estritamente interligados àmemóriae à história. Deve, também, haver nos lugares da memória umaintenção memorialista que garanta sua identidade, e que permitaque eles não sejam meros lugares de história. (NORA, 1984).

Ao refletir sobre a universidade para além do lugar de produçãode conhecimento, e ampliar o campo de observação, percebe-seque os lugares de memória e cultura também se encontram nauniversidade. Esses lugares abarcam espaços físicos e virtuais, e

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também espaços como eventos, publicações, e outros. Com isso,desenvolve-se a reflexão sobre tais espaços neste artigo a fim de quese possa investigar, mesmo que brevemente, como eles impactam naperpetuação da memória e cultura dentro da comunidade, acadêmicae não acadêmica.

Eventos promovidos por universidades proporcionam à sociedade eà comunidade acadêmica integração e interação através de diálogos,trocas de experiências e impressões. A promoção de eventos é olugar de expressão da memória e cultura que acontece através nãosó dos trabalhos apresentados e debates em rodas de conversasobre o tema central ou subtemas do evento, mas também por meiode expressões artísticas, como oficinas e exposições, apresentaçõesde dança e teatro, dentre outras. Também, quando esses eventosocorrem periodicamente, eles se constroem como memória viva emutável, mas recorrente naqueles espaços.

Outro espaço de memória e cultura dentro da universidade é apublicação de revistas, livros autorais, coletâneas de textos ourelatórios de pesquisas. Entretanto, o próprio ato de publicar aspesquisas que acontecem dentro da universidade é uma maneirade documentar sua memória intelectual e cultural. Entende-se,assim, que documentos bibliográficos também são lugares dememória e cultura, e as bibliotecas de cada unidade da instituição,de cada instituto ou faculdade serve como repositório desses saberesproduzidos, registrados e publicados.

Como se vê, é preciso ter um espaço físico para se responsabilizare conservar tais documentos bibliográficos. Ao entender essestrabalhos como memória, deve-se conservar, portanto, não somenteesses documentos, mas todos os rastros do passado ingressos naescrita e em imagens, como cartazes, películas cinematográficas,fotografias e registros magnéticos. O espaço de preservação de

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vestígios documentais do passado é denominado arquivo, um lugarfísico e social, do qual se utilizam estudiosos (dos arquivos, dahistória, da sociedade, da cultura, da arte, da literatura, etc.) paraprocurar evidências necessárias à instituição de um discurso, seja elehistórico, crítico, seja analítico.

Michel Foucault, em Arqueologia do saber, afirma que o arquivopermite que todas as coisas ditas se agrupem e se componham umascom as outras, se mantenham ou se desfaçam. Assim, a relação entrearquivo e inércia é inexistente, pois arquivo é “o sistema geral daformação e da transformação dos enunciados”. (FOUCAULT, 2008).O arquivo não possui o peso da tradição e, ao mesmo tempo, nãoé o lugar de esquecimento. Ele permite observar a subsistência dosenunciados, e, simultaneamente, as suas modificações. Dessa forma,somos capazes de romper com nossas continuidades enunciativas.Vê-se, então, que a noção de arquivo é tratada por Foucault comoum conjunto de regras formadoras do discurso descontínuo.

No entanto, pode acontecer desse espaço se tornar inacessível, pois,na medida em que ele preserva, pode igualmente distanciar o queé preservado do mundo exterior. Isso pode também acontecer emoutro espaço de memória: o acervo artístico.

Um acervo artístico é o espaço no qual as diferenças da obra de artesão pensadas. O foco na singularidade dos objetos preservados noacervo faz, muitas vezes, com que ele se torne um espaço inacessível.Quando um acervo está alocado em uma instituição pública, deve serpensado a partir de um esforço de abertura ao mundo a seu redor.Essa abertura ao mundo é necessária para diminuir a distância queos objetos arquivados, guardados, conservam. Também é necessáriapara que o conhecimento da produção cultural e artística de umpovo, instituído no arquivamento das obras de arte, seja conhecido.Isso permitirá que o acervo sofra intervenções variadas, criando

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novas configurações e gerando questionamentos necessários paraque esse povo se reconheça como tal e se diferencie dos povos deoutras regiões.

Além de arquivos e acervos artísticos, as bibliotecas também são umimportante agente na formação da memória e cultura. Através desuas coleções de livros e periódicos, a biblioteca se mantém comoum dos mais antigos espaços de memória e cultura.

Atualmente, com os novos recursos tecnológicos, a biblioteca seexpande para os espaços virtuais. A disponibilização de artigos,pesquisas, dissertações e teses na internet amplia o acesso à cultura,aomesmo tempo em que se institui como acervo digital, possibilitandotambém a parceria entre instituições acadêmicas a fim de abrir seusacervos para estudantes e professores dessas universidades. Acriação de bases de dados que constem as produções e publicaçõesque ocorrem dentro da universidade é outro espaço de memória ecultura, inclusive da própria instituição, que serve de suporte paraestudos sobre questões políticas e culturais na academia.

Deve-se lembrar, também, dos espaços expositivos das galerias dearte dentro das universidades como lugares de memória e cultura. Noâmbito das artes, sobretudo das artes plásticas, a exposição da obrade arte é equivalente à publicação de textos para os profissionais deoutras áreas, sendo, assim, lugares de registro da produção de artenas universidades.

Por fim, os lugares de memória e cultura dentro das universidadespodem ser diversos, mas é preciso que existam políticas culturaisinternas – políticas com intenção memorialista – que preserveme mantenham esses espaços de maneira adequada e com públicofrequente.

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4 ESPAÇOS DA MEMÓRIA E SUAS POTENCIALIDADESCULTURAIS

Em busca de entender o contexto da IES em foco neste artigo, serãoapresentados e comentados sucintamente alguns de seus espaçosde memória e cultura, dialogando com o que foi discutido até aqui.

A UEMG conta com cinco unidades em Belo Horizonte (Escola deDesign, Escola Guignard, Escola de Música, Faculdade de Educação,Faculdade de Políticas Públicas Tancredo Neves) e mais de dezunidades no interior de Minas Gerais, caracterizando-se comomulticampi. A investigação dos espaços de memória e culturaexposta neste trabalho restringiu-se aos dados divulgados pelasunidades do campus de Belo Horizonte no site da universidade atéo presente momento e a partir das informações encontradas naspróprias unidades. Desse modo, apresentam-se abaixo informaçõesapenas da Escola de Música e da Escola Guignard da UEMG, além deuma breve referência ao Acervo Alberto e Priscila Freire.

Para a análise dos espaços da memória e suas potencialidades, foilevado em consideração que nem todo lugar onde há reverberaçãoda memória é espaço de memória. Em uma de suas definições,Pierre Nora (1984) propõe que é necessário haver uma intençãomemorialista a fim de que o espaço seja identificado como lugar dememória. Apesar dos auditórios das unidades serem espaços ondeacontecem eventos, palestras e seminários que, de certa maneira,propiciam a difusão da memória, não se observa neles tal intençãomemorialista, portanto eles não serão considerados espaços damemória neste trabalho.

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4.1 Espaços da memória na Escola de Música

ZA Escola de Música da UEMG conta com quatro espaços temáticos:Centro de Música Brasileira, Centro de Música Contemporânea,Centro Braile e Centro de Registros.

O Centro de Música Brasileira tem como objetivo estimular apreservação da memória, o desenvolvimento, além de difundirconhecimentos e práticas relativos à música brasileira. Já o Centro deMúsica Contemporânea procura incentivar e promover conhecimentocrítico e acadêmico sobre a música dos séculos XX e XXI. O CentroBraile tem como finalidade proporcionar a inclusão de deficientesvisuais na Academia, oferecendo condições adequadas para seuaprimoramento e profissionalização em música.

Por fim, o Centro de Registros busca preservar e propagar a memóriacultural por meio de pesquisas e registros da produção artísticaintelectual em música. Para isso, o centro possui três núcleos:Núcleo de Produção Audiovisual, Núcleo de Produção Fonográfica eNúcleo de Produção Editorial. Cada núcleo contribui para o registroaudiovisual, sonoro e gráfico/editorial, além da produção cultural daEscola de Música e da sua divulgação.

4.2 Espaços da memória - Acervo Alberto e Priscila Freire

Em fevereiro de 2014, a universidade recebeu a doação de um novoespaço de memória e cultura: o Acervo Alberto e Priscila Freire. Oacervo abarca uma coleção com telas de Alberto da Veiga Guignard(dezessete), Tarsila do Amaral, José Pancetti, cerâmicas do Valedo Jequitinhonha, gravuras, esculturas e tapeçarias de artistasrenomados. A doação também inclui uma chácara de 50.000 metrosquadrados no bairro São Bernardo (Belo Horizonte), onde aindareside Priscila Freire. Ainda no ano de 2014, o espaço estava sendo

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organizado e por esse motivo não é um espaço acessível e comabertura de projetos para a comunidade acadêmica.

4.3 Espaços da memória na Escola Guignard

A Escola Guignard é uma instituição com 70 anos de existência. Elaconserva dois importantes espaços de memória e cultura: a Galeriade Arte da escola e o seu Acervo Artístico. Anualmente, a Galeriapromove a mostra interna em que são selecionados trabalhos de artedos alunos da escola. Além disso, algumas exposições de artistasjá consagrados acontecem durante o ano, como, por exemplo, aexposição Variações, de Jarbas Juarez, que aconteceu em abril de2013.

Por meio de um projeto idealizado e coordenado pela professora ZenirAmorim, encetado em 2007, a Escola Guignard iniciou o processo deorganização do seu acervo artístico e documental. O projeto tinhacomo objetivo a restauração das obras, documentos e objetos deGuignard e de outros artistas brasileiros. Foram restauradas 273peças. Dentre as peças do acervo, encontram-se documentos,objetos, desenhos, pinturas, mobiliário, fotografias e cadernos deestudos de Guignard.

A criação desse acervo aconteceu de maneira muito peculiar secomparada às histórias de constituição de acervos em Instituiçõesde Ensino Superior. O projeto de criação foi realizado a partir deum sentimento de afeto e de um desejo de manter a memória deGuignard, como artista e professor, e, assim, preservar a memóriada própria Escola.

Em entrevista ao projeto que gerou este trabalho, o professor CarlosWolney Soares, vice-diretor e decano da Escola Guignard, entendeque o acesso ao acervo da Escola para os alunos é de grandeimportância. Todavia, ele reconhece que este não é o momento

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adequado para abrir o acervo aos alunos, pois a Escola ainda nãoestá preparada para proteger o acervo da maneira devida. Inclusive,segundo Wolney, duas obras importantes de Guignard foramemprestadas a órgãos oficiais por motivo de segurança.

Até hoje, o acervo teve apenas duas exposições, a primeirajustamente quando finalizado o projeto Acervo Artístico MuseológicoEscola Guignard, em 2009, e a outra no segundo semestre de 2014para celebrar os setenta anos da Escola Guignard.

Sendo assim, entende-se que o Acervo da Escola Guignard seencontra em processo de formação, já que ele está ainda em fasefinal de documentação, não se encontra disponível para acessoaos alunos e à comunidade interna e externa, além de não realizarexposições que divulguem a sua existência. Entende-se o AcervoArtístico Museológico Escola Guignard como um lugar de começos,de memórias, de testemunhos de identidades, de perpetuação deoutros tempos, de afeto e de preservação.

Percebe-se que é necessário haver divulgação do acervo medianteexposições e acessibilidade da comunidade interna e externa daUEMG para que ele também possa colaborar para a formação deum discurso descontínuo, como propõe Foucault, e se distanciar danoção de arquivo como lugar de inércia.

Ao refletir sobre a ocupação dos espaços e a qualificação dosinstrumentos democráticos, pergunta-se: será que estamos todosaptos, atentos e prontos para a construção de um novo momento nocampo das políticas da cultura?

Acredita-se que o desenvolvimento de políticas culturais para acervosé bastante recente e se depara com questões ainda não atualizadaspela lei ou planos de desenvolvimento, necessitando de um tempopara compreensão de novos caminhos, como podem ser vistos no

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Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014) e naLei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998).Sendo assim, não é difícil entender por que o Acervo da EscolaGuignard ainda se encontra em processo de formação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho foi levantar questões teóricas a respeito dapolítica cultural no contexto de uma Instituição de Ensino Superior,associando-as à questão da memória. Este trabalho apresentou umrecorte que considera os espaços damemória cultural da universidadee procurou relacionar esses espaços com a formação de uma políticacultural de uma Instituição de Ensino Superior.

Esses espaços são aqueles que possibilitam o registro memorialístico,e podem gerar pesquisa, ensino e extensão, bem como permitemque a universidade – o seu corpo docente, discente e os servidorestécnico-administrativos – e a comunidade do seu entorno constituama sua identidade cultural.

Entende-sequeénecessáriogarantir oacessoaosespaçosdamemóriana UEMG pela articulação e implementação de uma política culturalque contemple o acesso da comunidade interna, compreendendo osestudantes, os professores, os servidores técnico-administrativos e,também, a comunidade externa à UEMG a esses espaços.

Ressalta-se que a proposição de uma política cultural que parta dainstituição é necessária e afim com os Planos Nacional de Cultura,Plano Nacional de Educação e diversos outros documentos queinstituem políticas voltadas para a cultura. Essa política deve ter emvista que a realidade múltipla da IES é fragmentada em vários campie, por isso, ao promover o conhecimento de seus espaços culturais eda memória estará integrando essa instituição.

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É também importante criarmecanismospara tornar visíveis os projetosque surgem desses espaços ou que são inteiramente dedicados aeles. Com isso, haverá o incentivo à produção e mostrará que ainstituição está preparada para tornar os espaços da memória cadavez mais públicos e acessíveis não apenas à comunidade interna dainstituição, mas também à externa.

Com relação à Escola de Música, percebe-se que existem diversosprojetos em desenvolvimento relacionados aos seus centros. NaEscola Guignard é necessária uma ampliação da visibilidade dosprojetos relacionados aos seus espaços. A existência de espaços quese constata serem tão ricos e terem poucos projetos causa certoestranhamento. Essa dificuldade de se encontrar projetos podesignificar apenas uma dificuldade em visualizá-los e não, o que seriamuito pior, a falta deles.

Para a pesquisa desses projetos, este trabalho se deu em buscasnas plataformas institucionais administradas pela Reitoria da UEMG:o CAEx, da extensão; e o MAP, da pesquisa. Ainda que existam,os projetos parecem ser, na maioria das vezes, solitários e nãocomportam toda a pluralidade de estudos que os espaços podemprovocar.

Com um projeto de gestão que: envolva uma política cultural quetorne visível os locais de produção artística e cultural nas unidades;estimule e valorize os espaços da memória; divulgue amplamente osespaços que podem ser ocupados com atividades culturais, haverána universidade a garantia de maior acesso à cultura e à produçãocultural.

REFERÊNCIAS

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Pablo Gobira, Fernanda Corrêa e Karla Danitza de Almeida

NORA, Pierre. Les Lieux de Mémoire. Paris: Editions Gallimard,1984. v. I

Recebido: 26/05/2015Aprovado: 30/06/2015

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GESTÃO SOCIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS: a identificaçãode fluxos comunicativos na construção da PNATER e em

sua operacionalização na Bahia

Álvaro Antônio Xavier de Andrade1*

RESUMO

Este artigo tem por objetivo identificar a existência de fluxoscomunicativos na construção da Política Nacional de AssistênciaTécnica e Extensão Rural (PNATER) e em sua operacionalizaçãorealizada pela Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola(EBDA). Como foco teórico, pretende-se relacionar a perspectivahabermasiana de participação social, esfera pública, opinião públicae direito com a construção da PNATER e sua operacionalização.A pesquisa de campo foi realizada nos municípios que compõema gerência regional da EBDA em Seabra, município que integrao semiárido baiano. Dessa forma, os dados empíricos derivamde entrevistas com parte dos servidores responsáveis pelostrabalhos de assistência técnica e extensão rural (Ater) da EBDAe de levantamentos secundários sobre a construção da PNATER.Constatou-se que existe relação entre a perspectiva habermasiana ea construção da PNATER, e que os fluxos comunicativos, ainda queextremamente incipientes, são encontrados na operacionalizaçãodessa política pública na região estudada.

Palavras-chave: Democratização. Políticas públicas. Habermas.

* Graduação em Agronomia (UNEB). Especialização em Planejamento Ambientalcom Ênfase em Educação Ambiental (UNYAHNA). Mestrado em Extensão Rural(UFV). Doutorando em Extensão Rural (UFV). Bolsista CAPES/UFV, projeto Núcleo deExtensão em Desenvolvimento Territorial do Leste e Nordeste de Minas Gerais.

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GESTIÓN SOCIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS: laidentificación de los flujos de comunicación en la

construcción de la PNATER y su puesta en ejecución en elEstado de Bahía

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo identificar la existencia de flujoscomunicativos en la construcción de laPolíticaNacional deAsistenciaTécnica y Expansión Rural (PNATER) y su operación llevada acabo por la Empresa Desarrollo Agrícola de Bahía (EBDA). Comoenfoque teórico se pretende relacionar la perspectiva de Habermasde la participación social, la esfera pública, la opinión pública yel derecho a la construcción de la PNATER y su funcionamiento.La investigación de campo se llevó a cabo en los municipios quecomponen la gerencia regional de la EBDA en Seabra, municipioque integra la región semiárida de Bahía. De esa manera, los datosempíricos derivan de entrevistas con algunos de los funcionariosencargados de la asistencia técnica y del trabajo de expansiónrural (Ater) de la EBDA y levantamientos de datos secundariossobre la construcción de la PNATER. Se constató que existe unarelación entre la perspectiva de Habermas y la construcción de laPNATER, y que los flujos comunicativos, aunque muy incipientes,son encontrados en la ejecución de esta política pública en la regiónestudiada.

Palabras clave: Democratización. Política pública. Habermas.

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GESTÃO SOCIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS: a identificação de fluxos comunicativos na construçãoda PNATER e em sua operacionalização na Bahia

SOCIAL MANAGEMENT OF PUBLIC POLICIES: identificationof communicative flows in the PNATER construction and in

its operationalization in the state of Bahia

ABSTRACT

The present study aims to identify the existence of communicativeflows in theconstructionof theNationalPoliticsofTechnicalAssistanceand Rural Extension (PNATER) and in its operationalization atthe Baiana Company of Agricultural Development (EBDA). As atheoretical focus it intends to relate Habermasian perspective aboutsocial participation, public sphere and rights with the PNATERconstruction and its operationalization. The field research wasconducted in the municipalities that make part of the EBDA regionalmanagement in Seabra, in the state of Bahia semiarid region. Theempirical data was acquired by interviews conducted with part ofEBDA staff that is responsible for the Technical Assistance and RuralExtension works (Ater) as well as by a secondary stocktaking onthe PNATER construction. It was verified the relationship betweenthe Habermasian perspective and the PNATER construction, andthe presence of communicative flows, although it is incipient in thispublic politics operationalization in the studied area.

Keywords: Democratization. Public policies. Habermas.

1 INTRODUÇÃO

Historicamente, a formação social do Brasil ocorreu por meio deprocessos com características excludentes que colaboraram nageração de uma enorme disparidade social (CARTER, 2010). Entreesses processos está o modelo modernizante adotado pelo Estadopara a agropecuária, que teve os trabalhos de assistência técnicae extensão rural (Ater) como ferramenta de implementação epotencializou a exclusão socioeconômica de milhares de agricultores

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familiares, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do país.(NASCIMENTO, 2005).

Contudo, em meados da década de 1980, com o fim do regimemilitar, a sociedade civil, entendida como “um espaço de forçapolítica, formado por diferentes segmentos sociais que não sãogovernamentais”, buscou se organizar e reverter essa situação pormeio da participação nas gestões públicas. (MACHADO; MEDEIROS,2007, p. 117).

A participação social, segundo Habermas (1997), necessita seralicerçada por fluxos comunicativos que devem existir na relação entrea sociedade civil e o Estado. Dessa forma, para que haja legitimidadeno âmbito das políticas públicas é indispensável a presença dessesfluxos. Nesse contexto, a participação social torna-se um elementobalizador para uma política de direitos que se estabelece na relaçãoentre o Estado e os cidadãos, nas complexas e pluralistas sociedadescontemporâneas. No caso brasileiro, o tema da participação social foitratado com especial importância no delineamento da Constituiçãode 1988, consolidando espaços destinados a garantir o envolvimentodireto dos cidadãos na definição da coisa pública.

Este artigo tem como objetivo identificar a existência de fluxoscomunicativos na operacionalização da Política Nacional deAssistência Técnica e Extensão Rural (PNATER) sob os trabalhos daEmpresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA). A pesquisade campo foi realizada no âmbito da gerência regional da EBDA emSeabra, município que integra a Chapada Diamantina, no semiáridobaiano.

A partir da perspectiva habermasiana, pretende-se expor o porquêdo direito ser considerado como legitimador da estrutura políticaparticipativa. Tal entendimento será fundamental para compreendera construção da PNATER, vislumbrando-a como propulsora de um

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processo comunicativo associado ao uso do direito. Embasadosnesses argumentos, discutir-se-á a noção de participação social,relacionando-a a perspectiva da democracia deliberativa de modoa entender como os processos participativos podem alicerçar elegitimar o envolvimento da sociedade civil no âmbito das gestõespúblicas.

Após essas explanações, será estabelecida uma relação dessesconceitos com o processo de construção da PNATER. Por fim, seráanalisada a operacionalização dessa política pública, objetivandoresponder à seguinte indagação: A gerência regional da EBDA,sediada em Seabra, é capaz de possibilitar, por meio de seusservidores, a existência de fluxos comunicativos responsáveis poralicerçar a gestão democrática da PNATER conforme prevista na lei1

que a instituiu?

2 ESFERA PÚBLICA, OPINIÃO PÚBLICA E DIREITO EMHABERMAS

Segundo Habermas (1997), as inter-relações entre as esferaspúblicas e os fluxos comunicativos existentes entre essas esferas sãoresponsáveis pela formação da opinião pública. O autor define esferapública como:

[...] uma rede adequada para a comunicaçãode conteúdos, tomadas de posição e opiniões,nela os fluxos comunicacionais são infiltradose sintetizados, a ponto de se condensaremem opiniões públicas enfeixadas em temasespecíficos. [...], a esfera pública se reproduz

1 Lei 12.188, de 11 de janeiro de 2010. Institui a Política Nacional de AssistênciaTécnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária – PNATER eo Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiare Reforma Agrária- PRONATER, altera a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e dáoutras providências. A Lei nº 8.666 é responsável por instituir normas para licitaçõese contratos da Administração Pública.

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através do agir comunicativo. (HABERMAS, 1997,p.92).

Para Maia (2007), Habermas constrói as modalidades de esferapública “de acordo com a densidade da comunicação, a complexidadeorganizacional e o alcance”, classificando-as em: episódica, presençaorganizada e abstrata. (MAIA, 2007, p.97).

A esfera pública episódica acontece nos encontros entre amigos,familiares e até mesmo entre desconhecidos, com poucosparticipantes. Esses encontros dão origem a diálogos, geralmentede teor irrelevante e passageiro, que podem se transformar emreflexões, potencializando mudanças de postura e da forma depensar por parte dos envolvidos, transformando-se em discussõesmais expressivas.

A segunda esfera, a da presença organizada, ocorre quando asociedade civil se organiza para tratar de pontos importantes para acomunidade, construindo algo coletivo. Os pontos importantes paraa construção ou melhora da vida em conjunto podem ser originadosdas reflexões que ocorrem no âmbito da esfera anteriormentedescrita. Assim, vinculam-se a interesses gerais da sociedade civilque se organiza para discuti-los.

A organização pode ocorrer, por exemplo, por meio de associaçõesvoluntárias ou em organizações livres (não estatais e nãoeconômicas). A construção do coletivo pode ser imprescindívelpara que determinado assunto ganhe força e adentre, sendo bemarticulado, às agendas governamentais. (MAIA, 2007). Ainda deacordo com a autora, Habermas descreve que estas associações têmas seguintes funções:

a) captam problemas sociais que ressoamnas esferas privadas e tematizam-nos comoproblemas gerais, [...]; b) transmitem essasquestões para arenas mais amplas de discussão

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política da sociedade e sustentam um debatepúblico mais amplo, conferindo-lhe continuidadee duração; c) exercem pressão em prol de certaspolíticas em instâncias de tomada de decisãoformal do sistema político (como as casas dolegislativo, os tribunais, setores administrativosdo governo, etc.; d) organizam conhecimentos eprogramas que contribuem para uma busca ativade soluções. (MAIA, 2007, p.100).

A terceira e última esfera da tipologia de Habermas é a esfera públicaabstrata, produzida pelos meios de comunicação de massa, queconectam, no mundo globalizado, leitores, ouvintes e espectadores.(MAIA, 2007).

Da interação entre as esferas públicas, dos debates racionaisque estas possibilitam e da influência dos meios de comunicaçãode massa, surge a opinião pública. Segundo Habermas (1984), acriação da opinião pública depende da existência de um fluxo decomunicação entre um público pensante.

Para Gomes (1998), a opinião pública se origina da discussão públicaque ocorre com um determinado propósito. Assim, a opinião públicanasce da força do melhor argumento desta discussão. Portanto, épor meio das discussões, que são fundamentais, produzidas nasesferas públicas, que ocorre a formação da opinião pública. E é aopinião pública que, além de manifestar os anseios da sociedadecivil, fundamenta e legitima a organização dessa sociedade para oprocesso participativo que possa vir a ser criado com o Estado.

2.1 O direito na perspectiva habermasiana de participaçãosocial

O entendimento do papel do direito na perspectiva habermasianademanda a compreensão das alterações que ocorreram na passagemda sociedade tradicional para a sociedade moderna. Haja vista que

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esta passagem foi responsável pela inclusão do direito na sociedadecontemporânea. (NOBRE, 2008).

A sociedade moderna foi antecedida pela organização socialchamada de sociedade tradicional. Esta tinha por base legítima osvalores religiosos; seus membros a aceitavam como a única possível,tornando-a inquestionável. Quando os questionamentos se tornamcontínuos, esta estrutura social se vê abalada; nesse momento iniciaa passagem para a modernidade e, com esta, a reestruturação dasociedade tradicional. (NOBRE, 2008). É quando surge a ideia docontrato ou pacto social.

[...] a ideia de contrato pressupõe direitos iguaisde contratar com todos os outros. Que direitos sãoesses que procedem a instauração da sociedadecivil e quem são os seus portadores? Esses direitossão justamente os direitos do homem, [...] dentreos quais se encontram direitos que são alienáveis,e outros que são inalienáveis. [...] são direitosinalienáveis, por exemplo, os direitos à liberdade,à propriedade, à segurança e a resistência aopressão. Dizer que [...] são inalienáveis significa[...] dizer que eles não podem ser retirados, quenão podem ser eliminados com a passagem àsociedade civil, com a realização do contrato quefunda a sociedade civil. (NOBRE, 2008, p.17).

Ainda, de acordo com Nobre (2008, p. 17), nas sociedades modernasos sujeitos devem produzir os direitos e deveres que eles própriosdevemsesubmetere,na “construçãodafilosofiapolítica”destamesmasociedade, tanto o direito como a política estavam subordinadosà moral, e que “a ideia de direito que procede a instauração dasociedade se fundava essencialmente na ideia do homem como sermoral.” Porém, com o desenvolvimento da sociedade capitalista,a subordinação desses à moral tornou-se insustentável. Com amodernidade, o direito torna-se autônomo em relação à moral,passando cada vez mais a representar o conjunto de normas e regras

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que regem a vida social, e a política torna-se o “espaço conflituosode eticidades em que não pode mais ser entendida como exercício deproteção de direitos naturais”. (NOBRE, 2008, p. 19).

Dessa forma, a sociedade em que se vive deriva de um contratocuja base é o consentimento. Essa sociedade é formada por sujeitosque buscam o bem comum, e a convivência entre esses sujeitos,ainda que conflitiva nos seus processos discursivos e formadores deopinião, deve ser norteada pela pacificidade. Habermas citado porNobre (2008) diz que esses conflitos são estabilizados por meio dediferenciações da racionalidade das ações sociais. Essas ações estãodivididas em ação instrumental e ação comunicativa.

Na primeira delas, os atores sociais são vistos como objetos paraalcançar um fim determinado e esse fim seria uma reproduçãomaterial preestabelecida. Contudo, essa ação não eliminaria osconflitos existentes. Na segunda, chamada de ação comunicativa,o conflito é tratado por meio da discussão racional, objetivandoo consenso entre os sujeitos, caracterizando-se como uma açãobastante complexa, mas que possibilita o diálogo aberto e francoentre as pessoas.

Assim, na vida social coexistem esses dois tipos de ações. Porém,nenhum dos dois possui exclusividade absoluta. Habermas (1997)chama de “sistema” o domínio da vida social, em que predominamas ações instrumentais; e de “mundo da vida” aquele em quepredominam as ações comunicativas. Para o autor, é da interaçãoentre sistema e mundo da vida e dos processos decorrentes dessainteração, que deriva o processo político contemporâneo.

Dessa forma, segundo Nobre (2008), se a política fosse compostaapenas pelo sistema, ela perderia sua legitimidade. Assim sendo, épor essa razão que o sistema político contemporâneo se diferenciainternamenteemdomíniosdospoderes administrativo e comunicativo.

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Ainda, segundo o autor, o poder administrativo só é legitimado se for“alimentado” por fluxos comunicativos, assim “quanto mais ativa aesfera pública política maior o volume dos fluxos comunicativos quepenetram no sistema administrativo”. (NOBRE, 2008, p. 25).

De acordo com Habermas (1997), da interação entre sistemae mundo da vida surge o movimento de “mão dupla”, e dessemovimento derivam duas questões. A primeira é como se relacionamos domínios dos poderes administrativos e comunicativos; a segundaé saber como é possível que o poder comunicativo se torne poderadministrativo.

Para solucionar a primeira questão, Habermas (1997) se apoiano modelo de B. Peters. Segundo essa proposta, a relação entreos poderes administrativos e comunicativos segue um modelo decirculação de poder que tem como meio funcional os processoscomunicativos. Nesse modelo, a relação é organizada num eixocentro-periferia, no qual o centro é composto pelo “núcleo dosistema político”, que é constituído pela administração (incluindo ogoverno), pelo judiciário e pela formação democrática da opiniãoe da vontade (incluindo as corporações parlamentares, eleiçõespartidárias, disputa entre partidos políticos, etc.). A periferia seriacomposta por instituições de representação da sociedade civil.

Assim, os fluxos comunicativos gerados na periferia, que precisamestar alicerçados pela opinião pública para que as instituições quea representa possam cobrar para que os assuntos consideradosde caráter público adentrem as agendas governamentais, devempercorrer um longo caminho para alcançarem o núcleo administrativo,o centro do modelo de B. Peters.

Nobre (2008) cita que esses fluxos comunicativos necessitamtranspor vários obstáculos nesse percurso para que possam transporas “redes periféricas da esfera pública” e atingir as esferas públicas

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institucionalizadas. Esses obstáculos constituem-se, segundo o autor,em verdadeiros “filtros” para as “pretensões geradas no mundo davida”.

Para esclarecer a segunda questão, de como o poder comunicativopode se tornar poder administrativo, será descrita a importância dodireito no sistema democrático sob a lógica Habermasiana.

2.1.1 O direito como intermediador do processo participativo

Para Habermas (1997), a instância que media o sistema e o mundoda vida é o direito. É ele que tem o papel de transformar podercomunicativo em poder administrativo.

Nessa mesma perspectiva, Nobre (2008) relata que esse fato sedeve à questão de que o direito possui o diferencial de estar inclusonos dois tipos de domínios (sistema e mundo da vida). Assim, asnormas regidas por ele tanto podem ser mobilizadas a favor dosistema como podem ser mobilizadas a favor do mundo da vida. Odireito deve ser entendido como mediador dos poderes comunicativoe administrativo, ele é “marcado pela tensão entre poder político eautonomia dos cidadãos, ou em última análise, por uma tensão entrenorma e realidade.” (NOBRE, 2008, p.32).

Assim, é o direito que impõe limites às ações dos gestores, fazendocom que esses sigam normas predeterminadas para a gestão pública(atuando em defesa do mundo da vida), e garante ao cidadão aliberdade de exercer suas expressões comunicativas, de organizaçãosocial e de participação nessa mesma gestão pública. Entretanto,na maioria das vezes, o direito não garante o acesso a participardiretamente da tomada de decisão (atuando como defensor dosistema). É esse, pois, o papel do direito sob o viés da perspectivada participação social habermasiana.

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3 A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NAS GESTÕES PÚBLICAS

Para descrever sobre a participação social nas gestões públicas, faz-se necessário entender o significado de política, a sua relação coma participação social e os motivos que levam a sociedade civil a seorganizar e buscar essa participação.

Para Held (1987), a política “trata da capacidade dos agentes, órgãose instituições sociais de manter ou transformar seu ambiente, socialou físico.” Assim sendo,

[...] a política é um fenômeno encontrado eme entre todos os grupos, instituições (formais einformais) e sociedades, perpassando a vida pú-blica e privada. Ela é expressa em todas as ativi-dades de cooperação, negociação e luta pelo usoe distribuição de recursos. Ela está envolvida emtodas as relações, instituições e estruturas queestão implicadas nas atividades de produção ereprodução da vida da sociedade. (HELD, 1987,p. 250).

Entendendo a política dessa forma, ainda segundo Held (1987), oprincípio da autonomia2 alicerça e possibilita a existência de condiçõespara que ocorra a participação da sociedade civil em decisões deassuntos que ela considera de seu interesse. Os cidadãos, comoseres políticos, possuem condições para se envolverem e buscarema participação nas gestões públicas, desde que entendam que hámotivos que façam valer esse envolvimento.

Os motivos, para Pedrini (2007, p.22), derivam do fato de vivermosem “uma sociedade em que as formas de injustiças, desigualdadese exploração das classes populares que vivem do seu trabalho secomplexificam crescentemente [...]”. Portanto, os cidadãos, por meio

2 Segundo Held, o princípio da autonomia “conota a capacidade dos seres humanosde razão autoconsciente, de serem autorreflexivos e autodeterminantes. Ela envolvea capacidade de deliberar, julgar, escolher e agir de acordo com diferentes linhas deação tanto na vida privada quanto na pública.” (HELD, 1987, p. 244).

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das mobilizações sociais, devem despertar na sociedade a vontadeda participação, tornando-se necessário desenvolver o espírito decidadania nas pessoas. Então, para que ocorra a participação socialé necessário despertar o interesse e “estimular o protagonismo dossetores sociais submetidos a processos de exclusão na sociedadebrasileira.” (PEDRINI, 2007, p. 24).

De acordo com Avritzer (2007), foi na Constituição de 1988 que,oficialmente, criou-se a participação social. Ela era direcionadaàs “áreas de saúde, assistência social, política urbana e criança eadolescente”, já “os formatos participativos rurais não são requeridospela Constituição e se constituem em decorrência das formas demobilização existentes no campo no Brasil.” (AVRITZER, 2007, p.7-8).

Luchmann (2007) destaca que os conceitos de participação erepresentação influenciam nas proposições sobre a melhor forma degoverno, e que esses conceitos estão ligados ao papel da política eda democracia em nossa sociedade. Segundo a autora, são dois osmodelos centrais de organização da política democrática. O primeiro,denominado representativo, é aquele em que as decisões políticassão tomadas por representantes escolhidos por meio do voto (essemodelo possuiria caráter instrumental, individualista e competitivo,reduzindo a política apenas ao mecanismo eleitoral). O segundomodelo, o participativo, ocorre quando a definição e autorização dasdecisões políticas competem aos cidadãos no seu conjunto. Essemodelo busca ampliar as responsabilidades políticas da sociedadeabrindo espaços de deliberação política a esta mesma sociedade.

As decisões políticas devem, então, ser tomadas por meio do debatepúblico por aqueles que vão se submeter a elas. Por sua vez, cabeas instituições – construídas por processos de discussão pública – aresponsabilidade de formalizar, pormeio de processos argumentativos

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e de decisões coletivas, os itens que devem ser implementados pelocomplexo administrativo estatal. (LUCHMANN, 2007).

Ainda, segundo Luchmann, no intuito de aprimorar a democraciarepresentativa, os promulgadores da democracia participativa,“combinam pressupostos da democracia direta no interior dademocracia representativa, dando ênfase à inclusão dos setoresexcluídos do debate político e à dimensão pedagógica da política.”(LUCHMANN, 2007, p. 142).

Neste artigo, considera-se que o modelo de maior relevância é oparticipativo. Pois, entende-se que a democratização da gestão, queé trazida no Art. 3°, inciso III da Lei 12.188 de 2010, que instituia PNATER, refere-se à participação social na gestão dessa políticapública.

Embasado na perspectiva participativa, assume-se que a sociedadecivil tem demandado a institucionalização da democracia participativano intuito de ampliar o seu caráter público para além de debates earticulações, chegando de fato ao caráter deliberativo, ou seja, àtomada de decisões.

Para Marques (2009), o processo deliberativo é, na visãohabermasiana, responsável por estabelecer a legitimidade dasnormas e possibilitar a existência de alternativas para regular osconflitos existentes na sociedade contemporânea. Assim, parahaver deliberação pública, é necessário instaurar um processocomunicativo entre a sociedade civil e o Estado. Esse processo devepossuir caráter inclusivo, igualitário, reflexivo e de aprendizagem,pois a deliberação parte do pressuposto que todos são politicamenteiguais e possuem o direito de opinar e participar da construção docoletivo. Além disso, o processo deliberativo permite que os cidadãosconheçam ou desenvolvam seus conhecimentos sobre determinadosassuntos considerados de interesse coletivo.

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Justamente por possuir essas características, alguns autoresacreditam ser difícil que a deliberação pública efetive-seempiricamente. As estruturas sociais não podem ser esquecidas, porexemplo: opressões simbólicas, desigualdades econômicas, falta dehabilidade para usar racionalmente a linguagem, etc. (MARQUES,2009). Dessa maneira, segundo Bohman (1996, p. 45): “A igualdadedeliberativa precisa ser forte o suficiente para assegurar a inclusãode todos os cidadãos na deliberação e a exclusão de formas [...]endógenas de influência, como o poder, a riqueza e as desigualdadessociais preexistentes.” O fato de os participantes não possuírem osmesmos recursos, as mesmas capacidades e posições sociais, podeafetar os resultados de forma não democrática. Entretanto, aindasegundo Bohman (1996), mesmo assim, o princípio da igualdade eda não coerção (ou não tirania) garante que o processo deliberativoseja minimamente democrático.

Assim, a deliberação pública, além de gerar legitimidade, garantea democratização dos processos. Entende-se que a legitimidadenas sociedades pluralistas contemporâneas deriva justamente dadeliberação pública de tudo o que possa ser considerado de interessecomum. Caberia, então, à deliberação pública a responsabilidade dastomadas de decisões coletivas que afetam o bem-estar coletivo, eessas decisões seriam organizadas democraticamente em âmbitoda sociedade civil. (BENHABIB, 1996). Está, pois, explicada aimportância da deliberação pública para os processos participativos.

Luchmann (2007) destaca a existência de uma valorização exageradasobre o papel das organizações da sociedade civil, relatando a dúvidaque os estudos empíricos trazem quanto à participação democráticano interior da sociedade civil. Essa dúvida alicerça a indagação queeste artigo pretende responder: existem fluxos comunicativos entrea EBDA e a sociedade civil a ponto de possibilitar a participaçãosocial na gestão da PNATER?

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4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa de campo foi realizada no mês de outubro de 2013,tendo como área escolhida os municípios que integram a gerênciaregional da EBDA sediada em Seabra. Essa gerência é responsávelpor dezessete municípios: Abaíra, Andaraí, Boninal, Brotas deMacaúbas, Ibitiara, Ipupiara, Iraquara, Jussiape, Lençóis, Mucugê,Nova Redenção, Novo Horizonte, Oliveira dos Brejinhos, Palmeiras,Piatã, Seabra e Souto Soares. Nesses municípios existem trinta ecinco servidores da EBDA atuando com a Ater; ocupando os cargosde gerente, subgerente, chefe de escritório e técnicos de campo.Dos trinta e cinco servidores, dezenove foram entrevistados nestapesquisa, o que representa 54,3 % do total.

Desses dezenove, quatro fazem parte do grupo que trabalha nosassentamentos rurais da região, sendo responsáveis por implementaro Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental a ReformaAgrária (Ates) em parceria com o Instituto Nacional de Colonizaçãoe Reforma Agrária (INCRA).

No âmbito estadual, a EBDA possui três diretores: o de agricultura,o de pecuária e o de administração; dois deles foram entrevistados.Portanto, vinte e um foi o número total de servidores que participaramda pesquisa.

Os dezessete municípios que integram a regional Seabra somadoscontam com uma população de 247.923 habitantes, sendo que142.738 (57,57 %) moram nas zonas rurais de seus municípios esão detentores de 29.288 estabelecimentos da agricultura familiar,que, em média, apresentam 13,17 hectares, totalizando 385.655hectares. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA,2010). Esses dados, acrescidos aos preceitos trazidos pela PNATER,demonstram a importância da existência da Ater pública na região.

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A pesquisa foi realizada com a participação de, nomínimo, um servidorde cada município visitado. Foram onze, sendo que, em Ipupiara,Nova Redenção e Novo Horizonte, os responsáveis pelos serviços deAter são de escritórios de outros municípios, Brotas de Macaúbas,Andaraí e Boninal respectivamente, os quais foram entrevistados napesquisa. Portanto, foram ouvidos servidores que atuam em catorzemunicípios da gerência regional, ficando de fora apenas Jussiape,Ibitiara e Lençóis. Jussiape, porque não foi possível realizar a visitadevido às más condições da estrada; os outros dois municípios nãopossuem servidores da EBDA atuando diretamente, não possuemescritório ou os chamados Postos Avançados de Trabalho - Pavan.Assim sendo, a EBDA se faz presente em quinze dos dezessetemunicípios da área de abrangência da gerência regional.

4.1 Técnicas de coleta de dados

A pesquisa foi realizada utilizando-se das metodologias qualitativa equantitativa. O uso da metodologia qualitativa se justifica pelo fatode que a pesquisa buscou identificar e analisar caracteres subjetivosdos representantes da EBDA envolvidos com a PNATER e suaoperacionalização. O uso desta metodologia se explica tomando porbase a seguinte caracterização:

A metodologia qualitativa preocupa-se em anali-sar e interpretar aspectos mais profundos, des-crevendo a complexidade do comportamentohumano. Fornece análise mais detalhada sobreas investigações, hábitos, atitudes, tendências decomportamento, etc. (MARCONI; LAKATOS, 2007,p. 269).

Corroborando a escolha desta metodologia, Flick (2009) descreveque a pesquisa qualitativa

[...] está interessada na perspectiva dos partici-pantes, em suas práticas do dia a dia e em seuconhecimento cotidiano relativo à questão em es-

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tudo. Os métodos devem ser adequados àquelaquestão e devem ser abertos o suficiente parapermitir um entendimento de um processo ou re-lação. (FLICK, 2009, p. 16).

Já a metodologia quantitativa foi importante para a pesquisa, pois, nointuito de demonstrar se está ocorrendo à democratização da gestãoprevista em lei, tabularam-se os dados referentes à interpretaçãodas respostas dos entrevistados, identificando assim a porcentagemda participação social para cada item perguntado.

Na pesquisa de campo, utilizou-se a entrevista semiestruturadanão dirigida, que é “quando o entrevistador tem liberdade paradesenvolver cada situação em qualquer direção que considereadequada. É uma forma de poder explorar mais amplamente aquestão”, e na qual o entrevistado possui liberdade para manifestarsuas opiniões de forma livre. (MARCONI; LAKATOS, 2007, p. 279.).

A amostragem e a efetivação da pesquisa foram organizadas daseguinte forma: primeiro foram entrevistados os diretores daempresa, na sede em Salvador. Posteriormente, foram ouvidos osresponsáveis pela gerência regional. E, por fim, foram percorridostodos os municípios que sediam os escritórios locais e parte dos quesediam os Pavans. Não houve nenhum tipo de seleção para a escolhadesses postos de trabalho; participaram os servidores que puderamreceber o pesquisador durante sua estada na região. Os escritóriosficam sediados nas cidades de Abaíra, Andaraí, Boninal, Brotas deMacaúbas, Iraquara, Mucugê e Oliveira dos Brejinhos.

Ainda, em relação à escolha dos servidores, não sendo possívelentrevistar todos, atentou-se para alguns critérios, tais comodiferentes formações e chefia do escritório local. Pretendeu-se, comisso, minimizar a diversidade que pudesse existir entre os servidores.

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A pesquisa de campo procurou identificar caracteres cotidianosna fala dos servidores da EBDA3 que indicassem estar havendo ocumprimento da PNATER. Neste artigo serão descritos apenas ostópicos que se relacionam à democratização, visto que a pesquisapropôs-se a estudar a operacionalização desta política pública comoum todo e não apenas quanto à democratização.

Desse modo, os questionamentos considerados relevantes para esseartigo foram: do planejamento das atividades; da operacionalizaçãodas atividades; da avaliação das atividades realizadas; das metas;dos locais onde os trabalhos são implementados e, do uso demetodologias participativas por parte dos servidores.

Com exceção do item operacionalização, todos os outros foramperguntados diretamente aos servidores, de como eram trabalhadospor eles. Apenas no tópico operacionalização buscou-se identificar, deforma indireta, se os servidores identificavam e/ou citavam parceirospara a efetivação dos seus trabalhos.

5 A RELAÇÃO DA PNATER COM A PERSPECTIVAHABERMASIANA DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL

Ao reconhecer os problemas causados pelo modelo modernizanteadotado pelo Estado para a agropecuária, que tinha a Ater comoferramenta de implementação, começa-se a repensar a extensãorural no país, como descreve Dias (2008):

A partir do processo de democratização políticanos anos 1980, quando se tornaram conhecidosos efeitos perversos do processo de moderniza-ção parcial dos espaços agrícolas brasileiros, [...],organizações não governamentais, organizaçõesde movimentos sociais, acadêmicos e militantespolíticos impulsionaram diversos questionamen-

3 Os relatos serão aqui transcritos tendo os servidores identificados por números. Talatitude ocorreu no intuito de garantir o sigilo da identidade dos profissionais.

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tos sobre o papel dos extensionistas como agentede promoção do desenvolvimento. O diagnósticoelaborado por esses atores era que os serviçospúblicos de extensão rural já não podiam maisse limitar à concepção seletiva e conservadora dodesenvolvimento. (DIAS, 2008, p.2).

Então, a partir desse momento, esses grupos – que aqui podem serentendidos como esfera pública episódica - passaram a se organizarna busca de solução. Essa organização pode ser percebida comoum efeito contrário à política de modernização agrícola e ao nortedado aos serviços públicos de Ater. Esses grupos recém-organizadostransformaram suas reflexões em uma discussão expressiva,tornando-as então um problema de relevância para a sociedade civil.Ao se transformar em interesse da sociedade civil, as questões e asdiscussões ligadas a Ater pública tornaram-se coletivas. Iniciou-se,pois, um processo de organização social – adentrou-se, portanto, oâmbito da esfera pública de presença organizada - que tem comoopinião pública a necessidade de mudança dos trabalhos de Ater. Pormeio de um processo discursivo e argumentativo, a sociedade civilorganizada conseguiu que o Estado aceitasse e incluísse as questõesligadas a Ater pública em sua agenda governamental.

Dessa forma, em 2003, sob a responsabilidade do Ministério doDesenvolvimento Agrário – MDA, iniciou-se um processo participativoque discutiu e elaborou a PNATER, publicada em 2004. SegundoCaporal (2011), mais de 100 instituições e 500 pessoas participaramdo processo de formulação dessa política pública. O documentodestaca que o governo abriu o “caminho para a participação e ocontrole social sobre as políticas públicas”. (BRASIL, 2004). Contudo,em 2010, a PNATER veio a se tornar lei e o documento apreciadoe aprovado pelo legislativo federal não foi o mesmo que em 2004havia sido publicado. Esse fato traz a impressão de que a análise ea redefinição do papel da Ater, que haviam sido deliberadas pelos

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participantes em 2004, não foram respeitadas. E essa impressão,por sua vez, demonstra a convivência conflitiva entre a sociedade eo Estado.

O processo discursivo e participativo da construção do documento de2004 pode ser considerado como fluxo comunicativo que se originouno mundo da vida, ou a sociedade, alimentando o sistema, ou oEstado, legitimando assim a construção desse documento. Porém,na perspectiva Habermasiana, a interação entre sistema e mundoda vida ocorre com o movimento de mão dupla, ou seja, os fluxoscomunicativos ocorrem nos dois sentidos. Esse movimento traz àtona duas importantes questões: a primeira é a relação entre essesdois domínios; a segunda é como o poder comunicativo pode setornar poder administrativo.

Para responder estas questões, Habermas se utiliza do modelo deB. Peters (em que a relação entre o sistema e mundo da vida éorganizada num eixo centro – periferia). Na construção da PNATER,entende-se que o centro é o Estado, por meio do MDA; e a periferiaé a sociedade civil que participou dos debates e da construção dodocumento.

Ao se tornar opinião pública, a necessidade de mudança dos trabalhosde Ater se transformou na base dos fluxos comunicativos entreperiferia e centro. Dessa forma, a sociedade civil envolvida nesseprocesso pôde exercer pressão e cobrar do governo para que esseassunto adentrasse a agenda governamental. Assim, a sociedade civilorganizada (esfera pública de presença organizada) conseguiu quese formasse um processo de discussão que culminou na publicaçãoda PNATER em 2004. Então, esse processo demonstra como podeser possível o poder comunicativo se tornar poder administrativo.

Na construção participativa, o Estado, por meio do MDA, possibilitoua participação da sociedade civil que, naquele momento, estava

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tendo o seu direito de participação garantido. Como o documentoconstruído nesse processo foi publicado e, teoricamente, foi o nortedado aos trabalhos de Ater até a aprovação da lei em 2010, admite-se que a vontade da sociedade prevaleceu.

Contudo, como essa relação está imbuída no movimento de mãodupla, de início pareceu que a sociedade, ou mundo da vida,havia conseguido atingir totalmente seu objetivo: ter uma políticapública que norteasse os trabalhos de Ater no Brasil, mudando osrumos dados a eles até então. Mas, como a diferença entre os doisdocumentos demonstra a convivência conflitiva entre a sociedadecivil e o Estado, esse fato pode ser entendido como o obstáculo,que Nobre diz haver, e que precisa ser transposto para que o fluxocomunicativo criado na periferia consiga alcançar o centro. Ele seriao filtro para as “pretensões geradas no mundo da vida”.

A PNATER de 2004 tem como foco principal a adoção de princípiosda agroecologia. O projeto de lei4, que antecedeu a aprovação dalei em 2010, sequer se refere à agroecologia. Segundo Caporal(2011), só após nova intervenção da sociedade civil é que ocorreuuma mudança no documento. Então, como um dos postulados daPNATER, surgiu a adoção de “princípios de base ecológica”, o que,segundo o autor, nem se aproxima do que havia sido proposto naversão publicada em 2004.

Esse fato evidencia que tanto o sistema como o mundo da vidabuscam fazer valer seus direitos e/ou suas vontades. Em 2010, oEstado não seguiu o que havia sido deliberado pela sociedade civil,fazendo valer seu direito de legislar. Apesar da existência de pontosem comum entre os dois documentos, o ocorrido pode ser entendido,

4 Projeto de Lei 5.665, de 2009. Institui a Política Nacional de Assistência Técnicae Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária – PNATER, cria oPrograma Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar ena Reforma Agrária - PRONATER, e dá outras providências.

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de acordo com Caporal (2011), como um processo que retirou alegitimidade e desrespeitou o processo participativo da formulaçãodo primeiro documento. A existência de convergência entre osdocumentos também podem servir como exemplo de mediação entremundo da vida e sistema. Eles denotam o que pode ser entendidocomo uma conquista, ao menos em parte, da sociedade na busca daparticipação na gestão pública. Pois, ao menos em tese, existirammudanças nos rumos dos serviços públicos de Ater.

Há, portanto, evidências que o direito tanto pode favorecer o mundoda vida quanto o sistema. Em 2004 parecia ter favorecido o mundoda vida e suas ambições, porém, em 2010, percebeu-se que não foiexatamente isso que ocorreu.

Diante desses entendimentos, será descrito, sob a perspectiva dademocratização da gestão, como está ocorrendo a operacionalizaçãoda PNATER na Chapada Diamantina diante dos trabalhos da EBDA.

6ADEMOCRATIZAÇÃODAPNATERDIANTEDOS TRABALHOSDA EBDA NA REGIONAL DE SEABRA

Como descrito nos procedimentos metodológicos, os quesitosutilizados para a análise da democratização da PNATER foram:planejamento; operacionalização; avaliação; metas; locais onde ostrabalhos são implementados e o uso de metodologias participativaspelos servidores da EBDA.

As análises trazem os seguintes dados: dos vinte e um entrevistados,apenas dois dizem haver participação da sociedade civil noplanejamento das atividades; oito dizem haver participação social naoperacionalização dos trabalhos de Ater (considerou-se que quatrodos oito disseram realizar reuniões em associações comunitárias,o que não deixa de ser uma parceria, apesar de não garantir a

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participação); apenas dois dizem haver participação da sociedadecivil na avaliação dos serviços prestados.

O servidor número 7 declara que, no município onde atua, existe“um plano de trabalho elaborado anualmente e que esse plano foiconstruído e discutido com os representantes das associações dosagricultores e com os representantes da prefeitura.”

O servidor número 8, por sua vez, diz que o número de técnicos épequeno e que não existe uma equipe multidisciplinar como exige aPNATER. Em seu relato ele declara:

Temos que ter um planejamento participativocom as comunidades. Depois fazer um fórum dediscussão para ver as prioridades, para depoisfazermos o planejamento da assistência técnica.Porém, não temos técnicos suficientes, então,isso nunca vai funcionar. [...] A gente é obrigadoa ficar no escritório para atender o produtor quevem até a gente, quando deveria ser ao contrá-rio. O técnico é que deveria estar na comunida-de para que, de forma participativa, levantasseas necessidades dessa comunidade. (Servidor 8,2013).

Sobre a operacionalização dos trabalhos, todos os oito servidoresque citam haver participação social relatam que esta ocorre pormeio dos representantes das associações e dos sindicatos dostrabalhadores rurais. As reuniões são citadas como principal exemplode participação, nas quais, segundo os servidores, os agricultorespodem se expressar no intuito de demonstrar os problemas ecolaborar para implementação dos programas trabalhados pelaempresa.

No que tange às avaliações, apenas dois servidores relataram haverparticipação social nesse quesito. O servidor número 7 declara quea avaliação

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[...] é feita no Conselho Rural de Desenvolvimen-to Sustentável. O conselho é um trabalho nosso.Fomos à Câmara Municipal explicar para os ve-readores a importância de criar o conselho; sea gente não explica, eles acabam não votando.Também não sabem, né? Então, tudo isso é umaferramenta para avaliação. (Servidor 7, 2013).

A questão que se refere às metas não foi feita aos diretores. Portanto,o total de entrevistados é apenas dezenove. Desses, quinze dizemhaver metas, sendo estas elaboradas pela EBDA e pelo INCRA, nãoexistindo participação da sociedade civil. O servidor dez declara queas metas são elaboradas pelo escritório de acordo com o númerode agricultores familiares que a empresa coloca na meta para oatendimento5 do mês. O servidor dezesseis declara que, “não existemmetas, trabalhamos de acordo com as demandas que vão surgindono escritório.” Para o servidor número 15, só existem metas parao caso do Garantia Safra e da emissão de DAPs6, em que a EBDArepassa a quantidade de cadastros que devem ser emitidos. Para ele,

Justamente por não ter condições de cumprir, de-vido a pouca quantidade de técnicos da empresa,não tem como exigir que os técnicos cumpramdeterminadas metas. [...] tinha que tá atendendo80 famílias, pra mim já é muito, aí [...] poderiatá cumprindo metas. Mas tem que atender quasetrês mil, e com a diversidade de programas, aí,não tem condição. (Servidor 15, 2013).

Esse relato retrata, para a maioria dos entrevistados, a realidade daregional estudada. O fato de serem poucos servidores para a enormedemanda de serviços acaba por prejudicar a operacionalizaçãodos trabalhos no sentido de possibilitar a democratização prevista

5 De acordo com os entrevistados, qualquer esclarecimento deve ser registradocomo atendimento, e não apenas quando o servidor consegue resolver o problemado agricultor. Esse fato é questionado pela maioria dos entrevistados, que discordamdesses critérios de registros.6 Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da AgriculturaFamiliar – PRONAF.

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na PNATER. Além disso, estipular metas com base nas realidadesmunicipais, envolvendo o número de agricultores familiares quenecessitam dos serviços, torna-se inviável, segundo os relatos.

Sobre a escolha dos locais ou comunidades onde os trabalhos deAter serão implementados não foi perguntado aos diretores, aosresponsáveis pela gerência e nem à equipe de Ates7. Portanto, o totalde entrevistados se reduz a treze. Nenhum deles relata qualquertipo de participação da sociedade civil nesse item. O servidordezessete declara que “as comunidades são escolhidas de acordocom as demandas que chegam ao escritório.” Segundo o servidoronze, a escolha depende da tradição das comunidades em plantardeterminadas culturas. Além disso, segundo ele, as comunidadesquilombolas e trabalhos que envolvem mulheres são prioridades naescolha dos locais.

Quanto ao uso de metodologias participativas, não foram ouvidosos diretores nem os responsáveis pela gerência. Portanto, o totalde entrevistados nesse quesito foi dezessete. Desses, apenas doisdeclaram, especificamente, usar tais metodologias em seus trabalhos,contrariando o art. 3˚ da PNATER, que traz como princípio a adoçãode tais métodos. Um deles, o servidor número 5, que diz não ter sidocapacitado pela EBDA para atuar com metodologias participativas,fez o seguinte relato:

A gente busca sempre, também com base emoutros trabalhos realizados, não por orientaçãoda EBDA, a gente busca sempre utilizar metodo-logias participativas. Tentamos ouvir o agricultornaquilo que ele tem, no seu saber, na sua vivên-cia. Não só chegando e é isso, isso e isso. A gentetenta buscar o saber do agricultor, o que ele temdaquilo ali, o que ele praticou durante todos os

7 Isto porque a equipe de Ates é responsável pelos trabalhos nos assentamentos dereforma agrária que estão inseridos nos municípios da gerência regional, não cabendoa esses servidores escolherem em quais irão trabalhar.

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anos. Tentamos juntar os dois conhecimentos, otécnico e senso comum. (Servidor 5, 2013).

Contudo, a maior parte dos relatos evidencia a importância do usodas metodologias participativas. Alguns entrevistados dizem entendere saber da importância dessas metodologias. Porém, segundo osentrevistados, elas exigem tempo, o que as torna inviáveis devido àgrande demanda dos serviços.

A análise dos dados proporcionou a elaboração da Figura 1, quepermite concluir que o poder administrativo pouco vem sendoalimentado pelos fluxos comunicativos, minimizando o movimentodenominado por Habermas de mão dupla.

Figura 1 - Participação social nas atividadesextensionistas/regional EBDA-Seabra (2013)

Fonte: Elaborada pelo autor após análise das entrevistas.

Pode-se, então, dizer que as ações instrumentais, que no modelohabermasiano caracterizam o sistema, prevalecem. Enquanto asações comunicativas, que nesse mesmo modelo representam omundo da vida, são aminoria. Dessa forma, constatou-se que, na áreade estudo, de acordo com o modelo habermasiano, a legitimidade

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do poder administrativo em relação à democratização da PNATERé mínima. Sendo ínfima a transformação do poder comunicativoem poder administrativo, visto que os dados demonstram que osfluxos comunicativos minimamente se fazem presentes, já que aporcentagem da participação social nos quesitos trabalhados com osgestores da PNATER é extremamente baixa.

Essa situação, como antes descrito, expõe que o direito, apesar degarantir que a sociedade exerça suas expressões comunicativas eque se organize na busca pela participação nas gestões públicas, nãogarante o acesso às tomadas de decisão.

Constatou-se também que, entendendo a política da forma queé trazida por Held (1987), é mínima a politização local diante daperspectiva da operacionalização da PNATER. Os servidores não sepronunciaram sobre a existência de cobrança por parte da sociedadecivil, dos governos locais e nem da empresa para que ocorra ademocratização da gestão dos trabalhos. Tampouco demonstraramperspectivas de mudar os rumos dos seus trabalhos diante da enormedemanda de serviços a que dizem estarem submetidos.

Dessa forma, acabam por inviabilizar o que Pedrini (2007) chama de“despertar o espírito da cidadania”, já que o despertar do interessena sociedade civil para participação não é pauta nos trabalhos.Logo, o protagonismo da sociedade civil na gestão dos trabalhosde Ater pouco vem sendo estimulado. A não cobrança, pela maioriados governos municipais ou pelo governo estadual, na área deestudo pode ser entendida como contradição para a afirmação deLuchmann (2007) que diz que os governos contemporâneos sedeixam influenciar com os conceitos de participação e representaçãopara delinear melhores formas de governo.

Pautados nos conceitos trazidos por Marques (2009), Bohman(1996) e Benhabib (1996), minimamente identificou-se a deliberação

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pública, que deveria ser a responsável pela legitimidade e pelademocratização da gestão dos trabalhos de Ater, conforme previstana PNATER.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se ser íntima a relação conceitual sobre participaçãosocial, esfera pública, opinião pública e direito com o processoempírico de construção da PNATER. Esses conceitos, então, nessecaso específico, podem ser utilizados para entender um processo queenvolveu a busca da sociedade civil em fazer valer o seu direito dedeliberar sobre as decisões estatais. Ainda que se entenda ter havidodesrespeito por parte do Estado ao legislar e aprovar em 2010 umdocumento não idêntico ao construído de forma participativa em2004. Assim, tendo como referência a perspectiva habermasiana,constatou-se que a PNATER pode ser vista como uma política dedireito que garantiu, em momentos distintos, tanto a pretensão dasociedade civil, quanto à vontade do Estado. É importante relatarque a construção da PNATER está ligada a mobilização social enão apenas a um processo de indução do Estado para promoverparticipação e buscar legitimidade.

Quanto a dúvida trazida por Luchmann (2007) sobre as evidênciasempíricas que envolvem a participação e a representação dasociedade civil no Brasil, sob a perspectiva da deliberação pública, elase justifica na região do estudo. Diante dos relatos dos entrevistadosdetectou-se que é a participação social na gestão dos trabalhos deAter da EBDA émínima. Esses servidores, que supostamente possuemcontato frequente com os potenciais beneficiários da PNATER,poderiam utilizar essa proximidade para incentivar a participação eassim promover a cidadania, também trazida como princípio nessalei, promovendo a democratização da gestão.

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Apesar de parte dos servidores relatar a importância de os trabalhosserem realizados de forma participativa, segundo eles, o grandenúmero de políticas públicas e programas que eles devem trabalhar,associados à grande relação de estabelecimentos da agriculturafamiliar/técnico, inviabiliza a existência de processos participativos.A relação nos municípios varia de 234 a quase 3000, enquanto naschamadas públicas para prestação de serviços de Ater, divulgadaspelo MDA, essa relação pode ser encontrada em 1/80. Em chamadaspúblicas, para o mesmo fim, realizadas pela Secretaria de Agricultura,Irrigação e Reforma Agrária do estado da Bahia, à qual a EBDA évinculada, essa relação pode ser encontrada em 1/96.

Em face do exposto, existiria possibilidade da democratização seconcretizar com tamanha demanda de trabalho a que os servidoresestão submetidos? Ou esse fato, conforme elucida Narciso (2007),está relacionado à falta de tradição democrática da populaçãobrasileira? E que, para alterar esta situação e consolidar o Estado dedireito democrático no Brasil, é necessário que haja a construção deuma nova cultura política.

Diante de tamanhas dúvidas, outras pesquisas seriam necessárias.Contudo, é fato que, pelos relatos dos servidores entrevistados, aresposta à indagação que esse trabalho se propôs responder foialcançada: a gerência regional da EBDA sediada em Seabra é capazde possibilitar, por meio de seus servidores, a existência de fluxoscomunicativos responsáveis por alicerçar a gestão democrática destapolítica pública conforme prevista na lei que a instituiu?

A resposta, como a própria Figura 1 expressa, é que a existência defluxos comunicativos é ínfima; e, tampouco, diante do encontrado,parece que mudanças irão acontecer. A não ser que ocorra o queNascimento (2007) descreve como “a construção de uma novacultura política” por parte dos servidores e da EBDA. Ou, ocorra o que

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os entrevistados que demonstraram preocupação com a participaçãosocial declaram ser necessário: o aumento no número de servidoresde Ater nos municípios. Pois, aliado ao grande número de programase políticas públicas que devem ser trabalhadas, a pequena quantidadede servidores torna-se o principal entrave para que os processosparticipativos sejam efetivados, segundo os relatos.

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Recebido: 11/05/2015Aprovado: 19/06/2015

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MATRICIALIDADE SOCIOFAMILIAR: centralidade na família ou na mulher?

MATRICIALIDADE SOCIOFAMILIAR: centralidade na famíliaou na mulher?

Thiago Prisco1*

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar a matricialidadesociofamiliar da Assistência Social, para isso realiza uma brevecontextualização acerca do debate contemporâneo sobre famíliaspara, em um segundo momento, problematizar a questão dacentralidade dessa matricialidade. Sendo assim, busca refletir sea almejada centralidade da Assistência Social é de fato sobre afamília. A reflexão que se apresenta indica que a Política Nacional deAssistência Social – PNAS de 2004 e os seus agentes tem adotadouma abordagem familista no trato com as famílias e tem privilegiado,principalmente, em suas intervenções à mulher-mãe em detrimentodos demais membros do grupo familiar.

Palavras-chave: Assistência Social. Famílias. Matricialidadesociofamiliar. Gênero.

MATRICIALIDAD SOCIAL FAMILIAR: centralización en lafamilia o en la mujer?

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo analizar la matricialidad socialy familiar de la Asistencia Social, para ello realiza una brevereseña sobre el debate contemporáneo sobre las familias para,

* Graduado em Serviço Social pelo Centro Universitário UMA. Pós-graduando emGestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça pela Universidade Federal de Viçosa– UFV. Analista de políticas públicas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte econselheiro do Conselho Regional de Serviço Social - CRESS/MG.

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en una segunda etapa, discutir el tema de la centralidad de estematricialidad. Por lo tanto, trata de reflexionar si la centralidaddeseada de la Asistencia Social es de hecho sobre la familia. Lareflexión que aparece indica que la Política Nacional de AsistenciaSocial - PNAS 2004 y sus agentes ha adoptado un enfoque familistaen el trato con las familias y se ha centrado principalmente en susintervenciones a la madre en detrimento de los otros miembros degrupo familiar.

Palabras clave: Asistencia Social. Familias. Matricialidad socialfamiliar. Género.

FAMILY SOCIAL MATRIX: centrality in the family orwoman?

ABSTRACT

This article aims to analyze the social and family social matrix ofSocial Assistance, for it performs a brief background about thecontemporary debate on families to, in a second stage, discuss theissue of the centrality of this family social matrix. The text makesa brief picture that contemporary debate on families and the stateforward posture to this question, in order to support the discussion onthe aforementioned centrality. The reflection that appears indicatesthat the Política Nacional de Assistência Social – PNAS of 2004 andits agents have taken a familista approach in dealing with familiesand has focused mainly on their approaches to woman-mother to thedetriment of other members of the group family.

Keywords: Social Assistance. Families. Family social matrix.Gender.

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1 INTRODUÇÃO

O estudo sobre famílias não é algo novo e nem ausente decomplexidade, principalmente por haver uma infinidade de meiose de abordagens metodológicas possíveis. Todavia, realizar taldiscussão se torna cada vez mais urgente para os profissionais queatuam no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), ainda maislevando em consideração a diretriz da matricialidade sociofamiliar eseus desdobramentos na Assistência Social.

Este artigo realiza uma contextualização do tema na tentativa decompreender o debate contemporâneo sobre famílias e, maisespecificamente, avalia a questão da centralidade na família postapela Assistência Social como um dos mecanismos de organizaçãoessenciais e imprescindíveis a este sistema.

Outrossim, busca-se atingir um objetivo de ordem prática, qual seja:conduzir profissionais à reflexão crítica, uma vez que não é possívelter uma prática profissional coerente se a teoria não fornecer umbom embasamento.

Deste modo, buscou-se realizar uma reflexão crítica a partir dereferências reconhecidas neste campo de estudo, apresentando osprincipais elementos questionáveis da matricialidade sociofamiliar,projetada e operacionalizada no contexto do Sistema Único deAssistência Social (SUAS).

Espera-se que tal debate possa inquietar os leitores deste trabalhoa ponto de fazê-los refletir sobre a sua prática profissional e queessa reflexão adentre seu modus operandi, possibilitando uma novaforma de trabalhar com famílias, que tente reduzir as diversas formasde opressão e que respeite e valorize os seus diversos modos de ser.

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2UMBREVERETRATOACERCADODEBATECONTEMPORÂNEOSOBRE FAMÍLIAS

É recorrente na sociedade o uso de designações estigmatizantespara famílias que não se adaptam ao modelo hegemônico e instituídosocialmente. Tais famílias são designadas como desorganizadas,disfuncionais, desestruturadas, incompletas, patológicas, doentes,anormais, etc. Essas designações surgem da não correspondênciade parcela significativa dos grupos familiares ao modelo funcionalistae estruturalista, que concebe um modelo único e ideal de família.Muitas famílias são situadas fora do padrão de normalidade uma vezque não correspondem ao modelo ideal tão veiculado pelos meiosde comunicação de massa. Logo, as famílias que não correspondemao modelo nuclear são desconsideradas como famílias harmônicas.(CALDERÓN; GUIMARÃES, 1994).

Ainda sobre essa questão, Mioto avalia que a prática de categorizarfamílias “[...] se encontra fortemente arraigada tanto no senso comumcomo nas propostas dos políticos e dos técnicos responsáveis pelaformulação de políticas sociais e organização de serviços”. (MIOTO,2004, p. 51).

O modelo conversador de família ganhou força e legitimidade com oapoio e com a organização de setores conservadores da sociedade,tornando-se defensores incontestes da estrutura familiar nuclear,inclusive de forma atemporal e com intensa negação dos processoshistóricos e sociais pelos quais passaram e passam as famílias noBrasil e no mundo. Desta maneira, como alerta Neder (1994):

Parte-se, portanto, da idéia de que não existe,histórica e antropologicamente falando, um mo-delo - padrão de organização familiar; não existea família regular. Menos ainda que o padrão euro-peu de família patriarcal, do qual deriva a famílianuclear burguesa (que a moral vitoriana da so-ciedade inglesa no século XIX atualizou historica-

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mente para os tempos modernos), seja a únicapossibilidade histórica de organização familiar aorientar a vida cotidiana no caminho do progressoe da modernidade. (NEDER, 1994, p. 28).

Deste modo, há o reforço de um modelo dicotômico de família,estruturalmente maniqueísta, que em nada respeita o pluralismo ea diversidade em que se apóiam os grupos familiares, quais sejam:família regular X família irregular.

Por conseguinte, uma das formas que o Estado encontrou, ao longodo tempo, para interferir nas famílias ditas irregulares foi a “[...]difusão de uma cultura de especialistas nos aparatos policialescose assistenciais do Estado destinados especialmente às classespopulares” (MIOTO, 2010, p.45). Consequentemente, surgem, destemodo, instâncias de policiamento das famílias com vistas a puni-las ou corrigi-las por apresentarem características mais próximas aomodelo irregular do que ao regular.

Refletindo sobre essa abordagem, Sawaia (2010) informa acerca do

[...] risco da culpabilizar e sobrecarregar a famíliacomo negociadora, provedora, cuidadora, avan-caladora, lugar do acolhimento. E não se podeesquecer também do perigo das idealizações edos estereótipos sobre a vida em família [...].(SAWAIA, 2010, p. 45).

Nesta linha de raciocínio, o modelo tradicional de família,compreendido como funcional, é aquele que possui papéis definidose inalterados. Logo, neste caso, o homem é tido como o provedorda família, ocupando o espaço da produção social, e a mulher,inversamente, o lugar da reprodução, ficando a seu cargo o cuidadodos filhos, do marido e da casa. Modelo este que é uma assimilaçãoao padrão físico-biológico e que remonta aos tempos antigos.

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Nesta perspectiva, Esping-Andersen (1995) afirma que o modeloconvencional de família, que tem o homem como provedor, estáem declínio em razão da diversidade e alteração estrutural que vemsofrendo o ciclo de vida.

Por sua vez, Mioto (2004), discorrendo sobre famílias, expõe que

apesar das mudanças na estrutura, a expecta-tiva social relacionada às suas tarefas e obriga-ções continua preservada. Ou seja, espera-se ummesmo padrão de funcionalidade, independente-mente do lugar em que estão localizadas na linhada estratificação social, calcada em postulaçõesculturais tradicionais referentes aos papéis pater-no e, principalmente, materno. (MIOTO, 2004, p.53).

Diante disso, torna-se evidente a confusão que muitos segmentosconstroem em torno do debate sobre famílias, revelando uma clara“[...] dificuldade de romper com o modelo idealizado e naturalizadoacerca dessa instituição [...].” (SARTI, 2010, p. 26).

Na atualidade, a concepção de arranjos familiares traz em si umanova forma de ver e de existir como família. Isso quer dizer que parase ter o status de família não é necessário corresponder ao paradigmanuclear e, tampouco, que este grupo seja formado por pessoas domesmo sangue/hereditariedade. Com isso, pode-se entender quenão existe um protótipo de família, mas que, simplesmente, existemfamílias e que estas são formadas por diversos arranjos, superandoos modelos elencados por muitos estudiosos, podendo ou nãooferecer proteção aos seus membros. Logo, a garantia da proteçãosocial ao conjunto de indivíduos de uma família está para muito alémda forma em que se organizam. Como menciona Sarti (2010, p. 25),“[...] a família contemporânea comporta uma enorme elasticidade”.

De acordo com esta autora, é imprescindível que as famíliascontemporâneas, especialmente aquelas em situação de

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vulnerabilidade social, sejam pensadas para além da ideia de núcleofamiliar, propondo, assim, pensá-las como rede, uma vez que suamobilização cotidiana supera os limites da casa. (SARTI, 2010).

E é nesse horizonte de pensar a família como rede que emerge odebate contemporâneo sobre a inserção das famílias nas políticaspúblicas, já que, desta forma, o espaço do domicílio deixa de seraquele tradicionalmente privado, cuja ideia remonta da GréciaAntiga, para se compor com o público.

Esping-Andersen (1991) infere que a escolha do Estado pelas famíliassurgiu de forma mais contundente no Estado de Bem-Estar Social,e, mais especificamente, entre os welfare estate residuais. Nestemodelo, o Estado assume a responsabilidade, prioritariamente,sobre as famílias que compõem os grupos marginalizados em razãodo mercado e da família não conseguirem garantir a proteção social.Desta forma, configura-se como uma abordagem que correspondeao princípio da subsidiariedade, ou seja, “[...] o Estado só interferequando a capacidade da família servir seus membros se exaure”.(ESPING-ANDERSEN, 1991, p. 109).

A partir desse esclarecimento, são apresentadas duas abordagenscentrais em termos de políticas públicas para as famílias, quais sejam:familismo x desfamiliarização. Passos colabora com a explicaçãodessas terminologias, ao afirmar que

pode-se continuar internalizando o cuidado noâmbito privado e aumentar a responsabilizaçãoda família na função de cuidar (familismo), oupode-se externalizar os cuidados do âmbito do-méstico através da provisão pública ou de merca-do dos serviços de cuidados (desfamiliarização).(PASSO, 2015, p. 2-3).

Essas duas abordagens, por vezes, aparecem conjuntamente naexecução de uma mesma política, por outras contrapostas. Os

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rebatimentos de ambas as práticas sobre as famílias são inúmerase ainda se constituem como uma arena de conflitos entre ospesquisadores do tema e não é o objetivo deste trabalho aprofundarnessa discussão.

3 O DEBATE SOBRE FAMÍLIAS NO SUAS: centralidade nafamília ou na mulher?

O debate sobre a matricialidade sociofamiliar e a centralidade namulher, nos últimos tempos, vem aparecendo de forma permanentenas publicações de pesquisadores e profissionais da área. Inclusaneste debate está a questão do suposto familismo presente napolítica pública de Assistência Social.

De acordo com Mioto, “[...] a Assistência Social estabelece-seou aparece no momento em que a família fracassa na provisãodo bem-estar social para os seus membros” (2011, p. 110, 111),configurando-se, desta maneira, como uma política de ajuda pública,logo, familista. Assim sendo, “[...] no momento em que o Estado quesair da arena da provisão de bem-estar social, chama-se a família,novamente, para entrar em ação”. (MIOTO, 2011, p. 113).

Nesta concepção, a família assume o papel de pilastra daproteção social e o Estado surge para ajudá-la a dar conta dessaresponsabilidade, uma vez que, supostamente, ela fracassou nessafunção. Como alertam Castilho e Carlotto, nesse modelo de proteçãosocial “ela é o pilar central da proteção social” (2010, p. 18), e mais,“[...] é o pilar central na tríade composta também pelo Estado e omercado”. (CASTILHO; CARLOTTO, 2010, p.13).

A Política Nacional de Assistência Social – PNAS (2004) é contundenteao enumerar a centralidade na família como um das diretrizes doSistema Único de Assistência Social (SUAS). Tal diretriz cumpre duasfunções, uma de natureza ideológica (concepção) e outra prático-

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operativa (implementação), ao afirmar a “centralidade na família paraconcepção e implementação dos benefícios, serviços, programas eprojetos” (BRASIL, 2004, p. 33). Isso quer dizer que essa diretriz deveestar presente na definição de agenda, formulação, implementação eavaliação da política de Assistência Social.

Ao discorrer sobre a matricialidade sociofamiliar, a Política Nacionalde Assistência Social (PNAS) (BRASIL, 2004) confere centralidade àfamília nas ações da política de Assistência Social por compreendê-lacomo sujeito de direitos. Reconhece, como família, um conjunto depessoas que se acham unidas por laços consanguíneos, afetivos e oude solidariedade.

Destarte, é muito explícito que a Política Nacional de AssistênciaSocial (PNAS) recorra ao critério da ajuda pública em seu texto,quando aponta ser o objetivo central da Assistência Social darcondições à família de tornar-se preventiva, protetora e promoventede seus membros, a fim de alcançar condições de sustentabilidade.(BRASIL, 2004).

Mioto (2011) avalia que a Assistência Social, segundo esta concepção,acontece de forma temporária e compensatória. Desta maneira,quando a família atingir padrões desejáveis de prevenção, proteçãoe promoção, o Estado pode adotar outra atitude em face dela.

O texto da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), como jáobservado, carrega um forte conteúdo familista, e, com isso, nãose pretende retirar o mérito desta política por avanços significativosque promoveu no interior da Assistência Social, principalmenteao reconhecer a pluralidade dos modelos de famílias e possibilitara participação do Estado no enfrentamento às situações devulnerabilidade e risco que enfrentam.

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Mas, se pretendia garantir proteção às famílias pelo Estado, pareceocorrer o contrário, ou seja: as famílias precisam convencê-lo deserem capazes de garantir a proteção social aos seus membros. E é aíque surge o grande problema: dentro da matricialidade sociofamiliarparece ter se elegido uma matricialidade sociofeminina, em que amulher é responsável por garantir o sucesso ou o fracasso da proteçãofamiliar. Isso ganha força com a publicação da Lei 13.014, de 21 dejulho de 2014, Art. 1º A, que altera a Lei 7.842, de 07 de dezembrode 1993, incluindo o Art. 40-A, que reza: “Os benefícios monetáriosdecorrentes do disposto nos arts. 22, 24-C e 25 desta Lei serãopagos preferencialmente à mulher responsável pela unidade familiar,quando cabível”. (BRASIL, 2014). Tal publicação coloca a mulher,mais uma vez, no lugar de gestora do lar e de responsável por darrespostas ao Estado sobre o sucesso ou fracasso de sua família, pormais que a tentativa tenha sido de empoderá-la mediante a renda.

Se a questão da centralidade na família já traz problemas analíticosà Assistência Social, a centralidade na mulher, certamente, trazdiscussõesaindamais complexas.CarlotoeMariano (2008) identificamque as mulheres são o principal alvo da política de AssistênciaSocial, sendo elas as principais interlocutoras para a titularidadeno Programa Bolsa Família e também por responder a quaisquerimplicações que este programa venha a ter. As autoras observamque “[...] a mulher-mãe ainda é e continua sendo a interpelada paraa participação nas atividades desenvolvidas pelo cumprimento doscritérios de permanência nos programas”. (CARLOTO; MARIANO,2008, p. 153).

Carloto e Mariano (2008) apresentam que há aspectos positivose negativos nessa titularidade dada às mulheres nos programassociais. Como ponto positivo, apontam a valorização das mulheresao permitir o acesso à renda e ao crédito. Por outro lado, inferemque “a centralidade na mulher-mãe reforça estereótipos sobre a

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condição feminina dentro de um viés biologicista que coloca comopredisposições naturais a função de boa cuidadora no âmbito privado/doméstico”. (CARLOTO; MARIANAO, 2008, p. 161).

Desta forma, de modo prático, o que se chama de família naAssistência Social não corresponde à perspectiva de família,apontada nos documentos do Ministério do Desenvolvimento Sociale Combate à Fome (MDS), já que as ações estão concentradas sobreuma única pessoa, a mulher. O que não deixa de ser um reforço aomodelo matrilinear de família e à desresponsabilização do homempelo cuidado e pela reprodução social. Em tese,

[...] perante a política de assistência social, a fa-mília é identificada pela figura da mulher, e nãopela do homem. E a mulher, por sua vez, é con-siderada com base nas funções maternas, o quefixa e essencializa o sujeito mulher, vinculando-oà maternidade. (CARLOTO; MARIANO, 2009, p.907).

Tampouco, quando se dá a existência de homens na família, inclusivechefiando-a, a responsabilidade é compartilhada entre ele e amulher. O que aponta mais uma deficiência da Assistência Social emtorno do debate sobre a matricialidade sociofamiliar, configurando-secomo uma política para mulheres, sem atingir a transversalidade degênero. Assunto este urgente no cenário contemporâneo.

Mioto (2010) elabora uma reflexão acerca desse tema ao dizer que

[...] os serviços continuam se movimentando apartir de expectativas relacionados aos papéis tí-picos de uma concepção funcional de família, emque a mulher-mãe é responsável pelo cuidado eeducação dos filhos e o homem-pai, pelo provi-mento e exercício da autoridade familiar. Assim, odesempenho dessas funções está fortemente vin-culado a julgamentos morais, principalmente emrelação à figura materna. Sobre esta recai todaa sobrecarga da função de provimento quando a

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figura paterna é ausente”. (MIOTO, 2010, p. 53-54).

Para além dessas questões, algo importante a observar é o própriouso da palavra matricialidade para indicar a centralidade na família naAssistência Social. O que vem a ser matricialidade? Qual sentido temo radical desta palavra? Ela indica algo essencialmente feminino! Ecurioso é que assim tem se dado na implementação dessa política. Ofeminino tem sido a centralidade da Assistência Social, mas de formaa reproduzir as desigualdades de gênero que afligem as mulheres navida em sociedade.

Um exemplo claro e prático desta problemática é o cadastramentofamiliar realizado nos Centros de Referência de Assistência Social(CRAS), em que se tem a opção por cadastrar a mulher comoreferência familiar, por mais que, em muitas famílias, de formaprática, ela não ocupe este lugar. O que se realiza de forma correntena Assistência Social ocorre de forma diferenciada nas pesquisas doInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nas quais ainformação surge a partir da indicação da mulher, pelo grupo familiar,como pessoa de referência da família, logo, ocupa este espaço deforma legitimada. É cediço que são as mulheres que procuram oCentro de Referência de Assistência Social (CRAS), na maioria dasvezes, para realizar o cadastro, entretanto parece não haver interesseda Assistência Social em investigar e analisar de forma crítica oporquê dessa busca, com frequência, partir delas. À primeira vista oque parece é que isso é algo óbvio demais para ser questionado etornar-se objeto de pesquisa.

Outra questão elementar é que muitos dos técnicos e gestores queatuam nesta política acabam reproduzindo o pensamento do sensocomum sem realizar reflexões que problematizem essas questões edeemnovos rumos àmatricialidade sociofamiliar da Assistência Social.Além disso, parece haver uma ausência de aprofundamento sobre

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as especificidades do trabalho social com famílias, operacionalizadopor meio do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família(PAIF), tais como: famílias, gênero, raça, etc.

Como bem observam Couto, Yazbek e Raichelis (2011),

[...] as metodologias de atendimento às famíliasprecisam ser revistas. Apesar dos avanços teó-ricos na compreensão desta temática, o padrãoburguês de funcionamento familiar continua apautar a forma de compreender a tarefa de aten-der as famílias. Há um forte caráter moralista edisciplinador que intervém nas formas de pensaras famílias que deve ser eliminado do trabalho doSuas. Mas isso não se faz apenas pelo enuncia-do teórico, uma vez que reiteradamente apareceessa característica, que se enraizou no ideário dodebate sobre o trabalho com famílias nas políticassociais. (COUTO; YAZBEK; RAICHELIS, 2011, p.56-57).

Para superar essas dificuldades, é preciso que sejam criadascondições institucionais a fim de que nasçam novos espaços naestrutura do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e sejamfortalecidos os já existentes, para debates e reflexões, compostosnão apenas por técnicos, mas também por gestores e usuários, deforma a serem qualificados a desenvolverem um pensamento críticosobre o assunto.

4 PARA ENCERRAR

O debate sobre família, como apontado na introdução desteartigo, é algo complexo e antigo, além disso, passível de diversasinterpretações e abordagens metodológicas.

Neste trabalho adotou-se a compreensão de que a instituição famíliaé ricamente plural, não podendo se limitar a um único modelo aceitopela sociedade, nem se reduzir a funções preestabelecidas, como arealidade e os estudos neste campo têm provado.

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Duas questões merecem ser levantadas para encerrar estedebate: familismo e centralidade na mulher. Primeiramente, aotratar do familismo não se quer dizer que a família deva deixarde ter centralidade na política de Assistência Social, mas que estacentralidade deve alcançar, de fato, famílias, independentemente decomo se encontram organizadas, respeitando a autonomia de cadaumadelas para responderemounãoàs expectativas e/ou intervençõesdo Estado, sem com isso aumentar a sua responsabilidade nodesempenho do cuidado de seus membros. Diante disso, faz-seimportante reafirmar que o termo família abrange uma infinidade depossibilidades e formatos, o que significa abarcar, inclusive, aquelaspessoas que decidem por viver fora de núcleos.

Em segundo lugar, merece destaque a questão da centralidade namulher em lugar da centralidade na família e o quesito gênero queestá implícito nesta questão. É salutar para a Assistência Socialnão ser uma política somente para as mulheres, isso a reduziriasobremaneira. Seria um erro gravíssimo, além de uma desconstruçãoda categoria gênero. Focalizar a abordagem da Assistência Socialem mulheres não significa cumprir a transversalidade de gênero,uma vez que essa categoria se constrói a partir das imbricaçõessurgidas nas relações entre os sexos. Esse conceito tem sentidocomo categoria analítica e explicativa das relações desiguais entrehomens e mulheres na sociedade. Desta forma, a focalização nasmulheres da Assistência Social, de forma alguma se configura comouma estratégia de empoderamento, uma vez que deixa de ladointervenções com atores (homens), gerando impactos significativossobre o cotidiano das mulheres.

Nesta perspectiva, fica evidente que operacionalizar a matricialidadesociofamiliar não se resume ao trabalho com mulheres. É insuficienteque o poder público focalize a sua proteção sobre um único membro

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da família. Faz-se fundamental que a abordagem sobre a mulher sejaparte da abordagem à família, e não substituta desta.

Ao mesmo tempo, não se pode negar que a centralidade na mulhercumpre um importante serviço ao familismo, ao exigir dela asrespostas para a superação das vulnerabilidades vivenciadas pelafamília.

Por fim, pode-se dizer que o problema da diretriz “matricialidadesociofamiliar” é de natureza metodológica, devido a sua adoção pelofamilismo e pela forma equivocada como operacionaliza essa diretriz,reduzindo a abordagem a um único membro do grupo familiar, amulher, e, consequentemente, sobrecarregando-a.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 20/02/2015Aprovado: 20/05/2015

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QUALIDADE SOCIAL DA EDUCAÇÃO: um debate em aberto

Anderson Luiz Tedesco1∗

RESUMO

O texto se propõe a aprofundar o conceito de qualidade construído nopercurso histórico da educação, destacando diferentes significaçõesno campo das políticas educativas brasileiras, especialmente a partirdas reformas da década de 1990. Para tanto, caracteriza-se comoumestudo teórico da seara em discussão. Evidencia-se a necessidadede continuar as reflexões a respeito dessa temática candente nocenário educacional brasileiro. Conclui-se que a escola de qualidadesocial é aquela que atende às expectativas de vida das famílias,estudantes e profissionais que a compõem e também colabora naconstrução de vivências humanas efetivamente democráticas.

Palavras-chave: Educação Básica. Qualidade social daeducação. Política educacional.

LA CALIDAD SOCIAL DE LA EDUCACIÓN: un debate abierto

RESUMEN

El texto propone profundizar en el concepto de calidad construidaen el trayecto histórico de la educación, destacando diferentessignificados en el campo de las políticas educativas de Brasil,especialmente a partir de las reformas de la década de 1990. Por lotanto, se caracteriza como un estudio teórico del campo en discusión.Destaca la necesidad de continuar las reflexiones sobre este temacandente en el escenario educativo brasileño. Se llega a la conclusiónde que la escuela de calidad social es aquella que satisface las

* Doutorando em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR.Mestrado em Educação pela Universidade do Oeste de Santa Catarina - Unoesc.Especialização em Psicopedagogia pela Universidade Regional de Blumenau e emBioética e Pastoral da Saúde pelo Centro Universitário São Camilo.

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expectativas de las familias, los estudiantes y profesionales quela componen y que también colabora en la construcción de lasexperiencias humanas verdaderamente democráticas.

Palabras clave: Educación Básica. La calidad social de laeducación. La política educativa.

SOCIAL QUALITY OF EDUCATION: an open discussion

ABSTRACT

This text aims to deepen on the concept of quality built in the historicroute of education, highlighting the different meanings in the fieldof Brazilian educational policies, especially since the reforms madein the 1990s. Therefore, it configures a theoretical study about theproposed discussion. It also presents the importance of continuing tomake reflections on this topic in the Brazilian educational setting. Theconclusion is that the social quality school meets the expectations offamilies, students and professionals that constitute and contribute tothe construction of real democratic human experiences.

Keywords: Basic Education. Social quality of education.Educational Policies.

1 INTRODUÇÃO

O debate em torno da qualidade social da educação implicareconhecê-la como um campo polissêmico, dinâmico e histórico,inscrita nas demandas de uma sociedade, em um determinadoperíodo, presente no tempo e no espaço. Por assim dizer, é precisoreconhecer a educação como uma prática social e um ato político.

No Brasil, a questão da qualidade em educação sempre esteveimbricada nos propósitos da educação, e estes, no processosocioeconômico, político e cultural do país, além de uma extensivainfluência internacional, especialmente nas últimas décadas, mas,

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QUALIDADE SOCIAL DA EDUCAÇÃO: um debate em aberto

propriamente, a partir de 1990, sob a hegemonia neoliberal. Esses eoutros fatores creditam ao tema um grande e complexo desafio a serproblematizado e debatido.

Por mais que os dados estatísticos demonstrem avanços com relaçãoao acesso e à cobertura da educação escolar, principalmente doensino fundamental, vê-se processando o desafio da qualidade,especialmente quando analisada a aprendizagem dos alunos,as condições de permanência na escola com nível de qualidade,considerando-se o nível socioeconômico desses alunos.

Em vista desse cenário, problematizar a temática da qualidade naeducação continua sendo uma necessidade atual e emergente, postaem evidência pelo contexto em que se insere a escola pública hoje,as demandas, as responsabilidades e o papel a ela atribuído.

Este artigo propõe-se a aprofundar nos aspectos teórico-conceituaisda qualidade com base em uma perspectiva epistemológica emque a educação e a escola se constituem em processo histórico edinâmico. A análise do tema começará pelo resgate histórico decomo a qualidade foi se constituindo e respondendo às demandasde cada época; em seguida, apresentar-se-ão as problematizaçõese dificuldades relacionadas à conceituação de qualidade; e porfim, serão discutidas as possibilidades e os limites dessa temática,considerando as práticas educativas.

2 O CONCEITO DE QUALIDADE DA EDUCAÇÃO NO TEMPOHISTÓRICO

No decorrer da história da educação, no Brasil, mais precisamente apartir da década de 1920, as discussões sobre educação estiveremcentradas nos valores democráticos de universalização do acessoà escola e na igualdade de oportunidades a todos. A qualidadeincentivada pelos pioneiros da Escola Nova aparece vinculada à

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metodologia do ensino, a uma pedagogia nova, apresentada comocontraponto ao modelo escolar até então operado. De acordo comFonseca (2009, p. 156), trata-se da “[…] adoção de uma pedagogiaque facilitasse a individualização do educando pela atividade livree espontânea; que se pautasse por um método ativo, estimulandoa atividade criadora da criança por meio do exercício prático.” Esseperíodo é marcado pela influência da psicologia como referência decorpo teórico, com aprofundamento da psicologia aplicada.

Com a instauração do Estado Novo, inseriram-se na educação valoresdoutrinários de hierarquia e disciplina dos homens e da sociedade,os quais passaram a ser referência de qualidade no ensino público.Tratava-se, agora, da formação de um homem disciplinado e útil paraum Estado moderno, industrial e nacionalista. (FONSECA, 2009).

No período seguinte, a educação teve como foco preparar pessoaltécnico para a instalação de indústrias de base. Com enfoqueeconômico e com base na teoria do capital humano, conferia àeducação a tarefa de produzir competências técnicas ao mercado,agregando valor aos recursos humanos no mercado. (FONSECA,2009). A qualidade balizava-se no preparo técnico do sujeito parao mercado de trabalho. Muitos intelectuais e educadores da época,dentre eles, Anísio Teixeira, não compartilharam dessa lógica. Paraeles, a educação era mais do que reduzir o saber a assuntos denatureza técnica, ela deveria ajudar o educando a compreenderas condições políticas e ideológicas expostas e prepará-lo para odesenvolvimento coletivo da superação do atraso em que o país seencontrava.

Com o governo militar, intensificaram-se as parcerias internacionaisdos organismos no desenvolvimento econômico e social do país,especialmente os acordos firmados com a Agência Norte-Americanapara Desenvolvimento Internacional (USAID). Deu-se início à

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reforma administrativa em todo setor público, com objetivo declaradode modernização e segurança nacional. A educação ajustou-seà estrutura da reforma e ao modelo de desenvolvimento, em quequalidade educacional era definida pelo objetivo de formar umcidadão capaz de participar de forma eficaz das atividades produtivasda nação. Com isso, o saber que a escola democrática transmitiráterá de ser um saber das coisas e não um saber sobre as coisas.(FONSECA, 2009).

Nos anos que se seguiram, para atender às crescentes demandaspela expansão de vagas e ao próprio desenvolvimento pelo qualo país vinha passando, houve oferta em todos os níveis de ensinoe a ampliação do ensino fundamental para oito anos pela Lei nº5.692/71. Com a demanda de mão de obra, o ensino secundário ouensino profissionalizante passou por mudanças com a substituiçãodas disciplinas de teor mais humanístico por disciplinas técnico-profissionais. A qualidade, destacada no ensino médio como respostaàs classes sociais média e alta, foi a continuidade de acesso aosestudos no ensino superior por meio dos exames de vestibular.

Porém, até o final do governomilitar, o ensinomédio profissionalizantejá não condizia com qualidade para o acesso à continuidade deestudos no ensino superior, o que só ocorria com a classe alta, quefrequentava escolas particulares, que passaram a ser consideradasde melhor qualidade.

No que tange à qualidade da educação, esse breve apanhado permitechamar a atenção para o fato de o contexto político e econômicoexercer grande influência na definição de qualidade da educação emcada momento histórico, assim como as respostas a tais demandasserem insuficientes para atender à complexidade que a temáticaexprime, quando sob um enfoque social.

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Sobre a questão, Enguita (1994) contribui destacando que aproblemática da qualidade sempre esteve presente no campoeducacional, mas nunca alcançou tamanha centralidade como agora.Ela está presente nas conversas e debates de pais, estudantes,professores, pesquisadores, movimentos sociais, nas agendas epropostas de governo. Para o autor, a problemática da qualidade“[…] vem substituir a problemática da igualdade e da igualdade deoportunidades.” (ENGUITA, 1994, p. 96).

3 A CENTRALIDADE DA QUALIDADE NOS DEBATESEDUCACIONAIS

Na América Latina, o discurso sobre qualidade em educaçãocomeçou a se expandir em 1980, em contraposição às ideiasdemocratizantes da educação e sob a influência do avanço daspolíticas neoliberais, que cooperaram com a construção de umconceito de qualidade sintonizado com a lógica da competitividadeeconômica, que se acirrava no campo educacional, “[...] imprimindoaos debates e às propostas políticas do setor um claro sentidomercantil de consequências dualizadoras e antidemocráticas [...]”.(GENTILI, 1995, 115). Assim, assistiu-se a um deslocamento dodebate educacional voltado para a democratização, vinculado àuniversalização da educação de cunho mais social, para o campoda qualidade, porém numa tendência de qualidade quantificável,que, segundo Araujo, “[…] manteve uma sintonia com a retóricaconservadora que não visava à universalização de direitos, nem aofortalecimento dos espaços públicos.” (GENTILI, 2012, p. 189).

É relevante pôr em evidência que esse discurso conservador ehegemônico apregoava a ideia da necessidade de reforma do Estado,assim, usou-se como bandeira a qualidade da educação, que nadamais foi do que um ataque às políticas de garantia à universalizaçãodos direitos. Sendo que “[…] antes de uma real democratização da

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educação, como direito de todos, assistiu-se a uma tentativa detransformá-la em um privilégio de poucos.” (ARAUJO, 2012, p. 189).

No Brasil, durante a década de 1980, também emergiram forçasmobilizadoras da sociedade em prol da democratização. Alémdisso, houve consolidação de bandeiras de luta do movimento deeducadores por meio das Conferências Brasileiras de Educação e doFórum Brasileiro em Defesa da Escola Pública. Eles reivindicavammudanças no sistema educacional, inclusive a melhoria da qualidadeda educação, ou seja, dois cenários se apresentavam a partir desseperíodo e que eclodiriam na década seguinte: de um lado, a qualidadevoltada para atender aos interesses mercadológicos; e de outro, aqualidade social, defendida pelos movimentos de educadores.

Araujo (2012) salienta que o significado da qualidade social poucofoi compreendido na época. Casassus (2009) esclarece esseentendimento, ao fazer um estudo sobre a avaliação estandardizadavoltada para a America Latina, que se encaixa às políticas educacionaisbrasileiras, discorrendo que, na época, pela mudança de foco daspolíticas, que passaram a se concentrar não mais na expansão, masno que ocorria dentro do sistema, ou seja, o acesso ao ensino játinha sido alcançado, quase todos estavam na escola, a preocupaçãodeveria ser a qualidade. O foco, então, priorizou mudar a regulaçãodo sistema, centrou-se na gestão educacional. Com isso, segundoo autor, as expectativas foram frustradas e as políticas concebidasfracassaram nos seus objetivos. Ele justifica, assinalando que umadas razões primeiras desse fracasso foi “[…] nunca se ter dito oque se entendia por qualidade da educação. De fato, o que era aqualidade nunca foi debatido e, portanto, nem sequer houve umatentativa de consenso. É surpreendente que nunca se tenha dadoconteúdo à palavra qualidade.” (CASASSUS, 2009, p. 72, grifo doautor). E sinaliza mais, “[…] a qualidade foi interpretada como

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sendo equivalente a uma pontuação numa prova estandardizada.”(CASASSUS, 2009, p. 72).

Apesar dos aspectos supracitados, Saviani (2011) salienta que adécada de 1980 foi um momento de maturidade acadêmica, commuitas reflexões certamente determinantes para a qualidade daeducação brasileira. A influência dessas reflexões corroborou com aproposta da Constituição Federal promulgada em 1988 e a nova Leide Diretrizes e Bases (LDB) de 1996.

A Constituição Federal assinalou uma perspectivamais universalizantedos direitos sociais. Ao atentar ao art. 206, que trata dos princípiosda educação, verifica-se que, além do acesso e permanência naescola, outro princípio fundamental refere-se à garantia de “padrãode qualidade” (no inciso VII). Também a LDB de 1996, no seu art.3º, inciso IX, reforça o princípio da qualidade. Inclusive no incisoIX, do art. 4º, está acentuada a “garantia mínima de padrões dequalidade do ensino.” (BRASIL, 1996). Como um direito público, aeducação se volta a um padrão de qualidade para todos aqueles queforem incorporados à escola pública. Mas, o que seria esse padrão dequalidade? Ou como padronizar a qualidade em um país com tantadiversidade regional e demandas diferentes? Consequentemente, épreciso retomar o debate da qualidade, localizando-o num contextoatual que se volte para uma educação social com novas demandas.

Nos anos de 1990, intensificou-se a inserção do país no mercadoglobalizado e competitivo, quando a implementação de políticasneoliberais, ancoradas na reforma do Estado, repercutiramdesfavoravelmente no campo social. Com essas reformas, foiredefinido o papel do Estado na promoção de políticas sociais e deajuste fiscal, criando um fosso entre as conquistas estabelecidasna década anterior e as necessidades de controle e diminuição dosgastos públicos. (OLIVEIRA; ARAUJO, 2005). Para a educação,

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Esse contexto representou o acirramento dastensões entre as expectativas de melhoria daqualidade dos sistemas de ensino e a disponibi-lidade de recursos orçamentários para a conse-cução desse fim. Isso favoreceu uma perspectivacuja lógica tinha por base ideias de eficiência eprodutividade, com clara matriz empresarial, emcontraposição à ideia de democratização da edu-cação […]. (OLIVEIRA; ARAUJO, 2005, p. 6).

A ideia de qualidade educacional, nessa década, construiu-se combase nessa lógica. Os discursos hegemônicos sobre a qualidadeestiveram impressos no campo produtivo e se impuseram no campoeducativo com uma retórica conservadora, funcional e coerente como feroz ataque que, hoje, sofrem os espaços públicos, entre eles, aescola das maiorias. (GENTILI, 1995). Essa perspectiva de qualidade,baseada no discurso da eficiência, da mensuração, dos resultados,prioriza a questão técnica, gerencial, desprovida da questão política.

Em vista da influência neoliberal na tentativa de modernização dosserviços prestados pelo Estado e para inserir-se na nova ordemmundial do mercado, o Brasil adaptou-se às exigências e orientaçõespromotoras da nova ordem econômica e política pela minimização daação do Estado.

Ainda que o processo de ajuste da economia brasileira às exigênciasda reestruturação da economia mundial tenha sido iniciado com ogoverno Fernando Collor de Mello, foi com de Fernando HenriqueCardoso que o Brasil se transformou em um país de reformas,submetendo-o “[...] ao figurino do capital, desenhado, agora, pelosorganismos multilaterais, com especial destaque para o BancoMundial.” (SILVA JUNIOR, 2002, p. 62).

Dourado (2007) reforça a ideia de que a reforma do Estado e abusca de sua modernização se implementaram em novos modelos degestão, cujo objetivo, apontado por Oliveira (2000, p. 331), é “[...]

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introjetar na esfera pública as noções de eficiência, produtividadee racionalidade inerentes à lógica capitalista.” Dessa forma, háuma mudança na ação do Estado, o qual se torna mínimo aotransferir responsabilidades públicas (políticas sociais) à sociedadecivil; ao mesmo tempo, máximo, para o capital, passando a atuarcom um Estado regulador e avaliador de políticas criadas paraáreas estratégicas. Um Estado que se apresenta como “neutro” eresponsável por garantir uma suposta igualdade de oportunidade atodos. (ARAUJO, 2012). Conforme Freitas:

As políticas regulatórias querem, em áreas estra-tégicas, transferir o poder de regulação do Estadopara o mercado, como parte do processo amplomarcado por várias formas de produzir a privati-zação do público. Isso inclui tanto a instituição daregulação via mercado como o seu complemento,a desregulação do público via Estado, para per-mitir aquela ação de regulação do mercado [...].(FREITAS, 2005, p. 913).

No campo educacional, as estratégias e prioridades desenvolvidas nalógica da reforma têm objetivo de equalização social, “[...] por meioda promoção da igualdade de oportunidades nos diferentes níveisde ensino e setores socioeducacionais [...].” (SOUZA, 2010, p. 92).

Para os organismos multilaterais, o nível de desenvolvimentosocioeconômico dos trabalhadores está ligado ao nível dedesenvolvimento intelectual e humano. Desse modo, “[...] ageneralização da educação básica passa a ser vista como o umbraldo desenvolvimento social e econômico dos países subdesenvolvidos,ou cujos índices de acesso/ingresso no sistema educacional aindasão considerados baixos ou médios [...].’’ (SOUZA, 2010, p. 92).Assim, justificam-se os investimentos prioritários na educação básica,tendo em vista que os trabalhadores teriam melhores condições deingressar e adequar-se às novas exigências do mercado produtivo,atingindo, por conseguinte, a qualidade da educação.

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Nas políticas públicas nacionais, o conceito de qualidade da educaçãoconstruiu-se a partir do argumento de que o Brasil já havia atingidoa universalização da educação básica. Nesse sentido, o acesso nãoseria mais problema na agenda dessas políticas, conforme assinalaNavarro (2004),

Esta concepção se fundamenta em estudos e da-dos estatísticos que apontavam a cobertura comojá “suficiente”, isto é, que as escolas e salas deaula eram suficientes para atender a todos. Aexistência de crianças e jovens fora da escola eraatribuída apenas à reprovação e à evasão escolar.Nesse sentido, segundo essa concepção, a qua-lidade se reduz à superação do problema da re-provação e da evasão e não mais contribui para asua democratização […]. (NAVARRO, 2004, p. 1).

Oliveira e Araujo fazem uma análise da ideia de qualidade de ensinoconstruída no Brasil, apontando a difícil tarefa de se chegar à noçãodo que seja qualidade de ensino. A análise que eles apresentamestá baseada em três formas distintas: “Na primeira, a qualidadedeterminada pela oferta insuficiente; na segunda, a qualidadepercebida pelas disfunções no fluxo ao longo do ensino fundamental;e na terceira, por meio da generalização de sistemas de avaliaçãobaseados em testes padronizados.” (OLIVEIRA; ARAUJO, 2005, p. 6).

Para suprir a oferta insuficiente, primou-se pela ampliação devagas mediante a construção de mais escolas para a população,mas sem a devida atenção com a qualidade de ensino ofertadapor essas escolas. Isso acabou gerando outro problema relativoao prosseguimento dos estudos dessa população incluída naescola: a questão da permanência no interior do sistema escolar.Se o acesso fora possibilitado, a permanência e a conclusão dosestudos tornaram-se questões candentes com os índices de evasãoe reprovação, evidenciando a falta de políticas focadas na qualidade.

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Políticas de aprovação automática, ciclos e programas de aceleraçãoda aprendizagem foram adotados como medidas de combate àreprovação e/ou evasão. Entretanto, essas medidas não foramsuficientes para a melhoria da qualidade da educação, demonstrandoo grande fracasso escolar, que ainda precisa ser vencido.

Mais recentemente, o Brasil vem adotando outro indicador dequalidade já difundido em outros países há mais tempo. Com esseindicador, a qualidade passa a ser referenciada pela capacidadecognitiva dos estudantes, aferida mediante testes padronizados emlarga escala. Essas políticas de avaliação em larga escala objetivamformalmente diagnosticar as insuficiências na aprendizagem dosestudantes e, assim, direcionar as ações pedagógicas, administrativase financeiras com intuito de melhorarem a qualidade do ensino nopaís. Porém, já se tecem críticas a esses indicadores de qualidade,haja vista não conseguirem captar o amplo conjunto de fatores intrae extraescolares que implicam a construção dessa qualidade, poisestão pautados em verdades universais e indicadores generalizáveisde acordo com as metas de qualidade definidas, a priori, pelopoder central. (ARAUJO, 2012). Aplica-se o mesmo receituário,independentemente dos contextos culturais, sociais, econômicos edo percurso histórico dos sujeitos e da realidade de cada instituiçãoescolar, reforçando, assim, a lógica da meritocracia baseada nodesempenho, inferindo um modelo de padrão de qualidade quealimenta uma lógica seletiva e excludente, reproduzindo as relaçõessociais desiguais do sistema capitalista.

Ravitch (2011), ao realizar um estudo sobre as políticas educacionaisvoltadas a testes padronizados no sistema educacional norte-americano, faz um alerta sobre o perigo que representam taispolíticas pautadas em viés econômico mercadológico. Conformeela, corrompem os valores educativos, “imbecilizando” as escolaspreocupadas em atingir metas irrealistas. O preocupante é que

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esse modelo de avaliação, cuja meta é o aumento da qualidadena educação, tem sido defendido e sua implantação está sendoforçadamente tentado na educação brasileira. Assim sendo, cada vezmais há a inserção da ideologia do mercado no debate educacional.Azevedo (2011), discorrendo sobre a obra de Ravitch (2011), atentapara a imposição dos métodos gerenciais, praticados nas empresas,à educação, o que, a seu ver, significa submeter a formação humanaaos ditames do mercado, ao cálculo de custos. Explica que o objetoda produção empresarial difere completamente do objeto da escola.“[…] O objeto da empresa produz coisas físicas, enquanto o objetoda educação é sujeito, um conjunto de pessoas que tem história, quesente dor, prazer, que chora, que tem alegria, cultura, subjetividade,razão e emoção.” (AZEVEDO, 2011, p. 14).

4 A COMPREENSÃO DA QUALIDADE SOCIAL DA EDUCAÇÃO

Até o momento, buscou-se focalizar a configuração da qualidade daeducação no cenário educacional brasileiro. E agora, ela será abordadanuma acepção social. Para tanto, alguns questionamentos desafiama pensar essa perspectiva de qualidade. Garantir acesso a “todos”à educação básica foi o mínimo conquistado, porém a permanênciana escola ainda é o desafio qualitativo que se apresenta às políticaseducacionais. Então, como responder à universalização do acessobaseado na qualidade social da educação? Quais são as referênciasde qualidade social da educação? Pode-se “medir” a qualidade socialda educação? A tão sonhada escola para todos conseguirá imprimirqualidade social para todos? Ou qual a qualidade possível numasociedade heterogênea como a nossa?

O conceito de qualidade é polissêmico. A própria origem etimológicada palavra se traduz em “jeito de ser”, evocando a dinâmica e asvárias formas de ser nessa disseminação no linguajar. Além disso,cabe lembrar que é de origem latina, vem do termo qualitas, cujo

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significado é responsável pelas interrogações, tais como: Qual? Deque tipo? De que maneira? Ora, esses questionamentos levam apensar em qual qualidade se quer ter na educação brasileira ou deque tipo ou de que maneira as políticas públicas criam oportunidadesde uma educação com qualidade.

Daí o amplo leque de elementos que estão implicados nessaconceituação. Dourado, Santos e Oliveira acrescem à complexidadeda temática outros ingredientes decisivos, em alguma medida, jásinalizados. “Os conceitos, as concepções e as representaçõessobre o que vem a ser uma Educação de Qualidade alteram-se notempo e espaço […] dado as novas demandas e exigências sociais,decorrentes das alterações que embasam a reestruturação produtivaem curso […]”. (2007, p. 3). Sendo o conceito de qualidade histórico,que se constrói e se altera no tempo e espaço, vinculadamente àsexigências sociais de um determinado momento histórico.

Atentando à realidade brasileira, evidenciam-se avanços no quetange à escola de qualidade quanto ao acesso e à cobertura,principalmente no ensino fundamental, à população historicamenteexcluída. Com essa ampliação de acesso, surgem outras novasdemandas às escolas e aos sistemas de ensino, pois “[…] estimula aprocura por níveis subsequentes de ensino e produz novos desafiospara o sistema, entre eles, a superação do aprendizado insuficientee dos altos índices de reprovação e de abandono escolar.” (FONSECA,2009, p. 154). E para além da expansão de vagas, atrai para a escoladiferentes sujeitos e, por conseguinte, surgem novas exigênciaspara a qualidade. (CUNHA, 2007). De acordo com Frigotto (2009),trata-se da ideia de uma escola que historicamente se expande, mas“[…] se torna robusta para menos, uma escola em que cabe tudo,porque, como indica Algebaile, é uma instituição destinada a atuarna fronteira da inserção social.” Isso revela um desmonte da escola

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pública vinculada a políticas públicas fragmentadas. (FRIGOTTO,2009, p. 74, grifo do autor).

Dessa forma, pode-se notar a problemática assombrosa quereside na qualidade de uma aprendizagem significativa, que vaialém da assimilação de conteúdos, alargando-se sobre o contextocomplexo, que se articula com relações sociais mais amplas.Essas relações são apontadas por Dourado e Oliveira (2009)como de ordens “intraescolares” e “extraescolares.” Os autoresdescrevem resumidamente essas relações sociais como questõesmacroestruturais (concentração de renda, desigualdade social,educação como direito, etc.) e questões concernentes à análise desistemas e unidades escolares (processo de organização e gestãodo trabalho escolar, condições de trabalho, processos de gestão daescola, dinâmica curricular, formação e profissionalização docente).

Como se pode inferir, a construção de um conceito de qualidadeimplica uma concepção de sociedade e de escola, por isso cabemas seguintes questões: que sociedade e que escola se quer para asfuturas gerações? Há elementos essenciais a uma construção coletivada qualidade social da educação? Que valores devem direcionar essaqualidade? Qual o papel do Estado, da escola e de seus sujeitos naconstrução da qualidade social?

Segundo Silva (2009), a qualidade social da educação pública teminstigado reflexão daqueles que entendem a educação como práticasocial e ato político. É compreensível esse apontamento, uma vezque a realidade escolar do país apresenta nebulosas variantes no quetange à qualidade, variantes essas também resultantes do contextosocioeconômico e político brasileiro. Para a autora, é importanteentender o conceito de qualidade sob o viés econômico a fim decompreender sua transposição ao campo educacional:

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[…] no campo econômico, o conceito de qualida-de dispõe de parâmetros de utilidade, praticidadee comparabilidade, utilizando medidas e níveismensuráveis, padrões, rankings, testes compara-tivos, hierarquização e estandardização própriasdo âmbito mercantil. […] apreender a qualidadesignifica aferir padrões ou modelos exigidos, con-forto individual e coletivo, praticidade e utilidadeque apontem melhoria de vida do consumidor.(SILVA, 2009, p. 219).

A par dessa exposição, pode-se perceber como a lógica econômicaestá presente nas políticas sociais no que diz respeito aos direitossociais, inclusive educacionais. É o que a autora, com base emSouza e Oliveira (2003), chama de descaracterização da educaçãopública como direito social. Segundo Silva (2009), essa lógica dequalidade, transposta à educação, evidencia duas situações dentroda escola: inibe os esforços coletivos na construção do projeto políticopedagógico e fortalece os mecanismos de controle, fiscalização epressão externos à escola. Com isso, não importam os saberes, osvalores humanos, a qualidade no sentido social, importam os númerose não como foram gerados. Nesse sentido, a autora acresce:

A qualidade social da educação escolar não seajusta, portanto, aos limites, tabelas, estatísticase fórmulas numéricas que possam medir um re-sultado de processos tão complexos e subjetivos,como advogam alguns setores empresariais, queesperam da escola a mera formação de trabalha-dores e de consumidores para os seus produtos.(SILVA, 2009, p. 225).

Oliveira e Araújo (2005) também contribuem com o debate,chamando a atenção para dois sentidos conceituais que o termoqualidade comporta no mundo dos negócios: a qualidade doproduto e a qualidade de processo. A qualidade do produto não tempreocupação com os custos, importa que o produto tenha melhorqualidade possível. A qualidade do processo está relacionada ao

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melhor processo para atingir o fim desejado, próximo ao ideal paraproduzir um produto com maior economia possível. Enguita (1994),por sua vez, faz menção à difusão desses conceitos na linguagem deespecialistas da educação e dos organismos internacionais:

Inicialmente foi identificado tão somente com adotação em recursos humanos e materiais dossistemas escolares, ou suas partes componentes:proporção do produto interno bruto ou do gas-to público dedicado à educação, custo por alu-no, número de alunos por professor, duração daformação ou nível salarial dos professores, etc.Este enfoque […] se tendia a medir a qualidadedos serviços públicos, supondo que mais custoou recursos, materiais ou humanos, por usuárioera igual ou maior qualidade. Mas tarde, o focode atenção do conceito se deslocou dos recursospara a eficácia do processo: conseguir o máximoresultado como o mínimo custo. (ENGUITA, 1994,p. 98).

A partir desses indicativos, Dourado e Oliveira (2009) enfatizam oquanto é fundamental identificar, nas políticas internacionais, oscompromissos assumidos no contorno da educação pelos dirigentesdos países, a fim de observar como tais compromissos sematerializamno cotidiano escolar. Por isso, é necessário compreender o papel dossistemas e das escolas como espaços de regulação e do dinamismopedagógico, bem como o papel dos diferentes atores sociaisenvolvidos no processo. Como bem assinalam Dourado e Oliveira(2009, p. 205), “[…] a qualidade da educação envolve dimensõesextra e intraescolares […] que interferem direta ou indiretamentenos resultados educativos.

Com base nessas dimensões, os autores indicam possibilidades dese discutir a qualidade da educação, bem como visualizar a realidadeeducacional, identificando os problemas que a cercam, refletindosobre eles a partir de olhares multidimensionais capazes de abarcara complexidade dos mecanismos interpostos no processo educativo.

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Nessa tentativa de construção conceitual de qualidade da educação,vê-se que a qualidade está vinculada à quantidade. Porém, aextensão das políticas no campo educacional sempre esteve ancoradamajoritariamente na quantidade, o que parece ser uma opção políticaem nosso país, como destacam Oliveira e Araujo (2005):

[…] nunca houve, de fato, um debate públicoconsistente sobre a melhoria da qualidade do en-sino oferecido pela escola pública brasileira. Osnossos políticos primaram pela construção de es-colas para toda a população, sem que fosse dadaa ênfase necessária na questão da qualidade doensino a ser oferecido por essas escolas. (OLIVEI-RA; ARAUJO, 2005, p. 9).

Azevedo (2011) também ajuda nessa reflexão, trazendo contribuiçõespautadas no pensamento marxista. Por essa via, toma a qualidadee a quantidade como elementos inerentes aos seres e fenômenos,pontuando que se apresentam de modo indissociável. Nessaperspectiva, a passagem da quantidade para uma nova qualidadeé uma das leis primordiais para apreensão da realidade em umaperspectiva dialética.

A esse respeito, Gramsci (1991) traz importante contribuição:

Dado que não pode existir quantidade sem qua-lidade e qualidade sem quantidade […], todacontraposição dos dois termos é, racionalmente,um contra-senso. E, de fato, quando se contra-põe a qualidade à quantidade [...] contrapõe-se,na realidade, uma certa qualidade a outra quali-dade, uma certa quantidade a outra quantidade,isto é faz-se uma determinada política e não umaafirmação filosófica. Se o nexo quantidade-quali-dade é inseparável, coloca-se a questão: onde émais útil aplicar a própria força de vontade, emdesenvolver a quantidade ou a qualidade? Qualdos dois aspectos é mais controlável? Qual é maisfacilmente mensurável? Sobre qual dos dois épossível fazer previsões, construir planos de tra-balho? A resposta parece indubitável: sobre o as-

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pecto quantitativo. Afirmar, portanto, que se quertrabalhar sobre a quantidade, que se quer desen-volver o aspecto ‘corpóreo’ do real, não significaque se pretende esquecer ‘a qualidade’, mas, aocontrário, que se deseja colocar o problema qua-litativo da maneira mais concreta e realista […].(GRAMSCI, 1991, p. 50).

Como se observa, Gramsci (1991) traz questionamentos importantes,quando tenta dissociar a relação quantidade-qualidade, o que acabapor desvelar opções que se fazem no contorno da educação.

5 OS DESAFIOS E PERSPECTIVAS DA QUALIDADE SOCIALDA EDUCAÇÃO

Consoante o destacado até aqui, a polissemia, característica doconceito de qualidade, tem relação com a dinamicidade em que vaise construindo historicamente. Por se entender a educação comouma prática social, parte-se da premissa de que a escola, em suamediação, compromete-se com o ser humano na sua formaçãointegral, a partir da dimensão individual e social:

A dimensão individual refere-se à própria forma-ção da personalidade do educando pela apro-priação da cultura, de modo a propiciar-lhe arealização do seu bem-estar pelo usufruto dosbens sociais e culturais que são proporcionadosaos cidadãos de uma sociedade democrática. Adimensão social, por sua vez, deriva da condiçãode pluralidade do homem como ser histórico. […]se educa para que o indivíduo possa contribuirpara o bem viver de todos. (PARO, 2007, p. 110).

Por outro lado, a universalização do acesso à etapa obrigatória deescolarização não garantiu a apropriação do mínimo indispensávelpara se viver em sociedade, gerando reprovação, fracasso escolare evasão. Ações paliativas são criadas para sanar esses problemas,mas acabam por não surtir efeitos e camuflam o problema central,a desigualdade socioeconômica. Por isso, o desafio histórico posto

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à educação é que, além de sua garantia como direito (acesso epermanência), deve ser uma experiência voltada ao social “[…]uma experiência enriquecedora do ponto de vista humano, políticoe social, e que consubstancie, de fato, um projeto de emancipaçãoe inserção social.” (OLIVEIRA; ARAUJO, 2009, p. 17). O direito àeducação precisa ter como base um ensino básico de qualidade paratodos, até porque a qualidade “Não é optativa no serviço público. Éuma obrigação.” (FREITAS; SORDI; MALAVASI; FREITAS, 2009, p.79, grifo dos autores).

Na esteira dessa reflexão, Freitas, Sordi, Malavasi e Freitas afirmamque a qualidade não se pode apresentar apenas como o domínio dePortuguês e Matemática, como vem ocorrendo com as avaliaçõesem larga escala, precisa “[…] incluir os processos que conduzem àemancipação humana e ao desenvolvimento de uma sociedade maisjusta. Nesse sentido, a qualidade depende, também, da qualidadesocial que se consegue criar no entorno da escola.” (2009, p. 79).

Segundo Freitas, as mudanças não poderão vir exportadas dealgum lugar, é preciso motivar que cada escola “[…] construa o seucaminho de melhoria.” (2005, p. 928, grifo do autor). A escola deveeleger ações de melhoria da qualidade que julgar importantes, emface do momento e contexto em que está inserida. Para Freitas,Sordi, Malavasi e Freitas (2009, p. 78), “A qualidade é entendidacomo o melhor que uma comunidade escolar pode conseguir frenteàs condições que possuem […]”. Por isso, cada escola deve serreflexiva, deve identificar seus problemas e problematizá-los. “[...]não é apenas o professor que deve ser reflexivo – é a escola queprecisa ser reflexiva.” (FREITAS, 2005, p. 929). Nessa direção, oprojeto político pedagógico precisa ser promovido, organizado,desenvolvido e avaliado no coletivo da comunidade escolar a partirde um processo reflexivo, conducente a um pacto de melhoria da

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qualidade. Esse pacto é chamado, por Freitas (2005), de qualidade-negociada como proposta alternativa de contrarregulação que:

[…] cria compromissos ancorados na comunida-de mais avançada da escola (interna e externa),com vistas a que o serviço público se articule comseus usuários para, quando necessário, resistir àregulação (contrarregulação) e, quando possível,avançar tanto na sua organização como na pres-tação de serviços da melhor qualidade possível(justamente para os que têm mais necessidades),tendo como norte a convocação de todos parao processo de transformação social. (FREITAS,2005, p. 912).

Trata-se de um caminho que busca reafirmar a confiança no professore na escola, nas mudanças, que partem desse espaço e seus atoressociais, ainda que não exclusivamente, pois é preciso propor acordosque envolvam e comprometam os governos locais.

Além disso, fatores internos e externos devem ser levados emconsideração quando o tema é a qualidade social da educação.Silva (2009), ao referendar os indicadores que compõem osfatores externos, cita os fatores socioeconômicos, socioculturais,financiamento público adequado, compromisso dos gestores centrais.Ela ressalta os internos, como: a organização do trabalho na escola, ainterlocução com as famílias e a comunidade, um ambiente saudávelde diálogo, inclusão e respeito às diferenças e um trabalho voltadoàs práticas coletivas de funcionamento de colegiados e conselhosescolares.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando-se a discussão empreendida neste artigo, não sepretende chegar à formulação de um conceito de qualidade social daeducação, mas seguir com o debate, provocar reflexões sobre essatemática candente no cenário educacional. São reflexões que ajudam

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a perceber que posições conservadoras, emergentes das políticaseducacionais pensadas neste país, apresentam-se insuficientes e, nolimite, impróprias para um projeto de escola com qualidade social.

Retomando a citação de Gramsci (1991), na separação entrequalidade e quantidade, percebe-se que essa foi uma opção políticapara manutenção do controle hegemônico das forças centrais. Docontrário, não seria possível controlar a força propulsora que emanada base, força essa que, de repente, não aceita a desigualdadeexistente no país. Afinal, o nível socioeconômico do aluno é umfator de impacto nos resultados escolares. Trata-se de um pontocrucial para entender aprendizagem e está diretamente implicadona organização escolar. “Diminuir as diferenças entre a condiçãosocioeconômica e cultural dos alunos de um sistema de ensino pormeio de políticas sociais terá impacto nos resultados cognitivos dosalunos.” (SOARES; ALVES, 2003, p. 155).

Em vista do exposto, entende-se que é fator crucial a implementaçãode políticas educacionais inclusivas. O desafio será estender esse olhara ações sociais capazes de repercutir nas condições socioeconômicasdos que são atendidos pela escola pública da educação básica.

Enfim, a escola de qualidade social é aquela que, no âmago de suasfunções, como instituição de ensino, busca atender às expectativas devida das famílias e estudantes, profissionais que a compõem, olhandopara o mundo em que vivem. Busca, portanto, transformar todos osmomentos e espaços em lugares de aprendizagem significativa e devivências humanas efetivamente democráticas.

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Recebido: 29/04/2015Aprovado: 03/06/2015

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PONTO DE VISTAPUNTO DE VISTA

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Liliane da Conceição Rosa da Silva*

RESUMO

Este artigo discute a relação entre o Estado Democrático deDireito e o fenômeno da participação política. Busca-se tecer umolhar sobre o lugar desta participação nesse tipo de Estado, cujosfundamentos assentam-se formalmente sobre as concepçõesde soberania popular e garantia de direitos. Para tanto, serãoapresentadas algumas leituras sobre o conceito de democracia esobre as justificativas discursivas que esta oferece para a extensãoda influência da sociedade civil nas tomadas de decisão políticaque o Estado assume, levando-se em consideração a busca peloreconhecimento de direitos.

Palavras-chave: Estado Democrático de Direito. Democracia.Participação política.

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DERECHO: posibilidades departicipación y reconocimiento

RESUMEN

En este artículo se analiza la relación entre el Estado Democráticode Derecho y el fenómeno de la participación política. Se busca tejerunamirada sobre el lugar de esta participación en ese tipo de Estado,cuyos fundamentos se basan formalmente en las concepciones dela soberanía popular y garantía de los derechos. Para eso, seránpresentadas algunas lecturas sobre el concepto de democracia ysobre las justificaciones discursivas que ofrece para la expansión

* Graduada em Ciências Sociais. Especialista em Gestão Pública pela Universidade doEstado de Minas Gerais.

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de la influencia de la sociedad civil en la toma de decisionespolíticas que el Estado asume, teniendo en cuenta la búsqueda delreconocimiento de los derechos.

Palabras clave: Estado Democrático de Derecho. Democracia.Participación Política.

DEMOCRATIC STATE OF LAW: participation andacknowledgment possibilities

ABSTRACT

This paper discusses the relation between the Democratic State ofLaw and political participation. It seeks to have a view of participationin this kind of State in which the foundations are formally based onconcepts of popular sovereignty and on the guarantee of rights. Itwill present some reading on the democracy concept and on thediscourse explanation that it gives about extending the influence ofcivil society on the State political decision making considering thesearch for acknowledgment of rights.

Keywords: Democratic State of Law. Democracy. Politicalparticipation.

1 CONSIDERAÇÕES

A finalidade do presente texto consiste em discutir as complexas eintricadas teias de relações e significados verificáveis no âmbito doEstado Democrático de Direito, tendo em vista a conexão que esteestabelece com as temáticas da participação política e da busca pelaefetivação de direitos. Para tanto, será realizada uma breve leiturasobre os contextos que originaram o Estado Democrático de Direito,sobre as concepções essenciais atreladas ao conceito de democraciae, por fim, sobre as aplicações e implicações derivadas da ideia dedemocracia no bojo do Estado em questão.

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2 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Segundo Dahl (2001), o termo Estado designa uma entidadeterritorial historicamente distinta das demais associações humanaspela intensidade com a qual pode garantir, mediante seus meiosespecíficos e particulares de coerção, que as regras que lhe sãopróprias sejam cumpridas por aqueles que se encontram sob suajurisdição. Contudo, esta é uma explicação generalista que, por suaamplitude, pode ser aplicada a diversas experiências históricas esociais de Estado.

Sobre o Estado Democrático de Direito, em específico, Anjos Filhoe Rodrigues (2006) o descrevem como o resultado de progressivosdesdobramentos do Estado de Direito, substancialmente formal eliberal. Consolidado a partir do século XVIII, o desenvolvimentodo Estado de Direito dá-se em paralelo ao desenvolvimento domoderno capitalismo ocidental e sustenta a formalização doprincípio de igualdade dos cidadãos perante a lei em substituição aosestatutos de segregação amparados, formalmente, em privilégioscoorporativos ou hereditários. Somadas à perspectiva da igualdade,o Estado de Direito também é caracterizado pelas ideias de:ancoragem constitucional, soberania do estado-nação; separaçãodos poderes políticos; primazia da lei e do Direito; distinção entrepúblico e privado; reconhecimento e salvaguarda dos direitosindividuais, civis e políticos; afirmação da propriedade privada e,por fim, abertura para a livre iniciativa econômica. Importa dizerque, naquele momento, todas essas reformas respondiam aosanseios da rica burguesia em ascensão, dada a possibilidade deampliar-lhe o escopo de influência no campo das decisões políticase, também, de criar um cenário propício para a sua expansãoeconômica. Entretanto, apesar da possibilidade de rompimentocom uma velha ordem essencialmente hierarquizada e desigual,as contradições afloradas pela experimentação de um liberalismo

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pleno redundaram em contestações a esse novo Estado de Direito,dada, principalmente, a sua incapacidade de também responderaos anseios por igualdade e justiça manifestos por outros grupossociais. Na raiz desse questionamento, encontram-se os entravesde uma cobertura jurídica radicalmente individual que, por sua vez,se associava às consequências de uma autorregulação do mercado,incapaz, por si própria, de promover direitos para os economicamentedesprivilegiados.

O Estado de Direito foi incapaz de impedir a ocor-rência de duas grandes guerras mundiais, de evi-tar a formação de ordens ditatoriais, de evitar oflagelo da miséria, [...] a desigualdade material, ainjustiça nas relações privadas e públicas. (ANJOSFILHO; RODRIGUES, 2006, p. 3).

Deste modo, conforme apontam Anjos Filho e Rodrigues (2006), danecessidade de atuar em face das limitações do Estado de Direitoliberal, emergem, no século XX, experiências de um Estado de Direitosocial, interventor nos domínios da produção e distribuição de bense riquezas e protagonista no desenvolvimento de políticas públicasorientadas para a promoção de direitos individuais e também sociais.Segundo Marilena Chauí (2009), o surgimento dessa concepção deEstado é viabilizado, pois:

[...] as lutas dos trabalhadores no correr dos sé-culos XIX e XX ampliaram a concepção dos direi-tos que o liberalismo definia como civis ou políti-cos, introduzindo a ideia de direitos econômicos esociais. (CHAUI, 2005 apud GONTIJO; CAMPOS,2009, p. 49).

Contudo, apesar de, inicialmente, responder a alguns dos anseiossociais que lhe pautaram o surgimento, o Estado de Direito socialse viu, no decorrer de seu desenvolvimento, imerso em processosde tomada de decisão precariamente legitimados. Colabora para aconstrução deste cenário, a progressiva associação entre o Estado

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e os interesses hegemônicos vinculados ao neocapitalismo, que,por essência, mostra-se oposto à ideia de um Estado que regule asrelações econômicas com vistas à promoção do bem-estar social.

A pressão por suprir esta “carência democrática de legitimação”(ANJOS FILHO; RODRIGUES, 2006, p. 4), - visível quando aquelesque cooperam para a tomada de decisões democráticas são distintosdaqueles que serão afetados por tais decisões – constitui uma dasmolas mestras para o Estado Democrático de Direito, cujos pilarespolíticos se assentam sobre a ideia de democracia e os pilareseconômicos sustentam a perspectiva do direito ao mínimo essencial,ou seja, a garantia de que os sujeitos terão acesso às condiçõesmateriais caras ao seu desenvolvimento como pessoa humana.

3 DEMOCRACIA

De acordo com Finley (1988), o uso original da palavra democraciadestinava-se à conceituação de um tipo de Estado assentado sobre aideia de soberania popular, no qual o governo era gestado diretamentepelo corpo dos cidadãos. De acordo com o autor, a experiência gregada cidade-estado de Atenas, entre os séculos V e IV a.C, apresenta-se como o principal e mais exitoso exemplo deste tipo de governo,cujas características conformam àquilo que, hoje, é conhecido comodemocracia direta, dada a possibilidade de todos aqueles que eramconsiderados cidadãos (homens e livres) terem acesso aos canais detomada de decisão política. Na experiência ateniense, a menos quetivesse sido punido, qualquer cidadão, fosse ele camponês, fosseartesão ou intelectual, poderia adentrar as assembleias e exercero direito de apresentar, discutir e votar em questões concernentesà vida pública. Por sua centralidade na constituição dos sujeitos, ointeresse pelo público era parte do cotidiano, e, assim, exercitadodesde a infância, em qualquer espaço, formal ou informal, onde

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os cidadãos se encontrassem. Conforme Dupas (2003) citado porGontijo e Campos (2009):

para os gregos, uma vida na privacidade – semparticipação na esfera pública – constituía a pri-vação das faculdades humanas mais valiosas.(DUPAS, 2003 apud GONTIJO; CAMPOS, 2009,p. 47).

Se, em princípio, a empregabilidade do termo democracia associava-se à literalidade descritiva de uma experiência de “governo do povo”,em tempos contemporâneos, Dahl descreve os sentidos atribuídos aesse termo como “pasmosamente diferentes” (DAHL , 2001, p. 48),o que, na visão de Finley (1988), remete ao esvaziamento da palavra,dada a sua incapacidade de, hoje, distinguir uma forma específicade governo, haja vista os inúmeros e distintos formatos assumidospor diferentes Estados que se caracterizam como democráticos.Em comum entre estes Estados está o aporte num tipo específicode experiência: a moderna democracia representativa, ancorada,essencialmente, na institucionalização de processos eleitorais paraa escolha de representantes políticos. Em face da complexidadenumérica das modernas sociedades ocidentais, a representação éjustificada como possibilidade de assegurar, aos cidadãos, algumgrau de influência nas tomadas de decisões políticas.

Considerar a tipificação representativa implica, por si, reconhecera existência de diferenças marcantes quanto à empregabilidadeoriginal do termo democracia e a empregabilidade observada a partirdo século XVIII. Verifica-se que o termo democracia, utilizado nadefinição do Estado Democrático de Direito, distingue-se do usooriginal da palavra principalmente pelo modo com o qual a ideia desoberania popular é majoritariamente aplicada. Nesse sentido, leva-se em consideração a mudança de uma perspectiva direta para umaperspectiva indireta de participação dos cidadãos nas tomadas dedecisão política.

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É demasiado extenso o debate sobre quão válida e explicativa podeser a associação entre o termo democracia e os tipos de governosrepresentativos predominantes a partir do século XVIII. De acordocom Finley (1988), restringir a democracia apenas ao procedimentoeleitoral, ainda que a importância deste seja reconhecida, implicadesprezar-lhe a potencialidade de criar, nos cidadãos, o gosto peloentendimento e participação nos assuntos da vida pública. Para oautor, a ênfase nos processos eleitorais alimenta o estado de apatiase indiferença política na qual a maioria dos cidadãos, hoje, se vêimersa, posto a contínua exclusão que estes vivenciam em relaçãoaos processos reais de tomada de decisão política.

Ao discorrer sobre os paradoxos da política, Chauí (2000) questionao porquê de as pessoas, atualmente, considerarem a política comoalgo essencialmente negativo e distante de suas realidades. Pararesponder a essa questão, a autora remete a um dos significadoscomumente expresso pelos cidadãos comuns sobre o que sejaa política, a saber: a atividade de especialistas e profissionais,pertencente aos partidos políticos, que disputam pelo direito degovernar. Nesse sentido, a autora considera que, mesmo inscritosem um Estado que define seu modelo de governo como um “governodo povo”, para a maioria dos indivíduos:

[...] a política aparece como algo distante da so-ciedade, uma vez que é atividade de especialis-tas e profissionais que se ocupam exclusivamen-te com o Estado e o poder. A política é feita por“eles” e não por “nós”, ainda que “eles” se apre-sentem como representantes “nossos”. (CHAUI,2000, p. 476).

Diante disso, pergunta-se, o Estado Democrático de Direito, no qualtodo esse contexto apresentado por Finley e Chauí se desenvolve,é de fato democrático ou apenas se apresenta como tal? Temsido verdadeiramente orientado pela ideia de soberania popular,

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ao criar uma elite restrita de tomadores de decisão? Ao restringiras tomadas de decisões políticas a espaços especializados, educapara o entendimento dos assuntos públicos aqueles que estão sobsua jurisdição? Responder a essas perguntas é um exercício queimplica tecer considerações sobre o conceito de participação política,considerando-se que esta, a despeito da intensidade e dos modoscom que opera e é legitimado, refere-se a uma das dimensõeselementares de qualquer ordem que se considera democrática.

4 PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Refletir sobre a temática da participação política é um esforço queprecisa, de antemão, reconhecer a importância da relação entre esferapública e esfera privada; levando-se em consideração as feições queesta relação assume em face do lugar e da importância social quesão conferidos a cada uma das esferas. Tal importância encontra-se no fato de a participação política dizer de um tipo específico deação, forjado quando os indivíduos decidem se ocupar de assuntosde interesse público, ou seja, assuntos que não são apenas seus,que não estão restritos à esfera privada de suas vidas.

O cenário de apatia social a que Finley (1988) se refere é apresentadopor Gontijo e Campos (2009) como uma das características doprocesso de redução da esfera pública – espaço do encontro paravocalização e discussão dos interesses comuns aos integrantes deuma sociedade – e alargamento da esfera privada – espaço daintimidade. Apoiados pelo trabalho de Habermas (1984), os autoresargumentam que, em tempos de modernidade e pós-modernidade,os indivíduos vivenciam a liberdade como um direito restrito à esferaprivada e, imbuído por essa concepção, distanciam-se gradualmentede qualquer sentimento de obrigação política para com o corposocial. Importa ressaltar que o processo em curso não redefineapenas o tamanho de cada esfera, mas também os conteúdos que

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as compõe, principalmente, na medida em que interesses privadossão transferidos à esfera pública, em um movimento de torná-los, oufazê-los parecer, comuns a toda sociedade, ainda que sejam restritosa grupos particulares.

Sobre essa redução da importância conferida pelos indivíduos àesfera pública, importa apresentar argumentos que advogam poruma prática democrática capaz de proporcionar a criação de canaiscomplementares às eleições. Ao dizer sobre a impossibilidade denegar a intensidade da apatia pública e da ignorância política de parteconsiderável dos cidadãos, Finley (1988) indaga se essa condição énecessária e desejável ou se novas formas de participação popular,para além do voto, precisam ser criadas. No bojo dessa discussão,Chauí assinala que:

[...] a ênfase recai sobre a ideia e a prática daparticipação, ora entendida como intervenção di-reta nas ações políticas, ora como interlocuçãosocial que determina, orienta e controla a açãodos representantes. (CHAUI, 2005 apud GONTI-JO; CAMPOS, 2009, p. 49).

Segundo Avelar, a palavra participação, de origem latina, expressa osseguintes significados: “tomar parte em”, “compartilhar”, “associar-se pelo sentimento ou pensamento” (2004, p. 225). No campopolítico, sugere uma ação levada a cabo por aqueles que, individualou coletivamente, objetivam a manutenção ou a transformação dasestruturas sobre as quais se assentam um sistema de interesseshegemônicos. De acordo com a autora, esta participação - queanalisada de perto aponta dimensões psicanalíticas, jurídicas,sociológicas e morais – se desenvolve a partir de três grandes canais:eleitoral, coorporativo e organizacional.

O canal eleitoral compreende as ações no âmbito dos partidospolíticos e o direito de votar e ser votado. Os canais coorporativosreferem-se às possibilidades de representação de interesses privados

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junto ao Estado, tais como a realizada pelos sindicatos e os lobbiesprofissionais e empresariais, categorias reconhecidas e aprovadaspelo Estado. (AVELAR, 2004, p. 226). Trata-se, segundo Avelar, deuma forma de participação positiva para a elite, por partir de gruposque, no geral, não se orientam pelo desejo de transformação dasestruturas dominantes.

Por fim, os canais organizacionais remontam às ações e movimentosorganizados fora do espaço institucionalizado da política,empreendidos e articulados em prol da vocalização de demandaseconômicas e sociais, em suamaioria, históricas. Exemplo disso são osmovimentos de mulheres, negros, LGBTT, étnicos e de trabalhadores,cada qual balizado por um déficit específico de reconhecimento. Nogeral, os membros desses movimentos se reúnem por compartilharuma identidade comum e o profundo desejo de mudanças estruturaisque permitam à sociedade superar uma condição de desigualdade einjustiça.

As considerações de Avelar (2004) apontam que, para além dosprocedimentos eleitorais, há formas distintas pelas quais as pessoaspodem exercer a participação política, seja por vias reguladaspelo Estado, seja por mecanismos independentes de associação emobilização social. Retoma-se, então, a relação entre esfera públicae privada, levando-se em consideração a sua centralidade no escopode uma pergunta clássica, que a autora elabora da seguinte maneira:por que alguns indivíduos rompem com a apatia, o desinteressepolítico e o isolamento da vida privada e se envolvem nas atividadesda política? (AVELAR, 2004, p. 229). Diante da impossibilidade deuma resposta unilateral a este questionamento, Avelar discorresobre quatro possíveis modelos de interpretação e compreensão doproblema; cada qual norteado por uma das seguintes perspectivas:a) centralidade; b) consciência de classe; c) utilitarista e, por fim, d)identidade.

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Para a corrente que defende o modelo da centralidade, a participaçãopolítica seria uma atividade exercida por aqueles indivíduos que,no escopo da estrutura social, ocupam posições centrais, tanto noplano material (recursos financeiros), quanto no plano simbólico(prestígio). Indivíduos que, por suas vantagens sociais e psicológicas,possuem um capital de autoconfiança capaz de fazê-los acreditarna possibilidade de alterarem os rumos de situações que lhes sãodesfavoráveis.

O modelo da consciência de classe é defendido por aqueles quesustentam a educação política como principal meio de superaçãodo baixo status social de um grupo. A participação política, nessecaso, é compreendida como meio a partir do qual os sujeitos tomamconsciência das situações de desigualdade em que se encontramimersos. Entende-se que, neste processo, na medida em queaumenta a tomada de consciência, aumenta, também, a intensidadeda participação política, constituindo, assim, uma relação em que osfatores se retroalimentam.

Aqueles que defendem a perspectiva utilitarista associam o ato departicipar politicamente ao resultado de um cálculo racional no qualsão pesados os custos e os benefícios da participação. Assim, ossujeitos decidem participar quando os benefícios gerados por essemovimento se mostram maiores do que os custos. Sobre essemodelo em específico, Avelar (2004) reproduz uma crítica veemente,apresentada por Phillips (1995), segundo a qual, “reduzir a vidahumana a uma luta racional por ganhos, reduz a comunidadehumana a uma aliança instável, arbitrária e instrumental”.

Oposta à matriz utilitarista, a matriz identitária, explicitamentedefendida por Avelar, compreende a participação política como umadecisão orientada essencialmente por princípios identitários. Deacordo com a autora, os laços identitários, forjados na experiência

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da participação, cooperam para a criação de redes de solidariedadee reconhecimento que conferem a seus membros uma identidadepessoal e coletiva. Sob esse enfoque, a participação política é vistacomo uma das dimensões da luta por reconhecimento, entendidacomo um conceito expandido de justiça e base da existência humana.De acordo com Avelar:

Os sujeitos de direito se respeitam mutuamen-te porque eles sabem que as normas sociais sãodistribuídas igualmente na comunidade, não seadmitindo exceções e privilégios, independente-mente das diferenças sociais e econômicas. [...]Daí que a privação de direitos no plano jurídicosignifica reconhecimento negado, o que é motivodo sentimento de vergonha social. [...] A possibi-lidade de suprir essa vergonha virá pelo protestoativo, no curso da participação, que lhe dá a opor-tunidade de reconstruir sua autoestima, na ex-periência do reconhecimento mútuo, na luta porobjetivos e horizontes comuns de valores. [...] Aparticipação política abrange, então, dimensõespsicanalíticas, jurídicas, sociológicas, além da di-mensão propriamente moral da luta por direitos.(AVELAR, 2004, p. 231).

Compreendida como busca por reconhecimento, a participaçãopolítica assume ares de luta ao acender disputas no interior do Estado,único ente legítimo para regular, legalmente, a sociedade sobre a qualexerce jurisdição. Geralmente, a vocalização de demandas históricaspor reconhecimento coloca em xeque os valores hegemônicos sobreos quais se assentam uma série de desigualdades e injustiças. Nessesentido, podem ser elencados movimentos produzidos em torno dasquestões das mulheres, dos negros, dos sem-teto, dos sem-terra,dos gays, dos trabalhadores, cada qual com demandas específicaspor igualdade, que, para serem atingidas, obrigarão o Estado apromover mudanças estruturais no campo das relações de gênero,fundiárias e raciais. Mudanças estas que, de modo algum, seriam

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operadas pela boa vontade da elite, a qual, via eleições, se perpetuanas instâncias executivas, legislativas e judiciárias de poder.

5 RECONHECIMENTO E PARTICIPAÇÃO: demandas de umestado democrático de direito

Com vistas a uma conclusão, retoma-se aqui uma das questõescentrais para esse artigo: como a dimensão da democracia pode serpensada no âmbito do Estado Democrático de Direito? O movimentoensejado pela busca por reconhecimento, levado a cabo por grupossociais, apresenta-se, nesse momento, como um bom norteadorpara esta reflexão.

Conforme Avelar (2004), as lutas sociais canalizadas em torno dedemandas por reconhecimento podem ser consideradas como umdos principais motores para a manifestação de discursos em prolda ampliação dos canais institucionalizados de participação política.Tais lutas podem ser consideradas, também, como uma chave para acompreensão dos contornos e feições que, em essência, um EstadoDemocrático de Direito se permite assumir. Anjos Filho e Rodrigues(2006), ao discutirem sobre este tipo de Estado formalmenteinstituído no Brasil a partir da Constituição de 1988, afirmam que onovo conteúdo constitucional reage, no plano formal e discursivo, aum histórico estatal elitista e autoritário. Nesse sentido, os autoresinformam sobre a importância de levar em consideração o fatode não tratar apenas de um Estado Democrático com a previsãode procedimentos meramente formais de democracia, trata-se,também, de um Estado de Direito, cuja premissa é a igualdadeentre todos os cidadãos. Ou seja, um Estado em que democraciae igualdade se constituem como princípios fundantes que, parase efetivarem plenamente, tornam-se mutuamente dependentes.Assim, nas palavras dos autores:

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O desejo constituinte não foi o de instituir ape-nas um Estado Democrático, mas sim um EstadoDemocrático de Direito. A previsão meramenteformal de instrumentos democráticos não esgotao conteúdo dessa última expressão, que é maisabrangente. É preciso a concretização da demo-cracia, mudando-se o status quo para propiciara promoção da igualdade material, vivenciando-se, a cada dia, processos de participação popularefetiva. (ANJOS FILHO; RODRIGUES, 2006, p. 3).

Compreendido dessa forma, o Estado Democrático de Direito deixade responder como um fim em si mesmo e passa a operar comomeio a partir do qual a sociedade, com suas vozes diversas, vêgarantida a possibilidade de vocalização e mobilização em tornode questões e debates políticos, também diversos1. Refere-se aum Estado em permanente processo de construção, marcado pelapossibilidade de embates, avanços, retrocessos e, ao cabo, novosembates. Movimento legalmente aceito, pois, ainda que não tenhaassumido a democracia em seu total e pleno sentido, o EstadoDemocrático de Direito possui a inegável vantagem da abertura quea essência democrática lhe empresta. (ANJOS FILHO; RODRIGUES,2006, p. 6.).

No bojo dessa abertura, visualiza-se a integração do Brasil a umcontexto nacional e internacional, no qual as organizações dasociedade civil assumem cada vez mais relevância nos processos degovernança. Esta última, compreendida como:

padrões de articulação e cooperação entre atoressociais e políticos e arranjos institucionais que co-ordenam e regulam transações dentro e atravésdas fronteiras do sistema econômico, incluindo-se aí não apenas os mecanismos tradicionais de

1 No caso, até mesmo a possibilidade de denunciar a repressão ao princípio da livremanifestação e organização. Para melhor compreender essa discussão, ler: BRUHL,Katrin; KOROL, Cláudia. (Org.). Criminalização dos Protestos e Movimentos Sociais.São Paulo, 2008.

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agregação e articulação de interesses, tais comoos partidos, a governança opera num plano maisamplo, englobando a sociedade como um todo.(GONÇALVES, 2009, p. 3).

De acordo com Gonçalves (2009), a globalização, em suas dimensõeseconômicas, sociais, culturais e políticas, produziu transformaçõeslimítrofes nas relações estabelecidas entre a sociedade e oEstado, afetando, principalmente, o entendimento sobre o papelexercido pelo último. Verifica-se, atualmente, que o processo deplanejamento, formulação e implementação de políticas no âmbitoestatal e supraestatal tem sido progressivamente influenciado pelasgrandes corporações empresariais e, também, pelas diversas redesdo ativismo global2. Muitas dessas redes são tecidas e ancoradas navocalização de demandas sociais por reconhecimento. Trata-se, emsuma, da abertura de canais para o exercício de uma influência políticae técnica nos processos de administração dos recursos materiaise sociais que um governo gerencia, levando em consideração astomadas de decisão referente à negação ou afirmação de direitos.

6 NOTAS FINAIS

Ainda que, na contemporaneidade, uma parcela majoritária doscidadãos esteja localizada ou se localize à margem dos canais eprocessos de participação e decisão política, percebe-se que, nobojo do Estado Democrático de Direito, o alargamento da esferaprivada convive, paralelamente, com a expressiva, em termoshistóricos, vocalização de demandas por reconhecimento no campodos direitos e a também expressiva organização de movimentos eentidades que, oriundos da sociedade civil, se propõem a intervir emquestões de ordem pública. Nesse sentido, mesmo diante de um alto

2 De modo breve, as redes do ativismo global referem-se aos inúmeros movimentosque atuam em prol da defesa dos direitos humanos e da reparação de injustiçaseconômicas, sociais e ecológicas.

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grau de apatia popular, verifica-se que as parcelas organizadas dasociedade, ainda que em minoria, têm, cada vez mais, exercido umtipo de pressão capaz de incluir, na agenda política, o debate sobrea necessidade de formulação de políticas que atendam a demandashistóricas. Assim sendo, pode-se ler o Estado Democrático de Direitocomo um mecanismo pelo qual, não sem conflitos, retrocessos eavanços, a luta pela ampliação das arenas e dos atores envoltos nastomadas de decisão política é processualmente legitimada e capazde produzir resultados.

REFERÊNCIAS

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AVELAR, LÚCIA. Participação Política. In: AVELAR, Lúcia; CINTRA,Antônio Octávio (Orgs.). Sistema Político Brasileiro: umaintrodução. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer; São Paulo:Ed UNESP, 2004. p. 225, 226.

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed Ática, 2000.Disponível em: http://www.filosofia.seed.pr.gov.br/arquivos/File/classicos_da_filosofia/convite.pdf . Acesso em: 12 ago. 2014.

DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Tradução Beatriz Sidou.Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2001. p. 48.

FINLEY, M. I. Democracia antiga e moderna. Tradução WaldéaBarcellos, Sandra Bedram. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

GONÇALVES, Alcindo. O conceito de governança. Anais do XVIIIConselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito.Manaus: CONPEDI, 2009. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/Anais/Alcindo%20Goncalves.pdf. Acesso em:08 ago. 2014.

GONTIJO, Cynthia Rúbia Braga; CAMPOS, Rogério Cunha. A vidapública em debate: aspectos para discussão sobre a potencialidadedemocrática de “canais” participativos. Perspectivas em

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Políticas Públicas, Belo Horizonte, v. 2, n. 4, jul./dez. 2010.Disponível em: http://revistappp.uemg.br/pdf/artigo2ppp4.pdf.Acesso em: 08 ago. 2014.

Recebido: 10/04/2015Aprovado: 20/05/2015

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