vogue e vogue brasil - a cultura e seus significantes visuais

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE – UNI-BH ERIKA CAROLINE DE ARAÚJO VOGUE E VOGUE BRASIL: A cultura e seus significantes visuais Belo Horizonte 2009

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Esta monografia pretendeu estudar a interlocução entre os significados e significantespresentes nas imagens e a cultura. São, então, abordados os conceitos de cultura, ascontiguidades da cultura, como a globalização e a indústria cultural. É tambémabordada a imagem em sua relação com a cultura e a moda, atuante também comoimagem.Para esta pesquisa foram analisadas as fotografias das capas da Vogue e VogueBrasil, revistas referência em moda, atualmente publicadas em mais de setenta países.Estas revistas foram escolhidas por serem obrigadas a dialogar com a culturaespecífica de cada local de publicação, uma vez que a produção de cada edição édiferente para cada país.Para a realização do trabalho foram feitas pesquisas em livros, sites e revistas,complementadas pelo estudo de caso Vogue e Vogue Brasil.Ao longo do trabalho, buscou-se a permeação dos significados das culturas locais noselementos visuais das fotografias estudadas, permitindo afirmar que os produtores dasimagens as criaram sob influência das culturas em que estavam inseridos ou da culturade seu público alvo.

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Page 1: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE – UNI-BH

ERIKA CAROLINE DE ARAÚJO

VOGUE E VOGUE BRASIL:

A cultura e seus significantes visuais

Belo Horizonte

2009

Page 2: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

ERIKA CAROLINE DE ARAÚJO

VOGUE E VOGUE BRASIL:

A cultura e seus significantes visuais

Monografia apresentada ao Centro Universitário de Belo Horizonte – Uni-Bh como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Produção Editorial. Orientadora: Professora Glória Reis

Belo Horizonte

2009

Page 3: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

ATA DE APROVAÇÃO

Page 4: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

Dedico este trabalho a todos aqueles que de alguma forma colaboraram com a sua conclusão. Em especial, a meus pais, sem eles eu não teria ido tão longe. A toda minha família. A minha orientadora Glória Reis que guiou os meus passos, a professora Luciene dos Santos, que tanto instigou em mim o prazer e a necessidade pela busca ao conhecimento. Aos colegas e amigos que partilharam de sua vivência e participaram da minha.

Page 5: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

Agradeço a todos aqueles que sempre me incentivaram a buscar o conhecimento e todos aqueles que isso fizeram sem que sequer soubessem.

Page 6: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

“Aquele que realiza Estudos Culturais fala a partir de interseções.” García Canclini

Page 7: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

RESUMO

Esta monografia pretendeu estudar a interlocução entre os significados e significantes

presentes nas imagens e a cultura. São, então, abordados os conceitos de cultura, as

contiguidades da cultura, como a globalização e a indústria cultural. É também

abordada a imagem em sua relação com a cultura e a moda, atuante também como

imagem.

Para esta pesquisa foram analisadas as fotografias das capas da Vogue e Vogue

Brasil, revistas referência em moda, atualmente publicadas em mais de setenta países.

Estas revistas foram escolhidas por serem obrigadas a dialogar com a cultura

específica de cada local de publicação, uma vez que a produção de cada edição é

diferente para cada país.

Para a realização do trabalho foram feitas pesquisas em livros, sites e revistas,

complementadas pelo estudo de caso Vogue e Vogue Brasil.

Ao longo do trabalho, buscou-se a permeação dos significados das culturas locais nos

elementos visuais das fotografias estudadas, permitindo afirmar que os produtores das

imagens as criaram sob influência das culturas em que estavam inseridos ou da cultura

de seu público alvo.

Palavras-chave: cultura, fotografia, moda, imagem, signos, Vogue

Page 8: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

ABSTRACT

Resumo do texto em inglês

Key-words: culture, photography, fashion, image, Vogue

Page 9: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Capa da revista Vogue da edição Brasil, de março de 2009 ....................... 30

Figura 2 – Sentido de leitura: Vogue Brasil ................................................................... 32

Figura 3 – Capa da revista Vogue da edição EUA, de março de 2009 ......................... 36

Figura 4 – Sentido de leitura: Vogue EUA ..................................................................... 38

Page 10: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Análise dos significantes plásticos da revista Vogue Brasil........................ 31

Quadro 2 – Análise dos significantes icônicos da revista Vogue Brasil......................... 34

Quadro 3 – Análise dos significantes plásticos da revista Vogue EUA.......................... 37

Quadro 4 – Análise dos significantes icônicos da revista Vogue EUA........................... 39

Page 11: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 10

2 CULTURAS, IDENTIDADES CULTURAIS E INDÚSTRIA CULTURAL ............. 12

2.1 Considerações sobre Cultura ............................................................................ 12

2.2 Identidades culturais e globalização .................................................................. 14

2.3 A cultura de massas e a indústria cultural ......................................................... 17

3 A RELAÇÃO IMAGEM-CULTURA E A MODA ................................................... 21

3.1 A imagem como representação da cultura ........................................................ 21

3.2 A moda como imagem ....................................................................................... 26

4 O CASO VOGUE: ANÁLISE DA IMAGEM ......................................................... 29

4.1 Vogue Brasil ..................................................................................................... 30

4.1.1 Análise dos signos plásticos ......................................................................... 31

4.1.2 Análise dos signos icônicos .......................................................................... 33

4.2 Vogue EUA ........................................................................................................ 36

4.2.1 Análise dos signos plásticos ......................................................................... 37

4.2.2 Análise dos signos icônicos .......................................................................... 39

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 42

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 43

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1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa surgiu da ideia de discutir a interlocução das culturas locais

resistentes com a produção globalizada das mídias. Em meados de 1930, quando

foram viver nos Estados Unidos, fugidos da Alemanha e dos nazistas1, Adorno e

Horkheimer começaram a escrever sobre a cultura. Juntos, escreveram o livro Dialética

do Esclarecimento, em que debatiam as produções comunicativas como um produto da

industrialização, padronização e comércio, colocando a mídia como ditadora da cultura.

Porém, o caminho inverso, a cultura em interlocução com mídia, sendo também uma

causa da produção e não somente consequência, é objeto de estudos mais recentes.

Esta monografia, então, busca discutir o cruzamento cultura-mídia, investigando como

as diferentes culturas interagem com a produção midiática.

Como objeto de estudo, elegeu-se a produção fotográfica das capas das

revistas Vogue de março de 2009 dos Estados Unidos e a do mesmo mês do Brasil.

Estas capas contém as fotografias da modelo Agyness Deyn, na edição Brasil, e a

primeira dama Michelle Obama, na edição norte-americana.

A revista Vogue foi escolhida por ter mais de 16 edições em diferentes

países e ser considerada a maior publicação de moda do mundo. Segundo o filósofo

francês Gilles Lipovetsky (1987), atualmente a moda é valorizada como manifestação

cultural digna de pesquisa, uma vez que anterior a esse pensamento, a moda era

assunto efêmero e não considerado pelos intelectuais. Dessa forma, justifica-se a

escolha das revistas Vogue e Vogue Brasil para o estudo de caso.

Para atingir os objetivos, as fotografias foram analisadas para que, em cada

uma, fosse possível apontar elementos marcantes de uma identidade cultural local que

1 Início da Segunda Guerra Mundial.

Page 13: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

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comprovassem a permeação das culturas locais na produção das fotografias de cada

lugar de publicação das revistas. Para tal, as abordagens dos temas cultura e

identidades culturais foram consideradas principalmente a partir dos conceitos de

Adorno e Horkheimer (2000), DaMatta (2001), Hall (2003), Morin (1997), Santos (2008)

e Thompson (1995). Também se considerou as temáticas imagem, fotografia, semiótica

e leitura de imagem a partir dos autores Barthes (2000), Joly (2004), Ramalho e Oliveira

(2005) e Santaella e Nöth (2001).

Para orientar a análise, utilizou-se o modelo proposto por Joly (2004), em

que cada elemento – plástico e icônico – da imagem é descrito e estudado

separadamente, a fim de que todos os significados de cada elemento constituam um

significado maior.

A monografia é estruturada em três capítulos. O capítulo inicial trata das

conceituações de cultura e a indústria cultural. São feitas considerações sobre os

conceitos, as culturas locais e globais e a globalização. O capítulo seguinte aborda a

imagem como representação da cultura e a moda como imagem. O último capítulo

discute especificamente o caso Vogue, mostrando o estudo da relação imagem-cultura

das fotografias das capas da revista, as suas diferenças e similitudes. Nas

considerações finais, mostra-se que o caso Vogue se faz útil para a apresentação de

um exemplo de comunicação de via de mão dupla, em que não se considera uma mídia

como produtora de cultura, mas como a cultura e a mídia se entrelaçam de forma em

que uma não é o fim da outra.

Este estudo é especialmente importante para o produtor editorial, uma vez

que as revistas de moda são um grande movimentador econômico, e o conhecimento

dos pormenores da produção dessa mídia específica em relação à cultura e à

globalização dá maior suporte e alento para que esses profissionais desenvolvam a sua

atividade com maior segurança e desenvoltura, além de aumentar a bibliografia dos

estudos da Produção Editorial.

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2 CULTURAS, IDENTIDADES CULTURAIS E INDÚSTRIA CULTURAL

2.1 Considerações sobre Cultura

A cultura pode ser compreendida de diversas formas. Salientam-se os

conceitos das áreas antropológicas, sociológicas e filosóficas.

Na antropologia, a cultura é vista como “o complexo que inclui conhecimento,

crenças, arte, morais, leis, costumes e outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem

como membro da sociedade” (Tylor, 1871 apud Laraia, 2006)2. Para a sociologia, a

cultura é “tudo aquilo que resulta da criação humana e, por isso, envolve todas as

dimensões do ser humano: suas crenças, artes, tecnologia, instituições” (Meksenas,

1994, p. 15). Já a filosofia, considera a cultura como um sistema de símbolos que

interpreta e confere sentido à vida, as formas que cada grupo humano resolve os seus

problemas ao longo da história (Nunes). Brant (2002), pesquisador de políticas

culturais3, propõe a cultura como um conjundo de características espirituais,

intelectuais, materiais e afetivas de determinado grupo, com sistemas de valores,

tradições, crenças e manifestações artísticas próprios.

Para Bizzocchi (2000, p.160), entender a cultura significa compreender o que

nos torna diferentes dos outros animais, o que nos torna seres humanos. No dicionário

Aurélio, encontra-se a seguinte definição:

2 Antropólogo britânico, Sir Edward Burnett Tylor nasceu em 1832. Foi o primeiro a conceituar cultura. In Infopédia. Edward Burnett Tylor. Porto: Porto Editora, 2003-2009. Disponível em: http://www.infopedia.pt/$edward-burnett-tylor. Acessado em 02 set. 2009.

3 http://www.brant.com.br/node/6

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Cultura é o conjunto complexo dos códigos e padrões que regulam a ação humana individual e coletiva, tal como se desenvolvem em um grupo específico e que se manifestam nos modos de vida, normas de comportamento, crenças, instituições, valores espirituais, criações materiais etc.

O dicionário Houaiss apresenta outras definições de cultura, como “forma ou

etapa evolutiva das tradições e valores de um lugar ou período específico” e “conjunto

de conhecimentos adquiridos em determinada área”. De acordo com Saraiva (1996,

p.102), historiador português, a cultura pode ser considerada de três formas: em

sentido amplo, como resposta que o homem dá à natureza; em sentido restrito, como

resposta que determinado grupo dá à natureza; e em sentido altamente limitado, como

conhecimento de artes.

Já para Coelho (1999, p.103), a cultura em sua conceituação mais ampla

refere-se aos modos de vida de uma comunidade em sua totalidade e no sentido

restrito conota ao cultivo da mente, apontando três eixos: um estado mental ou

espiritual desenvolvido; o processo que conduz a esse estado de que são partes as

práticas culturais genericamente consideradas; os instrumentos desse processo, como

cada uma das artes e outros veículos que expressam ou conformam um estado de

espírito ou comportamento coletivo.

Geertz (1978) é mais pessimista, a cultura para ele não é o complexo de

comportamento, costumes, tradições, mas sim um conjunto de mecanismos de controle

que regulam e governam o comportamento, tais como regras, instruções, receitas.

O conceito de Thompson (1995, p. 176) é mais abrangente e nos possibilita

discutir várias questões relacionadas à cultura:

o padrão de cultura pode ser definido como significados incorporados nas formas simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e objetos significativos de vários tipos, em virtude dos quais os indivíduos comunicam-se entre si e partilham suas experiências, concepções e crenças.

É importante ressaltar que, as culturas estão em comunicação, como bem

explica Cappello (2001, p. 115), principalmente em contextos de avanço de processo de

globalização que é:

Page 16: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

14

um processo penetrante que ultrapassa as variáveis econômicas e afeta todas as sociedades complexas contemporâneas. Em razão da crescente influência dos modernos meios de comunicação e seu desenvolvimento tecnológico, as populações de diversas e distante áreas geográficas se encontram em condições de desenvolver uma íntima interação, inlfuenciando-se mutuamente.

DaMatta (2001) lembra que a globalização cultural se baseia em dois pontos

fundamentais: a difusão e a aculturação. A difusão se trata de um processo prático, a

saída de uma entidade cultural de um sistema e a sua adoção em outra socieidade. Já

a aculturação se refere ao modo como o sistema reinterpreta uma entidade cultural

vinda de fora. Graças a essas mudanças geradas por essa nova configuração geo-

política mundial, não se pode mais afirmar as culturas como sendo puras, ou seja, que

não sofreram influências ou mutações. Uma vez que elas se encontram em permanente

estado de comunicação, em contato umas com as outras, estão sempre trocando

valores e se modificando.

2.2 Identidades culturais e globalização

A identidade se divide em três concepções distintas, a concepção do sujeito

do iluminismo, do sujeito sociológico e, por fim, do sujeito pós-moderno. Essa divisão

proposta por Hall (2003) facilita a compreensão da transformação das concepções de

identidades, passando pelos conceitos de crise, as questões da globalização cultural,

até a discussão da permeabilidade das identidades na contemporaneidade.

A primeira concepção de identidade se dá pelo sujeito do iluminismo, que

considerava o indivíduo absolutamente centrado, unificado e consciente de suas

capacidades cognitivas. A esses indivíduos, a identidade era concebida a partir do

nascimento e se desenvolvia a partir disso, mas sem quaisquer alterações em sua

essência.

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Já a concepção do sujeito sociológico considera a identidade já não como

uma única identidade do começo ao fim, mas aceita que ela seja modificada pelo

diálogo entre as diversas identidades, ou seja, ainda que o indivíduo projete a sua

essência nessas identidades culturais, ele também é injetado por significados e valores

de outras identidades. Pelas palavras de Hall (2003, p. 12):

A identidade, então, costura (...) o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados.

A concepção de identidade do sujeito pós-moderno é dada a partir das

mudanças ocorridas nos cenários social, econômico e cultural em que o sujeito se

insere. Habituado a uma identidade unificada e estável, o sujeito se vê abalado por

alterações na estrutura de seu mundo. Então, a identidade se fragmentou, o sujeito

passou a apresentar não uma, mas várias identidades. A fragmentação das identidades

provocou no sujeito um colapso. Dentro do sujeito muitas vezes essas identidades são

contraditórias e inacabadas, o que provoca nelas um deslocamento incessante,

impedindo que qualquer uma dessas identidades se mantivesse em um “centro”. Nesse

sentido, a identidade unificada não existe, é uma fantasia.

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar - ao menos temporariamente. (Hall, 2003, p. 13).

Outro fator decisivo acerca da identidade na pós-modernidade é a

globalização. A sociedade pós-moderna se caracteriza principalmente pela alta

velocidade e constância das mudanças que sofre e causa. A principal transformação da

pós-modernidade se deu no âmbito do tempo e do espaço: com o surgimento da

internet, por exemplo, o espaço se encurtou - um rapaz japonês pode facilmente entrar

em contato com um amigo nas Bahamas - o espaço físico se tornou virtual. Esse

“desalojamento do sistema social” (Giddens, 1990 citado por Hall, 2003, p. 15) tirou as

relações sociais de seus contextos locais. As identidades só fazem sentido para

determinados indivíduos e em um determinado espaço de tempo, elas são “resultados

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16

transitórios e fugazes de processos de identificação” (Santos, 2008, p. 135), são, como

denomina o autor, “identificações em curso”.

Essas identidades culturais transitivas são formadas por elementos a que

certo grupos sociais atribuíram significados culturais intertextuais específicos durante

um certo tempo, como cita Seixas (2008, p. 98):

os valores sociais e os modos de pensar, os costumes e o estilo de vida, as instituições, a história comum, os grupos étnicos, o meio ambiente natural e cultural, os pressupostos filosóficos subjacentes às relações sociais.

Exemplos desses valores é a forma de se vestir, a forma de se falar, o quê e

como comer, como cumprimentar, etc.

O processo da globalização estabelece uma nova relação entre as culturas

locais e a cultura global. Ao mesmo tempo em que são incorporados uma série de

valores de outras culturas, os localismos voltam a ser valorizados. Como disse Laclau

(1990, citado por Hall, 2003), as sociedades da pós-modernidade são caracterizadas

pelas “diferenças”.

[...] elas são atravessadas por diferentes divisões e antagonismos sociais que produzem uma variedade de diferentes "posições de sujeito" - isto é, identidades - para os indivíduos. se tais sociedades não se desintegram totalmente não é o porque elas são unificadas, mas porque seus diferentes elementos e identidades podem, sob certas circunstâncias, ser conjuntamente articulados. Nas essa articulação é sempre parcial: a estrutura da identidade permanece aberta. (Hall, 2003, p. 17)

Hall (2003, p. 69) também descreve as três possíveis consequências dos

aspectos da globalização sobre as identidades:

As identidades nacionais estão se desintegrando, como resultado do crescimento da homogeneização cultural e do "pós-moderno global". As identidades nacionais e outras identidades "locais" ou particularistas estão sendo reforçadas pela resistência à globalização. As identidades nacionais estão em declínio, mas novas identidades - híbridas - estão tomando seu lugar.

O mercado global cria a ilusão de que tudo tende a assemelhar-se e a se

tornar homogêneo, porém Huntington (1997, citado por Seixas 2008), renomado

cientista político, discorda. O encurtamento das distâncias entre as sociedades e a

mistura entre as culturas não tendem necessariamente a uma homogeneização cultural,

Page 19: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

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mas sim a uma luta simbólica, em que cada cultura quer se afirmar perante as demais,

provocando assim um fortalecimento e uma maior preservação de suas identidades.

A política mundial está sendo reconfigurada seguindo linhas culturais e civilizacionais. Nesse mundo, os conflitos mais abrangentes, importantes e perigosos não se darão entre classes sociais, ricos e pobres, ou entre grupos definidos em termos econômicos, mas sim entre povos pertencentes a diferentes identidades culturais. As guerras tribais e os conflitos étnicos irão ocorrer no seio das civilizações. (Huntington, 1997, citado por Seixas, 2008, p. 8)

É importante lembrar que, ainda que pareçam conceitos opostos, a cultura

local e global não são mutuamente exclusivas, mas sim duas diferentes dimensões

sociais que são, como disse Tocqueville (1977, p. 541) apud DaMatta (2001, p. 169)

“duas humanidades distintas, cada uma das quais tendo as suas vantagens e os seus

inconvenientes particulares, os bens e os males que lhe são próprios”. O global e o

local caminham juntos e não um contra o outro.

A cultura global, de uma maneira superficial, é percebida como um mundo

livre em que todos desfrutam de um rápido desenvolvimento tecnológico, são o

resultado da extensão de uma determinada cultura ao resto do planeta. Já a cultura

local se caracteriza por suas tradições e particularidades. Essa dialética entre as

culturas global e local não nos permite pensar que a cultura global vai sempre dominar

e acabar com a local, mas pode haver processos de interseção em mão dupla, gerando

uma terceira cultura, uma cultura híbrida com características globais e locais.

2.3 A cultura de massas e a indústria cultural

Adorno (2006), um dos principais teóricos a respeito do capitalismo tardio e

da indústria cultural, concebe a cultura como um mecanismo adotado pela burguesia

Page 20: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

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para controlar as concepções e ideologias sociais na sociedade capitalista, mantendo-a

distraída e alienada. E essa cultura é transformada em bem de consumo, sendo

produzida seguindo as normas industriais: padronização dos bens simbólicos,

massificação e técnicas de distribuição – difusão e venda.

Não há dúvida de que já o livro, o jornal, eram mercadorias, mas a cultura e a vida privada nunca haviam entrado a tal ponto no circuito comercial e industrial, nunca os murmúrios do mundo não haviam sido ao mesmo tempo fabricados industrialmente e vendidos comercialmente (Morin, 1997, p. 13).

Morin (1997) ressalta a diferença entre a cultura clássica e cultura industrial:

a cultura clássica é um conjunto de normas, símbolos, mitos e imagens, que entram no

indivíduo, estruturam seus instintos e guiam suas emoções, já a cultura de massa, que

também não deixa de ser uma cultura, é um conjunto de símbolos, mitos e imagens

relativas à vida prática (personalidade) e à vida imaginária (alma), um apanhado de

projeções e de identificações específicas, que se acrescenta e concorre com a cultura

nacional, a cultura humanista e a cultura religiosa4.

O autor ainda diz que a produção-criação, característica da indústria cultural,

é um modelo burocrático-industrial em que a organização burocrática filtra a idéia

criadora, submetendo-a a exame antes que ela chegue às mãos do produtor. Este por

sua vez decide em função da rentabilidade eventual ou da sua oportunidade política se

irá produzi-la ou não. O poder cultural se encontra imprensado entre o poder

burocrático e o poder técnico. E é exatamente essa situação que exerce papel

fundamental na cultura de massa, uma vez que cria a tendência à despersonalização

da criação, à predominância da organização racional de produção sobre a invenção. No

entanto, essa tendência se contrapõe com a exigência do público, que quer um produto

individualizado e original. Neste ponto, o autor observa que a indústria cultural supera

constantemente a contradição fundamental entre suas estruturas “burocratizadas-

padronizadas” e a originalidade do produto que ela fornece. Morin (1997) ainda afirma

4 Cultura nacional: imerge-nos nas experiências vividas no passado, promovendo relações de identificação e projeção aos heróis da pátria. Cultura humanista: procura um saber e uma sensibilidade, um sistema de atitudes afetivas e intelectuais, pro meio do comércio das obras literárias. Cultura religiosa: se baseia na identificação com o deus que salva e com a Igreja. (Morin, 1997)

Page 21: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

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que esse equilíbrio entre a padronização e a originalidade depende exclusivamente do

próprio produto. O autor também defende que a democratização da cultura, que é uma

das características da cultura de massa, pode ser a ligação entre as duas culturas.

A partir da análise das obras de Adorno, Horkheimer e outros, Rüdiger (2001,

p. 138) aponta o que é a Indústria Cultural em todo o seu processo:

[...] referiram-se com o termo indústria cultural à conversão da cultura em mercadoria, ao processo de subordinação da consciência à racionalidade capitalista, ocorrido nas primeiras décadas do século XX. Em essência, o conceito não se refere pois às empresas produtoras, nem às técnicas de comunicação. A televisão, a imprensa, os computadores, etc., em si mesmos não são a indústria cultural: essa é, sobretudo, um certo uso dessas tecnologias. Noutras palavras, a expressão designa uma prática social, através da qual a produção cultural e intelectual passa a ser orientada em função de sua possibilidade de consumo no mercado.

Segundo Morin (1997), a indústria cultural não só transformou a cultura em

produto, mas a resumiu a um bem de consumo do entretenimento e lazer. A produção e

circulação dos bens simbólicos ficaram submissas à lógica de mercado. E essa cultura

de massa dá força ao voyeurismo, fornecendo ao consumidor fofocas e confidências

dos olimpianos5. O consumidor participa do espetáculo, mas sempre através de um

mediador, seja um jornalista, um fotógrafo, um locutor.

Todos os elementos e características abordados por Morin (1997) se aplicam

às revistas de moda. Essas revistas são para seus leitores uma referência, uma vez

que se identificam e se projetam na mulher perfeita criada pelos editores. O bem estar e

o lazer são enfatizados como objetivos de vida e os olimpianos estão nas suas capas.

Na cultura de massa são encontrados temas masculinos e femininos, mas a

temática feminina, destacada em 1937 com a revista Confidences, gera mais lucro, e,

portanto mais atenção da Indústria Cultural. A mulher se identifica com o que vê na

mídia, as propagandas e reportagens as orientam precisamente como ser a mulher

ideal.

5 Segundo Morin (1997), os olimpianos são as celebridades da Indústria Cultural, são as estrelas que simbolizam os tipos ideais da cultura de massa, devido à vida de luxo e de espetáculo que tem.

Page 22: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

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A moda monopoliza as revistas femininas, como Marie Claire e Elle. Nestas

revistas, os temas abordados vão desde consultoria sentimental, moda e beleza,

conselhos práticos, etc. Em resumo, os principais temas identificadores da cultura de

massa são também os principais temas das revistas femininas: o lar e o bem-estar, a

sedução e o amor. De acordo com Morin (1997), a arte da sedução é essencial no novo

saber-viver.

A moda é parte do processo da cultura de massa, pois há uma dupla

necessidade: a de reestimulação sedutora, a da afirmação individual e a necessidade

de ser diferente dos outros. Lipovetsky (1987) afirma que na pós-modernidade ocorre

uma fusão mídia-moda, em que a primeira promove a sedução e o consumo da

segunda. No entanto, a mídia tem suas modas. A moda da mídia se subside muitas

vezes nos olimpianos, figuras que provocam verdadeiras paixões, despertando nos

consumidores a vontade de copiar instintivamente o que chega até eles.

Adorno e Horkheimer (2000) afirmam que o princípio básico da cultura de

massa consiste em apresentar ao consumidor as necessidades que podem ser

satisfeitas pela indústria cultural, bem como a organização dessas necessidades, de

forma que ele seja um eterno consumidor.

A cultura de massas não pode ser vista apenas como uma transformadora

de cultura em produto. Nesta monografia, adota-se a abordagem do processo da

Indústria Cultural como uma via de mão dupla, em que a indústria mercantiliza a cultura,

mas que, em contraponto esse produto também transforma a cultura, como Rüdiger

(1997, p. 18) bem esclarece:

A categoria [indústria cultural] tem um sentido dialético e refere-se antes de mais nada ao processo de transformação da cultura em mercadoria mas, também, de transformação da mercadoria em matriz de cultura.

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3 A RELAÇÃO IMAGEM-CULTURA E A MODA

3.1 A imagem como representação da cultura

Neste estudo, começa-se a conceituar imagem a partir da definição de

Platão, uma das mais antigas conceituações de imagem:

Chamo de imagens em primeiro lugar as sombras, depois os reflexos que vemos nas águas ou na superfície de corpos opacos, polidos e brilhantes e todas as representações do gênero (Platão, 1949, citado por Joly, 2004, p. 14)

Joly (2004) propõe a exploração de algumas das aplicações da palavra

imagem para, a partir disso, defini-la. A primeira aplicação sugerida por Joly (2004) é a

imagem de mídia. A palavra “imagem” remete, no seu emprego contemporâneo, quase

sempre à imagem de mídia. “A imagem invasora, a imagem onipresente, aquela que se

critica e que, ao mesmo tempo, faz parte da vida cotidiana de todos é a imagem da

mídia” (Joly, 2004, p. 14). A imagem de mídia é representada principalmente pela

publicidade e televisão, pois são mídias que utilizam muito bem as imagens. Entretanto,

considerar os termos imagem, televisão e publicidade como sinônimos pode prejudicar

a utilização e compreensão da imagem. Joly (2004) explica as duas principais

confusões que essa amálgama pode gerar, a primeira confusão é incorporar suporte a

conteúdo. A televisão é um meio, a publicidade um conteúdo, já a segunda confusão se

dá entre a imagem fixa e a imagem animada.

Considerar que a imagem contemporânea é a imagem da mídia – e que a imagem da mídia por excelência é a televisão ou o vídeo – é esquecer que coexistem, ainda hoje, nas próprias mídias, a fotografia, a pintura, o desenho, a gravura, a litografia etc., todas as espécies de meios de expressão visual que se considerem “imagens”. (Joly, 2004, p. 15)

Page 24: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

22

Joly (2004) então conclui a utilização da palavra “imagem” como imagem de

mídia afirmando que:

Confundir imagem contemporânea e imagem da mídia, imagem da mídia e televisão e publicidade, é não apenas negar a diversidade das imagens contemporâneas como também ativar uma amnésia e uma cegueira, tão prejudiciais quanto inúteis, para a compreensão da imagem. (Joly, 2004, p. 16)

Outra utilização do termo “imagem” proposta por Joly (2004) é “lembranças

de imagens”. Neste ponto, a autora cita um conhecido versículo bíblico “Deus criou o

homem à sua imagem” (Gênesis, 1,27) para propor que a imagem não só representa,

mas também evoca uma semelhança. Outro aspecto abordado é a imagem como aquilo

que não se mexe e não fala. A autora ilustra essa questão com o exemplo do dito

francês “comportar como uma imagem” que é proferido às crianças para que elas

fiquem quietas.

A criança “comportada como uma imagem” ganhou muitas vezes como recompensa uma imagem (às vezes religiosa). Representações visuais e coloridas, essas imagens são de calma e de reconhecimento. (Joly, 2004, p. 17)

Joly apresenta uma terceira utilização do termo imagem, agora como origem.

Por toda parte no mundo o homem deixou vestígios de suas faculdades imaginativas sob a forma de desenhos, nas pedras, dos tempos mais remotos do paleolítico à época moderna. (Gelb, 1973, citado por Joly, 2004, p. 17)

Na etimologia do termo imagem, imago, em latim, se refere à máscara

mortuária usada nos funerais na Roma antiga. Essa significação remete a imagem

também ao espectro ou a alma do morto.

Nas religiões judaico-cristãs, as imagens se fizeram presentes em toda a

história. O período dos iconoclastas, em que a fabricação das imagens era proibida,

influenciou não só a religião, mas toda a história da pintura ocidental. Na arte, o sentido

de imagem vincula-se especialmente à representação visual: “afrescos, pinturas, mas

também iluminuras, ilustrações decorativas, desenho, gravura, filmes, vídeo, fotografia

e até imagens de síntese” (Joly, 2004, p. 18).

Joly (2004) diz que a imagem também é um objeto de reflexão da filosofia

desde a Antiguidade. Platão e Aristóteles discutem a imagem antagonicamente. Platão

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considera a imagem imitadora, seduz as partes mais fracas de nossa alma e julga como

única imagem válida aos olhos a imagem “natural”. Já Aristóteles considerava a

imagem educadora, eficaz pelo prazer de sedução que ela proporciona.

Outro emprego da palavra “imagem” se atribui a algumas atividades

psíquicas, como por exemplo, a representação mental, o sonho, etc. É preciso

esclarecer a distinção entre representação mental e esquema mental. Esquema mental

é “um modelo perceptivo de objeto, de uma estrutura formal que interiorizamos e

associamos a um objeto, que pode ser evocado por alguns traços visuais mínimos.”

(Joly, 2004, p. 20). Joly explica a imagem como representação mental

A imagem mental corresponde à impressão que temos quando, por exemplo, lemos ou ouvimos a descrição de um lugar, de vê-lo quase como se estivéssemos lá. Uma representação mental é elaborada de maneira quase alucinatória, e parece tomar emprestadas suas características da visão. Vê-se. (Joly, 2004, p. 19)

O interessante da imagem mental é a semelhança que ela tem com a

fantasia ou o sonho. Joly (2004, p. 20) explica a semelhança da imagem mental e o

sonho com o seguinte exemplo:

[...] quando nos lembramos de um sonho, temos a impressão de lembrar de um filme. Não tanto porque vimos, mas porque despertamos e, portanto, pudemos perceber que a ‘história’ (ou as situações do sonho) não tinham qualquer realidade.

Outra utilização da palavra imagem é a imagem verbal, que a princípio

parece um paradoxo, mas que se esclarece quando é dito que imagem verbal seria o

mesmo que metáfora, ou, pelas palavras de Joly (2004, p. 22):

A metáfora é a figura mais utilizada, mais conhecida e mais estudada da retórica, à qual o dicionário dá “imagem” como sinônimo. O que se sabe da metáfora verbal, ou do falar por “imagens”, é que consiste em empregar uma palavra por outra, em virtude de sua relação analógica ou de comparação.

Há também outro tipo de emprego da palavra imagem, que se dá no campo

científico. Nesse campo, a imagem é concebida como “visualizações de fenômenos”

(Joly, 2004, p. 23), ela dá suporte à observação e interpretação desses fenônemos, são

registros. Na matemática, a imagem é “uma representação diferente de um mesmo

Page 26: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

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objeto ao qual ela é equivalente e não idêntica” (Joly, 2004, p. 25), ou seja, é o mesmo

objeto sob uma perspectiva diferente.

Há ainda as novas imagens, ou também chamadas imagens de síntese, que

são imagens produzidas em computador. Nesta categoria estão as imagens

manipuladas, as imagens de videogames, de simuladores de vôo, hologramas e etc. As

novas imagens são imagens virtuais, ou seja, ilusórias e não reais.

Por fim, Joly (2004) fala da imagem-Proteu, uma imagem que pode ser tudo

e que, no entando não impede a sua compreensão e tampouco a sua utilização, ou, em

suas palavras:

[...] a imagem pode ser tudo e o seu contrário – visual e imaterial, fabricada e “natural”, real e virtual, móvel e imóvel, sagrada e profana, antiga e contemporânea, vinculada à vida e à morte, analógica, comparativa, convencional, expressiva, comunicativa, construtora e destrutiva, benéfica e ameaçadora. (Joly, 2004, p. 27)

Santaella, Nörth (2001) e Joly (2004) propõem então a imagem como

representação ou signo. De acordo com a teoria dos signos de Pierce, um signo é “algo

que está no lugar de alguma coisa para alguém, em alguma relação ou alguma

qualidade” (1978, apud Joly 2004), ou pelas palavras da autora:

Um signo tem uma materialidade que percebemos com um ou vários de nossos sentidos. [...] Essa coisa que se percebe está no lugar de outra; esta é a particularidade essencial do signo: estar ali, presente, para designar ou significar outra coisa, ausente, concreta ou abstrata. [...] tudo pode ser signo, a partir do momento em que dele deduzo uma significação que depende de minha cultura, assim como do contexto de surgimento do signo. “Um objeto real não é um signo do que é, mas pode ser o signo de outra coisa”. (Joly, 2004, p. 32)

A imagem é, portanto, a representação de um objeto.

[a imagem] indica algo que, embora nem sempre remeta ao visível, toma alguns traços emprestados do visual e, de qualquer modo, depende da produção de um sujeito: imaginária ou concreta, a imagem passa por alguém que a produz ou reconhece. (Joly, 2004 p. 13)

Sendo o signo uma figura representativa, a imagem - conceituada como a

representação visual é, então, um signo. Porém a imagem tem uma característica

peculiar. Os signos são divididos em três subcategorias: quali-signo, sin-signo e legi-

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signo. O quali-signo é todo signo que é uma qualidade, o sin-signo é uma coisa

existente, um acontecimento real, é constituído de vários quali-signos, os legi-signos,

por sua vez, são signos que são uma lei (Pierce, 1975). As imagens, quando são únicas

e representaram tão somente um único objeto e não vários, se encaixam na

subcategoria sígnica de sin-signo, no entanto, se as imagens significarem vários

objetos, elas serão legi-signos. Se a imagem sin-sígnica tiver alguma relação física com

o objeto representado, ela se classifica como sin-sígnica indicial. As imagens que serão

analisadas neste trabalho se classificam então por sin-signos indiciais, uma vez que os

objetos representados nas imagens existem de fato e os signos que os representam

possuem uma relação física com os objetos, partilham das mesmas características.

Para analisar os signos, Pierce (1975) classificou três categorias de

compreensão: a primeiridade, a secundidade e a terceiridade. A primeiridade se trata

da primeira impressão que se tem da coisa, desconsiderando quaisquer referências a

suportes e substratos, a secundidade é o relacionamento direto do objeto com outro,

causa uma reação, já a terceiridade se trata do pensamento, da aprendizagem, chega-

se a uma convenção, uma síntese. Por exemplo, quando se lê uma placa no muro de

uma casa com os dizeres “cão bravo”, a primeiridade é “cão bravo”, a secundidade é o

medo e a terceiridade é que a casa está segura, uma vez que não se deve enfrentar um

cão bravo.

Para a compreensão da imagem como representação da cultura deve-se

entender a cultura pela concepção de Thompson (1995), em que ela é dada como um

conjunto de significados incorporados na forma de símbolos, partilhados por um grupo

de indivíduos. Sendo os símbolos signos abstratos e convencionados, essa

conceituação permite reler a concepção de cultura como sendo um conjunto de

significados incorporados na forma de imagens.

Page 28: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

26

3.2 A moda como imagem

O homem comunica. Antes de aprender a falar ou escrever, o homem já se

comunicava. O sistema não-verbal de comunicação é o mais antigo e universal dos

sistemas e nunca deixou de existir. O corpo, os objetos associados ao corpo, como por

exemplo, o que o veste ou não veste, e os produtos de habilidades humanas são meios

comunicativos. Dentre esses meios se encontra a moda.

Historiadores e antropólogos afirmam serem três os motivos pelos quais a

sociedade optou por se vestir: pudor, proteção e adorno (Stefani, 2005). A história da

moda como indumentária6 é contabilizada apenas no romantismo7, quando os

teatrólogos sentiram a necessidade de estudar a indumentária para as suas produções

teatrais (Barthes, 2005).

A história da indumentária só começou realmente com o romantismo, e entre os teatrólogos; como os atores quisessem representar seus papéis em trajes de época, pintores e desenhistas iniciaram uma pesquisa sistemática sobre a verdade histórica das aparências (vestuário, cenário, mobília e acessório), em suma, daquilo que se chamava justamente indumentária. (Barthes, 2005, p. 285)

A moda, entendida então como indumentária e acessórios, tais como

sapatos, bolsas, maquiagem e afins, é uma forma de o homem se comunicar. Ainda

que essa comunicação não seja sempre produzida intencionalmente e nem lida

conscientemente, ela comunica.

Muito antes de eu ter me aproximado o suficiente para falar com você na rua, em uma reunião ou em uma festa, você comunica seu sexo, idade e classe

6 Indumentária, s. f. (de indumentário). 1. História do vestuário. 2. Arte do vestuário. 3. Sistema do vestuário em relação a certas épocas ou povos. 4. Traje. (Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 1980, p. 964)

7 “O romantismo foi um movimento artístico ocorrido na Europa por volta de 1800, que representa as mudanças no plano individual, destacando a personalidade, sensibilidade, emoção e os valores interiores.” (http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=404)

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social através do que está vestindo – e possivelmente me fornece uma informação importante (ou uma informação falsa) em relação a seu trabalho, origem, personalidade, opiniões, gostos, desejos sexuais e humor naquele momento. Talvez eu não seja capaz de colocar em palavras o que observo, mas registro a informação inconscientemente e você faz o mesmo, simultaneamente, em relação a mim. Quando nos conhecermos e conversarmos já teremos falado um com o outro em uma língua mais antiga e universal. (Lurie, 1997, p.19)

A indumentária atua como um sistema não-verbal da comunicação. Barthes

(2000) diz que a moda é um dos objetos de reflexão da Semiologia, que para o autor é

um sistema de signos mediado pela linguagem. Ou seja, assim como a imagem, ela é

um conjunto de símbolos, é uma figura representativa de algo.

“[...] o vestuário descrito jamais corresponde a uma execução individual das regras da moda, mas é um exemplo sistemático de signos e de regras: é uma Língua em estado puro.” (Barthes, 2000, p. 28)

A moda e a imagem são uma forma de expressão visual e o seu texto não

verbal é constituído por vários elementos. A moda, por exemplo, é composta por

roupas, sapatos, bolsas e acessórios, em que cada um desses elementos tem a sua

própria significação e a soma deles resulta no look8, um conjunto interligado de

significações que comunicam entre si e com o exterior.

A moda, como linguagem, é fruto de uma convenção à qual todos se submetem com o objetivo de comunicar. Os símbolos, para a ocorrência da transmissão de mensagens, precisam ser compartilhados, ter uma significação em comum para várias pessoas. (Stefani, 2005, p. 57 e 58)

Nesta comunicação, a mensagem passada pela moda tem vários sentidos ou

podem gerar interpretações diversas. A aparência de alguém pode vir a comunicar o

que ela é de fato ou o que deseja que os outros pensem dela.

A aparência é o desejo de mostrar-se similar a um modelo desejável (parecer) e, sobretudo, de manifestar-se diante do outro (aparecer). Funciona como uma camuflagem ou maneira superficial de se apresentar publicamente, parecendo verdadeira ou ocultando a essência do ser sob essa camada externa. (Stefani, 2005, p. 70)

8 "A expressão inglesa look é muito utilizada no mundo da moda. [...] seu sentido é o de resultado da produção, ou seja, a soma de roupas e acessórios que irão permitir que o indivíduo possa mostrar o que é." (Stefani, 2005, p. 13)

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A moda é constituída por inúmeros símbolos, e as significações desses

símbolos podem variar de acordo com cada cultura, assim como a imagem.

O significado dos objetos de consumo se movem de uma sociedade para outra, conforme o seu contexto social; os significados expressos pelos consumidores refletem pontos de vista culturais. O comportamento de consumo pode ser explicado pela necessidade de expressar estes significados mediante a posse de produtos que comunicam à sociedade como o indivíduo se percebe enquanto interagente com grupos sociais. (Miranda et. al, 2000, p. 01)

Sendo que a moda e a imagem são percebidas e lidas da mesma forma,

como um conjunto de signos que significam de acordo com o seu local de produção e

leitura, e partilharem de uma série de elementos similares, como as cores, a textura e a

forma, pode-se afirmar que a moda atua como imagem.

Page 31: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

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4 O CASO VOGUE – ANÁLISE DA IMAGEM

Para o estudo das fotografias das capas da Vogue Brasil e Vogue EUA de

março de 2009, será usado o modelo de análise proposto por Joly (2004), que consiste

em estudar cada elemento da imagem de forma separada.

Entre os signos que compõem a imagem, estão os signos plásticos e

icônicos. Os signos plásticos são aqueles que, não são apenas material de expressão

dos signos icônicos, mas também possuidores de significados próprios. Os significantes

plásticos estudados são o quadro, o enquadramento, o ângulo de tomada, a escolha da

objetiva9, a composição, as formas, as dimensões, as cores, a iluminação e a textura.

Os significantes icônicos ou figurativos (Joly, 2004) são significantes

presentes na imagem que, pelas palavras de Joly (2004, p.104), “cada um deles [os

significantes icônicos] está no anúncio por algo mais do que ele próprio, pelas

conotações que evoca.” Sendo assim, para a análise destes signos, serão apontados

os motivos da imagem e a pose do modelo, os seus significados de primeiro nível, ou

seja, aquilo a que o signo se remete primeiro e a conotação de segundo grau, aquilo a

que, levando-se em conta o repertório cultural do leitor, se remete mais profundamente.

9 Por objetiva entende-se a lente usada na câmera fotográfica.

Page 32: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

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4.1 Vogue Brasil

A análise da fotografia da capa da revista Vogue Brasil (Figura 1) será feita

primeiramente a partir dos signos plásticos, uma vez que eles são também partes dos

signos icônicos.

Figura 1 – Capa da revista Vogue da edição Brasil, de março de 2009

Fonte: Vogue Brasil

Page 33: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

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4.1.1 Análise dos signos plásticos

No quadro abaixo (Quadro 1), são apresentados discriminativamente os

significantes plásticos e os seus significados:

Quadro 1 Análise dos significantes plásticos da revista Vogue Brasil

Significantes plásticos Significados

Quadro Ausente, fora de campo: imaginário

Enquadramento Fechado: proximidade

Ângulo da tomada “à altura do homem e de frente”: realidade, naturalidade

Escolha da objetiva

Objetiva normal, pequena profundidade de campo: focalização, distinção do objeto do resto da cena

Composição Descendente vertical: equilíbrio

Formas Massa: moleza, suavidade Xadrez: elegância

Dimensões Grande Cores Dominante fria Iluminação Difusa: suavidade, feminilidade Textura Lisa: visual

* Os significados estão em itálico.

Na imagem (Figura 1), a ausência de quadro, ou seja, os limites ou moldura

da representação, e a interrupção da imagem pelo tamanho da página, incita o

imaginário do leitor, fazendo com que ele forçosamente complete o resto da fotografia,

uma vez que, por a página ser pequena, ele não possa ver a imagem completa.

O enquadramento médio, resultante de uma distância razoável entre o objeto

fotografado e a objetiva, demonstra certa proximidade do leitor com a modelo, já que se

pode visualizar a sua expressão facial e o seu olhar.

O ângulo de tomada da fotografia é “à altura do homem e de frente” (Joly,

2004, p. ), a objetiva se encontra de frente para a modelo e à sua altura, dando a

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32

impressão de realidade e naturalidade à cena, uma vez que imita a visão natural do

leitor.

A objetiva usada para a captação da fotografia é uma objetiva normal10, o

que proporciona uma pequena profundidade de campo e mínima distorção do objeto,

aproximando-se novamente da visão natural do leitor.

A composição, ou “geografia interior da mensagem visual” (Joly, 2004, p. 97)

é aquilo que orienta o sentido de leitura da imagem. Na foto de Jacques Dequeker da

capa da Vogue Brasil, a composição é descendente vertical (ver Figura 2), a leitura

começa a partir do rosto da modelo e desce verticalmente até o fim da página, o que

denota equilíbrio, retidão.

Figura 2 – Sentido de leitura: Vogue Brasil

Quanto às formas, a imagem é constituída por massas e xadrez. A roupa

xadrez usada pela modelo denota elegância, uma vez que remete às roupas de

inverno, que são por si só glamorosas.

10 As objetivas normais (50mm) são caracterizadas por se assemelharem quase perfeitamente à visão humana, proporcionando pouca profundidade de campo, menor distorção da imagem e menos achatamento do objeto.

Page 35: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

33

A dimensão da fotografia é grande, uma vez que o objeto se apresenta

ocupando o enquadramento quase todo e se pode ver detalhes da imagem. A

dimensão grande dá ao objeto destaque e importância.

A imagem é predominantemente cinza, uma cor fria que denota, além do

próprio frio, sobriedade e equilíbrio, uma vez que a cor é o equilíbrio do preto e o

branco.

A iluminação é difusa, uma vez que não há sombras marcantes na modelo, a

sombra e a luz se misturam suavemente. Esse tipo de iluminação quebra o aspecto

sóbrio das cores frias, significando suavidade, feminilidade. Ainda assim, a iluminação

difusa completa a denotação de frio causada pela cor, já que nas estações frias –

inverno e outono – a iluminação natural predominante é a difusa, uma vez que o céu

nestas estações fica mais coberto de nuvens.

Apesar da roupa da modelo apresentar um pouco de textura no xadrez, a

predominância na imagem é a textura lisa. Não há granulados ou similares, o que

diminui a sensibilidade tátil provocada pelo casaco xadrez e destaca a visual, além de

favorecer o significado de frieza da foto.

4.1.2 Análise dos signos icônicos

A análise dos signos icônicos varia de acordo com a natureza de quem a

analisa, ou seja, a sua cultura e o meio em que se insere têm influência na percepção

dos significados. Sendo assim, a análise será feita levando-se em consideração a

cultura brasileira.

Page 36: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

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Quadro 2 Análise dos significantes icônicos da revista Vogue Brasil

Significantes icônicos Significados de primeiro nível Conotações de segundo nível Chapéu Chapéu, cabeça Nobreza, autoridade, poder Agasalho Agasalho Frio, proteção Boca semi-aberta Boca Sensualidade, provocação

Pose/postura da modelo Movimento Desejo de diálogo, proximidade, relação, movimento

Modelo (Agyness Deyn) Agyness Deyn Moda, estilo, modernidade Cabelo loiro platinado Tintura Ousadia, estilo Ausência de paisagem Estúdio Artificialidade, frieza

A fotografia contém vários significantes icônicos, dentre eles o chapéu

representa, em primeiro nível o próprio chapéu e a cabeça e, o segundo nível, ou seja,

a reação que ele desperta é de nobreza, autoridade e poder. O chapéu é comumente

usado para diferenciar ordens dentro de uma hierarquia social. Um exemplo disso é a

Igreja Católica, em que os bispos usam um tipo de chapéu, os cardeais outro e os

papas, outro.

O agasalho remete, em primeiro nível a si próprio, já a sua conotação de

segundo nível remete ao frio e a proteção. O agasalho é roupa típica de estações frias

e serve, antes de ser um adorno, como proteção contra esse frio.

A boca da modelo, que se encontra semi-aberta, é em sua primeiridade

apenas a boca, enquanto tem por significado de segundo nível a sensualidade e a

provocação. A boca da modelo semi-aberta possibilita visualizar os seus dentes e por

entre eles a língua, que remete a sedução.

A postura/pose da modelo em primeiro nível nos indica movimento. O seu

corpo está virado para uma direção enquanto a cabeça está virada para outra. Essa

postura dá a sensação de movimento, pois não é uma pose relaxada. Em segundo

nível esta postura dá a sensação de proximidade, de desejo de diálogo, uma vez que

ela olha diretamente para o espectador, quase como construindo uma relação

interpessoal com ele.

Page 37: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

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A escolha da modelo é também um signo icônico. A modelo da fotografia é

Agyness Deyn. Ela representa, em primeiro nível, a si própria. Em segundo nível ela

significa a moda, já que é modelo, significa também estilo e modernidade. De acordo

com Ana Claudia Lopes, em matéria publicada nesta edição analisada da Vogue, a

modelo Agyness Deyn é “símbolo da modernidade cool dos jovens de Londres” e, por

sua vez, representa estilo e modernidade também no Brasil, já que a moda européia é

influente na construção da moda brasileira.

O cabelo loiro da modelo também carrega os seus significados. Em primeiro

nível os cabelos loiros platinados significam tintura, em segundo nível significam estilo e

ousadia, uma vez que é um cabelo incomum, que não passa despercebido.

A ausência de paisagem e de segundo plano na fotografia, em primeiro nível

significa estúdio, pois indica que a foto foi batida no estúdio e, em segundo nível,

representa a frieza e artificialidade, já que não faz nenhuma referência à natureza, cria

um clima generalista para a foto.

A fotografia feita por Jacques Dequeker da modelo Agyness Deyn para a

capa da revista Vogue Brasil de março de 2009 então representa e significa o clima da

época no Brasil, o frio. Em março de 2009 estava terminando o verão e começando o

outono. A revista então, para inaugurar as tendências da moda para o outono-inverno

(tema da revista), usou de cores, texturas, luzes e objetos que remetessem diretamente

ao clima do local de publicação, construindo, juntamente com o leitor os significados de

que queria: frio, estilo, nobreza.

Page 38: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

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4.2 Vogue EUA

Assim como foi feita a análise da fotografia da capa da revista Vogue Brasil

(Figura 1) será feita também a análise da fotografia da capa da revista Vogue EUA

(Figura 3), sendo primeiramente a partir dos signos plásticos e posteriormente os signos

icônicos.

Figura 3 – Capa da revista Vogue da edição EUA, de março de 2009 Fonte: Vogue

Page 39: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

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4.2.1 Análise dos signos plásticos

No quadro abaixo (Quadro 3), são apresentados os significantes plásticos da

fotografia da capa da revista Vogue EUA e os seus significados:

Quadro 3 Análise dos significantes plásticos da revista Vogue EUA

Significantes plásticos Significados

Quadro Ausente, fora de campo: imaginário

Enquadramento Fechado: proximidade

Ângulo da tomada Leve contre-plongée: exaltação,grandeza

Escolha da objetiva

Objetiva normal, pequena profundidade de campo: focalização, distinção do objeto do resto da cena

Composição Oblíqua descendente para a esquerda: queda, esmagamento

Formas Massa: moleza, suavidade Dimensõesz Grande Cores Dominante quente Iluminação Difusa: suavidade, feminilidade Textura Lisa: visual

* Os significados estão em itálico.

Na fotografia (Figura 1), há a ausência de quadro. A interrupção da imagem

pelo tamanho da página estimula o imaginário do leitor.

O enquadramento médio da foto demonstra proximidade do leitor com o

objeto, uma vez que se pode visualizar a expressão facial e o olhar.

O ângulo de tomada da imagem é levemente contre-plongée, a objetiva se

encontra de frente para a modelo e pouco abaixo de sua altura, o que a exalta,

engrandece perante o leitor.

Page 40: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

38

A escolha da objetiva foi por uma objetiva normal, o que provoca pequena

profundidade de campo e mínima distorção da modelo, aproximando a imagem da

visão natural do leitor.

A composição da imagem é oblíqua descendente vertical (ver Figura 4). A

leitura começa a partir do rosto da modelo e desce obliquamente para a esquerda,

passando pelos pontos de maior luminosidade da foto. Este tipo de composição, de

acordo com Joly (2004), denota queda, esmagamento.

Figura 4 – Sentido de leitura: Vogue EUA

As formas da imagem são predominantemente de massas. Essas formas

significam suavidade, moleza.

A dimensão da fotografia é grande, a modelo ocupa o enquadramento quase

todo, podendo-se ver detalhes da imagem. Isso dá ao objeto destaque e importância.

A imagem é predominantemente quente. As cores rosa, amarelo, marrom

denotam, além de calor, conforto, aconchego, vitalidade.

Page 41: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

39

A iluminação é difusa. Não há sombras marcantes na modelo, esse tipo de

iluminação significa suavidade, feminilidade. A fotografia indica que a luz vem da janela,

sendo difundida pelas cortinas, possibilitando então um significado de naturalidade.

A imagem não possui grãos ou similares, a textura é lisa, o que enfatiza a

sensibilidade visual e desencoraja a sensibilidade tátil. A textura lisa também significa

suavidade.

4.2.2 Análise dos signos icônicos

A análise dos signos icônicos varia de acordo com a cultura do analisador, por este

motivo a fotografia da capa da Vogue EUA também será analisada com visão da cultura

brasileira.

Quadro 4 Análise dos significantes icônicos da revista Vogue EUA

Significantes icônicos Significados de primeiro nível Conotações de segundo nível Jóias Jóias, ouro Riqueza, status, Deus Sofá Sofá Conforto Abajur Abajur, luz Comodidade Flores Flores Felicidade, vida, harmonia Cortinas Cortinas Proteção, nobreza Vestido Roupa Respeito, classe Pose/postura da modelo Encosto Equilíbrio, relaxamento Modelo (Michelle Obama) Michelle Obama Poder, riqueza, beleza Sorriso Boca Felicidade, tranquilidade

As jóias significam, na foto, em primeiro nível, as próprias jóias, ouro e

enquanto conotação de segundo tem-se a riqueza, status e Deus. O ouro sempre foi

um símbolo utilizado pela Igreja Católica para representar a pureza, a realeza e o poder

de Deus.

Page 42: Vogue e Vogue Brasil - A Cultura e Seus Significantes Visuais

40

O sofá tem como primeiridade si próprio e, como segundo nível conota

conforto, uma vez que é um item cuja função é proporcionar bem estar para o repouso.

O abajur, que aparece a esquerda superior da foto, em segundo plano, tem

como significado de primeiro nível abajur e luz, e enquanto secundidade conota

comodidade.

As flores, também localizadas a esquerda superior da imagem, em segundo

plano, significam, além de si – em primeiro nível, felicidade, harmonia e vida, em

segundo nível. No cenário, as flores fazem o papel de contrapor todos os objetos

“mortos”, assim como a própria modelo. As flores dão vida, representam a felicidade e

harmonia de um lugar.

As cortinas representam em segundo nível a nobreza e a proteção. As

cortinas protegem do sol, insetos, etc., e significam nobreza por serem clássicas.

O vestido usado pela modelo significa, em primeiro nível roupa e, em

segundo nível, respeito e classe. O vestido possui um corte clássico que esconde o

colo da mulher, deixando somente os braços e o pescoço a mostra, significando

respeito, uma vez que não mostra nenhuma parte do corpo que remeta a impurezas.

A modelo se encontra em posição de recosto, está apoiada totalmente no

sofá. A sua postura, em primeiro nível significa encosto e em segundo nível significa

equilíbrio, relaxamento. Embora ela esteja sobre o apoio do sofá, o seu corpo se

encontra em equilíbrio, está relaxado.

A modelo representa, em sua primeiridade, ela mesma, ou seja, Michelle

Obama11. Em segundo nível ela representa poder, riqueza e beleza. Michelle Obama é

esposa de Barack Obama, o homem mais poderoso do mundo, uma vez que é

presidente dos Estados Unidos. Michelle também foi considerada pela revista People

11

Michelle Obama é primeira dama dos Estados Unidos, esposa de Barack Obama.

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como uma das cem mulheres mais belas do mundo, tornando-se assim signo da

beleza.

O sorriso da modelo na foto significa, em primeira instância, a boca. No

segundo nível, o sorriso representa a felicidade, tranquilidade. O sorriso da modelo é

calmo, relaxado, o que causa uma sensação de alegria e satisfação.

A fotografia feita pela fotógrafa Annie Leibovitz da primeira dama Michelle

Obama para a capa da revista Vogue EUA de março de 2009 representa e significa o

clima e o contexto da época nos Estados Unidos. Em março de 2009, nos Estados

Unidos estava terminando o inverno e começando a primavera. Estas estações são

representadas na foto pelas cores quentes, as flores e o sorriso da modelo. O motivo da

foto, ou seja, a primeira dama Michelle Obama representa o contexto vivido pelos norte-

americanos. O primeiro negro a tomar posse da presidência dos Estados Unidos

representante da democracia e símbolo de esperança. A revista usa então destes

elementos visuais para remeter a seu conteúdo, as tendências de moda primavera-

verão e as celebridades em destaque do momento. O leitor constrói os significados

juntamente a revista. Se o leitor não souber quem é Michelle Obama ou não conhecer a

estação climática dos Estados Unidos daquele período, tampouco daria significados

aos elementos visuais da foto.

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5 Considerações Finais

O produtor editorial está inserido num universo de atuação vasto. Com isso,

este trabalho acadêmico surgiu com o objetivo de fomentar reflexões sobre as

possibilidades de atuação do profissional em campos ligados à criação de imagens e

fotografias, visando não só a produção editorial e gerenciamento da criação, mas

também a possível intervenção do profissional na discussão e apropriação de valores

sígnicos às imagens. Os significados agregados a uma imagem podem causar

diferentes interpretações, variando principalmente por causa da bagagem cultural de

cada leitor. Para evitar que as imagens sejam lidas de forma deturpada por indivíduos

de cada cultura, ou seja, para que se consiga comunicar, é necessário conhecer não só

a cultura local do interlocutor, mas os significantes que estão inclusos nela.

O estudo de caso das revistas Vogue Brasil e EUA sugere que os produtores

das imagens conheciam ou estavam inseridos no meio cultural do local de publicação

das mesmas, uma vez que as mensagens passadas pelas fotografias condiziam com o

contexto local.

Embora em seus aspectos visuais se apresentem absolutamente diferentes,

em questões conceituais e em seus objetivos, as revistas se assemelham muito. A

Vogue Brasil apresenta na capa uma fotografia fria, com tons sóbrios e um motivo

globalizado: a modelo Agyness Deyn. No Brasil, a modelo só tem a importância que tem

graças à globalização, uma vez que, em sua cultura original, na Inglaterra, a modelo

ganhou visibilidade por ser irreverente, moderna e estilosa, além de possuir uma

personalidade singular. Essa visibilidade foi projetada no Brasil graças a sua cultura

absorvente.

A cultura brasileira é, desde a sua natureza, composta por várias culturas. Ao

contrário do que se possa pensar, as agregações de cultura na cultura brasileira não

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cessaram com a independência de seu colonizador, Portugal, pelo contrário, ela cada

vez mais absorveu culturas diferentes. Os ingleses, franceses, holandeses, alemães,

todos deixaram uma marca na cultura brasileira e, com o avanço tecnológico e a

crescente velocidade com que as informações atravessam o mundo, o Brasil pôde

entrar em contato com inúmeras outras culturas e assim, agregando mais valor à sua.

Ao se tratar de moda, o Brasil tende a ser influenciado pela Europa – pólo

mundial da moda – seguindo tendências, dando estima às modelos que os europeus

dão e etc. Sendo assim, a revista Vogue Brasil produziu a foto da capa de março de

2009 considerando esse aspecto cultural brasileiro, a influência da Europa na moda do

Brasil.

Já a Vogue EUA se apoiou no aspecto da cultura americana oposta à cultura

brasileira, o regionalismo, o patriotismo e valor pelo que é seu de origem. A modelo

retratada na fotografia da capa de março de 2009 pela Vogue EUA é a primeira-dama

Michelle Obama, casada com o atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. O

fato de a primeira-dama estar na capa da revista aponta para a valorização da cultura

local, dos valores locais, como a democracia e a liberdade.

O produtor editorial está apto a desenvolver trabalhos com perspectivas

como esta estudada na monografia, devido a seus conhecimentos na área, bem como

por suas habilidades na aplicação dos signos e significantes, com o intuito de promover

uma boa comunicação e produzir mensagens contextualizadas e adaptadas a cada

local ou grupo.

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