vogue e vogue brasil - a cultura e seus significantes visuais
DESCRIPTION
Esta monografia pretendeu estudar a interlocução entre os significados e significantespresentes nas imagens e a cultura. São, então, abordados os conceitos de cultura, ascontiguidades da cultura, como a globalização e a indústria cultural. É tambémabordada a imagem em sua relação com a cultura e a moda, atuante também comoimagem.Para esta pesquisa foram analisadas as fotografias das capas da Vogue e VogueBrasil, revistas referência em moda, atualmente publicadas em mais de setenta países.Estas revistas foram escolhidas por serem obrigadas a dialogar com a culturaespecífica de cada local de publicação, uma vez que a produção de cada edição édiferente para cada país.Para a realização do trabalho foram feitas pesquisas em livros, sites e revistas,complementadas pelo estudo de caso Vogue e Vogue Brasil.Ao longo do trabalho, buscou-se a permeação dos significados das culturas locais noselementos visuais das fotografias estudadas, permitindo afirmar que os produtores dasimagens as criaram sob influência das culturas em que estavam inseridos ou da culturade seu público alvo.TRANSCRIPT
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE – UNI-BH
ERIKA CAROLINE DE ARAÚJO
VOGUE E VOGUE BRASIL:
A cultura e seus significantes visuais
Belo Horizonte
2009
ERIKA CAROLINE DE ARAÚJO
VOGUE E VOGUE BRASIL:
A cultura e seus significantes visuais
Monografia apresentada ao Centro Universitário de Belo Horizonte – Uni-Bh como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Produção Editorial. Orientadora: Professora Glória Reis
Belo Horizonte
2009
ATA DE APROVAÇÃO
Dedico este trabalho a todos aqueles que de alguma forma colaboraram com a sua conclusão. Em especial, a meus pais, sem eles eu não teria ido tão longe. A toda minha família. A minha orientadora Glória Reis que guiou os meus passos, a professora Luciene dos Santos, que tanto instigou em mim o prazer e a necessidade pela busca ao conhecimento. Aos colegas e amigos que partilharam de sua vivência e participaram da minha.
Agradeço a todos aqueles que sempre me incentivaram a buscar o conhecimento e todos aqueles que isso fizeram sem que sequer soubessem.
“Aquele que realiza Estudos Culturais fala a partir de interseções.” García Canclini
RESUMO
Esta monografia pretendeu estudar a interlocução entre os significados e significantes
presentes nas imagens e a cultura. São, então, abordados os conceitos de cultura, as
contiguidades da cultura, como a globalização e a indústria cultural. É também
abordada a imagem em sua relação com a cultura e a moda, atuante também como
imagem.
Para esta pesquisa foram analisadas as fotografias das capas da Vogue e Vogue
Brasil, revistas referência em moda, atualmente publicadas em mais de setenta países.
Estas revistas foram escolhidas por serem obrigadas a dialogar com a cultura
específica de cada local de publicação, uma vez que a produção de cada edição é
diferente para cada país.
Para a realização do trabalho foram feitas pesquisas em livros, sites e revistas,
complementadas pelo estudo de caso Vogue e Vogue Brasil.
Ao longo do trabalho, buscou-se a permeação dos significados das culturas locais nos
elementos visuais das fotografias estudadas, permitindo afirmar que os produtores das
imagens as criaram sob influência das culturas em que estavam inseridos ou da cultura
de seu público alvo.
Palavras-chave: cultura, fotografia, moda, imagem, signos, Vogue
ABSTRACT
Resumo do texto em inglês
Key-words: culture, photography, fashion, image, Vogue
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Capa da revista Vogue da edição Brasil, de março de 2009 ....................... 30
Figura 2 – Sentido de leitura: Vogue Brasil ................................................................... 32
Figura 3 – Capa da revista Vogue da edição EUA, de março de 2009 ......................... 36
Figura 4 – Sentido de leitura: Vogue EUA ..................................................................... 38
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Análise dos significantes plásticos da revista Vogue Brasil........................ 31
Quadro 2 – Análise dos significantes icônicos da revista Vogue Brasil......................... 34
Quadro 3 – Análise dos significantes plásticos da revista Vogue EUA.......................... 37
Quadro 4 – Análise dos significantes icônicos da revista Vogue EUA........................... 39
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 10
2 CULTURAS, IDENTIDADES CULTURAIS E INDÚSTRIA CULTURAL ............. 12
2.1 Considerações sobre Cultura ............................................................................ 12
2.2 Identidades culturais e globalização .................................................................. 14
2.3 A cultura de massas e a indústria cultural ......................................................... 17
3 A RELAÇÃO IMAGEM-CULTURA E A MODA ................................................... 21
3.1 A imagem como representação da cultura ........................................................ 21
3.2 A moda como imagem ....................................................................................... 26
4 O CASO VOGUE: ANÁLISE DA IMAGEM ......................................................... 29
4.1 Vogue Brasil ..................................................................................................... 30
4.1.1 Análise dos signos plásticos ......................................................................... 31
4.1.2 Análise dos signos icônicos .......................................................................... 33
4.2 Vogue EUA ........................................................................................................ 36
4.2.1 Análise dos signos plásticos ......................................................................... 37
4.2.2 Análise dos signos icônicos .......................................................................... 39
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 42
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 43
10
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa surgiu da ideia de discutir a interlocução das culturas locais
resistentes com a produção globalizada das mídias. Em meados de 1930, quando
foram viver nos Estados Unidos, fugidos da Alemanha e dos nazistas1, Adorno e
Horkheimer começaram a escrever sobre a cultura. Juntos, escreveram o livro Dialética
do Esclarecimento, em que debatiam as produções comunicativas como um produto da
industrialização, padronização e comércio, colocando a mídia como ditadora da cultura.
Porém, o caminho inverso, a cultura em interlocução com mídia, sendo também uma
causa da produção e não somente consequência, é objeto de estudos mais recentes.
Esta monografia, então, busca discutir o cruzamento cultura-mídia, investigando como
as diferentes culturas interagem com a produção midiática.
Como objeto de estudo, elegeu-se a produção fotográfica das capas das
revistas Vogue de março de 2009 dos Estados Unidos e a do mesmo mês do Brasil.
Estas capas contém as fotografias da modelo Agyness Deyn, na edição Brasil, e a
primeira dama Michelle Obama, na edição norte-americana.
A revista Vogue foi escolhida por ter mais de 16 edições em diferentes
países e ser considerada a maior publicação de moda do mundo. Segundo o filósofo
francês Gilles Lipovetsky (1987), atualmente a moda é valorizada como manifestação
cultural digna de pesquisa, uma vez que anterior a esse pensamento, a moda era
assunto efêmero e não considerado pelos intelectuais. Dessa forma, justifica-se a
escolha das revistas Vogue e Vogue Brasil para o estudo de caso.
Para atingir os objetivos, as fotografias foram analisadas para que, em cada
uma, fosse possível apontar elementos marcantes de uma identidade cultural local que
1 Início da Segunda Guerra Mundial.
11
comprovassem a permeação das culturas locais na produção das fotografias de cada
lugar de publicação das revistas. Para tal, as abordagens dos temas cultura e
identidades culturais foram consideradas principalmente a partir dos conceitos de
Adorno e Horkheimer (2000), DaMatta (2001), Hall (2003), Morin (1997), Santos (2008)
e Thompson (1995). Também se considerou as temáticas imagem, fotografia, semiótica
e leitura de imagem a partir dos autores Barthes (2000), Joly (2004), Ramalho e Oliveira
(2005) e Santaella e Nöth (2001).
Para orientar a análise, utilizou-se o modelo proposto por Joly (2004), em
que cada elemento – plástico e icônico – da imagem é descrito e estudado
separadamente, a fim de que todos os significados de cada elemento constituam um
significado maior.
A monografia é estruturada em três capítulos. O capítulo inicial trata das
conceituações de cultura e a indústria cultural. São feitas considerações sobre os
conceitos, as culturas locais e globais e a globalização. O capítulo seguinte aborda a
imagem como representação da cultura e a moda como imagem. O último capítulo
discute especificamente o caso Vogue, mostrando o estudo da relação imagem-cultura
das fotografias das capas da revista, as suas diferenças e similitudes. Nas
considerações finais, mostra-se que o caso Vogue se faz útil para a apresentação de
um exemplo de comunicação de via de mão dupla, em que não se considera uma mídia
como produtora de cultura, mas como a cultura e a mídia se entrelaçam de forma em
que uma não é o fim da outra.
Este estudo é especialmente importante para o produtor editorial, uma vez
que as revistas de moda são um grande movimentador econômico, e o conhecimento
dos pormenores da produção dessa mídia específica em relação à cultura e à
globalização dá maior suporte e alento para que esses profissionais desenvolvam a sua
atividade com maior segurança e desenvoltura, além de aumentar a bibliografia dos
estudos da Produção Editorial.
12
2 CULTURAS, IDENTIDADES CULTURAIS E INDÚSTRIA CULTURAL
2.1 Considerações sobre Cultura
A cultura pode ser compreendida de diversas formas. Salientam-se os
conceitos das áreas antropológicas, sociológicas e filosóficas.
Na antropologia, a cultura é vista como “o complexo que inclui conhecimento,
crenças, arte, morais, leis, costumes e outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem
como membro da sociedade” (Tylor, 1871 apud Laraia, 2006)2. Para a sociologia, a
cultura é “tudo aquilo que resulta da criação humana e, por isso, envolve todas as
dimensões do ser humano: suas crenças, artes, tecnologia, instituições” (Meksenas,
1994, p. 15). Já a filosofia, considera a cultura como um sistema de símbolos que
interpreta e confere sentido à vida, as formas que cada grupo humano resolve os seus
problemas ao longo da história (Nunes). Brant (2002), pesquisador de políticas
culturais3, propõe a cultura como um conjundo de características espirituais,
intelectuais, materiais e afetivas de determinado grupo, com sistemas de valores,
tradições, crenças e manifestações artísticas próprios.
Para Bizzocchi (2000, p.160), entender a cultura significa compreender o que
nos torna diferentes dos outros animais, o que nos torna seres humanos. No dicionário
Aurélio, encontra-se a seguinte definição:
2 Antropólogo britânico, Sir Edward Burnett Tylor nasceu em 1832. Foi o primeiro a conceituar cultura. In Infopédia. Edward Burnett Tylor. Porto: Porto Editora, 2003-2009. Disponível em: http://www.infopedia.pt/$edward-burnett-tylor. Acessado em 02 set. 2009.
3 http://www.brant.com.br/node/6
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Cultura é o conjunto complexo dos códigos e padrões que regulam a ação humana individual e coletiva, tal como se desenvolvem em um grupo específico e que se manifestam nos modos de vida, normas de comportamento, crenças, instituições, valores espirituais, criações materiais etc.
O dicionário Houaiss apresenta outras definições de cultura, como “forma ou
etapa evolutiva das tradições e valores de um lugar ou período específico” e “conjunto
de conhecimentos adquiridos em determinada área”. De acordo com Saraiva (1996,
p.102), historiador português, a cultura pode ser considerada de três formas: em
sentido amplo, como resposta que o homem dá à natureza; em sentido restrito, como
resposta que determinado grupo dá à natureza; e em sentido altamente limitado, como
conhecimento de artes.
Já para Coelho (1999, p.103), a cultura em sua conceituação mais ampla
refere-se aos modos de vida de uma comunidade em sua totalidade e no sentido
restrito conota ao cultivo da mente, apontando três eixos: um estado mental ou
espiritual desenvolvido; o processo que conduz a esse estado de que são partes as
práticas culturais genericamente consideradas; os instrumentos desse processo, como
cada uma das artes e outros veículos que expressam ou conformam um estado de
espírito ou comportamento coletivo.
Geertz (1978) é mais pessimista, a cultura para ele não é o complexo de
comportamento, costumes, tradições, mas sim um conjunto de mecanismos de controle
que regulam e governam o comportamento, tais como regras, instruções, receitas.
O conceito de Thompson (1995, p. 176) é mais abrangente e nos possibilita
discutir várias questões relacionadas à cultura:
o padrão de cultura pode ser definido como significados incorporados nas formas simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e objetos significativos de vários tipos, em virtude dos quais os indivíduos comunicam-se entre si e partilham suas experiências, concepções e crenças.
É importante ressaltar que, as culturas estão em comunicação, como bem
explica Cappello (2001, p. 115), principalmente em contextos de avanço de processo de
globalização que é:
14
um processo penetrante que ultrapassa as variáveis econômicas e afeta todas as sociedades complexas contemporâneas. Em razão da crescente influência dos modernos meios de comunicação e seu desenvolvimento tecnológico, as populações de diversas e distante áreas geográficas se encontram em condições de desenvolver uma íntima interação, inlfuenciando-se mutuamente.
DaMatta (2001) lembra que a globalização cultural se baseia em dois pontos
fundamentais: a difusão e a aculturação. A difusão se trata de um processo prático, a
saída de uma entidade cultural de um sistema e a sua adoção em outra socieidade. Já
a aculturação se refere ao modo como o sistema reinterpreta uma entidade cultural
vinda de fora. Graças a essas mudanças geradas por essa nova configuração geo-
política mundial, não se pode mais afirmar as culturas como sendo puras, ou seja, que
não sofreram influências ou mutações. Uma vez que elas se encontram em permanente
estado de comunicação, em contato umas com as outras, estão sempre trocando
valores e se modificando.
2.2 Identidades culturais e globalização
A identidade se divide em três concepções distintas, a concepção do sujeito
do iluminismo, do sujeito sociológico e, por fim, do sujeito pós-moderno. Essa divisão
proposta por Hall (2003) facilita a compreensão da transformação das concepções de
identidades, passando pelos conceitos de crise, as questões da globalização cultural,
até a discussão da permeabilidade das identidades na contemporaneidade.
A primeira concepção de identidade se dá pelo sujeito do iluminismo, que
considerava o indivíduo absolutamente centrado, unificado e consciente de suas
capacidades cognitivas. A esses indivíduos, a identidade era concebida a partir do
nascimento e se desenvolvia a partir disso, mas sem quaisquer alterações em sua
essência.
15
Já a concepção do sujeito sociológico considera a identidade já não como
uma única identidade do começo ao fim, mas aceita que ela seja modificada pelo
diálogo entre as diversas identidades, ou seja, ainda que o indivíduo projete a sua
essência nessas identidades culturais, ele também é injetado por significados e valores
de outras identidades. Pelas palavras de Hall (2003, p. 12):
A identidade, então, costura (...) o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados.
A concepção de identidade do sujeito pós-moderno é dada a partir das
mudanças ocorridas nos cenários social, econômico e cultural em que o sujeito se
insere. Habituado a uma identidade unificada e estável, o sujeito se vê abalado por
alterações na estrutura de seu mundo. Então, a identidade se fragmentou, o sujeito
passou a apresentar não uma, mas várias identidades. A fragmentação das identidades
provocou no sujeito um colapso. Dentro do sujeito muitas vezes essas identidades são
contraditórias e inacabadas, o que provoca nelas um deslocamento incessante,
impedindo que qualquer uma dessas identidades se mantivesse em um “centro”. Nesse
sentido, a identidade unificada não existe, é uma fantasia.
A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar - ao menos temporariamente. (Hall, 2003, p. 13).
Outro fator decisivo acerca da identidade na pós-modernidade é a
globalização. A sociedade pós-moderna se caracteriza principalmente pela alta
velocidade e constância das mudanças que sofre e causa. A principal transformação da
pós-modernidade se deu no âmbito do tempo e do espaço: com o surgimento da
internet, por exemplo, o espaço se encurtou - um rapaz japonês pode facilmente entrar
em contato com um amigo nas Bahamas - o espaço físico se tornou virtual. Esse
“desalojamento do sistema social” (Giddens, 1990 citado por Hall, 2003, p. 15) tirou as
relações sociais de seus contextos locais. As identidades só fazem sentido para
determinados indivíduos e em um determinado espaço de tempo, elas são “resultados
16
transitórios e fugazes de processos de identificação” (Santos, 2008, p. 135), são, como
denomina o autor, “identificações em curso”.
Essas identidades culturais transitivas são formadas por elementos a que
certo grupos sociais atribuíram significados culturais intertextuais específicos durante
um certo tempo, como cita Seixas (2008, p. 98):
os valores sociais e os modos de pensar, os costumes e o estilo de vida, as instituições, a história comum, os grupos étnicos, o meio ambiente natural e cultural, os pressupostos filosóficos subjacentes às relações sociais.
Exemplos desses valores é a forma de se vestir, a forma de se falar, o quê e
como comer, como cumprimentar, etc.
O processo da globalização estabelece uma nova relação entre as culturas
locais e a cultura global. Ao mesmo tempo em que são incorporados uma série de
valores de outras culturas, os localismos voltam a ser valorizados. Como disse Laclau
(1990, citado por Hall, 2003), as sociedades da pós-modernidade são caracterizadas
pelas “diferenças”.
[...] elas são atravessadas por diferentes divisões e antagonismos sociais que produzem uma variedade de diferentes "posições de sujeito" - isto é, identidades - para os indivíduos. se tais sociedades não se desintegram totalmente não é o porque elas são unificadas, mas porque seus diferentes elementos e identidades podem, sob certas circunstâncias, ser conjuntamente articulados. Nas essa articulação é sempre parcial: a estrutura da identidade permanece aberta. (Hall, 2003, p. 17)
Hall (2003, p. 69) também descreve as três possíveis consequências dos
aspectos da globalização sobre as identidades:
As identidades nacionais estão se desintegrando, como resultado do crescimento da homogeneização cultural e do "pós-moderno global". As identidades nacionais e outras identidades "locais" ou particularistas estão sendo reforçadas pela resistência à globalização. As identidades nacionais estão em declínio, mas novas identidades - híbridas - estão tomando seu lugar.
O mercado global cria a ilusão de que tudo tende a assemelhar-se e a se
tornar homogêneo, porém Huntington (1997, citado por Seixas 2008), renomado
cientista político, discorda. O encurtamento das distâncias entre as sociedades e a
mistura entre as culturas não tendem necessariamente a uma homogeneização cultural,
17
mas sim a uma luta simbólica, em que cada cultura quer se afirmar perante as demais,
provocando assim um fortalecimento e uma maior preservação de suas identidades.
A política mundial está sendo reconfigurada seguindo linhas culturais e civilizacionais. Nesse mundo, os conflitos mais abrangentes, importantes e perigosos não se darão entre classes sociais, ricos e pobres, ou entre grupos definidos em termos econômicos, mas sim entre povos pertencentes a diferentes identidades culturais. As guerras tribais e os conflitos étnicos irão ocorrer no seio das civilizações. (Huntington, 1997, citado por Seixas, 2008, p. 8)
É importante lembrar que, ainda que pareçam conceitos opostos, a cultura
local e global não são mutuamente exclusivas, mas sim duas diferentes dimensões
sociais que são, como disse Tocqueville (1977, p. 541) apud DaMatta (2001, p. 169)
“duas humanidades distintas, cada uma das quais tendo as suas vantagens e os seus
inconvenientes particulares, os bens e os males que lhe são próprios”. O global e o
local caminham juntos e não um contra o outro.
A cultura global, de uma maneira superficial, é percebida como um mundo
livre em que todos desfrutam de um rápido desenvolvimento tecnológico, são o
resultado da extensão de uma determinada cultura ao resto do planeta. Já a cultura
local se caracteriza por suas tradições e particularidades. Essa dialética entre as
culturas global e local não nos permite pensar que a cultura global vai sempre dominar
e acabar com a local, mas pode haver processos de interseção em mão dupla, gerando
uma terceira cultura, uma cultura híbrida com características globais e locais.
2.3 A cultura de massas e a indústria cultural
Adorno (2006), um dos principais teóricos a respeito do capitalismo tardio e
da indústria cultural, concebe a cultura como um mecanismo adotado pela burguesia
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para controlar as concepções e ideologias sociais na sociedade capitalista, mantendo-a
distraída e alienada. E essa cultura é transformada em bem de consumo, sendo
produzida seguindo as normas industriais: padronização dos bens simbólicos,
massificação e técnicas de distribuição – difusão e venda.
Não há dúvida de que já o livro, o jornal, eram mercadorias, mas a cultura e a vida privada nunca haviam entrado a tal ponto no circuito comercial e industrial, nunca os murmúrios do mundo não haviam sido ao mesmo tempo fabricados industrialmente e vendidos comercialmente (Morin, 1997, p. 13).
Morin (1997) ressalta a diferença entre a cultura clássica e cultura industrial:
a cultura clássica é um conjunto de normas, símbolos, mitos e imagens, que entram no
indivíduo, estruturam seus instintos e guiam suas emoções, já a cultura de massa, que
também não deixa de ser uma cultura, é um conjunto de símbolos, mitos e imagens
relativas à vida prática (personalidade) e à vida imaginária (alma), um apanhado de
projeções e de identificações específicas, que se acrescenta e concorre com a cultura
nacional, a cultura humanista e a cultura religiosa4.
O autor ainda diz que a produção-criação, característica da indústria cultural,
é um modelo burocrático-industrial em que a organização burocrática filtra a idéia
criadora, submetendo-a a exame antes que ela chegue às mãos do produtor. Este por
sua vez decide em função da rentabilidade eventual ou da sua oportunidade política se
irá produzi-la ou não. O poder cultural se encontra imprensado entre o poder
burocrático e o poder técnico. E é exatamente essa situação que exerce papel
fundamental na cultura de massa, uma vez que cria a tendência à despersonalização
da criação, à predominância da organização racional de produção sobre a invenção. No
entanto, essa tendência se contrapõe com a exigência do público, que quer um produto
individualizado e original. Neste ponto, o autor observa que a indústria cultural supera
constantemente a contradição fundamental entre suas estruturas “burocratizadas-
padronizadas” e a originalidade do produto que ela fornece. Morin (1997) ainda afirma
4 Cultura nacional: imerge-nos nas experiências vividas no passado, promovendo relações de identificação e projeção aos heróis da pátria. Cultura humanista: procura um saber e uma sensibilidade, um sistema de atitudes afetivas e intelectuais, pro meio do comércio das obras literárias. Cultura religiosa: se baseia na identificação com o deus que salva e com a Igreja. (Morin, 1997)
19
que esse equilíbrio entre a padronização e a originalidade depende exclusivamente do
próprio produto. O autor também defende que a democratização da cultura, que é uma
das características da cultura de massa, pode ser a ligação entre as duas culturas.
A partir da análise das obras de Adorno, Horkheimer e outros, Rüdiger (2001,
p. 138) aponta o que é a Indústria Cultural em todo o seu processo:
[...] referiram-se com o termo indústria cultural à conversão da cultura em mercadoria, ao processo de subordinação da consciência à racionalidade capitalista, ocorrido nas primeiras décadas do século XX. Em essência, o conceito não se refere pois às empresas produtoras, nem às técnicas de comunicação. A televisão, a imprensa, os computadores, etc., em si mesmos não são a indústria cultural: essa é, sobretudo, um certo uso dessas tecnologias. Noutras palavras, a expressão designa uma prática social, através da qual a produção cultural e intelectual passa a ser orientada em função de sua possibilidade de consumo no mercado.
Segundo Morin (1997), a indústria cultural não só transformou a cultura em
produto, mas a resumiu a um bem de consumo do entretenimento e lazer. A produção e
circulação dos bens simbólicos ficaram submissas à lógica de mercado. E essa cultura
de massa dá força ao voyeurismo, fornecendo ao consumidor fofocas e confidências
dos olimpianos5. O consumidor participa do espetáculo, mas sempre através de um
mediador, seja um jornalista, um fotógrafo, um locutor.
Todos os elementos e características abordados por Morin (1997) se aplicam
às revistas de moda. Essas revistas são para seus leitores uma referência, uma vez
que se identificam e se projetam na mulher perfeita criada pelos editores. O bem estar e
o lazer são enfatizados como objetivos de vida e os olimpianos estão nas suas capas.
Na cultura de massa são encontrados temas masculinos e femininos, mas a
temática feminina, destacada em 1937 com a revista Confidences, gera mais lucro, e,
portanto mais atenção da Indústria Cultural. A mulher se identifica com o que vê na
mídia, as propagandas e reportagens as orientam precisamente como ser a mulher
ideal.
5 Segundo Morin (1997), os olimpianos são as celebridades da Indústria Cultural, são as estrelas que simbolizam os tipos ideais da cultura de massa, devido à vida de luxo e de espetáculo que tem.
20
A moda monopoliza as revistas femininas, como Marie Claire e Elle. Nestas
revistas, os temas abordados vão desde consultoria sentimental, moda e beleza,
conselhos práticos, etc. Em resumo, os principais temas identificadores da cultura de
massa são também os principais temas das revistas femininas: o lar e o bem-estar, a
sedução e o amor. De acordo com Morin (1997), a arte da sedução é essencial no novo
saber-viver.
A moda é parte do processo da cultura de massa, pois há uma dupla
necessidade: a de reestimulação sedutora, a da afirmação individual e a necessidade
de ser diferente dos outros. Lipovetsky (1987) afirma que na pós-modernidade ocorre
uma fusão mídia-moda, em que a primeira promove a sedução e o consumo da
segunda. No entanto, a mídia tem suas modas. A moda da mídia se subside muitas
vezes nos olimpianos, figuras que provocam verdadeiras paixões, despertando nos
consumidores a vontade de copiar instintivamente o que chega até eles.
Adorno e Horkheimer (2000) afirmam que o princípio básico da cultura de
massa consiste em apresentar ao consumidor as necessidades que podem ser
satisfeitas pela indústria cultural, bem como a organização dessas necessidades, de
forma que ele seja um eterno consumidor.
A cultura de massas não pode ser vista apenas como uma transformadora
de cultura em produto. Nesta monografia, adota-se a abordagem do processo da
Indústria Cultural como uma via de mão dupla, em que a indústria mercantiliza a cultura,
mas que, em contraponto esse produto também transforma a cultura, como Rüdiger
(1997, p. 18) bem esclarece:
A categoria [indústria cultural] tem um sentido dialético e refere-se antes de mais nada ao processo de transformação da cultura em mercadoria mas, também, de transformação da mercadoria em matriz de cultura.
21
3 A RELAÇÃO IMAGEM-CULTURA E A MODA
3.1 A imagem como representação da cultura
Neste estudo, começa-se a conceituar imagem a partir da definição de
Platão, uma das mais antigas conceituações de imagem:
Chamo de imagens em primeiro lugar as sombras, depois os reflexos que vemos nas águas ou na superfície de corpos opacos, polidos e brilhantes e todas as representações do gênero (Platão, 1949, citado por Joly, 2004, p. 14)
Joly (2004) propõe a exploração de algumas das aplicações da palavra
imagem para, a partir disso, defini-la. A primeira aplicação sugerida por Joly (2004) é a
imagem de mídia. A palavra “imagem” remete, no seu emprego contemporâneo, quase
sempre à imagem de mídia. “A imagem invasora, a imagem onipresente, aquela que se
critica e que, ao mesmo tempo, faz parte da vida cotidiana de todos é a imagem da
mídia” (Joly, 2004, p. 14). A imagem de mídia é representada principalmente pela
publicidade e televisão, pois são mídias que utilizam muito bem as imagens. Entretanto,
considerar os termos imagem, televisão e publicidade como sinônimos pode prejudicar
a utilização e compreensão da imagem. Joly (2004) explica as duas principais
confusões que essa amálgama pode gerar, a primeira confusão é incorporar suporte a
conteúdo. A televisão é um meio, a publicidade um conteúdo, já a segunda confusão se
dá entre a imagem fixa e a imagem animada.
Considerar que a imagem contemporânea é a imagem da mídia – e que a imagem da mídia por excelência é a televisão ou o vídeo – é esquecer que coexistem, ainda hoje, nas próprias mídias, a fotografia, a pintura, o desenho, a gravura, a litografia etc., todas as espécies de meios de expressão visual que se considerem “imagens”. (Joly, 2004, p. 15)
22
Joly (2004) então conclui a utilização da palavra “imagem” como imagem de
mídia afirmando que:
Confundir imagem contemporânea e imagem da mídia, imagem da mídia e televisão e publicidade, é não apenas negar a diversidade das imagens contemporâneas como também ativar uma amnésia e uma cegueira, tão prejudiciais quanto inúteis, para a compreensão da imagem. (Joly, 2004, p. 16)
Outra utilização do termo “imagem” proposta por Joly (2004) é “lembranças
de imagens”. Neste ponto, a autora cita um conhecido versículo bíblico “Deus criou o
homem à sua imagem” (Gênesis, 1,27) para propor que a imagem não só representa,
mas também evoca uma semelhança. Outro aspecto abordado é a imagem como aquilo
que não se mexe e não fala. A autora ilustra essa questão com o exemplo do dito
francês “comportar como uma imagem” que é proferido às crianças para que elas
fiquem quietas.
A criança “comportada como uma imagem” ganhou muitas vezes como recompensa uma imagem (às vezes religiosa). Representações visuais e coloridas, essas imagens são de calma e de reconhecimento. (Joly, 2004, p. 17)
Joly apresenta uma terceira utilização do termo imagem, agora como origem.
Por toda parte no mundo o homem deixou vestígios de suas faculdades imaginativas sob a forma de desenhos, nas pedras, dos tempos mais remotos do paleolítico à época moderna. (Gelb, 1973, citado por Joly, 2004, p. 17)
Na etimologia do termo imagem, imago, em latim, se refere à máscara
mortuária usada nos funerais na Roma antiga. Essa significação remete a imagem
também ao espectro ou a alma do morto.
Nas religiões judaico-cristãs, as imagens se fizeram presentes em toda a
história. O período dos iconoclastas, em que a fabricação das imagens era proibida,
influenciou não só a religião, mas toda a história da pintura ocidental. Na arte, o sentido
de imagem vincula-se especialmente à representação visual: “afrescos, pinturas, mas
também iluminuras, ilustrações decorativas, desenho, gravura, filmes, vídeo, fotografia
e até imagens de síntese” (Joly, 2004, p. 18).
Joly (2004) diz que a imagem também é um objeto de reflexão da filosofia
desde a Antiguidade. Platão e Aristóteles discutem a imagem antagonicamente. Platão
23
considera a imagem imitadora, seduz as partes mais fracas de nossa alma e julga como
única imagem válida aos olhos a imagem “natural”. Já Aristóteles considerava a
imagem educadora, eficaz pelo prazer de sedução que ela proporciona.
Outro emprego da palavra “imagem” se atribui a algumas atividades
psíquicas, como por exemplo, a representação mental, o sonho, etc. É preciso
esclarecer a distinção entre representação mental e esquema mental. Esquema mental
é “um modelo perceptivo de objeto, de uma estrutura formal que interiorizamos e
associamos a um objeto, que pode ser evocado por alguns traços visuais mínimos.”
(Joly, 2004, p. 20). Joly explica a imagem como representação mental
A imagem mental corresponde à impressão que temos quando, por exemplo, lemos ou ouvimos a descrição de um lugar, de vê-lo quase como se estivéssemos lá. Uma representação mental é elaborada de maneira quase alucinatória, e parece tomar emprestadas suas características da visão. Vê-se. (Joly, 2004, p. 19)
O interessante da imagem mental é a semelhança que ela tem com a
fantasia ou o sonho. Joly (2004, p. 20) explica a semelhança da imagem mental e o
sonho com o seguinte exemplo:
[...] quando nos lembramos de um sonho, temos a impressão de lembrar de um filme. Não tanto porque vimos, mas porque despertamos e, portanto, pudemos perceber que a ‘história’ (ou as situações do sonho) não tinham qualquer realidade.
Outra utilização da palavra imagem é a imagem verbal, que a princípio
parece um paradoxo, mas que se esclarece quando é dito que imagem verbal seria o
mesmo que metáfora, ou, pelas palavras de Joly (2004, p. 22):
A metáfora é a figura mais utilizada, mais conhecida e mais estudada da retórica, à qual o dicionário dá “imagem” como sinônimo. O que se sabe da metáfora verbal, ou do falar por “imagens”, é que consiste em empregar uma palavra por outra, em virtude de sua relação analógica ou de comparação.
Há também outro tipo de emprego da palavra imagem, que se dá no campo
científico. Nesse campo, a imagem é concebida como “visualizações de fenômenos”
(Joly, 2004, p. 23), ela dá suporte à observação e interpretação desses fenônemos, são
registros. Na matemática, a imagem é “uma representação diferente de um mesmo
24
objeto ao qual ela é equivalente e não idêntica” (Joly, 2004, p. 25), ou seja, é o mesmo
objeto sob uma perspectiva diferente.
Há ainda as novas imagens, ou também chamadas imagens de síntese, que
são imagens produzidas em computador. Nesta categoria estão as imagens
manipuladas, as imagens de videogames, de simuladores de vôo, hologramas e etc. As
novas imagens são imagens virtuais, ou seja, ilusórias e não reais.
Por fim, Joly (2004) fala da imagem-Proteu, uma imagem que pode ser tudo
e que, no entando não impede a sua compreensão e tampouco a sua utilização, ou, em
suas palavras:
[...] a imagem pode ser tudo e o seu contrário – visual e imaterial, fabricada e “natural”, real e virtual, móvel e imóvel, sagrada e profana, antiga e contemporânea, vinculada à vida e à morte, analógica, comparativa, convencional, expressiva, comunicativa, construtora e destrutiva, benéfica e ameaçadora. (Joly, 2004, p. 27)
Santaella, Nörth (2001) e Joly (2004) propõem então a imagem como
representação ou signo. De acordo com a teoria dos signos de Pierce, um signo é “algo
que está no lugar de alguma coisa para alguém, em alguma relação ou alguma
qualidade” (1978, apud Joly 2004), ou pelas palavras da autora:
Um signo tem uma materialidade que percebemos com um ou vários de nossos sentidos. [...] Essa coisa que se percebe está no lugar de outra; esta é a particularidade essencial do signo: estar ali, presente, para designar ou significar outra coisa, ausente, concreta ou abstrata. [...] tudo pode ser signo, a partir do momento em que dele deduzo uma significação que depende de minha cultura, assim como do contexto de surgimento do signo. “Um objeto real não é um signo do que é, mas pode ser o signo de outra coisa”. (Joly, 2004, p. 32)
A imagem é, portanto, a representação de um objeto.
[a imagem] indica algo que, embora nem sempre remeta ao visível, toma alguns traços emprestados do visual e, de qualquer modo, depende da produção de um sujeito: imaginária ou concreta, a imagem passa por alguém que a produz ou reconhece. (Joly, 2004 p. 13)
Sendo o signo uma figura representativa, a imagem - conceituada como a
representação visual é, então, um signo. Porém a imagem tem uma característica
peculiar. Os signos são divididos em três subcategorias: quali-signo, sin-signo e legi-
25
signo. O quali-signo é todo signo que é uma qualidade, o sin-signo é uma coisa
existente, um acontecimento real, é constituído de vários quali-signos, os legi-signos,
por sua vez, são signos que são uma lei (Pierce, 1975). As imagens, quando são únicas
e representaram tão somente um único objeto e não vários, se encaixam na
subcategoria sígnica de sin-signo, no entanto, se as imagens significarem vários
objetos, elas serão legi-signos. Se a imagem sin-sígnica tiver alguma relação física com
o objeto representado, ela se classifica como sin-sígnica indicial. As imagens que serão
analisadas neste trabalho se classificam então por sin-signos indiciais, uma vez que os
objetos representados nas imagens existem de fato e os signos que os representam
possuem uma relação física com os objetos, partilham das mesmas características.
Para analisar os signos, Pierce (1975) classificou três categorias de
compreensão: a primeiridade, a secundidade e a terceiridade. A primeiridade se trata
da primeira impressão que se tem da coisa, desconsiderando quaisquer referências a
suportes e substratos, a secundidade é o relacionamento direto do objeto com outro,
causa uma reação, já a terceiridade se trata do pensamento, da aprendizagem, chega-
se a uma convenção, uma síntese. Por exemplo, quando se lê uma placa no muro de
uma casa com os dizeres “cão bravo”, a primeiridade é “cão bravo”, a secundidade é o
medo e a terceiridade é que a casa está segura, uma vez que não se deve enfrentar um
cão bravo.
Para a compreensão da imagem como representação da cultura deve-se
entender a cultura pela concepção de Thompson (1995), em que ela é dada como um
conjunto de significados incorporados na forma de símbolos, partilhados por um grupo
de indivíduos. Sendo os símbolos signos abstratos e convencionados, essa
conceituação permite reler a concepção de cultura como sendo um conjunto de
significados incorporados na forma de imagens.
26
3.2 A moda como imagem
O homem comunica. Antes de aprender a falar ou escrever, o homem já se
comunicava. O sistema não-verbal de comunicação é o mais antigo e universal dos
sistemas e nunca deixou de existir. O corpo, os objetos associados ao corpo, como por
exemplo, o que o veste ou não veste, e os produtos de habilidades humanas são meios
comunicativos. Dentre esses meios se encontra a moda.
Historiadores e antropólogos afirmam serem três os motivos pelos quais a
sociedade optou por se vestir: pudor, proteção e adorno (Stefani, 2005). A história da
moda como indumentária6 é contabilizada apenas no romantismo7, quando os
teatrólogos sentiram a necessidade de estudar a indumentária para as suas produções
teatrais (Barthes, 2005).
A história da indumentária só começou realmente com o romantismo, e entre os teatrólogos; como os atores quisessem representar seus papéis em trajes de época, pintores e desenhistas iniciaram uma pesquisa sistemática sobre a verdade histórica das aparências (vestuário, cenário, mobília e acessório), em suma, daquilo que se chamava justamente indumentária. (Barthes, 2005, p. 285)
A moda, entendida então como indumentária e acessórios, tais como
sapatos, bolsas, maquiagem e afins, é uma forma de o homem se comunicar. Ainda
que essa comunicação não seja sempre produzida intencionalmente e nem lida
conscientemente, ela comunica.
Muito antes de eu ter me aproximado o suficiente para falar com você na rua, em uma reunião ou em uma festa, você comunica seu sexo, idade e classe
6 Indumentária, s. f. (de indumentário). 1. História do vestuário. 2. Arte do vestuário. 3. Sistema do vestuário em relação a certas épocas ou povos. 4. Traje. (Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 1980, p. 964)
7 “O romantismo foi um movimento artístico ocorrido na Europa por volta de 1800, que representa as mudanças no plano individual, destacando a personalidade, sensibilidade, emoção e os valores interiores.” (http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=404)
27
social através do que está vestindo – e possivelmente me fornece uma informação importante (ou uma informação falsa) em relação a seu trabalho, origem, personalidade, opiniões, gostos, desejos sexuais e humor naquele momento. Talvez eu não seja capaz de colocar em palavras o que observo, mas registro a informação inconscientemente e você faz o mesmo, simultaneamente, em relação a mim. Quando nos conhecermos e conversarmos já teremos falado um com o outro em uma língua mais antiga e universal. (Lurie, 1997, p.19)
A indumentária atua como um sistema não-verbal da comunicação. Barthes
(2000) diz que a moda é um dos objetos de reflexão da Semiologia, que para o autor é
um sistema de signos mediado pela linguagem. Ou seja, assim como a imagem, ela é
um conjunto de símbolos, é uma figura representativa de algo.
“[...] o vestuário descrito jamais corresponde a uma execução individual das regras da moda, mas é um exemplo sistemático de signos e de regras: é uma Língua em estado puro.” (Barthes, 2000, p. 28)
A moda e a imagem são uma forma de expressão visual e o seu texto não
verbal é constituído por vários elementos. A moda, por exemplo, é composta por
roupas, sapatos, bolsas e acessórios, em que cada um desses elementos tem a sua
própria significação e a soma deles resulta no look8, um conjunto interligado de
significações que comunicam entre si e com o exterior.
A moda, como linguagem, é fruto de uma convenção à qual todos se submetem com o objetivo de comunicar. Os símbolos, para a ocorrência da transmissão de mensagens, precisam ser compartilhados, ter uma significação em comum para várias pessoas. (Stefani, 2005, p. 57 e 58)
Nesta comunicação, a mensagem passada pela moda tem vários sentidos ou
podem gerar interpretações diversas. A aparência de alguém pode vir a comunicar o
que ela é de fato ou o que deseja que os outros pensem dela.
A aparência é o desejo de mostrar-se similar a um modelo desejável (parecer) e, sobretudo, de manifestar-se diante do outro (aparecer). Funciona como uma camuflagem ou maneira superficial de se apresentar publicamente, parecendo verdadeira ou ocultando a essência do ser sob essa camada externa. (Stefani, 2005, p. 70)
8 "A expressão inglesa look é muito utilizada no mundo da moda. [...] seu sentido é o de resultado da produção, ou seja, a soma de roupas e acessórios que irão permitir que o indivíduo possa mostrar o que é." (Stefani, 2005, p. 13)
28
A moda é constituída por inúmeros símbolos, e as significações desses
símbolos podem variar de acordo com cada cultura, assim como a imagem.
O significado dos objetos de consumo se movem de uma sociedade para outra, conforme o seu contexto social; os significados expressos pelos consumidores refletem pontos de vista culturais. O comportamento de consumo pode ser explicado pela necessidade de expressar estes significados mediante a posse de produtos que comunicam à sociedade como o indivíduo se percebe enquanto interagente com grupos sociais. (Miranda et. al, 2000, p. 01)
Sendo que a moda e a imagem são percebidas e lidas da mesma forma,
como um conjunto de signos que significam de acordo com o seu local de produção e
leitura, e partilharem de uma série de elementos similares, como as cores, a textura e a
forma, pode-se afirmar que a moda atua como imagem.
29
4 O CASO VOGUE – ANÁLISE DA IMAGEM
Para o estudo das fotografias das capas da Vogue Brasil e Vogue EUA de
março de 2009, será usado o modelo de análise proposto por Joly (2004), que consiste
em estudar cada elemento da imagem de forma separada.
Entre os signos que compõem a imagem, estão os signos plásticos e
icônicos. Os signos plásticos são aqueles que, não são apenas material de expressão
dos signos icônicos, mas também possuidores de significados próprios. Os significantes
plásticos estudados são o quadro, o enquadramento, o ângulo de tomada, a escolha da
objetiva9, a composição, as formas, as dimensões, as cores, a iluminação e a textura.
Os significantes icônicos ou figurativos (Joly, 2004) são significantes
presentes na imagem que, pelas palavras de Joly (2004, p.104), “cada um deles [os
significantes icônicos] está no anúncio por algo mais do que ele próprio, pelas
conotações que evoca.” Sendo assim, para a análise destes signos, serão apontados
os motivos da imagem e a pose do modelo, os seus significados de primeiro nível, ou
seja, aquilo a que o signo se remete primeiro e a conotação de segundo grau, aquilo a
que, levando-se em conta o repertório cultural do leitor, se remete mais profundamente.
9 Por objetiva entende-se a lente usada na câmera fotográfica.
30
4.1 Vogue Brasil
A análise da fotografia da capa da revista Vogue Brasil (Figura 1) será feita
primeiramente a partir dos signos plásticos, uma vez que eles são também partes dos
signos icônicos.
Figura 1 – Capa da revista Vogue da edição Brasil, de março de 2009
Fonte: Vogue Brasil
31
4.1.1 Análise dos signos plásticos
No quadro abaixo (Quadro 1), são apresentados discriminativamente os
significantes plásticos e os seus significados:
Quadro 1 Análise dos significantes plásticos da revista Vogue Brasil
Significantes plásticos Significados
Quadro Ausente, fora de campo: imaginário
Enquadramento Fechado: proximidade
Ângulo da tomada “à altura do homem e de frente”: realidade, naturalidade
Escolha da objetiva
Objetiva normal, pequena profundidade de campo: focalização, distinção do objeto do resto da cena
Composição Descendente vertical: equilíbrio
Formas Massa: moleza, suavidade Xadrez: elegância
Dimensões Grande Cores Dominante fria Iluminação Difusa: suavidade, feminilidade Textura Lisa: visual
* Os significados estão em itálico.
Na imagem (Figura 1), a ausência de quadro, ou seja, os limites ou moldura
da representação, e a interrupção da imagem pelo tamanho da página, incita o
imaginário do leitor, fazendo com que ele forçosamente complete o resto da fotografia,
uma vez que, por a página ser pequena, ele não possa ver a imagem completa.
O enquadramento médio, resultante de uma distância razoável entre o objeto
fotografado e a objetiva, demonstra certa proximidade do leitor com a modelo, já que se
pode visualizar a sua expressão facial e o seu olhar.
O ângulo de tomada da fotografia é “à altura do homem e de frente” (Joly,
2004, p. ), a objetiva se encontra de frente para a modelo e à sua altura, dando a
32
impressão de realidade e naturalidade à cena, uma vez que imita a visão natural do
leitor.
A objetiva usada para a captação da fotografia é uma objetiva normal10, o
que proporciona uma pequena profundidade de campo e mínima distorção do objeto,
aproximando-se novamente da visão natural do leitor.
A composição, ou “geografia interior da mensagem visual” (Joly, 2004, p. 97)
é aquilo que orienta o sentido de leitura da imagem. Na foto de Jacques Dequeker da
capa da Vogue Brasil, a composição é descendente vertical (ver Figura 2), a leitura
começa a partir do rosto da modelo e desce verticalmente até o fim da página, o que
denota equilíbrio, retidão.
Figura 2 – Sentido de leitura: Vogue Brasil
Quanto às formas, a imagem é constituída por massas e xadrez. A roupa
xadrez usada pela modelo denota elegância, uma vez que remete às roupas de
inverno, que são por si só glamorosas.
10 As objetivas normais (50mm) são caracterizadas por se assemelharem quase perfeitamente à visão humana, proporcionando pouca profundidade de campo, menor distorção da imagem e menos achatamento do objeto.
33
A dimensão da fotografia é grande, uma vez que o objeto se apresenta
ocupando o enquadramento quase todo e se pode ver detalhes da imagem. A
dimensão grande dá ao objeto destaque e importância.
A imagem é predominantemente cinza, uma cor fria que denota, além do
próprio frio, sobriedade e equilíbrio, uma vez que a cor é o equilíbrio do preto e o
branco.
A iluminação é difusa, uma vez que não há sombras marcantes na modelo, a
sombra e a luz se misturam suavemente. Esse tipo de iluminação quebra o aspecto
sóbrio das cores frias, significando suavidade, feminilidade. Ainda assim, a iluminação
difusa completa a denotação de frio causada pela cor, já que nas estações frias –
inverno e outono – a iluminação natural predominante é a difusa, uma vez que o céu
nestas estações fica mais coberto de nuvens.
Apesar da roupa da modelo apresentar um pouco de textura no xadrez, a
predominância na imagem é a textura lisa. Não há granulados ou similares, o que
diminui a sensibilidade tátil provocada pelo casaco xadrez e destaca a visual, além de
favorecer o significado de frieza da foto.
4.1.2 Análise dos signos icônicos
A análise dos signos icônicos varia de acordo com a natureza de quem a
analisa, ou seja, a sua cultura e o meio em que se insere têm influência na percepção
dos significados. Sendo assim, a análise será feita levando-se em consideração a
cultura brasileira.
34
Quadro 2 Análise dos significantes icônicos da revista Vogue Brasil
Significantes icônicos Significados de primeiro nível Conotações de segundo nível Chapéu Chapéu, cabeça Nobreza, autoridade, poder Agasalho Agasalho Frio, proteção Boca semi-aberta Boca Sensualidade, provocação
Pose/postura da modelo Movimento Desejo de diálogo, proximidade, relação, movimento
Modelo (Agyness Deyn) Agyness Deyn Moda, estilo, modernidade Cabelo loiro platinado Tintura Ousadia, estilo Ausência de paisagem Estúdio Artificialidade, frieza
A fotografia contém vários significantes icônicos, dentre eles o chapéu
representa, em primeiro nível o próprio chapéu e a cabeça e, o segundo nível, ou seja,
a reação que ele desperta é de nobreza, autoridade e poder. O chapéu é comumente
usado para diferenciar ordens dentro de uma hierarquia social. Um exemplo disso é a
Igreja Católica, em que os bispos usam um tipo de chapéu, os cardeais outro e os
papas, outro.
O agasalho remete, em primeiro nível a si próprio, já a sua conotação de
segundo nível remete ao frio e a proteção. O agasalho é roupa típica de estações frias
e serve, antes de ser um adorno, como proteção contra esse frio.
A boca da modelo, que se encontra semi-aberta, é em sua primeiridade
apenas a boca, enquanto tem por significado de segundo nível a sensualidade e a
provocação. A boca da modelo semi-aberta possibilita visualizar os seus dentes e por
entre eles a língua, que remete a sedução.
A postura/pose da modelo em primeiro nível nos indica movimento. O seu
corpo está virado para uma direção enquanto a cabeça está virada para outra. Essa
postura dá a sensação de movimento, pois não é uma pose relaxada. Em segundo
nível esta postura dá a sensação de proximidade, de desejo de diálogo, uma vez que
ela olha diretamente para o espectador, quase como construindo uma relação
interpessoal com ele.
35
A escolha da modelo é também um signo icônico. A modelo da fotografia é
Agyness Deyn. Ela representa, em primeiro nível, a si própria. Em segundo nível ela
significa a moda, já que é modelo, significa também estilo e modernidade. De acordo
com Ana Claudia Lopes, em matéria publicada nesta edição analisada da Vogue, a
modelo Agyness Deyn é “símbolo da modernidade cool dos jovens de Londres” e, por
sua vez, representa estilo e modernidade também no Brasil, já que a moda européia é
influente na construção da moda brasileira.
O cabelo loiro da modelo também carrega os seus significados. Em primeiro
nível os cabelos loiros platinados significam tintura, em segundo nível significam estilo e
ousadia, uma vez que é um cabelo incomum, que não passa despercebido.
A ausência de paisagem e de segundo plano na fotografia, em primeiro nível
significa estúdio, pois indica que a foto foi batida no estúdio e, em segundo nível,
representa a frieza e artificialidade, já que não faz nenhuma referência à natureza, cria
um clima generalista para a foto.
A fotografia feita por Jacques Dequeker da modelo Agyness Deyn para a
capa da revista Vogue Brasil de março de 2009 então representa e significa o clima da
época no Brasil, o frio. Em março de 2009 estava terminando o verão e começando o
outono. A revista então, para inaugurar as tendências da moda para o outono-inverno
(tema da revista), usou de cores, texturas, luzes e objetos que remetessem diretamente
ao clima do local de publicação, construindo, juntamente com o leitor os significados de
que queria: frio, estilo, nobreza.
36
4.2 Vogue EUA
Assim como foi feita a análise da fotografia da capa da revista Vogue Brasil
(Figura 1) será feita também a análise da fotografia da capa da revista Vogue EUA
(Figura 3), sendo primeiramente a partir dos signos plásticos e posteriormente os signos
icônicos.
Figura 3 – Capa da revista Vogue da edição EUA, de março de 2009 Fonte: Vogue
37
4.2.1 Análise dos signos plásticos
No quadro abaixo (Quadro 3), são apresentados os significantes plásticos da
fotografia da capa da revista Vogue EUA e os seus significados:
Quadro 3 Análise dos significantes plásticos da revista Vogue EUA
Significantes plásticos Significados
Quadro Ausente, fora de campo: imaginário
Enquadramento Fechado: proximidade
Ângulo da tomada Leve contre-plongée: exaltação,grandeza
Escolha da objetiva
Objetiva normal, pequena profundidade de campo: focalização, distinção do objeto do resto da cena
Composição Oblíqua descendente para a esquerda: queda, esmagamento
Formas Massa: moleza, suavidade Dimensõesz Grande Cores Dominante quente Iluminação Difusa: suavidade, feminilidade Textura Lisa: visual
* Os significados estão em itálico.
Na fotografia (Figura 1), há a ausência de quadro. A interrupção da imagem
pelo tamanho da página estimula o imaginário do leitor.
O enquadramento médio da foto demonstra proximidade do leitor com o
objeto, uma vez que se pode visualizar a expressão facial e o olhar.
O ângulo de tomada da imagem é levemente contre-plongée, a objetiva se
encontra de frente para a modelo e pouco abaixo de sua altura, o que a exalta,
engrandece perante o leitor.
38
A escolha da objetiva foi por uma objetiva normal, o que provoca pequena
profundidade de campo e mínima distorção da modelo, aproximando a imagem da
visão natural do leitor.
A composição da imagem é oblíqua descendente vertical (ver Figura 4). A
leitura começa a partir do rosto da modelo e desce obliquamente para a esquerda,
passando pelos pontos de maior luminosidade da foto. Este tipo de composição, de
acordo com Joly (2004), denota queda, esmagamento.
Figura 4 – Sentido de leitura: Vogue EUA
As formas da imagem são predominantemente de massas. Essas formas
significam suavidade, moleza.
A dimensão da fotografia é grande, a modelo ocupa o enquadramento quase
todo, podendo-se ver detalhes da imagem. Isso dá ao objeto destaque e importância.
A imagem é predominantemente quente. As cores rosa, amarelo, marrom
denotam, além de calor, conforto, aconchego, vitalidade.
39
A iluminação é difusa. Não há sombras marcantes na modelo, esse tipo de
iluminação significa suavidade, feminilidade. A fotografia indica que a luz vem da janela,
sendo difundida pelas cortinas, possibilitando então um significado de naturalidade.
A imagem não possui grãos ou similares, a textura é lisa, o que enfatiza a
sensibilidade visual e desencoraja a sensibilidade tátil. A textura lisa também significa
suavidade.
4.2.2 Análise dos signos icônicos
A análise dos signos icônicos varia de acordo com a cultura do analisador, por este
motivo a fotografia da capa da Vogue EUA também será analisada com visão da cultura
brasileira.
Quadro 4 Análise dos significantes icônicos da revista Vogue EUA
Significantes icônicos Significados de primeiro nível Conotações de segundo nível Jóias Jóias, ouro Riqueza, status, Deus Sofá Sofá Conforto Abajur Abajur, luz Comodidade Flores Flores Felicidade, vida, harmonia Cortinas Cortinas Proteção, nobreza Vestido Roupa Respeito, classe Pose/postura da modelo Encosto Equilíbrio, relaxamento Modelo (Michelle Obama) Michelle Obama Poder, riqueza, beleza Sorriso Boca Felicidade, tranquilidade
As jóias significam, na foto, em primeiro nível, as próprias jóias, ouro e
enquanto conotação de segundo tem-se a riqueza, status e Deus. O ouro sempre foi
um símbolo utilizado pela Igreja Católica para representar a pureza, a realeza e o poder
de Deus.
40
O sofá tem como primeiridade si próprio e, como segundo nível conota
conforto, uma vez que é um item cuja função é proporcionar bem estar para o repouso.
O abajur, que aparece a esquerda superior da foto, em segundo plano, tem
como significado de primeiro nível abajur e luz, e enquanto secundidade conota
comodidade.
As flores, também localizadas a esquerda superior da imagem, em segundo
plano, significam, além de si – em primeiro nível, felicidade, harmonia e vida, em
segundo nível. No cenário, as flores fazem o papel de contrapor todos os objetos
“mortos”, assim como a própria modelo. As flores dão vida, representam a felicidade e
harmonia de um lugar.
As cortinas representam em segundo nível a nobreza e a proteção. As
cortinas protegem do sol, insetos, etc., e significam nobreza por serem clássicas.
O vestido usado pela modelo significa, em primeiro nível roupa e, em
segundo nível, respeito e classe. O vestido possui um corte clássico que esconde o
colo da mulher, deixando somente os braços e o pescoço a mostra, significando
respeito, uma vez que não mostra nenhuma parte do corpo que remeta a impurezas.
A modelo se encontra em posição de recosto, está apoiada totalmente no
sofá. A sua postura, em primeiro nível significa encosto e em segundo nível significa
equilíbrio, relaxamento. Embora ela esteja sobre o apoio do sofá, o seu corpo se
encontra em equilíbrio, está relaxado.
A modelo representa, em sua primeiridade, ela mesma, ou seja, Michelle
Obama11. Em segundo nível ela representa poder, riqueza e beleza. Michelle Obama é
esposa de Barack Obama, o homem mais poderoso do mundo, uma vez que é
presidente dos Estados Unidos. Michelle também foi considerada pela revista People
11
Michelle Obama é primeira dama dos Estados Unidos, esposa de Barack Obama.
41
como uma das cem mulheres mais belas do mundo, tornando-se assim signo da
beleza.
O sorriso da modelo na foto significa, em primeira instância, a boca. No
segundo nível, o sorriso representa a felicidade, tranquilidade. O sorriso da modelo é
calmo, relaxado, o que causa uma sensação de alegria e satisfação.
A fotografia feita pela fotógrafa Annie Leibovitz da primeira dama Michelle
Obama para a capa da revista Vogue EUA de março de 2009 representa e significa o
clima e o contexto da época nos Estados Unidos. Em março de 2009, nos Estados
Unidos estava terminando o inverno e começando a primavera. Estas estações são
representadas na foto pelas cores quentes, as flores e o sorriso da modelo. O motivo da
foto, ou seja, a primeira dama Michelle Obama representa o contexto vivido pelos norte-
americanos. O primeiro negro a tomar posse da presidência dos Estados Unidos
representante da democracia e símbolo de esperança. A revista usa então destes
elementos visuais para remeter a seu conteúdo, as tendências de moda primavera-
verão e as celebridades em destaque do momento. O leitor constrói os significados
juntamente a revista. Se o leitor não souber quem é Michelle Obama ou não conhecer a
estação climática dos Estados Unidos daquele período, tampouco daria significados
aos elementos visuais da foto.
42
5 Considerações Finais
O produtor editorial está inserido num universo de atuação vasto. Com isso,
este trabalho acadêmico surgiu com o objetivo de fomentar reflexões sobre as
possibilidades de atuação do profissional em campos ligados à criação de imagens e
fotografias, visando não só a produção editorial e gerenciamento da criação, mas
também a possível intervenção do profissional na discussão e apropriação de valores
sígnicos às imagens. Os significados agregados a uma imagem podem causar
diferentes interpretações, variando principalmente por causa da bagagem cultural de
cada leitor. Para evitar que as imagens sejam lidas de forma deturpada por indivíduos
de cada cultura, ou seja, para que se consiga comunicar, é necessário conhecer não só
a cultura local do interlocutor, mas os significantes que estão inclusos nela.
O estudo de caso das revistas Vogue Brasil e EUA sugere que os produtores
das imagens conheciam ou estavam inseridos no meio cultural do local de publicação
das mesmas, uma vez que as mensagens passadas pelas fotografias condiziam com o
contexto local.
Embora em seus aspectos visuais se apresentem absolutamente diferentes,
em questões conceituais e em seus objetivos, as revistas se assemelham muito. A
Vogue Brasil apresenta na capa uma fotografia fria, com tons sóbrios e um motivo
globalizado: a modelo Agyness Deyn. No Brasil, a modelo só tem a importância que tem
graças à globalização, uma vez que, em sua cultura original, na Inglaterra, a modelo
ganhou visibilidade por ser irreverente, moderna e estilosa, além de possuir uma
personalidade singular. Essa visibilidade foi projetada no Brasil graças a sua cultura
absorvente.
A cultura brasileira é, desde a sua natureza, composta por várias culturas. Ao
contrário do que se possa pensar, as agregações de cultura na cultura brasileira não
43
cessaram com a independência de seu colonizador, Portugal, pelo contrário, ela cada
vez mais absorveu culturas diferentes. Os ingleses, franceses, holandeses, alemães,
todos deixaram uma marca na cultura brasileira e, com o avanço tecnológico e a
crescente velocidade com que as informações atravessam o mundo, o Brasil pôde
entrar em contato com inúmeras outras culturas e assim, agregando mais valor à sua.
Ao se tratar de moda, o Brasil tende a ser influenciado pela Europa – pólo
mundial da moda – seguindo tendências, dando estima às modelos que os europeus
dão e etc. Sendo assim, a revista Vogue Brasil produziu a foto da capa de março de
2009 considerando esse aspecto cultural brasileiro, a influência da Europa na moda do
Brasil.
Já a Vogue EUA se apoiou no aspecto da cultura americana oposta à cultura
brasileira, o regionalismo, o patriotismo e valor pelo que é seu de origem. A modelo
retratada na fotografia da capa de março de 2009 pela Vogue EUA é a primeira-dama
Michelle Obama, casada com o atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. O
fato de a primeira-dama estar na capa da revista aponta para a valorização da cultura
local, dos valores locais, como a democracia e a liberdade.
O produtor editorial está apto a desenvolver trabalhos com perspectivas
como esta estudada na monografia, devido a seus conhecimentos na área, bem como
por suas habilidades na aplicação dos signos e significantes, com o intuito de promover
uma boa comunicação e produzir mensagens contextualizadas e adaptadas a cada
local ou grupo.
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