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1 VOANDO ATÉ O FIM DO MUNDO “Donde finaliza el Mundo y comienza el Cielo” – É desta forma que os hermanos argentinos descrevem Ushuaia, aquela que é a cidade mais austral do mundo, capital da Terra do Fogo, no extremo sul da Argentina, localizada às portas do continente antártico, e era para lá que nós queríamos ir, partindo de Brasília, rumo sul. Queríamos sobrevoar a diversidade impressionante de clima e paisagens desta rota, desde temperaturas tropicais do cerrado e das densas matas do Parque Nacional do Iguaçu, até o árido deserto Patagônico e seus fortes ventos, passando na volta pelas bordas argentinas da Cordilheira dos Andes e seus imponentes Glaciares. Iríamos voar um total de 5.447 Nm (10.088 Km), indo e voltando ao fim do mundo. Toda esta história começou no primeiro semestre de 2012, quando recebemos um convite de um amigo argentino que estava organizando uma “Navegueta”, termo com o qual foi batizado o evento que pretendia reunir diversos pilotos e aeronaves de toda a América do Sul na cidade de Ushuaia na Argentina. Ficamos imediatamente empolgados com a idéia, e buscamos formar uma turma da APUB-DF disposta a encarar esta empreitada. Com muitas intenções, inscrições e desistências, finalmente tínhamos um time formado por 10 intrépidos expedicionários, dispostos a encarar esta gelada aventura, até o extremo sul do planeta. O planejamento para viagem incluía, além dos tradicionais cuidados com a manutenção das aeronaves, uma especial atenção com a navegação e logística, pois tínhamos que adequar a autonomia e desempenho das aeronaves à rara disponibilidade de combustível em regiões desérticas da Patagônia e Terra do Fogo. Cuidado também deveria ser observado com a escolha de aeródromos na região dos Roarings Forties (ventos constantes superiores a 30Kts, na faixa de latitudes 40°). Nesta fase de planejamento, não podíamos, também, deixar de lado a burocracia aeroportuária argentina, tínhamos que estar preparados e munidos de todos os papéis e formulários, necessários, visando evitar qualquer problema. Com o planejamento pronto e após uma noite bem dormida, no inicio da manhã de domingo, dia 30 de setembro de 2012, estávamos todos prontos e ansiosos, a espera do nascer do Sol para iniciarmos nossa jornada, decolando do aeródromo da Fazenda Botelho (SIQE), situado nos arredores de Brasília e encravado dentro da TMA-BSB. Pela ordem decolaram o Cirrus SR-22, PR-GCB, tripulado pelos companheiros Gerard Souza, Romeu Junior e Flavio Sganzerla, na sequencia iniciou a jornada o RV-10, PT-ZVG, com os amigos Claudio Roberto, Gustavo Chagas e Alessandro Campos e fechando a esquadrilha o RV- 10, PP-ZKK, que seria tripulado na etapa inicial até Ushuaia, por este aprendiz de redator,

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Page 1: VOANDO ATÉ O FIM DO MUNDO · VOANDO ATÉ O FIM DO ... Toda esta história começou no primeiro semestre de ... alternância de controladores à medida que a fonia se complicava,

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VOANDO ATÉ O FIM DO MUNDO

“Donde finaliza el Mundo y comienza el Cielo” – É desta forma que os hermanos argentinos

descrevem Ushuaia, aquela que é a cidade mais austral do mundo, capital da Terra do Fogo, no

extremo sul da Argentina, localizada às portas do continente antártico, e era para lá que nós

queríamos ir, partindo de Brasília, rumo sul. Queríamos sobrevoar a diversidade

impressionante de clima e paisagens desta rota, desde temperaturas tropicais do cerrado e

das densas matas do Parque Nacional do Iguaçu, até o árido deserto Patagônico e seus fortes

ventos, passando na volta pelas bordas argentinas da Cordilheira dos Andes e seus imponentes

Glaciares. Iríamos voar um total de 5.447 Nm (10.088 Km), indo e voltando ao fim do mundo.

Toda esta história começou no primeiro semestre de 2012, quando recebemos um convite de

um amigo argentino que estava organizando uma “Navegueta”, termo com o qual foi batizado

o evento que pretendia reunir diversos pilotos e aeronaves de toda a América do Sul na cidade

de Ushuaia na Argentina. Ficamos imediatamente empolgados com a idéia, e buscamos formar

uma turma da APUB-DF disposta a encarar esta empreitada.

Com muitas intenções, inscrições e desistências, finalmente tínhamos um time formado por 10

intrépidos expedicionários, dispostos a encarar esta gelada aventura, até o extremo sul do

planeta.

O planejamento para viagem incluía, além dos tradicionais cuidados com a manutenção das

aeronaves, uma especial atenção com a navegação e logística, pois tínhamos que adequar a

autonomia e desempenho das aeronaves à rara disponibilidade de combustível em regiões

desérticas da Patagônia e Terra do Fogo. Cuidado também deveria ser observado com a

escolha de aeródromos na região dos Roarings Forties (ventos constantes superiores a 30Kts,

na faixa de latitudes 40°). Nesta fase de planejamento, não podíamos, também, deixar de lado

a burocracia aeroportuária argentina, tínhamos que estar preparados e munidos de todos os

papéis e formulários, necessários, visando evitar qualquer problema.

Com o planejamento pronto e após uma noite bem dormida, no inicio da manhã de domingo,

dia 30 de setembro de 2012, estávamos todos prontos e ansiosos, a espera do nascer do Sol

para iniciarmos nossa jornada, decolando do aeródromo da Fazenda Botelho (SIQE), situado

nos arredores de Brasília e encravado dentro da TMA-BSB.

Pela ordem decolaram o Cirrus SR-22, PR-GCB, tripulado pelos companheiros Gerard Souza,

Romeu Junior e Flavio Sganzerla, na sequencia iniciou a jornada o RV-10, PT-ZVG, com os

amigos Claudio Roberto, Gustavo Chagas e Alessandro Campos e fechando a esquadrilha o RV-

10, PP-ZKK, que seria tripulado na etapa inicial até Ushuaia, por este aprendiz de redator,

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Edimar Araujo Filho e o amigo Carlos Modena. Na volta teríamos o acréscimo na tripulação dos

companheiros Carlos (Caica) Alvim (dono do avião) e de nosso amigo Mauricio Beze.

Prontos para decolar no Aeródromo do Botelho - SIQE

O dia estava bonito, e queríamos aproveitar para percorrer a maior distancia possível neste primeiro dia. A primeira escala, apenas para abastecimento, foi em Araçatuba (SBAU), trecho tranquilo com 348 milhas percorridos em 02:18 de voo.

Enquanto abastecíamos as aeronaves para cumprir o próximo trecho direto a Foz do Iguaçu

(SBFI), com distancia de 350 milhas, aproveitamos o tempo de solo em Araçatuba para

solicitar, via fone, os planos de voo internacionais para as três aeronaves, para o primeiro e

curto trecho internacional, até Puerto Iguazu na Argentina. Era importante antecipar o máximo

possível as providencias, para perdermos o mínimo tempo no solo em Foz. Decolamos de

Araçatuba e percorridas 02:20 de voo, pousávamos em SBFI para iniciarmos a maratona

burocrática para sairmos do Brasil.

Em Foz, uma bela surpresa nos procedimentos de fronteira. Com as 06 vias da “General

Declaration”, que é o formulário universal obrigatório em todo cruzamento de fronteiras com

aeronaves, já totalmente preenchidas, passamos pela Policia Federal, Receita Federal e Sala

AIS, rapidamente, sem maiores problemas. Um ligeiro almoço e lá íamos nós decolando para

um curto mas belo voo de 5 minutos sobre o Parque Nacional do Iguaçu e suas Cataratas,

pousando na cidade argentina de Puerto Iguazu, no Aeroporto de Cataratas (SARI).

É sempre uma emoção diferente a primeira chamada na fonia quando se ingressa em outro

país, mesmo para alguns de nós já veteranos em voos a este país vizinho, é sempre bom

exercitar os conhecimentos adquiridos, cumprir seu planejamento, e viver a satisfação de

vencer mais uma etapa.

No primeiro pouso em solo argentino, percebemos que ao contrário de um passado recente,

aumentou muito as exigências para o trânsito de aeronaves privadas em seus aeroportos,

foram-se os bons tempos de procedimentos ágeis e amigáveis, pois a atuação da PSA - Policia

de Seguridad Aeroportuária, tornou lenta e burocrática as escalas nos aeroportos argentinos. É

impressionante o número destes agentes vestidos de preto, dentro dos aeroportos, mesmo

naqueles pequenos aeródromos do interior.

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Todas as aeronaves, inclusive as argentinas, também nos voos domésticos, são revistadas,

passam as bagagens no scanner, exige-se o preenchimento de formulários, com várias vias,

qualificando-se cada um dos tripulantes, fotografam o exterior e interior das aeronaves,

verificando tudo, muitos carimbos, assinaturas e etc., etc., etc., isto ocorrendo em todos os

pousos, uma grande burocracia que atrasa as escalas, podendo comprometer seu

planejamento de viagem.

O mais antigo e o mais novo tripulante da turma em Puerto Iguazu, primeira escala na Argentina

Feito este parêntese, vamos voltar ao que interessa, pois vencida esta batalha burocrática

inicial, corremos para os aviões e iniciamos os procedimentos para decolarmos no limite de

tempo para voarmos a última etapa planejada para o dia, antes do por do Sol. Seria uma etapa

de 383 milhas direto de Puerto Iguazu (SARI) até nossa escala de pernoite em Concórdia

(SAAC), uma agradável cidade balneária no Rio da Prata, usual e conhecida escala de nossa

turma em outras viagens pela Argentina.

- Torre Cataratas, Listo para despegue (pronto para decolar). Em tempo recorde, e voando nos

limites dos parâmetros de motor, tentávamos obter a maior velocidade possível, visando

atingir o destino planejado antes do fim da luz do dia, e a sorte estava do nosso lado e

conseguimos chegar com os últimos raios de Sol no horizonte, após um voo bastante rápido

em 02:13, voando a 3.500 pés, ajudados pelo vento de cauda que coroou o fim do primeiro dia

de viagem, quando cumprimos um total de 1.081 milhas.

E já nesta primeira noite em solo argentino, não perdemos tempo e partimos ansiosos para o

primeiro bife de chorizo desta viagem, com um bom vinho nacional.

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Pouso em Concórdia, ao pôr-do-sol, completando 1.081 milhas no primeiro dia de voo.

Na manhã de segunda-feira, na agradável cidade de Concórdia, antes de irmos para o

aeroporto, resolvemos aproveitar as diversas casas de cambio existentes para trocar dólares

por pesos, pois sabíamos que nas regiões mais ao sul, seria difícil o abastecimento com cartão

de crédito ou com moeda estrangeira. Nesta hora constatamos a impressionante diferença

entre o cambio oficial dos bancos e o das casas de câmbio, em alguns casos chegam a pagar

50% a mais pelo dólar americano, portanto procurem sempre as “lojinhas” de câmbio que se

encontram aos montes nas cidades turísticas argentinas.

Por volta das 10 horas estávamos com as aeronaves abastecidas e prontas para decolar para a

pista do Aeroclube de Bahia Blanca (BHB). Cabe aqui informar que na Argentina muitas pistas

privadas e alguns aeroclubes possuem designativos diferenciados de apenas 03 dígitos,

diferentes do padrão ICAO, mas são aceitos nos planos de voo sem problemas, acho que tal

solução seria uma boa ideia para o caso dos nossos sítios de voo.

Aeroporto de Concórdia – SAAC, preparando para decolagem rumo a Patagônia

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Decolamos com tempo bom, mas com vento na proa, e com 492nm a serem percorridos, logo

nos primeiros instantes percebemos que ficaríamos mais de três horas e meia, dentro do

avião, mas a paisagem diferente, a fonia gringa e a empolgação era tanta que este tempo

passou rápido e em exatas 03h:31mim, pousamos neste belo aeroclube argentino, com duas

pistas transversais de grama bem cuidadas. Mas foi aí que pagamos a gasolina mais cara de

toda a viagem, $11,00 pesos, na época o equivalente a US$ 2,75 por litro.

Passamos algum tempo no solo, para abastecimento e lanche (o amigo Modena tinha levado

comida para uma tropa), o plano de voo foi feito via fone com o controle de Bahia Blanca, e

como nos aeroclubes não tem a tal PSA, não tínhamos preocupações com a papelada.

Decolamos rumo a Puerto Madryn (SAVY) para um voo que ficaria na memória, pois neste

trecho aconteceria o nosso ingresso no deserto patagônico, paisagem assustadora para um

aviador, pedras e areia, sem elevações em uma planície sem fim, com raríssimos trechos de

uma seca vegetação rasteira, nenhum habitante, sem apoio ou estradas, ou seja nada que

possa sustentar a vida humana, em um trecho no sentido norte/sul dentro da Argentina com

mais de 800nm (1.482Km) de extensão.

Neste trecho, entre Bahia Blanca e Puerto Madryn, voamos 275nm no FL 125, sendo 1:20hs

sobre deserto e os últimos trinta minutos de voo sobre as geladas aguas do Golfo de San

Matias. Neste trecho ultrapassamos o paralelo 40° e já começamos a sentir no pouso em

Puerto Madryn os efeitos dos ventos frios desta região.

Na aproximação resolvemos testar o Controle Madryn, chamando em inglês, em vez do fluente

portunhol que estávamos usando desde a entrada na Argentina. Foi divertido acompanhar a

alternância de controladores à medida que a fonia se complicava, foi um total de três, até que

uma controladora finalizou nosso pouso.

Puerto Madryn, entre o deserto e o mar, centro turístico da Patagônia.

Puerto Madryn seria uma parada turística para turma, pois esta cidade de 58.000 habitantes

localizada entre o deserto e o oceano atlântico é um dos pontos de turismo ecológico que mais

cresce na Argentina, pois a 77km de Puerto Madryn, está localizada a Península Valdés que é

uma imensa Área Natural Protegida, onde durante todo o ano habitam diversas espécies de

animais marinhos, Pinguins, Elefantes Marinhos e Leões Marinhos, que fazem deste espaço,

seu abrigo nas idas e vindas da Antártida. Mas a presença da gigante baleia franca austral nas

águas do golfo de San Jose que é a principal atração.

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Ver estes animais foi um dos programas que fizemos no dia seguinte em Puerto Madryn, foi

impressionante observar a poucos metros da praia Baleias Francas, muitas delas

acompanhadas de seus filhotes. De barco pudemos filmar e fotografar a curta distancia estes

belos animais em uma experiência inesquecível.

Alguns habitantes do Golfo de San Jose e da Península Valdez

Mas no dia seguinte, estávamos prontos para voar, pois precisávamos cumprir a nossa missão,

e na manhã do dia 03 de outubro de 2012, iniciamos a última parte da jornada rumo ao Fim

do Mundo. Programamos para este dia um voo em duas etapas até Ushuaia, com escalas para

reabastecimento em Comodoro Rivadavia e Rio Callegos, portanto o dia seria longo e o voo

impressionante.

Sob o deserto entrando na região dos quarenta roncadores

Decolamos para Comodoro Rivadavia

(SAVC) para um voo de 208nm,

percorrendo a fantástica costa atlântica

da Patagônia. Neste trecho fomos

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incomodados permanentemente por um vento de través vindo de oeste, a constantes 20kts no

FL 045. A paisagem era simultaneamente bonita e assustadora, pedras e areia escorando em

imensas falésias as águas azuis e geladas do Atlântico Sul. Neste trecho deserto, sem cobertura

de radar, e sem contato com os órgãos de controle, voamos muito próximos uns dos outros,

uma verdadeira esquadrilha brasileira solitária, sobre uma das regiões mais desabitadas do

mundo. Éramos só nós, deserto, mar e vento, muito vento.

Voando juntos entre o mar e o deserto

Aproximando-se de Comodoro Rivadavia, iniciamos a descida e a medida que nos

aproximávamos do solo, o vento se tornava mais intenso, inicialmente, constatamos 30kts ao

cruzar 2.000 pés e, a 8 milhas afastados do aeródromo, passamos a enfrentar turbulência

severa nas proximidades das montanhas rochosas que cercavam a cidade. Já ingressando no

trafego, a três minutos do pouso, a Torre Rivadavia reportou 35kts com rajadas de 45kts.

Este vento elevou um pouco o stress destes aviadores brasucas, ainda não acostumados aos

“Roarings Forties” (os tais ventos fortes na faixa de latitude 40°), pois, não iriamos pousar na

imensa pista do Aeroporto de Comodoro Rivadavia, mas sim na pequena e estreita pista do

Aeroclube local, que era uma opção para evitarmos perda de tempo com a demorada

burocracia da Policia de Seguridade Aeroportuária (PSA).

Já na altitude de trafego, para pouso no aeroclube de Comodoro, estávamos sofrendo com a

pancadaria, mas ao constatarmos que a pista do aeroclube estava quase alinhada com a

direção do vento, variando 30° para direita na rajada, resolvemos manter o pouso no local,

solicitamos pela última vez as condições à vizinha Torre Rivadavia, que confirmou vento de

270° com 35Kts e 45Kts na rajada (e como tinha rajada). Lá fomos todos nós para uma longa

final sobre o mar, tentando manter a rampa e o alinhamento, que nas rajadas intermitentes,

nos jogavam ora para baixo, ora para cima, e o nariz do avião não parava, o trabalho na

alteração da potencia era constante visando manter a rampa e a velocidade. Para termos mais

autoridade nos comandos, mantivemos a velocidade indicada um pouco acima da usual, e

finalmente “tocamos” a pista, todos fizemos pousos mais ou menos duros, mais seguros, pois

o vento forte quase na cara proporcionava uma VS bastante baixa. Mas o difícil agora era

taxiar os aviões, pois a bequilha louca e este ventão exigiam muito motor, freio e paciência

para fazer curvas e manter a direção dentro de estreitas taxiways.

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Final difícil na ventania de Comodoro Rivadavia-SAVC

O abastecimento foi um pouco tumultuado graças ao vento e a bomba que não era das

melhores, mas o ruim mesmo era ficar desabrigado enfrentando aquela ventania incessante

que fazia a sensação térmica cair para temperaturas negativas. Um fato interessante neste

aeródromo é que não havia aeronaves convencionais baseadas ali, pois o tal vento que mora lá

o ano inteiro, impede a operação segura deste tipo de aeronaves sempre, que o vento dá uma

torcida.

Após o abastecimento, reiniciamos nossa jornada com uma decolagem super curta, e lá íamos

nós agora com destino a nossa última escala antes do Fim do Mundo, Rio Gallegos (SAWG),

que estaria a mais 357 Nm. Neste trecho a paisagem desértica e assustadora era a mesma e o

vento infelizmente também. A diferença no próximo pouso era que o aeroporto de Rio

Gallegos, capital da província de Santa Cruz, e maior cidade da patagônia argentina, possuía

uma pista de concreto de 3.550 mts com 45mts de largura. Ainda bem, pois mais uma vez a

habilidade dos pilotos brasilienses foi colocada a prova em outro pouso com ventos de 35Kts,

desta vez menos alinhado, entrando com aproximadamente 60° pela esquerda, mas a pista

larga e a nossa “grande experiência” do pouso anterior, tornaram este procedimento menos

apavorante.

A escala em Rio Gallegos foi mais demorada que o previsto, pois apesar de estarmos em um

grande aeroporto, com instalações bonitas e modernas, os bares e restaurantes só abrem nos

horários dos voos comerciais, que não são muitos, e para conseguirmos almoçar, tivemos que

despachar metade da equipe para o centro da cidade, com o intuito de buscar algum tipo de

lanche e bebida, enquanto a outra metade ficava cuidando da papelada, e fazendo o

preenchimento do FDG – “Formulário de Declaración General”, desta vez em “apenas” 03 vias,

daí vocês imaginem a importância e o valor que o papel carbono tem nos aeroportos

argentinos para a tripulação de aeronaves privadas.

Finalmente toda equipe alimentada graças ao retorno da expedição, que liderada pelo faminto

Cmte. Modena, com muito esforço, conseguiu trazer nosso lanche sem devora-lo no meio do

caminho.

Liberados pela PSA, e desta vez também pela fiscalização da ANAC argentina, partimos para a

última etapa, rumo a Ushuaia (SAWH). Seria o último trecho até nosso objetivo principal, e a

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novidade era que agora a paisagem iria mudar, pois voaríamos sobre trechos de mar e

montanhas cobertas de neve, em uma etapa de apenas 209Nm.

Logo após a decolagem de Rio Gallegos, iniciamos o sobrevoo sobre o famoso e importante

Estreito de Magalhães, que é uma passagem navegável de aproximadamente 600 km, situado

entre o continente sul americano ao norte e a Terra do Fogo ao sul. Este estreito é a maior e

mais importante passagem natural entre os oceanos Atlântico e Pacífico, e sua descoberta no

século XVI, pelo navegador português Fernão de Magalhães, foi um importante marco na

história da navegação mundial.

Mas nós também quase fizemos história, pois neste trecho quase provocamos um incidente

internacional. Acontece que, um importante membro de nossa esquadrilha resolveu invadir o

espaço aéreo chileno, perturbando o histórico e delicado equilíbrio diplomático em que vivem

estes dois países em relação a soberania nesta região.

A bronca, e a maneira determinadamente hostil como agiu o controlador chileno, nos fez

perceber o tamanho da importância que dão para o controle do espaço aéreo nacional, tanto

chilenos como argentinos, nessa região isolada do fim do mundo.

Desta forma, após o sobrevoo do Estreito de Magalhães, visando evitar mais uma vez a invasão

do espaço aéreo do Chile, abandonamos a proa direta para Ushuaia e mantivemos a rota

sobre o litoral atlântico, até o ingresso na área do Controle da cidade de Rio Grande (SAWE),

localidade argentina que fomos obrigados a sobrevoar, para evitar o Chile, e só após este

ponto conseguimos tomar a proa direta sobre a cordilheira para Ushuaia (SAWH).

Após Rio Grande, já dentro da Terra do Fogo, considerada por muitos como uma imensa ilha,

uma vez que o Estreito de Magalhães aparta esta porção do cone sul do restante do

continente sul americano, a paisagem começa a mudar drasticamente, e em um dia de clima

excepcionalmente bom para esta região do planeta, a 40 minutos de voo do destino,

começamos a visualizar os picos nevados que caracterizam a presença dos últimos fragmentos

da Cordilheira dos Andes, que nesta região se estende de oeste a leste e se subdivide em

diversos cordões montanhosos secundários, que assumem nomes variados, como Cordilheira

Valdivieso e Cordilheira Martial. Aqui eles são mais baixos do que na parte continental da

Cordilheira dos Andes,

possuindo alturas que não

ultrapassam os 4.500 pés

(1.500m).

Primeira vista da cordilheira já

próximo de Ushuaia

A medida em que nos

aproximávamos, já sobre as

montanhas, era difícil esconder

a emoção, pois a beleza do

lugar, o medo de estar

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sobrevoando montanhas íngremes cobertas de gelo e neve, e a visão do histórico Canal de

Beagle, nos remetiam aos momentos em que tal voo era um mero sonho discutido nos bate-

papos de porta de hangar, estávamos chegando lá, provando mais uma vez que longe é um

lugar que não existe, pois a vontade, o conhecimento e o planejamento, superam qualquer

obstáculo.

Voando sobre as montanhas geladas

Precisávamos urgentemente deixar a paisagem de lado, esquecer o mar, as montanhas e a

neve e lembrar que tínhamos ainda que chamar o Controle Ushuaia e darmos inicio aos

procedimentos para o pouso.

O procedimento de pouso em Ushuaia é particularmente muito bonito, pois todo o trafego é

feito ao sul do aeródromo sobre o Canal de Beagle, cercados por montanhas brancas que

margeiam o canal e a baía. O aeroporto de Ushuaia, graças ao turismo, tem um movimento

razoável, são diversos voos durante o dia, de inúmeras companhias argentinas e chilenas, além

de aeronaves executivas, mas hoje era um dia especial, pois ele iria receber três monomotores

brasileiros, que pousando em sequencia congestionaram a taxiway com os grandes jatos que

aguardavam nossos pousos

para poder decolar.

Vista do aeroporto de

Ushuaia no meio da baia.

No solo, encontramos mais

alguns pilotos argentinos e

chilenos que como nós

vieram para o encontro

internacional na Terra do

Fogo, acontece que nós,

éramos sem sombra de

dúvida os que chegaram de

mais longe, este título era

nosso.

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Após os procedimentos usuais com a Policia Aeroportuária e ANAC, desta vez fizemos também

aduana e por este motivo apenas, fomos obrigados a pousar no principal aeroporto da cidade,

pois, finalizados tais procedimentos, decolamos de novo, desta vez para um incrível voo de 2

minutos sobre a Baia, para pousarmos no Aeroclube de Ushuaia (SAWO), local aonde

aconteceria o encontro, que de tão próximo, é controlado pela mesma torre do Internacional

de Ushuaia, de onde decolamos.

O fato interessante é que, este aeroclube situado às margens da baia, funciona em uma antiga

base militar aeronaval argentina já desativada. Lá encontramos hangares muito grandes, que

eram usados para guarda de aeronaves militares, que faziam o transporte de pessoal e

suprimento para as bases de pesquisa localizadas na Antártida, e no passado recente, também

foi usada como apoio na guerra das Malvinas. Nestes grandes hangares abrigamos nossas

aeronaves da neve e do intenso vento que sopra do sul, trazendo maresia e frio

constantemente.

Após a confraternização inicial com os diversos pilotos já presentes ao evento, vindos do Chile,

Uruguai, Paraguai, Brasil e Argentina, rumamos para o Hotel, pois o cansaço era grande, após

um dia cheio em emoções e novas paisagens, que culminaram com o pouso desta turma no

famoso Fim do Mundo, na cidade mais austral do mundo, estávamos lá, esta turma de

aviadores amadores, que como muitos de nós, curte o voo pelo voo, e o destino é apenas o

pretexto para decolar.

Comemorando chegada em

Ushuaia

No dia seguinte pela manhã,

viramos turistas e fomos atrás dos

programas tradicionais da cidade,

primeiro a visita ao famoso Museu

do Fim do Mundo, que conta a

interessante história da criação

desta cidade.

Ushuaia cresceu lentamente ao

longo da primeira metade do

século XX, organizando-se em

torno da instalação de um grande presídio (aonde hoje funciona o Museu) que trouxe muitos

funcionários administrativos e atraiu novos colonos, mas também fez com que se formasse

uma impressão sombria sobre o local. Hoje a cidade está muito mudada e é um importante

polo turístico da Argentina com pistas de esqui, cassinos, bons restaurantes, parques de rara

beleza e se tornou famosa como

“la ciudad más austral del mundo”

ou “La ciudad del Fin del Mundo”.

Vista da cidade de Ushuaia

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Ficamos por três dias curtindo a cidade e confraternizando com os demais pilotos visitantes

participantes da Navegueta. O evento foi tão badalado na cidade, que os participantes

gozavam inclusive de descontos nos hotéis e restaurantes locais, tornando estes intrépidos

aviadores figuras frequentes nos locais mais badalados da cidade.

Por falar nisso, houve, inclusive, uma dupla de integrantes de nosso time, que resolveu circular

na noite e além de encher a cara, conseguiu a façanha de ser parado em duas blitz de transito

da policia local, na mesma noite, mas por sorte destes boêmios, não tinha bafômetro ou

equipamento similar, para atestar, neste caso em particular, o nível de sangue contido na

circulação de álcool.

Mas a festa para nós agora seria outra, era hora da volta e, portanto, nas primeiras horas da

manhã do dia 07 de outubro de 2012, com a turma reforçada com a chegada dos amigos Caica

e Mauricio Beze, estávamos todos na pista do aeroclube prontos para a decolagem para o

primeiro trecho que nos levaria até a cidade de Rio Grande (SAWE).

A empolgação pela viagem de volta era tão grande quanto foi a ida até Ushuaia, pois a rota da

volta seria realizada voando ao lado da Cordilheira dos Andes, sobrevoando os seus

contrafortes orientais, que interceptaríamos na cidade de El Calafate na altura do paralelo 50°,

quando então subiríamos até Bariloche, e estávamos ansiosos também para ver se finalmente

o Gerard deixaria o Romeu pilotar o GCB pelo menos em um trecho, pois o coitado do co-pila

já estava com 14 horas de voo na direita, só pilotando o ar-condicionado, nem fonia o cara

podia fazer, ufa!

Na hora da partida de Ushuaia rolou um tumulto, pois tanto a pista do Aeroporto como a do

Aeroclube são controladas pela mesma Torre, que tenta coordenar as decolagens e pousos dos

dois aeródromos, distantes pouco mais de uma milha um do outro, funcionando praticamente

como um mesmo aeroporto, apesar das instalações separados.

Acontece que devido à rapidez com que as condições climáticas se alternam nesta parte do

planeta, temos que aproveitar as janelas de teto alto para decolar e passar sobre as

montanhas. O problema é que todos pensaram a mesma coisa e lá estávamos nós no meio de

um enorme engarrafamento nas taxiways com mais de vinte aeronaves à frente, e outro tanto

atrás, esperando autorização para decolar em um ambiente de pré-caos, com aeronaves

tentando furar fila, aviões comerciais no aeroporto pedindo prioridade em função de horário,

etc., mas finalmente após quase uma hora rodando e parando na taxiway, conseguimos

alinhar e decolar para nossa viagem de volta.

Logo após a decolagem percebemos que a pressa de todos estava correta, pois ainda sobre o

Canal de Beagle, nos afastando do aeródromo rumo leste, até encontrar a parte mais baixa das

cordilheiras, já vislumbrávamos o aparecimento de camadas mais densas, com nuvens se

formando rapidamente, tomando quase todo o céu, deixando poucas passagens que

permitiam o voo visual.

Entrar em camadas de nuvens nesta região aonde as temperaturas externas são muito baixas,

mesmo por curtos espaços de tempo e em baixa altitude é extremamente arriscado, pois a

possibilidade de formação de gelo é extrema, precisávamos, portanto, encontrar o melhor

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caminho entre as montanhas para então voltarmos para a segurança das baixas planícies da

patagônia.

Um desvio aqui outro alí, ora subindo ora descendo, saímos de sobre a montanhas nevadas

para avistarmos a já conhecida paisagem desértica, que apesar da desolação em terra, era o

prenuncio de um belo céu livre de formações, mas como nada é perfeito, a partir dali a medida

que nos aproximávamos de Rio Grande voltávamos a encontrar mais uma vez os “quarenta

roncadores”, aquele ventinho que não sai dali, soprando dia após dia, constantemente de

oeste para leste, perturbando geral.

Com a dificuldade de sempre, devido ao já conhecido vento, depois de um curto voo de

apenas 67 milhas, mas que devido aos desvios, durou quase quarenta minutos, pousamos em

Rio Grande, e desta vez notamos a preocupação dos balizadores do pátio do aeroporto, que

orientaram o estacionamento de nossas aeronaves de modo que as mesmas ficassem

aproadas com o vento, dando maior segurança enquanto estivéssemos no solo. Era muito

vento, ficamos pensando como seria a rotina de vida da população que mora nesta região, pois

ficar fora de um local abrigado nestas regiões é praticamente impossível, o desconforto, a

poeira constante irritando os olhos e o frio turbinado pelo vento são bem difíceis de se

suportar.

A parada em Rio Grande que estava programada para não mais do que trinta minutos, se

tornou uma novela, pois a Polícia, ANAC e Aduana (necessária tendo em vista que

retornávamos de uma zona franca), foram extremamente lentos e burocráticos e para

completar os problemas, uma aeronave comercial mal estacionada, impedia a passagem de

nossas aeronaves até o posto de abastecimento localizado em um hangar do aeroclube local.

Mas não foi só isso que nos fez criar raízes neste aeroporto, um defeito na bomba de

abastecimento e o fim do combustível nos reservatórios do posto, nos obrigaram a uma longa

espera, que só não foi pior porque, mais uma vez, fomos salvos pelo “pequeno” lanche que o

nosso amigo, Cmte. Modena, sempre leva com ele, que dividido com a turma nos propiciou

um bom almoço.

Então, depois de mais de quatro horas em Rio Grande, finalmente conseguimos decolar para El

Calafate (SAWC), rumo a Cordilheira, os lagos Andinos e suas geleiras, mas a ansiedade teve

que dar lugar à paciência, pois a nossa proa era oeste, justamente de cara para aquele

“ventinho” que mora ali, que variava de 35 a 40Kts. Tentamos todas as altitudes entre 2.500 e

10.500 pés, nada mudava, raramente passávamos de 120Kts de VS, foram 263nm percorridas

em 02h:14min., ou seja o vento na cara nos premiou com uma velocidade média, neste trecho,

de apenas 116Kts, o que gerou 44 minutos de queima de combustível além do previsto, ou seja

voar em regiões de ventos fortes exige além do cuidado óbvio nas operações de pouso e

decolagem, especial atenção com a autonomia.

O pouso em El Calafate é especial, pois localizada ao pé da Cordilheira dos Andes, na margem

leste do Lago Argentino, que é o maior e o mais austral dos grandes lagos patagônicos, a visão

de incontáveis icebergs flutuando às margens deste lago, tornam a paisagem na chegada a

esta cidade extremamente bela.

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Pista do Aeroporto de El Calafate

O aeroporto desta pequena cidade,

chama a atenção, muito grande,

bonito, moderno e claro, também

tem a tal PSA, que como sempre, não

ajuda muito a agilizar os

procedimentos, mas apesar do belo e

moderno aeroporto, fomos

encaminhados para uma taxiway

secundária, que ligava o pátio

principal do aeroporto ao aeroclube,

e ali por falta de espaço melhor, fomos obrigados a estacionar, ficando os aviões, estaqueados

a margem da taxiway, sob um vento que não dava trégua, e debaixo de um frio de doer, era

difícil até colocar as capas nas aeronaves.

Glaciar Perito Moreno

El Calafate é uma pequena cidade em franco

desenvolvimento turístico, oferecendo boa

estrutura hoteleira, com boas opções de

turismo. Edificações modernas, ruas

arborizadas, bons restaurantes e pouco

movimento. El Calafate possui clima frio,

com média anual de sete graus,

temperaturas máximas por volta dos treze

graus e mínimas por volta dos dez abaixo de

zero. Suas principais atrações encontram-se no Parque Nacional dos Glaciares, a cerca de 80

quilômetros, onde localiza-se a maior geleira em extensão horizontal do mundo, o Glaciar

Perito Moreno, que encontra-se constantemente em evolução, também próximo encontramos

outra importante geleira, o Glaciar Upsalla.

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Turma completa navegando entre icebergs

No dia seguinte a nossa chegada, fizemos o passeio em um bom e confortável barco que nos

levou através do imenso lago argentino visitando todos estes glaciares em um belo passeio

entre montanhas e icebergs, bebendo e comendo e, é claro, brindando a nossa viagem com

um bom whisky de 12 anos com gelo de mais de não sei quantos mil anos tirado dos glaciares.

Retomamos nossa jornada de volta na manhã do dia 09/10/2012, que amanheceu com céu

limpo e temperatura ao redor de 10° célsius, mas o mais importante foi que o vento alterou

um pouco sua direção, soprando agora de Sudoeste, o que sem dúvida facilitaria nosso voo

rumo norte, com destino a cidade de San Carlos de Bariloche (SAZS).

Sobrevoando o Glaciar Upsala

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Na partida de El Calafate, duas aeronaves de nossa esquadrilha (GCB e ZVG), após a

decolagem, resolveram antes de aproarem o destino, fazer um tour sobre o Lago Argentino e

seus Glaciares, a imagem que estes ousados viajantes vão guardar na memória e as fotos e

filmagens colhidas, tornaram-se um dos mais belos troféus desta viagem, tanto pela raridade

quanto pela beleza.

Após o reagrupamento da turma, seguimos nossa viagem margeando a imponente Cordilheira

dos Andes, voando sobre seus contrafortes orientais a 11.500 pés (3.830 mts). As imagens

eram impressionantes, víamos picos eternamente cobertos de neve, lagos congelados,

planaltos com mais de 9.000 pés de altitude, montes imponentes como o Fitz Roy, que apesar

de sua altitude relativamente modesta de 10.100 pés (3.375 mts), considerando-se os padrões

da cordilheira, mas o Fitzroy é considerado por muitos alpinistas profissionais como o maior de

todos os desafios do seu esporte, porque suas paredes verticais requerem técnica impecável

para serem conquistadas. Ademais, o clima da região é excepcionalmente ruim e traiçoeiro —

fato que já custou a muitos suas vidas.

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Durante esta etapa de 553nm, voávamos constantemente na borda da fronteira chilena,

trecho totalmente estéril, de clima extremamente frio e hostil, aonde a presença humana é

praticamente inexistente, sem qualquer tipo de acesso por terra. Durante o voo, olhando

aquelas montanhas colossais cobertas de espessas camadas de neve, era impossível não

pensar que caso necessitássemos de algum auxilio, estaríamos literalmente perdidos, pois as

cidades com alguma estrutura de resgate mais próximas não estavam a menos de 600 Km,

portanto, não é de se estranhar que o enredo do famoso filme Sobrevivente dos Andes,

passou pela cabeça de todos nós naqueles momentos.

Monte Fitz Roy sobressaindo dentre a cordilheira

O forte vento de cauda ajudou bastante e após 03h:25min deste fantástico e emocionante

voo, avistávamos a mundialmente famosa cidade de Bariloche. Seu moderno aeroporto fica

em um grande planalto cercado de grandes montanhas, a aproximação é bastante fácil, e para

nossa surpresa o vento na superfície era bem menos intenso. Após o pouso fomos orientados

a levar nossas aeronaves a um setor aonde estacionamos juntamente com diversas aeronaves

estrangeiras, principalmente chilenas, que tem o cruzamento dos Andes facilitado neste trecho

da Cordilheira, em uma bela rota sobre lagos andinos situados a pouco mais de 3.000 pés de

altitude, um verdadeiro corredor entre montanhas com até 14.000 pés de altitude.

Bariloche está situada numa micro-zona climática e de vegetação de floresta temperada. Seu

clima é influenciado pela proximidade dos Andes, e suas florestas se mantêm graças à

abundância de água dos grandes lagos glaciais, como o Nahuel Huapi. No inverno (junho a

agosto), as temperaturas caem abaixo de zero e a maior quantidade de neve nas montanhas

mais altas dá início à temporada de esqui. Afastando-se poucos quilômetros para leste da

cidade, porém, o clima se torna mais seco, surgindo a fria estepe da Patagônia, com sua

vegetação de gramíneas cada vez mais esparsas, até que a paisagem se torna a um deserto.

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Em Bariloche, estamos praticamente em casa, pois o numero de turistas brasileiros é enorme,

e como estávamos atoa, fomos fazer o que todo turista faz, comer, beber, passear, beber de

novo, visitar os belos lagos, aonde se destaca o Nahuel Huapi, beber mais uma vez, subir nos

teleféricos até o alto dos elevados “Cerros” que circundam a cidade, beber de novo, etc., etc.,

etc. e beber mais um pouquinho.

O passeio em Bariloche seria a última farra da viagem, pois daqui para frente era voar de volta

para Brasília, no caminho mais curto possível, sendo assim, às 06:00 da manhã do dia

11/10/2012, estávamos mais uma vez em um aeroporto argentino envolvidos com a

burocracia da PSA, ANAC e desta vez também com a ajuda da turma da sala AIS, que resolveu

colaborar com nosso atraso, só chegando depois das 08 horas, postergando nossa saída em

quase duas horas.

Tudo resolvido, alinhamos na pista 11 de SAZS, deixando para trás a imponente Cordilheira dos

Andes e seus belos picos eternamente cobertos de neve, tomando proa nordeste, tendo a

frente agora o terço norte do deserto patagônico, rumo a cidade de Santa Rosa (SAZR),

afastada 450nm, voamos este trecho em 02h:48min, pousamos e tentamos ser rápidos nos

tramites burocráticos na tentativa de decolarmos rapidamente, pois este dia seria dedicado

somente a volta para o Brasil, e precisávamos voar muito ainda até mudar o sotaque da fonia.

Santa Rosa é mais um exemplo dos ótimos aeroportos de pequenas cidades que existem na

Argentina, pista grande e bem conservada, gramado e jardins bem cuidados, estação moderna

e confortável, dotada de banheiros limpos, lanchonete e restaurante, o problema é que só

funcionam nos horários de voos comerciais, ou seja, nós não acertávamos um aberto, estavam

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sempre fechados quando chegávamos, coitado do Cmte. Modena e seu voraz apetite, estava

sempre se decepcionando.

Sem lanche, mas com combustível e um monte de papel para preencher, decolamos para o

próximo destino, Rosário (SAAR), onde depois de voarmos mais 280nm, planejávamos fazer os

tramites de aduana e migração para a saída rumo ao Brasil.

Após a decolagem de Santa Rosa, tomamos a proa 045° e percebemos rapidamente a drástica

mudança da paisagem, pois o deserto vai dando lugar a uma planície fértil extremamente

irrigada, conhecido como Pampa Úmido, quase totalmente tomado por imensas áreas

plantadas que sobrevoaríamos em 01h:45min, até o pouso em Rosário.

Rosário é a terceira maior cidade argentina, com 1.4 milhões de habitantes, é dotada de um

grande e moderno aeroporto, aonde operam todas as grandes companhias aéreas sul-

americanas, tornando o mesmo bastante movimentado.

Após o pouso, dividimos a turma, para tentarmos agilizar ao máximo nossa permanência em

terra. Enquanto uns abasteciam as aeronaves, outros tratavam dos tramites para a saída de

volta ao Brasil, mas o grande problema foi que, por questões de horário de troca de turma dos

agentes da Policia Aeroportuária e Aduana, para agilizarmos a saída, teríamos que abrir mão

do almoço, tal fato provocou um colapso no Cmte. Modena, que incapacitado de conter sua

voracidade alimentar, quase causou uma crise diplomática, ao retornar sorrateiramente ao

aeroporto em busca de comida, após já ter passado pela alfandega para embarque, mas graças

à compreensão dos agentes de segurança locais, sensibilizados com a situação, fomos todos

liberados.

Fizemos o plano de voo internacional de Rosário direto para Uruguaiana (SBUG), seria um voo

de 268nm, voando no FL 075, com um ventinho de proa que retardou um pouco nosso voo,

mas sem problemas retornamos ao querido solo brasileiro após 01h:50mim. de voo.

Já avisados por nós, antes da decolagem de Rosário, ao pousarmos em Uruguaiana, já

encontramos apostos Receita e Policia Federal, que em menos de dez minutos liberaram nossa

entrada, ou seja, comparados aos argentinos nossa burocracia aeroportuária é de primeiro

mundo, parabéns aos agentes de Foz do Iguaçu e Uruguaiana, valeu!

No primeiro jantar da turma no retorno ao nosso país, a sensação de missão cumprida já

estava na mente de todos, mas precisávamos refrear o entusiasmo, pois afinal de contas o

Brasil é muito grande e de Uruguaiana até Brasília, ainda faltavam quase 1.000nm (1.850Km),

que deveríamos percorrer durante todo o próximo dia, mas o desejo de voltar para casa

somado a paixão pelo voo, tornavam a missão muito agradável.

Decolamos de Uruguaiana-RS, as 09:00hs do dia 12.10.2012, com tempo bom, em rota direta

para Maringa-PR (SBMG), neste trecho voaríamos 465nm margeando a fronteira argentina

sobre todo o Rio Grande do Sul e parte do Paraná. Apesar do cuidado com a navegação, em

uma distraída (acho que todos dormiram), invadimos uma pequena parte do território

hermano, e para provar que a defesa aérea e os radares do nosso CINDACTA, operam

perfeitamente, fomos imediatamente advertidos, mas um conhecido Comandante de nossa

esquadrilha, já especializado em invasões de espaço aéreo, entrou em um grande embate via

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fonia, com o ACC-Curitiba, garantindo que os radares do CINDACTA estavam errados e ele

certo, vai que cola né.

Apesar da briga, após 03h:10min. de voo pousamos em Maringá, com chuva e as condições de

tempo se deteriorando, tentamos abastecer e almoçar o mais rápido possível, para podermos

decolar para Brasília, antes que o aeroporto fechasse, algo bastante provável dado a condições

de teto que a cada minuto piorava mais e mais.

Decolamos de Maringá com plano de voo para o nosso aeródromo de origem e casa de nossas

aeronaves, a Fazenda Botelho-DF (SIQE), a pouco mais de 08nm do SBBR. Com a ajuda da

Torre Maringá, tentamos tudo para acelerar a partida, acionamento, taxi e decolagem da

intercessão, mas as formações se acumulavam e cada uma das tripulações de nossa

esquadrilha escolheu um caminho diferente, para cruzar aquela zona de mau tempo, que

estava obstruindo nosso caminho de volta. Um manteve a proa direta para o destino, em voo

em condições marginais de visibilidade, outro desviou para leste e outro para mais leste ainda,

mas o importante é que todos, após 513nm de um voo, bastante trabalhado em função dos

desvios e os cuidados com a autonomia, pousaram são e salvos, de volta ao lar.

Considerando-se os dados da aeronave RV-10, PP-ZKK, computamos nesta jornada, um total

de 36 horas e 30 minutos de voo, considerando-se o trajeto de ida e volta, consumindo 1.923

litros de AVIGAS. Completamos todas as etapas de ida e volta sem repetirmos nenhum

aeródromo pousando em 18 localidades diferentes (e o coitado do Romeu não fez nem um

destes pousos), enfrentamos temperaturas que variaram entre 34° C e -11°C, sobrevoando,

cerrados, florestas tropicais, planícies dos pampas, desertos, o oceano atlântico, montanhas

nevadas, geleiras, rios andinos, imensos lagos e a imponente Cordilheira dos Andes.

Mas, apesar de todas as experiências e aventuras que vivemos, o que melhor extraímos desta

viagem, foi a lembrança da convivência deste maravilhoso grupo de amigos, o bom humor de

todos, foi a qualidade reinante durante toda a jornada, piadas, conversas sérias, conselhos,

brincadeiras, broncas, abraços e risos se revezaram durante todo o tempo em que

permanecemos juntos, dividindo espaço em aeronaves, restaurantes e quartos de hotel, e

nem o sumiço de um passaporte (encontrado depois) tirou o humor deste pessoal, tão

diferentes em origem, formação e profissão, mas extremamente parecidos, na boa vontade,

humor e principalmente na paixão em voar.

Paixão esta responsável por reunir em um só objetivo, um grupo com jovens, velhos,

intelectuais, Neandertais, calados, falantes, dorminhocos, famintos, ansiosos, pontuais,

descansados, sérios, engraçados, mas apesar de todas estas diferenças, era um time e dos

bons, com defeitos e qualidades, mas todos nós jogamos juntos para ganhar e assim, fomos,

vimos e vencemos! Obrigado a todos.

Abaixo ficha técnica da jornada Brasília – Ushuaia – Brasília – Outubro/2012.

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A equipe do Fim do Mundo:

RV-10 - PP-ZKK

Edimar Araujo Filho – [email protected]

Carlos Modena – [email protected]

Carlos Henrique Alvim – [email protected]

Mauricio Beze – [email protected]

RV-10 – PT-ZVG

Claudio Roberto de Souza – [email protected]

Gustavo S Chagas – [email protected]

Alessandro Campos – [email protected]

CIRRUS-SR22 – PR-GCB

Gerard Souza – [email protected]

Romeu de Oliveira Jr. – [email protected]

Flavio Sganzerla – [email protected]

FICHA TÉCNICA DO VOO BRASÍLIA-USHUAIA

LOCALIDADE DESIGNTIVO DIST. / P.MAG TEMPO

DE VOO

CONSUMO AVIGAS/LTS.

FAZ. BOTELHO SIQE

ARAÇATUBA SBAU 348NM / 224° 02:18 120

FOZ DO IGUAÇU SBFI 350NM / 225° 02:20

CATARATAS SARI 008NM / 191° 00:05 131

CONCORDIA SAAC 383NM / 228° 02:13 124

AERO CLUBE DE BAHIA BLANCA

BHB 492NM / 225° 03:31 172

PUERTO MADRYN SAVY 275NM / 226° 01:50

COMODORO RIVADAVIA SAVC 208NM / 228° 01:23 194

RIO GALLEGOS SAWG 357NM / 208° 02:12 104

USHUAIA SAWH 198NM / 157° 01:26

USHUAIA (AEROCLUBE) SAWO 002NM / 334° 00:02

RIO GRANDE SAWE 066NM / 006° 00:38 114

EL CALAFATE SAWC 263NM / 309° 02:14 113

SAN CARLOS DE BARILOCHE

SAZS 553NM / 357° 03:25 159

SANTA ROSA SAZR 422NM / 052° 02:48 143

ROSARIO SAAR 280NM / 045° 01:45 93

URUGUAIANA SBUG 268NM / 057° 01:50 95

MARINGA SBMG 465 / 053° 03:10 157

FAZ. BOTELHO SIQE 513NM / 049° 04:09 204

Edimar-Bsb09.04.2013

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