viver não é preciso

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NOS ANOS 80, quando não havia internet e outras modernidades, como as crianças se divertiam? Bem, elas usavam a imaginação. Somente quem viveu essa época mágica entende o prazer que era roubar fruta na casa do vizinho, ficar na rua até tarde brincando, jogando queimada, ou dentro de casa vendo os programas que faziam sucesso na televisão. Quem não se lembra o Cassino do Chacrinha? Do Xou da Xuxa? Ou do Viva a Noite? Quem nunca passou pela emoção de ter em casa o primeiro sofá (onde não se podia sentar)? Viver Não É Preciso faz uma viagem encantada pelos incríveis anos da década de oitenta.

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Aharom Avelino

Page 6: Viver não é preciso

Copyright © 2012 by Aharom AvelinoCopyright desta edição © 2012 by Livros Ilimitados

LIVROS ILIMITADOS

Conselho Editorial:BERNARDO COSTA

JOHN LEE MURRAY

LEONARDO MODESTO

Projeto grá� co e diagramação: Luíza CostaCapa: John Lee Murray

Direitos desta edição reservados àLivros Ilimitados Editora e Assessoria LTDA.Rua República do Líbano n.º 61, sala 902 – CentroRio de Janeiro – RJ – CEP: 20061-030Tel.: (21) 3717-4666contato@livrosilimitados.com.brwww.livrosilimitados.com.br

PARCEIRO

Proibida a reprodução, no todo ou em parte,através de quaisquer meios.

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Para minha família que, sem querer, fez parte disso tudo.

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Sumário

Um estranho na sala 9

O dono da casa 15

O dia do ator 21

A estranha senhora da casa amarela 27

A lágrima do crocodilo 31

E a orelha de Van Gogh? 35

Missão quase impossível 38

Doce encanto 42

Aquele corpo estranho está lá dentro 49

A festa de Bebete 52

Ao mestre com carinho 62Tudo acaba quando chega ao fi m... 66

Agradecimentos 71

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Page 11: Viver não é preciso

Foram dias confusos aqueles. De repente, não se falava em

outra coisa lá em casa. Estava todo mundo na maior expec-

tativa. Ele chegaria em poucos dias e traria muita felicidade

para a gente – assim acreditávamos. Ninguém sabia como ele

era, só meu pai, claro! Mas ele não fala um A sobre isso. Na

verdade, meu pai, num momento de sadismo explícito, até se

divertia com nossa euforia e curiosidade.

Minha mãe era, de longe, a mais empolgada. Estava que

não cabia em si. Abriu um sorriso de orelha a orelha. Ele era

tudo o que ela queira. Para minha mãe, a chegada dele re-

presentava uma mudança radical. Nós estávamos subindo de

posição social, ela dizia. Com ele, nossa família tinha atingido

um novo padrão de vida. O passado era passado, e ele era o

futuro. Tamanho poder só podia resultar em uma coisa: ele

teria todo o poder dentro de casa. Logo o falatório começou:

“Não deita nele, menino!”“Você tá rolando nele, para com isso!”“Olha o braço dele, cuidado!”“Tira esses pés imundos dele, agora!”

Um estranho na sala

Page 12: Viver não é preciso

10 Aharom Avelino

“Ai, meu Deus, vocês vão destruir ele.”Não podia isso, não podia aquilo. Eu já estava com raiva

dele. Queria chutá-lo, xingá-lo ou cuspir nele, mas minha mãe estava sempre de olho. Ele era muito importante para ela.

Ela o ganhou de presente do meu pai. Não era nenhuma data especial, no entanto ele quis fazer uma surpresa – na ver-dade, acho que meu pai queria se livrar da ladainha da minha mãe. Ela vivia reclamando que não tinha um troço daquele.

Minha mãe o achava a coisa mais linda do mundo. Talvez fosse naquela época, porque hoje, seria considerado horroroso. Brega, feio, hediondo e de mau gosto. Quem o visse hoje usaria essas características.

Ele era verde. Verde mofo, assim meio desbotado, sabe? Também tinha umas flores em relevo, gravadas no plástico frio e duro que era chamado de napa. Pavoroso!

Porém, verdade seja dita: ele tinha uma espumazinha macia, fofa, gostosa. Naquela época, ele era a oitava maravi-lha do mundo, ou pelo menos, a primeira maravilha lá de casa. Pra gente, ele era confortável, afinal, estávamos acostumados com bancos de madeira.

Houve um tempo em que ele era tudo que uma mãe mais queria na sala. Era o sofá dos sonhos de 5 em cada 5 donas de casa. Aliás, ele não era um sofá puro e simplesmente, não, era um conjunto. Três peças. Três sofás: um grande com três lugares e dois pequenos de um lugar cada. Última moda. Um

luxo a que poucas famílias tinham acesso.Era caro. Caro, não, caríssimo. Para levá-lo para casa, meu

pai precisou assinar algumas promissórias na loja (não havia carnê naquela época).

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11Viver não é preciso

O dia em que ele foi deixado lá em casa foi um dia de festa.

Não demorou muito e uma revolução começou.

– Chega a televisão pro outro lado.

– Não, aí não, deixa ele do lado de cá.

– Aí vai bater sol. Desbota.

– Mais? Ele já é todo desbotado mesmo. Olha que cor feia

– eu disse, mas ninguém me deu assunto.

– Aí num ficou bom, não. Acho que ficava melhor do outro

lado. Ou seria melhor desse lado de cá, mesmo? Ai, que dú-

vida!

Foi um dia inteiro de mexe daqui, mexe dali. A sala toda

acabou alterada.

Primeiro minha mãe trocou o tapete porque vermelho não

combinava com o verde do sofá. Não demorou muito para as

cortinas antigas irem parar no meu quarto. A sala ganharia

novas cortinas que combinariam com o sofá, claro.

Quando tudo parecia calmo, então, minha mãe resolveu im-

plicar com a televisão.

– Ai, essa televisão, num sei não, vai acabar estragando o

meu sofá.

– Como a televisão vai estragar o sofá? – eu quis saber – ela

nem senta nele. Quem senta nele é a gente.

– Esse é o problema, agora todo mundo só quer sentar no

sofá pra ver televisão.

– Ué, mas onde a gente vai sentar, então? – perguntou

minha irmã.

– Não sei. Senta no chão! – sugeriu minha mãe.

– Eu gosto de sentar nele – falei.

Page 14: Viver não é preciso

12 Aharom Avelino

– Você e todo mundo... Vamos ter que dar um jeito nisso.

Do jeito que tá num dá.

O que ela estava dizendo era verdade, todo mundo só queria

saber de sentar no sofá. Depois que ele chegou, ninguém quis

saber dos banquinhos de madeira duros e desconfortáveis. O

Cassino do Chacrinha ficou muito mais divertido quando pas-

samos a vê-lo esparramados no sofá.

Para desespero da minha mãe, eu comecei a comer no sofá,

a tomar café nele, fazia meu dever de casa usando-o como me-

sinha de apoio.

– Vai sujar de comida.

– Num vai, não, eu tomo cuidado.

– Vai cair suco.

– Num vai, não, eu bebo direitinho.

– Vai manchar.

– Já vou sair...

– Vai melar de molho de tomate.

– Eu já terminei de comer...

– Vou ter que esfregar com sabão depois...

Minha mãe ficava tensa com medo de que a gente destru-

ísse o precioso sofá dela. O que ela não imaginava era que o

pior estava por vir: um dia, minha mãe estava lá toda feliz,

cantando que só ela mesma e passando paninho no sofá. Passa

de cá, passa de lá. Susto! Ela viu aquilo. A visão que mudaria

tudo. Lá estava ela, bem pequenininha, era só o começo, mas

estava lá: uma rachadura, quase invisível, mas estava lá. Foi

um dia de tristeza. Minha mãe entrou em desespero. Colocou

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13Viver não é preciso

um pouco de supercola. O plástico ressecou e a rachadura au-

mentou, ela ficou de cabelo em pé.

– O que é que eu vou fazer agora? Meu sofazinho tão boni-

tinho...

– Bonitinho ele num é não...

– Tão macio e fofinho – ela continuou.

– Ah, isso ele é mesmo – concordei.

– Agora tá rachando! É terrível! Tô arrasada!

Arrasada ela estava mesmo, mas não havia nada que se

pudesse fazer. Dia após dia, a rachadura só aumentava. Uma

tragédia se anunciava na minha casa.

Minha mãe aproveitou a situação pra mostrar todo seu ta-

lento dramático. Limpava a casa, tirava o pó, mas se recusava

a olhar para o sofá. Dizia que era muita dor. Não sei onde,

pois a rachadura era no objeto e não nela. De vez em quando,

ela ficava parada olhando para ele. Acho que ela esperava um

milagre, ou coisa parecida. Mas o milagre não veio.

Os dias se passaram e eu achei que minha tinha se tocado

de que não tinha solução. Então, numa sexta-feira, depois da

aula, cheguei em casa e vi minha mãe toda sorridente. Achei

que meu pai tinha comprado outro sofá.

Corri para sala para ver o novo objeto, mas só vi o velho e

bom sofá verde. No entanto havia algo diferente. Um tecido.

Minha mãe havia jogado uma espécie de forro sobre o sofá.

– Viu só? Num ficou lindo? Agora ninguém vai notar que

tá rachado!

Olhei para o forro que imitava pele de onça.

– Lindo? É estranho!

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14 Aharom Avelino

– Eu amei essa estampa de oncinha – disse minha mãe

– acho até que vou mudar a decoração da sala para combi-

nar com ela. Primeiro quero trocar o tapete, depois, acho que

posso mudar essas cortinas também...

E assim, começou tudo outra vez...

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