vivenciar o morrer de um ente querido: parece … · a maioria das barganhas são feitas com deus,...

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MÔNICA SAMARA GONÇALVES PATRÍCIA CRISTINA G. ALVES DE MIRANDA VIVENCIAR O MORRER DE UM ENTE QUERIDO: PARECE QUE ESTAMOS MORRENDO JUNTO GOIÂNIA 2004

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MÔNICA SAMARA GONÇALVES

PATRÍCIA CRISTINA G. ALVES DE MIRANDA

VIVENCIAR O MORRER DE UM ENTE QUERIDO: PARECE

QUE ESTAMOS MORRENDO JUNTO

GOIÂ N I A

2004

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MÔNICA SAMARA GONÇALVES

PATRÍCIA CRISTINA G. ALVES DE MIRANDA

VIVENCIAR O MORRER DE UM ENTE QUERIDO: PARECE

QUE ESTAMOS MORRENDO JUNTO

Monografia ap resentada à disciplina de Orientação de Monografia II, do curso de Graduação em Enfermagem, da Universidade Católica de Goiás, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Enfermagem. Orientadora: Profª Ms. Lícia Maria Oliveira Pinho.

GOIÂNIA

2004

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DEDICATÓRIA

__________________________________________________________

Aos meus pais Waldemar Miguel e Eterna e a minha irmã Tatiane Samara tão

presentes apesar da distância;

Ao meu querido irmão João Miguel, pela convivência e apoio incondicional;

À esses dedico nossa vitória.

Mônica Samara

Aos meus pais, meu marido e aos meus filhos queridos;

A todos aqueles que colaboraram para o meu desenvolvimento como pessoa: meus

pais, irmãos queridos; aos meus amigos e professores.

Patrícia Cristina

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AGRADECIMENTOS

A Deus que nos deu o Dom da vida, nos presenteou com a liberdade, nos abençoou

com a inteligência e nos deu a graça de lutarmos para a conquista de nossas

realizações.

Aos familiares pela colaboração para que o nosso saber se concretizasse. Talvez

nossa presença tenha sido pequena diante do universo de lutas que vocês

corajosamente enfrentam, mas ouvi-los representou para nós uma magnífica lição de

amor e fraternidade, por tudo isso nós dizemos hoje e sempre, m uito obrigado!

A você querida mestra Lícia muito obrigado por fazer do aprendizado não um

trabalho, mas um contentamento. Por fazer com que nós sentíssemos pessoas de

valor, por nos ajudar a descobrir o que fazer de melhor e, assim, fazê -lo cada vez

melhor. Obrigado por afastar o medo das coisas que pudessemos não compreender,

levando-nos por fim, à compreendê-las. Por resolver o que achávamos

complicado...Por ser uma pessoa digna de nossa total confiança e a quem podemos

recorrer quando a vida se mostrar difícil. Obrigado por nos covencer de que éramos

melhor do que suspeitávamos.

Aos mestres que durante todos esses anos nos ensinaram muitas coisas...E

confessamos que não aprendemos tudo o que quisemos, mas aprendemos tudo que

pudemos. Andamos muito...tentando alcançar esse momento. E agora queremos

revelar nossos siceros agradecimentos às pessoas que nos fizeram apreender, sorrir,

chorrar, sentir, viver... CRESCER...

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QUEM MORRE?

Morre lentamente, quem não viaja, quem não lê, não ouve música, quem não

encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente, quem destrói o seu amor próprio, quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente, quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias

o mesmo trajeto, quem não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com

quem não conhece.

Morre lentamente, quem evita uma paixão ou quem prefere os pingos sobre os “is”

em detrimento de um redemoinho de emoções, justas, as que resgatam o brilho dos

olhos, as “delícias” dos bocejos, o coração aos tropeços e sentimentos.

Morre lentamente, quem não vira a mesa quando está infeliz com o trabalho, quem

não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo

menos uma vez na vida fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da chuva

incessante.

Morre lentamente uquem abandona um projeto antes de iniciá -lo, não pergunta

sobre um assunto que desconhece, não responde quando lhe indagam sobre algo que

sabe.

Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um

esforço muito maior que o simples fato de respirar.

Pablo Nerruda

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SUMÁRIO

Resumo

INTRODUÇÃO ................................................................................................................

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .......................................................................................

TRAJETO METODOLÓGICO ......................................................................................

O DESVELAR DO FENÔMENO........................................... ..............................

O impacto do diagnóstico.............................................................................

Vivenciar o morrer de um ente querido........................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................

ANEXOS................................................................................................................

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................. ..................................................

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RESUMO __________________________________________________________ Trata- se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa, que teve como objetivo: compreender o significado da morte e do morrer através do olhar e sentimentos vivenciados por familiares de pacientes em fase terminal do serviço de Oncologia da Santa Casa de Misericórdia de Goiânia - GO. Através das falas dos entrevistados emergiram as seguintes categorias: “O impact o do diagnóstico” e “O vivenciar o morrer de um ente querido”. Percebeu- se que a presença do diagnóstico de câncer no meio familiar se exteriorizaram através de sentimentos de: surpresa, preocupação, desespero, tristeza, choque, dor, depressão, entre outro s sentimentos. Com o vivenciar do processo, evidenciamos uma maior aproximação entre os membros da família; sentimentos como: união, compaixão, perdão, compartilhamento, experiência passam a ser citados. Com a iminência da finitude do ente querido, os fami liares retratam o fim da esperança, o cansaço e o sofrimento. Ao término traçamos alguns comentários sobre a presença ou ausência do enfermeiro num momento como esse, ímpar para o ser humano.

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INTRODUÇÃO

A morte faz parte do curso natural da vida, é um fato biológico que finda o ciclo

vital e reflete nos seres humanos as mais diferentes reações emocionais.

Interessante, como historicamente, questões relacionadas a morte eram vividas

com tranqüilidade; o processo morte-morrer era vivenciado e experienciado em ambiente

familiar onde até mesmo as crianças estavam presente. Entendiam e enfrentavam questões

relacionadas à finitude como um fato da vida, mais uma etapa, a última, pode-se dizer da vida

neste mundo.

Hoje, em nossa sociedade a anterior aceitação já não é mais tão observada.

Atualmente, por vezes a morte é negada e considerada um tabu. Apesar de termos certeza da

morte, assim como do entardecer ao final de um dia, não possuímos tranqüilidade em dialogar

sobre a angústia do findar e suas repercussões em nossas vidas.

Ingressamos na Universidade, com o objetivo de nos tornarmos Enfermeiras, e

como tal, percebemos que durante o curso enquanto acadêmicas prestamos nossos cuidados

não só ao cliente, mas também a sua família e a comunidade na qual este, enquanto pessoa –

Ser – está inserido.

Durante os estágios curriculares, várias foram as vezes que nos deparamos

refletindo sobre o processo da morte e do morrer. Lançando sempre um olhar diferenciado

para os familiares de pacientes terminais em suas relações, de convivência, de aceitação, de

negação e sentimentos vivenciados por essa família e os diferentes comportamentos

apresentados frente ao processo de finitude envolvendo um ente querido.

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Foram estes olhares que aos poucos tornaram-se inquietações, que despertou-nos

para a realização desta pesquisa sobre o vivenciar a morte de um ente querido na visão de um

familiar.

Entre outras inquietações, perguntamos por vezes: qual a visão da família em

relação à morte, de um ente querido? O que essa família entende como crença, valor, onde

estão centrados o suporte, em que se apegam frente a um diagnóstico de terminalidade em sua

família? Quais seriam os sentimentos aflorados após essa notícia? Que tipo de indagações

viriam à mente desses familiares?

A verdade é que as indagações que nos intrigavam eram muitas e profundas.

Assim, a partir de coleta e análise de depoimentos de familiares de pacientes oncológicos em

fase terminal, desvelamos essas inquietações relacionadas com a morte e o morrer no âmbito

familiar, surgiram também outras colocações importantes que engrandeceram ainda mais

nosso trabalho. Entendendo que o intuito não é explicar e sim compreender o mundo vida

desses sujeitos centramo-nos no objetivo dessa pesquisa: compreender a morte e o morrer

através do olhar e sentimentos, vivenciados por familiares de clientes oncológicos em fase

terminal.

Esperamos que este estudo possibilite aos enfermeiros uma reflexão acerca de

suas relações com familiares de pacientes sem possibilidades terapêuticas; esperamos

também, que esse estudo abra caminhos para novas investigações no âmbito científico, bem

como um repensar sobre nossos conhecimentos e sentimentos enquanto profissionais de saúde

em relação a vivência e aos sentimentos da família no processo morte-morrer.

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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

________________________________________________________________

Morte e morrer considerados como fenômenos percebíveis e experenciados dentro

do contexto de vida, e que por serem percebidos como fatos do findar, constituem-se em

desafio para vários ramos da Ciência.

Desse modo, a maioria dos enfoques relacionados ao tema morte-morrer são

determinantes para compreender-se as diferentes reações e posturas que as pessoas

manifestam quando colocadas frente ele.

Ao trabalhar com a morte, o pesquisador busca demonstrar o nível de aceitação do

tema dentro da ciência, de modo que essa aceitação depende da visão que cada indivíduo tem

a respeito. Kübler-Ross (2000), estudiosa do assunto, refere que “…em nosso inconsciente, a

morte nunca é possível quando se trata de nós mesmos”. Pode-se dizer, no entanto que essa

aceitação tem outro significado quando se trata de um ente querido, pois a morte não

consegue corroer o sentido que tem a vida, e algo permanece nos que ficam, que não tem

tempo ou distância, e é imortal.

É observável que tanto pacientes quanto familiares passam por diversos estágios,

até chegarem à aceitação do processo de finitude. A autora acima citada coloca que; há um

compartilhamento de emoções entre família e ente querido chegando aos poucos a uma

aceitação da realidade de separação iminente.

A morte, naturalmente é a eventualidade mais clara e ameaçadora ao Ser, é algo

que acontece, e, mesmo antes de acontecer é uma presença que ainda não veio. O fato de

conhecer a impossibilidade terapêutica de uma doença, provoca nos familiares uma agreção,

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um abismo entre o viver anterior e o presente, tornando o futuro incerto. Após o diagnóstico

de terminalidade evidencia-se diferentes comportamentos, que Kübler-Ross (2000) relacionou

em estágios, sendo que o paciente pode passar por todos em uma ordem cronológica de

acontecimentos, ou não, podendo não passar por todos estes estágios:

1o Estágio: negação e isolamento

“A negação… é usada por quase todos os pacientes, ou nos primeiros estágios da

doença ou logo após a constatação, ou, às vezes, numa fase posterior. Há quem diga: “Não

podemos olhar para o sol o tempo todo, não podemos encarar a morte o tempo todo”. Esses

pacientes podem considerar a possibilidade da própria morte durante um certo tempo, mas

precisa deixar de lado tal pensamento para lutar pela vida”.

2o Estágio: a raiva

“O pior é que talvez não analisemos o motivo da raiva do paciente; nós a

assumimos em termos pessoais quando, na sua origem, nada ou pouco tem a ver com as

pessoas em quem é descarregada. Reagindo pessoalmente a esta raiva, a família ou os

enfermeiros, por sua vez, retribuem com uma raiva ainda maior, alimentando o

comportamento hostil do paciente. Podem evitar contato com os pacientes, podem encurtar as

visitas ou entrar em atritos desnecessários em defesa de sua posição, ignorando que, muitas

vezes, o problema é de somemos importância”.

3o Estágio: barganha

“A barganha, na realidade, é uma tentativa de adiantamento; tem de incluir um

prêmio oferecido por bom comportamento, estabelece também uma “meta” auto imposta (…)

e inclui uma promessa implícita de que o paciente não pedirá outro adiamento, caso o

primeiro seja concedido(...). A maioria das barganhas são feitas com Deus, são mantidas

geralmente em segredo, ditas nas entrelinhas ou no confessionário do capelão”.

4o Estágio: Depressão

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“O paciente está prestes a perder tudo e todos a quem ama. Se deixarmos que ele

exteriorize seu pesar, aceitará mais facilmente a situação e ficará agradecido aos que puderem

estar com ele neste estado de depressão sem repetir constantemente que não fique triste”.

5o Estágio: Aceitação

“Não se confunda aceitação com estágio de felicidade. É quase uma fuga de

sentimentos. É como se a dor tivesse esvanecido, a luta tivesse cessado e fosse chegado o

momento do ‘repouso derradeiro antes da longa viagem’, no dizer de um paciente. É também

o período em que a família geralmente carece de ajuda, compreensão e apoio, mais do que o

próprio paciente; a medida que ele, às vésperas da morte, encontra uma certa paz e aceitação,

seu círculo de interesse diminui. E deseja que o deixem só, ou pelo menos, que não o

perturbem com notícias e problemas do mundo exterior”.

Tanto pacientes quanto familiares passam por todos estes estágios. Kübler-Ross

(2000) acrescenta que deve-se levar em conta a família do paciente para podermos ajudá- lo

com eficácia e que no período da doença, os familiares muito contribuem para a reação deste.

Vivemos em uma época difícil, de transição, onde a pessoa humana não é

considerada. Enquanto profissionais de saúde, o primeiro passo para o sucesso, é ter uma boa

compreensão do ser humano, das suas necessidades, capacidades e desejos.

Entretanto, devemos entender o paciente terminal como um Ser que fatidicamente

experenciará o morrer e que momentaneamente necessitará de alguém que tire suas dúvidas

ou mesmo esteja junto com ele. Kübler-Ross (2000) é feliz em suas colocações quando nos

revela que o "morrer é um ato solitário e que o tratamento impessoal não nos deixa prestar

atenção na existência de um ser levado às pressas para uma unidade de emergência, que talvez

não necessite de nossa eficiência, mas de alguém que segure sua mão ou que preste atenção e

uma pergunta."

Há uma tendência geral, a focalizar a doença crônica, pois ela exige um

tratamento particular e específico, o que desvia o pensamento do profissional de outras

necessidades reais do doente que, na verdade, precisa de ser encarado no seu todo, como um

ser humano em uma situação peculiar, com uma vivência singular.

Beck (2001) em seu trabalho sobre vivências com familiares de pacientes

internado em terapia intensiva, retrata sobre a importância de se olhar para as necessidades

reais do cliente priorizando o relacionamento interpessoal na hospitalização, assim coloca: “O

relacionamento interpessoal é fundamental para envolver pacientes, familiares e equipe de

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enfermagem diante de uma situação de crise, como a doença e a hospitalização. Esta

hospitalização é um evento que pode ser percebido pela família como uma ameaça. Apesar

das dificuldades.”

O cuidado com pacientes terminais, deve ser pessoal e empático, portanto torna-se

muito evidente a necessidade de uma aproximação existencial com o paciente, quer dizer de

uma atitude humana por parte do profissional.

Parece que estamos sendo preparados apenas para lidarmos com o corpo. Como

fica evidente em alguns estudos:

Boemer (1998), traz a visão tecnicista da enfermagem também em relação à

morte, sendo o momento de sua ocorrência o início de ‘tarefas’ a serem executadas, como

preparo e identificação do corpo; preenchimento dos aspectos burocráticos da instituição,

limpeza da unidade, ou seja, todas as atribuições são no sentido de que o quanto antes, o

corpo seja retirado daquele local.

Em um de seus trabalhos com pacientes terminais, Ghezzi (1991) também relata

sobre o tecnicismo, única ligação da enfermagem com o doente terminal, colocando que por

vezes, os utensílios que rodeiam o paciente tornam seu significado, e a equipe se restringe a

dar banho, trocar curativo, tornando o paciente terminal, gradativamente, um Ser-só.

Evidencia-se, portanto a necessidade de ver por detrás dos sintomas somáticos,

isto é, contemplar o homem nas suas necessidade humana para que possamos realmente

ajudar.

Ao internar-se em um hospital o cliente foge ao seu próprio controle e aceita que o

seu problema seja transferido para a responsabilidade de outros, ficando a sua vida confiada a

estranhos, em quem passa a acreditar. Perde a sua privacidade e liberdade, tem de sofrer

adaptação rápida a um ambiente diferente do convívio do lar, o que lhe traz uma vivência

nova e estranha. É obrigado a se enquadrar em rotinas e seguir o que se manda, muitas vezes

sem opção. Relacionado a essa problemática, Kübler-Ross (2000) coloca que: “quando um

paciente está gravemente enfermo, em geral é tratado como alguém sem direito a opinar.

Quase sempre é outra pessoa quem decide sobre se, quando e onde um paciente deverá ser

hospitalizado. Custaria tão pouco lembra-se de que o doente também tem sentimentos,

desejos, opiniões e, acima de tudo, o direito de ser ouvido…”

Mesmo vivenciando total dependência, cabe-nos refletir sobre individualidade do

ser que é a vítima das circunstâncias e precisa de ser amado e respeitado como um ser único

pois a hospitalização ou, a permanência no leito, perturbam a vida do doente, de toda a

família, atingem o ambiente social e acarretam grande ansiedade.

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TRAJETO METODOLÓGICO

Na busca por compreender os sentimentos que envolvem a morte e o morrer

através, de lembranças e sentimentos envolvendo familiares de pacientes terminais, internados

na Unidade de Oncologia da Santa Casa de Misericórdia de Goiânia-GO. Desenvolvemos esse

estudo para desvelar o fenômeno na sua essência.

Para tanto, fizemos opção pelo estudo descritivo com abordagem qualitativa, uma

vez que atendia nosso objetivo de interesse.

Segundo Oliveira (1999): “O estudo descritivo possibilita o desenvolvimento de

um nível de análise em que se permite identificar as diferentes formas dos fenômenos, sua

ordenação e classificação. Os estudos descritivos dão margem também à explicação das

relações de causa e efeito dos fenômenos, ou seja, analisar o papel das variáveis que, de certa

maneira, influenciam ou causam o aparecimento dos fenômenos”. Coloca ainda que: “É o tipo

de estudo que permite ao pesquisador a obtenção de uma melhor compreensão do

comportamento de diversos fatores e elementos que influenciam determinado fenômeno”.

Participaram da pesquisa seis familiares de pacientes oncológicos terminais, que

voluntariamente, dispuseram-se a colaborar com nosso estudo.

A pesquisa teve início após aprovação do Comitê de Ètica em Pesquisa da Santa

Casa de Misericórdia de Goiânia – GO.

A coleta de informações foi realizada por meio de entrevista semi-estruturada,

gravada em fita cassete, com prévia autorização dos sujeitos, após assinatura do termo de

consentimento e livre esclaracimento. As entrevistas foram realizadas nas dependências da

Unidade de Oncologia. O encerramento das entrevistas aconteceu quando houve saturação das

informações.

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Numa pesquisa qualitativa é essencial que se estabeleça uma boa relação entre o

sujeito e o pesquisador.

Carvalho (1987) coloca que: “Captar a experiência integral no gesto em

movimento é, pois, vir de um ‘campo de liberdade’, de um ‘campo de percepção’ de um

‘campo de presença’. É poder ver além e antes, ao mesmo tempo, coexistindo com o outro,

presente nas coisas e na paisagem e estar a postos para uma constante tomada de posição da

realidade. É encontra-se atento no mundo”.

O sigilo e anonimato dos dos entrevistados forão mantidos conforme a resolução

196/96 do Conselho Nacional de Saúde. (Brasil, 1996). Para isso, rebatizamos nossos

entrevistados com nomes de animais, com objetivo de fazer uma relação entre

comportamentos dos animais com as atitudes percebidas por nós e relatadas pelos sujeitos

frente ao processo de adoecer e morrer de um ente querido.

Utilizamos as seguintes questões norteadoras para que o sujeito revelasse seu

pensar:

- Fale para nós o que sentiu ao saber do diagnóstico.

- Fale para nós sobre a vida da família após o diagnóstico.

Após cada entrevista transcrevemos literalmente os relatos, posteriormente

fundamentamos nossa análise, seguindo os passos propostos por Martins & Bicudo (1994),

realizamos:

1- Leitura da descrição com a finalidade de apoderar-nos da experiência vivida pelo

sujeito;

2- Colocamos em evidência as unidades de significado, ou seja, delimitamos as respostas

às interrogações;

3- Transformamos as falas dos sujeitos em linguagem científica.

4- Reagrupamos as unidades de significados para descrição consciente de estrutura do

fenômeno.

Afastamo-nos de pré-conceitos e usamos concentração para que o estudo se

concretizasse. Assim, Carvalho (1987) refere que: “Não se consegue a indagação mais

adequada, muitas vezes, no início da entrevista, mas no encadeamento de gestos e frases, de

frases e gestos. É formulada em um movimento da intuição e da reflexão profunda, isto é, na

atitude de concentração e percepção do gesto lingüístico do cliente”.

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O DESVELAR DO FENÔMENO ___________________________________________________________________________

RENOMEAÇÕES 1 DOS SUJEITOS

E 1 – Borboleta

De lagarta a borboleta.

Para que esta mudança ocorra as borboletas passam por estágios ao final de seu

desenvolvimento, a lagarta envolve-se num casulo, onde ocorre a metamorfose que a

transformará num inseto adulto infinitamente mais belo, e amadurecido.

Nos momentos em que convivemos com E 1 e também através de seus relatos

percebemos que atitudes como: amargura, rancor, ausência, tornavam-na uma lagarta, sem

beleza e atrativos, mas com o diagnóstico envolveu-se em um casulo que com o passar dos

dias vivenciando o processo de doença de sua irmã, transformou-se em uma borboleta, com

sentimentos belos como: o perdão, a aceitação e a união. Por isso, rebatizamos E 1, passando

a chamá-la de borboleta.

E 2 – Lontra marinha

A lontra marinha é um animal manso e carinhoso. Vive em famílias, constituídas

pelo pai, a mãe, os recém-nascidos e os filhotes mais velhos. Em geral, cada cria é de apenas

1 Informações retiradas da publicação "o mundo dos animais, Editora Nova cultural, 1990, vol, I,II, III

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um filhote (raramente dois), que a mãe trata com maior cuidado. Em terra, ela o transporta

segurando com a boca. Na água, deita-o sobre a barriga, enquanto nada de costas. Pai e mãe,

ensinam o filhote a nadar, atentos ao menor sinal de perigo.

Com a terminalidade causada pelo câncer ocorreu uma inversão de papéis,

transformando E 2 em mãe de alguém que um dia foi seu cuidador. Neste momento, passamos

a chamá-la de lontra marinha, por conduzir os caminhos de seu pai de uma forma presente,

respeitosa, cuidando dele nos momentos finais de sua existência. Ao menor sinal de perigo ou

de cansaço, a mãe (lontra marinha) corre para ajudá- lo ou animá-lo a mais uma tentativa.

E 3 – Salamandra

Poucos animais foram tão cercados de uma aura de mistério quanto as

salamandras. No passado eram tidas com uma reencarnação de bruxas e princesas e na

maioria das regiões onde elas habitavam, ainda há quem afirme que conseguem curar todas as

enfermidades. Apenas seu tamanho é assustador, trata-se de um bicho pacífico, que passa a

vida em rios de água límpida e corrente.

O mistério de E 3 nos fascinou, podemos dizer que foi a entrevista que mais nos

instigou, foi difícil rebatizá-lo, mas depois de muitas reflexões decidimos chamá-lo de

salamandra.

Apesar do diagnóstico do câncer em um familiar, ele foi o porto seguro, o suporte

da família ainda que sentindo-se incapaz de desvendar o mistério do câncer. Através da sua

passividade pode transformar o momento que pode ser comparado a um rio turbulento em um

rio de águas pacíficas conduzindo sua família com sabedoria.

E 4 – Formiga

As formigas vivem em colônias altamente organizadas nas quais a uma rígida

divisão do trabalho, a colônia nasce com a fecundação da rainha, em geral maior que as outras

formigas e cuja função principal é por ovos. A um compartilhamento das funções entre as

formigas no interior do formigueiro, para garantir- lhes proteção, suprimentos e segurança.

Ao conhecermos um pouco sobre as formigas percebemos que sua característica

principal é o companheirismo e a ajuda mútua. Nas entrevistas realizadas percebemos que

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esta atitude também é freqüente entre os familiares contudo, de forma mais presente em E 4,

que a partir de agora passaremos a chamá-la de formiga devido a grande cumplicidade e

companheirismo demonstrados para com a irmã enferma.

E 5 – Camaleão

O que fez a fama do camaleão foi sua capacidade de assumir a cor do ambiente

em que vive. Excelente defesa contra predadores, esta capacidade é fruto de fatores tão

diversos como as condições de temperatura e luminosidade e as sensações do próprio animal

que irritado ou com fome, pode mudar de cor.

Rebatizamos E 5 por camaleão devido a grande capacidade que o mesmo mostrou

em adaptar-se a nova realidade: o conviver com a esposa com câncer. Em determinados

momentos da entrevista percebemos uma confusão de sentimentos levando-nos a pensar que

esta foi a maneira que ele desenvolveu para adequar-se a situação vivida.

E 6 – Molusco

Como o nome sugere, moluscos são animais de corpo mole. Na maioria das

espécies, porém, esse corpo indefeso está protegido parcial ou totalmente por uma sólida

couraça externa: a concha.

A partir de agora renomeamos E 6, passa a chamar-se molusco. Em nossas

conversas percebemos em seus relatos grande fragilidade no momento em que soube do

diagnóstico de câncer de sua mãe, bem como, nos dias que se seguiam. Evidenciamos que em

muitas situações sentiu-se indefesa e impedida de encarar o fato com maturidade. Com o

passar do tempo sentiu-se capaz de lidar com o problema criando neste momento uma sólida

couraça (concha) ficando forte e amadurecida para acompanhar sua mãe neste momento

difícil.

Contudo, aos nossos olhares a concha que a envolve mascara alguém que ainda é

muito frágil, um molusco, que necessita de amparo.

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O Impacto do Diagnóstico

Esta categoria evidencia os sentimentos de familiares de pacientes ao receberem a

notícia de câncer. Notamos o impacto causado pela notícia. Ouvimos relatos de sentimentos

como: surpresa, preocupação, fé, desespero, escândalo, tristeza, união, dor, choque, baque,

depressão. Como descrito nos discursos abaixo:

“Muita preocupação, porque aqui em Goiânia, só tem eu de parente dela, não tem mais ninguém.(...) ...foi uma bomba em cima de todo o mundo, a gente não esperava, a gente tava super animado achando que já tinha passado o pior mas na realidade o pior tava para vir. Depois disso, como se diz, só sofrimento.(...) Olha quando o médico falou assim: ‘tá nos ossos’ eu já... depositei tudo em Deus. (...) Todo mundo à princípio desesperou muito porque a nossa família assim, nosso Deus, é um pessoal muito espalhado, né? porque não cresceu junto, muito pobre e a minha mãe, como se diz quando os filho foram entrando na adolescência teve que mandar para um lugar, morar com um e outro para estudar porque ela não tinha condições, morava na fazenda. Então os irmãos ficaram assim muito chateados quando ficaram sabendo, né? poxa vida, aquele sentimento, poxa, a gente devia ter cuidado mais, né? ficado mais perto, porque a gente não fez isso, aquilo antes, reunido mais ...” (Borboleta)

“(...) era minha irmã mais nova que estava aqui. Aí na hora que falou para ela, ela fez o maior escândalo, e chorou demais, e deu o maior trabalho para o médico. (...) Eu sei que na hora que eu fiquei sabendo eu chorei muito... porque saber que o final dessa doença é muito triste... muito triste.” (Lontra-marinha)

“ Surpresa... surpresa.... no início um câncer de próstata e fez aquela cirurgia e a medicina, nos deu esperança, né! E aí não parou por ali.(...) ... nós nunca imaginava que ia acontecer na nossa família, era só em família dos outros, na nossa nunca ia acontecer, então isso serviu de exemplo.(...) E no mais uns que se achavam o tal, quebrou o gelo. E no mais, serviu para unir a família, cada um quer pegar um pouquinho, cada um quer auxiliar um pouquinho.(...) ...acho que essa dor é só nossa, toda a pessoa que tem caso desse jeito na família, os que tem amor de verdade, tudo sente, a dor pode ser diferente mas o sintoma é o mesmo.(...) Perdemos um jovem criado junto com a nossa família, foi acometido por uma leucemia, ela demorou 60 dias para findar a vida dele, choque muito maior que o nosso, ... a dor não digo maior que a nossa, mas, veio muito rápido, na nossa veio levando esperança, esperança, quando chegou naquele ponto, não, não temos mais esperança é aquela hora que você já pede:” Deus descansa ele”, porque infelizmente a cura ainda tá muito longe de chegar, e é isso daí o sentimento, a família cada um tem dado sua contribuição, cada um tem auxiliado no que pode, questão financeira, questão de sentimento, reunião de família, trocar idéias, que que é melhor para ele, para ele se sentir mais bem. A

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minha mãe também, já já muito cansada, os vizinhos, até os vizinhos compartilham da dor e da luta.”(Salamandra)

“Há... eu senti muito triste saber, para mim foi muito

ruim, eu chorei demais no começo, mas eu tenho muita fé em Deus. ...Mas eu senti assim, que parece que tinha acabado tudo.(...) Mas foi terrível, sim.. E, nos todos sofremos, eu e ela e os filhos dela também.(...) Eu pensava que nunca ia acontecer na minha família, com uma irmã minha(...) Mas ela recebeu a notícia assim, surpreendeu todo mundo... porque ela foi forte. Ela falou: ‘não, não e isso que vai me derrubar, eu vou vencer mais essa’. Mas os filhos, o marido, todos da família, sente muito e tem muita fé em Deus, a gente vai para igreja e ora, ela vai sarar ... eu vejo assim, que essa doença não vai levar ela não, eu vejo que vai voltar ainda para a família dela, com a saúde em nome de Jesus.(...) É triste, mas a gente com fé em Deus... nos vamos vencer essa.” (Formiga)

“Foi um choque né?... Ai nos ficamos chocados porque o médico disse que se tratasse duraria x, se não tratasse duraria y e nos ficamos e ai? Tratar ou não ?(...) Leva choque? Cê não leva, cê desmonta...(...)....quando isso bate na porta da casa da gente o negócio não é brincadeira não.”(Camaleão)

“... eu já esperava, não foi aquele baque muito forte por que eu já tava esperando o pior. Mas, assim depois, que eu fui cair na real eu fui ver que a coisa não era simples, que era uma doença grave, eu desesperei, fiquei muito tempo assim, eu nunca tive com quem conversar a respeito disso e tal.(...) ... eu acabei entrando em depressão...(...) Ai... eu já esperava mais; depois que eu cai na real...”(Molusco)

Nesta categoria evidenciamos que quase tão terrível quanto a notícia do

diagnóstico de câncer é o fato de percebê- la dentro da família, ou seja algo que antes parecia

intocável, imaculado, é violado.

O momento de um diagnóstico de câncer, traz surpresa, inquietação e uma grande

impossibilidade de aceitar os acontecimentos futuros com tranqüilidade, pois aceitar o futuro

significa aceitar a morte.

Rezende (2000) é feliz quando coloca que: “É muito mais fácil brincar com a

vida, com as coisas belas, como se ela não tivesse um fim. Sempre expressamos, nas nossas

dificuldades, a beleza da vida e esquecemos sempre, ou escondemos no subconsciente, que a

morte faz parte desta vida”

A vida e a morte fazem parte de um mesmo processo. É inevitável, se estamos

vivos vamos enfrentar a morte, neste sentido embora a morte seja uma realidade nos não

caminhamos para ela calmamente porque isto significaria negar a vida e todo seu vigor e

beleza.

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Kovács (2002) coloca que: “É difícil em nosso tempo encarar a morte como um

fenômeno natural; ela é sempre atribuída a um fator externo maligno. Com o avanço da

ciência, mais se teme e se nega a morte como realidade.”

Embora a morte faça parte do cotidiano de todo ser vivo de uma forma concreta e

real, receber o diagnóstico de câncer torna-se um impacto difícil de aceitar na vida dos

familiares e do paciente.

Ao receberem a notícia de uma doença como o câncer, os familiares entrevistados

referiram diversos sentimentos, que caracterizam seu pensar sobre o impacto do diagnóstico.

Referem preocupações, talvez pelo fato de ser uma situação nova, que mudou toda a estrutura

familiar. Encaram como um sofrimento, um baque, um choque, uma tristeza que veio como

uma surpresa, que ninguém espera, mas que chegou, não como um presente que alegra quem

recebe, mas como uma situação do presente que se arrastará por um futuro incerto, servindo

de exemplo.

Sontag apud Kovács (2002) coloca que: “o câncer carrega consigo as seguintes

metáforas: desgaste, corrupção, traição, invisibilidade, até os últimos estágios, além de ser

chamado também de “gravidez demoníaca” por causa do crescimento desorganizado.” Desse

modo o câncer está associado com desfiguramento, dor, trauma emocional, perda de funções

corporais; essas associações fazem persistir a relação entre o câncer e a morte.

Os familiares são pessoas que com suas fraquezas e medos sentem-se incapazes e

limitados e tentam agarrar-se em algo que lhes dê forças para manterem-se firmes. O coração

fragilizado, esmiuçado tenta assimilar a nova realidade que se mostra cruel. Depositam o

presente e o futuro em Deus. Como relatam Borboleta e Formiga:

“Olha quando o médico falou assim: ‘tá nos ossos’ eu já... depositei tudo em Deus.” “Há... eu senti muito triste saber, para mim foi muito ruim, eu chorei demais no começo, mas eu tenho muita fé em Deus. ...Mas eu senti assim, que parece que tinha acabado tudo.(...)”

A morte faz parte da vida, mas o câncer é uma doença que antecipa o pensar sobre

a finitude, delimita o tempo, leva a mudanças, impõe familiares a ficarem a mercê de toda

angústia e desespero.

Como seres humanos passamos toda a vida tentando inventar formas e fórmulas

para adiar a morte, superá- la ou quem sabe derrotá- la. Percebemos que para os familiares

participantes desse estudo, o sentido da vida mudou após receberem o diagnóstico de câncer,

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ficaram mais vulneráveis emocionalmente e desacreditados quando os tratamentos não

curaram o ente querido.

A partir do diagnóstico do câncer, as vidas das famílias sofrem transformações

que significam a perda do mundo habitualmente vivido por eles. Assim, passam a viver num

‘outro mundo’_ o mundo da doença do pai, mãe, filho, filha, irmão, irmã_ mudanças que

acarretam inseguranças. A família se desorganiza em função da doença. Os gastos são

maiores com transporte, medicamentos, exigências da própria doença. Muitas vezes um dos

membros da família deixa de trabalhar, havendo decréscimo da renda familiar. Enfim, a

possibilidade da morte do ente envolve sentimentos de profunda tristeza e angústia.

Observamos em alguns relatos que, as vezes o sentimento de conformismo

aparece através de comparações para quem sabe tentar justificar-se. Salamandra coloca que:

“... pode ter um rio de dinheiro, não cura, Leandro não conseguiu curar; Mário Covas com tanto dinheiro não conseguiu curar, então não é dinheiro o rico e o pobre caminha junto nessa história; ai, então não tem o que fazer.”

Segundo Kovács (2002): “... a morte se adianta ou se atrasa segundo relógios que

se chamam condições sociais, econômicas e políticas”. Pode-se dizer que todos caminhamos

para um mesmo fim, cada um com suas particularidades e individualidade inseridos num

contexto sócio-político-econômico-cultural, tendo respeitada suas crenças, portanto não existe

igualdade na hora da morte.

Percebemos que a dor antes solitária, começa a fortalecer e encorajar a união, para

enfrentar a vida, que ainda resta, ajudando a encarar os desafios de frente.

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Vivenciar o morrer de um ente querido

Ao vivenciar o morrer de um ente querido, os entrevistados nos trazem revelações

interessantes, que reunimos nessa categoria. Percebemos que após o diagnóstico houve uma

maior união dos familiares dispersos geograficamente e emocionalmente, observamos

também que sentimentos como perdão, compaixão, união, apego, esperança, experiência e

compartilhamento passaram a ser retratados nos discursos. Mas também relatam o fim da

esperança, o cansaço, o sofrimento tanto do ente querido quanto do próprio familiar, como

descritos nos relatos abaixo:

“A família ficou assim um pouquinho unida, fica um ligando para o outro, às vezes ficava até 2 meses sem um ligar para o outro. Somos 8 irmãos e se tinha alguma rixa, entre eu e algum irmão, foi desfeita aquela mágoa, entre eu e ela também, houve aquela liberação de perdão, houve muita mágoa, mas graças à Deus a gente superou isso. (...) só Deus, é só se... Deus quizer assim fazer um milagre. Em relação a família gente tá pelejando, esperando, como se diz, à gente tá mais assim, mais conformado assim, como se diz uma coisa que você espera, não é como um acidente de carro ou Deus o livre um assassinato, em alguns casos acontece sim. Então a gente já conformou, mas e ela também mudou muito, algumas coisas que estavam pendentes ela acertou..., uma que eu admiro nela é a força de vontade, a imensa vontade de viver. Depois disso ela não reclama de nada, ela assim, ela começa a falar que está sentindo dor, ela chora e pede a Deus tirar a dor, mas não reclama, está ... paciente, porque antes assim, ela era super impaciente. Mudou muito, como se diz, com o processo da doença, ela tá mais assim conformada, ela mesmo sabe que o caso dela não tem jeito é assim complicou porque muitos moram longe não tem como ficar com, ela, mas ela entende, ela não reclama de nada, e, como se diz não falta aquele auxílio, o pessoal da igreja dela ajuda muito ela, eles são muito amoroso e gosta muito dela. Só que eu acho assim, chato e ruim é que a família não tá perto, né. A família tá sentindo, o pessoal liga direto, pergunta, mas como se diz o calor humano mesmo não tá tendo por parte da família.(...) Com o marido houve uma mudança muito grande, porque ela sempre foi muito apegada a ele muito prestativa. Ele toda vida assim, foi muito arrediu e ela assim, muito amorosa e ele assim, mais secão. Ele morava em Jussara, agora veio para cá, ele era o tipo de homem que pondo comida em casa e sendo bom pai tava bom, agora não, ele tem tempo para ela, tá mais carinhoso, olha ela aqui no hospital, tem disposição para ela. É interessante que a pessoa que tem ciência que a morte tá próxima, parece que ela tem pressa em organizar o que bagunçou antes, a vida, se ela tem alguma mágoa com a pessoa, ela vem, manda chamar a pessoa e pede perdão, pede desculpas. E fala que quando ela sair dali ela quer começar tudo de novo, de uma forma diferente.” (Borboleta)

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“A família é muito grande sabe? A gente somos muitos irmãos, mas sempre é diferente, uns tem sentimento diferente. Assim, uns parece que tem mais sentimento e os outros parece que não importa muito.(...) E hoje, com o problema dele, ele era assim, muito fechado com, nós, agora não ele já ficou mais agarrado com nóis...(...) Agora ele ficou muito agarrado a minha irmã do meio e tomou raiva da mais nova se falar para ele que ela chegou ele fica fechadinho com, a cara ruim, ele deu umas unhadas nela esses dias para trás. Disse que vai bater nela, não sei porque.(...) Aí agora ele ficou muito apegado, na minha irmã, se falar para ele que quando sair daqui se ele queria ir para casa da neném (...) Aí ele sempre fala na morte, aí ele foi falar de uns vizinhos lá da cidade (Nazário) uns 4, disse que ‘eles tá lá mais velho que ele tudo bão e eu tô aqui sentindo dor’”.(...) Não sei se ele pois na cabeça... ele não come. Mais de mês ele põe a comida na boca e fala que dá vômito.(...) ...eu falei para ele: ‘Pai o gatinho e rabito (cachorro) fica atrás da minha mãe porque o senhor não tá lá’, aí ele chorou até...(...) Ele falou assim:’ ó, cê larga a casa sua e fica aqui, quem vai lavar sua roupa?’. (...) Aí essa semana ele falou: ‘A não eu tenho que sarar logo ou morrer logo, porque eu fico empatando ocês’.(...) ele já tá esperto, nós disse que ele ia ficar sozinho no hospital e ele disse: ‘Seis não tem coragem’.(...) Depois da doença não mudou, ele continua dando as má resposta na minha mãe, tem hora que ele dá a má resposta e ela fica calada porque ele tá doente. Mas continua o mesmo jeito, os dois. Agora, depois que adoeceu parece que ele ficou mais apegado aos filhos.”(Lontra-marinha)

“E aí com a debilitação dele, dá a sensação que nós tamos

morrendo juntos. (...) ele não suporta mais sofrer... a família perdeu a esperança se tivesse a lei que determinasse... poupar o sentimento dele...a gente troca qualquer recurso, já lutamos financeiramente o que podíamos e se hoje, agora, nesse momento, chegasse alguém olha encontrarmos uma solução pro problema do seu pai, isso... que custe o mundo, nós vamos correr atrás e nós vamos conseguir. Mas infelizmente eu acho que nós estamos muito longe, né?... de desvendar esse mistério, né?... que pelo jeito vai atacar grande parte da humanidade sem sucesso, sem sucesso na causa, né. É... acrescentar alguns dias de vida, até que consegue, mas curar, infelizmente, .... a desistência nossa tá por aí, a falta de esperança tá por aí.(...) A minha mãe também, já já muito cansada, os vizinhos, até os vizinhos compartilham da dor e da luta.(...) Bom, eu não te digo que é, mas serviu de exemplo, dentro da família existia gente orgulhosa e esse orgulho foi por água abaixo, acabaram entendendo que não adianta muito construir, construir usando o orgulho, pisando em pessoas, porque um dia ele pode ser carregado para fazer as necessidades fisiológicas, né, tomar banho, para comer,... serviu de aula de educação pra muita gente, para vizinhos para parentes, serviu para unir a família, serviu de preparação para gente, né, no nosso futuro no nosso fim, com ele nos aprendemos a lidar com o nosso final de vida, foi uma preparação se por ventura vir a acontecer com mais alguém da família nós tamos preparados para encarar melhor.(...) nos aprendemos a ser mais preventivo na questão da saúde. Aprendemos com ele.... Aprendemos com ele.(...) de seis meses pra cá ele foi debilitando, debilitando, a situação igual você presenciou ali... aí eu desisti, sai da firma, não dá para trabalhar porque eu sei que ele está em estado final mesmo, alguns concordam outros não concordam, mas se é assim que tem que ser, é assim que tem que ser. Até saí da firma para descansar acompanhar ele nos últimos dias de vida dele, e dar um tempo pra minha cabeça própria porque não tava dando conta de conciliar trabalho e problema de saúde ... decidi

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ficar com ele aqui até Deus achar o que tem que ser feito.(...) eu acho que nem a escuridão é tão ruim, porque quem tá no escuro tem sempre a esperança que o sol vai nascer no outro dia e ele vai enchergar, no nosso caso não.(...) No nosso caso, nós não temos esperança do outro dia, fica aquele trauma que no outro dia vai ser pior que hoje, né?. Você vai caminhando para o abismo, né, você não corre dele, você vai em direção a ele, porque cada dia pior, cada dia pior. Indisposição, as dores, cada dia pior... (...) ...se Deus o livre acontecer em, mais alguém da família ... não vou deixar fazer tratamento quimioterápico,... se a questão é para poupar o sofrimento, o que que resolve segurar uma vida por seis meses? Segurar uma vida com dor, sofrimento, com derrota, né? Então, melhor não, então se eu puder eu vou vetar,. Porque não é solução. É enganar,...foi jogar tempo.... dinheiro... e esperança fora. E.... dor, o único medicamento que corta a dor dele é....Dimorf, ele não conhece nem a família quando tá tomando essa morfina.(...) Tenho um sobrinho que desenvolveu um desvio de conduta (não sei se esse é o termo) ele era muito mimado, criado pelo meu pai. Ele não consegue encarar a realidade, então ele desviou para a bebida, cigarro, coisa que ele odiava.(...) Minha mãe tá super abatida, , por dentro ela tá chorando. A gente tem trabalhado com ela no sentido dela entender que a gente nasceu e que ninguém vai ficar para sempre, todo mundo tem um fim, só que ela não concorda com a idéia. ... mas ela tem que entender né, não adianta, pode ter um rio de dinheiro, não cura, Leandro não conseguiu curar; Mario Covas com tanto dinheiro não conseguiu curar, então não é dinheiro o rico e o pobre caminha junto nessa história aí, então não tem mais o que fazer... Tudo indica que ela vai ter que passar por uma ajuda médica, tentar reparar essa lesão que tá com ela. Caminhar com as próprias pernas.”(Salamandra)

“Mas parece... que essa doença foi pra levar a gente assim,

mais perto de Deus. por que quando às vezes a gente tá com tudo bom na vida da gente, ás vezes a gente não importa em procurar Deus.(...) Depois disso notei que os filhos se apegaram mais a ela,moravam tudo junto, tinha amor mas parece que não tinha tanto carinho, esses ficaram mais carinhoso o esposo, os filhos dela se apegou mais. Até mesmo o esposo dela, era aquele amor assim, que não aparecia,...em relação a isso mudou muito... o carinho... eu deixei minha casa, eu moro perto de Cesarina, deixei minha casa com marido pra zelar dela, meu marido prometeu até de me deixar por causa disso mas eu falei assim” você tá querendo separar de mim por isso, nosso sangue não corre... o seu é outro e o dela é o mesmo” (...) “se você entender tudo bem, mas se você não entender a gente separa” E a outra, que cuida também tá passando muita dificuldade com, a família, com, o marido por que deixar a casa... mudou a vida de todo mundo, a vida da família inteira...” (Formiga)

“Então eu mais o meu filho demoramos uns 20 dias e pensamos

nós temos que voltar para Goiânia... Ai nos viemos para o CEBRON (...) ...com o passar do tempo a gente vai conscientizando. Vai acreditando que o negócio é assim mesmo, você tem que superar, você tem que suportar, você vai conversando com a família, trocando idéias... Eu tenho minha filha que é muito religiosa... eu também... fizeram muitas orações para ela.(...) ...agora a gente vem levando a vida paulatinamente. Que se vai fazer? Você mesmo pergunta a si próprio “O que que eu posso fazer?” Tem dia que ela chora clama, fica magoada, aborrecida. Eu pergunto “Que que eu vou fazer? Se o médico, que e o médico acha que não tem condições disso ou daquilo...(...)

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Então há dois períodos: Aquele que cê leva um choque e aquele que cê vai acompanhando paulatinamente.”(Camaleão)

“...se ela piorasse eu não queria saber por que eu sempre

fui frágil para esse tipo de notícia. Ai começaram a mentir o estado de saúde da minha mãe, até mesmo por que eu tinha pedido, ai com o tempo eu ficando mais forte e amadurecida com o problema e agora tô tentando compreender e não levar assim... pensar no pior por que quando se pensa no pior, mais a pessoa vai piorando.(...) Ai depois disso ela encostou, não pode mais exercer a profissão dela.(...) mecheu com a família inteira por que os irmãos dela são muito unidos. Daí todo mundo começou a preocupar com ela, a família é do interior e vieram pra ficar com ela. São de Iporá... Ai a gente chegou um tempo que nossa situação financeira ficou abalada por que como ela não tava recebendo e quando ela entrou com a papelada para aposentar o INSS entrou de greve. Ai ficou um tempo e os irmãos começou a ajudar com o tratamento, se precisasse de alguma coisa eles tavam ajudando. Ai minha irmã ela trabalhava e as vezes tinha que matar serviço pra vir ficar aqui com ela no hospital. A minha irmã sempre vinha e eu nunca vinha pelo fato de eu ser frágil. Minha mãe às vezes não queria que eu viesse pra não ver como que é de perto a situação ai agora de uns tempos pra cá que eu comecei a querer e falar: eu vou encarar isso e passei a acompanhar a minha mãe não é aquela coisa assim, de outro mundo por que pode acontecer com qualquer pessoa. Ai teve uma tia minha que morava em São Paulo, teve que transferir o serviço para cá pra poder cuidar da minha mãe. Eu e minha irmã moramos com minha mãe, ele (o pai) pergunta por ela, às vezes ele vem visitar, porque eles não brigaram só não deram certo. Quando a gente tá precisando de alguma coisa, as vezes ele ajuda porque não é sempre que ele ajuda.(...) Agora é eu e minha irmã, cuidando da minha mãe e essa tia minha que veio ajudar a gente, porque minha irmã tem 18 anos e eu tenho 16 então, a gente não tem como levar o problema todo nas costas.(...) A cada vez que ela internava eu preocupava demais, eu entrava em pânico. Então eu não comia nada, ficava só chorando não conversava com ninguém. Eu tinha medo, assim, quando eu ficava em casa e minha mãe internava no estado que ela tá a gente espera o pior. Ai eu era muito sozinha, minha irmã trabalhava, com meus amigos só conversava o necessário, eles conversavam comigo, mas não era aquela coisa de contar tudo e tal. Ai eu comecei a entrar em depressão mesmo, ai quando minha tia veio ela entrou em depressão também, ai ela veio para tratar ai eu peguei e comecei a contar para ela o que eu sentia, os sintomas. Ai ela me levou no médico, e ai constatou que eu tava com depressão não aquela fase assim, que atacou o cérebro e precisa tomar remédio. Ai eu vou ter que tentar controlar, o médico disse pra entregar pra Deus o caso da minha mãe, porque eu , não vou poder resolver nada o que os médicos estão podendo fazer eles estão fazendo. Ai eu tive que abandonar o colégio, não prestava atenção na aula, notas baixas, e a própria professora aconselhou pra eu deixar o colégio até eu tratar.”(Molusco)

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Acompanhar situação semelhante fora do seio familiar é por vezes colocado pelos

entrevistados como algo cotidiano que pode acontecer na família de qualquer um, menos na

sua.

Kovàcs (2002) refere que:“ A morte do outro configura-se como a vivência da

morte em vida. É a possibilidade de experiência da morte que não é a própria, mas é vivida

como se uma parte nossa morresse, uma parte ligada ao outro pelos vínculos estabelecidos.”

Áries (2003) filósofo que tece importantes considerações sobre a História da

morte, retrata mudanças de concepções relacionadas ao processo morte-morrer. Segundo o

historiador, antigamente a atitude que tinha-se perante a morte era a de que morremos todos

(“ et moriemur”), posteriormente no decorrer dos séculos a própria existência, traduz a

antiga atitude em: a morte de se mesmo; já na modernidade, atribui à morte um sentido novo,

já se ocupa menos de sua própria morte, agora é a morte do outro; cultuada com saudade e

lembranças, dramatizada e maltratada. A morte do outro, nessa pesquisa é vivida pelo

familiar.

A família tem um papel fundamental durante todo o processo da doença, pois há

um compartilhamento de emoções entre seus membros chegando aos poucos a uma aceitação

da realidade e/ou da morte.

Kübler-Ross (2000) coloca que: “Se os membros de uma família podem juntos compartilhar

estas emoções, enfrentarão aos poucos a realidade da separação iminente e chegarão juntos a

aceitação.”

A família que vê a morte como companheira de seu ente querido, tenta roubar-lhe

o lugar, mesmo que temporariamente pelos últimos momentos, ai então, há união dos

familiares dispersos geograficamente e emocionalmente, as distâncias encurtam-se, o perdão

passa a ter sentido, agora vale a vida que não foi vivida; esses sentimentos ficaram

evidenciados em todos os relatos dos entrevistados:

“ A família ficou assim um pouquinho unida, fica um ligando para o outro, às vezes ficava até 2 meses sem um ligar para o outro. Somos 8 irmãos e se tinha alguma rixa, entre eu e algum irmão, foi desfeita aquela mágoa, entre eu e ela também, houve aquela liberação de perdão, houve muita mágoa, mas graças à Deus a gente superou isso. (...) Com o marido houve uma mudança muito grande, porque ela sempre foi muito apegada a ele muito prestativa. Ele toda vida assim, foi muito arrediu e ela assim, muito amorosa e ele assim, mais secão. Ele morava em Jussara, agora veio para cá, ele era o tipo de homem que pondo comida em casa e sendo bom pai tava bom, agora não, ele tem tempo para ela, tá mais carinhoso, olha ela aqui no hospital, tem disposição para ela. É interessante que a

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pessoa que tem ciência que a morte tá próxima, parece que ela tem pressa em organizar o que bagunçou antes, a vida, se ela tem alguma mágoa com a pessoa, ela vem, manda chamar a pessoa e pede perdão, pede desculpas. E fala que quando ela sair dali ela quer começar tudo de novo, de uma forma diferente.” (Borboleta)

“E hoje, com o problema dele, ele era assim, muito

fechado com, nós, agora não ele já ficou mais agarrado com nóis...”(Lontra-marinha)

“...serviu de exemplo, dentro da família existia gente

orgulhosa e esse orgulho foi por água abaixo, acabaram entendendo que não adianta muito construir, construir usando o orgulho, pisando em pessoas, porque um dia ele pode ser carregado para fazer as necessidades fisiológicas, né, tomar banho, para comer,... serviu de aula de educação pra muita gente, para vizinhos para parentes, serviu para unir a família, serviu de preparação para gente, né? no nosso futuro no nosso fim, com ele nos aprendemos a lidar com o nosso final de vida, foi uma preparação se por ventura v ir a acontecer com mais alguém da família nós tamos preparados para encarar melhor.(...) Até saí da firma para descansar acompanhar ele nos últimos dias de vida dele, e dar um tempo pra minha cabeça própria porque não tava dando conta de conciliar trabalho e problema de saúde...” (Salamandra)

“Depois disso notei que os filhos se apegaram mais a

ela,moravam tudo junto, tinha amor mas parece que não tinha tanto carinho, esses ficaram mais carinhoso o esposo, os filhos dela se apegou mais. Até mesmo o esposo dela, era aquele amor assim, que não aparecia,...em relação a isso mudou muito... o carinho... eu deixei minha casa, eu moro perto de Cesarina, deixei minha casa com marido pra zelar dela, meu marido prometeu até de me deixar por causa disso” (Formiga)

“...você vai conversando com a família, trocando

idéias...”(Camaleão) “Daí todo mundo começou a preocupar com ela, a família

é do interior e vieram pra ficar com ela.(...). Ai teve uma tia minha que morava em São Paulo, teve que transferir o serviço para cá poder cuidar da minha mãe.(...) ai quando minha tia veio ela entrou em depressão...”(Molusco)

Vivenciar a dor física, o sofrimento manifestado em alguém que se ama, traz um

sentimento de fragilidade e impotência, faz surgir o medo e com ele indagações; que muitas

vezes permanecem sem respostas. Apoiam-se na medicina e na figura do médico como o ‘ser

poderoso’ que não mede esforços para reduzir a dor física. E a dor da alma? Ah! Para essa é

unânime o relato da busca de apoio em um Ser superior: Deus.

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Para Valle(1998): “(...) o apego à religião pode ser uma forma de cercear o

próprio ser e de fortalecer essa limitação do ser pelo poder da religião. Dessa maneira,

algumas pessoas podem se sentir aliviados da angústia pelo caminho da religião e da fé.”

À Deus, pedem força, refúgio, fortaleza, pedem mais tempo de vida para o

familiar querido, mas também chegam a pensar na morte como um alívio para o sofrimento

do ente querido. Ainda com todo sofrimento, agradecem a Deus por poder compartilhar todo

o processo com o familiar e tirar lições para suas vidas. Interessante que a maioria dos

entrevistados relatam sobre a presença de Deus nesse momento de suas vidas, apenas Lontra-

marinha nada refere em seus relatos:

“...só Deus, é só se... Deus quizer assim fazer um milagre.”(Borboleta) “...na nossa dor veio levando esperança, esperança, quando chegou naquele ponto, não, não temos mais esperança é aquela hora que você já pede: ’Deus descansa ele’, porque infelizmente a cura ainda tá muito longe de chegar, e é isso daí o sentimento.(...) decidi ficar com ele aqui até Deus achar o que tem que ser feito.”(Salamandra) “Mas parece... que essa doença foi pra levar a gente assim, mais perto de Deus. por que quando às vezes a gente tá com tudo bom na vida da gente, ás vezes a gente não importa em procurar Deus.”(Formiga) “Eu tenho minha filha que é muito religiosa... eu também... fizeram muitas orações para ela.”(Camaleão)

“Ai eu vou ter que tentar controlar, o médico disse pra entregar pra Deus o caso da minha mãe, porque eu , não vou poder resolver nada o que os médicos estão podendo fazer eles estão fazendo.”(Molusco)

Agradecem também por poderem vivenciar e experienciar todo o processo

referindo que todo o sofrimento seria ainda maior se lhe tirassem tão bruscamente como em

uma fatalidade. Como colocado por alguns entrevistados:

“... à gente tá mais assim, mais conformado assim, como se diz uma coisa que você espera, não é como um acidente de carro ou Deus o livre um assassinato...”(Borboleta) “... tem cinco meses que ele perdeu o neto, ele ficou muito sentido, porque nunca tinha morrido ninguém na família, aí foi um choque muito grande quando um menino de 9 anos , que morreu afogado, ninguém esperava.” (Lontra-marinha)

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“Perdemos um jovem criado junto com a nossa família, foi acometido por uma leucemia, ela demorou 60 dias para findar a vida dele, choque muito maior que o nosso, ... a dor não digo maior que a nossa, mas, veio muito rápido, na nossa veio levando esperança, esperança...”(Salamandra)

Beck (1992), coloca que: “o prolongamento do tempo de internação abre um leque

de possibilidades para os familiares com relação à aceitação da doença do seu familiar, pode

propiciar uma reflexão mais profunda sobre o significado da experiência e o sofrimento que

ela traz.”

Dia após dia a sensação de estar caminhando rumo ao abismo torna-se uma

realidade cada vez mais freqüente, já não se tenta fugir, tornar-se uma luta sem futuro com

coloca Salamandra.

“(...) No nosso caso, nós não temos esperança do outro dia, fica aquele trauma que no outro dia vai ser pior que hoje, né?. Você vai caminhando para o abismo, né, você não corre dele, você vai em direção a ele, porque cada dia pior, cada dia pior. Indisposição, as dores, cada dia pior...”

Os familiares vivenciam as mudanças que surgiram após o diagnóstico. Relatam

fatos positivos observados cotidianamente, como coloca Lontra-marinha, o que nunca teve

valor, passa a ser um tesouro ou seja, pequenas coisas passam a ser significativas, uma

palavra, uma atitude, um animal de estimação.

“E hoje, com o problema dele, ele era assim, muito fechado com, nós, agora não ele já ficou mais agarrado com nóis...(...) ...eu falei para ele: ‘Pai o gatinho e rabito (cachorro) fica atrás da minha mãe porque o senhor não tá lá’, aí ele chorou até...(...)”

A proximidade com a morte leva à mudanças de postura, o que é observado com

os relatos da Lontra-marinha, ao mesmo tempo que o doente sente-se um “fardo” ele

aproveita da situação.

“Ele falou assim:’ ó, cê larga a casa sua e fica aqui, quem vai lavar sua roupa?’. (...) Aí essa semana ele falou: ‘A não eu tenho que sarar logo ou morrer logo, porque eu fico empatando ocês’.(...) ele já tá esperto, nós disse que ele ia ficar sozinho no hospital e ele disse: ‘Seis não tem coragem’.(...)”

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Nos relatos observamos também que com o passar do tempo, com o desgaste

causado pelo processo da doença, os familiares relatam mudanças significativas em suas

vidas: ora, unem-se geograficamente, emocionalmente, deixam suas casas ou o emprego,

mudam de cidade, seu modo de vida, para o bem do ente querido e para alívio de sua própria

consciência; ora, o processo causa desconjunturas familiares, levando a discórdias entre

casais; como colocado pela Formiga.

“...eu deixei minha casa, eu moro perto de Cesarina, deixei minha casa com marido pra zelar dela, meu marido prometeu até de me deixar por causa disso mas eu falei assim ‘você tá querendo separar de mim por isso, nosso sangue não corre... o seu é outro e o dela é o mesmo’ (...) ‘se você entender tudo bem, mas se você não entender a gente separa’ E a outra, que cuida também tá passando muita dificuldade com, a família, com, o marido por que deixar a casa... mudou a vida de todo mundo, a vida da família inteira...”

A possibilidade cada vez mais próxima de encarar a morte faz nascer nos familiares

estudados e no próprio doente o sentido para a vida, passam a valorizar cada detalhe do viver.

Começam a medir a existência pela qualidade dos momentos passados juntos e não pela

quantidade de dias que conviveram durante toda a vida.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS ________________________________________________________________

A presente pesquisa buscou compreender o significado da morte e do morrer

através do olhar e sentimentos vivenciados por familiares de pacientes em fase terminal do

Serviço de Oncologia de uma Unidade Hospitalar de Goiânia GO. Compreendemos que as

concepções sobre morte e morrer mudaram no decorrer da história, modificando também o

pensar do homem em relação ao seu próprio morrer. Contudo, a única certeza que possuímos

é a consolidação do nosso findar, apesar de que em nosso inconsciente, a morte nunca é

possível quando se trata de nós mesmos. (Kübler-Ross,2000)

Entendemos que o processo morte-morrer é complexo e leva à alterações bio-

psico-sociais na vida não só de pacientes, mas na vida dos familiares do grupo estudado.

A presença do diagnóstico de câncer no seio familiar traz aos familiares um

bombardeio de emoções, que se exterizaram em sentimentos de: surpresa, preocupação,

desespero, escândalo, tristeza, dor, choque, depressão.

Com o vivenciar do processo notamos que houve uma maior aproximação entre os

membros constituíntes da família, observamos que sentimentos como: união, compaixão,

perdão, apego, compartilhamento, experiência; passaram a ser retratados nos discursos.

Colocaram também o fim da esperança, antes tão retratada, e o cansaço e o sofrimento como

companheiros finais.

Interessante, que a figura do médico representada pelos entrevistados é de um

“Ser” poderoso, onipotente, um enviado por Deus, capaz de amenizar o sofrimento físico e

por que não curar. Nele, abaixo de Deus, estão depositadas toda à esperança de melhora do

quadro do ente querido. A impressão que se tem é que médicos tornaram-se donos do

processo viver-morrer das pessoas. Ziegler apud Kovács (2002), coloca que: “A onipotência

médica pode estar ligada à fase patriarcal em que se constela uma imagem do pai salvador e o

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médico se coloca como o herói poderoso diante do arquétipo da morte. O médico tornou-se o

Senhor da vida e da morte.”

Em nenhum momento ouvimos relatos dos familiares em relação à equipe de

Enfermagem; fortalecendo à idéia do tecnicismo do serviço de enfermagem. O Enfermeiro do

serviço também não foi citado, o que contradiz aos estudos de Boemer (1998) que, em uma de

suas obras sobre a morte e o morrer coloca: “O enfermeiro parece estar mais ciente dos

sentimentos do paciente, chegando a verbalizar o quanto imagina que ele esteja sofrendo, mas

compartilha também do caráter funcionalista dos serviços de enfermagem, quando coloca sua

impossibilidade de atender às solicitações do paciente terminal.”

Perguntamos e esperamos que nossa indagação sirva de inquietação para futuras

pesquisas: Por que o enfermeiro(a) cuja principal atribuição é o cuidar, e esse em toda sua

plenitude, não é citado em um momento como esse, ímpar para o ser humano?

O Enfermeiro é o profissional que mais tempo permanece nas instituições de

saúde, que vivenciam e compartilham momentos significativos na vida de pacientes e

sobretudo de familiares.

Compreendemos, que é desafiante o nosso caminho como Enfermeiras, quando se

trata de relações interpessoais, sobretudo com familiares e pacientes oncológicos;

compartilhando sentimentos de dúvidas, angústia e incertezas.

Cuidar de pacientes portadores de câncer implica além de cuidados técnicos, um

maior desenvolvimento de nossas habilidades pessoais, para sermos capazes de transmitir

conforto, e acima de tudo presença. Esta presença deve ser vivida, sentida, mesmo quando

estivermos ausentes.

Colocamos que, para que a Enfermagem possa ser vista, é necessário o humanizar,

começando por nós próprios, como coloca Carvalho (2003): “Devemos recuperar de dentro de

nós a pessoa que somos, e que em atitude de autodefesa muitas vezes sufocamos. Superar

nossos temores contribui para nossa plena humanização, abastecendo-nos com toda a carga

dos mais nobres sentimentos, em especial, o amor e o amar, a solidariedade, a compaixão,etc.,

provocando mudanças, transformando nossos serviços de atendimento em Enfermagem em

algo especial, verdadeiro, indispensável.”

Isso é o que devemos ser: indispensáveis, como alguém que além de possuir

conhecimento científico, magníficas habilidades técnicas e um poder organizacional e

administrativo fabuloso, devemos ser imprescindíveis na vida do ente e de seu familiar

quando a morte se tornar uma situação presente e iminente.

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Como Enfermeiras, frente ao processo de finitude queremos em todos os

momento de nossa vida profissional, remeter nossos pensamentos às belas e admiráveis

palavras de Kübler-Ross (2000): “(...) aqueles que tiverem a força e o amor para ficar ao lado

de um paciente moribundo, com ‘silêncio que vai além das palavras’, saberão que tal

momento não é asustador nem doloroso, mas um cessar em paz do funcionamento do corpo.

Observar a morte em paz de um ser humano faz-nos lembrar uma estrela cadente. É uma entre

milhões de luzes do céu imenso, que cintila ainda por um breve momento para desaperecer

para sempre na noite sem fim.”

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ANEXOS

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO

Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, em uma pesquisa.

Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do

estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do

pesquisador responsável. Em caso de dúvida você poderá procurar o Comitê de Ética em

Pesquisa da Santa Casa de Misericórdia de Goiânia.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:

Título: “Vivenciar o morrer de um ente querido: parece que estamos morrendo junto”

Pesquisadoras: Mônica Samara Gonçalves / Patrícia Cristina G. Alves de Miranda

Telefone para contato: 224-8940 / 207-6590

Pesquisadora Orientadora: Profª. Ms. Lícia Maria Oliveira Pinho

Telefone para contato: 241-5449.

Nossa pesquisa tem o objetivo de compreender a morte e o morrer através do

olhar e sentimentos vivenciados por familiares de pacientes em fase terminal.

Sua colocação é voluntária e consiste em dizer, em entrevista gravada, como você

vivencia o fato de ter um ente querido em fase terminal.

Serão garantidos o anonimato e o sigilo das informações, além da utilização dos

resultados exclusivamente para fins científicos.

Sua colaboração é importante e necessária para o andamento da pesquisa, mas sua

participação é facultativa e voluntária.

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Caso participe, em qualquer momento você poderá pedir informações ou

esclarecimentos sobre o andamento da mesma, bem como caso seja de sua vontade retirar-se

da pesquisa e não permitir a utilização de seus dados.

CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO

Eu, , RG n.º CPF,

n.º , abaixo assinado, concordo em participar desse estudo

como sujeito. Fui devidamente informado e esclarecido pelas pesquisadoras Mônica Samara

Gonçalves e Patrícia Cristina G. A de Miranda sobre a pesquisa, os procedimentos nela

envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação.

Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem e que isto

leve à qua lquer penalidade ou interrupção do meu acompanhamento / assistência / tratamento.

Goiânia, ____/____/____ .

Nome do sujeito ou responsável _______________________________________

Assinatura do sujeito ou responsável____________________________________

Presenciamos a solicitação de consentimento, esclarecimentos sobre a pesquisa e aceite do

sujeito em participar.

Testemunhas (não ligada à equipe de pesquisadores):

Nome ____________________________________________________________

Assinatura ________________________________________________________

Nome ____________________________________________________________

Assinatura ________________________________________________________

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ENTREVISTAS

___________________________________________________________________________

Borboleta

Grau de parentesco: Irmã

Portadora de Câncer no fígado com metastáse óssea

Muita preocupação, porque aqui em Goiânia, só tem eu de parente dela, não tem

mais ninguém. Nos perdemos o pai há 2 anos. A mãe mora no Mato Grosso e em novembro

faz 2 anos que o pai morreu, e desde que ela perdeu o pai, ela começou a sentir essas dores

mais freqüentes, no fígado a princípio. Ai ela veio para Goiânia fez o diagnóstico e acusou

que ela tinha um tumor no fígado, aí ela fez cirurgia, retirou boa parte do fígado, quase 80%

do fígado aí os médicos fez umas duas biópsias (não deu nada), aí os médicos disseram: “que

era um câncer, mas você não tem mais nada”. Nossa pulei de alegria, fiquei super feliz. Eu e

ela apesar que nós tínhamos um probleminhas e tal. Morei com ela quatro anos, foram assim

anos muito difícieis e assim, eu não queria e ao mesmo tempo queria ajudar ela porque a

gente tinha assim umas briguinhas. Mas graças à Deus isso foi assim, acertado. Aí fez uma

bateria de exames pós-operatório e não acusou mais nada. Ela tinha medo de atacar o

pulmão, por que às vezes quando faz uma cirurgia assim se tem algum tumor, um dos

primeiros órgãos que o câncer vai é o pulmão. E não deu nada. Aí ela tava em Jussara, na rua

andando, deu um trupicão de nada, nem chegou a cair no chão e estourou o osso do braço aí,

correu aqui para Goiânia, fez o exame e acusou o câncer já tá nos ossos. Nossa aquilo foi

uma bomba em cima de todo o mundo, a gente não esperava, a gente tava super animado

achando que já tinha passado o pior mas na realidade o pior tava para vir. Depois disso, como

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se diz, só sofrimento. Aí fez a cirurgia, uma série de radiografias, tomou uma série de

quimioterapia, mas não adiantou, como se diz, parece que fez agravar mais, porque surgiu

lesões em várias partes dos ossos, como bacia, agora apareceu lesão no outro braço, estorou o

osso do fêmur, essa última internação dela foi conseqüência do osso do fêmur que estorou.

Agente foi mal sentar ela na cama para almoçar e aconteceu isso. Aí complicou muito mais.

Aí depois disso ela não levantou mais... daquele jeito ali, ela não pode nem virar.

Olha quando o médico falou assim: “tá nos ossos” eu já... depositei tudo em Deus.

O médico já chegou, foi bem franco com a gente, comigo e com o esposo dela, disse “olha no

caso dela é só Deus, a ciência não pode fazer mais nada por ela e o que a gente pode fazer é

entrar com alguns recursos para amenizar a dor”. A gente tá pelejando, esperando, como se

diz, à gente tá mais assim, mais conformado assim, como se diz uma coisa que você espera,

não é como um acidente de carro ou Deus o livre um assassinato, em alguns casos acontece

sim. Então a gente já conformou, mas e ela também mudou muito, algumas coisas que

estavam pendentes ela acertou..., uma que eu admiro nela é a força de vontade, a imensa

vontade de viver. Depois disso ela não reclama de nada, ela assim, ela começa a falar que está

sentindo dor, ela chora e pede a Deus tirar a dor, mas não reclama, está ... paciente, porque

antes assim, ela era super impaciente. Mudou muito, como se diz, com o processo da doença,

ela tá mais assim conformada, ela mesmo sabe que o caso dela não tem jeito é só Deus é só

se... Deus quizer assim fazer um milagre. Em relação a família assim complicou porque

muitos moram longe não tem como ficar com, ela, mas ela entende, ela não reclama de nada,

e, como se diz não falta aquele auxílio, o pessoal da igreja dela ajuda muito ela, eles são muito

amoroso e gosta muito dela. Só que eu acho assim, chato e ruim é que a família não tá perto,

né. A família tá sentindo, o pessoal liga direto, pergunta, mas como se diz o calor humano

mesmo não tá tendo por parte da família. A maioria mora no Mato Grosso e uma irmã em

Ribeirão Preto – SP essa fez uma cirurgia esses dias, a maioria trabalha, não tem como sair.

Ela não fala, ela sente um pouquinho, sentia em relação à mãe, mas eu expliquei para ela com

jeitinho que a mãe não tem como ficar aqui, que ela tem problema de saúde, tem pressão alta,

ela várias vezes, quase que deu derrame. Se a mãe vier para vê ela assim ela começa a ficar

nervosa, passar mal, ela não tem estrutura para ficar perto dela.

Todo mundo à princípio desesperou muito porque a nossa família assim, nosso

Deus, é um pessoal muito espalhado, né, porque não cresceu junto, muito pobre e a minha

mãe, como se diz quando os filho foram entrando na adolescência teve que mandar para um

lugar, morar com um e outro para estudar porque ela não tinha condições, morava na fazenda.

Então os irmãos ficaram assim muito chateados quando ficaram sabendo, né? poxa vida,

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aquele sentimento, poxa, a gente devia ter cuidado mais, né? ficado mais perto, porque a gente

não fez isso, aquilo antes, reunido mais e porque vai fazer 5 anos que morreu um primo com o

mesmo problema. Assim, o pessoal quer ficar em cima que ajudar mas não tem como, aí vem

aquele sentimentozinho ruim: preocupação. A família ficou assim um pouquinho unida, fica

um ligando para o outro, às vezes ficava até 2 meses sem um ligar para o outro. Somos 8

irmãos e se tinha alguma rixa, entre eu e algum irmão, foi desfeita aquela mágoa, entre eu e

ela também, houve aquela liberação de perdão, houve muita mágoa, mas graças à Deus a

gente superou isso. Eu tô ajudando ela com a maior, a maior vontade, sem nenhum

ressentimento.

Com o marido houve uma mudança muito grande, porque ela sempre foi muito

apegada a ele muito prestativa. Ele toda vida assim, foi muito arrediu e ela assim, muito

amorosa e ele assim, mais secão. Ele morava em Jussara, agora veio para cá, ele era o tipo de

homem que pondo comida em casa e sendo bom pai tava bom, agora não, ele tem tempo para

ela, tá mais carinhoso, olha ela aqui no hospital, tem disposição para ela.

É interessante que a pessoa que tem ciência que a morte tá próxima, parece que ela tem pressa

em organizar o que bagunçou antes, a vida, se ela tem alguma mágoa com a pessoa, ela vem,

manda chamar a pessoa e pede perdão, pede desculpas. E fala que quando ela sair dali ela

quer começar tudo de novo, de uma forma diferente.

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Lontra Marinha

Grau de parentesco: Filha

Portador de Câncer na próstata e IRC

Há 10 anos ele estava internado para fazer uma cirurgia de próstata. Aí os

resultados dos exames acusou a doença, e aí pediu a família para vir assinar uma autorização

para fazer uma cirurgia para tirar os 2 .... coisa, .... testículos dele, porque tava atingindo, aí

era minha irmã mais nova que estava aqui. Aí na hora que falou para ela, ela fez o maior

escândalo, e chorou demais, e deu o maior trabalho para o médico. Aí passou, aí fez a cirurgia

e correu tudo bem, não teve nada e agora que veio apresentar novamente. Sempre fazia o

exames e não dava nada, nada, nada. Depois de 10 anos apareceu de novo. Eu sei que na hora

que eu fiquei sabendo eu chorei muito... porque saber que o final dessa doença é muito triste...

muito triste. A família é muito grande sabe? A gente somos muitos irmãos, mas sempre é

diferente, uns tem sentimento diferente. Assim, uns parece que tem mais sentimento e os

outros parece que não importa muito. Agora minha mãe é aquela pessoa que sofre sozinha, ela

não abre com você, ela não fala. Agora esse final de semana agente levou ele lá para passar o

fim de semana porque ele tava reclamando muito do gato e do cachorro né? Aí levou. Aí ela

ficou sent ida porque ele falou que não queria vir, para fazer diálise né? Aí ela falou assim:

“Tenho vontade de falar para deixar” a minha irmã: “mãe mas não pode”. Agora ela não falou

não mas ela ficou muito abatido dele clamar e falar que não queria vir fazer a diálise. Ele deu

osteoporose e do remédio da osteoporose, atacou um pouco o rim. Mas o médico não explicou

se a doença tá atacando os rins. Agora acho que amanhã que a gente vai ficar sabendo direito.

E hoje, com o problema dele, ele era assim, muito fechado com, nós, agora não

ele já ficou mais agarrado com nóis, sabe comigo e com minha outra irmã. Nós somos 11

filhos, 3 mulheres e 8 homens, todos em Nazário – GO os que não tá lá tá aqui. Agora ele

ficou muito agarrado a minha irmã do meio e tomou raiva da mais nova se falar para ele que

ela chegou ele fica fechadinho com, a cara ruim, ele deu umas unhadas nela esses dias para

trás.

Disse que vai bater nela, não sei porque. Ele ficou 26 dias Aí naquele calorão ele

começou a dar uma escara e ele disse que foi. Ela ficava rasta pra cá, rasta prá lá, na cama,

que era tudo culpa dela, ela chama Lindalva e nóis chama ela de neném. “Isso tudo foi a

neném que fez isso comigo” Às vezes do jeito dela pegar nele aí deve que ardeu e aí ele

implicou com ela. Aí agora ele ficou muito apegado, na minha irmã, se falar para ele que

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quando sair daqui se ele queria ir para casa da neném – Ele: “de jeito nenhum que eu vou é

para casa da Joséfa que toda vida é ela que cuida de mim”. Agora ele não implicou comigo.

Essa madrugada ele passou mal e falou para mim: “Ó vou te pedir uma coisa” e eu disse que

que foi pai, que que o senhor quer? Aí ele falou assim:” Eu vou morrer, ocê não deixa velar

meu corpo aqui em Goiânia é pra levar lá pra Nazário. “Ai eu falei não pai eu levo, pode ficar

despreocupado, mas só que o senhor não vai morrer não.” Aí daí a pouco ele deu a crise: “Eu

tô com falta de ar, eu tô com falta de ar” e puxava o fôlego “meu ar tá acabando” e queria

rebuçar a cabeça, e eu tirava o lençol da cabeça e ele tampava de novo. Aí aquela ambulância,

... o SAMU chegou ligou o O2, mas ele tava ruim eu pensei que ele não aguentava chegar

aqui... Mas assim, pela idade dele e....., e....., ele tá sendo muito guerreiro, muito forte. O

médico disse que é devido ao coração dele que é muito bom, aí nos preocupado se a pressão

tinha subido ou baixado demais, aí mediu e disse que podia ficar despreocupado a pressão

dele tá ótima. Aí o médico disse que ele deu foi uma crise nervosa. Aí eu não sei ele falou isso

para mim, só se ele sentiu nervoso em falar na morte e nessas coisas assim. Aí ele sempre fala

na morte, aí ele foi falar de uns vizinhos lá da cidade (Nazário) uns 4, disse que “eles tá lá

mais velho que ele tudo bão e eu tô aqui sentindo dor”. Aí eu falei que não tão bao não, que

tão igual ao senhor, vem prá cá fica depois vai embora. Aí ele pegou e disse “tão tá?” e eu

“tá”. Aí pegou e conformou.

Não sei se ele pois na cabeça... ele não come. Mais de mês ele põe a comida na

boca e fala que dá vômito. Tem hora que eu acho, não sei se ele tá com psicológico... única

coisa que ele tá tomando é caldo de canjica, cozida e vira aquele caldo grosso, purinho, sem

açúcar.

Quando descobriu que os rins não tava funcionando, ele tava entrando em coma,

os médicos falaram que se não fizesse uma diálise nele dentro de duas horas ele ia entrar em

coma. Ele manchou o corpo todinho de roxo, parecendo que tinha dado pancada. Aí quando

ele melhorou um pouco eu falei para ele: “Pai o gatinho e rabito (cachorro) fica atrás da

minha mãe porque o senhor não tá lá”, aí ele chorou até. Agora nós fomos e eu disse agora o

senhor vai ver o gatinho e o rabito e ele disse:” não quero saber de rabito mais gatinho não”.

Uai tava chorando por causa do cachorro. E o cachorro é assim se ele deitar e gemer o

cachorro corre pra dentro do quarto e fica berando a cama, se ele deitar no sofá ele pega e

deita no tapete da porta, fica lá de guarda vigiando.

Ele não fala muito na minha mãe... fala não. Ele falou assim:” ó, cê larga a casa

sua e fica aqui, quem vai lavar sua roupa?”. Eu disse a Valéria (filha dela).

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Aí essa semana ele falou: “A não eu tenho que sarar logo ou morrer logo, porque

eu fico empatando ocês”. Eu falei eu não tá empatano, a Valéria tá lá cuidando de tudo e eu tô

aqui para cuidar do senhor.

Aí esses dia ele começou a querer andar sozinho, e nós, pai o senhor vai cair vai

machucar e ele disse: “se eu cair, para que tem ocês, para ajudar a sarar e cuidar”, ele já tá

esperto, nós disse que ele ia ficar sozinho no hospital e ele disse: “Seis não tem coragem”.

Viu ele falando pro seis que é bão seis formar, estudar pra ajudar, é minha filha

ele é custozinho, tem hora que ele pitna (risos)... Pois é ele é desse jeito.

Minha mãe fica lá, é aquela pessoa assim, que gosta de lavar a roupa dela sabe.

Quando eu tô lá eu cuido da casa, mais a roupa é ela que gosta de lavar. Ele é assim, gosta

demais de dar má resposta nela. Tem hora que minha mãe fica nervosa com ele. Depois da

doença não mudou, ele continua dando as má resposta na minha mãe, tem hora que ele dá a

má resposta e ela fica calada porque ele tá doente. Mas continua o mesmo jeito, os dois.

Agora, depois que adoeceu parece que ele ficou mais apegado aos filhos. Tem um irmão meu

que bebe, ele tem muita paciência com ele, que coisa que eu achava que não ia ter e tem.

Incomodo com ele, as vezes ele chega bêbado e ele não perde a paciência com ele. Às vezes

ele fala as coisas, que ele tá errado, mas ele não perde a paciência com ele.

Aí, também tem 5 meses que ele perdeu o neto, ele ficou muito sentido, porque

nunca tinha morrido ninguém na família, aí foi um choque muito grande quando um menino

de 9 anos, que morreu afogado, ninguém esperava. Todo mundo ficou chocado e ele fica

assim calado e não gosta que fala dele (criança), pra tocar no assunto tem que ser longe dele.

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Salamandra

Grau de parentesco: Filho

Portador de Câncer na próstata com metástase óssea

Surpresa... surpresa.... no início um câncer de próstata e fez aquela cirurgia e a

medicina, nos deu esperança, né! E aí não parou por ali. E aí com a debilitação dele, dá a

sensação que nós tamos morrendo juntos. Porque quando é uma luta que você lá no fim do

túnel você vê esperança, você acorda com mais energia para lutar, no nosso caso as nossas

esperanças já esgotou, se tivesse um meio hoje! ou se ele tivesse num aparelho respirando

pela ajuda de aparelho eu já tinha mandado desligar os aparelhos... Porque ele não suporta

mais sofrer... a família perdeu a esperança se tivesse a lei que determinasse... poupar o

sentimento dele... eu sou filho único, respondo pela família toda, a gente já teria... tem muita

gente que troca o amor por questões financeiras, mas na nossa família é por amor mesmo. É

amor, a gente troca qualquer recurso, já lutamos financeiramente o que podíamos e se hoje,

agora, nesse momento, chegasse alguém olha encontrarmos uma solução pro problema do seu

pai, isso... que custe o mundo, nós vamos correr atrás e nós vamos conseguir. Mas

infelizmente eu acho que nós estamos muito longe, né?... de desvendar esse mistério, né?...

que pelo jeito vai atacar grande parte da humanidade sem sucesso, sem sucesso na causa, né?

É... acrescentar alguns dias de vida, até que consegue, mas curar, infelizmente, .... a

desistência nossa tá por aí, a falta de esperança tá por aí. Se fosse uma coisa que .... quebra um

braço, o osso emenda, troca uma válvula do coração e ele volta a funcionar, coloca um

marcapasso e ele volta a funcionar, no último caso, faz uma transplante e ele volta a viver... É

isso aí é sem futuro né?... o olhar da medicina pros pacientes da doença de câncer é aquele

olhar de desacreditado, apesar que a medicina não trabalha com probabilidade; né? eles lutam

até na última hora, a mesma coisa que o doente, luta para sobreviver, a mesma coisa que a

família também luta.... mas aquela luta quase que sem futuro, sem... o que não acontece só

com a nossa família, é o que sempre eu falo nós não somos os primeiros e com certeza não

vamos ser os últimos, nos tamo passando uma experiência de vida, talvez o fim da nossa vida

não seja o mesmo, mas vamos criando resistência, energia e experiência para aconselhar

alguém que esteja passando por esse mesmo motivo, né futuramente.

Perdemos agora, nesse final de semana, um jovem de 28 anos, criado junto com a

nossa família, foi acometido por uma leucemia, ela demorou 60 dias para findar a vida dele,

choque muito maior que o nosso, porque o nosso pelo menos é... a questão sentimental... o

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organismo vai acostumando com aquilo, chega uma certa época que a gente pede: “Deus dá

descanso para ele... no caso do outro lá foi uma coisa repentina, antes nem da família

acostumar com o problema, ele veio a falecer... a dor não digo maior que a nossa, mas, veio

muito rápido, na nossa veio levando esperança, esperança, quando chegou naquele ponto, não,

não temos mais esperança é aquela hora que você já pede:” Deus descansa ele”, porque

infelizmente a cura ainda tá muito longe de chegar, e é isso daí o sentimento, a família cada

um tem dado sua contribuição, cada um tem auxiliado no que pode, questão financeira,

questão de sentimento, reunião de família, trocar idéias, que que é melhor para ele, para ele se

sentir mais bem. A minha mãe também, já muito cansada, os vizinhos, até os vizinhos

compartilham da dor e da luta.

Bom, eu não te digo que é, mas serviu de exemplo, dentro da família existia gente

orgulhosa e esse orgulho foi por água abaixo, acabaram entendendo que não adianta muito

construir, construir usando o orgulho, pisando em pessoas, porque um dia ele pode ser

carregado para fazer as necessidades fisiológicas, né, tomar banho, para comer,... serviu de

aula de educação pra muita gente, para vizinhos para parentes, serviu para unir a família,

serviu de preparação para gente, né, no nosso futuro no nosso fim, com ele nos aprendemos a

lidar com o nosso final de vida, foi uma preparação se por ventura vir a acontecer com mais

alguém da família nós tamos preparados para encarar melhor, né?. Prevenção, a prevenção vai

ser mais assídua, nós poderíamos ter cuidado antes, prevenido, mas nós nunca imaginava que

ia acontecer na nossa família, era só em família dos outros, na nossa nunca ia acontecer, então

isso serviu de exemplo. O sistema preventivo em casa e na família toda, ele é... então nos

aprendemos a ser mais preventivo na questão da saúde. Aprendemos com ele.... Aprendemos

com ele.

Tem 2 anos que foi diagnosticado o problema dele. Ele viveu praticamente normal

durante 1 ano, ele fez a cirurgia... Eu sou motorista vivo do transporte interestadual, faço

centro-oeste e nordeste é uma rota muito longa com mais de 3 mil Km2 então eu fico sempre

longe de casa, psicologicamente, arrebenta com a gente. Uma vez eu tava no Mato Grosso e

outra vez no nordeste e aí pra trabalhar fica muito difícil e aí de seis meses pra cá ele foi

debilitando, debilitando, a situação igual você presenciou ali... aí eu desisti, sai da firma, não

dá para trabalhar porque eu sei que ele está em estado final mesmo, alguns concordam outros

não concordam, mas se é assim que tem que ser, é assim que tem que ser. Até saí da firma

para descansar acompanhar ele nos últimos dias de vida dele, e dar um tempo pra minha

cabeça própria porque não tava dando conta de conciliar trabalho e problema de saúde; né?.

Invéz de provocar uma coisa pior lá no trânsito de cabeça quente decidi ficar com ele aqui até

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Deus achar o que tem que ser feito e por aí menina. Não sei se expressei bem, se consegui

passar o que que é uma família, aquela busca... eu acho que nem a escuridão é tão ruim,

porque quem tá no escuro tem sempre a esperança que o sol vai nascer no outro dia e ele vai

enchergar, no nosso caso não.

No nosso caso, nós não temos esperança do outro dia, fica aquele trauma que no

outro dia vai ser pior que hoje, né?. Você vai caminhando para o abismo, né, você não corre

dele, você vai em direção a ele, porque cada dia pior, cada dia pior. Indisposição, as dores,

cada dia pior...

Medicamentos? O organismo já não suporta mais tanto medicamento,

quimioterapia, quimioterapia é um paleativo, que se Deus o livre acontecer em, mais alguém

da família e eu puder vetar, eu vou vetar, não vou deixar fazer tratamento quimioterápico, eu

não conheço nenhum que curou, já tenho pesquisado, perguntado eu não conheco um que

curou, se a questão é para poupar o sofrimento, o que que resolve segurar uma vida por seis

meses? Segurar uma vida com dor, sofrimento, com derrota, né? Então, melhor não, então se

eu puder eu vou vetar, se Deus o livre acontecer na minha família. Porque não é solução. É

enganar, meu pai fez 10 sessões, o que resolveu foi a 1a a 2a e a 3a da 4a em diante foi jogar

tempo.... dinheiro... e esperança fora. Até o médico achou por bem interromper porque o

organismo não aguenta mais, fígado, coração tudo, tudo, tudo. E.... dor, o único medicamento

que corta a dor dele é....Dimorf, ele não conhece nem a família quando tá tomando essa

morfina.

Eu sou filho único, não tenho irmão, tenho 3 irmãs. Tenho um sobrinho que

desenvolveu um desvio de conduta (não sei se esse é o termo) ele era muito mimado, criado

pelo meu pai. Ele não consegue encarar a realidade, então ele desviou para a bebida, cigarro,

coisa que ele odiava. Então esse precisa de cuidar dele, ele tem 18 anos.

E no mais é aquilo que te falei, uns que se achavam o tal, quebrou o gelo. E no

mais, serviu para unir a família, cada um quer pegar um pouquinho, cada um quer auxiliar um

pouquinho.

Minha mãe tá super abatida, quando ela consegue sorrir um pouquinho é um

sorriso falso na verdade ela sorri só por fora, por dentro ela tá chorando. A gente tem

trabalhado com ela no sentido dela entender que a gente nasceu e que ninguém vai ficar para

sempre, todo mundo tem um fim, só que ela não concorda com a idéia. Ela fala: “Há meu

filho você é tão forte eu não consigo entender” mas ela tem que entender né, não adianta,

pode ter um rio de dinheiro, não cura, Leandro não conseguiu curar; Mario Covas com tanto

dinheiro não conseguiu curar, então não é dinheiro o rico e o pobre caminha junto nessa

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história aí, então não tem mais o que fazer... Tudo indica que ela vai ter que passar por uma

ajuda médica, tentar reparar essa lesão que tá com ela. Caminhar com as próprias pernas. Que

ela tá muito abatida, acho que essa dor é só nossa, toda a pessoa que tem caso desse jeito na

família, os que tem amor de verdade, tudo sente, a dor pode ser diferente mas o sintoma é o

mesmo.

O meu relato é esse.

Pesquisadora: Quer falar mais alguma coisa?

Eu quero participar mais um tempinho lá com eles, se tiver bom pra você, eu

quero gastar mais um pouquinho de tempo com ele.

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Formiga

Grau de parentesco: Irmã

Portadora de Câncer de mama+ Hepatoesplenomegalia + ascite

Há... eu senti muito triste saber, para mim foi muito ruim, eu chorei demais no

começo, mas eu tenho muita fé em Deus. Então foi a minha fé em Deus que...- Mas eu senti

assim, que parece que tinha acabado tudo. E eu acompanhado ela cada dia que passava ela

sofria mais, deu água nos pulmões. Porque ela teve muito pior do que tá, mas graças a Deus

ela tá melhor...

Mas foi terrível, sim. Para mim e para minha outra irmã que fica com ela. Eu fico

24hs e a outra vem e fica 24hs. E, nos todos sofremos, eu e ela e os filhos dela também.

Mas parece... que essa doença foi pra levar a gente assim, mais perto de Deus. por

que quando às vezes a gente tá com tudo bom na vida da gente, ás vezes a gente não importa

em procurar Deus.

Eu já tinha passado por isso com uma cunhada minha. Eu pensava que nunca ia

acontecer na minha família, com uma irmã minha quando eu vi o estado dela eu lembrei do

que eu tinha passado. Mas ela é muito forte, quando ela ficou sabendo ela disse “que não era

isso que ia me vencer, eu sou forte Deus esta comigo, eu vou vencer” E passou por muita

coisa assim, terrível, furaram o pulmão dela e colocaram dreno, ficou 18 dias, graças a Deus a

água secou. Ai ela amarelou, ficou amarelinha ai ela não sabia, os médicos não deixaram

contar pra ela, foi poucos dias agora que ela ficou sabendo. A gente sabia, mas ela não.

Quando foi fazer quimioterapia ai tinha que contar mesmo, e mesmo assim ela ia descobrir

quando falasse em fazer quimioterapia. Mas ela recebeu a notícia assim, surpreendeu todo

mundo... porque ela foi forte. Ela falou: “não, não é isso que vai me derrubar, eu vou vencer

mais essa.” Mas os filhos, o marido, todos da família, sente muito e tem muita fé em Deus, a

gente vai para igreja e ora, ela vai sarar e o caroço no seio, parece que ta pequeno e eu sei que

foi um milagre de Deus. Por que eu tenho muita fé, eu vejo assim, que essa doença não vai

levar ela não, eu vejo que vai voltar ainda para a família dela, com a saúde em nome de Jesus.

Depois disso notei que os filhos se apegaram mais a ela,moravam tudo junto,

tinha amor mas parece que não tinha tanto carinho, esses ficaram mais carinhoso o esposo, os

filhos dela se apegou mais. Até mesmo o esposo dela, era aquele amor assim, que não

aparecia,...em relação a isso mudou muito... o carinho-Agora eu e minha irmã toda vida nós é

muito apegada, eu deixei minha casa, eu moro perto de Cesarina, deixei minha casa com

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marido pra zelar dela, isso já tem dois meses. Já fui lá na minha casa, meu marido prometeu

até de me deixar por causa disso mas eu falei assim” você tem que entender se você não me

quiser por que eu tô zelando da minha irmã, você tá querendo separar de mim por isso, nosso

sangue não corre... o seu é outro e o dela é o mesmo”.

Eu falei “se você entender tudo bem, mas se você não entender a gente separa” E

a outra, que cuida também tá passando muita dificuldade com, a família, com, o marido por

que deixar a casa... mudou a vida de todo mundo, a vida da família inteira... É triste, mas a

gente com fé em Deus... nós vamos vencer essa.

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Camaleão Grau de parentesco: Esposo

Portadora de Câncer de pulmão + metástase hepática + metástase SNC ???

Até os 59 anos de idade minha esposa, não tinha doença alguma. Ia ao médico

somente por rotina que mulher faz. Aos 60 anos, iniciou, dizia o médico que era bronquite e

não melhorava. Ai teve um dia que eu não conformei e mudei de médico. Posso citar o nome

do médico?... não melhor não ... Então mudamos de médico e constatamos que o negócio não

era bronquite mais sim um câncer que estava entre o mediastino e o coração, depois ele

passou para o pulmão, ... depois fez tratamento por ...8 meses com quimio e radioterapia, com

esse tratamento o tumor desapareceu. Após isso fez uma cirurgia, constatou que o tumor era

maligno.” Então o médico disse: posso ser franco com você “ eu disse “pode”. Ele falou:

“ Ela durará provavelmente se não tratar será 50 dias se tratar 60 a 90 dias “.

Então eu mais o meu filho ( aquele rapaz que tá lá) pensamos um pouco... nós moramos lá em

Bom Jesus, então pensamos o que devemos fazer? Foi um choque né? É lógico, evidente que

você leva um choque. Então, demoramos uns 20 dias e pensamos nós temos que voltar para

Goiânia. Ai eu abri o jogo para ela porque usar meio termo, não ... a mentira vai até ali e

morre. Ai ela disse “ Eu tô com câncer” e eu respondi “ Sim, em dois lugares”. Ai nos

ficamos chocados porque o médico disse que se trata-se duraria x, se não tratasse duraria y e

nos ficamos e ai? Tratar ou não ?

Ai nos viemos para o CEBRON por oito meses o tratamento com quimioterapia e

radioterapia. Ai desapareceu os dois tumores, ai eles não concordaram muito não, ai no CDI,

tiraram novo tomografia e realmente não aparecia nada. Ai depois de 1 ano e meio, apareceu

no fígado, dois nódulos e parece que um na vesícula, e ai vem tratando ( voz de desânimo) no

CGO com Drª Vânia e agora cê pergunta: Leva choque? Cê não leva, cê desmonta. Agora

hoje não, com o passar do tempo a gente vai conscientizando. Vai acreditando que o negócio

é assim mesmo, você tem que superar, você tem que suportar, você vai conversando com a

família, trocando idéias... Eu tenho minha filha que é muito religiosa... eu também... fizeram

muitas orações para ela.

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Na última vez que ela teve fazendo radioterapia ela disse. “ Doutor, quero te dar

os parabéns pelo que o senhor fez para mim” e o médico: “ Eu não fiz nada” e ela insistiu e

ele disse que só fez a parte dele de médico que quem fez foi Cris to. Isso tem uns 3 meses.

Então, que nos tamos nessa labuta até hoje é isso. Agora uns dias para cá ela

começou a dar tonteira, agora a gente não sabe se tá querendo passar do fígado para o

cérebro. Então tamos aguardando a tomografia que foi feito ontem, amanhã ou 2ª feira o

resultado.

Nos cremos que... parece... que não é nada não...

Então o que eu poderia narrar para vocês é isso que eu já contei...

Então, primeiramente foi aquele choque e agora a gente vem levando a vida

paulatinamente. Que se vai fazer? Você mesmo pergunta a si próprio “O que que eu posso

fazer?” Tem dia que ela chora clama, fica magoada, aborrecida. Eu pergunto “Que que eu vou

fazer? Se o médico, que e o médico acha que não tem condições disso ou daquilo...

Por que a pessoa só sente na pele oh! Mônica e...Patrícia quando aquilo surge na

família, por que quando é no outro você fica “Ah! coitado”, mas quando isso bate na porta da

casa da gente (bate no banco de madeira que estamos sentados) o negócio não é brincadeira

não. Então há dois períodos: Aquele que cê leva um choque e aquele que cê vai

acompanhando paulatinamente. Tá bom assim, mais alguma coisa? (agradecemos e

desligamos o gravador)

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Molusco

Grau de parentesco: Filha

Portadora de Câncer de colon com metástase: hepática, pulmonar, óssea.

Ela ficou 1 semana com os sintomas, então eu já esperava, não foi aquele baque

muito forte por que eu já tava esperando o pior. Mas, assim depois, que eu fui cair na real eu

fui ver que a coisa não era simples, que era uma doença grave, eu desesperei, fiquei muito

tempo assim, eu nunca tive com quem conversar a respeito disso e tal. Ai assim eu fui

conversando com minha irmã, mas era coisa assim, eu não me abria por isso que eu acabei

entrando em depressão, por que assim cada um fala uma coisa. Eu até falei assim para minha

irmã que se ela piorasse eu não queria saber por que eu sempre fui frágil para esse tipo de

notícia. Ai começaram a mentir o estado de saúde da minha mãe, até mesmo por que eu tinha

pedido, ai com o tempo eu ficando mais forte e amadurecida com o problema e agora tô

tentando compreender e não levar assim... pensar no pior por que quando se pensa no pior,

mais a pessoa vai piorando.

Ai... eu já esperava mais; depois que eu cai na real...

Ela vinha reclamando de dores muito fortes e não queria ir ao médico. Ai eu

imaginava que podia ser uma coisa assim ou parecida. Isso tem 1 ano, ela trabalhava na

época. Ai depois disso ela encostou, não pode mais exercer a profissão dela.

Agora assim, o lance da família... mecheu com a família inteira por que os irmãos

dela são muito unidos, então se mecheu com um mecheu com todo mundo. Daí todo mundo

começou a preocupar com ela, a família é do interior e vieram pra ficar com ela. São de

Iporá... Ai a gente chegou um tempo que nossa situação financeira ficou abalada por que

como ela não tava recebendo e quando ela entrou com a papelada para aposentar o INSS

entrou de greve. Ai ficou um tempo e os irmãos começou a ajudar com o tratamento, se

precisasse de alguma coisa eles tavam ajudando. Ai minha irmã ela trabalhava e as vezes

tinha que matar serviço pra vir ficar aqui com ela no hospital. A minha irmã sempre vinha e

eu nunca vinha pelo fato de eu ser frágil. Minha mãe às vezes não queria que eu viesse pra

não ver como que é de perto a situação ai agora de uns tempos pra cá que eu comecei a

querer e falar: eu vou encarar isso e passei a acompanhar a minha mãe não é aquela coisa

assim, de outro mundo por que pode acontecer com qualquer pessoa. Ai teve uma tia minha

que morava em São Paulo, teve que transferir o serviço para cá poder cuidar da minha mãe.

Porque meus pais eles nunca casaram, tiveram nos duas mas nunca casaram. Eu e minha irmã

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moramos com minha mãe, ele pergunta por ela, às vezes ele vem visitar, porque eles não

brigaram só não deram certo. Quando a gente tá precisando de alguma coisa, as vezes ele

ajuda porque não é sempre que ele ajuda.

Agora é eu e minha irmã, cuidando da minha mãe e essa tia minha que veio ajudar

a gente, porque minha irmã tem 18 anos e eu tenho 16 então, a gente não tem como levar o

problema todo nas costas.

A cada vez que ela internava eu preocupava demais, eu entrava em pânico. Então

eu não comia nada, ficava só chorando não conversava com ninguém. Eu tinha medo, assim,

quando eu ficava em casa e minha mãe internava no estado que ela tá a gente espera o pior. Ai

eu era muito sozinha, minha irmã trabalhava, com meus amigos só conversava o necessário,

eles conversavam comigo, mas não era aquela coisa de contar tudo e tal. Ai eu comecei a

entrar em depressão mesmo, ai quando minha tia veio ela entrou em depressão também, ai ela

veio para tratar ai eu peguei e comecei a contar para ela o que eu sentia, os sintomas. Ai ela

me levou no médico, e ai constatou que eu tava com depressão não aquela fase assim, que

atacou o cérebro e precisa tomar remédio. Ai eu vou ter que tentar controlar, o médico disse

pra entregar pra Deus o caso da minha mãe, porque eu , não vou poder resolver nada o que os

médicos estão podendo fazer eles estão fazendo. Ai não e pra eu ficar preocupando muito

porque eu posso piorar o meu caso. Ai eu tive que abandonar o colégio, não prestava atenção

na aula, notas baixas, e a própria professora aconselhou pra eu deixar o colégio até eu tratar.

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Oliveira, SL. Tratado de metodologia científica: projetos de pesquisas, TGI,TCC, monografias, dissertações e teses. 2a ed São Paulo: Pioneira, 1999. Rezende VL. Reflexões sobre a vida e morte: abordagem interdisciplinar do paciente terminal. Campinas: Editora da Unicamp, 2000. Valle ERM. O discurso de pais de crianças com câncer. In_ Da Morte Estudos Brasileiros. Cassolorla RMS (cord.) 2a ed. São Paulo: Papirus Editora, 1998.