violeta parra: uma escrita entre bordados, cantos e … · utilizado a contrapelo pela autora em la...

15
Violeta Parra: Uma escrita entre bordados, cantos e outras travessias. Patricia V. CUEVAS ESTIVIL 1 . Resumo: Existem práticas artísticas que constituem etapas de um processo intencional, por fazer ouvir o sujeito subalterno com voz emancipada. São artistas que revelam uma consciência questionadora, mulheres como Violeta Parra Sandoval (1917-1967). Neste artigo se buscou localizar o leitor na vida e obra desta multiartista, desde suas composições mais representativas, a partir de um corpus que se agenciam na perspectiva decolonial. Aqui se analisarão três obras que têm fortes traços filosóficos e poético-musicais da cultura mapuche, e sua consciência material dos sonhos, a qual, Violeta resgata seus traços poéticos e culturais e os materializa em suas obras. Em El gavilán, (1957) em que se busca revelar a desconstrução do patriarcalismo, utilizado a contrapelo pela autora em La Cueca. El Cristo en bikini (1964) e El Árbol de la vida (1964) por tratar-se de obras que revelam pensamentos e tradições que se opõem aos dogmas da cultura ocidental. Trata-se de bordadados em arpillera, em diálogo com a oralitura mapuche , obras representam a expressão mais genuína de uma artista emancipada, que possui a consciência de que o homem colonizado é um homem totalmente traçado, isto é, desenhado pela burguesia colonialista, portanto é preciso decolonizar. Este estudo se fundamenta nos pressupostos teóricos de Gayatri Spivak.K(1995,Walter Mignolo (1996), Elicura Chihuailaf(1999) Boaventura, de Souza, S. (2010),Leonidas Morales (2004) Paula Miranda, H.(2017),Gilles Deleuze(2003) entre outros. Palavras-Chave: Decolonizar; Violeta Parra; arpilleras; oralitura mapuche. Existem práticas artísticas que constituem etapas de um processo intencional, por fazer ouvir o sujeito subalterno com voz emancipada. São artistas que revelam uma consciência questionadora, mulheres como Violeta Parra Sandoval(1917-1967). Neste artigo se buscou localizar o leitor na vida e obra desta multiartista, desde suas composições mais representativas, a partir de um corpus que se agenciam na perspectiva decolonial. Aqui se analisarão três obras que têm fortes traços da cultura mapuche, com o objetivo de evidenciar a consciência da autora de que existe a necessidade de trazer à tona essa outra perspectiva de vida, aquela que possuem 1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras Strictu Sensu, nível Mestrado e Doutorado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE- campus de Cascavel-PR. Orientada pela Profᵃ. Dra. Lourdes Kaminski Alves.

Upload: dangtruc

Post on 05-Oct-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Violeta Parra: Uma escrita entre bordados, cantos e … · utilizado a contrapelo pela autora em La Cueca. ... Un canto que es su propio canto, y a la vez ‘El canto de todos

Violeta Parra: Uma escrita entre bordados, cantos e outras travessias.

Patricia V. CUEVAS ESTIVIL1.

Resumo: Existem práticas artísticas que constituem etapas de um processo intencional, por fazer

ouvir o sujeito subalterno com voz emancipada. São artistas que revelam uma consciência

questionadora, mulheres como Violeta Parra Sandoval (1917-1967). Neste artigo se buscou

localizar o leitor na vida e obra desta multiartista, desde suas composições mais representativas,

a partir de um corpus que se agenciam na perspectiva decolonial. Aqui se analisarão três obras

que têm fortes traços filosóficos e poético-musicais da cultura mapuche, e sua consciência

material dos sonhos, a qual, Violeta resgata seus traços poéticos e culturais e os materializa em

suas obras. Em El gavilán, (1957) em que se busca revelar a desconstrução do patriarcalismo,

utilizado a contrapelo pela autora em La Cueca. El Cristo en bikini (1964) e El Árbol de la vida

(1964) por tratar-se de obras que revelam pensamentos e tradições que se opõem aos dogmas da

cultura ocidental. Trata-se de bordadados em arpillera, em diálogo com a oralitura mapuche ,

obras representam a expressão mais genuína de uma artista emancipada, que possui a

consciência de que o homem colonizado é um homem totalmente traçado, isto é, desenhado pela

burguesia colonialista, portanto é preciso decolonizar. Este estudo se fundamenta nos

pressupostos teóricos de Gayatri Spivak.K(1995,Walter Mignolo (1996), Elicura

Chihuailaf(1999) Boaventura, de Souza, S. (2010),Leonidas Morales (2004) Paula Miranda,

H.(2017),Gilles Deleuze(2003) entre outros.

Palavras-Chave: Decolonizar; Violeta Parra; arpilleras; oralitura mapuche.

Existem práticas artísticas que constituem etapas de um processo intencional, por fazer

ouvir o sujeito subalterno com voz emancipada. São artistas que revelam uma consciência

questionadora, mulheres como Violeta Parra Sandoval(1917-1967). Neste artigo se buscou

localizar o leitor na vida e obra desta multiartista, desde suas composições mais representativas,

a partir de um corpus que se agenciam na perspectiva decolonial. Aqui se analisarão três obras

que têm fortes traços da cultura mapuche, com o objetivo de evidenciar a consciência da autora

de que existe a necessidade de trazer à tona essa outra perspectiva de vida, aquela que possuem

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras Strictu Sensu, nível Mestrado e Doutorado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE- campus de Cascavel-PR. Orientada pela Profᵃ. Dra. Lourdes Kaminski Alves.

Page 2: Violeta Parra: Uma escrita entre bordados, cantos e … · utilizado a contrapelo pela autora em La Cueca. ... Un canto que es su propio canto, y a la vez ‘El canto de todos

os povos ancestrais. Desta consciência, Violeta resgatará traços poéticos, espirituais e culturais

que os materializa em suas obras. Este artigo será dividido em três partes. Na primeira, El Cristo

en bikini (1964), na segunda El Árbol de la vida (1964) e na terceira parte a composição poético-

musical escrita para balé, El gavilán.

As três obras são criações artísticas produto do contato de Violeta com os povos

mapuches depois de sua estância no Wallmapu, fazendo estudos sobre esta tradição contratada

pela Universidad de Concepción, como nos revela Paula Miranda nesta entrevista, realizada por

mim, em junho de 2017, por motivo do lançamento do livro Violeta Parra en el Wallmapu

(2017), onde explica que nesta etapa, Violeta dá a sua obra uma função social :

Con esta interrelación profunda, se convence de que su canto es social, en el

sentido de cumplir funciones comunitarias: sanar, aliviar, enamorar, alegrar,

hacer dormir 'la guagüita'. Un canto que es su propio canto, y a la vez ‘El canto

de todos’. (MIRANDA, entrevistada em 29 de junho de 2017, às 15:00, PUC-

CHILE)

Esta inter-relação profunda se observa nas arpilleras analisadas em El Gavilán(1957),

revelando a intenção da artista de trazer elementos de outras culturas e introduzi-las em sua obra

ao serviço da emancipação popular, fato que as transforma, em obras que conscientizam através

da percepção de uma relação simbiótica do homem com a natureza.

Esta mesma relação está nas palavras de Elicura Chihuailaf que pertence à comunidade

mapuche, em seu livro Recado confidencial a los chilenos(1999). O livro se transforma num

verdadeiro caminho a percorrer para compreender as mensagens que nos entregam arpilleras e

cantos de Violeta Parra, sobre o espírito da natureza. Assim, podemos dizer que estas obras

bordaram um diálogo com a oralitura mapuche.

As obras representam a expressão mais genuína de uma artista emancipada, que possui a

consciência de que o chileno, como sujeito colonizado é um ente totalmente traçado, isto é,

desenhado e falado pela burguesia colonialista, portanto é preciso abrir sua consciência e

recuperar sua essência de homem livre, decolonizado, que fala por sua própria voz.

Pequenos fragmentos de memória prendidos sutilmente a vestígios culturais, são sinais da

profundidade que Violeta alcança em estas obras. Nas palavras de Deleuze, “Podemos dizer que

os signos sensíveis da memória, são signos da vida e não da arte” (DELEUZE, 2003, p. 61).

Cultura é vida, arte é vida, é história, e Violeta percebe que aquela, a arte dos nativos, estava

Page 3: Violeta Parra: Uma escrita entre bordados, cantos e … · utilizado a contrapelo pela autora em La Cueca. ... Un canto que es su propio canto, y a la vez ‘El canto de todos

sendo analisada através do olhar discriminatório de “outras culturas”. Violeta compreendia que a

tradição de um povo reflete e refrata, antes de nada, seu passado e modos de desenvolve a vida,

de acordo com seus usos e costumes, desde os atos do cotidiano até as expressões de solenidade,

amor ou inconformismo, como fica plasmado na declaração em que explica como se fez

“bordadeira”:

Un día vi frente a mí un trozo de tela y empecé a hacer cualquier cosa; y aunque

no pude producir nada esa primera vez, quise copiar una flor, pero tampoco

pude. Cuando termine mi dibujo era una botella y no una flor; después quise

poner un tapón a la botella y el tapón me salió como una cabeza. Entonces dije:

‘Esto es una cabeza, no un tapón’. Le puse ojos, nariz, boca...La flor no era una

botella; después la botella no era una botella, era una señora y esa señora

miraba. (PARRA, apud, Morales, 2007, p.47).

Uma flor, uma garrafa e uma mulher sentada são motivos do cotidiano que se

transformam em estímulos incentivadores da ação criativa, artística e poética, e mostram em

poesia o fazer do cotidiano e a sua essência capturada pela mão da artista. Deleuze analisa a arte

e o aprender pelo viés da memória involuntária, dizendo que não se deve ver na arte uma forma

mais profunda de adentrar na memória involuntária, ela é uma etapa da aprendizagem da arte que

nos coloca mais próximo das essências:

[...] mais ainda, a reminiscência já possui essência, soube capturá-la. Mas ela

nos dá a essência em um estado impreciso, em um estado secundário, de modo

ainda tão obscuro que somos incapazes de compreender o dom que recebemos e

a alegria que experimentamos. Aprender é relembrar, mas relembrar nada mais

é do que aprender, ter um pressentimento. (DELEUZE, 2003, p.61).

Violeta entende que todos podem ter essa alegria e pressentimento de que aquilo que se

está criando já foi parte de algo belo ou triste em sua vida. Além desta aprendizagem, a autora

entende que a obra artística não requer ser ensinada por grandes mestres, mas ao contrário, o

próprio artista pode-se transformar no grande mestre de sua obra, basta capturar a essência

artística das formas que a rodeiam, este é um dos princípios basilares da sua obra.

Ainda mais, as práticas artísticas, como processos sociais ou comunitários, para Violeta

constituem etapas de uma intencionalidade. Fazer ouvir a voz do sujeito-subalterno que reflete e

refrata a realidade que o circunda, em direções diversas, fazendo parte das atividades artísticas de

Page 4: Violeta Parra: Uma escrita entre bordados, cantos e … · utilizado a contrapelo pela autora em La Cueca. ... Un canto que es su propio canto, y a la vez ‘El canto de todos

origem cultural e humana. Evidencia-se esta finalidade no texto de apresentação escrito por

Madelaine Brumagne para o documental Violeta Parra, bordadera chilena:

En el silencio y la desnudez de su taller de Ginebra, ella vuelve a crear la vida

de un rasgo, y esta vida nueva se vuelve entonces arte, un arte primitivo,

mágico, respondiendo siempre a una gran voluntad de romper la soledad, de

exorcizar la desgracia, de hacer oír su voz para reivindicar, protestar o exaltar el

amor o la fraternidad humana. Ya sea que su mano borde, escriba poesía, pinte

cuadros, trence el hierro o pulse una guitarra, está siempre en contacto directo

con la emoción, con la necesidad de una inmediata comunicación.

(BRUMAGNE, Tribune, Suiza, 1964, apud, PARRA, 2009, p. 257).

O primitivo, o mágico da obra de Violeta, está em sua base popular que busca resgatar a

memória e seu povo, capturando a beleza que vem da própria vida rural e do canto dos pássaros

dos bosques do Sul. Os materiais são ásperos, as cores cheias de vitalidade, que às vezes chocam

umas com as outras numa desarmonia gritante, mas de uma beleza que comove. O belo, para

Violeta, não é o motivo que a induz a criar uma tela ou uma arpillera, mas o desejo de mostrar

os vestígios de memória que ela encontrou no passado de seu povo.

Fidel Sepúlveda, diretor do Departamento de Estética da Universidade Católica do Chile,

expressa também sua admiração sobre a obra plástica de Violeta, fazendo referência à origem de

uma criatividade que comove, provavelmente, desde sua infância em Chillán, em contato com

sua mãe cantora e também costureira:

De toda esta maravilla de color que Ella muestra en todo este trabajo en colores

con que Ella iba haciendo los encargos, de los cuales Ella vivía, en parte, su

familia entera. Entonces, yo admiro, por ejemplo de las características o de la

estética de la Violeta, una parte del visual que es colorido. La fuerza del

colorido y la audacia con que organiza el universo cromático. Y eso ella,

indudablemente, que si hubiera pasado por una escuela de bellas artes, o por una

academia, lo habría perdido. (SEPULVEDA, 2011. Entrevista In.: Viola

Chilensis - Documental Biográfico Violeta Parra.)

A força cromática das arpilleras, Violeta a toma dos povos mapuches. Isso torna suas

arpilleras, obras de arte que se posicionam diante do silenciamento dos povos originários para

dar-lhes voz, rompendo a adversidade e reivindicar ou enfrentar, às vezes, a dor, outras, é

Page 5: Violeta Parra: Uma escrita entre bordados, cantos e … · utilizado a contrapelo pela autora em La Cueca. ... Un canto que es su propio canto, y a la vez ‘El canto de todos

movida pelo desejo de exorcizar a injustiça com sua voz constitutiva da vida dessas pessoas que

ela borda ou pinta.

Relembrar é aprender, diz Deleuze, porém é mais que isso, é devolver à vida, é trazer da

memória coletiva, de um povo que sofreu o ocultamento colonialista, a pureza de sua arte, é

trazer à tona uma revelação final, é reconhecer nela a essência da arte que já estava na vida e na

mente desses povos e dela mesma, desde sua infância na cidade de Lautaro, como lembrança

involuntária. Deleuze entende que “é necessário que todas as etapas conduzam à arte e que

atinjamos sua revelação” (DELEUZE, 2003, p.62.). Como acontece na garrafa em que Violeta

desce os níveis da revelação para descobrir a própria obra de arte, “identificando sua essência em

suas realizações sucessivas, daremos a cada nível de realização o lugar e o sentido que lhe cabem

na obra”. (DELEUZE, 2003, p.62.).

Procurando o lugar e o sentido que lhe cabe ao pensamento mapuche na obra de Violeta

Parra, podemos dizer que, esta arte não é ingênua. Por meio dela, a artista manifesta sua

oposição ao cânone aristotélico que dá suporte e valor às representações clássicas, à arte “culta”2.

Cânone reforçado pela desigualdade e o preconceito das Belas Artes3 até o Iluminismo, do saber

ilustrado ou erudito. Ambos qualificativos, dados a uma arte construída sobre parâmetros ditos

universais, enquanto que os termos ingênuo, instintivo, “naif”, são palavras que servem para

manter a dominação sobre o “resto” das Artes Populares que nascem do desejo de problematizar

a realidade do povo e trazer à baila o contexto histórico e cultural afetado. Vozes silenciadas e

mistificadas pelo discurso opressor, que cria um efeito de subalternância sobre a obra artística

que produzem ou que representa a realidade de povos colonizados.

Sobre a decolonização cultural da América Latina, Adolfo Colombres afirma:

2 Culto neste sentido se refere às artes clássicas, aristotélica, platônicas. 3 Atribuir um nome para uma manifestação artística implica em identificar seus elementos constitutivos, suas substâncias de expressão, entretanto, não se trata apenas de nomenclatura, mas de concepção. É o caso da Arte Visual, como a conhecemos hoje em dia, antes já a chamamos de Belas Artes e depois de Artes Plásticas. O termo Belas Artes se refere ao modelo de ensino acadêmico que vigorou no século XIX que, por sua vez, foi baseado no modelo clássico de origem greco/romana que inspirou o Renascimento e se tornou o sistema de ensino de diversas Academias de Arte na Itália, de outros países da Europa e, depois, na França que marca a origem desse ensino no Brasil. Quanto ao conceito de Artes Plásticas, o termo plástico tem origem no plastikós grego, cujo sentido se refere aos procedimentos de modelagem da argila. É comum a utilização do plural, Artes Plásticas, embora o singular, Arte Plástica fosse mais adequado segundo a linha de raciocínio que assumimos desde o início. Mas, por força do hábito, vamos manter a grafia como Artes Plásticas. Para mais detalhes o texto está disponível em: http://www.artevisualensino.com.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=287&Itemid=7.

Page 6: Violeta Parra: Uma escrita entre bordados, cantos e … · utilizado a contrapelo pela autora em La Cueca. ... Un canto que es su propio canto, y a la vez ‘El canto de todos

Al asumir el compromiso de trabajar por la descolonización cultural, se

comenzará con la denuncia de las mistificaciones que no conducen a parte

alguna, de ese folclorismo simplista que suele hacer el juego al opresor, en la

medida que oblitera los contenidos profundos y desactiva la consciencia. El

colonizador desvincula a los pueblos de su pasado, pues sabe que es la forma

más segura de dejarlos sin un porvenir propio. Es preciso entonces, rescatar las

raíces y afirmarse en ellas en la hora de la acción. (COLOMBRES, 2007, p. 98).

Se o colonizador cria formas de desvincular os povos colonizados de seu passado, Violeta

os volta a vincula, na intenção de devolver conteúdos profundos que ativam sua consciência de

um passado que os vincule ao futuro4. Para isto, emprega suportes que paralelamente,

possibilitaram as transgressões realizadas na tradição oral, sistema em que ela fundamenta sua

obra artística, inscrevendo-o na tradição escrita, pois sabe que esta é a forma mais segura de

devolver ao povo latino-americano a possibilidade de um futuro próprio, que nesta dialética

desvelaria seu próprio futuro artístico.

A partir da formação da consciência genealógica desse modelo simbólico excludente, que

se configura como autoconsciência, Violeta-mulher transgride os estereótipos femininos da

tradição Ocidental eurocêntrica – da mulher que borda como ato ingênuo e imposto, símbolo de

feminilidade e submissão ao modelo patriarcal - Violeta, a bordadeira, borda sua história e a

história de injustiças do seu país, ela, atravessando os fios que transpassam o pano grosso da

arpillera vai urdindo outras formas de pensar a vida no mundo em que a mulher ocupa seu

espaço.

Nesses panos de sacas bordados se sustenta o passado do povo latino-americano e os

sonhos de justiça e recuperação da dignidade. Os fios de lã bordam a materialidade desses

sonhos, mas bordam também os mecanismos de exclusão estabelecidos pelo sistema colonialista,

que se sustenta como formação social devastadora da alteridade, no capitalismo e no

4 Entender, por exemplo, que todos os povos do mundo passaram por processos de colonização e

conquista, sendo que os mecanismos utilizados pelo conquistador espanhol em América são reproduções de processos também históricos, vítimas de contínuas invasões e conquistas em que conquistadores visigodos, romanos ou árabes deixavam suas marcas para demonstrar seu poder, destruindo templos e igrejas e sobre eles outros templos e igrejas se erigiam. É assim como, a Mesquita de Córdoba na Espanha presa entre as paredes uma Catedral católica, exatamente como aconteceu em Cuzco, Peru, com o palácio dos reis incas, Qorikancha, que somente foi descoberta sua existência depois de um terremoto quando ficou exposto, ao caír as paredes do monastério jesuíta que os conquistadores haviam construído em cima dele. (Fundación Amauta)

Page 7: Violeta Parra: Uma escrita entre bordados, cantos e … · utilizado a contrapelo pela autora em La Cueca. ... Un canto que es su propio canto, y a la vez ‘El canto de todos

patriarcalismo.5 Estes agem junto ao sistema religioso ortodoxo ocidental, por isso em sua

arpillera Cristo em bikini (1964) Violeta necessariamente, haverá de desconstruí-los como

sistema que verticaliza o poder, que se apropria do sagrado e do divino, dando direitos e

privilégios ao colonizador e excluindo o colonizado. Dentro deste grupo se encontram

campesinos arcaicos, indígenas, mestiços, negros, plebeus, crianças e mulheres. Neste sentido,

concordando com Lorena Bruna (2017), esta luta, Violeta a realiza por meio de sua arte. Nesta

arpillera, (Fig.1).

(Fig.1.Cristo em bikini (1964) arpillera em tela de algodão tingido e bordado em

lanigrafia pertencente à terceira exposição de arte titulada Lo espiritual, mística,

vida y muerte. Do Centro Cultural Palacio de la Moneda(2011)

(Fonte: Fundación Violeta Parra)

O Cristo en biquíni (1964), arpillera bordada em algodão tingido e fios de lã tingidos,

representa um ato emblemático a contrapelo das religiões ortodoxas. Os bordados que a

multiartista cria são outra das manifestações poéticas com que Violeta busca transgredir o

5 De acordo com Santos Boaventura (2010), o colonialismo não está sozinho, ele age como um conjunto com o

capitalismo e o patriarcalismo, os quais se complementam na sua ação devastadora da alteridade cultural dos povos colonizados pelo Ocidente.

Page 8: Violeta Parra: Uma escrita entre bordados, cantos e … · utilizado a contrapelo pela autora em La Cueca. ... Un canto que es su propio canto, y a la vez ‘El canto de todos

pensamento platônico, que estabelece valores baseados no mundo suprassensível e a ideia de

verdade. O belo e o bom, nesta obra, não seguem padrões estereotipados aos quais os homens e

as mulheres se deveriam adequar. As Belas Artes têm uma função ornamental, que não interessa

para artista já que respondem a padrões ocidentais bem definidos, que Violeta nega e rejeita.

Para ela a verdadeira arte não está pronta, nem obedece a normas pré-estabelecidas. A arte não se

aprende, se cria, se inventa, ela se apreende na realidade da vida, é vida, é história, é recriar a

vida num traço, nos diz Madelaine Brumange: “En la nudez de su habitación, Violeta crea la

vida de un rasgo”. (BRUMAGNE, 1964, Apud. PARRA, Isabel, 2009, p 258). E nessa pontada

de arte, ela expressa, ou constata um fato de beleza ou de amargura, mas fundamentalmente, se

as contradições e mazelas que estabelece como norma de vida a sociedade burguesa de sua

época.

Neste sentido, as arpilleras de Violeta Parra são pura expressão da realidade:. E nessa

vida, Violeta vai bordando sua arte. Moldando o barro, ou os fios de lã na superfície de uma tela,

tal como acontece com a arpillera Cristo en bikini (1964) que ela começou bordando por um

dedo.

Na imagem do Cristo não foram respeitadas as perfeitas proporções do corpo humano,

dizem os expertos, entretanto, estas proporções não podem ser associadas a medições

geométricas realizadas na arte renascentista.6 Com tudo, isso não interessa a Violeta, sua

intenção é outra. Ela sabe que o conhecimento ocidental é excludente. Na tela, um pássaro retira

um dos pregos da mão direita de Cristo Crucificado que sofreu e morreu pelos erros humanos.

Na cultura mapuche, o canto do pássaro anuncia a enfermidade ou a morte, o presságio de uma

tristeza muito grande pela partida de um ser querido que vá encontrar seus antepassados. Como

nos diz Chihuailaf(1999)

A veces los pájaros guairaos pasaban anunciándonos la enfermedad o la muerte.

Sufría yo pensando que alguno de los mayores que amaba tendría que

encaminarse hacia la orilla del Río de las Lágrimas, a llamar al balsero de la

muerte para ir a encontrarse con los antepasados y alegrarse en el País Azul.

(CHIHUAILAF,1999,p19)

6 Na Renascença, se suplementou a antropométrica com a teoria fisiológica do movimento e uma teoria matemática exata da perspectiva. Ver Albrecht Dürer. “Homem D”. Do primeiro Livro do Vier Bücher von menschlicher. Proportions. Nurember, 1528.

Page 9: Violeta Parra: Uma escrita entre bordados, cantos e … · utilizado a contrapelo pela autora em La Cueca. ... Un canto que es su propio canto, y a la vez ‘El canto de todos

Nessa arpillera, Violeta expressa a ternura do pensamento mapuche, que se afasta das

injustiças dogmáticas instalada no Chile, com a sociedade colonialista europeia que acredita na

sanação da alma por meio do sacrifício de um corpo inocente. Neste sentido, as culturas

ancestrais ajudaram Violeta a olhar as questões da vida e da morte desde outra perspectiva, desde

a ternura. Se o sofrimento é inevitável, pela perda de um ser que amávamos, temos a

responsabilidade, de realizar esses atos de ternura, respeito e carinho e dar bom descanso a seu

corpo pendurado numa cruz, para que siga seu caminho em direção ao País Azul. Não podemos

olhar para o corpo de Cristo que sofre pregado numa cruz, e ficar impávidos, temos a obrigação

humana de aliviar a dor, para que descanse e tenha o encontro com seus antepassados, o Pai

eterno. Apresenta, deste modo, outra perspectiva da realidade, carregada de poesia e ternura

diante do sofrimento do corpo do filho de Deus, tão normal para todos os cristão. O pássaro que

anuncia a morte, nesta arpillera é a libertação do Espírito do corpo, mediante a morte. Retirar os

pregos das mãos de Cristo, pintar ele de amarelo e deixá-lo descansar no Azul, materializa a

intenção da artista de olhar as crenças colonialistas, como as crenças dos outro.

Aqui se percebe a compreensão da vida e da morte em consonância com o pensamento

mapuche, Deus não poderia querer que nada de ruim acontecesse a seus filhos, como o explica

Elicura Chihuailaf neste trecho:

Oo Genechen7, el espíritu no se reconoce en la visión confundida de estos

sueños, dice. La muerte anda como sombra junto a ustedes. Los colores me

revelan sus misterios. Nunca jamás imaginaron la nostalgia del maíz amarillo, a

la luz de la Luna blanca caminando en las raíces sagradas de nuestros hijos y de

nuestras hijas. Porque me dormí y me robaron las Palabras, dice.

(CHIHUAILAF, 1999, p.166).

Violeta em suas obras, arpilleras, poemas-canções nos entrega esses Recados

Confidenciais, que Elicura manda para os chilenos. Recados que nos ajudam a formar a

consciência decolonial, a qual fala de uma espiritualidade diversa, que nos anuncia uma falsa

homogeneidade cultural.

Nesta entrevista feita por Madelaine Brumagne (1964) a Violeta Parra, por motivo

realizar um documental, titulado: Violeta Parra, bordaderas chilenas, para a televisão suíça

7 Genechen é uma das manifestações do Espírito Azul: o Espírito Poderoso. Essas quatro manifestações são consideradas “Creador y Sostenedor de la Tierra y de la gente”.(CHIHUAILAF, 1999,p.75)

Page 10: Violeta Parra: Uma escrita entre bordados, cantos e … · utilizado a contrapelo pela autora em La Cueca. ... Un canto que es su propio canto, y a la vez ‘El canto de todos

expressa sua diversidade na forma de pensar a arte:

M. – Pero entonces sabía usted bordar, usted había aprendido?

V. – No, nada. El problema es lo más simple del mundo: no sé dibujar.

M. – Entonces usted ha inventado todo de nuevo?

V. – Sí, pero todo el mundo puede inventar, no es especialidad mía.

Cojo un pedazo de tela de saco, me instalo en un rincón y comienzo a trabajar

en cualquier lugar de la tela que me rodea. En lo que se refiere al Cristo que

figura en una de ellas, comencé por un pie y después fui subiendo, subiendo,

subiendo. Con los colores hago lo que puedo, con lanas que poseo. Para el

Cristo sólo tenía amarillo y azul y me las arreglé con eso. (PARRA, 1964, Apud,

PARRA, Isabel, 2009,p258)

Se Violeta Parra somente possuía duas cores de lã para bordar o Cristo, delas, o azul está

relacionado à tradição ancestral mapuche.Como nos revela Elicura Chihuailaf(1999)

Kallfv, Kallfvley tati mapu chew yiñ amuan. El mundo es una totalidad que se

repite en el Azul y desde el Azul, dicen nuestros ancianos y ancianas.

[…]Recuerda siempre que, en el universo de la Naturaleza, los sueños se

convierten en realidad. La lluvia es el sueño del agua. El humo es el sueño del

fuego. El Azul es el sueño eterno del aire. (CHIHUAILAF, 1999, pp.38-39).

Estas cores remetem a uma cosmogonia que nada tem a ver com a crença cristã, nem com

economia de mercado. O Azul para os mapuches representa o Kalfú, ou “Espírito Poderoso”,

formado de quatro manifestações: Elmapun / Gvenmapun; Elchen / Gvnechen. Como Creador e

Sostenedor de la Tierra y de la gente” (CHIHUAILAF, 1999, p75). O sonho eterno que guiará a

alma do povo. É poesia.

Em sua estadia no Wallmapu, estudando e entrevistando os descendentes mapuches,

Violeta havia resgatado a filosofia de vida mapuche e a importância que tem a poesia em todas

as coisas da vida. Adriana Paredes Pinda, em Canto Machi nos conta a diferença que há entre

poesia e resistência para seu povo: “La poesía es corpórea, es identidad, es cuerpo. La resistencia

es otra cosa, es la única manera de vivir que nos queda”(PINDA, 2017).

Erótica e poética, como a natureza, esta arte é principalmente materialização da realidade.

Ela traz elementos e personagens que lembram imagens de bosques que se desenham no

imaginário sobre os povos ancestrais. Essa arte corpórea e vital dialoga com a obra de Violeta

Parra. Neste poema de Leonel Lienlaf, do livro Se há despertado el ave de mi corazón. (1989)

podemos ver entrelaçadas ambas raízes:

El Árbol

Page 11: Violeta Parra: Uma escrita entre bordados, cantos e … · utilizado a contrapelo pela autora em La Cueca. ... Un canto que es su propio canto, y a la vez ‘El canto de todos

La vida del árbol

Invadió mi vida

Comencé a sentirme árbol

Empecé a llorar por mis hojas

Mis raíces

Mientras un ave

Se dormía en mis ramas

Esperando que el viento

Dispersara sus alas

Yo me sentía árbol

Porque el árbol era mi vida. (LIENLAF, 1989)8

El Árbol de la vida(1964) que em mapuzugun significa “Lugar de la Pureza”, também

reflete este, “sentir-se em relação à natureza” e busca recuperar essa perda, porque o homem é

natureza, ele é tão parte dela, como o pássaro que canta na mão de Violeta. Suas vidas se unem

em dependência simbiótica. Assim, a poética de Violeta Parra é a busca do equilíbrio na

natureza, saber qual é a filosofia de vida que tem cada cultura e agarrar-se a ela.

8 Nacido na comunidade de Alepue, perto de San José de la Mariquina, Leonel Lienlaf , pertence à nova geração de

poetas bilingües que escrevem em mapudungun e espanhol. É poesia cantada, uma revelação para quem ama realmente a poesia autêntica. O presente poema pertence a seu livro Se ha despertado el ave de mi corazón, da

©Editorial Universitaria, S.A., 1989.

Page 12: Violeta Parra: Uma escrita entre bordados, cantos e … · utilizado a contrapelo pela autora em La Cueca. ... Un canto que es su propio canto, y a la vez ‘El canto de todos

(Fig.2.) El Árbol de la vida (1964). Arpillera, confeccionada em juta tingida e bordada em lanigrafia, mede

135 x 97,5cm. Esta obra pertence à terceira exposição Lo Espiritual, mística, religión vida y muerte exposta no

Centro Cultural Palácio de la Moneda (2011). (Fonte: Fundación Violeta Parra).

Nesta arpillera, uma mulher deitada na terra, nutre com seu sangue a árvore e lhe dá vida.

Para Violeta Parra a Árvore da vida9 tem uma concepção ancestral, representa a extensão da

consciência de pertencer, fazer parte, devolvendo ao homem sua ligação com a natureza. A

mulher deitada no chão com sua cabeça posta na terra tem o cabelo solto que cresce como raízes

que dão vida à árvore preenchendo-o todo, tronco e ramas. Representa as raízes perdidas, a mãe

que dá sustento. Como nos diz Elicura neste texto: “Somos los brotes de la Madre Tierra – nos

están diciendo, en relación de igualdad con sus demás componentes, y de respeto y

agradecimiento a su inmanente dualidad celeste.”(CHIHUAILAF,1999,p33-34).

Sobre a mão de Violeta está pousado um pássaro, seu canto se transforma em seiva que a

faz florescer, preencher suas ramas de belas flores, todas iguais, subindo e crescendo. Estas se

ramificam e brotam em direção ao infinito. As linhas do canto,(o outro) a penetram e se expande,

preenchendo de música todo seu interior e o interior da árvore, fundindo ambos num novo nós. A

multiplicidade de vozes se deixa ouvir, numa posição puramente axiológica. (Bakhtin, 2003).

A terceira obra analisada neste artigo, apresenta traços da cultura mapuche, El gavilán

(1957-60). Aqui os elementos culturais e poéticos nos saem ao passo a todo o momento e temos

que ter muito cuidado para não perder nenhum detalhe importante. Esses detalhes serão a chave

para solucionar algum dos tantos enigmas que Violeta espalhou em sua obra, carregada de uma

complexidade tal, que os músicos eruditos de maior renome no Chile não conseguem inseri-la

em alguma de suas classificações. Gastón Soublette, por exemplo, diz: “Violeta Parra es una

compositora, pero no como todos. Ella, que aprendió la música con la naturalidad que un pájaro

aprende el canto de otro pájaro”. E justifica a aversão para aprender a compor música clássica.

Violeta não sabe nem quer aprender nada sobre composição musical de forma teórica “pues ella

posee todos estos elementos innatamente para la realización de su arte”.(Op.Cit.).

9 De acordo com a Enciclopédia Britânica, Vol. X. o conceito de uma árvore da vida representa um

arquétipo generalizado nas mitologias de todo o mundo, está relacionado com o conceito mais geral de árvore sagrada, por tanto se vincula à religião e a filosofia dos povos desde suas origens. Na Grécia antiga, a árvore da vida. No México, o Árbol de la Vida fui uma escultura em barro confeccionada no tempo da colonização para ensinar aos nativos a criação do mundo, contada a partir da Gênese .Disponível em: ( https://es.wikisource.org/wiki/Biblia_Reina-Valera_1909/G%C3%A9nesis/3%233:22 )

Page 13: Violeta Parra: Uma escrita entre bordados, cantos e … · utilizado a contrapelo pela autora em La Cueca. ... Un canto que es su propio canto, y a la vez ‘El canto de todos

Miguel Letelier (1999), tem uma compreensão muito apurada sobre a elaboração de El

Gavilán, já que ele transcreveu esta obra em pentagrama:

Violeta no sabía escribir música. No conocía ni a Debussy ni a Stravinsky. No

podía anotar en un pentagrama sus composiciones. La simple audición de estas

obras - no ya el análisis- llama poderosamente la atención a un músico. La base

rítmica, armónica y formal del folclore chileno de la zona central del país en su

manifestación más generalizada, esto es, la dupla cueca- tonada, es llevada por

Violeta a un nivel de estilización y desarrollo desconocido y no sobrepasado

hasta hoy.(LETELIER,1999,P,4)

No tema relata e decepção amorosa de uma mulher e a acusação que fica com o corazão

destruído por causa de um falso amor. Em que o lamento mapuche, e a invocação de ajuda diante

a morte iminente, culpando ao causador de seu drama, como se observa neste fragmento:

Te la llevarís, te la llevarís, mentiroso./ te la llevarís, te la llevarís fastidioso/ Te

la llevarís, te la llevarís, pretencioso./

Prenda del alma, sí ayayay. / prenda del alma, sí ayayay. […]

¿Dónde estás prenda querida,/que no escuchas mi lamento?/ ¿Tal vez te habrás

olvidado/ que hiciste un juramento?/Juramento, mento,/ juramento, sí sí/ sí

sí,sí,sí. /

¿En qué quedó tu palabra/ Ingrato mal avenido?/ ¿Por qué habré puesto los ojos/

en amor tan dividido?/Dividido, dido, / dividido, sí sí. (PARRA, Apud,

MIRANDA,2016,pp80-1).

A repetição é uma característica do canto mapuche que a artista utiliza como recurso de

cura de uma dor de amor. Neste sentido, existem vários indícios de que El gavilán está baseado

num episódio da vida de Violeta, uma desilusão amorosa que quebrantou seu coração de tal

forma, que a levou a expressar seu eu lírico por meio da composição de uma das obras mais

belas e ao mesmo tempo, dramáticas de todas suas composições. De acordo com Letelier: “El

relato va presentando a modo de friso el drama pasional de quien se siente destruida por un amor

mentiroso. "Veleidoso", "ingrato mal avenido", "pretencioso", son algunos de los términos con que la

autora anatematizada a tan cruel y despiadado amante”. (LETELIER,1999, p.2).

O tema da destruição do amor, que nos fala Letelier, está em total consonância com o

conteúdo poético-musical da obra criada por Violeta. Aqui se revela o poder do lado escuro do

amor. “[...] el amor que destruye, no siempre construye”(PARRA, 1960), podendo chegar a ser

fatal. Neste fragmento, se apresentam alguns versos que destacam um sentimento desgarrado

pela dor que provocam a traição e o engano:

Page 14: Violeta Parra: Uma escrita entre bordados, cantos e … · utilizado a contrapelo pela autora em La Cueca. ... Un canto que es su propio canto, y a la vez ‘El canto de todos

Mi vida, yo te qui, /yo te quise veleidoso./ Mi vida creyendo,/creyéndote

lisonjero / Mi vida se me par,/ se me parte el corazón./ Mi vida de verte/ de

verte tan embustero./ Sí ayayay, / Sí, ayayay.(PARRA (1957), Apud,

MIRANDA,2016,p 80).

De acordo Paula Miranda, as gravações que Violeta fez dos cantos mapuches no

Wallmapu, revelam a existência de muitos rasgos na dimensão formal da música e do canto que

permitem vincular suas realizações com os rituais que ela presenciou em Lautaro e em Arauco.

A pesquisadora relata três traços essenciais, o primeiro deles é a voz da cantora que transuma

uma enorme emoção, inflexões de sofrimento e sentimentalidade: “a veces el ül se transforma en

un suspiro, quejido o lamento, en una oración. Esa sonoridad, ha quedado registrada en la voz

que está detrás de El Gavilán ”(MIRANDA,2017,p71), como o revela na entrevista realizada por

Mario Céspedes em 1960 sobre a montagem da peça de balé: “Este canto, tiene que ser cantado

incluso por mí misma. Porque el dolor no puede ser cantado por una voz académica”(PARRA,

In.: Entrevista Mario Céspedes10, Apud, MIRANDA,2017,p. 72).Essa voz real, conclui Mirada,

constituiria uma via de purificação e cura frente à morte, capaz de cumprir sua função social e

agir sobre o mundo curando ou realizando rogativas, do mesmo modo que são realizados nos

rituais mapuches. Deste modo, El Gavilán, se inscreve como obra híbrida que desloca fronteiras,

e une dois modalidades artísticas, o balé clássico e o canto mapuche, e dois sistemas culturais o

oral e o escrito.

REFERÊNCIAS

BRUNA, Lorena, Mediadora Cultural del Museo Violeta Parra. Entrevistada recolhida por

Patricia V. Cuevas Estivil no Museo Violeta Parra, 26/03/2017 às 11:30. Duração; 60 min.

Santiago de Chile.

COLOMBRES, Adolfo, Sobre la Cultura y el Arte Popular. Ed. Del Sol, Buenos Aires,2007.

DELEUZE,Gilles, Proust e os signos. Trad. António Piquet e Roberto Machado, Ed. Forense

Universitária, Rio de Janeiro, 2003.

CHIHUAILAF, Nahuelpán Elicura. Recados confidenciales a los chilenos. Ed. LOM, Santiago

10 Locutor da Radio Universidad de Concepción, realizada em 1960, por motivo do convite que Violeta

Parra havia recebido para proferir uma palestra sobre os resultados de sua pesquisa e a arte popular na Aula Magna dessa instituição universitária

Page 15: Violeta Parra: Uma escrita entre bordados, cantos e … · utilizado a contrapelo pela autora em La Cueca. ... Un canto que es su propio canto, y a la vez ‘El canto de todos

de Chile, 1999.

LETELIER, Miguel, Série Grandes Chilenos, Violeta Parra, Tati Penna, TVN Chile , Santiago

de Chile. 17/09/2008.

LIENLAF,Leonel, Se ha despertado el ave de mi corazón, Editorial Universitaria, S.A. Santiago

de Chile, 1989.

MIRANDA, Paula; LONCON, Elisa; RAMAY, Allison. Violeta Parra en el Wallmapu. Su

encuentro con el canto mapuche. Ed. Pehuén, Santiago de Chile, 2017.

________, Poesía de Violeta Parra. Ed. Universidad Valparaíso, Valparaíso, 2016.

OPORTO, Lucy Valencia. El Diablo en la Música. La muerte del amor en El gavilán, de Violeta

Parra. Ed. USACH, Santiago de Chile, 2016.

PARRA, Isabel, El libro mayor de Violeta Parra. Un relato biográfico y testimonial. Ed. Cuarto

Propio, Santiago de Chile, 2009.

PINDAL, Adriana Paredes, “Canto Machi”, Entrevista a nueve estudiantes de posgrado:

Diálogos epistémicos mapuches. Pontificia Universidad Católica de Chile. Putrin-Traiguén

Chile, 2006.

Revista: Quinchamalí, Arte –letras-Sociedad, Edición Especial Nicanor Parra, WITKER,

Alejandro. TORRES, Fidel. ROJAS, Rodrigo, Jofré, Manuel Noviembre, N8, 2012.

Sítios visitados

Enciclopédia Britânica Vol. X. Disponível In.: ( https://es.wikisource.org/wiki/Biblia_Reina-

Valera_1909/G%C3%A9nesis/3%233:22 ) Visitado: 03/12/2017 às 23:21

SEPULVEDA, Fidel, 2011. Entrevista In.: Viola Chilensis - Documental Biográfico Violeta

Parra

Artes plásticas e Belas Artes. Disponível In.: :

http://www.artevisualensino.com.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid

=287&Itemid=7 Visitado em: 02/09/2017. Às 20:35