violÊncia escolar: o fenÔmeno bullying e a...

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VIOLÊNCIA ESCOLAR: O FENÔMENO BULLYING E A FORMAÇÃO DOCENTE FARIA, Ana Claudia Andrade – UNOESTE [email protected] COSTA, Jaqueline Batista de Oliveira – UNOESTE [email protected] Eixo Temático: Violências nas escolas Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Dentre as formas de violência que se manifesta no contexto escolar, a prática do bullying vem se destacando. Nesse sentido este trabalho tem como objetivos identificar o que os professores compreendem por violência e bullying na escola e verificar se estes docentes receberam formação inicial e continuada para atuarem como agentes de prevenção do bullying escolar. Trata-se de uma investigação de caráter qualitativo que foi realizada em uma escola pública do município de Pirapozinho (SP). Participou do estudo um grupo formado por vinte professores. Foi utilizado como instrumento de coleta de dados um questionário com perguntas abertas e fechadas. Dos vinte professores entrevistados, 35% destacam que a violência manifesta-se na escola pela falta de respeito com o próximo, 31% por meio de agressões físicas e outros 26% através da agressão verbal. A maioria dos docentes (70%) admitem que o bullying ocorre em sua sala de aula, entretanto, 30% não identifica essa violência em sua classe. Dos professores entrevistados 90% afirmam que não receberam nenhum conteúdo específico na universidade para lidar com bullying. O dado torna-se ainda mais agravante quando 80% dos docentes denunciam que não recebem formação continuada em serviço, para atuarem como agentes na prevenção do bullying. Os dados revelam que os saberes docentes necessários à prevenção do bullying na escola, não são garantidos aos professores por meio de cursos de formação inicial ou continuada. Nesse sentido, inferimos que estes sujeitos lidam com a violência na escola, fundamentados, apenas, em saberes advindos da experiência construída no dia-a-dia da instituição escolar. Palavras-chave: Violência. Bullying. Saberes Docentes. Introdução A agressividade e a violência escolar vêm apresentando um aumento bastante significativo, o que acarretou em um constante patrulhamento policial nas escolas, decorrente

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VIOLÊNCIA ESCOLAR: O FENÔMENO BULLYING E A FORMAÇÃO

DOCENTE

FARIA, Ana Claudia Andrade – UNOESTE

[email protected]

COSTA, Jaqueline Batista de Oliveira – UNOESTE [email protected]

Eixo Temático: Violências nas escolas

Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Dentre as formas de violência que se manifesta no contexto escolar, a prática do bullying vem se destacando. Nesse sentido este trabalho tem como objetivos identificar o que os professores compreendem por violência e bullying na escola e verificar se estes docentes receberam formação inicial e continuada para atuarem como agentes de prevenção do bullying escolar. Trata-se de uma investigação de caráter qualitativo que foi realizada em uma escola pública do município de Pirapozinho (SP). Participou do estudo um grupo formado por vinte professores. Foi utilizado como instrumento de coleta de dados um questionário com perguntas abertas e fechadas. Dos vinte professores entrevistados, 35% destacam que a violência manifesta-se na escola pela falta de respeito com o próximo, 31% por meio de agressões físicas e outros 26% através da agressão verbal. A maioria dos docentes (70%) admitem que o bullying ocorre em sua sala de aula, entretanto, 30% não identifica essa violência em sua classe. Dos professores entrevistados 90% afirmam que não receberam nenhum conteúdo específico na universidade para lidar com bullying. O dado torna-se ainda mais agravante quando 80% dos docentes denunciam que não recebem formação continuada em serviço, para atuarem como agentes na prevenção do bullying. Os dados revelam que os saberes docentes necessários à prevenção do bullying na escola, não são garantidos aos professores por meio de cursos de formação inicial ou continuada. Nesse sentido, inferimos que estes sujeitos lidam com a violência na escola, fundamentados, apenas, em saberes advindos da experiência construída no dia-a-dia da instituição escolar. Palavras-chave: Violência. Bullying. Saberes Docentes.

Introdução

A agressividade e a violência escolar vêm apresentando um aumento bastante

significativo, o que acarretou em um constante patrulhamento policial nas escolas, decorrente

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da gravidade dos atos praticados em seu interior (SZYMANSKI et all, 2002; FANTE, 2005).

Diante das circunstâncias atuais que envolvem violência e que persistem no contexto

educacional, a prática do bullying vem se destacando.

O bullying escolar consiste em um conjunto de agressões morais ou físicas que

acontece de forma repetitiva contra um determinado indivíduo, no interior das instituições

escolares, merecendo cada vez mais a atenção dos profissionais da educação. Consiste em um

tipo de violência que

[...] se apresenta de forma velada, por meio de um conjunto de comportamentos cruéis, intimidadores e repetitivos, prolongadamente contra uma mesma vítima, e cujo poder destrutivo é perigoso à comunidade escolar e à sociedade como um todo, pelos danos causados ao psiquismo dos envolvidos (FANTE, p. 21, 2005).

As conseqüências e causas do fenômeno bullying devem ser amplamente discutidas e

analisadas pela sociedade para que seja possível intervir e tentar evitar mais esse mal que está

tomando o interior das escolas.

Nessa perspectiva, o presente trabalho de pesquisa teve como objetivos identificar o

que os professores compreendem por violência e bullying na escola e verificar se esses

docentes receberam formação inicial e continuada para atuarem como agentes de prevenção

do bullying escolar.

A Violência na sociedade contemporânea e na escolar

Violência tem se tornado o tema central das discussões em nossa atual sociedade.

Estudiosos procuram achar os motivos que estão levando ao aumento do índice da violência,

bem como os meios para combatê-la ou diminuí-la.

Abramovay e Rua definem violência como:

[...] intervenção física de um indivíduo ou grupo contra a integridade de outro (s) grupo (s) e também contra si mesmo – abrangendo desde suicídios, espaçamentos de vários tipos, roubos, assaltos e homicídios até a violência no trânsito disfarçada sob a denominação de “acidentes”, além de diversas formas de violência verbal, simbólica e institucional (2003, p.27).

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A violência está presente de várias formas, na pobreza, na exploração econômica,

preconceitos de raça, religião, etc. Sempre os atingidos serão os mais fracos e vulneráveis.

As escolas vêm sendo alvo de grande violência, gerando um problema social que se

manifesta de diversas formas entre todos os envolvidos no processo educativo. A violência

escolar vem ocupando os noticiários do dia-a-dia em todo o mundo, preocupando a sociedade

em geral, ou seja, as autoridades, a comunidade, os pais, professores, diretores, alunos, que

estão cada vez mais amedrontados com essa violência que vêm adentrando nossas escolas.

Abramovay e Rua (2003) destacam que a escola não é mais um lugar garantido de

integração social, de socialização ou de um espaço resguardado, pois se transformou em um

ambiente de freqüentes ocorrências violentas. A instituição escolar não deveria ser lugar de

violência, mas, ao contrário deveria ser um ambiente especial, propício à construção de

valores como o respeito ao próximo, pautados na amizade, harmonia e integração das pessoas.

A violência escolar requer um olhar mais atento por todos educadores. Estes não

podem reduzir a análise da violência apenas ao momento de uma briga entre dois alunos ou

entre um professor e aluno. É necessário parar, pensar e estudar todos os aspectos que

contribuem para potencializar a violência na escola e assim criar alternativas para sua

prevenção.

Na realidade, escola se constitui em um espaço que não é imune às questões que

acontecem na sociedade, nela se refletem os problemas com os quais nos deparamos na

atualidade e entre estes se encontra a violência em suas diferentes manifestações. (FANTE,

2005). Nela o bullying é uma das expressões de violência mais freqüentes e, ao mesmo tempo

mais ignoradas pela sociedade e o meio escolar. Sem dúvida, o bullying tem contribuído para

intensificação dos conflitos entre alunos.

Assim as sequelas físicas, psicológicas e emocionais profundas, sofridas pelos alunos

vítimas podem levar até mesmo a evasão escolar e perda de interesse pela escola. Fante

(2005) e Guareschi (2008) (apud CEZAR, BARROS, 2008) afirmam que o bullying:

é a forma de violência mais cruel, pois tal nível de agressividade torna suas vítimas reféns da ansiedade e de emoções que interferem negativamente nos seus processos de aprendizagem e convívio social, devido à excessiva mobilização de emoções de medo, de angústia e de raiva reprimida. Isso pode ser decisivo no incentivo à evasão escolar e ao ingresso desses alunos no mundo das drogas e do crime, bem como formar uma geração de pessoas psicologicamente desestruturadas, que poderão vir a cometer violência doméstica e adotar características anti-sociais (p. 28.29).

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Uma das medidas que podem ser tomadas diante dessa violência escolar que a cada

dia parece se intensificar é garantir a formação de profissionais compromissados com a

escola, para que possam contribuir na prevenção a violência. É necessário, porém, que todos

os envolvidos com a educação (família, comunidade, gestores, educadores) valorizem o aluno

e a escola. Para tanto, devem promover, no ambiente escolar, uma cultura da paz na qual, de

acordo com Abramovay e Rua (2003), prevaleça a tolerância, a solidariedade e o

compartilhamento,e o respeito aos direitos de cada um.

Em relação aos problemas de violência que ocorrem na escola, dois questionamentos

ainda precisam ser feitos: O professor recebe uma formação inicial e contínua adequada para

lidar com as diversas situações decorrentes da violência que acontecem no ambiente escolar?

Quais saberes os professores mobilizam em sua prática pedagógica diante de uma situação

que envolve conflitos violentos?

Formação e saberes docentes para atuarem na prevenção do bullying

Segundo Perrenoud (1999) as sociedades estão em constante transformação. As

tecnologias mudam o trabalho, a comunicação, a vida cotidiana e mesmo o pensamento. As

desigualdades se deslocam, se agravam e se recriam em novos territórios. A exacerbação da

violência na escola demonstra o processo de mudança sociocultural pela qual nossa sociedade

vem passando nos últimos anos.

Dessa forma devemos pensar que se a sociedade muda, a escola deve evoluir com ela,

pois quem faz parte da escola são pessoas que estão dentro da sociedade em constante

transformação como professores e alunos. Nesse contexto, segundo o mesmo autor convém

reforçar a formação do docente visando uma prática reflexiva, voltada para a renovação e

cooperação, promovendo assim uma relação menos temerosa e individualista com a

sociedade.

Perrenoud (1999) afirma que é preciso ancorar a prática reflexiva sobre uma base de

competências profissionais:

1. organizar e animar as situações de aprendizagem; 2. gerir o progresso das aprendizagens; 3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação; 4.envolver os alunos nas suas aprendizagens e no seu trabalho; 5. Trabalhar em equipe; 6. participar da gestão da escola; 7. Informar e envolver os pais; 8. servir-se

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de novas tecnologias; 9. enfrentar os deveres e dilemas éticos da profissão; 10. gerir sua própria formação contínua (p.9).

De acordo com Perrenoud (1999) esse saberes devem acompanhar a evolução e o

desenvolvimento da sociedade moderna, ou seja, a educação deve caminhar junto com o

progresso.

Pensando em formação de professores, praticas pedagógica e saberes docentes, o

trabalho apresentando por Nunes (2001) identifica nas pesquisas sobre formação de

professores a importância de se analisar a questão da prática pedagógica. Conforme Nunes

(2001), a partir da década de 1990, o desenvolvimento de pesquisa sobre a complexidade da

prática pedagógica e dos saberes docentes, buscam resgatar o papel do professor a

importância de se pensar na formação numa abordagem que vá além da acadêmica. Os

estudos passaram a reconhecer e considerar os saberes construídos pelos professores, que não

eram levados em consideração. A partir da valorização da formação de professores é que os

estudos sobre os saberes docentes ganham impulsos e começam a aparecer na literatura, numa

busca de se identificar os diferentes saberes implícitos na prática docente.

A educação é vista como um componente na busca por um mundo melhor, no qual o

professor precisa ter o compromisso de reconhecer a sua profissão, identificar que saberes

devem ser usados em sua prática, quais não são mobilizados ou que deveriam ser, que saberes

não foram ainda identificados, assumindo assim o seu lugar, oferecendo a sua parcela de

contribuição na busca de um mundo mais justo, de esperança e não de medo, para que as

mudanças necessárias se realizem (MEDEIROS, 2005).

As dificuldades dos docentes em compreender e saber como lidar com

comportamentos de indisciplinas e violência no cotidiano escolar advêm de uma formação

inicial e continuada inadequada para lidar com a questão da violência. É fundamental que

fenômenos como agressividade e violência sejam discutidos, analisados e aprofundados na

universidade e posterior nos programas de formação continuada.

Aprofundar o conhecimento sobre as manifestações de agressividade que vem

provocando bullying é de fundamental importância para auxiliar na construção de uma

proposta de intervenção na escola e de programas de formação inicial e continuada aos

professores.

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Métodos

A presente pesquisa, de natureza qualitativa, caracteriza-se como um estudo de caso.

Nessa modalidade de estudo o ambiente escolhido, para investigação - no caso desse estudo, a

escola - constitui-se a fonte direta de coleta de dados e o pesquisador deve ter uma relação

dinâmica com o(s) sujeito(s) para uma melhor interpretação dos fenômenos que serão

pesquisados.

A pesquisa qualitativa segundo Minayo (2007, p. 21): [...] trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças dos valores e das atitudes, o que corresponde ao espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos humanos parte da realidade social.

O estudo de caso foi realizado em uma escola pública do município de Pirapozinho

que faz parte da Diretoria de Ensino de Presidente Prudente (SP). Esta instituição atende

alunos do Ensino Fundamental (6º a 9º ano) e Ensino Médio (1º a 3º Ano). Participaram dessa

pesquisa 20 professores que atuam em diferentes níveis de ensino. Foi aplicado um

questionário com perguntas abertas e fechadas. As questões fechadas objetivaram traçar o

perfil profissional dos sujeitos da pesquisa.

As questões abertas pretendiam identificar as concepções de violência dos professores;

tipos de violência que consideram mais frequentes na escola; concepção de bullying;

procedimentos que utilizam para contenção do bullying na escola; formação inicial e

continuada para atuarem como agentes na prevenção do bullying na escola.

Os dados obtidos por meio do questionário foram categorizados e submetidos a

procedimento de análise qualiquantitativo. Para representar em gráficos os resultados foi

utilizado o programa Excel versão 2007.

Resultados

Tendo como objetivo identificar como os professores concebem a violência na escola

foi feito a seguinte pergunta: o que é violência para você? Do total de professores

investigados 35% responderam que violência é falta de respeito para com os outros; 31%

assegura que violência é agressão física; para 28% é agressão verbal e somente 6%

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41%

29%

21%

9%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45%

Agressão verbal

Agressão física

Bullying

Falta de respeito

35%

31%

28%

6%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35%

Falta de respeito

Agressão física

Agressão verbal

Agressão psicológia

responderam que violência é agressão psicológica. O gráfico a seguir retrata as concepções de

violência sustentadas pelos professores.

Figura 1 – Concepção de violência dos professores

A segunda questão indagava aos professores se estes consideravam sua escola

violenta. Do total de professores investigados, 55% concordam que sim e, 45% não

consideram sua escola violenta.

Foi solicitado que os docentes apresentassem os tipos de violência mais frequentes

entre os alunos de sua escola. Para 41% dos professores a forma de violência mais frequente é

a agressão verbal; 29% relatam que agressão física é a modalidade que mais ocorre; 21%

apontam o bullying e somente 9% dos professores relataram que a forma de violência mais

frequente é a falta de respeito.

Figura 2 - Tipos de violência mais frequente na escola

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29%

28%

14%

11%

6%

6%

3%

3%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30%

Violencia verbal

Humilhar as pessoas

Violencia física

Coação contra o próximo

Colacar apelidos no outro

Discriminar as pessoas

Degradação Humana

Falta de respeito com o outro

53%

18%

14%

11%

4%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%

Conversa com os alunos

Comunica a direção

Conscientizar os alunos

Dinâmicas e textos sobre bullying

Tomar as providências necessárias

Em se tratando da concepção de bullying, para 29% dos professores entrevistados o

bullying é violência verbal; 28% considera que significa humilhar as pessoas; 14% entendem

como uma forma de violência física; 11% é coação contra o próximo, para 6% é colocar

apelidos no outro e discriminar as pessoas e 3% acreditam que o bullying consiste em uma

falta de respeito com o outro e degradação humana.

Figura 3 – Concepção de Bullying

Com relação à questão o bullying acontece em sua sala de aula? 70% dos professores

confirmam que ocorre, porém 30% alegam que não ocorre.

Indagamos ainda sobre quais procedimentos os professores utilizam em sala diante de

uma ocorrência de bullying. Segundo 53% dos sujeitos, utilizam a conversa com os alunos

para conterem a agressão; um total de 18% comunica a direção; 14% tenta conscientizar os

alunos; 11% utilizam-se de dinâmica e textos para discussão sobre bullying e 4% alegam que

tomam as providencias necessárias.

Figura 4 - Procedimentos utilizados pelos professores para conter a violência

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Por fim, interrogou-se aos professores se receberam alguma formação inicial e

continuada para lidar com o bullying na escola. No quesito formação inicial 90% dos

professores alegam que não receberam conhecimento algum na universidade que os

capacitasse para lidar com o bullying. Apenas 10% receberam algum conhecimento específico

sobre o bullying. No ítem formação continuada constatou-se que 80% dos professores não

recebem nenhum tipo de formação especifica para atuar como agente de prevenção do

bullying na escola ao passo que somente 20% alegam receberem esse tipo de formação.

Discussão dos Resultados

Com objetivos de identificar o que os professores compreendem por violência e

bullying na escola e verificar se esses docentes receberam formação inicial e continuada para

atuarem como agente de prevenção do bullying escolar foi aplicado um questionário contendo

questões abertas e fechadas para vinte professores de uma escola estadual do município de

Pirapozinho (SP).

Os dados coletados e submetidos a um tratamento de análise qualiquantitativa

revelaram que, para os professores, violência caracteriza-se como falta de respeito, agressão

física verbal e psicológica. Esses dados corroboram com a definição proposta por Abramovay

e Rua (2003) que concebem violência como todo tipo de interferência física, verbal ou

simbólica praticada contra a integridade de outros sujeitos ou contra si próprio. Nesse sentido,

a compreensão de violência revelada por meio do discurso desses sujeitos, não se distancia da

definição proposta pelos teóricos que discutem sobre o assunto.

Quando questionados se consideravam a escola em que atuam como violenta, pouco

mais do que a metade dos professores (55%) afirmaram que sim. Por outro lado, um grupo

(45%) afirma que não há violência em sua escola. Contrapondo-se ao grupo que não

considera a escola como violenta, Szymanski (2002) e Fante (2005) enfatizam que a violência

escolar vem aumentando nos últimos anos; esse fenômeno tem resultado em um constante

patrulhamento policial nas escolas o que mostra como é grave os atos praticados em seu

interior.

Quanto aos tipos de violência mais frequentes na escola, os professores apontam a

violência verbal, a agressão física, o bullying e falta de respeito. Dentre essas, a modalidade

que obteve maior percentual foi a agressão verbal (41%). Dados correspondentes foram

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encontrados por Saul (2004; 2010) e Batista (2011). Conforme essas autoras a modalidade de

violência mais corriqueira e frequente, apontadas pelos sujeitos de suas pesquisas, é a

violência verbal. Essa forma de violência, aparentemente menos grave, é responsável pelo

desencadear de outras formas de violência na escola.

Foi solicitado que os professores definissem bullying. Conforme esses atores bullying

é, basicamente, violência verbal (29%) e humilhação (28%) contra as pessoas. Embora a

definição apresentada não se distancie do conceito proposto pelos estudiosos do tema

(FANTE, 2005; LEME, 2009), fica evidente que na concepção desses sujeitos, esta forma de

violência não se diferencia de outras. Conforme Fante (2005), o bullying caracteriza-se como

uma forma de violência especifica que acontece de forma repetitiva e prolongada, ou seja, não

foi apontado pelos os professores investigados essas duas características marcantes do

bullying.

Decorrente da definição imprecisa dada pelos professores ao bullying, quando

questionados se esse fenômeno acontecia em sua sala de aula, um elevado percentual desses

sujeitos (70%) alegou perceber a ocorrência de bullying dentro das classes. Esse fato sugere

que esse percentual pode ser maior ou menor, pois como observado, os professores não

demonstram ter clareza do conceito de bullying na escola. Perrenoud (1999) enfatiza que as

constantes transformações socioculturais, também responsáveis pelo agravamento da

violência na escola, lança sobre esta e sobre o professor o desafio de acompanhar tais

mudanças. Nesse sentido, é necessário reforçar o processo de formação docente, de modo que

garanta a este capacidade de lidar com questões tão complexas como é o caso da violência

escolar.

Quando questionados sobre quais procedimentos utilizam para conter o bullying, a

estratégia mais destacada pelos professores foi a realização da conversa (diálogo) com os

alunos (53%). O diálogo apontado pelos professores, certamente constitui estratégia mais

assertiva no trato com todas as formas de violência na escola. Ele tem sido apontado, por

muitos estudiosos, como uma estratégia eficaz de resolução conflitos, envolvendo ou não a

violência, e como necessário para construção de uma cultura de paz nas escolas (GALVÃO,

2004, LEME, 2006, MALDONADO, 1997, MORGADO; OLIVEIRA, 2009). Segundo

Möllmann (2009), o diálogo faz parte essencial da educação para a paz, e precisa ser

estimulado e exercido como tal. Escolas democráticas são aquelas que, ao contrário de

transferirem o problema para família ou especialistas, utilizam o diálogo permanente

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(CHRISPINO, 2007, TOGNETTA; VINHA, 2009). Todavia a falta de preparo de uma parte

dos docentes (18%) leva-nos a fazerem encaminhamentos à direção. Conforme Aquino (1998)

esse despreparo gera como palavra de ordem os “encaminhamentos”. Assim, o aluno

indisciplinado/violento é encaminhado para o coordenador, para o diretor, para os pais ou

para o conselho tutelar. Na impossibilidade de resolução do problema, a escola decide por

transferência do aluno “problemático”, ou convida para se “auto-retirar”.

Conscientizar os alunos (14%) e trabalhar com dinâmicas e textos sobre o bullying

(11%) são, também estratégias apontadas pelos docentes. Porém, apenas uma minoria, utiliza-

se dessas estratégias. Seria necessário que os professores incluíssem transversalmente, tal

como proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 2006), o tema da

violência, uma vez que este fenômeno tem se intensificado no contexto escolar. Conforme

Damasceno e Silva (1996) (apud NUNES 2001), as dificuldades dos docentes em

compreender e saber como lidar com comportamentos de indisciplinas e violência no

cotidiano escolar advêm de uma formação inicial e continuada inadequada para lidar com a

questão. É fundamental que fenômenos como agressividade e violência sejam discutidos,

analisados e aprofundados na universidade e em processos formativos posteriores.

Um dos aspectos mais importantes para que o professor possa atuar como agente de

prevenção das diferentes formas de violência escolar é a formação continuada em serviço (nos

HTPCs) e em cursos de aperfeiçoamento dentro ou fora da instituição. No entanto, quando

indagados se recebiam esse tipo de formação, a resposta foi desalentadora, pois 80% alegaram

não terem recebido formação alguma dessa natureza. Freire (1996) destaca que, a

continuidade na formação, possibilita ao professor renovar seus conhecimentos, e construir

saberes necessários à prática educativa e as necessidades de seus alunos.

Por fim, foi questionado aos docentes se receberam na Universidade algum

conhecimento específico para lidar com o bullying. Os dados mostram-se ainda mais

alarmantes, pois, a grande maioria dos professores entrevistados (90%) é enfática em

afirmar que não recebeu nenhum tipo de formação inicial para lidar com esse tipo de

violência. Tardif (2002) argumenta que os saberes transmitidos pelas instituições de

formação de professores, na formação inicial, são fundamentais a prática docente. Nesse

sentido, o processo de formação inicial não podem se limitar a produzir conhecimentos, mas

devem garantir que estes sejam incorporados à prática do professor.

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Considerações Finais

Os dados e a discussão empreendida evidenciam que a violência constitui um dos

grandes problemas da educação contemporânea. O professor, enquanto agente social pode

atuar como peça fundamental no trabalho de prevenção, redução e enfrentamento da violência

que se manifesta intramuros escolar. Para tanto é necessário que este agente de transformação

social seja capacitado durante seu processo de formação inicial e durante sua atuação prática

na escola, para esta tarefa. Porém, e ao que tudo indica, o processo formativo ao qual esse

sujeito tem sido submetido mostra-se frágil, para tamanha responsabilidade docente. Nesse

sentido, provavelmente são os saberes construídos coletivamente pelos professores e na

prática cotidiana na escola que tem orientado os “encaminhamentos”, bem como as estratégias

utilizadas por estes sujeitos na resolução dos conflitos envolvendo a violência e o bullying na

escola. É certo que os saberes da prática não devem ser considerados menos importantes, pois

estes resultam muitas vezes de uma experiência positiva. Entretanto, em alguns casos, eles

precisam ser confrontados com os saberes disciplinares a fim de que as estratégias utilizadas

no trato com a violência sejam assertivas.

Nesse sentido, é necessário repensar a formação dos professores de modo que lhes

seja garantido conteúdos que os preparem para atuar nessa nova realidade cujo fenômeno da

violência impõe-se como desafio.

REFERÊNCIAS

ABRAMO, Perseu. Pesquisa em Ciências Sociais. In: HIRANO, Sedi (org.). Pesquisa Social, projeto e planejamento. São Paulo: Queiroz, 1979. p. 21-88. ABRAMOVAY, Miriam; RUA, Maria das Graças. Violências nas escolas. Brasília: Pitágoras Unesco, 2003. AQUINO, J. G. A violência escolar e a crise da autoridade docente. Caderno Cedes, São Paulo, n°. 47, p. 7-19, dez. 1998. BATISTA, Jaqueline B. O. Costa. Adolescência e Violência Escolar: das Representações Sociais às Propostas de Prevenção. 2011. 239 p. Tese (Doutorado em Psicologia da Educação). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. CARAM, Dalto. Violência na Sociedade Contemporânea. Rio de Janeiro: Vozes, 1978. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Temas Transversais. Brasília. 2006.

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