violÊncia escolar: o fenÔmeno bullying e a...
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VIOLÊNCIA ESCOLAR: O FENÔMENO BULLYING E A FORMAÇÃO
DOCENTE
FARIA, Ana Claudia Andrade – UNOESTE
COSTA, Jaqueline Batista de Oliveira – UNOESTE [email protected]
Eixo Temático: Violências nas escolas
Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Dentre as formas de violência que se manifesta no contexto escolar, a prática do bullying vem se destacando. Nesse sentido este trabalho tem como objetivos identificar o que os professores compreendem por violência e bullying na escola e verificar se estes docentes receberam formação inicial e continuada para atuarem como agentes de prevenção do bullying escolar. Trata-se de uma investigação de caráter qualitativo que foi realizada em uma escola pública do município de Pirapozinho (SP). Participou do estudo um grupo formado por vinte professores. Foi utilizado como instrumento de coleta de dados um questionário com perguntas abertas e fechadas. Dos vinte professores entrevistados, 35% destacam que a violência manifesta-se na escola pela falta de respeito com o próximo, 31% por meio de agressões físicas e outros 26% através da agressão verbal. A maioria dos docentes (70%) admitem que o bullying ocorre em sua sala de aula, entretanto, 30% não identifica essa violência em sua classe. Dos professores entrevistados 90% afirmam que não receberam nenhum conteúdo específico na universidade para lidar com bullying. O dado torna-se ainda mais agravante quando 80% dos docentes denunciam que não recebem formação continuada em serviço, para atuarem como agentes na prevenção do bullying. Os dados revelam que os saberes docentes necessários à prevenção do bullying na escola, não são garantidos aos professores por meio de cursos de formação inicial ou continuada. Nesse sentido, inferimos que estes sujeitos lidam com a violência na escola, fundamentados, apenas, em saberes advindos da experiência construída no dia-a-dia da instituição escolar. Palavras-chave: Violência. Bullying. Saberes Docentes.
Introdução
A agressividade e a violência escolar vêm apresentando um aumento bastante
significativo, o que acarretou em um constante patrulhamento policial nas escolas, decorrente
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da gravidade dos atos praticados em seu interior (SZYMANSKI et all, 2002; FANTE, 2005).
Diante das circunstâncias atuais que envolvem violência e que persistem no contexto
educacional, a prática do bullying vem se destacando.
O bullying escolar consiste em um conjunto de agressões morais ou físicas que
acontece de forma repetitiva contra um determinado indivíduo, no interior das instituições
escolares, merecendo cada vez mais a atenção dos profissionais da educação. Consiste em um
tipo de violência que
[...] se apresenta de forma velada, por meio de um conjunto de comportamentos cruéis, intimidadores e repetitivos, prolongadamente contra uma mesma vítima, e cujo poder destrutivo é perigoso à comunidade escolar e à sociedade como um todo, pelos danos causados ao psiquismo dos envolvidos (FANTE, p. 21, 2005).
As conseqüências e causas do fenômeno bullying devem ser amplamente discutidas e
analisadas pela sociedade para que seja possível intervir e tentar evitar mais esse mal que está
tomando o interior das escolas.
Nessa perspectiva, o presente trabalho de pesquisa teve como objetivos identificar o
que os professores compreendem por violência e bullying na escola e verificar se esses
docentes receberam formação inicial e continuada para atuarem como agentes de prevenção
do bullying escolar.
A Violência na sociedade contemporânea e na escolar
Violência tem se tornado o tema central das discussões em nossa atual sociedade.
Estudiosos procuram achar os motivos que estão levando ao aumento do índice da violência,
bem como os meios para combatê-la ou diminuí-la.
Abramovay e Rua definem violência como:
[...] intervenção física de um indivíduo ou grupo contra a integridade de outro (s) grupo (s) e também contra si mesmo – abrangendo desde suicídios, espaçamentos de vários tipos, roubos, assaltos e homicídios até a violência no trânsito disfarçada sob a denominação de “acidentes”, além de diversas formas de violência verbal, simbólica e institucional (2003, p.27).
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A violência está presente de várias formas, na pobreza, na exploração econômica,
preconceitos de raça, religião, etc. Sempre os atingidos serão os mais fracos e vulneráveis.
As escolas vêm sendo alvo de grande violência, gerando um problema social que se
manifesta de diversas formas entre todos os envolvidos no processo educativo. A violência
escolar vem ocupando os noticiários do dia-a-dia em todo o mundo, preocupando a sociedade
em geral, ou seja, as autoridades, a comunidade, os pais, professores, diretores, alunos, que
estão cada vez mais amedrontados com essa violência que vêm adentrando nossas escolas.
Abramovay e Rua (2003) destacam que a escola não é mais um lugar garantido de
integração social, de socialização ou de um espaço resguardado, pois se transformou em um
ambiente de freqüentes ocorrências violentas. A instituição escolar não deveria ser lugar de
violência, mas, ao contrário deveria ser um ambiente especial, propício à construção de
valores como o respeito ao próximo, pautados na amizade, harmonia e integração das pessoas.
A violência escolar requer um olhar mais atento por todos educadores. Estes não
podem reduzir a análise da violência apenas ao momento de uma briga entre dois alunos ou
entre um professor e aluno. É necessário parar, pensar e estudar todos os aspectos que
contribuem para potencializar a violência na escola e assim criar alternativas para sua
prevenção.
Na realidade, escola se constitui em um espaço que não é imune às questões que
acontecem na sociedade, nela se refletem os problemas com os quais nos deparamos na
atualidade e entre estes se encontra a violência em suas diferentes manifestações. (FANTE,
2005). Nela o bullying é uma das expressões de violência mais freqüentes e, ao mesmo tempo
mais ignoradas pela sociedade e o meio escolar. Sem dúvida, o bullying tem contribuído para
intensificação dos conflitos entre alunos.
Assim as sequelas físicas, psicológicas e emocionais profundas, sofridas pelos alunos
vítimas podem levar até mesmo a evasão escolar e perda de interesse pela escola. Fante
(2005) e Guareschi (2008) (apud CEZAR, BARROS, 2008) afirmam que o bullying:
é a forma de violência mais cruel, pois tal nível de agressividade torna suas vítimas reféns da ansiedade e de emoções que interferem negativamente nos seus processos de aprendizagem e convívio social, devido à excessiva mobilização de emoções de medo, de angústia e de raiva reprimida. Isso pode ser decisivo no incentivo à evasão escolar e ao ingresso desses alunos no mundo das drogas e do crime, bem como formar uma geração de pessoas psicologicamente desestruturadas, que poderão vir a cometer violência doméstica e adotar características anti-sociais (p. 28.29).
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Uma das medidas que podem ser tomadas diante dessa violência escolar que a cada
dia parece se intensificar é garantir a formação de profissionais compromissados com a
escola, para que possam contribuir na prevenção a violência. É necessário, porém, que todos
os envolvidos com a educação (família, comunidade, gestores, educadores) valorizem o aluno
e a escola. Para tanto, devem promover, no ambiente escolar, uma cultura da paz na qual, de
acordo com Abramovay e Rua (2003), prevaleça a tolerância, a solidariedade e o
compartilhamento,e o respeito aos direitos de cada um.
Em relação aos problemas de violência que ocorrem na escola, dois questionamentos
ainda precisam ser feitos: O professor recebe uma formação inicial e contínua adequada para
lidar com as diversas situações decorrentes da violência que acontecem no ambiente escolar?
Quais saberes os professores mobilizam em sua prática pedagógica diante de uma situação
que envolve conflitos violentos?
Formação e saberes docentes para atuarem na prevenção do bullying
Segundo Perrenoud (1999) as sociedades estão em constante transformação. As
tecnologias mudam o trabalho, a comunicação, a vida cotidiana e mesmo o pensamento. As
desigualdades se deslocam, se agravam e se recriam em novos territórios. A exacerbação da
violência na escola demonstra o processo de mudança sociocultural pela qual nossa sociedade
vem passando nos últimos anos.
Dessa forma devemos pensar que se a sociedade muda, a escola deve evoluir com ela,
pois quem faz parte da escola são pessoas que estão dentro da sociedade em constante
transformação como professores e alunos. Nesse contexto, segundo o mesmo autor convém
reforçar a formação do docente visando uma prática reflexiva, voltada para a renovação e
cooperação, promovendo assim uma relação menos temerosa e individualista com a
sociedade.
Perrenoud (1999) afirma que é preciso ancorar a prática reflexiva sobre uma base de
competências profissionais:
1. organizar e animar as situações de aprendizagem; 2. gerir o progresso das aprendizagens; 3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação; 4.envolver os alunos nas suas aprendizagens e no seu trabalho; 5. Trabalhar em equipe; 6. participar da gestão da escola; 7. Informar e envolver os pais; 8. servir-se
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de novas tecnologias; 9. enfrentar os deveres e dilemas éticos da profissão; 10. gerir sua própria formação contínua (p.9).
De acordo com Perrenoud (1999) esse saberes devem acompanhar a evolução e o
desenvolvimento da sociedade moderna, ou seja, a educação deve caminhar junto com o
progresso.
Pensando em formação de professores, praticas pedagógica e saberes docentes, o
trabalho apresentando por Nunes (2001) identifica nas pesquisas sobre formação de
professores a importância de se analisar a questão da prática pedagógica. Conforme Nunes
(2001), a partir da década de 1990, o desenvolvimento de pesquisa sobre a complexidade da
prática pedagógica e dos saberes docentes, buscam resgatar o papel do professor a
importância de se pensar na formação numa abordagem que vá além da acadêmica. Os
estudos passaram a reconhecer e considerar os saberes construídos pelos professores, que não
eram levados em consideração. A partir da valorização da formação de professores é que os
estudos sobre os saberes docentes ganham impulsos e começam a aparecer na literatura, numa
busca de se identificar os diferentes saberes implícitos na prática docente.
A educação é vista como um componente na busca por um mundo melhor, no qual o
professor precisa ter o compromisso de reconhecer a sua profissão, identificar que saberes
devem ser usados em sua prática, quais não são mobilizados ou que deveriam ser, que saberes
não foram ainda identificados, assumindo assim o seu lugar, oferecendo a sua parcela de
contribuição na busca de um mundo mais justo, de esperança e não de medo, para que as
mudanças necessárias se realizem (MEDEIROS, 2005).
As dificuldades dos docentes em compreender e saber como lidar com
comportamentos de indisciplinas e violência no cotidiano escolar advêm de uma formação
inicial e continuada inadequada para lidar com a questão da violência. É fundamental que
fenômenos como agressividade e violência sejam discutidos, analisados e aprofundados na
universidade e posterior nos programas de formação continuada.
Aprofundar o conhecimento sobre as manifestações de agressividade que vem
provocando bullying é de fundamental importância para auxiliar na construção de uma
proposta de intervenção na escola e de programas de formação inicial e continuada aos
professores.
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Métodos
A presente pesquisa, de natureza qualitativa, caracteriza-se como um estudo de caso.
Nessa modalidade de estudo o ambiente escolhido, para investigação - no caso desse estudo, a
escola - constitui-se a fonte direta de coleta de dados e o pesquisador deve ter uma relação
dinâmica com o(s) sujeito(s) para uma melhor interpretação dos fenômenos que serão
pesquisados.
A pesquisa qualitativa segundo Minayo (2007, p. 21): [...] trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças dos valores e das atitudes, o que corresponde ao espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos humanos parte da realidade social.
O estudo de caso foi realizado em uma escola pública do município de Pirapozinho
que faz parte da Diretoria de Ensino de Presidente Prudente (SP). Esta instituição atende
alunos do Ensino Fundamental (6º a 9º ano) e Ensino Médio (1º a 3º Ano). Participaram dessa
pesquisa 20 professores que atuam em diferentes níveis de ensino. Foi aplicado um
questionário com perguntas abertas e fechadas. As questões fechadas objetivaram traçar o
perfil profissional dos sujeitos da pesquisa.
As questões abertas pretendiam identificar as concepções de violência dos professores;
tipos de violência que consideram mais frequentes na escola; concepção de bullying;
procedimentos que utilizam para contenção do bullying na escola; formação inicial e
continuada para atuarem como agentes na prevenção do bullying na escola.
Os dados obtidos por meio do questionário foram categorizados e submetidos a
procedimento de análise qualiquantitativo. Para representar em gráficos os resultados foi
utilizado o programa Excel versão 2007.
Resultados
Tendo como objetivo identificar como os professores concebem a violência na escola
foi feito a seguinte pergunta: o que é violência para você? Do total de professores
investigados 35% responderam que violência é falta de respeito para com os outros; 31%
assegura que violência é agressão física; para 28% é agressão verbal e somente 6%
2862
41%
29%
21%
9%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45%
Agressão verbal
Agressão física
Bullying
Falta de respeito
35%
31%
28%
6%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35%
Falta de respeito
Agressão física
Agressão verbal
Agressão psicológia
responderam que violência é agressão psicológica. O gráfico a seguir retrata as concepções de
violência sustentadas pelos professores.
Figura 1 – Concepção de violência dos professores
A segunda questão indagava aos professores se estes consideravam sua escola
violenta. Do total de professores investigados, 55% concordam que sim e, 45% não
consideram sua escola violenta.
Foi solicitado que os docentes apresentassem os tipos de violência mais frequentes
entre os alunos de sua escola. Para 41% dos professores a forma de violência mais frequente é
a agressão verbal; 29% relatam que agressão física é a modalidade que mais ocorre; 21%
apontam o bullying e somente 9% dos professores relataram que a forma de violência mais
frequente é a falta de respeito.
Figura 2 - Tipos de violência mais frequente na escola
2863
29%
28%
14%
11%
6%
6%
3%
3%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30%
Violencia verbal
Humilhar as pessoas
Violencia física
Coação contra o próximo
Colacar apelidos no outro
Discriminar as pessoas
Degradação Humana
Falta de respeito com o outro
53%
18%
14%
11%
4%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%
Conversa com os alunos
Comunica a direção
Conscientizar os alunos
Dinâmicas e textos sobre bullying
Tomar as providências necessárias
Em se tratando da concepção de bullying, para 29% dos professores entrevistados o
bullying é violência verbal; 28% considera que significa humilhar as pessoas; 14% entendem
como uma forma de violência física; 11% é coação contra o próximo, para 6% é colocar
apelidos no outro e discriminar as pessoas e 3% acreditam que o bullying consiste em uma
falta de respeito com o outro e degradação humana.
Figura 3 – Concepção de Bullying
Com relação à questão o bullying acontece em sua sala de aula? 70% dos professores
confirmam que ocorre, porém 30% alegam que não ocorre.
Indagamos ainda sobre quais procedimentos os professores utilizam em sala diante de
uma ocorrência de bullying. Segundo 53% dos sujeitos, utilizam a conversa com os alunos
para conterem a agressão; um total de 18% comunica a direção; 14% tenta conscientizar os
alunos; 11% utilizam-se de dinâmica e textos para discussão sobre bullying e 4% alegam que
tomam as providencias necessárias.
Figura 4 - Procedimentos utilizados pelos professores para conter a violência
2864
Por fim, interrogou-se aos professores se receberam alguma formação inicial e
continuada para lidar com o bullying na escola. No quesito formação inicial 90% dos
professores alegam que não receberam conhecimento algum na universidade que os
capacitasse para lidar com o bullying. Apenas 10% receberam algum conhecimento específico
sobre o bullying. No ítem formação continuada constatou-se que 80% dos professores não
recebem nenhum tipo de formação especifica para atuar como agente de prevenção do
bullying na escola ao passo que somente 20% alegam receberem esse tipo de formação.
Discussão dos Resultados
Com objetivos de identificar o que os professores compreendem por violência e
bullying na escola e verificar se esses docentes receberam formação inicial e continuada para
atuarem como agente de prevenção do bullying escolar foi aplicado um questionário contendo
questões abertas e fechadas para vinte professores de uma escola estadual do município de
Pirapozinho (SP).
Os dados coletados e submetidos a um tratamento de análise qualiquantitativa
revelaram que, para os professores, violência caracteriza-se como falta de respeito, agressão
física verbal e psicológica. Esses dados corroboram com a definição proposta por Abramovay
e Rua (2003) que concebem violência como todo tipo de interferência física, verbal ou
simbólica praticada contra a integridade de outros sujeitos ou contra si próprio. Nesse sentido,
a compreensão de violência revelada por meio do discurso desses sujeitos, não se distancia da
definição proposta pelos teóricos que discutem sobre o assunto.
Quando questionados se consideravam a escola em que atuam como violenta, pouco
mais do que a metade dos professores (55%) afirmaram que sim. Por outro lado, um grupo
(45%) afirma que não há violência em sua escola. Contrapondo-se ao grupo que não
considera a escola como violenta, Szymanski (2002) e Fante (2005) enfatizam que a violência
escolar vem aumentando nos últimos anos; esse fenômeno tem resultado em um constante
patrulhamento policial nas escolas o que mostra como é grave os atos praticados em seu
interior.
Quanto aos tipos de violência mais frequentes na escola, os professores apontam a
violência verbal, a agressão física, o bullying e falta de respeito. Dentre essas, a modalidade
que obteve maior percentual foi a agressão verbal (41%). Dados correspondentes foram
2865
encontrados por Saul (2004; 2010) e Batista (2011). Conforme essas autoras a modalidade de
violência mais corriqueira e frequente, apontadas pelos sujeitos de suas pesquisas, é a
violência verbal. Essa forma de violência, aparentemente menos grave, é responsável pelo
desencadear de outras formas de violência na escola.
Foi solicitado que os professores definissem bullying. Conforme esses atores bullying
é, basicamente, violência verbal (29%) e humilhação (28%) contra as pessoas. Embora a
definição apresentada não se distancie do conceito proposto pelos estudiosos do tema
(FANTE, 2005; LEME, 2009), fica evidente que na concepção desses sujeitos, esta forma de
violência não se diferencia de outras. Conforme Fante (2005), o bullying caracteriza-se como
uma forma de violência especifica que acontece de forma repetitiva e prolongada, ou seja, não
foi apontado pelos os professores investigados essas duas características marcantes do
bullying.
Decorrente da definição imprecisa dada pelos professores ao bullying, quando
questionados se esse fenômeno acontecia em sua sala de aula, um elevado percentual desses
sujeitos (70%) alegou perceber a ocorrência de bullying dentro das classes. Esse fato sugere
que esse percentual pode ser maior ou menor, pois como observado, os professores não
demonstram ter clareza do conceito de bullying na escola. Perrenoud (1999) enfatiza que as
constantes transformações socioculturais, também responsáveis pelo agravamento da
violência na escola, lança sobre esta e sobre o professor o desafio de acompanhar tais
mudanças. Nesse sentido, é necessário reforçar o processo de formação docente, de modo que
garanta a este capacidade de lidar com questões tão complexas como é o caso da violência
escolar.
Quando questionados sobre quais procedimentos utilizam para conter o bullying, a
estratégia mais destacada pelos professores foi a realização da conversa (diálogo) com os
alunos (53%). O diálogo apontado pelos professores, certamente constitui estratégia mais
assertiva no trato com todas as formas de violência na escola. Ele tem sido apontado, por
muitos estudiosos, como uma estratégia eficaz de resolução conflitos, envolvendo ou não a
violência, e como necessário para construção de uma cultura de paz nas escolas (GALVÃO,
2004, LEME, 2006, MALDONADO, 1997, MORGADO; OLIVEIRA, 2009). Segundo
Möllmann (2009), o diálogo faz parte essencial da educação para a paz, e precisa ser
estimulado e exercido como tal. Escolas democráticas são aquelas que, ao contrário de
transferirem o problema para família ou especialistas, utilizam o diálogo permanente
2866
(CHRISPINO, 2007, TOGNETTA; VINHA, 2009). Todavia a falta de preparo de uma parte
dos docentes (18%) leva-nos a fazerem encaminhamentos à direção. Conforme Aquino (1998)
esse despreparo gera como palavra de ordem os “encaminhamentos”. Assim, o aluno
indisciplinado/violento é encaminhado para o coordenador, para o diretor, para os pais ou
para o conselho tutelar. Na impossibilidade de resolução do problema, a escola decide por
transferência do aluno “problemático”, ou convida para se “auto-retirar”.
Conscientizar os alunos (14%) e trabalhar com dinâmicas e textos sobre o bullying
(11%) são, também estratégias apontadas pelos docentes. Porém, apenas uma minoria, utiliza-
se dessas estratégias. Seria necessário que os professores incluíssem transversalmente, tal
como proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 2006), o tema da
violência, uma vez que este fenômeno tem se intensificado no contexto escolar. Conforme
Damasceno e Silva (1996) (apud NUNES 2001), as dificuldades dos docentes em
compreender e saber como lidar com comportamentos de indisciplinas e violência no
cotidiano escolar advêm de uma formação inicial e continuada inadequada para lidar com a
questão. É fundamental que fenômenos como agressividade e violência sejam discutidos,
analisados e aprofundados na universidade e em processos formativos posteriores.
Um dos aspectos mais importantes para que o professor possa atuar como agente de
prevenção das diferentes formas de violência escolar é a formação continuada em serviço (nos
HTPCs) e em cursos de aperfeiçoamento dentro ou fora da instituição. No entanto, quando
indagados se recebiam esse tipo de formação, a resposta foi desalentadora, pois 80% alegaram
não terem recebido formação alguma dessa natureza. Freire (1996) destaca que, a
continuidade na formação, possibilita ao professor renovar seus conhecimentos, e construir
saberes necessários à prática educativa e as necessidades de seus alunos.
Por fim, foi questionado aos docentes se receberam na Universidade algum
conhecimento específico para lidar com o bullying. Os dados mostram-se ainda mais
alarmantes, pois, a grande maioria dos professores entrevistados (90%) é enfática em
afirmar que não recebeu nenhum tipo de formação inicial para lidar com esse tipo de
violência. Tardif (2002) argumenta que os saberes transmitidos pelas instituições de
formação de professores, na formação inicial, são fundamentais a prática docente. Nesse
sentido, o processo de formação inicial não podem se limitar a produzir conhecimentos, mas
devem garantir que estes sejam incorporados à prática do professor.
2867
Considerações Finais
Os dados e a discussão empreendida evidenciam que a violência constitui um dos
grandes problemas da educação contemporânea. O professor, enquanto agente social pode
atuar como peça fundamental no trabalho de prevenção, redução e enfrentamento da violência
que se manifesta intramuros escolar. Para tanto é necessário que este agente de transformação
social seja capacitado durante seu processo de formação inicial e durante sua atuação prática
na escola, para esta tarefa. Porém, e ao que tudo indica, o processo formativo ao qual esse
sujeito tem sido submetido mostra-se frágil, para tamanha responsabilidade docente. Nesse
sentido, provavelmente são os saberes construídos coletivamente pelos professores e na
prática cotidiana na escola que tem orientado os “encaminhamentos”, bem como as estratégias
utilizadas por estes sujeitos na resolução dos conflitos envolvendo a violência e o bullying na
escola. É certo que os saberes da prática não devem ser considerados menos importantes, pois
estes resultam muitas vezes de uma experiência positiva. Entretanto, em alguns casos, eles
precisam ser confrontados com os saberes disciplinares a fim de que as estratégias utilizadas
no trato com a violência sejam assertivas.
Nesse sentido, é necessário repensar a formação dos professores de modo que lhes
seja garantido conteúdos que os preparem para atuar nessa nova realidade cujo fenômeno da
violência impõe-se como desafio.
REFERÊNCIAS
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