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VIOLÊNCIA E INDISCIPLINA NA ESCOLA: COMPREENDER PARA INTERVIR Autora: Soeli Terezinha Scorsim Profª PDE Orientadora: Maria das Graças do Espírito Santo Tigre Mestre em Educação – Professora de Didática da UEPG Resumo: O presente artigo faz parte das atividades de formação continuada previstas ao professor PDE. O mesmo trata da temática da violência e indisciplina na escola. O trabalho discute a evolução do conceito de violência e as suas diversas manifestações no ambiente escolar. Aponta a metodologia utilizada e a sua aplicabilidade à situação. Aborda a caracterização da escola alvo, busca traçar o perfil dos alunos e as características da comunidade, em que a escola está inserida. Destaca também a trajetória percorrida durante a intervenção. Culmina com uma análise sobre a intervenção, a metodologia utilizada e os resultados parciais dos trabalhos, em que se verificou a aplicabilidade da metodologia utilizada no contexto, ambiente escolar. Palavras-chave: Violência na escola. Indisciplina. Intervenção. Contratos pedagógicos. Assembléias de classe. Abstract: This article is part of the activities of continuing education provided to the PDE teacher. It deals with the topic Indiscipline and Violence at school. This article discusses the evolution of the violence concept and its various manifestations into the school space. Indicates the methodology and its applicability to the situation. It approaches the characterization of the school at issue, tries to trace the students’ profile and the characteristics of the community, where the school is inserted. It also highlights the trajectory covered during the intervention. Culminates with an analysis of the intervention, the methodology used and the partial results of the works, where the methodology applicability used in context, the school space, was found to succeed. Key words: Violence at school. Indiscipline. Intervention. Teaching Contracts. Class Assemblies. 1 INTRODUÇÃO Este artigo é resultado da necessidade sentida em intervir na problemática da violência, fenômeno observado freqüentemente na sociedade e que ressoa no ambiente escolar, mesmo apresentando-se de diferentes formas, rompendo com o

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VIOLÊNCIA E INDISCIPLINA NA ESCOLA: COMPREENDER PAR A

INTERVIR

Autora: Soeli Terezinha Scorsim Profª PDE

Orientadora: Maria das Graças do Espírito Santo Tigre

Mestre em Educação – Professora de Didática da UEPG

Resumo: O presente artigo faz parte das atividades de formação continuada previstas ao professor PDE. O mesmo trata da temática da violência e indisciplina na escola. O trabalho discute a evolução do conceito de violência e as suas diversas manifestações no ambiente escolar. Aponta a metodologia utilizada e a sua aplicabilidade à situação. Aborda a caracterização da escola alvo, busca traçar o perfil dos alunos e as características da comunidade, em que a escola está inserida. Destaca também a trajetória percorrida durante a intervenção. Culmina com uma análise sobre a intervenção, a metodologia utilizada e os resultados parciais dos trabalhos, em que se verificou a aplicabilidade da metodologia utilizada no contexto, ambiente escolar.

Palavras-chave: Violência na escola. Indisciplina. Intervenção. Contratos

pedagógicos. Assembléias de classe.

Abstract: This article is part of the activities of continuing education provided to the PDE teacher. It deals with the topic Indiscipline and Violence at school. This article discusses the evolution of the violence concept and its various manifestations into the school space. Indicates the methodology and its applicability to the situation. It approaches the characterization of the school at issue, tries to trace the students’ profile and the characteristics of the community, where the school is inserted. It also highlights the trajectory covered during the intervention. Culminates with an analysis of the intervention, the methodology used and the partial results of the works, where the methodology applicability used in context, the school space, was found to succeed.

Key words: Violence at school. Indiscipline. Interv ention. Teaching Contracts. Class Assemblies.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo é resultado da necessidade sentida em intervir na problemática da

violência, fenômeno observado freqüentemente na sociedade e que ressoa no

ambiente escolar, mesmo apresentando-se de diferentes formas, rompendo com o

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ideal da escola, lugar de conhecimento, de educação e de socialização do ser

humano.

Ao longo do mesmo temos um breve relato sobre os trabalhos que

precederam a intervenção, o desenvolvimento de todo o processo, assim como as

primeiras impressões dos resultados, uma vez que intervir na questão da violência e

indisciplina não pode ser pontual e sim processual.

O artigo foi dividido em cinco seções sendo que, a Seção I, denominada A

importância do PDE na formação docente, descreve de forma sucinta a caminhada

que precedeu os trabalhos.

A seção II busca conceituar o termo violência considerando sua evolução, que

serviram de base para o desenvolvimento do trabalho e que foram empregados no

presente artigo.

Na seção III aborda-se a Metodologia utilizada para a execução dos

trabalhos.

A seção IV é dedicada à efetivação dos trabalhos desenvolvidos durante a

Intervenção na realidade escolar. Finalizando, na V seção são apresentadas

algumas considerações e conclusões a respeito dos trabalhos efetivados.

2 A IMPORTÂNCIA DO PDE NA FORMAÇÃO DOCENTE

A Secretaria de Estado de Educação do Paraná (SEED) em parceria com a

Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior instituiu através do

programa PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional, espaço ímpar para a

Formação Continuada dos professores da rede pública estadual.

Preocupados com a formação permanente dos educadores e visando a

melhoria da qualidade de ensino dos nossos educandos oportunizou tempo livre

para os estudos, em parceria com as Instituições Públicas de Ensino Superior do

Paraná, viabilizando “uma real integração entre a formação de graduação e a

formação continuada dos egressos do Ensino Superior” (SEED – Pr, Curitiba, 2006,

p. 02).

Durante um ano letivo, foram efetuados estudos direcionados ao tema

proposto para posterior intervenção para ser articulada a teoria com a prática. Entre

os diversos estudos foi de fundamental importância o Grupo de Estudos criado pela

professora, orientadora do trabalho. No grupo de estudos, foram discutidos textos de

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autores reconhecidos e especializados no estudo do tema violência na escola. Entre

os principais autores destacam-se: Gotzens (2003), Fante (2005), Smith in:

Debarbieux Blaya (2002), Aquino (2003), Fortuna, in: Xavier, Merino (Org.) (2002),

Fernandez (2005). Este espaço serviu para o embasamento teórico, propiciou a

discussão e troca de experiências entre os pares e que muito auxiliou em toda a

jornada de intervenção.

3 ENFOCANDO OS CONCEITOS UTILIZADOS

Hoje, não basta ao professor apenas dominar os conteúdos, é necessário a

ele conhecer o aluno que compõe a sala de aula em sua totalidade, como realmente

se apresenta, seus anseios e também suas atitudes comportamentais. Os

profissionais da educação devem estar preparados para despertar nos alunos o

interesse pelo saber historicamente acumulado, bem como, intervir na indisciplina e

possíveis casos de violências, tanto físicas quanto psicológicas, que ocorrem na

sociedade e que refletem na escola. Apesar de conviver e ter que intervir nessa

situação o currículo de formação dos professores não contempla assuntos relativos

à violência e à indisciplina, isso inviabiliza o preparo sobre a problemática, para a

atuação efetiva e consciente na realidade atual, em que a ação esteja pautada em

medidas preventivas e não repressivas.

É necessário buscar fazer da escola um local onde todos os envolvidos em

educação sintam-se bem e, conseqüentemente, um local propício ao ensino-

aprendizagem.

Na construção do referencial teórico que norteou esse trabalho, foi necessário

partir da definição de violência e indisciplina, pois existe uma grande variedade de

conceitos a respeito dos termos, os quais denominam uma multiplicidade de atos.

Para saber distinguir e identificar cada caso, é importante conceituar os termos,

tanto para melhor compreender o que significam, quanto para que o educador possa

dosar e adequar as penalidades cabíveis, conforme a ação praticada pelo aluno.

O termo “violência” pode ser definido como: “qualidade de violento; ato

violento; ato de violentar; no sentido jurídico: constrangimento físico ou moral; uso

da força; coação” (Ferreira, 1999, p. 2076).

Para conceituar a violência, as formas diferenciadas de percepção e

abrangência, ficam evidentes como podemos notar nos conceitos abaixo:

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Uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação. (OMS, 2002; in: Silva, 2005, p.15) Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais. (Michaud, 2001; in: Silva, 2005, p. 15) A violência tem uma expressão multifacetada: seria tudo o que se vale da força para ir contra a natureza de um agente social; todo ato de força contra a espontaneidade, à vontade e a liberdade de alguém (é coagir, constranger, torturar, brutalizar); todo ato de transgressão contra o que uma sociedade define como justo e como direito. Conseqüentemente, violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e o terror. (Chauí apud Sallas, 1999, p. 25; in: Silva, 2005, p.15).

Analisando esses conceitos, percebemos a forma abrangente em que a

violência se revela e, que as relações escolares estão permeadas pela mesma, tanto

na forma das manifestações ou das medidas adotadas no sentido de coibi-las.

Autores como Dupâquier (1999) alertam sobre a necessidade de estarmos

atentos para os diversos tipos de violência na escola, tanto àqueles que ferem os

direitos humanos, como pela sua expressão e crescimento. A clareza da

conceituação das diferentes manifestações de violência escolar oportunizará a

implementação de medidas de combate específicas.

Para que o trabalho de intervenção seja mais adequado é necessário

considerar os avanços da conceituação de violência escolar. Charlot (1997)

classificou-a em três níveis:

I – Violência – agressões físicas, vandalismo, etc. II – Incivilidade – violências físicas ou psicológicas com caráter de espetáculo. III – Violência simbólica ou institucional – vivenciadas de forma oculta no ambiente escolar e sobre as quais detemos pouco ou nenhum poder decisório.

Estes avanços na conceituação da violência escolar colaboram para definir a

problemática vivenciada nas escolas, pela variedade de situações e formas que

apresentam. Hoje as relações escolares apresentam diferentes

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... formas de conflito que incorporam uma capacidade de resistência ao trabalho com o conhecimento e uma dificuldade em respeitar as normas e regras da escola, expressando-se quer sob uma aparente submissão, quer através de excessos de todos os tipos: depredação, pichações, zombarias, riso, ironia, tagarelice, maus comportamentos, tumulto, atitude de desrespeito, de intolerância aos acordos firmados (TIGRE, 2002, p. 39-40).

Essas atitudes podem ser consideradas como indisciplina, pois se referem à

negação da disciplina, pela quebra de normas, uma vez que disciplina é um

“conjunto de normas e procedimentos dos quais dependem a ordem e a harmonia

de que a sala de aula necessita para poder trabalhar e conviver”. Gotzens (2003, p.

24), tendo como valor básico favorecer a consecução dos objetivos propostos ao

longo do processo de ensino-aprendizagem do aluno (Genovard, Gotzens e

Montane, 1981). Aquele que transgride ou ignora as normas estabelecidas,

demonstra comportamento inadequado.

O termo indisciplina, por sua vez, vem do verbo discere, que significa

aprender. A sua origem etimológica é a mesma que discípulo ou discente. Seu

sentido é muito variado.

No dicionário de Língua Portuguesa é traduzida como

Regime de ordem imposta ou mesmo consentida; ordem que convém ao bom funcionamento de uma organização (escolar, militar); relações de subordinação do aluno ao mestre; observância de preceitos e normas; submissão a um regulamento (Ferreira, 1999, p.689).

Segundo Gotzens, (2003, p. 24) um dos principais obstáculos para o bom

desenvolvimento do tema é o desconhecimento da sua dimensão conceitual.

Segundo a autora, disciplina na perspectiva de ensino “é o conjunto de normas e

procedimentos dos quais dependem a ordem e a harmonia de que a sala de aula

necessita para poder trabalhar e conviver”. Consiste “em um enfoque global da

organização e da dinâmica do comportamento na escola e na sala de aula, coerente

com os propósitos de ensino”.

Os conceitos de indisciplina referem-se essencialmente ao não cumprimento

de regras, conforme conceito abaixo.

indisciplina é não-cumprimento de regras; é rebeldia contra qualquer regra construída; é desrespeito aos princípios de convivência combinados, sem uma justificativa viável; é o não-cumprimento de regras criando transtornos; é a incapacidade de se organizar e de se relacionar de acordo com normas e valores estabelecidos por um grupo “(Fortuna, 2002, p.90)”.

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Outra resposta também revela a idéia de rebeldia quando Fortuna (2002)

afirma que “indisciplina é contestar, rebelar-se e romper com a forma harmônica do

meio”.

No meio escolar percebem-se outras formas atitudinais inadequadas que

podemos classificar como incivilidades, por não se tratar de comportamento ilegal

em seu sentido jurídico, mas infrações à ordem estabelecida, presentes no

cotidiano. Referem-se a condutas de pouca gravidade e previsibilidade, sendo difícil

a sua identificação como as transgressões cotidianas. Engloba comportamentos que

rompem as normas de convivência social e com a expectativa do que é considerada

uma conduta social apropriada, conforme percebemos no conceito abaixo

Por incivilidade se entende uma grande gama de fatos indo da indelicadeza, má criação das crianças ao vandalismo, passando pela presença de vagabundos, grupos juvenis. As incivilidades mais inofensivas parecem ameaças contra a ordem estabelecida transgredindo códigos elementares da vida em sociedade, o código de boas maneiras. Elas podem ser da ordem do barulho, sujeira, impolidez, tudo que causa desordem... (Debaribeux, apud Latterman, 2000, p. 37).

As incivilidades expressam-se na forma de insensibilidade aos direitos

humanos. Como tal não se restringe somente aos comportamentos dos alunos,

estende-se aos problemas administrativos como a inadequação do funcionamento

escolar, a omissão, o desrespeito e falta de diálogo dos profissionais da educação.

No ambiente escolar, expressam-se de formas complexas e atendem a

diferentes finalidades e representam a principal ameaça para o funcionamento e à

convivência no ambiente escolar.

Outra forma de manifestação da violência no cotidiano escolar é o Bullying.

Para a abordagem do tema, o presente artigo baseia-se nos estudos de Fante

(2005). Bullying fenômeno relacionado a atitudes agressivas, intencionais e

repetidas num período prolongado de tempo, ocorrendo sem motivações evidentes

e, em que um ou mais agressores atacam a(s) mesma(s) vítima(s), causando dor,

angústia e sofrimento, levando a vítima à exclusão, causando danos físicos, morais

e materiais, numa relação pautada pelo desequilíbrio de poder.

Ainda segundo a autora, Bullying pode ser definido como “subconjunto de

comportamentos agressivos, caracterizado por sua natureza repetitiva e por

desequilíbrio de poder”, e também pela incapacidade da vítima em defender-se

facilmente.

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Inexiste um termo da língua portuguesa para definir o Bullying. A palavra é de

origem inglesa, adotada para definir o desejo consciente e deliberado de maltratar

uma outra pessoa e colocá-la sob tensão. Nos estudos sobre o problema de

violência escolar é utilizado para conceituar os comportamentos agressivos e anti-

sociais.

A autora apresenta também o significado do termo e as respectivas

definições. Bully (subst.) = valentão, tirano; como verbo = brutalizar, tiranizar,

amedrontar.

Definição: Subconjunto de comportamentos agressivos, caracterizado por sua

natureza repetitiva e por desequilíbrio de poder, caracterizado pelo fato de que a

vítima não consegue se defender com facilidade.

Definição universal: conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas

que ocorrem sem motivação evidente, adotado por um ou mais alunos contra

outro(s), causando dor, angústia e sofrimento, levando a vítima à exclusão,

causando danos físicos, morais e materiais (Fante, 2005, p.28).

Comportamentos deliberados e danosos como; pressão, intimidação,

gozação, apelidos, e outros podem evidenciar o bullying.

Para fins de esclarecimento relatamos algumas ações que caracterizam o

Bullying: apelidar, zoar, gozar, humilhar, causar sofrimento, discriminar, excluir,

isolar, ignorar, perseguir, assediar, aterrorizar, amedrontar, tiranizar, dominar,

agredir, bater, chutar, empurrar, ferir, roubar, quebrar pertences ou usurpá-los.

Podem ocorrer de duas formas, ambas aversivas e prejudiciais ao psiquismo

da vítima. Diretamente, utilizando-se de agressões físicas (bater, tomar pertences)

verbais (insultar, apelidar pejorativa e discriminatoriamente). Indiretamente, forma

que provoca maior prejuízo e pode criar traumas irreversíveis ao psiquismo de suas

vítimas, “acontece através da disseminação de rumores desagradáveis e

desqualificantes, visando à discriminação e exclusão da vítima de seu grupo social”

Fante, 2005, p.50).

4 DEFININDO A METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO

Para o encaminhamento da investigação educativa foi adotada a pesquisa-

ação, por ser o “instrumento ideal para uma pesquisa relacionada à prática” (Engel,

2000), e, hoje amplamente aplicada na área de ensino. Trata-se de uma pesquisa

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participante, empregada para unir a pesquisa à ação, desenvolvendo “o

conhecimento e a compreensão como parte da prática,... uma maneira de se fazer

pesquisa em situações em que também se é uma pessoa da prática e se deseja

melhorar a compreensão desta” (Engel, 2000, p. 182), buscando intervir de modo

inovador, já no decorrer do próprio processo de pesquisa, com o intuito de interferir

no curso dos acontecimentos.

A pesquisa-ação tem a intenção de colaborar com os professores na solução

de seus problemas em sala de aula, envolvendo-os na pesquisa, com o intuito de

melhorarem o processo ensino-aprendizagem em seu ambiente de atuação, pois

fornece subsídios razoáveis para a tomada de decisões, mesmo que de caráter

provisório, levando a soluções imediatas para problemas educacionais urgentes. Na

pesquisa-ação, o objeto de investigação são as ações humanas consideradas

inadequadas e suscetíveis de mudança através de resposta prática. A interpretação

dos dados é baseada “nas representações em que os diversos atores (professores,

alunos, diretores, etc.) têm da situação” (Engel, 2000). Tem por finalidade verificar

se o procedimento de intervenção é eficaz ou não, possibilitando efetivar mudanças

de direção e redefinição, beneficiando o processo.

Essa metodologia é situacional e auto-avaliativa, e, constitui-se em uma

maneira de progresso profissional, uma vez que “parte das preocupações e

interesses das pessoas envolvidas na prática, envolvendo-os em seu próprio

desenvolvimento profissional” (Engel, 2000). É utilizada para implementar a teoria

educacional na prática de sala de aula.

4.1 Caracterização do público alvo

Além de compreender as diversas manifestações da violência na escola,

fundamental para planejarmos ações voltadas à transformação do ambiente escolar

em um espaço mais acolhedor, que proporcione uma convivência harmoniosa, justa,

solidária e de respeito aos direitos de todo ser humano, faz-se necessário

conhecermos a clientela do trabalho. Para tanto partimos de um trabalho de

caracterização da escola alvo, com o objetivo de diagnosticar o problema, e que

servir de base para os estudos, propostas de ações e intervenção direcionada.

Na caracterização foram colhidas informações sobre as características da

comunidade onde a escola está inserida. É uma vila basicamente residencial e sua

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população é de classe média/ baixa e pertencentes a várias correntes religiosas,

dispõe de infra-estrutura básica, possui inúmeras casas de comércio de pequeno

porte. A vila é desprovida de locais de lazer, como clubes, quadras desportivas,

praças e outros, fazendo com que os jovens não disponham de locais próprios para

encontros a não ser o espaço escolar e sua infra-estrutura.

Também foram colhidas informações sobre a estrutura física e material da

escola. O colégio alvo possui boa infra-estrutura e é considerado de médio porte.

Conta com 15 (quinze) salas de aula que funcionam em três turnos, conta também,

com sala de recurso e sala de apoio, além de possuir uma quadra poli-esportiva,

biblioteca com um ótimo acervo bibliográfico, laboratório de informática, de uso

exclusivo de professores e alunos, não disponível para a comunidade externa ao

colégio.

A instituição conta com diversos recursos materiais didático-pedagógicos,

recursos audiovisuais de uso coletivo, onde todos os profissionais têm acesso, em

acordo com a sua função, seu planejamento possibilitando um melhor

desenvolvimento do trabalho escolar.

Os espaços que estão disponíveis na escola são, na medida do possível,

aproveitados da melhor forma para o bom desempenho do aluno, visando ao bem

estar, à socialização e ao aprendizado de uma maneira global.

Foi levantado também o perfil da população atendida pela escola assim como

a relação família-escola-comunidade. Há uma grande diversidade étnica, entretanto,

nos aspectos sócio-econômico, cultural e educacional existe um certo nivelamento.

A renda familiar média fica entre um e três salários mínimos. O grau de instrução

das mães dos alunos concentra-se na primeira fase do ensino fundamental e

geralmente trabalham apenas no lar, as poucas que possuem emprego fora de casa

são em sua maioria mensalistas, diaristas, auxiliares de serviços gerais, operadoras

de caixa, vendedoras.

O nível de instrução dos pais é pouco mais elevado que o das mães,

aparecendo uma porcentagem maior com ensino fundamental completo, outros com

ensino médio, apenas uma quantidade mínima de pais tem curso superior. Em

relação à profissão dos pais há uma ampla variedade, no entanto, é possível

observar que a grande maioria enquadra-se nos trabalhos braçais, nível operacional.

Há um pequeno número de desempregados, aposentados e sub-empregados. Há

também um reduzido número de analfabetos.

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O Colégio atende aos alunos de diversas vilas da região leste da cidade, a

maioria dos alunos vem para o Colégio a pé, poucos se utilizam do transporte

urbano, além, dos provindos da zona rural que necessitam do serviço municipal de

transporte escolar. São atendidos alunos com necessidades especiais e os alunos

das 5as séries com dificuldade na aprendizagem são atendidos na sala de apoio em

contra-turno nas disciplinas de matemática e língua portuguesa.

Apesar da baixa renda familiar, grande parte possui casa própria com água

encanada, energia elétrica e banheiro.

A relação família-escola-comunidade é de importância inquestionável,

entretanto, não há uma relação ativa, ela apresentando-se bastante precária,

limitando-se a informações individuais sobre notas ou para denunciar ou esclarecer

sobre atitudes agressivas em que tenham se envolvido. Devido aos fatores sócio-

econômico e cultural os pais ainda são muito alheios à vida escolar dos filhos,

mantendo-se distante do processo ensino-aprendizagem, relegando aos

profissionais da escola toda a responsabilidade pela educação dos seus filhos.

Todos os pais expuseram que buscam educar seus filhos com base nos

valores morais e éticos tendo como base o respeito, a honestidade, a

responsabilidade e o valor na educação instrucional como meio para a conquista de

um futuro melhor. Tal posicionamento é consoante com a visão dos alunos que em

sua maior parte vêem no estudo o melhor meio para preparar-se para o mundo do

trabalho, ascensão cultural e social para a obtenção de uma melhor qualidade de

vida.

Para a caracterização do grupo de alunos contemplamos a movimentação

dos mesmos nos últimos dois anos (2005-2006), assim como as porcentagens dos

resultados obtidos. Para que se tenha um olhar global da realidade escolar, foi feito

um levantamento dos resultados obtidos pelos alunos em dois anos anteriores, cujos

resultados estão abaixo discriminados.

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Evadidos Reprovados Aproveitamento Séries Total de

Alunos N° % N° %

5ª 287 78 27% 209 73%

6ª 221 74 33% 147 67%

7ª 166 37 22% 129 78% F UND

8ª 153 47 31% 106 69%

1ª 182 97 53% 85 47%

2ª 147 74 50% 73 50% MED

3ª 118 37 31% 81 69% Tabela 1: Porcentagens de resultados obtidos pela movimentação de alunos do ano letivo de 2005

do Colégio Pe. Carlos Zelesny – EFM.

Evadidos Reprovados

Aproveitamento Séries Total de

Alunos N° % N° %

5ª 314 63 20% 251 80%

6ª 272 79 29% 196 72%

7ª 145 34 23% 111 77% F UND

8ª 162 22 14% 140 86%

1ª 226 76 34% 150 66%

2ª 153 41 27% 112 73% MED

3ª 116 32 28% 84 72% Tabela 2: Porcentagens de resultados obtidos pela movimentação de alunos do ano letivo de 2006.

Analisando estes dados, constatamos que o menor índice de aproveitamento

encontra-se no período noturno especificamente no ensino médio, o que motivou a

intervenção.

O trabalho de intervenção encontra-se apoiado no Projeto Político

Pedagógico da escola que contempla em seus objetivos:

− Refletir criticamente sobre a realidade do nosso colégio, possibilitando a seleção

de valores a serem atingidos e consolidados à busca de pressupostos teóricos e

metodológicos postulados por todos da comunidade escolar.

− Dar condições para a implementação de práticas pedagógicas que contribuem

para o projeto social de cidadania.

− Enfrentar o desafio da mudança e da transformação constante que a sociedade

sofre e que atingem, também e/ou principalmente, as instituições de ensino.

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Com esses dados em mãos definiu-se o público alvo, 1ª série do Ensino

Médio do turno noturno de um colégio da rede estadual de ensino, localizado na

periferia da cidade de Ponta Grossa – Paraná, assim como a linha de intervenção:

combate e prevenção da violência e indisciplina.

5 EFETIVAÇÃO DO TRABALHO

5.1 Relatando a intervenção

Identificar as diferentes manifestações da violência é primordial para que se

dirijam ações eficazes no sentido de amenizá-las possibilitando a construção de um

ambiente mais propício à tarefa educativa.

Devido à complexidade e abrangência do tema, o problema da violência

escolar e suas diversas formas de manifestação, assim como a sua interferência no

processo ensino-aprendizagem, optou-se pela intervenção na problemática violência

e indisciplina.

Para a coleta dos dados, que serviram de base para a elaboração do

presente artigo, foram utilizados os seguintes instrumentos: reuniões com

professores, com alunos, questionários semi-estruturados, observações, análise

documental. Esta pesquisa-ação envolveu principalmente professores e alunos uma

vez que a relação interpessoal entre eles é mais intensa no processo ensino-

aprendizagem.

Após a coleta de dados optou-se pela intervenção especificamente sobre a

violência e indisciplina, visto que, a problemática necessita de tratamento preventivo

e não terapêutico, como normalmente ocorre no colégio alvo da intervenção.

Verificou-se também que a repressão e a punição são muitas vezes excludentes e

ineficientes não desencadeando mudanças comportamentais positivas e

duradouras. A tomada de consciência de que existe um problema e que deve ser

abordado junto à coletividade dando-se ênfase no caráter educativo em detrimento

do punitivo, motiva a tentativa de implementar ações preventivas de conflitos, para

melhorar as relações interpessoais na classe e na escola em geral.

Tendo como foco essas constatações é que a implementação contemplou

atividades no sentido de valorização da vida, resgate de valores essenciais à

convivência respeitosa e harmônica. As atividades envolveram principalmente

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professores e alunos uma vez que a relação interpessoal entre eles é mais intensa

no processo ensino-aprendizagem.

A Intervenção junto aos docentes teve como foco sensibilizar os docentes

sobre a problemática, mobilizando-os para trabalhar com a violência e a indisciplina,

e também apresentar a proposta de intervenção.

A primeira etapa, com início na semana pedagógica referiu-se à apresentação

da proposta à comunidade escolar: diretores, pedagogos, professores e

funcionários. Através da mensagem “Utopia” buscou-se chamar a atenção para a

inversão de valores da atualidade. Seguindo-se de atividade com ênfase direcionada

aos problemas disciplinares e às diversas formas de intervenção, tendo como

objetivo demonstrar os fatores que desencadeiam os comportamentos inadequados

e analisar os resultados das intervenções pontuais.

Para chamar a atenção às diversas situações vivenciadas pelos alunos e que

podem desencadear situações de violência e indisciplina, foi exibido o filme Bang

Bang! Você Morreu.

Através da discussão dos conceitos de violência, indisciplina, incivilidade e

bullying, buscou-se esclarecimentos dos mesmos, seguindo-se do levantamento dos

principais problemas enfrentados, para definir algumas ações a serem

implementadas. Esses fatores são essenciais para uma intervenção eficaz.

Questões como a elaboração de contratos pedagógicos acompanhados de

assembléias de classe e ações como construção de mural, caixinha disque denúncia

e sugestões de atividades visando à educação para a paz.

Foram definidos os Contratos Pedagógicos, como forma de gerir conflitos e

problemas disciplinares, uma vez que, são acordos construídos, combinados e

aceitos pelo coletivo sobre as normas de convivência entre o grupo em questão.

Para sustentar o êxito na aplicação dos contratos pedagógicos, as Assembléias de

Classe constituem-se em espaços para auto-reflexão, tomada de consciência e

elaboração e discussão das regras de convivência.

O trabalho com os docentes foi bastante pontual, uma vez que não houve

tempo hábil para um aprofundamento nos estudos sobre a problemática. Procurou-

se suprir esse entrave através de textos trabalhados em reuniões e que visavam a

subsidiar, mesmo que superficialmente, a implementação da proposta.

Para compreender e definir ações junto aos alunos foi aplicado um

questionário, que abordou alguns temas julgados pertinentes.

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Partimos do levantamento da faixa etária dos alunos que compõem as

referidas turmas e constatamos que a grande maioria encontra-se fora da idade

correspondente à série, como demonstra o gráfico abaixo:

Faixa etária dos alunos Porcentagem

15 anos 19%

16 anos 24%

17 anos 39%

18anos ou mais 18%

Tabela 3: Representação da porcentagem de alunos pela faixa etária.

Esta heterogeneidade de faixa etária despertou a atenção para os percalços

vivenciados pelos alunos e que culminaram com o insucesso escolar, assim como o

porquê deles persistirem na escola. As turmas são formadas em sua maioria por

alunos egressos (desistentes em anos anteriores), de múltiplas repetências e/ou

trabalhadores. Para detectar os motivos dessa realidade foi elaborado um

questionário aberto, com questões pertinentes ao objeto de pesquisa.

Dos 55 alunos presentes e que responderam ao questionário aberto,

obtiveram-se os seguintes resultados. Na visão dos alunos a respeito do porquê e

para quê existe a escola, eles assim se posicionaram: 54% dos alunos acredita que

a escola existe como oportunidade de crescimento, de melhorar o mundo e formar

cidadãos críticos, e para 46% como local de transmissão de conhecimento e

educação.

Na seqüência, buscou-se obter dados a respeito da escola que freqüentam, e

os alunos assim a consideraram: 71% considera a escola como essencial para a

vida e que a escola que freqüenta é boa, 20% considera local de aprendizagem e

diversão e 9% considera a direção muito rígida e a escola com muitas normas a

serem seguidas.

Por se tratar de alunos que se encontram em série incompatíveis com a

idade, foi contemplada a pergunta sobre o porquê dos alunos ainda efetivarem a

matrícula e freqüentarem, mesmo que de forma irregular, e as respostas

concentraram-se em 82% dos alunos que vêm à escola para realizar o sonho de ter

um futuro melhor, ser um profissional competente, “ser alguém na vida” e apenas

9% vêm à escola para estudar.

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Outros fatores que podem gerar a heterogeneidade da idade escolar dos

alunos das 1ª séries do ensino médio noturno também foram investigados. Eles

referiram-se à percepção que têm dos professores que na opinião de 78% dos

alunos foram considerados como muito bons, competentes, interessados,

preocupados com a aprendizagem dos alunos. Sobre o relacionamento do aluno

com a direção, pedagogo, funcionários e professores, os resultados foram: 56% dos

alunos participantes consideram as relações muito boas, respeitosas e 44% acham

que pode melhorar, sendo menos rígida, menos exigente e sendo atendidos mais

prontamente.

Outro fator abordado no questionário foi em relação aos problemas

enfrentados pelos alunos com os seus colegas, tanto dentro do ambiente escolar

quanto nas circunvizinhanças. Dos entrevistados, 31% dizem não ter qualquer tipo

de problema com colegas, 38% citam como problema que atrapalha o seu dia-a-dia

estudantil a indisciplina, bagunças, intrigas, brigas, roubos. 31% citam como maior

problema à discriminação, o preconceito, o desrespeito aos seus semelhantes.

Questionou-se também, sobre a reação de cada aluno frente aos problemas

vivenciados e aos depoimentos foram: medo, raiva, indignação, isolamento, tristeza,

entre outros. Chama a atenção o fato de que 24% dos alunos não responderam a

esta questão específica do questionamento e 27% deles admitirem que não

apresentam nenhuma reação. Entre a não reação e a abstenção obtivemos 51% dos

envolvidos.

Na relação com os colegas, 36% consideram-na boa e 41% acreditam que

deveria haver mais companheirismo, mais amizade, mais respeito. Destes 23% não

responderam.

Quando indagados como seria a escola na opinião deles, uma grande parte a

considera boa da maneira que se apresenta. Entretanto, 52% acham que pode

melhorar sendo mais acolhedora, menos rígida e ofertando outros cursos (pós-

médio ou outras atividades), entre outros. Quanto às aulas, a maioria acredita que

as aulas poderiam ser mais criativas, diversificadas, dinâmicas, assim haveria

menos indisciplina.

Refletindo sobre os dados coletados, pode-se perceber que o ambiente

escolar exerce grande influência na permanência dos alunos na escola. A exclusão

ocorre por fatores diversos, desde a relação com os colegas até o relacionamento

diretor-aluno. Outro fator que interfere de maneira significativa é a questão da

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violência tanto interna quanto externa, assim como da indisciplina. Cabe aos

profissionais da educação dirigir ações numa constante busca do local seguro e

propício à aprendizagem. Afinal, a escola é “veículo por excelência de

aprendizagem, de socialização em ética e da comunicação por diálogo” (Abramovay,

et all, 2002).

O espaço criado pelo PDE-Pr. oportunizou um “olhar de fora” para os

problemas vivenciados, e os estudos sobre a temática muito contribuíram para

mudar a minha visão a respeito da questão violência e indisciplina, assim como das

diferentes maneiras de abordá-las.

Apoiados nos resultados obtidos optou-se por dirigir ações no resgate da

auto-estima, a fim de conscientizar sobre a importância da vida humana e dos bens

públicos; perceber a importância da educação como agente de transformação

pessoal e social e oportunizar que o educando reconheça a obra de Pablo Picasso

como instrumento de denúncia social. Estas abordagens oportunizaram aos alunos

discussões sobre os assuntos que interferem negativamente nos seus estudos e que

afetam a sua auto-estima desestimulando-os a prosseguir em sua jornada escolar,

bem como a sair da passividade denunciando os fatos, para que intervenções sejam

feitas no sentido de reverter à situação através da construção partilhada de soluções

para se alcançar os objetivos comuns. Para concretizar esses objetivos os

professores de Língua Portuguesa e Língua Inglesa da 1ª séries do ensino médio

noturno da referida escola, idealizaram e efetuaram um Ciclo de palestras, intitulado

“Por uma escola melhor” e que foram complementadas com atividades

desenvolvidas pelos professores em suas respectivas turmas, buscando estimular a

reflexão e o exercício do olhar sobre a temática.

A intervenção junto aos alunos, além das palestras abordando a valorização

da vida, buscou o engajamento no projeto da escola: “Vivendo Valores na Escola”,

visando o resgate de valores, assim como a utilização dos Contratos Pedagógicos e

das Assembléias de Classe para o enfrentamento da violência e da indisciplina no

ambiente escolar.

5.2 Decisões e responsabilidades partilhadas

A opção pelo Contrato pedagógico ocorreu por remeter-se especificamente

às pautas de ação e convívio em sala de aula, diferente do regimento escolar que é

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mais geral. São os “acordos” ou “combinados” e visam à partilha da

responsabilidade pelas decisões acerca das rotinas de trabalho e das regras de

convivência. Segundo Aquino ( 2003)“O combinado não sai caro”, e a exeqüidade

dos contratos exige a contrapartida de todos os envolvidos.

Tal proposta implica desde o estabelecimento dos parâmetros de conduta

para ambas as partes até a explicação dos objetivos, limites e horizontes da relação.

“Primeiro, diga-me o que espera que eu faça e seja, para que eu possa

esperar algo de você” – desse modo, passamos a cultivar expectativas acerca do

outro e de nós mesmos, bem como a contar com parâmetros de julgamento das

ações. O primeiro dia de aula é o momento mais propício para a celebração dos

contratos (Aquino, 203, p. 69).

Vale a pena, no primeiro dia de aula, narrar um pouco da história profissional

do professor, bem como de ouvir as que os alunos têm para revelar, buscando aqui

a potencialização da alteridade e a recusa da idealização excessiva do outro. É

fundamental esclarecer o que esperam um do outro.

Um grupo passa por diferentes etapas progressivas no que se refere à

validação e à tomada de consciência das regras: da imposição (não consciência do

valor da regra) ao consentimento (o aluno faz a sua parte se professor fizer a dele –

controle externo) e, por fim, à autodisciplina (os alunos sabem o que deve ser feito e

fazem-no por vontade própria, encarando tais regras como parte de seu repertório

pessoal e dispensando o professor da função de supervisão coletiva).

As sanções para quem não cumpre as regras estabelecidas em conjunto

devem ser de responsabilidade coletiva, no entanto, as sanções não podem mais

ser tomadas como mecanismo de exclusão compulsória. As penalidades devem ter

um caráter inclusivo e sempre de reparação ao andamento acordado pelo grupo-

classe.

A penalização não pode, sob hipótese alguma, incluir maus-tratos físicos ou

psicológicos – devem sempre ser acompanhadas de diretrizes sobre como agir.

Os contratos pedagógicos não são auto-suficientes como mecanismos de

regulação do convívio democrático, eles requerem manutenção constante e para a

sustentação dos mesmos optou-se pelas Assembléias de Classe.

A Assembléia de classe é um evento escolar organizado para que o grupo-

classe possa discutir as questões que lhe pareçam pertinentes ou necessárias, a fim

de otimizar a ação e a convivência democrática.

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Para que as assembléias sejam organizadas de modo a atingir seus objetivos

faz-se necessário destinar uma pequena parte do tempo semanal a esse tipo de

reunião, de modo que se torne uma atividade habitual; dispor o espaço da sala de

aula de forma distinta do habitual; usar o tempo atribuído à assembléia para a

discussão conjunta sobre tudo o que ocorre na turma; dialogar com a disposição de

se entender, de organizar o trabalho e de solucionar os conflitos; e, finalmente,

considerar que o modo de realizar as assembléias de sala de aula depende da idade

dos alunos.

As escolas devem ser tomadas como “comunidades democráticas”, uma vez

que é um espaço social regido pelos critérios próprios dos sistemas democráticos,

cuja expressão máxima seriam as assembléias de classe.

As assembléias facilitam a formação de capacidades morais e a aquisição de

atitudes e valores e, representam o momento institucional em que o grupo-classe

viabiliza a auto-reflexão, a tomada de consciência sobre si mesmo e a conversão em

tudo àquilo que seus membros considerarem oportuno.

No desenvolvimento das assembléias fez-se necessário seguir três momentos

diferenciados: a preparação, o debate dos temas e a aplicação de acordos. (Aquino,

2003, p. 85-86).

Na “preparação” devem ser estabelecidos os temas que demandam debate.

Fazer uma lista dos diversos assuntos para que o encarregado de conduzi-la

confeccione a ordem do dia de cada sessão.

Os encarregados pela assembléia devem presidi-la e iniciar a discussão, dar

a palavra e anotar os nomes dos que querem intervir e redigir os acordos em papel

que posteriormente serão expostos em sala. “O professor têm um papel duplo:

intervém pedindo a palavra como mais um do grupo, dando a conhecer suas

opiniões, adotando uma atitude de ajuda no que diz respeito à maneira de conduzir

os trabalhos e à observância do conteúdo e da orientação do debate” (Aquino, 2003,

p. 86).

O segundo momento da assembléia, o “debate dos temas”, constitui o núcleo

dessa prática educativa baseada no diálogo. É importante ordenar os temas e não

perder de vista o objetivo que se pretende em cada caso. Assim, evita-se as

discussões intermináveis.

Alguns critérios de qualidade do diálogo devem ser observados nas

assembléias: intervir ordenadamente e pedir a palavra, intervir sobre o tema tratado

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naquele momento, expor idéias pertinentes e com máxima claridade, escutar os

companheiros, recordar o que foi dito, buscar acordos construtivos e estar disposto a

cumpri-los.

O papel do professor é fundamental e exige-se dele algumas atitudes

humanas consideradas imprescindíveis, tais como: respeito para com todos,

capacidade para acolher a diversidade de opiniões, exigência com os alunos nos

momentos em que se requer.

O terceiro momento da assembléia, a “aplicação dos acordos”, tem como

principal objetivo fazer com que os acordos se traduzam e se cumpram no cotidiano

da classe.

Os resultados que costumam ser obtidos nas assembléias são de três tipos:

análise de certas situações difíceis; acordos e planos de ação; normas de

comportamento e propostas de trabalho.

Os trabalhos relativos aos contratos pedagógicos e assembléias de classe

foram efetivados pelos próprios professores das turmas, com orientação

pedagógica, por se constituírem momento único e essencial de discussões dos

alunos sobre o que ocorre na turma, quais são os problemas e dificuldades

encontrados assim como os avanços conseguidos propiciando a formação de

capacidades morais e a aquisição de atitudes e valores positivos. A análise das

normas por eles estabelecidas oportuniza o diálogo na tentativa de solucionar os

conflitos, dando aos alunos o sentimento de pertencimento ao ambiente de sala

assim como de responsabilidade pelo convívio democrático efetivação do processo

ensino-aprendizagem. Tornar o ambiente escolar em um local exigente, mas, de

respeito mútuo, elaborando normas conjuntas, oportunizará maior sucesso e,

conseqüentemente torna o ambiente menos violento como também reduzindo as

possibilidades de transgressão.

6 CONCLUSÃO

Para abordar os problemas de convivência é essencial a “conscientização” de

que “aqui temos problemas” e que os problemas de classe trazem uma

responsabilidade compartilhada, que começa pelo professor que os vivencia,

continuando com o apoio dos demais professores, bem como da equipe pedagógica.

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Conhecer e apresentar a possibilidade de implementar ações preventivas

para a melhoria das relações interpessoais na classe e na escola em geral significa

começar a tomar consciência de que existe um problema que deve ser abordado

junto à coletividade.

A intervenção chamou a atenção dos professores para os problemas que

enfrentam no cotidiano escolar e sensibilizou-os a buscar formas de intervenção

preventivas com o intuito de inibir os comportamentos inadequados ao processo

ensino-aprendizagem.

O trabalho desenvolvido foi acompanhado visando a subsidiar a

implementação e os encontros com os docentes constituíram-se em momentos vitais

para a interação com a professora PDE e para a troca de informações, análise da

implementação, dificuldades encontradas, pontos positivos e negativos assim como,

resultados e alterações que se fizeram necessárias.

A avaliação que permeou todo o processo esteve em consonância com a

concepção de avaliação do âmbito PDE que assume que a avaliação deva ser um

processo contínuo, sistemático e progressivo das atividades desenvolvidas, o que

corresponde a uma concepção diagnóstica de avaliação. O processo de avaliação

por estar intimamente vinculada a um projeto social deve servir para analisar,

compreender, desvelar, descobrir, pesquisar, estabelecer correlações, ampliar a

visão de mundo do aluno, aprofundar questões, dialogar, construir significados de

aprendizagem para os sujeitos e para a coletividade. Os momentos avaliativos

buscaram avaliar a eficácia da proposta e analisar os resultados obtidos.

A avaliação do trabalho de intervenção desenvolvido na escola teve como

espaço as reuniões com os professores envolvidos que apresentaram seus

depoimentos sobre a eficácia da proposta, as dificuldades percebidas e o

acompanhamento efetuado pela professora PDE com vistas a redimensionar as

ações para a continuidade e posteriores implementações uma vez que este trabalho

não apresenta resultados a curto prazo, por constituir-se num processo a longo

prazo.

Analisando a metodologia utilizada percebe-se que ela é promissora e de fácil

aplicabilidade no contexto escolar, estando em consonância com a proposta de

trabalho.

Apesar da violência e da indisciplina estarem presentes no cotidiano escolar,

e ser responsabilidade do professor intervir quando elas se apresentam, percebeu-

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se que alguns termos como incivilidade e bullying eram desconhecidos de grande

parte dos professores, o que motivou a participação nas reuniões efetivadas.

Na intervenção contamos com a adesão e participação ativa da grande

maioria dos professores, que repensaram e mudaram sua postura em relação às

diversas situações de atitudes inadequadas ao convívio escolar. Optaram por

trabalhar, segundo as orientações propostas e declararam obter grandes êxitos. O

esclarecimento sobre o porquê da sala de aula estar sujeita a um conjunto de

normas, já no início do ano letivo, melhorou bastante o ambiente. Estabelecer

limites, criar normas conjuntas e antecipadamente não criou traumas, ao contrário,

fez com que o aluno se sentisse mais responsável e pertencente à turma, capaz de

ouvir e ser ouvido. Durante a intervenção pode-se perceber que os professores que

mantiveram suas atitudes autoritárias continuaram enfrentando alguns problemas,

demonstrando que os mesmos alunos apresentam diferentes comportamentos para

diferentes professores. Nos dois casos de intervenção direta da pedagoga em

situação de conflito, o embasamento teórico foi fundamental, a direção da

intervenção foi pautada em todo o conhecimento adquirido e obteve êxito, uma vez

que os envolvidos passaram a conviver pacificamente.

Os estudos oportunizados pelo PDE-Pr constituíram-se em suporte ímpar

durante todo o processo. As intervenções deixaram de ser intuitivas e passaram a

ter aporte teórico, mostrando-se bastante eficazes apesar do curto espaço de tempo

de intervenção.

Com base nos êxitos obtidos a intervenção passará a fazer parte do programa

da escola, pois essa problemática faz parte do cotidiano escolar e buscar novas

formas de intervenção é primordial no combate à violência e à indisciplina.

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