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Emoção na homenagem das famílias às 21 vítimas Indenizações insatisfatórias dos familiares geram ações judiciais Responsáveis não foram punidos nem identificados Duplicidade de comando e descontinuidade afetam gestão do PEB H á dez anos, no dia 22 de agosto, na base de Alcân- tara, no litoral do Mara- nhão, engenheiros e técnicos ci- vis empenhavam-se nos ajustes e preparativos na Torre Móvel de Integração (TMI) em que seria realizado o teste de lançamento do Veículo Lançador de Satélites (VLS). Era um dia de expectati- va para todos os envolvidos, pois faltavam apenas três dias para o lançamento do foguete de 19,5 metros e cerca de 50 toneladas, em torno do qual girava o Pro- grama Espacial Brasileiro (PEB). Porém, a ignição inesperada de um dos motores do foguete provocou uma enorme explo- são, que matou os 21 homens que ali trabalhavam, ex- perientes funcioná- rios do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE). A TMI transfor- mou-se numa impressionante su- cata retorcida. A tragédia, cer- tamente a maior da história mundial dos programas es- paciais em número de mortes, deixou sequelas de todo tipo. A TMI demo- rou uma década para ser reconstru- ída — foi oficial- mente entregue apenas em 2013. A perda do conhecimento dos fun- cionários que faleceram ainda não foi superada, pelo contrário: os números evidenciam uma redução do quadro de pessoal nas áreas li- gadas ao programa VLS. Por ou- tro lado, persistem a duplicidade e a descontinuidade de comando na gestão do programa espacial (ver p. 9 e 12). Outra questão a ser resolvida diz respeito à indenização das fa- mílias das vítimas. Durante o ve- lório, o presidente Lula anunciou que enviaria ao Congresso Nacio- nal um projeto de lei propondo uma indenização de reparação às famílias. Contudo, o valor pago a cada família pelo governo federal, em 2004, foi de 100 mil reais, a tí- tulo de antecipação. Os familiares entendem que têm direito a um valor que seja mais compatível com o que as vítimas ganhariam ao longo da vida profissional. Dez anos após a tragédia de Alcântara, VLS é dúvida. Programa espacial patina Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial Ano 3 n Número 25 n Setembro de 2013 Vinicius, filho de José Eduardo Pereira, acende rojão na homenagem das famílias às vítimas, realizada no MAB em 22 de agosto de 2013 Fernanda Soares

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Emoção na homenagem das famílias às 21 vítimas Indenizações insatisfatórias dos familiares geram ações judiciais Responsáveis não foram punidos nem identificados Duplicidade de comando e descontinuidade afetam gestão do PEB

Há dez anos, no dia 22 de agosto, na base de Alcân-tara, no litoral do Mara-

nhão, engenheiros e técnicos ci-vis empenhavam-se nos ajustes e preparativos na Torre Móvel de Integração (TMI) em que seria realizado o teste de lançamento do Veículo Lançador de Satélites (VLS). Era um dia de expectati-va para todos os envolvidos, pois faltavam apenas três dias para o lançamento do foguete de 19,5 metros e cerca de 50 toneladas, em torno do qual girava o Pro-

grama Espacial Brasileiro (PEB). Porém, a ignição inesperada de um dos motores do foguete provocou uma enorme explo-são, que matou os 21 homens que ali trabalhavam, ex-perientes funcioná-rios do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE). A TMI transfor-mou-se numa impressionante su-cata retorcida.

A tragédia, cer-tamente a maior da história mundial dos programas es-paciais em número de mortes, deixou sequelas de todo tipo. A TMI demo-rou uma década para ser reconstru-ída — foi oficial-

mente entregue apenas em 2013. A perda do conhecimento dos fun-cionários que faleceram ainda não foi superada, pelo contrário: os

números evidenciam uma redução do quadro de pessoal nas áreas li-gadas ao programa VLS. Por ou-tro lado, persistem a duplicidade e a descontinuidade de comando na gestão do programa espacial (ver p. 9 e 12).

Outra questão a ser resolvida diz respeito à indenização das fa-mílias das vítimas. Durante o ve-lório, o presidente Lula anunciou que enviaria ao Congresso Nacio-nal um projeto de lei propondo uma indenização de reparação às famílias. Contudo, o valor pago a cada família pelo governo federal, em 2004, foi de 100 mil reais, a tí-tulo de antecipação. Os familiares entendem que têm direito a um valor que seja mais compatível com o que as vítimas ganhariam ao longo da vida profissional.

Dez anos após a tragédia de Alcântara,VLS é dúvida. Programa espacial patina

Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial

Ano 3 n Número 25 n Setembro de 2013

Vinicius, filho de José Eduardo Pereira, acende rojão na homenagem das famílias às vítimas, realizada no MAB em 22 de agosto de 2013

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Entraram na Justiça para pleitear esta correção, mas o processo já dura nove anos e nada foi defini-do. “Estamos pedindo 3 milhões de reais por família, que equivale a dois terços da remuneração por mês que faltava para que a pessoa vitimada completasse 70 anos”, explica José Roberto Sodero, ad-vogado dos parentes das vítimas.

Além das indenizações, as famílias fazem jus a pensões mensais proporcionais ao salário de cada vítima. Entretanto, por absurdo que pareça, o governo ameaça descontar 50% do valor das pensões. “Já não basta ter perdido meu marido, agora que-rem retirar a pensão?”, questiona, indignada, Aparecida Garcia, vi-úva de Gines Ananias Garcia.

Como ocorre desde 2004, na data da tragédia os familiares realiza-ram uma emocio-nante homenagem às vítimas, no Me-morial Aeroespacial Brasileiro (MAB). Vinte e um tiros de rojão foram desfe-chados pontualmen-te às 13h26, horário do acidente. Logo após, viúvas, irmãos e filhos leram textos escritos há nove e dez anos (ver p. 4 e 5).

Sem culpados?O relatório oficial da investi-

gação, divulgado em fevereiro de 2004 pela Comissão de Investi-gação, não atribui responsabili-dades individuais pelo acidente, limitando-se a explicar o con-junto de falhas que culminou na grande tragédia. Elenca fatores de ordem técnica, meteorológica, humana e operacional. O então vice-diretor do Centro Técnico Aeroespacial (CTA, hoje DCTA) e chefe da comissão, brigadeiro Marco Antônio Couto, afirmou à época que não houve uma causa única para o acidente e sim uma somatória de fatores, dentre eles o corte de orçamento, a redução dos testes e também do número de funcionários.A investigação concluiu, por exemplo, que o radar do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) estava ino-

perante desde 1989, data em que chegou, porque não havia um profissional para operá-lo. O pro-blema é associado a outro fator apontado no relatório: a falta de recursos financeiros e humanos.

Tudo isso, combinado, teria ocasionado aquilo que a Comis-são de Investigação definiu no relatório final como “diminuição da capacidade de consciência si-tuacional”, ou seja, a redução das condições de percepção de risco.

Em outras palavras, embora houvesse se instalado um am-biente de grande vulnerabilidade e alto risco, a equipe operacional do VLS não se deu conta do peri-go que estava correndo.

No entender do engenheiro e professor universitário aposenta-do Luciano Magno Costalonga

Varejão, irmão de uma das vítimas, César Augusto Va-rejão, e membro da Comissão de Investigação, os er-ros determinantes foram as falhas de segurança: “Com o dispositivo de igni-ção (espoleta) já no lugar, as normas de

segurança determinavam que ape-nas seis pessoas poderiam estar no ambiente da torre de lançamento do VLS, três para executar as ta-refas e outras três para verificar se as executavam segundo as normas de segurança”, esclareceu.

O relatório também registrou que no CLA havia problemas de ordem operacional, que impedi-ram um gerenciamento de risco mais criterioso e maior aperfei-çoamento na gestão de qualida-de, mas não identificou culpados. “Algumas perguntas ainda estão sem respostas”, afirma a Associa-ção dos Familiares das Vítimas em artigo publicado nesta edição: “Por que tantos funcionários tra-balhando ao mesmo tempo e, pior, com os dispositivos [de ignição dos motores] instalados? Por que os dirigentes da missão não rece-beram punição?” O então diretor do CTA, major-brigadeiro Tiago da Silva Ribeiro, não foi encon-trado pelo Jornal do SindCT para comentar as críticas.

Editorial

Setembro de 2013 n Jornal do SindCt2

EXPEDIENTE Jornal do SindCT é uma publicação do Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial, fundado em 30 de agosto de 1989 • Matérias assinadas não refletem, necessariamente, a posição da entidade • Sede: Rua Santa Clara, 432, Vila Ady Anna • CEP 12.243-630 (8h30 às 17h30) • São José dos Campos - SP • Tel/fax: (12) 3941-6655 • Responsabilidade editorial: Diretoria do SindCT • Tiragem: 6.000 exemplares (2.500 assinantes eletrônicos) • Editor responsável: Pedro Pomar (MTB 14.419-SP) • Reportagem: Fernanda Soares Andrade (MTB 29.972-SP) e Shirley Marciano (MTB 47.686-SP) • Diagramação: Sergio Bastos (MTB 585-PA)• Foto da capa: Fernanda Soares • http://www.sindct.org.br • [email protected]

Em memória de nossos companheirosAmintas Rocha Brito, Antonio

Sergio Cezarini, Carlos Alberto Pedrini, Cesar Augusto Costalon-ga Varejão, Daniel Faria Gonçal-ves, Eliseu Reinaldo Moraes Viei-ra, Gil Cesar Baptista Marques, Gines Ananias Garcia, Jonas Barbosa Filho, José Aparecido Pi-nheiro, José Eduardo de Almeida, José Eduardo Pereira, José Pedro Claro Peres da Silva, Luis Primon de Araújo, Mario Cesar de Freitas Levy, Massanobu Shimabukuro, Mauricio Biella de Souza Valle, Roberto Tadashi Seguchi, Rodol-fo Donizetti de Oliveira, Sidney Aparecido de Moraes, Walter Pereira Junior, 21 companheiros que se transformaram em monu-mento. Heróis sem noção do ato heróico, protagonistas a quem coube segurar o estandarte da his-tória desconcertante de um sonho, de um ideal, de uma inocência, de uma imaturidade em busca de re-alização, escolhidos pela trama da vida para estarem ali.

Ironicamente, se o desfecho da operação São Luiz tivesse sido outro, se o VLS tivesse su-bido com atitude e determinação, com graciosidade e leveza, estes irmãos teriam voltado anônimos, felizes, aliviados, plenos da sen-

sação da missão cumprida, mas definitivamente “servos inúteis”, que apenas teriam cumprido a obrigação da responsabilidade profissional, a qual se é pago com o salário mensal e nada mais. Se-guiriam heróis de seus filhos, de suas esposas e de seus amigos.

Eles passaram, todos passare-mos; dizem que à porta do cemi-tério de Paraibuna se pode avistar a inscrição fatídica: “Nós que aqui estamos, por vós esperamos”. E agora, o que resta? Angustia--me, nesta reflexão, o rescaldo da responsabilidade destes compa-nheiros, cuja memória já desva-nece.. O VLS precisa ter sucesso, devemos isto a eles, aos seus, a nós mesmos, para que possamos seguir com entusiasmo e sinceri-dade de propósitos, confiantes na justiça telúrica de que sempre nos honraremos uns aos outros.

Esta edição é especial porque honra a memória destes compa-nheiros com palavras e deferên-cias. Os artigos finais se dignam a uma honraria objetiva, focando os problemas que o programa VLS enfrenta: falta de visão estratégica de estado, porque programa es-pacial não se produz com tibiez e falta de vontade política.

ChargE do Mês

“IAE é competente”Além das vidas perdidas, o

Programa Espacial Brasileiro so-freu um impacto significativo, pois não houve um novo lançamento, embora o então presidente Lula tenha se comprometido a lançar a versão 4 do VLS até 2006. De lá para cá, surgiram apenas novida-des preocupantes, como a criação da binacional Alcantara Cyclone Space (ACS), fruto de um acordo com a Ucrânia, destinada a lançar satélites comerciais. Como expli-car tudo isso?

“Em 2010, visitei o IAE, que havia sofrido o trauma do aci-dente. A organização da pesqui-sa me pareceu completamente recuperada. É uma instituição de pesquisa competente, apesar do nocivo isolamento em que é colo-cada. Do ponto de vista técnico, não me parece haver problema al-gum. No INPE, também não. Os erros foram bastante bem equa-cionados, descritos no relatório da comissão de investigação”, diz o professor Paulo Murilo, do Ins-

tituto de Física da Universidade Fede-ral Fluminense.

“O problema do Programa Espacial Brasileiro não está em São José dos Campos (IAE e INPE) nem em Al-cântara. Mora em Brasília. A falha é do gerenciamento, este não foi corrigido”, avalia Murilo, que re-presentou a comunidade científi-ca na Comissão de Investigação. “Até a primeira providência de estabelecer um comando único do programa como um todo, que deveria ter sido tomada há muito tempo para permitir a correção dos problemas específicos, não foi efetivada até hoje”.

“Revisão crítica completa”Visão oposta defende o te-

nente-coronel Alberto Walter da Silva Mello Junior, atual gerente do Projeto VLS-1 e coordenador de Projetos Espaciais do IAE. No

tocante à seguran-ça, ele garante que houve “uma revisão crítica completa e passou-se a adotar a cultura de certifi-cação, melhorando a garantia da quali-dade dos produtos”.

Engenheiro ae-ronáutico, doutor

em Engenharia Aeroespacial pela Universidade do Texas, o oficial mostra otimismo com o progra-ma espacial: “De 2003 até hoje, houve 24 lançamentos de veículos suborbitais, todos com sucesso. Exporta-se VSB-30 para a Euro-pa. O VS-40, composto pela parte alta do VLS-1, também será uti-lizado por parceiro internacional. Todo esse trabalho já coloca o Brasil entre os países mais de-senvolvidos na área espacial. O Veículo Lançador de Microssaté-lites-1 (VLM-1), concebido nesse período, será um projeto conjunto entre Brasil e Alemanha”.

Quanto ao cronograma do

projeto, ele informa que em 2014 haverá duas operações: Santa Bárbara, para testes dos sistemas embarcados, e a de lançamento do VSisnav, ou Veículo Lançador do Sisnav, Sistema de Navegação do VLS-1 (ver texto “Projeto VLS hoje, segundo seus gestores” na p. 8).

O PEB remonta aos anos 1980. A etapa de produção de sa-télites e o seu controle em solo já foi alcançada pelo INPE nos anos 1990. Contudo, para que os obje-tivos iniciais do programa sejam plenamente atingidos, falta ain-da o lançamento com sucesso do VLS, levando ao espaço um sa-télite de fabricação nacional. As tentativas de lançamento de protó-tipos do VLS realizadas em 1997 e 1999 foram mal sucedidas. A de 2003 resultou na tragédia que trouxe imensa dor e deixou cica-trizes nas instituições envolvidas e nos projetos em curso.

Shirley Marciano e Pedro Pomar

Nossa Pauta

“Gerenciamento não foi corrigido”

Setembro de 2013 n Jornal do SindCt 3

Torre do Centro de Lançamentos de Alcântara, inteiramente destruída após a explosão

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A homenagem foi bela, simples, mas acima de tudo emocionante. Exa-

tos dez anos após a tragédia de Alcântara, que abalou a comuni-dade científica do IAE-DCTA e INPE e comoveu o país, as fa-mílias das vítimas reuniram-se no Memorial Aeroespacial Bra-sileiro (MAB) para assinalar a data e relembrar seus entes que-ridos. Vinte e um tiros de rojão foram disparados pontualmente às 13h26, horário do acidente. Logo após, viúvas, irmãos e fi-lhos leram textos que foram es-critos há nove e dez anos.

Também compareceram ami-gos e colegas de trabalho, que não conseguiram conter as lágri-mas. Os familiares se sentiram reconfortados ao compartilhar a dor que carregam nestes dez anos. Aparecida Garcia, viúva de Gines Ananias Garcia, diz que os dias ainda se alternam entre “al-tos e baixos”. Seu objetivo é con-tinuar trabalhando, “mantendo o foco” e vencendo um dia após o outro. “Sei que algumas viúvas já se casaram novamente, já se se-pararam... mas eu ainda não con-sigo. A gente tinha um vínculo de alma, não está sendo fácil viver sem ele”, revela.

Cabelereira, Aparecida pre-cisou se desfazer do salão após

a perda do marido, pois não conseguia se concentrar no trabalho. Hoje, ela presta serviços em outro salão. Rodri-go, seu filho, diz sentir falta dos mo-mentos de conver-sa que tinha com

o pai. “Eu tinha a impressão de que ele sempre sabia a coisa certa a dizer e os momentos em que eu não preci-sava ouvir nada, só precisava da presença dele. Ele era um cara bas-

tante especial”.Vinícius Pereira, filho de

José Eduardo Pereira, não teve a oportunidade de conviver mui-to com o pai. Quando o acidente aconteceu ele tinha apenas dois anos. O que ele sabe do pai e de seu trabalho, portanto, é contado pelos familiares. Mesmo assim, a uma indagação sobre a ho-

4 Setembro de 2013 n Jornal do SindCt

Nossa Pauta

Fernanda Soares

Homenagem emociona familiares e amigos

PaiSaudade...Saudade do teu sorrisoDas tuas palhaçadas...Tua risada gostosa Teu assovio quando estava perdido no supermercadoTua mão grossaTeus olhos brilhososTua orelhinha pequenaSaudades de quando você me cobria antes de dormir De quando me chamava de franguinha Quando chamava a mãe de cuchinha De quando perguntava como foi meu dia

na aula Quando perguntava se eu tinha ballet...e eu ficava brava, porque tenho ballet todo dia! Saudade de ouvir o barulho da sua chave chegando pra me buscar na academia Saudade de te acordar e falar: pai você tá roncando! De brigar quando a filmagem não ficava do jeito que eu queria De ver a luz vermelha da sua câmera lá no fundo... Saudade de te acordar e falar: pai me leva na aula! De te ligar mais cedo e falar, me busca! E você sempre ia!

Saudades de te atormentar porque tua barriga estava ficando grande De te ajudar a escolher uma roupa pra sair De brigar pra você sair logo do computador Pedir pra você parar de fumar Saudade de sempre ver você descendo daquele avião enorme e estar aliviada por ter chegado bem Saudades de ter a certeza de que você estava ali quando eu precisasse Saudades de você, pai... simplesmente de você...

de sua filha, Bruna Cezarini

Texto escrito pela filha de Antônio Sérgio Cezarini, lido em 22/8

Bruna lê poema escrito para o pai Rodrigo lê carta escrita uma semana antes do acidente

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menagem ao pai, responde com rapidez: “Achei bem legal, porque é uma forma de falar para ele que esta-mos bem”.

Lúcia de Fátima Va-rejão, viúva de César Au-gusto Costalonga Varejão, enxerga nos quatro filhos do casal uma forma de superar a ausência do ma-rido. “Eu vejo muito ele nos meus filhos e isso me deixa bem... Meu marido sempre ajudou muito na edu-cação dos filhos e hoje eles estão bem, graças a ele. Seguem o que o pai ensinou e têm bom caráter”.

Pensão ameaçadaNão é apenas a dor das per-

das que as famílias enfrentam. Recentemente, o governo ques-tionou o valor das pensões pagas às viúvas e filhas. Após uma au-ditoria, o Ministério do Plane-jamento, Orçamento e Gestão (MPOG) afirma que a pensão deveria ser de apenas 50% do

salário do servidor.As famílias impetraram uma

ação judicial, contestando a de-cisão. Caso percam, serão obri-gadas a devolver todo o valor recebido “a mais” nestes 10 anos. “Isso é um absurdo. Já não bas-ta ter perdido meu marido, agora querem retirar a pensão?”, indaga Aparecida Garcia.

Além da pensão mensal, as in-denizações pelas mortes também são questionadas na justiça. Há dez anos, cada família recebeu R$ 100 mil do governo federal,

a título de “antecipação da inde-nização”, até que o valor real fos-se definido. Mas, para receber a indenização pela morte, as famí-lias também precisaram impetrar ações. E os processos ainda não chegaram ao fim.

“Tem gente que pensa que recebemos indenizações altas e estamos milionárias”, afirma Doris Cezarini, viúva de Antonio Sérgio Cezarini e presidente da Associação dos Familiares das Vítimas. Em um dos processos de indenização, foi determinado

o valor de R$ 300 mil a ser pago à família. Contu-do, desse montante serão descontados, com a devi-da correção monetária, os R$ 100 mil antecipados. A viúva, que não quis se identificar, está revoltada. “Para a Justiça, a vida do meu marido só vale R$ 300 mil! E as pessoas que assistiram à reportagem na TV acham que eu recebi R$ 3 milhões”.

Punição dos culpadosReunidas após a homenagem,

as famílias são unânimes ao afir-mar o que lhes falta: indeniza-ção justa e punição dos culpados pelo acidente. “Sei que é forte, mas sempre digo que meu ma-rido foi assassinado e o culpado está solto”, protesta Doris, in-conformada. A identificação dos responsáveis pela catástrofe, e as correspondentes punições, da-riam conforto aos familiares e os ajudariam a superar a dor.

O Tempo não espera!No dia 22 de agosto de 2003, em apenas 6 segun-

dos, nossas vidas mudaram para sempre. Em cada um o impacto veio de um jeito diferente e, a partir daí, mudamos a estrada de nossas vidas. Todos os sonhos teriam que ser refeitos. Medo, dor, angústia, tristeza...

Tantos sentimentos passa-ram em segundos por nossos corações, por nossas almas. Pensamos: “Que fazer agora?”, “Como seguir em frente?”, “Qual o norte agora?”...

Uma história cujo fim não se conheceu: foi neces-sário criar uma nova histó-ria, um outro enredo com personagens diferentes e a ausência de alguns.

Quantas noites junto ao travesseiro desejamos uma mágica que fizesse desapare-

cer aqueles segundos fatais!

Algumas pergun-tas ainda estão sem respostas: “Por que tantos funcionários trabalhando ao mes-mo tempo, e pior, com os dispositivos instalados? Por que os dirigentes da mis-são não receberam punição?”

Mas o Tempo não para, não espera, não volta! Assim, o tempo foi passando e todo ano a gente se encontra aqui para, na homenagem aos nossos heróis, juntos comun-gar uma união e assim cada um a seu jeito fortalecer a crença de que

não foi em vão essa dor.

A cada ano sur-ge uma novidade em nossas vidas: uma vida que che-ga, a conquista da faculdade de um filho, o casamento de outro, um novo amor em nossas vidas, um envelhe-

cer, o sentimento de que a vida se-gue o seu rumo mesmo com nossos pesares, enfim... É a vida continu-ando, o tempo passando...

Hoje, estamos aqui juntos de novo, dez anos depois, para home-nagear nossos entes queridos e au-sentes. Neste tempo que se passou,

foi necessário que aqueles senti-mentos de medo, dor, angústia, tris-teza, outrora vivos em nossos cora-ções, se transformassem em força.

Na dor da perda, aprendemos a tirar o melhor, aprendemos que amor é para sempre, que somos todos unidos pelos laços da alma, pelo destino.

Assim, a dor e a angústia da perda foram substituídas por novos sentimentos. Acabaram surgindo força, coragem, fé!

Dez anos coincidem com um momento de questionamentos so-bre a ética, sobre valores, sobre a importância de cada um fren-te a uma dedicação de um sonho para virar um projeto de vida. To-dos juntos aqui, também estamos

juntos para nos fortalecer. “Cabe a nós perpetuar e manter acesa a chama do idealismo que tanto alimen-tou nossos entes, mas tam-bém temos como missão promover a mudança”.

Um sentimento ficará para sempre, com certeza: as Saudades!

5Setembro de 2013 n Jornal do SindCt

Associação dos Familiares das Vítimas do Acidente com o VLS

“Algumas perguntas estão sem resposta”

Missa no CTA em homenagem às vítimas

oPiNião

Folh

a Pr

ess

O relatório de investigação do acidente que destruiu o VLS e a torre de lan-

çamento de Alcântara em agosto de 2003, provocando a morte de 21 funcionários civis do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), foi concluído e apresentado oito meses depois. A conclusão: uma faísca elétrica, resultante das con-dições adversas de trabalho provo-cadas pela falta de recursos, foi a principal causa do incêndio e ime-diata explosão do foguete.

Durante a apresentação do relatório, em São José dos Cam-pos, o então ministro da Defesa, diplomata José Viegas Filho, re-sumiu: “Muitos equipamentos ficaram guardados por falta de dinheiro para a manutenção, e a escassez de recursos materiais colaborou para a falta de condi-ções de trabalho”.

Apesar de extenso e detalhista, o relatório não explica porque ha-via tantos funcionários trabalhan-do na Torre Móvel de Integração (TMI) no momento do acidente, quando as normas de segurança determinavam que o número má-ximo deveria ser seis.

Inicialmente foi levantada pela imprensa a hipótese de sabotagem, que o major brigadeiro Tiago Ri-beiro, à época diretor do CTA e principal responsável pelo lança-mento, chegou a considerar como plausível, antes que o relatório da investigação fosse concluído. Contudo, não foi detectada na in-vestigação nenhuma atividade ex-terna ou criminosa que pudesse ter produzido o acidente.

O acidenteO incêndio no VLS, que causou

a tragédia, teve início após a faísca elétrica ter acionado o detonador do motor “A” do primeiro estágio do foguete. Embora o sequencia-mento das atividades seguisse um cronograma e fosse relatado minu-ciosamente em fichas preenchidas pelos chefes de equipes, nenhuma das fichas que constam do inquéri-to policial do caso relata quando o detonador foi instalado, sendo que, por segurança, este seria o último

item a ser montado no VLS.

A investigação também constatou que o Dispositivo Mecânico de Segu-rança (DMS) que protege o ignitor do motor, impedin-do seu acionamen-to acidental, havia sido removido do Projeto VLS. Em 1997, após o lançamento do protótipo VLS-1 V 01, o DMS ha-via sido apontado como a causa da falha no acionamento de um dos motores do primeiro estágio desse

foguete. Durante as investigações da falha do VLS-1 V 01, foi reco-mendada a revisão do DMS e seus componentes, além de alterações necessárias e nova qualificação para o voo. Porém, no período en-tre o lançamento do V 01 e a mon-tagem do V02, o DMS não foi re-visto, mas simplesmente retirado do VLS (ver p. 9).

De acordo com o gerente do

Projeto VLS, tenen-te-coronel Alberto Mello Junior, “de-vido ao fato de não ter sido possível determinar a causa primária que levou à ignição intempes-tiva de um dos mo-tores, não se pode afirmar que a pre-

sença do DMS teria evitado o aci-dente. A falta deste dispositivo foi apontada como fator contribuinte, no entanto, outros itens de segu-rança foram considerados quando foi tomada a decisão de não se uti-

lizar o DMS que se tinha disponí-vel à época no V 03”.

“Sucateamento”O engenheiro Luciano Magno

Costalonga Varejão, representan-te das famílias das vítimas na co-missão que investigou o aciden-te, acredita que as investigações foram conduzidas com isenção e competência. “Apesar de não ter sido possível apontar exatamente qual a falha que de fato causou a combustão intempestiva dos mo-tores do VLS, várias falhas foram detectadas que poderiam, isolada-mente ou em conjunto, ter causado o acidente”.

Além de “falhas gerais de se-gurança”, ele aponta “substituição de cabos blindados por cabos sem blindagem”, falta de documenta-ção e aprovação para modificações efetuadas, “colocação da espoleta [detonador] sem comunicação aos

funcionários que foram trabalhar no VLS e que acabaram sendo vítimas”, “colocação de prote-ção, contra chuva, de material não comprovado como seguro para aquele ambiente” e “gerenciamen-to deficiente das normas de segu-rança” (ver p. 7).

A presidente da Associação dos Familiares das Vítimas do Aciden-te com o VLS, Doris Maciel Ceza-rini, sustenta entendimento oposto ao de Varejão. Ela critica o relató-rio da investigação, que a seu ver é parcial e inconclusivo, principal-mente por ter sido dirigido pelo Ministério da Defesa.

“Não se aprofundaram sobre o que realmente aconteceu. Tenho certeza de que foi sucateamento de tudo. Lembro do meu marido contando das coisas que estavam quebradas. Se fosse algo feito com responsabilidade, o acidente não teria acontecido”, afirma. Para as famílias, a não identificação de culpados e a impunidade dos responsáveis não deixa a dor da tragédia ser superada. “Eles não foram acusados e nunca vão ser. Ao contrário, foram todos promo-vidos”, desabafa Doris.

O brigadeiro Carlos Antônio de Magalhães Kasemodel, atu-al diretor do IAE, considera que não foi possível identificar a cau-sa determinante, nem chegar-se a responsabilidades individuais: “Acidentes dessa natureza, da mesma forma que os acidentes aeronáuticos, em geral ocorrem pelo somatório de diversos fa-tores contribuintes, sendo mui-tas vezes impossível se chegar a uma única causa determinante do sinistro. A investigação do aci-dente de Alcântara foi realizada por diversas comissões: oficiais, paralelas, independentes e até comissões estrangeiras foram criadas para analisar as causas do acidente. Todas elas aponta-ram possíveis causas do acidente, e quando não se pode ir além do plano das hipóteses não é possível apontar inequivocamente um res-ponsável. De qualquer modo, as investigações conduzidas cumpri-ram seu maior propósito que foi o de contribuir para a prevenção da reincidência futura de acidentes como o ocorrido em 2003”.

Nossa Pauta

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Fernanda Soares

Brigadeiro Kasemodel, do IAE

Comissão de Investigação em atividade (fevereiro de 2004)

Setembro de 2013 n Jornal do SindCt

Faísca gerou incêndio e explosão do VLS

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Várias falhas de segurança foram iden-tificadas na investigação das causas do acidente fatal com o VLS em

2003. É o que afirma Luciano Magno Costa-longa Varejão, irmão de César Augusto Cos-talonga Varejão, técnico civil morto na tragé-dia de Alcântara.

Na condição de representante das famílias das vítimas, Luciano foi um dos membros da Comissão de Investigação constituída com a finalidade de apurar as causas do acidente. Doutor em Engenharia Mecânica pela Uni-versidade de Minnesota, professor aposenta-do da Universidade Federal do Espírito San-to, Luciano considera que a investigação foi conduzida “com isenção e competência” pelo brigadeiro Marco Antonio Couto do Nascimento, hoje reformado. O en-genheiro fez estas declarações em resposta a questões que lhe foram en-caminhadas pelo Jornal do SindCT.

Dez anos após a tragédia de Al-cântara, qual é a sua avaliação do que ocorreu?

Principalmente falhas de segu-rança. Com o dispositivo de ignição (espoleta) já no lugar, as normas de segurança determinavam que ape-nas seis pessoas poderiam estar no ambiente da torre de lançamento do VLS, três para executar as tarefas e outras três para verificar se as execu-tavam segundo as normas de segu-rança.

Na sua opinião, a Comissão de Investigação trabalhou com inde-pendência?

Sim. O brigadeiro Couto, que pre-sidiu os trabalhos da Comissão, com isenção e competência, não poupou esforços para que os objetivos fossem atingidos.

Que erros conduziram à explosão?Apesar de não ter sido possível apontar

exatamente qual a falha que de fato causou a combustão intempestiva dos motores do VLS, várias falhas foram detectadas que poderiam, isoladamente ou em conjunto, ter causado o acidente. Dentre elas: 1) falhas gerais de se-gurança; 2) substituição de cabos blindados por cabos sem blindagem; 3) falta de docu-mentação de modificações efetuadas; 4) falta

de aprovação para modificações executadas; 5) colocação da espoleta sem comunicação aos funcionários que foram trabalhar no VLS e que acabaram sendo vítimas; 6) colocação de proteção, contra chuva, de material não comprovado como seguro para aquele am-biente; 7) gerenciamento deficiente no que tange ao cumprimento das normas de segu-rança; 8) alta rotatividade do gerenciamento geral do programa VLS — o cargo era usado como forma de progressão na carreira militar.

A Comissão identificou responsabilida-des individuais?

É óbvio que havia alguém responsável pelo comando de toda a operação de lança-

mento do VLS. Esta pessoa, que não sei quem era, deve ter respondido pelas falhas de segu-rança que ocorreram. Se não respondeu, hou-ve mais uma falha, falha jurídica.

O VLS e o programa espacial devem continuar sob controle militar?

Não tenho opinião formada a este respeito. Nada tenho contra militares. Um executivo que domine toda a complexidade do progra-ma VLS, seja militar ou civil, tenho certeza que será muito bem vindo. Porém, o comando de um programa da envergadura do VLS não pode ser usado apenas como trampolim para

promoções na carreira militar. Certamente, o tempo necessário para se conhecer toda a complexidade do programa VLS é muito su-perior ao tempo mínimo que um militar deve permanecer no posto apenas para contar pon-tos em sua carreira militar.

Uma queixa dos familiares das vítimas é que alguns dos maiores responsáveis di-retos pela tragédia não sofreram qualquer punição, ao contrário, foram promovidos. O sr. concorda com essa avaliação?

Não acompanhei a carreira dos responsá-veis pelo programa VLS, portanto não tenho como afirmar. O que soube é que o briga-deiro Couto (a quem passei a admirar pela integridade e competência), que presidiu com isenção e competência a Comissão que apurou as causas do acidente, da qual parti-cipei, não galgou degraus mais elevados em sua carreira militar. Também não sei o mo-tivo da interrupção de sua carreira militar, apenas espero que não tenha sido o fato de ter “incomodado” alguém por ter presidido e conduzido, com isenção e competência, os trabalhos da Comissão.

Os familiares receberam as devidas re-parações de ordem material e de ordem simbólica, que pudessem compensar as perdas sofridas?

Se compararmos os valores recebidos pe-las famílias das vítimas, com os valores re-cebidos por famílias de vítimas de acidentes semelhantes nos Estados Unidos da América, conclui-se que deveriam ter recebido repara-ções materiais de maior monta. Quanto à re-paração de ordem simbólica, a melhor será o sucesso do programa VLS.

Encerrados os trabalhos da Comissão, restou para o sr. algum aprendizado pesso-al, como resultado dessa experiência certa-mente difícil e dolorosa?

Sim. O mais óbvio aprendizado é de cunho humano. Perdas são irreparáveis, prin-cipalmente quando se trata de alguém tão cheio de vida, tão cheio de planos e projetos, de alguém com presença tão marcante em sua família como meu irmão Cesar. A morte de alguém que cumpriu todos os seus ciclos de vida, deixa saudades, mas é entendida como natural. Porém, a morte prematura de alguém, com ciclos de vida ainda a cumprir, não é sentida da mesma maneira. Fico sempre com a impressão de que meu irmão não deveria ter morrido, que não era a hora dele, que a missão dele aqui ficou incompleta, ele ainda tinha muito a fazer. Há também o aprendiza-do de ordem prática, que confirma o adágio conhecido como “Lei de Murphy”, capitão da Força Aérea Americana, que disse: “Se alguma coisa tem a mais remota chance de dar errado, certamente dará”. Ironicamente, o pessoal da Força Aérea daqui não prestou a devida atenção à Lei de Murphy e deu errado, 21 morreram!!!

“Força Aérea não prestou atenção à Lei de Murphy e deu errado, 21 morreram!”

ExClusivo - luCiaNo varEjão

Professor Luciano Varejão

7Setembro de 2013 n Jornal do SindCt

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Nossa Pauta

Projeto VLS hoje, segundo seus gestores

Setembro de 2013 n Jornal do SindCt8

Em que situação se encontra o Projeto VLS, dez anos após a tragédia de Alcânta-

ra? “O projeto sofreu uma revi-são crítica completa”, explica seu gerente, tenente-coronel Alberto Mello Junior. “Novos dispositi-vos de proteção foram criados no ambiente da plataforma de lança-mento, aprimorando a segurança operacional”. Tudo está equacio-nado para o lançamento de um protótipo em 2014, garante ele.

Outras informações são acres-centadas pelo diretor do IAE, bri-gadeiro engenheiro Carlos Antô-nio de Magalhães Kasemodel: “Os subsistemas de redes elétricas e redes pirotécnicas foram reprojeta-dos. Ensaios realizados no passa-do foram repetidos. Novos testes como, por exemplo, o de separa-ção dos propulsores do primeiro estágio, foram especificados e re-alizados. Novos equipamentos de ensaios, alinhados com a tecnolo-gia atual, foram adquiridos. Hoje, o VLS mantém a mesma aparên-cia externa, mas internamente são muitas as diferenças”.

O Jornal do SindCT esteve no Centro de Lançamento de Alcân-tara (CLA) em julho de 2012 para visitar a base e conhecer a nova torre de lançamento (TMI) e o trabalho realizado na Operação Salina, que marcou o reinício das atividades relacionadas ao VLS-1 em Alcântara. Objetivo da opera-ção: realizar o transporte, prepara-ção e integração mecânica de um mock-up estrutural inerte do VLS-1 — estrutura real do veículo sem combustível a bordo — e ensaios e simulações para verificação da integração física, elétrica e lógica da TMI e dos meios de solo do centro de lançamento, associados à preparação para voo do foguete.

Durante os 26 dias de trabalho, os funcionários também passaram por treinamento e prevenção de acidentes, com simulação de um acidente com vítimas. Valder-ci Giacomelli, pesquisador que acompanhou a visita do Jornal do SindCT, confessou: “Estava aqui

quando aconteceu o acidente. Foi emocionante ver o VLS montado de novo na base”.

A t u a l m e n t e , a equipe trabalha com o VSisnav, ou Veículo Lan-çador do Sisnav, Sistema de Nave-gação do VLS-1. Antes nomeado VLS-1 XVT-01, o VSisnav é uma versão do VLS-1 que será utilizada para ensaios de navegação em voo. O primeiro lançamento do VSisnav na nova TMI, somente com o primeiro e segundo estágios ativos, estava previsto para 2013, mas foi adia-do. O voo de teste tecnológico do VSisnav foi reagendado para 2014. Com Com poucos recursos, o Projeto VLS caminha lentamen-te, podendo ainda realizar testes, ensaios e preparação de equipe”. O Programa Nacional de Ativida-des Espaciais (PNAE) prevê um lançamento para 2015. Porém, embora os recursos destinados ao Projeto VLS no PNAE sejam da ordem de R$ 45 milhões a R$ 60

milhões anuais, valores modestos, efetivamente o pro-jeto tem recebido menos ainda: R$ 15 milhões. “Um cronograma físico não resiste à falta de recursos”, lamenta Mello Junior.

Também não houve a reposição de pessoal: “Es-tamos com problemas em alguns setores porque o pessoal já se apo-sentou”, reconhece o oficial. Leia a seguir os principais trechos das declarações do tenente-coronel ao Jornal do SindCT:

Quais avanços ocorreram no projeto VLS nestes últimos 10 anos?

O projeto sofreu uma revisão crítica completa e passou-se a adotar a cultura de certificação, melhorando a garantia da qua-lidade dos produtos. O veículo e os meios de solo do IAE e do CLA estão utilizando componen-tes compatíveis com o que há de mais moderno no mundo. A revi-são crítica levou à reestruturação

completa das redes elétricas e re-des pirotécnicas. Dados coletados durante os voos dos veículos V 01 e V 02 também foram minu-ciosamente analisados e soluções de amortecimentos foram implan-tadas visando melhorar a confia-bilidade funcional dos sistemas embarcados. Novos dispositivos de proteção foram criados no am-

biente da plataforma de lançamento, apri-morando a segurança operacional.

Há previsão de voltar a utilizar o DMS? Qual o sta-tus atual do projeto VLS?

Os próximos veí-culos contarão com to-dos os dispositivos ne-cessários para garantia da confiabilidade dos sistemas, reduzindo--se qualquer risco de

incidente para faixa de extrema-mente improvável. Este é o mes-mo nível de segurança que se tem quando se embarca em um avião comercial. O DMS [dispositivo de segurança] a ser empregado já no VSisnav possui acionamento remoto, tendo sido amplamente testado. A filosofia atual do proje-to é a de se cumprir etapas. O or-çamento previsto nos permite que se atinjam até o próximo ano duas metas bem definidas: o ensaio dos sistemas embarcados e o voo do VSisnav. Todo recurso necessário para essas duas metas já está as-segurado. Para a continuidade do projeto, ou seja, lançamento do protótipo do VLS, o XVT-02, e do VLS V 04, será necessária com-plementação de verba. As autori-dades em nossa cadeia de coman-do estão cientes e sensibilizadas com essa situação e buscam a so-lução para o problema. A seguran-ça física, a qualidade do produto e o foco no cumprimento da missão jamais serão comprometidos. O projeto somente seguirá adiante com os recursos necessários para se cumprirem todos os processos do desenvolvimento seguro. Não há exceção.

Fernanda Soares

Registro da Operação Salina, em 2012. No destaque, coronel Mello

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No dia 22 de agosto de 2013, completou 10 anos o acidente com o Veículo

Lançador de Satélites (VLS-1), que para todos os efeitos práticos marcou o fim da Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), que consistia em colocar em órbi-ta um satélite fabricado no Brasil fazendo uso de um foguete brasi-leiro lançado do solo nacional. Os satélites de coleta de dados SCD-1 e SCD-2, partes da MECB, chegaram ao espaço por meio do foguete Pegasus americano, nos anos de 1993 e 1998. O Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) entrou em operação em 1989 e de lá foram realizados dois lan-çamentos do VLS-1, em 1997 e 1999.

A terceira tentativa de lan-çamento ocorreria em agosto de 2003. Infelizmente, uma ig-nição intempestiva de um dos propulsores do primeiro estágio causou uma catástrofe que viti-mou 21 técnicos civis que traba-lhavam na integração no VLS-1 na Torre Móvel de Integração (TMI) do CLA. Desde então, inúmeras previsões sobre o pró-ximo lançamento do VLS-1 têm sido feitas, mas há razões con-cretas para se duvidar de que tal ocorrerá um dia.

O acidente ocorrido em 2003 teve profundo impacto nacional e repercussão internacional. Em fevereiro de 2004 foi divulgado o relatório de investigação do acidente, tornando público muito daquilo que aqueles que traba-lhavam no programa já sabiam: recursos humanos insuficientes, recursos financeiros desprezí-veis, administração autocrática e burocrática, menosprezo aos riscos inerentes à atividade e graves limitações na infraestru-tura do CLA. Muito embora o re-latório tenha causado impacto no cenário nacional, um detalhe foi desprezado: “As características do acidente permitem concluir que a existência de uma barreira mecânica de segurança no siste-ma de ignição dos propulsores do primeiro estágio, após os de-tonadores, poderia ter impedido

o acidente.”Trata-se do

Dispositivo Mecâ-nico de Seguran-ça (DMS), item de segurança que, por falha, impediu o acendimento de um dos motores do primeiro estágio do VLS-1, quando do lançamento em 1997. Em função dos limitados recursos disponíveis e da urgên-cia em se efetuar um novo lança-mento em curto intervalo de tem-po, a então Gerência do Programa VLS-1 tomou a decisão de re-mover esse dispositivo, fato sem paralelo em projeto de veículos do porte do VLS-1. Essa decisão levou à morte dos 21 civis no dia 22 de agosto de 2003.

Além de trazer à luz o modus operandi do projeto VLS-1, o relatório da investigação do aci-dente interrompeu a carreira de um brilhante e honrado militar da Força Aérea Brasileira (FAB). Trata-se do brigadeiro do ar Mar-co Antonio Couto do Nascimen-to, presidente da investigação. À época vice-diretor do CTA, o brigadeiro Couto foi designado para investigar o acidente com o VLS-1, cuja operação de lança-mento, denominada Operação São Luís, tinha como responsável nin-guém menos que o seu superior hierárquico no CTA, o major brigadeiro do ar Tiago da Silva Ribeiro.

Além de di-retor do CTA, o major brigadeiro Ribeiro era o nú-mero um na li-nha de comando da Operação São Luís. Esse nítido conflito de in-teresses causou desconforto na opinião pública e demonstrou uma tentativa da Ae-

ronáutica de resol-ver o assunto den-tro da caserna. Em função de pressões da sociedade civil, o ministro da De-fesa da época, José Viegas, determinou que compusessem a Comissão de Inves-tigação quatro en-tidades: Sociedade

Brasileira de Física (SBF), Socie-dade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Academia Brasileira de Ciências (ABC), além de um representante dos fa-miliares dos 21 civis mortos.

O brigadeiro Couto honrou a sua brilhante carreira na Ae-ronáutica liderando o dificílimo trabalho de investigar e produzir um relatório suficientemente de-talhado do acidente. No entanto, findas as investigações, ele não resistiu às pressões corporativas e optou pelo seu pedido de reserva na FAB.

Ainda sob a comoção pela morte dos 21 civis, o então presi-dente Lula prometeu, entre lágri-mas, apoio às famílias, bem como ao projeto VLS-1, que, segundo ele, seria lançado até 2006. O Co-mando da Aeronáutica contratou especialistas russos para auxilia-rem na investigação do acidente

e, posteriormente, na condução de uma revisão técnica do projeto. A ideia era a de que, com a ajuda daqueles que iniciaram a Era Es-pacial em 1957 com o lançamento do Sputnik, o caminho brasileiro rumo ao espaço se tornasse me-nos difícil.

Em setembro de 2004 a Ae-ronáutica contratou o Grupo de Estudos sobre Organização da Pesquisa e da Inovação (GEO-PI) da Unicamp para elaborar um Projeto de Reorganização Insti-tucional do CTA. Para tanto, fo-ram criados grupos de trabalho, envolvendo servidores e militares com formações diversas e oriun-dos de diferentes setores para que pudessem identificar problemas críticos, elaborar diagnóstico, propor linhas de ação e, finalmen-te, apresentar os Planos Diretores para o CTA e para cada um dos seus institutos que, em princípio, permitiriam, ao longo de sua fase de implementação, redirecionar o futuro da organização.

Dezenas de civis e militares empenharam-se nessa atividade por quase dois anos. Dentre as recomendações desse trabalho es-tava a de separar as atividades de aeronáutica e espaço, a cargo do IAE, voltando ao cenário anterior a 1991, quando as atividades de aeronáutica eram desenvol-

aNálisE

Decisão de remover DMS levou 21 à morte

9Setembro de 2013 n Jornal do SindCt

Fonte: Portal da Transparência do governo federal (http://goo.gl/FjGmhx)

Gastos do PNAE 2007-2013 (em R$)

vidas pelo Instituto de Pesqui-sas e Desenvolvimento (IPD) e as de espaço pelo IAE. Infeliz-mente, nem essa nem as outras recomendações foram atendidas pelo Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento (Deped), à qual o CTA era subordinado. O encaminhamento dado pela FAB foi o de trocar o nome de Deped para Comando-Geral de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (CTA), transferindo sua sede de Brasília para São José dos Campos. Não tardou para que o recém-nasci-do CTA fosse transformado em DCTA, Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial.

Passada uma década do aci-dente, vários dos óbices levanta-dos pelo relatório de investiga-ção do acidente e pelo Projeto de Reorganização Institucional do CTA continuam vigentes, e o pro-jeto VLS-1 jamais retomou o seu rumo. O DCTA continua uma or-ganização burocrática e com baixo índice de realizações. Apesar de se queixar dos parcos recursos que recebe, tem enormes dificuldades para gastá-los, razão pela qual dei-xa de recebê-los no ano seguinte, alimentando assim um ciclo vicio-so. Este quadro não condiz com a rica e brilhante história do CTA em prol do desenvolvimento técnico--científico brasileiro.

Mas não se deve atribuir responsabilidades somente ao DCTA, uma vez que, dentro da estrutura governamental, as ati-vidades espaciais desenvolvidas pelo DCTA, subordinado ao Mi-nistério da Defesa, encontram-se sob a responsabilidade da Agên-cia Espacial Brasileira (AEB), vinculada ao Ministério da Ciên-cia, Tecnologia e Inovação. No ano que antecedeu ao acidente, o orçamento de todo o Programa Espacial Brasileiro foi de apenas US$ 15 milhões. Corroborando a queda de importância do PEB na agenda nacional, em 10 de janei-ro de 2003, por meio do Decreto 4.566, a AEB foi desvinculada da Presidência da República e vinculada ao então Ministério da Ciência e Tecnologia. Como que a coroar a todo este processo, em julho e outubro de 2003 a Câmara dos Deputados e o Senado Fede-ral aprovaram o Acordo de Salva--Guardas Brasil-Ucrânia, visan-do à criação da ACS (Alcântara Cyclone Space) e do CEA (Cen-tro Espacial Alcântara).

O orçamento destinado ao Programa Espacial Brasileiro foi incrementado após o acidente de Alcântara. No entanto, houve poucas mudanças no orçamento destinado ao VLS-1. Os projetos da ACS e do CEA foram as op-ções preferenciais da AEB.

Embora os militares da Aero-náutica se queixem dessa nova opção da AEB, o que se obser-va na prática é o apoio tácito do C o m a n d o da Aero-náutica ao devaneio e desperdício de dinheiro público re-presentado pela ACS e pelo CEA. A cúpula da ACS é for-mada por brigadeiros da reserva da Aeronáutica, dentre os quais o major brigadeiro Ri-beiro, ex-gerente do VLS-1 e co-mandante da Operação São Luís. A cerimônia de posse do atual diretor brasileiro da ACS, briga-deiro Reginaldo, foi prestigiada pelo comandante da Aeronáutica e pelo então diretor do DCTA. A situação é ainda mais grave pelo

fato de que a Aeronáutica não está cumprindo um dos principais itens da Estratégia Nacional de Defesa (END), a qual estabelece que o acesso ao espaço por meios próprios (o destaque é nosso) é estratégico para o país.

Até janeiro de 1994 os recur-sos do VLS-1 eram provenientes da Comissão Brasileira de Ativi-dades Espaciais (COBAE), con-trolada por militares. Em feverei-

ro daquele ano, o go-verno bra-sileiro de-cidiu pela criação da A g ê n c i a E s p a c i a l Bras i le i ra ( A E B ) , à época su-bordinada à Presidência da Repú-

blica, sob comando civil. A AEB surgiu em decorrência de pres-sões internacionais e do desejo do governo brasileiro de reafirmar os propósitos civis do seu progra-ma espacial, que até então tinha também um programa nuclear. Apesar disso, o desenvolvimen-to dos veículos lançadores ficou nas mãos da Aeronáutica e, sob o

ponto de vista orçamentário e or-ganizacional, pouco mudou.

Por ocasião da criação da AEB, o INPE já tinha desenvolvido o projeto dos Satélites de Coleta de Dados, que, junto com o VLS-1 e o Centro de Lançamento de Al-cântara (CLA), era parte do único Programa Espacial Brasileiro de que se tem notícia. O SCD-1 foi lançado em 1993 e o SCD-2 em 1998. Também antes de a AEB ser criada, o Brasil assinou, em 1988, acordo com os chineses para o desenvolvimento dos satélites de sensoriamento remoto da série CBERS, que seriam lançados por foguetes chineses. Este fato marca uma diáspora na MECB, quando INPE e DCTA tomaram rumos divergentes, sem que a AEB te-nha conseguido realizar a gestão do programa. Portanto, quando da criação da agência, IAE e INPE já tinham traçado os seus planos, res-tando pouco à AEB.

Talvez incomodada com a sua situação e preocupada em marcar sua existência, legitimando-se como órgão formulador da po-lítica espacial brasileira, a AEB decidiu tomar a sua primeira grande iniciativa na área espacial, inserindo o Brasil no projeto de construção da Estação Espacial Internacional (ISS). Em resposta às críticas oriundas da sociedade civil, a AEB afirmava que a par-ticipação brasileira na ISS traria enormes benefícios à indústria nacional e, por conseguinte, ao Brasil. Essa participação brasilei-ra dar-se-ia no contexto da parte norte-americana do projeto, re-presentada pela NASA, e tinha um custo estimado de US$ 120 milhões. Para contextualizar, vale registrar que entre 1998 e 2003 o investimento total da AEB no Programa Espacial Brasileiro foi de cerca de US$ 130 milhões, o que demonstra a falta de noção da AEB em levar adiante o projeto da ISS.

Para liderar o esforço brasilei-ro na ISS, a Embraer foi escolhi-da como prime contractor. Como premio de consolação o INPE também foi envolvido nessa via-gem rumo ao nada, enquanto a Aeronáutica ganhava o direito de escolher dentre os seus oficiais pilotos um candidato a astronau-ta para ser treinado na NASA. Foi nesse contexto que surgiu o astronauta brasileiro Marcos Pon-tes. Como a Embraer não era

Muito embora os militares da Aeronáutica se queixem

da AEB, o Comando da Aeronáutica apoia tacitamente

o devaneio e desperdício de dinheiro público representado

pela binacional ACS, cuja cúpulaé formada por brigadeiros da reserva, dentre eles o major

brigadeiro Tiago Ribeiro

Figura extraída do PNAE 2012-2021

Setembro de 2013 n Jornal do SindCt10

capaz de desenvolver os compo-nentes para a ISS, optou-se pela contratação da Boeing americana para auxiliar na especificação e construção das partes.

A pedido da SBPC, um gru-po de especialistas produziu em 2001 uma avaliação do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE). Sobre a participação brasileira na ISS o documento re-gistra (http://goo.gl/mDpYlp):

“Para começar, o conteúdo tecnológico dos subsistemas contratados ao Brasil é baixo e não apresenta nenhuma coerên-cia com a capacitação industrial envolvida nos programas ante-riormente mencionados. Toda a inteligência do programa está sendo conduzida pela empresa americana Boeing, sendo as em-presas brasileiras subcontratadas para fabricação de componentes de baixo valor agregado. Como acontece em projetos desta mag-nitude, os orçamentos estão sen-do continuamente majorados, de tal forma que a participação brasileira (originalmente previs-ta para US$ 120 milhões) está atualmente orçada em mais de US$ 300 milhões, onde uma par-te substancial será contratada no Exterior.”

De fato, feitas as contas, constatou-se que os valores ne-cessários para confecção das pe-ças brasileiras pelos americanos eram muito superiores aos US$ 120 milhões inicialmente previs-tos. Mas a viagem rumo ao nada continuou, assim como críticas públicas a ela. Em artigo escrito em 2003 para o Jornal da Ciên-cia (http://goo.gl/6ijVa1), Rodri-go Guedes, então doutorando da Unicamp, elabora e responde à pergunta do por que o Brasil par-ticipar da ISS. Disse ele: “Porque

ela responde de forma rápida e eficiente ao vazio de legitimação do programa espacial brasileiro.”

Quatro anos depois (2007), o especialista americano John Log-dson declarou ao jornal O Estado de S. Paulo, sobre a participação brasileira na ISS: “O País mostrou entusiasmo, mas não cumpriu ne-nhum dos compromissos que as-sumiu. Depois deu meia volta e decidiu fazer o voo do astronauta (Marcos Pontes) com a Rússia” (http://goo.gl/akcycf).

Envergonhando o nome do Bra-sil no cenário internacional, a AEB jamais assumiu junto à NASA a sua desistência. As ações brasileiras na ISS representam desperdício de re-cursos públicos, danos à imagem do Brasil e crime de lesa-pátria. Por tudo isso, os agentes públicos responsáveis por levarem a cabo essa desventura deveriam ter seus atos investigados pelo Ministério Público e pessoalmente responder pelos seus atos.

Porém, se a AEB não conse-guiu êxito no cenário internacio-nal, no cenário nacional o quadro é ainda mais grave. Ao longo dos seus 19 anos de história, a agência

produziu várias versões do Plano Nacional de Atividades Espaciais (PNAE). Sobre o penúltimo, refe-rente ao período 2005-2014, vale registrar que a AEB não conse-guiu cumprir quaisquer de suas grandes metas, conforme revela o quadro Metas da AEB.

Nem por isso, deixou de pro-duzir mais uma versão do PNAE, que desta feita contempla o perí-odo 2012-2021. Em que pese in-cluir o ano de 2012, o documento só foi publicado em dezembro daquele ano, e sua distribuição à sociedade só ocorreu em 2013. Em que pese novíssimo, parte do PNAE 2012-2021 já virou letras e números mortos. Os recursos pre-vistos para a área de foguetes de sondagem e do VLS-1 não foram contemplados em 2012. O mes-mo quadro se repete em 2013 e, ao que tudo indica, essa será a tô-nica dos próximos anos e o Road map de Acesso ao Espaço previs-to no atual PNAE (vide figura) não será cumprido.

No que se refere ao quadro das Missões Espaciais, o lançamento do satélite CBERS-3 (inicialmen-te previsto para 2011) ainda não

ocorreu. Quanto ao CBERS-4 e ao Amazonas 1 é muito pouco provável que os seus lançamen-tos ocorram em 2014 e 2015, res-pectivamente, conforme previsto. Quanto aos demais satélites, não é possível afirmar com certeza os seus destinos, mas o histórico das atividades espaciais brasileiras sob a batuta da AEB parece indicar que ficarão para o próximo PNAE

A AEB prossegue com os seus planos desvairados. Segundo da-dos da própria agência, em 2011 metade do orçamento do Programa Espacial Brasileiro foi destinado à ACS e ao CEA (http://goo.gl/YZ9VUU). O descalabro repetiu-se em 2012 e, de acordo com o PNAE 2012-2013, repetir-se-á em 2013.

A situação atual permite afir-mar que o outrora Programa Es-pacial Brasileiro foi substituído por um conjunto de atividades espaciais desconexas entre si. O PNAE 2012-2021 é a prova docu-mental disso. E depois algumas dessas autoridades, civis e mi-litares, ainda têm a coragem de dizer que as atividades espaciais brasileiras são objeto de boicote internacional. Diante do descaso com que tratam o PEB, não custa perguntar-lhes: e precisa de boi-cote internacional?

Do ponto de vista do Esta-do brasileiro também se perce-be a desconexão entre as suas intenções e ações. A Estratégia Nacional de Defesa (END), de 2008, estabelece o domínio com-pleto dos ciclos de produção de satélite, lançamento e comuni-cação. O Plano Plurianual (PPA 2012/2015) prevê o desenvolvi-mento de oito satélites e o lança-mento de 40 foguetes suborbitais e de treinamento. Quem está no controle disso tudo?

Metas da AEB (PNAE 2005-2014)

Gastos diretos do Governo Federal com o PNAE

2013Despesas já executadas

11Setembro de 2013 n Jornal do SindCt

Fonte: Portal da Transparência do governo federal (http://goo.gl/FjGmhx)

PNAE

O acidente com o foguete Veículo Lançador de Saté-lites (VLS), no centro de

lançamento de Alcântara, no Ma-ranhão, que vitimou 21 técnicos e engenheiros do então Centro Téc-nico Aeroespacial (CTA), acaba de completar dez anos. Além de ser um momento importante para se homenagear estes servidores que perderam suas vidas enquan-to atuavam em missão oficial em prol do desenvolvimento tecno-lógico do país, é também um mo-mento para se avaliar o que acon-teceu de relevante nesta década no âmbito do Programa Espacial Brasileiro (PEB).

Em primeiro lugar é impor-tante lembrar que, no período que antecedeu a tragédia de Alcântara, os recursos públicos destinados ao PEB sempre estiveram muito aquém da necessidade dos pro-jetos, em particular ao longo da década de 1990. Neste período, o orçamento médio anual destinado à execução do Plano Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) não chegou a US$ 50 milhões, muito pouco se comparado ao orçamen-to de agências espaciais de países do porte do Brasil, como China, com um orçamento de US$ 500 milhões, e Índia, com US$ 815 milhões (apenas a título de refe-rência, a agência norte-americana Nasa tem um orçamento anual de US$ 17 bilhões). Levando-se em conta que, deste total, apenas uma pequena parcela era destinada es-pecificamente ao desenvolvimento do VLS, pode-se concluir que o projeto praticamente “vegetou” ao longo daquela década.

A partir de 2003, logo após o acidente com o VLS, o orçamen-to do PNAE sentiu uma melhora, atingindo nos últimos dez anos o patamar médio de US$ 100 mi-lhões anuais, valor ainda muito distante da necessidade que um programa desta natureza exige. Outro fato que merece destaque diz respeito à carência de recursos humanos nos institutos públicos de pesquisa responsáveis pela execu-ção do programa espacial, como

o Instituto Nacional de Pesquisas Es-paciais (INPE) e o DCTA. As décadas de contratações des-continuadas, com a abertura insuficien-te de vagas para concursos públicos, além do crescimen-to do número de aposentadorias, le-varam a uma dramática redução de pessoal, comprometendo direta-mente a capacidade destas institui-ções de levarem a cabo sua missão.

“Atalho” duvidosoMas o que dizer especificamen-

te do desenvolvimento do VLS, tra-gicamente interrompido em 2003? O que mudou nestes dez anos? Infelizmente avançamos muito pouco, sendo que em alguns ca-sos retrocedemos. Basta dizer que a reconstrução da torre de lançamen-to do foguete em Alcântara levou dez anos para fi-car pronta. Nestes dez anos, nenhum outro voo de teste foi realizado com o VLS, e há fortes indícios de que um novo teste com o foguete completo dificilmente acon-tecerá nos próxi-mos anos. É im-portante que se diga que na história dos programas espaciais de países que assumiram o desafio de obter acesso autônomo ao espaço, não existe registro de algum que tenha levado tantas décadas para alcan-çar seu objetivo.

Na tentativa de buscar um “ata-lho” para se obter acesso ao espa-ço, o governo brasileiro criou em agosto de 2006, em cooperação com o governo da Ucrânia, a bi-nacional Alcantara Cyclone Spa-ce (ACS), com o objetivo de se fazer lançamentos comerciais de satélites de pequeno e médio por-te utilizando-se um foguete ucra-niano, lançado a partir da base de Alcântara. Tal iniciativa, além de

não prever a transfe-rência de tecnologia para que o Brasil um dia possa desen-volver seu próprio veículo lançador — já que o tratado de salvaguardas cele-brado entre os dois países proíbe expli-citamente esta troca de conhecimento

— ainda drena os parcos recursos do PEB destinados ao desenvolvi-mento do VLS.

Só para se ter uma ideia, no pe-ríodo 2007-2013 os gastos diretos do governo federal com o progra-ma espacial somaram US$ 900 mi-lhões (ver gráfico na p. 9). Deste total, foram destinados ao VLS US$ 51,1 milhões. Em contrapar-tida, neste mesmo período a ACS consumiu dos cofres públicos um

total de US$ 220,8 milhões, utili-zados na capitalização da empresa. Estes números evidenciam que, para o governo, o programa VLS perdeu sua importância, com a ACS levando quatro vezes mais re-cursos do que o projeto do foguete nacional.

Rotatividade Por fim, há ainda as dificul-

dades relacionadas aos aspectos gerenciais e administrativos do programa VLS, em particular, e do programa espacial, em geral. O programa VLS tem como órgão executor o DCTA, vinculado ao Comando da Aeronáutica. Por con-ta disso, a gerência do programa é

exercida por militares durante cur-tos períodos de tempo, sendo cons-tantemente substituídos à medida em que vão ascendendo na hierar-quia da corporação. Considerando que projetos complexos e de lon-ga duração como o VLS requerem equipes perenes e experientes, em particular nos postos de comando, a rotatividade de cargos da carrei-ra militar em nada contribui para o bom andamento do programa.

O mesmo acontece com a pró-pria Agência Espacial Brasilei-ra, responsável pela condução do PEB. Apesar de ser uma autarquia do governo federal comandada por civis, na prática vem servin-do como moeda de troca junto aos partidos que compõem a base aliada do governo no Congresso Nacional. Isto explica o porquê de nestes dez anos a AEB já ter tido sete presidentes, com mandatos

que têm durado, em média, um ano e meio cada.

Mais do que nunca é preciso que o Estado brasileiro adote uma políti-ca clara e objetiva para a área espacial. Além de investi-mento maciço e continuado de re-cursos e da abertura de concursos públi-cos para a recom-posição das equipes técnicas, é preciso ter coragem e von-

tade política para se fazer as refor-mas administrativas que o progra-ma necessita, assim como pôr fim às tentações de se buscar “atalhos”, que ao fim e ao cabo somente têm servido para desperdiçar recursos públicos e tirar o foco daquilo que é o mais importante, a autonomia do país no acesso ao espaço. Ou o governo assume esta tarefa, ou estará passando um claro recado à sociedade de que, na prática, o sonho do VLS acabou, só restando discursos e parcos recursos.

Gino Genaro é doutor na área de radiação térmica, tecnologista do INPE e secretário de formação sindical do SindCT

Trágica interrupçãoGino Genaro

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