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A realidade tributária brasileira Definir nossa realidade tributária com base apenas na carga excessiva, atualmente na faixa dos 35% do PIB, chega a ser uma análise simplista, muitas vezes com viés emocional. Menospreza o fato, por exemplo, de estar diminuindo a produção de bens e serviços não reportada ao governo, com o intuito de sonegar impostos, evadir contribui- ções à seguridade social, descumprir leis trabalhistas e evitar outros custos inerentes à formalidade.

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Page 1: View JFS - Julho 2012

A realidade tributária brasileiraDefinir nossa realidade tributária com base apenas na carga excessiva, atualmente na faixa dos 35% do PIB, chega a ser uma análise simplista, muitas vezes com viés emocional. Menospreza o fato, por exemplo, de

estar diminuindo a produção de bens e serviços não reportada ao governo, com o intuito de sonegar impostos, evadir contribui-

ções à seguridade social, descumprir leis trabalhistas e evitar outros custos inerentes à formalidade.

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No geral, a Receita Federal do Brasil, responsável pela gestão de mais de 80% do tributos aqui arrecadados, tem sido considerada uma instituição exemplar em

planejamento e administração.

A realidade tributária brasileiraToda essa economia subterrânea, que chegou a representar 21% da produção nacional em 2003, atualmente se situa na faixa dos 18%, segundo estudos da FGV. Mesmo assim, ainda convivemos com um "por fora" do tamanho da Argentina, o que nos mantém bem acima da média mundial, estimada em 10%.No geral, porém, a Receita Federal do Brasil (RFB), responsável pela gestão de mais de 80% do tributos aqui arrecadados, tem sido considerada uma instituição exemplar em planejamento e administração.O órgão federal não mede esforços para cum-prir seu plano estratégico de aproximar a arre-cadação efetiva da potencial. Prova disso é o Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), hoje uma referência para outros países em virtude de suas características e resultados.Na prática, o Sped age aumentando gigantes-

camente a percepção de risco dos contribuin-tes, uma vez que todas as informações empre-sariais são transmitidas eletronicamente ao Fisco no tocante a cadastro de clientes, forne-cedores e produtos; documentos fiscais de compra e venda; apuração tributária, inventá-rio e, em um futuro bem próximo, também na esfera trabalhista.Gigantescos também são os números em torno dele. A NF-e, por exemplo, uma de suas vertentes principais, teve início em 2005 e já abrange 800 mil empresas emissoras e milhões de receptoras.

Amargamos o maior custo de conformidade fiscal e tributária criado em 2006, por sua vez, o Sped Fiscal incluirá até 2014 todos os contri-buintes de ICMS e/ou IPI, cerca de 1,5 milhão de empresas. Após esta data, há fortes indícios de que mais quatro milhões de optantes pelo Simples Nacional entrarão no projeto. O Sped Contábil, por sua vez, absorveu cerca de 150 mil empresas nessa escrituração digital, desde 2007.O festival de siglas inclui ainda CT-e (Conhecimento de Transporte Eletrônico), que inicia o cronograma de obrigatoriedade nacio-nal em 2012 e já conta com mais de oito mil empresas de transporte de cargas participando do projeto e o Fcont (Controle Fiscal Contábil de Transição), modelo de escrituração para apontar diferenças entre um padrão vigente e outro revogado, tornando-se uma anomalia

jurídica, fiscal e contábil, para dizer o mínimo.Já a EFD-Contribuições, originalmente denomi-nada EFD-PIS/Cofins, abarcou em tempo recorde 150 mil pessoas jurídicas sujeitas à tributação com base no lucro real e incluirá também em 2012, caso não haja adiamento, outras 1,5 milhão de empresas do lucro presu-mido. Ou seja, em um prazo alucinante, pequenas empresas contábeis foram igual-mente tragadas pelo Sped.Em 2013, entra em cena a EFD-Social, cujo objetivo é instituir uma versão digital da folha de pagamento e outras informações fiscais, previdenciárias e trabalhistas. Com a novida-de, espera-se outro aumento expressivo da base de arrecadação, considerando-se estima-tivas da própria RFB: aproximadamente 30% dos trabalhadores autônomos e empregados domésticos se encontram na mais absoluta informalidade.Enfim, muito do que antes era um eterno arquivo morto em papel, armazenado até mesmo em Kombis incendiárias, agora transita pela sofisticada nuvem fiscal digital.A questão, porém, é a eficiência desse modelo. Afinal, a que custo rumamos para indicadores de formalização compatíveis aos das nações desenvolvidas?

Com 33 alterações em normas tributárias por dia, segundo o Instituto Brasileiro de Planeja-mento Tributário (IBPT), o que a maioria das empresas vivencia é um verdadeiro terrorismo fiscal.Em meio a regras tão instáveis, complexas e antagônicas, amargamos o maior custo de con-formidade fiscal e tributária em um ranking de 183 países, conforme estudo do Banco Mun-dial.Nada de se estranhar frente a 27 legislações normatizando os tributos estaduais e cerca de 5.565 fazendo o mesmo nos municípios, sem contar as leis federais, muitas vezes contradi-tórias ao regulamentar dezenas de impostos e contribuições.Para complicar ainda mais, decretos, portarias, instruções normativas e outros dispositivos

infralegais promovem uma autêntica ditadura tributária, patrocinada por regras surgidas ao sabor de canetadas e frequentemente travesti-das com o manto sagrado do benefício.Dessa forma, a incrível competência em con-trole e arrecadação de tributos acabou gerando um intricado paradoxo: nossa competitividade é muito mais prejudicada pela ineficiência do sistema tributário do que propriamente favore-cida por sua comprovada eficácia.Bom mesmo seria se as nossas autoridades compreendessem que "a simplicidade é o último degrau da sabedoria". Ao aplicar esta máxima de Khalil Gibran ao sistema tributário brasileiro, teríamos a união de eficácia com a eficiência, potencializando assim o empreende-dorismo naquele que já é o "país da transpa-rência", pelo menos no mundo empresarial.

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Autor: Roberto Dias Duarte Administrador de empresas com MBA pelo Ibmec.

Toda essa economia subterrânea, que chegou a representar 21% da produção nacional em 2003, atualmente se situa na faixa dos 18%, segundo estudos da FGV. Mesmo assim, ainda convivemos com um "por fora" do tamanho da Argentina, o que nos mantém bem acima da média mundial, estimada em 10%.No geral, porém, a Receita Federal do Brasil (RFB), responsável pela gestão de mais de 80% do tributos aqui arrecadados, tem sido considerada uma instituição exemplar em planejamento e administração.O órgão federal não mede esforços para cum-prir seu plano estratégico de aproximar a arre-cadação efetiva da potencial. Prova disso é o Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), hoje uma referência para outros países em virtude de suas características e resultados.Na prática, o Sped age aumentando gigantes-

camente a percepção de risco dos contribuin-tes, uma vez que todas as informações empre-sariais são transmitidas eletronicamente ao Fisco no tocante a cadastro de clientes, forne-cedores e produtos; documentos fiscais de compra e venda; apuração tributária, inventá-rio e, em um futuro bem próximo, também na esfera trabalhista.Gigantescos também são os números em torno dele. A NF-e, por exemplo, uma de suas vertentes principais, teve início em 2005 e já abrange 800 mil empresas emissoras e milhões de receptoras.

Amargamos o maior custo de conformidade fiscal e tributária criado em 2006, por sua vez, o Sped Fiscal incluirá até 2014 todos os contri-buintes de ICMS e/ou IPI, cerca de 1,5 milhão de empresas. Após esta data, há fortes indícios de que mais quatro milhões de optantes pelo Simples Nacional entrarão no projeto. O Sped Contábil, por sua vez, absorveu cerca de 150 mil empresas nessa escrituração digital, desde 2007.O festival de siglas inclui ainda CT-e (Conhecimento de Transporte Eletrônico), que inicia o cronograma de obrigatoriedade nacio-nal em 2012 e já conta com mais de oito mil empresas de transporte de cargas participando do projeto e o Fcont (Controle Fiscal Contábil de Transição), modelo de escrituração para apontar diferenças entre um padrão vigente e outro revogado, tornando-se uma anomalia

jurídica, fiscal e contábil, para dizer o mínimo.Já a EFD-Contribuições, originalmente denomi-nada EFD-PIS/Cofins, abarcou em tempo recorde 150 mil pessoas jurídicas sujeitas à tributação com base no lucro real e incluirá também em 2012, caso não haja adiamento, outras 1,5 milhão de empresas do lucro presu-mido. Ou seja, em um prazo alucinante, pequenas empresas contábeis foram igual-mente tragadas pelo Sped.Em 2013, entra em cena a EFD-Social, cujo objetivo é instituir uma versão digital da folha de pagamento e outras informações fiscais, previdenciárias e trabalhistas. Com a novida-de, espera-se outro aumento expressivo da base de arrecadação, considerando-se estima-tivas da própria RFB: aproximadamente 30% dos trabalhadores autônomos e empregados domésticos se encontram na mais absoluta informalidade.Enfim, muito do que antes era um eterno arquivo morto em papel, armazenado até mesmo em Kombis incendiárias, agora transita pela sofisticada nuvem fiscal digital.A questão, porém, é a eficiência desse modelo. Afinal, a que custo rumamos para indicadores de formalização compatíveis aos das nações desenvolvidas?

Com 33 alterações em normas tributárias por dia, segundo o Instituto Brasileiro de Planeja-mento Tributário (IBPT), o que a maioria das empresas vivencia é um verdadeiro terrorismo fiscal.Em meio a regras tão instáveis, complexas e antagônicas, amargamos o maior custo de con-formidade fiscal e tributária em um ranking de 183 países, conforme estudo do Banco Mun-dial.Nada de se estranhar frente a 27 legislações normatizando os tributos estaduais e cerca de 5.565 fazendo o mesmo nos municípios, sem contar as leis federais, muitas vezes contradi-tórias ao regulamentar dezenas de impostos e contribuições.Para complicar ainda mais, decretos, portarias, instruções normativas e outros dispositivos

infralegais promovem uma autêntica ditadura tributária, patrocinada por regras surgidas ao sabor de canetadas e frequentemente travesti-das com o manto sagrado do benefício.Dessa forma, a incrível competência em con-trole e arrecadação de tributos acabou gerando um intricado paradoxo: nossa competitividade é muito mais prejudicada pela ineficiência do sistema tributário do que propriamente favore-cida por sua comprovada eficácia.Bom mesmo seria se as nossas autoridades compreendessem que "a simplicidade é o último degrau da sabedoria". Ao aplicar esta máxima de Khalil Gibran ao sistema tributário brasileiro, teríamos a união de eficácia com a eficiência, potencializando assim o empreende-dorismo naquele que já é o "país da transpa-rência", pelo menos no mundo empresarial.