vieira | metodologia cientÍfica para a Área da saÚde

32
2 2 ª Edição Sonia Vieira William Saad Hossne Metodologia Científica SAÚDE para a Área da Metodologia Científica

Upload: elsevier-saude

Post on 07-Apr-2016

241 views

Category:

Documents


24 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

2ª E

diçã

o

2ª Edição

Sonia Vieira William Saad Hossne

Metodologia Científica

SAÚDEpara a Área da

Sonia Vieira William Saad Hossne

Metodologia Científica

SAÚDEpara a Área da

2ª Edição

Vieira I Hossne

Metodologia Científica para a Área da

SAÚDE

Classificação de Arquivo RecomendadaMETODOLOGIA CIENTÍFICA

www.elsevier.com.br/medicina

Este livro apresenta tópicos de metodologia científica quantitativa aplicada à área da saúde, com o propósito de compartilhar e disseminar conhecimen-

tos dessa área. Traz referências e citações das regulamentações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) sobre esse assunto, além de fazer menções às disposições da Agência de Alimentos e Drogas (Food and Drug Administration - FDA) dos Estados Unidos da América.

Os capítulos estão organizados de maneira didática, utilizando diagramas para complementar os diferentes tipos de estudos clínicos. São apresentados exemplos em trabalhos científicos publicados nas revistas especializadas de diversas áreas, o que facilita a fixação de conceitos e dá maior sentido ao que foi aprendido.

Nesta segunda edição, os diferentes tópicos de metodologia científica para a área de saúde foram expostos de forma mais clara, foram acrescentadas novas pesquisas em seres humanos e foram atualizadas as referências às normas e à legislação brasileiras.

Metodologia Cientifica finalizada.indd 1 2/5/15 5:52 PM

Metodologia Científi ca para

a Área da Saúde

C0055.indd iC0055.indd i 22/01/15 1:09 AM22/01/15 1:09 AM

C0055.indd iiC0055.indd ii 22/01/15 1:09 AM22/01/15 1:09 AM

Metodologia Científi ca para a Área da Saúde

SONIA VIEIRA

WILLIAM SAAD HOSSNE

2a ed.

C0055.indd iiiC0055.indd iii 28/01/15 2:43 AM28/01/15 2:43 AM

@ 2015, Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei no 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográfi cos, gravação ou quaisquer outros.

ISBN: 978-85-352-7715-9 ISBN (versão digital): 978-85-352-8286-3

Capa Mello & Mayer Design

Editoração Eletrônica Thomson Digital

Elsevier Editora Ltda. Conhecimento sem Fronteiras

Rua Sete de Setembro, 111 – 16 o andar 20050-006 – Centro – Rio de Janeiro – RJ

Rua Quintana, 753 – 8 o andar 04569-011 – Brooklin – São Paulo – SP

Serviço de Atendimento ao Cliente 0800 026 53 40 [email protected]

Consulte nosso catálogo completo, os últimos lançamentos e os serviços exclusivos no site www.elsevier.com.br.

NOTA Como as novas pesquisas e a experiência ampliam o nosso conhecimento, pode haver necessidade de alteração dos métodos de pesquisa, das práticas profi ssionais ou do tratamento médico. Tanto médicos quanto pes-quisadores devem sempre basear-se em sua própria experiência e conhecimento para avaliar e empregar quaisquer informações, métodos, substâncias ou experimentos descritos neste texto. Ao utilizar qualquer informação ou método, devem ser criteriosos com relação a sua própria segurança ou a segurança de outras pessoas, incluindo aquelas sobre as quais tenham responsabilidade profi ssional. Com relação a qualquer fármaco ou produto farmacêutico especifi cado, aconselha-se o leitor a cercar-se da mais atual informação fornecida (i) a respeito dos procedimentos descritos, ou (ii) pelo fabricante de cada produto a ser administrado, de modo a certifi car-se sobre a dose recomendada ou a fórmula, o método e a duração da administração, e as contraindicações. É responsabilidade do médico, com base em sua experiência pessoal e no conhecimento de seus pacientes, determinar as posologias e o melhor tratamento para cada paciente individualmente, e adotar todas as precauções de segurança apropriadas.

Para todos os efeitos legais, nem a Editora, nem autores, nem editores, nem tradutores, nem revisores ou colaboradores, assumem qualquer responsabilidade por qualquer efeito danoso e/ou malefício a pessoas ou propriedades envolvendo responsabilidade, negligência etc. de produtos, ou advindos de qualquer uso ou emprego de quaisquer métodos, produtos, instruções ou ideias contidos no material aqui publicado.

O Editor

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

V718m

Vieira, Sonia, 1942-Metodologia científi ca para a área da saúde / Sonia Vieira; William Saad Hossne.

- [2. ed.] - Rio de Janeiro : Elsevier, 2015.: il. ; 23 cm.

Inclui bibliografi aISBN 978-85-352-7715-9

1. Ciências médicas - Pesquisa - Metodologia. 2. Medicina. I. Hossne, William Saad. II. Título.

15-19118 CDD: 610 CDU: 61

C0060.indd ivC0060.indd iv 22/01/15 1:13 AM22/01/15 1:13 AM

v

P R E F Á C I O

O emprego da análise estatística na pesquisa biomédica constitui, sem dúvida alguma, um fenômeno marcante. Este aprimoramento da metodologia científi ca levou não somente à maior objetividade na análise dos resultados, como também ao aprofundamento do es-pírito crítico do pesquisador. Desse modo, procurou-se substituir a impressão na base do “eu acho” pela análise criteriosa dos achados.

O fenômeno, no entanto, foi acompanhado de algumas distorções de certa gravidade. Assim, alguns passaram a considerar a análise estatís-tica como ornamento indispensável para um trabalho de pesquisa, sem atentar para a indicação, conveniência e adequação da metodologia; ou-tros – como já disse alguém – usavam a análise estatística como o bêbado usa o poste, isto é, como ponto de apoio e não fonte de iluminação.

Não deixaram de surgir, principalmente nas áreas aplicadas, grupos que se digladiavam: um grupo querendo ver estatística aplicada sem-pre, mesmo quando desnecessária, e o outro repudiando a estatística sistematicamente, com o argumento de que os fenômenos biológicos, tão variados e complexos, não podiam ser submetidos às ciências exatas. Em outras palavras, a “técnica” não podia superar a “arte”.

Embora tenham ocorrido tropeços, a metodologia estatística ga-nhou, gradativamente, espaço nas pesquisas feitas na área de saúde; o que, é claro, não foi um processo fácil. De um lado fi cava o pesqui-sador, sem conhecimento de delineamento de pesquisa e de técnicas estatísticas, conduzia a pesquisa e depois procurava o estatístico, muitas vezes sem nem saber o que desejava fazer com seus dados. Não era rara a indagação ao estatístico: “será que esses dados dão tese?”. Do outro lado fi cava o estatístico, sem formação em biologia e sem conhecimento da natureza dos fenômenos estudados, sem entender a lógica da pesquisa e sem informação quanto ao modo como os dados haviam sido coletados. Aplicava, então, testes estatísticos, muitas vezes de maneira inadequada ou, até mesmo, errada.

Apesar dessas distorções ou, principalmente, por causa dessas dis-torções, busca-se compreender, cada vez mais, o papel da estatística

C0065.indd vC0065.indd v 27/01/15 4:07 PM27/01/15 4:07 PM

vi PREFÁCIO

na pesquisa biomédica. Como resultado, noções essenciais como “delineamento”, “variabilidade” e “hipótese” vêm sendo mais bem assimiladas pelos profi ssionais da área da saúde.

Contudo, às vezes, o clínico ainda se pergunta: “será que o es-tudo de médias, porcentagens, signifi cância estatística pode ser mais importante que o estudo do caso?”. Dito de outra maneira, ao pa-ciente interessa o que acontece com ele ou o que acontece com mais frequência? É lógico que ao paciente interessa o que acontece com ele. No entanto, para saber o que acontece com determinado paciente, é preciso saber o que ocorre em situações análogas às desse paciente, exatamente para entender o que acontece com ele. Em outras pala-vras, a metodologia deve trazer elementos para a compreensão do fenômeno em geral, e do indivíduo, em particular.

Não há, portanto, paradoxo real no fato de a metodologia estatística, que tem seus primórdios ligados às ciências físicas e naturais, ser aplicada às ciências da saúde. Importante é aprender a aplicar essa metodologia e saber respeitar a dignidade do ser humano. Em suma, importante é valorizar o projeto de pesquisa em seus aspectos essenciais, que incluem o delineamento estatístico correto e o comportamento ético.

Este livro apresenta alguns tópicos da metodologia científi ca quan-titativa aplicada à área de saúde. Os capítulos estão organizados de maneira didática, de modo a satisfazer tanto o leitor menos informado quanto o mais bem informado sobre o assunto. São dados exemplos de diversas áreas, apesar de não ser fácil encontrá-los, visto que estudos clínicos são muito complexos e é preciso lê-los na íntegra para buscar o detalhe que possa ilustrar um ponto específi co do método em discussão.

Este trabalho somente foi possível porque muitas pessoas nos encorajaram a escrever. Ficam aqui registrados nossos agradecimentos aos professores que leram os manuscritos e fi zeram sugestões: Bruno Rodolfo Schlemper Junior, da Universidade Federal de Santa Ca-tarina; Paulo Christo Coutinho da Silva, do Hospital São Camilo; Marcos de Almeida e José Marques Filho, do Centro Universitário São Camilo. Devemos, também, agradecimentos à Editora Cam-pus-Elsevier, pela confi ança depositada em nosso trabalho.

Os autores

C0065.indd viC0065.indd vi 27/01/15 4:07 PM27/01/15 4:07 PM

vii

S U M Á R I O

1 Noções Básicas 1 1.1. O que é pesquisa? 1 1.2. O que é estudo clínico? 4

1.2.1. Protocolo de pesquisa 71.2.2. Termo de consentimento livre e esclarecido 81.2.3. Comitê de Ética em Pesquisa e Comissão Nacional

de Ética em Pesquisa 10 1.3. Onde são encontradas pessoas para participar

de estudos clínicos? 12 1.4. Os estudos clínicos estão associados a benefícios ou a

danos? 15 1.5. Onde são feitos os estudos clínicos e com quais

recursos? 17 1.6. Resumo 18

2 Ensaios Clínicos: Defi nições 19 2.1. O que é ensaio clínico? 19 2.2. O que é controle negativo e o que é controle

positivo? 20 2.3. O que é controle histórico? 23 2.4. O que é ensaio em paralelo? 24 2.5. O que é braço do estudo? 25 2.6. Como os participantes são designados para cada braço

do estudo? 29 2.7. Existe alternativa para a randomização? 36 2.8. Resumo 38

3 Ensaios Clínicos: Mais Defi nições 41 3.1. O que é variável resposta ou desfecho clínico? 42 3.2. O que é variável resposta substituta? 44 3.3. O que são ensaios cegos, duplamente cegos, triplamente

cegos, abertos? 46 3.4. O que são sujeitos ingênuos em ensaios clínicos? 51 3.5. O que é confundimento? 55 3.6. O que é washout? 57 3.7. O que é período de run-in? 58 3.8. O que é intenção de tratar? 60

C0070.indd viiC0070.indd vii 27/01/15 4:01 AM27/01/15 4:01 AM

viii SUMÁRIO

3.9. O que é follow-up? 64 3.10. Resumo 65

4 Delineamento de Ensaios Clínicos 67 4.1. O que é delineamento do ensaio? 68

4.1.1. O que é ensaio clínico randomizado? 684.1.2. O que é randomização blocada? 704.1.3. O que é randomização estratifi cada? 744.1.4. O que é delineamento cruzado? 784.1.5. O que é ensaio clínico “antes e depois”? 804.1.6. O que é delineamento fatorial? 82

4.2. O que são ensaios multicêntricos? 85 4.3. Por que são necessários delineamentos complexos? 86 4.4. Resumo 88

5 Ensaios Clínicos em Farmacologia e Cirurgia 91 5.1. Ensaios clínicos em farmacologia 91 5.2. Fases de uma pesquisa clínica em farmacologia 93

5.2.1. Fase I: teste de segurança 935.2.2. Fase II: teste de efetividade 945.2.3. Fase III: teste de efi cácia em grandes

populações 965.2.4. Fase IV: teste dos efeitos em longo prazo 97

5.3. Ensaios exploratórios e ensaios pragmáticos 100 5.4. Ensaios de superioridade, de equivalência, de não

inferioridade 101 5.5. Ensaios clínicos em cirurgia 106 5.6. Resumo 108

6 Estudos Observacionais 111 6.1. O que é estudo coorte? 112

6.1.1. O que é estudo coorte prospectivo? 1136.1.2. O que é estudo coorte retrospectivo? 115

6.2. O que é estudo de caso-controle 117 6.3. Qual é a diferença entre estudo coorte retrospectivo

e estudo de caso-controle? 121 6.4. O que é estudo transversal? 122 6.5. O que é estudo de casos? 124 6.6. Resumo 128

7 Dados Primários e Dados Secundários 131 7.1. O que são dados primários e o que são dados

secundários? 132

C0070.indd viiiC0070.indd viii 27/01/15 4:01 AM27/01/15 4:01 AM

SUMÁRIO ix

7.2. O que é análise primária e o que é análise secundária? 136

7.3. O que é análise provisória? 137 7.4. O que é delineamento adaptável? 140 7.5. Dados publicados são sempre confi áveis? 141 7.6. Quais erros são mais comuns? 143

7.6.1. O que é erro de medida? 1437.6.2. O que é erro de delineamento? 1457.6.3. O que é erro de tamanho da amostra? 1457.6.4. O que é erro de falta de resposta? 146

7.7. Devem ser usados dados obtidos de forma não ética? 147

7.8. Resumo 149

8 Revisão da Literatura 151 8.1. O que é revisão sistemática da literatura? 152 8.2. Como são escolhidos os trabalhos que devem ser

revistos? 153 8.3. Como se julga a qualidade de um estudo clínico? 155 8.4. O que é metanálise? 159 8.5. O que é Medicina Baseada em Evidência? 162 8.6. O que é pesquisa documental? 164 8.7. Resumo 165

9 Estatística: Mito e Realidade 167 9.1. Por que fazer um teste estatístico? 170 9.2. O teste estatístico é uma prova? 171 9.3. Uma diferença pode ser estatisticamente signifi cante

e não ser clinicamente importante? 172 9.4. Uma diferença pode ser clinicamente importante

e não ser estatisticamente signifi cante? 173 9.5. Em quantos pacientes deve ocorrer um efeito

adverso para que esse valor seja estatisticamente signifi cante? 173

9.6. Comentários fi nais 176

Leituras Sugeridas 179

C0070.indd ixC0070.indd ix 27/01/15 4:01 AM27/01/15 4:01 AM

C0070.indd xC0070.indd x 27/01/15 4:01 AM27/01/15 4:01 AM

19

C A P Í T U L O 2 Ensaios Clínicos: Defi nições

Considerações de natureza ética dão pleno apoio à condução de ensaios clínicos, que constituem a maneira correta de estudar a se-gurança e a efi cácia das novas terapias e estabelecer uma comparação adequada com as já existentes no mercado. 1 Por exemplo, a melhor maneira de saber se um novo tratamento para câncer do pulmão é mais vantajoso quando comparado às melhores terapias conheci-das, é conduzindo ensaios clínicos que cumpram as exigências da metodologia científi ca e atendam às questões de ética. Ensaios mal conduzidos, além de usarem participantes sem trazer benefícios para eles próprios ou para o conhecimento científi co, desperdiçam verbas e ainda podem afetar a conduta de outros profi ssionais, que os tomam como verdades ou até como modelos para fazer outros ensaios.

2.1 . O que é ensaio clínico?

Ensaio clínico ( clinical trial ) ou estudo de intervenção ( interventional study ) é um estudo clínico no qual os participantes são designados para receber uma ou mais intervenções (ou nenhuma), para que os pesquisadores possam avaliar os efeitos dessas intervenções em resul-tados biomédicos ou relacionados com a saúde. O procedimento para designar as intervenções (ou nenhuma intervenção) é estabelecido no protocolo. 2

As intervenções podem ser drogas, procedimentos cirúrgicos, procedimentos de laboratório, procedimentos radiológicos, dis-positivos para uso em humanos, métodos de diagnóstico, métodos

1 Panter AT, Sterba SK. Handbook of ethics in quantitative methodology. Nova York, Routledge, 2011.

2 Glossary of Common Site Terms. Disponível em: http://clinicaltrials.gov/ct2/about-studies/glossary . Acesso em 10 de junho de 2014.

C0010.indd 19C0010.indd 19 27/01/15 2:45 AM27/01/15 2:45 AM

20 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE

preventivos etc. Tais intervenções são aplicadas aos participantes dos ensaios clínicos de maneira padronizada, seguindo um protocolo de pesquisa. Nem todos os participantes são submetidos às intervenções ao mesmo tempo, mas é preciso que todos sejam monitorados durante o mesmo período de tempo ou até determinado desfecho. Os pesquisadores devem manter os riscos dos ensaios no menor patamar possível, procurando maximizar os benefícios para os próprios participantes.

EXEMPLO 2-1

Foi conduzido um ensaio clínico 3 para comparar a velocidade de ação de duas drogas (ticagrelor e clopidogrel) indicadas para prevenir a formação de coágulos de sangue que podem causar infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular cerebral (AVC). As drogas inibem a agregação de plaquetas (fragmentos de células que compõem o sangue). Essa agregação é parte da sequência de eventos que conduzem à formação de coágulos. O objetivo desse ensaio clínico foi comparar a ação das duas drogas (ticagrelor e clopidogrel) sobre a velocidade da inibição de plaquetas. Os participantes dos dois grupos foram monitorados durante o mesmo período de tempo .

2.2 . O que é controle negativo e o que é controle positivo?

Para estudar o efeito de uma intervenção experimental, seria neces-sário observar o que acontece quando a intervenção é aplicada e o que teria acontecido se a intervenção não tivesse sido aplicada. No entanto, isso é impossível. Então o pesquisador faz o seguinte (conforme a Figura 2-1 ):

� Toma um conjunto de participantes com características demo-gráfi cas similares e na mesma condição de saúde;

3 Paul AG. et al . The ONSET/OFFSET Study: Effects of Ticagrelor Versus Clopido-grel in Patients With Stable Coronary Artery Disease Assessment of the ONSET and OFFSET of the Antiplatelet. Circulation. 2009;120:2577-2585.

C0010.indd 20C0010.indd 20 27/01/15 2:45 AM27/01/15 2:45 AM

2—ENSAIOS CLÍNICOS: DEFINIÇÕES 21

� Divide o conjunto de participantes em dois grupos; � Administra a intervenção experimental para um dos grupos; � Deixa o outro grupo sem a intervenção. Os resultados obtidos no grupo experimental 4 (que recebe a interven-

ção experimental) são comparados com os resultados obtidos no grupo que não recebe a intervenção experimental, denominado grupo-controle.

Controles negativos são pacientes que, durante o ensaio clínico, recebem apenas placebo.

No teste de drogas terapêuticas, em situações específicas, o grupo-controle recebe apenas placebo , isto é, uma substância similar à droga quanto ao aspecto, gosto, cor, cheiro, embalagem etc. – mas inerte farmacologicamente. 5 Isso garante que a resposta do paciente seja explicada pela droga e não pelo fato de se sentir tratado.

Grupo experimental Grupo controle

Compara resultados

Figura 2-1 Ensaio comparativo

4 Alguns autores dizem grupo tratado. 5 Subdose de droga ativa também é placebo.

C0010.indd 21C0010.indd 21 27/01/15 2:45 AM27/01/15 2:45 AM

22 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE

O uso de controles negativos exige avaliação cuidadosa. Existem diretrizes internacionais e regulamentação no Brasil que tratam as condições de uso do placebo. O projeto de pesquisa precisa:

“(...) ter plenamente justifi cada, quando for o caso, a utilização de placebo, em termos de não malefi cência e de necessidade metodológica, sendo que os benefícios, os riscos, as difi culda-des e a efetividade de um novo método terapêutico devem ser testados, comparando-o com os melhores métodos profi láticos, diagnósticos e terapêuticos atuais. Isso não exclui o uso de pla-cebo ou nenhum tratamento em estudos nos quais não existam métodos provados de profi laxia, diagnóstico ou tratamento.”

Resolução n° 466/12, item III.2b 6 O pesquisador é a pessoa mais qualifi cada para saber se o uso de

placebo acarreta apenas desconforto suportável. Embora o paciente deva dar consentimento livre e esclarecido para participar da pesquisa – sendo então informado que pode receber, por exemplo, apenas com-primidos sem potencial de ação – e deva haver uma revisão adequada do protocolo de pesquisa por parte do CEP da instituição, é o pes-quisador quem deve estabelecer o risco que um paciente submetido ao placebo teria de suportar e fazer uma avaliação, à luz da ética profi ssional e da própria consciência.

Em determinadas condições, o uso de placebo é francamente re-provável ou até mesmo ilegal. No entanto, o placebo já foi utilizado para estabelecer, por exemplo, se anovulatórios orais eram efetivos, sem que as mulheres participantes do estudo fossem esclarecidas sobre a possibilidade de estarem recebendo apenas placebo. 7 Já se usou placebo para determinar a dose mínima de AZT que deve ser administrada para grávidas com HIV. 8 A literatura especializada tem muitos exemplos sobre o uso indevido de placebo.

7 Katz J. Experimentation with human beings . Nova York, Russell Sage Foundation, 1972. 8 Mudur G. Indian study of women with cervical lesions called unethical. BMJ 1997

Abril 12;314(7087): 1065.

6 Ver também a Resolução n° 391/99 ( www.anvisa.gov.br/legis/resol391_htm ).

C0010.indd 22C0010.indd 22 27/01/15 2:45 AM27/01/15 2:45 AM

111

C A P Í T U L O 6 Estudos Observacionais

A metodologia para a condução de ensaios clínicos está bem estruturada, principalmente na área de farmacologia. No entanto, não é possível aplicar essa metodologia para comparar condições ou hábitos de vida que não possam ser distribuídos aos participantes da pesquisa por processo aleatório, tais como estudar os efeitos do hábito de fumar na saúde das pessoas, o uso abusivo de bebidas alcoólicas por estudantes universitários ou o estresse em policiais militares. Contudo, podem ser conduzidos es-tudos observacionais em vez dos ensaios clínicos randomizados. Embora nem sempre conclusivos, os estudos observacionais podem gerar hipó-teses, propor perguntas, identifi car fatores de risco, fornecer estimativas sobre incidência, prevalência e prognóstico de doenças – informações importantes para o planejamento de ensaios clínicos randomizados.

Os estudos observacionais não levantam questões de ética porque os participantes não são designados para grupos por processo aleató-rio, como acontece nos ensaios clínicos randomizados. No entanto, os participantes de pesquisa podem ser convidados para responder questionários, comparecer periodicamente aos centros de pesquisa para exames biométricos ou ser submetidos a testes laboratoriais e diagnósticos, às vezes invasivos.

A preocupação com a validade dos estudos observacionais aumen-tou muito e passou a ser mais debatida depois que fi cou demonstrado, por meio de ensaio clínico randomizado, que a terapia de reposição hormonal pós-menopausa, diferentemente do que apontavam os estudos observacionais, aumenta o risco de doenças cardiovascula-res em mulheres sadias. 1 Ficou então claro que achados de estudos

1 Writing Group for the Women’s Health Initiative I. Risks and benefi ts of estrogen plus progestin in healthy postmenopausal women: principal results From the Wo-men’s Health Initiative randomized controlled trial. JAMA 2002; 288(3):321-333.

C0030.indd 111C0030.indd 111 27/01/15 2:42 PM27/01/15 2:42 PM

112 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE

observacionais podem ser diferentes ou, até mesmo, opostos aos achados em ensaios clínicos randomizados, embora tal disparidade não ocorra na maioria das vezes.

De qualquer modo, a discussão sobre os resultados de estudos observacionais exige mais senso crítico que a discussão dos resul-tados de ensaios clínicos randomizados. Quem lê tais estudos deve fi car atento: pode não existir outra maneira de obter as respostas procuradas, mas é preciso procurar relações consistentes entre os achados. Nem sempre os relatos de estudos observacionais permitem interpretação adequada, como bem colocam vários pesquisadores. 2 Então, para facilitar a interpretação, todo estudo observacional deve fornecer detalhes do que busca relacionar, descrição do desfecho, características dos participantes e discussão de possíveis variáveis intervenientes (de confundimento), além de uma boa análise es-tatística.

Neste capítulo, serão apresentados os seguintes tipos de estudos observacionais: coorte, caso-controle transversal e estudo de séries de casos.

6.1 . O que é estudo coorte?

No estudo coorte ( cohort study ), um grande grupo de pessoas (coorte) com características defi nidas é observado para deter-minar a incidência de uma doença específi ca, mortalidade por determinada causa ou outro tipo de desfecho clínico. 3

Os estudos coorte podem ser prospectivos ou retrospectivos. Os

estudos coorte prospectivos são conduzidos do presente para o futuro. Os estudos coorte retrospectivos são conduzidos no presente, mas buscam dados no passado.

2 Writing Group for the Women’s Health Initiative I. Op. cit. 3 Morabia A. A History of Epidemiologic Methods and Concepts . Birkhaeuser Verlag,

Basel, 2004.

C0030.indd 112C0030.indd 112 27/01/15 2:42 PM27/01/15 2:42 PM

6—ESTUDOS OBSERVACIONAIS 113

6.1.1 . O QUE É ESTUDO COORTE PROSPECTIVO?

No estudo coorte prospectivo ( prospective cohort study ), um grande número de pessoas provenientes da mesma população é classifi cado em dois grupos: um grupo de expostos a um fator que se supõe de risco e o outro grupo de não expostos a esse fator. Os grupos são observados durante certo tempo para verifi car se a proporção de um dado desfecho é maior em um dos grupos.

É importante notar que, nos estudos coorte prospectivos, os parti-

cipantes pertencem aos grupos pelo fato de estarem, ou não, expostos a um fator que se presume de risco para determinado desfecho – não são designados aos grupos por processo aleatório. O esquema do delineamento desse estudo é mostrado na Figura 6-1 .

Figura 6-1 Estudo coorte prospectivo com dois grupos

C0030.indd 113C0030.indd 113 27/01/15 2:42 PM27/01/15 2:42 PM

114 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE

EXEMPLO 6-1

Na década de 1950, dois pesquisadores ingleses 4 fi zeram o primeiro estudo coorte. Eles queriam saber se fumantes apresentam maior risco de ter cân-cer do pulmão em comparação com quem não fuma. Para isso, enviaram um questionário para aproximadamente 60 mil médicos do Reino Unido, perguntando sobre seus dados demográfi cos (nome, endereço, sexo, idade etc.) e os hábitos de fumar deles próprios. Receberam aproximadamente 40 mil respostas. Os pesquisadores acompanharam a sobrevivência dos médicos durante 53 meses, por meio de um registro geral. Dentre as pes-soas com o hábito de fumar (fator de risco) ocorreram mais mortes por câncer no pulmão (desfecho).

Os estudos coorte prospectivos têm grande potencial para mostrar

evidência, porque os participantes da pesquisa são observados antes de o desfecho ocorrer. Mas é preciso cuidado ao aceitar a conclusão de relação de causa e efeito, isto é, de que a exposição ao fator causa o desfecho em estudo. O efeito da exposição ao fator pode estar confundido com os efeitos de outros fatores – que seriam, estes sim, os verdadeiros causadores do desfecho em estudo. Veja a Figura 3-2 do Capítulo 3 .

No Exemplo 6-1, a população-alvo era de médicos do Reino Unido. Foi obtida uma amostra de 40 mil médicos, para um estudo coorte prospectivo. Como os médicos não foram sorteados para se tornarem fumantes ou não fumantes, durante anos foram levantadas explicações alternativas para a maior incidência de câncer de pulmão entre fumantes. Por exemplo, a decisão de se tornar fumante poderia estar relacionada com fatores sociais, genéticos, de personalidade, que seriam fatores intervenientes . No entanto, depois de muita dis-cussão e com os resultados de outros estudos, chegou-se à conclusão

4 Doll R, Hill AB. Lung cancer and other causes of death in relation to smoking: a second report on the mortality of British doctors. British Medical Journal 1956 Nov. 10;2(5001):1071-81.

C0030.indd 114C0030.indd 114 27/01/15 2:42 PM27/01/15 2:42 PM

6—ESTUDOS OBSERVACIONAIS 115

de que fumantes apresentam, realmente, maior risco de ter câncer no pulmão.

O fator que se presume de risco também pode ser estudado em vários níveis, ou seja, o estudo coorte pode comparar vários grupos. Convém rever, mais uma vez, o Exemplo 6-1, que apresentou a pes-quisa de maneira simplifi cada. Na verdade, nesse estudo, os médicos foram discriminados em vários grupos de exposição : não fumantes, fumantes leves, fumantes moderados, fumantes graves, fumantes de charutos, fumantes de cachimbo etc. Ainda, o mesmo estudo coorte permitiu estudar vários desfechos , simultaneamente. Além da incidência de morte por câncer do pulmão, também foram levantadas mortes por outras causas – o que permitiu associar o hábito de fumar a diversas causas de morte.

O estudo coorte prospectivo também é o método usado para levantar os efeitos colaterais de novas intervenções em longo pra-zo. Os ensaios clínicos randomizados mostram, por exemplo, se determinada droga administrada durante certo período de tempo tem efeito benéfi co sobre certa doença. No entanto, a segurança do uso de novas drogas em longo prazo é estabelecida por estudos observacionais feitos na fase IV. Neste caso, a população exposta ao risco é a de pessoas que usam a nova droga. Busca-se estabelecer a proporção de pessoas que têm efeitos adversos, que são os desfechos procurados.

6.1.2 . O QUE É ESTUDO COORTE RETROSPECTIVO?

No estudo coorte retrospectivo ( retrospective cohort study ), também chamado estudo coorte histórico ( historical cohort study ) , um grande número de pessoas provenientes da mesma população é classifi cado em dois grupos: um grupo de expos-tos a um fator que se supõe de risco para determinada doença e o outro grupo de não expostos a esse fator. Depois, em arquivos ou por meio de questionários, busca-se a proporção de participantes com a doença nos dois grupos ( Figura 6-2 ).

C0030.indd 115C0030.indd 115 27/01/15 2:42 PM27/01/15 2:42 PM

116 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE

EXEMPLO 6-2

Para estudar a associação 5 entre o hábito de fumar cigarros e o risco de artrite reumatoide em mulheres, foi enviado um questionário para 377.481 mulheres americanas, profissionais da área da saúde, que participam do Estudo Coorte sobre a Saúde da Mulher (Women’s Health Cohort Study). As mulheres foram, então, divididas em dois grupos: fumantes (expostas ao risco) e não fumantes (não expostas). Para comparar os grupos, a análise estatística considerou diversas variáveis, demográfi cas e de saúde. A conclusão foi a de que a duração do hábito , mas não a intensidade (número de cigarros por dia), está diretamen-te associada a um pequeno aumento de risco de artrite reumatoide em mulheres .

5 Karlson EW. et al . A retrospective cohort study of cigarette smoking and risk of rheumatoid arthritis in female health professionals. Arthritis & Rheumatism , 1999 Maio 19; v. 42:910-17.

População

Amostra

Expostos ao fator derisco

Não expostos ao fator de risco

Proporção como desfechoprocurado

Proporção como desfechoprocurado

Proporção semo desfechoprocurado

Proporção semo desfechoprocurado

Dados de arquivo ou questionário Dados de arquivo ou questionário

Figura 6-2 Estudo coorte retrospectivo com dois grupos

C0030.indd 116C0030.indd 116 27/01/15 2:42 PM27/01/15 2:42 PM

122 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE

controles. Depois, contam-se fumantes e não fumantes nos dois grupos e comparam-se as proporções ( Figura 6-4 ).

Portanto, no estudo coorte retrospectivo, os grupos são formados pela exposição ou não ao fator que se presume de risco e busca-se o número de doentes, em cada grupo. No estudo caso-controle os grupos são formados por terem ou não a doença e busca-se o número de expostos ao risco, em cada grupo.

6.4 . O que é estudo transversal?

No estudo transversal ( cross-sectional study ), o pesquisa-dor coleta uma amostra da população e, simultaneamente, levanta dados de duas variáveis – o participante tem ou não uma doença e foi ou não exposto ao fator que se presume de risco – para estudar prevalências.

Figura 6-4 Comparação: coorte retrospectivo e caso-controle

C0030.indd 122C0030.indd 122 27/01/15 2:42 PM27/01/15 2:42 PM

6—ESTUDOS OBSERVACIONAIS 123

Os estudos transversais são rápidos, baratos, fáceis de serem con-duzidos. São também chamados de estudos de prevalência ( prevalence studies ), porque são feitos para estimar prevalências . Não servem para estabelecer relação de causa e efeito, mesmo que exista associação entre as variáveis – o fator eleito como causa e o presumível desfecho. Em geral, as doenças são consequências de múltiplos fatores e de um complexo de inter-relações ( Figura 6-5 ).

EXEMPLO 6-5

Foi feito um estudo transversal 8 para investigar, em uma amostra aleatória de 13.779 trabalhadores suecos de ambos os sexos, a relação entre am-biente psicossocial do trabalho e a prevalência de doença cardiovascular (DCV). Observou-se que, no grupo que relatou pressão no trabalho, havia maior prevalência de doenças cardiovasculares em comparação com o grupo que relatou não sentir essa pressão. Devido à natureza do estudo, que foi transversal, não pode ser feita inferência de causa e efeito.

O Exemplo 6-5 apresenta um estudo transversal: os pesquisadores

tomaram uma grande amostra da população e contaram, na mesma

AmostraAmostra

Característica A e característica BAVALIAÇÃO SIMULTÂNEA

A, sim A, não A, nãoA, simB, sim B, simB, não B, não

Figura 6-5 Estudo transversal ou de prevalência

8 Johnson JV, Hall EM. Job Strain, Work Place Social Support, and Cardiovascular Disease: A Cross-Sectional Study of a Random Sample of the Swedish Working population. AJPH , 1988 Out.; 78(10):1336-42.

C0030.indd 123C0030.indd 123 27/01/15 2:42 PM27/01/15 2:42 PM

124 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE

ocasião: 1) o número de participantes que relataram pressão no traba-lho e ter DCV ; 2) o número de participantes que relataram pressão no trabalho e não ter DCV ; 3) o número de participantes que relataram não sentir pressão no trabalho e ter DCV ; 4) o número o número de participantes que relataram não sentir pressão no trabalho e não ter DCV . Depois, os pesquisadores estabeleceram as prevalências e as compararam.

A escolha da amostra é particularmente difícil nos estudos trans-versais, porque a probabilidade de a pessoa pertencer à amostra deve ser rigorosamente igual para todas as pessoas amostradas. Por exemplo, um médico levanta dados em um hospital para estudar a prevalência de doenças respiratórias e de doenças do aparelho locomotor. Se a taxa de internação for muito mais alta para quem tem doença respiratória do que para quem tem outras doenças, pode ocorrer associação estatística – não pelo fato de uma doença acarretar a outra, mas por serem mais facilmente internadas pessoas com doenças do aparelho locomotor que tenham, também, doenças respiratórias. A associação estatística é explicada pelo fato de uma pessoa com múlti-plos problemas de saúde ter maior probabilidade de ser amostrada. É o que se chama “falácia de Berkson”. 9

6.5 . O que é estudo de casos?

No estudo de casos, o pesquisador se propõe a apresentar uma situação ou uma condição complexa, porém singular, em profundidade e no contexto da vida real.

Os estudos de caso ( case studies ) e as séries de casos ( case series ) têm longa

tradição na pesquisa clínica. O estudo de caso é a apresentação de um caso em todos os seus aspectos. Os mais comuns são os que estudam uma pessoa (como os casos clínicos de Freud), uma instituição (como

9 Fleiss JL. Statistical methods for rates and proportions . Wiley, 1981.

C0030.indd 124C0030.indd 124 27/01/15 2:42 PM27/01/15 2:42 PM

6—ESTUDOS OBSERVACIONAIS 125

um hospital), um programa (como o Bolsa Família) ou um evento (a eleição do reitor de uma universidade).

A série de casos é um estudo descritivo de uma coleção de casos. Os resultados desses estudos são úteis para gerar hipóteses para pesquisas mais complexas. Constitui exemplo de série de casos um conjunto de pacientes submetidos ao mesmo tratamento, dado que tiveram o mesmo diagnóstico ou um conjunto de faculdades que estão desenvolvendo um mesmo projeto educacional. As séries de casos são diferentes dos estudos coorte e dos estudos de caso-controle pelo fato de apresentarem participantes com uma única característica , sem o grupo-controle e, muitas vezes, com pequenas amostras.

EXEMPLO 6-6

Lesões na coluna cervical afetam grande parte de pessoas com artrite reumatoide, mas estudos não indicam relação entre as queixas dos pa-cientes e o fato de haver ou não lesão na cervical. Foi feito um estudo observacional 10 com 100 pacientes com essa doença; os pacientes res-ponderam um questionário composto por sete itens e foram submetidos a exames neurológicos e radiográfi cos. Não se constatou correlação entre queixa e gravidade da lesão na coluna cervical.

Os estudos de casos devem tratar fenômenos originais ou singu-

lares – e não ser apenas entrevistas de algumas pessoas às quais o pesquisador tem acesso. No entanto, o pesquisador 11 pode descrever ( estudos descritivos ), explicar ( estudos explicativos ) ou explorar ( estudos exploratórios ) o fenômen o.

10 Raczkiewicz A. et al . Atlanto-axial lesions in patients with rheumatoid arthritis – observational study. Reumatologia 2010; 48, 5: 320-29.

11 Yin R. Case study research: design and methods. 2 a ed. Thousand Oaks, CA: Sage Publishing; 1994. In: Baxter, P.; Jack, S. Qualitative case study methodology: study design and implementation for novice researchers. The Qualitative Report . Dez. 2008; 13(4): 544-59.

C0030.indd 125C0030.indd 125 27/01/15 2:42 PM27/01/15 2:42 PM

126 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE

Os estudos descritivos utilizam, geralmente, um ou mais exemplos para relatar com detalhes como o fenômeno ocorre, ou seja, para produzir a imagem da situação específi ca. Familiarizam o leitor com o assunto, fornecendo linguagem para discutir a situação.

EXEMPLO 6-7

Foi conduzido um estudo de caso 12 para descrever a tomada de decisão de estudantes de enfermagem em situação clínica. Foi escolhido o estudo de caso, porque teria sido impossível para o autor obter uma descrição correta da tomada de decisão de estudantes de enfermagem sem considerar o contexto, isto é, a escola e, mais especifi camente, a situação clínica e o ambiente de sala de aula.

Os estudos explicativos agregam informações de várias fontes, ob-

tidos em tempos diferentes. A ideia é apontar aspectos embutidos no fenômeno, revelando-os e esclarecendo situações, expondo o que nem sempre se vê, quando se olha apenas um caso.

EXEMPLO 6-8

Em um estudo explicativo, 13 foram examinadas 158 publicações cientí-fi cas de autores brasileiros a fi m de determinar o quanto obedeciam às diretrizes internacionais e às normas nacionais para condução de pes-quisas em seres humanos. Os achados mostraram a necessidade de os trabalhos publicados mais bem informarem a participação efetiva de cada autor, relatar a fase do projeto, descrever o local da pesquisa, informar patrocínio e indicar o número total de participantes no Resumo.

12 Baxter P, Jack S. Qualitative Case Study Methodology: Study Design and Im-plementation for Novice Researchers. The Qualitative Report . Dez. 2008; 13(4): 544-59. Disponível em: http://www.nova.edu/ssss/QR/QR13-4/baxter.pdf

13 Pauli CC. Análise, à luz da Bioética, do perfil das publicações científicas de autores brasileiros, antes e após a homologação das diretrizes éticas referentes à pesquisa clínica (Ensaios) no Brasil . [dissertação]. São Paulo, Centro Universitário São Camilo, 2013.

C0030.indd 126C0030.indd 126 27/01/15 2:42 PM27/01/15 2:42 PM

6—ESTUDOS OBSERVACIONAIS 127

14 Exploratory reserch and descriptive reserch-Lettyan. Disponível em: http://lettyann.hubpages.com/hub/Exploratory-Research-and-Descriptive-Research . Acesso em 31 de outubro de 2014.

15 Hellström I, Nolan M, Lundh U.“We do things together”: A case study of cou-plehood’ in dementia. Dementia 2005; 4:7-22.

Os estudos exploratórios são feitos para buscar conhecimento a respeito de um assunto sobre o qual não existem teorias. É uma verdadeira caça às informações que possam, eventualmente, trazer entendimento sobre um problema, para balizar novos estudos e ajudar a formular hipóteses.

EXEMPLO 6-9

Para levantar os procedimentos que poderiam despertar o interesse dos es-tudantes de um colégio para os computadores do laboratório da instituição, 14 é possível realizar um estudo exploratório para saber quais são as características e os interesses dos usuários desse serviço. A questão é fornecer aos pesquisadores informação que os ajude a formular hipóteses iniciais sobre o assunto.

Todo estudo de caso começa, necessariamente, com a defi nição do

caso a ser estudado. Há diferentes critérios para selecionar o caso; se este for selecionado não por ser representativo de outros casos, mas por ser único, dizemos que é um caso intrínseco .

EXEMPLO 6-10

Foi conduzido 15 um estudo de caso intrínseco para estudar um casal de idosos com demência , com a fi nalidade de entender o impacto da demência sobre a vida diária deles e de seus parentes.

Se o caso for selecionado por ser “típico”, permitindo ao pesquisa-

dor estudar mais o fenômeno do que o caso em si, dizemos que é um caso instrumental . Se forem estudados vários casos, cuidadosamente selecionados, estamos diante de um caso coletivo ou casos múltiplos.

C0030.indd 127C0030.indd 127 27/01/15 2:42 PM27/01/15 2:42 PM

128 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE

EXEMPLO 6-11

Para melhor compreender as representações sobre ensino de estatística, 16 foi conduzido um estudo de caso instrumental , entrevistando professores de estatística da Unicamp.

Como em toda pesquisa, nos estudos de caso, é preciso formular as

perguntas que serão respondidas e apresentar, de início, a literatura de apoio. Entretanto, nos estudos de caso, ainda é importante es-tabelecer, a princípio, limites de busca, tais como: período de tempo coberto pelo estudo, lugar ou espaço geográfi co em que serão feitas as observações e evidências que serão coletadas.

6.6 . Resumo

No estudo coorte , um grande grupo de pessoas (coorte) com caracterís-ticas defi nidas é observado para determinar a incidência de uma doença específi ca, mortalidade por determinada causa ou outro tipo de desfecho clínico.

No estudo coorte prospectivo , um grande número de pessoas pro-venientes da mesma população é classifi cado em dois grupos: um grupo de expostos a um fator que se supõe de risco e o outro grupo de não expostos a esse fator. Os grupos são observados durante longo tempo para verifi car se a proporção de um dado desfecho é maior em um dos grupos.

No estudo coorte retrospectivo , também chamado estudo coorte históri-co, um grande número de pessoas provenientes da mesma população é classifi cado em dois grupos: um grupo de expostos a um fator que se supõe de risco e o outro grupo de não expostos a esse fator. Depois,

16 Wada RS. Estatística e ensino: um estudo sobre representações de professores do 3° grau . Campinas, FE/Unicamp, 1996. Tese de Doutorado. Orientador: Maria José Pereira Monteiro de Almeida.

C0030.indd 128C0030.indd 128 27/01/15 2:42 PM27/01/15 2:42 PM

6—ESTUDOS OBSERVACIONAIS 129

em arquivos ou por meio de questionários, busca-se a proporção com a doença nos dois grupos de participantes.

No estudo de caso-controle um grupo de pessoas doentes (casos) e um grupo de pessoas sadias (controles) são examinados e questionados para que o pesquisador possa buscar, na diferença de seus históricos, os fatores que predispõem pessoas à doença em estudo.

No estudo transversal , o pesquisador coleta uma amostra da po-pulação e, simultaneamente, levanta dados de duas variáveis – tem ou não uma doença e foi ou não exposto ao fator que se presume de risco – para estudar prevalências.

No estudo de casos, o pesquisador se propõe a apresentar uma situa-ção ou uma condição complexa, porém singular em profundidade e no contexto da vida real.

C0030.indd 129C0030.indd 129 27/01/15 2:42 PM27/01/15 2:42 PM

151

C A P Í T U L O 8 Revisão da Literatura

Os estudos clínicos são conduzidos com amostras retiradas de populações específi cas, muito menores que aquelas sobre as quais se quer tirar conclusões. Por exemplo, na maioria das vezes os participantes de pesquisa proveem de um único hospital, de uma só comunidade ou da população de determinada área da cidade. Por meio de inferência estatística, generalizam-se os achados dos es-tudos feitos nesses locais para outras populações (p. ex., para todos os pacientes com as características daqueles incluídos no estudo e não apenas para aqueles atendidos no hospital em que a pesquisa foi feita).

Mas para fazer inferência estatística, é preciso saber também que a história natural de uma doença descrita em determinado local pode diferir de maneira imprevisível da história dessa mesma doença des-crita em outro local, devido às diferenças de ambiente, de caracterís-ticas culturais e demográfi cas e da constituição genética da população. As amplitudes normais de parâmetros clínicos de interesse, isto é, os limites dentro dos quais cai a maioria da população, podem diferir de etnia para etnia, de um grupo de idade para outro, de um sexo para outro, de uma condição social para outra.

Na generalização das informações obtidas por meio de ensaios clínicos, é preciso ainda mais cuidado. Os ensaios são feitos para res-ponder uma pergunta em condições específi cas e limitadas. Logo, as informações obtidas em ensaios clínicos só podem ser generalizadas considerando as condições em que esses ensaios foram conduzidos. Por essa razão, estudos com medicamentos, por exemplo, são multi-cêntricos ou multinacionais, isto é, são conduzidos ao mesmo tempo em diversos centros de pesquisa, localizados em regiões ou países diferentes, para ampliar a variabilidade dos participantes.

C0040.indd 151C0040.indd 151 27/01/15 3:10 PM27/01/15 3:10 PM

152 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE

E existem outros problemas. Há publicações com conclusões tendenciosas, mas mesmo estudos clínicos honestos podem chegar a resultados confl itantes. As diferenças nos resultados podem surgir por erros de delineamento, por viés nas medições, por puro acaso. No entanto, quem lê dois trabalhos com resultados divergentes pode não saber qual deles deve ser usado como base para a prática clínica ou para a tomada de decisão. O que pode ser feito? Profi ssionais da área da saúde precisam ter às mãos boas revisões da literatura.

8.1 . O que é revisão sistemática da literatura?

Revisão sistemática da literatura ( systematic review ) é uma síntese de vários estudos, feita para apresentar o melhor co-nhecimento disponível sobre um tema específi co, com defi ni-ção clara dos critérios de inclusão dos trabalhos. 1

A revisão da literatura deve transmitir ao leitor o avanço de co-

nhecimentos, conseguido por meio de pesquisa relevante. Novos conhecimentos muitas vezes invalidam formas antes aceitas de diagnóstico e substituem intervenções antigas por outras, mais poderosas, mais precisas, mais efi cazes e mais seguras. 2 Uma revisão da literatura deve, ainda, apontar controvérsias e mostrar onde falta conhecimento. 3 Isso signifi ca que, para fazer uma revisão sistemática da literatura , é preciso relatar não apenas os trabalhos que mostram ao leitor o “estado da arte” no momento, mas também um breve histórico que lembre ao leitor os primórdios do assunto tratado e as possíveis controvérsias.

2 Idem. 3 University of York: Centre for reviews and dissemination. Systematic Reviews: CRD’s

guidance for undertaking systematic reviews in health care. 2009. Disponível em: www.york.ac.uk/inst/crd/pdf/Systematic_Reviews.pdf . Acesso em 23 de setembro de 2014.

1 Sackett DL. et al . Evidence based medicine: what it is and what it isn’t. BMJ 1996 Jan. 13; 312(7023):71-2.

C0040.indd 152C0040.indd 152 27/01/15 3:10 PM27/01/15 3:10 PM

2ª E

diçã

o

2ª Edição

Sonia Vieira William Saad Hossne

Metodologia Científica

SAÚDEpara a Área da

Sonia Vieira William Saad Hossne

Metodologia Científica

SAÚDEpara a Área da

2ª Edição

Vieira I Hossne

Metodologia Científica para a Área da

SAÚDE

Classificação de Arquivo RecomendadaMETODOLOGIA CIENTÍFICA

www.elsevier.com.br/medicina

Este livro apresenta tópicos de metodologia científica quantitativa aplicada à área da saúde, com o propósito de compartilhar e disseminar conhecimen-

tos dessa área. Traz referências e citações das regulamentações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) sobre esse assunto, além de fazer menções às disposições da Agência de Alimentos e Drogas (Food and Drug Administration - FDA) dos Estados Unidos da América.

Os capítulos estão organizados de maneira didática, utilizando diagramas para complementar os diferentes tipos de estudos clínicos. São apresentados exemplos em trabalhos científicos publicados nas revistas especializadas de diversas áreas, o que facilita a fixação de conceitos e dá maior sentido ao que foi aprendido.

Nesta segunda edição, os diferentes tópicos de metodologia científica para a área de saúde foram expostos de forma mais clara, foram acrescentadas novas pesquisas em seres humanos e foram atualizadas as referências às normas e à legislação brasileiras.

Metodologia Cientifica finalizada.indd 1 2/5/15 5:52 PM