vida urbana e suburbana nas terras do café ... · pelas lições de história, pelas lições de...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL
MÁRCIO LUÍS DE SOUZA
Vida urbana e suburbana nas terras do café: racionalização dos
negócios e da vivência coletiva em Ribeirão Preto (1874-1914)
Franca - SP
2009
MÁRCIO LUÍS DE SOUZA
Vida urbana e suburbana nas terras do café: racionalização dos
negócios e da vivência coletiva em Ribeirão Preto (1874-1914)
Dissertação apresentada à Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em História. Área de Concentração: História e Cultura Social. Orientador: Prof. Dr. Pedro Geraldo Tosi
Franca - SP
2009
Souza, Márcio Luís de
Vida urbana e suburbana nas terras do café : racionalização
dos
negócios e da vivência coletiva em Ribeirão Preto (1874-1914) /
Márcio Luís de Souza. –Franca : UNESP, 2009
Dissertação – Mestrado – História – Faculdade de História,
Direito e Serviço Social – UNESP
1. Café – História econômica – Brasil. 2. Ribeirão Preto (SP) –
História urbana, séc. 19-20. 3. Cafeicultura.
CDD – 981.552RP
MÁRCIO LUÍS DE SOUZA
Vida urbana e suburbana nas terras do café: racionalização dos
negócios e da vivência coletiva em Ribeirão Preto (1874-1914)
Dissertação apresentada à Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em História. Área de Concentração: História e Cultura Social.
BANCA EXAMINADORA
Presidente:______________________________________________________ Prof. Dr. Pedro Geraldo Tosi (Unesp/FHDSS) 1º Examinador:___________________________________________________ Prof. Dr. Lélio Luiz de Oliveira (Unesp/FHDSS) 2º Examinador:___________________________________________________ Prof. Dr. Antonio Theodoro Grilo (Fundação de Ensino Superior de Passos) 1º Suplente:_____________________________________________________ Profª. Drª. Ana Raquel Marques da Cunha Martins Portugal (Unesp/FHDSS) 2º Suplente:_____________________________________________________ Rogerio Naques Faleiros (UFES)
Franca, ____ de _____________________ de 2009.
Dedico esta obra a Pedro Geraldo Tosi:
Pelas lições de História, pelas lições de vida, em resumo,
pelas lições de humanidade.
Agradecimentos
Esta obra é resultado de uma vontade extrema de contribuir com a sociedade
por meio da divulgação dos conhecimentos obtidos graças à realização da pesquisa
acerca da história da cidade de Ribeirão Preto, captada por meio da análise das
escrituras públicas arquivadas no 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto.
Para que eu pudesse realizar esta vontade, muitas instituições e pessoas,
representando aquelas ou mesmo agindo em nome dos seus próprios sentimentos,
fizeram-se presentes de forma fundamental. Transcorridos muitos meses, percebo
agora o quão difícil é explicar a todos como cada um despertou para sempre a
minha gratidão. Por esta razão, por ser difícil, às vezes irrealizável discriminar em
palavras o que agora eu sinto, quero apenas deixar registrado aqui alguns nomes.
Agradeço,
Ao Prof. Pedro Geraldo Tosi, a quem eu dedico tudo o que de bom possa ter
esta obra, bem como a Lâmia Jorge Saadi, ambos maravilhosos para todas as horas
e conversas, sobretudo as intelectuais e as de vida.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e,
por extensão, a todos os professores e funcionários envolvidos nas comissões e
tramitações burocráticas que consideram minha pesquisa merecedora do auxílio
financeiro desfrutado durante a vigência da pesquisa.
Aos funcionários da seção de pós-graduação e da biblioteca da Unesp-Franca,
especialmente as pacientes e atenciosas sras. Maísa, Lourdinha e Laura.
Aos funcionários do 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto, especialmente a
Dra. Sílvia M. C. Papassidero e ao Dr. Rubens.
Aos professores da Unesp-Franca, especialmente ao Prof. Lélio Luiz de
Oliveira e à Prof. Ana Raquel Marques da Cunha Martins Portugal, pelas valiosas
críticas quando do exame geral de qualificação.
Aos amigos e parceiros de ofício, Márcio R. F. dos Anjos, Marcus G. Bianco,
Rafael E. Faria, Fernando H. Gelfuso, Fernando A. Gelfuso, Larissa R. Gomes e Luiz
Gustavo Godoy.
A todos os meus familiares de sangue e de consideração, sobretudo aos meus
tios Gilberto, Rosângela e Nair; à minha sogra Margarete, ao Luizão (“meu sogro”), à
Vó Laura e à tia Anete; ao meu irmão Marcos Tadeu, à minha cunhada Karina e ao
meu adorável sobrinho Gabriel; à querida Família Lima (Maria Helena, Maria Elisa,
Fernanda, Arthur e Bira); e, especialmente, à minha mãe Sonia Regina Sartoratto, à
minha avó Julia da Silva Sartoratto, à minha irmã Elaine Cristina de Souza e à minha
noiva (futura esposa e eternamente Amor) Priscilla Aristea Marchetti, essas que
foram as mais próximas de mim em todos os momentos, não por acaso fazendo os
bons sempre mais recorrentes do que os ruins, por transformar as ocasiões de
dificuldade em oportunidades de reflexão e de engrandecimento pessoal e espiritual.
“Todos os animais se defrontam com o desafio
da subsistência material, mas apenas os
humanos carregam a responsabilidade da
questão exasperante do sentido disso”
David Snow & Leon Anderson.
SOUZA, Márcio Luís de. Vida urbana e suburbana nas terras do café: racionalização dos negócios e da vivência coletiva em Ribeirão Preto (1874-1914). 2009. 165 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2009.
RESUMO O objetivo desta pesquisa é estudar o processo de racionalização dos negócios e da vivência coletiva em Ribeirão Preto entre os anos de 1874 e 1914, com destaque para as atividades complementares à economia cafeeira havidas nesta cidade. Para esta finalidade, privilegiamos a análise das escrituras públicas arquivadas no 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto, e não deixamos de levar em conta a vasta produção bibliográfica acerca do fenômeno urbano e do “mundo do café”, bem como da história regional na qual o município desempenhou progressivamente o papel de pólo dinâmico e de captação de capitais e de pessoas. A consideração de trabalhos que se voltaram à pesquisa das muitas faces da história desta cidade se dá pelo julgamento de que as somatórias dos conhecimentos obtidos, especialmente aqueles resultantes da utilização de outros tipos de fontes, agregarão ao trabalho uma possibilidade maior de compreensão da conjuntura escolhida, concomitantemente apresentando uma contribuição que pretende valorizar ainda mais os debates acerca da história local, sobretudo do que se pensa a respeito dos seus agentes sociais. Palavras-chave: vida urbana e suburbana. racionalização dos negócios. vivência coletiva. negociações e contratos. plantação de café. atividades complementares. Ribeirão Preto.
SOUZA, Márcio Luís de. Urbane and suburban life in the lands of the coffee: rationalization of the business and of the collective existence in Ribeirão Preto (1874-1914). 2009. 165 f. Dissertation (Master in History) – Faculty of History, Law and Social Work, São Paulo State University “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2009.
ABSTRACT
The purpose of this research is to study the process of rationalization of the business and of the collective way of living in Ribeirão Preto between the years of 1874 and 1914, with focusing for the complemental activities in the coffee economy had in this city. For this end, we privilege the analysis of the deeds registered in the 1st Notary Public on Ribeirão Preto (SP), and do not stop taking into account the large bibliographical production about the urbane phenomenon and the “world of the coffee”, as well as of the regional history in which the local authority fulfilled progressively the paper of dynamic pole and of captivation of capitals and of persons. The consideration of works that were turned to the inquiry of many faces of the history of this city if it gives for the judgement of which the joinings of the obtained knowledges, specially to that resultant forces of the use of other types of sources, will collect to the work a possibility bigger of understanding of the chosen state of affairs, concomitantly presenting a contribution that claim to value still more the discussions about the local history, especially of what one thinks as to his social agents.
Key-words: urbane and suburban life. rationalization of the business. collective way of living. negotiations and contracts. coffee planting. complemental activities. Ribeirão Preto.
SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11 CAPÍTULO 1 TRATOS E CONTRATOS NA MODERNIZAÇÃO URBANA ............. 16 1.1 Os indivíduos e a sociedade moderna: uma análise compreensiva das contribuições recíprocas ..................................................................................... 17 1.2 Os indivíduos e as classes profissionais ........................................................ 21 1.3 Origens históricas de Ribeirão Preto: fatos e debates .................................... 32 1.3.1 A incursão da história ribeirãopretana no processo histórico regional paulista ...................................................................................................... 34 1.4 As interações humanas e as modificações do espaço natural ..................... 40
CAPÍTULO 2 A RACIONALIZAÇÃO DOS NEGÓCIOS ........................................... 45
2.1 As transformações ocasionadas pela economia cafeeira ............................. 46 2.2 Os negócios proporcionados pela racionalização dos espaços públicos e privados ................................................................................................. 53 2.3 O urbano e o suburbano em Ribeirão Preto: referenciais em mobilidade ao longo da história da cidade ................................................................................... 59 2.4 A peculiaridade dos habitantes do Núcleo Colonial Antonio Prado: suas atividades complementares e suas conexões ao fluxo de riqueza da atividade cafeeira ...................................................................................................... 66 2.5 As múltiplas dimensões do colonato em Ribeirão Preto ............................... 74 CAPÍTULO 3 A RACIONALIZAÇÃO DA VIVÊNCIA COLETIVA ............................. 86
3.1 A sociabilidade herdada da escravidão e do preconceito ............................. 87 3.2 Os percalços da modernização das relações de trabalho: a transição da mão-de-obra escravista para a assalariada e livre em Ribeirão Preto ...................... 94 3.3 As escrituras de locação de serviços ........................................................... 101 3.4 O caipira ou o que se pensa do homem moderno ribeirãopretano ............ 104 3.4.1 Nos rastros da história ................................................................................ 108 CAPÍTULO 4 AS HIERARQUIAS DA MUDANÇA ................................................. 116 4.1 Ribeirão Preto e Franca: similaridades e distinções dos aspectos da sua formação ........................................................................................................... 117 4.2 O papel da educação em vista da racionalização das posturas de vida .... 124 4.3 O crescimento horizontal da cidade e a verticalização dos grupos sociais ...... 129 4.4 A racionalização como guia das mudanças ................................................. 133 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 142 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 145 FONTES MANUSCRITAS E IMPRESSAS ............................................................. 165
11
Introdução
Esta dissertação foi elaborada visando apresentar um balanço geral das
contribuições críticas e históricas acerca do tema da pesquisa de mestrado que me
propus a pesquisar, sob a orientação do Prof. Dr. Pedro Geraldo Tosi, e que titulei
de “Vida urbana e suburbana nas terras do café: racionalização dos negócios e
da vivência coletiva em Ribeirão Preto (1874-1914)”.
Sob a forma de capítulos e subcapítulos, está aqui realizada uma breve
consideração sobre o cotidiano socioeconômico de Ribeirão Preto, com destaque
para as atividades complementares à economia cafeeira havida entre os anos 1874
e 1914, fundamentada a partir da análise das escrituras públicas arquivadas no 1º
Tabelião de Notas desta cidade. Ainda, durante a análise destas fontes, não deixei
de valorizar a extensa relação bibliográfica pertinente ao tema, que por vezes veio
ao encontro do que inferi a partir das fontes; em outras, de encontro ao que julguei;
não antes de uma criteriosa reflexão e averiguação fonte versus conhecimento
teórico e histórico.
As aproximadamente sete mil escrituras estudadas no período de julho de 2006
a fevereiro de 2009 corroboram sobejamente um movimento mais amplo do
processo de racionalização, e este redundou na modernização dos negócios e da
vida cotidiana na cidade. Esse percurso analítico, lastreado nas fontes tratadas, teve
forte entrelaçamento com as opções teóricas e metodológicas que acabaram sendo
empregadas no processo de síntese. As estratégias expositivas escolhidas procuram
evidenciar esse percurso de investigação e elas deram corpo ao presente trabalho.
A intenção que motivou a execução desta pesquisa foi dar a nossa contribuição
à vasta reflexão feita em relação ao tema do “mundo do café”, do qual a história de
Ribeirão Preto é herdeira, a partir do norte da racionalização dos negócios e da
vivência coletiva da população. Nesse sentido, os dados coletados foram
fundamentais para darmos cores às histórias da população que teve acesso à
efetivação dos seus interesses por meio das escrituras públicas e, ao dizer isto,
estamos conscientes de que muitas transações de diversas ordens não chegaram a
ser firmadas no tabelião estudado ou mesmo em outro.
Ainda assim, a amplitude de tipos de escritura e de agentes sociais envolvidos
nos documentos firmados nos inspira a acreditar que a realidade acessada por meio
12
do que foi oficializado dá fortes indícios de que o processo de racionalização dos
negócios inspirou a modernização da cidade, perspectiva que julgamos humanizar a
conjuntura proposta, muitas vezes exposta de maneira sistêmica e
despersonalizada. A feição da cidade varia conforme se dá a relação dos grupos
sociais entre si, e nisto há mais contradições do que proximidades, salvo se
olharmos de maneira distanciada para as peculiaridades a ponto de criar a
impressão que os pontilhados aparentem serem riscos. Optamos não firmar um
único foco para, com isso, termos liberdade de particularizar ou de generalizar os
conhecimentos obtidos pela confrontação das fontes primárias com as fontes
secundárias, sobretudo compostas por dados bibliográficos.
Para aproveitarmos ao máximo as informações coletadas das escrituras
públicas, buscamos valorizar sua natureza diversificada e dinâmica, permitindo
análises tanto de ordem qualitativa quanto quantitativa, as quais se somarão às
linhas de todo o conjunto, fazendo com que a explanação feita abaixo não seja, de
forma alguma, de caráter conclusivo, mas de compartilhamento ao que já é de
domínio público.
Visando ao melhor amadurecimento teórico e histórico, trabalhamos na
expectativa de conciliar as críticas já existentes e pertinentes ao tema às reflexões
realizadas e debatidas com o meu orientador, na finalidade de redigir uma
dissertação que, concomitantemente, dê a sua contribuição ao esforço dos
pesquisadores que antes de nós já se dedicaram e se dedicam ao ofício, explorando
com os seus esforços as múltiplas facetas do passado e que, por isso, promovem e
valorizam a continuidade do debate acadêmico. Ainda, desejamos agregar ao
conhecimento histórico de toda a população o saber histórico promovido pela
concretização desta dissertação, ainda que ciente de que se trata de uma pequena
parte do passado, mas certamente uma parte que se soma ao todo, este que
eternamente será buscado por aqueles que refletem a História.
Foi tateando o percurso histórico do capitalismo industrial e financeiro que
pudemos perceber que homens e mulheres viram-se cada vez mais longe do modo
de viver que marcaram os seus antepassados. Na conjuntura destes novos tipos de
capitalismo, a estafa física e mental durante a realização de empreendimentos
desgastantes, muitas vezes em benefício maior de outrem, fez com que estas
pessoas trabalhadoras necessitassem de um elixir que lhes dessem um fôlego a
mais para suportar mais algumas horas de trabalho. Foi graças ao hábito de tomar
13
café, principalmente das pessoas afetadas por este novo ritmo de vida, instalado nos
Estados Unidos e na Europa, que o Brasil entrou no cenário internacional.
(HOLLOWAY, 1984, p. 17) Isto possibilitou o encontro de culturas e gerou a
transformação da vivência coletiva que, ao longo das décadas após a segunda
metade do século XIX, veio a se constituir o “mundo do café” no estado de São
Paulo, especialmente na região de Ribeirão Preto. Para melhor viver nele, foi preciso
racionalizar as condutas pessoais visando a uma finalidade. Para uns, acumular
patrimônio, para outros, viverem como lhes conviesse desde que estivesse garantida
a subsistência, ao menos. O resultado desta racionalização compulsória da vida foi a
assimilação pela maior parte das pessoas que passou a materializar suas ações de
maneira inédita, a qual foi chamada, grosso modo, de modernização.
As escrituras públicas conservam relações econômicas, culturais, sociais e
políticas. Algumas delas, concomitantemente, conservam mais de um aspecto da
vida humana. Por outro ângulo, as escrituras remetem a um acordo entre partes, em
sua maioria referente a um público muito pequeno e, na maior parte dos casos,
envolvendo interesses comuns a dois indivíduos.
Contudo, se as escrituras durante o período proposto (1874-1914) forem
olhadas globalmente, não veremos com nitidez os indivíduos, veremos, sim, parte da
sociedade que perpetuou a sua existência e os seus interesses particulares num
instrumento público e legal. Possuidoras de uma essência particular, porém fruto da
vida em sociedade, as escrituras públicas conservam em suas linhas a relação
indivíduo e sociedade, privado e público, sagrado e secular, e, em certa medida,
fatos e representações.
Se a sociedade contemporânea é regida por interesses interindividuais visando
a fins, conforme entendemos, então postular a sociedade atual como sociedade de
indivíduos como fez Norbert Elias (1994) não é uma redundância, mas realçadora
das forças sociais que dinamizaram e dinamizam a vida em sociedade na nossa
época, marcada pelo capitalismo cada vez mais atomizado e também pela
ocorrência de ações voltadas ao público, inclusas aquelas movidas por um ideal,
que necessariamente vai em direção e benefício do outro, mas que não deixa de ser
voltada para o sujeito propiciador por meio da satisfação que nele é gerada pela sua
realização.
Ensina-nos o autor acima que não são entidades ontologicamente diferentes o
“ser humano singular, rotulado de individuo, e a pluralidade das pessoas, concebida
14
como sociedade” (ELIAS, 1994, p. 7). É necessária a compreensão de ambos sem
pô-los como simples opostos. Cada indivíduo tem uma função na sociedade, que por
vezes limita a ação dos seus integrantes, sem, no entanto, acorrentá-lo. É
justamente a possibilidade de ação e de mudança que permite a mobilidade social
do indivíduo dentro da hierarquia já constituída. Em outras palavras, a sociedade
limita o indivíduo, mas não o encarcera.
Cada um dos passantes, em algum lugar, em algum momento, tem uma função, uma propriedade ou trabalho específico, algum tipo de tarefa para os outros, ou uma função perdida, bens perdidos e um emprego perdido. [...] Como resultado de sua função, cada uma dessas pessoas tem ou teve uma renda, alta ou baixa, de que vive ou viveu; e, ao passar pela rua, essa função e essa renda, mais evidentes ou mais ocultas, passam com ela. Não lhe é possível, simplesmente, passar para outra função, mesmo que o deseje. O atacadista de papel não pode, subitamente, transformar-se num mecânico, ou o desempregado num diretor de fábrica. Menos ainda pode, qualquer deles, mesmo que o queira tornar-se cortesão, cavaleiro ou brâmane, salvo na realização de um baile a fantasia. cada qual é obrigado a usar certo tipo de traje, está preso a certo ritual no trato com os outros e a formas especificas de comportamento, muito diferentes dos moradores de uma aldeia chinesa ou de uma comunidade de artesãos urbanos do começo da Idade Média. A ordem invisível dessa forma de vida em comum, que não pode ser diretamente percebida, oferece ao indivíduo uma gama mais ou menos restrita de funções e modos de comportamento possíveis. Por nascimento, ele está inserido num complexo funcional de estrutura bem definida; deve-se conformar-se a ele, moldar-se de acordo com ele e, talvez, desenvolver-se mais, com base nele. Até sua liberdade de escolha entre as funções preexistentes é bastante limitada. Depende largamente do ponto em que ele nasce e cresce nessa teia humana, das funções e da situação de seus pais e, em consonância com isso, da escolarização que recebe. (ELIAS, 1994, p. 21)
É por isso que as atitudes individuais só são compreensíveis se relacionadas
aos outros integrantes da sociedade. Devemos olhar o todo para vermos a estrutura
social, ao passo que devemos restringir o nosso olhar para vermos onde cada parte
se encaixa nesta estrutura, que não é sempre visível, mas é perceptível.
Em virtude dessa inerradicável interdependência das funções individuais, os atos de muitos indivíduos distintos, especialmente numa sociedade tão complexa quanto a nossa, precisam vincular-se ininterruptamente, formando longas cadeias de atos, para que as ações de cada indivíduo cumpram suas finalidades. Assim, cada pessoa singular está realmente presa; está presa por viver em permanente dependência funcional de outras; ela é um elo nas cadeias que ligam outras pessoas, assim como todas as demais direta ou indiretamente, são elos nas cadeias que a prendem. Essas cadeias não são visíveis e tangíveis, como grilhões de ferro. São mais elásticas, mais variáveis, mais mutáveis, porém não menos reais, e, decerto, não menos fortes. E é a essa rede de funções que as pessoas desempenham umas em relação a outras, a ela e nada mais, que chamamos “sociedade”. (ELIAS, 1994, p. 23).
15
Feita esta breve introdução, a seguir seguem os resultados da pesquisa,
diluídas através das linhas que se seguem sob a forma de capítulos e subcapítulos,
na finalidade de darmos a esta opção uma cadência lógica que aponte as
contradições e os conflitos de interesse na história da cidade de Ribeirão Preto, sob
a ótica das escrituras públicas, e com o apoio do esforço de outros pesquisadores
que serão citados, além dos demais que fazem parte da bibliografia desta pesquisa.
17
1.1 Os indivíduos e a sociedade moderna: uma análise compreensiva das
contribuições recíprocas.
Ensina-nos Max Weber através da sua obra “Economia e Sociedade” que o
tipo de consumo, a honra e o prestígio social são reforçadores da posição de classe
social dos indivíduos. Destarte, a compreensão da vivência humana e de cada
indivíduo através dos tempos por meio da sua “situação de classe” se dá, para o
autor, pela oportunidade da pessoa de acessar a rede de abastecimento de bens,
mediante uma posição de vida externa a si, além da sua inserção “dentro de
determinada ordem econômica, da extensão e natureza do poder de disposição (ou
da falta deste) sobre bens ou qualificação de serviço e da natureza de sua
aplicabilidade para a obtenção de rendas ou outras receitas.” (WEBER, 2004, v.1, p.
199).
Como pode ser percebido, o indivíduo, desde o nascimento, é confrontado pela
realidade social que o rodeia e é apto a intervir na realidade que ele ajuda a
construir dia-a-dia, de tal forma válida para todos os demais viventes, que é possível
afirmar que “classe” representa, de maneira aproximada,
[...] todo grupo de pessoas que se encontra em igual situação de classe [sendo que as] transições de uma classe para outra podem ser ou não fáceis e fluentes, em grau muito diverso; por isso, difere também, no mesmo grau, a unidade das classes sociais. (WEBER, 2004, v.1, p. 199).
Na sociedade capitalista, o desenvolvimento de uma profissão pode se tornar
numa oportunidade de se projetar em círculos sociais privilegiados ou em agravo
para a pessoa caso o conhecimento prático, técnico e teórico, se dêem em
circunstâncias de superação do Know-how possuído, permitindo a maleabilidade de
indivíduos entre as classes, tanto para cima quanto para baixo, dentro da hierarquia
social estabelecida.
O estabelecimento, a manutenção e a consolidação de uma hierarquia
somente se tornam possíveis caso haja um domínio de poder e de mecanismos que
permitam o extravasamento do seu uso sobre os demais grupos sociais. De acordo
ainda com Weber, em “Ciência e Política: duas vocações”, existem primordialmente
três fundamentos da legitimidade que justificam a dominação: o “poder tradicional”, o
18
“poder carismático” e o poder baseado na autoridade que se impõe pela
“legalidade”,
[...] pela crença na validade de um estatuto legal e de uma “competência” positiva, estruturada em regras racionalmente estabelecidas ou, em outras palavras, a autoridade fincada na obediência, que reconhece obrigações concernentes ao estatuto estabelecido. Assim é o poder, tal qual o exerce o “servidor do Estado” atualmente e como o exercem todos os detentores do poder que dele se aproximam sob esse aspecto. (WEBER, 2003, p. 61).
É notória a preocupação deste pensador quanto à definição de conceitos que
amparem os cientistas sociais de ferramentas epistemológicas que os auxiliem na
compreensão do homem e das suas ações em sociedade.
No tocante às ações,
Weber desenvolve o conceito de ação social significativa, tendo como ponto de partida o indivíduo; mesmo as formações como Estado, empresa ou sociedade anônima aparecem a ele como produto de entidades individuais, ou melhor, são palcos onde se define a ação social de uns quantos indivíduos. (TRAGTENBERG, 2006, p. 141, grifos do autor).
O conceito de ação social, segundo Weber, “orienta-se pelo comportamento
dos outros”, os quais “podem ser indivíduos e conhecidos ou uma multiplicidade
indeterminada de pessoas completamente desconhecidas”. Dos quatro tipos de
ação social formulados pelo autor, privilegiamos aqui a ação social determinada
[...] de modo racional referente a fins, por expectativas quanto ao comportamento de objetos do mundo exterior e de outras pessoas, utilizando essas expectativas como “condições” ou “meios” para alcançar fins próprios, ponderados e perseguidos racionalmente [...]. (WEBER, 2004, p. 15).
Esta opção deve-se à essência da fonte escolhida, ou seja, as escrituras
públicas que, conforme já explanamos, concretiza vontades referentes às transações
comerciais e trabalhistas, principalmente, as quais são ações marcadamente filhas
da racionalização dos negócios e do processo de modernização dos aparelhos
burocráticos, dos quais o tabelião e seus representantes são exemplos diretos de
vinculação à estrutura burocrática que se aperfeiçoou com a instalação do regime
republicano, assumindo as rédeas e executando reformas no Estado Nacional
brasileiro, a começar pela criação de uma nova Constituição. Weber não deixou de
observar que a burocracia
19
[...] é um tipo de poder. Burocracia é igual à organização. É um sistema racional em que a divisão de trabalho se dá racionalmente com vista a fins. A ação racional burocrática é a coerência da relação entre meios e fins visados. (TRAGTENBERG, 2006, p. 171).
Contudo, a atenção dada aos comportamentos racionais, no sentido de serem
meios eficazes de obter fins práticos definíveis e compreensíveis, em meio a uma
conjuntura marcada pela vivência progressivamente secularizada que ocorreu em
Ribeirão Preto, não desconsidera a legitimação de outros tipos de ações que foram
perpetuadas por meio das escrituras públicas. Os outros tipos de ações não
relacionadas às supramencionadas também foram firmadas em escritura, embora
em menor número. Fazendo uso da terminologia weberiana, podemos defini-las em
ações determinadas
2) de modo racional referente a valores: pela crença consciente no valor – ético, estético, religioso ou qualquer que seja sua interpretação – absoluto e inerente a determinado comportamento como tal, independentemente do resultado; 3) de modo afetivo, especialmente emocional por afetos ou estados emocionais atuais; 4) de modo tradicional: por costume arraigado. (WEBER, 2004, p. 15, grifos do autor).
Justamente por não se referirem ao nosso objeto principal, que é mostrar a
racionalização dos negócios e da vivência coletiva em Ribeirão Preto e, por este
viés, apontar a secularização das condutas e como estes valores foram
internalizados pelas pessoas durante o período estudado, especialmente quando
vinculadas às atividades complementares à economia cafeeira. As ações racionais
referentes a valores, às emoções e à tradição, apesar de efetivadas em menor
quantidade, nos levou atentarmos a elas sempre que foi pertinente durante a
explanação das ações racionais referentes a fins, quando as atitudes dos homens
estudados por meio da fonte escolhida não apontaram uma “praticidade” exigida
pela vida moderna.
Nesse sentido, abordar a idéia de cidade para então estudarmos a história de
Ribeirão Preto ajuda a entender as transformações havidas, uma vez que o
enquadramento teórico em face da realidade percebida por meio das escrituras
públicas referentes a este município coloca-se próxima da definição de Max Weber
para o conceito de cidade, ainda mais que suas origens relacionam-se à vinculação
dos primeiros habitantes com o mercado de abastecimento de bens primários, ao
20
passo que seu desenvolvimento transformou a terra em mercadoria cada vez mais
disputada, ocupada e usufruída para e pelo mercado:
Pode-se tentar definir “cidade” de formas muito diversas. Apenas uma coisa têm em comum todas as definições: que se trata, em todo caso, de um assentamento fechado (pelo menos relativamente), um “povoado”, e não de uma ou várias moradias isoladas. Ao contrário, nas cidades (mas não apenas nestas) costumam as casas encontrar-se muito perto uma da outra, hoje em dia, em regra, germinadas. A idéia corrente associa também com a palavra “cidade” características puramente quantitativas: é um povoado grande. A característica em si não é imprecisa. Do ponto de vista sociológico, significaria o seguinte: um povoado, isto é, um assentamento com casas contíguas, as quais representam um conjunto tão extenso que falta o conhecimento pessoal mútuo dos habitantes, específico da associação de vizinhos. Segundo isto, somente povoados relativamente grandes seriam cidades, e depende das condições culturais gerais a partir de seu tamanho, mais ou menos, se aplica esta característica. (WEBER, 1999, v.2, p. 408, grifos do autor).
Em complemento, pouco depois diz o pensador alemão:
Toda cidade no sentido aqui adotado da palavra é “localidade de mercado”, isto é, tem um mercado local como centro econômico do povoado, mercado no qual, em virtude da existente especialização da produção econômica, também a população não-urbana satisfaz suas necessidades de produtos industriais ou artigos mercantis ou de ambos, e, como é natural, também os próprios moradores da cidade trocam entre si os produtos especiais e satisfazem as necessidades de consumo de suas economias. (WEBER, 1999, v.2, p. 409).
Ao tratarmos do cotidiano havido no 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto, é
necessário falar dos homens para se chegar à sociedade. Embora algumas
escrituras apontem a vinculação de laços pessoais para a concretização de alguns
interesses, é necessário não perder de vista que o alastramento dos valores
capitalistas a todos que ocuparam o espaço geográfico ribeirãopretano através dos
tempos esteve intimamente ligado à reprodução de valores e condutas que
extrapolam o limite individual. É necessário ter em vista que o mercado e os
processos econômicos não são pessoas e, por isso, surgem delas e acabam por
abarcar a tudo e a todos, não respeitando neste processo as vontades individuais,
tampouco conservando o poder da palavra empenhada na execução de negócios ou
mesmo biografias pautadas e orgulhosas numa determinada honra. O contrato
substituiu a honra pessoal e passou a validar a palavra somente quando esta foi
escrita num documento legal. Segundo Weber, o “mercado e os processos
econômicos que nele se realizam não conhecem, [...] nenhuma “consideração
21
pessoal”: são dominados por interesses “objetivos”. Nada sabem de “honra”.
(WEBER, 2004, v.2, p. 184).
Contudo, o poder que o dinheiro faz deter a quem o possui pode criar uma
“honra” admitida por alguns grupos sociais, mas cuja duração vincula-se
proporcionalmente à capacidade do indivíduo de fazê-lo retornar, ainda em maior
quantidade, às suas mãos. Mas nem todos que querem o poder (especialmente o
econômico) fazem questão da honra, sobretudo quando a posse de um anula o
reconhecimento social da detenção do outro.
Alguns proprietários de terras da região de Ribeirão Preto negociavam
escravos em pleno processo de gradual emancipação da escravidão e faziam isto
em meio a um ambiente que julgavam desfavorável à manutenção do comércio de
pessoas. Passada a conjuntura em que a escravidão era consentida, as mesmas
pessoas deixaram de ter possíveis discriminações ao abandonar a sua prática e a
figurar como incentivadoras do trabalho livre e assalariado. Há nisto mais
complementaridade do que contradição na relação dos grupos sociais e dos
indivíduos entre si na cidade, face ao fato da sobreposição do poder econômico, e
por extensão o político, sobre as ações que compuseram a vida de algumas pessoas
influentes na burocracia municipal, regional, e até mesmo na nacional.
Foi possível observar este fenômeno, pois esta pesquisa está fundamentada
em séries que foram dispostas através do tempo sob a forma de escrituras públicas.
O enfoque qualitativo, não deixando de explorar por vezes o quantitativo, obedece
ao sentido de compreender como a instalação de uma rede de prestação serviços e
de atividades complementares à economia cafeeira auxiliaram as pessoas a suportar
as crises motivadas pelos privilégios diversos dados pelo Estado brasileiro à
agroexportação do café, incentivados inclusive por instituições financeiras
internacionais que aqui se fizeram presentes, como por exemplo a Theodor Wille &
Cia, por meio de prepostos.
1.2 Os indivíduos e as classes profissionais
A expansão ferroviária em meio ao sertão paulista modernizou a visão histórica
e mítica do bandeirante que antes marcava, e de certa forma ainda marca, o
22
processo de adentramento do território que tinha por certeza somente o inesperado.
Se esta é marcada pelo heroísmo, entendimento de caráter bastante duvidoso,
aquela, liderada pela locomotiva, é marcada pelo progresso técnico e pelo
atrelamento das ações humanas rumo ao moderno, ao avançado.
A apologia da ação dos imigrantes encabeçou o texto do “Almanach Ilustrado
de Ribeirão Preto”, que nas páginas dedicadas aos aspectos históricos e
geográficos da localidade, escreveu:
A admirável ousadia dos Bandeirantes, de proporções legendárias, tantas e tão variadas vezes enaltecida pelos nossos historiographos, parece que veiu trazer com os rasgos dum mirifico descortino, a sua terra de Martim Afonso. Pelo menos é o que se deduz da maravilhosa vitalidade que nos varios departamentos do progredir está se manifestante nesta exuberante região. A Mão Providencial tão prodiga nos seus gestos divinaes, quis que Ribeirão Preto, como perola fulgente, fosse encadeia no collar preciosissimo constituído por estes núcleos de civilização d’Oeste Paulista. (ALMANACH, 1913, p. 12).
O perigo desta visão heróica é a valoração de um sentido que julgamos não ser
capaz de envolver todos os participantes da história. Mesmo a idéia de sentido é
questionável, pois não raro sugere a idéia de líderes e condicionamentos que mais
confundem os contemporâneos do que os capacitam a entender o conjunto do
passado. O debate sobre a validade da idéia de sentido na história é antigo e foi
tema do livro abaixo, do qual retiramos o fragmento que vem ao encontro do que
propomos historiograficamente compor ao término desta obra, com a ressalva de
que trabalhamos com a interação de grupos sociais e de seus indivíduos entre si, ao
invés de um panorama mais amplo, como o de povos entre si:
O sentido da história [para Herder] não é portanto dado a quem comanda, por quem tem condição de reconduzir as diferenças à unidade, mas pela polifonia, pela pluralidade de significados que provém da soma das contribuições anônimas que cada povo é capaz de trazer para as vicissitudes do mundo. (BODEI, 2001, p. 45).
Acerca da história regional, contudo, as coexistências destas duas visões como
antepassadas das ações que orquestraram a história do estado de São Paulo
sugerem a predisposição do imaginário coletivo atual ao compor o encontro do que
era novo com o que já se fazia presente, não raro privilegiando o primeiro e julgando
o segundo como resultante do viver arcaico.
23
A atual diversidade historiográfica cada vez mais marca a disciplina pela
pluralidade de objetos e de interpretações. Ao abarcar fatos e saberes que no início
do século XX não eram concebidos, apesar de existentes por meio das fontes, uma
vez que são elementos históricos, hoje concebem a validade de se entender as
práticas cotidianas, os grupos sociais marginalizados e a relação das diversas
esferas da vida de uma sociedade específica ou de várias entre si, cientes de que
todos os agentes sociais estavam promovendo constantemente mudanças de
ordens diversas, tanto no âmbito particular como no geral.
As dualidades particular e geral, elite e povo, ricos e pobres, produzem
particularidades que atravessam o tempo e aproximam o historiador do que de fato
se passou, sobretudo se as fontes escolhidas possibilitam a descrição da interação
de homens e de mulheres entre si, o que cremos dar vida e sentido a estas
dualidades que tantas vezes fazem parte das análises de pesquisas sociais que
todavia ficam um pouco desbotadas perante as cores que de fato ilustravam o
cotidiano do passado.
[...] difícil de descrever ou analisar é a relação entre as estruturas do cotidiano e a mudança. Visto de seu interior, o cotidiano parece eterno. O desafio para o historiador social é mostrar como ele de fato faz parte da história, relacionar a vida cotidiana aos grandes acontecimentos, como a Reforma ou a Revolução Francesa, ou a tendências de longo prazo como a ocidentalização ou a ascensão do capitalismo. O famoso sociólogo Max Weber criou um termo famoso que pode ser útil aqui: “rotinização” (Veraltäglichung, literalmente “cotidianização”). Um foco de atenção para os historiadores sociais poderia ser o processo de interação entre acontecimentos importantes e as tendências por um lado, e as estruturas da vida cotidiana por outro. Até que ponto, por que meios e durante que período a Revolução Francesa ou a Revolução Russa (por exemplo) penetraram na vida cotidiana dos diferentes grupos sociais, até que ponto e com que sucesso eles resistiram? (BURKE, 1992, p. 24-25).
No que se propõe este trabalho, as estruturas do cotidiano e as mudanças se
dão no sentido de averiguarmos como as relações de trabalho, comerciais e de
outras naturezas, acompanharam o processo de racionalização dos negócios e da
vivência coletiva, proporcionando, por sua vez, a modernização da cidade, na qual a
arquitetura e os sistemas de transporte (para citarmos somente estes exemplos)
deixam mais evidente durante o período estudado (1874-1914). A compreensão dos
fatores que levam a essas mudanças deve ser enquadrada como resultante da
consolidação do capitalismo enquanto sistema, bem como do “capitalismo moderno
e o processo de racionalização da conduta de vida da qual ele é expressão” (COHN,
24
2006, p. 12), à luz de que estes não interagem sem deixar de se imporem na
vivência diária da coletividade, assimilando os ritmos próprios de cada grupo pessoal
e de cada indivíduo.
Conectadas com outras cidades, as pessoas que moraram em Ribeirão Preto
puderam criar mecanismos de defesa contra as forças externas de ordem material,
como as crises, que independentemente do tempo e do lugar interagiram com estas
pessoas sem demandar qualquer vínculo emocional, já que foram motivadas por
interesses objetivos, cujos efeitos psicológicos, apesar de reais, foram pouco
expressivos cotidianamente no poder de precarizar a vida da maioria da população,
já que esta já vivia modestamente ou mesmo no limite da existência, fora do campo
de ação direta destas forças.
Pela exposição acima, ou pelo olhar mais atento da vivência contemporânea, é
possível notar que as cidades são os espaços facilitadores para o ocasionamento do
intercâmbio de mercadorias e valores sociais. Todavia, a racionalização de
comportamentos e de idéias têm origem incerta, na medida em que as vontades
individuais e coletivas possuem muitos nexos em comum, resultando que, para
compreendê-la, é necessário fazer uma opção, razão que nos levou a concordar
com Weber, que julga que “o agente individual é a única entidade capaz de conferir
sentido às ações”. (COHN, 2006, p. 28).
O apelo às formulações teóricas de Max Weber deve-se à necessidade de
utilizarmos ferramentas metodológicas que dêem conta de sistematizar os dados
levantados sem perder de vista a esfera mais delicada, que é a do indivíduo, já que
pensamos a valorização extremada de oposições categóricas existentes no
pensamento das ciências sociais mais afastariam do que aproximariam o âmbito dos
interesses particulares dos coletivos. Por outro lado, por mais apurada que seja uma
teoria, ela sempre causará sob algum ponto de vista algumas insatisfações, razão
pela qual devemos nos ater às suas contribuições e à melhoria da capacidade
crítica, cientes de que as não concordâncias são alertas inspiradores de cautela,
para que o historiador não perca a autonomia perante os esquemas. Em torno das
limitações e possibilidades do uso da teoria, criticou Gianfranco La Grassa:
A teoria não pode de maneira nenhuma visar à reconstrução da mais completa concretude da realidade “cotidiana”; pode apenas construir esquemas abstratos de referência para compreender o sentido e a orientação (a direção de marcha) dos acontecimentos por períodos históricos (por “épocas sociais”) de várias extensões, mas, de qualquer
25
maneira, não mais relativos ao “dia-a-dia”. Para fazer uma analogia, ainda que imperfeita, quando se constrói o mapa de um território, de uma cidade, por exemplo, obtemos uma visão “idealizante” (esquemática), não se pode recriar a qualidade arquitetônica, urbanística, o tipo de organização social da cidade etc. A teoria não faz senão empobrecer, sob um certo ponto de vista, a realidade, mas sem ela não nos orientamos, podemos nos perder em um labirinto de vielas secundárias, contemplar os monumentos encontrados desordenadamente, sem nos remetermos a nenhum lugar, sem nos propormos a qualquer objetivo particular. (LA GRASSA, 1995, p. 104, grifo nosso).
Mediante o tipo de pesquisa e de fonte privilegiada para a execução desta
obra, esse embate modelo historiográfico/interpretativo versus realidade retratada
pelos documentos mostrou-se problemático, pelas razões que nos deteremos abaixo
com mais vagar.
As análises das escrituras que permitiram acompanhar a trajetória comercial e
de trabalho de alguns indivíduos indicam que não há em Ribeirão Preto um
compromisso da pessoa com uma determinada classe social relativa a alguma
profissão. O indivíduo vai aonde lhe é oferecida uma maior oportunidade de ganho,
como por exemplo, deixar de lavrar a terra e passar a ser agenciador de mão de
obra, situação em que ele mesmo era quem deveria utilizar a enxada. A tentativa de
ascensão social via exploração de outrem foi um fato presente no cotidiano das
pessoas residentes na cidade supramencionada.
Em 24 de novembro de 1894, José Ignacio Nogueira contratou José Henrique
de Lima para a “formatura” de cafezal de oito mil e cem pés de café, na condição
deste lhe entregar os pés plantados e formados após quatro anos de idade. Para
facilitar o seu trabalho, concedeu o proprietário pastos para os animais, carro de boi
pelo tempo contratado, ficando o lavrador por providenciar o boi. Recebeu para tanto
um conto de réis adiantado pelo contrato firmado no valor de 6:480$000 réis e multa
de 200$000 em caso de arrependimento. No mesmo dia, José Henrique contratou
Eduardo Soares, José Estevão e Geraldo Passo para a realização do trabalho que
ele deveria prestar ao proprietário, e firmou com os três lavradores que lhes pagaria
1:200$000 réis pelo plantio de seis mil pés pelo prazo de dois anos. No tocante aos
pagamentos, ficou acertado que no ato da escritura daria 300$000 réis aos três,
600$000 após trinta dias, 500$000 réis após sessenta dias (sob a forma de
adiantamento, ficando os 400$000 restantes a receber no final do segundo ano.
Ficou estabelecida ainda a cláusula de pagamento de 100$000 réis de multa em
caso de arrependimento de ambas as partes. O primeiro contrato firmado entre o
26
proprietário e José Henrique não é citado, havendo, não obstante, somente a
menção que o trabalho se daria na propriedade de José Ignacio Nogueira
A permissividade, a brecha legal de se firmar escrituras subestabelecendo
obrigações de trabalho, é uma forma de reforçar a estrutura social pela via da
legitimação da exploração de uns sobre as carências de outros, mesmo que entre
pessoas de condições materiais parecidas. Neste caso em especial, nota-se o uso
de uma situação privilegiada, em que se detinha a confiança do concessor de
trabalho e certa proximidade com a necessidade de trabalho e de renda de outras.
Esta intermediação buscando a finalidade de enriquecimento valendo-se da
sublocação de trabalho visava ao objetivo generalizado de ascender materialmente
e, por conseguinte, socialmente, por meio da detenção de riquezas patrimoniais, no
menor tempo possível e necessário para estes objetivos. E, de fato, a fluidez dos
capitais nas mãos dos diferentes grupos sociais possibilitou o acesso às
mercadorias e aos espaços reservados inicialmente à elite, mediante a obtenção de
gostos e estilos de vida e de execuções de outras atividades profissionais não antes
desempenhadas na localidade.
Em 14 de abril de 1891, Joaquim Firmino D’Andrade Junqueira contratou
Paschoal Dessio para que este executasse a
[...] edificação de uma casa de morada na Rua do Comércio no alinhamento do lado superior, na esquina da Rua Tibyriça, tendo nesta rua sessenta palmos de frente e naquela cinquenta palmos também de frente, tendo nesta frente cinco janelas e naquela uma porta e quatro janelas, com duas salas na frente desta rua de vinte e sete palmos sobre dezenove palmos e seis repartimentos, uma sala de jantar e um puchado de trinta e dois palmos de comprido sobre vinte de largura, com as peças nela mencionadas a saber: treze portas e quatro janelas, edificação de tijolo, cal e areia, tendo as paredes a grossura de um tijolo, com pilares de pedras de cinqüenta centímetros de largura sobre oitenta de fundo, sendo forrados os seis cômodos de frente, a saber: duas salas e quatro quartos no corredor e as duas salas da frente, toda assoalhada, a exceção do puchado, rebocado caiado e cimalhas nas frentes, paratibanda e chapelinhos sobre os portais da frente com o telhado emboçado, tendo de altura dezoito palmos de pés direitos. Obriga-se mais o locador a dar a casa acabada com três demãos de tinta nas portas e janelas, com as fechaduras a sua custa. O locatário [Joaquim]obriga-se somente a dar dez dúzias de tábuas de cedro e um cano de cobre necessário para os telhados e paratibandas, mais o material a custa do locador [Paschoal] que dará a casa acabada e com solidez, entregando somente as chaves ao locatário que lhe pagará a quantia de nove contos de réis no começo da obra, três contos de réis no meio da obra e o restantes três contos de réis na entrega dessa casa coberta de telhas nesta cidade a Rua Amador Bueno, divisando por um lado com José Bergamo, italiano, por outro com José de tal, carroceiro, português. (ESCRITURA pública de 14 de abril de 1891, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).
27
A escritura acima expõe a existência de diferentes tipos de atividades
profissionais no cotidiano do “quadrilátero central”, expressão recorrente nos
trabalhos acadêmicos que se voltam à história da cidade e que titula o espaço
urbano compreendido entre as atuais avenidas Nove de Julho, Independência,
Francisco Junqueira e Jerônimo Gonçalves, e que, na formação da malha urbana de
Ribeirão Preto, é o herdeiro espacial do antigo “Patrimônio de São Sebastião”.
Para ficar somente nos exemplos citados, podemos observar um pedreiro ou
empreiteiro, um carroceiro e um membro de uma das famílias mais elitizadas da
história da cidade durante a conjuntura proposta. Reparemos na menção dada ao
“José de tal”, carroceiro, que habitava o quadrilátero central. O tipo de trabalho deste
sujeito pode ter sido um agravante para que este reivindicasse um status social
igualitário aos seus circunvizinhos. Se isto de fato ocorreu para ele, isto pode ter
ocasionado uma crise de identidade social, pois a duplicidade do seu cotidiano de
trabalho em face do conjunto de valores propagados na época, tal como refino,
consumo de artigos importados e a detenção de mandonismo político-econômico,
não fossem compatíveis, em outras palavras, atribuíveis a ele, o que faz parecer não
tão estranho que nem o Joaquim Junqueira e nem o tabelião (que era morador desta
rua) o conhecessem quando foi necessário citá-lo
Esta artificialização das relações sociais por parte destes homens que tinham
originalmente “os pés de barro ou as mãos calejadas” com aqueles já nascidos em
berço privilegiado é originária num superficial refinamento do indivíduo e da
sociedade que, não raro, apenas fez o indivíduo reproduzir o que socialmente lhe
era apresentado como sinal de requinte, sem saber ou mesmo gostar daquilo, mas
que ainda assim era por ele reproduzido por necessidades culturais de manter-se
dentro de um “círculo social”, metáfora, aliás, que sugere igualdade entre pares num
mundo desigual.
O próprio estudo das escrituras públicas apontou que não eram somente os
homens de negócio que recorriam aos instrumentos legais de concretização de atos
tornados públicos. Houve a presença, no 1º Tabelião de Notas, de negros, de
mulheres, de analfabetos, de imigrantes e de pobres que deram o caráter
diversificador da realidade socioeconômica de Ribeirão Preto no momento da sua
afirmação como líder regional paulista.
Por outro aspecto, a análise dos contratos permite a percepção de que os mais
diversos grupos sociais estavam imersos num processo de modernização, cujo
28
exemplo mais claro é a presença de julgamentos morais perpetrados pelo tabelião,
figura chave deste tipo de fonte, durante o período proposto, em face do seu
anverso atual, desprovido de comentários e julgamentos morais ou éticos de
qualquer tipo. A passagem, a mudança gradual da forma de concretizar a escritura é
um indício desta racionalização que haveria de se completar somente após a
segunda metade do século XX, quando toda a cidade já estava assimilada aos
fluxos nacionais e internacionais, seja do ponto de vista da sociabilidade, seja pela
superação do ritmo do campo pelos seus moradores, situação na qual a resistência
implicou na assimilação forçada ou então na marginalização implacável da nova
sociabilidade voltada à vida marcadamente urbana e capitalista.
Convém destacar que Ribeirão Preto firmou-se na última década do período
proposto como pólo regional graças à postura de exportar produtos agrícolas e
importar produtos que aqui não eram produzidos ou, se eram, não tidos como
merecedores do capital da elite local. Sob outro ângulo, assistimos por meio das
descrições das escrituras um aprofundamento da exploração do trabalho de cunho
marcadamente agrícola enquanto outra área paulista, como a capital, tratava de
firmar-se como pólo industrial.
Não se firmar como área industrial obrigou os trabalhadores ribeirãopretanos a
um arrocho disciplinar ainda maior no seu cotidiano de trabalho, dado o
descompasso das relações de trocas dos produtos produzidos em vista dos que
eram necessários adquirir, bem como a distância do valor do trabalho em face da
renda percebida ao final do período contratado, quando finalmente era possível o
acesso direto à renda monetária, isto quando esta ocorria.
Tal efeito fica ainda mais evidente com a constatação de que os mais pobres
não tinham acesso freqüente ao consumo destes tipos de produtos mais requintados
(mediante a realidade local), conclusão baseada nas dissertações e teses aqui
abordadas, o que nos reforça ainda mais o distanciamento social e cultural da maior
parte dos homens que trabalhavam diretamente com atividades complementares
daqueles integrantes da elite local, mantenedora da economia cafeeira, desfrutadora
da rede comercial e de prestação de serviços.
Ao enfatizar o aspecto da dependência – a conhecida relação centro-periferia, os teóricos do “modo de produção subdesenvolvido” quase deixaram de tratar os aspectos internos das estruturas de dominação que conformam as estruturas de acumulação próprias de países como o Brasil: toda a questão do desenvolvimento foi vista pelo ângulo das relações
29
externas, e o problema transformou-se assim em uma oposição entre nações, passando despercebido o fato de que antes de oposição entre nações, o desenvolvimento ou crescimento é um problema que diz respeito à oposição entre classes sociais internas. (OLIVEIRA, F., 2006, p. 33).
As atividades complementares se tornaram fundamentais para a absorção das
crises nacionais e internacionais, e isto garantiu a vanguarda econômica da região
para a cidade de Ribeirão Preto, conforme capítulo próprio destinado a este fato.
Sem pretendermos adiantar a exposição, podemos afirmar que um dos mecanismos
de captação e fixação de capitais que explicam como este tipo de atividade
complementar à cafeeira auxiliou na manutenção da economia local é explicada
abaixo:
A razão básica pela qual pode ser negada a negatividade do crescimento dos serviços – sempre do ponto de vista da acumulação global – é que a aparência de “inchação” esconde um mecanismo fundamental da acumulação: os serviços realizados à base de pura força de trabalho, que é remunerada a níveis baixíssimos, transferem, permanentemente, para as atividades econômicas de corte capitalista, uma fração do seu valor, “mais-valia” em síntese. (OLIVEIRA, F., 2006, p. 57).
Na história brasileira é sabido que os negros foram postos na marginalidade
quando houve a obrigatoriedade do uso de mão-de-obra livre, por isso, a vinda em
massa de imigrantes serviu aqui não só para abastecer o mercado de trabalho,
como também para gerar este excedente visando o efeito que ocorrera na Europa
um século e meio antes. Além de suprir a carência de braços para a lavoura, houve
o efeito benéfico de assimilar uma população que já praticava o cultivo de artigos
alimentícios visando antes de tudo a sua própria sobrevivência, fato alertado por Eric
J. Hobsbawm quando este se pôs a explicar as funções da agricultura praticada na
Europa na conjuntura marcada pela expansão da revolução industrial: “A
alimentação da Europa era essencialmente regional”. (HOBSBAWM, 2003, p. 37).
No Brasil, as circunstâncias históricas levaram ao embrionamento de uma
economia agrícola focada em atender ao mercado internacional e, secundariamente,
ao mercado local. A ingerência dos capitais externos e do mercado internacional na
agroexportação cafeeira produziu um entrelaçamento das práticas trabalhistas
voltadas inicialmente ao cultivo exclusivo do café e aquelas marcadas pelas relações
híbridas de produção de café associadas à possibilidade de produzir e de ter acesso
30
à produção de excedentes de alimentos, denominadas, grosso modo, como
colonato.
Durante a readequação da sociedade aos valores capitalistas modernos, a
formalidade da igualdade era necessária para mascarar a desigualdade que era
vivenciada na prática.
O aumento das pressões contratuais sobre os colonos deve ter causado um
declínio da capacidade de consumo e de poupança aos colonos, refletida no menor
número de escrituras de compra e venda de imóveis da região periférica em relação
às que abordam imóveis do centro durante o período que vai do início da década de
1900 a 1910.
Jorge Henrique Caldeira de Oliveira (2006, p. 85), que estudou o mercado
imobiliário ribeirãopretano, diz que no início da década de 1890, houve um
expressivo investimento no ramo imobiliário da ordem de 400% maior do que o
havido na década anterior. Atribui este resultado à política monetária do
Encilhamento, a propaganda havida no âmbito estadual e nacional em favor das
terras da região e às cotações favoráveis da saca do café no mercado internacional,
possibilitando o afluxo destes capitais para o ramo imobiliário.
Todavia, os capitais investidos neste setor econômico não permaneceram
estáveis ao longo da década de 1890. A depreciação do câmbio na finalidade de
gerar lucros maiores aos exportadores do café fez o Estado brasileiro acumular
empréstimos cada vez maiores para arrolar as dívidas interna e externa. Como
resultado, a economia cafeeira foi aleatoriamente influenciada por crises
relacionadas às oscilações do preço e da quantidade de café disponível ao mercado.
Um dos momentos favoráveis para o investimento voltado à expansão das lavouras,
entre os anos de 1895 e 1897, ocasionou um problema nos cinco primeiros anos da
década de 1900, fundamentado na oferta excessiva de grãos, já que o café demora
por volta de cinco anos para dar uma boa colheita. (OLIVEIRA, 2006, p. 87).
Segundo Jorge H. C. de Oliveira (2006, p. 91), o mercado imobiliário local
recuperou-se ao longo da década de 1910, sendo somente menor em capitais
movimentados se comparado com a década de 1890, enfrentando pontos de
estagnação com o ocasionamento da Primeira Guerra Mundial em 1914.
O binômio liberdade/trabalho não necessariamente se transformou em
trabalho/propriedade, razão pela qual há mais locações de serviços voltadas às
práticas agrícolas do que de compra de propriedades na área suburbana. Por ser
31
difícil, porém não impossível, de se conquistar um patrimônio, é que a distância entre
o cotidiano idealizado e o alcançável provocou o descontentamento de um grupo
significativo de trabalhadores rurais em relação às elites da época.
Não só as crises econômico-conjunturais dos primeiros anos da República no
século XX marcaram diretamente a vida local. No campo social, Ribeirão Preto
figurou na mídia escrita nacional em 1913 quando os trabalhadores rurais decidiram
deflagrar uma greve nas fazendas de Francisco Schmidt, Quinzinho da Cunha,
Companhia Agrícola Dumont e Fazenda Macaúbas, mobilizando cerca de dez a
quinze mil trabalhadores. (GARCIA, 1997, p. 129). Diz Maria Angélica Momenso
Garcia que
As greves nas fazendas de café não foram raras, contudo, pela própria condição de isolamento vivida pelos trabalhadores em seu interior, imposta pelos regulamentos da fazenda, restringiram-se a trabalhadores de apenas uma fazenda [...]. Embora acontecessem nestas circunstâncias, podiam tornar-se importantes pelo fato de muitas fazendas na região de Ribeirão Preto congregarem um número considerável de trabalhadores, mais até do que muitas cidades da época [...]. (GARCIA, 1997, p. 126).
Chama a atenção a trajetória de Francisco Schmidt, que durante esta crise
somou seus interesses aos de outros coronéis, tal como os citados acima, tenha
vindo de uma família de agricultores alemães que inicialmente trabalhou em
fazendas de São Carlos e posteriormente em Descalvado, quando, após juntar
dinheiro, montou, em 1878, sua primeira venda de secos e molhados na cidade.
Depois, em 1888, vendeu a antiga venda e comprou uma propriedade rural,
localizada em Santa Rita do Passa Quatro, de João Franco de Moraes Octavio, seu
antigo patrão. Após algum tempo, vendeu a propriedade num valor maior ao
comprado, prática que depois foi recorrente pelo alemão, até que este comprou
também, de Moraes Octavio, a Fazenda Monte Alegre em parceria com outro
alemão, Arthur Diederichsen, em 1890, pagando a parte deste pouco tempo depois,
momento em que marca a fixação dos negócios do futuro coronel em Ribeirão Preto.
(AMORIM, 2006, p. 66-69).
32
1.3 Origens históricas de Ribeirão Preto: fatos e debates
A formação de uma cidade não se dá de maneira fortuita. Velada em cada
atitude dos seres humanos está a motivação, que por vezes ganha ímpeto quando
um grupo de pessoas faz com que outras se unam em busca de um objetivo em
comum, ou que, embora distintos, se complementam durante a sua execução aos
dos outros envolvidos na sua concretização. Embora nem sempre por causas
idênticas, cada um faz com que um lugar se torne um cenário de morada, de
trabalho, de confrontos e de conflitos; e isto, com a necessária distância do tempo,
por sua vez, se transforma em objeto de estudos.
Assim, quando o historiador é obrigado a fazer escolhas metodológicas, a fim
de obter a melhor aproximação possível dos fatos históricos, sobretudo na área de
Historia e Cultura Social, antes de tudo deve fazer uma reflexão sobre as próprias
possibilidades de fazê-lo, tendo em vista os dilemas inerentes ao próprio ato de
historicizar.
No seu texto “História e Representação”, Pierre Villar nos conta uma
experiência de vida que bem expõe o pensamento que nos guiará durante as linhas
que comporão esta dissertação de mestrado:
[...] em 1937, menos de um ano do início da Guerra Civil na Espanha, a Legião Condor, a legião dos alemães nazistas posta à disposição do general Franco, bombardeou a pequena cidade basca de Guernica, destruindo-a completamente. [...] Quando do cinqüentenário deste fato, em 1987, fui ver em Guernica como se celebrava esta lembrança e como as pessoas representam este episódio. Estava lá juntamente com um historiador americano, Soutworth, que estudou admiravelmente o fenômeno, e pudemos ver o quanto a lembrança estava presente nessa vila destruída, depois reconstruída, e como as pessoas que haviam vivido aquilo no passado viviam-no ainda no presente.[...].Quando voltei a Paris, acatei a sugestão de um de meus colegas de falar sobre esse assunto a alguns alunos que convidaríamos. Durante a minha exposição perguntei: “Para vocês, o que é Guernica?” Eles me responderam, rápida e brevemente: “Guernica é um quadro!” Efetivamente, a representação de Guernica – no espírito de muita gente não tem mais o cuidado de saber exatamente de onde isto surgiu – é um quadro de Picasso. [...] Guernica tornou-se a representação de um fato preciso. O fato preciso está esquecido, a representação continua. Admito totalmente que isto tenha uma certa importância, mas devemos estar atentos, pois esses jovens, que sabiam que Guernica é um quadro de Picasso, não conheciam o fato político que o gerou. [...] É evidente que há representação, mas não se pode esquecer o fato. (VILLAR, 1998, p. 29-30).
33
Em vista da fala acima, esperamos explorar ao máximo os fatos e as
representações inerentes às ações dos indivíduos que resultaram na história da
cidade de Ribeirão Preto, ciente de que a escolha das fontes e as limitações das
respostas possíveis por elas esbarram em escolhas do que é perguntado e a forma
em que os inferimentos são elaborados. A somatória dos esforços das pessoas que
se debruçaram sobre “as muitas faces da história” ribeirãopretana são por demais
essenciais para a execução desta obra.
Por enquanto, acreditamos ser pouco conhecido entre a comunidade
acadêmica, e principalmente entre os munícipes de Ribeirão Preto, o trabalho de
Ricardo Barros (2005), o qual nos alerta que do ponto de vista documental já havia
nesta localidade um arraial antes do seu “nascimento” oficial (19/06/1856). Dentre os
documentos utilizados, apóia-se num inquérito policial do Juízo da Delegacia de
Franca, que tinha como indiciado Antônio Ferreira de Brito, cidadão da localidade em
questão e que fora acusado de enriquecimento ilícito. Citamos aqui os trechos que
compõem este documento e que foi utilizado por Barros, sendo o primeiro do
supramencionado acusado e o segundo da testemunha deste, Silvério Claudino da
Silva, que ratificou os dizeres do acusado. Seguem os trechos:
[...] E depois seguiu para o ribeirão preto, usando sempre da Medicina, e já recebeu mais Animais, e dinheiros, e lá Comprou uma Escrava de nome Maria, aqual foi de Luiz Borges de Aquino, por quinhentos mil reis, Cujos Títulos forão possados lá por Silvério Caludino da Silva, que lá se achava; e lá mesmo recebeu uma besta preta por Cem mil, aqual lhe derão em pagamento de suas Curas e remédios...[sic]. (BARROS, 2005, p. 120).
[...] Respondeu que indo desta Villa ao Arrayal do Ribeirão Preto a tratar [...] a Laurentino de tal que se achava preso na dadêa desta Villa, e estando um dia de falha em dito Arrayal em Casa de Soares de tal e lá lhe apareceu um fulano comjunto com o Interrogado aquelle que Cujo nome senão lembra, pediu a elle respondente para passar um título [...] de uma Escrava ao Interrogado Brito Cuja Escrava se achava presente e fora no título declarado ser vendida por quinhentos mil reis, uma das testemunhas foi o mencionado Soares: Tão´bem viu o mesmo Interrogado receber uma Besta em preço de Cem mil reis a qual elle respondente viu o interrogado nélla nesta Villa, porém dia e mêz não recorda... [sic]. (BARROS, 2005, p. 120-121).
Julgamos pertinentes as informações citadas acima na medida em que indicam
que Ribeirão Preto já era um local onde era possível a acumulação de capitais, além
de ser um local onde havia a presença de mão-de-obra escrava, fato muitas vezes
desconsiderado pelo senso comum e que dificulta a superação deste ponto delicado
da nossa história, já que em nossos dias perdura um superficial orgulho de termos
34
como sustentáculo da nossa história social a origem imigrante, sobretudo italiana,
ponto que não há como negar, mas que invariavelmente é tratado sem a devida
problematização histórica, como se além deste fato não tivéssemos tido aqui o
trabalho escravo, a exploração da mão-de-obra livre e assalariada de maneira às
vezes ultrajante, inclusive no contexto de recepção de grande número de
trabalhadores para o cultivo do café (GARCIA, 1997).
1.3.1 A incursão da história ribeirãopretana no processo histórico regional paulista.
A história de Ribeirão Preto remete aos primeiros povoadores advindos de
Minas Gerais, período anterior à chegada do café e marcado, sobretudo, pela
ocupação e pela legalização das terras, momento concomitante à formação do
patrimônio de São Sebastião, fator decisivo para a fundação oficial da cidade em 19
de junho de 1856. (LAGES, 1997). Em relação a este ponto, conforme
resumidamente abordamos acima, devemos repensar em vista das novas
informações trazidas por Ricardo Barros (2005) o porquê este fato mereceu tamanho
destaque na sua história.
Segundo este autor, os cinco nomes que mais se destacam na tentativa de
lançar luz aos primeiros anos da história da fundação de Ribeirão Preto foram Padre
Núncio Greco (pároco da cidade entre os anos de 1877 e 1890), Francisco Augusto
Nunes, João Rodrigues Guião (ambos moradores desta cidade), mas, sobretudo,
Plínio Travassos dos Santos e Osmani Emboaba. 1 (BARROS, 2005, p. 17-66).
Após apresentar os autores, Barros percorre a polêmica que existiu entre os
dois últimos sobre quem de fato estava correto quanto à data certa da fundação
desta cidade. O primeiro destes a se manifestar foi Plínio T. dos Santos, por meio do
trabalho intitulado “Ribeirão Preto Histórico e para a História”, publicado por meio do
jornal “Diário da Manhã” entre os meses de abril de 1942 e os primeiros de 1943, no
formato de folhetins, pelo qual defende que:
1 Para melhor exposição dos percalços desta polêmica, nos valeremos do trabalho de Barros (2005), salvo
indicação contrária.
35
[...] como nenhuma prova existia de já estar iniciada a povoação antes da escolha definitiva do local para a CAPELA, é de se presumir ainda que, tendo disso este escolhido definitivamente em 1863, desde logo fossem iniciadas as primeiras construções de casas, ainda que somente para garantia da escolha, temerosos os que preferiam o RETIRO de que ainda viesse a ser escolhido outro local... Assim, somente em 28 DE MARÇO DE 1963 RIBEIRÂO PRETO deverá festejar o primeiro centenário de sua fundação. (SANTOS citado por BARROS, 2005, p. 31).
No trecho completo, Plínio Travassos dos Santos menciona ter conhecimento
da possibilidade de ter havido desde 1852 um início de povoação, mas como
podemos observar pela citação acima, desabona esta hipótese em favor da tradição
patrimonialista que tanto marca nossa sociabilidade, pela qual ou o Estado ou a
Igreja, enquanto instituições consolidadas e de poder, é que denotariam um ensejo
de povoação, e nesse sentido, de história oficial (entenda-se, confiável). Porém, em
17/04/1952, por meio de um artigo publicado no jornal “O Diário da Manhã”,
alegando ter descoberto novos documentos que outrora não tivera contato, propõe a
alteração da fundação da cidade para 1853, sem, no entanto, mencionar o dia e o
mês. É neste ínterim que surge Osmani Emboaba, então um anônimo (se
comparado a Plínio Travassos dos Santos) dentro do cenário público
ribeirãopretano, cuja entrada se deu por meio da contestação da data oferecida por
este, alegando que somente em 1856 é que o representante de São Sebastião
tomou posse do referido patrimônio doado ao santo. Importante notar que o embate
não se dava tanto pela preocupação com um desenvolvimento da consciência
histórica local, mas sim, pela motivação de possuir o crédito da fixação da data na
qual a cidade de Ribeirão Preto foi fundada. (BARROS, 2005, p. 36).
Ao longo das farpas trocadas pelos meios de comunicação existentes na
época, sobretudo por meio dos jornais que circulavam na cidade, a polêmica enfim
teve seu desfecho em 09 de outubro de 1954. Após vários encontros da “Comissão
especial sobre a data da fundação da cidade” (criada para a finalidade que lhe dá
título e que tinha entre seus membros os dois debatedores) encaminhou à Câmara
Municipal seu parecer final sobre a data correta, o qual se transformou em projeto de
Lei nº 63/54 para ser incluso e votado neste dia por esta instituição. Em 01 de
dezembro de 1954 a Comissão de Justiça e Redação considerou legal o projeto e o
encaminhou para votação, sendo aprovado em votação tanto no dia 09/12/1954
quanto no dia 14/12/1954, tornando-se Lei nº 386 de 24/12/1954, pela qual ficou
estabelecida a fundação da cidade de Ribeirão Preto no dia 19 de junho de 1856
36
(BARROS, 2005, p. 64), tal como propôs Osmani Emboaba, em trabalho surgido
durante a contenda titulada “História da Fundação de Ribeirão Preto”, inúmeras
vezes citado em obras acadêmicas, inclusive no nosso trabalho de conclusão de
curso apresentada a esta faculdade (SOUZA, 2003).
Figura 1 – Documento que fixou a data de fundação de Ribeirão Preto
Fonte: BARROS, 2005, p. 66.
Feito este breve percurso intelectual sobre a “História da história da fundação
de Ribeirão Preto” (título da obra de Ricardo Barros), tornam-se evidentes as origens
da tradição ribeirãopretana em desprezar as ações da população anônima, para que
com isso sejam favorecidas as ações e as decisões das grandes personalidades,
37
das instituições legalmente estabelecidas. É notório o poder que isto tem até mesmo
entre a comunidade acadêmica, especialmente para nós, os historiadores, o que faz
mister a busca de novas perspectivas, tendo em vista a descoberta de novos
documentos e da urgência da valorização de novas perspectivas analíticas, inclusive
de fontes até então postas em segundo plano.
Não sem razão o chamado “quadrilátero central” (espaço urbano compreendido
entre as atuais avenidas Nove de Julho, Independência, Francisco Junqueira e
Jerônimo Gonçalves), herdeiro espacial do antigo “Patrimônio de São Sebastião”,
ocupa nos trabalhos acadêmicos uma posição privilegiada e especial, tamanho o
fascínio exercido nos pesquisadores que se propuseram a contar a chegada da
“modernidade” em Ribeirão Preto, nos causando a impressão de que a população,
agente social que ocupa e que interage neste espaço, desempenha papel
secundário ou reativo durante este contexto marcado por fortes mudanças sociais,
econômicas e culturais, ressalvas feitas aos trabalhos que têm por objetivo abarcar a
arquitetura e as infra-estruturas citadinas e não a vida material da população, que
por sinal era extremamente diversificada, natural para uma cidade que possuía
diferentes grupos sociais e modos de viver peculiares por motivos os mais variados.
Justamente por haver poucos trabalhos que se debruçam para a vivência coletiva
ribeirãopretana visando ao máximo não apagar seus traços particulares é que
dissertamos sobre as atividades complementares à economia cafeeira havida nesta
entre os anos de 1874 e 1914, e como ocorreu a racionalização destes negócios que
posteriormente tornaram-se uma engrenagem de destaque no cotidiano dos seus
habitantes, em grande parte envolvidos diretamente.
A obra de Maria Angélica Momenso Garcia, Trabalhadores Rurais em
Ribeirão Preto, representa nesse sentido uma base para a análise pretendida, bem
como de comparação, àqueles que se voltam, assim como nós, a tentar entender
como fora o cotidiano de trabalho destas pessoas desafortunadas e que diariamente
se deparavam com uma realidade marcada pela opressão, ainda que amparadas
contratualmente na sua relação com os proprietários de terras. Tal desfavorecimento
é elucidado por meio da análise dos inquéritos policiais e processos criminais
ocorridos entre 1892 e 1920 na Comarca de Ribeirão Preto. Diz a autora no epílogo
da sua obra:
38
As situações de confronto entre trabalhadores e patrões surgiram, por conseguinte, como forma de resistência às injustiças e condições opressivas de vida e trabalho. Em muitas delas, o controle em excesso do tempo útil, as multas, a vigilância e a disciplina constante acabavam por provocar manifestações momentâneas, apresentando-se apenas como uma atitude de defesa às situações apresentadas, demonstrando que não foram somente de movimentos organizados que se efetivou a luta dos trabalhadores no final do século XIX e início do XX. (GARCIA, 1997, p. 142-143).
Mesmo fora do cotidiano de trabalho, havia uma sociabilidade marcada pela
violência na região de Ribeirão Preto. As oportunidades de trabalho passavam
também pelo campo da ilegalidade, fator que atraiu para esta região o famigerado
Diogo da Rocha Figueira, conhecido por Dioguinho, diminutivo que não escondia
seu notório gosto pela violência e pela capacidade de provocar terror, característica
reconhecida pelas diversas classes sociais, mas que por vezes lhe proporcionava
rendimentos pelos “serviços prestados” aos poderosos da região, e que por
conveniência, lhe dava proteção e/ou refúgio. (JORGE, 2008)
Concordamos com a historiografia que sustenta que esta realidade hostil ao
trabalhador fez com que nestes o intuito de se desvencilhar o quanto antes de
contratos de trabalho desfavoráveis se tornasse constante no seu cotidiano, fazendo
com que adotassem uma postura empreendedora que, ainda que estes não
concretizassem suas ambições pessoais, certamente agiu como fator decisivo para
fazer de Ribeirão Preto uma cidade propensa ao dinamismo socioeconômico, dada a
existência de uma pujança econômica que beneficiava os grandes cafeicultores e
instigava os trabalhadores diversos ao desejo de terem uma vida melhor.
Mas por vezes as expectativas de ganhos não se cumpriam e, nestes casos, a
saída era penhorar os bens conquistados e/ou hipotecar suas casas, inclusive em
que moravam, ocasionando ações de despejo ou repactuação entre os interessados.
Exemplo desta situação foi descrita na escritura de 13 de fevereiro de 1895, no qual
conta que Joaquim Ferreira moveu uma ação de despejo contra João Ângelo
Ferreira porque este lhe devia 18:000$000 por uma empreitada não realizada,
firmada em outra escritura de 15 de maio de 1890, mas que, por decisão do lesado,
ficou acertado que o devedor pagaria as custas motivadas pela desistência da
apelação interposta da sentença do Juiz de Direito da Comarca sem, no entanto, ter
na descrição maiores comentários. Num ambiente assim, era natural o crescimento
da ação de advogados oferecendo os seus serviços, como mostram as escrituras de
31/01/1889, 23/03/1889, 05/04/1889, 03/07/1891, entre outras.
39
É pertinente dizer que as escrituras públicas firmadas no 1º Tabelião de Notas
de Ribeirão Preto não somente tratam de negociações relativas a esta cidade, mas
também negociações de propriedades situadas nas cidades do entorno desta. Por
esta razão, as pesquisas referentes às demais cidades e/ou temas que compõem o
seu entorno ganham destaque especial, tal como os trabalhos de Tosi (1998 e 2003)
e Lélio L. de Oliveira (2006).
Diz Jorge H. C. de Oliveira na sua tese de doutorado titulada “Ribeirão Preto:
economia e riqueza através das transações imobiliárias” defendida nesta faculdade:
Existe, também, a possibilidade de negociações terem sido feitas sem que houvesse documentos registrando a propriedade, talvez com ou mesmo sem contratos de gaveta. Além disso, existe a possibilidade de negociação ter sido registrada em outra localidade. Ocorre, porém, que em grande parte, estes problemas estão presentes também em outras fontes mais tradicionais utilizadas para pesquisas. (OLIVEIRA, 2006, p. 72).
Tal como já previu o autor supracitado, o nosso trabalho também está
privilegiando as transações imobiliárias na medida em que por meio destas
poderemos acompanhar com uma fluidez maior do que a apontada pelo seu trabalho
realizado no 1º Cartório de Notas de Ribeirão Preto, uma vez que diversos tipos de
transações eram firmados no 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto, inclusive de
concessão de empréstimos a juros, formalização de sociedades comerciais e
parcerias, ao contrário do que ocorria naquele estabelecimento, por voltar-se
exclusivamente aos bens imobiliários. Em vista desta amplitude, sabemos que a
diversidade social e econômica das pessoas que freqüentavam o 1º Tabelião era
muito mais díspare e mesmo de interesses complexos, haja vista o fato de alguns
irem firmar contratos de trabalho e outros irem até o local para reconhecerem que
tiveram filhos extraconjugais quando então eram escravos, tal como o caso de
Cartario Belarmino D’Almeida e Maria Emília, em 26 de março de 1889, quando
declararam terem tido dois filhos, tendo o primeiro naquela ocasião dez anos de
idade e os segundo oito anos, aproximadamente, não obstante declarando “não
terem resistido às tentações da carne”, tendo o “coito” (expressão do tabelião)
ocorrido em Valhença, Província do Rio. O que os teria feito virem a Ribeirão Preto?
Seria a busca por uma vida melhor? A resposta a estas questões não é da nossa
alçada, mas tentar responder a este tipo de hipótese pode nos auxiliar na busca de
40
uma melhor compreensão desta realidade propensa a envolver todos aqueles que
nela viram a oportunidade de uma vida melhor.
Já dissemos que o foco da nossa pesquisa é a compreensão do processo de
racionalização das atividades complementares à cafeeira. Contudo, não podemos
desprezar estes detalhes da vida cotidiana, pois o tabelião, ao fazer as escrituras,
não deixa de exprimir dados de extrema valia para a reconstituição da vida social
daquela época, ao dizer de onde são os envolvidos, sua etnia, sua ocupação, estado
civil, entre outros dados que agregam a análise econômica de uma impressão
singular, ao perpetuar cada conflito numa nova escritura pública.
A compilação das fazendas que foram mais recorrentes nos processos
criminais pesquisados por Garcia (1997, p. 34) também tem sua relevância no nosso
trabalho, pois as transações que envolviam negociações imobiliárias ou de
contratação de prestação de serviços, especialmente de cunho rural, sempre trazem
a referência ao lugar onde se dariam o trabalho.
Pela análise das escrituras públicas não podemos confirmar se uma das
propriedades de Luis Antônio da Cunha Junqueira, a Fazenda Retiro, teve seu nome
alterado para “Bom Retiro”, porém é certo que a sua Fazenda Pau Alto, localizada
no distrito de Bonfim Paulista, da cidade de Ribeirão Preto, foi uma das fazendas
relacionadas entre aquelas que se envolveram em questões criminais entre os anos
de 1892 e 1922. Acreditamos, à luz do conhecimento historiográfico e a par das
limitações inerentes a nossa fonte primária, poder apontar como o processo de
retaliação da terra, ora em porções concentradas nas mãos de um único dono, ora
entre donos diversos e em tamanhos menores, estimulou o surgimento de novos
ramos de atuações comerciais, financeiras e de prestação de serviços.
1.4 As interações humanas e as modificações do espaço natural
A partir da década de 1890, na extensa área circundante ao quadrilátero
central, houve uma grande intervenção humana buscando ocupar de maneira mais
eficiente o território. Este objetivo rapidamente se fez presente na área urbana e
também na área suburbana, seja por meio da ação da construção civil, seja por meio
da maior aproximação das atividades desenvolvidas no território do Núcleo Colonial
41
Antonio Prado com a economia cafeeira.2 Vários anônimos foram responsáveis por
estas mudanças.
Leopoldino Fernandes de Almeida contratou Vicente Antonio de Carvalho para
que este construísse na continuação da Rua Saldanha Marinho uma casa feita com
tijolos, coberta de telhas, pintada com duas demãos de tinta, com vinte palmos de
frente e trinta e cinco de fundo, pelo valor de 1:200$000. Como garantia, foi acertado
que Alexandre Travers se obrigaria a satisfazer este contrato com Leopoldino pelo
prazo máximo de trinta dias, caso este precisasse se ausentar, sendo que Vicente,
definido profissionalmente como empreiteiro, receberia pela realização da obra
seiscentos réis no começo da obra e o restante quando do término, se as condições
impostas pelo contratante fossem todas atendidas. (ESCRITURA pública de
27/05/1891, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto). O mesmo Leopoldino, em 18
de dezembro de 1891, contratou Balduino Freire Ribeiro para construir uma casa de
quarenta e cinco palmos de frente e quarenta de fundo na fazenda do Lauriano, na
beira da estrada que vai para a fazenda do Sertãozinho, na margem esquerda do
córrego da Lagoa, desta vez estabelecendo o prazo de noventa dias para a
conclusão da obra e multa de cinqüenta mil réis por mês de atraso do contratado
para o serviço. (ESCRITURA pública de 18/12/1896, 1º Tabelião de Notas de
Ribeirão Preto).
Na área do Núcleo Colonial é mencionado, na escritura de compra e venda de
1893, que os dois alqueires vendidos pelos proprietários continham casa de morada
construída de tijolos, cerca de arame no terreno, cisterna e outras benfeitorias.
(ESCRITURA pública de 27/05/1893, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto). Ainda
no Núcleo, foi vendida uma área de 514.500 metros quadrados contendo olaria,
carroças, animais, casas de tijolos e outras benfeitorias pelo valor de dez contos de
réis. (ESCRITURA pública de 18/05/1893, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).
A existência de olarias não é fenômeno estranho durante a análise da área
pertencente ao Núcleo, pois em outra escritura foram arrendadas outras duas olarias
pelo valor de três contos de réis. (ESCRITURA pública de 02/04/1896, 1º Tabelião
de Notas de Ribeirão Preto).
Podemos perceber que a área integrante do Núcleo tanto era usada como
moradia quanto para a realização de atividades produtivas relacionadas com a
2 A história deste núcleo colonial e sua importância na estrutura fundiária ribeirãopretana serão analisadas em
outro momento desta dissertação.
42
construção civil, o que aponta para a diversificação de negócios e de pessoas no
que se refere aos tipos de atividades profissionais desempenhadas, o que nos
permite julgar que existiam pessoas empreendedoras transformando o território e
suas vidas por meio da inserção do seu trabalho às necessidades gerais da cidade
que também se transformava.
Mas nem tudo e nem todos estavam no mesmo ritmo de vida e de condições
materiais nesta região. Noutra escritura de 1893, foi vendido um lote de 110.170
metros quadrados, contendo uma casa coberta de sapé, cujas descrições apontam
se tratar de uma casa feita de barro, numa época e lugar que assistimos pelas fontes
acima já haver telhas e tijolos. Fora a modesta casa, foi vendida uma roça de um
alqueire de milho plantado pelo valor de dois contos de réis. (ESCRITURA pública
de 12/09/1893, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto). Já em outra escritura, de
1896, nem plantações havia, somente fora vendido metade de um lote sem menção
ao tamanho, salvo ser dito que havia nele uma casa de palha com três cercas de
arame, tudo pelo valor de 600$000.
Se as escrituras acima sugerem rusticidade, a venda de outro lote ocorrida na
mesma seção do Núcleo mostra um uso bem diferente da propriedade de terra. De
acordo com a escritura, no lote de dois hectares e dois ares continha uma casa, um
paiol, um galinheiro e um chiqueiro de porcos cobertos de palha. (ESCRITURA
pública de 28/11/1983, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).
Outro tipo de negócio também era realizado por meio da aquisição de terras
em áreas do Núcleo Colonial. Trata-se da compra de propriedades por valores
menores aos obtidos pela venda posterior, valendo-se da simples lei da oferta e da
procura visando à capitalização do valor inicialmente investido. (ESCRITURA pública
de 10/03/1894, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).
Alguns casos de escritura de compra e venda de imóveis situados na área
suburbana chamam atenção mais pela localidade do que por melhorias realizadas
pelo proprietário anterior. Em 1896, a cidade estava imersa num rápido processo de
urbanização e de captação de estabelecimentos comerciais e de fábricas de
produtos de bens não duráveis, como cervejarias. Por esta razão, a aquisição de um
lote de sessenta palmos de frente e quatrocentos de fundo na continuação da Rua
Saldanha Marinho, mesmo que não utilizado, poderia render um bom negócio ao
comprador pela simples especulação imobiliária, já que em ambos os lados havia
proprietários, e nos fundos, uma outra propriedade, a qual era do comprador,
43
estendendo ainda mais o seu terreno. (ESCRITURA pública de 03/10/1896, 1º
Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).
Três escrituras do mesmo ano citado acima revelam uma importante
informação aos pesquisadores que buscam entender as atividades desenvolvidas no
Núcleo Colonial Antonio Prado, pois em uma é dito que os proprietários venderam o
lote de 78.318 metros quadrados ao comprador com a edificação de uma casa de
morada coberta de telhas, uma cisterna, alguns pés de café hipotecados e cercados
de arame pelo valor de sete contos de réis. Na mesma escritura, é dito que os
vendedores pagaram por meio da venda do lote a divida de 6:754$064, deixando os
pés de café adquiridos pelo comprador livres da hipoteca assumida pelos
vendedores. (ESCRITURA pública de 29/08/1896, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão
Preto). Como a área do lote é reduzida, acreditamos que se trata de um cultivo de
café voltado ao consumo próprio ou mesmo voltado para a venda direta aos outros
moradores da área suburbana.
Já na escritura de 21 de agosto é formalizada a venda de um lote de terras na
primeira seção deste Núcleo, no qual havia duas casas, cafezais e outras
benfeitorias, cujo terreno era cercado de arame pelo valor de doze contos de réis, o
que mais uma vez reforça a existência de cafezais na área suburbana ainda não
assimilada pela presença marcante de edificações. Neste caso em especial, o
tabelião fez questão de ratificar que ambas as partes envolvidas na transação eram
por ele conhecidas. (ESCRITURA pública de 21/08/1896, 1º Tabelião de Notas de
Ribeirão Preto).
Na de 17 de outubro, é dito que no lote de 72.968,25 metros quadrados havia
uma pequena casa coberta de telhas, cercas de arame, rego d’água e mil e
oitocentos pés de café com um ano de idade, o que nos faz crer que este ramo
produtivo tenha despertado os proprietários da área suburbana para esta prática
agrícola. (ESCRITURA pública de 17/10/1896, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão
Preto).
Durante as transações imobiliárias referentes à área suburbana, é mencionada
em 10 de fevereiro de 1896 a existência do cemitério novo, construído no Núcleo
Colonial, o qual, por meio da localização discriminada para a venda de um terreno
de cento e vinte palmos de frente e quinhentos de fundo, sabemos se tratar do
Cemitério da Saudade, cuja entrada era onde depois seria construída uma avenida e
que, na época, era chamada de “Antigo Caminho para Batatais”.
44
Relacionado ao cemitério novo mencionado acima, foi firmada uma escritura
entre Marco Golfeto e sua mulher Carolina Santesso com a Câmara Municipal, por
meio da qual foi realizado um escambo entre as partes. No negócio ficou decidido
que Marco concederia oitenta e quatro metros e noventa e dois centímetros de
terreno em troca de um mausoléu perpétuo de três metros e cinqüenta centímetros
de frente por quatro de fundo em lugar a ser escolhido pela família. É dito ainda que
o Capitão Luiz da Silva Baptista foi autorizado a executar o acordo por meio da
sessão extraordinária realizada em 07 de janeiro do mesmo ano.
Em 28 de outubro de 1909, também num lote situado no Núcleo Colonial, foi
firmado um contrato de parceria no valor de dois contos de réis entre a proprietária
Dona Anna Carolina Milsen e o lavrador José Vianna. Havia inicialmente um
mandiocal, árvores frutíferas, uma casa para moradia construída de tijolos, coberta
de telhas e ladrilhada, uma coberta de junco para carrinhos, uma cocheira de tijolos
coberta de telhas, capoeiras e outras benfeitorias, nove vacas leiteiras, um burro,
oito bezerros, uma égua e um carrinho asseiado para a venda de leite. Já nas
cláusulas da parceria ficou determinado que o contrato valeria por um ano, e que o
lavrador entregaria tudo o que foi relatado acima em bom estado de conservação e
que, descontadas todas as despesas das atividades que pelo lavrador seriam
desempenhadas, este ficaria com a metade do lucro líquido. Poderia ainda morar na
casa tendo que fazer os reparos necessários e plantar quaisquer cereais e, nestes
casos, não seria obrigado a repartir e poderia usar o carrinho e os arreios para a
venda de leite, pois a proprietária não possuía marido por “causas naturais”. No
campo das obrigações, ficou acertado que o lavrador não teria direito sobre a
produção do gado e teria que conceder o direito da proprietária de fiscalizar a
propriedade.
A percepção da área pertencente ao Núcleo Colonial pelo tabelião foi
claramente exposta pela escritura de oito de fevereiro de 1896, quando é dito que
uma área de 102.500 metros quadrados “nos subúrbios desta cidade” com casa de
morada, cercas de arame e outras benfeitorias situadas na continuação da Rua
Saldanha Marinho, fazendo fundo com a Rua José Bonifácio foi vendida por cinco
contos de réis. (ESCRITURA pública de 08/02/1896, 1º Tabelião de Notas de
Ribeirão Preto). E vale notar que se trata de um terreno que não é tão afastado do
quadrilátero central se comparado a outros negociados no tabelião durante o
período estudado nesta pesquisa.
46
2.1 As transformações ocasionadas pela economia cafeeira
Quando estudou a origem do capitalismo moderno e o conceituou, Max Weber
concluiu que
O capitalismo existe onde quer que se realize a satisfação de necessidades de um grupo humano, com caráter lucrativo e por meio de empresas, qualquer que seja a necessidade de que se trate. Diremos que, via de regra, uma exploração racionalmente capitalista é uma exploração com conta de capital, isto é, uma empresa lucrativa que controla sua rentabilidade na ordem administrativa por meio da contabilidade moderna, estabelecendo um balanço [...]. (WEBER, 2006, p. 257).
Na história do estado de São Paulo referente à segunda metade do século XIX
e às primeiras décadas do século XX destacaram-se as empresas ferroviárias que
auxiliaram na aceleração do processo de ocupação e urbanização do território
paulista e, por conseguinte, da modernização do capitalismo. A “Estrada de Ferro
Noroeste”, a “Companhia Paulista de Estrada de Ferro”, a “Estrada de Ferro
Sorocabana” e a “Estrada de Ferro Araraquara” cumpriram papel de destaque no
desenvolvimento dos transportes de carga e de passageiros ao longo do último
quartel do século XIX e primeira metade do século XX. Essas empresas auxiliaram
no deslocamento de produtos e de pessoas, mas, de forma mais intensiva, foi a
cafeicultura quem as assegurou mais permanentemente nas áreas recém-
conquistadas. As ferrovias possibilitaram, portanto, a comunicação mais veloz,
enquanto os pés de café ajudaram as pessoas a fixarem raízes, aumentando o
intercâmbio de notícias e de capitais, gerando novas linhas férreas e propiciando o
fortalecimento do complexo produtivo.
Antes da locomotiva, é importante não nos esquecermos de que o
deslocamento brutal de indivíduos que vieram de outros continentes para o Brasil se
deu por meio de navios, única forma na época de atravessar a barreira física que era
o mar, decisão repleta de incertezas e de incômodos pela qualidade da prestação
deste serviço. Somadas, estas dificuldades encadeadas proporcionaram aos
contratadores rurais a vantagem psicológica de impor os seus interesses sob a
extrema necessidade de trabalho e de segurança material que os imigrantes traziam
consigo, além das parcas bagagens.
47
Mas isto somente se dava porque os imigrantes que decidiram fazer a travessia estavam determinados em fugir em terras americanas da miséria que se depararam nas suas terras-natais e/ou estavam influenciados pelos princípios liberais que faziam crer que o sucesso ou o fracasso estavam antes de tudo vinculados às decisões de cada individuo. [...] deve-se dizer que a maioria dos imigrantes não deseja abandonar suas casas nem suas comunidades. Se pudessem escolher, todos – com exceção dos poucos que anseiam por mudanças e aventuras – permaneceriam em seus locais de origem. A migração, portanto, não começa até que as pessoas descobrem que não conseguirão sobreviver com seus meios tradicionais em suas comunidades de origem. (KLEIN, 2000, p. 13).
Como o tempo agia contra estes imigrantes, era mister aceitar o quanto antes
alguma oferta de trabalho, pois nem mesmo tempo havia para ser desperdiçado.
Fatores como, por exemplo, estado civil, sexo e idade contavam no momento de
seleção das vagas que surgiam. Por esta razão, o tempo de vida, de chegada ao
país e mesmo do número de dias que era possível suportar para melhor escolher o
que fazer tornou-se uma mercadoria embutida na ação a ser realizada pelos
indivíduos na medida em que estes fatores passaram a servir de baliza para
qualificar alguns homens e depreciar outros perante as ofertas de ocupação
existentes no mercado de trabalho.
A preferência pelo imigrante não se deveu a nenhum valor ligado à qualificação profissional, pois foi constatado que os estrangeiros “desconheciam e estranhavam os serviços” e nunca tinham visto um pé de café. O cafeicultor selecionava seu braço baseando-se mais na disposição de trabalhar intensamente e na vontade de progredir do que na experiência agrícola específica. Na busca de melhorar sua situação econômica, os imigrantes estavam motivados psicologicamente para aproveitar as oportunidades ainda não exploradas da economia urbana. Passado algum tempo, eles abandonavam a fazenda e se dirigiam para as cidades, onde poderiam montar uma pequena oficina, candidatar-se ao trabalho fabril ou se dedicar ao comércio. Historicamente, os imigrantes foram os principais responsáveis pela dignificação do trabalho braçal ou manual do lavrador, do artesão, do operário. Eles traziam consigo a ideologia do “esforço pessoal”, da “redenção pelo trabalho” ou do “êxito pessoal”. (CARMO, 2005, p. 105, grifo nosso).
O grau de influência do trabalho como norteador das relações sociais na
sociedade contemporânea fez com que a noção de educação se moldasse de
acordo com os valores elitistas. Por isto, o que ocorreu ao longo do tempo foi a
preparação do menor de idade (daqueles vindos da elite) para o trabalho, por
intermédio de uma educação que visava primeiro preparar os indivíduos para uma
determinada finalidade (áreas comerciais, médicas ou técnicas-produtivas) e não
para a vivência em sociedade, repleta dos mais variados conflitos
48
Na medida em que mais cidades eram criadas a partir da gestação de novas
frentes pioneiras de café, as relações entre as anteriores eram reforçadas devido às
necessidades intrínsecas de deslocamento de mão de obra e de produtos
necessários ao suprimento dos afazeres contratados como também dos próprios
agentes transformadores do meio físico.
O reforço dos elos sociais e das possíveis cisões entre pessoas, motivadas
pela barreira física, imposta pelas distâncias, integrou a formação de uma
sociabilidade que se orientou pela assimilação de posturas sociais cunhadas pelo
capitalismo.
A construção de uma estrutura urbana abastecida por ferramentas facilitadoras
da vida era um fato sentido e admirado pela população e por parte da
intelectualidade da época, cujo exemplo maior da cidade de Ribeirão Preto são os
memorialistas. Já a cultura, construção coletiva autônoma das esferas infra-
estruturais, era uma estrutura social que se rearranjou conforme novos paradigmas
de vida foram criados ou importados por aqueles que no município viviam, com a
característica diferenciadora de fazer-se presente e em mudança sem, no entanto,
causar incômodos, ao menos aparentes, num primeiro olhar.
As locomotivas fizeram-se presentes em Ribeirão Preto durante o auge do café
e mesmo depois. Sua presença, que advém desta época, pode ser sentida pelos
trilhos, pelas estações ferroviárias que ainda existem na cidade. Menos visível para
quem olha atualmente a cidade cheia de carros e de animais eventualmente soltos
ou perdidos em meio ao cenário contemporâneo é a dívida que a modernização das
ferramentas urbanas tem ao uso concatenado destes parceiros dos homens de
imemorável data.
Neste ponto destaca-se o uso de cavalos, mulas e mesmo bois, que tanto eram
usados para transporte pessoal e de cargas quanto de passageiros, numa época em
que pagar serviços de transporte em charretes, antes de ser visto com desabono,
era ato de distinção e de reconhecimento social positivo.
Foi assim que aos poucos a parceria de máquinas modernas (filhas da
engenharia, da intelectualidade científica) e o uso de animais selaram-se, sem que a
natureza técnica e a natureza biológica das forças motrizes, respectivamente,
representassem para alguém como algo ambíguo, destoante ante a pretensão da
elite local de ficar em dívida com as cidades-modelo que irradiavam o “perfil
civilizacional requintado”, cujo destaque inconteste para a época era Paris. Todavia,
49
o bufar dos animais passou algum tempo depois a ficar desarmônico ao barulho da
respiração das máquinas. Tanto as locomotivas quanto o apito das empresas
instaladas passaram a não só criar a nota das condutas sociais como também
alterar a legislação local com o afinamento que o desenvolvimento capitalista julgou
ser necessário.
Pelo mapa abaixo, podemos perceber a correlação da presença das lavouras
cafeeiras no Estado de São Paulo e a presença das malhas ferroviárias:
Figura 2 - Cultura do café e expansão ferroviária: influências recíprocas. Fonte: POSSAS, 2008, p. 27.
50
Dentro deste panorama de efervescência da vida social urbana em Ribeirão
Preto, destacou-se a presença de mulheres nos entretenimentos noturnos criados
para a elite. Pelo tipo de incursão feminina, e olhando para o público alvo aos quais
estes se destinavam, não podemos dizer que se tratou de um acesso em igualdade
aos status dos homens, pois a permissão desta convivência obedecia aos gostos e
desmandos daqueles que detinham o dinheiro e que não dissimulavam o gosto de
fazer uso do seu poder econômico, característica percebida e muito bem explorada
pelo imigrante François Cassoulet. (SILVA, 2000).
Para a realização dos shows, das peças de teatro, para a criação de um lugar
que ofertasse bebidas, petiscos e diversão àqueles que podiam pagar por esta,
houve a necessidade de se concatenar os valores já constituídos com estes tidos
por alguns como perniciosos. A harmonia e a desarmonia de pessoas e de valores
auxiliaram a sociabilidade ribeirãopretana a reinventar-se para concomitantemente
sedimentar novos hábitos aos já existentes (visto por alguns como embates entre
pernicioso em face dos “bons costumes”, respectivamente). Por isso, a presença de
espaços de sociabilidade que a seu modo representavam cada valor foi motivo de
conflitos entre os grupos sociais que julgavam-no destoante dos demais espaços
públicos, o que reflete por meio da discussão arquitetônica, os valores e as funções
inerentes aos empreendimentos postos em discussão coletiva.
Enquanto a arquitetura citadina feita de alvenaria substituía a de madeira e
materiais de grosso acabamento, como o barro, as regras de convivência também
eram alteradas ao gosto do grupo que mudava o semblante das ruas à força do
trabalho dos pedreiros pagos para esta finalidade. Terminadas as obras,
contratantes e contratados passaram à situação de possíveis ofertantes de serviços
e de produtos, eles mesmos, não raro, futuros freqüentadores dos espaços
construídos e, por isso, consumidores, invertendo a relação antes
ocorrida/verificada. Contudo, como somente este público não bastava para o
sucesso dos negócios, era necessário aparecer para conquistar a fidelização dos
clientes locais e atrair os de outras bandas. Justamente nesta necessidade de
melhor posicionar-se no imaginário comercial coletivo é que se destacaram as
funções das revistas, jornais e almanaques da época, juntamente com a oferta de
bens distintivos de posição social como pianos, pianolas, acordeons e partituras
musicais.
51
No Almanach Ilustrado de Ribeirão Preto de 1913, é dito que antes de ser uma
moderna cidade, esta teve que enfrentar três grandes provas: a “carência de braços
para a lavoura”, “a desvalorização da áurea rubiácea” e “a epidemia da febre
amarella”. Contudo, passada estas provações “apenas ficou momentaneamente
entorpecido o vigor da cidade”, tendo o “formidavel empório [saído] incólume dessas
tres provas a que foi submettido.” (ALMANACH, 1913, p.16).
A análise deste tipo de fonte gera a percepção de uma imagem, de uma
propaganda encomendada pelas elites locais visando a sedimentar o público já
abarcado e conquistar uma nova clientela que estava em busca de sofisticação e
novidades. Nessas fontes, o conjunto socioeconômico e cultural existente na cidade
transformou-a num produto de compra ofertado aos possuidores de renda que
buscavam satisfação pelo poder, eclipsando assim a face da cidade então marcada
pelo “atraso” e pelo anverso das imagens propagandeadas pelos meios de
comunicação citados no parágrafo acima.
Foi visando combater os resquícios das características municipais que não se
enquadravam no ideal civilizatório que as elites, por meio da ação dos poderes
públicos, passaram a agir contra a presença de doenças e de certos tipos de
posturas de vida de alguns grupos sociais que, por sua atividade de ganho, era
destoada da vitrina representada pelo quadrilátero central.
À força do dinheiro e da lei, os espaços urbanos a partir da primeira década do
século XX foram reorganizadas no sentido de atender a um ideal de cidade pensado
pelas elites. A construção de ferramentas urbanas (hospitais, cemitérios, delegacias
de polícia) obedeceu a este critério, ocasionando a formação de territorialidades
distintas. No centro (quadrilátero central) estava a sofisticação e elementos que
remetiam à civilidade, enquanto nas áreas suburbanas (mais do que nas rurais)
estava a população que precisava ser “consertada” na visão das elites, razão que
motivava os privilegiados a verem-na com desconfiança e a julgá-la como portadoras
dos vícios gerados pela pobreza, visão explorada na literatura por meio da obra “O
cortiço”, de Aluísio Azevedo.
As dualidades riqueza/pobreza, moderno/atrasado e chique/arcaico, ao
fazerem-se presentes nas fontes estudadas por outras obras acadêmicas, põem em
cheque a memória homogeneizadora que atualmente reina na cidade. A pujança, as
festas “fechadas” pelos endinheirados, os espetáculos freqüentados pela elite,
traços e desfrutes que foram emblemas da “alta sociedade”, marcaram a
52
racionalização da vivência coletiva com o passar das décadas e cristalizaram-se de
forma nostálgica pelos contemporâneos que estranhamente assimilaram este
discurso, como se neste processo de racionalização dos negócios e conseqüente
modernização do cotidiano todos os envolvidos tivessem igualmente sido atingidos e
assimilados de forma parecida, como se a participação material e pessoal dadas ao
conjunto das mudanças fossem feitas como integrantes da história de todos. O
problema é o desmerecimento dos conflitos, do tratamento apaziguador de uma
parte da história da cidade que envolveu os diversos grupos sociais de formas
particulares conforme os elos que estes e cada indivíduo possuíam com os vários
ritmos de vida da cidade, debate que voltaremos posteriormente.
Provavelmente este processo de identificação com o passado restrito de
algumas pessoas pela maior parte da população atual esteja fundamentado na
possibilidade real de mobilidade social durante o período em foco, fato verificável no
estudo das escrituras públicas.
Para evitar qualquer julgamento parcial, julgamos relevante afirmar que não
estamos crendo que grande parte das pessoas que freqüentaram os espaços
restritos à elite perdeu status social e poder aquisitivo com o passar dos anos, mas
sim que houve uma grande fluidez do status de proprietário de um bem (imóvel,
animais, mercadorias diversas) e de prestador de serviços, não necessariamente
engessando a população entre o superficial entendimento de ricos e pobres, pois
ambos os adjetivos são superficiais demais para validar aquela realidade marcada
por grande circulação de capitais, inclusive pelo grupo envolvido com a efetivação
de atividades complementares. Vale atentarmos que o termo mais apropriado para
definir a situação de uma pessoa na sociedade capitalista moderna é “estar” pobre
ou rico e não “ser” pobre ou rico, pois a riqueza não é algo que permanece imutável
perante a ação do tempo e a manutenção da vivência coletiva.
Ainda, por meio da análise das fontes, foi possível perceber que as pessoas
envolvidas pelo processo de modernização ocorrido em Ribeirão Preto desde as
últimas décadas do século XX geralmente não possuíam uma contabilidade marcada
pela precisão, especialmente os trabalhadores submetidos à realização de
atividades complementares. As transformações havidas na cidade e as
necessidades variadas de produtos e de realização de trabalho diversos atuavam
como parâmetro para que os negócios firmados tivessem uma maior ou menor
possibilidade de cumprimento contratual. Nos casos em que a dúvida quanto aos
53
ganhos era maior, as cláusulas contratuais atuavam como amenizadores dos
possíveis prejuízos para uma das partes. A precisão dos riscos, dos ganhos, dos
pesos e das medidas ocorreu gradualmente nos negócios e no cotidiano
socioeconômico municipal, num ritmo maior em alguns setores da vida e mais lento
em outros.
Comprometidas com a economia de subsistência e de abastecimento de
víveres à população local, as atividades complementares modificaram-se quanto ao
rol oferecido aos consumidores. Cada vez mais vinculada aos critérios capitalistas, o
envolvimento nestas atividades cresceu em importância por garantir a permanência
da riqueza gerada pela economia cafeeira, ao dinamizar as trocas comerciais pela
via monetária e por atrair à vida local uma rede mais complexa de prestação de
serviços, como os estabelecimentos bancários. A racionalização da conduta pessoal
estimulou a adoção de um padrão de vida ao alvedrio do capitalismo moderno,
temperado por produção, consumo e acumulação de patrimônio, politicamente
recalcado na “ordem” e no “progresso” impostos pelos chefes republicanos.
2.2 Os negócios proporcionados pela racionalização dos espaços públicos e
privados
Na medida em que a cidade foi envolvida pela racionalização dos negócios, os
espaços públicos e privados de convivência também se alteraram. Em áreas onde
antes eram praticadas lavouras de milho, feijão, bem como a criação de animais de
pequeno porte, como galinhas e porcos, foram construídas casas de poucos
cômodos visando a captação de pessoas que necessitavam habitar próximo às
áreas urbanizadas da cidade. Com a captação de inquilinos, os antigos proprietários
suburbanos asseguraram renda enquanto seu investimento era valorizado pelo
crescente processo de especulação imobiliária, alimentado pela vinda cada vez
maior de trabalhadores que deixavam o campo para desempenhar alguma atividade
que lhes garantisse a permanência no perímetro urbano.
A demanda de mão de obra e de materiais criada pela construção civil foi
suprida, acreditamos, pelas olarias locais que já estavam em funcionamento durante
este processo de transformação espacial do território. Utilizando o “solo barreiro”, os
54
donos das olarias beneficiavam-se do fato de estarem numa região carente destes
materiais, especialmente de tijolos e de telhas, já que esta demanda era fruto
simultâneo do aumento populacional e da entrada de capitais, ambas relacionadas
diretamente à economia cafeeira.
Figura 3 - Bacias hidrográficas do Município de Ribeirão Preto. Fonte: FREITAS, 2006, p. 69.
Com o auxílio da imagem anterior e da análise das escrituras públicas que
faremos a seguir, é possível percebemos a íntima relação deste tipo de negócio com
a proximidade de oferta de água abundante, possibilitada pela farta rede hidrográfica
onde se deu a formação da cidade.
Em 27 de setembro de 1881, Mizael Pedro da Motta e sua mulher venderam
uma olaria e uma “casinha” no lugar denominado “Lagoa do Campo”, na cabeceira
do córrego do Esgoto. Diz a escritura que a olaria compõe-se de uma casa coberta
de telhas e um rancho coberto de palha, por 600$000 réis em moeda corrente, sem
terreno algum por pertencer ao Padroeiro, e que “houverão a dita olaria por industria
própria”. (ESCRITURA pública, 27/09/1881, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).
Porém, em 07 de fevereiro de 1882, os vendedores acima voltaram no tabelião para
desta vez arrendar um terreno de barro próprio para o fabrico de telhas e tijolos no
lugar denominado “Lagoinha” por quatro anos aos rendeiros Domingos Salli, João
Baptista de Oliveira, Bernardino José de Andrade, que pagariam 800$000 réis
durante a vigência da escritura, sendo 200$000 pagos trimestralmente à razão de
50$000, exceto quando o pagamento for feito em telhas e tijolos, ficando combinado
55
o valor fixo de 35$000 o milheiro da telha e 25$000 o milheiro de tijolos. Na
descrição do terreno é dito que havia um rancho coberto de palha, terreiro de secar
telhas, um forno e uma cisterna para água de beber.
A primeira escritura envolvendo o casal permitiria a suposição de que não
estariam no negócio da fabricação de tijolos e telhas, por terem construído eles
mesmos o empreendimento, porém, menos de cinco meses depois, estavam
arrendando um terreno no qual se pode notar a intenção de agirem como
distribuidores do material produzido pelos rendeiros ou então recebendo em dinheiro
a locação do seu patrimônio. Nota-se então a mudança do setor produtivo para o
comercial, pelo tipo de ação promovida pelo casal.
Além da oferta de água para este negócio, era necessária a oferta de lenha
para abastecer os fornos, e isto não deixou de ser objeto de negociação para a
assinatura da escritura firmada em quatro de fevereiro de 1889, entre Azarias Vieira
de Almeida e o casal João Baptista Bardoqui e Satina Francesco, citados como
locatários italianos. Num determinado momento da escritura de arrendamento de um
terreno barreiro, é dito que o “terreno barreiro próprio para o fabrico de telhas e
tijolos” teria o seu pagamento (“2$500 por milheiro de tijolos ou telhas que fizerem,
depois de queimados, pagos mensalmente”) pagos com a condição do “locador
fornecer a lenha para a queima, dando-lhes a mata para tal”, com a contrapartida
dos locatários “fazerem casa e forno para a olaria” para serem entregues
gratuitamente com qualquer outra benfeitoria após três anos da assinatura. Quanto
ao local, é dito que se situava na fazenda denominada “Francisco de Paula de
Medeiros”, em Ribeirão Preto.
Uma escritura chama a atenção não para aspectos relacionados ao meio físico,
mas para a quantidade de materiais na transação. Trata-se da escritura de 25 de
outubro de 1892, no qual foram locados os serviços de Cesar Pierre pela Luis
Nogueira Companhia para a fabricação de dois milhões de telhas à razão de 40$000
réis o milheiro.
Por meio da escritura de 05 de novembro de 1895 é que conseguimos
descobrir que a escritura de 07 de fevereiro de 1882 referia-se a uma área situada
na bacia hidrográfica Córrego das Palmeiras (conforme Figura 3), pois na escritura
mais recente é dito que Miguel Valério é proprietário de dois alqueires de terra na
fazenda das Palmeiras, lugar denominado “Lagoinha”, sendo que deste local seria
disponibilizado meio alqueire de terreno barreiro para a fabricação de tijolos e telhas,
56
sendo que o inquilino Bertolinni Germano ficaria responsável por montar, fazer cozer
e fabricar os produtos, sendo a lenha fornecida pelo proprietário. O contrato teria
validade de cinco anos a partir de primeiro de janeiro de 1896, assinado no valor de
6:600$000, dos quais 110$000 mensais seriam pagos adiantadamente de três em
três meses. Nesta escritura também estava previsto algumas punições para ambas
as partes. Em caso de abandono do inquilino, todo o serviço seria perdido e não
pago. Caso o proprietário rompesse o contrato, teria que pagar pelas benfeitorias
“seu justo valor” ou multa de dois contos de réis.
Apesar de buscar uma maior racionalidade na elaboração dos acordos, alguns
fatores persistiram em ficar limitados em face da modernização e transformação do
espaço físico. Em 15 de julho de 1896, Sebastião Lopes obrigou-se a pagar a dívida
com Felippe Monza dando-lhe dez milheiros de tijolos por mês, pois do contrário
teria que dar ao credor o “terreno que vai em linha reta do moirão da cerca do lado
esquerdo do regato que banha a chácara ao toco de madeira branco junto ao
córrego do ribeirão Preto e do toco ao mesmo ribeirão, sempre em linha reta.” Pela
descrição podemos perceber que havia uma certa limitação quanto à percepção da
dinâmica da transformação do espaço pela ação do homem, fazendo com que uma
referência tão facilmente extinguível, como um toco branco, fosse usada num acordo
de trinta e dois meses de vigência.
Dentre os benefícios oferecidos pela aquisição de propriedades em Ribeirão
Preto, figuraram os muitos córregos que compõem a bacia hidrográfica da cidade.
Não é difícil entender o motivo da insistência deste fato geográfico. Em plena virada
do século XIX para o XX, a irrigação das lavouras ou outras finalidades tinham que
ser executadas sem o auxílio de mecanismos modernos. Por esta razão,
dependendo da finalidade da compra, do aluguel, do arrendamento, a proximidade
de um leito poderia render um acréscimo no valor negociado. Por outro lado,
verificou-se o fator inverso após o século XX em diante, pois a impermeabilização do
solo cada vez mais ocasionou o aumento de enchentes nas áreas próximas aos
córregos, fato muitas vezes explorado nos jornais locais e objeto da atenção de
fotógrafos, como por exemplo Aristides Motta, autor da foto abaixo que tem por cena
a rua General Osório no último quarteirão antes da Avenida Jerônimo Gonçalves
durante uma enchente ocorrida em 07 de março de 1927, tendo ao fundo a “Estação
Ribeirão Preto” da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro.
57
Figura 4 - A recorrência das enchentes no cotidiano ribeirãopretano. Fonte: Arquivo Histórico e Publico de Ribeirão Preto.
A consideração da ação humana interferindo no espaço físico também se deu
pela prática de outras atividades produtivas visando à acumulação de patrimônio
e/ou obtenção de renda desde a década de 1870 em diante, num ritmo cada vez
maior, envolvendo cada vez mais pessoas e territórios antes não voltados para a
“economia-mundo”. Desde o período estudado, havia nos arredores dos córregos
casas de morada, criação de animais, pastos, plantação de milho e, em maior
número, pés de café em plena produção. Em 1889, em uma fazenda localizada na
cabeceira do “Córrego da Limeira” desta cidade é citado que havia nela gado vacum,
carros de boi e arreios, casas de morada de colonos, mobília e demais pertences da
casa de morada, um debulhador de milho, coxos e móveis de dar milho a cavalos e
noventa mil pés de café, sendo quarenta e sete mil pés formados entre três e sete
anos e o restante de um a dois anos. Não é citada plantação de milho nesta
escritura de 22 de abril de 1889, mas a presença do debulhador e de colonos nos
faz crer que existia, por razões intimamente relacionadas ao colonato, que nos
deteremos a dissertar em outro momento desta obra.
Alguns pagamentos eram feitos por meio de permuta. Em troca de algumas
telhas e tijolos era permutado uma quantidade de milho, o que mostra a
preocupação dos donos das olarias em reduzir o custo de produção por meio da
compra de alimentos voltada para a subsistência da sua própria família, o que
aponta quão relacionada estava a prática de atividades complementares, das mais
58
simples às mais elaboradas do ponto de vista técnico. Esta prática aponta para a
acumulação de patrimônio às custas da família, que se submetia a uma disciplina de
trabalho familiar que no mínimo garantisse a manutenção dos negócios.
Outros tipos de negócio foram implementados na cidade. Concomitante à
expansão da construção civil em áreas marcadamente rurais, já expusemos aqui
que havia o comércio de alimentos praticado pelas famílias que se dedicavam à
lavoura cafeeira. O aumento populacional estimulou a criação de armazéns que
centralizassem a compra e a venda destes produtos, além de ofertar outros itens
menos produzidos pela população suburbana, como botas, roupas e ferramentas de
tipos e funções diversas. A presença destes estabelecimentos comerciais denotam a
lenta diminuição do contato direto entre o produtor e o consumidor de gêneros
agrícolas residentes na cidade, o que abriu espaço para o crescimento do segmento
varejista, que depois dotaria a cidade da capacidade de agir como pólo comercial
regional.
Por outro lado, a consolidação da renda em Ribeirão Preto é em grande parte
devedora da associação da prática de negócios vinculada à agricultura cafeeira e de
gêneros alimentícios triviais, das atividades comerciais voltadas à construção de
casas residenciais e comerciais, além do comércio varejista que, devido à crescente
amplitude da oferta de itens (presentes nos anúncios dos almanaques) fazia com
que não fosse necessário o deslocamento para outros locais quando da finalidade
de adquiri-los, revigorando assim o mercado consumidor local, ao passo que atraía
compradores de outras bandas, fato que consolidava a cidade como pólo regional.
Desta época de afirmação de uma imagem de cidade próspera e com vida
social pulsante de inovações, resultaram as impressões fragmentadas de uma parte
da história da cidade, não raro posta como exemplificadora do seu todo, através da
exaltação da área que compreende o “quadrilátero central”, cuja representação não
só fascinava os viventes do passado e também uma parte considerável dos
historiadores que se voltam a recontar a história do município.
Ribeirão Preto pode ser tomada como feliz exemplo dessa transformação operada em poucas décadas na área pujante da antiga Mogiana, quando o envolvimento com o café se deu em novas bases. Naquela zona, a cidade foi posto avançado de poderosos coronéis – Francisco Maximiliano Junqueira, coronel Quito Junqueira e o Rei do Café, Francisco Schimidt – que tocaram suas lavouras em moldes empresariais, com casas bancárias próprias, empresas lucrativas de colonização, valendo-se da cobertura de sólidos complexos financeiros. Para exteriorizar sua riqueza, a cidade
59
enfeitou-se, já na República, com símbolos do apogeu do café: uma aléia de palmeiras imperiais, um teatro de grande porte – o Teatro Pedro II – e um quarteirão de serviços modernos – jardim público e hotel -, o famoso Quarteirão Paulista, conjunto que é referência de sua imagem física e do lazer local. Em 1911, entrou efetivamente na atividade industrial com a instalação na cidade da Companhia Cervejaria Antártica Paulista, hotéis e bares de luxo para receber compradores e comissários de café, caixeiros-vaijantes, negociantes de toda sorte, que regressavam impressionados com a cidade próspera e com o Bar Pingüim, inaugurado em 10 de novembro de 1943, no térreo do Edifício Diederichsen, no coração da cidade. (MARTINS, 2008, p. 67).
2.3 O urbano e o suburbano em Ribeirão Preto: referenciais em mobilidade ao
longo da história da cidade.
Para melhor contextualizarmos este momento histórico, é necessário ter em
vista que, quando do alvorecer do século XX, era o café o astro responsável por
transformar esta cidade em uma daquelas que orbitavam a sua volta, acrescida não
obstante dos benefícios gerados pela sua riqueza. Porém, há quem considere que
para a história do café e da imigração, é Ribeirão Preto o centro mais importante do
Brasil. (HOLLOWAY, 1984).
Bem assim, a progressiva especialização agrícola, fundamentada no cultivo e
no comércio cafeeiro, gerou riqueza e benefícios de diferentes ordens para a cidade,
tal como a melhoria infra-estrutural, na qual se destacou a malha ferroviária instalada
para o escoamento de produtos e, por conseguinte, de pessoas, fator que auxiliou o
seu processo de urbanização e de modernização. No entanto, a criação da demanda
de mão-de-obra abundante para os cafezais foi um dos elementos mais importantes
desta atividade produtiva, o qual exponenciou sua relevância política e econômica
concomitantemente ao decréscimo da relevância da mão-de-obra escrava, em face
do cenário nacional e internacional de expansão do capitalismo, embora este tenha
assumido características distintas conforme a área em que se expandia e se fixava.
(MELLO, 1998).
Como bem observa CANO (1998), a escassez de mão-de-obra não foi a causa
da abolição, mas sim o processo de acumulação de capital; pois a solução
decorrente da vinda e utilização da mão-de-obra imigrante representou não só a
garantia de alta produtividade, mas também o fortalecimento do mercado interno, até
60
então formado a partir da influência direta, e dependente, da inserção dos produtos
primários brasileiros exportados ao mercado internacional.
Já Celso Furtado, diz que a
[...] aparente complexidade desse problema deriva de que a propriedade da força de trabalho, ao passar do senhor de escravos para o individuo, deixa de ser um ativo que figura numa contabilidade para constituir-se em simples virtualidade. Do ponto de vista econômico, o aspecto fundamental desse problema radica no tipo de repercussões que a redistribuição da propriedade terá na organização da produção, no aproveitamento dos fatores disponíveis, na distribuição da renda e na utilização final dessa renda. (FURTADO, 2000, p. 142).
Visto por outro prisma, o regime de trabalho livre propiciou também o
alargamento da disponibilidade de mão-de-obra para a expansão urbana-industrial,
tanto pela entrada direta de imigrantes não-agrícolas como pelo próprio movimento
de atração e fuga de imigrantes, gerado pelas crises do café. (CANO, 1998, p. 62).
Tal assertiva se integra parcialmente à realidade ribeirãopretana quando do final do
século XIX e início do século XX, sobre a qual nos deteremos a seguir.
Uma das medidas implementadas pelo governo provincial visando à atração de
mão-de-obra imigrante foi a criação de núcleos coloniais em pontos diversos do
território paulista, sendo Ribeirão Preto uma das cidades contempladas por esta
iniciativa. Nesse sentido, foi formado em 1887 o Núcleo Colonial Antônio Prado em
uma área próxima à “cidade”, expressão usada para designar o “quadrilátero central”
(citado no início deste capítulo), então única área urbanizada do município e, por
isso, habitada até os primeiros anos do século XX, principalmente pela elite local.
Para melhor compreensão do que era a maior área suburbana de Ribeirão
Preto, grosso modo, correspondente à área do antigo Núcleo Colonial Antônio Prado
(internamente dividido em seções), em face da sua assimilação quando esta passou
a ser marcadamente urbana e com a presença de comércio e indústrias,
reproduzimos a seguir os mapas presentes na obra de Silva (2006), a fim de facilitar
o debate no qual nos capítulos seguintes também nos deteremos, embora com
conotações específicas de acordo com a contraposição às escrituras públicas
presentes no 1º Tabelião de Notas desta cidade, então situado no “quadrilátero
central”.
61
Figura 5 - Ribeirão Preto e seus espaços urbanos e suburbanos: a “cidade” e o Núcleo Colonial Antonio Prado, passado e presente. Fonte: SILVA, 2006, p. 142-143.
62
A finalidade da criação deste Núcleo, dividido em seções, como podemos
observar pelas imagens presentes no trabalho supracitado, quando sua dissertação
foi publicada sob a forma de livro, foi promover a manutenção de um “viveiro de
mão-de-obra”, expressão utilizada pela autora, já que o intuito do imigrante era
adquirir o quanto antes a sua independência produtiva e financeira, inferimento
apoiado também por outros autores, como Holloway (1984) e Dean (2002). Assim, o
Núcleo representou a possibilidade deste desejo manter-se em aberto, o que por
sua vez não significou garantia de ser concretizado por todos, pois além de ser
subdividido em pequenos lotes destinados ao imigrante com reduzido capital, a
aceitação dos pedidos de compra levava em mérito a quantidade de membros
familiares e a finalidade que seria dada à utilização da propriedade, indícios que
parecem afirmar a orientação do governo provincial, sob a influência dos grandes
cafeicultores paulistas, de formar um contingente reserva de mão-de-obra.
Em 1893, nos diz Silva (2006) que o Núcleo foi emancipado, o que significou
que a maior parte dos proprietários dos lotes já havia saldado completamente sua
dívida com o governo provincial e que, por isso, a área correspondente ao território
do Núcleo seria anexada ao território da cidade. É neste momento que as atividades
complementares à economia cafeeira passam a ter um ritmo de desenvolvimento e
de acumulação mais acentuado que, no entanto, ainda se consolidava sob o efeito
dinamizador do capital cafeeiro.
Em vista do que discorremos acima, é mister realçar que o território do Núcleo
Colonial tornou-se, após a sua emancipação, na maior área suburbana de Ribeirão
Preto, pois cada proprietário responsabilizou-se contratualmente por fazer melhorias
entre 1887 e 1893, sob pena de sofrer multas em caso de descumprimento.
Entretanto, apesar das dificuldades inerentes a qualquer empreendimento, os
habitantes detentores destas pequenas propriedades deram início à criação de
animais e de culturas voltadas principalmente à subsistência. Analisadas em
conjunto, seu principal foco, nos primeiros anos de criação do Núcleo, deve ter sido
a própria subsistência do proprietário e da sua família, sendo que a produção de
alimentos, de longe, deve ter sido a prática mais vastamente difundida naquela
conjuntura.
Como já expusemos, havia uma variedade maior de atividades produtivas do
que aquelas voltadas à subsistência. Acreditamos que a descoberta desse fato se
deve ao tipo de fonte primária que privilegiamos, as escrituras públicas, uma vez que
63
o cotidiano socioeconômico da população suburbana geralmente é incorporado em
segundo plano nas analises que se voltaram a estudar a historia da cidade, e que
tiveram seus estudos baseados em outros tipos de fontes primárias. Além dos itens
agrícolas, havia inclusive plantações de café onde a principio se julgou haver tão
somente práticas de subsistência durante o período compreendido desde a sua
fundação até meados de 1930. Segundo Silva (2002), a partir desta data houve um
incremento do setor industrial da cidade, o que levou seus moradores a buscarem
trabalho neste ramo produtivo que a eles se apresentava.
Em Ribeirão Preto, a dinamicidade da hierarquia social se dá sob o signo da
acumulação “vespasiana”, que segundo Machado de Assis na sua obra “Memórias
Póstumas de Brás Cubas”, não se preocupa com a origem do capital, ao passo
que não se importa com a condição de origem dos indivíduos, pois, se assim fosse,
as escrituras não apontariam com extrema clareza a fluidez da riqueza entre agentes
sociais e profissionais tão díspares (incluindo moradores suburbanos sob a condição
de contratantes e compradores de negócios em outros pontos da cidade) durante o
período por nós analisado, e que consolidou esta característica que até hoje é
notória nesta cidade. Mais uma vez ressaltamos que esta percepção está
profundamente devedora das potencialidades da fonte elegida, já que esta
perpetuou interesses enquanto era possível a todos ficar mais ricos ou mais pobres,
diferente, por exemplo, dos inventários post-mortem, que respondem qual
acumulação o individuo deixou aos herdeiros ao morrer. A comparação das fontes
se dá, portanto, por apontar ou não a fluidez da riqueza, assim como em qual
conjuntura o patrimônio do individuo foi negociado nos instrumentos legais.
Justamente pela sua importância econômica, bem como social, cultural e
religiosa, nos detivemos durante os anos de graduação em História à análise e à
investigação de parte da história do Núcleo Colonial Antônio Prado por meio da
identificação dos agentes subjetivos das entrelinhas da história do bairro Campos
Elíseos e da Abadia de Santo Antônio de Pádua, que descobrimos ter sido a
perseverança e o senso de coletividade da população que nesta área habitou
visando essencialmente a sobrevivência. O resultado dos anos de pesquisa resultou
no trabalho de conclusão de curso apresentado nesta casa, que ora recebe também
esta dissertação de mestrado.
Graças ao contato preexistente a esta pesquisa sobre a história da área
suburbana de Ribeirão Preto, pudemos notar que o que
64
[...] se observa no território do Núcleo Colonial Antônio Prado, área anteriormente inculta, foi sua ocupação por pessoas juntamente com suas famílias no desejo de ao menos garantirem sua subsistência e prosseguirem com suas vidas mesmo sem amparo fosse de quem fosse, uma vez que não foram os poderes estaduais e eclesiásticos que primeiramente se instalaram neste local, mas sim a população. A vida destas pessoas já acontecia antes do pretenso auxílio das instituições, o que faz com que a benevolência institucional e sua supervalorização recaiam no sofisma de que sem esses a população por si só não conseguiria resolver suas vicissitudes, sejam temporais, sejam espirituais. (SOUZA, 2003, p. 16).
Amparando ainda mais esta postura de vanguarda dos habitantes desta área
da cidade nas primeiras décadas deste século, pautamo-nos no “Registro de
Despesas de Santo Antônio dos Pobres”, que abrange o período de 1908 a 1920, e
que surgiu da necessidade de se controlar os gastos efetuados com obras de
caráter público sob orientação eclesiástica. Vale reiterar que os párocos que se
envolveram com a população agiam como organizadores das melhorias efetuadas
por esta, e de maneira alguma como “pastores liderando suas ovelhas”.
A abordagem pioneira sobre esta história nos agraciou a descoberta de um fato
que exemplifica o que dissemos até aqui. Estudamos o “livro-caixa” 3 da comissão
de moradores para efetivação da praça pública de Santo Antônio (existente até hoje
entre a Avenida da Saudade e a Rua Paraíba) e chegamos à seguinte realidade:
[...] não faltava a esta população um comprometimento público que sobrepujava seus interesses particulares [...]. Sem eles, não haveria arrecadação, da mesma forma que não haveria o soerguimento das paredes do templo [a abadia de Santo Antônio de Pádua] e do hospital transformado em mosteiro, pois não raro ocorria que os integrantes da Pia União de Santo Antônio participassem ativamente oferecendo-se como mão-de-obra [que entrava como doação neste documento]. A história da praça Santo Antônio seguiu o mesmo exemplo da abadia. Seu diferencial foi que a Prefeitura Municipal apenas demarcou o local destinado à construção da praça. Como a prefeitura não realizou a finalização desta obra, a população formou uma comissão para que se arrecadasse dinheiro para se comprar bancos, postes de iluminação e outros materiais necessários para o seu acabamento, que tem finalidade pública, mas que não recebe seu aprimoramento oriundo das verbas do Estado. Dentre os colaboradores participaram os Irmãos Pasqualim, Serraria Velludo, além de outras pessoas jurídicas e dezenas de pessoas físicas. (SOUZA, 2003, p. 36, grifo nosso).
A despeito da falta de auxílio do poder municipal, ou seja, institucionalmente
eleito para atender à população, quando da inauguração da praça, o prefeito
compareceu à ocasião, o que reforçou e reforça a tradição de menosprezo à
3 Resguardado no Arquivo Histórico e Público de Ribeirão Preto, pasta 47.
65
capacidade de organização da própria população, e que, conforme ficou nítido,
transcende a organização de classe, mas que, como sabemos, ainda fica posta
marginalmente, principalmente nos trabalhos de cunho político e/ou religioso, como
se a população de gerações passadas fossem autômatos programados a ter certo
comportamento político e/ou agissem como homens desprovidos de vontade própria
e que por isso atendiam aos interesses dos seus líderes espirituais por medo de
reprovações sociais e espirituais por parte dos clérigos e políticos locais.
Por esta razão, imediatamente alertamos na introdução do trabalho já citado:
[...] se tratando sobre história ribeirãopretana, muito se escreve sobre o Estado como grande promotor do desenvolvimento da sociedade, depreciando-se as iniciativas particulares que ocorrem diariamente em fatos concretos, possibilitando que uma iniciativa pública seja o início e/ou o fim de uma atividade particular convertida em ganho coletivo e vice-versa. (SOUZA, 2003, p. 11).
A fim de tirar este povo tantas vezes subestimado e subjugado pelas instituições e,
por vezes, até pelos trabalhos acadêmicos, oferecemos abaixo uma imagem do nosso
arquivo particular no objetivo de aproximar o fato histórico à representação, as pessoas
integrantes deste contexto social à analise intelectual aqui pretendida.
Figura 6 - Moradores do antigo Núcleo Colonial Antônio Prado, assistindo à celebração de uma missa na Abadia de Santo Antônio de Pádua, quando esta ainda estava em fase de construção, entre os anos de 1920 e 1930 Fonte: Acervo particular.
66
2.4 A peculiaridade dos habitantes do Núcleo Colonial Antonio Prado: suas
atividades complementares e suas conexões ao fluxo de riqueza da atividade
cafeeira.
No intento de obter uma melhor compreensão da realidade apreendida por
meio dos negócios firmados e intermediados pela formalização legal efetuada nas
escrituras públicas, utilizamos abaixo os mapas presentes nos trabalhos de Adriana
C. B. da Silva, inclusive preservando os títulos dados pela autora, na finalidade de
dar uma maior compreensão do espaço que fora transformado devido à ação das
atividades suburbanas e até então complementares às atividades diretamente
relacionadas à economia cafeeira, especialmente na transição do século XIX para o
XX.
Figura 7 - Núcleo urbano principal de Ribeirão Preto e Núcleo Colonial Antônio Prado em 1887 sobrepostos à malha urbana atual. Fonte: Silva, 2004, p. 260.
67
Figura 8 - Demarcações dos lotes no Núcleo Colonial Antônio Prado Fonte: Silva, 2006, p. 194.
Figura 9 - Localização do Horto Municipal e Praça Santo Antônio nos dias atuais. Fonte: Silva, 2006, p. 132.
Dentre os apêndices da obra da autora (2006), estão relacionados numa
tabela os títulos de propriedade de lotes no Núcleo Colonial Antônio Prado
concedidos pela Superintendência de Obras Públicas predominantemente entre os
anos de 1892 e 1893, constando os nomes dos proprietários, lote, seção, área (m²),
valor e data do documento. Consta também uma tabela do “Requerimento de
colonos para aquisição de lotes no Núcleo Colonial Antônio Prado entre 1887 e
68
1893”. Todavia, nem todos que se inscreveram junto ao órgão estadual foram
atendidos, o que levou a autora a elaborar outra tabela titulada “Requerentes de
lotes que receberam título de propriedade”. Nossa intenção neste capitulo é debater
os dados coletados nas escrituras públicas referentes à área suburbana com os
dados presentes nas tabelas postas no apêndice da obra supramencionada.
Esta autora nos diz que antes da venda dos lotes para os interessados, estes
deveriam requerer a aquisição de lotes neste Núcleo, cujos documentos foram
formalizados entre os anos de 1887 e 1893, sem que isto significasse ter o seu
pedido atendido pelo dito órgão estadual. Assim, iniciamos a nossa análise
comparando estes dados com as relações de compra e venda referentes à área do
Núcleo, bem como os detalhes mais peculiares destas transações comerciais, as
quais nos auxiliarão a recriar o cotidiano havido neste território nos primeiros anos
da sua emancipação.
Nem todas as pessoas mantiveram o tamanho da sua propriedade conservada,
sob o aspecto territorial. Algumas delas, mesmo nos primeiros anos, passaram a
retalhar sua propriedade na finalidade de levantar capital, possivelmente para
promover investimentos na propriedade que ainda continuou em seu poder. Exemplo
disto foi a venda de um terreno feita pelo italiano Luiz Torressani (mantivemos a
forma escrita pelo tabelião) e sua mulher com Argenti Torressani e seu marido
Vicenti Lioporim. O que nos chamou atenção foi o fato de o casal ter comprado o
terreno do Estado, correspondente ao lote 5 da 4ª seção, por 277$477 (título
definitivo datado em 09 de abril de 1892) e ter efetuado a venda de 24.200 m² no
valor de 200$000, ao que tudo indica para uma pessoa da sua própria família,
mantendo assim a posse num âmbito familiar sem que isto significasse tratá-la como
algo rentável para aquele que antes a possuía. Apesar de a data ser anterior ao do
título de propriedade, seu pedido já havia sido formalizado à Superintendência de
Obras Públicas em 1889, ou seja, antes mesmo do título definitivo as terras do ainda
Núcleo Colonial Antônio Prado já estavam sendo objeto de mercantilização. Mesma
situação foi realizada por José Crosaro Tuse, que vendeu suas terras do Núcleo
Colonial a Miguel Zertetto, em 23 de fevereiro de 1891, por um conto de réis.
Segundo o “Requerimento de colonos para aquisição de lotes no Núcleo
Colonial Antônio Prado entre 1887 e 1893”, o lote nº 13 da 3ª seção foi pedido por
Tolon Giovanni em 1888. Porém, em 27 de maio de 1893, quem era o proprietário e
decidiu vendê-lo na sua totalidade foi Fracasso Romano e sua mulher a Antônio
69
Oesma, lote que segundo a escritura pública continha “casa de morada construída
de tijolos, cercas de arame, cisterna e outras benfeitorias”, razão pela qual explica a
sua valorização, já que no título de propriedade concedido a Romano Giacomo o
mesmo terreno possuía o valor de 184$761, com área de 111.303m². Quando da
sua venda, em 1893, seu valor foi avaliado em 4:500$000.
A realização de benfeitorias aumentava sobremaneira o valor da propriedade
situada no território do Núcleo Colonial Antônio Prado, pois como pode ser
observado nos mapas anteriores, esse espaço era privilegiado por estar perto da
área urbana da cidade, por possuir uma diversidade muito grande de pessoas e ser
cortado pelas principais rotas comerciais, seja viária ou férrea, além de ter os
principais córregos entrecortando as propriedades, oferecendo farta rede hidráulica,
fundamental para as lavouras, desde as de pequeno porte quanto as de maior
tamanho, volume e finalidade.
O primeiro proprietário do lote nº 0 da 2ª seção foi Francisco Berling, que
pagou pelos 514.500 m² a quantia de 854$070 (título datado em 25 de abril de
1892). Contudo, um pouco mais de um ano depois, o mesmo lote era propriedade de
Siqueira Andrade & Cia., residente em São Paulo, capital. Por meio da escritura
pública de 18 de maio de 1893, este nomeou Francisco Schmidt como seu
procurador, na finalidade de vendê-lo por 10:000$000 a Gomes Pinto & Cia., situada
em Santos e representada no ato da escritura por Arthur Aguiar Diederichsen. O que
fez com que esta área se valorizasse de maneira tão vultuosa? Acreditamos que a
resposta mais uma vez está na descrição do lote vendido, o qual foi descrito como
“terras com olaria, cercas de arame, carroças, animais, casas, tijolos, telhas de zinco
e benfeitorias”, o que já aponta seu uso com finalidade mercantil e não
necessariamente voltada tão somente para a prática de pequenas lavouras de
subsistência ou mesmo de produção de alimentos para abastecimento e comércio
na própria cidade.
Jorge H. C. de Oliveira, que se dedicou ao estudo do mercado imobiliário
ribeirãopretano, diz que progressivamente as chácaras da cidade foram sendo
assimiladas pela expansão do núcleo urbano desde os primeiros anos da República
Velha. (OLIVEIRA, 2006, p. 208).
Apesar das escrituras públicas sugerirem o desenvolvimento de atividades de
cunho mais urbano, há aquelas com características bem diferentes das citadas até
aqui. Exemplo do que afirmamos acima é a descrição do lote nº 13 da 4ª seção, o
70
qual tinha uma casa coberta de sapé, uma roça de um alqueire plantado com milho,
cuja área era de 110.170 m², cujo título de propriedade foi datado em 05 de abril de
1892, ao mesmo Finardi Luigi que em 12 de setembro de 1893 o vendeu a Giacomo
Feresin, com a diferença que ao Estado aquele pagou 182$882, valor bem abaixo
dos 2:000$000 ganhos na venda, paga em moeda corrente. Mais uma vez, as
benfeitorias, ainda que modestas, desempenharam um papel fundamental para a
valorização do patrimônio, mesmo sem considerarmos a inflação havida no período.
É acertado o inferimento da prática de atividades complementares à principal
(cafeeira). Em 28/11/1893, De Dalmonte Affonso e sua mulher venderam a João
Baptista Wiliam dois hectares e quarenta e dois ares de terras do lote nº 23 da 4ª
seção do Núcleo Colonial Antônio Prado, “com as quais [terras] vendem uma casa,
um paiol, um galinheiro e um mongeiro de porcos cobertos de palha [...]”. Em 29 de
agosto de 1892, o valor inicial dos 152.205m² foi 252$660, bem menor se
comparado aos 500$000 obtidos pela transação formalizada pela escritura firmada
no 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto e que não significou a perda de toda
propriedade.
A mesma dinamicidade averiguada nas seções ditas rurais do Núcleo Colonial
Antônio Prado é característica também da sua sede, denominada “urbana” quando
da efetivação deste território. Fica claro, ao analisarmos a sua área e o valor dos
seus lotes, que nesta seção havia uma maior valorização da terra, como, por
exemplo, o lote nº 22 da sede que possuía 11.500m² e era propriedade de Feraco
Giuseppe, que a adquiriu do Estado pelo pagamento de 190$095 em 12/04/1892.
Quando aos 26 de janeiro de 1894 esta propriedade era de Pavan Antônio e sua
mulher, foi vendida por 1:000$000. Nisto, vale a observação do tamanho das
propriedades citadas até aqui para a constatação da discrepância de valor do metro
quadrado em relação às demais seções, ainda que nesta negociação
especificamente não só as terras foram objeto de venda, mas também “duas
casinhas cobertas de telhas e um rancho coberto de sapé, cisterna e outras
benfeitorias”.
A pormenorização das escrituras de compra e venda dos lotes pertencentes ao
Núcleo Colonial Antônio Prado tem por objetivo a desconstrução de uma idéia
preconcebida do que tenha sido o cotidiano dos seus moradores entre os anos da
década de 1890 e os da década de 1910, pois somente assim conseguiremos
perceber os elementos que foram responsáveis por dotar este lugar e as pessoas de
71
tamanha maleabilidade socioeconômica, desabonando assim a visão estática de
que neste território houve somente a prática de uma economia de pequena
importância à história da cidade por ter sido paralela à cafeeira. Julgamos, em vista
da interpretação das escrituras, que, longe de serem paralelas, as atividades
socioeconômicas praticadas no Núcleo eram complementares, pois somente em
vista desta caracterização poderemos entender porque houve tantas negociações de
terras, animais, empreendimentos, produtos duráveis e não-duráveis, ora
envolvendo valores monetários, ora valores nominais que eram dotados, segundo a
necessidade dos envolvidos, em possibilidade de maiores ganhos em vista da
oportunidade gerada pela ocasião, favorecendo a uns e desfavorecendo a outros,
como ocorria nas transações relacionadas a outras áreas da cidade e entre os
membros da elite.
Assim, pensar que as propriedades eram vendidas sempre com alguma
melhoria é redundar em equívoco, pois isto dependia de recursos e de pessoas que
nem sempre eram disponíveis pelos proprietários. Confirma este fato a escritura de
10 de outubro de 1894, a qual legalizou a venda de um terreno de cento e quatro
metros de frente para a estrada (provavelmente de circulação dentro do próprio
Núcleo), e que divisava com a propriedade de Giacomo Stephanelli (lote nº 10 da
sede com 11.500m², adquirido por 190$095) pelo valor de 300$000, não havendo na
descrição qualquer menção fora o tamanho da área vendida.
A diversidade de valores atribuídos ao lote quando do seu início é rica. O lote
nº 42 da 2ª seção valia, em 29 de agosto de 1892, 164$713, mas em 24 de abril de
1895 o mesmo foi avaliado em 2:500$000, contendo casa coberta com telhas, cerca
de arame e rego d’água. Nesta transação julgamos que o fator que estimulou sua
valorização foi o fato de haver disponibilidade de água, o que tornava este lote
extremamente favorável à prática de qualquer lavoura, desde a de subsistência até a
de café.
Dentre as transações relacionadas a este Núcleo, encontramos algumas
propriedades que se dedicavam ao plantio da rubiácea, o que nos provocou
surpresa, pois não esperávamos que neste território voltado à prática de lavouras de
subsistência e de criação de pequenos animais houvesse também a lavoura
cafeeira, que no exemplo a seguir pode explicar o alto valor, 7 contos de réis, pelo
qual foi vendido o terreno: “no qual edificaram uma casa de morada coberta de
72
telhas, uma sisterna, alguns pés de café e todo cercado de arame [...]”.
(ESCRITURA pública de 29/08/1896, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).
As propriedades situadas no território do Núcleo Colonial Antônio Prado nem
sempre foram comercializadas com a realização prévia de melhorias. São
integrantes deste tipo de propriedade os lotes nº 8 da 4ª seção, nº 5 da 3ª seção e
parte do nº 4 da 4ª seção, dentre os quais somente o segundo era o vendedor o
primeiro proprietário do terreno. Os valores atribuídos pelo Estado e os obtidos no
ato da venda foram respectivamente 70$242/1:500$000, 196$839/200$000,
264$020/200$000.
Da observação dos valores acima inferimos que o primeiro obteve uma grande
valorização, provavelmente devido ao fato de fazer frente à continuação da Rua
Visconde de Inhaúma (atual Rua Tamandaré), o que lhe dava uma ótima localização
e, por conseguinte, capacidade de intermediação com as demais seções e pontos
do município, e mesmo com a “cidade”. Já o segundo lote praticamente não teve seu
valor alterado, enquanto o terceiro, à primeira vista, sofreu uma desvalorização que
pode ser explicada pelo fato de ser somente uma parte do terreno. Todavia, em
menos de quatro meses da venda mencionada, encontramos mais uma escritura no
dia 03 de outubro de 1896 tratando da venda de um terreno de sessenta palmos de
frente e quatrocentos palmos de fundo, no lote nº 4 no “seguimento da Rua
Saldanha Marinho”, ou seja, no mesmo lote mencionado há pouco, por 200$000,
sendo que nas duas ocasiões os compradores eram de nacionalidade italiana.
Não somente para a produção de artigos agrícolas e de primeira necessidade
os lotes do Núcleo eram utilizados. Encontramos o arrendamento de duas olarias
situadas neste território e que foram arrendadas por 50$000 ao mês, por Demétrio
Collety (ESCRITURA pública de 22/04/1896, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão
Preto), bem como a permuta de duas casas, terrenos e mais benfeitorias no Núcleo
Colonial Antônio Prado por duas casas de morada nesta cidade, pelo valor nominal
de cinco contos de réis, conforme segue a descrição:
Por compra feita a José Augusto Affonso e Francisco Lorenzetti e sua mulher são senhores e possuidores de sete alqueires e uma décima sexta parte de terras neste município no lugar denominado “Baixadão” e “Núcleo Colonial Antônio Prado”, as deste Núcleo dividem com terras particulares ao Oeste, ao Norte com o número quarenta e nove, a Leste com uma estrada e ao Sul com o lote número quarenta e sete, com uma casa de morada e outras benfeitorias e aquelas em comum com os primeiros outorgantes no quinhão dado na divisão da aludida fazenda com casa de morada coberta
73
de telhas com cafezais e outras benfeitorias, hoje trocam como trocados tem com os primeiros outorgantes por duas casas de morada nesta cidade uma na rua Saldanha Marinho em terreno foreiro de sessenta e cinco de frente e outra a rua Amador Bueno em terreno foreiro de sessenta de frente, sendo os quintais reunidos [...]. (ESCRITURA pública de 01/06/1896, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto, grifo nosso).
Vale observar que ambas as residências permutas de Demétrio Collety
integravam a área urbanizada da cidade, o que fez com que o italiano Geraldo
Peccatiello e sua mulher pudessem usufruir os benefícios de poderem residir na
“cidade”, o que mais uma vez aponta a fluidez e a dinamicidade de pessoas e a
variabilidade de negócios que esta área promovia, desabonando assim a análise
empedernida do processo de ocupação do solo e da escalada na hierarquia social,
já que habitar no “quadrilátero” era sinal de status social e de posses. Noutra
perspectiva, se assim fosse, não era de se esperar que um indivíduo com título de
doutor buscasse melhores oportunidades de negócio em uma área teoricamente
voltada aos pobres e que, segundo o Almanach Ilustrado de Ribeirão Preto (1913, p.
27) foi mantenedor “durante longo espaço de tempo, no ponto do cruzamento das
ruas Álvares Cabral e Lafayette, [de um] collegio denominado Atheneu Demetrio”.
Ora, de acordo com a ótica capitalista, nada melhor para quem possui condições do
que adquirir terras de baixo valor venal para posteriormente poder especular o
melhor momento de negociá-las, bem como promover a criação de um
estabelecimento fabril situado numa área na qual a própria vizinhança garantiria o
consumo dos produtos.
Como já abordamos anteriormente, a existência de cafezais nos lotes do
Núcleo Colonial Antônio Prado não é exceção, pois foi descrita em escritura de 21
de agosto de 1896 (“possuidores do lote número vinte, rural da primeira seção do
Núcleo Colonial Antonio Prado, com duas casas e cafezais [...]”), em 17 de outubro
de 1896 (“[...] com pequenas casas cobertas de telhas, cercas de arame, rego
d’água e mil e oitocentos pés de café com um ano de idade [...]”), entre outras.
As escrituras públicas perpetuaram também o processo de retalhação do
território do Núcleo, que se deu, sobretudo, a partir de 1893, o qual foi auxiliado
também pela ação do poder público, que providenciou a instalação do então
“cemitério novo”, que se tornou desde ponto de referência até objeto de negociação
de um jazigo por concessão de terras, permutado entre Marco Golfetto e sua mulher
Carolina Santesso com a Câmara Municipal de Ribeirão Preto, sendo que aquele
74
cedia uma área de oitenta e quatro metros por noventa e dois centímetros em troca
de um mausoléu perpétuo para a família Golfetto, com três metros e cinqüenta
centímetros de frente por quatro metros de fundo, em lugar a ser escolhido
futuramente pela família, cujos quais deram o valor nominal de 300$000.
(ESCRITURA pública de 11/02/1896, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).
Também os integrantes da elite ribeirãopretana negociaram a aquisição de
terras na área do Núcleo, cujo exemplo citamos o major Joaquim Firmino D’Andrade
Junqueira, que adquiriu por cinco contos de réis
[...] uma chácara nos subúrbios desta cidade no Núcleo colonial Antonio Prado, lote quinze da terceira seção, com área de cento e dois mil e quinhentos metros quadrados, com casa de morada, cercas de arame e outras benfeitorias no alinhamento em continuação à Rua Saldanha Marinho, no lado inferior, fazendo fundo com a rua José Bonifácio [...].(ESCRITURA pública de 08/02/1896, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).
Na virada do século XIX para o século XX continuaram a haver transações
envolvendo os moradores e as terras pertencentes ao Núcleo Colonial Antonio
Prado, cujo viés das relações de trabalho será debatido mais profundamente no
próximo tópico. Concomitantemente com o passar do tempo, os nomes dos lugares
foram mudando, mas não os apanágios positivos e negativos desta sociedade que
tanto seriam responsáveis em assegurá-la como pólo regional nos momentos de
crise. Em 1905, quando ocorreu uma forte recessão econômica (averiguada por
meio do grande número de escrituras de dívida com hipoteca e empréstimos, e que
também será debatida em tópico próprio), duas “datas de terras” foram negociadas
neste Núcleo, no lugar denominado “Campos Elíseos”, novo nome em substituição
ao termo “terceira seção”. (ESCRITURA pública de 09 de fevereiro de 1905, 1º
Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).
2.5 As múltiplas dimensões do colonato em Ribeirão Preto
A prática da relação de trabalho designada colonato foi muito freqüente em
Ribeirão Preto. Tal fato se relaciona à necessidade de sobrevivência de um grande
número de homens que, devido à própria característica do sistema capitalista de não
75
democratizar harmonicamente a riqueza, não possuíam alternativa de sobrevivência
a não ser utilizarem sua capacidade laboral como meio de produção ou forma de
gerar capital.
Em vista do grande número de contratos desta ordem firmados no 1º Tabelião
de Notas de Ribeirão Preto pudemos, na elaboração deste trabalho, aprofundar o
debate acerca desta prática que se mostrou assaz vantajosa para a elite
cafeicultora, seja porque economicamente a contratação era bem mais rendosa do
que o capital a ser gasto na manutenção da mão-de-obra escrava (dadas todas as
dificuldades de prosseguimento presentes na conjuntura derradeira da escravidão),
seja porque consigo aprimorava o comércio interno de produtos de primeira
necessidade que não raro era praticado pela própria elite que fazia uso do trabalho
livre e assalariado, ganhando assim tanto na contratação dos colonos quanto no
oferecimento dos artigos fundamentais para a sua sobrevivência, explorando assim
o parco pagamento monetário que antes mesmo de ser recebido pelos
trabalhadores já havia sido comprometido nas vendas daqueles que num
determinado prazo teria que lhes pagar, ou seja, tornando o retorno financeiro em
mero acerto nominal do contrato assinado.
Por vezes esta estratégia foi tão escancarada no cotidiano dos trabalhadores
de Ribeirão Preto que no museu “Plínio Travassos dos Santos” há exposta uma
moeda utilizada na propriedade de Francisco Schmidt quando este fora considerado
o “rei do café”, e que era válida para todo tipo de transação comercial nas
propriedades deste cafeicultor. O que pode ser entendido como limitação do meio
circulante em Ribeirão Preto durante a crise do Encilhamento não descarta a
possibilidade desta ser usada e praticada como forma de manter a riqueza gerada
pelo trabalho dos colonos dentro dos limites da propriedade, para que este obtivesse
uma maximização do seu lucro oriundo das mais simples práticas de transações que
envolvessem algum consumo, seja de produtos ou de serviços, já que assim ele
poderia drenar o capital pelo simples jogo de manipulação dos preços.
Todavia, neste sistema de produção, circulação e consumo de riquezas havia
também as exceções que conseguiam romper as amarras da pobreza para, a partir
daí, ingressar e realçar a dinamicidade do movimento da hierarquia social, tão
esboçada em Ribeirão Preto e recuperada nesta obra por meio das escrituras
públicas do 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto.
76
Desde 1875 passaram a ser firmadas no tabelião as escrituras públicas
voltadas à locação de serviços, pelas quais eram determinadas as cláusulas do
acordo firmado entre locadores e locatários. Tal como apontou Rogério Naques
Faleiros (2008, p. 22-23) acerca da realidade francana da década de 1870, o que
predominou em Ribeirão Preto também fora a concessão temporária da posse da
terra para aqueles dispostos em plantar as primeiras covas do café e cuidar dos
seus quatro primeiros anos (em média), com direito à contrapartida de utilizar parte
das terras arrendadas ou os espaços das fileiras de café para o cultivo de lavouras
de subsistência. Por esta razão, o termo locador se refere aos trabalhadores que
fazem uso da posse temporária para conseguirem adquirir alguma poupança com a
venda dos artigos produzidos nas terras do proprietário durante o prazo previamente
estabelecido nas escrituras.
Em alguns casos, a contratação da força de trabalho não possui
contratualmente uma clara finalidade, porém, tal como falamos acima, é marcada
pela exploração do trabalhador em face das circunstâncias que o envolviam.
Elucidamos este ponto com a escritura pública de 01 de abril de 1875, pela qual
Antonio Gonçalves Paschin locou os serviços de José Francisco Dias para “todas as
qualidades de serviço”, pagando a este a razão de 120$000 por ano corrido. Nas
cláusulas é dito que as falhas serão descontadas à razão de um mil réis por dia, não
podendo o trabalhador deixar o serviço do locatário sem seu consentimento. Ainda,
é acertado que todos os objetos que precisar comprar ou mantimentos e roupas que
precisar não poderá deixar de ser comprada do locatário, salvo se com o seu
consentimento. Nas finalizações é dito que já tinha recebido roupas, remédios e
mantimentos do locatário no valor de 409$500, razão pela qual qualquer quantia que
o trabalhador tivesse que receber faria parte do contrato assinado entre as partes,
sendo “obrigado ao trabalho enquanto não estiver satisfeito o pagamento de todas
as quantias”. Pode-se notar a discrepância entre obrigações do trabalhador e as
vantagens obtidas pela assinatura da escritura, que julgamos terem sido aceitas
devido ao débito que este tinha com o contratante. (ESCRITURA pública de
01/04/1875, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto). Existem cinco exemplos deste
tipo de escritura somente no ano em questão, envolvendo cinco trabalhadores
diferentes e três contratantes incluso o já citado, o que indica não se tratar de um
caso excepcional.
77
Os contratos firmados em 1875 têm em comum também o fato de terem em
suas cláusulas o valor estabelecido por ano trabalhado, diferente da única escritura
firmada no ano seguinte, pela qual ficou combinado o pagamento de um salário de
640 réis por dia trabalhado, com multa de mesmo valor caso o contratante deixasse
de ser acompanhado para “qualquer lugar neste termo ou fora dele”, cabendo ao
contratado “não retirar-se de perto do serviço, de forma que ao clarear do dia estaria
prompto a receber ordens tendentes ao serviço [...]”. (ESCRITURA pública de 07 de
dezembro de 1876, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).
As escrituras com locação de serviços voltados ao trabalho de cunho agrícola
são bem parecidas quanto à desproporcionalidade de direitos e deveres das partes
contratadas. Para ficar mais nítido o seu conteúdo, expomos, por meio da citação
abaixo, os principais pontos desfavoráveis ao trabalhador:
Os locadores não poderão distraírem-se em qualquer outros serviços sem que o estado do cafezal a seu cargo o permittir e ainda serão obrigados a trabalho para o locatário se este tiver serviço ao jornal que estiver correndo, ou outros pagando. Durante o contracto os locadores não poderão ausentar-se da Fazenda do locatário sem o seu consentimento e muito principalmente para fora do Município. [...] os locadores ficão sujeitos a direção do locatário ou pessoa por si autorisado a cujas ordens obedecerão fielmente. Em quanto o cafesal permittir aos locadores farão suas plantações alimentícias no terreno do cafesal, plantando porem de modo que não offenda os cafeeiros e quando o terreno do cafesal não permittir farão em outro lugar designado pelo locatário. Os locadores obrigão-se a serem obedientes e submissos a pessoa do locatário, de sua família e mais pessoal da Fazenda. Por conta do presente contracto e como adiantamento os locadores receberão a quantia de trezentos e noventa réis cuja quantia assim como quaisquer outras que forem recebendo adiantamento da pessoa do locatário serão afinal descontadas da quantia que tiverem de receber. Para garantia do presente contracto os locadores se sujeitão a Lei de trese de setembro de mil oitocentos e trinta e a todas as mais em vigor a respeito de contractos com as condições declaradas e por sua parte sujeita a lei dos contractos em vigor. Depois de escripta esta eu Tabelião, perante elles que reciprocamente aceitarão e outorgarão [...]. (sic). (ESCRITURA pública de 08 de março de 1877, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto, grifo nosso).
Grifamos os pontos pelos quais ficam nítidas as posições de subserviência do
trabalhador, o que o colocava à mercê dos humores e das concessões
profundamente pautadas em critérios vagos e passíveis de interpretações distintas,
sempre indicativas do poder do contratante sobre o contratado, não deixando de
fundamentar-se em bases legais, como a citada Lei de 13 de setembro de 1830,
criada com a finalidade de regulamentar a locação e prestação de serviços em
78
contratos escritos e firmados em estabelecimentos legais, tanto por brasileiros
quanto por estrangeiros.
João Carlos Vieira Kirdeikas (2008, p. 14) nos diz que
[...] o formato da lei era simples, só possuía oito artigos e preocupava-se com a questão do cumprimento dos contratos por tempo definido ou por empreitada, no entanto, deixava muito a desejar, nem sequer mencionava sobre as justas causas de dispensa para um locador de serviços. (KIRDEIKAS, 2008, p. 14).
Paralelamente havia a repressão à mendicância e à vadiagem, realizada pelo
Estado e devidamente legalizada por meio do Código Criminal de 1830, pelo qual o
indivíduo que não possuísse ocupação poderia ser preso por oito a vinte quatro dias
no primeiro caso e de oito a trinta dias caso o indivíduo se enquadrasse no segundo
caso, entretanto, em ambos tendo que cumprir a pena com a realização de trabalhos
a ele designados pela autoridade competente. Com isto, o trabalhador após 1830
teve que se deparar com a seguinte situação: ter que se colocar sob o jugo de um
empregador para não correr o risco de ter as leis sendo usadas como prerrogativa
para cerceá-lo da sua liberdade ou ter que abrir mão da liberdade de barganhar da
melhor forma possível uma relação de trabalho, para não ter que se explicar e se
defrontar com o próprio Estado brasileiro, que idealisticamente deveria auxiliá-lo a
superar suas mazelas pessoais e tornar-se um cidadão no sentido pleno do
conceito.
Assim, o cotidiano de trabalho não era ausente de conflitos, mesmo para os
estrangeiros que vieram para o Brasil tentar uma melhor sorte na vida por meio do
trabalho, para que por este caminho pudesse realizar o sonho de tornar-se
proprietário e livrar-se da subjugação de outrem e mesmo dos próprios estigmas do
sistema capitalista praticado nas nossas terras, dentre os quais ainda se fazia
presente a vinculação da mentalidade de que a necessidade de trabalhar indicava
um rebaixamento pessoal, moral e social, uma vez que este era atribuição dos
escravos que, tão somente após 1888 deixaram de ser patrimônio para, a partir daí,
terem como destino a marginalização social, já que eram entendidos como
indivíduos de segunda categoria, ocasionando a marginalidade e a vitimização
destes pela mesma lei que desestimulava o trabalho livre desde a época imperial.
Eis que este panorama de depreciação da realização do trabalho, associado à
necessidade de reduzir o custo de vida do trabalhador favoreceu em grande medida
79
a prática do colonato em Ribeirão Preto, pois assim não só os lavradores se
tornaram mais zelosos com os pés de café recém-plantados (mesmo porque
contratualmente eram obrigados a isto), uma vez que a boa execução do acordo
firmado representava a possibilidade garantida de manutenção das suas lavouras de
subsistência, além de proporcionar chances concretas de acumular capital para si
por meio da venda dos excedentes da lavoura plantada para seu uso e consumo
exclusivo, salvo indicações contratuais em contrário.
Por isso os pagamentos monetários não devem ter sido o principal atrativo dos
acordos firmados pelas escrituras nestes tempos marcados pelo avanço da cultura
cafeeira na região, pois as realizações a contento das suas funções poderiam
mostrar-se fundamentais na obtenção de novas concessões de terras, gerando
assim a chance de acumular o suficiente para num momento próximo efetuar a
compra de uma propriedade para então desenvolver suas próprias plantações e
criações e libertar-se do jugo direto dos desmandos pessoais gerados e
reproduzidos pela cultura social brasileira.
Garantir o próprio sustento não deve ter sido tarefa fácil para estes
trabalhadores dotados de algum ofício em Ribeirão Preto, pois, predominantemente,
o trabalho de contato direto com a terra era o que sofria maior carência nesta
conjuntura marcada pela economia cafeeira. Auxiliou-nos a locação de serviços
firmada em 30 de outubro de 1878 em que o negociante José Gomes do Amaral
contratou Antonio Vaz de Araújo Pecinhy, carpinteiro, para a realização de serviços
de carpintaria para aquele, recebendo para tanto a razão de 2$000 ao dia, tendo o
direito de trabalhar um dia para si e tendo de pagar o mesmo valor em caso de falta,
salvo autorização do locatário ou em vista de razões dadas pelo locador (Antonio) ao
locatário José Gomes. Nas finalizações da escritura foi dito que o negociante daria
ao carpinteiro os alimentos e as ferramentas, “sendo contudo o vestuário a custa do
locador”. (ESCRITURA pública de 30 de outubro de 1878, 1º Tabelião de Notas de
Ribeirão Preto).
Acreditamos aqui na importância do historiador realçar as rupturas e as
continuidades havidas numa determinada época para outra, pois assim,
privilegiadamente, torna-se mais concatenado como determinados elementos são
relegados ao passado enquanto outros, de forma tão sutil, continuaram sendo
reproduzidos e fazendo-se presentes no cotidiano das pessoas, sobretudo nas de
vida mais pobre. Esta é a razão pela qual é importante averiguarmos como a prática
80
do colonato foi tão relevante para proprietários e indivíduos que somente possuíam
a sua capacidade de trabalhar e as suas necessidades existenciais.
O padrão dos contratos de colonato segue as seguintes características: são
firmados valores monetários acerca do valor unitário por pés de café formados no
período de quatro anos, acertado que os frutos destes pés até o quarto ano
poderiam ser coletados pelo trabalhador por seus próprios meios; que a plantação
de alimentos e a criação de pequenos animais são permitidas desde que esta não
“ofenda” os cafezais em formação; os valores monetários recebidos pelo trabalhador
a título de adiantamento poderiam ser descontados quando do acerto do contrato
(ou seja, no fim do prazo contratual); além de estabelecidas multas por atos
previamente citados pelo proprietário no momento da formalização da escritura. Por
vezes, consta uma cláusula de preferência de compra dos alimentos pelo
proprietário das terras onde o locador-trabalhador teria que cumprir o acordo da
escritura, o que mostra que as possibilidades de ganho não são amplas o bastante
como o trabalhador, em vista do cálculo capitalista, poderia querer ou adquirir maior
vantagem para buscar no mercado um ganho mais alto e, é claro, livre de dívidas e
com o lucro sob a forma de moeda corrente.
Possuir família bem poderia significar a obtenção de maiores e melhores
contratos, ou simplesmente ter a oportunidade de trabalhar numa propriedade para
no mínimo desenvolver uma lavoura de subsistência. O destaque da escritura
pública firmada entre o locador Benedicto Soares de Gouvea e o proprietário João
Antonio Maciel não foi a obrigação de plantar oito mil pés de café, ou o prazo de
quatro anos para o contrato firmado. Tampouco foi a permissão de ter pastos para
criar animais “cavalares” necessários para seu mister, mas sim o momento em que é
dito que “o locador com garantia para tratamento do cafezal também dispõe seus
dois filhos” (ESCRITURA pública de 10 de março de 1879, 1º Tabelião de Notas de
Ribeirão Preto), bem como o fato deste contrato se submeter à lei de 13 de
setembro de 1830.
Já a escritura de 07 de setembro de 1879 limitava o trabalhador Clemente José
D’Araújo a plantar vinte mil pés de café no prazo de quatro anos (seiscentos réis o
pé após esta data), com a permissão de plantar feijão, milho e fumo, sendo que
qualquer benfeitoria por ele realizada não seria paga, já que o proprietário Antonio
de Salles Barreto ficou obrigado a construir uma casa para o locador residir.
81
(ESCRITURA pública de 07 de setembro de 1879, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão
Preto).
João Franco de Moraes Octavio, importante cafeicultor da cidade, locou os
serviços de Samir Manoel de Moura, João Pedro de Moura, Manoel Ferreira de
Moura e Francisco Pinto de Moura para formação de cafezal durante o prazo de
quatro anos, dando a estes trabalhadores o direito a metade da produção que
frutificasse, sem detalhes precisos do local onde esta lavoura seria cultivada. Se por
um lado não menciona alimentos, por outro menciona o pagamento dado em
dinheiro aos locatários no ato da escritura, e ainda afirma o compromisso de pagar
duzentos mil réis, distribuídos em pequenas parcelas em caso de benfeitorias por
estes realizadas. (ESCRITURA pública de 19 de outubro de 1885, 1º Tabelião de
Notas de Ribeirão Preto).
Em vista das relações de trabalho marcadamente desfavoráveis para aqueles
que se punham a serviço de outrem, selecionamos a escritura pública de 08 de abril
de 1888, firmada entre Doutor Modesto Olympio Teixeira Brandão e o Tenente João
Alves da Silva Ramos, para que fiquem cada vez mais palpáveis as condições
contratuais firmadas entre estes indivíduos que auxiliaram, à sua maneira, a cidade
a manter no seu mercado local os capitais gerados no seu território, a reter e fazer
circular os capitais vindos de outras áreas, bem como os seus habitantes, por meio
das alternativas de trabalho que possibilitassem a manutenção da vida e de
subsistência da família, fora a existência, ainda que pequena, de galgar um melhor
status social por meio do “tornar-se patrão” por intermédio de poupança monetária e
sagacidade econômica. Seguem as condições:
1ª) O Dr. Modesto obriga-se a manter a sua custa o tratamento do cafesal que se acha plantado em número de dezoito mil pés mais ou menos, bem como outros que forem plantados no espaço de oito anos, usufruindo seus frutos. 2ª) A entregar ao tenente João após o prazo o cafezal sem indenização alguma, salvo as benfeitorias que fizer. 3ª) O tenente obriga-se a conceder usufruto e posse de todo o cafesal durante o prazo firmado. 4ª) Obriga-se a conceder terras para o plantio de mais vinte e dois mil pés fora os dezoito já plantados. 5ª) Obriga-se a permitir que o contratante [Dr. Modesto] faça em suas terras plantações de cereaes. 6ª) Obriga-se findo o prazo a manter a posse do contratante para costeá-lo e colher os fructos de parceira pelo tempo que convier. 7ª) Remuneração, caso o Doutor Modesto não puder usufruir por qualquer motivo seus serviços prestados, de cento e vinte réis por pé por ano considerando-se a colheita dos pés de cinco e oito anos e quinhentos réis por pé de quatro anos. Deram o valor de cinco contos de réis para este contrato e obrigam seus herdeiros a cumpri-lo. [...]. [sic]. (ESCRITURA pública de 08 de abril de 1888, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).
82
Vale observar que a própria condição de “doutor” do responsável pela lida com
a terra nos permite inferir que o mesmo contrataria outros trabalhadores para
cumprir esta obrigação por ele. Claro que independentemente do seu status social
este não deixaria de aproveitar a oportunidade de gerar renda ao longo dos oito
anos dados de prazo para que este pudesse promover o cultivo de alimentos na
finalidade de vendê-los no mercado local, ao passo que daria aos demais indivíduos
a chance de terem um posto de trabalho, gerando renda, consumo e a necessidade
de mais produção.
Ora, a finalidade do Tenente João ter feito o contrato foi a situação privilegiada
de poder ampliar a sua lavoura cafeeira, voltada marcadamente para o mercado
externo, razão pelo qual era condição fundamental a ampliação da produção, para
ora lucrar pela valorização do produto, ora mais pela quantidade vendida,
permitindo, concomitantemente ao seu interesse, um revigoramento do mercado
local via promoção de atividades complementares à atividade principal que,
interligadas, faziam do cenário público uma hierarquia constantemente alterada,
quando não conflituosa, já que tanto no topo desta pirâmide quanto na sua base era
a fluidez da riqueza que obrigava os ascendentes a reivindicarem seu lugar, além do
fato dos integrantes da base terem que lutar para não serem colocados fora desta
geometria, pois em Ribeirão Preto mesmo a obtenção de um posto de trabalho (em
qualquer ramo) não era garantido a ninguém, fato que julgamos ter ocasionado mais
mobilidade na base do que no topo, pois na vivência do pobre os infortúnios e os
efeitos negativos do sistema capitalista não só se fazem mais presente como
também se fazem sentir mais forte e freqüentemente à sua porta, claro,
metaforicamente, pois havia aqueles, sobretudo imigrantes, que nem tinham sua
própria porta, “hospedavam-se” no galpão chamado “Barracão” até que obtivessem
um emprego (SILVA, 2002), para enfim lutarem para ter um lar, não
necessariamente uma casa, como bem distinguiram David Snow e Leon Anderson
(1998), já que elucidamos anteriormente que havia aqueles que no final do século
XIX moravam numa casa de sapé na área suburbana de Ribeirão Preto, ao passo
que na mesma área outros moravam em residências de alvenaria, certamente mais
confortáveis e protegidas dos animais peçonhentos e das doenças provocadas pelas
insalubridades da área habitada, sobretudo próximas aos córregos.
O colonato não só cumpriu a função de promover a fixação de pessoas ao
território, como também garantiu as suas subsistências, além de ter adequado os
83
comportamentos sociais a certos padrões esperados pelos proprietários, muitas
vezes de maneira imprecisa e subjetiva, características fundamentais para haver
uma assimilação profunda do seu objetivo maior, a contenção de homens
considerados como subversivos. Inúmeras são as formas em que isto se deu, e
relacionar o debate já existente seria desnecessário, uma vez bibliograficamente
notório, cabendo-nos, porém, fazer aqui uma contribuição por meio das fontes, tal
como adiante:
[...] E tendo dado começo e execução desse contracto em quinze de outubro de mil oitocentos e oitenta e nove, para garantia de ambos, locador [trabalhador] e locatário [...] obriga-se a tratar e formar essa porção de pés de cafeeiros, havendo-se durante os quatro anos com todo respeito e moralidade, providência e boa conduta com pena de ser expulso o locador das terras e serviços da fazenda e propriedade do locatário no caso de infração dessas condições devendo nessa forma haver-se o locador das terras e serviços da fazenda e propriedade do locatário, no caso de infração dessas condições; devendo nessa mesma forma e sob as mesmas penas, haver-se o locador com sua família para com os empregados e trabalhadores do locatário, perdendo o locador, no caso dessas infrações, o direito a receber aquilo que pelo presente tem direito a receber, caso [...] expulso, recebendo o locador neste acto a quantia de setenta mil réis do locatário em adiantamento, e em quinze de outubro de mil oitocentos e noventa, a metade do que pelo tratamento dos cafeeiros na base de quatro anos tiver direito, na forma deste contrato, levando em conta então os setenta mil réis que neste acto recebe, tendo mais ele locador direito a colher para si, todo o fructo do terceiro ano dos cafeeiros e metade dos fructos do quarto. Pelo locatário Francisco Baptista Guimarães foi dito achar-se de fato assim contractado com o locador e que aceitava a presente escriptura em vista de suas condições, obrigando-se a sua inteira execução e mais, a haver-se da mesma forma para com o locador com todo o respeito, providência e acatamento não só para com a pessoa do locador como para com as pessoas se sua família, trabalhadores ou empregados e a consentir que o locador plante no cafezal até o terceiro ano quaisquer plantações e sereais e no quarto ano, tão somente uma carreira de milho em cada rua de café, podendo o locador residir na casa em que atualmente mora, durante o tempo contratado e ter dentro dos pastos da fazenda dez animais-vacum ou cavalar, que não seja égua. E mais, obriga-se no caso de ser infrator deste contrato ou arrependimento a pagar o locador o que este teria de receber se fosse este contrato inteiramente cumprido, ficando neste caso extinta a obrigação do locador [...]. (ESCRITURA pública de 01 de março de 1889, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).
Ao lado dos proprietários, a moral cristã fazia-se presente naquela conjuntura e
na vivência cotidiana da população, conforme já abordamos no capítulo anterior.
Entretanto, além de colocar-se como mantenedora da fé, a Igreja Católica fazia-se
presente também como geradora de empregos em Ribeirão Preto, de ações sociais
determinadas a fins bem seculares, como a manutenção do prédio da matriz, local
privilegiado para o contato com os fiéis e na promoção da inter-relação entre os
84
integrantes da elite e da “arraia-miúda” (expressão de FAORO, 2000), isto sem
falarmos da cobrança do laudêmio, que é uma taxa destinada a Igreja todas as
vezes em que se dava e se dá uma compra e venda de propriedade situada dentro
do quadrilátero central.
Em vista da escritura pública de 31 de agosto de 1888, que firmou a
empreitada a ser realizada por Alexandre Travers, podemos analisar a
transformação da finalidade religiosa em prática produtiva, já que este teria “que
usar seu próprio material e pessoal” na reforma do forro, assoalho e outros serviços
com a devida “solidez e perfeição possível”, recebendo por esta 3:600$000, um
conto de réis no ato, mais um conto de réis depois de começados os serviços do
forro e mais um conto depois de concluídas as reformas e serviços gerais do
contrato, ficando os 600$000 a título de prêmio caso a “Comissão de Obras da
Matriz” o julgasse merecedor finda a empreitada, critério assaz subjetivo por sinal,
mas que, no entanto, não impediu de ser somado ao total a ser pago, o que
preconiza uma predisposição em pagá-lo. Já o material retirado ficaria à disposição
do empreiteiro, o que julgamos uma estratégia para que esta comissão não tivesse
novos gastos com carretos necessários para o transporte e descarte do entulho
gerado. (ESCRITURA pública de 31 de agosto de 1888, 1º Tabelião de Notas de
Ribeirão Preto).
Uma estratégia muito comum nestas escrituras que tratam da locação de
serviços marcadamente agrícolas é a recorrência da cláusula que pune o
trabalhador-locador com a perda de todas as suas realizações caso este decida não
cumprir o contrato na sua totalidade, seja em vista do prazo firmado, seja algo que o
leve a não poder cumpri-lo por motivos pessoais. Este ponto das cláusulas, de tão
recorrente, fez com que a sua dispensa ou mesmo a não citação na escritura se
tornasse um fator favorável àqueles que por ele não tinham que ser submetidos.
Por fim, em vista de uma síntese parcial quanto às múltiplas dimensões do
colonato, não pudemos deixar de constatar que muitas vezes o preconceito se dá
pelo silêncio ou omissão da sociedade. Como é inútil supor sem nos apoiarmos em
argumentos concretos, quando esta possibilidade se apresenta é fundamental
elucidar alguns detalhes que podem nos auxiliar a vencer dilemas ainda
contemporâneos. E dentre estes, a marginalidade (im)posta ao negro se destaca nos
contratos de prestação de serviços, marcadamente de colonato, havida nestas terras
do café.
85
Em vista da quantidade de contratos firmados visando a locação de serviços,
não é natural não haver a contratação de negros, caso seu status não fosse
depreciado em meio à coletividade ribeirãopretana e, por isso, podemos inferir o
preconceito e a depreciação da possibilidade de inserção do negro pelo viés do
trabalho regular e atrelado às necessidades socioeconômicas de maneira direta, já
que, se isso fosse algo recorrente, era de se esperar um número relevante de
exemplos por meio das escrituras públicas, o que não se deu, uma vez que, salvo as
escrituras atinentes ao reconhecimento de filhos, não tivemos uma declaração
expressa do tabelião referente aos afrodescendentes, bem diferente dos casos em
que envolviam os por ele conhecidos e que desfrutavam de títulos honoríficos e
imigrantes, sobretudo italianos. Pelas escrituras, era como se os negros enquanto
indivíduos não existissem e que, após a superação da escravidão, de repente,
deixassem de ser socialmente, produtivamente e existencialmente relevantes em
Ribeirão Preto após a década de 1890.
87
3.1 A sociabilidade herdada da escravidão e do preconceito
Os primórdios da ocupação populacional na região que posteriormente seria
batizada de São Sebastião do Ribeirão Preto possuem representações diferentes
para o senso comum e para os historiadores, e mesmo entre estes últimos. Tanto
para estes quanto para aqueles, a diversidade de interpretações não muda o fato do
nome atual desta cidade, que foi suprimido para tão somente Ribeirão Preto,
evidenciar na sua essência um apanágio do processo histórico desta população: a
rapidez com que se mudam os nomes dos lugares, das ruas, dos bairros, assim
como o nome que batizou a vila, bem como a valoração da importância daqueles
que também participaram deste processo de mudança marcado pela modernização
e pela racionalização da vivência, mas que, entretanto, foram relegados às
penumbras históricas, tal como os outros agentes sociais que precederam a data da
abolição dos escravos e da proclamação da República; datas que, tal como os
indivíduos, logo foram relegados ao campo da representação, quando seu lugar
também deveria ser o da análise do fato, cedendo espaço assim para o
conhecimento daqueles que, com suas vivências, compuseram a alma do lugar.
Em vista do sentido interpretativo que visamos privilegiar neste tópico, é
necessário dizer mais uma vez que iniciamos a coleta de fontes em 1874, quando foi
inaugurado o 1º Tabelião de Notas da Vila de São Sebastião de Ribeirão Preto.
Naquela época, as escrituras públicas eram o meio legal de ratificar perante o
Estado, especialmente no âmbito municipal, as transações de compra e venda de
terras, de casas, de procurações e, também, de compra e venda de escravos, além
de outras transações de ordens diversas. Contudo, cabe observar as diferenças
entre a fonte elegida neste trabalho em relação às fontes de outras pesquisas como,
por exemplo, os inventários post-mortem, na finalidade de enriquecer o
conhecimento histórico acerca desta cidade quando do final do século XIX até as
primeiras décadas do século XX.
Estamos cientes do esforço já realizado por outros pesquisadores que tiveram
por proposta elucidar a história dos escravos em Ribeirão Preto (LOPES, 2006;
PINTO, 2006). Contudo, como naquela época estes eram considerados como
mercadorias e entendidos como integrantes de um patrimônio pessoal, isto
ocasionou muitas vezes a fixação das suas existências sob ótica marcadamente
88
econômica e jurídica, uma vez que as fontes existentes nessa época constituíram-se
no intuito de defenderem um bem. Cientes disso, optamos por não perder a
oportunidade de resgatarmos a humanidade constantemente atacada em cada um
destes homens que foi objeto de barganha, de acumulação, mesmo um pouco antes
do treze de maio de 1888, pois julgamos ser esta visão uma das balizas que guia o
historiador, certos de que estes princípios humanitários não eram partilhados por
boa parte dos homens que, influenciados pelas idéias do seu tempo, buscavam
enriquecer a despeito dos valores morais que pertencem unicamente à nossa
conjuntura histórica. Por esta razão, o que à primeira vista poderia servir somente
para exposição de uma transação comercial, pode também se tornar um liame
singular para inserir estes indivíduos escravizados na construção social que resultou
na sociedade ribeirãopretana atual.
Nesse sentido, reconhece Lopes (2006, p. 7) que a utilização de inventários
post-mortem tem a limitação de espelhar apenas um momento da vida dos
indivíduos. Por isso, este trabalho, que tem por fonte principal as escrituras públicas,
certamente possui o oferecimento da possibilidade de ilustrar a fluidez da riqueza e
dos interesses individuais envolvidos no ato da escritura. Num sentido mais amplo,
envolvia a coletividade na medida em que sempre havia no mínimo duas partes
distintas para o estabelecimento desse documento e que, invariavelmente,
acarretava no envolvimento das pessoas mais próximas dos envolvidos, sobretudo
suas famílias.
Contudo, visando ao máximo rendimento do cruzamento dos resultados de
análises de fontes presentes em outros trabalhos, tal como os já citados até aqui,
convém apontar a princípio os inferimentos concordantes ao que averiguamos
durante a nossa coleta de dados.
Bem assim, nos diz Luciana Suarez Lopes (2006, p. 9) a partir da análise dos
inventários pesquisados no Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto:
A lavoura aparece como atividade principal de quatro inventariados, todos da década de 1880. O milho estava presente em três desses processos; a cana-de-açúcar em dois, o feijão, a mandioca e o arroz apareceram apenas uma vez. A atividade cafeeira foi destacada da agricultura pois consideramos relevante ao nosso estudo identificar as características específicas dos cafeicultores, dada a importância dessa atividade na localidade estudada e no período considerado. O café começa a aparecer nos processos a partir da década de 1860 como atividade secundária. A aparente ausência desta cultura cafeeira nos inventários escravistas não significa que o café não estivesse presente na localidade, pois como foi
89
ressaltado anteriormente, ao considerar os inventariados automaticamente estamos excluindo os indivíduos mais pobres. A amostra dos inventários escravistas, então, se mostra mais elitista ainda.
Desde a sua inauguração, o 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto foi
responsável por legitimar acordos de compra e venda de ordens diversas, inclusive
de escravos, o que reforça que este tipo de patrimônio foi relevante nesta cidade,
inclusive no ano anterior ao da abolição em 1888. Para melhor exposição da análise
que empreenderemos abaixo, elaboramos um quadro contendo a quantidade de
escrituras públicas firmadas neste estabelecimento entre os anos de 1874 e 1888, e
que se referem à escravidão.
1874 12
1875 7
1876 6
1877 5
1878 11
1879 69
1880 8
1881 10
1882 34
1883 6
1884 9
1885 2
1886 5
1887 20
1888 -
Quadro 1 - Ano e quantidade de escrituras relacionadas à escravidão em Ribeirão Preto Fonte: 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto
Cabe observar que mesmo após a aprovação da Lei Eusébio de Queiroz, em
1850, da Lei do Ventre Livre, em 28 de Setembro de 1871, e da Lei dos
Sexagenários, em 1885, no mesmo dia e ano, a comercialização de escravos e a
venda de alforrias permaneceu no cotidiano socioeconômico da população que, em
1871, ganhou a elevação à categoria de vila, sendo então desmembrada da cidade
90
de São Simão. Sobre a estrutura fundiária da localidade, elucida novamente Luciana
S. Lopes (2004, p. 168) que, naquela época, freguesia equivalia ao nosso atual
distrito e vila ao nosso atual município.
Utilizamos a análise da comercialização de escravos, pois, como ratificamos no
capítulo anterior, o foco desta pesquisa é elucidar como se deu a racionalização dos
negócios e da vivência coletiva na cidade e, em vista desse objetivo, compreender o
processo de transição da mão-de-obra escravista para o exclusivo emprego da mão-
de-obra livre e assalariada se faz importante tendo em vista o processo de
modernização das relações de trabalho havidas em Ribeirão Preto entre 1874 e
1914.
Apesar de ter sido usada em escala reduzida na história da cidade, é mister
contemplarmos a mão-de-obra escrava para que não coloquemos estes homens na
marginalidade, desta vez histórica, uma vez que nos deparamos com fontes que
permitem sua análise e, em vista de um dos princípios que guiam este trabalho, que
é contribuir na construção do saber histórico sobre Ribeirão Preto, sem
necessariamente privilegiarmos uma análise elitista, fazê-lo se torna um esforço
especial.
Julgamos assim porque o escravo, sobretudo negro, na prática, foi o grande
promotor da criação das riquezas deste país, principalmente na época colonial,
conjuntura a qual nos dotou de traços culturais e sociais em grande parte presentes
mesmo em nossos dias. Noutro sentido, conhecendo a conjuntura histórica na qual
este tipo de negociação empreendida pelos munícipes se dava, poderemos
conhecer cada vez mais tanto as razões para a sua efetivação quanto as
características destes homens privados da liberdade, não porque houvesse neste
ponto uma preocupação em valorizar seus apanágios enquanto indivíduos, mas sim
enquanto patrimônio mercantilizável.
À luz deste espírito, constatamos que 36 cativos possuíam ao menos uma
profissão, detalhe realçado nas escrituras públicas muito provavelmente para
justificar o valor cobrado nas transações de compra e venda de escravos. Dentre as
especializações citadas, destacamos aquelas de maior conotação à prática de
trabalhos voltados às atividades de cunho urbano, por vezes denominadas de
“serviços livres”, tal como a de carpinteiro, serviços domésticos, fiação, serviços de
cozinha, lavadeira, tecelã, pedreiro, tropeiro, roceiro e engomadeira. Deixamos as
denominações em concordância nominal, ora variando para o masculino ora para o
91
feminino, na intenção de ilustrarmos o maior número de recorrência entre os sexos.
Contudo, vale destacar que a maior parte dos escravos foi vendida com destaque
para a sua “capacidade para a realização de trabalhos braçais”, sobretudo para o
“trato com a terra”. Destarte, por vezes havia o complemento de que o escravo era
“apto para a realização de qualquer trabalho” ou que “tinha boa aptidão para o
trabalho”. Ora, comentário totalmente desnecessário, pois, se por um lado não havia
para estes indivíduos a opção de não trabalharem, por outro a única razão de
existência do escravo, segundo o ponto de vista dos escravistas, era o utilitarismo,
início e fim do destino de qualquer cativo que, em suas mãos, nada mais eram do
que um capital fixo e que poderia ser utilizado como meio de enriquecimento ou de
capitalização em conjunturas adversas.
Com o passar das décadas, a continuidade do trabalho escravo foi cada vez
mais dificultada pelas leis que visavam ao decréscimo da mercantilização de
pessoas. Dentre os artigos que compuseram a Lei do Ventre Livre, destaca-se para
o enriquecimento da presente discussão o trecho a seguir:
Art. 8. O governo mandará proceder a matrícula especial de todos os escravos no Império, com declaração do nome, sexo, aptidão para o trabalho e filiação de cada um se for conhecida. (...) § 2. Os escravos que por culpa ou omissão dos interessados, não forem dados à matricula até um anos depois do encerramento desta, serão por este fato considerados libertos. (...) § 4. Serão também matriculados também em livro distinto os filhos da mulher escrava que por esta lei ficam livres. (BRASIL, Lei nº 2.040 de 28 de setembro de 1871 citado por KIRDEIKAS, 2008, p. 4).
Dentre os números de escrituras relacionadas à escravidão citada acima, estão
presentes também as que firmavam cartas de liberdade, que à primeira vista
sugerem a benevolência do antigo proprietário, mas que tão logo se mostraram
como meio de se adquirir renda, tão importante nesta conjuntura de crédito limitado
e de declínio do vil comércio, o qual tornava incerta a detenção deste tipo de
patrimônio. Para elucidarmos este ponto, segue o conteúdo da transcrição feita pelo
tabelião na escritura pública de 15 de setembro de 1887:
Carta de liberdade: Digo eu Maria Pereira de Jesus que nesta data que me foi pelo Sr. Manoel Gonçalves Salvador me entregue a quantia de 500$000 pelos serviços de minha escrava Hilária, até trinta e um de Dezembro de 1890, com a condição de liberdade para a mesma, a qual entra no gozo com a condição da prestação de serviços já declarados e como me convenha este estado também desisto dos serviços do seu filho de nome
92
Julião poderá acompanhar sua mãe o qual tem mais ou menos de 7 a 8 anos; e assim transpasso na pessoa do Salvador os direitos e acções dos serviços da dita escrava por delle ter recebido a importância correspondente aos serviços até a data acima referida, em abono do que firmo a presente dando esta por notória e publica com as testemunhas abaixo assignadas. Ribeirão Preto 12 de Julho de 1887. Maria Pereira de Jesus. [sic]. (ESCRITURA pública de 15/09/1887. 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).
A partir do que expusemos acima, percebemos que a despeito de haver uma
lei proibindo a escravização de crianças nascidas a partir de 28 de setembro de
1871, isto não sensibilizou os proprietários de crianças escravizadas e que
nasceram antes desta data a abrirem mão dos direitos sobre ela, salvo se houvesse
um interesse comercial quanto a esta situação, já que no exemplo acima, separar a
mãe do filho resultaria num acréscimo do custo de manutenção deste cativo, já que
a proprietária seria a responsável direta pela manutenção da vida deste. Por outro
lado, notamos que por parte da proprietária não havia a idéia de que a solução final
do problema da escravidão no Brasil estivesse próxima, já que o acordo teria
validade até 31 de dezembro de 1890, quando esta voltaria para sua posse, uma
vez vencido o prazo contratual.
Como base de comparação, em uma escritura pública datada em 15 de
dezembro de 1887, uma casa “coberta de telhas”, situada na rua Amador Bueno
(dentro do “quadrilátero central”) foi vendida por 500$000, ou seja, pelo mesmo valor
da concessão de direitos sobre a escrava citada acima, o que aponta que os
diversos tipos de negociações envolvendo escravos continuam altamente lucrativos
e rendosos, sobretudo em vista da real possibilidade de conversão deste capital em
patrimônio que poderia ser usado como meio de aquisição de outros bens, os quais
posteriormente poderiam se converter em mais renda, tal como a compra de uma
casa que depois poderia ser posta para aluguel e assim, novamente em meio de
aquisição de renda.
As relações interpessoais se tornam mais complexas na medida em que
relacionamos os sujeitos da nossa fonte privilegiada com as informações adquiridas
em trabalhos paralelos ao que aqui nos dispusemos a pesquisar. Exemplo disto é o
conhecimento de alguns detalhes da vida do primeiro tabelião, que desde 1874 até a
virada do século XX não raramente diz que “os outorgados e os outorgantes são
conhecidos entre si e por mim tabelião”. Isto despertou a nossa curiosidade, pois
mesmo sabendo que a quantidade de habitantes era reduzida e que era natural (tal
93
como atualmente ainda é nas cidades pequenas) uma pessoa conhecer uma vasta
gama de pessoas, sobretudo desfrutando de um cargo legal e, portanto de
autoridade, nossa inquietação permanecia durante a coleta de fonte. Quem afinal
era Antonio Sotério Soares de Castilho?
Curiosamente, nos respondeu Lopes ao nos exemplificar por meio de um
inventário post-mortem que durante o avanço das casas comerciais em Ribeirão
Preto, tornava-se cada vez mais comum a propagação de estabelecimentos que
vendiam uma enorme variedade de produtos. E dentre as pessoas exemplificadas,
citou como exemplo o pai do tabelião responsável pela legitimação das escrituras
públicas que, em nossas mãos, são os liames de compreensão para entendermos
mais a fundo as relações de trabalho da conjuntura circunscrita aos anos de 1874 e
1914.
Um dos negociantes estabelecidos na cidade era Manoel Soares de Castilho. Ele e seu filho, Antonio Sotério Soares de Castilho possuíam uma firma, a Castilho & Filho, que comercializava desde tecidos e roupas feitas até medicamentos, esporas e chumbo para munição. Além da casa comercial, Manoel possuía várias propriedades rurais e quatro casas na vila de Ribeirão Preto (Inventário de Antonia Maria de Nazareth, mulher de Manoel Soares de Castilho, 1873. Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto). (LOPES, 2004, p. 172, grifo nosso).
Segundo o Almanach Ilustrado de Ribeirão Preto (1913), em 23 de agosto de
1859 foi enviado um pedido de instalação de uma Pia Batismal em Ribeirão Preto
quando esta localidade ainda era submetida a São Simão. Dentre as pessoas que
assinaram o pedido, no qual é detalhada a dificuldade da manutenção dos
sacramentos católicos por aqueles que nesta cidade viviam, estava o nome de
Manoel Soares de Castilho. Este indício nos permite deduzir o quanto este homem já
estava inserido na vivência da coletividade, ainda mais porque, pela citação anterior,
ele já desempenhava a profissão de negociante na localidade, o que por certo lhe
permitiu tecer uma grande rede de sociabilidade, principalmente com os
circunvizinhos.
Vale notarmos que as escrituras públicas têm a vantagem de esclarecer a
dinamicidade dos interesses e dos conflitos havidos naquela conjuntura, e dentro
deste panorama marcado pela fluidez do status social, da riqueza e do poder, situar-
se num posto privilegiado destes “nós sociais” apresentava-se como uma notável
chance de agregar todos estes itens que pelas partes motivadas a firmarem as
94
escrituras públicas eram postas em contato. Pensamos que características como
sagacidade, empreendedorismo e talento (para costurar o tecido social de maneira a
galgar um patamar mais privilegiado) não eram opcionais, mas apanágios
aprendidos por meio da inevitável vivência na sociabilidade capitalista moderna, cuja
ingenuidade certamente era a garantia de maiores infortúnios, já que mesmo os
indivíduos cientes dos seus direitos e deveres não raro eram combatidos de maneira
a serem silenciados, quiçá, se nada fizessem para exporem suas mazelas.
(GARCIA, 1997).
Por isso, enfocamos a análise das relações de trabalho havidas em Ribeirão
Preto quando esta região era a frente pioneira da expansão do café para o Oeste da
sua área de origem neste estado, o Vale do Paraíba, e que na região daquela cidade
encontrou o ambiente favorável para sua expansão, haja vista o seu solo, a
disponibilidade de terras férteis e ricas hidricamente, além de uma sociedade com
pessoas ávidas por garantir seu lugar ao Sol, tendo em vista a perspectiva de
enriquecimento ou, ao menos, de garantir a sua subsistência e da sua família. À luz
destes objetivos de cunho mais simples, nos indagarmos como e de que maneira a
cidade de Ribeirão Preto, que se destacou no cenário nacional graças à riqueza
gerada pelo café, conseguiu, após a sua crise, manter a sua posição de liderança
regional, congregando pessoas físicas e jurídicas dispostas a canalizar nesta cidade
a efetivação dos seus interesses e objetivos particulares, gerando riqueza que nem
sempre era voltada à população residente no município de maneira mais direta, mas
que, por outros meios, lhes proporcionava a oportunidade de se inserirem ao giro
capitalista regional.
3.2 Os percalços da modernização das relações de trabalho: a transição da
mão-de-obra escravista para a assalariada e livre em Ribeirão Preto.
No dia 5 de março de 1875, Jeronymo de Oliveira e Souza e Pedro Affonso da
Silva negociaram a compra e venda de quatorze bestas de carga por 1:952$000.
Algo comum naquele tempo, marcado pela busca de melhores meios de transportar
mercadorias e eventualmente pessoas, para assim se obter mais clientes e prestar
mais e mais serviços de locomoção. Contudo, citamos esta escritura pelo fato de
95
haver o nome de cada um dos animais envolvidos, com a confirmação do sexo, bem
como suas cores e peculiaridades da vida do animal, de forma a singularizá-lo dos
demais.
Já no dia 13 de abril de 1876, O Capitão Manoel Joaquim de Oliveira e Silva
tomou posse de um carro ferrado, dez bois, dois cavalos, um burro e dois escravos,
de nomes Theophilo e Eva, como garantia de três contos de réis cedidos pelo
capitão a Joaquim José da Silva, sendo a escrava Eva de cor preta, vinte e nove
anos de idade, solteira e matriculada no município em 29 de agosto de 1872 e
Theophilo, de cor parda, oito anos de idade, de filiação desconhecida (“tal como a
mãe”, alerta o documento), por sua vez matriculado em Ribeirão Preto no dia 25 de
outubro de 1875. Tal transação foi realizada com a condição de Joaquim pagar o
valor mencionado num prazo de oito anos, não havendo, entretanto, qualquer
menção a juros ou forma de pagamento parcelado.
Estas operações bem apontam o cotidiano socioeconômico ribeirãopretano nos
anos que precederam a abolição dos escravos, já que, conforme dissemos há
pouco, a humanidade do escravo não importava, mas sim a sua capacidade de
produção. Este fato pode ser tratado num primeiro momento como algo em via de
extinção, porém é evidente que pela parcela da população que ainda desfrutava
deste tipo de bem, sua utilização mostrava-se fundamental para a aquisição de
renda, daí a razão da descrição da primeira escritura mencionada não ser muito
diferente da segunda quanto ao tratamento dos seres mencionados, pois podemos
intuir que tanto o gado quanto os escravos são, pelos negociantes, patrimônios da
mesma ordem e finalidade: o lucro.
A Ribeirão Preto que recebeu e abrigou os imigrantes também cresceu com o
auxílio dos escravos que nesta cidade habitavam, e que, somente pela natureza
particular da fonte escolhida, não poderemos por ela precisar o quanto exatamente
ao longo da sua história. Contudo, diz o levantamento ocorrido na cidade em 1886
que dos 10.420 habitantes, 9.041 eram livres e 1379 eram cativos. Destes, 784 eram
homens e 595 eram mulheres, sendo quase a metade dos escravos situada numa
faixa etária abaixo dos trinta anos de idade, sendo que 31,3% tinham de trinta a
quarenta anos, 17,5% de quarenta a cinqüenta anos e 8% tinham acima de
cinqüenta. (LOPES, 2005, p. 45-47)
É certo que os escravos também foram responsáveis por formar e tratar os
novos pés de café, diretamente ou indiretamente, tal como se valeu o notório Doutor
96
Henrique Dumont, o qual firmou uma escritura pública para formalização de contrato
de empreitada com penhor de escravos, feita com Luiz Francisco Mafra, na
finalidade deste formar um cafezal dentro do prazo de cinco anos, sendo que dentre
as cláusulas contratuais, determinava a décima primeira que Luiz era obrigado a
penhorar para Henrique Dumont oito escravos para a garantia da conclusão do
trabalho a ser executado durante a vigência do contrato. No ato da formalização da
escritura, Luiz declarou que recebeu 4:177$000 do doutor com a obrigação de pagá-
los com o acréscimo de um conto de réis a título de juros capitalizados. Em
contrapartida, teve a promessa contratual de receber 24$000 no final da vigência por
cada pé de café formado, e quinhentos réis para cada cinqüenta litros de café
colhidos durante este período. Mais uma vez, após a formalização das cláusulas, há
a menção às características dos escravos, com destaque para a “aptidão” para a
roça, grupo composto por seis homens e duas mulheres, cujo mais velho possuía
trinta e cinco anos e o mais novo somente dois anos de idade, único com a ressalva
de que não possuía “aptidão”, informação absurda para nossas concepções
contemporâneas.
Como já dissemos, havia outros tipos de negócios celebrados no 1º Tabelião
de Notas de Ribeirão Preto, que nos auxiliam a perceber algumas tentativas de
diversificação comercial, na cidade, que fosse paralela à atividade cafeeira, tal como
a compra e venda de uma olaria que funcionava no lugar denominado “Lagoa do
Campo”, composta de uma casa coberta de telhas e um rancho coberto de palha,
“sem terreno algum por este pertencer ao Padroeiro desta Vila [...]. Disserão os
vendedores que houverão a dita olaria por industria própria e que toda posse e
domínio transferem [...]” [sic]. O valor obtido neste negócio foi de 600$000 em
moeda corrente (ESCRITURA pública, 27/09/1881, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão
Preto).
Um dos princípios econômicos diz que a necessidade cria a sua própria
demanda. Em vista da escritura a seguir, podemos dizer que isto de fato por vezes
ocorreu na cidade, pois por esta foi firmada uma negociação de terrenos voltados ao
fornecimento de barro para a fabricação de telhas e tijolos. A título de ilustração
podemos citar o arrendamento firmado entre os locadores Mizael Pedro da Motta e
sua mulher com Domingos Salli, João Baptista de Oliveira e Bernardino José de
Andrade, estes citados como lavradores e que firmaram o negócio por 800$000,
sendo 200$000 por ano, a serem pagos trimestralmente à razão de 50$000, com
97
exceção de quando o pagamento do trimestre for feito em telhas e tijolos, cujos
valores respectivos previamente combinados eram de 35$000 o milheiro da telha e
25$000 o milheiro de tijolos. (ESCRITURA pública, 7/02/1882, 1º Tabelião de Notas
de Ribeirão Preto).
O destaque deste negócio está no fato da escritura de 27/09/1881 ter como
vendedores os mesmos que aqui cederam um terreno que continuou sendo seu
patrimônio, e que tinha como particularidade ser dotado da capacidade de atender à
fabricação de telhas e tijolos, e que julgamos, não por acaso, ter vínculos com o fato
deste casal ter empreendido uma olaria, conseguindo assim reduzir o seu custo e
adquirir maior capital por meio da elaboração e oferta de produtos com preços
estipulados de maneira vantajosa.
Ao lado da expansão da lavoura cafeeira, durante todo o período analisado,
figurou também a lavoura canavieira, sobretudo voltada à produção de aguardente e
de açúcar. No arrendamento firmado entre José de Carvalho Terra e Antonio
Aureliano Mafra (não conseguimos comprovar se se tratava de um parente do
envolvido na empreitada firmada com Dr. Henrique Dumont, já citada aqui) este seria
auxiliado pelos escravos Pedro, José e Roza durante dois anos, tendo auxílio
complementar de um carro com dois bois para transporte da cana e da lenha. Por
sua vez, Mafra daria ao arrendador o seu sustento, bem como para as pessoas que
o ajudariam. O valor deste contrato foi estipulado em 2:500$000, sendo o primeiro
pagamento em outubro de 1885 no valor de 500$000 e o restante a ser pago no fim
do contrato com juros de um por cento ao mês. (ESCRITURA pública, 18/06/1885,
1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto). Entretanto, na escritura pública de 27 de
junho de 1885 as partes em comum acordo rescindiram o contrato outrora firmado,
não havendo, entretanto, maiores explicações das circunstâncias que acarretaram o
seu rompimento.
Pela análise das escrituras, sentimos que o custo de vida era sempre um ponto
delicado das discussões que envolviam empreendimentos que levassem mais de um
ano para a sua finalização. Em vista deste ponto, podemos citar o arrendamento de
um sítio situado na fazenda “Olhos d’Água”, feito por Mariana Constança Junqueira a
Jeronymo Vieira D’Andrade, pelo qual foi combinado que aquela cedia a posse
temporária sobre a propriedade, bem como sobre os quinze escravos que ali viviam,
além de animais suínos, lanígeros e dois bois de carros com arreios e dois carros
(julgamos ser de carga) pelo valor de quatro contos de réis, pagos anualmente e
98
pelo prazo contratual de quatro anos. Jeronymo, por sua vez, comprometia-se em
alimentar os animais e era ainda obrigado a fornecer para a proprietária o alimento
necessário para a sua subsistência. Durante a vigência do acordo, esta forneceria o
sal por conta própria para o gado arrendado a Jeronymo e este, findo o prazo,
devolveria seu patrimônio, “salvo os escravos e animais que morrerem”.
(ESCRITURA pública, 28/07/1886, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).
Em 02 de março de 1886, Vicente Osias de Sielos e sua mulher, praticamente
às vésperas da abolição, negociaram a compra de uma casa de morada coberta de
telhas com cento e vinte palmos de frente, situada na Rua do Comércio, no valor de
três contos de réis, com uma escrava avaliada em 750$000 e seus dois filhos
menores. Feita a exposição das características do imóvel e da escrava, pudemos
saber que esta se chamava Joana, dezenove anos de idade, cozinheira de profissão
e que seus filhos chamavam-se Flausino, matriculado nesta cidade em 02 de março
de 1880, e Gregório, este naquele momento ainda sem matrícula, o que motivou a
escritura a ficar sem efeito. Deduzimos que a intenção dos proprietários seria
realizar uma “venda casada” entre a casa e a escrava, no qual seus filhos seriam
elementos vantajosos a curto prazo, já que mesmo que fossem livres (este ponto
não ficou claro) eram dependentes da mãe e, portanto submissos ao novo
proprietário. (ESCRITURA pública, 02/03/1886, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão
Preto).
No ano em que ocorreu a Proclamação da República, um negócio realizado
entre o Coronel Luís Antônio da Cunha Junqueira e Iria Alvez Junqueira com o Major
José Ildefonso Pereira e Dona Josephina Ramos Pereira já evidenciava o que nos
anos seguintes se destacaria na “economia espacial” (expressão de Milton Santos)
de Ribeirão Preto. Diz-nos a escritura de 08 de abril de 1889 que o major permutou
seu sítio, com cento e cinqüenta alqueires de terras, contendo cafezais, casas e
frutas nas árvores, pastos e casas de colonos e outras benfeitorias, sendo sessenta
contos pagos no ato da escritura, em moeda corrente, por uma sorte de terras nos
subúrbios desta vila com benfeitorias. Nas linhas finais da escritura o coronel Luis A.
da C. Junqueira dá por quitado o credor hipotecário do major, no valor de
22:800$000 incorporada esta dívida no valor da quitação. Deduzimos que a
concessão da propriedade do major pela propriedade do coronel, tendo inclusive o
abatimento de dívidas do primeiro ao e pelo segundo, foi um dos bons negócios que
fizeram com que Luís Antônio da Cunha Junqueira se destacasse na economia
99
cafeeira regional e mesmo nacional, já que adquiriu uma propriedade já voltada à
produção do café sob condições privilegiadas. (ESCRITURA pública, 08/04/1886, 1º
Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).
Este panorama de mudanças socioeconômicas não auxiliou de forma
contundente a condição de vida dos negros residentes na cidade. Somente em 1889
nos deparamos com quatro escrituras de reconhecimento de filhos naturais, nas
quais o tabelião deixa transparecer a carga de valores preconceituosos havidos
naquela época. Conforme exemplificamos nesta obra, seguem os detalhes da
escritura firmada pelos ex-escravizados de Carlos Belarmino de Almeida, Cartario e
Maria Emília, para o reconhecimento de seus dois filhos naturais:
Disse ainda que também com a concentidora sua mulher, em estado de solteiros livres para se casarem, quando escravos, tiveram a mesma fraqueza humana e entretiveram relações de cujos coitos nasceram Marcelino e Francisca, aquele achava-se com dez anos mais ou menos e esta com oito mais ou menos, naturais e batizados na referida freguesia e parochia do Rio Bonito, pelo que reconheciam também a estes como seus legítimos filhos. É pela consentidora foi dito eu são verdadeiras as expressões de seu marido, o que tudo reconhece, pelo que aceita e concente na presente escritura. (ESCRITURA pública, 26/03/1889, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto, grifo nosso).
Em vista da citação acima, fica esboçado o moralismo da sociedade
ribeirãopretana, que nas quatro escrituras apontadas mais são tratados como seres
animalizados do que como homens livres e detentores de livre-arbítrio, já que pelos
comentários do tabelião sentimos que o preconceito é mascarado por um pretenso
ideal cristão-católico que fora desrespeitado por estes homens afetados por
“fraqueza humana”. (ESCRITURA pública, 13/03/1886, 1º Tabelião de Notas de
Ribeirão Preto).
Com a abolição dos escravos, o capital antes aprisionado na pessoa
qualificada como mercadoria, pode então assumir a forma de capital circulante, na
medida em que havia maiores possibilidades de sucesso na expropriação do
trabalho do homem livre, que geralmente não recebia imediatamente qualquer valor
monetário, dando condições ao capitalista de fazer investimentos nos seus
negócios, como a compra de máquinas de beneficiamento, sem que fosse
necessário comprometer outros capitais fixos, tal como sua propriedade urbana ou
rural, sobretudo as fazendas. “Em suma, a transformação apontada tornou possível
100
a conversão de parte da renda capitalizada na pessoa do escravo em capital
constante e capital variável”. (MARTINS, José de Souza, 2004, p. 34)
Para aqueles que não conseguiram ajustar-se à transição do trabalho para o
livre, o tempo era inimigo do cafeicultor escravocrata porque a legislação mais o
desfavorecia haja vista que os escravos possuídos tornavam-se cada vez mais
velhos, com poucas condições rentáveis de renovação do plantel, onerando assim
seu lucro na medida em que a concorrência interna não permitia o repasse dos
custos de produção ao produto final.
Por outro lado, para os cafeicultores que já utilizavam mão-de-obra livre, a
passagem do tempo tornava tanto a propriedade quanto a produção cada vez mais
valorizada, na medida em que nela havia uma atração cada vez maior de
trabalhadores livres, o que significava um número cada vez maior de pés de café
plantados, motivando um efeito de valorização cíclico oriundo da especulação
imobiliária local que cada vez mais colocava o proprietário em condições vantajosas
de expansão dos negócios, sobretudo porque este efeito cíclico positivo de atração
de mão-de-obra e expansão das lavouras o fazia capaz de contrair empréstimos
mais facilmente e mesmo de se autofinanciar com o sistema de colonato,
praticamente pondo em segundo plano o poder monetário imediato, salvo na compra
de novas propriedades, não raro efetuada para aumentar ainda mais a cadeia
produtiva cafeeira.
É interessante notar que a aquisição de novas propriedades era sustentada
pelo colonato já existente em outras propriedades, pois a venda de parte dos
produtos agrícolas que cabia contratualmente ao proprietário representava um
ganho que por vezes pode ter dado a ele condições de capitalizar-se sem
necessariamente comprometer um bem imóvel já quitado. De toda forma, estas
possibilidades denotam como a prática do colonato foi interessante antes de tudo
aos proprietários de terras que mais rapidamente abandonaram o uso da mão-de-
obra escrava, obviamente não por razões humanitárias, mas por assumirem uma
postura voltada à racionalização das práticas comerciais, em sintonia com o princípio
de lucrar mais com o menor risco possível.
A orientação de alguns homens por meio da observação deste princípio é
secular. Na história do Brasil iniciou-se na exploração de mão-de-obra escrava,
somada ao uso dos poucos homens livres e assalariados que coexistiram a este vil
trabalho. Por conseguinte, vieram os primeiros imigrantes no século XIX, após
101
praticamente quatro séculos de expropriação da vida de um sem-número de negros
africanos, para então, progressivamente, abandoná-los à própria sorte quando já era
certo que financeiramente este era menos atraente do que a mão-de-obra imigrante.
A bibliografia sobre o tema é extensa, mas é ponto em comum entre os debatedores
que o cálculo capitalista sempre foi um norte seguido pelas nossas elites
econômicas, ainda que por vezes o discurso humanitário figurasse no meio social
para, intencionalmente ou não, reforçar as relações sociais visando a fins. O
cotidiano socioeconômico ribeirãopretano não deixou de ser assimilado por este
processo.
3.3 As escrituras de locação de serviços
A falta de liberdade dos locadores de serviço, nome dado aos trabalhadores
que se dedicavam ao trabalho para outrem, chamados nas escrituras de locatários, é
o traço que marca e extrapola as décadas que compõem os limites cronológicos que
balizam esta pesquisa (1874-1914).
A proibição da aquisição de mantimentos e de todos os objetos que o locador
precisasse de qualquer um que não o locatário, mostra escancaradamente as
imposições a que muitos tiveram de se sujeitar. Também, o ir e vir era controlado, e
a desobediência era punida sob a forma de descontos nos salários que
posteriormente seriam recebidos pelos trabalhadores. Exemplos desta situação não
faltam nas escrituras, e tanto se fez presente na escritura de 01 de abril de 1875
quanto na de 20 de outubro de 1909.
Nos contratos de locação de serviços mais antigos e vinculados a práticas
agrícolas, foi muito recorrente a previsibilidade de punições que recairiam sobre o
contratado, e esta realidade tornou-se mais amena somente quando passaram a
predominar as relações contratuais mais próximas àquelas definidas pelo sistema de
colonato que, de certa forma, apaziguaram as pressões sobre os trabalhadores que
se preocupavam com o poder de ter acesso direto a itens agrícolas de primeira
necessidade.
Em favor dos locatários, havia a Lei de 13 de setembro de 1830, bastante
desfavorável para os locadores já que estes muitas vezes eram detentores somente
102
da capacidade de trabalhar. Não é estranho que os legisladores da época do
Império tenham dado privilégio a quem contratava, pois, neste caso, ao aprovar esta
lei, estavam advogando em causa própria.
A escritura citada abaixo esboça bem o que os locadores tinham que suportar:
O locador obriga-se a trabalhar ao locatário Valhim com toda a qualidade de serviço tendentes a profissão da lavoura, zelar as criações do locatário mediante a quantia de sessenta mil réis, por anno contado. E passado o segundo anno deste contrato que se contará do dia vinte do corrente mez, em diante, cuja quantia já recebeu ao fazer deste. O locador obriga-se a mais não deixar os serviços do locatário enquanto dever-lhe. O locador obriga-se a não comprar objetos de alimentos, senão do locatário ou sob seu consentimento, assim como obriga-se mais pelas falhas no serviço do locatário a preenche-las. O locatário e locador obrigão-se ao cumprimento deste contracto, sujeitando-se as leis em vigor a tal respeito. (ESCRITURA pública de 31 de agosto de 1888, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).
Já na escritura de 07 de dezembro de 1876, um tipo de locação de serviços
mostra bem como a violência fazia-se presente e gerava oportunidades de trabalho,
haja vista a pouca ou nula capacidade da manutenção da ordem por meio do
aparelho oficial de repressão ao crime, que era ou deveria ser o papel da polícia.
Tobias Claudiano Ribeiro contratou Vicente de Moraes Salles na finalidade de locar
os seus serviços diários, sem interrupção de tempo, na razão de seiscentos e
quarenta réis por dia. Não são mencionados muitos detalhes do serviço que este
deveria desempenhar salvo a obrigatoriedade deste “não retirar-se de perto do
serviço de forma que ao clarear do dia estaria pronto a receber as ordens tendentes
ao serviço”. Em caso de falta não motivada por doença, o locador seria multado pelo
dobro do valor diário. Acreditamos se tratar da contratação de um guarda-costas,
responsável por fazer a proteção do locatário, que deveria por certo realizar viagens
comerciais e, por isto, temia assaltos ou mesmo atentados contra a sua vida.
O rigor disciplinar exigido pelo contratante acima não era muito diferente do
exigido pelos proprietários rurais aos lavradores. Matheus Gomes do Val Junior
contratou os locadores Joaquim Jose de Paula, Joaquim José Baptista e Sabino da
Costa Valle pelo prazo de quatro anos para que estes executassem as tarefas
abaixo na Fazenda Santa Tereza em Ribeirão Preto:
Os locadores não poderão distraírem-se em qualquer outros serviços sem que o estado do cafezal a seu cargo o permitir e ainda serão obrigados trabalho para o locatário se este tiver serviço ao jornal que estiver correndo, ou outros pagando. Durante o contracto os locadores não poderão
103
ausentar-se da Fazenda do locatário sem que o seu consentimento e muito principalmente para fora do município. [...] os locadores ficão sujeitos a direção do locatário ou pessoa por si autorizado a cujas ordens obedecerão fielmente. Em quanto o cafezal permittir aos locadores farão suas plantações alimentícias no terreno do cafesal, plantando porem de modo que não ofenda os cafeeiros e quando o terreno do cafezal não permitir farão em outro lugar designado pelo locatário. Os locadores obrigão-se a serem obedientes e submissos a pessoa do locatário, de sua família e mais pessoal da Fazenda. Por conta do presente contracto e como adiantamento os locadores receberão a quantia de trezentos e noventa mil réis, cuja quantia assim como quaisquer outras que forem recebendo por adiantamento da pessoa do locatário serão afinal descontadas na quantia que tiverem de receber. Para garantia do presente contracto os locadores se sujeitão a Lei de Treze de Setembro de mil oito centos e trinta e a todas as mais em vigor a respeito de copntractos com brasileiros. O locatário aceita o presente contracto com as condições declaradas e por sua parte se sujeita a lei dos contractos em vigor. (ESCRITURA pública de 08/03/1877, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).
Já a escritura de 26 de fevereiro de 1878, celebrava que o locador que se
ausentasse sem ser por motivo de doença ou força maior, seria sua ausência “tida
como fuga”, mais uma vez colocando a lei de 13 de setembro de 1830, como
balizadora do contrato de locação de serviços. Nas mesmas condições, porém
pondo os dois filhos como garantia de auxílio para a execução do tratamento do
cafezal, é o que firmou a escritura de 10 de março de 1879.
A exploração das necessidades imediatas do trabalhador foi objeto de acordos
visando ao mesmo tempo o trato do cafezal e o melhoramento do patrimônio, com a
concessão do direito do locador de realizar benfeitorias, como de casa para morada,
sem que houvesse a obrigatoriedade do proprietário de pagar por elas quando findo
o contrato. Fora isto, as limitações da quantidade de carreiras de milho, feijão e fumo
com o passar dos anos eram previamente acertadas, para que este benefício não
representasse ameaça ao cafezal. (ESCRITURA pública de 07/09/1879, 1º Tabelião
de Notas de Ribeirão Preto).
Outro traço marcante da formação de cafezais é a preocupação com o
aproveitamento do solo visando plantar o maior número de pés de café possível sem
que isto resultasse em ineficácia pela aproximação excessiva das covas. Um dos
muitos exemplos possíveis é a escritura de 23 de setembro de 1879, que
determinava o padrão de dezesseis palmos de distância entre cada cova para os
quatro lados uns dos outros. No geral, o espaçamento determinado entre uma cova
e outra variou de dezesseis a dezoito palmos de distância, condição que
racionalizou o espaço visando o maior plantio possível de pés de café.
104
Outra característica é o pagamento sempre após um ou dois anos transcorridos
os trabalhos de formação do cafezal e de trato dos mesmos, pois isto beneficiava o
proprietário, visto que, se por um lado lhe dava condições de melhorar sua
propriedade sob o amparo de não ter que pagar caso o locador da mão-de-obra
rompesse uma de suas regras, sobretudo a de abandono antes de dois anos, pelo
outro lhe dava ampla margem para obter o capital destinado aos pagamentos em
moeda corrente. Esta condição está presente nas cláusulas das escrituras de 22 de
junho de 1888, de 01 de março de 1889 e 28 de maio de 1890 e que, por sinal,
envolve pessoas diferentes em cada uma delas, o que sugere um padrão de regras
da classe dos proprietários de terras sobre a classe dos locadores de serviços
vinculados às práticas agrícolas. O destaque desta última escritura citada é que
mesmo incêndios ocorridos por qualquer causa seria responsabilidade do locador,
cláusula presente em outras escrituras, principalmente nas que envolviam mais de
dez mil pés de café.
3.4 O caipira ou o que se pensa do homem moderno ribeirãopretano
Odilon Nogueira Matos critica o fato de por muito tempo cada estado da
Federação ter conservado um compromisso historiográfico monotemático até as
primeiras décadas do século XX. São Paulo, particularmente, zelava pelo tema do
bandeirismo, cuja análise crítica permite-nos lembrar os milhares de índios
dizimados pelos bandeirantes em nome de interesses materiais destes “heróis”. De
acordo com o autor, isto ocasionou dois problemas: primeiro, “a ausência de obras
significativas para a história das cidades paulistas”, que muitas vezes mais se
preocupa em definir “nomes dos verdadeiros fundadores das cidades ou das datas
exatas de suas fundações”; segundo, “a ausência de obras didáticas ou de natureza
geral sobre a História de São Paulo”. (MATOS, 2006, p. 302-303). Se por um lado o
autor faz a ressalva de que graças ao desenvolvimento das dissertações de
mestrado somadas às teses de doutorado responderem ao primeiro problema, por
outro, o segundo permanece ainda sem solução. Tal fato tem o agravante de não
termos disponível ao público não-especializado um conjunto de obras que possa
105
colocar o leitor a par da realidade que os seus antepassados, e ele mesmo,
cotidianamente, ajudaram e ajudam a construir.
De toda forma, a cultura caipira não poderia resistir por muito tempo como
normatizadora da vida dos habitantes ribeirãopretanos em face do processo de
modernização iniciado na virada do século XIX e no decorrer do século XX. Alguns
fatores explicam o arrefecimento desta cultura popular e secular na cidade: a
valorização da impessoalidade, a secularização dos hábitos e a racionalização dos
negócios.
Desde o início do século passado, as ações pessoais visaram à afirmação dos
sujeitos como indivíduos de uma coletividade. O esforço de manter-se num círculo
mínimo, ao menos, de contatos sociais, levou os indivíduos a reforçarem seus
nomes perante o público. Isto é evidente nas linhas iniciais das escrituras públicas
quando era discriminado o nome das pessoas, profissão, estado civil, podendo às
vezes ser mencionado que era conhecido do tabelião e de todos.
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, este fato marcava a
impessoalidade das relações, já que mesmo os que não eram conhecidos
conseguiam firmar suas escrituras, pois o que importava principalmente não era ter
num primeiro momento o círculo social, o “conchavo” de algum tipo ou então ter
notoriedade perante o público, mas, sim, dinheiro para a efetivação dos negócios ou
a posse de um bem valioso para a época: a força de trabalho. Em outras palavras,
fazer parte de uma rede social poderia apresentar facilidades diversas nas esferas
públicas e privadas da vida, mas não substituíam o fator dinheiro e a capacidade de
produção quando se tratava de relações comerciais e/ou trabalhistas. Tanto foi
assim que com o passar das décadas a consideração “conhecido por mim tabelião e
de todos” progressivamente diminuiu, sinal de que a impessoalidade paulatinamente
conquistou o seu lugar em meio à modernização do campo interpessoal.
Outros tipos de negócios foram fazendo parte do cotidiano da cidade. Antes da
expansão da construção civil em áreas marcadamente suburbanas e rurais, já
expomos aqui que havia o comércio de alimentos praticado pelas famílias que se
dedicavam à lavoura cafeeira. O aumento populacional estimulou a criação de
armazéns que centralizassem a compra e venda destes produtos, além de ofertar
outros itens menos produzidos pela população suburbana, como botas, roupas e
ferramentas. A presença destes estabelecimentos comerciais denota a lenta
106
diminuição do contato direto entre o produtor e o comprador de gêneros agrícolas
residentes na cidade.
A consolidação da renda em Ribeirão Preto é em grande parte devedora da
associação da prática de negócios vinculada à agricultura e das atividades
comerciais voltadas à agricultura e às atividades comerciais voltadas à construção
de casas residenciais e comerciais, além do comércio varejista que, devido à
crescente amplitude da oferta de itens, averiguada nos anúncios dos almanaques,
como por exemplo, o de 1913, fazia com que não fosse necessário o deslocamento
para outros locais quando da finalidade de adquiri-los, revigorando assim o mercado
consumidor local, ao passo que atraía compradores de outras bandas, fato que
consolidava a cidade como pólo regional.
Durante este período, a influência do ritmo da vivência urbana sobre os
habitantes estimulou-os a adotar rotinas que eram exigidas no trabalho e no
cumprimento dos horários diversos: o da entrega de mercadorias nos
estabelecimentos comerciais, o da apresentação de espetáculos e outros
entretenimentos (este em menor medida por não ser acessível à maioria da
população). Até a batida dos sinos das igrejas da cidade, como já exploramos em
outro trabalho (SOUZA, 2003), continuava fazendo parte da vida dos munícipes, mas
agora concorria com outros demarcadores sensoriais da cidade, numa conjuntura de
acentuação das rotinas seculares a despeito das espirituais, a qual é marca própria
da cultura caipira, afeita às festividades, sobretudo de homenagem aos santos.
A união da impessoalidade com a secularização dos hábitos favoreceu a
racionalização dos negócios, pois a transformação espacial e cultural da cidade
forçou os habitantes a tecerem novos padrões de vida, enquadrando seu custo de
vida à renda familiar, possibilitando a manutenção regular de um consumo de bens
não-duráveis, como indica a presença de lojas que vendiam estes produtos. Dada a
concorrência interna entre os estabelecimentos comerciais e entre os trabalhadores
não-especializados, todos em busca da sobrevivência comercial e existencial,
adequar-se às exigências do mercado consumidor e/ou de trabalho era essencial
para a continuidade dos negócios e da vida. Como a vivência coletiva está
diretamente permeada pela sociabilidade decorrente do desenvolvimento de
trabalho (no sentido mais amplo possível), a racionalização dos negócios levou à
reprodução desse paradigma ao cotidiano dos habitantes ribeirãopretanos que, de
acordo com os novos tempos, passaram a ter hora para tudo, fenômeno da
107
transformação da cultura social caipira em marcadamente moderna, com a adesão
de modas, de costumes e de produtos que apoiavam-se nisto para fazerem-se mais
recorrentes dentro dos lares, das ruas e das praças, cujo sinal exemplar é o
consumo de almanaques.
A construção de ruas com macadames e de fachadas de lojas e casas
residenciais em conformidade com as modas arquitetônicas estrangeiras são
insuficientes na sustentação da morte do modo de viver caipira com sucessivo
advento de uma cultura moderna. Em Ribeirão Preto, a mobilidade dos limites
urbanos e rurais gerou a criação de uma expressiva área suburbana,
predominantemente situada onde antes se localizava o “Núcleo Colonial Antonio
Prado”. Neste, como já expomos, eram praticadas ações que se destinavam tanto ao
público urbano quanto ao rural. Bem assim, estas pessoas do antigo Núcleo
vincularam-se concomitantemente aos valores da “cidade” (denominação do
quadrilátero central até em época recente pelos moradores mais idosos) e aos do
campo. Acreditamos que esta posição intermediária geográfica e cultural, que
rapidamente passou para a área urbana com a incrementação de melhorias
arquitetônicas e de ferramentas públicas foi de fundamental importância para a
rápida assimilação de valores modernos, que justamente pela velocidade ocasionou
uma sociabilidade híbrida, de forte aparência moderna e tênue essência rural, que
assegurou aos valores trazidos pelos modistas, pelos trilhos e pelas mídias (jornais,
revistas e almanaques) um público garantido, cuja origem social e histórico familiar,
tendo em vista o usufruto de idéias e de produtos, pouco importavam como
balizadores de hábitos e de posturas individuais e públicas. Pelo exposto, cremos
que não houve historicamente uma nítida contradição entre ricos e pobres, urbano e
rural, caipira e moderno, mas um embricamento, uma interpenetração e influências
recíprocas, na qual pesava mais o elemento do binômio que aqui equivalia a um
maior status social, ou seja, buscar ser mais rico possível do que a si mesmo em
épocas anteriores, residir na área urbana ou mais próxima desta possível e adotar
ou então aparentar hábitos e posturas públicas modernas, consumindo produtos
vinculados a este valor, caso isto fosse possível financeiramente. Uma sociabilidade
guiada por estes nortes não era, portanto, afeita a um comprometimento com uma
organização visando à superação de interesses coletivos, haja vista a supremacia de
uma expectativa de melhoria do status social, via hipoteca da vida e dos valores do
presente visando reconhecimentos e benesses futuros, podendo ser realizável ou
108
mesmo somente uma especulação, principalmente por orientar-se a um tempo que
ainda não existia e, por isso, aberta ao melhor otimismo, bem ao gosto do sistema
capitalista, que nestas terras do café, tornava-se mais moderno por meio de
métodos arcaicos, como o empobrecimento daqueles que não conseguiam inserir-se
nas necessidades exigidas pelo mercado, ou por não terem profissionalização ou
por resistirem às imposições do processo modernizador por motivos de âmbitos
diversos.
3.4.1 Nos rastros da história
“No planalto abriam-se cinco outras estradas, todas herdeiras de caminhos traçados nos séculos anteriores. Uma delas corria em direção ao Vale do Paraíba do Sul, no trajeto para o Rio de Janeiro. Outra cruzava a serra da Cantareira e alcançava Bragança, de onde era possível chegar ao sul de Minas Gerais. Uma terceira se dirigia até Franca seguindo o curso do Caminho dos Guaiases, que conduzia aos garimpos de Goiás através do Triângulo Mineiro. Uma quarta estrada avançava quase paralelamente ao rio Tietê até Piracicaba, passando por Itu e Porto Feliz, o antigo embarcadouro das canoas das monções para Mato Grosso. A quinta estrada do planalto estendia-se em direção a Sorocaba, de onde se podia alcançar a atual Itapeva, acesso às regiões meridionais.” (ÉRNICA, 2005, p. 12).
Séculos atrás, a abertura do caminho do Sul, onde hoje é o Rio Grande do Sul,
até São Paulo possibilitou a cooperação da economia da criação de gado de corte e
de tiro com as economias mineradoras, açucareira e, por fim, cafeeira. São
conhecidos, diz ZEQUINI e SILVA (2005, p. 46) os casos de João da Silva Machado
e Antonio da Silva Prado, que por meio desta atividade conseguiram o título de
Barão de Antonina e Barão de Iguape, respectivamente. A busca de poder
econômico, agraciada por títulos concedidos pela hierarquia já constituída, portanto,
vem de longa data.
Havia diversos personagens envolvidos no tropeirismo. Chamava-se tropeiro ao dono da tropa, aquele que assumia a iniciativa da venda de bestas ou do transporte de cargas. Ele era também o intermediário de outros negócios, o transmissor de notícias e recados, o conselheiro de fazendeiros em vários empreendimentos. Assim, os ganhos proporcionaram a muitos deles a compra de terras, a aplicação de capitais em outras atividades e a ascensão social. (ZEQUINI; SILVA, 2005, p. 44)
109
O declínio da feira de muares em Sorocaba teve início a partir de 1860. Com a
implantação da malha ferroviária no estado de São Paulo, o tropeirismo tornou-se
uma prática decadente, sendo a última feira realizada em 1897. (ZEQUINI, SILVA,
2005, p. 47). O efeito mais marcante do tropeirismo foi o surgimento de povoados,
mas Ribeirão Preto não teve esta origem. Esta cidade é fruto direto do encontro de
correntes mineiras com as de ocupação extensiva de pessoas que para esta área
vieram ao encontro da “onda verde” que primeiro atingiu o Vale do Paraíba, indo
depois para Campinas, em sentido norte, e depois oeste.
Durante este processo de ocupação, os cafeicultores vincularam-se aos
traficantes de escravos. Fora o plantio do café, praticavam o comércio de produtos
de importância direta para a manutenção da vida e das práticas agrícolas.
Cafeicultura, escravidão e precoces relações comerciais marcaram o século XIX no
Estado de São Paulo.
A expansão da lavoura cafeeira no Brasil se deu pela valorização do produto no mercado externo. O consumo do café, uma bebida muito estimulante, se difundiu na Europa e nos Estados Unidos entre as camadas populares, ampliadas em decorrência da Revolução Industrial. Nessas regiões, o fator climático impedia o seu cultivo. A demanda já era grande no final do século XVIII, aumentado ainda mais nas décadas seguintes. Diversas condições se associaram para fazer de São Paulo, no século XIX, o maior produtor de café do país: clima quente e úmido, terras férteis cobertas por vasta vegetação (ainda por ser derrubada), estrutura agrícola de exportação já organizada em decorrência do açúcar, comunicação com um bom porto de escoamento, estoque de mão-de-obra escrava e fazendeiros experientes para aumentar a produção. (CAMARGO, 2005, p. 21).
Em alguns países durante o século XIX, ou mesmo em algumas cidades
brasileiras, era difundida a visão de que a modernidade era representada pela
presença de indústrias. Nas terras do café, a modernização apresentava-se no uso
de técnicas de secagem mais rápida dos grãos, inclusive com uso de linhas de trens
particulares para levar as sacas aos terminais das estradas de ferro para, por
conseguinte, encaminhá-las até Santos e então abastecer a Europa e os Estados
Unidos, então maiores consumidores e compradores do produto brasileiro.
Leis contra a escravidão, proibição da entrada de escravos vindos do tráfico no
país (Euzébio de Queiroz de 1850), Lei Rio Branco ou do Ventre Livre (1871), Lei
dos Sexagenários e proibição do tráfico interprovincial (1885) e a Lei Áurea (1888)
podem ser tomadas como medidas tomadas a conta gotas para a definitiva
eliminação da escravidão, ao passo que tentava, com contratempos, valorizar o
110
trabalho livre e assalariado, mediante a pressão interna (movimento abolicionista) e
externa (Bill Aberdeen, lei aprovada na Inglaterra que permitia a livre ação da
marinha inglesa para impedir a chegada de escravos no continente americano). Mas
estas tentativas foram alvo de merecidas críticas.
Em 1854, Thomaz Davatz e outros colonos que trabalhavam na Fazenda
Ibicaba, de propriedade do senador Vergueiro, revoltaram-se contra a exploração
sofrida por meio da cobrança abusiva de itens adquiridos no armazém da fazenda, já
que o recebimento de salário só se daria com a partilha do lucro após a venda da
produção de café entre os imigrantes e o fazendeiro, esquema fundamentado na
chamada parceira, mas que na verdade comprometia os ganhos do colono por não
lhe dar a liberdade de comprar mantimentos onde estes fossem mais baratos.
(CAMARGO, 2005, p. 37).
Fora a falta de maleabilidade dos grandes proprietários rurais para com os
trabalhadores livres, especialmente para com os imigrantes, não devemos deixar de
pontuar que as exigências contratuais sobre os colonos nesta época mostram o
quanto estes tinham que ser polivalentes para a manutenção dos contratos firmados.
Grande parte dos contratos (conforme vimos alguns exemplos em Ribeirão Preto
durante o período proposto) previa a obrigatoriedade da construção de casas para
eles mesmos habitarem, a viabilização de roças de subsistência e de cercados para
a criação de animais, de tal forma que estes não oferecessem riscos à lavoura,
principalmente dos pés de café cuja produção seria entregue ao contratante. Como
a idade dos pés de café representava maior produtividade quanto maior fosse a sua
idade, evitar replantios era fundamental para se ter maiores lucros ao fim do
contrato, que geralmente era de quatro anos.
Destarte, não havia no Brasil, quando se fez imprescindível importar braços no
auxilio da lavoura tratada até então pelos escravos, uma abertura real e oficial dada
pelos poderes públicos para que os trabalhadores de todas as origens, desde que
livres, pudessem pela poupança e esforços diários ter acesso às suas próprias
terras. A origem dos termos caipira e caiçara em parte explica o porquê muitos
homens livres da história brasileira foram socialmente chamados de caipiras:
Os habitantes originais da região das duas capitanias [São Vicente e Santo Amaro] dividiam-se em grupos diferenciados: os da serra abaixo (litoral) e os de serra acima (interior). Ambos falavam línguas da família lingüística tupi-guarani, que mais tarde seriam codificadas pelos jesuítas nas chamadas “línguas gerais”. Por meio delas, identificava-se todo morador do
111
litoral como kai-ñ-çará e o do interior como kai-ñ-pirá. Eis as designações primitivas dos termos “caiçara” e “caipira”. No planalto, relativamente isolado do restante da colônia, desenvolveram-se práticas culturais diferenciadas de uma sociedade peculiar, na qual era comum um modo de vida chamado de caipira. Os que partilhavam esse modo de vida eram mamelucos, uma mistura evidente de aparência física, hábitos e maneira de ser de índios e dos europeus. Mameluca é a gente, e caipira é a sua cultura, lembra o professor e critico Antonio Candido. (FRANCISCO, 2005, p. 17).
Devido às poucas possibilidades de ascensão social e mesmo de vida digna
aos trabalhadores livres da história do Brasil desde a época colonial, percebe-se não
só os índios que habitavam as áreas afastadas do sistema de plantation foram
socialmente designados de caipiras. Outro aspecto da vivência caipira, porém no
âmbito da cultura religiosa, sai das dificuldades materiais e vincula a satisfação das
carências por meio da apresentação destas ao sagrado, como forma de enfrentar as
múltiplas dificuldades da vida. Isto fez com que a vivência cotidiana fosse
transformada numa experiência de fé e de sabedoria influenciadas pelo divino. A
vida moderna dessacralizou os hábitos existentes, sem, no entanto, desencantar
totalmente o indivíduo envolto na cultura predecente.
Para o caipira, o Deus dos cristãos é o grande juiz, a fonte de onde emana a justiça divina e que permeia a justiça dos homens. A crença na Virgem Maria e nos santos católicos junto a Deus orienta, limita e ordena sua vida. O homem do interior desenvolve, assim, inúmeros sinais e práticas que aos poucos formariam sua cultura material e imaterial; não se levanta sem se benzer, não se reage às pequenas coisas do dia-a-dia sem exclamações que invoquem o santo protetor, não se deixa o dia de São João passar sem se plantar um ramo de alecrim. O povo caipira procura constantemente a intervenção do curandeiro em sua vida. (FRANCISCO, 2005, p. 27).
O plantio do milho, do feijão, da mandioca, culturas de subsistência caipira,
desvinculadas a principio do circuito mercantil, tornaram-se posteriormente em
gêneros agrícolas fundamentais, por alimentar os trabalhadores, os proprietários e
até os animais deste. Pela importância destes alimentos na história brasileira,
podemos perceber, tendo em vista as escrituras públicas firmadas em Ribeirão Preto
durante o período estudado, que não há modernidade e arcaísmos persistentes na
vida cotidiana, há, entretanto, a possibilidade destes se amalgamarem devido à ação
racional visando à finalidade de encetar nas terras do café um contínuo processo de
modernização.
Sabemos que houve um afastamento da herança de matriz caipira e de
aproximação e culto aos valores da vida moderna, marcadamente urbana e
112
orientada pelos paradigmas europeus. Porém, o consumo de itens relacionados ao
viver moderno não transplanta na pessoa uma cultura que não estava internalizada
nela paulatinamente ao longo da sua vida. A receptividade da negação ao modo de
viver e de pensar caipira pode ser historicamente notada pelo sucesso da crítica feita
por Monteiro Lobato valendo-se do caricato Jeca Tatu. Se atualmente a cultura
caipira não é tão combatida, deve-se ao fato dela ter sido assimilada pelo sistema
capitalista, transformando-a parcialmente em produto, em mercadoria cultural,
proporcionando rendoso lucro a homens bem modernos, por ações determinadas a
valores racionais voltadas a fins materiais. Não queremos dizer que a totalidade dos
elementos que compõem a cultura caipira (língua, tradições, religiosidade, culinária e
etecétera) não esteja preservada da manipulação mercadológica, mas sim que muito
do que se apresenta como caipira é mais tipo, visando a assimilação pelo mercado,
do que de defesa desta cultura tradicional, como, por exemplo, os sem-números de
duplas sertanejas, de hábitos e valores citadinos, mas de fala com “r” retroflexo
algumas vezes artificial, como se o porte de uma característica caipira remontasse a
inserção em toda uma concepção de mundo.
Acreditamos que toda cultura é viva, pois tudo o que a humanidade produz é
cultura. A diversidade entre os homens promove a diversidade cultural. Presente em
cada um, a cultura se transforma acompanhando as alterações políticas,
econômicas e sociais das pessoas. Contudo, não devemos confundir a defesa de
valores tradicionais, patrimônios imateriais de um povo com manifestações
socioculturais criadas no objetivo primeiro e último do lucro, usurpando muitas vezes
os valores populares, conforme os ditames de um grupo minoritário, avesso,
portanto, à construção coletiva ao longo do tempo, delineador, grosso modo, da
cultura de massa da cultura popular, respectivamente.
A mudança da preferência pelo título de doutor ao invés de coronel aponta para
a valorização dos títulos honoríficos relacionados à urbanidade, sinal de que os
prestígios decorrentes da propriedade e poder vindos da área rural não tinham mais
o poder social de outrora.
A construção de casas com uso de técnicas rudimentares e matérias-primas
simples foi bastante difundida no território paulista desde a época colonial. Segundo
Paulo César Garcez Marins (2005), a difusão deste tipo de moradia deu-se por meio
de duas técnicas. Uma era a taipa de pilão, que
113
[...] consistia em socar terra com pilões de madeira dentro de formas, em camadas superpostas, até a formação de uma parede [...], precisava apenas ser protegida das chuvas, que tinham o poder de dissolvê-la lentamente. [A outra era a técnica do pau-a-pique] também chamado de taipa de mão, ou de sopapo, consistia basicamente em um entrecruzamento de paus roliços ou cortados, formando uma superfície depois preenchida com barro. A técnica, que propiciava construções bem mais frágeis que as de taipa de pilão, era a mais utilizada nas casas populares. (MARINS, 2005, p. 13).
Já os tijolos cozidos ou secos ao sol, chamados de adobe, eram menos
difundidos, possivelmente devido ao fato de exigir um complexo produtivo como
“terreno barreiro”, olaria e forno, empreendimento que para ser efetivado demandaria
um mercado consumidor prévio que, em caso negativo, inviabilizaria sua montagem
por representar um risco de perda de capitais aplicados por falta de mercado
consumidor.
Durante o período em que nos propomos analisar, observamos o relato de
casas com coberturas de palha e de telhas feitas de barro. As primeiras indicando a
presença da influência indígena, ou mesmo da precariedade de recursos (conforme
o período em que se insere) dado a existência da outra cobertura feita de barro,
típica da colonização portuguesa mais abastada e, em período posterior, da ação
voltada à produção de um material mais resistente às chuvas e ao tempo em geral, o
qual valorizou o patrimônio que detinha esta cobertura e gerava a demanda
fundamental em qualquer ramo produtivo e comercial.
No início do século XX, a desigualdade social criou empecilhos de ordem
cultural como, por exemplo, a inacessibilidade à escola para a maioria da população
a fim de obter educação formal, pois neste ínterim o estudo era um patrimônio
acessível aos grupos sociais que tinham maiores condições financeiras, pois, ainda
que público (sobretudo no ginásio), as taxas e outros pré-requisitos impediam a sua
generalização às pessoas em idade escolar, o que dificultou a livre
operacionalização das leis e dos mecanismos legais para a exigência da justiça,
entendida aqui como equiparação legal por um mal sofrido. As barreiras de diversas
ordens comprometiam o sentimento do povo de viverem numa sociedade que se
dizia moderna e democrática, salvo quando era possível o consumo de bens não-
duráveis.
Ao menos até o final da primeira metade do século XX, a presença marcante
do cultivo do milho e de raízes manteve uma tradição significativa na história de
Ribeirão Preto. Esta prática nos remete à ação dos bandeirantes que, para suportar
114
os desafios naturais do sertão, valiam-se da prática da culinária indígena para
obterem sucesso nos seus empreendimentos. A “civilização do milho”, termo
precioso para o entendimento do nosso passado e que foi difundido por Sergio
Buarque de Holanda em Caminhos e Fronteiras, encontrou abrigo na vivência dos
caipiras e, em seguida, na dos imigrantes envolvidos na lida da terra e que foram os
seus perpetuadores em pleno início do século XX.
Vale destacar que havia a cultura do milho e de outros alimentos praticada por
moradores da área antes da cultura intensiva do café e outra cultura dos mesmos
alimentos, mas inserida em relações contratuais tituladas “colonato”.
Comparativamente, as duas culturas e o trabalho para mantê-las possuíam ritmos
próprios embora igualmente tenham marcado a onipresença do milho nas terras que
depois dariam origem à cidade de Ribeirão Preto. Num passado nem tão distante,
importante não nos esquecermos deste fato, havia nesta região tribos indígenas,
responsáveis inicialmente pela existência prévia da cultura alimentícia debatida.
Por ser intimamente propiciadora da manutenção da vida, a cultura indígena
relacionada à subsistência obteve mais receptividade e apreço dos europeus e seus
descendentes (das primeiras e das últimas levas aqui chegadas) ao contrário de
outros traços das comunidades indígenas que antes predominavam no espaço
geográfico. Essa menor resistência a este traço inerente, no caso, a cultura do índio,
ressalta a força do patrimônio imaterial na sociedade: “Os traços culturais indígenas
ligados à alimentação seguramente permaneceram mais no cotidiano dos paulistas
que a arquitetura ou as formas nativas de vestir. Nesse aspecto, as heranças
européias se impuseram, ainda que com adaptações.” (MARINS, 2005, p.15).
Paulatinamente, passou a haver a racionalização também na maneira sistemática de
se plantar, especialmente dos pés de café. Pode-se sentir isto por meio das
recomendações acerca das distâncias em palmos entre os pés e a exigência de
certa profundidade de plantio destes.
Assim, é compreensível entender o porquê numa conjuntura econômica
marcada pela racionalização dos negócios, a redução de custos e a busca da
eficiência no cumprimento dos contratos eram valores obrigatórios para manter-se
no mercado. Por isso, modernizar o sistema de transporte foi uma decorrência
natural da inserção do Estado de São Paulo na economia internacional por
intermédio do plantio e das exportações do café. Superar a dependência dos
caminhos seculares abertos no período colonial atrairia não só mais capitais como
115
também pessoas para se ter mais capital pela distância proposital entre os lucros
pretendidos e os custos salariais inevitáveis. Trocar o lombo das mulas pelos vagões
das locomotivas assegurou a continuidade das vilas já existentes e dinamizou outras
que eram beneficiadas pela proximidade dos trilhos, como, por exemplo, da Mogiana
em relação à praticamente recém-formada Ribeirão Preto.
De acordo com a definição abaixo, as características que auxiliaram a então
“São Sebastião do Ribeirão Preto” a se tornar uma cidade, concomitantemente
foram assimiladas e difundidas pela sua população, estimulando-a a vencer suas
ambigüidades existenciais, tornado-se ela mesma em educadora, em campo de
possibilidades, de reflexo da cultura caipira e moderna associadas.
Que é a cidade? – Um lugar de trocas. Trocas materiais antes de tudo: o lugar mais favorável à distribuição dos produtos da terra, à produção e distribuição dos produtos manufaturados e industriais e, enfim, ao consumo dos bens e serviços os mais diversos. A essas trocas materiais ligam-se, de maneira inseparável, as trocas do espírito: a cidade é por excelência o lugar do poder administrativo, ele mesmo representativo do sistema econômico, social e político, e é, igualmente, o espaço privilegiado da função educadora e de um grande número de lazeres: espetáculos e representações que implicam a presença de um público bastante denso. (AUZELLE citado por SCARLATO, 2008, p. 398).
117
4.1 Ribeirão Preto e Franca: similaridades e distinções dos aspectos da sua
formação.
Dissemos acima sobre a interligação de parte da história de Ribeirão Preto com
as cidades circunvizinhas, e antes de nos determos mais a esta, optamos por
destacar uma frase do texto titulado como “Capitalismo tardio e Sociabilidade
moderna” de João Manuel Cardoso de Mello e Fernando A. Novais, referente à
realidade dos brasileiros em meados de 1950 e 1970 que não participavam dos
benefícios oriundos das transformações do país, as quais fariam deste o país do
futuro:
As poucas crianças que freqüentavam a escola, mal aprendiam a ler e a escrever. Não se julgava necessário; e era preciso trabalhar logo, auxiliar os pais. O homem passava à vida adulta pelo trabalho, aos treze, catorze anos; a mulher, pelo casamento, entre treze e vinte anos. (MELLO; NOVAIS, 1998, p. 576).
Ao mencionar esta situação como averiguável tanto num minifúndio do sertão
nordestino quanto num pequeno sítio de caipiras em São Paulo, os autores visaram
a apontar as relações que áreas díspares partilham, devido às aproximações que
envolvem a luta pela sobrevivência das pessoas. A partir deste viés, destacaremos a
história de Ribeirão Preto e de Franca, respectivamente, para, em seguida,
promover um balanço crítico destas histórias próximas e singulares, à luz das idéias
de Fernando Pedrão.
Em “Memória Arquitetônica em Ribeirão Preto: planejamento urbano e
política de preservação”, dissertação de mestrado de Valéria Valadão defendida
nesta casa, a autora remonta a história de Ribeirão Preto a partir da rota crida pelos
bandeirantes e que, como a maior parte das cidades brasileiras, buscou a
legitimação por intermédio da Igreja.
Além da formação de um capital para servir de meio de aquisição de um
terreno em nome de São Sebastião e que seria administrado por um representante
da e para a Igreja, esta instituição religiosa exigia, não obstante, que o tipo de
terreno necessário para se instalar a matriz fosse alto e plano, para se ter um forte
destaque na paisagem; e isto, segundo Valadão, condicionou de certa forma o
tecido urbano.
118
Somados à religião, fatores de ordem econômica exerceram influência ao longo
da consolidação de Ribeirão Preto, até que de vila esta fosse elevada à categoria de
cidade em 1º de abril de 1889, e isso era resultado direto da cultura do café.
A transformação urbana decorrente da implementação comercial da cultura do
café fez com que houvesse o prolongamento das ruas e travessas existentes,
quando algumas delas, já contando com calçamento de pedras, possibilitou que
surgissem novos estabelecimentos comerciais, como, por exemplo, hotéis e
restaurantes. (VALADÃO, 1997, p. 37). Por um lado podemos entender este fato
como os primeiros passos da prestação de serviços em Ribeirão Preto e, por outro,
a “mercantilização de tudo”, (expressão de Immanuel M. Wallerstein), a qual bem
explica a produção e contenção de capitais a partir da comercialização de princípios
básicos de existência: comer, beber e dormir. Ou seja, ainda que as pessoas
estivessem dormindo, a cidade já estava mercantilizando o seu sono. Em vista disto,
já na virada do século XIX para o XX, o bairro Centro polarizava e centralizava todas
as atividades sociais, serviços públicos, prestação de serviços e comércio, por isso
era o local privilegiado para construção de residências urbanas.
Mencionamos o bairro Centro. Isto se deve à existência de outros dois bairros:
o das Palmeiras e o Santa Cruz, que neste ínterim eram os bairros já devidamente
assimilados legalmente à malha da cidade. Contudo, a autora pontua que foi a
criação do Núcleo Colonial Antônio Prado que reordenou a malha urbana de
Ribeirão Preto, pois mesmo que a princípio aquele fosse suburbano, a dinâmica do
trânsito de produtos e de pessoas entre o Núcleo e a “Cidade” (o bairro Centro), fez
com que rapidamente este fosse incorporado à malha urbana do município.
Durante o processo de transformação da paisagem urbana, a autora destaca
que as falhas legais de demarcação de território havidas no passado facilitaram o
enriquecimento fácil de antigos proprietários, que se valeram do alto valor do metro
quadrado, gerado pelo interesse de instalação de algumas empresas, não só em
vista da oferta de mão-de-obra dos moradores do ex-Núcleo Colonial Antônio Prado,
mas também pela presença da linha férrea que interligou a cidade aos demais pólos
econômicos da região sudeste e, nesse sentido, do país.
O desenvolvimento econômico influenciou a arquitetura da cidade. De acordo
com Valéria Valadão, o conceito de modernidade européia chegou a Ribeirão Preto
por meio da construção civil, gerando a edificação de prédios comerciais, com efeito,
119
concatenado ao aumento do número de construções com finalidade especulativa e,
assim, com sobrevalorização dos preços, face ao aumento da carestia de moradia.
A existência de mercado aberto por esta demanda estimulou a formação de
olarias nos bairros marginais (fato confirmado pelas escrituras públicas por nós
analisadas) e isto, somado à precariedade de parte dos habitantes destas áreas e à
oferta de materiais de construção oriundas das cidades de Tambaú e São Luís,
serviam como itens privilegiados para o aumento quantitativo e qualitativo da
construção e de reformas dos palacetes no bairro Centro.
Em linhas gerais, depois de analisar os aspectos arquitetônicos do Centro em
contraposição aos demais bairros, a autora finaliza apontando novas perspectivas
de memória arquitetônica, tal como o Cemitério da Saudade, situado nos Campos
Elíseos (outrora integrante do Núcleo Colonial Antônio Prado), o qual abriga pessoas
falecidas desde as últimas décadas do século XIX e cuja estatuária é verdadeira
obra de arte em mármore e bronze. (VALADÃO, 1997, p. 196). Se tal memória não é
levada em consideração, esta pontua, é porque na cidade prevaleceu a importância
da celebração em detrimento da memória, e porque a partir da nossa pesquisa
percebemos que o bairro é tratado como medida de valor pelo que é na atualidade e
não pelo que representa na história da cidade. (SOUZA, 2003).
Quanto à história de Franca, cidade constituída a aproximados cem
quilômetros de Ribeirão Preto, utilizamos o texto “Fragmentos de um modelo: a
pequena propriedade no complexo cafeeiro (Franca/SP: 1890-1914)”, dos autores
Pedro Geraldo Tosi, Rogério Naques Faleiros e Rodrigo da Silva Teodoro. Para
melhor problematizar a análise da formação deste município, os autores lançam uma
pergunta: como se constituiu a economia cafeeira numa realidade marcada pela
pequena e média propriedade? (TOSI et al, 2006, p. 4).
Inicialmente os autores explicam as particularidades geográficas do território,
tal como o predominante lato-solo vermelho-amarelo fase arenosa que, ao contrário
da terra roxa (predominante em Ribeirão Preto), não apresentava grande fertilidade
para a cultura do café.
Mesmo para os fins que são visados nesta dissertação de mestrado, é
fundamental a busca de um consenso sobre o conceito colonato, o qual é entendido
pelos autores, levando em consideração os trabalhos de Verena Stolcke, Thomas
Holloway, Brasílio Sallum Jr. e José de Souza Martins, como combinação de salário
anual, ganhos por empreitada e acesso às lavouras de subsistência, sendo as duas
120
primeiras de ordem monetária e a última como paliativo para rebaixamento de
salários (TOSI et al, 2006, p.5).
Para ilustrar a prática desta combinação, os autores explanam que geralmente
o colono cuidava dos novos pés de café por quatro ou cinco anos, com direito a
produzir alimentos, já que o café neste período não produz com todo potencial.
Contudo, é destacável que os fazendeiros tinham preferência de compra destes
alimentos, impedindo-os de atuarem livremente no mercado, o que significava uma
margem de lucro para o proprietário mesmo durante o período de formação do
cafezal. Em outras palavras, a expansão da fronteira era fundamental na produção
de alimentos e acréscimo de ganho para os colonos.
Para melhor compreender a expansão da pequena e da média propriedade, os
autores apontam que se deve levar em consideração que o colonato exigia a
expansão da fronteira, bem no período da política deflacionária que levou parte da
elite econômica do país à falência, entre 1898 e 1905, dentre eles o cafeicultor. Foi
assim que entre 1906 e 1915, em Franca, as famílias de origem espanhola e italiana
que detinham algum capital, e um grande número de membros familiares, puderam
ter acesso a terra, ainda que estas propriedades tivessem pequenas dimensões.
Neste contexto, destaca-se o funcionamento do sistema de crédito em Franca,
no qual se destaca a figura do comissário. Durante o período supramencionado, no
qual havia um maior grau de restrição ao crédito, a continuidade da expansão da
lavoura cafeeira dependia da concessão do comissário e do grau de endividamento
antes do arrocho financeiro do país. Alterar as relações de trabalho do colonato para
a parceria era uma alternativa, e tinha por finalidade repassar a perda do valor da
saca de café para o trabalhador, mas não era método infalível neste novo panorama
da atividade cafeeira, uma vez que a propriedade da terra já não era exclusiva dos
grandes proprietários.
Em vista da luta pela sobrevivência, as pequenas e médias propriedades
cafeeiras, a princípio pautadas no colonato e depois administradas em parte no
âmbito familiar, desempenharam atividades voltadas para a subsistência e,
secundariamente, para o mercado. Se por um lado estas propriedades agregavam
atividades menos lucrativas, por outro tinham o destacável poder de garantir a
sobrevivência das pessoas envolvidas.
A partir da experiência gerada pelas pesquisas individuais dos autores, estes
concluem seu texto alertando para a riqueza de dados existentes nos livros
121
cartoriais, que melhor promoveriam o debate acerca da acumulação de capitais, da
sociabilidade e do processo de modernização das cidades, especialmente do
complexo cafeeiro.
Antes de explanarmos as inter-relações dos textos privilegiados aqui nesta
análise comparativa sobre a história de Ribeirão Preto e de Franca, nos
dedicaremos a realçar os pontos mais relevantes do texto de Fernando Pedrão,
“Tendências históricas e vontade política na formação espacial do Brasil” (2000).
Segundo Pedrão, é necessário retomar o planejamento político das cidades
brasileiras e, se é preciso retomar, é porque essencialmente há um problema de
coordenação de políticas, que não pode ser relegado a um plano meramente
operativo, pois a própria coordenação constitui um objeto de política. (PEDRÃO,
2000, p. 157). Em vista disto, inferimos que se há um problema de coordenação de
políticas voltadas à cidade, isto não é elemento só da sociedade atual, mas daquela
a qual nós nos propusemos a apreender neste estudo, e isto se dá, segundo nossa
compreensão, porque há um conflito de interesses de múltiplas ordens, tal como a
dos indivíduos entre si, das classes entre si (tanto no sentido marxista, dos
detentores dos meios de produção versus os trabalhadores, quanto no sentido
weberiano relacionado às profissões).
Tal como Valéria Valadão afirmou no seu trabalho em relação à Ribeirão Preto,
o autor diz que perda de memória é inerente a toda população brasileira. Contudo,
aprofunda a crítica ao sustentar que é justamente por isso que a presença de
corrupção nas estruturas de poder é muito recorrente, já que a desvalorização das
experiências do país limita a capacidade de julgar opções criativas e pertinentes de
política.
Para agravar este quadro de agressão do domínio do “bem público”, afirma
Pedrão que o capitalismo tardio surgido no Brasil do século XX é fruto da
acumulação de capital e de concentração resultante das relações com as empresas
e destas com o governo (e não com o Estado). A diferenciação apresentada justifica-
se, segundo Pedrão, devido à transitoriedade das relações de influência entre os
capitais privados e as esferas públicas, representadas por um grupo eleito numa
vigência determinada, do qual se esperaria o resguardo do bem público e não do
interesse minoritário. (PEDRÃO, 2000, p.159-161).
O resultado da industrialização tardia foi deixar em aberto três aspectos
fundamentais da relação das cidades entre si e da relação das regiões,
122
respectivamente: gestão da infra-estrutura, formação de recursos humanos em
número e em composição e a formação de um estilo regional que contemple as
necessidades e pretensões do sistema atual e atenda aos requisitos da gestão
política do processo.
A pretensão modernizadora do Brasil ao longo das décadas fez com que os
governos atuassem diretamente em algumas regiões, visando a ocupar novas áreas
que, para tanto, dependiam do investimento público, de implantação de infra-
estrutura e de concentração demográfica. Isto tornou o processo de modernização
brasileiro problemático porque a dinâmica das migrações internas confundiu os
lugares de crescimento da população urbana com áreas de desenvolvimento
produtivo capaz de assimilar estas pessoas. O resultado foi muitas vezes a
marginalização desta população, mantida nas cidades em condições mínimas de
sobrevivência, sustentadas não raro pela informalidade. (PEDRÃO, 2000, p.164-
166).
Mediante estas carências que de maneira distinta atingem as áreas urbanas e
rurais diz o autor que a superação das dificuldades também está no âmbito da
diferenciação entre uma visão central e a compreensão das próprias regiões:
equipamentos físicos e investimento em capacidade instalada nas áreas centrais e
investimento em recursos humanos, educação e cultura nas áreas regionais. Ainda,
segundo Pedrão, deve-se reconhecer o planejamento como atividade social que
exige um diálogo organizado. Sua dificuldade consiste num maior ou menor grau de
identificar prioridades que, por sua vez, é um modo de trabalhar com os interesses
dos grupos sociais envolvidos nesse processo. (PEDRÃO, 2000, p.167).
Esta problemática já foi abordada em Ribeirão Preto pelo trabalho de Rodrigo
Ribeiro Paziani, o qual elucidou que o rápido processo de urbanização havido em
Ribeirão Preto valeu-se, muitas vezes, justamente da falta de diálogo e de consenso
das vozes sociais. Este autor nos diz:
A inexistência de um quadro de doutores no interior da Câmara Municipal – espaço político apropriado privadamente pelos coronéis, majores e capitães ligados às famílias Schmidt e Junqueira – e o número incompatível desses homens dotados de competência administrativa e talento político com o estado de urbanização da cidade, possibilitaram a Macedo Bittencourt [prefeito da cidade de 1911 a 1920] atuar com relativo sucesso nas campanhas de erradicação da epidemia de febre amarela em 1902 e rapidamente inserir-se no universo prestigiado e influente das elites ribeirãopretanas, ilustres personalidades públicas no município e na capital paulista. (PAZIANI, 2004, p. 306, grifos do autor).
123
Concordamos com a linha de raciocínio de Pedrão, segundo a qual o
esgotamento do desenvolvimentismo forçou o rebaixamento dos parâmetros triviais
de existência e, segundo o autor, realocou o país na condição de membro
secundário da economia global, ainda que para não piorarmos nossa participação
tivemos que incorporar dezoito milhões de hectares de Cerrado. Já o perfil espacial
criado pela industrialização tardia estabeleceu novos usos potenciais dos conjuntos
multimodais, a despeito das condições geográficas do país. Destarte, conclui que a
estrutura territorial do país ficou dependente da relação de segmentos de capital
técnico e financeiro mais avançado, geralmente associado com capitais
estrangeiros. (PEDRÃO, 2000, p.168-169).
Vale explicar que apesar das obras supramencionadas terem propósitos
distintos, foram aqui reunidas para que pudéssemos promover a reflexão acerca do
fenômeno urbano brasileiro ao longo das décadas. Mediante este ponto, destaca-se
o papel do historiador, na medida em que este pode dar o devido peso às causas
que fizeram com que a realidade brasileira fosse demasiadamente excludente nos
tempos atuais.
Bem assim, devemos nos atentar que a razão dualista, pobreza e riqueza,
estudada por Francisco de Oliveira em “Crítica à razão dualista: o ornitorrinco”
(2006), longe de ser um empecilho no nosso processo de modernização, é, na
verdade, elemento primordial para que esta estrutura antagônica e tão interligada
abasteça sua própria contradição, com o grave efeito de beneficiar
desfavoravelmente apenas um lado, aquele que reprime e explora a mão-de-obra.
O estudo da história de Ribeirão Preto e Franca enriquecem o debate por
apontar que com estruturas fundiárias particulares, com tipos de solo diferentes e
relações sociais peculiares, tiveram não obstante a luta pela sobrevivência da
população carente como agente dinamizador das transformações espaciais e
econômicas, com destaque para o fato da “mercantilização da vida cotidiana”
ocasionar redefinições de valores sociais, comerciais e ocasionar o surgimento de
oportunidades não antes vislumbradas, tal como a expansão da rede de prestações
de serviços, em Ribeirão Preto, e a formação de pequenas e médias propriedades
industriais trabalhadas movidas em âmbito familiar, em Franca.
Longe de serem excludentes, os desenvolvimentos destas cidades interagiram
entre si, com maiores favorecimentos a Ribeirão Preto face ao seu contato mais
freqüente com o mercado de financiamento, proporcionado pela maior conexão junto
124
ao mercado internacional. Todavia, este relacionamento integrou um contexto
espacial mais amplo: o complexo cafeeiro.
4.2 O papel da educação em vista da racionalização das posturas de vida
Por meio do Almanach Ilustrado de Ribeirão Preto foi possível conhecermos
um pouco mais como sobre as instituições de ensino existentes na cidade até a
época da publicação desta fonte, que foi o ano de 1913.
Informa-nos a publicação que a instrução primária era realizada pelo Grupo
Escolar Dr. José Alves Guimarães Júnior e por escolas particulares de ensino, cujos
principais, no julgamento dos editores do almanaque, eram: Collegio Progresso,
Externato Agostiniano, Curso Nocturno, Collegio Rodrigues, Collegio Methodista,
Escola da Sociedade Amiga dos Pobres, Curso Especial, além de escolas mantidas
por entidades italianas, como a “Dante Aleghieri”. É dito ainda que a cidade contava
com dois ginásios, um de caráter oficial, mantido pelo Estado e outro denominado
“Rio Branco”, de iniciativa particular. (ALMANACH, 1913, p. 25-26).
Para uma cidade que reivindicava o status de cidade moderna e amiga do
progresso, contar com uma rede mínima de instituições de ensino era fundamental
para dotar os discentes e futuros cidadãos de uma mentalidade minimamente
intelectualizada e aberta à descoberta científica. E o discurso presente no
almanaque vinha ao alvedrio daqueles que possuíam condições de manter os seus
filhos estudando nestes estabelecimentos, os quais “são recommendaveis em geral,
pelos seus modernos methodos pedagógicos”, que, de acordo com os editores,
eram cotidianamente “adoptados melhoramentos nos seus systemas educativos.”
(ALMANACH, 1913, p. 27).
E na finalidade de ratificar a importância destes estabelecimentos de ensino
para os beneméritos da cidade, citou a frase a seguir de Rui Barbosa:
A nosso ver a chave mysteriosa das desgraças que nos afligem, é esta: a ignorância popular, mãe da servilidade e da miséria. Eis a grande ameaça contra a existencia constitucional e livre da nação; eis o formidavel inimigo intestino, que se asyla nas entranhas do paiz. (ALMANACH, 1913, p. 27).
125
E ao final da exposição sobre o tópico “instrucção”, escreve:
Ribeirão Preto pode ter ufania de contribuir para a extincção desse formidavel elemento absorvente da vitalidade dos povos, com os seus bem orientados e modelares estabelecimentos de instrucção. (ALMANACH, 1913, p. 27).
Também o economista e moralista, Adam Smith, expressou a sua opinião
sobre a educação, ou melhor, sobre o pouco crédito dados a educação pela
sociedade da sua época:
Essas são as desvantagens de um espírito comercial. As mentes dos homens ficam limitadas, tornam-se incapazes de se elevar. A educação é desprezada, ou no mínimo negligenciada, e o espírito heróico é quase totalmente extinto. Corrigir esses efeitos deveria ser assunto digno de uma séria atenção. (SMITH apud MÉSZÁROS, 2005, p. 28-29, grifos do autor).
Estas palavras de Adam Smith citadas por Mészáros mostram que mesmo
alguns liberais tinham consciência de que a fragmentação do processo produtivo era
prejudicial ao desenvolvimento do trabalho criativo dos trabalhadores urbanos.
Todavia, lamentável é sua dedução de que as “bebedeiras” e outros vícios das
camadas mais baixas seja não fruto das suas sofríveis condições de vida, mas da
pouca exigência das suas forças criativas.
Em Ribeirão Preto, a simplicidade dos trabalhos a serem desenvolvidos pelos
colonos fazia com que eles detivessem o conhecimento de todas as etapas do trato
do cafezal, bem como das estratégias de inserir seus produtos no mercado local.
Apesar disto, os trabalhadores locais não poderiam minimizar a sua estafa senão em
subterfúgios compatíveis com o seu salário, recorrendo para tanto aos bares e
confeitarias, escapismo bem mais modesto do que o Teatro Carlos Gomes,
freqüentado pela elite ribeirãopretana.
A análise dos discursos dos promotores sobre os esforços empreendidos para
a instalação de uma escola secundária em Ribeirão Preto, citada rapidamente pelo
Almanaque Ilustrado, evidencia certos aspectos mentais dos integrantes da elite
local. Segundo Marcus Vinícius da Cunha, o Dr. Luiz Pereira Barreto
[...] teria dito que a “metrópole do café tem “sede de saber e a população quer ensino de todos os graus para os seus filhos e apela para o espírito esclarecido do auxiliar do governo de São Paulo [Gustavo de Godoy, então secretário do Interior do Estado], no sentido de que, com o mesmo carinho
126
empregado na defesa da saúde pública, proteja também a formação deste povo”. Na mesma ocasião falou o vereador Augusto Ribeiro de Loyola, “em nome do povo, em nome de milhares de famílias que queiram instrução para as crianças e para os jovens também.” Loyola enfatizou que as famílias residentes no município “não se conformaram em mandar os filhos para fora ou mudarem para outras plagas, em busca de sua complementação cultural”. (CUNHA, 2001, p. 22).
A fundação do Ginásio do Estado ocorreu em 1907, e isto gerava uma situação
de desconforto para a elite local, pois julgavam um despropósito a cidade que era
conhecida pela vultuosa riqueza proporcionada pela produção de café ter de contar
somente com iniciativas particulares para o prosseguimento dos estudos após o
grupo escolar. E, por intermédio da pressão do grupo dirigente sobre as esferas
estaduais, foi obtido um segundo grupo escolar em 1914, fazendo com que, apesar
destes esforços, se obtivesse somente 18,4% de discentes matriculados em idade
escolar, numa estimativa que apontava 71,6% ou 8905 potenciais estudantes fora da
escola. (CUNHA, 2001, p. 56)
Revela-nos Marcus V. da Cunha que a única pessoa negra que integrou a
primeira turma da escola, em 1907, foi Edina Rocha de Freitas, que era filha de
Herculano Carlos de Freitas, um negro que exercia a função de administrador das
fazendas do coronel Francisco Schmidt, conhecido na época como o “rei do café”. O
que pode ser interpretado como a vontade pessoal sobrepujando as barreiras do
preconceito contra o sexo e a cor da pele, melhor é julgado se levarmos em conta o
caráter paternalista, patriarcalista e principalmente coronelista da sociedade
ribeirãopretana, afinal de contas, raro seria na época alguém predisposto a
desagradar algum “gosto” do coronel. Um dos ex-alunos da escola, Alcides Palma
Guião, citado pelo autor por meio de um dos seus livros de memórias, endossa o
caráter elitista que envolvia a todos no colégio, ao mencionar que a posição social
dos discentes era, na sua maioria, oriunda da classe média letrada e socialmente
bem posicionada. Ele mesmo era filho de um proprietário de terras e advogado, e
que se tornou prefeito da cidade a partir da eleição de 1920, logo após o mandato de
Joaquim Macedo Bittencourt, prefeito que a dirigiu durante o esplendor da “Belle
Époque” (1911-1920) e que antes de desfrutar do cargo executivo municipal era um
dos professores da escola em questão. (CUNHA, 2001, p. 106-107).
Ora, se entrar no ginásio nesta época era uma conquista praticamente
impossível para um jovem pertencente a uma família sem relações sociais de
127
influência (para estudar numa escola pública) ou dinheiro (para estudar numa escola
particular), a partir das reformas empreendidas ao longo das décadas de 1910 e
1920 as chances de um pobre entrar numa faculdade tornaram-se praticamente
inexistentes.
Sobre estas reformas educacionais havidas no durante a República Velha
escreve Silvana Fernandes Lopes:
O controle central sobre a organização do ensino secundário, também amplamente discutido nesse período, se fazia necessário, considerando que ele regulava o acesso ao nível superior. Num país agroexportador, como o Brasil à época, não havia a necessidade concreta de universalizar a alfabetização e tampouco de incrementar um desenvolvimento técnico e científico, mas havia a necessidade de formação dos quadros burocráticos, ampliados e diversificados, tanto no setor público quanto no privado, necessidade que se intensificou com o advento da República. Essa situação colaborou para o aumento da demanda pela educação secundária e superior. A escola primária, no entanto, manteve-se, durante as primeiras décadas da República, nos mesmos moldes da velha “escola de primeiras letras”. Só a partir da década de vinte é que algumas reformas estaduais foram implementadas e alteraram um pouco essa situação. (LOPES, 2009, p. 2)
Logo adiante, elucida ainda mais os interesses envolvidos acerca deste tema:
A questão fundamental, nesse momento, era a do controle do acesso ao ensino superior; esse sim prioridade das classes dirigentes. Nesse sentido, do ponto de vista da organização do ensino, as medidas que determinavam a articulação entre o secundário e o superior eram decisivas na definição do caráter seletivo e preparatório do ensino secundário. Com exceção da Reforma Rivadávia Corrêa (1911), que propunha a autonomia entre os dois graus, fixando que o certificado de conclusão do ginásio serviria apenas como atestado de freqüência e aproveitamento de estudos no superior, as reformas Benjamin Constant (1890), Epitácio Pessoa (1901) e Carlos Maximiliano (1915) fizeram do secundário a passagem única para o superior. A Reforma Carlos Maximiliano reforçava essa dependência entre os graus, por meio do vestibular e da necessidade do certificado de conclusão do secundário, obtido por via de exames finais e preparatórios, para o ingresso no superior. O caráter seletivo do ensino secundário se revelava não só na reduzida quantidade de escolas, como também no valor das taxas, selos e contribuições exigidas para a freqüência dos alunos, que acabavam por fazer dos próprios estabelecimentos públicos instituições privadas, impedindo, assim, o acesso da maior parte da população. (LOPES, 2009, p. 3).
A relação política entre elite e marginalizados era recalcada também por meio
da manutenção de uma estrutura escolar fundamentada num objeto de interesse
público, embora regido de acordo com valores excludentes. Tratava-se então de um
mecanismo reforçador do discurso de privilegiamento de alguns e marginalização da
maioria, no objetivo político de compor um seleto grupo social munido de educação
128
oficial visando à governança do populacho desassistido à luz de um arcabouço
republicano, entendido naquela época como regime político mais adequado aos
ideais modernizadores.
A citação abaixo do pesquisador que teve acesso direto às fontes produzidas
naquele ginásio vem ao encontro do que julgamos ser o indicador dos valores que
orientaram o grupo elitista, permitindo-nos a percepção de uma sociabilidade
competitiva e conflituosa, seja a partir de outros trabalhos referentes à cidade, seja
pelos tipos de relações socioeconômicas firmadas por meio das escrituras públicas:
Pelas experiências que proporcionava, dentro e fora das salas de aula, o Ginásio dizia aos educandos, a todo instante, que eles eram integrantes de uma classe social “superior”. O verdadeiro inimigo estava do lado de fora dos muros da escola: era a ignorância, que vinha sendo ali derrotada. Enquanto isso, do outro lado da rua estavam os jovens pobres, trabalhadores e desvalidos, que jamais poderiam sonhar com destino semelhante. Para eles, apenas o ensino primário, quando muito, ou quem sabe as escolas de artes e ofícios mantidas por entidades assistenciais. (CUNHA, 2001, p. 111).
Tendo em vista que Ribeirão Preto era uma cidade em plena conexão com o
mercado externo, tanto pela venda das sacas de café quanto pelo acesso direto de
parte da população a produtos sofisticados, a educação, enquanto mercadoria não
acessível a todos, obedecia aos valores capitalistas modernos cada vez mais
entranhados na vivência coletiva ribeirãopretana ao longo do período estudado
nesta dissertação. Nesta conjuntura, vale a reflexão de Emir Sader, no prefácio da
obra de Mészáros, segundo o qual
[...] a educação, que poderia ser uma alavanca essencial para a mudança, tornou-se instrumento daqueles estigmas da sociedade capitalista [...]. Em outras palavras, tornou-se uma peça do processo de acumulação de capital e de estabelecimento de um consenso que torna possível a reprodução do injusto sistema de classes. Em lugar de instrumentos da emancipação humana, agora é mecanismo de perpetuação e reprodução desse sistema. [...] para que se aceite que “todos são iguais perante a lei”, se faz necessário um sistema ideológico que proclame e inculque cotidianamente esses valores na mente das pessoas. (MÉSZÁROS, 2005, p. 9-10).
129
4.3 O crescimento horizontal da cidade e a verticalização dos grupos sociais
O crescimento horizontal da cidade englobou áreas impróprias para a
construção de moradias e de imóveis destinados a outras finalidades que visavam
consolidar-se no cotidiano socioeconômico da cidade de Ribeirão Preto.
Por meio da análise dos mapas expostos até aqui nesta dissertação, é possível
averiguar a marcante presença dos córregos e da intervenção humana provocada
por diferentes indivíduos e grupos sociais, visando aos mais variados fins aos seus
propósitos pessoais.
Como as características naturais do espaço por si só somente são alteradas a
longo ou longuíssimo prazo, é inevitável reconhecer que a racionalização da
ocupação do território não levou em consideração os seus efeitos futuros, como
exemplifica a foto que mostra o alagamento de um importante ponto do quadrilátero
central. A racionalidade dos negócios, movida por fatores como proximidade dos
recursos hídricos (montagem de olarias e matadouros, por exemplo) e dos
escoadores de produtos (terminais ferroviários) motivou a aceleração do
retalhamento do solo das áreas suburbanas e favoreceu a ação do setor imobiliário,
auxiliado pela expansão do setor varejista e de prestação de serviços, gerando um
efeito dinâmico da economia pela válvula da mercantilização da natureza, inserindo
seus habitantes, e a própria cidade, num processo de interligações econômicas,
sociais, culturais e políticas com outras cidades, cujas conjugações sobrepujam o
espaço e o tempo que ditavam os seus ritmos de desenvolvimento particulares,
colocando-as bem próximas da descrição de Fernand Braudel que segue abaixo:
As cidades são como transformadores elétricos: aumentam as tensões, precipitam as trocas, caldeiam constantemente a vida dos homens [...] A cidade é corte, ruptura, destino do mundo. Quando surge, portadora da escrita, abre as portas ao que chamamos história. [...] Todos os grandes momentos do crescimento se exprimem por uma explosão urbana. [...] A cidade tanto cria a expansão como é criada por ela. Mas o certo é que, mesmo quando não é a cidade a fabricá-la com todas as suas peças, é ela a ditar as leis do jogo. E na cidade este jogo revela-se melhor do que em qualquer outro posto de observação. Onde quer que se situe, uma cidade implica sempre um certo número de realidades e de processos, com regularidades evidentes. Não há cidade sem divisão obrigatória do trabalho e não há divisão do trabalho um pouco avançada sem a intervenção de uma cidade. Não há cidade sem mercado e não há mercados regionais ou nacionais sem cidades. [...] “uma cidade é sempre uma cidade” onde quer que se situe, tanto no tempo como no espaço. O que de maneira alguma
130
quer dizer que as cidades sejam todas parecidas. Mas, para além de características diversas, originais, todas falam obrigatoriamente uma mesma linguagem fundamental: o diálogo ininterrupto com o campo, necessidade primordial da vida cotidiana; a presença das pessoas, tão indispensável como a água para a roda do moinho; o orgulho citadino, o desejo de as cidades se distinguirem umas das outras; a sua situação obrigatória no centro de redes de ligações mais ou menos longínquas; a sua articulação com os seus arrabaldes e com outras cidades. Nunca uma cidade se apresenta sem o acompanhamento de outras cidades. Umas senhoras, outras servas ou mesmo escravas, estão ligadas, formam uma hierarquia, na Europa, na China ou em qualquer lugar. (BRAUDEL, 1997, p. 439-441, grifo do autor).
Por ser uma das cidades mais beneficiadas pelos efeitos positivos de integrar-
se ao “complexo cafeeiro” (expressão de CANO, 1998), Ribeirão Preto
precocemente favoreceu a uma maior abrangência da divisão social do trabalho.
Nesse sentido, atraiu trabalhadores que se voltaram à atividade cafeeira e/ou de
produtos de subsistência, como por exemplo, os moradores de parte do território
pertencente ao Núcleo Antônio Prado. Também atraiu diferentes tipos de
profissionais (para a realização de serviços braçais até a prestação de serviços
intelectuais) e, ainda, de pessoas voltadas às atividades ligadas ao entretenimento,
além daqueles que trabalhavam com o dinheiro, por meio da concessão de
empréstimos a juros, chamados naquela época de capitalistas. Ou seja, formou e
estimulou um rol variado de atividades profissionais na cidade, além daqueles que
estavam ligados diretamente à atividade cafeeira.
Dessa forma, a maior interligação e interdependência entre as áreas urbana e
suburbana, por meio da relação entre os tipos distintos de profissionais e de grupos
sociais que em ambas habitavam, trabalhavam, e, por este contato, viviam
associados ao panorama de urbanização e de diversificação das atividades
produtivas, esta vinculação agregou a Ribeirão Preto uma complexa e eficiente rede
de comércio e de prestação de serviços que interagiu com a economia cafeeira, ao
passo que, no momento em que esta atividade principal começou a entrar em crise e
a ter sua importância política e socioeconômica diminuídas, aquelas atividades
complementares que, em conjunto, formaram a nova especialidade produtiva
ribeirãopretana, foram ímpares ao auxiliar a cidade a amenizar os processos de
crises econômicas a partir do final da década de 1920. Portanto, a apreensão e a
valorização histórica do percurso que estas atividades complementares tiveram que
trilhar até se tornarem a especialidade principal, amparadas pela formação de um
131
comércio forte e diversificado, associado a uma rede variada de prestação de
serviços quando o café era o “centro dinâmico” regional e nacional é de suma
relevância para a compreensão do processo de racionalização dos negócios, da
vivencia coletiva e da progressiva secularização dos atos particulares.
Não obstante, o afrouxamento do efeito dinamizador, motivado pelas
exportações, consolidou as atividades complementares à economia cafeeira como a
nova especialização desta cidade, pautada na prestação de serviços e na
interligação dos capitais regionais. Por outro lado, a transformação do tipo de
economia (da primária para a terciária) criou a possibilidade de assimilar os
trabalhadores que não mais se dedicavam exclusivamente àquela, o que naquela
conjuntura aumentava não só sua importância econômica, por reter capitais, como
também sua importância social, por agregar pessoas em busca da manutenção da
vida.
Ao haver a redução do efeito dinamizador do fluxo de capitais em Ribeirão
Preto, em decorrência da queda das exportações face à crise dos preços do café (na
qual a redução da procura e o excesso de oferta no mercado são uns dos fatores), a
economia deste município não se prostrou, haja vista a maturação do seu mercado
interno e sua necessidade de bens de consumo (ainda que de primeira ordem) e de
serviços, os quais tiveram existência anterior a este momento de arrocho.
A relação entre a população ribeirãopretana oriunda das áreas urbanas e
suburbanas favoreceu a difusão e o desenvolvimento de atividades úteis àquela
realidade local, pois é certo que muitos tipos de produtos e serviços não poderiam
ser supridos e/ou prestados se viessem somente de (e por) outros centros
produtivos localizados mesmo em regiões vizinhas, como Campinas. Por isso, a
necessidade criou a demanda, e a produção e a prestação de serviços
progressivamente foi garantida pela própria população que carecia destes,
fortalecendo assim o mercado interno regional, dinamizado, sobretudo por Ribeirão
Preto ou, mais especificamente, pelos trabalhadores ribeirãopretanos oriundos
principalmente da imigração.
A análise das escrituras públicas permite apreender de forma mais vívida como
as relações comerciais e trabalhistas dos indivíduos daquela conjuntura contribuíram
para a formação da história ribeirãopretana, principalmente quando estas imiscuíram
à coletividade. Por vezes estas adquiriram nova concretização documental sob a
132
forma de notícia jornalística, estudadas especialmente por Rodrigo Ribeiro Paziani
(2004) e Liamar Izilda Tuon (1997).
Juntando a análise destes pesquisadores com o trabalho de análise de fonte
feita por nós, podemos perceber que durante os meses de janeiro a junho de 1909,
o jornal “Diário da Manhã” publicou várias reclamações da população quanto à
necessidade da prefeitura intervir na infra-estrutura das áreas localizadas na
margem dos córregos Retiro e Ribeirão Preto, pois havia casos de alagamento
quando da ocorrência de chuvas constantes. Contudo, a análise das escrituras
públicas firmadas neste mesmo período aponta um acréscimo de contratações de
empréstimos, de hipotecas e de venda de imóveis localizados na Rua Visconde do
Rio Branco (popularmente conhecida como “Rua dos Sapos”), no qual o local
declarado de residência de um dos envolvidos na transação é justamente esta área
atingida pelo transbordamento dos rios.
Em vista disso podemos inferir que este fato relacionado à urbanização das
áreas que margeavam os córregos, bem como a falta de planejamento urbano por
parte da Prefeitura Municipal, se por um lado prejudicava financeiramente os
munícipes que tiveram suas propriedades atingidas, para outros ela representava
uma oportunidade de contrair novos negócios, estimulando assim a acumulação
complementar à atividade principal (cafeeira).
Segundo Heller (1992), todo acontecimento é irreversível e o tempo ao longo
das várias épocas históricas é sempre o mesmo. Assim, o porquê, por vezes, os
acontecimentos parecem ocorrer de maneira mais rápida e em outras mais lentas
não está condicionada ao tempo, pois este é inalterável, mas sim ao ritmo da
alteração das estruturas sociais. Destarte, em alguns locais este ritmo é mais intenso
e em outros mais vagarosos. Se o ritmo é parte importante do processo de
desenvolvimento, então aqueles locais onde estes são mais vagarosos tendem a
ficar prejudicados ou subjugados em relação aos locais onde este é mais intenso, o
que, em linhas gerais, vem a contribuir com uma maior desigualdade do
desenvolvimento destas áreas distintas, é claro, se julgarmos cada uma delas na
sua totalidade.
Em vista desta perspectiva, a administração das vicissitudes socioeconômicas
da própria população estimulou esta a desenvolver outras atividades, a fim de
garantir sua subsistência, favorecendo a difusão e a diversificação da mão-de-obra;
enfim, a favor do ritmo intenso das mudanças estruturais que estimularam Ribeirão
133
Preto a manter-se em constante desenvolvimento, todavia aberto à otimização
qualitativa e quantitativa do seu comércio e da sua rede de prestação de serviços.
4.4 A racionalização como guia das mudanças
A incorporação da prática legal de firmar contratos por meio da efetivação de
escrituras públicas nasceu da busca pela racionalização de interesses e pela fuga
da submissão destes negociantes às alternâncias e arroubos momentâneos que
pudessem acometer uma das partes depois de selados os compromissos.
Podemos dizer que o 1º Tabelião de Notas acompanhou o desenvolvimento da
cidade, já que por meio dos seus poderes legais foram perpetuados parte dos
fragmentos do seu passado, os quais buscam ser compreendidos realçando o que
nele foi discutido, debatido e firmado, vindo a somar às outras ações da coletividade.
Desde o final da década de 1880, Ribeirão Preto possuía homens que tinham
por meta atuarem em atividades que caracterizavam a vivência urbana. Em 30 de
outubro de 1888, foi firmada a venda de uma padaria situada na Rua Duque de
Caxias, inclusos na negociação molhados, trastes de casa, carroça e animais para o
serviço da mesma. Nesta escritura, é dito que o vendedor “se obriga a fornecer ao
comprador a farinha de trigo necessária para o custeio e o fabrico do pão com a
condição porém de ser pelo custo e carreto da mesma farinha pagos pelo comprador
à quantia de 1:000$000 em moeda corrente”. Podemos notar neste momento da
dissertação que era comum a venda de um negócio com a condição de se manter
alguns liames com quem adquiriu o patrimônio no objetivo claro de capitalizar-se,
tanto pela venda imediata quanto pela venda contratualmente garantida de matérias-
primas.
Também no quadrilátero central, foi firmada em 27 de março de 1889, uma
sociedade comercial para o estabelecimento de uma “casa comercial de fazendas,
secos e molhados e outros quaisquer gêneros que preferirem, no pátio da Igreja
Matriz”, ficando determinadas as seguintes condições:
Durará pelo tempo de dois anos, 2º) nenhum dos dois poderá apartar a sociedade antes do prazo, sob multa de dois contos. 3º) A firma gerará sob a firma de Barão & Dayani, 4º) O caixa da sociedade será Alberto Dayani. 5)
134
Aos dois sócios competem iguais obrigações de procurar todos os meios de modo a auferir os maiores lucros possíveis. 6º) As despesas da sociedade são descontadas em seus lucros gerais. 7º) A casa em que está estabelecida a sociedade é propriedade do sócio Mouses Barão, pelo qual receberá 40 mil réis mensais de aluguel. 8º) Os lucros da sociedade serão divididos em partes iguais. 9º) Esta sociedade embora o previsto no artigo 2, poderá ser dissolvida a qualquer tempo se for vontade dos dois sócios. 10º) Em caso de doença de algum dos sócios o outro tomará a si todo trabalho da sociedade sem por isso perceber indenização alguma. 11º) Em caso de morte o sócio sobrevivente, depois de proceder a inventário, conforme a legislação do país, procederá a liquidação ou no caso querer continuidade com o negócio indenizará aos herdeiros do falecido por maneira que não lhe cause prejuízo ao andamento do negócio, isto dentro do prazo de um ano.
Escrituras relacionadas à construção civil visando à atuação na área da saúde
também ocorreram, como mostra a escritura de 01 de maio de 1889, que firmou o
contrato entre o Dr. Publio de Mello, representando a “Associação Beneficente e da
Comissão encarregada da Construção de hospital” e Annunziato Gallo, descrito
profissionalmente como “empreiteiro-locador”. Chama a atenção nesta escritura a
exigência do cumprimento do prazo de entrega, marcada para 01 de outubro do
mesmo ano, bem como que a obra seria edificada em terreno oferecido por Firmino
Borges da Fonseca nos subúrbios da cidade.
Em 22 de junho de 1889, foi vendido um estabelecimento farmacêutico na rua
São Sebastião contendo drogas, produtos químicos, vasilhame da farmácia,
armação envidraçada, ficando a cargo do comprador todo o ativo e passivo, “a fim
de resguardar o outorgante vendedor”.
Já na escritura de 01 de novembro de 1890, há dezenove cláusulas definindo
posturas e responsabilidades entre três sócios que decidiram legalizar suas
condutas uns para os outros por meio de uma detalhada descrição de “contrato
comercial em comandita para negócio e comércio de fazendas, armarinhos, roupas
feitas, ferragens, molhados e gêneros do país”. Na cláusula dezenove, não foi
deixado de prever possíveis desarmonias entre as partes:
19º) No caso de suscitarem dúvidas, contestações ou qualquer dificauldades entre os sócios obrigar-se-hão estes a estar inteiramente pela decisão de dois árbitros sorteados semestralmente entre tres apresentados pelos sócios, nomeando-se terceiro para desempate sendo preciso; e ao parecer dos árbitros serão obrigados a se submeter sujeitando-se a sua decisão da qual não poderão recorrer sob pena de pegar o recorrente ao recorrido ou recorridos a titulo de multa a quantia de 500$000.
Cláusulas deste tipo não eram excepcionais. Em 01 de abril de 1891, também
foi firmada uma sociedade comercial visando a atuação no “negócio e comércio” de
135
secos e molhados e gêneros do país, cujas cláusulas em muito se parecem as da
escritura supramencionada.
Segundo Rodrigo Santos de Faria, que na sua dissertação de mestrado buscou
entender como se deu, na prática, o discurso higienista, embelezador e disciplinador,
empreendido pela elite local. O autor diz que três agentes foram fundamentais, em
seus respectivos papeis sociais, na criação de uma imagem moderna da cidade: o
Poder Público Municipal, as revistas, os almanaques e os trabalhos deixados pelos
memorialistas. (FARIA, 2003, p. 76). Complementamos a argumentação do autor
considerando ainda a modernização de fato e não só a criação de uma imagem, que
se deu por meio das ações individuais de cada habitante residente em Ribeirão
Preto neste período, somando estas ações, que foram perpetuadas nas escrituras
públicas, aos indícios presentes nos anúncios, ambos os quais ensinam que o
poder é algo adquirível, uma vez que impor uma imagem ou ter um status social
dependia unicamente de se ter os réis necessários para a conquista e a
consolidação dos objetivos, fossem eles os mais variados.
De fato, não negamos a ação do Poder Público no cotidiano da população
local. Isto se deu com o contrato de construção e privilégio de um linha de “Tranway”
a vapor por cinqüenta anos contados a partir da data de assinatura da escritura
(11/04/1891), a Luiz Gomes do Val, “que partindo da Povoação de Cravinhos dirija-
se por um lado para a Serrinha e por outro para o bairro denominado dos Honorios.”
É dito ainda que a empresa acertou junto ao Conselho Municipal de Intendência que
a empresa teria “carros de passageiros, e vagões para cargas em numero suficiente,
de modo a não ser demorado o transporte de mercadorias e cargas por mais de
quarenta e oito horas, salvo caso de força maior.” Podemos notar na citação a
preocupação com a regularidade bem como o comprometimento com o público,
marcas indeléveis de um empreendimento que reivindicava ser representante do
modo de viver moderno.
A ampliação da rede de serviços auxiliou a cidade a aumentar a sua
arrecadação também por meio da cobrança de impostos sobre as atividades
produtivas, não necessariamente relacionadas com o desenvolvimento da atividade
cafeeira local. Luciana Suarez Lopes, que estudou as principais fontes de renda e as
principais despesas do município de Ribeirão Preto de 1911 até 1930, descobriu que
a maior parte da receita do município advinha de impostos sobre atividades urbanas,
seguidas dos empréstimos, das rendas de abastecimento, tais como rendas do
136
matadouro e do mercado municipais, e, por último e bem menos expressivo, o
imposto sobre cafeeiros. (LOPES, 2008, p. 21).
Não somente os negócios estavam tendo uma readequação após o boom da
atividade cafeeira na cidade. No início do processo de desenvolvimento econômico e
de urbanização do território municipal, o efeito de algumas atividades que não o café
já se faziam sentir. Por meio da reclamação feita na Ata da Câmara de 19 de
dezembro de 1876, é possível perceber os descontentamentos gerados pela
presença de um matadouro num terreno situado à beira do córrego do Retiro, nas
proximidades do quadrilátero central. Tanto as Atas da Câmara quanto o Código de
Posturas de 1889 foram estudados por Faria (2003), e através do uso desta fonte e
da problematização sobre ela feita pelo autor, podemos perceber que até a criação
do primeiro Código de Posturas, eram as decisões do legislativo municipal que
regulamentavam a relação dos direitos de propriedade com a manutenção dos
interesses coletivos, como a limpeza urbana das principais ruas comerciais do
município, conforme demarcações feitas pela própria Câmara Municipal.
Graças à nossa pesquisa baseada nas escrituras públicas, tivemos acesso às
condições de construção, rego e gozo do Matadouro Municipal, firmado entre
Mansueto Bonaccorsi e a Intendência Municipal no dia 28/04/1891 e que entrou em
operação no ano seguinte. Vale observar o enfoque dado às medidas sanitárias, aos
padrões estruturais do estabelecimento e à cobrança no tocante à rotina que deveria
abarcar as ações cotidianas do estabelecimento:
3ª) Obriga-se também a estabelecer um sistema perfeito de esgotos para levar até ao córrego mais próximo as águas servidas na lavagem do matadouro, usando a canalização por meio de calhas feitas de tijolos e argamassa de cal e areia e revestidas interiormente de uma camada de cimento de 3 centímetros de espessura ou por meio de manilhas de ferro ou de tubos de ferro fundido devendo a capacidade desses canos nunca ser inferior a 30 centímetros de diâmetro. 4ª) Todo matadouro será convenientemente calçado, sendo o lugar da matança de pedras de cantaria apanhadas a picão de modo a ficarem as juntas perfeitamente unidas e sobrepostas a uma camada de areia ou cascalho da espessura necessária. [...] 8ª) Na matança do gado o contratante se obriga a não abater animais doentes e nem tão pouco cortar gado abatido fora do matadouro, sob pena 20 mil réis de multa por cabeça [...]. 9ª) Por cabeça de gado abatido o contratante haverá dos respectivos donos quantia de 2$800 se for vaccum, 1$000 se for suíno e 5$000 se for lanígero ou outro pelo transporte dos dois primeiros perceberá mais 500 réis e pelos dois últimos mais 300 réis. [...] 13ª) A entrada do gado para os currais do matadouro se efetuará nas horas que o contratante determinar em tabela que será vista e aprovada pela Intendência e publicada pela imprensa e do mesmo modo o fará com relação as horas do abatimento e corte, importando a infração de qualquer destas obrigações na multa de 10 mil réis de cada vez. [...] 18ª) O
137
matadouro com suas dependências será conservado sempre limpo, diariamente varrido e lavado o chão do edifício, empregando o contratante para este ultimo fim os processos mais vantajosos e suficientes de irrigação segundo as regras de higiene sob pena de 10 mil réis de multa por cada infração. [...] 26ª) Além dos deveres prescritos neste contrato, o contratante fica ainda sujeito as disposições do Código de Posturas no eu lhe forem aplicáveis. 27ª) Os terrenos para edificação do matadouro e suas dependências são cedidos gratuitamente pela INTENDÊNCIA no lugar situado junto da serraria que foi do cidadão Parreira e do barracão do Núcleo Colonial livres de impostos municipais, também isentos de impostos os carros empregados pelo contratante no transporte da carne. [...] 29ª) O presente contrato vigorará pelo prazo de seis anos a contar desta data nos termos do privilegio concedido, sujeitando-se o contratante a todas as cláusulas nele estabelecidas.
O conjunto de reformas não ficou restrito a algumas áreas da vida municipal.
Mesmo a rua General Osório, que aparece em uma das fotos desta dissertação, foi
objeto de negócio entre a Câmara Municipal e o cidadão Paulo Facioli, o qual foi
contratado para o calçamento da via pública. Revela-nos a escritura de 11 de abril
de 1893 que o locador da mão de obra
1ª) Obriga-se a colocar guias de pedra, tendo estas 50 centímetros de comprimento, 16 centímetros de largura e altura de 50 centímetros. 2ª) Obriga-se a colocar as guias nas esquinas de forma circular. 3ª) Obriga-se a assentar sarjetas de pedra, ferro ou outro material resistente. 4ª) As sarjetas devem ter um metro de largura com o dobro nas esquinas. 5ª) Que na extremidade das sarjetas seja colocada uma linha de pedras com a profundidade de 20 centímetros.
Ficou acertado ainda que o prazo de execução e conclusão da obra seria de
quatro meses após a assinatura da escritura ou multa de 30$000 diários conforme o
motivo. Por sua vez, a Câmara, representada no ato da escritura pelo Coronel Arthur
D’Aguiar Diederichsen, obrigou-se a proibir o trânsito de animais conforme pedido do
empreiteiro; a fazer o pagamento quando a terça parte estiver completa, sempre
metade do combinado e o restante do final; a pagar 2:000$000 quem romper o
contrato; a acatar o valor de 13:980$000 pela empreita; e a aceitar a hipoteca de
duas casas de morada do empreiteiro na rua Municipal entre as ruas São Sebastião
e Treze de Maio como garantia de cumprimento do contrato firmado.
Conforme o tempo passou, a racionalização das condutas individuais tornou-se
referência também na racionalização geográfica dos estabelecimentos voltados à
prática produtiva ou de habitação dos munícipes. A presença de numeração dos
prédios urbanos e de posicionamento entre as vias públicas, deste ao menos, caso
138
por algum motivo estes ainda não possuíssem numeração, tornou-se a regra, bem
diferente da situação em que a localização era feita valendo-se de elementos da
natureza, tal como córregos e mesmo árvores, fato gritante em vista da profunda
legalização da vivência urbana e de ordenamento de posturas válidas inclusive para
as áreas rurais do município.
Alguns traços da vivência rural junto às de traços modernos ainda se fizeram
sentir nas escrituras públicas do final dos 1890. Dentre o pagamento combinado
entre as partes no valor de 7:000$000 relativos à compra de um restaurante, foi
aceito “1:500$000 em dinheiro, um carro de praça com dois burros armados no valor
de 3:500$000, uma letra aceita pelo comprador e endossada pelo Tenente José
Victorino de Sampaio Netto no valor de 1:192$000 e 808$000 em dinheiro para
pagar pequenas dívidas do estabelecimento nesta importância”. Curiosamente, o
hotel localizado na Praça XV de Novembro, esquina da rua Duque de Caxias, no
prédio número 25, era “Maison Moderne”, nome bastante sugestivo tendo em vista o
tipo de modernização ocorrida em Ribeirão Preto.
Já nos anos iniciais do século XX, escrituras relativas ao ramo ferroviário não
podiam deixar de marcar a sua presença no expediente do 1º Tabelião. Em 31 de
julho de 1905, João Francisco Tessa e Joaquim Nogueira Tessa foram contratados
para realizar um desvio na linha da estrada de ferro da “Companhia Mogyana de
Estradas de Ferro e Navegação” entre os quilômetros 144 e 145, o qual depois de
pronto seria considerado “como a estação de Canindé e de e para a estação de
Ribeirão Preto para os serviços de passagens, sendo as partes para cargas
consideradas como de e para a estação de Aramina”, pelo valor orçado de
1:748$680 pela sua execução.
Em 03 de abril de 1907, foi a vez da Comissão da Companhia Agrícola Dumont
firmar negócio com os coronéis Joaquim Firmino de Andrade Junqueira e Francisco
Maximiniano Junqueira nos seguintes termos:
1º) A Cia Agrícola Fazenda Dumont, devidamente autorizada pela Cia Mogyanna, se compromette a prolongar o ramal de sua linha férrea que servem as fazendas dos coronéis [...] até onde se acham situados os machinismos de beneficiar café da fazenda Boa Vista de propriedade do primeiro [Joaquim], tudo de conformidade com a escritura de nove de março deste anno, lavrada em notas do segundo tabelião de Campinas [...]. 2º) Diz que as linhas serão construídas onde no mapa está designado o “Porto de Cargas”. 3º) Neste desvio até 24 de fevereiro de 1914 os coronéis se obrigam a entregar neste todo o seu café e mais gêneros que tiverem de exportar, produzidos nas suas fazendas denominadas “Santa Rita” e
139
“Baixadão”, situadas neste município de Ribeirão Preto. Diz que os coronéis deverão avisar a Cia Agrícola para que esta possa providenciar junto a Cia Mogyanna o transporte pelo qual fica obrigada. 5º) A Cia Agrícola Fazenda Dumont somente cobrará fretes dos gêneros importados ou exportados pelo trajeto de Ribeirão Preto até a estação “Luiz Miranda” ou vice-versa. 6º) Responderá a Cia Agrícola por perdas e danos durante a vigência deste contrato caso suspender ou deixar de fornecer o transporte que é obrigada, salvo força maior ou não ter os vagões necessários para baldeação dos gêneros a Cia Mogyanna.
Estas escrituras são alguns exemplos das medidas adotadas pela iniciativa
privada para a manutenção dos seus negócios tendo em vista o aperfeiçoamento
dos detalhes que compunham cada etapa produtiva. A ação cada vez mais
racionalizada destas empresas e indivíduos visava a contenção de custos e a
otimização do uso destes capitais quando estes eram fundamentais para a
operacionalização dos contratos.
No quadrilátero central, foram instalados durante as décadas do período
republicano teatros, palacetes, rede de abastecimento de água e esgotos, enquanto
que na área suburbana foram instalados o novo cemitério, o matadouro municipal e
a Santa Casa de Misericórdia, estabelecimentos indesejáveis pela elite municipal. O
que alguns pesquisadores interpretaram como segregação espacial, preconceito
contra os grupos sociais marginalizados (SILVA, 2002; FARIA, 2003), pensamos se
tratar de um reforço de uma ação intencional de transformar a área urbana e
suburbana num grande negócio e a terra ocupada e diferentemente dotada de infra-
estruturas benéficas ou insalubres estava guiada na determinação de fazer de
áreas pontuais uma mercadoria cada vez mais valorizada e, por meio desta,
aparadora de desfrute de status social ou não.
A manutenção desta vida que usufruía de comodidades, como ter acesso à
energia elétrica, era mesmo para aqueles postos à margem uma oportunidade de
renda. Na escritura de 12 de março de 1908, Pedro Giroldo ficou responsável por
fazer a limpeza das margens do canal que faz uma volta ao sair da Avenida Capitão
Salomão e, após a limpeza das margens, ficou acertado que seria construída uma
cerca de arame em ambos os lados, pelo valor de 1:600$000. Por meio do
conhecimento da história do Núcleo Colonial Antonio Prado, sabemos que o locador
de serviço era um habitante da área suburbana. Não obstante, no documento é dito
que em outra escritura foi dado o direito de alargar a rua número dois, pela qual
passa o canal da usina em toda a sua extensão que corta o terreno de Pedro
Giroldo, tendo ficado o canal com a largura de dez metros. Percebe-se, portanto,
140
que por duas vezes o contato com a “Empresa Força e Luz de Ribeirão Preto” que
com ele firmou as escrituras supramencionadas, houve uma oportunidade
aproveitada de se obter renda.
Nesta conjuntura, o 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto situava-se na Rua
do Comércio, número 92. Paulatinamente a cidade deixou de fundamentar-se
exclusivamente por meio dos trabalhos e rendas obtidas na ação direta dos
munícipes junto à economia cafeeira. Logicamente que alguns ainda tinham seu
sustento deste ramo produtivo, como José da Silveira Campos contratado para ser
administrador geral de uma fazenda em 09 de junho de 1906 pelo valor de
6:000$000. Outros, porém, estavam vinculados em outras atividades profissionais,
como Bernhard Joahnschen, que foi contratado para fabricar cerveja numa fábrica
situada na rua Capitão Salomão pelo valor mensal de 250$000, mais possíveis
gratificações se assim desejassem os donos da empresa mediante maiores lucros
ocasionados pelo aumento das vendas da bebida (ESCRITURA pública de 03 de
novembro de 1904, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).
Apesar dos conflitos entre os mais diversos grupos sociais em Ribeirão Preto,
podemos julgar que se tratava de uma sociabilidade em franco processo de abertura
econômica e profissional para os mais diferentes indivíduos. A observação de quem
integrava a Câmara Municipal aponta para a presença marcante de coronéis e
doutores que, em posse do poder de decidir onde seriam feitas intervenções, deixa
transparecer pelos atos concretizados (criação de praças públicas, de calçamento de
ruas do quadrilátero central, de permissão para a instalação de rede ferroviária) que
houve a opção de aperfeiçoar as áreas da cidade onde suas vidas particulares se
concentravam mais intensamente. Sem fazermos juízo de valor, julgamos
certamente que Ribeirão Preto não era uma cidade vacinada contra o
patrimonialismo.
Conforme pudemos analisar, com o auxílio da bibliografia que se voltou a este
tema na cidade, houve, no cotidiano municipal, por parte do Poder Público, um
descaso às necessidades mais imediatas da população marginalizada, motivado por
preconceitos fundamentados em critérios materiais, culturais e étnicos, gerando
assim a falta de interesse em melhorar as condições de vida das pessoas residentes
nas áreas suburbanas. Outras vezes, a falta de ação do Poder Municipal explica a
falta de compromisso com o bem-estar público que contemplasse, de fato, os
diferentes grupos sociais. Nas ausências ou na presença do Poder Público no
141
cotidiano socioeconômico ribeirãopretano havia, no entanto, um entrelaçamento com
as hierarquias da mudança promovida pela racionalização dos negócios e da
vivência coletiva, que envolvia a todos, a despeito de classe profissional e
compromissos políticos.
143
Julgamos que este trabalho teve por mérito realizar uma importante
contribuição aos estudos de História Regional Paulista, bem como enriquecer o
debate acerca das transformações proporcionadas e decorrentes da atividade
cafeeira praticada e negociada em Ribeirão Preto, com atenção para as formas de
captação, de retenção e de distribuição da riqueza, nas quais se destacaram o
desenvolvimento das atividades complementares ao ramo cafeeiro. Não obstante,
julgamos ter apontado, por meio da análise das escrituras públicas e das pesquisas
relacionadas ao tema, que a diversidade de agentes sociais favoreceu o processo
de racionalização dos negócios e da vivência coletiva, bem como o processo de
modernização infra-estrutural da cidade, ambos decorrentes do atrelamento desta
aos valores e princípios do capitalismo moderno.
A análise das escrituras públicas arquivadas no 1º Tabelião de Notas desta
cidade nos permitiu comparar mais amplamente e profundamente as diferentes
realidades vivenciadas pelos munícipes entre os anos 1870 e os anos precedentes à
Primeira Guerra Mundial, conjuntura na qual sabemos que o processo modernizador
ocorrido no cotidiano social capacitou seus habitantes em particular e o município
em geral a desempenhar o papel de centro dinâmico regional, possibilitado pela
consolidação da prestação de serviços e pela expansão e revigoramento do setor
terciário segundo os moldes capitalistas.
Acreditamos que a apresentação dos dados coletados aprimorou a
compreensão da ação da população anônima e das suas atividades cotidianas num
contexto de forte dinamismo social, econômico, político e cultural. Ainda, por meio
destes dados, foi possível perceber que enquanto as crises da economia cafeeira
faziam-se notar mais nos circuitos maiores do giro capitalista entre o final da década
de 1890 e meados de 1900, as relações cotidianas havidas em Ribeirão Preto
durante o período proposto foram marcadas pela continuidade das negociações e
das realizações de atividades comerciais e de prestação de serviços, as quais
coexistiram à agroexportação do café e se aprimoraram em face das dificuldades
enfrentadas pela atividade econômica principal, o que depois lhe proporcionaria à
Ribeirão Preto a diversidade econômica que se tornaria latente quando a rubiácea
não mais se destacasse tanto na pauta produtiva da cidade via exportação, e nem
nas arrecadações fiscais.
Quanto maior a distância da área de beneficiamento e de escoamento da
produção de café, menor foi o preço que os compradores estavam dispostos a
144
pagar. Também nisto Ribeirão Preto e as demais cidades da Zona Mogiana
beneficiaram-se do complexo cafeeiro montado nesta região, como salientou Tosi
(2002). Ao lado destas ferramentas implementadas em Ribeirão Preto, e que
garantiu a especificidade da cidade em relação às demais, destacou-se o Núcleo
Colonial Antônio Prado, tantas vezes recorrente nos parágrafos compostos até aqui,
cuja recorrência deveu-se ao fato desta área ser a maior área suburbana durante o
período estudado, já que inicialmente o “quadrilátero central” era a única área
urbanizada, o que nos inspirou o título do trabalho, somados aos propósitos
escolhidos a execução desta dissertação de mestrado, como “Vida urbana e
suburbana nas terras do café: racionalização dos negócios e da vivência coletiva
em Ribeirão Preto (1874-1914)”.
145
REFERÊNCIAS ABREU, Marcelo de Paiva. A dívida pública externa brasileira em francos franceses, 1888-1956 In SZMRECSÁNYI, Tamás; SUZIGAN, Wilson (Org.). História econômica do Brasil contemporâneo. São Paulo: Hucitec : Edusp, 2002. ADAS, Melhem. A fome: crise ou escândalo? São Paulo: Moderna, 2006. ALMEIDA, Vasni de. Converter, ensinar e conformar. 1997, 164f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 1997. ALVIM, Zuleika Maria Forcione. O Brasil italiano (1880 – 1920). In FAUSTO, Boris (Org.). Fazer a América: a imigração em massa para a América Latina. São Paulo: Edusp, 2000. AMORIM, Galeano (Org.). Os desbravadores: personalidades que fizeram história no interior paulista. Ribeirão Preto: Palavra Mágica, 2001. ANDRADE, Manuel Correia de. A questão da terra na Primeira República. In SILVA, Sérgio S.; SZMRECSÁNYI, Tamás (Org.). História econômica da Primeira República. São Paulo: Hucitec : Edusp, 2002. ARAÚJO JR., Aloysio Marthins de. A reorganização espaço-industrial no estado de São Paulo: análise a partir da indústria de bens de capital. 2006. 17p. Disponível em: <http://www.rc.unesp.br/igce/grad/geografia/revista/numero%201/eg0101aj.pdf>. Acesso em: 02 set. 2006. ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru: EDUSC, 2006. BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Do gado ao café: as transformações da estrutura fundiária de Ribeirão Preto ao longo do século XIX. Estudos de História. Franca, v. 8, n. 2, p. 173-186, dez. 2001. BACELLAR, Carlos de Almeida Prado; Lucila Reis Brioschi. (Org.) Na estrada do Anhanguera: uma visão regional da história paulista. São Paulo: Humanitas, 1999. BARBOSA, Agnaldo de Sousa. Cafeicultura, indústria e as origens do empresário do calçado em Franca-SP: uma análise além dos limites da historiografia tradicional. Estudos de História. Franca, v. 9, n. 1, p. 131-151, jun. 2002. BARROS, Ricardo. História da história da fundação de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto: Legis Summa, 2005. BASTIDE, Roger. Brasil, terra de contrastes. São Paulo: Difel, 1979. BATALHA, Cláudio H. M. A historiografia da classe operária no Brasil: trajetória e tendências. In FREITAS, Marcos Cezar de. (Org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2007.
146
BEIGUELMAN, Paula. A formação do povo no complexo cafeeiro: aspectos políticos. São Paulo: EDUSP, 2005. BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. BLACKBURN, Robin. A construção do escravismo no Novo Mundo: do barroco ao moderno: 1492-1800. Rio de Janeiro: Record, 2003. ______. A queda do escravismo colonial: 1776-1848. Rio de Janeiro: Record, 2002. BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. BODEI, Remo. A história tem um sentido? Bauru: Edusc, 2001. BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV – XVIII: as estruturas do cotidiano. São Paulo: Martins Fontes, v. 1, 1997. ______. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV – XVIII: os jogos das trocas. São Paulo: Martins Fontes, v. 2, 1998. ______. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV – XVIII: o tempo do mundo. São Paulo: Martins Fontes, v. 3, 1998. ______. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 2005. ______. Gramática das civilizações. São Paulo: Martins Fontes, 2004. BOTTOMORE, Tom (Ed.). Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. BRESCIANI, Maria Stella M. O charme da ciência e a sedução da objetividade: Oliveira Viana, cientista social. In SILVA, Sérgio S.; SZMRECSÁNYI, Tamás (Org.). História econômica da Primeira República. São Paulo: Hucitec : Edusp, 2002. ______. História e historiografia das cidades, um percurso. In FREITAS, Marcos Cezar de. (Org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2007. BURKE, Peter. A escola dos Annales (1929-1989): a revolução Francesa da historiografia. São Paulo: Ed. UNESP, 2000. ______. (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Ed. UNESP, 1992.
147
CAMARGO, José Benedito dos Santos (Org.). Aspectos históricos da Câmara Municipal de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto. Edição comemorativa do centenário da edilidade. Ribeirão Preto, 1947. CAMARGO, José Francisco. Crescimento da população no Estado de São Paulo e seus aspectos econômicos. São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas, 1981. CAMPOS, Maria Christina Siqueira de Souza; LUNARDELO, Paulo Henrique. A Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto: história e memória. In ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDÚSTRIAL DE RIBEIRÃO PRETO. 100 anos da ACIRP. Ribeirão Preto, 2004. CAMARGO, Maria Daniela Bueno de. Açúcar, café, escravos e imigrantes. São Paulo: Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária, Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, 2005. (Terra paulista – jovens, 2) CANO, Wilson. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil (1930-1970). São Paulo: Global : Ed. Unicamp, 1985. ______. Raízes da concentração industrial em São Paulo. 4.ed. Campinas: Ed. UNICAMP, 1998. CARLOS, Ana Fani Alessandri. Espaço e indústria. São Paulo: Contexto : EDUSP, 1988. CARMO, Paulo Sérgio do. A ideologia do trabalho. São Paulo: Moderna, 2005. CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: teatro de sombras. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ : Relume Dumará, 1996. CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 1998. CASTRO, Meire Cristina de. O trabalho ambulante no complexo cafeeiro. 2000, 140f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2000. CERRI, Luís Fernando. Os conceitos de consciência histórica e os desafios da didática da história. 2006, 19p. Disponível em: <http://www.uepg.br/rhr/v6n2/5cerri.pdf>. Acesso em: 2 set. 2006. CHALITA, Gabriel. A evolução do conceito de justiça. In DEBES, Célio; DONATO, Hernani; MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Cultura paulista: antologia 2005. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. CHESNAIS, François et al. Uma nova fase do capitalismo? São Paulo: Xamã, 2003.
148
CINTRA, Rosana Aparecida. Italianos em Ribeirão Preto. 2001, 206f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2001. CIONE, Rubem. A história de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto: Imag, v. 5, 2000. COHN, Gabriel (Org.). Weber. São Paulo: Ática, 2006. COLISTETE, Renato Perim. A força das idéias: a CEPAL e o industrialismo no Brasil no início dos anos 50. In SZMRECSÁNYI, Tamás; SUZIGAN, Wilson (Org.). História econômica do Brasil contemporâneo. São Paulo: Hucitec : Edusp, 2002. COSTA, Emília Viotti da Costa. Brasil: a era da reforma, 1870 – 1889. In BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina. São Paulo: Edusp, v.5, 2002. ______. Da senzala à colônia. São Paulo: Brasiliense, 1989. ______. Da monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Ed. UNESP, 1999. COSTA, Wanderley Messias da. O Estado e as políticas territoriais no Brasil. São Paulo: Contexto, 1988. COSTA, Wilma Peres. A economia mercantil escravista nacional e o processo de construção do Estado no Brasil (1808-1850). In SZMRECSÁNYI, Tamás; LAPA, José Roberto do Amaral (Org.). História econômica da Independência e do Império. São Paulo: Hucitec : Edusp, 2002. COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2001. CUNHA, Marcus Vínicius da. O velho Estadão: educação e poder nos anos de ouro do Ginásio Otoniel Mota. Ribeirão Preto: Palavra Mágica, 2001. DEAN, Warren. A economia brasileira, 1870 – 1930 In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina. São Paulo: Edusp, v.5, 2002. _____. A industrialização de São Paulo (1880-1945). São Paulo: Difel, 1984. DELFIM NETTO, Antonio. O problema do café no Brasil. São Paulo: IPE, 1981. DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. DOSSE, François. A história à prova do tempo: da história em migalhas ao resgate do sentido. São Paulo: Ed. UNESP, 2001. ______. A história em migalhas: dos Annales à Nova História. São Paulo: Ensaio, 1992. DUMONT, Louis. Homo aequalis: gênese e plenitude da ideologia econômica. Bauru: Edusc, 2000.
149
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2007. ______. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 2004. EAGLETON, Terry. As ilusões do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. EISENBERG, Peter. Homens esquecidos: escravos e trabalhadores livres no Brasil. Campinas: Ed. UNICAMP, 1989. ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. ______. Modernização sem mudança: indústria açucareira em Pernambuco (1840-1910). Rio de Janeiro: Paz e Terra; Campinas: Ed. UNICAMP, 1977. ______. O processo civilizador: formação do Estado e civilização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. EMBOABA, Osmani. História da fundação de Ribeirão Preto. São Paulo, 1955. ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. São Paulo: Centauro, 2002. ÉRNICA, Mauricio. A formação da metrópole. São Paulo: CENPEC, 2005. (Terra paulista – jovens, 7) FALEIROS, Rogério Naques. Os combates de Lucien Febvre. Estudos de História. Franca, v. 11, n. 2, p. 41-63, dez. 2004. ______. Fronteiras do café: fazendeiros e colonos no interior paulista (1917-1937). 2007, 438f. Tese (Doutorado em História Econômica) – Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. ______. Homens do café: Franca, 1880-1920. Ribeirão Preto: Holos, 2008. FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2000. 2v. (Grandes nomes do pensamento brasileiro). ______. Historiografia da imigração para São Paulo. São Paulo: Sumaré : FAPESP, 1991. FERNANDES, Maria Esther. A cidade e seus limites. São Paulo: Annablume: Fapesp; Ribeirão Preto: Ed. UNAERP, 2004. FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Org.). O Brasil Republicano: o tempo do liberalismo excludente – da Proclamação da república à revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
150
FERRO, Marc. História das colonizações: das conquistas às independências, séculos XIII a XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. FIORI, José Luís. Os moedeiros falsos. Petrópolis: Vozes, 1997. FOLLIS, Fransérgio. Modernização urbana na Belle Époque paulista. São Paulo: Ed. UNESP, 2004. FONTANA, Joseph. História: análise do passado e projeto social. Bauru: EDUSC, 1998. FRAGOSO, João Luís. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do RJ (1790-1830). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. FRANCISCO, Luis Roberto de. A vida caipira em São Paulo. São Paulo: Cenpec, 2005. (Terra paulista – jovens, 3) FRANCO, Gustavo H. B. A primeira década republicana. In: ABREU, Marcelo de Paiva et al. A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana:1889 – 1989. Rio de Janeiro: Campus, 1990. FRANCO, Maria Sylvia de C. Homens livres na ordem escravocrata. São Paulo: Ática, 1976. FREITAS, Gabriel Vendruscolo de. A bacia hidrográfica como unidade territorial para o planejamento e gestão ambiental: estudo da bacia hidrográfica do Ribeirão Preto no município de Ribeirão Preto – SP. Dialogus. Ribeirão Preto, v. 1, n. 2, p. 65-84, 2006. FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2006. FRITSCH, Winston. Apogeu e crise na primeira república: 1900 – 1930. In: ABREU, Marcelo de Paiva et al. A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana – 1889 – 1989. Rio de Janeiro: Campus, 1990. FRÚGOLI JÚNIOR, Heitor. Nexos simbólicos entre capital e interior paulista: reinterpretações recentes da cultura paulista In SETUBAL, Maria Alice. Terra paulista: trajetórias contemporâneas. São Paulo: CENPEC, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. FURTADO, Celso. Dialética do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964. ______. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Nacional, 2000. (Grandes nomes do pensamento brasileiro). ______. Teoria e política do desenvolvimento econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1983. (Os economistas).
151
GALBRAITH, John Kenneth. A era da incerteza: história das idéias econômicas e suas conseqüências. São Paulo: Pioneira, 1980. GARAVAZO, Juliana; PORTO, Mauro da Silva. Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto: histórias e personagens de seus primeiros anos (1904-1930). In ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDÚSTRIAL DE RIBEIRÃO PRETO. 100 anos da ACIRP. Ribeirão Preto, 2004. GARCIA, Maria Angélica Momenso. Trabalhadores rurais em Ribeirão Preto: trabalho e resistência nas fazendas de café, 1890-1920. Franca: Ed. UNESP-FHDSS, 1997. (Série história local, 6). GEBARA, Ademir. Evolução da legislação civil e o problema da indenização. In SZMRECSÁNYI, Tamás; LAPA, José Roberto do Amaral (Org.). História econômica da Independência e do Império. São Paulo: Hucitec : Edusp, 2002. GODOY, Joaquim Floriano de. A província de S. Paulo: trabalho estatístico, histórico e noticioso. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; FUNDAP, 2007. GOMES, Angela de Castro. A República não-oligárquica e o liberalismo dos empresários. In SILVA, Sérgio S.; SZMRECSÁNYI, Tamás (Org.). História econômica da Primeira República. São Paulo: Hucitec : Edusp, 2002. GONÇALVES, Maria Flora et al. Regiões e cidades, cidades nas regiões: o desafio urbano regional. São Paulo: Ed. UNESP : ANPUH, 2003. GUMIERO, Elaine Aparecida. Ribeirão Preto e o desenvolvimento do seu comércio. 2000, 197f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2000. HADDAD, Fernando (Org.). Desorganizando o consenso: nove entrevistas com intelectuais à esquerda. Petrópolis: Vozes, 1998. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. A razão na história: uma introdução geral à filosofia da história. São Paulo: Centauro, 2001. HEILBRONER, Robert. A história do pensamento econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Os economistas). HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2008. ______. Uma crise global da civilização: os desafios futuros. In HELLER, Agnes et al. A crise dos paradigmas em ciências sociais e os desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999. HOBSBAWM, Eric J. A Era do Capital (1845 – 1875). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
152
HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848. São Paulo: Paz & Terra, 2003 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957. ______. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989. HOLLOWAY, Thomas H. Condições do mercado de trabalho e organização do trabalho na economia cafeeira de São Paulo, 1885-1915: uma análise preliminar. Estudos Econômicos. São Paulo, v.2, n. 6, p. 145-180, 1972. HOLLOWAY, Thomas H. Imigrantes para o café: café e sociedade em São Paulo (1866 – 1934). Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1984. HONORATO, Cezar T. O Estado Imperial e a modernização Portuária. In SZMRECSÁNYI, Tamás; LAPA, José Roberto do Amaral (Org.). História econômica da Independência e do Império. São Paulo: Hucitec : Edusp, 2002. HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. IANNI, Octávio. Enigmas da modernidade-mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. ______. O progresso econômico e o trabalhador livre. In HOLANDA, Sérgio Buarque de (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1990. t. 2, v. 3. JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins fontes, 2007. JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2004. JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. O diálogo convergente: políticos e historiadores no início da República. In FREITAS, Marcos Cezar de. (Org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2007. KIRDEIKAS, João Carlos Vieira. A formação do mercado de trabalho no Brasil: uma análise da legislação sobre locação de serviços no século XIX. Disponível em: <http://www.anpec.org.br/encontro2003/artigos/A23.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2008. KLEIN, Hebert S. Migração internacional na história das Américas. In FAUSTO, Boris (Org.). Fazer a América: a imigração em massa para a América Latina. São Paulo: Edusp, 2000. LA GRASSA, Gianfranco. O capitalismo contemporâneo e o papel da teoria marxista. In Crítica Marxista, v. 1, n. 2, p. 92-106, 1995.
153
LAGES, José Antônio Corrêa. Ribeirão Preto: da Figueira à Barra do Retiro – o povoamento da região pelos entrantes mineiros na primeira metade do século XIX. Ribeirão Preto: VGA, 1996. LAFER, Betty Mindlin. Planejamento no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1973. LAJOLO, Marisa. Regionalismo e história da literatura: quem é o vilão da história? In FREITAS, Marcos Cezar de. (Org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2007. LANNA, Ana Lúcia Duarte. Santos – transformações urbanas e mercado de trabalho livre, 1870-1914. In SILVA, Sérgio S.; SZMRECSÁNYI, Tamás (Org.). História econômica da Primeira República. São Paulo: Hucitec : Edusp, 2002. LEFEBVRE, Henry. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001. LEITE, Joaquim da Costa. O Brasil e a emigração portuguesa (1855-1914). In FAUSTO, Boris (Org.). Fazer a América: a imigração em massa para a América Latina. São Paulo: Edusp, 2000. LEME, Marisa Saenz. Bairros proletários paulistanos no início do século XX: moradia, lazer e educação. Estudos de História. Franca, v. 9, n. 1, p. 101-129, jun. 2002. LÊNIN, Vladimir Ilitch. O Imperialismo: fase superior do capitalismo. São Paulo: Centauro, 2005. LEVI, Darrell E. A família Prado. São Paulo: Cultura 70, 1977. LIMA, Luiz Costa. Pensando nos trópicos: (dispersa demanda II). Rio de Janeiro: Rocco, 1991. LOPES, Luciana Suarez. As principais fontes de renda e as principais despesas do município de Ribeirão Preto. Disponível em: <http://www.arquivopublico.ribeiraopreto.sp.gov.br/.../i14rendasdespesas.pdf.> Acesso em: 21 abr. 2009. ______. A formação do município de Ribeirão Preto e o surgimento do comércio e da indústria. In ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDÚSTRIAL DE RIBEIRÃO PRETO. 100 anos da ACIRP. Ribeirão Preto, 2004. ______. Sob os olhos de São Sebastião: a cafeicultura e as mutações da riqueza em Ribeirão Preto, 1849-1900. 2005, 272f. Tese (Doutorado em História Econômica) – Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. LOPES, Silvana Fernandes. A educação escolar na primeira República: a perspectiva de Lima Barreto. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/artigos_frames/artigo_100.html.> Acesso em: 14 jul. 2009.
154
LOVE, Joseph L. A locomotiva: São Paulo na federação paulista (1889-1937). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins fontes, 2003. LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil: 1808 a 1930. São Paulo: Alfa-Omega Ltda, 1975. MACHADO, Alcântara. Vida e morte do bandeirante. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. MARCONDES, Renato Leite. A arte de acumular na economia cafeeira: Vale do Paraíba, século XIX. Lorena: Stiliano, 1998. MARCONDES, Renato Leite; COSTA, Iraci Del Nero da. “Racionalidade econômica” e escravismo brasileiro: uma nota. Estudos de História. Franca, v. 9, n. 1, p. 249-256, jun. 2002. ______. O financiamento hipotecário da cafeicultura no Vale do Paraíba Paulista (1865-87). 2006, 24p. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbe/v56n1/a06v56n1.pdf>. Acesso em: 2 set. 2006. MARCONDES, Renato Leite; GARAVAZO, Juliana. Comércio e indústria em Ribeirão Preto de 1890 a 1962. In ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDÚSTRIAL DE RIBEIRÃO PRETO. 100 anos da ACIRP. Ribeirão Preto, 2004. ______. Preços e comercialização do café no Vale do Paraíba paulista: Bananal em inícios do século XIX. Revista Brasileira de Economia. Rio de Janeiro, v. 53, n. 2, p. 183-209, abr./jun. 1999. MARINS, Paulo César Garcez. Costumes do interior paulista. São Paulo: Cenpec, 2005. (Terra paulista – Jovens, 6). ______. Moradias dos paulistas. São Paulo: Cenpec, 2005. (Terra paulista – jovens, 5) MARTINS, Ana Luiza. Interior paulista: comércio, indústria e bancos. In SETUBAL, Maria Alice. Terra Paulista: trajetórias contemporâneas. São Paulo : CENPEC : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. MARTINS, José de Souza. As mudanças nas relações entre a sociedade e o Estado e a tendência à anomia nos movimentos sociais e nas organizações populares. 2006. 21p. Disponível em: <http://www.iea.usp.br/iea/observatorios/futuro/dilemasedesafios/martinsrev38.html-52k>. Acesso em: 2 set. 2006. ______. O cativeiro da terra. São Paulo : Hucitec, 2004.
155
MARX. Karl. O capital: contribuição à crítica da economia da economia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, l.1, 2v. _______. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Martins Claret, 2006. MATOS, Odilon Nogueira. Alguns aspectos da historiografia paulista. In DEBES, Célio; DONATO, Hernani; MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Cultura paulista: antologia 2005. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. ______. Café e ferrovias: a evolução ferroviária em São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. São Paulo: Alfa-Ômega, 1974. MATTOS, Ilmar Rolhoff de. O tempo saquarema: a formação do Estado Imperial. São Paulo : Hucitec, 1987. MAUÁ, Irineu Evangelista de (Visconde). Exposição aos credores e ao público (1878). Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 2001. MELLO, João Manuel Cardoso de. O capitalismo tardio: contribuição à revisão crítica da formação e do desenvolvimento da economia brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1998. MELLO, João Manuel Cardoso de; NOVAIS, Fernando. Capitalismo tardio e Sociabilidade moderna In SCHWARCZ, Lilia Mortiz (Org.). História da Vida Privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. MELO, Hildete Pereira de. O café e a economia fluminense, 1889/1920. In SILVA, Sérgio S.; SZMRECSÁNYI, Tamás (Org.). História econômica da Primeira República. São Paulo: Hucitec : Edusp, 2002. MENDONÇA, Sonia Regina de. Grande propriedade, Grandes proprietários: velhas questões, novas abordagens (1890-1930). In SILVA, Sérgio S.; SZMRECSÁNYI, Tamás (orgs.). História econômica da Primeira República. São Paulo : Hucitec : Edusp, 2002. MÉSZAROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005. MICELI, Paulo. O mito do herói nacional. São Paulo: Contexto. 1988. ______. Sobre história, Braudel e os vaga-lumes. A escola dos Analles e o Brasil (ou vice-versa). In FREITAS, Marcos Cezar de. (Org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2007. MILLIET, Sérgio. O roteiro do café e outros ensaios: contribuição para o estudo da história econômica e social do Brasil. São Paulo: Hucitec, 1982.
156
MONBEIG, Pierre. Novos estudos de geografia humana brasileira. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1957. _______. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Hucitec/Pólis, 1984. MORAES, José Geraldo Vinci de. Cidade e cultura urbana na Primeira República. São Paulo: Atual, 1994. MORSE, Richard M. Formação histórica de São Paulo (de comunidade à metrópole). São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970. MOTA, Carlos Guilherme (Org). Brasil em perspectiva. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987. MOURA, Denise A. Soares de. Sociedade movediça: economia, cultura e relações sociais em São Paulo – 1808-1850. São Paulo : Ed. UNESP, 2005. NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Brasília: Senado Federal : Conselho Editorial, 2003. NAXARA, Márcia Regina Capelari. “Encantos” e “Conquistas” do Oeste: desvendar fronteiras e construir um lugar político. In GUTIÉRREZ, Horacio et al (Org.). Fronteiras: paisagens, personagens, identidades. Franca: Ed. UNESP; São Paulo: Olho D’Água, 2003. NIXDORF, Oswald. Cultura do café. São Paulo: Melhoramentos, 1954. NOVAIS, Fernando A.. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec, 1986. NOVY, Andréas. A des-ordem da periferia: 500 anos de espaço e poder no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. NOZOE, Nelson Hideiki. São Paulo: economia cafeeira e urbanização: estudo da estrutura tributária e das atividades econômicas na capital paulista (1889-1933). São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas, 1984. ODÁLIA, Nilo. A economia e o pensamento historiográfico de Oliveira Viana. In SILVA, Sérgio S.; SZMRECSÁNYI, Tamás (Org.). História econômica da Primeira República. São Paulo: Hucitec : Edusp, 2002. ______. As formas do mesmo: ensaios sobre o pensamento historiográfico de Varnhagem e Oliveira Vianna. São Paulo: Ed. UNESP, 1997. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A geografia das lutas no campo. São Paulo : Contexto; EDUSP, 1988. OLIVEIRA, Carlos Alonso B. de. Processo de industrialização: do capitalismo originário ao atrasado. São Paulo: Edunesp; Campinas :Unicamp, 2003.
157
OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista: o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2006. ______. O elo perdido: classe e identidade de classe. São Paulo: Brasiliense, 1987. OLIVEIRA, Jorge H. C.; MARCONDES, Renato Leite. Negociantes de imóveis durante a expansão cafeeira em Ribeirão Preto (1874 – 1899), 2006, 25p. Disponível em: <http://www.abphe.org.br/congresso2003/textos/Abphe_2003_107.pdf>. Acesso em: 2 set. 2006. OLIVEIRA, Jorge Henrique Caldeira de. Ribeirão Preto na República Velha: economia e riqueza através das transações imobiliárias. 2006. 271f. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2006. OLIVEIRA, Lélio Luiz de. Heranças Guardadas e Transições Ponderadas: História Econômica do Interior Paulista - 1890-1920. Franca: UNESP/FHDSS : FACEF, 2006. OLIVEIRA, Maria Teresa Ribeiro de. Indústria têxtil mineira no século XIX. In SILVA, Sérgio S.; SZMRECSÁNYI, Tamás (Org.). História econômica da Primeira República. São Paulo: Hucitec : Edusp, 2002. PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. As muitas faces da história: nove entrevistas. São Paulo: Ed. UNESP, 2000. PAZIANI, Rodrigo Ribeiro. Construindo a Petit Paris. 2004, 348f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2004. PAZIANI, Rodrigo Ribeiro. Outras leituras da cidade: experiências urbanas da população de Ribeirão Preto durante a Primeira República, 2006, 26p. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tem/v10n19/v10n19a11.pdf>. Acesso em: 2 set. 2006. PERBONI. Fábio. A água, o fogo e o sangue. 1999, 208f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 1999. PERISSINOTO, Renato M. Classes dominantes e hegemonia na República Velha. Campinas: Ed. Unicamp, 1994. PIMENTEL FILHO, José Ernesto. Incultura e criminalidade: estereótipos sobre a educação da criança, do jovem e do camponês no século XIX. . História. vol. 24, n. 1, p. 227-246, 2005. PINHO, Diva Benevides; VASCONCELLOS. Marco Antonio Sandoval de. Manual de economia. São Paulo: Saraiva, 2003.
158
PINTO, Luciana Suarez Galvão. Ribeirão Preto: a dinâmica da economia cafeeira de 1870 a 1930. 2000, 217f. Dissertação (Mestrado em História Econômica) - Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Araraquara, 2000. ______. Um estudo sobre a composição da riqueza em Ribeirão Preto com base nos inventários post-mortem (1866 – 1888), 2006. 18p. Disponível em: <http://www.coderp.com.br/scultura/arqpublico/artigo/i14riqueza.pdf>. Acesso em: 2 set. 2006. PIRES, Júlio Manuel. O desenvolvimento econômico de Ribeirão Preto, 1930-2000. 2006. 23p. Disponível em: <http://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/scultura/arqpublico/artigo/i14desenveconomico.pdf>. Acesso em: 2 set. 2006. POSSAS, Lídia M. V. As fronteiras do Oeste Paulista: ocupando sertões, fundando cidades e (re)fazendo a história do lugar In SETUBAL, Maria Alice. Terra Paulista: trajetórias contemporâneas. São Paulo: CENPEC, 2008. PRADO, Maria Lígia. América Latina no século XIX: trama, telas e textos. São Paulo: EDUSP; Bauru: EDUSC, 1999. ______. A formação das nações latino-americanas. São Paulo: Atual; Campinas: Ed. UNICAMP, 1987. PRADO JÙNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo: Brasiliense, 2000. (Grandes pensamentos brasileiros). ______. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1970. ______. História e desenvolvimento: a contribuição da historiografia para a teoria e prática do desenvolvimento brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1989. QUEIRÓZ, Suely Robles Reis de. Escravidão negra em debate. In FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2007. REALE, Miguel. O renascimento do liberalismo. In DEBES, Célio; DONATO, Hernani; MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Cultura Paulista: antologia 2005. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. REIS, José Carlos. História & teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2003. RIO, João do. A alma encantadora das ruas: crônicas. São Paulo: Martin Claret, 2008.
159
RODRIGUES, Arlete Moysés. Moradia nas cidades brasileiras. São Paulo: Contexto; EDUSP, 1988. ROSA, Lílian Rodrigues de Oliveira. A ACI e o poder público municipal: a história política de Ribeirão Preto nas quatro primeiras décadas do século XX. In ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDÚSTRIAL DE RIBEIRÃO PRETO. 100 anos da ACIRP. Ribeirão Preto, 2004. ______. Comunistas em Ribeirão Preto (1922-1947). 1997, 175f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 1997. SAES, Flávio Azevedo M. de. As ferrovias de São Paulo: Paulista, Mogiana e Sorocabana. Tese de doutoramento. São Paulo: Ed. USP, 1974. ______. Crédito e bancos no desenvolvimento da economia paulista: 1850-1930. São Paulo: Ed. USP, 1986. ______. Estradas de ferro e diversificação da atividade econômica na expansão cafeeira em São Paulo, 1870-1900. In SZMRECSÁNYI, Tamás; LAPA, José Roberto do Amaral (Org.). História econômica da Independência e do Império. São Paulo: Hucitec : Edusp, 2002. SAKURAI, Célia. Imigração japonesa para o Brasil: um exemplo de imigração tutelada (1908-1941). In FAUSTO, Boris (Org.). Fazer a América: a imigração em massa para a América Latina. São Paulo: Edusp, 2000. SANTOS, Jonas Rafael dos. As transformações da riqueza em Ribeirão Preto. 2004, 217f. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2004. ______. Imigração e ascensão social em Ribeirão Preto entre o final do século XIX e meados do XX. 2006. 23p. Disponível em: <http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/docspdf/ABEP2006_797.pdf>. Acesso em: 2 set. 2006. SANTOS, José Vicente Tavares dos. Efeitos sociais da modernização da agricultura. In SZMRECSÁNYI, Tamás; SUZIGAN, Wilson (Org.). História econômica do Brasil contemporâneo. São Paulo: Hucitec : Edusp, 2002. SANTOS, Milton. A natureza do espaço. Técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: EDUSP, 2008. ______. A urbanização brasileira. São Paulo: EDUSP, 2008. ______. Economia espacial: críticas e alternativas. São Paulo: EDUSP, 2007. ______. O espaço do cidadão. São Paulo: EDUSP, 2007. ______. Pensando o espaço do homem. São Paulo: EDUSP, 2007.
160
SCANTIMBURGO, João de. O Brasil e o futuro. In DEBES, Célio; DONATO, Hernani; MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Cultura Paulista: antologia 2005. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. ______. Os paulistas. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. SCARLATO, Francisco Capuano. População e urbanização brasileira. In ROSS, Jurandyr L. Sanches (Org.). Geografia do Brasil. São Paulo: Edusp, 2008. SCHAPOCHNIK, Nelson (Org.). Paulicéia – João do Rio: um dândi na Cafelândia. São Paulo: Boitempo, 2004. SCHUMPETER, Joseph A. História da análise econômica. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964. SCHWARCZ, Lélia Mortiz (Org). História da vida privada no Brasil: contrates da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. (História da vida privada no Brasil, 4). SEIXAS, Jacy Alves de. Tênues fronteiras de memórias e esquecimentos: A imagem do brasileiro jecamacunaímico. In GUTIÉRREZ, Horacio et al (Org.). Fronteiras: paisagens, personagens, identidades. Franca: UNESP/FHDSS; São Paulo: Olho D’Água, 2003. SERRA, Rodrigo Valente. Desconcentração urbana e oportunidades de trabalho: um estudo da integração dos imigrantes no mercado de trabalho das cidades médias e regiões metropolitanas brasileiras. 2006, 26p. Disponível em: <http://www.nemesis.org.br/docs/rod1.pdf>. Acesso em: 2 set. 2006. SETUBAL, Maria Alice. Famílias paulistas. São Paulo: Cenpec, 2005. (Terra paulista – jovens, 4) SILVA, Adriana Capretz Borges da. Campos Elíseos e Ipiranga: memórias do antigo Barracão. Ribeirão Preto: Ed. COC, 2006. ______. Cem anos do desenvolvimento urbano de Ribeirão Preto. In ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDÚSTRIAL DE RIBEIRÃO PRETO. 100 anos da ACIRP. Ribeirão Preto, 2004. ______. Imigração e urbanização: o núcleo colonial Antônio Prado em Ribeirão Preto. 2002, 195f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Urbana) – Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2002. SILVA, Benedita Luiza da. O rei da noite na Eldorado Paulista. 2000, 184f. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2000. SILVA, James Roberto. Memória, narrativa e história: a propósito de Benjamin, Vernant e Le Goff. In Estudos de História. Franca, v. 11, n. 2, p. 27-39, dez. 2004.
161
SILVA, Lígia Maria Osório. A apropriação territorial na Primeira República. In SILVA, Sérgio S.; SZMRECSÁNYI, Tamás (Org.). História econômica da Primeira República. São Paulo: Hucitec : Edusp, 2002. SIMAN, Lana Mara de Castro (org.). Inaugurando a História e construindo a nação: discursos e imagens no ensino de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. SIMONSEN, Roberto Cochrane. História econômica do Brasil: 1500-1820. São Paulo: Companhia Editora Nacional; Brasília: INL, 1977. SINGER, Paul Israel A formação da classe operária. São Paulo: Atual; Campinas: Ed. Unicamp, 1987. ______. Desenvolvimento econômico e evolução urbana: análise da evolução econômica de São Paulo, Blumenau, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife. São Paulo: Ed. Nacional : Ed. USP, 1968. ______. Dinâmica populacional e desenvolvimento: o papel do crescimento populacional no desenvolvimento econômico. São Paulo : Hucitec, 1976. ______. O uso do solo urbano na economia capitalista. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982. SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976. SNOW, Andréas; ANDERSON, Leon. Desafortunados: um estudo sobre o povo da rua. Petrópolis: Vozes, 1998. SODRÉ, Nelson Werneck. Formação histórica do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. SORJ, Bernardo. A nova sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. SOUZA, Márcio Luís de. Campos Elíseos e Abadia de Santo Antônio de Pádua: os agentes subjetivos das entrelinhas de sua história.. 2003. 44f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) - Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2003. SOUZA, Wlaumir Doniseti de. Anarquismo, Estado e pastoral do imigrante: das disputas ideológicas pelo imigrante aos limites da ordem: O caso Idalina. São Paulo: Ed. UNESP, 2000. ______. Fazer América: da estabilidade do ideal à instabilidade do real. 1997, 230f. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 1997.
162
SPÓSITO, Eliseo Savério. A vida nas cidades. São Paulo: Contexto, 1994. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Capitalismo e urbanização. São Paulo: Contexto, 1991. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Novos conteúdos nas periferias urbanas das cidades médias do Estado de São Paulo, Brasil. 2006. 26p. Disponível em: <http://www.igeograf.unam.mx/instituto/publicaciones/boletin/bol54/b54art7.pdf>. Acesso em: 2 set. 2006. STOLCKE, Verena. Cafeicultura, homens, mulheres e capital. São Paulo: Brasiliense, 1986. STRAZZACAPPA, Cristina. A luta pelas terras no Brasil: das sesmarias ao MST. São Paulo: Moderna, 2006. SUZIGAN, Wilson. Indústria brasileira: origem e desenvolvimento. São Paulo: Hucitec : Ed. UNICAMP, 2000. SUZIGAN, Wilson; SZMRECSÁNYI, Tamás. Os investimentos estrangeiros no início da industrialização do Brasil. In SILVA, Sérgio S.; SZMRECSÁNYI, Tamás (Org.). História econômica da Primeira República. São Paulo: Hucitec : Edusp, 2002. SZMRECSÁNYI, Tamás; RAMOS, Pedro. O papel das políticas governamentais na modernização da agricultura brasileira. In SZMRECSÁNYI, Tamás; SUZIGAN, Wilson (Org.). História econômica do Brasil contemporâneo. São Paulo: Hucitec : Edusp, 2002. TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. ______. Império, território e dinheiro. In FIORI, José Luís (Org.). Estados e moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis: Vozes, 1999. TAVARES, Maria da Conceição; FIORI, José Luís. Desajuste global e modernização conservadora. São Paulo: Paz e Terra, 1996. ______. (Org.). Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes, 1997. TEODORO, Rodrigo da Silva, O crédito no mundo dos senhores do café: Franca 1885-1914. 2005, 239f. Dissertação (Mestrado em História Econômica) – Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. TONETTO, Sandra Márcia. A política econômica de Getúlio Vargas e a crise do café em Ribeirão Preto (1930-1945). 2000, 148f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2000.
163
TOSI, Pedro Geraldo. Capitais no interior: Franca e a história da indústria coureiro-calçadista (1860 – 1945). Franca: UNESP/ FHDSS, 2002. ______. Cultura do café e cultura dos homens em Franca: A influência da ferrovia para a sua urbanização. Franca: Revista Estudos de História. Franca, v. 5, n. 2, p. 113-148, dez. 1998. TOSI, Pedro Geraldo. O pensamento português de inspiração econômica: memórias econômicas da Academia (1789-1815). 1992, 218f. Dissertação (Mestrado em História ) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 1992. TOSI, P. G.; FALEIROS, R. N.; TEODORO, R. S.. Fragmentos de um Modelo: pequenas lavouras de café e acumulação de capitais. História (São Paulo), v. 24, p. 291-327, 2005. TRAGTENBERG, Maurício. Burocracia e ideologia. São Paulo: Ed. da UNESP, 2006. TRUZZI, Oswaldo. Café e Indústria: São Carlos: 1850-1950. São Carlos: EdUFSCar; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007. TUON, Liamar Izilda. O cotidiano cultural em Ribeirão Preto (1880-1920). 1997, 162f. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 1997. VALADÃO, Valéria. Imigração e introdução de novos hábitos habitacionais em Ribeirão Preto. Revista de Pós-graduação em História. Franca, n. 1, p. 253-268, dez. 1994. _______. Memória arquitetônica em Ribeirão Preto: planejamento urbano e política de preservação. 1997. 264f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 1997. VERSIANI, Flávio Rabelo. Escravos, homens livres e imigrantes: notas sobre a oferta de trabalho para a indústria no período até 1920. In SILVA, Sérgio S.; SZMRECSÁNYI, Tamás (Org.). História econômica da Primeira República. São Paulo: Hucitec : Edusp, 2002. VESENTINI, José William. Novas geopolíticas. São Paulo: Contexto, 2000. VIANNA, Oliveira. Instituições políticas brasileiras. Brasília (DF): Conselho Editorial do Senado Federal, 1999. ______. Populações Meridionais do Brasil. Brasília: Senado federal; Conselho Editorial, 2005. VILLAR, Pierre. História e Representação. In D´ALESSIO, Márcia Mansor. Reflexões sobre o saber histórico. São Paulo: Ed. Unesp, 1998.
164
WALKER, Thomas W.; BARBOSA, Agnaldo de Souza. Dos coronéis à metrópole: fios e tramas da sociedade e da política em Ribeirão Preto no século XX. Ribeirão Preto: Palavra Mágica, 2000. WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. Capitalismo histórico e civilização capitalista. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001. WALLERSTEIN, Immanuel. O sistema mundial moderno: a agricultura capitalista e as origens da economia-mundo européia no século XVI. Porto: Edições Afrontamento, v. 1, 1974. ______. O sistema mundial moderno: o mercantilismo e a consolidação da economia-mundo européia, 1600-1750. Porto: Edições Afrontamento, v. 2, 1974. WEBER, Max. Conceitos básicos de sociologia. São Paulo: Centauro: 2002. ______. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Martin Claret, 2003. ______. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília (DF): Ed. UnB; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004. 2v. ______. Ensaios sobre a teoria das ciências sociais. São Paulo: Centauro, 2003. ______. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2001. ______. História geral da economia. São Paulo: Centauro, 2006. ZAMBONI, Ernesta. Processo de formação e organização da rede fundiária da área de Ribeirão Preto, 1874-1900. Estudos de História. Franca, v. 8, n. 2, p.187-208, dez. 2001. ZAMBONI, Maria Célia. A Mogiana e o café: contribuição para a história da Estrada de Ferro Mogiana. 1993. 164f. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 1993. ZARTH, Paulo Afonso. Estancieiros, colonos e lavradores nacionais na construção da estrutura agrária do Rio Grande do Sul. Estudos de História. Franca, v. 8, n. 2, p. 187-208, dez. 2001. ZEQUINI, Anicleide, SILVA, Valderez Antonio da. Os paulistas em movimento. São Paulo: Cenpec, 2005. (Terra paulista – jovens, 1).