vida urbana e suburbana nas terras do café ... · pelas lições de história, pelas lições de...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL MÁRCIO LUÍS DE SOUZA Vida urbana e suburbana nas terras do café: racionalização dos negócios e da vivência coletiva em Ribeirão Preto (1874-1914) Franca - SP 2009

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL

MÁRCIO LUÍS DE SOUZA

Vida urbana e suburbana nas terras do café: racionalização dos

negócios e da vivência coletiva em Ribeirão Preto (1874-1914)

Franca - SP

2009

MÁRCIO LUÍS DE SOUZA

Vida urbana e suburbana nas terras do café: racionalização dos

negócios e da vivência coletiva em Ribeirão Preto (1874-1914)

Dissertação apresentada à Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em História. Área de Concentração: História e Cultura Social. Orientador: Prof. Dr. Pedro Geraldo Tosi

Franca - SP

2009

Souza, Márcio Luís de

Vida urbana e suburbana nas terras do café : racionalização

dos

negócios e da vivência coletiva em Ribeirão Preto (1874-1914) /

Márcio Luís de Souza. –Franca : UNESP, 2009

Dissertação – Mestrado – História – Faculdade de História,

Direito e Serviço Social – UNESP

1. Café – História econômica – Brasil. 2. Ribeirão Preto (SP) –

História urbana, séc. 19-20. 3. Cafeicultura.

CDD – 981.552RP

MÁRCIO LUÍS DE SOUZA

Vida urbana e suburbana nas terras do café: racionalização dos

negócios e da vivência coletiva em Ribeirão Preto (1874-1914)

Dissertação apresentada à Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em História. Área de Concentração: História e Cultura Social.

BANCA EXAMINADORA

Presidente:______________________________________________________ Prof. Dr. Pedro Geraldo Tosi (Unesp/FHDSS) 1º Examinador:___________________________________________________ Prof. Dr. Lélio Luiz de Oliveira (Unesp/FHDSS) 2º Examinador:___________________________________________________ Prof. Dr. Antonio Theodoro Grilo (Fundação de Ensino Superior de Passos) 1º Suplente:_____________________________________________________ Profª. Drª. Ana Raquel Marques da Cunha Martins Portugal (Unesp/FHDSS) 2º Suplente:_____________________________________________________ Rogerio Naques Faleiros (UFES)

Franca, ____ de _____________________ de 2009.

Dedico esta obra a Pedro Geraldo Tosi:

Pelas lições de História, pelas lições de vida, em resumo,

pelas lições de humanidade.

Agradecimentos

Esta obra é resultado de uma vontade extrema de contribuir com a sociedade

por meio da divulgação dos conhecimentos obtidos graças à realização da pesquisa

acerca da história da cidade de Ribeirão Preto, captada por meio da análise das

escrituras públicas arquivadas no 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto.

Para que eu pudesse realizar esta vontade, muitas instituições e pessoas,

representando aquelas ou mesmo agindo em nome dos seus próprios sentimentos,

fizeram-se presentes de forma fundamental. Transcorridos muitos meses, percebo

agora o quão difícil é explicar a todos como cada um despertou para sempre a

minha gratidão. Por esta razão, por ser difícil, às vezes irrealizável discriminar em

palavras o que agora eu sinto, quero apenas deixar registrado aqui alguns nomes.

Agradeço,

Ao Prof. Pedro Geraldo Tosi, a quem eu dedico tudo o que de bom possa ter

esta obra, bem como a Lâmia Jorge Saadi, ambos maravilhosos para todas as horas

e conversas, sobretudo as intelectuais e as de vida.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e,

por extensão, a todos os professores e funcionários envolvidos nas comissões e

tramitações burocráticas que consideram minha pesquisa merecedora do auxílio

financeiro desfrutado durante a vigência da pesquisa.

Aos funcionários da seção de pós-graduação e da biblioteca da Unesp-Franca,

especialmente as pacientes e atenciosas sras. Maísa, Lourdinha e Laura.

Aos funcionários do 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto, especialmente a

Dra. Sílvia M. C. Papassidero e ao Dr. Rubens.

Aos professores da Unesp-Franca, especialmente ao Prof. Lélio Luiz de

Oliveira e à Prof. Ana Raquel Marques da Cunha Martins Portugal, pelas valiosas

críticas quando do exame geral de qualificação.

Aos amigos e parceiros de ofício, Márcio R. F. dos Anjos, Marcus G. Bianco,

Rafael E. Faria, Fernando H. Gelfuso, Fernando A. Gelfuso, Larissa R. Gomes e Luiz

Gustavo Godoy.

A todos os meus familiares de sangue e de consideração, sobretudo aos meus

tios Gilberto, Rosângela e Nair; à minha sogra Margarete, ao Luizão (“meu sogro”), à

Vó Laura e à tia Anete; ao meu irmão Marcos Tadeu, à minha cunhada Karina e ao

meu adorável sobrinho Gabriel; à querida Família Lima (Maria Helena, Maria Elisa,

Fernanda, Arthur e Bira); e, especialmente, à minha mãe Sonia Regina Sartoratto, à

minha avó Julia da Silva Sartoratto, à minha irmã Elaine Cristina de Souza e à minha

noiva (futura esposa e eternamente Amor) Priscilla Aristea Marchetti, essas que

foram as mais próximas de mim em todos os momentos, não por acaso fazendo os

bons sempre mais recorrentes do que os ruins, por transformar as ocasiões de

dificuldade em oportunidades de reflexão e de engrandecimento pessoal e espiritual.

“Todos os animais se defrontam com o desafio

da subsistência material, mas apenas os

humanos carregam a responsabilidade da

questão exasperante do sentido disso”

David Snow & Leon Anderson.

SOUZA, Márcio Luís de. Vida urbana e suburbana nas terras do café: racionalização dos negócios e da vivência coletiva em Ribeirão Preto (1874-1914). 2009. 165 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2009.

RESUMO O objetivo desta pesquisa é estudar o processo de racionalização dos negócios e da vivência coletiva em Ribeirão Preto entre os anos de 1874 e 1914, com destaque para as atividades complementares à economia cafeeira havidas nesta cidade. Para esta finalidade, privilegiamos a análise das escrituras públicas arquivadas no 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto, e não deixamos de levar em conta a vasta produção bibliográfica acerca do fenômeno urbano e do “mundo do café”, bem como da história regional na qual o município desempenhou progressivamente o papel de pólo dinâmico e de captação de capitais e de pessoas. A consideração de trabalhos que se voltaram à pesquisa das muitas faces da história desta cidade se dá pelo julgamento de que as somatórias dos conhecimentos obtidos, especialmente aqueles resultantes da utilização de outros tipos de fontes, agregarão ao trabalho uma possibilidade maior de compreensão da conjuntura escolhida, concomitantemente apresentando uma contribuição que pretende valorizar ainda mais os debates acerca da história local, sobretudo do que se pensa a respeito dos seus agentes sociais. Palavras-chave: vida urbana e suburbana. racionalização dos negócios. vivência coletiva. negociações e contratos. plantação de café. atividades complementares. Ribeirão Preto.

SOUZA, Márcio Luís de. Urbane and suburban life in the lands of the coffee: rationalization of the business and of the collective existence in Ribeirão Preto (1874-1914). 2009. 165 f. Dissertation (Master in History) – Faculty of History, Law and Social Work, São Paulo State University “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2009.

ABSTRACT

The purpose of this research is to study the process of rationalization of the business and of the collective way of living in Ribeirão Preto between the years of 1874 and 1914, with focusing for the complemental activities in the coffee economy had in this city. For this end, we privilege the analysis of the deeds registered in the 1st Notary Public on Ribeirão Preto (SP), and do not stop taking into account the large bibliographical production about the urbane phenomenon and the “world of the coffee”, as well as of the regional history in which the local authority fulfilled progressively the paper of dynamic pole and of captivation of capitals and of persons. The consideration of works that were turned to the inquiry of many faces of the history of this city if it gives for the judgement of which the joinings of the obtained knowledges, specially to that resultant forces of the use of other types of sources, will collect to the work a possibility bigger of understanding of the chosen state of affairs, concomitantly presenting a contribution that claim to value still more the discussions about the local history, especially of what one thinks as to his social agents.

Key-words: urbane and suburban life. rationalization of the business. collective way of living. negotiations and contracts. coffee planting. complemental activities. Ribeirão Preto.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11 CAPÍTULO 1 TRATOS E CONTRATOS NA MODERNIZAÇÃO URBANA ............. 16 1.1 Os indivíduos e a sociedade moderna: uma análise compreensiva das contribuições recíprocas ..................................................................................... 17 1.2 Os indivíduos e as classes profissionais ........................................................ 21 1.3 Origens históricas de Ribeirão Preto: fatos e debates .................................... 32 1.3.1 A incursão da história ribeirãopretana no processo histórico regional paulista ...................................................................................................... 34 1.4 As interações humanas e as modificações do espaço natural ..................... 40

CAPÍTULO 2 A RACIONALIZAÇÃO DOS NEGÓCIOS ........................................... 45

2.1 As transformações ocasionadas pela economia cafeeira ............................. 46 2.2 Os negócios proporcionados pela racionalização dos espaços públicos e privados ................................................................................................. 53 2.3 O urbano e o suburbano em Ribeirão Preto: referenciais em mobilidade ao longo da história da cidade ................................................................................... 59 2.4 A peculiaridade dos habitantes do Núcleo Colonial Antonio Prado: suas atividades complementares e suas conexões ao fluxo de riqueza da atividade cafeeira ...................................................................................................... 66 2.5 As múltiplas dimensões do colonato em Ribeirão Preto ............................... 74 CAPÍTULO 3 A RACIONALIZAÇÃO DA VIVÊNCIA COLETIVA ............................. 86

3.1 A sociabilidade herdada da escravidão e do preconceito ............................. 87 3.2 Os percalços da modernização das relações de trabalho: a transição da mão-de-obra escravista para a assalariada e livre em Ribeirão Preto ...................... 94 3.3 As escrituras de locação de serviços ........................................................... 101 3.4 O caipira ou o que se pensa do homem moderno ribeirãopretano ............ 104 3.4.1 Nos rastros da história ................................................................................ 108 CAPÍTULO 4 AS HIERARQUIAS DA MUDANÇA ................................................. 116 4.1 Ribeirão Preto e Franca: similaridades e distinções dos aspectos da sua formação ........................................................................................................... 117 4.2 O papel da educação em vista da racionalização das posturas de vida .... 124 4.3 O crescimento horizontal da cidade e a verticalização dos grupos sociais ...... 129 4.4 A racionalização como guia das mudanças ................................................. 133 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 142 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 145 FONTES MANUSCRITAS E IMPRESSAS ............................................................. 165

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Introdução

Esta dissertação foi elaborada visando apresentar um balanço geral das

contribuições críticas e históricas acerca do tema da pesquisa de mestrado que me

propus a pesquisar, sob a orientação do Prof. Dr. Pedro Geraldo Tosi, e que titulei

de “Vida urbana e suburbana nas terras do café: racionalização dos negócios e

da vivência coletiva em Ribeirão Preto (1874-1914)”.

Sob a forma de capítulos e subcapítulos, está aqui realizada uma breve

consideração sobre o cotidiano socioeconômico de Ribeirão Preto, com destaque

para as atividades complementares à economia cafeeira havida entre os anos 1874

e 1914, fundamentada a partir da análise das escrituras públicas arquivadas no 1º

Tabelião de Notas desta cidade. Ainda, durante a análise destas fontes, não deixei

de valorizar a extensa relação bibliográfica pertinente ao tema, que por vezes veio

ao encontro do que inferi a partir das fontes; em outras, de encontro ao que julguei;

não antes de uma criteriosa reflexão e averiguação fonte versus conhecimento

teórico e histórico.

As aproximadamente sete mil escrituras estudadas no período de julho de 2006

a fevereiro de 2009 corroboram sobejamente um movimento mais amplo do

processo de racionalização, e este redundou na modernização dos negócios e da

vida cotidiana na cidade. Esse percurso analítico, lastreado nas fontes tratadas, teve

forte entrelaçamento com as opções teóricas e metodológicas que acabaram sendo

empregadas no processo de síntese. As estratégias expositivas escolhidas procuram

evidenciar esse percurso de investigação e elas deram corpo ao presente trabalho.

A intenção que motivou a execução desta pesquisa foi dar a nossa contribuição

à vasta reflexão feita em relação ao tema do “mundo do café”, do qual a história de

Ribeirão Preto é herdeira, a partir do norte da racionalização dos negócios e da

vivência coletiva da população. Nesse sentido, os dados coletados foram

fundamentais para darmos cores às histórias da população que teve acesso à

efetivação dos seus interesses por meio das escrituras públicas e, ao dizer isto,

estamos conscientes de que muitas transações de diversas ordens não chegaram a

ser firmadas no tabelião estudado ou mesmo em outro.

Ainda assim, a amplitude de tipos de escritura e de agentes sociais envolvidos

nos documentos firmados nos inspira a acreditar que a realidade acessada por meio

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do que foi oficializado dá fortes indícios de que o processo de racionalização dos

negócios inspirou a modernização da cidade, perspectiva que julgamos humanizar a

conjuntura proposta, muitas vezes exposta de maneira sistêmica e

despersonalizada. A feição da cidade varia conforme se dá a relação dos grupos

sociais entre si, e nisto há mais contradições do que proximidades, salvo se

olharmos de maneira distanciada para as peculiaridades a ponto de criar a

impressão que os pontilhados aparentem serem riscos. Optamos não firmar um

único foco para, com isso, termos liberdade de particularizar ou de generalizar os

conhecimentos obtidos pela confrontação das fontes primárias com as fontes

secundárias, sobretudo compostas por dados bibliográficos.

Para aproveitarmos ao máximo as informações coletadas das escrituras

públicas, buscamos valorizar sua natureza diversificada e dinâmica, permitindo

análises tanto de ordem qualitativa quanto quantitativa, as quais se somarão às

linhas de todo o conjunto, fazendo com que a explanação feita abaixo não seja, de

forma alguma, de caráter conclusivo, mas de compartilhamento ao que já é de

domínio público.

Visando ao melhor amadurecimento teórico e histórico, trabalhamos na

expectativa de conciliar as críticas já existentes e pertinentes ao tema às reflexões

realizadas e debatidas com o meu orientador, na finalidade de redigir uma

dissertação que, concomitantemente, dê a sua contribuição ao esforço dos

pesquisadores que antes de nós já se dedicaram e se dedicam ao ofício, explorando

com os seus esforços as múltiplas facetas do passado e que, por isso, promovem e

valorizam a continuidade do debate acadêmico. Ainda, desejamos agregar ao

conhecimento histórico de toda a população o saber histórico promovido pela

concretização desta dissertação, ainda que ciente de que se trata de uma pequena

parte do passado, mas certamente uma parte que se soma ao todo, este que

eternamente será buscado por aqueles que refletem a História.

Foi tateando o percurso histórico do capitalismo industrial e financeiro que

pudemos perceber que homens e mulheres viram-se cada vez mais longe do modo

de viver que marcaram os seus antepassados. Na conjuntura destes novos tipos de

capitalismo, a estafa física e mental durante a realização de empreendimentos

desgastantes, muitas vezes em benefício maior de outrem, fez com que estas

pessoas trabalhadoras necessitassem de um elixir que lhes dessem um fôlego a

mais para suportar mais algumas horas de trabalho. Foi graças ao hábito de tomar

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café, principalmente das pessoas afetadas por este novo ritmo de vida, instalado nos

Estados Unidos e na Europa, que o Brasil entrou no cenário internacional.

(HOLLOWAY, 1984, p. 17) Isto possibilitou o encontro de culturas e gerou a

transformação da vivência coletiva que, ao longo das décadas após a segunda

metade do século XIX, veio a se constituir o “mundo do café” no estado de São

Paulo, especialmente na região de Ribeirão Preto. Para melhor viver nele, foi preciso

racionalizar as condutas pessoais visando a uma finalidade. Para uns, acumular

patrimônio, para outros, viverem como lhes conviesse desde que estivesse garantida

a subsistência, ao menos. O resultado desta racionalização compulsória da vida foi a

assimilação pela maior parte das pessoas que passou a materializar suas ações de

maneira inédita, a qual foi chamada, grosso modo, de modernização.

As escrituras públicas conservam relações econômicas, culturais, sociais e

políticas. Algumas delas, concomitantemente, conservam mais de um aspecto da

vida humana. Por outro ângulo, as escrituras remetem a um acordo entre partes, em

sua maioria referente a um público muito pequeno e, na maior parte dos casos,

envolvendo interesses comuns a dois indivíduos.

Contudo, se as escrituras durante o período proposto (1874-1914) forem

olhadas globalmente, não veremos com nitidez os indivíduos, veremos, sim, parte da

sociedade que perpetuou a sua existência e os seus interesses particulares num

instrumento público e legal. Possuidoras de uma essência particular, porém fruto da

vida em sociedade, as escrituras públicas conservam em suas linhas a relação

indivíduo e sociedade, privado e público, sagrado e secular, e, em certa medida,

fatos e representações.

Se a sociedade contemporânea é regida por interesses interindividuais visando

a fins, conforme entendemos, então postular a sociedade atual como sociedade de

indivíduos como fez Norbert Elias (1994) não é uma redundância, mas realçadora

das forças sociais que dinamizaram e dinamizam a vida em sociedade na nossa

época, marcada pelo capitalismo cada vez mais atomizado e também pela

ocorrência de ações voltadas ao público, inclusas aquelas movidas por um ideal,

que necessariamente vai em direção e benefício do outro, mas que não deixa de ser

voltada para o sujeito propiciador por meio da satisfação que nele é gerada pela sua

realização.

Ensina-nos o autor acima que não são entidades ontologicamente diferentes o

“ser humano singular, rotulado de individuo, e a pluralidade das pessoas, concebida

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como sociedade” (ELIAS, 1994, p. 7). É necessária a compreensão de ambos sem

pô-los como simples opostos. Cada indivíduo tem uma função na sociedade, que por

vezes limita a ação dos seus integrantes, sem, no entanto, acorrentá-lo. É

justamente a possibilidade de ação e de mudança que permite a mobilidade social

do indivíduo dentro da hierarquia já constituída. Em outras palavras, a sociedade

limita o indivíduo, mas não o encarcera.

Cada um dos passantes, em algum lugar, em algum momento, tem uma função, uma propriedade ou trabalho específico, algum tipo de tarefa para os outros, ou uma função perdida, bens perdidos e um emprego perdido. [...] Como resultado de sua função, cada uma dessas pessoas tem ou teve uma renda, alta ou baixa, de que vive ou viveu; e, ao passar pela rua, essa função e essa renda, mais evidentes ou mais ocultas, passam com ela. Não lhe é possível, simplesmente, passar para outra função, mesmo que o deseje. O atacadista de papel não pode, subitamente, transformar-se num mecânico, ou o desempregado num diretor de fábrica. Menos ainda pode, qualquer deles, mesmo que o queira tornar-se cortesão, cavaleiro ou brâmane, salvo na realização de um baile a fantasia. cada qual é obrigado a usar certo tipo de traje, está preso a certo ritual no trato com os outros e a formas especificas de comportamento, muito diferentes dos moradores de uma aldeia chinesa ou de uma comunidade de artesãos urbanos do começo da Idade Média. A ordem invisível dessa forma de vida em comum, que não pode ser diretamente percebida, oferece ao indivíduo uma gama mais ou menos restrita de funções e modos de comportamento possíveis. Por nascimento, ele está inserido num complexo funcional de estrutura bem definida; deve-se conformar-se a ele, moldar-se de acordo com ele e, talvez, desenvolver-se mais, com base nele. Até sua liberdade de escolha entre as funções preexistentes é bastante limitada. Depende largamente do ponto em que ele nasce e cresce nessa teia humana, das funções e da situação de seus pais e, em consonância com isso, da escolarização que recebe. (ELIAS, 1994, p. 21)

É por isso que as atitudes individuais só são compreensíveis se relacionadas

aos outros integrantes da sociedade. Devemos olhar o todo para vermos a estrutura

social, ao passo que devemos restringir o nosso olhar para vermos onde cada parte

se encaixa nesta estrutura, que não é sempre visível, mas é perceptível.

Em virtude dessa inerradicável interdependência das funções individuais, os atos de muitos indivíduos distintos, especialmente numa sociedade tão complexa quanto a nossa, precisam vincular-se ininterruptamente, formando longas cadeias de atos, para que as ações de cada indivíduo cumpram suas finalidades. Assim, cada pessoa singular está realmente presa; está presa por viver em permanente dependência funcional de outras; ela é um elo nas cadeias que ligam outras pessoas, assim como todas as demais direta ou indiretamente, são elos nas cadeias que a prendem. Essas cadeias não são visíveis e tangíveis, como grilhões de ferro. São mais elásticas, mais variáveis, mais mutáveis, porém não menos reais, e, decerto, não menos fortes. E é a essa rede de funções que as pessoas desempenham umas em relação a outras, a ela e nada mais, que chamamos “sociedade”. (ELIAS, 1994, p. 23).

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Feita esta breve introdução, a seguir seguem os resultados da pesquisa,

diluídas através das linhas que se seguem sob a forma de capítulos e subcapítulos,

na finalidade de darmos a esta opção uma cadência lógica que aponte as

contradições e os conflitos de interesse na história da cidade de Ribeirão Preto, sob

a ótica das escrituras públicas, e com o apoio do esforço de outros pesquisadores

que serão citados, além dos demais que fazem parte da bibliografia desta pesquisa.

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CAPÍTULO 1 TRATOS E CONTRATOS NA MODERNIZAÇÃO URBANA

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1.1 Os indivíduos e a sociedade moderna: uma análise compreensiva das

contribuições recíprocas.

Ensina-nos Max Weber através da sua obra “Economia e Sociedade” que o

tipo de consumo, a honra e o prestígio social são reforçadores da posição de classe

social dos indivíduos. Destarte, a compreensão da vivência humana e de cada

indivíduo através dos tempos por meio da sua “situação de classe” se dá, para o

autor, pela oportunidade da pessoa de acessar a rede de abastecimento de bens,

mediante uma posição de vida externa a si, além da sua inserção “dentro de

determinada ordem econômica, da extensão e natureza do poder de disposição (ou

da falta deste) sobre bens ou qualificação de serviço e da natureza de sua

aplicabilidade para a obtenção de rendas ou outras receitas.” (WEBER, 2004, v.1, p.

199).

Como pode ser percebido, o indivíduo, desde o nascimento, é confrontado pela

realidade social que o rodeia e é apto a intervir na realidade que ele ajuda a

construir dia-a-dia, de tal forma válida para todos os demais viventes, que é possível

afirmar que “classe” representa, de maneira aproximada,

[...] todo grupo de pessoas que se encontra em igual situação de classe [sendo que as] transições de uma classe para outra podem ser ou não fáceis e fluentes, em grau muito diverso; por isso, difere também, no mesmo grau, a unidade das classes sociais. (WEBER, 2004, v.1, p. 199).

Na sociedade capitalista, o desenvolvimento de uma profissão pode se tornar

numa oportunidade de se projetar em círculos sociais privilegiados ou em agravo

para a pessoa caso o conhecimento prático, técnico e teórico, se dêem em

circunstâncias de superação do Know-how possuído, permitindo a maleabilidade de

indivíduos entre as classes, tanto para cima quanto para baixo, dentro da hierarquia

social estabelecida.

O estabelecimento, a manutenção e a consolidação de uma hierarquia

somente se tornam possíveis caso haja um domínio de poder e de mecanismos que

permitam o extravasamento do seu uso sobre os demais grupos sociais. De acordo

ainda com Weber, em “Ciência e Política: duas vocações”, existem primordialmente

três fundamentos da legitimidade que justificam a dominação: o “poder tradicional”, o

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“poder carismático” e o poder baseado na autoridade que se impõe pela

“legalidade”,

[...] pela crença na validade de um estatuto legal e de uma “competência” positiva, estruturada em regras racionalmente estabelecidas ou, em outras palavras, a autoridade fincada na obediência, que reconhece obrigações concernentes ao estatuto estabelecido. Assim é o poder, tal qual o exerce o “servidor do Estado” atualmente e como o exercem todos os detentores do poder que dele se aproximam sob esse aspecto. (WEBER, 2003, p. 61).

É notória a preocupação deste pensador quanto à definição de conceitos que

amparem os cientistas sociais de ferramentas epistemológicas que os auxiliem na

compreensão do homem e das suas ações em sociedade.

No tocante às ações,

Weber desenvolve o conceito de ação social significativa, tendo como ponto de partida o indivíduo; mesmo as formações como Estado, empresa ou sociedade anônima aparecem a ele como produto de entidades individuais, ou melhor, são palcos onde se define a ação social de uns quantos indivíduos. (TRAGTENBERG, 2006, p. 141, grifos do autor).

O conceito de ação social, segundo Weber, “orienta-se pelo comportamento

dos outros”, os quais “podem ser indivíduos e conhecidos ou uma multiplicidade

indeterminada de pessoas completamente desconhecidas”. Dos quatro tipos de

ação social formulados pelo autor, privilegiamos aqui a ação social determinada

[...] de modo racional referente a fins, por expectativas quanto ao comportamento de objetos do mundo exterior e de outras pessoas, utilizando essas expectativas como “condições” ou “meios” para alcançar fins próprios, ponderados e perseguidos racionalmente [...]. (WEBER, 2004, p. 15).

Esta opção deve-se à essência da fonte escolhida, ou seja, as escrituras

públicas que, conforme já explanamos, concretiza vontades referentes às transações

comerciais e trabalhistas, principalmente, as quais são ações marcadamente filhas

da racionalização dos negócios e do processo de modernização dos aparelhos

burocráticos, dos quais o tabelião e seus representantes são exemplos diretos de

vinculação à estrutura burocrática que se aperfeiçoou com a instalação do regime

republicano, assumindo as rédeas e executando reformas no Estado Nacional

brasileiro, a começar pela criação de uma nova Constituição. Weber não deixou de

observar que a burocracia

19

[...] é um tipo de poder. Burocracia é igual à organização. É um sistema racional em que a divisão de trabalho se dá racionalmente com vista a fins. A ação racional burocrática é a coerência da relação entre meios e fins visados. (TRAGTENBERG, 2006, p. 171).

Contudo, a atenção dada aos comportamentos racionais, no sentido de serem

meios eficazes de obter fins práticos definíveis e compreensíveis, em meio a uma

conjuntura marcada pela vivência progressivamente secularizada que ocorreu em

Ribeirão Preto, não desconsidera a legitimação de outros tipos de ações que foram

perpetuadas por meio das escrituras públicas. Os outros tipos de ações não

relacionadas às supramencionadas também foram firmadas em escritura, embora

em menor número. Fazendo uso da terminologia weberiana, podemos defini-las em

ações determinadas

2) de modo racional referente a valores: pela crença consciente no valor – ético, estético, religioso ou qualquer que seja sua interpretação – absoluto e inerente a determinado comportamento como tal, independentemente do resultado; 3) de modo afetivo, especialmente emocional por afetos ou estados emocionais atuais; 4) de modo tradicional: por costume arraigado. (WEBER, 2004, p. 15, grifos do autor).

Justamente por não se referirem ao nosso objeto principal, que é mostrar a

racionalização dos negócios e da vivência coletiva em Ribeirão Preto e, por este

viés, apontar a secularização das condutas e como estes valores foram

internalizados pelas pessoas durante o período estudado, especialmente quando

vinculadas às atividades complementares à economia cafeeira. As ações racionais

referentes a valores, às emoções e à tradição, apesar de efetivadas em menor

quantidade, nos levou atentarmos a elas sempre que foi pertinente durante a

explanação das ações racionais referentes a fins, quando as atitudes dos homens

estudados por meio da fonte escolhida não apontaram uma “praticidade” exigida

pela vida moderna.

Nesse sentido, abordar a idéia de cidade para então estudarmos a história de

Ribeirão Preto ajuda a entender as transformações havidas, uma vez que o

enquadramento teórico em face da realidade percebida por meio das escrituras

públicas referentes a este município coloca-se próxima da definição de Max Weber

para o conceito de cidade, ainda mais que suas origens relacionam-se à vinculação

dos primeiros habitantes com o mercado de abastecimento de bens primários, ao

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passo que seu desenvolvimento transformou a terra em mercadoria cada vez mais

disputada, ocupada e usufruída para e pelo mercado:

Pode-se tentar definir “cidade” de formas muito diversas. Apenas uma coisa têm em comum todas as definições: que se trata, em todo caso, de um assentamento fechado (pelo menos relativamente), um “povoado”, e não de uma ou várias moradias isoladas. Ao contrário, nas cidades (mas não apenas nestas) costumam as casas encontrar-se muito perto uma da outra, hoje em dia, em regra, germinadas. A idéia corrente associa também com a palavra “cidade” características puramente quantitativas: é um povoado grande. A característica em si não é imprecisa. Do ponto de vista sociológico, significaria o seguinte: um povoado, isto é, um assentamento com casas contíguas, as quais representam um conjunto tão extenso que falta o conhecimento pessoal mútuo dos habitantes, específico da associação de vizinhos. Segundo isto, somente povoados relativamente grandes seriam cidades, e depende das condições culturais gerais a partir de seu tamanho, mais ou menos, se aplica esta característica. (WEBER, 1999, v.2, p. 408, grifos do autor).

Em complemento, pouco depois diz o pensador alemão:

Toda cidade no sentido aqui adotado da palavra é “localidade de mercado”, isto é, tem um mercado local como centro econômico do povoado, mercado no qual, em virtude da existente especialização da produção econômica, também a população não-urbana satisfaz suas necessidades de produtos industriais ou artigos mercantis ou de ambos, e, como é natural, também os próprios moradores da cidade trocam entre si os produtos especiais e satisfazem as necessidades de consumo de suas economias. (WEBER, 1999, v.2, p. 409).

Ao tratarmos do cotidiano havido no 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto, é

necessário falar dos homens para se chegar à sociedade. Embora algumas

escrituras apontem a vinculação de laços pessoais para a concretização de alguns

interesses, é necessário não perder de vista que o alastramento dos valores

capitalistas a todos que ocuparam o espaço geográfico ribeirãopretano através dos

tempos esteve intimamente ligado à reprodução de valores e condutas que

extrapolam o limite individual. É necessário ter em vista que o mercado e os

processos econômicos não são pessoas e, por isso, surgem delas e acabam por

abarcar a tudo e a todos, não respeitando neste processo as vontades individuais,

tampouco conservando o poder da palavra empenhada na execução de negócios ou

mesmo biografias pautadas e orgulhosas numa determinada honra. O contrato

substituiu a honra pessoal e passou a validar a palavra somente quando esta foi

escrita num documento legal. Segundo Weber, o “mercado e os processos

econômicos que nele se realizam não conhecem, [...] nenhuma “consideração

21

pessoal”: são dominados por interesses “objetivos”. Nada sabem de “honra”.

(WEBER, 2004, v.2, p. 184).

Contudo, o poder que o dinheiro faz deter a quem o possui pode criar uma

“honra” admitida por alguns grupos sociais, mas cuja duração vincula-se

proporcionalmente à capacidade do indivíduo de fazê-lo retornar, ainda em maior

quantidade, às suas mãos. Mas nem todos que querem o poder (especialmente o

econômico) fazem questão da honra, sobretudo quando a posse de um anula o

reconhecimento social da detenção do outro.

Alguns proprietários de terras da região de Ribeirão Preto negociavam

escravos em pleno processo de gradual emancipação da escravidão e faziam isto

em meio a um ambiente que julgavam desfavorável à manutenção do comércio de

pessoas. Passada a conjuntura em que a escravidão era consentida, as mesmas

pessoas deixaram de ter possíveis discriminações ao abandonar a sua prática e a

figurar como incentivadoras do trabalho livre e assalariado. Há nisto mais

complementaridade do que contradição na relação dos grupos sociais e dos

indivíduos entre si na cidade, face ao fato da sobreposição do poder econômico, e

por extensão o político, sobre as ações que compuseram a vida de algumas pessoas

influentes na burocracia municipal, regional, e até mesmo na nacional.

Foi possível observar este fenômeno, pois esta pesquisa está fundamentada

em séries que foram dispostas através do tempo sob a forma de escrituras públicas.

O enfoque qualitativo, não deixando de explorar por vezes o quantitativo, obedece

ao sentido de compreender como a instalação de uma rede de prestação serviços e

de atividades complementares à economia cafeeira auxiliaram as pessoas a suportar

as crises motivadas pelos privilégios diversos dados pelo Estado brasileiro à

agroexportação do café, incentivados inclusive por instituições financeiras

internacionais que aqui se fizeram presentes, como por exemplo a Theodor Wille &

Cia, por meio de prepostos.

1.2 Os indivíduos e as classes profissionais

A expansão ferroviária em meio ao sertão paulista modernizou a visão histórica

e mítica do bandeirante que antes marcava, e de certa forma ainda marca, o

22

processo de adentramento do território que tinha por certeza somente o inesperado.

Se esta é marcada pelo heroísmo, entendimento de caráter bastante duvidoso,

aquela, liderada pela locomotiva, é marcada pelo progresso técnico e pelo

atrelamento das ações humanas rumo ao moderno, ao avançado.

A apologia da ação dos imigrantes encabeçou o texto do “Almanach Ilustrado

de Ribeirão Preto”, que nas páginas dedicadas aos aspectos históricos e

geográficos da localidade, escreveu:

A admirável ousadia dos Bandeirantes, de proporções legendárias, tantas e tão variadas vezes enaltecida pelos nossos historiographos, parece que veiu trazer com os rasgos dum mirifico descortino, a sua terra de Martim Afonso. Pelo menos é o que se deduz da maravilhosa vitalidade que nos varios departamentos do progredir está se manifestante nesta exuberante região. A Mão Providencial tão prodiga nos seus gestos divinaes, quis que Ribeirão Preto, como perola fulgente, fosse encadeia no collar preciosissimo constituído por estes núcleos de civilização d’Oeste Paulista. (ALMANACH, 1913, p. 12).

O perigo desta visão heróica é a valoração de um sentido que julgamos não ser

capaz de envolver todos os participantes da história. Mesmo a idéia de sentido é

questionável, pois não raro sugere a idéia de líderes e condicionamentos que mais

confundem os contemporâneos do que os capacitam a entender o conjunto do

passado. O debate sobre a validade da idéia de sentido na história é antigo e foi

tema do livro abaixo, do qual retiramos o fragmento que vem ao encontro do que

propomos historiograficamente compor ao término desta obra, com a ressalva de

que trabalhamos com a interação de grupos sociais e de seus indivíduos entre si, ao

invés de um panorama mais amplo, como o de povos entre si:

O sentido da história [para Herder] não é portanto dado a quem comanda, por quem tem condição de reconduzir as diferenças à unidade, mas pela polifonia, pela pluralidade de significados que provém da soma das contribuições anônimas que cada povo é capaz de trazer para as vicissitudes do mundo. (BODEI, 2001, p. 45).

Acerca da história regional, contudo, as coexistências destas duas visões como

antepassadas das ações que orquestraram a história do estado de São Paulo

sugerem a predisposição do imaginário coletivo atual ao compor o encontro do que

era novo com o que já se fazia presente, não raro privilegiando o primeiro e julgando

o segundo como resultante do viver arcaico.

23

A atual diversidade historiográfica cada vez mais marca a disciplina pela

pluralidade de objetos e de interpretações. Ao abarcar fatos e saberes que no início

do século XX não eram concebidos, apesar de existentes por meio das fontes, uma

vez que são elementos históricos, hoje concebem a validade de se entender as

práticas cotidianas, os grupos sociais marginalizados e a relação das diversas

esferas da vida de uma sociedade específica ou de várias entre si, cientes de que

todos os agentes sociais estavam promovendo constantemente mudanças de

ordens diversas, tanto no âmbito particular como no geral.

As dualidades particular e geral, elite e povo, ricos e pobres, produzem

particularidades que atravessam o tempo e aproximam o historiador do que de fato

se passou, sobretudo se as fontes escolhidas possibilitam a descrição da interação

de homens e de mulheres entre si, o que cremos dar vida e sentido a estas

dualidades que tantas vezes fazem parte das análises de pesquisas sociais que

todavia ficam um pouco desbotadas perante as cores que de fato ilustravam o

cotidiano do passado.

[...] difícil de descrever ou analisar é a relação entre as estruturas do cotidiano e a mudança. Visto de seu interior, o cotidiano parece eterno. O desafio para o historiador social é mostrar como ele de fato faz parte da história, relacionar a vida cotidiana aos grandes acontecimentos, como a Reforma ou a Revolução Francesa, ou a tendências de longo prazo como a ocidentalização ou a ascensão do capitalismo. O famoso sociólogo Max Weber criou um termo famoso que pode ser útil aqui: “rotinização” (Veraltäglichung, literalmente “cotidianização”). Um foco de atenção para os historiadores sociais poderia ser o processo de interação entre acontecimentos importantes e as tendências por um lado, e as estruturas da vida cotidiana por outro. Até que ponto, por que meios e durante que período a Revolução Francesa ou a Revolução Russa (por exemplo) penetraram na vida cotidiana dos diferentes grupos sociais, até que ponto e com que sucesso eles resistiram? (BURKE, 1992, p. 24-25).

No que se propõe este trabalho, as estruturas do cotidiano e as mudanças se

dão no sentido de averiguarmos como as relações de trabalho, comerciais e de

outras naturezas, acompanharam o processo de racionalização dos negócios e da

vivência coletiva, proporcionando, por sua vez, a modernização da cidade, na qual a

arquitetura e os sistemas de transporte (para citarmos somente estes exemplos)

deixam mais evidente durante o período estudado (1874-1914). A compreensão dos

fatores que levam a essas mudanças deve ser enquadrada como resultante da

consolidação do capitalismo enquanto sistema, bem como do “capitalismo moderno

e o processo de racionalização da conduta de vida da qual ele é expressão” (COHN,

24

2006, p. 12), à luz de que estes não interagem sem deixar de se imporem na

vivência diária da coletividade, assimilando os ritmos próprios de cada grupo pessoal

e de cada indivíduo.

Conectadas com outras cidades, as pessoas que moraram em Ribeirão Preto

puderam criar mecanismos de defesa contra as forças externas de ordem material,

como as crises, que independentemente do tempo e do lugar interagiram com estas

pessoas sem demandar qualquer vínculo emocional, já que foram motivadas por

interesses objetivos, cujos efeitos psicológicos, apesar de reais, foram pouco

expressivos cotidianamente no poder de precarizar a vida da maioria da população,

já que esta já vivia modestamente ou mesmo no limite da existência, fora do campo

de ação direta destas forças.

Pela exposição acima, ou pelo olhar mais atento da vivência contemporânea, é

possível notar que as cidades são os espaços facilitadores para o ocasionamento do

intercâmbio de mercadorias e valores sociais. Todavia, a racionalização de

comportamentos e de idéias têm origem incerta, na medida em que as vontades

individuais e coletivas possuem muitos nexos em comum, resultando que, para

compreendê-la, é necessário fazer uma opção, razão que nos levou a concordar

com Weber, que julga que “o agente individual é a única entidade capaz de conferir

sentido às ações”. (COHN, 2006, p. 28).

O apelo às formulações teóricas de Max Weber deve-se à necessidade de

utilizarmos ferramentas metodológicas que dêem conta de sistematizar os dados

levantados sem perder de vista a esfera mais delicada, que é a do indivíduo, já que

pensamos a valorização extremada de oposições categóricas existentes no

pensamento das ciências sociais mais afastariam do que aproximariam o âmbito dos

interesses particulares dos coletivos. Por outro lado, por mais apurada que seja uma

teoria, ela sempre causará sob algum ponto de vista algumas insatisfações, razão

pela qual devemos nos ater às suas contribuições e à melhoria da capacidade

crítica, cientes de que as não concordâncias são alertas inspiradores de cautela,

para que o historiador não perca a autonomia perante os esquemas. Em torno das

limitações e possibilidades do uso da teoria, criticou Gianfranco La Grassa:

A teoria não pode de maneira nenhuma visar à reconstrução da mais completa concretude da realidade “cotidiana”; pode apenas construir esquemas abstratos de referência para compreender o sentido e a orientação (a direção de marcha) dos acontecimentos por períodos históricos (por “épocas sociais”) de várias extensões, mas, de qualquer

25

maneira, não mais relativos ao “dia-a-dia”. Para fazer uma analogia, ainda que imperfeita, quando se constrói o mapa de um território, de uma cidade, por exemplo, obtemos uma visão “idealizante” (esquemática), não se pode recriar a qualidade arquitetônica, urbanística, o tipo de organização social da cidade etc. A teoria não faz senão empobrecer, sob um certo ponto de vista, a realidade, mas sem ela não nos orientamos, podemos nos perder em um labirinto de vielas secundárias, contemplar os monumentos encontrados desordenadamente, sem nos remetermos a nenhum lugar, sem nos propormos a qualquer objetivo particular. (LA GRASSA, 1995, p. 104, grifo nosso).

Mediante o tipo de pesquisa e de fonte privilegiada para a execução desta

obra, esse embate modelo historiográfico/interpretativo versus realidade retratada

pelos documentos mostrou-se problemático, pelas razões que nos deteremos abaixo

com mais vagar.

As análises das escrituras que permitiram acompanhar a trajetória comercial e

de trabalho de alguns indivíduos indicam que não há em Ribeirão Preto um

compromisso da pessoa com uma determinada classe social relativa a alguma

profissão. O indivíduo vai aonde lhe é oferecida uma maior oportunidade de ganho,

como por exemplo, deixar de lavrar a terra e passar a ser agenciador de mão de

obra, situação em que ele mesmo era quem deveria utilizar a enxada. A tentativa de

ascensão social via exploração de outrem foi um fato presente no cotidiano das

pessoas residentes na cidade supramencionada.

Em 24 de novembro de 1894, José Ignacio Nogueira contratou José Henrique

de Lima para a “formatura” de cafezal de oito mil e cem pés de café, na condição

deste lhe entregar os pés plantados e formados após quatro anos de idade. Para

facilitar o seu trabalho, concedeu o proprietário pastos para os animais, carro de boi

pelo tempo contratado, ficando o lavrador por providenciar o boi. Recebeu para tanto

um conto de réis adiantado pelo contrato firmado no valor de 6:480$000 réis e multa

de 200$000 em caso de arrependimento. No mesmo dia, José Henrique contratou

Eduardo Soares, José Estevão e Geraldo Passo para a realização do trabalho que

ele deveria prestar ao proprietário, e firmou com os três lavradores que lhes pagaria

1:200$000 réis pelo plantio de seis mil pés pelo prazo de dois anos. No tocante aos

pagamentos, ficou acertado que no ato da escritura daria 300$000 réis aos três,

600$000 após trinta dias, 500$000 réis após sessenta dias (sob a forma de

adiantamento, ficando os 400$000 restantes a receber no final do segundo ano.

Ficou estabelecida ainda a cláusula de pagamento de 100$000 réis de multa em

caso de arrependimento de ambas as partes. O primeiro contrato firmado entre o

26

proprietário e José Henrique não é citado, havendo, não obstante, somente a

menção que o trabalho se daria na propriedade de José Ignacio Nogueira

A permissividade, a brecha legal de se firmar escrituras subestabelecendo

obrigações de trabalho, é uma forma de reforçar a estrutura social pela via da

legitimação da exploração de uns sobre as carências de outros, mesmo que entre

pessoas de condições materiais parecidas. Neste caso em especial, nota-se o uso

de uma situação privilegiada, em que se detinha a confiança do concessor de

trabalho e certa proximidade com a necessidade de trabalho e de renda de outras.

Esta intermediação buscando a finalidade de enriquecimento valendo-se da

sublocação de trabalho visava ao objetivo generalizado de ascender materialmente

e, por conseguinte, socialmente, por meio da detenção de riquezas patrimoniais, no

menor tempo possível e necessário para estes objetivos. E, de fato, a fluidez dos

capitais nas mãos dos diferentes grupos sociais possibilitou o acesso às

mercadorias e aos espaços reservados inicialmente à elite, mediante a obtenção de

gostos e estilos de vida e de execuções de outras atividades profissionais não antes

desempenhadas na localidade.

Em 14 de abril de 1891, Joaquim Firmino D’Andrade Junqueira contratou

Paschoal Dessio para que este executasse a

[...] edificação de uma casa de morada na Rua do Comércio no alinhamento do lado superior, na esquina da Rua Tibyriça, tendo nesta rua sessenta palmos de frente e naquela cinquenta palmos também de frente, tendo nesta frente cinco janelas e naquela uma porta e quatro janelas, com duas salas na frente desta rua de vinte e sete palmos sobre dezenove palmos e seis repartimentos, uma sala de jantar e um puchado de trinta e dois palmos de comprido sobre vinte de largura, com as peças nela mencionadas a saber: treze portas e quatro janelas, edificação de tijolo, cal e areia, tendo as paredes a grossura de um tijolo, com pilares de pedras de cinqüenta centímetros de largura sobre oitenta de fundo, sendo forrados os seis cômodos de frente, a saber: duas salas e quatro quartos no corredor e as duas salas da frente, toda assoalhada, a exceção do puchado, rebocado caiado e cimalhas nas frentes, paratibanda e chapelinhos sobre os portais da frente com o telhado emboçado, tendo de altura dezoito palmos de pés direitos. Obriga-se mais o locador a dar a casa acabada com três demãos de tinta nas portas e janelas, com as fechaduras a sua custa. O locatário [Joaquim]obriga-se somente a dar dez dúzias de tábuas de cedro e um cano de cobre necessário para os telhados e paratibandas, mais o material a custa do locador [Paschoal] que dará a casa acabada e com solidez, entregando somente as chaves ao locatário que lhe pagará a quantia de nove contos de réis no começo da obra, três contos de réis no meio da obra e o restantes três contos de réis na entrega dessa casa coberta de telhas nesta cidade a Rua Amador Bueno, divisando por um lado com José Bergamo, italiano, por outro com José de tal, carroceiro, português. (ESCRITURA pública de 14 de abril de 1891, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).

27

A escritura acima expõe a existência de diferentes tipos de atividades

profissionais no cotidiano do “quadrilátero central”, expressão recorrente nos

trabalhos acadêmicos que se voltam à história da cidade e que titula o espaço

urbano compreendido entre as atuais avenidas Nove de Julho, Independência,

Francisco Junqueira e Jerônimo Gonçalves, e que, na formação da malha urbana de

Ribeirão Preto, é o herdeiro espacial do antigo “Patrimônio de São Sebastião”.

Para ficar somente nos exemplos citados, podemos observar um pedreiro ou

empreiteiro, um carroceiro e um membro de uma das famílias mais elitizadas da

história da cidade durante a conjuntura proposta. Reparemos na menção dada ao

“José de tal”, carroceiro, que habitava o quadrilátero central. O tipo de trabalho deste

sujeito pode ter sido um agravante para que este reivindicasse um status social

igualitário aos seus circunvizinhos. Se isto de fato ocorreu para ele, isto pode ter

ocasionado uma crise de identidade social, pois a duplicidade do seu cotidiano de

trabalho em face do conjunto de valores propagados na época, tal como refino,

consumo de artigos importados e a detenção de mandonismo político-econômico,

não fossem compatíveis, em outras palavras, atribuíveis a ele, o que faz parecer não

tão estranho que nem o Joaquim Junqueira e nem o tabelião (que era morador desta

rua) o conhecessem quando foi necessário citá-lo

Esta artificialização das relações sociais por parte destes homens que tinham

originalmente “os pés de barro ou as mãos calejadas” com aqueles já nascidos em

berço privilegiado é originária num superficial refinamento do indivíduo e da

sociedade que, não raro, apenas fez o indivíduo reproduzir o que socialmente lhe

era apresentado como sinal de requinte, sem saber ou mesmo gostar daquilo, mas

que ainda assim era por ele reproduzido por necessidades culturais de manter-se

dentro de um “círculo social”, metáfora, aliás, que sugere igualdade entre pares num

mundo desigual.

O próprio estudo das escrituras públicas apontou que não eram somente os

homens de negócio que recorriam aos instrumentos legais de concretização de atos

tornados públicos. Houve a presença, no 1º Tabelião de Notas, de negros, de

mulheres, de analfabetos, de imigrantes e de pobres que deram o caráter

diversificador da realidade socioeconômica de Ribeirão Preto no momento da sua

afirmação como líder regional paulista.

Por outro aspecto, a análise dos contratos permite a percepção de que os mais

diversos grupos sociais estavam imersos num processo de modernização, cujo

28

exemplo mais claro é a presença de julgamentos morais perpetrados pelo tabelião,

figura chave deste tipo de fonte, durante o período proposto, em face do seu

anverso atual, desprovido de comentários e julgamentos morais ou éticos de

qualquer tipo. A passagem, a mudança gradual da forma de concretizar a escritura é

um indício desta racionalização que haveria de se completar somente após a

segunda metade do século XX, quando toda a cidade já estava assimilada aos

fluxos nacionais e internacionais, seja do ponto de vista da sociabilidade, seja pela

superação do ritmo do campo pelos seus moradores, situação na qual a resistência

implicou na assimilação forçada ou então na marginalização implacável da nova

sociabilidade voltada à vida marcadamente urbana e capitalista.

Convém destacar que Ribeirão Preto firmou-se na última década do período

proposto como pólo regional graças à postura de exportar produtos agrícolas e

importar produtos que aqui não eram produzidos ou, se eram, não tidos como

merecedores do capital da elite local. Sob outro ângulo, assistimos por meio das

descrições das escrituras um aprofundamento da exploração do trabalho de cunho

marcadamente agrícola enquanto outra área paulista, como a capital, tratava de

firmar-se como pólo industrial.

Não se firmar como área industrial obrigou os trabalhadores ribeirãopretanos a

um arrocho disciplinar ainda maior no seu cotidiano de trabalho, dado o

descompasso das relações de trocas dos produtos produzidos em vista dos que

eram necessários adquirir, bem como a distância do valor do trabalho em face da

renda percebida ao final do período contratado, quando finalmente era possível o

acesso direto à renda monetária, isto quando esta ocorria.

Tal efeito fica ainda mais evidente com a constatação de que os mais pobres

não tinham acesso freqüente ao consumo destes tipos de produtos mais requintados

(mediante a realidade local), conclusão baseada nas dissertações e teses aqui

abordadas, o que nos reforça ainda mais o distanciamento social e cultural da maior

parte dos homens que trabalhavam diretamente com atividades complementares

daqueles integrantes da elite local, mantenedora da economia cafeeira, desfrutadora

da rede comercial e de prestação de serviços.

Ao enfatizar o aspecto da dependência – a conhecida relação centro-periferia, os teóricos do “modo de produção subdesenvolvido” quase deixaram de tratar os aspectos internos das estruturas de dominação que conformam as estruturas de acumulação próprias de países como o Brasil: toda a questão do desenvolvimento foi vista pelo ângulo das relações

29

externas, e o problema transformou-se assim em uma oposição entre nações, passando despercebido o fato de que antes de oposição entre nações, o desenvolvimento ou crescimento é um problema que diz respeito à oposição entre classes sociais internas. (OLIVEIRA, F., 2006, p. 33).

As atividades complementares se tornaram fundamentais para a absorção das

crises nacionais e internacionais, e isto garantiu a vanguarda econômica da região

para a cidade de Ribeirão Preto, conforme capítulo próprio destinado a este fato.

Sem pretendermos adiantar a exposição, podemos afirmar que um dos mecanismos

de captação e fixação de capitais que explicam como este tipo de atividade

complementar à cafeeira auxiliou na manutenção da economia local é explicada

abaixo:

A razão básica pela qual pode ser negada a negatividade do crescimento dos serviços – sempre do ponto de vista da acumulação global – é que a aparência de “inchação” esconde um mecanismo fundamental da acumulação: os serviços realizados à base de pura força de trabalho, que é remunerada a níveis baixíssimos, transferem, permanentemente, para as atividades econômicas de corte capitalista, uma fração do seu valor, “mais-valia” em síntese. (OLIVEIRA, F., 2006, p. 57).

Na história brasileira é sabido que os negros foram postos na marginalidade

quando houve a obrigatoriedade do uso de mão-de-obra livre, por isso, a vinda em

massa de imigrantes serviu aqui não só para abastecer o mercado de trabalho,

como também para gerar este excedente visando o efeito que ocorrera na Europa

um século e meio antes. Além de suprir a carência de braços para a lavoura, houve

o efeito benéfico de assimilar uma população que já praticava o cultivo de artigos

alimentícios visando antes de tudo a sua própria sobrevivência, fato alertado por Eric

J. Hobsbawm quando este se pôs a explicar as funções da agricultura praticada na

Europa na conjuntura marcada pela expansão da revolução industrial: “A

alimentação da Europa era essencialmente regional”. (HOBSBAWM, 2003, p. 37).

No Brasil, as circunstâncias históricas levaram ao embrionamento de uma

economia agrícola focada em atender ao mercado internacional e, secundariamente,

ao mercado local. A ingerência dos capitais externos e do mercado internacional na

agroexportação cafeeira produziu um entrelaçamento das práticas trabalhistas

voltadas inicialmente ao cultivo exclusivo do café e aquelas marcadas pelas relações

híbridas de produção de café associadas à possibilidade de produzir e de ter acesso

30

à produção de excedentes de alimentos, denominadas, grosso modo, como

colonato.

Durante a readequação da sociedade aos valores capitalistas modernos, a

formalidade da igualdade era necessária para mascarar a desigualdade que era

vivenciada na prática.

O aumento das pressões contratuais sobre os colonos deve ter causado um

declínio da capacidade de consumo e de poupança aos colonos, refletida no menor

número de escrituras de compra e venda de imóveis da região periférica em relação

às que abordam imóveis do centro durante o período que vai do início da década de

1900 a 1910.

Jorge Henrique Caldeira de Oliveira (2006, p. 85), que estudou o mercado

imobiliário ribeirãopretano, diz que no início da década de 1890, houve um

expressivo investimento no ramo imobiliário da ordem de 400% maior do que o

havido na década anterior. Atribui este resultado à política monetária do

Encilhamento, a propaganda havida no âmbito estadual e nacional em favor das

terras da região e às cotações favoráveis da saca do café no mercado internacional,

possibilitando o afluxo destes capitais para o ramo imobiliário.

Todavia, os capitais investidos neste setor econômico não permaneceram

estáveis ao longo da década de 1890. A depreciação do câmbio na finalidade de

gerar lucros maiores aos exportadores do café fez o Estado brasileiro acumular

empréstimos cada vez maiores para arrolar as dívidas interna e externa. Como

resultado, a economia cafeeira foi aleatoriamente influenciada por crises

relacionadas às oscilações do preço e da quantidade de café disponível ao mercado.

Um dos momentos favoráveis para o investimento voltado à expansão das lavouras,

entre os anos de 1895 e 1897, ocasionou um problema nos cinco primeiros anos da

década de 1900, fundamentado na oferta excessiva de grãos, já que o café demora

por volta de cinco anos para dar uma boa colheita. (OLIVEIRA, 2006, p. 87).

Segundo Jorge H. C. de Oliveira (2006, p. 91), o mercado imobiliário local

recuperou-se ao longo da década de 1910, sendo somente menor em capitais

movimentados se comparado com a década de 1890, enfrentando pontos de

estagnação com o ocasionamento da Primeira Guerra Mundial em 1914.

O binômio liberdade/trabalho não necessariamente se transformou em

trabalho/propriedade, razão pela qual há mais locações de serviços voltadas às

práticas agrícolas do que de compra de propriedades na área suburbana. Por ser

31

difícil, porém não impossível, de se conquistar um patrimônio, é que a distância entre

o cotidiano idealizado e o alcançável provocou o descontentamento de um grupo

significativo de trabalhadores rurais em relação às elites da época.

Não só as crises econômico-conjunturais dos primeiros anos da República no

século XX marcaram diretamente a vida local. No campo social, Ribeirão Preto

figurou na mídia escrita nacional em 1913 quando os trabalhadores rurais decidiram

deflagrar uma greve nas fazendas de Francisco Schmidt, Quinzinho da Cunha,

Companhia Agrícola Dumont e Fazenda Macaúbas, mobilizando cerca de dez a

quinze mil trabalhadores. (GARCIA, 1997, p. 129). Diz Maria Angélica Momenso

Garcia que

As greves nas fazendas de café não foram raras, contudo, pela própria condição de isolamento vivida pelos trabalhadores em seu interior, imposta pelos regulamentos da fazenda, restringiram-se a trabalhadores de apenas uma fazenda [...]. Embora acontecessem nestas circunstâncias, podiam tornar-se importantes pelo fato de muitas fazendas na região de Ribeirão Preto congregarem um número considerável de trabalhadores, mais até do que muitas cidades da época [...]. (GARCIA, 1997, p. 126).

Chama a atenção a trajetória de Francisco Schmidt, que durante esta crise

somou seus interesses aos de outros coronéis, tal como os citados acima, tenha

vindo de uma família de agricultores alemães que inicialmente trabalhou em

fazendas de São Carlos e posteriormente em Descalvado, quando, após juntar

dinheiro, montou, em 1878, sua primeira venda de secos e molhados na cidade.

Depois, em 1888, vendeu a antiga venda e comprou uma propriedade rural,

localizada em Santa Rita do Passa Quatro, de João Franco de Moraes Octavio, seu

antigo patrão. Após algum tempo, vendeu a propriedade num valor maior ao

comprado, prática que depois foi recorrente pelo alemão, até que este comprou

também, de Moraes Octavio, a Fazenda Monte Alegre em parceria com outro

alemão, Arthur Diederichsen, em 1890, pagando a parte deste pouco tempo depois,

momento em que marca a fixação dos negócios do futuro coronel em Ribeirão Preto.

(AMORIM, 2006, p. 66-69).

32

1.3 Origens históricas de Ribeirão Preto: fatos e debates

A formação de uma cidade não se dá de maneira fortuita. Velada em cada

atitude dos seres humanos está a motivação, que por vezes ganha ímpeto quando

um grupo de pessoas faz com que outras se unam em busca de um objetivo em

comum, ou que, embora distintos, se complementam durante a sua execução aos

dos outros envolvidos na sua concretização. Embora nem sempre por causas

idênticas, cada um faz com que um lugar se torne um cenário de morada, de

trabalho, de confrontos e de conflitos; e isto, com a necessária distância do tempo,

por sua vez, se transforma em objeto de estudos.

Assim, quando o historiador é obrigado a fazer escolhas metodológicas, a fim

de obter a melhor aproximação possível dos fatos históricos, sobretudo na área de

Historia e Cultura Social, antes de tudo deve fazer uma reflexão sobre as próprias

possibilidades de fazê-lo, tendo em vista os dilemas inerentes ao próprio ato de

historicizar.

No seu texto “História e Representação”, Pierre Villar nos conta uma

experiência de vida que bem expõe o pensamento que nos guiará durante as linhas

que comporão esta dissertação de mestrado:

[...] em 1937, menos de um ano do início da Guerra Civil na Espanha, a Legião Condor, a legião dos alemães nazistas posta à disposição do general Franco, bombardeou a pequena cidade basca de Guernica, destruindo-a completamente. [...] Quando do cinqüentenário deste fato, em 1987, fui ver em Guernica como se celebrava esta lembrança e como as pessoas representam este episódio. Estava lá juntamente com um historiador americano, Soutworth, que estudou admiravelmente o fenômeno, e pudemos ver o quanto a lembrança estava presente nessa vila destruída, depois reconstruída, e como as pessoas que haviam vivido aquilo no passado viviam-no ainda no presente.[...].Quando voltei a Paris, acatei a sugestão de um de meus colegas de falar sobre esse assunto a alguns alunos que convidaríamos. Durante a minha exposição perguntei: “Para vocês, o que é Guernica?” Eles me responderam, rápida e brevemente: “Guernica é um quadro!” Efetivamente, a representação de Guernica – no espírito de muita gente não tem mais o cuidado de saber exatamente de onde isto surgiu – é um quadro de Picasso. [...] Guernica tornou-se a representação de um fato preciso. O fato preciso está esquecido, a representação continua. Admito totalmente que isto tenha uma certa importância, mas devemos estar atentos, pois esses jovens, que sabiam que Guernica é um quadro de Picasso, não conheciam o fato político que o gerou. [...] É evidente que há representação, mas não se pode esquecer o fato. (VILLAR, 1998, p. 29-30).

33

Em vista da fala acima, esperamos explorar ao máximo os fatos e as

representações inerentes às ações dos indivíduos que resultaram na história da

cidade de Ribeirão Preto, ciente de que a escolha das fontes e as limitações das

respostas possíveis por elas esbarram em escolhas do que é perguntado e a forma

em que os inferimentos são elaborados. A somatória dos esforços das pessoas que

se debruçaram sobre “as muitas faces da história” ribeirãopretana são por demais

essenciais para a execução desta obra.

Por enquanto, acreditamos ser pouco conhecido entre a comunidade

acadêmica, e principalmente entre os munícipes de Ribeirão Preto, o trabalho de

Ricardo Barros (2005), o qual nos alerta que do ponto de vista documental já havia

nesta localidade um arraial antes do seu “nascimento” oficial (19/06/1856). Dentre os

documentos utilizados, apóia-se num inquérito policial do Juízo da Delegacia de

Franca, que tinha como indiciado Antônio Ferreira de Brito, cidadão da localidade em

questão e que fora acusado de enriquecimento ilícito. Citamos aqui os trechos que

compõem este documento e que foi utilizado por Barros, sendo o primeiro do

supramencionado acusado e o segundo da testemunha deste, Silvério Claudino da

Silva, que ratificou os dizeres do acusado. Seguem os trechos:

[...] E depois seguiu para o ribeirão preto, usando sempre da Medicina, e já recebeu mais Animais, e dinheiros, e lá Comprou uma Escrava de nome Maria, aqual foi de Luiz Borges de Aquino, por quinhentos mil reis, Cujos Títulos forão possados lá por Silvério Caludino da Silva, que lá se achava; e lá mesmo recebeu uma besta preta por Cem mil, aqual lhe derão em pagamento de suas Curas e remédios...[sic]. (BARROS, 2005, p. 120).

[...] Respondeu que indo desta Villa ao Arrayal do Ribeirão Preto a tratar [...] a Laurentino de tal que se achava preso na dadêa desta Villa, e estando um dia de falha em dito Arrayal em Casa de Soares de tal e lá lhe apareceu um fulano comjunto com o Interrogado aquelle que Cujo nome senão lembra, pediu a elle respondente para passar um título [...] de uma Escrava ao Interrogado Brito Cuja Escrava se achava presente e fora no título declarado ser vendida por quinhentos mil reis, uma das testemunhas foi o mencionado Soares: Tão´bem viu o mesmo Interrogado receber uma Besta em preço de Cem mil reis a qual elle respondente viu o interrogado nélla nesta Villa, porém dia e mêz não recorda... [sic]. (BARROS, 2005, p. 120-121).

Julgamos pertinentes as informações citadas acima na medida em que indicam

que Ribeirão Preto já era um local onde era possível a acumulação de capitais, além

de ser um local onde havia a presença de mão-de-obra escrava, fato muitas vezes

desconsiderado pelo senso comum e que dificulta a superação deste ponto delicado

da nossa história, já que em nossos dias perdura um superficial orgulho de termos

34

como sustentáculo da nossa história social a origem imigrante, sobretudo italiana,

ponto que não há como negar, mas que invariavelmente é tratado sem a devida

problematização histórica, como se além deste fato não tivéssemos tido aqui o

trabalho escravo, a exploração da mão-de-obra livre e assalariada de maneira às

vezes ultrajante, inclusive no contexto de recepção de grande número de

trabalhadores para o cultivo do café (GARCIA, 1997).

1.3.1 A incursão da história ribeirãopretana no processo histórico regional paulista.

A história de Ribeirão Preto remete aos primeiros povoadores advindos de

Minas Gerais, período anterior à chegada do café e marcado, sobretudo, pela

ocupação e pela legalização das terras, momento concomitante à formação do

patrimônio de São Sebastião, fator decisivo para a fundação oficial da cidade em 19

de junho de 1856. (LAGES, 1997). Em relação a este ponto, conforme

resumidamente abordamos acima, devemos repensar em vista das novas

informações trazidas por Ricardo Barros (2005) o porquê este fato mereceu tamanho

destaque na sua história.

Segundo este autor, os cinco nomes que mais se destacam na tentativa de

lançar luz aos primeiros anos da história da fundação de Ribeirão Preto foram Padre

Núncio Greco (pároco da cidade entre os anos de 1877 e 1890), Francisco Augusto

Nunes, João Rodrigues Guião (ambos moradores desta cidade), mas, sobretudo,

Plínio Travassos dos Santos e Osmani Emboaba. 1 (BARROS, 2005, p. 17-66).

Após apresentar os autores, Barros percorre a polêmica que existiu entre os

dois últimos sobre quem de fato estava correto quanto à data certa da fundação

desta cidade. O primeiro destes a se manifestar foi Plínio T. dos Santos, por meio do

trabalho intitulado “Ribeirão Preto Histórico e para a História”, publicado por meio do

jornal “Diário da Manhã” entre os meses de abril de 1942 e os primeiros de 1943, no

formato de folhetins, pelo qual defende que:

1 Para melhor exposição dos percalços desta polêmica, nos valeremos do trabalho de Barros (2005), salvo

indicação contrária.

35

[...] como nenhuma prova existia de já estar iniciada a povoação antes da escolha definitiva do local para a CAPELA, é de se presumir ainda que, tendo disso este escolhido definitivamente em 1863, desde logo fossem iniciadas as primeiras construções de casas, ainda que somente para garantia da escolha, temerosos os que preferiam o RETIRO de que ainda viesse a ser escolhido outro local... Assim, somente em 28 DE MARÇO DE 1963 RIBEIRÂO PRETO deverá festejar o primeiro centenário de sua fundação. (SANTOS citado por BARROS, 2005, p. 31).

No trecho completo, Plínio Travassos dos Santos menciona ter conhecimento

da possibilidade de ter havido desde 1852 um início de povoação, mas como

podemos observar pela citação acima, desabona esta hipótese em favor da tradição

patrimonialista que tanto marca nossa sociabilidade, pela qual ou o Estado ou a

Igreja, enquanto instituições consolidadas e de poder, é que denotariam um ensejo

de povoação, e nesse sentido, de história oficial (entenda-se, confiável). Porém, em

17/04/1952, por meio de um artigo publicado no jornal “O Diário da Manhã”,

alegando ter descoberto novos documentos que outrora não tivera contato, propõe a

alteração da fundação da cidade para 1853, sem, no entanto, mencionar o dia e o

mês. É neste ínterim que surge Osmani Emboaba, então um anônimo (se

comparado a Plínio Travassos dos Santos) dentro do cenário público

ribeirãopretano, cuja entrada se deu por meio da contestação da data oferecida por

este, alegando que somente em 1856 é que o representante de São Sebastião

tomou posse do referido patrimônio doado ao santo. Importante notar que o embate

não se dava tanto pela preocupação com um desenvolvimento da consciência

histórica local, mas sim, pela motivação de possuir o crédito da fixação da data na

qual a cidade de Ribeirão Preto foi fundada. (BARROS, 2005, p. 36).

Ao longo das farpas trocadas pelos meios de comunicação existentes na

época, sobretudo por meio dos jornais que circulavam na cidade, a polêmica enfim

teve seu desfecho em 09 de outubro de 1954. Após vários encontros da “Comissão

especial sobre a data da fundação da cidade” (criada para a finalidade que lhe dá

título e que tinha entre seus membros os dois debatedores) encaminhou à Câmara

Municipal seu parecer final sobre a data correta, o qual se transformou em projeto de

Lei nº 63/54 para ser incluso e votado neste dia por esta instituição. Em 01 de

dezembro de 1954 a Comissão de Justiça e Redação considerou legal o projeto e o

encaminhou para votação, sendo aprovado em votação tanto no dia 09/12/1954

quanto no dia 14/12/1954, tornando-se Lei nº 386 de 24/12/1954, pela qual ficou

estabelecida a fundação da cidade de Ribeirão Preto no dia 19 de junho de 1856

36

(BARROS, 2005, p. 64), tal como propôs Osmani Emboaba, em trabalho surgido

durante a contenda titulada “História da Fundação de Ribeirão Preto”, inúmeras

vezes citado em obras acadêmicas, inclusive no nosso trabalho de conclusão de

curso apresentada a esta faculdade (SOUZA, 2003).

Figura 1 – Documento que fixou a data de fundação de Ribeirão Preto

Fonte: BARROS, 2005, p. 66.

Feito este breve percurso intelectual sobre a “História da história da fundação

de Ribeirão Preto” (título da obra de Ricardo Barros), tornam-se evidentes as origens

da tradição ribeirãopretana em desprezar as ações da população anônima, para que

com isso sejam favorecidas as ações e as decisões das grandes personalidades,

37

das instituições legalmente estabelecidas. É notório o poder que isto tem até mesmo

entre a comunidade acadêmica, especialmente para nós, os historiadores, o que faz

mister a busca de novas perspectivas, tendo em vista a descoberta de novos

documentos e da urgência da valorização de novas perspectivas analíticas, inclusive

de fontes até então postas em segundo plano.

Não sem razão o chamado “quadrilátero central” (espaço urbano compreendido

entre as atuais avenidas Nove de Julho, Independência, Francisco Junqueira e

Jerônimo Gonçalves), herdeiro espacial do antigo “Patrimônio de São Sebastião”,

ocupa nos trabalhos acadêmicos uma posição privilegiada e especial, tamanho o

fascínio exercido nos pesquisadores que se propuseram a contar a chegada da

“modernidade” em Ribeirão Preto, nos causando a impressão de que a população,

agente social que ocupa e que interage neste espaço, desempenha papel

secundário ou reativo durante este contexto marcado por fortes mudanças sociais,

econômicas e culturais, ressalvas feitas aos trabalhos que têm por objetivo abarcar a

arquitetura e as infra-estruturas citadinas e não a vida material da população, que

por sinal era extremamente diversificada, natural para uma cidade que possuía

diferentes grupos sociais e modos de viver peculiares por motivos os mais variados.

Justamente por haver poucos trabalhos que se debruçam para a vivência coletiva

ribeirãopretana visando ao máximo não apagar seus traços particulares é que

dissertamos sobre as atividades complementares à economia cafeeira havida nesta

entre os anos de 1874 e 1914, e como ocorreu a racionalização destes negócios que

posteriormente tornaram-se uma engrenagem de destaque no cotidiano dos seus

habitantes, em grande parte envolvidos diretamente.

A obra de Maria Angélica Momenso Garcia, Trabalhadores Rurais em

Ribeirão Preto, representa nesse sentido uma base para a análise pretendida, bem

como de comparação, àqueles que se voltam, assim como nós, a tentar entender

como fora o cotidiano de trabalho destas pessoas desafortunadas e que diariamente

se deparavam com uma realidade marcada pela opressão, ainda que amparadas

contratualmente na sua relação com os proprietários de terras. Tal desfavorecimento

é elucidado por meio da análise dos inquéritos policiais e processos criminais

ocorridos entre 1892 e 1920 na Comarca de Ribeirão Preto. Diz a autora no epílogo

da sua obra:

38

As situações de confronto entre trabalhadores e patrões surgiram, por conseguinte, como forma de resistência às injustiças e condições opressivas de vida e trabalho. Em muitas delas, o controle em excesso do tempo útil, as multas, a vigilância e a disciplina constante acabavam por provocar manifestações momentâneas, apresentando-se apenas como uma atitude de defesa às situações apresentadas, demonstrando que não foram somente de movimentos organizados que se efetivou a luta dos trabalhadores no final do século XIX e início do XX. (GARCIA, 1997, p. 142-143).

Mesmo fora do cotidiano de trabalho, havia uma sociabilidade marcada pela

violência na região de Ribeirão Preto. As oportunidades de trabalho passavam

também pelo campo da ilegalidade, fator que atraiu para esta região o famigerado

Diogo da Rocha Figueira, conhecido por Dioguinho, diminutivo que não escondia

seu notório gosto pela violência e pela capacidade de provocar terror, característica

reconhecida pelas diversas classes sociais, mas que por vezes lhe proporcionava

rendimentos pelos “serviços prestados” aos poderosos da região, e que por

conveniência, lhe dava proteção e/ou refúgio. (JORGE, 2008)

Concordamos com a historiografia que sustenta que esta realidade hostil ao

trabalhador fez com que nestes o intuito de se desvencilhar o quanto antes de

contratos de trabalho desfavoráveis se tornasse constante no seu cotidiano, fazendo

com que adotassem uma postura empreendedora que, ainda que estes não

concretizassem suas ambições pessoais, certamente agiu como fator decisivo para

fazer de Ribeirão Preto uma cidade propensa ao dinamismo socioeconômico, dada a

existência de uma pujança econômica que beneficiava os grandes cafeicultores e

instigava os trabalhadores diversos ao desejo de terem uma vida melhor.

Mas por vezes as expectativas de ganhos não se cumpriam e, nestes casos, a

saída era penhorar os bens conquistados e/ou hipotecar suas casas, inclusive em

que moravam, ocasionando ações de despejo ou repactuação entre os interessados.

Exemplo desta situação foi descrita na escritura de 13 de fevereiro de 1895, no qual

conta que Joaquim Ferreira moveu uma ação de despejo contra João Ângelo

Ferreira porque este lhe devia 18:000$000 por uma empreitada não realizada,

firmada em outra escritura de 15 de maio de 1890, mas que, por decisão do lesado,

ficou acertado que o devedor pagaria as custas motivadas pela desistência da

apelação interposta da sentença do Juiz de Direito da Comarca sem, no entanto, ter

na descrição maiores comentários. Num ambiente assim, era natural o crescimento

da ação de advogados oferecendo os seus serviços, como mostram as escrituras de

31/01/1889, 23/03/1889, 05/04/1889, 03/07/1891, entre outras.

39

É pertinente dizer que as escrituras públicas firmadas no 1º Tabelião de Notas

de Ribeirão Preto não somente tratam de negociações relativas a esta cidade, mas

também negociações de propriedades situadas nas cidades do entorno desta. Por

esta razão, as pesquisas referentes às demais cidades e/ou temas que compõem o

seu entorno ganham destaque especial, tal como os trabalhos de Tosi (1998 e 2003)

e Lélio L. de Oliveira (2006).

Diz Jorge H. C. de Oliveira na sua tese de doutorado titulada “Ribeirão Preto:

economia e riqueza através das transações imobiliárias” defendida nesta faculdade:

Existe, também, a possibilidade de negociações terem sido feitas sem que houvesse documentos registrando a propriedade, talvez com ou mesmo sem contratos de gaveta. Além disso, existe a possibilidade de negociação ter sido registrada em outra localidade. Ocorre, porém, que em grande parte, estes problemas estão presentes também em outras fontes mais tradicionais utilizadas para pesquisas. (OLIVEIRA, 2006, p. 72).

Tal como já previu o autor supracitado, o nosso trabalho também está

privilegiando as transações imobiliárias na medida em que por meio destas

poderemos acompanhar com uma fluidez maior do que a apontada pelo seu trabalho

realizado no 1º Cartório de Notas de Ribeirão Preto, uma vez que diversos tipos de

transações eram firmados no 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto, inclusive de

concessão de empréstimos a juros, formalização de sociedades comerciais e

parcerias, ao contrário do que ocorria naquele estabelecimento, por voltar-se

exclusivamente aos bens imobiliários. Em vista desta amplitude, sabemos que a

diversidade social e econômica das pessoas que freqüentavam o 1º Tabelião era

muito mais díspare e mesmo de interesses complexos, haja vista o fato de alguns

irem firmar contratos de trabalho e outros irem até o local para reconhecerem que

tiveram filhos extraconjugais quando então eram escravos, tal como o caso de

Cartario Belarmino D’Almeida e Maria Emília, em 26 de março de 1889, quando

declararam terem tido dois filhos, tendo o primeiro naquela ocasião dez anos de

idade e os segundo oito anos, aproximadamente, não obstante declarando “não

terem resistido às tentações da carne”, tendo o “coito” (expressão do tabelião)

ocorrido em Valhença, Província do Rio. O que os teria feito virem a Ribeirão Preto?

Seria a busca por uma vida melhor? A resposta a estas questões não é da nossa

alçada, mas tentar responder a este tipo de hipótese pode nos auxiliar na busca de

40

uma melhor compreensão desta realidade propensa a envolver todos aqueles que

nela viram a oportunidade de uma vida melhor.

Já dissemos que o foco da nossa pesquisa é a compreensão do processo de

racionalização das atividades complementares à cafeeira. Contudo, não podemos

desprezar estes detalhes da vida cotidiana, pois o tabelião, ao fazer as escrituras,

não deixa de exprimir dados de extrema valia para a reconstituição da vida social

daquela época, ao dizer de onde são os envolvidos, sua etnia, sua ocupação, estado

civil, entre outros dados que agregam a análise econômica de uma impressão

singular, ao perpetuar cada conflito numa nova escritura pública.

A compilação das fazendas que foram mais recorrentes nos processos

criminais pesquisados por Garcia (1997, p. 34) também tem sua relevância no nosso

trabalho, pois as transações que envolviam negociações imobiliárias ou de

contratação de prestação de serviços, especialmente de cunho rural, sempre trazem

a referência ao lugar onde se dariam o trabalho.

Pela análise das escrituras públicas não podemos confirmar se uma das

propriedades de Luis Antônio da Cunha Junqueira, a Fazenda Retiro, teve seu nome

alterado para “Bom Retiro”, porém é certo que a sua Fazenda Pau Alto, localizada

no distrito de Bonfim Paulista, da cidade de Ribeirão Preto, foi uma das fazendas

relacionadas entre aquelas que se envolveram em questões criminais entre os anos

de 1892 e 1922. Acreditamos, à luz do conhecimento historiográfico e a par das

limitações inerentes a nossa fonte primária, poder apontar como o processo de

retaliação da terra, ora em porções concentradas nas mãos de um único dono, ora

entre donos diversos e em tamanhos menores, estimulou o surgimento de novos

ramos de atuações comerciais, financeiras e de prestação de serviços.

1.4 As interações humanas e as modificações do espaço natural

A partir da década de 1890, na extensa área circundante ao quadrilátero

central, houve uma grande intervenção humana buscando ocupar de maneira mais

eficiente o território. Este objetivo rapidamente se fez presente na área urbana e

também na área suburbana, seja por meio da ação da construção civil, seja por meio

da maior aproximação das atividades desenvolvidas no território do Núcleo Colonial

41

Antonio Prado com a economia cafeeira.2 Vários anônimos foram responsáveis por

estas mudanças.

Leopoldino Fernandes de Almeida contratou Vicente Antonio de Carvalho para

que este construísse na continuação da Rua Saldanha Marinho uma casa feita com

tijolos, coberta de telhas, pintada com duas demãos de tinta, com vinte palmos de

frente e trinta e cinco de fundo, pelo valor de 1:200$000. Como garantia, foi acertado

que Alexandre Travers se obrigaria a satisfazer este contrato com Leopoldino pelo

prazo máximo de trinta dias, caso este precisasse se ausentar, sendo que Vicente,

definido profissionalmente como empreiteiro, receberia pela realização da obra

seiscentos réis no começo da obra e o restante quando do término, se as condições

impostas pelo contratante fossem todas atendidas. (ESCRITURA pública de

27/05/1891, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto). O mesmo Leopoldino, em 18

de dezembro de 1891, contratou Balduino Freire Ribeiro para construir uma casa de

quarenta e cinco palmos de frente e quarenta de fundo na fazenda do Lauriano, na

beira da estrada que vai para a fazenda do Sertãozinho, na margem esquerda do

córrego da Lagoa, desta vez estabelecendo o prazo de noventa dias para a

conclusão da obra e multa de cinqüenta mil réis por mês de atraso do contratado

para o serviço. (ESCRITURA pública de 18/12/1896, 1º Tabelião de Notas de

Ribeirão Preto).

Na área do Núcleo Colonial é mencionado, na escritura de compra e venda de

1893, que os dois alqueires vendidos pelos proprietários continham casa de morada

construída de tijolos, cerca de arame no terreno, cisterna e outras benfeitorias.

(ESCRITURA pública de 27/05/1893, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto). Ainda

no Núcleo, foi vendida uma área de 514.500 metros quadrados contendo olaria,

carroças, animais, casas de tijolos e outras benfeitorias pelo valor de dez contos de

réis. (ESCRITURA pública de 18/05/1893, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).

A existência de olarias não é fenômeno estranho durante a análise da área

pertencente ao Núcleo, pois em outra escritura foram arrendadas outras duas olarias

pelo valor de três contos de réis. (ESCRITURA pública de 02/04/1896, 1º Tabelião

de Notas de Ribeirão Preto).

Podemos perceber que a área integrante do Núcleo tanto era usada como

moradia quanto para a realização de atividades produtivas relacionadas com a

2 A história deste núcleo colonial e sua importância na estrutura fundiária ribeirãopretana serão analisadas em

outro momento desta dissertação.

42

construção civil, o que aponta para a diversificação de negócios e de pessoas no

que se refere aos tipos de atividades profissionais desempenhadas, o que nos

permite julgar que existiam pessoas empreendedoras transformando o território e

suas vidas por meio da inserção do seu trabalho às necessidades gerais da cidade

que também se transformava.

Mas nem tudo e nem todos estavam no mesmo ritmo de vida e de condições

materiais nesta região. Noutra escritura de 1893, foi vendido um lote de 110.170

metros quadrados, contendo uma casa coberta de sapé, cujas descrições apontam

se tratar de uma casa feita de barro, numa época e lugar que assistimos pelas fontes

acima já haver telhas e tijolos. Fora a modesta casa, foi vendida uma roça de um

alqueire de milho plantado pelo valor de dois contos de réis. (ESCRITURA pública

de 12/09/1893, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto). Já em outra escritura, de

1896, nem plantações havia, somente fora vendido metade de um lote sem menção

ao tamanho, salvo ser dito que havia nele uma casa de palha com três cercas de

arame, tudo pelo valor de 600$000.

Se as escrituras acima sugerem rusticidade, a venda de outro lote ocorrida na

mesma seção do Núcleo mostra um uso bem diferente da propriedade de terra. De

acordo com a escritura, no lote de dois hectares e dois ares continha uma casa, um

paiol, um galinheiro e um chiqueiro de porcos cobertos de palha. (ESCRITURA

pública de 28/11/1983, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).

Outro tipo de negócio também era realizado por meio da aquisição de terras

em áreas do Núcleo Colonial. Trata-se da compra de propriedades por valores

menores aos obtidos pela venda posterior, valendo-se da simples lei da oferta e da

procura visando à capitalização do valor inicialmente investido. (ESCRITURA pública

de 10/03/1894, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).

Alguns casos de escritura de compra e venda de imóveis situados na área

suburbana chamam atenção mais pela localidade do que por melhorias realizadas

pelo proprietário anterior. Em 1896, a cidade estava imersa num rápido processo de

urbanização e de captação de estabelecimentos comerciais e de fábricas de

produtos de bens não duráveis, como cervejarias. Por esta razão, a aquisição de um

lote de sessenta palmos de frente e quatrocentos de fundo na continuação da Rua

Saldanha Marinho, mesmo que não utilizado, poderia render um bom negócio ao

comprador pela simples especulação imobiliária, já que em ambos os lados havia

proprietários, e nos fundos, uma outra propriedade, a qual era do comprador,

43

estendendo ainda mais o seu terreno. (ESCRITURA pública de 03/10/1896, 1º

Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).

Três escrituras do mesmo ano citado acima revelam uma importante

informação aos pesquisadores que buscam entender as atividades desenvolvidas no

Núcleo Colonial Antonio Prado, pois em uma é dito que os proprietários venderam o

lote de 78.318 metros quadrados ao comprador com a edificação de uma casa de

morada coberta de telhas, uma cisterna, alguns pés de café hipotecados e cercados

de arame pelo valor de sete contos de réis. Na mesma escritura, é dito que os

vendedores pagaram por meio da venda do lote a divida de 6:754$064, deixando os

pés de café adquiridos pelo comprador livres da hipoteca assumida pelos

vendedores. (ESCRITURA pública de 29/08/1896, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão

Preto). Como a área do lote é reduzida, acreditamos que se trata de um cultivo de

café voltado ao consumo próprio ou mesmo voltado para a venda direta aos outros

moradores da área suburbana.

Já na escritura de 21 de agosto é formalizada a venda de um lote de terras na

primeira seção deste Núcleo, no qual havia duas casas, cafezais e outras

benfeitorias, cujo terreno era cercado de arame pelo valor de doze contos de réis, o

que mais uma vez reforça a existência de cafezais na área suburbana ainda não

assimilada pela presença marcante de edificações. Neste caso em especial, o

tabelião fez questão de ratificar que ambas as partes envolvidas na transação eram

por ele conhecidas. (ESCRITURA pública de 21/08/1896, 1º Tabelião de Notas de

Ribeirão Preto).

Na de 17 de outubro, é dito que no lote de 72.968,25 metros quadrados havia

uma pequena casa coberta de telhas, cercas de arame, rego d’água e mil e

oitocentos pés de café com um ano de idade, o que nos faz crer que este ramo

produtivo tenha despertado os proprietários da área suburbana para esta prática

agrícola. (ESCRITURA pública de 17/10/1896, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão

Preto).

Durante as transações imobiliárias referentes à área suburbana, é mencionada

em 10 de fevereiro de 1896 a existência do cemitério novo, construído no Núcleo

Colonial, o qual, por meio da localização discriminada para a venda de um terreno

de cento e vinte palmos de frente e quinhentos de fundo, sabemos se tratar do

Cemitério da Saudade, cuja entrada era onde depois seria construída uma avenida e

que, na época, era chamada de “Antigo Caminho para Batatais”.

44

Relacionado ao cemitério novo mencionado acima, foi firmada uma escritura

entre Marco Golfeto e sua mulher Carolina Santesso com a Câmara Municipal, por

meio da qual foi realizado um escambo entre as partes. No negócio ficou decidido

que Marco concederia oitenta e quatro metros e noventa e dois centímetros de

terreno em troca de um mausoléu perpétuo de três metros e cinqüenta centímetros

de frente por quatro de fundo em lugar a ser escolhido pela família. É dito ainda que

o Capitão Luiz da Silva Baptista foi autorizado a executar o acordo por meio da

sessão extraordinária realizada em 07 de janeiro do mesmo ano.

Em 28 de outubro de 1909, também num lote situado no Núcleo Colonial, foi

firmado um contrato de parceria no valor de dois contos de réis entre a proprietária

Dona Anna Carolina Milsen e o lavrador José Vianna. Havia inicialmente um

mandiocal, árvores frutíferas, uma casa para moradia construída de tijolos, coberta

de telhas e ladrilhada, uma coberta de junco para carrinhos, uma cocheira de tijolos

coberta de telhas, capoeiras e outras benfeitorias, nove vacas leiteiras, um burro,

oito bezerros, uma égua e um carrinho asseiado para a venda de leite. Já nas

cláusulas da parceria ficou determinado que o contrato valeria por um ano, e que o

lavrador entregaria tudo o que foi relatado acima em bom estado de conservação e

que, descontadas todas as despesas das atividades que pelo lavrador seriam

desempenhadas, este ficaria com a metade do lucro líquido. Poderia ainda morar na

casa tendo que fazer os reparos necessários e plantar quaisquer cereais e, nestes

casos, não seria obrigado a repartir e poderia usar o carrinho e os arreios para a

venda de leite, pois a proprietária não possuía marido por “causas naturais”. No

campo das obrigações, ficou acertado que o lavrador não teria direito sobre a

produção do gado e teria que conceder o direito da proprietária de fiscalizar a

propriedade.

A percepção da área pertencente ao Núcleo Colonial pelo tabelião foi

claramente exposta pela escritura de oito de fevereiro de 1896, quando é dito que

uma área de 102.500 metros quadrados “nos subúrbios desta cidade” com casa de

morada, cercas de arame e outras benfeitorias situadas na continuação da Rua

Saldanha Marinho, fazendo fundo com a Rua José Bonifácio foi vendida por cinco

contos de réis. (ESCRITURA pública de 08/02/1896, 1º Tabelião de Notas de

Ribeirão Preto). E vale notar que se trata de um terreno que não é tão afastado do

quadrilátero central se comparado a outros negociados no tabelião durante o

período estudado nesta pesquisa.

45

CAPÍTULO 2 A RACIONALIZAÇÃO DOS NEGÓCIOS

46

2.1 As transformações ocasionadas pela economia cafeeira

Quando estudou a origem do capitalismo moderno e o conceituou, Max Weber

concluiu que

O capitalismo existe onde quer que se realize a satisfação de necessidades de um grupo humano, com caráter lucrativo e por meio de empresas, qualquer que seja a necessidade de que se trate. Diremos que, via de regra, uma exploração racionalmente capitalista é uma exploração com conta de capital, isto é, uma empresa lucrativa que controla sua rentabilidade na ordem administrativa por meio da contabilidade moderna, estabelecendo um balanço [...]. (WEBER, 2006, p. 257).

Na história do estado de São Paulo referente à segunda metade do século XIX

e às primeiras décadas do século XX destacaram-se as empresas ferroviárias que

auxiliaram na aceleração do processo de ocupação e urbanização do território

paulista e, por conseguinte, da modernização do capitalismo. A “Estrada de Ferro

Noroeste”, a “Companhia Paulista de Estrada de Ferro”, a “Estrada de Ferro

Sorocabana” e a “Estrada de Ferro Araraquara” cumpriram papel de destaque no

desenvolvimento dos transportes de carga e de passageiros ao longo do último

quartel do século XIX e primeira metade do século XX. Essas empresas auxiliaram

no deslocamento de produtos e de pessoas, mas, de forma mais intensiva, foi a

cafeicultura quem as assegurou mais permanentemente nas áreas recém-

conquistadas. As ferrovias possibilitaram, portanto, a comunicação mais veloz,

enquanto os pés de café ajudaram as pessoas a fixarem raízes, aumentando o

intercâmbio de notícias e de capitais, gerando novas linhas férreas e propiciando o

fortalecimento do complexo produtivo.

Antes da locomotiva, é importante não nos esquecermos de que o

deslocamento brutal de indivíduos que vieram de outros continentes para o Brasil se

deu por meio de navios, única forma na época de atravessar a barreira física que era

o mar, decisão repleta de incertezas e de incômodos pela qualidade da prestação

deste serviço. Somadas, estas dificuldades encadeadas proporcionaram aos

contratadores rurais a vantagem psicológica de impor os seus interesses sob a

extrema necessidade de trabalho e de segurança material que os imigrantes traziam

consigo, além das parcas bagagens.

47

Mas isto somente se dava porque os imigrantes que decidiram fazer a travessia estavam determinados em fugir em terras americanas da miséria que se depararam nas suas terras-natais e/ou estavam influenciados pelos princípios liberais que faziam crer que o sucesso ou o fracasso estavam antes de tudo vinculados às decisões de cada individuo. [...] deve-se dizer que a maioria dos imigrantes não deseja abandonar suas casas nem suas comunidades. Se pudessem escolher, todos – com exceção dos poucos que anseiam por mudanças e aventuras – permaneceriam em seus locais de origem. A migração, portanto, não começa até que as pessoas descobrem que não conseguirão sobreviver com seus meios tradicionais em suas comunidades de origem. (KLEIN, 2000, p. 13).

Como o tempo agia contra estes imigrantes, era mister aceitar o quanto antes

alguma oferta de trabalho, pois nem mesmo tempo havia para ser desperdiçado.

Fatores como, por exemplo, estado civil, sexo e idade contavam no momento de

seleção das vagas que surgiam. Por esta razão, o tempo de vida, de chegada ao

país e mesmo do número de dias que era possível suportar para melhor escolher o

que fazer tornou-se uma mercadoria embutida na ação a ser realizada pelos

indivíduos na medida em que estes fatores passaram a servir de baliza para

qualificar alguns homens e depreciar outros perante as ofertas de ocupação

existentes no mercado de trabalho.

A preferência pelo imigrante não se deveu a nenhum valor ligado à qualificação profissional, pois foi constatado que os estrangeiros “desconheciam e estranhavam os serviços” e nunca tinham visto um pé de café. O cafeicultor selecionava seu braço baseando-se mais na disposição de trabalhar intensamente e na vontade de progredir do que na experiência agrícola específica. Na busca de melhorar sua situação econômica, os imigrantes estavam motivados psicologicamente para aproveitar as oportunidades ainda não exploradas da economia urbana. Passado algum tempo, eles abandonavam a fazenda e se dirigiam para as cidades, onde poderiam montar uma pequena oficina, candidatar-se ao trabalho fabril ou se dedicar ao comércio. Historicamente, os imigrantes foram os principais responsáveis pela dignificação do trabalho braçal ou manual do lavrador, do artesão, do operário. Eles traziam consigo a ideologia do “esforço pessoal”, da “redenção pelo trabalho” ou do “êxito pessoal”. (CARMO, 2005, p. 105, grifo nosso).

O grau de influência do trabalho como norteador das relações sociais na

sociedade contemporânea fez com que a noção de educação se moldasse de

acordo com os valores elitistas. Por isto, o que ocorreu ao longo do tempo foi a

preparação do menor de idade (daqueles vindos da elite) para o trabalho, por

intermédio de uma educação que visava primeiro preparar os indivíduos para uma

determinada finalidade (áreas comerciais, médicas ou técnicas-produtivas) e não

para a vivência em sociedade, repleta dos mais variados conflitos

48

Na medida em que mais cidades eram criadas a partir da gestação de novas

frentes pioneiras de café, as relações entre as anteriores eram reforçadas devido às

necessidades intrínsecas de deslocamento de mão de obra e de produtos

necessários ao suprimento dos afazeres contratados como também dos próprios

agentes transformadores do meio físico.

O reforço dos elos sociais e das possíveis cisões entre pessoas, motivadas

pela barreira física, imposta pelas distâncias, integrou a formação de uma

sociabilidade que se orientou pela assimilação de posturas sociais cunhadas pelo

capitalismo.

A construção de uma estrutura urbana abastecida por ferramentas facilitadoras

da vida era um fato sentido e admirado pela população e por parte da

intelectualidade da época, cujo exemplo maior da cidade de Ribeirão Preto são os

memorialistas. Já a cultura, construção coletiva autônoma das esferas infra-

estruturais, era uma estrutura social que se rearranjou conforme novos paradigmas

de vida foram criados ou importados por aqueles que no município viviam, com a

característica diferenciadora de fazer-se presente e em mudança sem, no entanto,

causar incômodos, ao menos aparentes, num primeiro olhar.

As locomotivas fizeram-se presentes em Ribeirão Preto durante o auge do café

e mesmo depois. Sua presença, que advém desta época, pode ser sentida pelos

trilhos, pelas estações ferroviárias que ainda existem na cidade. Menos visível para

quem olha atualmente a cidade cheia de carros e de animais eventualmente soltos

ou perdidos em meio ao cenário contemporâneo é a dívida que a modernização das

ferramentas urbanas tem ao uso concatenado destes parceiros dos homens de

imemorável data.

Neste ponto destaca-se o uso de cavalos, mulas e mesmo bois, que tanto eram

usados para transporte pessoal e de cargas quanto de passageiros, numa época em

que pagar serviços de transporte em charretes, antes de ser visto com desabono,

era ato de distinção e de reconhecimento social positivo.

Foi assim que aos poucos a parceria de máquinas modernas (filhas da

engenharia, da intelectualidade científica) e o uso de animais selaram-se, sem que a

natureza técnica e a natureza biológica das forças motrizes, respectivamente,

representassem para alguém como algo ambíguo, destoante ante a pretensão da

elite local de ficar em dívida com as cidades-modelo que irradiavam o “perfil

civilizacional requintado”, cujo destaque inconteste para a época era Paris. Todavia,

49

o bufar dos animais passou algum tempo depois a ficar desarmônico ao barulho da

respiração das máquinas. Tanto as locomotivas quanto o apito das empresas

instaladas passaram a não só criar a nota das condutas sociais como também

alterar a legislação local com o afinamento que o desenvolvimento capitalista julgou

ser necessário.

Pelo mapa abaixo, podemos perceber a correlação da presença das lavouras

cafeeiras no Estado de São Paulo e a presença das malhas ferroviárias:

Figura 2 - Cultura do café e expansão ferroviária: influências recíprocas. Fonte: POSSAS, 2008, p. 27.

50

Dentro deste panorama de efervescência da vida social urbana em Ribeirão

Preto, destacou-se a presença de mulheres nos entretenimentos noturnos criados

para a elite. Pelo tipo de incursão feminina, e olhando para o público alvo aos quais

estes se destinavam, não podemos dizer que se tratou de um acesso em igualdade

aos status dos homens, pois a permissão desta convivência obedecia aos gostos e

desmandos daqueles que detinham o dinheiro e que não dissimulavam o gosto de

fazer uso do seu poder econômico, característica percebida e muito bem explorada

pelo imigrante François Cassoulet. (SILVA, 2000).

Para a realização dos shows, das peças de teatro, para a criação de um lugar

que ofertasse bebidas, petiscos e diversão àqueles que podiam pagar por esta,

houve a necessidade de se concatenar os valores já constituídos com estes tidos

por alguns como perniciosos. A harmonia e a desarmonia de pessoas e de valores

auxiliaram a sociabilidade ribeirãopretana a reinventar-se para concomitantemente

sedimentar novos hábitos aos já existentes (visto por alguns como embates entre

pernicioso em face dos “bons costumes”, respectivamente). Por isso, a presença de

espaços de sociabilidade que a seu modo representavam cada valor foi motivo de

conflitos entre os grupos sociais que julgavam-no destoante dos demais espaços

públicos, o que reflete por meio da discussão arquitetônica, os valores e as funções

inerentes aos empreendimentos postos em discussão coletiva.

Enquanto a arquitetura citadina feita de alvenaria substituía a de madeira e

materiais de grosso acabamento, como o barro, as regras de convivência também

eram alteradas ao gosto do grupo que mudava o semblante das ruas à força do

trabalho dos pedreiros pagos para esta finalidade. Terminadas as obras,

contratantes e contratados passaram à situação de possíveis ofertantes de serviços

e de produtos, eles mesmos, não raro, futuros freqüentadores dos espaços

construídos e, por isso, consumidores, invertendo a relação antes

ocorrida/verificada. Contudo, como somente este público não bastava para o

sucesso dos negócios, era necessário aparecer para conquistar a fidelização dos

clientes locais e atrair os de outras bandas. Justamente nesta necessidade de

melhor posicionar-se no imaginário comercial coletivo é que se destacaram as

funções das revistas, jornais e almanaques da época, juntamente com a oferta de

bens distintivos de posição social como pianos, pianolas, acordeons e partituras

musicais.

51

No Almanach Ilustrado de Ribeirão Preto de 1913, é dito que antes de ser uma

moderna cidade, esta teve que enfrentar três grandes provas: a “carência de braços

para a lavoura”, “a desvalorização da áurea rubiácea” e “a epidemia da febre

amarella”. Contudo, passada estas provações “apenas ficou momentaneamente

entorpecido o vigor da cidade”, tendo o “formidavel empório [saído] incólume dessas

tres provas a que foi submettido.” (ALMANACH, 1913, p.16).

A análise deste tipo de fonte gera a percepção de uma imagem, de uma

propaganda encomendada pelas elites locais visando a sedimentar o público já

abarcado e conquistar uma nova clientela que estava em busca de sofisticação e

novidades. Nessas fontes, o conjunto socioeconômico e cultural existente na cidade

transformou-a num produto de compra ofertado aos possuidores de renda que

buscavam satisfação pelo poder, eclipsando assim a face da cidade então marcada

pelo “atraso” e pelo anverso das imagens propagandeadas pelos meios de

comunicação citados no parágrafo acima.

Foi visando combater os resquícios das características municipais que não se

enquadravam no ideal civilizatório que as elites, por meio da ação dos poderes

públicos, passaram a agir contra a presença de doenças e de certos tipos de

posturas de vida de alguns grupos sociais que, por sua atividade de ganho, era

destoada da vitrina representada pelo quadrilátero central.

À força do dinheiro e da lei, os espaços urbanos a partir da primeira década do

século XX foram reorganizadas no sentido de atender a um ideal de cidade pensado

pelas elites. A construção de ferramentas urbanas (hospitais, cemitérios, delegacias

de polícia) obedeceu a este critério, ocasionando a formação de territorialidades

distintas. No centro (quadrilátero central) estava a sofisticação e elementos que

remetiam à civilidade, enquanto nas áreas suburbanas (mais do que nas rurais)

estava a população que precisava ser “consertada” na visão das elites, razão que

motivava os privilegiados a verem-na com desconfiança e a julgá-la como portadoras

dos vícios gerados pela pobreza, visão explorada na literatura por meio da obra “O

cortiço”, de Aluísio Azevedo.

As dualidades riqueza/pobreza, moderno/atrasado e chique/arcaico, ao

fazerem-se presentes nas fontes estudadas por outras obras acadêmicas, põem em

cheque a memória homogeneizadora que atualmente reina na cidade. A pujança, as

festas “fechadas” pelos endinheirados, os espetáculos freqüentados pela elite,

traços e desfrutes que foram emblemas da “alta sociedade”, marcaram a

52

racionalização da vivência coletiva com o passar das décadas e cristalizaram-se de

forma nostálgica pelos contemporâneos que estranhamente assimilaram este

discurso, como se neste processo de racionalização dos negócios e conseqüente

modernização do cotidiano todos os envolvidos tivessem igualmente sido atingidos e

assimilados de forma parecida, como se a participação material e pessoal dadas ao

conjunto das mudanças fossem feitas como integrantes da história de todos. O

problema é o desmerecimento dos conflitos, do tratamento apaziguador de uma

parte da história da cidade que envolveu os diversos grupos sociais de formas

particulares conforme os elos que estes e cada indivíduo possuíam com os vários

ritmos de vida da cidade, debate que voltaremos posteriormente.

Provavelmente este processo de identificação com o passado restrito de

algumas pessoas pela maior parte da população atual esteja fundamentado na

possibilidade real de mobilidade social durante o período em foco, fato verificável no

estudo das escrituras públicas.

Para evitar qualquer julgamento parcial, julgamos relevante afirmar que não

estamos crendo que grande parte das pessoas que freqüentaram os espaços

restritos à elite perdeu status social e poder aquisitivo com o passar dos anos, mas

sim que houve uma grande fluidez do status de proprietário de um bem (imóvel,

animais, mercadorias diversas) e de prestador de serviços, não necessariamente

engessando a população entre o superficial entendimento de ricos e pobres, pois

ambos os adjetivos são superficiais demais para validar aquela realidade marcada

por grande circulação de capitais, inclusive pelo grupo envolvido com a efetivação

de atividades complementares. Vale atentarmos que o termo mais apropriado para

definir a situação de uma pessoa na sociedade capitalista moderna é “estar” pobre

ou rico e não “ser” pobre ou rico, pois a riqueza não é algo que permanece imutável

perante a ação do tempo e a manutenção da vivência coletiva.

Ainda, por meio da análise das fontes, foi possível perceber que as pessoas

envolvidas pelo processo de modernização ocorrido em Ribeirão Preto desde as

últimas décadas do século XX geralmente não possuíam uma contabilidade marcada

pela precisão, especialmente os trabalhadores submetidos à realização de

atividades complementares. As transformações havidas na cidade e as

necessidades variadas de produtos e de realização de trabalho diversos atuavam

como parâmetro para que os negócios firmados tivessem uma maior ou menor

possibilidade de cumprimento contratual. Nos casos em que a dúvida quanto aos

53

ganhos era maior, as cláusulas contratuais atuavam como amenizadores dos

possíveis prejuízos para uma das partes. A precisão dos riscos, dos ganhos, dos

pesos e das medidas ocorreu gradualmente nos negócios e no cotidiano

socioeconômico municipal, num ritmo maior em alguns setores da vida e mais lento

em outros.

Comprometidas com a economia de subsistência e de abastecimento de

víveres à população local, as atividades complementares modificaram-se quanto ao

rol oferecido aos consumidores. Cada vez mais vinculada aos critérios capitalistas, o

envolvimento nestas atividades cresceu em importância por garantir a permanência

da riqueza gerada pela economia cafeeira, ao dinamizar as trocas comerciais pela

via monetária e por atrair à vida local uma rede mais complexa de prestação de

serviços, como os estabelecimentos bancários. A racionalização da conduta pessoal

estimulou a adoção de um padrão de vida ao alvedrio do capitalismo moderno,

temperado por produção, consumo e acumulação de patrimônio, politicamente

recalcado na “ordem” e no “progresso” impostos pelos chefes republicanos.

2.2 Os negócios proporcionados pela racionalização dos espaços públicos e

privados

Na medida em que a cidade foi envolvida pela racionalização dos negócios, os

espaços públicos e privados de convivência também se alteraram. Em áreas onde

antes eram praticadas lavouras de milho, feijão, bem como a criação de animais de

pequeno porte, como galinhas e porcos, foram construídas casas de poucos

cômodos visando a captação de pessoas que necessitavam habitar próximo às

áreas urbanizadas da cidade. Com a captação de inquilinos, os antigos proprietários

suburbanos asseguraram renda enquanto seu investimento era valorizado pelo

crescente processo de especulação imobiliária, alimentado pela vinda cada vez

maior de trabalhadores que deixavam o campo para desempenhar alguma atividade

que lhes garantisse a permanência no perímetro urbano.

A demanda de mão de obra e de materiais criada pela construção civil foi

suprida, acreditamos, pelas olarias locais que já estavam em funcionamento durante

este processo de transformação espacial do território. Utilizando o “solo barreiro”, os

54

donos das olarias beneficiavam-se do fato de estarem numa região carente destes

materiais, especialmente de tijolos e de telhas, já que esta demanda era fruto

simultâneo do aumento populacional e da entrada de capitais, ambas relacionadas

diretamente à economia cafeeira.

Figura 3 - Bacias hidrográficas do Município de Ribeirão Preto. Fonte: FREITAS, 2006, p. 69.

Com o auxílio da imagem anterior e da análise das escrituras públicas que

faremos a seguir, é possível percebemos a íntima relação deste tipo de negócio com

a proximidade de oferta de água abundante, possibilitada pela farta rede hidrográfica

onde se deu a formação da cidade.

Em 27 de setembro de 1881, Mizael Pedro da Motta e sua mulher venderam

uma olaria e uma “casinha” no lugar denominado “Lagoa do Campo”, na cabeceira

do córrego do Esgoto. Diz a escritura que a olaria compõe-se de uma casa coberta

de telhas e um rancho coberto de palha, por 600$000 réis em moeda corrente, sem

terreno algum por pertencer ao Padroeiro, e que “houverão a dita olaria por industria

própria”. (ESCRITURA pública, 27/09/1881, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).

Porém, em 07 de fevereiro de 1882, os vendedores acima voltaram no tabelião para

desta vez arrendar um terreno de barro próprio para o fabrico de telhas e tijolos no

lugar denominado “Lagoinha” por quatro anos aos rendeiros Domingos Salli, João

Baptista de Oliveira, Bernardino José de Andrade, que pagariam 800$000 réis

durante a vigência da escritura, sendo 200$000 pagos trimestralmente à razão de

50$000, exceto quando o pagamento for feito em telhas e tijolos, ficando combinado

55

o valor fixo de 35$000 o milheiro da telha e 25$000 o milheiro de tijolos. Na

descrição do terreno é dito que havia um rancho coberto de palha, terreiro de secar

telhas, um forno e uma cisterna para água de beber.

A primeira escritura envolvendo o casal permitiria a suposição de que não

estariam no negócio da fabricação de tijolos e telhas, por terem construído eles

mesmos o empreendimento, porém, menos de cinco meses depois, estavam

arrendando um terreno no qual se pode notar a intenção de agirem como

distribuidores do material produzido pelos rendeiros ou então recebendo em dinheiro

a locação do seu patrimônio. Nota-se então a mudança do setor produtivo para o

comercial, pelo tipo de ação promovida pelo casal.

Além da oferta de água para este negócio, era necessária a oferta de lenha

para abastecer os fornos, e isto não deixou de ser objeto de negociação para a

assinatura da escritura firmada em quatro de fevereiro de 1889, entre Azarias Vieira

de Almeida e o casal João Baptista Bardoqui e Satina Francesco, citados como

locatários italianos. Num determinado momento da escritura de arrendamento de um

terreno barreiro, é dito que o “terreno barreiro próprio para o fabrico de telhas e

tijolos” teria o seu pagamento (“2$500 por milheiro de tijolos ou telhas que fizerem,

depois de queimados, pagos mensalmente”) pagos com a condição do “locador

fornecer a lenha para a queima, dando-lhes a mata para tal”, com a contrapartida

dos locatários “fazerem casa e forno para a olaria” para serem entregues

gratuitamente com qualquer outra benfeitoria após três anos da assinatura. Quanto

ao local, é dito que se situava na fazenda denominada “Francisco de Paula de

Medeiros”, em Ribeirão Preto.

Uma escritura chama a atenção não para aspectos relacionados ao meio físico,

mas para a quantidade de materiais na transação. Trata-se da escritura de 25 de

outubro de 1892, no qual foram locados os serviços de Cesar Pierre pela Luis

Nogueira Companhia para a fabricação de dois milhões de telhas à razão de 40$000

réis o milheiro.

Por meio da escritura de 05 de novembro de 1895 é que conseguimos

descobrir que a escritura de 07 de fevereiro de 1882 referia-se a uma área situada

na bacia hidrográfica Córrego das Palmeiras (conforme Figura 3), pois na escritura

mais recente é dito que Miguel Valério é proprietário de dois alqueires de terra na

fazenda das Palmeiras, lugar denominado “Lagoinha”, sendo que deste local seria

disponibilizado meio alqueire de terreno barreiro para a fabricação de tijolos e telhas,

56

sendo que o inquilino Bertolinni Germano ficaria responsável por montar, fazer cozer

e fabricar os produtos, sendo a lenha fornecida pelo proprietário. O contrato teria

validade de cinco anos a partir de primeiro de janeiro de 1896, assinado no valor de

6:600$000, dos quais 110$000 mensais seriam pagos adiantadamente de três em

três meses. Nesta escritura também estava previsto algumas punições para ambas

as partes. Em caso de abandono do inquilino, todo o serviço seria perdido e não

pago. Caso o proprietário rompesse o contrato, teria que pagar pelas benfeitorias

“seu justo valor” ou multa de dois contos de réis.

Apesar de buscar uma maior racionalidade na elaboração dos acordos, alguns

fatores persistiram em ficar limitados em face da modernização e transformação do

espaço físico. Em 15 de julho de 1896, Sebastião Lopes obrigou-se a pagar a dívida

com Felippe Monza dando-lhe dez milheiros de tijolos por mês, pois do contrário

teria que dar ao credor o “terreno que vai em linha reta do moirão da cerca do lado

esquerdo do regato que banha a chácara ao toco de madeira branco junto ao

córrego do ribeirão Preto e do toco ao mesmo ribeirão, sempre em linha reta.” Pela

descrição podemos perceber que havia uma certa limitação quanto à percepção da

dinâmica da transformação do espaço pela ação do homem, fazendo com que uma

referência tão facilmente extinguível, como um toco branco, fosse usada num acordo

de trinta e dois meses de vigência.

Dentre os benefícios oferecidos pela aquisição de propriedades em Ribeirão

Preto, figuraram os muitos córregos que compõem a bacia hidrográfica da cidade.

Não é difícil entender o motivo da insistência deste fato geográfico. Em plena virada

do século XIX para o XX, a irrigação das lavouras ou outras finalidades tinham que

ser executadas sem o auxílio de mecanismos modernos. Por esta razão,

dependendo da finalidade da compra, do aluguel, do arrendamento, a proximidade

de um leito poderia render um acréscimo no valor negociado. Por outro lado,

verificou-se o fator inverso após o século XX em diante, pois a impermeabilização do

solo cada vez mais ocasionou o aumento de enchentes nas áreas próximas aos

córregos, fato muitas vezes explorado nos jornais locais e objeto da atenção de

fotógrafos, como por exemplo Aristides Motta, autor da foto abaixo que tem por cena

a rua General Osório no último quarteirão antes da Avenida Jerônimo Gonçalves

durante uma enchente ocorrida em 07 de março de 1927, tendo ao fundo a “Estação

Ribeirão Preto” da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro.

57

Figura 4 - A recorrência das enchentes no cotidiano ribeirãopretano. Fonte: Arquivo Histórico e Publico de Ribeirão Preto.

A consideração da ação humana interferindo no espaço físico também se deu

pela prática de outras atividades produtivas visando à acumulação de patrimônio

e/ou obtenção de renda desde a década de 1870 em diante, num ritmo cada vez

maior, envolvendo cada vez mais pessoas e territórios antes não voltados para a

“economia-mundo”. Desde o período estudado, havia nos arredores dos córregos

casas de morada, criação de animais, pastos, plantação de milho e, em maior

número, pés de café em plena produção. Em 1889, em uma fazenda localizada na

cabeceira do “Córrego da Limeira” desta cidade é citado que havia nela gado vacum,

carros de boi e arreios, casas de morada de colonos, mobília e demais pertences da

casa de morada, um debulhador de milho, coxos e móveis de dar milho a cavalos e

noventa mil pés de café, sendo quarenta e sete mil pés formados entre três e sete

anos e o restante de um a dois anos. Não é citada plantação de milho nesta

escritura de 22 de abril de 1889, mas a presença do debulhador e de colonos nos

faz crer que existia, por razões intimamente relacionadas ao colonato, que nos

deteremos a dissertar em outro momento desta obra.

Alguns pagamentos eram feitos por meio de permuta. Em troca de algumas

telhas e tijolos era permutado uma quantidade de milho, o que mostra a

preocupação dos donos das olarias em reduzir o custo de produção por meio da

compra de alimentos voltada para a subsistência da sua própria família, o que

aponta quão relacionada estava a prática de atividades complementares, das mais

58

simples às mais elaboradas do ponto de vista técnico. Esta prática aponta para a

acumulação de patrimônio às custas da família, que se submetia a uma disciplina de

trabalho familiar que no mínimo garantisse a manutenção dos negócios.

Outros tipos de negócio foram implementados na cidade. Concomitante à

expansão da construção civil em áreas marcadamente rurais, já expusemos aqui

que havia o comércio de alimentos praticado pelas famílias que se dedicavam à

lavoura cafeeira. O aumento populacional estimulou a criação de armazéns que

centralizassem a compra e a venda destes produtos, além de ofertar outros itens

menos produzidos pela população suburbana, como botas, roupas e ferramentas de

tipos e funções diversas. A presença destes estabelecimentos comerciais denotam a

lenta diminuição do contato direto entre o produtor e o consumidor de gêneros

agrícolas residentes na cidade, o que abriu espaço para o crescimento do segmento

varejista, que depois dotaria a cidade da capacidade de agir como pólo comercial

regional.

Por outro lado, a consolidação da renda em Ribeirão Preto é em grande parte

devedora da associação da prática de negócios vinculada à agricultura cafeeira e de

gêneros alimentícios triviais, das atividades comerciais voltadas à construção de

casas residenciais e comerciais, além do comércio varejista que, devido à crescente

amplitude da oferta de itens (presentes nos anúncios dos almanaques) fazia com

que não fosse necessário o deslocamento para outros locais quando da finalidade

de adquiri-los, revigorando assim o mercado consumidor local, ao passo que atraía

compradores de outras bandas, fato que consolidava a cidade como pólo regional.

Desta época de afirmação de uma imagem de cidade próspera e com vida

social pulsante de inovações, resultaram as impressões fragmentadas de uma parte

da história da cidade, não raro posta como exemplificadora do seu todo, através da

exaltação da área que compreende o “quadrilátero central”, cuja representação não

só fascinava os viventes do passado e também uma parte considerável dos

historiadores que se voltam a recontar a história do município.

Ribeirão Preto pode ser tomada como feliz exemplo dessa transformação operada em poucas décadas na área pujante da antiga Mogiana, quando o envolvimento com o café se deu em novas bases. Naquela zona, a cidade foi posto avançado de poderosos coronéis – Francisco Maximiliano Junqueira, coronel Quito Junqueira e o Rei do Café, Francisco Schimidt – que tocaram suas lavouras em moldes empresariais, com casas bancárias próprias, empresas lucrativas de colonização, valendo-se da cobertura de sólidos complexos financeiros. Para exteriorizar sua riqueza, a cidade

59

enfeitou-se, já na República, com símbolos do apogeu do café: uma aléia de palmeiras imperiais, um teatro de grande porte – o Teatro Pedro II – e um quarteirão de serviços modernos – jardim público e hotel -, o famoso Quarteirão Paulista, conjunto que é referência de sua imagem física e do lazer local. Em 1911, entrou efetivamente na atividade industrial com a instalação na cidade da Companhia Cervejaria Antártica Paulista, hotéis e bares de luxo para receber compradores e comissários de café, caixeiros-vaijantes, negociantes de toda sorte, que regressavam impressionados com a cidade próspera e com o Bar Pingüim, inaugurado em 10 de novembro de 1943, no térreo do Edifício Diederichsen, no coração da cidade. (MARTINS, 2008, p. 67).

2.3 O urbano e o suburbano em Ribeirão Preto: referenciais em mobilidade ao

longo da história da cidade.

Para melhor contextualizarmos este momento histórico, é necessário ter em

vista que, quando do alvorecer do século XX, era o café o astro responsável por

transformar esta cidade em uma daquelas que orbitavam a sua volta, acrescida não

obstante dos benefícios gerados pela sua riqueza. Porém, há quem considere que

para a história do café e da imigração, é Ribeirão Preto o centro mais importante do

Brasil. (HOLLOWAY, 1984).

Bem assim, a progressiva especialização agrícola, fundamentada no cultivo e

no comércio cafeeiro, gerou riqueza e benefícios de diferentes ordens para a cidade,

tal como a melhoria infra-estrutural, na qual se destacou a malha ferroviária instalada

para o escoamento de produtos e, por conseguinte, de pessoas, fator que auxiliou o

seu processo de urbanização e de modernização. No entanto, a criação da demanda

de mão-de-obra abundante para os cafezais foi um dos elementos mais importantes

desta atividade produtiva, o qual exponenciou sua relevância política e econômica

concomitantemente ao decréscimo da relevância da mão-de-obra escrava, em face

do cenário nacional e internacional de expansão do capitalismo, embora este tenha

assumido características distintas conforme a área em que se expandia e se fixava.

(MELLO, 1998).

Como bem observa CANO (1998), a escassez de mão-de-obra não foi a causa

da abolição, mas sim o processo de acumulação de capital; pois a solução

decorrente da vinda e utilização da mão-de-obra imigrante representou não só a

garantia de alta produtividade, mas também o fortalecimento do mercado interno, até

60

então formado a partir da influência direta, e dependente, da inserção dos produtos

primários brasileiros exportados ao mercado internacional.

Já Celso Furtado, diz que a

[...] aparente complexidade desse problema deriva de que a propriedade da força de trabalho, ao passar do senhor de escravos para o individuo, deixa de ser um ativo que figura numa contabilidade para constituir-se em simples virtualidade. Do ponto de vista econômico, o aspecto fundamental desse problema radica no tipo de repercussões que a redistribuição da propriedade terá na organização da produção, no aproveitamento dos fatores disponíveis, na distribuição da renda e na utilização final dessa renda. (FURTADO, 2000, p. 142).

Visto por outro prisma, o regime de trabalho livre propiciou também o

alargamento da disponibilidade de mão-de-obra para a expansão urbana-industrial,

tanto pela entrada direta de imigrantes não-agrícolas como pelo próprio movimento

de atração e fuga de imigrantes, gerado pelas crises do café. (CANO, 1998, p. 62).

Tal assertiva se integra parcialmente à realidade ribeirãopretana quando do final do

século XIX e início do século XX, sobre a qual nos deteremos a seguir.

Uma das medidas implementadas pelo governo provincial visando à atração de

mão-de-obra imigrante foi a criação de núcleos coloniais em pontos diversos do

território paulista, sendo Ribeirão Preto uma das cidades contempladas por esta

iniciativa. Nesse sentido, foi formado em 1887 o Núcleo Colonial Antônio Prado em

uma área próxima à “cidade”, expressão usada para designar o “quadrilátero central”

(citado no início deste capítulo), então única área urbanizada do município e, por

isso, habitada até os primeiros anos do século XX, principalmente pela elite local.

Para melhor compreensão do que era a maior área suburbana de Ribeirão

Preto, grosso modo, correspondente à área do antigo Núcleo Colonial Antônio Prado

(internamente dividido em seções), em face da sua assimilação quando esta passou

a ser marcadamente urbana e com a presença de comércio e indústrias,

reproduzimos a seguir os mapas presentes na obra de Silva (2006), a fim de facilitar

o debate no qual nos capítulos seguintes também nos deteremos, embora com

conotações específicas de acordo com a contraposição às escrituras públicas

presentes no 1º Tabelião de Notas desta cidade, então situado no “quadrilátero

central”.

61

Figura 5 - Ribeirão Preto e seus espaços urbanos e suburbanos: a “cidade” e o Núcleo Colonial Antonio Prado, passado e presente. Fonte: SILVA, 2006, p. 142-143.

62

A finalidade da criação deste Núcleo, dividido em seções, como podemos

observar pelas imagens presentes no trabalho supracitado, quando sua dissertação

foi publicada sob a forma de livro, foi promover a manutenção de um “viveiro de

mão-de-obra”, expressão utilizada pela autora, já que o intuito do imigrante era

adquirir o quanto antes a sua independência produtiva e financeira, inferimento

apoiado também por outros autores, como Holloway (1984) e Dean (2002). Assim, o

Núcleo representou a possibilidade deste desejo manter-se em aberto, o que por

sua vez não significou garantia de ser concretizado por todos, pois além de ser

subdividido em pequenos lotes destinados ao imigrante com reduzido capital, a

aceitação dos pedidos de compra levava em mérito a quantidade de membros

familiares e a finalidade que seria dada à utilização da propriedade, indícios que

parecem afirmar a orientação do governo provincial, sob a influência dos grandes

cafeicultores paulistas, de formar um contingente reserva de mão-de-obra.

Em 1893, nos diz Silva (2006) que o Núcleo foi emancipado, o que significou

que a maior parte dos proprietários dos lotes já havia saldado completamente sua

dívida com o governo provincial e que, por isso, a área correspondente ao território

do Núcleo seria anexada ao território da cidade. É neste momento que as atividades

complementares à economia cafeeira passam a ter um ritmo de desenvolvimento e

de acumulação mais acentuado que, no entanto, ainda se consolidava sob o efeito

dinamizador do capital cafeeiro.

Em vista do que discorremos acima, é mister realçar que o território do Núcleo

Colonial tornou-se, após a sua emancipação, na maior área suburbana de Ribeirão

Preto, pois cada proprietário responsabilizou-se contratualmente por fazer melhorias

entre 1887 e 1893, sob pena de sofrer multas em caso de descumprimento.

Entretanto, apesar das dificuldades inerentes a qualquer empreendimento, os

habitantes detentores destas pequenas propriedades deram início à criação de

animais e de culturas voltadas principalmente à subsistência. Analisadas em

conjunto, seu principal foco, nos primeiros anos de criação do Núcleo, deve ter sido

a própria subsistência do proprietário e da sua família, sendo que a produção de

alimentos, de longe, deve ter sido a prática mais vastamente difundida naquela

conjuntura.

Como já expusemos, havia uma variedade maior de atividades produtivas do

que aquelas voltadas à subsistência. Acreditamos que a descoberta desse fato se

deve ao tipo de fonte primária que privilegiamos, as escrituras públicas, uma vez que

63

o cotidiano socioeconômico da população suburbana geralmente é incorporado em

segundo plano nas analises que se voltaram a estudar a historia da cidade, e que

tiveram seus estudos baseados em outros tipos de fontes primárias. Além dos itens

agrícolas, havia inclusive plantações de café onde a principio se julgou haver tão

somente práticas de subsistência durante o período compreendido desde a sua

fundação até meados de 1930. Segundo Silva (2002), a partir desta data houve um

incremento do setor industrial da cidade, o que levou seus moradores a buscarem

trabalho neste ramo produtivo que a eles se apresentava.

Em Ribeirão Preto, a dinamicidade da hierarquia social se dá sob o signo da

acumulação “vespasiana”, que segundo Machado de Assis na sua obra “Memórias

Póstumas de Brás Cubas”, não se preocupa com a origem do capital, ao passo

que não se importa com a condição de origem dos indivíduos, pois, se assim fosse,

as escrituras não apontariam com extrema clareza a fluidez da riqueza entre agentes

sociais e profissionais tão díspares (incluindo moradores suburbanos sob a condição

de contratantes e compradores de negócios em outros pontos da cidade) durante o

período por nós analisado, e que consolidou esta característica que até hoje é

notória nesta cidade. Mais uma vez ressaltamos que esta percepção está

profundamente devedora das potencialidades da fonte elegida, já que esta

perpetuou interesses enquanto era possível a todos ficar mais ricos ou mais pobres,

diferente, por exemplo, dos inventários post-mortem, que respondem qual

acumulação o individuo deixou aos herdeiros ao morrer. A comparação das fontes

se dá, portanto, por apontar ou não a fluidez da riqueza, assim como em qual

conjuntura o patrimônio do individuo foi negociado nos instrumentos legais.

Justamente pela sua importância econômica, bem como social, cultural e

religiosa, nos detivemos durante os anos de graduação em História à análise e à

investigação de parte da história do Núcleo Colonial Antônio Prado por meio da

identificação dos agentes subjetivos das entrelinhas da história do bairro Campos

Elíseos e da Abadia de Santo Antônio de Pádua, que descobrimos ter sido a

perseverança e o senso de coletividade da população que nesta área habitou

visando essencialmente a sobrevivência. O resultado dos anos de pesquisa resultou

no trabalho de conclusão de curso apresentado nesta casa, que ora recebe também

esta dissertação de mestrado.

Graças ao contato preexistente a esta pesquisa sobre a história da área

suburbana de Ribeirão Preto, pudemos notar que o que

64

[...] se observa no território do Núcleo Colonial Antônio Prado, área anteriormente inculta, foi sua ocupação por pessoas juntamente com suas famílias no desejo de ao menos garantirem sua subsistência e prosseguirem com suas vidas mesmo sem amparo fosse de quem fosse, uma vez que não foram os poderes estaduais e eclesiásticos que primeiramente se instalaram neste local, mas sim a população. A vida destas pessoas já acontecia antes do pretenso auxílio das instituições, o que faz com que a benevolência institucional e sua supervalorização recaiam no sofisma de que sem esses a população por si só não conseguiria resolver suas vicissitudes, sejam temporais, sejam espirituais. (SOUZA, 2003, p. 16).

Amparando ainda mais esta postura de vanguarda dos habitantes desta área

da cidade nas primeiras décadas deste século, pautamo-nos no “Registro de

Despesas de Santo Antônio dos Pobres”, que abrange o período de 1908 a 1920, e

que surgiu da necessidade de se controlar os gastos efetuados com obras de

caráter público sob orientação eclesiástica. Vale reiterar que os párocos que se

envolveram com a população agiam como organizadores das melhorias efetuadas

por esta, e de maneira alguma como “pastores liderando suas ovelhas”.

A abordagem pioneira sobre esta história nos agraciou a descoberta de um fato

que exemplifica o que dissemos até aqui. Estudamos o “livro-caixa” 3 da comissão

de moradores para efetivação da praça pública de Santo Antônio (existente até hoje

entre a Avenida da Saudade e a Rua Paraíba) e chegamos à seguinte realidade:

[...] não faltava a esta população um comprometimento público que sobrepujava seus interesses particulares [...]. Sem eles, não haveria arrecadação, da mesma forma que não haveria o soerguimento das paredes do templo [a abadia de Santo Antônio de Pádua] e do hospital transformado em mosteiro, pois não raro ocorria que os integrantes da Pia União de Santo Antônio participassem ativamente oferecendo-se como mão-de-obra [que entrava como doação neste documento]. A história da praça Santo Antônio seguiu o mesmo exemplo da abadia. Seu diferencial foi que a Prefeitura Municipal apenas demarcou o local destinado à construção da praça. Como a prefeitura não realizou a finalização desta obra, a população formou uma comissão para que se arrecadasse dinheiro para se comprar bancos, postes de iluminação e outros materiais necessários para o seu acabamento, que tem finalidade pública, mas que não recebe seu aprimoramento oriundo das verbas do Estado. Dentre os colaboradores participaram os Irmãos Pasqualim, Serraria Velludo, além de outras pessoas jurídicas e dezenas de pessoas físicas. (SOUZA, 2003, p. 36, grifo nosso).

A despeito da falta de auxílio do poder municipal, ou seja, institucionalmente

eleito para atender à população, quando da inauguração da praça, o prefeito

compareceu à ocasião, o que reforçou e reforça a tradição de menosprezo à

3 Resguardado no Arquivo Histórico e Público de Ribeirão Preto, pasta 47.

65

capacidade de organização da própria população, e que, conforme ficou nítido,

transcende a organização de classe, mas que, como sabemos, ainda fica posta

marginalmente, principalmente nos trabalhos de cunho político e/ou religioso, como

se a população de gerações passadas fossem autômatos programados a ter certo

comportamento político e/ou agissem como homens desprovidos de vontade própria

e que por isso atendiam aos interesses dos seus líderes espirituais por medo de

reprovações sociais e espirituais por parte dos clérigos e políticos locais.

Por esta razão, imediatamente alertamos na introdução do trabalho já citado:

[...] se tratando sobre história ribeirãopretana, muito se escreve sobre o Estado como grande promotor do desenvolvimento da sociedade, depreciando-se as iniciativas particulares que ocorrem diariamente em fatos concretos, possibilitando que uma iniciativa pública seja o início e/ou o fim de uma atividade particular convertida em ganho coletivo e vice-versa. (SOUZA, 2003, p. 11).

A fim de tirar este povo tantas vezes subestimado e subjugado pelas instituições e,

por vezes, até pelos trabalhos acadêmicos, oferecemos abaixo uma imagem do nosso

arquivo particular no objetivo de aproximar o fato histórico à representação, as pessoas

integrantes deste contexto social à analise intelectual aqui pretendida.

Figura 6 - Moradores do antigo Núcleo Colonial Antônio Prado, assistindo à celebração de uma missa na Abadia de Santo Antônio de Pádua, quando esta ainda estava em fase de construção, entre os anos de 1920 e 1930 Fonte: Acervo particular.

66

2.4 A peculiaridade dos habitantes do Núcleo Colonial Antonio Prado: suas

atividades complementares e suas conexões ao fluxo de riqueza da atividade

cafeeira.

No intento de obter uma melhor compreensão da realidade apreendida por

meio dos negócios firmados e intermediados pela formalização legal efetuada nas

escrituras públicas, utilizamos abaixo os mapas presentes nos trabalhos de Adriana

C. B. da Silva, inclusive preservando os títulos dados pela autora, na finalidade de

dar uma maior compreensão do espaço que fora transformado devido à ação das

atividades suburbanas e até então complementares às atividades diretamente

relacionadas à economia cafeeira, especialmente na transição do século XIX para o

XX.

Figura 7 - Núcleo urbano principal de Ribeirão Preto e Núcleo Colonial Antônio Prado em 1887 sobrepostos à malha urbana atual. Fonte: Silva, 2004, p. 260.

67

Figura 8 - Demarcações dos lotes no Núcleo Colonial Antônio Prado Fonte: Silva, 2006, p. 194.

Figura 9 - Localização do Horto Municipal e Praça Santo Antônio nos dias atuais. Fonte: Silva, 2006, p. 132.

Dentre os apêndices da obra da autora (2006), estão relacionados numa

tabela os títulos de propriedade de lotes no Núcleo Colonial Antônio Prado

concedidos pela Superintendência de Obras Públicas predominantemente entre os

anos de 1892 e 1893, constando os nomes dos proprietários, lote, seção, área (m²),

valor e data do documento. Consta também uma tabela do “Requerimento de

colonos para aquisição de lotes no Núcleo Colonial Antônio Prado entre 1887 e

68

1893”. Todavia, nem todos que se inscreveram junto ao órgão estadual foram

atendidos, o que levou a autora a elaborar outra tabela titulada “Requerentes de

lotes que receberam título de propriedade”. Nossa intenção neste capitulo é debater

os dados coletados nas escrituras públicas referentes à área suburbana com os

dados presentes nas tabelas postas no apêndice da obra supramencionada.

Esta autora nos diz que antes da venda dos lotes para os interessados, estes

deveriam requerer a aquisição de lotes neste Núcleo, cujos documentos foram

formalizados entre os anos de 1887 e 1893, sem que isto significasse ter o seu

pedido atendido pelo dito órgão estadual. Assim, iniciamos a nossa análise

comparando estes dados com as relações de compra e venda referentes à área do

Núcleo, bem como os detalhes mais peculiares destas transações comerciais, as

quais nos auxiliarão a recriar o cotidiano havido neste território nos primeiros anos

da sua emancipação.

Nem todas as pessoas mantiveram o tamanho da sua propriedade conservada,

sob o aspecto territorial. Algumas delas, mesmo nos primeiros anos, passaram a

retalhar sua propriedade na finalidade de levantar capital, possivelmente para

promover investimentos na propriedade que ainda continuou em seu poder. Exemplo

disto foi a venda de um terreno feita pelo italiano Luiz Torressani (mantivemos a

forma escrita pelo tabelião) e sua mulher com Argenti Torressani e seu marido

Vicenti Lioporim. O que nos chamou atenção foi o fato de o casal ter comprado o

terreno do Estado, correspondente ao lote 5 da 4ª seção, por 277$477 (título

definitivo datado em 09 de abril de 1892) e ter efetuado a venda de 24.200 m² no

valor de 200$000, ao que tudo indica para uma pessoa da sua própria família,

mantendo assim a posse num âmbito familiar sem que isto significasse tratá-la como

algo rentável para aquele que antes a possuía. Apesar de a data ser anterior ao do

título de propriedade, seu pedido já havia sido formalizado à Superintendência de

Obras Públicas em 1889, ou seja, antes mesmo do título definitivo as terras do ainda

Núcleo Colonial Antônio Prado já estavam sendo objeto de mercantilização. Mesma

situação foi realizada por José Crosaro Tuse, que vendeu suas terras do Núcleo

Colonial a Miguel Zertetto, em 23 de fevereiro de 1891, por um conto de réis.

Segundo o “Requerimento de colonos para aquisição de lotes no Núcleo

Colonial Antônio Prado entre 1887 e 1893”, o lote nº 13 da 3ª seção foi pedido por

Tolon Giovanni em 1888. Porém, em 27 de maio de 1893, quem era o proprietário e

decidiu vendê-lo na sua totalidade foi Fracasso Romano e sua mulher a Antônio

69

Oesma, lote que segundo a escritura pública continha “casa de morada construída

de tijolos, cercas de arame, cisterna e outras benfeitorias”, razão pela qual explica a

sua valorização, já que no título de propriedade concedido a Romano Giacomo o

mesmo terreno possuía o valor de 184$761, com área de 111.303m². Quando da

sua venda, em 1893, seu valor foi avaliado em 4:500$000.

A realização de benfeitorias aumentava sobremaneira o valor da propriedade

situada no território do Núcleo Colonial Antônio Prado, pois como pode ser

observado nos mapas anteriores, esse espaço era privilegiado por estar perto da

área urbana da cidade, por possuir uma diversidade muito grande de pessoas e ser

cortado pelas principais rotas comerciais, seja viária ou férrea, além de ter os

principais córregos entrecortando as propriedades, oferecendo farta rede hidráulica,

fundamental para as lavouras, desde as de pequeno porte quanto as de maior

tamanho, volume e finalidade.

O primeiro proprietário do lote nº 0 da 2ª seção foi Francisco Berling, que

pagou pelos 514.500 m² a quantia de 854$070 (título datado em 25 de abril de

1892). Contudo, um pouco mais de um ano depois, o mesmo lote era propriedade de

Siqueira Andrade & Cia., residente em São Paulo, capital. Por meio da escritura

pública de 18 de maio de 1893, este nomeou Francisco Schmidt como seu

procurador, na finalidade de vendê-lo por 10:000$000 a Gomes Pinto & Cia., situada

em Santos e representada no ato da escritura por Arthur Aguiar Diederichsen. O que

fez com que esta área se valorizasse de maneira tão vultuosa? Acreditamos que a

resposta mais uma vez está na descrição do lote vendido, o qual foi descrito como

“terras com olaria, cercas de arame, carroças, animais, casas, tijolos, telhas de zinco

e benfeitorias”, o que já aponta seu uso com finalidade mercantil e não

necessariamente voltada tão somente para a prática de pequenas lavouras de

subsistência ou mesmo de produção de alimentos para abastecimento e comércio

na própria cidade.

Jorge H. C. de Oliveira, que se dedicou ao estudo do mercado imobiliário

ribeirãopretano, diz que progressivamente as chácaras da cidade foram sendo

assimiladas pela expansão do núcleo urbano desde os primeiros anos da República

Velha. (OLIVEIRA, 2006, p. 208).

Apesar das escrituras públicas sugerirem o desenvolvimento de atividades de

cunho mais urbano, há aquelas com características bem diferentes das citadas até

aqui. Exemplo do que afirmamos acima é a descrição do lote nº 13 da 4ª seção, o

70

qual tinha uma casa coberta de sapé, uma roça de um alqueire plantado com milho,

cuja área era de 110.170 m², cujo título de propriedade foi datado em 05 de abril de

1892, ao mesmo Finardi Luigi que em 12 de setembro de 1893 o vendeu a Giacomo

Feresin, com a diferença que ao Estado aquele pagou 182$882, valor bem abaixo

dos 2:000$000 ganhos na venda, paga em moeda corrente. Mais uma vez, as

benfeitorias, ainda que modestas, desempenharam um papel fundamental para a

valorização do patrimônio, mesmo sem considerarmos a inflação havida no período.

É acertado o inferimento da prática de atividades complementares à principal

(cafeeira). Em 28/11/1893, De Dalmonte Affonso e sua mulher venderam a João

Baptista Wiliam dois hectares e quarenta e dois ares de terras do lote nº 23 da 4ª

seção do Núcleo Colonial Antônio Prado, “com as quais [terras] vendem uma casa,

um paiol, um galinheiro e um mongeiro de porcos cobertos de palha [...]”. Em 29 de

agosto de 1892, o valor inicial dos 152.205m² foi 252$660, bem menor se

comparado aos 500$000 obtidos pela transação formalizada pela escritura firmada

no 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto e que não significou a perda de toda

propriedade.

A mesma dinamicidade averiguada nas seções ditas rurais do Núcleo Colonial

Antônio Prado é característica também da sua sede, denominada “urbana” quando

da efetivação deste território. Fica claro, ao analisarmos a sua área e o valor dos

seus lotes, que nesta seção havia uma maior valorização da terra, como, por

exemplo, o lote nº 22 da sede que possuía 11.500m² e era propriedade de Feraco

Giuseppe, que a adquiriu do Estado pelo pagamento de 190$095 em 12/04/1892.

Quando aos 26 de janeiro de 1894 esta propriedade era de Pavan Antônio e sua

mulher, foi vendida por 1:000$000. Nisto, vale a observação do tamanho das

propriedades citadas até aqui para a constatação da discrepância de valor do metro

quadrado em relação às demais seções, ainda que nesta negociação

especificamente não só as terras foram objeto de venda, mas também “duas

casinhas cobertas de telhas e um rancho coberto de sapé, cisterna e outras

benfeitorias”.

A pormenorização das escrituras de compra e venda dos lotes pertencentes ao

Núcleo Colonial Antônio Prado tem por objetivo a desconstrução de uma idéia

preconcebida do que tenha sido o cotidiano dos seus moradores entre os anos da

década de 1890 e os da década de 1910, pois somente assim conseguiremos

perceber os elementos que foram responsáveis por dotar este lugar e as pessoas de

71

tamanha maleabilidade socioeconômica, desabonando assim a visão estática de

que neste território houve somente a prática de uma economia de pequena

importância à história da cidade por ter sido paralela à cafeeira. Julgamos, em vista

da interpretação das escrituras, que, longe de serem paralelas, as atividades

socioeconômicas praticadas no Núcleo eram complementares, pois somente em

vista desta caracterização poderemos entender porque houve tantas negociações de

terras, animais, empreendimentos, produtos duráveis e não-duráveis, ora

envolvendo valores monetários, ora valores nominais que eram dotados, segundo a

necessidade dos envolvidos, em possibilidade de maiores ganhos em vista da

oportunidade gerada pela ocasião, favorecendo a uns e desfavorecendo a outros,

como ocorria nas transações relacionadas a outras áreas da cidade e entre os

membros da elite.

Assim, pensar que as propriedades eram vendidas sempre com alguma

melhoria é redundar em equívoco, pois isto dependia de recursos e de pessoas que

nem sempre eram disponíveis pelos proprietários. Confirma este fato a escritura de

10 de outubro de 1894, a qual legalizou a venda de um terreno de cento e quatro

metros de frente para a estrada (provavelmente de circulação dentro do próprio

Núcleo), e que divisava com a propriedade de Giacomo Stephanelli (lote nº 10 da

sede com 11.500m², adquirido por 190$095) pelo valor de 300$000, não havendo na

descrição qualquer menção fora o tamanho da área vendida.

A diversidade de valores atribuídos ao lote quando do seu início é rica. O lote

nº 42 da 2ª seção valia, em 29 de agosto de 1892, 164$713, mas em 24 de abril de

1895 o mesmo foi avaliado em 2:500$000, contendo casa coberta com telhas, cerca

de arame e rego d’água. Nesta transação julgamos que o fator que estimulou sua

valorização foi o fato de haver disponibilidade de água, o que tornava este lote

extremamente favorável à prática de qualquer lavoura, desde a de subsistência até a

de café.

Dentre as transações relacionadas a este Núcleo, encontramos algumas

propriedades que se dedicavam ao plantio da rubiácea, o que nos provocou

surpresa, pois não esperávamos que neste território voltado à prática de lavouras de

subsistência e de criação de pequenos animais houvesse também a lavoura

cafeeira, que no exemplo a seguir pode explicar o alto valor, 7 contos de réis, pelo

qual foi vendido o terreno: “no qual edificaram uma casa de morada coberta de

72

telhas, uma sisterna, alguns pés de café e todo cercado de arame [...]”.

(ESCRITURA pública de 29/08/1896, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).

As propriedades situadas no território do Núcleo Colonial Antônio Prado nem

sempre foram comercializadas com a realização prévia de melhorias. São

integrantes deste tipo de propriedade os lotes nº 8 da 4ª seção, nº 5 da 3ª seção e

parte do nº 4 da 4ª seção, dentre os quais somente o segundo era o vendedor o

primeiro proprietário do terreno. Os valores atribuídos pelo Estado e os obtidos no

ato da venda foram respectivamente 70$242/1:500$000, 196$839/200$000,

264$020/200$000.

Da observação dos valores acima inferimos que o primeiro obteve uma grande

valorização, provavelmente devido ao fato de fazer frente à continuação da Rua

Visconde de Inhaúma (atual Rua Tamandaré), o que lhe dava uma ótima localização

e, por conseguinte, capacidade de intermediação com as demais seções e pontos

do município, e mesmo com a “cidade”. Já o segundo lote praticamente não teve seu

valor alterado, enquanto o terceiro, à primeira vista, sofreu uma desvalorização que

pode ser explicada pelo fato de ser somente uma parte do terreno. Todavia, em

menos de quatro meses da venda mencionada, encontramos mais uma escritura no

dia 03 de outubro de 1896 tratando da venda de um terreno de sessenta palmos de

frente e quatrocentos palmos de fundo, no lote nº 4 no “seguimento da Rua

Saldanha Marinho”, ou seja, no mesmo lote mencionado há pouco, por 200$000,

sendo que nas duas ocasiões os compradores eram de nacionalidade italiana.

Não somente para a produção de artigos agrícolas e de primeira necessidade

os lotes do Núcleo eram utilizados. Encontramos o arrendamento de duas olarias

situadas neste território e que foram arrendadas por 50$000 ao mês, por Demétrio

Collety (ESCRITURA pública de 22/04/1896, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão

Preto), bem como a permuta de duas casas, terrenos e mais benfeitorias no Núcleo

Colonial Antônio Prado por duas casas de morada nesta cidade, pelo valor nominal

de cinco contos de réis, conforme segue a descrição:

Por compra feita a José Augusto Affonso e Francisco Lorenzetti e sua mulher são senhores e possuidores de sete alqueires e uma décima sexta parte de terras neste município no lugar denominado “Baixadão” e “Núcleo Colonial Antônio Prado”, as deste Núcleo dividem com terras particulares ao Oeste, ao Norte com o número quarenta e nove, a Leste com uma estrada e ao Sul com o lote número quarenta e sete, com uma casa de morada e outras benfeitorias e aquelas em comum com os primeiros outorgantes no quinhão dado na divisão da aludida fazenda com casa de morada coberta

73

de telhas com cafezais e outras benfeitorias, hoje trocam como trocados tem com os primeiros outorgantes por duas casas de morada nesta cidade uma na rua Saldanha Marinho em terreno foreiro de sessenta e cinco de frente e outra a rua Amador Bueno em terreno foreiro de sessenta de frente, sendo os quintais reunidos [...]. (ESCRITURA pública de 01/06/1896, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto, grifo nosso).

Vale observar que ambas as residências permutas de Demétrio Collety

integravam a área urbanizada da cidade, o que fez com que o italiano Geraldo

Peccatiello e sua mulher pudessem usufruir os benefícios de poderem residir na

“cidade”, o que mais uma vez aponta a fluidez e a dinamicidade de pessoas e a

variabilidade de negócios que esta área promovia, desabonando assim a análise

empedernida do processo de ocupação do solo e da escalada na hierarquia social,

já que habitar no “quadrilátero” era sinal de status social e de posses. Noutra

perspectiva, se assim fosse, não era de se esperar que um indivíduo com título de

doutor buscasse melhores oportunidades de negócio em uma área teoricamente

voltada aos pobres e que, segundo o Almanach Ilustrado de Ribeirão Preto (1913, p.

27) foi mantenedor “durante longo espaço de tempo, no ponto do cruzamento das

ruas Álvares Cabral e Lafayette, [de um] collegio denominado Atheneu Demetrio”.

Ora, de acordo com a ótica capitalista, nada melhor para quem possui condições do

que adquirir terras de baixo valor venal para posteriormente poder especular o

melhor momento de negociá-las, bem como promover a criação de um

estabelecimento fabril situado numa área na qual a própria vizinhança garantiria o

consumo dos produtos.

Como já abordamos anteriormente, a existência de cafezais nos lotes do

Núcleo Colonial Antônio Prado não é exceção, pois foi descrita em escritura de 21

de agosto de 1896 (“possuidores do lote número vinte, rural da primeira seção do

Núcleo Colonial Antonio Prado, com duas casas e cafezais [...]”), em 17 de outubro

de 1896 (“[...] com pequenas casas cobertas de telhas, cercas de arame, rego

d’água e mil e oitocentos pés de café com um ano de idade [...]”), entre outras.

As escrituras públicas perpetuaram também o processo de retalhação do

território do Núcleo, que se deu, sobretudo, a partir de 1893, o qual foi auxiliado

também pela ação do poder público, que providenciou a instalação do então

“cemitério novo”, que se tornou desde ponto de referência até objeto de negociação

de um jazigo por concessão de terras, permutado entre Marco Golfetto e sua mulher

Carolina Santesso com a Câmara Municipal de Ribeirão Preto, sendo que aquele

74

cedia uma área de oitenta e quatro metros por noventa e dois centímetros em troca

de um mausoléu perpétuo para a família Golfetto, com três metros e cinqüenta

centímetros de frente por quatro metros de fundo, em lugar a ser escolhido

futuramente pela família, cujos quais deram o valor nominal de 300$000.

(ESCRITURA pública de 11/02/1896, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).

Também os integrantes da elite ribeirãopretana negociaram a aquisição de

terras na área do Núcleo, cujo exemplo citamos o major Joaquim Firmino D’Andrade

Junqueira, que adquiriu por cinco contos de réis

[...] uma chácara nos subúrbios desta cidade no Núcleo colonial Antonio Prado, lote quinze da terceira seção, com área de cento e dois mil e quinhentos metros quadrados, com casa de morada, cercas de arame e outras benfeitorias no alinhamento em continuação à Rua Saldanha Marinho, no lado inferior, fazendo fundo com a rua José Bonifácio [...].(ESCRITURA pública de 08/02/1896, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).

Na virada do século XIX para o século XX continuaram a haver transações

envolvendo os moradores e as terras pertencentes ao Núcleo Colonial Antonio

Prado, cujo viés das relações de trabalho será debatido mais profundamente no

próximo tópico. Concomitantemente com o passar do tempo, os nomes dos lugares

foram mudando, mas não os apanágios positivos e negativos desta sociedade que

tanto seriam responsáveis em assegurá-la como pólo regional nos momentos de

crise. Em 1905, quando ocorreu uma forte recessão econômica (averiguada por

meio do grande número de escrituras de dívida com hipoteca e empréstimos, e que

também será debatida em tópico próprio), duas “datas de terras” foram negociadas

neste Núcleo, no lugar denominado “Campos Elíseos”, novo nome em substituição

ao termo “terceira seção”. (ESCRITURA pública de 09 de fevereiro de 1905, 1º

Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).

2.5 As múltiplas dimensões do colonato em Ribeirão Preto

A prática da relação de trabalho designada colonato foi muito freqüente em

Ribeirão Preto. Tal fato se relaciona à necessidade de sobrevivência de um grande

número de homens que, devido à própria característica do sistema capitalista de não

75

democratizar harmonicamente a riqueza, não possuíam alternativa de sobrevivência

a não ser utilizarem sua capacidade laboral como meio de produção ou forma de

gerar capital.

Em vista do grande número de contratos desta ordem firmados no 1º Tabelião

de Notas de Ribeirão Preto pudemos, na elaboração deste trabalho, aprofundar o

debate acerca desta prática que se mostrou assaz vantajosa para a elite

cafeicultora, seja porque economicamente a contratação era bem mais rendosa do

que o capital a ser gasto na manutenção da mão-de-obra escrava (dadas todas as

dificuldades de prosseguimento presentes na conjuntura derradeira da escravidão),

seja porque consigo aprimorava o comércio interno de produtos de primeira

necessidade que não raro era praticado pela própria elite que fazia uso do trabalho

livre e assalariado, ganhando assim tanto na contratação dos colonos quanto no

oferecimento dos artigos fundamentais para a sua sobrevivência, explorando assim

o parco pagamento monetário que antes mesmo de ser recebido pelos

trabalhadores já havia sido comprometido nas vendas daqueles que num

determinado prazo teria que lhes pagar, ou seja, tornando o retorno financeiro em

mero acerto nominal do contrato assinado.

Por vezes esta estratégia foi tão escancarada no cotidiano dos trabalhadores

de Ribeirão Preto que no museu “Plínio Travassos dos Santos” há exposta uma

moeda utilizada na propriedade de Francisco Schmidt quando este fora considerado

o “rei do café”, e que era válida para todo tipo de transação comercial nas

propriedades deste cafeicultor. O que pode ser entendido como limitação do meio

circulante em Ribeirão Preto durante a crise do Encilhamento não descarta a

possibilidade desta ser usada e praticada como forma de manter a riqueza gerada

pelo trabalho dos colonos dentro dos limites da propriedade, para que este obtivesse

uma maximização do seu lucro oriundo das mais simples práticas de transações que

envolvessem algum consumo, seja de produtos ou de serviços, já que assim ele

poderia drenar o capital pelo simples jogo de manipulação dos preços.

Todavia, neste sistema de produção, circulação e consumo de riquezas havia

também as exceções que conseguiam romper as amarras da pobreza para, a partir

daí, ingressar e realçar a dinamicidade do movimento da hierarquia social, tão

esboçada em Ribeirão Preto e recuperada nesta obra por meio das escrituras

públicas do 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto.

76

Desde 1875 passaram a ser firmadas no tabelião as escrituras públicas

voltadas à locação de serviços, pelas quais eram determinadas as cláusulas do

acordo firmado entre locadores e locatários. Tal como apontou Rogério Naques

Faleiros (2008, p. 22-23) acerca da realidade francana da década de 1870, o que

predominou em Ribeirão Preto também fora a concessão temporária da posse da

terra para aqueles dispostos em plantar as primeiras covas do café e cuidar dos

seus quatro primeiros anos (em média), com direito à contrapartida de utilizar parte

das terras arrendadas ou os espaços das fileiras de café para o cultivo de lavouras

de subsistência. Por esta razão, o termo locador se refere aos trabalhadores que

fazem uso da posse temporária para conseguirem adquirir alguma poupança com a

venda dos artigos produzidos nas terras do proprietário durante o prazo previamente

estabelecido nas escrituras.

Em alguns casos, a contratação da força de trabalho não possui

contratualmente uma clara finalidade, porém, tal como falamos acima, é marcada

pela exploração do trabalhador em face das circunstâncias que o envolviam.

Elucidamos este ponto com a escritura pública de 01 de abril de 1875, pela qual

Antonio Gonçalves Paschin locou os serviços de José Francisco Dias para “todas as

qualidades de serviço”, pagando a este a razão de 120$000 por ano corrido. Nas

cláusulas é dito que as falhas serão descontadas à razão de um mil réis por dia, não

podendo o trabalhador deixar o serviço do locatário sem seu consentimento. Ainda,

é acertado que todos os objetos que precisar comprar ou mantimentos e roupas que

precisar não poderá deixar de ser comprada do locatário, salvo se com o seu

consentimento. Nas finalizações é dito que já tinha recebido roupas, remédios e

mantimentos do locatário no valor de 409$500, razão pela qual qualquer quantia que

o trabalhador tivesse que receber faria parte do contrato assinado entre as partes,

sendo “obrigado ao trabalho enquanto não estiver satisfeito o pagamento de todas

as quantias”. Pode-se notar a discrepância entre obrigações do trabalhador e as

vantagens obtidas pela assinatura da escritura, que julgamos terem sido aceitas

devido ao débito que este tinha com o contratante. (ESCRITURA pública de

01/04/1875, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto). Existem cinco exemplos deste

tipo de escritura somente no ano em questão, envolvendo cinco trabalhadores

diferentes e três contratantes incluso o já citado, o que indica não se tratar de um

caso excepcional.

77

Os contratos firmados em 1875 têm em comum também o fato de terem em

suas cláusulas o valor estabelecido por ano trabalhado, diferente da única escritura

firmada no ano seguinte, pela qual ficou combinado o pagamento de um salário de

640 réis por dia trabalhado, com multa de mesmo valor caso o contratante deixasse

de ser acompanhado para “qualquer lugar neste termo ou fora dele”, cabendo ao

contratado “não retirar-se de perto do serviço, de forma que ao clarear do dia estaria

prompto a receber ordens tendentes ao serviço [...]”. (ESCRITURA pública de 07 de

dezembro de 1876, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).

As escrituras com locação de serviços voltados ao trabalho de cunho agrícola

são bem parecidas quanto à desproporcionalidade de direitos e deveres das partes

contratadas. Para ficar mais nítido o seu conteúdo, expomos, por meio da citação

abaixo, os principais pontos desfavoráveis ao trabalhador:

Os locadores não poderão distraírem-se em qualquer outros serviços sem que o estado do cafezal a seu cargo o permittir e ainda serão obrigados a trabalho para o locatário se este tiver serviço ao jornal que estiver correndo, ou outros pagando. Durante o contracto os locadores não poderão ausentar-se da Fazenda do locatário sem o seu consentimento e muito principalmente para fora do Município. [...] os locadores ficão sujeitos a direção do locatário ou pessoa por si autorisado a cujas ordens obedecerão fielmente. Em quanto o cafesal permittir aos locadores farão suas plantações alimentícias no terreno do cafesal, plantando porem de modo que não offenda os cafeeiros e quando o terreno do cafesal não permittir farão em outro lugar designado pelo locatário. Os locadores obrigão-se a serem obedientes e submissos a pessoa do locatário, de sua família e mais pessoal da Fazenda. Por conta do presente contracto e como adiantamento os locadores receberão a quantia de trezentos e noventa réis cuja quantia assim como quaisquer outras que forem recebendo adiantamento da pessoa do locatário serão afinal descontadas da quantia que tiverem de receber. Para garantia do presente contracto os locadores se sujeitão a Lei de trese de setembro de mil oitocentos e trinta e a todas as mais em vigor a respeito de contractos com as condições declaradas e por sua parte sujeita a lei dos contractos em vigor. Depois de escripta esta eu Tabelião, perante elles que reciprocamente aceitarão e outorgarão [...]. (sic). (ESCRITURA pública de 08 de março de 1877, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto, grifo nosso).

Grifamos os pontos pelos quais ficam nítidas as posições de subserviência do

trabalhador, o que o colocava à mercê dos humores e das concessões

profundamente pautadas em critérios vagos e passíveis de interpretações distintas,

sempre indicativas do poder do contratante sobre o contratado, não deixando de

fundamentar-se em bases legais, como a citada Lei de 13 de setembro de 1830,

criada com a finalidade de regulamentar a locação e prestação de serviços em

78

contratos escritos e firmados em estabelecimentos legais, tanto por brasileiros

quanto por estrangeiros.

João Carlos Vieira Kirdeikas (2008, p. 14) nos diz que

[...] o formato da lei era simples, só possuía oito artigos e preocupava-se com a questão do cumprimento dos contratos por tempo definido ou por empreitada, no entanto, deixava muito a desejar, nem sequer mencionava sobre as justas causas de dispensa para um locador de serviços. (KIRDEIKAS, 2008, p. 14).

Paralelamente havia a repressão à mendicância e à vadiagem, realizada pelo

Estado e devidamente legalizada por meio do Código Criminal de 1830, pelo qual o

indivíduo que não possuísse ocupação poderia ser preso por oito a vinte quatro dias

no primeiro caso e de oito a trinta dias caso o indivíduo se enquadrasse no segundo

caso, entretanto, em ambos tendo que cumprir a pena com a realização de trabalhos

a ele designados pela autoridade competente. Com isto, o trabalhador após 1830

teve que se deparar com a seguinte situação: ter que se colocar sob o jugo de um

empregador para não correr o risco de ter as leis sendo usadas como prerrogativa

para cerceá-lo da sua liberdade ou ter que abrir mão da liberdade de barganhar da

melhor forma possível uma relação de trabalho, para não ter que se explicar e se

defrontar com o próprio Estado brasileiro, que idealisticamente deveria auxiliá-lo a

superar suas mazelas pessoais e tornar-se um cidadão no sentido pleno do

conceito.

Assim, o cotidiano de trabalho não era ausente de conflitos, mesmo para os

estrangeiros que vieram para o Brasil tentar uma melhor sorte na vida por meio do

trabalho, para que por este caminho pudesse realizar o sonho de tornar-se

proprietário e livrar-se da subjugação de outrem e mesmo dos próprios estigmas do

sistema capitalista praticado nas nossas terras, dentre os quais ainda se fazia

presente a vinculação da mentalidade de que a necessidade de trabalhar indicava

um rebaixamento pessoal, moral e social, uma vez que este era atribuição dos

escravos que, tão somente após 1888 deixaram de ser patrimônio para, a partir daí,

terem como destino a marginalização social, já que eram entendidos como

indivíduos de segunda categoria, ocasionando a marginalidade e a vitimização

destes pela mesma lei que desestimulava o trabalho livre desde a época imperial.

Eis que este panorama de depreciação da realização do trabalho, associado à

necessidade de reduzir o custo de vida do trabalhador favoreceu em grande medida

79

a prática do colonato em Ribeirão Preto, pois assim não só os lavradores se

tornaram mais zelosos com os pés de café recém-plantados (mesmo porque

contratualmente eram obrigados a isto), uma vez que a boa execução do acordo

firmado representava a possibilidade garantida de manutenção das suas lavouras de

subsistência, além de proporcionar chances concretas de acumular capital para si

por meio da venda dos excedentes da lavoura plantada para seu uso e consumo

exclusivo, salvo indicações contratuais em contrário.

Por isso os pagamentos monetários não devem ter sido o principal atrativo dos

acordos firmados pelas escrituras nestes tempos marcados pelo avanço da cultura

cafeeira na região, pois as realizações a contento das suas funções poderiam

mostrar-se fundamentais na obtenção de novas concessões de terras, gerando

assim a chance de acumular o suficiente para num momento próximo efetuar a

compra de uma propriedade para então desenvolver suas próprias plantações e

criações e libertar-se do jugo direto dos desmandos pessoais gerados e

reproduzidos pela cultura social brasileira.

Garantir o próprio sustento não deve ter sido tarefa fácil para estes

trabalhadores dotados de algum ofício em Ribeirão Preto, pois, predominantemente,

o trabalho de contato direto com a terra era o que sofria maior carência nesta

conjuntura marcada pela economia cafeeira. Auxiliou-nos a locação de serviços

firmada em 30 de outubro de 1878 em que o negociante José Gomes do Amaral

contratou Antonio Vaz de Araújo Pecinhy, carpinteiro, para a realização de serviços

de carpintaria para aquele, recebendo para tanto a razão de 2$000 ao dia, tendo o

direito de trabalhar um dia para si e tendo de pagar o mesmo valor em caso de falta,

salvo autorização do locatário ou em vista de razões dadas pelo locador (Antonio) ao

locatário José Gomes. Nas finalizações da escritura foi dito que o negociante daria

ao carpinteiro os alimentos e as ferramentas, “sendo contudo o vestuário a custa do

locador”. (ESCRITURA pública de 30 de outubro de 1878, 1º Tabelião de Notas de

Ribeirão Preto).

Acreditamos aqui na importância do historiador realçar as rupturas e as

continuidades havidas numa determinada época para outra, pois assim,

privilegiadamente, torna-se mais concatenado como determinados elementos são

relegados ao passado enquanto outros, de forma tão sutil, continuaram sendo

reproduzidos e fazendo-se presentes no cotidiano das pessoas, sobretudo nas de

vida mais pobre. Esta é a razão pela qual é importante averiguarmos como a prática

80

do colonato foi tão relevante para proprietários e indivíduos que somente possuíam

a sua capacidade de trabalhar e as suas necessidades existenciais.

O padrão dos contratos de colonato segue as seguintes características: são

firmados valores monetários acerca do valor unitário por pés de café formados no

período de quatro anos, acertado que os frutos destes pés até o quarto ano

poderiam ser coletados pelo trabalhador por seus próprios meios; que a plantação

de alimentos e a criação de pequenos animais são permitidas desde que esta não

“ofenda” os cafezais em formação; os valores monetários recebidos pelo trabalhador

a título de adiantamento poderiam ser descontados quando do acerto do contrato

(ou seja, no fim do prazo contratual); além de estabelecidas multas por atos

previamente citados pelo proprietário no momento da formalização da escritura. Por

vezes, consta uma cláusula de preferência de compra dos alimentos pelo

proprietário das terras onde o locador-trabalhador teria que cumprir o acordo da

escritura, o que mostra que as possibilidades de ganho não são amplas o bastante

como o trabalhador, em vista do cálculo capitalista, poderia querer ou adquirir maior

vantagem para buscar no mercado um ganho mais alto e, é claro, livre de dívidas e

com o lucro sob a forma de moeda corrente.

Possuir família bem poderia significar a obtenção de maiores e melhores

contratos, ou simplesmente ter a oportunidade de trabalhar numa propriedade para

no mínimo desenvolver uma lavoura de subsistência. O destaque da escritura

pública firmada entre o locador Benedicto Soares de Gouvea e o proprietário João

Antonio Maciel não foi a obrigação de plantar oito mil pés de café, ou o prazo de

quatro anos para o contrato firmado. Tampouco foi a permissão de ter pastos para

criar animais “cavalares” necessários para seu mister, mas sim o momento em que é

dito que “o locador com garantia para tratamento do cafezal também dispõe seus

dois filhos” (ESCRITURA pública de 10 de março de 1879, 1º Tabelião de Notas de

Ribeirão Preto), bem como o fato deste contrato se submeter à lei de 13 de

setembro de 1830.

Já a escritura de 07 de setembro de 1879 limitava o trabalhador Clemente José

D’Araújo a plantar vinte mil pés de café no prazo de quatro anos (seiscentos réis o

pé após esta data), com a permissão de plantar feijão, milho e fumo, sendo que

qualquer benfeitoria por ele realizada não seria paga, já que o proprietário Antonio

de Salles Barreto ficou obrigado a construir uma casa para o locador residir.

81

(ESCRITURA pública de 07 de setembro de 1879, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão

Preto).

João Franco de Moraes Octavio, importante cafeicultor da cidade, locou os

serviços de Samir Manoel de Moura, João Pedro de Moura, Manoel Ferreira de

Moura e Francisco Pinto de Moura para formação de cafezal durante o prazo de

quatro anos, dando a estes trabalhadores o direito a metade da produção que

frutificasse, sem detalhes precisos do local onde esta lavoura seria cultivada. Se por

um lado não menciona alimentos, por outro menciona o pagamento dado em

dinheiro aos locatários no ato da escritura, e ainda afirma o compromisso de pagar

duzentos mil réis, distribuídos em pequenas parcelas em caso de benfeitorias por

estes realizadas. (ESCRITURA pública de 19 de outubro de 1885, 1º Tabelião de

Notas de Ribeirão Preto).

Em vista das relações de trabalho marcadamente desfavoráveis para aqueles

que se punham a serviço de outrem, selecionamos a escritura pública de 08 de abril

de 1888, firmada entre Doutor Modesto Olympio Teixeira Brandão e o Tenente João

Alves da Silva Ramos, para que fiquem cada vez mais palpáveis as condições

contratuais firmadas entre estes indivíduos que auxiliaram, à sua maneira, a cidade

a manter no seu mercado local os capitais gerados no seu território, a reter e fazer

circular os capitais vindos de outras áreas, bem como os seus habitantes, por meio

das alternativas de trabalho que possibilitassem a manutenção da vida e de

subsistência da família, fora a existência, ainda que pequena, de galgar um melhor

status social por meio do “tornar-se patrão” por intermédio de poupança monetária e

sagacidade econômica. Seguem as condições:

1ª) O Dr. Modesto obriga-se a manter a sua custa o tratamento do cafesal que se acha plantado em número de dezoito mil pés mais ou menos, bem como outros que forem plantados no espaço de oito anos, usufruindo seus frutos. 2ª) A entregar ao tenente João após o prazo o cafezal sem indenização alguma, salvo as benfeitorias que fizer. 3ª) O tenente obriga-se a conceder usufruto e posse de todo o cafesal durante o prazo firmado. 4ª) Obriga-se a conceder terras para o plantio de mais vinte e dois mil pés fora os dezoito já plantados. 5ª) Obriga-se a permitir que o contratante [Dr. Modesto] faça em suas terras plantações de cereaes. 6ª) Obriga-se findo o prazo a manter a posse do contratante para costeá-lo e colher os fructos de parceira pelo tempo que convier. 7ª) Remuneração, caso o Doutor Modesto não puder usufruir por qualquer motivo seus serviços prestados, de cento e vinte réis por pé por ano considerando-se a colheita dos pés de cinco e oito anos e quinhentos réis por pé de quatro anos. Deram o valor de cinco contos de réis para este contrato e obrigam seus herdeiros a cumpri-lo. [...]. [sic]. (ESCRITURA pública de 08 de abril de 1888, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).

82

Vale observar que a própria condição de “doutor” do responsável pela lida com

a terra nos permite inferir que o mesmo contrataria outros trabalhadores para

cumprir esta obrigação por ele. Claro que independentemente do seu status social

este não deixaria de aproveitar a oportunidade de gerar renda ao longo dos oito

anos dados de prazo para que este pudesse promover o cultivo de alimentos na

finalidade de vendê-los no mercado local, ao passo que daria aos demais indivíduos

a chance de terem um posto de trabalho, gerando renda, consumo e a necessidade

de mais produção.

Ora, a finalidade do Tenente João ter feito o contrato foi a situação privilegiada

de poder ampliar a sua lavoura cafeeira, voltada marcadamente para o mercado

externo, razão pelo qual era condição fundamental a ampliação da produção, para

ora lucrar pela valorização do produto, ora mais pela quantidade vendida,

permitindo, concomitantemente ao seu interesse, um revigoramento do mercado

local via promoção de atividades complementares à atividade principal que,

interligadas, faziam do cenário público uma hierarquia constantemente alterada,

quando não conflituosa, já que tanto no topo desta pirâmide quanto na sua base era

a fluidez da riqueza que obrigava os ascendentes a reivindicarem seu lugar, além do

fato dos integrantes da base terem que lutar para não serem colocados fora desta

geometria, pois em Ribeirão Preto mesmo a obtenção de um posto de trabalho (em

qualquer ramo) não era garantido a ninguém, fato que julgamos ter ocasionado mais

mobilidade na base do que no topo, pois na vivência do pobre os infortúnios e os

efeitos negativos do sistema capitalista não só se fazem mais presente como

também se fazem sentir mais forte e freqüentemente à sua porta, claro,

metaforicamente, pois havia aqueles, sobretudo imigrantes, que nem tinham sua

própria porta, “hospedavam-se” no galpão chamado “Barracão” até que obtivessem

um emprego (SILVA, 2002), para enfim lutarem para ter um lar, não

necessariamente uma casa, como bem distinguiram David Snow e Leon Anderson

(1998), já que elucidamos anteriormente que havia aqueles que no final do século

XIX moravam numa casa de sapé na área suburbana de Ribeirão Preto, ao passo

que na mesma área outros moravam em residências de alvenaria, certamente mais

confortáveis e protegidas dos animais peçonhentos e das doenças provocadas pelas

insalubridades da área habitada, sobretudo próximas aos córregos.

O colonato não só cumpriu a função de promover a fixação de pessoas ao

território, como também garantiu as suas subsistências, além de ter adequado os

83

comportamentos sociais a certos padrões esperados pelos proprietários, muitas

vezes de maneira imprecisa e subjetiva, características fundamentais para haver

uma assimilação profunda do seu objetivo maior, a contenção de homens

considerados como subversivos. Inúmeras são as formas em que isto se deu, e

relacionar o debate já existente seria desnecessário, uma vez bibliograficamente

notório, cabendo-nos, porém, fazer aqui uma contribuição por meio das fontes, tal

como adiante:

[...] E tendo dado começo e execução desse contracto em quinze de outubro de mil oitocentos e oitenta e nove, para garantia de ambos, locador [trabalhador] e locatário [...] obriga-se a tratar e formar essa porção de pés de cafeeiros, havendo-se durante os quatro anos com todo respeito e moralidade, providência e boa conduta com pena de ser expulso o locador das terras e serviços da fazenda e propriedade do locatário no caso de infração dessas condições devendo nessa forma haver-se o locador das terras e serviços da fazenda e propriedade do locatário, no caso de infração dessas condições; devendo nessa mesma forma e sob as mesmas penas, haver-se o locador com sua família para com os empregados e trabalhadores do locatário, perdendo o locador, no caso dessas infrações, o direito a receber aquilo que pelo presente tem direito a receber, caso [...] expulso, recebendo o locador neste acto a quantia de setenta mil réis do locatário em adiantamento, e em quinze de outubro de mil oitocentos e noventa, a metade do que pelo tratamento dos cafeeiros na base de quatro anos tiver direito, na forma deste contrato, levando em conta então os setenta mil réis que neste acto recebe, tendo mais ele locador direito a colher para si, todo o fructo do terceiro ano dos cafeeiros e metade dos fructos do quarto. Pelo locatário Francisco Baptista Guimarães foi dito achar-se de fato assim contractado com o locador e que aceitava a presente escriptura em vista de suas condições, obrigando-se a sua inteira execução e mais, a haver-se da mesma forma para com o locador com todo o respeito, providência e acatamento não só para com a pessoa do locador como para com as pessoas se sua família, trabalhadores ou empregados e a consentir que o locador plante no cafezal até o terceiro ano quaisquer plantações e sereais e no quarto ano, tão somente uma carreira de milho em cada rua de café, podendo o locador residir na casa em que atualmente mora, durante o tempo contratado e ter dentro dos pastos da fazenda dez animais-vacum ou cavalar, que não seja égua. E mais, obriga-se no caso de ser infrator deste contrato ou arrependimento a pagar o locador o que este teria de receber se fosse este contrato inteiramente cumprido, ficando neste caso extinta a obrigação do locador [...]. (ESCRITURA pública de 01 de março de 1889, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).

Ao lado dos proprietários, a moral cristã fazia-se presente naquela conjuntura e

na vivência cotidiana da população, conforme já abordamos no capítulo anterior.

Entretanto, além de colocar-se como mantenedora da fé, a Igreja Católica fazia-se

presente também como geradora de empregos em Ribeirão Preto, de ações sociais

determinadas a fins bem seculares, como a manutenção do prédio da matriz, local

privilegiado para o contato com os fiéis e na promoção da inter-relação entre os

84

integrantes da elite e da “arraia-miúda” (expressão de FAORO, 2000), isto sem

falarmos da cobrança do laudêmio, que é uma taxa destinada a Igreja todas as

vezes em que se dava e se dá uma compra e venda de propriedade situada dentro

do quadrilátero central.

Em vista da escritura pública de 31 de agosto de 1888, que firmou a

empreitada a ser realizada por Alexandre Travers, podemos analisar a

transformação da finalidade religiosa em prática produtiva, já que este teria “que

usar seu próprio material e pessoal” na reforma do forro, assoalho e outros serviços

com a devida “solidez e perfeição possível”, recebendo por esta 3:600$000, um

conto de réis no ato, mais um conto de réis depois de começados os serviços do

forro e mais um conto depois de concluídas as reformas e serviços gerais do

contrato, ficando os 600$000 a título de prêmio caso a “Comissão de Obras da

Matriz” o julgasse merecedor finda a empreitada, critério assaz subjetivo por sinal,

mas que, no entanto, não impediu de ser somado ao total a ser pago, o que

preconiza uma predisposição em pagá-lo. Já o material retirado ficaria à disposição

do empreiteiro, o que julgamos uma estratégia para que esta comissão não tivesse

novos gastos com carretos necessários para o transporte e descarte do entulho

gerado. (ESCRITURA pública de 31 de agosto de 1888, 1º Tabelião de Notas de

Ribeirão Preto).

Uma estratégia muito comum nestas escrituras que tratam da locação de

serviços marcadamente agrícolas é a recorrência da cláusula que pune o

trabalhador-locador com a perda de todas as suas realizações caso este decida não

cumprir o contrato na sua totalidade, seja em vista do prazo firmado, seja algo que o

leve a não poder cumpri-lo por motivos pessoais. Este ponto das cláusulas, de tão

recorrente, fez com que a sua dispensa ou mesmo a não citação na escritura se

tornasse um fator favorável àqueles que por ele não tinham que ser submetidos.

Por fim, em vista de uma síntese parcial quanto às múltiplas dimensões do

colonato, não pudemos deixar de constatar que muitas vezes o preconceito se dá

pelo silêncio ou omissão da sociedade. Como é inútil supor sem nos apoiarmos em

argumentos concretos, quando esta possibilidade se apresenta é fundamental

elucidar alguns detalhes que podem nos auxiliar a vencer dilemas ainda

contemporâneos. E dentre estes, a marginalidade (im)posta ao negro se destaca nos

contratos de prestação de serviços, marcadamente de colonato, havida nestas terras

do café.

85

Em vista da quantidade de contratos firmados visando a locação de serviços,

não é natural não haver a contratação de negros, caso seu status não fosse

depreciado em meio à coletividade ribeirãopretana e, por isso, podemos inferir o

preconceito e a depreciação da possibilidade de inserção do negro pelo viés do

trabalho regular e atrelado às necessidades socioeconômicas de maneira direta, já

que, se isso fosse algo recorrente, era de se esperar um número relevante de

exemplos por meio das escrituras públicas, o que não se deu, uma vez que, salvo as

escrituras atinentes ao reconhecimento de filhos, não tivemos uma declaração

expressa do tabelião referente aos afrodescendentes, bem diferente dos casos em

que envolviam os por ele conhecidos e que desfrutavam de títulos honoríficos e

imigrantes, sobretudo italianos. Pelas escrituras, era como se os negros enquanto

indivíduos não existissem e que, após a superação da escravidão, de repente,

deixassem de ser socialmente, produtivamente e existencialmente relevantes em

Ribeirão Preto após a década de 1890.

86

CAPÍTULO 3 A RACIONALIZAÇÃO DA VIVÊNCIA COLETIVA

87

3.1 A sociabilidade herdada da escravidão e do preconceito

Os primórdios da ocupação populacional na região que posteriormente seria

batizada de São Sebastião do Ribeirão Preto possuem representações diferentes

para o senso comum e para os historiadores, e mesmo entre estes últimos. Tanto

para estes quanto para aqueles, a diversidade de interpretações não muda o fato do

nome atual desta cidade, que foi suprimido para tão somente Ribeirão Preto,

evidenciar na sua essência um apanágio do processo histórico desta população: a

rapidez com que se mudam os nomes dos lugares, das ruas, dos bairros, assim

como o nome que batizou a vila, bem como a valoração da importância daqueles

que também participaram deste processo de mudança marcado pela modernização

e pela racionalização da vivência, mas que, entretanto, foram relegados às

penumbras históricas, tal como os outros agentes sociais que precederam a data da

abolição dos escravos e da proclamação da República; datas que, tal como os

indivíduos, logo foram relegados ao campo da representação, quando seu lugar

também deveria ser o da análise do fato, cedendo espaço assim para o

conhecimento daqueles que, com suas vivências, compuseram a alma do lugar.

Em vista do sentido interpretativo que visamos privilegiar neste tópico, é

necessário dizer mais uma vez que iniciamos a coleta de fontes em 1874, quando foi

inaugurado o 1º Tabelião de Notas da Vila de São Sebastião de Ribeirão Preto.

Naquela época, as escrituras públicas eram o meio legal de ratificar perante o

Estado, especialmente no âmbito municipal, as transações de compra e venda de

terras, de casas, de procurações e, também, de compra e venda de escravos, além

de outras transações de ordens diversas. Contudo, cabe observar as diferenças

entre a fonte elegida neste trabalho em relação às fontes de outras pesquisas como,

por exemplo, os inventários post-mortem, na finalidade de enriquecer o

conhecimento histórico acerca desta cidade quando do final do século XIX até as

primeiras décadas do século XX.

Estamos cientes do esforço já realizado por outros pesquisadores que tiveram

por proposta elucidar a história dos escravos em Ribeirão Preto (LOPES, 2006;

PINTO, 2006). Contudo, como naquela época estes eram considerados como

mercadorias e entendidos como integrantes de um patrimônio pessoal, isto

ocasionou muitas vezes a fixação das suas existências sob ótica marcadamente

88

econômica e jurídica, uma vez que as fontes existentes nessa época constituíram-se

no intuito de defenderem um bem. Cientes disso, optamos por não perder a

oportunidade de resgatarmos a humanidade constantemente atacada em cada um

destes homens que foi objeto de barganha, de acumulação, mesmo um pouco antes

do treze de maio de 1888, pois julgamos ser esta visão uma das balizas que guia o

historiador, certos de que estes princípios humanitários não eram partilhados por

boa parte dos homens que, influenciados pelas idéias do seu tempo, buscavam

enriquecer a despeito dos valores morais que pertencem unicamente à nossa

conjuntura histórica. Por esta razão, o que à primeira vista poderia servir somente

para exposição de uma transação comercial, pode também se tornar um liame

singular para inserir estes indivíduos escravizados na construção social que resultou

na sociedade ribeirãopretana atual.

Nesse sentido, reconhece Lopes (2006, p. 7) que a utilização de inventários

post-mortem tem a limitação de espelhar apenas um momento da vida dos

indivíduos. Por isso, este trabalho, que tem por fonte principal as escrituras públicas,

certamente possui o oferecimento da possibilidade de ilustrar a fluidez da riqueza e

dos interesses individuais envolvidos no ato da escritura. Num sentido mais amplo,

envolvia a coletividade na medida em que sempre havia no mínimo duas partes

distintas para o estabelecimento desse documento e que, invariavelmente,

acarretava no envolvimento das pessoas mais próximas dos envolvidos, sobretudo

suas famílias.

Contudo, visando ao máximo rendimento do cruzamento dos resultados de

análises de fontes presentes em outros trabalhos, tal como os já citados até aqui,

convém apontar a princípio os inferimentos concordantes ao que averiguamos

durante a nossa coleta de dados.

Bem assim, nos diz Luciana Suarez Lopes (2006, p. 9) a partir da análise dos

inventários pesquisados no Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto:

A lavoura aparece como atividade principal de quatro inventariados, todos da década de 1880. O milho estava presente em três desses processos; a cana-de-açúcar em dois, o feijão, a mandioca e o arroz apareceram apenas uma vez. A atividade cafeeira foi destacada da agricultura pois consideramos relevante ao nosso estudo identificar as características específicas dos cafeicultores, dada a importância dessa atividade na localidade estudada e no período considerado. O café começa a aparecer nos processos a partir da década de 1860 como atividade secundária. A aparente ausência desta cultura cafeeira nos inventários escravistas não significa que o café não estivesse presente na localidade, pois como foi

89

ressaltado anteriormente, ao considerar os inventariados automaticamente estamos excluindo os indivíduos mais pobres. A amostra dos inventários escravistas, então, se mostra mais elitista ainda.

Desde a sua inauguração, o 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto foi

responsável por legitimar acordos de compra e venda de ordens diversas, inclusive

de escravos, o que reforça que este tipo de patrimônio foi relevante nesta cidade,

inclusive no ano anterior ao da abolição em 1888. Para melhor exposição da análise

que empreenderemos abaixo, elaboramos um quadro contendo a quantidade de

escrituras públicas firmadas neste estabelecimento entre os anos de 1874 e 1888, e

que se referem à escravidão.

1874 12

1875 7

1876 6

1877 5

1878 11

1879 69

1880 8

1881 10

1882 34

1883 6

1884 9

1885 2

1886 5

1887 20

1888 -

Quadro 1 - Ano e quantidade de escrituras relacionadas à escravidão em Ribeirão Preto Fonte: 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto

Cabe observar que mesmo após a aprovação da Lei Eusébio de Queiroz, em

1850, da Lei do Ventre Livre, em 28 de Setembro de 1871, e da Lei dos

Sexagenários, em 1885, no mesmo dia e ano, a comercialização de escravos e a

venda de alforrias permaneceu no cotidiano socioeconômico da população que, em

1871, ganhou a elevação à categoria de vila, sendo então desmembrada da cidade

90

de São Simão. Sobre a estrutura fundiária da localidade, elucida novamente Luciana

S. Lopes (2004, p. 168) que, naquela época, freguesia equivalia ao nosso atual

distrito e vila ao nosso atual município.

Utilizamos a análise da comercialização de escravos, pois, como ratificamos no

capítulo anterior, o foco desta pesquisa é elucidar como se deu a racionalização dos

negócios e da vivência coletiva na cidade e, em vista desse objetivo, compreender o

processo de transição da mão-de-obra escravista para o exclusivo emprego da mão-

de-obra livre e assalariada se faz importante tendo em vista o processo de

modernização das relações de trabalho havidas em Ribeirão Preto entre 1874 e

1914.

Apesar de ter sido usada em escala reduzida na história da cidade, é mister

contemplarmos a mão-de-obra escrava para que não coloquemos estes homens na

marginalidade, desta vez histórica, uma vez que nos deparamos com fontes que

permitem sua análise e, em vista de um dos princípios que guiam este trabalho, que

é contribuir na construção do saber histórico sobre Ribeirão Preto, sem

necessariamente privilegiarmos uma análise elitista, fazê-lo se torna um esforço

especial.

Julgamos assim porque o escravo, sobretudo negro, na prática, foi o grande

promotor da criação das riquezas deste país, principalmente na época colonial,

conjuntura a qual nos dotou de traços culturais e sociais em grande parte presentes

mesmo em nossos dias. Noutro sentido, conhecendo a conjuntura histórica na qual

este tipo de negociação empreendida pelos munícipes se dava, poderemos

conhecer cada vez mais tanto as razões para a sua efetivação quanto as

características destes homens privados da liberdade, não porque houvesse neste

ponto uma preocupação em valorizar seus apanágios enquanto indivíduos, mas sim

enquanto patrimônio mercantilizável.

À luz deste espírito, constatamos que 36 cativos possuíam ao menos uma

profissão, detalhe realçado nas escrituras públicas muito provavelmente para

justificar o valor cobrado nas transações de compra e venda de escravos. Dentre as

especializações citadas, destacamos aquelas de maior conotação à prática de

trabalhos voltados às atividades de cunho urbano, por vezes denominadas de

“serviços livres”, tal como a de carpinteiro, serviços domésticos, fiação, serviços de

cozinha, lavadeira, tecelã, pedreiro, tropeiro, roceiro e engomadeira. Deixamos as

denominações em concordância nominal, ora variando para o masculino ora para o

91

feminino, na intenção de ilustrarmos o maior número de recorrência entre os sexos.

Contudo, vale destacar que a maior parte dos escravos foi vendida com destaque

para a sua “capacidade para a realização de trabalhos braçais”, sobretudo para o

“trato com a terra”. Destarte, por vezes havia o complemento de que o escravo era

“apto para a realização de qualquer trabalho” ou que “tinha boa aptidão para o

trabalho”. Ora, comentário totalmente desnecessário, pois, se por um lado não havia

para estes indivíduos a opção de não trabalharem, por outro a única razão de

existência do escravo, segundo o ponto de vista dos escravistas, era o utilitarismo,

início e fim do destino de qualquer cativo que, em suas mãos, nada mais eram do

que um capital fixo e que poderia ser utilizado como meio de enriquecimento ou de

capitalização em conjunturas adversas.

Com o passar das décadas, a continuidade do trabalho escravo foi cada vez

mais dificultada pelas leis que visavam ao decréscimo da mercantilização de

pessoas. Dentre os artigos que compuseram a Lei do Ventre Livre, destaca-se para

o enriquecimento da presente discussão o trecho a seguir:

Art. 8. O governo mandará proceder a matrícula especial de todos os escravos no Império, com declaração do nome, sexo, aptidão para o trabalho e filiação de cada um se for conhecida. (...) § 2. Os escravos que por culpa ou omissão dos interessados, não forem dados à matricula até um anos depois do encerramento desta, serão por este fato considerados libertos. (...) § 4. Serão também matriculados também em livro distinto os filhos da mulher escrava que por esta lei ficam livres. (BRASIL, Lei nº 2.040 de 28 de setembro de 1871 citado por KIRDEIKAS, 2008, p. 4).

Dentre os números de escrituras relacionadas à escravidão citada acima, estão

presentes também as que firmavam cartas de liberdade, que à primeira vista

sugerem a benevolência do antigo proprietário, mas que tão logo se mostraram

como meio de se adquirir renda, tão importante nesta conjuntura de crédito limitado

e de declínio do vil comércio, o qual tornava incerta a detenção deste tipo de

patrimônio. Para elucidarmos este ponto, segue o conteúdo da transcrição feita pelo

tabelião na escritura pública de 15 de setembro de 1887:

Carta de liberdade: Digo eu Maria Pereira de Jesus que nesta data que me foi pelo Sr. Manoel Gonçalves Salvador me entregue a quantia de 500$000 pelos serviços de minha escrava Hilária, até trinta e um de Dezembro de 1890, com a condição de liberdade para a mesma, a qual entra no gozo com a condição da prestação de serviços já declarados e como me convenha este estado também desisto dos serviços do seu filho de nome

92

Julião poderá acompanhar sua mãe o qual tem mais ou menos de 7 a 8 anos; e assim transpasso na pessoa do Salvador os direitos e acções dos serviços da dita escrava por delle ter recebido a importância correspondente aos serviços até a data acima referida, em abono do que firmo a presente dando esta por notória e publica com as testemunhas abaixo assignadas. Ribeirão Preto 12 de Julho de 1887. Maria Pereira de Jesus. [sic]. (ESCRITURA pública de 15/09/1887. 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).

A partir do que expusemos acima, percebemos que a despeito de haver uma

lei proibindo a escravização de crianças nascidas a partir de 28 de setembro de

1871, isto não sensibilizou os proprietários de crianças escravizadas e que

nasceram antes desta data a abrirem mão dos direitos sobre ela, salvo se houvesse

um interesse comercial quanto a esta situação, já que no exemplo acima, separar a

mãe do filho resultaria num acréscimo do custo de manutenção deste cativo, já que

a proprietária seria a responsável direta pela manutenção da vida deste. Por outro

lado, notamos que por parte da proprietária não havia a idéia de que a solução final

do problema da escravidão no Brasil estivesse próxima, já que o acordo teria

validade até 31 de dezembro de 1890, quando esta voltaria para sua posse, uma

vez vencido o prazo contratual.

Como base de comparação, em uma escritura pública datada em 15 de

dezembro de 1887, uma casa “coberta de telhas”, situada na rua Amador Bueno

(dentro do “quadrilátero central”) foi vendida por 500$000, ou seja, pelo mesmo valor

da concessão de direitos sobre a escrava citada acima, o que aponta que os

diversos tipos de negociações envolvendo escravos continuam altamente lucrativos

e rendosos, sobretudo em vista da real possibilidade de conversão deste capital em

patrimônio que poderia ser usado como meio de aquisição de outros bens, os quais

posteriormente poderiam se converter em mais renda, tal como a compra de uma

casa que depois poderia ser posta para aluguel e assim, novamente em meio de

aquisição de renda.

As relações interpessoais se tornam mais complexas na medida em que

relacionamos os sujeitos da nossa fonte privilegiada com as informações adquiridas

em trabalhos paralelos ao que aqui nos dispusemos a pesquisar. Exemplo disto é o

conhecimento de alguns detalhes da vida do primeiro tabelião, que desde 1874 até a

virada do século XX não raramente diz que “os outorgados e os outorgantes são

conhecidos entre si e por mim tabelião”. Isto despertou a nossa curiosidade, pois

mesmo sabendo que a quantidade de habitantes era reduzida e que era natural (tal

93

como atualmente ainda é nas cidades pequenas) uma pessoa conhecer uma vasta

gama de pessoas, sobretudo desfrutando de um cargo legal e, portanto de

autoridade, nossa inquietação permanecia durante a coleta de fonte. Quem afinal

era Antonio Sotério Soares de Castilho?

Curiosamente, nos respondeu Lopes ao nos exemplificar por meio de um

inventário post-mortem que durante o avanço das casas comerciais em Ribeirão

Preto, tornava-se cada vez mais comum a propagação de estabelecimentos que

vendiam uma enorme variedade de produtos. E dentre as pessoas exemplificadas,

citou como exemplo o pai do tabelião responsável pela legitimação das escrituras

públicas que, em nossas mãos, são os liames de compreensão para entendermos

mais a fundo as relações de trabalho da conjuntura circunscrita aos anos de 1874 e

1914.

Um dos negociantes estabelecidos na cidade era Manoel Soares de Castilho. Ele e seu filho, Antonio Sotério Soares de Castilho possuíam uma firma, a Castilho & Filho, que comercializava desde tecidos e roupas feitas até medicamentos, esporas e chumbo para munição. Além da casa comercial, Manoel possuía várias propriedades rurais e quatro casas na vila de Ribeirão Preto (Inventário de Antonia Maria de Nazareth, mulher de Manoel Soares de Castilho, 1873. Arquivo do Fórum de Ribeirão Preto). (LOPES, 2004, p. 172, grifo nosso).

Segundo o Almanach Ilustrado de Ribeirão Preto (1913), em 23 de agosto de

1859 foi enviado um pedido de instalação de uma Pia Batismal em Ribeirão Preto

quando esta localidade ainda era submetida a São Simão. Dentre as pessoas que

assinaram o pedido, no qual é detalhada a dificuldade da manutenção dos

sacramentos católicos por aqueles que nesta cidade viviam, estava o nome de

Manoel Soares de Castilho. Este indício nos permite deduzir o quanto este homem já

estava inserido na vivência da coletividade, ainda mais porque, pela citação anterior,

ele já desempenhava a profissão de negociante na localidade, o que por certo lhe

permitiu tecer uma grande rede de sociabilidade, principalmente com os

circunvizinhos.

Vale notarmos que as escrituras públicas têm a vantagem de esclarecer a

dinamicidade dos interesses e dos conflitos havidos naquela conjuntura, e dentro

deste panorama marcado pela fluidez do status social, da riqueza e do poder, situar-

se num posto privilegiado destes “nós sociais” apresentava-se como uma notável

chance de agregar todos estes itens que pelas partes motivadas a firmarem as

94

escrituras públicas eram postas em contato. Pensamos que características como

sagacidade, empreendedorismo e talento (para costurar o tecido social de maneira a

galgar um patamar mais privilegiado) não eram opcionais, mas apanágios

aprendidos por meio da inevitável vivência na sociabilidade capitalista moderna, cuja

ingenuidade certamente era a garantia de maiores infortúnios, já que mesmo os

indivíduos cientes dos seus direitos e deveres não raro eram combatidos de maneira

a serem silenciados, quiçá, se nada fizessem para exporem suas mazelas.

(GARCIA, 1997).

Por isso, enfocamos a análise das relações de trabalho havidas em Ribeirão

Preto quando esta região era a frente pioneira da expansão do café para o Oeste da

sua área de origem neste estado, o Vale do Paraíba, e que na região daquela cidade

encontrou o ambiente favorável para sua expansão, haja vista o seu solo, a

disponibilidade de terras férteis e ricas hidricamente, além de uma sociedade com

pessoas ávidas por garantir seu lugar ao Sol, tendo em vista a perspectiva de

enriquecimento ou, ao menos, de garantir a sua subsistência e da sua família. À luz

destes objetivos de cunho mais simples, nos indagarmos como e de que maneira a

cidade de Ribeirão Preto, que se destacou no cenário nacional graças à riqueza

gerada pelo café, conseguiu, após a sua crise, manter a sua posição de liderança

regional, congregando pessoas físicas e jurídicas dispostas a canalizar nesta cidade

a efetivação dos seus interesses e objetivos particulares, gerando riqueza que nem

sempre era voltada à população residente no município de maneira mais direta, mas

que, por outros meios, lhes proporcionava a oportunidade de se inserirem ao giro

capitalista regional.

3.2 Os percalços da modernização das relações de trabalho: a transição da

mão-de-obra escravista para a assalariada e livre em Ribeirão Preto.

No dia 5 de março de 1875, Jeronymo de Oliveira e Souza e Pedro Affonso da

Silva negociaram a compra e venda de quatorze bestas de carga por 1:952$000.

Algo comum naquele tempo, marcado pela busca de melhores meios de transportar

mercadorias e eventualmente pessoas, para assim se obter mais clientes e prestar

mais e mais serviços de locomoção. Contudo, citamos esta escritura pelo fato de

95

haver o nome de cada um dos animais envolvidos, com a confirmação do sexo, bem

como suas cores e peculiaridades da vida do animal, de forma a singularizá-lo dos

demais.

Já no dia 13 de abril de 1876, O Capitão Manoel Joaquim de Oliveira e Silva

tomou posse de um carro ferrado, dez bois, dois cavalos, um burro e dois escravos,

de nomes Theophilo e Eva, como garantia de três contos de réis cedidos pelo

capitão a Joaquim José da Silva, sendo a escrava Eva de cor preta, vinte e nove

anos de idade, solteira e matriculada no município em 29 de agosto de 1872 e

Theophilo, de cor parda, oito anos de idade, de filiação desconhecida (“tal como a

mãe”, alerta o documento), por sua vez matriculado em Ribeirão Preto no dia 25 de

outubro de 1875. Tal transação foi realizada com a condição de Joaquim pagar o

valor mencionado num prazo de oito anos, não havendo, entretanto, qualquer

menção a juros ou forma de pagamento parcelado.

Estas operações bem apontam o cotidiano socioeconômico ribeirãopretano nos

anos que precederam a abolição dos escravos, já que, conforme dissemos há

pouco, a humanidade do escravo não importava, mas sim a sua capacidade de

produção. Este fato pode ser tratado num primeiro momento como algo em via de

extinção, porém é evidente que pela parcela da população que ainda desfrutava

deste tipo de bem, sua utilização mostrava-se fundamental para a aquisição de

renda, daí a razão da descrição da primeira escritura mencionada não ser muito

diferente da segunda quanto ao tratamento dos seres mencionados, pois podemos

intuir que tanto o gado quanto os escravos são, pelos negociantes, patrimônios da

mesma ordem e finalidade: o lucro.

A Ribeirão Preto que recebeu e abrigou os imigrantes também cresceu com o

auxílio dos escravos que nesta cidade habitavam, e que, somente pela natureza

particular da fonte escolhida, não poderemos por ela precisar o quanto exatamente

ao longo da sua história. Contudo, diz o levantamento ocorrido na cidade em 1886

que dos 10.420 habitantes, 9.041 eram livres e 1379 eram cativos. Destes, 784 eram

homens e 595 eram mulheres, sendo quase a metade dos escravos situada numa

faixa etária abaixo dos trinta anos de idade, sendo que 31,3% tinham de trinta a

quarenta anos, 17,5% de quarenta a cinqüenta anos e 8% tinham acima de

cinqüenta. (LOPES, 2005, p. 45-47)

É certo que os escravos também foram responsáveis por formar e tratar os

novos pés de café, diretamente ou indiretamente, tal como se valeu o notório Doutor

96

Henrique Dumont, o qual firmou uma escritura pública para formalização de contrato

de empreitada com penhor de escravos, feita com Luiz Francisco Mafra, na

finalidade deste formar um cafezal dentro do prazo de cinco anos, sendo que dentre

as cláusulas contratuais, determinava a décima primeira que Luiz era obrigado a

penhorar para Henrique Dumont oito escravos para a garantia da conclusão do

trabalho a ser executado durante a vigência do contrato. No ato da formalização da

escritura, Luiz declarou que recebeu 4:177$000 do doutor com a obrigação de pagá-

los com o acréscimo de um conto de réis a título de juros capitalizados. Em

contrapartida, teve a promessa contratual de receber 24$000 no final da vigência por

cada pé de café formado, e quinhentos réis para cada cinqüenta litros de café

colhidos durante este período. Mais uma vez, após a formalização das cláusulas, há

a menção às características dos escravos, com destaque para a “aptidão” para a

roça, grupo composto por seis homens e duas mulheres, cujo mais velho possuía

trinta e cinco anos e o mais novo somente dois anos de idade, único com a ressalva

de que não possuía “aptidão”, informação absurda para nossas concepções

contemporâneas.

Como já dissemos, havia outros tipos de negócios celebrados no 1º Tabelião

de Notas de Ribeirão Preto, que nos auxiliam a perceber algumas tentativas de

diversificação comercial, na cidade, que fosse paralela à atividade cafeeira, tal como

a compra e venda de uma olaria que funcionava no lugar denominado “Lagoa do

Campo”, composta de uma casa coberta de telhas e um rancho coberto de palha,

“sem terreno algum por este pertencer ao Padroeiro desta Vila [...]. Disserão os

vendedores que houverão a dita olaria por industria própria e que toda posse e

domínio transferem [...]” [sic]. O valor obtido neste negócio foi de 600$000 em

moeda corrente (ESCRITURA pública, 27/09/1881, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão

Preto).

Um dos princípios econômicos diz que a necessidade cria a sua própria

demanda. Em vista da escritura a seguir, podemos dizer que isto de fato por vezes

ocorreu na cidade, pois por esta foi firmada uma negociação de terrenos voltados ao

fornecimento de barro para a fabricação de telhas e tijolos. A título de ilustração

podemos citar o arrendamento firmado entre os locadores Mizael Pedro da Motta e

sua mulher com Domingos Salli, João Baptista de Oliveira e Bernardino José de

Andrade, estes citados como lavradores e que firmaram o negócio por 800$000,

sendo 200$000 por ano, a serem pagos trimestralmente à razão de 50$000, com

97

exceção de quando o pagamento do trimestre for feito em telhas e tijolos, cujos

valores respectivos previamente combinados eram de 35$000 o milheiro da telha e

25$000 o milheiro de tijolos. (ESCRITURA pública, 7/02/1882, 1º Tabelião de Notas

de Ribeirão Preto).

O destaque deste negócio está no fato da escritura de 27/09/1881 ter como

vendedores os mesmos que aqui cederam um terreno que continuou sendo seu

patrimônio, e que tinha como particularidade ser dotado da capacidade de atender à

fabricação de telhas e tijolos, e que julgamos, não por acaso, ter vínculos com o fato

deste casal ter empreendido uma olaria, conseguindo assim reduzir o seu custo e

adquirir maior capital por meio da elaboração e oferta de produtos com preços

estipulados de maneira vantajosa.

Ao lado da expansão da lavoura cafeeira, durante todo o período analisado,

figurou também a lavoura canavieira, sobretudo voltada à produção de aguardente e

de açúcar. No arrendamento firmado entre José de Carvalho Terra e Antonio

Aureliano Mafra (não conseguimos comprovar se se tratava de um parente do

envolvido na empreitada firmada com Dr. Henrique Dumont, já citada aqui) este seria

auxiliado pelos escravos Pedro, José e Roza durante dois anos, tendo auxílio

complementar de um carro com dois bois para transporte da cana e da lenha. Por

sua vez, Mafra daria ao arrendador o seu sustento, bem como para as pessoas que

o ajudariam. O valor deste contrato foi estipulado em 2:500$000, sendo o primeiro

pagamento em outubro de 1885 no valor de 500$000 e o restante a ser pago no fim

do contrato com juros de um por cento ao mês. (ESCRITURA pública, 18/06/1885,

1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto). Entretanto, na escritura pública de 27 de

junho de 1885 as partes em comum acordo rescindiram o contrato outrora firmado,

não havendo, entretanto, maiores explicações das circunstâncias que acarretaram o

seu rompimento.

Pela análise das escrituras, sentimos que o custo de vida era sempre um ponto

delicado das discussões que envolviam empreendimentos que levassem mais de um

ano para a sua finalização. Em vista deste ponto, podemos citar o arrendamento de

um sítio situado na fazenda “Olhos d’Água”, feito por Mariana Constança Junqueira a

Jeronymo Vieira D’Andrade, pelo qual foi combinado que aquela cedia a posse

temporária sobre a propriedade, bem como sobre os quinze escravos que ali viviam,

além de animais suínos, lanígeros e dois bois de carros com arreios e dois carros

(julgamos ser de carga) pelo valor de quatro contos de réis, pagos anualmente e

98

pelo prazo contratual de quatro anos. Jeronymo, por sua vez, comprometia-se em

alimentar os animais e era ainda obrigado a fornecer para a proprietária o alimento

necessário para a sua subsistência. Durante a vigência do acordo, esta forneceria o

sal por conta própria para o gado arrendado a Jeronymo e este, findo o prazo,

devolveria seu patrimônio, “salvo os escravos e animais que morrerem”.

(ESCRITURA pública, 28/07/1886, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).

Em 02 de março de 1886, Vicente Osias de Sielos e sua mulher, praticamente

às vésperas da abolição, negociaram a compra de uma casa de morada coberta de

telhas com cento e vinte palmos de frente, situada na Rua do Comércio, no valor de

três contos de réis, com uma escrava avaliada em 750$000 e seus dois filhos

menores. Feita a exposição das características do imóvel e da escrava, pudemos

saber que esta se chamava Joana, dezenove anos de idade, cozinheira de profissão

e que seus filhos chamavam-se Flausino, matriculado nesta cidade em 02 de março

de 1880, e Gregório, este naquele momento ainda sem matrícula, o que motivou a

escritura a ficar sem efeito. Deduzimos que a intenção dos proprietários seria

realizar uma “venda casada” entre a casa e a escrava, no qual seus filhos seriam

elementos vantajosos a curto prazo, já que mesmo que fossem livres (este ponto

não ficou claro) eram dependentes da mãe e, portanto submissos ao novo

proprietário. (ESCRITURA pública, 02/03/1886, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão

Preto).

No ano em que ocorreu a Proclamação da República, um negócio realizado

entre o Coronel Luís Antônio da Cunha Junqueira e Iria Alvez Junqueira com o Major

José Ildefonso Pereira e Dona Josephina Ramos Pereira já evidenciava o que nos

anos seguintes se destacaria na “economia espacial” (expressão de Milton Santos)

de Ribeirão Preto. Diz-nos a escritura de 08 de abril de 1889 que o major permutou

seu sítio, com cento e cinqüenta alqueires de terras, contendo cafezais, casas e

frutas nas árvores, pastos e casas de colonos e outras benfeitorias, sendo sessenta

contos pagos no ato da escritura, em moeda corrente, por uma sorte de terras nos

subúrbios desta vila com benfeitorias. Nas linhas finais da escritura o coronel Luis A.

da C. Junqueira dá por quitado o credor hipotecário do major, no valor de

22:800$000 incorporada esta dívida no valor da quitação. Deduzimos que a

concessão da propriedade do major pela propriedade do coronel, tendo inclusive o

abatimento de dívidas do primeiro ao e pelo segundo, foi um dos bons negócios que

fizeram com que Luís Antônio da Cunha Junqueira se destacasse na economia

99

cafeeira regional e mesmo nacional, já que adquiriu uma propriedade já voltada à

produção do café sob condições privilegiadas. (ESCRITURA pública, 08/04/1886, 1º

Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).

Este panorama de mudanças socioeconômicas não auxiliou de forma

contundente a condição de vida dos negros residentes na cidade. Somente em 1889

nos deparamos com quatro escrituras de reconhecimento de filhos naturais, nas

quais o tabelião deixa transparecer a carga de valores preconceituosos havidos

naquela época. Conforme exemplificamos nesta obra, seguem os detalhes da

escritura firmada pelos ex-escravizados de Carlos Belarmino de Almeida, Cartario e

Maria Emília, para o reconhecimento de seus dois filhos naturais:

Disse ainda que também com a concentidora sua mulher, em estado de solteiros livres para se casarem, quando escravos, tiveram a mesma fraqueza humana e entretiveram relações de cujos coitos nasceram Marcelino e Francisca, aquele achava-se com dez anos mais ou menos e esta com oito mais ou menos, naturais e batizados na referida freguesia e parochia do Rio Bonito, pelo que reconheciam também a estes como seus legítimos filhos. É pela consentidora foi dito eu são verdadeiras as expressões de seu marido, o que tudo reconhece, pelo que aceita e concente na presente escritura. (ESCRITURA pública, 26/03/1889, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto, grifo nosso).

Em vista da citação acima, fica esboçado o moralismo da sociedade

ribeirãopretana, que nas quatro escrituras apontadas mais são tratados como seres

animalizados do que como homens livres e detentores de livre-arbítrio, já que pelos

comentários do tabelião sentimos que o preconceito é mascarado por um pretenso

ideal cristão-católico que fora desrespeitado por estes homens afetados por

“fraqueza humana”. (ESCRITURA pública, 13/03/1886, 1º Tabelião de Notas de

Ribeirão Preto).

Com a abolição dos escravos, o capital antes aprisionado na pessoa

qualificada como mercadoria, pode então assumir a forma de capital circulante, na

medida em que havia maiores possibilidades de sucesso na expropriação do

trabalho do homem livre, que geralmente não recebia imediatamente qualquer valor

monetário, dando condições ao capitalista de fazer investimentos nos seus

negócios, como a compra de máquinas de beneficiamento, sem que fosse

necessário comprometer outros capitais fixos, tal como sua propriedade urbana ou

rural, sobretudo as fazendas. “Em suma, a transformação apontada tornou possível

100

a conversão de parte da renda capitalizada na pessoa do escravo em capital

constante e capital variável”. (MARTINS, José de Souza, 2004, p. 34)

Para aqueles que não conseguiram ajustar-se à transição do trabalho para o

livre, o tempo era inimigo do cafeicultor escravocrata porque a legislação mais o

desfavorecia haja vista que os escravos possuídos tornavam-se cada vez mais

velhos, com poucas condições rentáveis de renovação do plantel, onerando assim

seu lucro na medida em que a concorrência interna não permitia o repasse dos

custos de produção ao produto final.

Por outro lado, para os cafeicultores que já utilizavam mão-de-obra livre, a

passagem do tempo tornava tanto a propriedade quanto a produção cada vez mais

valorizada, na medida em que nela havia uma atração cada vez maior de

trabalhadores livres, o que significava um número cada vez maior de pés de café

plantados, motivando um efeito de valorização cíclico oriundo da especulação

imobiliária local que cada vez mais colocava o proprietário em condições vantajosas

de expansão dos negócios, sobretudo porque este efeito cíclico positivo de atração

de mão-de-obra e expansão das lavouras o fazia capaz de contrair empréstimos

mais facilmente e mesmo de se autofinanciar com o sistema de colonato,

praticamente pondo em segundo plano o poder monetário imediato, salvo na compra

de novas propriedades, não raro efetuada para aumentar ainda mais a cadeia

produtiva cafeeira.

É interessante notar que a aquisição de novas propriedades era sustentada

pelo colonato já existente em outras propriedades, pois a venda de parte dos

produtos agrícolas que cabia contratualmente ao proprietário representava um

ganho que por vezes pode ter dado a ele condições de capitalizar-se sem

necessariamente comprometer um bem imóvel já quitado. De toda forma, estas

possibilidades denotam como a prática do colonato foi interessante antes de tudo

aos proprietários de terras que mais rapidamente abandonaram o uso da mão-de-

obra escrava, obviamente não por razões humanitárias, mas por assumirem uma

postura voltada à racionalização das práticas comerciais, em sintonia com o princípio

de lucrar mais com o menor risco possível.

A orientação de alguns homens por meio da observação deste princípio é

secular. Na história do Brasil iniciou-se na exploração de mão-de-obra escrava,

somada ao uso dos poucos homens livres e assalariados que coexistiram a este vil

trabalho. Por conseguinte, vieram os primeiros imigrantes no século XIX, após

101

praticamente quatro séculos de expropriação da vida de um sem-número de negros

africanos, para então, progressivamente, abandoná-los à própria sorte quando já era

certo que financeiramente este era menos atraente do que a mão-de-obra imigrante.

A bibliografia sobre o tema é extensa, mas é ponto em comum entre os debatedores

que o cálculo capitalista sempre foi um norte seguido pelas nossas elites

econômicas, ainda que por vezes o discurso humanitário figurasse no meio social

para, intencionalmente ou não, reforçar as relações sociais visando a fins. O

cotidiano socioeconômico ribeirãopretano não deixou de ser assimilado por este

processo.

3.3 As escrituras de locação de serviços

A falta de liberdade dos locadores de serviço, nome dado aos trabalhadores

que se dedicavam ao trabalho para outrem, chamados nas escrituras de locatários, é

o traço que marca e extrapola as décadas que compõem os limites cronológicos que

balizam esta pesquisa (1874-1914).

A proibição da aquisição de mantimentos e de todos os objetos que o locador

precisasse de qualquer um que não o locatário, mostra escancaradamente as

imposições a que muitos tiveram de se sujeitar. Também, o ir e vir era controlado, e

a desobediência era punida sob a forma de descontos nos salários que

posteriormente seriam recebidos pelos trabalhadores. Exemplos desta situação não

faltam nas escrituras, e tanto se fez presente na escritura de 01 de abril de 1875

quanto na de 20 de outubro de 1909.

Nos contratos de locação de serviços mais antigos e vinculados a práticas

agrícolas, foi muito recorrente a previsibilidade de punições que recairiam sobre o

contratado, e esta realidade tornou-se mais amena somente quando passaram a

predominar as relações contratuais mais próximas àquelas definidas pelo sistema de

colonato que, de certa forma, apaziguaram as pressões sobre os trabalhadores que

se preocupavam com o poder de ter acesso direto a itens agrícolas de primeira

necessidade.

Em favor dos locatários, havia a Lei de 13 de setembro de 1830, bastante

desfavorável para os locadores já que estes muitas vezes eram detentores somente

102

da capacidade de trabalhar. Não é estranho que os legisladores da época do

Império tenham dado privilégio a quem contratava, pois, neste caso, ao aprovar esta

lei, estavam advogando em causa própria.

A escritura citada abaixo esboça bem o que os locadores tinham que suportar:

O locador obriga-se a trabalhar ao locatário Valhim com toda a qualidade de serviço tendentes a profissão da lavoura, zelar as criações do locatário mediante a quantia de sessenta mil réis, por anno contado. E passado o segundo anno deste contrato que se contará do dia vinte do corrente mez, em diante, cuja quantia já recebeu ao fazer deste. O locador obriga-se a mais não deixar os serviços do locatário enquanto dever-lhe. O locador obriga-se a não comprar objetos de alimentos, senão do locatário ou sob seu consentimento, assim como obriga-se mais pelas falhas no serviço do locatário a preenche-las. O locatário e locador obrigão-se ao cumprimento deste contracto, sujeitando-se as leis em vigor a tal respeito. (ESCRITURA pública de 31 de agosto de 1888, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).

Já na escritura de 07 de dezembro de 1876, um tipo de locação de serviços

mostra bem como a violência fazia-se presente e gerava oportunidades de trabalho,

haja vista a pouca ou nula capacidade da manutenção da ordem por meio do

aparelho oficial de repressão ao crime, que era ou deveria ser o papel da polícia.

Tobias Claudiano Ribeiro contratou Vicente de Moraes Salles na finalidade de locar

os seus serviços diários, sem interrupção de tempo, na razão de seiscentos e

quarenta réis por dia. Não são mencionados muitos detalhes do serviço que este

deveria desempenhar salvo a obrigatoriedade deste “não retirar-se de perto do

serviço de forma que ao clarear do dia estaria pronto a receber as ordens tendentes

ao serviço”. Em caso de falta não motivada por doença, o locador seria multado pelo

dobro do valor diário. Acreditamos se tratar da contratação de um guarda-costas,

responsável por fazer a proteção do locatário, que deveria por certo realizar viagens

comerciais e, por isto, temia assaltos ou mesmo atentados contra a sua vida.

O rigor disciplinar exigido pelo contratante acima não era muito diferente do

exigido pelos proprietários rurais aos lavradores. Matheus Gomes do Val Junior

contratou os locadores Joaquim Jose de Paula, Joaquim José Baptista e Sabino da

Costa Valle pelo prazo de quatro anos para que estes executassem as tarefas

abaixo na Fazenda Santa Tereza em Ribeirão Preto:

Os locadores não poderão distraírem-se em qualquer outros serviços sem que o estado do cafezal a seu cargo o permitir e ainda serão obrigados trabalho para o locatário se este tiver serviço ao jornal que estiver correndo, ou outros pagando. Durante o contracto os locadores não poderão

103

ausentar-se da Fazenda do locatário sem que o seu consentimento e muito principalmente para fora do município. [...] os locadores ficão sujeitos a direção do locatário ou pessoa por si autorizado a cujas ordens obedecerão fielmente. Em quanto o cafezal permittir aos locadores farão suas plantações alimentícias no terreno do cafesal, plantando porem de modo que não ofenda os cafeeiros e quando o terreno do cafezal não permitir farão em outro lugar designado pelo locatário. Os locadores obrigão-se a serem obedientes e submissos a pessoa do locatário, de sua família e mais pessoal da Fazenda. Por conta do presente contracto e como adiantamento os locadores receberão a quantia de trezentos e noventa mil réis, cuja quantia assim como quaisquer outras que forem recebendo por adiantamento da pessoa do locatário serão afinal descontadas na quantia que tiverem de receber. Para garantia do presente contracto os locadores se sujeitão a Lei de Treze de Setembro de mil oito centos e trinta e a todas as mais em vigor a respeito de copntractos com brasileiros. O locatário aceita o presente contracto com as condições declaradas e por sua parte se sujeita a lei dos contractos em vigor. (ESCRITURA pública de 08/03/1877, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).

Já a escritura de 26 de fevereiro de 1878, celebrava que o locador que se

ausentasse sem ser por motivo de doença ou força maior, seria sua ausência “tida

como fuga”, mais uma vez colocando a lei de 13 de setembro de 1830, como

balizadora do contrato de locação de serviços. Nas mesmas condições, porém

pondo os dois filhos como garantia de auxílio para a execução do tratamento do

cafezal, é o que firmou a escritura de 10 de março de 1879.

A exploração das necessidades imediatas do trabalhador foi objeto de acordos

visando ao mesmo tempo o trato do cafezal e o melhoramento do patrimônio, com a

concessão do direito do locador de realizar benfeitorias, como de casa para morada,

sem que houvesse a obrigatoriedade do proprietário de pagar por elas quando findo

o contrato. Fora isto, as limitações da quantidade de carreiras de milho, feijão e fumo

com o passar dos anos eram previamente acertadas, para que este benefício não

representasse ameaça ao cafezal. (ESCRITURA pública de 07/09/1879, 1º Tabelião

de Notas de Ribeirão Preto).

Outro traço marcante da formação de cafezais é a preocupação com o

aproveitamento do solo visando plantar o maior número de pés de café possível sem

que isto resultasse em ineficácia pela aproximação excessiva das covas. Um dos

muitos exemplos possíveis é a escritura de 23 de setembro de 1879, que

determinava o padrão de dezesseis palmos de distância entre cada cova para os

quatro lados uns dos outros. No geral, o espaçamento determinado entre uma cova

e outra variou de dezesseis a dezoito palmos de distância, condição que

racionalizou o espaço visando o maior plantio possível de pés de café.

104

Outra característica é o pagamento sempre após um ou dois anos transcorridos

os trabalhos de formação do cafezal e de trato dos mesmos, pois isto beneficiava o

proprietário, visto que, se por um lado lhe dava condições de melhorar sua

propriedade sob o amparo de não ter que pagar caso o locador da mão-de-obra

rompesse uma de suas regras, sobretudo a de abandono antes de dois anos, pelo

outro lhe dava ampla margem para obter o capital destinado aos pagamentos em

moeda corrente. Esta condição está presente nas cláusulas das escrituras de 22 de

junho de 1888, de 01 de março de 1889 e 28 de maio de 1890 e que, por sinal,

envolve pessoas diferentes em cada uma delas, o que sugere um padrão de regras

da classe dos proprietários de terras sobre a classe dos locadores de serviços

vinculados às práticas agrícolas. O destaque desta última escritura citada é que

mesmo incêndios ocorridos por qualquer causa seria responsabilidade do locador,

cláusula presente em outras escrituras, principalmente nas que envolviam mais de

dez mil pés de café.

3.4 O caipira ou o que se pensa do homem moderno ribeirãopretano

Odilon Nogueira Matos critica o fato de por muito tempo cada estado da

Federação ter conservado um compromisso historiográfico monotemático até as

primeiras décadas do século XX. São Paulo, particularmente, zelava pelo tema do

bandeirismo, cuja análise crítica permite-nos lembrar os milhares de índios

dizimados pelos bandeirantes em nome de interesses materiais destes “heróis”. De

acordo com o autor, isto ocasionou dois problemas: primeiro, “a ausência de obras

significativas para a história das cidades paulistas”, que muitas vezes mais se

preocupa em definir “nomes dos verdadeiros fundadores das cidades ou das datas

exatas de suas fundações”; segundo, “a ausência de obras didáticas ou de natureza

geral sobre a História de São Paulo”. (MATOS, 2006, p. 302-303). Se por um lado o

autor faz a ressalva de que graças ao desenvolvimento das dissertações de

mestrado somadas às teses de doutorado responderem ao primeiro problema, por

outro, o segundo permanece ainda sem solução. Tal fato tem o agravante de não

termos disponível ao público não-especializado um conjunto de obras que possa

105

colocar o leitor a par da realidade que os seus antepassados, e ele mesmo,

cotidianamente, ajudaram e ajudam a construir.

De toda forma, a cultura caipira não poderia resistir por muito tempo como

normatizadora da vida dos habitantes ribeirãopretanos em face do processo de

modernização iniciado na virada do século XIX e no decorrer do século XX. Alguns

fatores explicam o arrefecimento desta cultura popular e secular na cidade: a

valorização da impessoalidade, a secularização dos hábitos e a racionalização dos

negócios.

Desde o início do século passado, as ações pessoais visaram à afirmação dos

sujeitos como indivíduos de uma coletividade. O esforço de manter-se num círculo

mínimo, ao menos, de contatos sociais, levou os indivíduos a reforçarem seus

nomes perante o público. Isto é evidente nas linhas iniciais das escrituras públicas

quando era discriminado o nome das pessoas, profissão, estado civil, podendo às

vezes ser mencionado que era conhecido do tabelião e de todos.

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, este fato marcava a

impessoalidade das relações, já que mesmo os que não eram conhecidos

conseguiam firmar suas escrituras, pois o que importava principalmente não era ter

num primeiro momento o círculo social, o “conchavo” de algum tipo ou então ter

notoriedade perante o público, mas, sim, dinheiro para a efetivação dos negócios ou

a posse de um bem valioso para a época: a força de trabalho. Em outras palavras,

fazer parte de uma rede social poderia apresentar facilidades diversas nas esferas

públicas e privadas da vida, mas não substituíam o fator dinheiro e a capacidade de

produção quando se tratava de relações comerciais e/ou trabalhistas. Tanto foi

assim que com o passar das décadas a consideração “conhecido por mim tabelião e

de todos” progressivamente diminuiu, sinal de que a impessoalidade paulatinamente

conquistou o seu lugar em meio à modernização do campo interpessoal.

Outros tipos de negócios foram fazendo parte do cotidiano da cidade. Antes da

expansão da construção civil em áreas marcadamente suburbanas e rurais, já

expomos aqui que havia o comércio de alimentos praticado pelas famílias que se

dedicavam à lavoura cafeeira. O aumento populacional estimulou a criação de

armazéns que centralizassem a compra e venda destes produtos, além de ofertar

outros itens menos produzidos pela população suburbana, como botas, roupas e

ferramentas. A presença destes estabelecimentos comerciais denota a lenta

106

diminuição do contato direto entre o produtor e o comprador de gêneros agrícolas

residentes na cidade.

A consolidação da renda em Ribeirão Preto é em grande parte devedora da

associação da prática de negócios vinculada à agricultura e das atividades

comerciais voltadas à agricultura e às atividades comerciais voltadas à construção

de casas residenciais e comerciais, além do comércio varejista que, devido à

crescente amplitude da oferta de itens, averiguada nos anúncios dos almanaques,

como por exemplo, o de 1913, fazia com que não fosse necessário o deslocamento

para outros locais quando da finalidade de adquiri-los, revigorando assim o mercado

consumidor local, ao passo que atraía compradores de outras bandas, fato que

consolidava a cidade como pólo regional.

Durante este período, a influência do ritmo da vivência urbana sobre os

habitantes estimulou-os a adotar rotinas que eram exigidas no trabalho e no

cumprimento dos horários diversos: o da entrega de mercadorias nos

estabelecimentos comerciais, o da apresentação de espetáculos e outros

entretenimentos (este em menor medida por não ser acessível à maioria da

população). Até a batida dos sinos das igrejas da cidade, como já exploramos em

outro trabalho (SOUZA, 2003), continuava fazendo parte da vida dos munícipes, mas

agora concorria com outros demarcadores sensoriais da cidade, numa conjuntura de

acentuação das rotinas seculares a despeito das espirituais, a qual é marca própria

da cultura caipira, afeita às festividades, sobretudo de homenagem aos santos.

A união da impessoalidade com a secularização dos hábitos favoreceu a

racionalização dos negócios, pois a transformação espacial e cultural da cidade

forçou os habitantes a tecerem novos padrões de vida, enquadrando seu custo de

vida à renda familiar, possibilitando a manutenção regular de um consumo de bens

não-duráveis, como indica a presença de lojas que vendiam estes produtos. Dada a

concorrência interna entre os estabelecimentos comerciais e entre os trabalhadores

não-especializados, todos em busca da sobrevivência comercial e existencial,

adequar-se às exigências do mercado consumidor e/ou de trabalho era essencial

para a continuidade dos negócios e da vida. Como a vivência coletiva está

diretamente permeada pela sociabilidade decorrente do desenvolvimento de

trabalho (no sentido mais amplo possível), a racionalização dos negócios levou à

reprodução desse paradigma ao cotidiano dos habitantes ribeirãopretanos que, de

acordo com os novos tempos, passaram a ter hora para tudo, fenômeno da

107

transformação da cultura social caipira em marcadamente moderna, com a adesão

de modas, de costumes e de produtos que apoiavam-se nisto para fazerem-se mais

recorrentes dentro dos lares, das ruas e das praças, cujo sinal exemplar é o

consumo de almanaques.

A construção de ruas com macadames e de fachadas de lojas e casas

residenciais em conformidade com as modas arquitetônicas estrangeiras são

insuficientes na sustentação da morte do modo de viver caipira com sucessivo

advento de uma cultura moderna. Em Ribeirão Preto, a mobilidade dos limites

urbanos e rurais gerou a criação de uma expressiva área suburbana,

predominantemente situada onde antes se localizava o “Núcleo Colonial Antonio

Prado”. Neste, como já expomos, eram praticadas ações que se destinavam tanto ao

público urbano quanto ao rural. Bem assim, estas pessoas do antigo Núcleo

vincularam-se concomitantemente aos valores da “cidade” (denominação do

quadrilátero central até em época recente pelos moradores mais idosos) e aos do

campo. Acreditamos que esta posição intermediária geográfica e cultural, que

rapidamente passou para a área urbana com a incrementação de melhorias

arquitetônicas e de ferramentas públicas foi de fundamental importância para a

rápida assimilação de valores modernos, que justamente pela velocidade ocasionou

uma sociabilidade híbrida, de forte aparência moderna e tênue essência rural, que

assegurou aos valores trazidos pelos modistas, pelos trilhos e pelas mídias (jornais,

revistas e almanaques) um público garantido, cuja origem social e histórico familiar,

tendo em vista o usufruto de idéias e de produtos, pouco importavam como

balizadores de hábitos e de posturas individuais e públicas. Pelo exposto, cremos

que não houve historicamente uma nítida contradição entre ricos e pobres, urbano e

rural, caipira e moderno, mas um embricamento, uma interpenetração e influências

recíprocas, na qual pesava mais o elemento do binômio que aqui equivalia a um

maior status social, ou seja, buscar ser mais rico possível do que a si mesmo em

épocas anteriores, residir na área urbana ou mais próxima desta possível e adotar

ou então aparentar hábitos e posturas públicas modernas, consumindo produtos

vinculados a este valor, caso isto fosse possível financeiramente. Uma sociabilidade

guiada por estes nortes não era, portanto, afeita a um comprometimento com uma

organização visando à superação de interesses coletivos, haja vista a supremacia de

uma expectativa de melhoria do status social, via hipoteca da vida e dos valores do

presente visando reconhecimentos e benesses futuros, podendo ser realizável ou

108

mesmo somente uma especulação, principalmente por orientar-se a um tempo que

ainda não existia e, por isso, aberta ao melhor otimismo, bem ao gosto do sistema

capitalista, que nestas terras do café, tornava-se mais moderno por meio de

métodos arcaicos, como o empobrecimento daqueles que não conseguiam inserir-se

nas necessidades exigidas pelo mercado, ou por não terem profissionalização ou

por resistirem às imposições do processo modernizador por motivos de âmbitos

diversos.

3.4.1 Nos rastros da história

“No planalto abriam-se cinco outras estradas, todas herdeiras de caminhos traçados nos séculos anteriores. Uma delas corria em direção ao Vale do Paraíba do Sul, no trajeto para o Rio de Janeiro. Outra cruzava a serra da Cantareira e alcançava Bragança, de onde era possível chegar ao sul de Minas Gerais. Uma terceira se dirigia até Franca seguindo o curso do Caminho dos Guaiases, que conduzia aos garimpos de Goiás através do Triângulo Mineiro. Uma quarta estrada avançava quase paralelamente ao rio Tietê até Piracicaba, passando por Itu e Porto Feliz, o antigo embarcadouro das canoas das monções para Mato Grosso. A quinta estrada do planalto estendia-se em direção a Sorocaba, de onde se podia alcançar a atual Itapeva, acesso às regiões meridionais.” (ÉRNICA, 2005, p. 12).

Séculos atrás, a abertura do caminho do Sul, onde hoje é o Rio Grande do Sul,

até São Paulo possibilitou a cooperação da economia da criação de gado de corte e

de tiro com as economias mineradoras, açucareira e, por fim, cafeeira. São

conhecidos, diz ZEQUINI e SILVA (2005, p. 46) os casos de João da Silva Machado

e Antonio da Silva Prado, que por meio desta atividade conseguiram o título de

Barão de Antonina e Barão de Iguape, respectivamente. A busca de poder

econômico, agraciada por títulos concedidos pela hierarquia já constituída, portanto,

vem de longa data.

Havia diversos personagens envolvidos no tropeirismo. Chamava-se tropeiro ao dono da tropa, aquele que assumia a iniciativa da venda de bestas ou do transporte de cargas. Ele era também o intermediário de outros negócios, o transmissor de notícias e recados, o conselheiro de fazendeiros em vários empreendimentos. Assim, os ganhos proporcionaram a muitos deles a compra de terras, a aplicação de capitais em outras atividades e a ascensão social. (ZEQUINI; SILVA, 2005, p. 44)

109

O declínio da feira de muares em Sorocaba teve início a partir de 1860. Com a

implantação da malha ferroviária no estado de São Paulo, o tropeirismo tornou-se

uma prática decadente, sendo a última feira realizada em 1897. (ZEQUINI, SILVA,

2005, p. 47). O efeito mais marcante do tropeirismo foi o surgimento de povoados,

mas Ribeirão Preto não teve esta origem. Esta cidade é fruto direto do encontro de

correntes mineiras com as de ocupação extensiva de pessoas que para esta área

vieram ao encontro da “onda verde” que primeiro atingiu o Vale do Paraíba, indo

depois para Campinas, em sentido norte, e depois oeste.

Durante este processo de ocupação, os cafeicultores vincularam-se aos

traficantes de escravos. Fora o plantio do café, praticavam o comércio de produtos

de importância direta para a manutenção da vida e das práticas agrícolas.

Cafeicultura, escravidão e precoces relações comerciais marcaram o século XIX no

Estado de São Paulo.

A expansão da lavoura cafeeira no Brasil se deu pela valorização do produto no mercado externo. O consumo do café, uma bebida muito estimulante, se difundiu na Europa e nos Estados Unidos entre as camadas populares, ampliadas em decorrência da Revolução Industrial. Nessas regiões, o fator climático impedia o seu cultivo. A demanda já era grande no final do século XVIII, aumentado ainda mais nas décadas seguintes. Diversas condições se associaram para fazer de São Paulo, no século XIX, o maior produtor de café do país: clima quente e úmido, terras férteis cobertas por vasta vegetação (ainda por ser derrubada), estrutura agrícola de exportação já organizada em decorrência do açúcar, comunicação com um bom porto de escoamento, estoque de mão-de-obra escrava e fazendeiros experientes para aumentar a produção. (CAMARGO, 2005, p. 21).

Em alguns países durante o século XIX, ou mesmo em algumas cidades

brasileiras, era difundida a visão de que a modernidade era representada pela

presença de indústrias. Nas terras do café, a modernização apresentava-se no uso

de técnicas de secagem mais rápida dos grãos, inclusive com uso de linhas de trens

particulares para levar as sacas aos terminais das estradas de ferro para, por

conseguinte, encaminhá-las até Santos e então abastecer a Europa e os Estados

Unidos, então maiores consumidores e compradores do produto brasileiro.

Leis contra a escravidão, proibição da entrada de escravos vindos do tráfico no

país (Euzébio de Queiroz de 1850), Lei Rio Branco ou do Ventre Livre (1871), Lei

dos Sexagenários e proibição do tráfico interprovincial (1885) e a Lei Áurea (1888)

podem ser tomadas como medidas tomadas a conta gotas para a definitiva

eliminação da escravidão, ao passo que tentava, com contratempos, valorizar o

110

trabalho livre e assalariado, mediante a pressão interna (movimento abolicionista) e

externa (Bill Aberdeen, lei aprovada na Inglaterra que permitia a livre ação da

marinha inglesa para impedir a chegada de escravos no continente americano). Mas

estas tentativas foram alvo de merecidas críticas.

Em 1854, Thomaz Davatz e outros colonos que trabalhavam na Fazenda

Ibicaba, de propriedade do senador Vergueiro, revoltaram-se contra a exploração

sofrida por meio da cobrança abusiva de itens adquiridos no armazém da fazenda, já

que o recebimento de salário só se daria com a partilha do lucro após a venda da

produção de café entre os imigrantes e o fazendeiro, esquema fundamentado na

chamada parceira, mas que na verdade comprometia os ganhos do colono por não

lhe dar a liberdade de comprar mantimentos onde estes fossem mais baratos.

(CAMARGO, 2005, p. 37).

Fora a falta de maleabilidade dos grandes proprietários rurais para com os

trabalhadores livres, especialmente para com os imigrantes, não devemos deixar de

pontuar que as exigências contratuais sobre os colonos nesta época mostram o

quanto estes tinham que ser polivalentes para a manutenção dos contratos firmados.

Grande parte dos contratos (conforme vimos alguns exemplos em Ribeirão Preto

durante o período proposto) previa a obrigatoriedade da construção de casas para

eles mesmos habitarem, a viabilização de roças de subsistência e de cercados para

a criação de animais, de tal forma que estes não oferecessem riscos à lavoura,

principalmente dos pés de café cuja produção seria entregue ao contratante. Como

a idade dos pés de café representava maior produtividade quanto maior fosse a sua

idade, evitar replantios era fundamental para se ter maiores lucros ao fim do

contrato, que geralmente era de quatro anos.

Destarte, não havia no Brasil, quando se fez imprescindível importar braços no

auxilio da lavoura tratada até então pelos escravos, uma abertura real e oficial dada

pelos poderes públicos para que os trabalhadores de todas as origens, desde que

livres, pudessem pela poupança e esforços diários ter acesso às suas próprias

terras. A origem dos termos caipira e caiçara em parte explica o porquê muitos

homens livres da história brasileira foram socialmente chamados de caipiras:

Os habitantes originais da região das duas capitanias [São Vicente e Santo Amaro] dividiam-se em grupos diferenciados: os da serra abaixo (litoral) e os de serra acima (interior). Ambos falavam línguas da família lingüística tupi-guarani, que mais tarde seriam codificadas pelos jesuítas nas chamadas “línguas gerais”. Por meio delas, identificava-se todo morador do

111

litoral como kai-ñ-çará e o do interior como kai-ñ-pirá. Eis as designações primitivas dos termos “caiçara” e “caipira”. No planalto, relativamente isolado do restante da colônia, desenvolveram-se práticas culturais diferenciadas de uma sociedade peculiar, na qual era comum um modo de vida chamado de caipira. Os que partilhavam esse modo de vida eram mamelucos, uma mistura evidente de aparência física, hábitos e maneira de ser de índios e dos europeus. Mameluca é a gente, e caipira é a sua cultura, lembra o professor e critico Antonio Candido. (FRANCISCO, 2005, p. 17).

Devido às poucas possibilidades de ascensão social e mesmo de vida digna

aos trabalhadores livres da história do Brasil desde a época colonial, percebe-se não

só os índios que habitavam as áreas afastadas do sistema de plantation foram

socialmente designados de caipiras. Outro aspecto da vivência caipira, porém no

âmbito da cultura religiosa, sai das dificuldades materiais e vincula a satisfação das

carências por meio da apresentação destas ao sagrado, como forma de enfrentar as

múltiplas dificuldades da vida. Isto fez com que a vivência cotidiana fosse

transformada numa experiência de fé e de sabedoria influenciadas pelo divino. A

vida moderna dessacralizou os hábitos existentes, sem, no entanto, desencantar

totalmente o indivíduo envolto na cultura predecente.

Para o caipira, o Deus dos cristãos é o grande juiz, a fonte de onde emana a justiça divina e que permeia a justiça dos homens. A crença na Virgem Maria e nos santos católicos junto a Deus orienta, limita e ordena sua vida. O homem do interior desenvolve, assim, inúmeros sinais e práticas que aos poucos formariam sua cultura material e imaterial; não se levanta sem se benzer, não se reage às pequenas coisas do dia-a-dia sem exclamações que invoquem o santo protetor, não se deixa o dia de São João passar sem se plantar um ramo de alecrim. O povo caipira procura constantemente a intervenção do curandeiro em sua vida. (FRANCISCO, 2005, p. 27).

O plantio do milho, do feijão, da mandioca, culturas de subsistência caipira,

desvinculadas a principio do circuito mercantil, tornaram-se posteriormente em

gêneros agrícolas fundamentais, por alimentar os trabalhadores, os proprietários e

até os animais deste. Pela importância destes alimentos na história brasileira,

podemos perceber, tendo em vista as escrituras públicas firmadas em Ribeirão Preto

durante o período estudado, que não há modernidade e arcaísmos persistentes na

vida cotidiana, há, entretanto, a possibilidade destes se amalgamarem devido à ação

racional visando à finalidade de encetar nas terras do café um contínuo processo de

modernização.

Sabemos que houve um afastamento da herança de matriz caipira e de

aproximação e culto aos valores da vida moderna, marcadamente urbana e

112

orientada pelos paradigmas europeus. Porém, o consumo de itens relacionados ao

viver moderno não transplanta na pessoa uma cultura que não estava internalizada

nela paulatinamente ao longo da sua vida. A receptividade da negação ao modo de

viver e de pensar caipira pode ser historicamente notada pelo sucesso da crítica feita

por Monteiro Lobato valendo-se do caricato Jeca Tatu. Se atualmente a cultura

caipira não é tão combatida, deve-se ao fato dela ter sido assimilada pelo sistema

capitalista, transformando-a parcialmente em produto, em mercadoria cultural,

proporcionando rendoso lucro a homens bem modernos, por ações determinadas a

valores racionais voltadas a fins materiais. Não queremos dizer que a totalidade dos

elementos que compõem a cultura caipira (língua, tradições, religiosidade, culinária e

etecétera) não esteja preservada da manipulação mercadológica, mas sim que muito

do que se apresenta como caipira é mais tipo, visando a assimilação pelo mercado,

do que de defesa desta cultura tradicional, como, por exemplo, os sem-números de

duplas sertanejas, de hábitos e valores citadinos, mas de fala com “r” retroflexo

algumas vezes artificial, como se o porte de uma característica caipira remontasse a

inserção em toda uma concepção de mundo.

Acreditamos que toda cultura é viva, pois tudo o que a humanidade produz é

cultura. A diversidade entre os homens promove a diversidade cultural. Presente em

cada um, a cultura se transforma acompanhando as alterações políticas,

econômicas e sociais das pessoas. Contudo, não devemos confundir a defesa de

valores tradicionais, patrimônios imateriais de um povo com manifestações

socioculturais criadas no objetivo primeiro e último do lucro, usurpando muitas vezes

os valores populares, conforme os ditames de um grupo minoritário, avesso,

portanto, à construção coletiva ao longo do tempo, delineador, grosso modo, da

cultura de massa da cultura popular, respectivamente.

A mudança da preferência pelo título de doutor ao invés de coronel aponta para

a valorização dos títulos honoríficos relacionados à urbanidade, sinal de que os

prestígios decorrentes da propriedade e poder vindos da área rural não tinham mais

o poder social de outrora.

A construção de casas com uso de técnicas rudimentares e matérias-primas

simples foi bastante difundida no território paulista desde a época colonial. Segundo

Paulo César Garcez Marins (2005), a difusão deste tipo de moradia deu-se por meio

de duas técnicas. Uma era a taipa de pilão, que

113

[...] consistia em socar terra com pilões de madeira dentro de formas, em camadas superpostas, até a formação de uma parede [...], precisava apenas ser protegida das chuvas, que tinham o poder de dissolvê-la lentamente. [A outra era a técnica do pau-a-pique] também chamado de taipa de mão, ou de sopapo, consistia basicamente em um entrecruzamento de paus roliços ou cortados, formando uma superfície depois preenchida com barro. A técnica, que propiciava construções bem mais frágeis que as de taipa de pilão, era a mais utilizada nas casas populares. (MARINS, 2005, p. 13).

Já os tijolos cozidos ou secos ao sol, chamados de adobe, eram menos

difundidos, possivelmente devido ao fato de exigir um complexo produtivo como

“terreno barreiro”, olaria e forno, empreendimento que para ser efetivado demandaria

um mercado consumidor prévio que, em caso negativo, inviabilizaria sua montagem

por representar um risco de perda de capitais aplicados por falta de mercado

consumidor.

Durante o período em que nos propomos analisar, observamos o relato de

casas com coberturas de palha e de telhas feitas de barro. As primeiras indicando a

presença da influência indígena, ou mesmo da precariedade de recursos (conforme

o período em que se insere) dado a existência da outra cobertura feita de barro,

típica da colonização portuguesa mais abastada e, em período posterior, da ação

voltada à produção de um material mais resistente às chuvas e ao tempo em geral, o

qual valorizou o patrimônio que detinha esta cobertura e gerava a demanda

fundamental em qualquer ramo produtivo e comercial.

No início do século XX, a desigualdade social criou empecilhos de ordem

cultural como, por exemplo, a inacessibilidade à escola para a maioria da população

a fim de obter educação formal, pois neste ínterim o estudo era um patrimônio

acessível aos grupos sociais que tinham maiores condições financeiras, pois, ainda

que público (sobretudo no ginásio), as taxas e outros pré-requisitos impediam a sua

generalização às pessoas em idade escolar, o que dificultou a livre

operacionalização das leis e dos mecanismos legais para a exigência da justiça,

entendida aqui como equiparação legal por um mal sofrido. As barreiras de diversas

ordens comprometiam o sentimento do povo de viverem numa sociedade que se

dizia moderna e democrática, salvo quando era possível o consumo de bens não-

duráveis.

Ao menos até o final da primeira metade do século XX, a presença marcante

do cultivo do milho e de raízes manteve uma tradição significativa na história de

Ribeirão Preto. Esta prática nos remete à ação dos bandeirantes que, para suportar

114

os desafios naturais do sertão, valiam-se da prática da culinária indígena para

obterem sucesso nos seus empreendimentos. A “civilização do milho”, termo

precioso para o entendimento do nosso passado e que foi difundido por Sergio

Buarque de Holanda em Caminhos e Fronteiras, encontrou abrigo na vivência dos

caipiras e, em seguida, na dos imigrantes envolvidos na lida da terra e que foram os

seus perpetuadores em pleno início do século XX.

Vale destacar que havia a cultura do milho e de outros alimentos praticada por

moradores da área antes da cultura intensiva do café e outra cultura dos mesmos

alimentos, mas inserida em relações contratuais tituladas “colonato”.

Comparativamente, as duas culturas e o trabalho para mantê-las possuíam ritmos

próprios embora igualmente tenham marcado a onipresença do milho nas terras que

depois dariam origem à cidade de Ribeirão Preto. Num passado nem tão distante,

importante não nos esquecermos deste fato, havia nesta região tribos indígenas,

responsáveis inicialmente pela existência prévia da cultura alimentícia debatida.

Por ser intimamente propiciadora da manutenção da vida, a cultura indígena

relacionada à subsistência obteve mais receptividade e apreço dos europeus e seus

descendentes (das primeiras e das últimas levas aqui chegadas) ao contrário de

outros traços das comunidades indígenas que antes predominavam no espaço

geográfico. Essa menor resistência a este traço inerente, no caso, a cultura do índio,

ressalta a força do patrimônio imaterial na sociedade: “Os traços culturais indígenas

ligados à alimentação seguramente permaneceram mais no cotidiano dos paulistas

que a arquitetura ou as formas nativas de vestir. Nesse aspecto, as heranças

européias se impuseram, ainda que com adaptações.” (MARINS, 2005, p.15).

Paulatinamente, passou a haver a racionalização também na maneira sistemática de

se plantar, especialmente dos pés de café. Pode-se sentir isto por meio das

recomendações acerca das distâncias em palmos entre os pés e a exigência de

certa profundidade de plantio destes.

Assim, é compreensível entender o porquê numa conjuntura econômica

marcada pela racionalização dos negócios, a redução de custos e a busca da

eficiência no cumprimento dos contratos eram valores obrigatórios para manter-se

no mercado. Por isso, modernizar o sistema de transporte foi uma decorrência

natural da inserção do Estado de São Paulo na economia internacional por

intermédio do plantio e das exportações do café. Superar a dependência dos

caminhos seculares abertos no período colonial atrairia não só mais capitais como

115

também pessoas para se ter mais capital pela distância proposital entre os lucros

pretendidos e os custos salariais inevitáveis. Trocar o lombo das mulas pelos vagões

das locomotivas assegurou a continuidade das vilas já existentes e dinamizou outras

que eram beneficiadas pela proximidade dos trilhos, como, por exemplo, da Mogiana

em relação à praticamente recém-formada Ribeirão Preto.

De acordo com a definição abaixo, as características que auxiliaram a então

“São Sebastião do Ribeirão Preto” a se tornar uma cidade, concomitantemente

foram assimiladas e difundidas pela sua população, estimulando-a a vencer suas

ambigüidades existenciais, tornado-se ela mesma em educadora, em campo de

possibilidades, de reflexo da cultura caipira e moderna associadas.

Que é a cidade? – Um lugar de trocas. Trocas materiais antes de tudo: o lugar mais favorável à distribuição dos produtos da terra, à produção e distribuição dos produtos manufaturados e industriais e, enfim, ao consumo dos bens e serviços os mais diversos. A essas trocas materiais ligam-se, de maneira inseparável, as trocas do espírito: a cidade é por excelência o lugar do poder administrativo, ele mesmo representativo do sistema econômico, social e político, e é, igualmente, o espaço privilegiado da função educadora e de um grande número de lazeres: espetáculos e representações que implicam a presença de um público bastante denso. (AUZELLE citado por SCARLATO, 2008, p. 398).

116

CAPÍTULO 4 AS HIERARQUIAS DA MUDANÇA

117

4.1 Ribeirão Preto e Franca: similaridades e distinções dos aspectos da sua

formação.

Dissemos acima sobre a interligação de parte da história de Ribeirão Preto com

as cidades circunvizinhas, e antes de nos determos mais a esta, optamos por

destacar uma frase do texto titulado como “Capitalismo tardio e Sociabilidade

moderna” de João Manuel Cardoso de Mello e Fernando A. Novais, referente à

realidade dos brasileiros em meados de 1950 e 1970 que não participavam dos

benefícios oriundos das transformações do país, as quais fariam deste o país do

futuro:

As poucas crianças que freqüentavam a escola, mal aprendiam a ler e a escrever. Não se julgava necessário; e era preciso trabalhar logo, auxiliar os pais. O homem passava à vida adulta pelo trabalho, aos treze, catorze anos; a mulher, pelo casamento, entre treze e vinte anos. (MELLO; NOVAIS, 1998, p. 576).

Ao mencionar esta situação como averiguável tanto num minifúndio do sertão

nordestino quanto num pequeno sítio de caipiras em São Paulo, os autores visaram

a apontar as relações que áreas díspares partilham, devido às aproximações que

envolvem a luta pela sobrevivência das pessoas. A partir deste viés, destacaremos a

história de Ribeirão Preto e de Franca, respectivamente, para, em seguida,

promover um balanço crítico destas histórias próximas e singulares, à luz das idéias

de Fernando Pedrão.

Em “Memória Arquitetônica em Ribeirão Preto: planejamento urbano e

política de preservação”, dissertação de mestrado de Valéria Valadão defendida

nesta casa, a autora remonta a história de Ribeirão Preto a partir da rota crida pelos

bandeirantes e que, como a maior parte das cidades brasileiras, buscou a

legitimação por intermédio da Igreja.

Além da formação de um capital para servir de meio de aquisição de um

terreno em nome de São Sebastião e que seria administrado por um representante

da e para a Igreja, esta instituição religiosa exigia, não obstante, que o tipo de

terreno necessário para se instalar a matriz fosse alto e plano, para se ter um forte

destaque na paisagem; e isto, segundo Valadão, condicionou de certa forma o

tecido urbano.

118

Somados à religião, fatores de ordem econômica exerceram influência ao longo

da consolidação de Ribeirão Preto, até que de vila esta fosse elevada à categoria de

cidade em 1º de abril de 1889, e isso era resultado direto da cultura do café.

A transformação urbana decorrente da implementação comercial da cultura do

café fez com que houvesse o prolongamento das ruas e travessas existentes,

quando algumas delas, já contando com calçamento de pedras, possibilitou que

surgissem novos estabelecimentos comerciais, como, por exemplo, hotéis e

restaurantes. (VALADÃO, 1997, p. 37). Por um lado podemos entender este fato

como os primeiros passos da prestação de serviços em Ribeirão Preto e, por outro,

a “mercantilização de tudo”, (expressão de Immanuel M. Wallerstein), a qual bem

explica a produção e contenção de capitais a partir da comercialização de princípios

básicos de existência: comer, beber e dormir. Ou seja, ainda que as pessoas

estivessem dormindo, a cidade já estava mercantilizando o seu sono. Em vista disto,

já na virada do século XIX para o XX, o bairro Centro polarizava e centralizava todas

as atividades sociais, serviços públicos, prestação de serviços e comércio, por isso

era o local privilegiado para construção de residências urbanas.

Mencionamos o bairro Centro. Isto se deve à existência de outros dois bairros:

o das Palmeiras e o Santa Cruz, que neste ínterim eram os bairros já devidamente

assimilados legalmente à malha da cidade. Contudo, a autora pontua que foi a

criação do Núcleo Colonial Antônio Prado que reordenou a malha urbana de

Ribeirão Preto, pois mesmo que a princípio aquele fosse suburbano, a dinâmica do

trânsito de produtos e de pessoas entre o Núcleo e a “Cidade” (o bairro Centro), fez

com que rapidamente este fosse incorporado à malha urbana do município.

Durante o processo de transformação da paisagem urbana, a autora destaca

que as falhas legais de demarcação de território havidas no passado facilitaram o

enriquecimento fácil de antigos proprietários, que se valeram do alto valor do metro

quadrado, gerado pelo interesse de instalação de algumas empresas, não só em

vista da oferta de mão-de-obra dos moradores do ex-Núcleo Colonial Antônio Prado,

mas também pela presença da linha férrea que interligou a cidade aos demais pólos

econômicos da região sudeste e, nesse sentido, do país.

O desenvolvimento econômico influenciou a arquitetura da cidade. De acordo

com Valéria Valadão, o conceito de modernidade européia chegou a Ribeirão Preto

por meio da construção civil, gerando a edificação de prédios comerciais, com efeito,

119

concatenado ao aumento do número de construções com finalidade especulativa e,

assim, com sobrevalorização dos preços, face ao aumento da carestia de moradia.

A existência de mercado aberto por esta demanda estimulou a formação de

olarias nos bairros marginais (fato confirmado pelas escrituras públicas por nós

analisadas) e isto, somado à precariedade de parte dos habitantes destas áreas e à

oferta de materiais de construção oriundas das cidades de Tambaú e São Luís,

serviam como itens privilegiados para o aumento quantitativo e qualitativo da

construção e de reformas dos palacetes no bairro Centro.

Em linhas gerais, depois de analisar os aspectos arquitetônicos do Centro em

contraposição aos demais bairros, a autora finaliza apontando novas perspectivas

de memória arquitetônica, tal como o Cemitério da Saudade, situado nos Campos

Elíseos (outrora integrante do Núcleo Colonial Antônio Prado), o qual abriga pessoas

falecidas desde as últimas décadas do século XIX e cuja estatuária é verdadeira

obra de arte em mármore e bronze. (VALADÃO, 1997, p. 196). Se tal memória não é

levada em consideração, esta pontua, é porque na cidade prevaleceu a importância

da celebração em detrimento da memória, e porque a partir da nossa pesquisa

percebemos que o bairro é tratado como medida de valor pelo que é na atualidade e

não pelo que representa na história da cidade. (SOUZA, 2003).

Quanto à história de Franca, cidade constituída a aproximados cem

quilômetros de Ribeirão Preto, utilizamos o texto “Fragmentos de um modelo: a

pequena propriedade no complexo cafeeiro (Franca/SP: 1890-1914)”, dos autores

Pedro Geraldo Tosi, Rogério Naques Faleiros e Rodrigo da Silva Teodoro. Para

melhor problematizar a análise da formação deste município, os autores lançam uma

pergunta: como se constituiu a economia cafeeira numa realidade marcada pela

pequena e média propriedade? (TOSI et al, 2006, p. 4).

Inicialmente os autores explicam as particularidades geográficas do território,

tal como o predominante lato-solo vermelho-amarelo fase arenosa que, ao contrário

da terra roxa (predominante em Ribeirão Preto), não apresentava grande fertilidade

para a cultura do café.

Mesmo para os fins que são visados nesta dissertação de mestrado, é

fundamental a busca de um consenso sobre o conceito colonato, o qual é entendido

pelos autores, levando em consideração os trabalhos de Verena Stolcke, Thomas

Holloway, Brasílio Sallum Jr. e José de Souza Martins, como combinação de salário

anual, ganhos por empreitada e acesso às lavouras de subsistência, sendo as duas

120

primeiras de ordem monetária e a última como paliativo para rebaixamento de

salários (TOSI et al, 2006, p.5).

Para ilustrar a prática desta combinação, os autores explanam que geralmente

o colono cuidava dos novos pés de café por quatro ou cinco anos, com direito a

produzir alimentos, já que o café neste período não produz com todo potencial.

Contudo, é destacável que os fazendeiros tinham preferência de compra destes

alimentos, impedindo-os de atuarem livremente no mercado, o que significava uma

margem de lucro para o proprietário mesmo durante o período de formação do

cafezal. Em outras palavras, a expansão da fronteira era fundamental na produção

de alimentos e acréscimo de ganho para os colonos.

Para melhor compreender a expansão da pequena e da média propriedade, os

autores apontam que se deve levar em consideração que o colonato exigia a

expansão da fronteira, bem no período da política deflacionária que levou parte da

elite econômica do país à falência, entre 1898 e 1905, dentre eles o cafeicultor. Foi

assim que entre 1906 e 1915, em Franca, as famílias de origem espanhola e italiana

que detinham algum capital, e um grande número de membros familiares, puderam

ter acesso a terra, ainda que estas propriedades tivessem pequenas dimensões.

Neste contexto, destaca-se o funcionamento do sistema de crédito em Franca,

no qual se destaca a figura do comissário. Durante o período supramencionado, no

qual havia um maior grau de restrição ao crédito, a continuidade da expansão da

lavoura cafeeira dependia da concessão do comissário e do grau de endividamento

antes do arrocho financeiro do país. Alterar as relações de trabalho do colonato para

a parceria era uma alternativa, e tinha por finalidade repassar a perda do valor da

saca de café para o trabalhador, mas não era método infalível neste novo panorama

da atividade cafeeira, uma vez que a propriedade da terra já não era exclusiva dos

grandes proprietários.

Em vista da luta pela sobrevivência, as pequenas e médias propriedades

cafeeiras, a princípio pautadas no colonato e depois administradas em parte no

âmbito familiar, desempenharam atividades voltadas para a subsistência e,

secundariamente, para o mercado. Se por um lado estas propriedades agregavam

atividades menos lucrativas, por outro tinham o destacável poder de garantir a

sobrevivência das pessoas envolvidas.

A partir da experiência gerada pelas pesquisas individuais dos autores, estes

concluem seu texto alertando para a riqueza de dados existentes nos livros

121

cartoriais, que melhor promoveriam o debate acerca da acumulação de capitais, da

sociabilidade e do processo de modernização das cidades, especialmente do

complexo cafeeiro.

Antes de explanarmos as inter-relações dos textos privilegiados aqui nesta

análise comparativa sobre a história de Ribeirão Preto e de Franca, nos

dedicaremos a realçar os pontos mais relevantes do texto de Fernando Pedrão,

“Tendências históricas e vontade política na formação espacial do Brasil” (2000).

Segundo Pedrão, é necessário retomar o planejamento político das cidades

brasileiras e, se é preciso retomar, é porque essencialmente há um problema de

coordenação de políticas, que não pode ser relegado a um plano meramente

operativo, pois a própria coordenação constitui um objeto de política. (PEDRÃO,

2000, p. 157). Em vista disto, inferimos que se há um problema de coordenação de

políticas voltadas à cidade, isto não é elemento só da sociedade atual, mas daquela

a qual nós nos propusemos a apreender neste estudo, e isto se dá, segundo nossa

compreensão, porque há um conflito de interesses de múltiplas ordens, tal como a

dos indivíduos entre si, das classes entre si (tanto no sentido marxista, dos

detentores dos meios de produção versus os trabalhadores, quanto no sentido

weberiano relacionado às profissões).

Tal como Valéria Valadão afirmou no seu trabalho em relação à Ribeirão Preto,

o autor diz que perda de memória é inerente a toda população brasileira. Contudo,

aprofunda a crítica ao sustentar que é justamente por isso que a presença de

corrupção nas estruturas de poder é muito recorrente, já que a desvalorização das

experiências do país limita a capacidade de julgar opções criativas e pertinentes de

política.

Para agravar este quadro de agressão do domínio do “bem público”, afirma

Pedrão que o capitalismo tardio surgido no Brasil do século XX é fruto da

acumulação de capital e de concentração resultante das relações com as empresas

e destas com o governo (e não com o Estado). A diferenciação apresentada justifica-

se, segundo Pedrão, devido à transitoriedade das relações de influência entre os

capitais privados e as esferas públicas, representadas por um grupo eleito numa

vigência determinada, do qual se esperaria o resguardo do bem público e não do

interesse minoritário. (PEDRÃO, 2000, p.159-161).

O resultado da industrialização tardia foi deixar em aberto três aspectos

fundamentais da relação das cidades entre si e da relação das regiões,

122

respectivamente: gestão da infra-estrutura, formação de recursos humanos em

número e em composição e a formação de um estilo regional que contemple as

necessidades e pretensões do sistema atual e atenda aos requisitos da gestão

política do processo.

A pretensão modernizadora do Brasil ao longo das décadas fez com que os

governos atuassem diretamente em algumas regiões, visando a ocupar novas áreas

que, para tanto, dependiam do investimento público, de implantação de infra-

estrutura e de concentração demográfica. Isto tornou o processo de modernização

brasileiro problemático porque a dinâmica das migrações internas confundiu os

lugares de crescimento da população urbana com áreas de desenvolvimento

produtivo capaz de assimilar estas pessoas. O resultado foi muitas vezes a

marginalização desta população, mantida nas cidades em condições mínimas de

sobrevivência, sustentadas não raro pela informalidade. (PEDRÃO, 2000, p.164-

166).

Mediante estas carências que de maneira distinta atingem as áreas urbanas e

rurais diz o autor que a superação das dificuldades também está no âmbito da

diferenciação entre uma visão central e a compreensão das próprias regiões:

equipamentos físicos e investimento em capacidade instalada nas áreas centrais e

investimento em recursos humanos, educação e cultura nas áreas regionais. Ainda,

segundo Pedrão, deve-se reconhecer o planejamento como atividade social que

exige um diálogo organizado. Sua dificuldade consiste num maior ou menor grau de

identificar prioridades que, por sua vez, é um modo de trabalhar com os interesses

dos grupos sociais envolvidos nesse processo. (PEDRÃO, 2000, p.167).

Esta problemática já foi abordada em Ribeirão Preto pelo trabalho de Rodrigo

Ribeiro Paziani, o qual elucidou que o rápido processo de urbanização havido em

Ribeirão Preto valeu-se, muitas vezes, justamente da falta de diálogo e de consenso

das vozes sociais. Este autor nos diz:

A inexistência de um quadro de doutores no interior da Câmara Municipal – espaço político apropriado privadamente pelos coronéis, majores e capitães ligados às famílias Schmidt e Junqueira – e o número incompatível desses homens dotados de competência administrativa e talento político com o estado de urbanização da cidade, possibilitaram a Macedo Bittencourt [prefeito da cidade de 1911 a 1920] atuar com relativo sucesso nas campanhas de erradicação da epidemia de febre amarela em 1902 e rapidamente inserir-se no universo prestigiado e influente das elites ribeirãopretanas, ilustres personalidades públicas no município e na capital paulista. (PAZIANI, 2004, p. 306, grifos do autor).

123

Concordamos com a linha de raciocínio de Pedrão, segundo a qual o

esgotamento do desenvolvimentismo forçou o rebaixamento dos parâmetros triviais

de existência e, segundo o autor, realocou o país na condição de membro

secundário da economia global, ainda que para não piorarmos nossa participação

tivemos que incorporar dezoito milhões de hectares de Cerrado. Já o perfil espacial

criado pela industrialização tardia estabeleceu novos usos potenciais dos conjuntos

multimodais, a despeito das condições geográficas do país. Destarte, conclui que a

estrutura territorial do país ficou dependente da relação de segmentos de capital

técnico e financeiro mais avançado, geralmente associado com capitais

estrangeiros. (PEDRÃO, 2000, p.168-169).

Vale explicar que apesar das obras supramencionadas terem propósitos

distintos, foram aqui reunidas para que pudéssemos promover a reflexão acerca do

fenômeno urbano brasileiro ao longo das décadas. Mediante este ponto, destaca-se

o papel do historiador, na medida em que este pode dar o devido peso às causas

que fizeram com que a realidade brasileira fosse demasiadamente excludente nos

tempos atuais.

Bem assim, devemos nos atentar que a razão dualista, pobreza e riqueza,

estudada por Francisco de Oliveira em “Crítica à razão dualista: o ornitorrinco”

(2006), longe de ser um empecilho no nosso processo de modernização, é, na

verdade, elemento primordial para que esta estrutura antagônica e tão interligada

abasteça sua própria contradição, com o grave efeito de beneficiar

desfavoravelmente apenas um lado, aquele que reprime e explora a mão-de-obra.

O estudo da história de Ribeirão Preto e Franca enriquecem o debate por

apontar que com estruturas fundiárias particulares, com tipos de solo diferentes e

relações sociais peculiares, tiveram não obstante a luta pela sobrevivência da

população carente como agente dinamizador das transformações espaciais e

econômicas, com destaque para o fato da “mercantilização da vida cotidiana”

ocasionar redefinições de valores sociais, comerciais e ocasionar o surgimento de

oportunidades não antes vislumbradas, tal como a expansão da rede de prestações

de serviços, em Ribeirão Preto, e a formação de pequenas e médias propriedades

industriais trabalhadas movidas em âmbito familiar, em Franca.

Longe de serem excludentes, os desenvolvimentos destas cidades interagiram

entre si, com maiores favorecimentos a Ribeirão Preto face ao seu contato mais

freqüente com o mercado de financiamento, proporcionado pela maior conexão junto

124

ao mercado internacional. Todavia, este relacionamento integrou um contexto

espacial mais amplo: o complexo cafeeiro.

4.2 O papel da educação em vista da racionalização das posturas de vida

Por meio do Almanach Ilustrado de Ribeirão Preto foi possível conhecermos

um pouco mais como sobre as instituições de ensino existentes na cidade até a

época da publicação desta fonte, que foi o ano de 1913.

Informa-nos a publicação que a instrução primária era realizada pelo Grupo

Escolar Dr. José Alves Guimarães Júnior e por escolas particulares de ensino, cujos

principais, no julgamento dos editores do almanaque, eram: Collegio Progresso,

Externato Agostiniano, Curso Nocturno, Collegio Rodrigues, Collegio Methodista,

Escola da Sociedade Amiga dos Pobres, Curso Especial, além de escolas mantidas

por entidades italianas, como a “Dante Aleghieri”. É dito ainda que a cidade contava

com dois ginásios, um de caráter oficial, mantido pelo Estado e outro denominado

“Rio Branco”, de iniciativa particular. (ALMANACH, 1913, p. 25-26).

Para uma cidade que reivindicava o status de cidade moderna e amiga do

progresso, contar com uma rede mínima de instituições de ensino era fundamental

para dotar os discentes e futuros cidadãos de uma mentalidade minimamente

intelectualizada e aberta à descoberta científica. E o discurso presente no

almanaque vinha ao alvedrio daqueles que possuíam condições de manter os seus

filhos estudando nestes estabelecimentos, os quais “são recommendaveis em geral,

pelos seus modernos methodos pedagógicos”, que, de acordo com os editores,

eram cotidianamente “adoptados melhoramentos nos seus systemas educativos.”

(ALMANACH, 1913, p. 27).

E na finalidade de ratificar a importância destes estabelecimentos de ensino

para os beneméritos da cidade, citou a frase a seguir de Rui Barbosa:

A nosso ver a chave mysteriosa das desgraças que nos afligem, é esta: a ignorância popular, mãe da servilidade e da miséria. Eis a grande ameaça contra a existencia constitucional e livre da nação; eis o formidavel inimigo intestino, que se asyla nas entranhas do paiz. (ALMANACH, 1913, p. 27).

125

E ao final da exposição sobre o tópico “instrucção”, escreve:

Ribeirão Preto pode ter ufania de contribuir para a extincção desse formidavel elemento absorvente da vitalidade dos povos, com os seus bem orientados e modelares estabelecimentos de instrucção. (ALMANACH, 1913, p. 27).

Também o economista e moralista, Adam Smith, expressou a sua opinião

sobre a educação, ou melhor, sobre o pouco crédito dados a educação pela

sociedade da sua época:

Essas são as desvantagens de um espírito comercial. As mentes dos homens ficam limitadas, tornam-se incapazes de se elevar. A educação é desprezada, ou no mínimo negligenciada, e o espírito heróico é quase totalmente extinto. Corrigir esses efeitos deveria ser assunto digno de uma séria atenção. (SMITH apud MÉSZÁROS, 2005, p. 28-29, grifos do autor).

Estas palavras de Adam Smith citadas por Mészáros mostram que mesmo

alguns liberais tinham consciência de que a fragmentação do processo produtivo era

prejudicial ao desenvolvimento do trabalho criativo dos trabalhadores urbanos.

Todavia, lamentável é sua dedução de que as “bebedeiras” e outros vícios das

camadas mais baixas seja não fruto das suas sofríveis condições de vida, mas da

pouca exigência das suas forças criativas.

Em Ribeirão Preto, a simplicidade dos trabalhos a serem desenvolvidos pelos

colonos fazia com que eles detivessem o conhecimento de todas as etapas do trato

do cafezal, bem como das estratégias de inserir seus produtos no mercado local.

Apesar disto, os trabalhadores locais não poderiam minimizar a sua estafa senão em

subterfúgios compatíveis com o seu salário, recorrendo para tanto aos bares e

confeitarias, escapismo bem mais modesto do que o Teatro Carlos Gomes,

freqüentado pela elite ribeirãopretana.

A análise dos discursos dos promotores sobre os esforços empreendidos para

a instalação de uma escola secundária em Ribeirão Preto, citada rapidamente pelo

Almanaque Ilustrado, evidencia certos aspectos mentais dos integrantes da elite

local. Segundo Marcus Vinícius da Cunha, o Dr. Luiz Pereira Barreto

[...] teria dito que a “metrópole do café tem “sede de saber e a população quer ensino de todos os graus para os seus filhos e apela para o espírito esclarecido do auxiliar do governo de São Paulo [Gustavo de Godoy, então secretário do Interior do Estado], no sentido de que, com o mesmo carinho

126

empregado na defesa da saúde pública, proteja também a formação deste povo”. Na mesma ocasião falou o vereador Augusto Ribeiro de Loyola, “em nome do povo, em nome de milhares de famílias que queiram instrução para as crianças e para os jovens também.” Loyola enfatizou que as famílias residentes no município “não se conformaram em mandar os filhos para fora ou mudarem para outras plagas, em busca de sua complementação cultural”. (CUNHA, 2001, p. 22).

A fundação do Ginásio do Estado ocorreu em 1907, e isto gerava uma situação

de desconforto para a elite local, pois julgavam um despropósito a cidade que era

conhecida pela vultuosa riqueza proporcionada pela produção de café ter de contar

somente com iniciativas particulares para o prosseguimento dos estudos após o

grupo escolar. E, por intermédio da pressão do grupo dirigente sobre as esferas

estaduais, foi obtido um segundo grupo escolar em 1914, fazendo com que, apesar

destes esforços, se obtivesse somente 18,4% de discentes matriculados em idade

escolar, numa estimativa que apontava 71,6% ou 8905 potenciais estudantes fora da

escola. (CUNHA, 2001, p. 56)

Revela-nos Marcus V. da Cunha que a única pessoa negra que integrou a

primeira turma da escola, em 1907, foi Edina Rocha de Freitas, que era filha de

Herculano Carlos de Freitas, um negro que exercia a função de administrador das

fazendas do coronel Francisco Schmidt, conhecido na época como o “rei do café”. O

que pode ser interpretado como a vontade pessoal sobrepujando as barreiras do

preconceito contra o sexo e a cor da pele, melhor é julgado se levarmos em conta o

caráter paternalista, patriarcalista e principalmente coronelista da sociedade

ribeirãopretana, afinal de contas, raro seria na época alguém predisposto a

desagradar algum “gosto” do coronel. Um dos ex-alunos da escola, Alcides Palma

Guião, citado pelo autor por meio de um dos seus livros de memórias, endossa o

caráter elitista que envolvia a todos no colégio, ao mencionar que a posição social

dos discentes era, na sua maioria, oriunda da classe média letrada e socialmente

bem posicionada. Ele mesmo era filho de um proprietário de terras e advogado, e

que se tornou prefeito da cidade a partir da eleição de 1920, logo após o mandato de

Joaquim Macedo Bittencourt, prefeito que a dirigiu durante o esplendor da “Belle

Époque” (1911-1920) e que antes de desfrutar do cargo executivo municipal era um

dos professores da escola em questão. (CUNHA, 2001, p. 106-107).

Ora, se entrar no ginásio nesta época era uma conquista praticamente

impossível para um jovem pertencente a uma família sem relações sociais de

127

influência (para estudar numa escola pública) ou dinheiro (para estudar numa escola

particular), a partir das reformas empreendidas ao longo das décadas de 1910 e

1920 as chances de um pobre entrar numa faculdade tornaram-se praticamente

inexistentes.

Sobre estas reformas educacionais havidas no durante a República Velha

escreve Silvana Fernandes Lopes:

O controle central sobre a organização do ensino secundário, também amplamente discutido nesse período, se fazia necessário, considerando que ele regulava o acesso ao nível superior. Num país agroexportador, como o Brasil à época, não havia a necessidade concreta de universalizar a alfabetização e tampouco de incrementar um desenvolvimento técnico e científico, mas havia a necessidade de formação dos quadros burocráticos, ampliados e diversificados, tanto no setor público quanto no privado, necessidade que se intensificou com o advento da República. Essa situação colaborou para o aumento da demanda pela educação secundária e superior. A escola primária, no entanto, manteve-se, durante as primeiras décadas da República, nos mesmos moldes da velha “escola de primeiras letras”. Só a partir da década de vinte é que algumas reformas estaduais foram implementadas e alteraram um pouco essa situação. (LOPES, 2009, p. 2)

Logo adiante, elucida ainda mais os interesses envolvidos acerca deste tema:

A questão fundamental, nesse momento, era a do controle do acesso ao ensino superior; esse sim prioridade das classes dirigentes. Nesse sentido, do ponto de vista da organização do ensino, as medidas que determinavam a articulação entre o secundário e o superior eram decisivas na definição do caráter seletivo e preparatório do ensino secundário. Com exceção da Reforma Rivadávia Corrêa (1911), que propunha a autonomia entre os dois graus, fixando que o certificado de conclusão do ginásio serviria apenas como atestado de freqüência e aproveitamento de estudos no superior, as reformas Benjamin Constant (1890), Epitácio Pessoa (1901) e Carlos Maximiliano (1915) fizeram do secundário a passagem única para o superior. A Reforma Carlos Maximiliano reforçava essa dependência entre os graus, por meio do vestibular e da necessidade do certificado de conclusão do secundário, obtido por via de exames finais e preparatórios, para o ingresso no superior. O caráter seletivo do ensino secundário se revelava não só na reduzida quantidade de escolas, como também no valor das taxas, selos e contribuições exigidas para a freqüência dos alunos, que acabavam por fazer dos próprios estabelecimentos públicos instituições privadas, impedindo, assim, o acesso da maior parte da população. (LOPES, 2009, p. 3).

A relação política entre elite e marginalizados era recalcada também por meio

da manutenção de uma estrutura escolar fundamentada num objeto de interesse

público, embora regido de acordo com valores excludentes. Tratava-se então de um

mecanismo reforçador do discurso de privilegiamento de alguns e marginalização da

maioria, no objetivo político de compor um seleto grupo social munido de educação

128

oficial visando à governança do populacho desassistido à luz de um arcabouço

republicano, entendido naquela época como regime político mais adequado aos

ideais modernizadores.

A citação abaixo do pesquisador que teve acesso direto às fontes produzidas

naquele ginásio vem ao encontro do que julgamos ser o indicador dos valores que

orientaram o grupo elitista, permitindo-nos a percepção de uma sociabilidade

competitiva e conflituosa, seja a partir de outros trabalhos referentes à cidade, seja

pelos tipos de relações socioeconômicas firmadas por meio das escrituras públicas:

Pelas experiências que proporcionava, dentro e fora das salas de aula, o Ginásio dizia aos educandos, a todo instante, que eles eram integrantes de uma classe social “superior”. O verdadeiro inimigo estava do lado de fora dos muros da escola: era a ignorância, que vinha sendo ali derrotada. Enquanto isso, do outro lado da rua estavam os jovens pobres, trabalhadores e desvalidos, que jamais poderiam sonhar com destino semelhante. Para eles, apenas o ensino primário, quando muito, ou quem sabe as escolas de artes e ofícios mantidas por entidades assistenciais. (CUNHA, 2001, p. 111).

Tendo em vista que Ribeirão Preto era uma cidade em plena conexão com o

mercado externo, tanto pela venda das sacas de café quanto pelo acesso direto de

parte da população a produtos sofisticados, a educação, enquanto mercadoria não

acessível a todos, obedecia aos valores capitalistas modernos cada vez mais

entranhados na vivência coletiva ribeirãopretana ao longo do período estudado

nesta dissertação. Nesta conjuntura, vale a reflexão de Emir Sader, no prefácio da

obra de Mészáros, segundo o qual

[...] a educação, que poderia ser uma alavanca essencial para a mudança, tornou-se instrumento daqueles estigmas da sociedade capitalista [...]. Em outras palavras, tornou-se uma peça do processo de acumulação de capital e de estabelecimento de um consenso que torna possível a reprodução do injusto sistema de classes. Em lugar de instrumentos da emancipação humana, agora é mecanismo de perpetuação e reprodução desse sistema. [...] para que se aceite que “todos são iguais perante a lei”, se faz necessário um sistema ideológico que proclame e inculque cotidianamente esses valores na mente das pessoas. (MÉSZÁROS, 2005, p. 9-10).

129

4.3 O crescimento horizontal da cidade e a verticalização dos grupos sociais

O crescimento horizontal da cidade englobou áreas impróprias para a

construção de moradias e de imóveis destinados a outras finalidades que visavam

consolidar-se no cotidiano socioeconômico da cidade de Ribeirão Preto.

Por meio da análise dos mapas expostos até aqui nesta dissertação, é possível

averiguar a marcante presença dos córregos e da intervenção humana provocada

por diferentes indivíduos e grupos sociais, visando aos mais variados fins aos seus

propósitos pessoais.

Como as características naturais do espaço por si só somente são alteradas a

longo ou longuíssimo prazo, é inevitável reconhecer que a racionalização da

ocupação do território não levou em consideração os seus efeitos futuros, como

exemplifica a foto que mostra o alagamento de um importante ponto do quadrilátero

central. A racionalidade dos negócios, movida por fatores como proximidade dos

recursos hídricos (montagem de olarias e matadouros, por exemplo) e dos

escoadores de produtos (terminais ferroviários) motivou a aceleração do

retalhamento do solo das áreas suburbanas e favoreceu a ação do setor imobiliário,

auxiliado pela expansão do setor varejista e de prestação de serviços, gerando um

efeito dinâmico da economia pela válvula da mercantilização da natureza, inserindo

seus habitantes, e a própria cidade, num processo de interligações econômicas,

sociais, culturais e políticas com outras cidades, cujas conjugações sobrepujam o

espaço e o tempo que ditavam os seus ritmos de desenvolvimento particulares,

colocando-as bem próximas da descrição de Fernand Braudel que segue abaixo:

As cidades são como transformadores elétricos: aumentam as tensões, precipitam as trocas, caldeiam constantemente a vida dos homens [...] A cidade é corte, ruptura, destino do mundo. Quando surge, portadora da escrita, abre as portas ao que chamamos história. [...] Todos os grandes momentos do crescimento se exprimem por uma explosão urbana. [...] A cidade tanto cria a expansão como é criada por ela. Mas o certo é que, mesmo quando não é a cidade a fabricá-la com todas as suas peças, é ela a ditar as leis do jogo. E na cidade este jogo revela-se melhor do que em qualquer outro posto de observação. Onde quer que se situe, uma cidade implica sempre um certo número de realidades e de processos, com regularidades evidentes. Não há cidade sem divisão obrigatória do trabalho e não há divisão do trabalho um pouco avançada sem a intervenção de uma cidade. Não há cidade sem mercado e não há mercados regionais ou nacionais sem cidades. [...] “uma cidade é sempre uma cidade” onde quer que se situe, tanto no tempo como no espaço. O que de maneira alguma

130

quer dizer que as cidades sejam todas parecidas. Mas, para além de características diversas, originais, todas falam obrigatoriamente uma mesma linguagem fundamental: o diálogo ininterrupto com o campo, necessidade primordial da vida cotidiana; a presença das pessoas, tão indispensável como a água para a roda do moinho; o orgulho citadino, o desejo de as cidades se distinguirem umas das outras; a sua situação obrigatória no centro de redes de ligações mais ou menos longínquas; a sua articulação com os seus arrabaldes e com outras cidades. Nunca uma cidade se apresenta sem o acompanhamento de outras cidades. Umas senhoras, outras servas ou mesmo escravas, estão ligadas, formam uma hierarquia, na Europa, na China ou em qualquer lugar. (BRAUDEL, 1997, p. 439-441, grifo do autor).

Por ser uma das cidades mais beneficiadas pelos efeitos positivos de integrar-

se ao “complexo cafeeiro” (expressão de CANO, 1998), Ribeirão Preto

precocemente favoreceu a uma maior abrangência da divisão social do trabalho.

Nesse sentido, atraiu trabalhadores que se voltaram à atividade cafeeira e/ou de

produtos de subsistência, como por exemplo, os moradores de parte do território

pertencente ao Núcleo Antônio Prado. Também atraiu diferentes tipos de

profissionais (para a realização de serviços braçais até a prestação de serviços

intelectuais) e, ainda, de pessoas voltadas às atividades ligadas ao entretenimento,

além daqueles que trabalhavam com o dinheiro, por meio da concessão de

empréstimos a juros, chamados naquela época de capitalistas. Ou seja, formou e

estimulou um rol variado de atividades profissionais na cidade, além daqueles que

estavam ligados diretamente à atividade cafeeira.

Dessa forma, a maior interligação e interdependência entre as áreas urbana e

suburbana, por meio da relação entre os tipos distintos de profissionais e de grupos

sociais que em ambas habitavam, trabalhavam, e, por este contato, viviam

associados ao panorama de urbanização e de diversificação das atividades

produtivas, esta vinculação agregou a Ribeirão Preto uma complexa e eficiente rede

de comércio e de prestação de serviços que interagiu com a economia cafeeira, ao

passo que, no momento em que esta atividade principal começou a entrar em crise e

a ter sua importância política e socioeconômica diminuídas, aquelas atividades

complementares que, em conjunto, formaram a nova especialidade produtiva

ribeirãopretana, foram ímpares ao auxiliar a cidade a amenizar os processos de

crises econômicas a partir do final da década de 1920. Portanto, a apreensão e a

valorização histórica do percurso que estas atividades complementares tiveram que

trilhar até se tornarem a especialidade principal, amparadas pela formação de um

131

comércio forte e diversificado, associado a uma rede variada de prestação de

serviços quando o café era o “centro dinâmico” regional e nacional é de suma

relevância para a compreensão do processo de racionalização dos negócios, da

vivencia coletiva e da progressiva secularização dos atos particulares.

Não obstante, o afrouxamento do efeito dinamizador, motivado pelas

exportações, consolidou as atividades complementares à economia cafeeira como a

nova especialização desta cidade, pautada na prestação de serviços e na

interligação dos capitais regionais. Por outro lado, a transformação do tipo de

economia (da primária para a terciária) criou a possibilidade de assimilar os

trabalhadores que não mais se dedicavam exclusivamente àquela, o que naquela

conjuntura aumentava não só sua importância econômica, por reter capitais, como

também sua importância social, por agregar pessoas em busca da manutenção da

vida.

Ao haver a redução do efeito dinamizador do fluxo de capitais em Ribeirão

Preto, em decorrência da queda das exportações face à crise dos preços do café (na

qual a redução da procura e o excesso de oferta no mercado são uns dos fatores), a

economia deste município não se prostrou, haja vista a maturação do seu mercado

interno e sua necessidade de bens de consumo (ainda que de primeira ordem) e de

serviços, os quais tiveram existência anterior a este momento de arrocho.

A relação entre a população ribeirãopretana oriunda das áreas urbanas e

suburbanas favoreceu a difusão e o desenvolvimento de atividades úteis àquela

realidade local, pois é certo que muitos tipos de produtos e serviços não poderiam

ser supridos e/ou prestados se viessem somente de (e por) outros centros

produtivos localizados mesmo em regiões vizinhas, como Campinas. Por isso, a

necessidade criou a demanda, e a produção e a prestação de serviços

progressivamente foi garantida pela própria população que carecia destes,

fortalecendo assim o mercado interno regional, dinamizado, sobretudo por Ribeirão

Preto ou, mais especificamente, pelos trabalhadores ribeirãopretanos oriundos

principalmente da imigração.

A análise das escrituras públicas permite apreender de forma mais vívida como

as relações comerciais e trabalhistas dos indivíduos daquela conjuntura contribuíram

para a formação da história ribeirãopretana, principalmente quando estas imiscuíram

à coletividade. Por vezes estas adquiriram nova concretização documental sob a

132

forma de notícia jornalística, estudadas especialmente por Rodrigo Ribeiro Paziani

(2004) e Liamar Izilda Tuon (1997).

Juntando a análise destes pesquisadores com o trabalho de análise de fonte

feita por nós, podemos perceber que durante os meses de janeiro a junho de 1909,

o jornal “Diário da Manhã” publicou várias reclamações da população quanto à

necessidade da prefeitura intervir na infra-estrutura das áreas localizadas na

margem dos córregos Retiro e Ribeirão Preto, pois havia casos de alagamento

quando da ocorrência de chuvas constantes. Contudo, a análise das escrituras

públicas firmadas neste mesmo período aponta um acréscimo de contratações de

empréstimos, de hipotecas e de venda de imóveis localizados na Rua Visconde do

Rio Branco (popularmente conhecida como “Rua dos Sapos”), no qual o local

declarado de residência de um dos envolvidos na transação é justamente esta área

atingida pelo transbordamento dos rios.

Em vista disso podemos inferir que este fato relacionado à urbanização das

áreas que margeavam os córregos, bem como a falta de planejamento urbano por

parte da Prefeitura Municipal, se por um lado prejudicava financeiramente os

munícipes que tiveram suas propriedades atingidas, para outros ela representava

uma oportunidade de contrair novos negócios, estimulando assim a acumulação

complementar à atividade principal (cafeeira).

Segundo Heller (1992), todo acontecimento é irreversível e o tempo ao longo

das várias épocas históricas é sempre o mesmo. Assim, o porquê, por vezes, os

acontecimentos parecem ocorrer de maneira mais rápida e em outras mais lentas

não está condicionada ao tempo, pois este é inalterável, mas sim ao ritmo da

alteração das estruturas sociais. Destarte, em alguns locais este ritmo é mais intenso

e em outros mais vagarosos. Se o ritmo é parte importante do processo de

desenvolvimento, então aqueles locais onde estes são mais vagarosos tendem a

ficar prejudicados ou subjugados em relação aos locais onde este é mais intenso, o

que, em linhas gerais, vem a contribuir com uma maior desigualdade do

desenvolvimento destas áreas distintas, é claro, se julgarmos cada uma delas na

sua totalidade.

Em vista desta perspectiva, a administração das vicissitudes socioeconômicas

da própria população estimulou esta a desenvolver outras atividades, a fim de

garantir sua subsistência, favorecendo a difusão e a diversificação da mão-de-obra;

enfim, a favor do ritmo intenso das mudanças estruturais que estimularam Ribeirão

133

Preto a manter-se em constante desenvolvimento, todavia aberto à otimização

qualitativa e quantitativa do seu comércio e da sua rede de prestação de serviços.

4.4 A racionalização como guia das mudanças

A incorporação da prática legal de firmar contratos por meio da efetivação de

escrituras públicas nasceu da busca pela racionalização de interesses e pela fuga

da submissão destes negociantes às alternâncias e arroubos momentâneos que

pudessem acometer uma das partes depois de selados os compromissos.

Podemos dizer que o 1º Tabelião de Notas acompanhou o desenvolvimento da

cidade, já que por meio dos seus poderes legais foram perpetuados parte dos

fragmentos do seu passado, os quais buscam ser compreendidos realçando o que

nele foi discutido, debatido e firmado, vindo a somar às outras ações da coletividade.

Desde o final da década de 1880, Ribeirão Preto possuía homens que tinham

por meta atuarem em atividades que caracterizavam a vivência urbana. Em 30 de

outubro de 1888, foi firmada a venda de uma padaria situada na Rua Duque de

Caxias, inclusos na negociação molhados, trastes de casa, carroça e animais para o

serviço da mesma. Nesta escritura, é dito que o vendedor “se obriga a fornecer ao

comprador a farinha de trigo necessária para o custeio e o fabrico do pão com a

condição porém de ser pelo custo e carreto da mesma farinha pagos pelo comprador

à quantia de 1:000$000 em moeda corrente”. Podemos notar neste momento da

dissertação que era comum a venda de um negócio com a condição de se manter

alguns liames com quem adquiriu o patrimônio no objetivo claro de capitalizar-se,

tanto pela venda imediata quanto pela venda contratualmente garantida de matérias-

primas.

Também no quadrilátero central, foi firmada em 27 de março de 1889, uma

sociedade comercial para o estabelecimento de uma “casa comercial de fazendas,

secos e molhados e outros quaisquer gêneros que preferirem, no pátio da Igreja

Matriz”, ficando determinadas as seguintes condições:

Durará pelo tempo de dois anos, 2º) nenhum dos dois poderá apartar a sociedade antes do prazo, sob multa de dois contos. 3º) A firma gerará sob a firma de Barão & Dayani, 4º) O caixa da sociedade será Alberto Dayani. 5)

134

Aos dois sócios competem iguais obrigações de procurar todos os meios de modo a auferir os maiores lucros possíveis. 6º) As despesas da sociedade são descontadas em seus lucros gerais. 7º) A casa em que está estabelecida a sociedade é propriedade do sócio Mouses Barão, pelo qual receberá 40 mil réis mensais de aluguel. 8º) Os lucros da sociedade serão divididos em partes iguais. 9º) Esta sociedade embora o previsto no artigo 2, poderá ser dissolvida a qualquer tempo se for vontade dos dois sócios. 10º) Em caso de doença de algum dos sócios o outro tomará a si todo trabalho da sociedade sem por isso perceber indenização alguma. 11º) Em caso de morte o sócio sobrevivente, depois de proceder a inventário, conforme a legislação do país, procederá a liquidação ou no caso querer continuidade com o negócio indenizará aos herdeiros do falecido por maneira que não lhe cause prejuízo ao andamento do negócio, isto dentro do prazo de um ano.

Escrituras relacionadas à construção civil visando à atuação na área da saúde

também ocorreram, como mostra a escritura de 01 de maio de 1889, que firmou o

contrato entre o Dr. Publio de Mello, representando a “Associação Beneficente e da

Comissão encarregada da Construção de hospital” e Annunziato Gallo, descrito

profissionalmente como “empreiteiro-locador”. Chama a atenção nesta escritura a

exigência do cumprimento do prazo de entrega, marcada para 01 de outubro do

mesmo ano, bem como que a obra seria edificada em terreno oferecido por Firmino

Borges da Fonseca nos subúrbios da cidade.

Em 22 de junho de 1889, foi vendido um estabelecimento farmacêutico na rua

São Sebastião contendo drogas, produtos químicos, vasilhame da farmácia,

armação envidraçada, ficando a cargo do comprador todo o ativo e passivo, “a fim

de resguardar o outorgante vendedor”.

Já na escritura de 01 de novembro de 1890, há dezenove cláusulas definindo

posturas e responsabilidades entre três sócios que decidiram legalizar suas

condutas uns para os outros por meio de uma detalhada descrição de “contrato

comercial em comandita para negócio e comércio de fazendas, armarinhos, roupas

feitas, ferragens, molhados e gêneros do país”. Na cláusula dezenove, não foi

deixado de prever possíveis desarmonias entre as partes:

19º) No caso de suscitarem dúvidas, contestações ou qualquer dificauldades entre os sócios obrigar-se-hão estes a estar inteiramente pela decisão de dois árbitros sorteados semestralmente entre tres apresentados pelos sócios, nomeando-se terceiro para desempate sendo preciso; e ao parecer dos árbitros serão obrigados a se submeter sujeitando-se a sua decisão da qual não poderão recorrer sob pena de pegar o recorrente ao recorrido ou recorridos a titulo de multa a quantia de 500$000.

Cláusulas deste tipo não eram excepcionais. Em 01 de abril de 1891, também

foi firmada uma sociedade comercial visando a atuação no “negócio e comércio” de

135

secos e molhados e gêneros do país, cujas cláusulas em muito se parecem as da

escritura supramencionada.

Segundo Rodrigo Santos de Faria, que na sua dissertação de mestrado buscou

entender como se deu, na prática, o discurso higienista, embelezador e disciplinador,

empreendido pela elite local. O autor diz que três agentes foram fundamentais, em

seus respectivos papeis sociais, na criação de uma imagem moderna da cidade: o

Poder Público Municipal, as revistas, os almanaques e os trabalhos deixados pelos

memorialistas. (FARIA, 2003, p. 76). Complementamos a argumentação do autor

considerando ainda a modernização de fato e não só a criação de uma imagem, que

se deu por meio das ações individuais de cada habitante residente em Ribeirão

Preto neste período, somando estas ações, que foram perpetuadas nas escrituras

públicas, aos indícios presentes nos anúncios, ambos os quais ensinam que o

poder é algo adquirível, uma vez que impor uma imagem ou ter um status social

dependia unicamente de se ter os réis necessários para a conquista e a

consolidação dos objetivos, fossem eles os mais variados.

De fato, não negamos a ação do Poder Público no cotidiano da população

local. Isto se deu com o contrato de construção e privilégio de um linha de “Tranway”

a vapor por cinqüenta anos contados a partir da data de assinatura da escritura

(11/04/1891), a Luiz Gomes do Val, “que partindo da Povoação de Cravinhos dirija-

se por um lado para a Serrinha e por outro para o bairro denominado dos Honorios.”

É dito ainda que a empresa acertou junto ao Conselho Municipal de Intendência que

a empresa teria “carros de passageiros, e vagões para cargas em numero suficiente,

de modo a não ser demorado o transporte de mercadorias e cargas por mais de

quarenta e oito horas, salvo caso de força maior.” Podemos notar na citação a

preocupação com a regularidade bem como o comprometimento com o público,

marcas indeléveis de um empreendimento que reivindicava ser representante do

modo de viver moderno.

A ampliação da rede de serviços auxiliou a cidade a aumentar a sua

arrecadação também por meio da cobrança de impostos sobre as atividades

produtivas, não necessariamente relacionadas com o desenvolvimento da atividade

cafeeira local. Luciana Suarez Lopes, que estudou as principais fontes de renda e as

principais despesas do município de Ribeirão Preto de 1911 até 1930, descobriu que

a maior parte da receita do município advinha de impostos sobre atividades urbanas,

seguidas dos empréstimos, das rendas de abastecimento, tais como rendas do

136

matadouro e do mercado municipais, e, por último e bem menos expressivo, o

imposto sobre cafeeiros. (LOPES, 2008, p. 21).

Não somente os negócios estavam tendo uma readequação após o boom da

atividade cafeeira na cidade. No início do processo de desenvolvimento econômico e

de urbanização do território municipal, o efeito de algumas atividades que não o café

já se faziam sentir. Por meio da reclamação feita na Ata da Câmara de 19 de

dezembro de 1876, é possível perceber os descontentamentos gerados pela

presença de um matadouro num terreno situado à beira do córrego do Retiro, nas

proximidades do quadrilátero central. Tanto as Atas da Câmara quanto o Código de

Posturas de 1889 foram estudados por Faria (2003), e através do uso desta fonte e

da problematização sobre ela feita pelo autor, podemos perceber que até a criação

do primeiro Código de Posturas, eram as decisões do legislativo municipal que

regulamentavam a relação dos direitos de propriedade com a manutenção dos

interesses coletivos, como a limpeza urbana das principais ruas comerciais do

município, conforme demarcações feitas pela própria Câmara Municipal.

Graças à nossa pesquisa baseada nas escrituras públicas, tivemos acesso às

condições de construção, rego e gozo do Matadouro Municipal, firmado entre

Mansueto Bonaccorsi e a Intendência Municipal no dia 28/04/1891 e que entrou em

operação no ano seguinte. Vale observar o enfoque dado às medidas sanitárias, aos

padrões estruturais do estabelecimento e à cobrança no tocante à rotina que deveria

abarcar as ações cotidianas do estabelecimento:

3ª) Obriga-se também a estabelecer um sistema perfeito de esgotos para levar até ao córrego mais próximo as águas servidas na lavagem do matadouro, usando a canalização por meio de calhas feitas de tijolos e argamassa de cal e areia e revestidas interiormente de uma camada de cimento de 3 centímetros de espessura ou por meio de manilhas de ferro ou de tubos de ferro fundido devendo a capacidade desses canos nunca ser inferior a 30 centímetros de diâmetro. 4ª) Todo matadouro será convenientemente calçado, sendo o lugar da matança de pedras de cantaria apanhadas a picão de modo a ficarem as juntas perfeitamente unidas e sobrepostas a uma camada de areia ou cascalho da espessura necessária. [...] 8ª) Na matança do gado o contratante se obriga a não abater animais doentes e nem tão pouco cortar gado abatido fora do matadouro, sob pena 20 mil réis de multa por cabeça [...]. 9ª) Por cabeça de gado abatido o contratante haverá dos respectivos donos quantia de 2$800 se for vaccum, 1$000 se for suíno e 5$000 se for lanígero ou outro pelo transporte dos dois primeiros perceberá mais 500 réis e pelos dois últimos mais 300 réis. [...] 13ª) A entrada do gado para os currais do matadouro se efetuará nas horas que o contratante determinar em tabela que será vista e aprovada pela Intendência e publicada pela imprensa e do mesmo modo o fará com relação as horas do abatimento e corte, importando a infração de qualquer destas obrigações na multa de 10 mil réis de cada vez. [...] 18ª) O

137

matadouro com suas dependências será conservado sempre limpo, diariamente varrido e lavado o chão do edifício, empregando o contratante para este ultimo fim os processos mais vantajosos e suficientes de irrigação segundo as regras de higiene sob pena de 10 mil réis de multa por cada infração. [...] 26ª) Além dos deveres prescritos neste contrato, o contratante fica ainda sujeito as disposições do Código de Posturas no eu lhe forem aplicáveis. 27ª) Os terrenos para edificação do matadouro e suas dependências são cedidos gratuitamente pela INTENDÊNCIA no lugar situado junto da serraria que foi do cidadão Parreira e do barracão do Núcleo Colonial livres de impostos municipais, também isentos de impostos os carros empregados pelo contratante no transporte da carne. [...] 29ª) O presente contrato vigorará pelo prazo de seis anos a contar desta data nos termos do privilegio concedido, sujeitando-se o contratante a todas as cláusulas nele estabelecidas.

O conjunto de reformas não ficou restrito a algumas áreas da vida municipal.

Mesmo a rua General Osório, que aparece em uma das fotos desta dissertação, foi

objeto de negócio entre a Câmara Municipal e o cidadão Paulo Facioli, o qual foi

contratado para o calçamento da via pública. Revela-nos a escritura de 11 de abril

de 1893 que o locador da mão de obra

1ª) Obriga-se a colocar guias de pedra, tendo estas 50 centímetros de comprimento, 16 centímetros de largura e altura de 50 centímetros. 2ª) Obriga-se a colocar as guias nas esquinas de forma circular. 3ª) Obriga-se a assentar sarjetas de pedra, ferro ou outro material resistente. 4ª) As sarjetas devem ter um metro de largura com o dobro nas esquinas. 5ª) Que na extremidade das sarjetas seja colocada uma linha de pedras com a profundidade de 20 centímetros.

Ficou acertado ainda que o prazo de execução e conclusão da obra seria de

quatro meses após a assinatura da escritura ou multa de 30$000 diários conforme o

motivo. Por sua vez, a Câmara, representada no ato da escritura pelo Coronel Arthur

D’Aguiar Diederichsen, obrigou-se a proibir o trânsito de animais conforme pedido do

empreiteiro; a fazer o pagamento quando a terça parte estiver completa, sempre

metade do combinado e o restante do final; a pagar 2:000$000 quem romper o

contrato; a acatar o valor de 13:980$000 pela empreita; e a aceitar a hipoteca de

duas casas de morada do empreiteiro na rua Municipal entre as ruas São Sebastião

e Treze de Maio como garantia de cumprimento do contrato firmado.

Conforme o tempo passou, a racionalização das condutas individuais tornou-se

referência também na racionalização geográfica dos estabelecimentos voltados à

prática produtiva ou de habitação dos munícipes. A presença de numeração dos

prédios urbanos e de posicionamento entre as vias públicas, deste ao menos, caso

138

por algum motivo estes ainda não possuíssem numeração, tornou-se a regra, bem

diferente da situação em que a localização era feita valendo-se de elementos da

natureza, tal como córregos e mesmo árvores, fato gritante em vista da profunda

legalização da vivência urbana e de ordenamento de posturas válidas inclusive para

as áreas rurais do município.

Alguns traços da vivência rural junto às de traços modernos ainda se fizeram

sentir nas escrituras públicas do final dos 1890. Dentre o pagamento combinado

entre as partes no valor de 7:000$000 relativos à compra de um restaurante, foi

aceito “1:500$000 em dinheiro, um carro de praça com dois burros armados no valor

de 3:500$000, uma letra aceita pelo comprador e endossada pelo Tenente José

Victorino de Sampaio Netto no valor de 1:192$000 e 808$000 em dinheiro para

pagar pequenas dívidas do estabelecimento nesta importância”. Curiosamente, o

hotel localizado na Praça XV de Novembro, esquina da rua Duque de Caxias, no

prédio número 25, era “Maison Moderne”, nome bastante sugestivo tendo em vista o

tipo de modernização ocorrida em Ribeirão Preto.

Já nos anos iniciais do século XX, escrituras relativas ao ramo ferroviário não

podiam deixar de marcar a sua presença no expediente do 1º Tabelião. Em 31 de

julho de 1905, João Francisco Tessa e Joaquim Nogueira Tessa foram contratados

para realizar um desvio na linha da estrada de ferro da “Companhia Mogyana de

Estradas de Ferro e Navegação” entre os quilômetros 144 e 145, o qual depois de

pronto seria considerado “como a estação de Canindé e de e para a estação de

Ribeirão Preto para os serviços de passagens, sendo as partes para cargas

consideradas como de e para a estação de Aramina”, pelo valor orçado de

1:748$680 pela sua execução.

Em 03 de abril de 1907, foi a vez da Comissão da Companhia Agrícola Dumont

firmar negócio com os coronéis Joaquim Firmino de Andrade Junqueira e Francisco

Maximiniano Junqueira nos seguintes termos:

1º) A Cia Agrícola Fazenda Dumont, devidamente autorizada pela Cia Mogyanna, se compromette a prolongar o ramal de sua linha férrea que servem as fazendas dos coronéis [...] até onde se acham situados os machinismos de beneficiar café da fazenda Boa Vista de propriedade do primeiro [Joaquim], tudo de conformidade com a escritura de nove de março deste anno, lavrada em notas do segundo tabelião de Campinas [...]. 2º) Diz que as linhas serão construídas onde no mapa está designado o “Porto de Cargas”. 3º) Neste desvio até 24 de fevereiro de 1914 os coronéis se obrigam a entregar neste todo o seu café e mais gêneros que tiverem de exportar, produzidos nas suas fazendas denominadas “Santa Rita” e

139

“Baixadão”, situadas neste município de Ribeirão Preto. Diz que os coronéis deverão avisar a Cia Agrícola para que esta possa providenciar junto a Cia Mogyanna o transporte pelo qual fica obrigada. 5º) A Cia Agrícola Fazenda Dumont somente cobrará fretes dos gêneros importados ou exportados pelo trajeto de Ribeirão Preto até a estação “Luiz Miranda” ou vice-versa. 6º) Responderá a Cia Agrícola por perdas e danos durante a vigência deste contrato caso suspender ou deixar de fornecer o transporte que é obrigada, salvo força maior ou não ter os vagões necessários para baldeação dos gêneros a Cia Mogyanna.

Estas escrituras são alguns exemplos das medidas adotadas pela iniciativa

privada para a manutenção dos seus negócios tendo em vista o aperfeiçoamento

dos detalhes que compunham cada etapa produtiva. A ação cada vez mais

racionalizada destas empresas e indivíduos visava a contenção de custos e a

otimização do uso destes capitais quando estes eram fundamentais para a

operacionalização dos contratos.

No quadrilátero central, foram instalados durante as décadas do período

republicano teatros, palacetes, rede de abastecimento de água e esgotos, enquanto

que na área suburbana foram instalados o novo cemitério, o matadouro municipal e

a Santa Casa de Misericórdia, estabelecimentos indesejáveis pela elite municipal. O

que alguns pesquisadores interpretaram como segregação espacial, preconceito

contra os grupos sociais marginalizados (SILVA, 2002; FARIA, 2003), pensamos se

tratar de um reforço de uma ação intencional de transformar a área urbana e

suburbana num grande negócio e a terra ocupada e diferentemente dotada de infra-

estruturas benéficas ou insalubres estava guiada na determinação de fazer de

áreas pontuais uma mercadoria cada vez mais valorizada e, por meio desta,

aparadora de desfrute de status social ou não.

A manutenção desta vida que usufruía de comodidades, como ter acesso à

energia elétrica, era mesmo para aqueles postos à margem uma oportunidade de

renda. Na escritura de 12 de março de 1908, Pedro Giroldo ficou responsável por

fazer a limpeza das margens do canal que faz uma volta ao sair da Avenida Capitão

Salomão e, após a limpeza das margens, ficou acertado que seria construída uma

cerca de arame em ambos os lados, pelo valor de 1:600$000. Por meio do

conhecimento da história do Núcleo Colonial Antonio Prado, sabemos que o locador

de serviço era um habitante da área suburbana. Não obstante, no documento é dito

que em outra escritura foi dado o direito de alargar a rua número dois, pela qual

passa o canal da usina em toda a sua extensão que corta o terreno de Pedro

Giroldo, tendo ficado o canal com a largura de dez metros. Percebe-se, portanto,

140

que por duas vezes o contato com a “Empresa Força e Luz de Ribeirão Preto” que

com ele firmou as escrituras supramencionadas, houve uma oportunidade

aproveitada de se obter renda.

Nesta conjuntura, o 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto situava-se na Rua

do Comércio, número 92. Paulatinamente a cidade deixou de fundamentar-se

exclusivamente por meio dos trabalhos e rendas obtidas na ação direta dos

munícipes junto à economia cafeeira. Logicamente que alguns ainda tinham seu

sustento deste ramo produtivo, como José da Silveira Campos contratado para ser

administrador geral de uma fazenda em 09 de junho de 1906 pelo valor de

6:000$000. Outros, porém, estavam vinculados em outras atividades profissionais,

como Bernhard Joahnschen, que foi contratado para fabricar cerveja numa fábrica

situada na rua Capitão Salomão pelo valor mensal de 250$000, mais possíveis

gratificações se assim desejassem os donos da empresa mediante maiores lucros

ocasionados pelo aumento das vendas da bebida (ESCRITURA pública de 03 de

novembro de 1904, 1º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto).

Apesar dos conflitos entre os mais diversos grupos sociais em Ribeirão Preto,

podemos julgar que se tratava de uma sociabilidade em franco processo de abertura

econômica e profissional para os mais diferentes indivíduos. A observação de quem

integrava a Câmara Municipal aponta para a presença marcante de coronéis e

doutores que, em posse do poder de decidir onde seriam feitas intervenções, deixa

transparecer pelos atos concretizados (criação de praças públicas, de calçamento de

ruas do quadrilátero central, de permissão para a instalação de rede ferroviária) que

houve a opção de aperfeiçoar as áreas da cidade onde suas vidas particulares se

concentravam mais intensamente. Sem fazermos juízo de valor, julgamos

certamente que Ribeirão Preto não era uma cidade vacinada contra o

patrimonialismo.

Conforme pudemos analisar, com o auxílio da bibliografia que se voltou a este

tema na cidade, houve, no cotidiano municipal, por parte do Poder Público, um

descaso às necessidades mais imediatas da população marginalizada, motivado por

preconceitos fundamentados em critérios materiais, culturais e étnicos, gerando

assim a falta de interesse em melhorar as condições de vida das pessoas residentes

nas áreas suburbanas. Outras vezes, a falta de ação do Poder Municipal explica a

falta de compromisso com o bem-estar público que contemplasse, de fato, os

diferentes grupos sociais. Nas ausências ou na presença do Poder Público no

141

cotidiano socioeconômico ribeirãopretano havia, no entanto, um entrelaçamento com

as hierarquias da mudança promovida pela racionalização dos negócios e da

vivência coletiva, que envolvia a todos, a despeito de classe profissional e

compromissos políticos.

142

CONSIDERAÇÕES FINAIS

143

Julgamos que este trabalho teve por mérito realizar uma importante

contribuição aos estudos de História Regional Paulista, bem como enriquecer o

debate acerca das transformações proporcionadas e decorrentes da atividade

cafeeira praticada e negociada em Ribeirão Preto, com atenção para as formas de

captação, de retenção e de distribuição da riqueza, nas quais se destacaram o

desenvolvimento das atividades complementares ao ramo cafeeiro. Não obstante,

julgamos ter apontado, por meio da análise das escrituras públicas e das pesquisas

relacionadas ao tema, que a diversidade de agentes sociais favoreceu o processo

de racionalização dos negócios e da vivência coletiva, bem como o processo de

modernização infra-estrutural da cidade, ambos decorrentes do atrelamento desta

aos valores e princípios do capitalismo moderno.

A análise das escrituras públicas arquivadas no 1º Tabelião de Notas desta

cidade nos permitiu comparar mais amplamente e profundamente as diferentes

realidades vivenciadas pelos munícipes entre os anos 1870 e os anos precedentes à

Primeira Guerra Mundial, conjuntura na qual sabemos que o processo modernizador

ocorrido no cotidiano social capacitou seus habitantes em particular e o município

em geral a desempenhar o papel de centro dinâmico regional, possibilitado pela

consolidação da prestação de serviços e pela expansão e revigoramento do setor

terciário segundo os moldes capitalistas.

Acreditamos que a apresentação dos dados coletados aprimorou a

compreensão da ação da população anônima e das suas atividades cotidianas num

contexto de forte dinamismo social, econômico, político e cultural. Ainda, por meio

destes dados, foi possível perceber que enquanto as crises da economia cafeeira

faziam-se notar mais nos circuitos maiores do giro capitalista entre o final da década

de 1890 e meados de 1900, as relações cotidianas havidas em Ribeirão Preto

durante o período proposto foram marcadas pela continuidade das negociações e

das realizações de atividades comerciais e de prestação de serviços, as quais

coexistiram à agroexportação do café e se aprimoraram em face das dificuldades

enfrentadas pela atividade econômica principal, o que depois lhe proporcionaria à

Ribeirão Preto a diversidade econômica que se tornaria latente quando a rubiácea

não mais se destacasse tanto na pauta produtiva da cidade via exportação, e nem

nas arrecadações fiscais.

Quanto maior a distância da área de beneficiamento e de escoamento da

produção de café, menor foi o preço que os compradores estavam dispostos a

144

pagar. Também nisto Ribeirão Preto e as demais cidades da Zona Mogiana

beneficiaram-se do complexo cafeeiro montado nesta região, como salientou Tosi

(2002). Ao lado destas ferramentas implementadas em Ribeirão Preto, e que

garantiu a especificidade da cidade em relação às demais, destacou-se o Núcleo

Colonial Antônio Prado, tantas vezes recorrente nos parágrafos compostos até aqui,

cuja recorrência deveu-se ao fato desta área ser a maior área suburbana durante o

período estudado, já que inicialmente o “quadrilátero central” era a única área

urbanizada, o que nos inspirou o título do trabalho, somados aos propósitos

escolhidos a execução desta dissertação de mestrado, como “Vida urbana e

suburbana nas terras do café: racionalização dos negócios e da vivência coletiva

em Ribeirão Preto (1874-1914)”.

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