vida de francisco - tomás de celano

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são francisco

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PROLOGOEm nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amm. Ao ministro geral da Ordem dos Frades Menores.Comea o prlogo.1. Reverendssimo Padre, aprouve ao santo conselho do ltimo captulo geral e a vs, no sem disposio da vontade divina, confiar nossa pequenez escrever os atos e at os ditos de nosso Pai Francisco, para consolao dos presentes e memria dos futuros. Tivemos o privilgio, mais que outros, de um conhecimento direto, por convivncia assdua e mtua familiaridade com ele. Apressamo-nos a obedecer com devoo a esse santo mandato, pois dele no poderamos furtar-nos, de maneira alguma.Mas, pensando melhor em nossa pouca capacidade, temos justificado receio de que to importante assunto, deixando de ser tratado como deve, desagrade aos outros por nossa culpa. Pois tememos que esse manjar to saboroso se torne inspido pela incapacidade de quem o prepara e possam dizer que o fizemos mais por presuno que por obedincia.Se o resultado de todo este trabalho devesse ser apresentado somente vossa benevolncia, bem-aventurado pai,e no ao pblico, receberamos com prazer tanto as correes como uma agradvel aprovao. Quem conseguir, nessa profuso de atos e palavras, ponderar todas as coisas com o cuidado suficiente para que todos os ouvintes aceitem da mesma maneira tudo que for dito?Entretanto, como somos simples, buscando apenas o proveitode todos e de cada um, pedimos aos leitores que nos julguem com bondade e perdoem ou corrijam essa simplicidade do narrador, de maneira que no se perca a reverncia devida quele de quem estamos falando.Nossa memria, prejudicada pelo tempo como a das pessoas incultas, tem dificuldade para dominar as alturas de suas palavras ou a extraordinria excelncia de seus feitos, o que seria difcil mesmo para a acuidade de uma inteligncia exercitada, mesmo diante dos fatos. Queiram desculpar-nos todos por nossa impercia, levando em considerao a autoridade de quem insistentemente nos mandou fazer este trabalho.2. Este opsculo contm, em primeiro lugar, alguns fatos admirveis da converso de So Francisco, no colocados nas biografias anteriores porque no tinham chegado ao conhecimento do autor.Alm disso, quisemos apresentar e demonstrar esmeradamente qual foi o ideal generoso, amvel e perfeito do santo pai para si e para os seus na execuo dos ensinamentos divinos e no esforo de perfeio, que sempre manteve em seus afetos para com Deus e em seus exemplos para todos. Apresentamos tambm alguns milagres, de acordo com a oportunidade. Procuramos descrever o que foi possvel em estilo simples e cho, procurando satisfazer, se possvel, tanto os menos cultos como os mais doutos.Por isso vos pedimos, pai cheio de bondade, que vos digneis consagrar com vossa bno o dom, pequeno mas no desprezvel, deste trabalho que no nos custou pouco. Corrigi os erros e cortai fora o que suprfluo, para que aquilo que a vosso juizo parecer bem apresentado, de acordo com o vosso nome, Crescncio, cresa por toda parte e se multiplique em Cristo. Amm.Termina o prlogo.PRIMEIRO LIVROComea a "recordao pela qual a alma aspira" dos feitos e palavras de nosso pai So FranciscoSUA CONVERSOCAPITULO 1Primeiro recebe o nome de Joo, depois o de Francisco.Profecia de sua me e dele prprio a seu respeito. Sua pacincia na priso3. Servo e amigo do Altssimo, Francisco recebeu esse nome por providncia divina, para que, por sua singular originalidade, mais rapidamente se difundisse por todo o mundo o conhecimento de sua misso. Ao renascer da gua e do Esprito Santo, deixando de ser filho da ira para ser filho da graa, recebeu de sua me o nome de Joo.Essa mulher, modelo de retido, era de uma virtude notvel, e teve o privilgio de se parecer com Santa Isabel, tanto pelo nome que deu ao filho como pelo esprito proftico. Pois, quando os vizinhos se admiravam da grandeza de alma e da integridade de Francisco, dizia, como que inspirada: "Quem vocs pensam que vai ser este meu filho? Ainda vo ver que, pelos seus merecimentos, vai ser um verdadeiro filho de Deus".De fato, era essa a opinio de vrias pessoas quando, j mais grandinho, Francisco conquistou a simpatia de todos por suas boas qualidades. Evitava tudo que pudesse ser ofensivo e era um adolescente to educado que no parecia filho de seus pais mas de gente mais nobre. O nome de Joo cabia bem misso que recebeu, mas o de Francisco coube melhor difuso de sua fama que chegou rapidamente a toda parte, quando ele se converteu totalmente a Deus.Para ele a festa mais importante entre as de todos os santos era a de So Joo Batista, cujo nome insigne o havia marcado com uma fora mstica. Assim como entre os nascidos de mulher no apareceu nenhum maior do que Joo, entre os fundadores de Ordens no houve nenhum mais perfeito do que Francisco. Esta observao digna de nota.4. Joo profetizou fechado no segredo do seio materno. Francisco predisse o futuro no crcere do mundo, quando ainda desconhecia os planos de Deus. De fato, numa ocasio em que os cidados de Perusa e os de Assis se viram envolvidos em no pequena desgraa por causa da guerra, Francisco foi preso com muitos outros e sofreu com eles as penrias do crcere. Os companheiros deixavam-se abater pela tristeza, lamentando-se do cativeiro, mas Francisco exultava no Senhor, ria-se e fazia pouco da cadeia. Ofendidos, os outros increparam esse louco e demente que se alegrava na priso. Francisco respondeu profeticamente: "Por que vocs pensam que eu estou contente? Estou pensando em outra coisa: ainda vou ser venerado como santo por todo mundo". E, de fato, cumpriu-se o que ele disse.Entre os prisioneiros havia um soldado soberbo e insuportvel, que todos os outros resolveram ignorar. Mas a pacincia de Francisco foi firme: tolerava o insuportvel e conseguiu fazer com que todos voltassem s pazes com ele. Aberto a todas as graas, era um vaso escolhido de virtudes, j a transbordar de carismas por todos os lados.CAPITULO 2Veste um soldado pobre. Ainda no mundo, tem uma viso sobre sua sua vocao5. Libertado pouco tempo depois, tornou-se ainda mais bondoso para com os necessitados. Resolveu, desde ento, no desviar o rosto de pobre nenhum, de ningum que lhe pedisse alguma coisa por amor de Deus.Um dia encontrou um soldado pobre e quase n, ficou com pena e, levado pelo amor de Cristo, deu-lhe generosamente a roupa elegante que estava vestindo. No fez menos que So Martinho, ainda que as circunstncias tenham sido diferentes, porque a inteno e o ato foram os mesmos. Francisco deu primeiro as vestes e depois o resto. Martinho entregou tudo primeiro e a roupa no fim. Ambos foram pobres e necessitados no mundo, ambos entraram ricos no cu. Aquele, soldado e pobre, vestiu um pobre com uma parte de sua roupa. Este, que no era soldado mas rico, vestiu com uma roupa boa um pobre soldado. Ambos, por terem obedecido ao mandamento de Cristo, mereceram uma viso de Cristo: Um foi louvado pela perfeio e o outro recebeu um honroso convite para o que ainda tinha que fazer.6. De fato, pouco depois, teve a viso de um esplndido palcio, em que encontrou toda sorte de armas e uma noiva belssima. No sonho, foi chamado de Francisco e seduzido pela promessa de possuir todas aquelas coisas. Tentou, por isso, ir Aplia para entrar no exrcito e preparou com muita largueza tudo que era preciso, com pressa de ser armado cavaleiro. que seu esprito, ainda carnal, estava dando uma interpretao mundana viso que tinha tido, na realidade muito mais valiosa nos tesouros da sabedoria de Deus.Foi assim que uma noite, estando a dormir, ouviu pela segunda vez em sonhos algum que lhe falava, interessado em saber para onde estava indo. Contou seus planos e disse que ia combater na Aplia. Mas a voz insistiu:- "Quem lhe pode ser mais til: o senhor ou o servo?"- "O senhor", respondeu Francisco.- "Ento, por que preferes o servo ao senhor?"- "Que queres que eu faa, Senhor?" perguntou Francisco.- "Volta para a terra em que nasceste, porque espiritualmente que vou fazer cumprir a viso que tivestes".Voltou imediatamente, j exemplarmente obediente e, deixando de lado a prpria vontade, passou de Saulo a Paulo. Paulo foi derrubado e, duramente castigado, proferiu palavras admirveis. Francisco trocou as armas materiais pelas espirituais, e recebeu o comando de Deus no lugar da glria militar. Aos muitos que se admiravam de sua invulgar alegria, dizia que haveria de ser um grande prncipe.CAPITULO 3Para agradar seus companheiros, faz-se o chefe de seu bando de jovens. Sua mudana7. Comeou a transformar-se num homem perfeito e passou a ser outra pessoa. De volta para casa, foi seguido pelos filhos de Babilnia, que tentavam lev-lo para onde no queria, mesmo contra sua vontade. Porque um grupo de jovens de Assis, que antes o tinha tido como lder de suas aventuras, continuoua convid-lo a seus banquetes, em que sempre se serviam lascvia e chocarrices. Escolheram-no como chefe, porque tinham experincia de sua liberalidade e esperavam que pagasse as despesas de todos. Obedeciam para encher a barriga e se submetiam para poder saciar-se.Francisco no rejeitou a honra para no parecer avarento e, mesmo absorvido em suas santas reflexes, no deixou de se comportar como devia: preparou um banquete suntuoso e mandou servir iguarias em abundncia. Saturados a ponto de vomitar, mancharam as praas da cidade com suas canes de bbados.Francisco acompanhava-os como comandante levando o cetro na mo, mas, devagar, foi se distanciando deles. Interiormente j estava surdo a tudo aquilo, e ia cantando a Deus em seu corao. Como ele mesmo contou depois, foi tamanha a doura divina que sentiu nessa ocasio, que no podia dizer palavra ou dar um passo. Invadira-o um afeto espiritual que o arrebatou para as realidades invisveis, diante das quais achou que todas as coisas da terraeram absolutamente frvolas, sem valor.Estupenda bondade de Deus, que aos que fazem as coisas menores d as maiores, e no meio de um dilvio de guas caudalosas preserva e promove o que seu. Cristo alimentou com pes e peixes a multido e no repeliu os pecadores de sua mesa. Convidado para ser rei, fugiu e subiu montanha para rezar. So mistrios de Deus, que Francisco entendeu e que, embora ignorante, foi levado a compreender com perfeio.CAPITULO 4Vestido de pobre, come com os pobres na porta da igreja de So Pedro.Esmolas que a recebe8. Desde esse tempo, passou a ser o maior amigo dos pobres, fazendo ver, nesse comeo, a perfeio que haveria de atingir mais tarde. Muitas vezes despiu-se para vestir os pobres, procurando assemelhar-se a eles se no de fato, nesse tempo, pelo menos de todo corao.Numa peregrinao a Roma, o amor da pobreza levou-o a tirar sua roupa rica e a vestir a de um pobre. Juntou-se alegremente aos mendigos no trio da igreja de So Pedro, onde so numerosos, e comeu avidamente com eles, sentindo-se seu companheiro. E se no fosse pela presena de conhecidos, teria feito a mesma coisa muitas outras vezes.Diante do altar do prncipe dos apstolos, admirado de serem to poucas as esmolas l deixadas pelos visitantes, jogou uma mo cheia de dinheiro, para mostrar que devia ser especialmente honrado por todos aquele que por Deus foi honrado acima de todos os demais.Muitas vezes presenteou sacerdotes pobrezinhos com paramentos sagrados, pois prestava a todos a devida honra, mesmo nos graus mais inferiores. Absolutamente ntegro na f catlica e destinado a receber uma misso apostlica, sempre teve a maior reverncia para com os ministros de Deus e os seus ministrios.CAPITULO 5Estando a rezar, o diabo lhe apresenta uma mulher.Resposta que Deus lhe d. Sua ao com os leprosos9. Ainda se vestia como um leigo mas j tinha esprito religioso e comeou a preferir os lugares solitrios, onde era freqentemente visitado por inspiraes do Esprito Santo. Sua fundamental doura o atrara e arrebatara, to transbordante desde o incio, que nunca mais o abandonou durante toda a vida.Mas quando se retirava para lugares escondidos por serem melhores para a orao, o demnio tentava perturb-lo com diablica malvadeza. Despertou-lhe a lembrana de uma mulher monstruosamente corcunda que havia em sua cidade. Dizia que o tornaria igual a ela se no desistisse de seus propsitos.Confortado pelo Senhor, teve a alegria de uma resposta de salvao e de graa: "Francisco, disse-lhe Deus em esprito, se queres o meu conhececimento, tens que trocar as coisas vs e carnais pelas espirituais, tens que preferir as coisas amargas s doces, tens que desprezar a ti mesmo. Haver uma transformao e tudo isso vai te parecer delicioso". Sentiu-se imediatamente obrigado a obedecer ao que Deus mandava e enfrentou a experincia.Ele, que tinha natural averso pelos leprosos, julgando-os a monstruosidade mais infeliz do mundo, encontrou-se um dia com um, quando andava a cavalo por perto de Assis. Ficou muito aborrecido e enjoado mas, para no quebrar o propsito que fizera, apeou e foi beij-lo. O leproso estendeu-lhe a mo para receber alguma coisa e recebeu de volta o dinheiro e um beijo. Francisco tornou a montar e olhou para todos os lados mas, apesar de estar em campo aberto,e no viu mais o leproso.Cheio de admirao e de alegria, poucos dias depois tratou de repetir a boa obra. Dirigiu-se para onde moravam os leprosos, deu dinheiro a cada um deles e beijou-lhes a mo e a boca. Assim substituiu o amargo pelo doce e se disps corajosamente para o que ainda estava por vir.CAPITULO 6O Crucificado fala com ele. Sua devoo10. J inteiramente mudado de corao, e a ponto de mudar de vida, passou um dia pela igreja de So Damio, abandonada e quase em ruinas. Levado pelo Esprito, entrou para rezar e se ajoelhou devotamente diante do crucifixo. Tocado por uma sensao inslita, sentiu-se todo transformado. Pouco depois, coisa inaudita, a imagem do Crucificado mexeu os lbios e falou com ele. Chamando-o pelo nome, disse: "Francisco, vai e repara minha casa que, como vs, est em ruinas". A tremer, Francisco espantou-se no pouco e ficou fora de si com o que ouviu. Tratou de obedecer e se entregou todo obra. Mas, como nem ele mesmo conseguiu exprimir a sensao inefvel que teve, tambm ns vamos nos calar.Desde essa poca, domina-o enorme compaixo pelo Crucificado, e podemos julgar piedosamente que os estigmas da paixo ficaram gravados nele desde esse dia: no corpo ainda no, mas sim no corao.11. Coisa admirvel e inaudita em nosso tempo! Quem no se h de admirar? Quem j viu coisa parecida? Quem no acreditar que Francisco estava crucificado quando foi para o cu, sabendo que mesmo quando no tinha desprezado plenamente o mundo exterior ouviu Cristo falar da cruz, em um milagre novo e inaudito? Desde essa hora, em que o amado se dirigiu a ele, sua alma ficou transformada. E o amor do corao manifestou-se posteriormente pelas feridas do corpo.Mas desde essa poca foi incapaz de deixar de chorar a paixo de Cristo, mesmo em voz alta, como se a tivesse diante dos olhos. Enchia os caminhos de gemidos, e no admitia consolao alguma lembrando-se das chagas de Cristo. Um dia encontrou um amigo ntimo e tambm o levou a chorar amargamente quando contou a causa de sua dor.Mas no se esqueceu de cuidar daquela imagem nem deixou de obedecer a sua ordem. Na mesma hora deu dinheiro a um padre para comprar uma lmpada e leo, para que a imagem no ficasse um s momento sem a devida honra. E, sem preguia, tratou de fazer o resto, trabalhando sem cessar na reparao daquela igreja. Porque, embora lhe tivesse sido falado da Igreja que Cristo conquistou com seu prprio sangue, no quis ir de repente ao alto, porque devia passar aos poucos da carne para o esprito.CAPITULO 7A perseguio do pai e de seu irmo de sangue12. Entregue s obras de piedade, foi perseguido por seu pai que, julgando uma loucura seu servio a Cristo, amaldioava-o por toda parte. Por isso o servo de Deus tomou como pai um homem do povo, muito simples, e pediu que lhe desse a bno cada vez que seu pai o amaldioasse. Executou, assim, concretamente, o que foi dito pelo profeta: "Eles podero amaldioar; tu abenoars".Devolveu ao pai o dinheiro que, como homem de Deus, gostaria de ter gasto na reforma daquela igreja. Fez isso a conselho do bispo da cidade, homem muito piedoso, que lhe disse no ser lcito gastar em coisas sagradas bens mal adquiridos. E disse, na frente de muitas pessoas que se tinham ajuntado: "Agora poderei dizer livremente: Pai nosso, que estais nos cus. Pedro Bernardone j no meu pai, e a ele devolvo tanto o dinheiro como a minha roupa toda. Irei nu para o Senhor".Era um homem verdadeiramente livre, para quem s Cristo j era suficiente! Nessa ocasio, foi possvel ver que ele usava um cilcio embaixo da roupa, e dava mais valor a ser que a parecer virtuoso.Seu irmo de sangue tambm o feria com palavras envenenadas, a exemplo do pai. Numa manh de inverno, vendo Francisco a orar coberto de trapos e tremendo de frio, disse com perversidade a um concidado: "Pede a Francisco para te vender um tosto de suor". Ouvindo isso, o homem de Deus se alegrou muito e respondeu sorrindo: "De fato, vou vend-lo muito caro ao meu Senhor".Nada mais verdadeiro, porque recebeu o cntuplo e at mil vezes mais neste mundo, e ainda ganhou, no mundo futuro,a vida eterna para si e para muitos outros.CAPITULO 8Vence a vergonha. Profecia das virgens pobres13. Cuidou de reformar seus costumes delicados e de reduzir ao bem seu corpo desregrado.Andava um dia por Assis, mendigando leo para as lmpadas da igreja de So Damio, que estava reparando. Dando com uma poro de pessoas a se divertir na porta da casa em que queria entrar, ficou envergonhado e se afastou. Mas soube volver seu nobre esprito para o cu, recriminou a prpria fraqueza e venceu a si mesmo. Voltou imediatamente para a casa e exps abertamente, diante de todos, as causas de sua vergonha. Como que embriagado de esprito, pediu leo em francs e o conseguiu.Com o maior fervor, animou todo mundo a reconstruir a referida igreja e profetizou diante de todos, em francs, que naquele lugar haveria no futuro um mosteiro de virgens consagradas a Cristo. Falava sempre em francs quando se sentia tomado pelo ardor do Esprito Santo, proferindo palavras ardentes, como se conhecesse desde ento que haveria de ser venerado de maneira toda especial por esse povo.CAPITULO 9Pede esmolas de porta em porta14. Desde que comeou a servir o Senhor comum de todas as coisas, gostava de fazer coisas comuns, fugindo s singularidades, que sempre acabam manchadas de algum vcio.Trabalhando duro na reforma daquela igreja, para obedecer a Cristo, transformou-se de um jovem excessivamente delicado em um homem rude e acostumado ao trabalho. O padre ficou com pena. Vendo-o to extenuado, comeou a dar-lhe todos o dias alguma comida especial, embora no saborosa, porque era pobre. Recebendo a esmola, Francisco louvou a discrio do sacerdote, dizendo a si mesmo: "No hs de encontrar em toda parte um sacerdote como este, que sempre te sirva desse jeito. No essa a vida de um homem que professa a pobreza. No te deves acostumar com isso: acabars voltando ao que desprezaste e ters outra vez coisas finas em abundncia. Levanta depressa e vai pedir restos de porta em porta!"Foi mendigar comida cozida pelas portas de Assis. Quando viu o prato cheio de restos misturados, sua primeira reao foi de nojo, mas lembrou-se de Deus, venceu a si mesmo e comeu aquilo com alegria da alma. O amor suaviza tudo e faz o amargo ficar doce.CAPITULO 10A renncia de Frei Bernardo15. Um certo Bernardo, de Assis, que depois foi modelo de perfeio, desejando, a exemplo do homem de Deus, desprezar completamente o mundo que passa, foi pedir seu conselho, dizendo:- "Pai, se algum tivesse possudo por muito tempo os bens de algum senhor, e j no os quisesse mais, qual seria a melhor coisa a fazer?" O homem de Deus respondeu que deveria devolver tudo ao senhor de quem recebera. Ento Bernardo disse:- "Sei que tudo que tenho me foi dado por Deus. Estou resolvido a dar tudo de volta, de acordo com o teu conselho". Respondeu o santo:- "Se queres provar o que dizes, iremos bem cedo igreja, tomaremos o Evangelho e pediremos conselho a Cristo".Por isso foram igreja logo de manh, rezaram primeiro com devoo e depois abriram o Evangelho, dispostos a fazer a primeira proposta que ocorresse. Abriram o livro e foi este o conselho de Cristo: "Se queres ser perfeito, vai e vende tudo que tens, ed-o aos pobres". Na segunda vez: "No leveis nada pelo caminho". E numa terceira vez: "Quem quer vir aps mim, renuncie a si mesmo". Bernardo no perdeu tempo para cumprir tudo isso e no deixou de observar uma vrgula do conselho recebido.Em pouco tempo, foram muitos os que se converteram dos corrosivos cuidados do mundo e, guiados por Francisco para o bem infinito, voltaram para a casa paterna. Seria longo contar como cada um deles conquistou o galardo da vocao superna.CAPITULO 11A parbola que contou ao Papa16. Na ocasio em que se apresentou com os seus ao papa Inocncio, para pedir a aprovao de sua regra de vida, o Papa achou que seu propsito estava acima de suas foras e, como era dotado da maior discrio, disse: "Meu filho, pede a Cristo que nos manifeste sua vontade, para que possamos concordar com maior segurana com os teus piedosos desejos".O santo obedeceu ordem do Pastor supremo e correu a Cristo confiantemente. Rezou bastante e exortou os irmos a suplicarem a Deus com devoo. Obteve uma resposta na orao e contou aos filhos a salutar novidade. A conversa familiar com Cristo foi conhecida numa parbola: "Francisco, dirs isto ao Papa: uma mulher pobrezinha, mas bonita, morava em um deserto. Um rei se apaixonou por ela por causa de sua grande formosura, desposou-a todo feliz e teve com ela filhos muito bonitos. Quando j estavam adultos e nobremente educados, a me lhes disse: 'No vos envergonheis, meus queridos, porque sois pobres, pois sois todos filhos daquele grande rei. Ide com alegria para sua corte, e pedi-lhe tudo que precisais'. Surpresos e felizes quando ouviram isso e, orgulhosos por saberem que eram de linhagem real, pois previam que seriam os herdeiros, j imaginaram sua pobreza transformada em riqueza. Apresentaram-se ousadamente ao rei, sem temer o rosto que era parecido com o deles. Vendo essa semelhana, o rei perguntou, admirado, de quem eram filhos. Quando disseram que eram filhos daquela mulher pobrezinha do deserto, o rei os abraou dizendo: 'Sois meus filhos e meus herdeiros, no tenhais medo! Se at estranhos comem minha mesa ser muito mais justo que eu alimente aqueles a quem est destinada por direito a minha herana toda'. E mandou que a mulher levasse todos os seus filhos para serem educados em sua corte". O santo gostou muuito da parbola e foi logo contar ao Papa a resposta de Deus.17. Essa mulher era Francisco, pela fecundidade de seus muitos filhos, no pela moleza de sua vida. O deserto era o mundo, ento inculto por falta de doutrina e estril em virtudes. A prole abundante e formosa era a multido dos frades, ricos de valores espirituais. O rei era o Filho de Deus, de quem se tornaram parecidos pela santa pobreza, em cuja abundante mesa real foram alimentados por terem desprezado toda vergonha das coisas vis, pois estavam contentes com a imitao de Cristo e viviam de esmolas, sabendo que haveriam de conquistar a bem aventurana atravs dos desprezos do mundo.Admirado com a parbola, o Papa no teve dvida de que Cristo lhe falava atravs de Francisco. Lembrou uma viso que tivera poucos dias antes e, iluminado pelo Esprito Santo, afirmou que haveria de cumprir-se naquele mesmo homem. Em sonhos, tinha visto a baslica de Latro prestes a ruir mas sendo sustentada por um religioso, pequeno e desprezvel, que a firmara com seu ombro para no cair. E disse: "Na verdade este o homem que, por sua obra e por sua doutrina, haver de sustentar a Igreja".Foi por isso que aquele senhor acedeu to facilmente ao seu pedido e, a partir da, cheio de devoo, sempre teve especial predileo pelo servo de Cristo. Concedeu-lhe imediatamente tudo que queria e prometeu que ainda haveria de fazer mais concesses.Com a autoridade que lhe foi concedida, o santo comeou a lanar as sementes das virtudes e a percorrer as cidades e vilas pregando com fervor.SANTA MARIA DA PORCIUNCULACAPITULO 12Amor do santo para com esse lugar. A vida dos frades. Amor da prpria santa Virgem para com ele18. O servo de Deus Francisco, pequeno de estatura, humilde de pensamento e menor por profisso, escolheu para si e para os seus um pedacinho desta terra, enquanto aqui tinha de viver, pois no poderia servir a Cristo sem ter alguma coisa do mundo. Devem ter sido inspirados por Deus os que, desde os tempos mais antigos, chamaram de Porcincula - pedacinho - o lugar que deveria caber em sorte queles que deste mundo no queriam ter quase nada.Nele tinha sido construda uma igreja em honra da Virgem Me, aquela que, por sua humildade singular, mereceu ser cabea de todos os santos logo depois de seu Filho. Nela teve incio a Ordem dos Menores, e sobre ela se ergueu, como em slido fundamento, sua nobre estrutura de inumervel multido. O santo teve uma preferncia especial por esse lugar, quis que os frades o venerassem de maneira toda particular e quis que fosse conservado na humildade e na altssima pobreza, como espelho de toda a sua Ordem, deixando a propriedade para outros e reservando para si e para os seus apenas o uso.19. A se observava a mais rgida disciplina, tanto no silncio e no trabalho, como nos outros pontos da vida regular. No eram admitidos seno frades especialmente escolhidos entre os que afluam de todas as partes. O santo exigia que fossem verdadeiramente devotados a Deus e perfeitos em tudo que fosse possvel. Era absolutamente proibida a entrada de pessoas seculares: ele no queria que os frades, vivendo ali em nmero reduzido, polussem seus ouvidos com o relacionamento dos seculares, para no deixarem a meditao das coisas celestes, arrastados para assuntos menos dignos por espalhadores de boatos. Nesse lugar ningum podia dizer coisas ociosas, nem narrar as que tinham sido contadas por outros. Quando isso acontecia, aplicava-se uma pena salutar para corrigir o culpado. Os que ali moravam ocupavam-se, dia e noite, com os louvores divinos, levando uma vida angelical, cujo perfume admirvel se espalhava por toda parte.Alis, o local era apropriado, pois, conforme diziam os antigos moradores, tambm se chamava Santa Maria dos Anjos. O bem- aventurado pai dizia que lhe tinha sido revelado por Deus que Nossa Senhora tinha uma predileo por aquele lugar, entre todas as outras igrejas construdas no mundo em sua honra. E era por isso que o santo gostava mais dela que das outras.CAPITULO 13Uma viso20. Um devoto irmo tinha tido, antes de sua converso, uma viso a respeito dessa igreja, que merece ser contada. Viu muitos homens feridos de cruel cegueira, com o rosto voltado para o cu e de joelhos ao redor da igreja. Todos, com voz chorosa, de mos estendidas para o alto, clamavam a Deus pedindo misericrdia e a viso. Veio de cu um esplendor enorme, que se difundiu por todos e a cada um deu luz e a desejada sade.COMO VIVIAM SO FRANCISCO E DOS FRADESCAPITULO 14O rigor da disciplina21. O valoroso soldado de Cristo nunca poupava o corpo, expondo-o, como se nem fosse o seu, a toda espcie de injrias, por atos ou palavras. Se algum tentasse numerar todos os seus sofrimentos, ultrapassaria os que nos so referidos pelo Apstolo sobre os santos. Da mesma maneira, toda a sua primeira escola submetia-se a todos os incmodos, a ponto de julgar mal se algum ambicionasse alguma outra coisa que no fosse a consolao do esprito. Muitas vezes, teriam desfalecido pelo uso de argolas de ferro e cilcios e pelos jejuns contnuos, se no abrandassem um pouco o rigor de tamanha abstinncia pelas admoestaes atentas do piedoso pastor.CAPITULO 15Discrio de So Francisco22. Certa noite, quando todos descansavam, uma daquelas ovelhas comeou a gritar: "Estou morrendo, irmos, estou morrendo de fome!" O valoroso pastor levantou-se imediatamente a acudir sua ovelhinha doente com o devido remdio. Mandou preparar a mesa, embora cheia de pobres iguarias, onde havia gua no lugar de vinho, como era freqente. Ele mesmo comeou a comer e, por caridade, para que o frade no ficasse envergonhado, convidou tambm os outros irmos.Depois de terem tomado o alimento no temor do Senhor, para que nada faltasse ao dever da caridade, contou-lhes o pai uma parbola sobre a virtude da discrio. Disse que o sacrifcio oferecido a Deus deve ser sempre bem temperado e aconselhou carinhosamente cada um a levar em conta as prprias foras quando pensa em prestar obsquio a Deus. Afirmou que tanto era pecado deixar de dar o que era devido ao corpo quanto dar-lhe o suprfluo por gula.E acrescentou: "Deveis saber, carssimos, que agora comi por cortesia e no por gosto, porque assim mandava a caridade fraterna. Tomem como exemplo a caridade e no o fato de comer, porque o comer serve gula, e a caridade ao esprito".CAPITULO 16Sua providncia. Submete seu modo de viver Igreja de Roma. Uma viso23. Progredindo o santo pai continuamente em merecimentos e em virtude, e tendo os seus filhos aumentado muito em nmero e em santidade, pois estendiam at os confins do mundo seus ramos carregados de frutos maravilhosos, comeou a pensar seriamente no que teria que fazer para conservar e fazer crescer aquela planta nova sem perder o vnculo da unio.Percebia que havia muitos que eram como lobos enraivecidos contra o seu pequeno rebanho. Inveterados no mal, buscariam pretexto para prejudic-los s porque eram uma novidade. Previa que mesmo entre seus prprios filhos poderiam suceder coisas contrrias santa paz e unidade e temia que, como pode acontecer com os escolhidos, pudessem aparecer alguns, inflados por sua prpria sensualidade, dispostos a contendas e inclinados aos escndalos.24. Como o homem de Deus estava sempre com essas preocupaes e outras semelhantes, numa noite teve esta viso enquanto dormia: viu uma galinha, pequena e preta, parecida at com uma pomba, que tinha penas nas pernas e at nos ps. Seus pintainhos, sem nmero, rodeavam-na por toda parte, sem poder juntar-se sob suas asas. Quando se levantou e recordou tudo, o homem de Deus apresentou sua prpria interpretao: "Essa galinha sou eu, moreno e baixinho. Devo procurar ter a simplicidade da pomba pela inocncia de vida, que rara neste mundo e voa mais facilmente para o cu. Os pintainhos so os frades, que se multiplicaram em nmero e santidade, a quem no bastam minhas pobres foras para defender da maldade dos homens e da oposio das ms lnguas...Por isso vou recomend-los santa Igreja Romana, cuja vara poderosa castigar os malvados, fazendo com que os filhos de Deus possam gozar em toda parte de plena liberdade para crescer na salvao eterna. Nisso reconhecero os filhos os doces benefcios da me, e seguiro sempre os seus passos com especial devoo. Sob a sua proteo, no haver de ocorrer o mal na Ordem, nem passar impune pela vinha do Senhor o filho de Belial. Ela mesma, que santa, h de gloriar-se de emular nossa pobreza, e no permitir que os elogios da humildade sejam ofuscados pelas nuvens da soberba. Conservar entre ns ilesos os vnculos da caridade e da paz, censurando os dissidentes com rigor.Diante dela, florescer continuamente a santa observncia da pureza evanglica: ela no h de permitir que se perca o bom perfume de nossa vida por uma hora sequer".Essa foi a verdadeira inteno do santo de Deus quando decidiu confiar-se Igreja. A est um documento santssimo de sua previdncia para garantir o futuro.CAPITULO 17Pede o bispo de stia como representante do Papa25. Por isso o santo foi a Roma, onde foi recebido com muita devoo pelo Papa Honrio e por todos os cardeais. E com razo, porque viam brilhar em sua presena e em suas palavras tudo que j conheciam de fama: no era possvel ficar indiferente diante dele. Pregou diante do Papa e dos cardeais com inspirao e fervor, transbordando plenamente tudo que o esprito lhe sugeria. 'A sua palavra comoveram-se as eminncias e, movidos na profundidade, lavaram suas almas em lgrimas.Terminada a pregao, depois de breve e familiar conversa com o Senhor Papa, dirigiu-lhe o seguinte pedido: "Senhor, como sabeis, no fcil o acesso dos pobres e dos desprezados a to sublime majestade. Pois tendes o mundo nas mos, e os negcios importantssimos no permitem que cuideis das coisas de importncia mnima. Por isso, Senhor, peo que Vossa Santidade queira conceder-nos como papa o senhor de O'stia, para que, sempre salva a dignidade de vossa preeminncia, os frades possam recorrer a ele quando precisarem, conseguindo tanto o benefciodo amparo como o da orientao".O Papa gostou de to santo pedido, e logo colocou o Senhor Hugolino, ento bispo de O'stia, frente da Ordem, como queria o homem de Deus. O santo cardeal acolheu com carinho o rebanho que lhe foi confiado e, feito seu zeloso pai, foi pastor e irmo at sua bem-aventurada morte. A essa especial submisso devemos o amor e cuidado que a santa Igreja de Roma nunca deixa de manifestar para com a Ordem dos Menores.Aqui termina a primeira parte.SEGUNDA VIDA DE SO FRANCISCOToms de CelanoSEGUNDO LIVROINTRODUCO26. Guardar para a memria dos filhos os feitos insignes dos pais sinal tanto da honra que estes tiveram quanto de amor para com aqueles. Com efeito, os que no os conheceram corporalmente podem pelo menos ser levados ao bem por seus feitos, e so animados para coisas melhores porque os pais, separados pelo tempo, oferecem aos filhos exemplos dignos de serem lembrados. E no pequeno o fruto que conseguimos s de percebermos como somos pequenos, vendo como eles tinham de sobra os mritos que nos faltam.Na minha opinio, So Francisco um espelho santssimo da santidade do Senhor e uma imagem de sua perfeio. Suas palavras e aes trescalam alguma coisa de divino e, se encontrarem um discpulo atento, diligente e humilde, dentro de pouco tempo, com seu ensino salutar, havero de conduz-lo mais alta sabedoria. Por isso, depois de ter contado alguma coisa a seu respeito, embora em estilo simples e como que de passagem, acho que bom acrescentar mais alguns pontos, escolhidos entre tantos, para recomendar o santo e animar nosso sonolento afeto.O ESPIRITO PROFETICO DE SO FRANCISCOCAPITULO 127. Elevado acima das coisas deste mundo, o bem-aventurado Pai tinha dominado de maneira muito especial tudo que havia no mundo, pois tinha os olhos sempre voltados para a luz do alto, e no s conhecia por revelao divina o que devia fazer, como tambm predizia muitas coisas com esprito proftico, penetrava os segredos dos coraes, estava informado de coisas ausentes, previa e aunciava o futuro. Vamos dar alguns exemplos.CAPITULO 2Descobre a falsidade de um irmo tido por santo28. Havia um frade que, a julgar pelas aparncias, demonstrava uma santidade insigne, embora singular. Estava sempre entregue orao, observava um silncio to rigoroso que at se acostumara a confessar-se por gestos e no por palavras. Tinha grande entusiasmo pelas palavras da Sagrada Escritura e, quando as ouvia, sentia um admirvel prazer. Todos achavam que era trs vezes santo. Mas aconteceu que o santo pai foi a esse lugar, viu o frade, ouviu o santo. Enquanto todos o louvavam e elogiavam, ele comentou: "Deixai disso, irmos, no me venhais louvar seu diablico fingimento. Podeis ficar sabendo que isso tentao do demnio e engano. Tenho certeza, e o fato de no querer confessar-se uma prova".Os frades ficaram chocados, principalmente o vigrio do santo. Perguntaram: "Mas como possvel haver engano em todos esses sinais de perfeio?" Disse-lhes o pai: "Aconselhai-o a confessar-se uma ou duas vezes por semana. Se no obedecer, sabereis que verdade o que eu disse".O vigrio chamou-o parte e, depois de conversar familiarmente com ele, acabou mandando que se confessasse. Ele no quis saber. Ps o dedo nos lbios, cobriu a cabea e deu a entender que no se confessaria de maneira alguma. Os frades emudeceram, com medo do escndalo do falso santo. No muitos dias depois, ele saiu espontaneamente da Ordem, voltou para o mundo, retornou ao seu vmito. Afinal, dobrando seus crimes, foi privado tanto a penitncia como da vida.Precisamos tomar sempre muito cuidado com a singularidade, que no mais do que um precipcio atraente. Temos a experincia de tantas pessoas singulares, que pareciam estar subindo aos cus e se precipitaram no abismo. Tambm devemos considerar o valor da confisso bem feita, porque no s faz mas tambm mostra quem santo.CAPITULO 3Outro caso semelhante. Contra a singularidade29. Coisa parecida aconteceu com outro frade, chamado Toms de Espoleto. Todos o tinham em boa conta e estavam certos de que era santo. O santo pai achava que ele era perverso, e sua apostasia o confirmou. No aguentou muito tempo, porque a virtude baseada na simulao no dura muito. Saiu da Ordem e morreu fora dela: agora j sabe o que fez.CAPITULO 4Em Damieta, prediz a derrota dos cristos30. No tempo em que o exrcito cristo estava sitiando Damieta, l estavam o santo de Deus e seus companheiros: desejosos do martrio, tinham atravessado o mar.Ouvindo dizer que os nossos estavam se preparando para o dia da batalha, o santo ficou muito triste. Disse a seu companheiro: "O Senhor me revelou que, se houver um combate nesse dia, os cristos no vo sair-se bem. Se eu disser isso, vo achar que estou louco; se me calar, minha conscincia no vai me deixar em paz. Que te parece?" O companheiro respondeu: "Pai, no te importes de ser julgado pelos homens, pois no vai ser a primeira vez que te chamaro de louco. Descarrega tua conscincia, teme mais a Deus que aos homens".O santo foi correndo dar bons conselhos aos cristos, dizendo que no deveriam ir guerra e avisando que haveriam de fracassar. Mas eles levaram a verdade na brincadeira, endureceram seus coraes e no aceitaram o aviso. Partiram, atacaram, combateram e foram derrotados pelo inimigo. Durante a batalha, o santo, angustiado, mandou o companheiro levantar-se para olhar. Como no visse nada na primeira e na segunda vez, mandou olhar uma terceira. E viu o exrcito cristo em debandada, carregando no fim da guerra no o triunfo mas a vergonha. O desastre foi to grande que os nossos perderam seis mil, entre mortos e prisioneiros. O santo ficou cheio de compaixo, e eles no tiveram menor arrependimento. Compadeceu-se especialmente dos espanhis porque eram mais audaciosos e tinham sobrado muito poucos.Pensem nisso os prncipes de todo o mundo, convenam-se de que no se pode combater impunemente contra Deus, isto , contra a vontade do Senhor. Costuma acabar mesmo em desgraa o atrevimento, porque confia em suas prprias foras e no merece o auxlio do cu. Se do cu que esperamos a vitria, j devemos entrar na luta com o esprito de Deus.CAPITULO 5Descobre os pensamentos secretos de um frade31. Ao voltar de alm-mar acompanhado por Frei Leonardo de Assis, fatigado e cansado pela viagem, o santo teve que fazer um trecho montado num jumento. O companheiro, que vinha atrs e tambm no estava menos cansado, comeou a dizer consigo mesmo, levado por fraqueza humana: "Os pais dele e os meus no jogavam juntos. Mas agora ele vai montado e eu guiando o burro".Estava pensando nisso quando o santo apeou de repente e disse: "No, irmo, no convm que eu v montado e tu a p, tu que no mundo eras mais nobre e mais poderoso do que eu". O frade caiu das nuvens e ficou todo envergonhado, vendo que tinha sido surpreendido pelo santo. Lanou-se a seus ps confessando, em lgrimas o que tinha pensado, e pediu perdo.CAPITULO 6V um demnio em cima de um frade. Contra os que quebram a unidade32. Havia outro frade, famoso entre os homens e ainda mais estimado diante de Deus, por sua santidade. Invejoso de suas virtudes, o pai de toda inveja quis cortar a rvore que j estava chegando aos cus e arrancar a coroa de suas mos. Rodeia, revira, discute e examina os seus costumes, para encontrar um bom tropeo para o frade. Com a desculpa de maior perfeio, inspira- lhe o desejo da solido. Mas era para atac-lo a ss e derrub-lo mais depressa e tambm para que, caindo sozinho, no tivesse ningum para ajud-lo a levantar-se.Digamos logo: ele se afastou do convvio dos frades e foi pelo mundo como peregrino e forasteiro. Reduziu seu hbito a uma tnica curta, com o capuz solto. Percorria assim as regies, desprezando-se em tudo.Mas aconteceu que, viajando dessa maneira, bem depressa perdeu a consolao divina e comeou a ser sacudido por tormentosas tentaes. Subiram-lhe as guas at a alma e, desolado por dentro e por fora, foi adiante como um pssaro prestes a cair na armadilha. J estava beira do precipcio quando a providncia paterna teve pena e olhou para ele com bondade. Teve a graa de compreender o prprio engano e, voltando a si, finalmente, disse: "Volta para a Ordem, miservel, porque l est a tua salvao". No deixou para depois, levantou-se logo e correu para o regao materno.33. Quando chegou a Sena, onde moravam os frades, l estava So Francisco. Coisa admirvel! Logo que o santo o viu, fugiu dele e foi correndo fechar-se em sua cela. Os frades ficaram desconcertados e perguntaram por que tinha fugido. Respondeu o santo: "Por que vos admirais de minha fuga, se no conheceis o motivo? Fugi para a proteo da orao, para livrar um errado. Senti nesse meu filho alguma coisa que justamente me desgostou. Mas agora, pela graa de Cristo, j se afastou todo engano".O irmo se ajoelhou e se confessou culpado, todo envergonhado. Disse-lhe o santo: "Deus te perdoe, irmo. Mas toma cuidado daqui para frente para no te separares de tua Ordem e de teus irmos mesmo a pretexto de santidade". Desde ento, esse frade passou a ser amigo da vida em comum e da companhia dos frades, e tinha especial devoo para com as comunidades em que mais imperava a observncia regular.Como so admirveis as obras do Senhor quando os justos se renem e se congregam! Porque ento os tentados resistem, os cados so levantados, os tbios so estimulados, o ferro se afia no ferro e os frades se ajudam uns aos outros estabelecendo-se como uma cidadela inabalvel. As multides deste mundo impedem ver Jesus, mas no isso que acontece quando a multido de anjos do cu. Quem for fiel at a morte e no fugir, receber a coroa da vida.Outro caso semelhante34. Pouco depois, aconteceu outro caso semelhante. Um dos frades no se submetia ao vigrio do santo, mas seguia um outro frade como seu preceptor. Avisado por um intermedirio do santo, que tambm estava presente, o frade lanou-se imediatamente aos ps do vigrio e, deixando de lado seu antigo preceptor, passou a obedecer quele que o santo tinha constitudo como prelado. Mas o santo, dando um profundo suspiro, disse ao frade que lhe tinha servido de intermedirio: "Irmo, eu vi um diabo nas costas do desobediente, apertando-lhe o pescoo. Guiado por tal condutor, desprezava o freio da obedincia e seguia as rdeas do seu instinto. Roguei ao Senhor e logo o demnio foi embora todo confuso".Essa era a perspiccia do santo, que tinha os olhos fracos para ver as coisas do corpo, mas enxergava muito bem as coisas espirituais. De fato, no temos de que nos admirar por ele ter visto carregado com esse peso torpe aquele que no queria suportar o Senhor da majestade. No h meio-termo: ou levamos a carga leve, que na verdade nos carrega, ou vamos ter uma m de burro pendurada no pescoo, com a iniquidade sentada em cima como se fosse um talento de chumbo.CAPITULO 7Livra os habitantes de Grccio dos lobos e do granizo35. O santo gostava de morar na eremitrio dos frades em Grccio, tanto porque achava rica a sua pobreza como porque podia entregar-se com maior liberdade aos exerccios espirituais numa pequena cela construda na ponta de um rochedo. Foi nesse lugar que recordou pela primeira vez o Natal do Menino de Belm, fazendo-se menino com o Menino.Mas o povo do lugar estava sofrendo diversas calamidades: um bando de lobos vorazes atacava no s os animais mas at pessoas, e uma tempestade de granizo acabava todos os anos com o trigo e as vinhas. Num dia em que estava pregando para eles, So Francisco disse: "Para honra e louvor de Deus onipotente, ouvi a verdade que eu vos anuncio. Se cada um de vs confessar seus pecados e fizer frutos dignos de penitncia, eu vos garanto que esse mal se afastar e que o Senhor olhar para vs e multiplicar os vossos bens materiais. Mas ouvi isto tambm, que tenho outro aviso: se fordes ingratos aos benefcios e voltardes ao prprio vmito, a praga se renovar, o castigo vai ser duplo e uma ira ainda maior cair sobre vs".36. De fato, pelos merecimentos e oraes do santo pai, desde aquela hora acabaram as pragas, cessaram os perigos, e os lobos e o granizo no lhes causaram mais nenhum mal. At mais: quando o granizo assolava os campos dos vizinhos e chegava perto dos deles, ou parava por ali ou se desviava para outro lado.Tranqilos, cresceram muito e se encheram de bens temporais. Mas a prosperidade fez o que costuma fazer: eles enterraram o rosto na gordura das coisas temporais, ou melhor, ficaram cegos com o esterco.Por fim, caindo em coisas piores, esqueceram-se de Deus que os tinha salvo. E isso no ficou impune, porque a censura da justia divina castiga menos quem cai do que quem recai. Excitou-se o furor de Deus contra eles, voltaram os males que tinham ido embora e mais a guerra, e ainda caiu do cu uma epidemia que acabou com muitos. justo que os benefcios se transformem em castigo para os que so ingratos.CAPITULO 8Pregando em Perusa anuncia uma sedio futura e recomenda unidade37. Alguns dias mais tarde, quando o bem-aventurado pai desceu daquela cela, disse com voz sofrida aos frades presentes: "Os habitantes de Perusa fizeram muito mal a seus vizinhos, e seu corao se exaltou, mas para sua vergonha. Na verdade, a vingana de Deus est prxima: Ele j est com a mo na espada". Depois de mais alguns dias, levantou-se afervorado e foi para Perusa. Os frades puderam concluir que tinha tido alguma viso em sua cela.Em Perusa, reuniu o povo e comeou a pregar. Mas, como os cavaleiros estavam fazendo seus exerccios e impediam a palavra de Deus, o santo se voltou para eles e disse gemendo: "Homens perversos, dignos de compaixo, que no respeitais nem temeis o juzo de Deus! Ouvi o que o Senhor vos anuncia por intermdio deste pobrezinho. O Senhor vos exaltou acima de todos os que esto ao vosso redor. Justamente por isso devereis ser mais bondosos com os vizinhos e mais agradecidos a Deus. Mas estais sendo ingratos, atacais os vizinhos mo armada, matando e saqueando. Eu vos digo que isso no vai ficar sem vingana, porque Deus, para maior punio, vai fazer com que enfrenteis uma guerra interna, levantando-vos uns contra os outros. E a indignao vai instruir aqueles que a bondade no conseguiu ensinar".No demorou muito para se levantar a discrdia entre eles. Empunharam armas contra os companheiros: o povo se amotinou contra os cavaleiros e os nobres atacaram os plebeus espada. Numa palavra, lutaram com tamanha ferocidade e estrago, que at os vizinhos, a quem tanto mal tinham feito, ficaram com pena.Foi um castigo merecido! Afastaram-se daquele que Uno e Sumo, e perderam a unidade entre eles mesmos. No h vnculo que mais una uma nao do que o fiel amor a Deus, numa f sincera e sem fingimento.CAPITULO 9Profetiza a uma mulher a converso do marido38. Naqueles dias, viajando o servo de Deus para Celle de Cortona, uma nobre dama da aldeia de Volusiano teve conhecimento disso e correu ao seu encontro. Aps uma viagem muito cansativa, porque era de compleio muito delicada, acabou chegando ao santo. Percebendo como estava ofegante e exausta, o santo pai ficou com pena e lhe disse: "Que desejais, Senhora?" "Que me abenoeis, pai". E o santo: "Sois casada ou solteira?""Pai, respondeu, tenho um marido muito cruel, que me impede de servir a Jesus Cristo. Essa minha maior dor, porque, por causa de meu marido, no posso cumprir os bons propsitos que o Senhor me inspirou. Por isso, santo, eu vos peo que intercedais por ele, para que a misericrdia divina lhe transforme o corao".Admirado da fortaleza e maturidade de uma mulher to jovem, o pai teve compaixo e disse: "Vai, filha abenoada. Podes ter a certeza de que bem depressa ters uma consolao por parte de teu marido". E acrescentou: "Diz-lhe, da parte de Deus e da minha, que agora o tempo de salvao, e depois vir o da justia".Tendo recebido a bno, a mulher foi embora. Quando encontrou o marido e lhe deu o recado, o Esprito Santo desceu de repente sobre ele e o renovou, fazendo com que dissesse com toda a mansido: "Senhora, vamos servir ao Senhor em nossa casa e salvar nossas almas".A mulher disse: "Acho que devemos colocar a continncia como fundamento de nossa vida espiritual, para edificar sobre ela as outras virtudes"."Eu tambm estou de acordo", disse ele.A partir desse dia viveram como celibatrios durante muitos anose tiveram uma morte feliz no mesmo dia, um como o holocausto da manh e o outro como o sacrifcio da tarde.Feliz mulher que assim conseguiu convencer seu senhor, restituindo-o vida! Cumpriu-se nela o que foi dito pelo Apstolo: "O marido infiel salvo pela mulher fiel". Mas pessoas assim, como se diz comumente hoje em dia, podem contar-se nos dedos.CAPITULO 10Descobre por inspirao que um frade escandalizou a outroe prediz que haveria de sair da Ordem39. Certa ocasio, vieram da Terra do Labor dois frades. O mais velho tinha escandalizado muito o mais novo: no era um companheiro mas um tirano. Mas o mais jovem suportava tudo em silncio por amor de Deus.Quando chegaram a Assis, e o mais novo foi visitar So Francisco (porque era muito conhecido dele), o santo disse entre outras coisas: "Como que se comportou contigo o teu companheiro nessa viagem?" O frade respondeu: "Muito bem, pai carssimo". Mas o santo retrucou: "Cuidado, irmo, para no mentires, pensando em ser humilde, porque eu sei como ele te tratou. Mas espera um pouco e hs de ver".O frade ficou muito admirado de que ele tivesse conhecido pelo esprito coisas que no presenciara. De fato, no muitos dias depois, desprezando a Ordem, foi-se embora o que tinha escandalizado seu irmo. Sem dvida, um sinal de maldade e demonstrao de falta de juzo fazer o mesmo caminho e no saber andar de acordo com o companheiro.CAPITULO 11Descobre que um jovem que entrou na Ordem no guiado pelo esprito de Deus40. Por esses mesmos dias chegou a Assis um jovem da nobreza de Lucca, querendo entrar na Ordem. Apresentado a So Francisco, suplicou de joelhos e entre lgrimas que o recebesse. Mas o homem de Deus enxergou dentro dele e teve a inspirao de que ele no estava sendo trazido pelo esprito. Disse-lhe: "Pobre homem carnal, por que pensas que podes enganar ao Esprito Santo e a mim? Ests chorando por motivos humanos, e teu corao no est com Deus. Vai, porque no entendes coisa alguma espiritualmente".Acabava de dizer isso quando avisaram que seus pais estavam porta, querendo lev-lo fora. Mas ele saiu ao seu encontro e foi embora de boa vontade. Os frades ficaram muito admirados e louvaram ao Senhor em seu santo.CAPITULO 12Cura um clrigo, mas prediz que, por causa de seu pecado,haver de sofrer coisas piores41. No tempo em que o santo pai esteve doente no palcio episcopal de Rieti, um cnego chamado Gedeo, sensual e mundano, tambm estava de cama, com dores por todos os lados. Fez com que o levassem a So Francisco e pediu, entre lgrimas, que lhe fizesse o sinal da cruz.O santo disse: "Como que vou fazer o sinal da cruz se ests vivendo h muito tempo de acordo com os desejos da carne, sem temer os juizos de Deus?" E acrescentou: "Eu te assinalo em nome de Cristo, mas fica sabendo que sofrers coisas ainda piores se, depois de libertado, voltares ao vmito". Ainda concluiu: "Quando h um pecado da ingratido, os castigos so sempre piores que os anteriores".Fez o sinal da cruz, e logo o cnego, que estivera deitado e contrado, levantou-se curado e entoando louvores. Disse: "Estou livre". Muita gente ouviu seus ossos estalarem, como quando se quebra lenha seca com as mos.Mas, pouco tempo depois, esquecido de Deus, entregou-se outra vez sensualidade. Numa noite em que tinha jantado em casa de um cnego seu colega, tendo l ficado para dormir, o teto da casa ruiu de repente sobre todos. Os outros escaparam da morte, mas ele no conseguiu e foi esmagado.Nem devemos admirar que, como disse o santo, tenham acontecido coisas piores que as anteriores, porque devemos ser agradecidos pelos favores recebidos, e um pecado repetido ofende duas vezes mais.CAPITULO 13Um frade assaltado por tentaes42. Estando o santo ainda no mesmo lugar, um frade muito espiritual, que pertencia custdia de Mrsica e sofria graves tentaes, disse consigo mesmo: "Oh! se eu tivesse comigo alguma coisa de So Francisco, pelo menos um pedacinho de suas unhas, acho que toda essa tempestade de tentaes iria embora, e eu voltaria a viver em paz, com o auxlio de Deus".Conseguiu a licena, foi para onde estava o santo pai e exps o assunto a um de seus companheiros. O frade respondeu: "Acho que no vai ser possvel dar-te alguma coisa de suas unhas, porque, embora ns as cortemos de vez em quando, ele manda jog-las fora, proibindo que as conservemos".Logo depois, o frade foi chamado e o mandaram ir ao santo, que queria falar com ele. "Filho, disse, vai buscar uma tesoura para cortar minhas unhas". O frade mostrou a tesoura, que j tinha trazido para isso e depois pegou as aparas e as entregou ao irmo que as pedira. Este recebeu-as com devoo, guardou-as com mais devoo ainda, e logo ficou livre de todas as tentaes.CAPITULO 14Um homem que oferece pano, de acordo com o pedido do santo43. Nesse mesmo lugar, o pai dos pobres, que vestia uma tnica velha, disse uma vez a um de seus companheiros, a quem constitura seu guardio: "Gostaria, irmo, se fosse possvel, que me arranjasses fazenda para fazer uma tnica". Ouvindo isso, o frade ficou pensando em como poderia adquirir esse pano to necessrio e to humildemente pedido.No dia seguinte, saiu bem cedo para ir cidade arranjar o pano. Mas havia um homem sentado junto porta, querendo falar com ele. Disse-lhe: "Por amor de Deus, recebe esta fazenda para fazer seis tnicas, guarda uma para ti e distribui as outras como te aprouver, pela salvao de minha alma". O frade voltou muito alegre para junto de Frei Francisco e contou como tinha recebido esse presente do cu. O pai disse: "Recebe as tnicas, porque esse homem foi enviado para satisfazer dessa forma a minha necessidade. Demos graas quele que parece que s precisa cuidar de ns".CAPITULO 15Convida seu mdico para almoar em uma ocasio em que os frades nada tm.Quantas coisas recebem do Senhor de uma hora para outra.Providncia de Deus para com os seus44. Quando So Francisco morava em um eremitrio perto de Rieti, visitava-o um mdico, todos os dias, para cuidar de seus olhos. Certo dia, disse o santo aos frades: "Convidai o mdico e dai-lhe um bom almoo". O guardio respondeu: "Pai, digo ruborizado que tenho vergonha de convid-lo, porque estamos muito pobres".O santo retrucou: "Ser que vou ter que repetir?" E o mdico, que estava presente, disse: "Irmos carssimos, para mim vai ser muito bom partilhar da vossa pobreza".Os frades correram e puseram na mesa toda a proviso da sua dispensa, isto , um pouquinho de po, um pouco de vinho e, para comerem alguma coisa melhor, alguns legumes trazidos da cozinha. Nesse meio tempo, a mesa do Senhor teve pena da mesa dos servos: bateram porta e eles foram atender. Era uma mulher que lhes deu uma cesta cheia: um belo po, peixes e pastis de camaro, coroados, por cima, com mel e uvas.Diante de todas essas coisas, a famlia dos pobres ficou exultante e, deixando os pratos miserveis para o dia seguinte, comeu logo os mais preciosos. Comovido, o mdico disse: "Irmos, nem vs religiosos nem ns seculares sabemos apreciar devidamente a santidade deste homem". Teriam ficado saturados, se no os tivesse satisfeito mais o milagre que a comida.Pois assim que o olhar paterno de Deus jamais abandona os seus; pelo contrrio, serve-os melhor quanto mais so necessitados. Como Deus mais generoso que o homem, alimenta-se melhor o pobre que o tirano.Livra Frei Ricrio de uma tentao44a. Um frade chamado Ricrio, to nobre de corao como de nascimento, tinha tamanha confiana nos merecimentos de So Francisco, que achava que mereceria a graa de Deus aquele a quem So Francisco desse algum sinal de sua benevolncia, mas que mereceria a ira de Deus quem no tivesse a sua amizade. Como tinha uma vontade enorme de merecer a amizade do santo, tinha muito medo de que o pai descobrisse nele algum defeito ignorado, fazendo com que seu favor ainda ficasse mais distante.Numa ocasio em que esse frade j estava sendo afligido diria e gravemente por esse temor, sem nunca ter revelado seu pensamento a ningum, passou por perto da cela em que So Francisco estava rezando. Estava perturbado como de costume. Percebendo tanto a sua chegada como seu estado de nimo, o homem de Deus o chamou com bondade e lhe disse: "No tenhas mais medo, filho, nem te perturbe nenhuma tentao, porque gosto muito de ti, e s mesmo um dos mais queridos, a quem tenho um amor especial. Aqui podes vir confiadamente quando quiseres, ou ir embora quando te parecer". O frade se espantou bastante e ficou contente com as palavras do santo pai. A partir desse dia, seguro de sua amizade, cresceu tambm na graa do Salvador, conforme acreditava.CAPITULO 16Saindo de sua cela, abenoa dois irmos,cujo desejo tinha conhecido pelo Esprito Santo45. So Francisco costumava passar o dia inteiro numa cela solitria, e no voltava para o meio dos frades a no ser que sentisse muita necessidade de tomar algum alimento. Mas no saa em horas certas para comer, porque em geral a fome maior de contemplao tomava-o inteiramente.Uma vez chegaram a Grccio dois frades vindos de longe, e que eram homens de santa conversao com Deus. A nica razo de sua vinda era ver o santo e receber sua bno, que desejavam havia muito tempo. Mas como chegaram e no o encontraram, porque j se havia retirado para sua cela, ficaram muito tristes: como no se podia dizer quando ia sair, a demora seria longa. Eles acharam que isso era merecido e se retiraram, desolados.Alguns dos que viviam com So Francisco os acompanharam, tentando consol-los. Quando j estavam distncia de uma pedrada, o santo os chamou inesperadamente e disse a um dos companheiros: "Vai dizer queles meus irmos que aqui vieram que olhem para mim". Quando os frades se voltaram para ele, fez-lhes o sinal da cruz e os abenoou com muito afeto.Eles ficaram mais do que satisfeitos, porque conseguiram o que queriam e mais um milagre, e voltaram louvando e bendizendo a Deus.CAPITULO 17Rezando, tira gua de uma pedra e a d a um aldeo com sede46. Uma vez So Francisco quis ir a um certo eremitrio para se entregar mais livremente contemplao, mas estava um bocado enfraquecido e conseguiu com um homem pobre um jumento para montar.Era tempo de calor, e o campons, cansado daquela longa e dura caminhada subindo atrs do santo, comeou a desfalecer de sede antes de chegarem. Ficando para trs, gritou insistentemente pelo santo e pediu que tivesse pena dele: disse que ia morrer se no fosse reanimado com algum pouco de gua.O santo de Deus, que sempre tinha compaixo dos aflitos, desceu imediatamente do jumento, ajoelhou-se no cho, estendeu as mos para o alto e no parou de rezar enquanto no sentiu que tinha sido atendido. Disse, ento, ao campons: "Vai depressa, que ali mesmo encontrars gua para beber, produzida neste instante pela misericrdia de Cristo".Estupenda bondade de Deus, que to facilmente se inclina aos rogos de seus servidores! Um aldeo pde beber a gua que a virtude de um homem de orao fez brotar da rocha viva. Nesse lugar nunca tinha havido fonte alguma, nem a puderam encontrar mais tarde, de acordo com uma escrupulosa pesquisa.Por que admirar, se este homem, cheio do Esprito Santo, reproduz em si mesmo os feitos admirveis de todos os santos? No nos devemos surpreender de que uma pessoa unida a Cristo por graas to singulares realize prodgios iguais aos que foram operados pelos outros santos.CAPITULO 18D de comer aos passarinhos.Um deles morre por causa de sua avareza47. Uma vez, So Francisco estava sentado mesa com os frades quando chegou um casal de passarinhos que ia sempre buscar migalhas para cuidar de seus filhotes. O santo ficou todo contente, fez-lhes carcias como era seu costume e tratou de juntar- lhes o sustento. Certo dia, pai e me apresentaram os filhotes aos frades, como que para agradecer por os terem alimentado, entregaram-nos e no apareceram mais.Os filhotes se acostumaram com os frades e andavam empoleirados em suas mos,no como hspedes mas como de casa. Fugiam da presena dos seculares e s se aproximavam dos frades. O santo observou isso admirado e convidou os frades a se alegrarem. "Olhai, disse, o que fizeram nossos irmos pintarroxos. At parece que tm razo e disseram: Irmos, aqui esto nossos filhotes, alimentados com as vossas migalhas. Fazei deles o que quiserdes, que ns vamos para outro ninho". Assim os passarinhos se familiarizaram de uma vez com os frades, e todos tomavam a refeio em comum.Mas essa harmonia foi quebrada pela voracidade do maiorzinho, que comeou a perseguir petulantemente os mais pequenos: comia vontade e no deixava os outros chegarem perto. Disse o santo pai: "Vede o que est fazendo esse comilo. Mesmo cheio e empanturrado, tem inveja de seus esfomeados irmozinhos. Ele ainda vai acabar mal". No demorou muito para se cumprir o que o santo dissera. O perturbador de seus irmos subiu a um vaso de gua para beber, caiu e morreu afogado. E no houve gato ou qualquer outro animal que quisesse comer o passarinho anatematizado pelo santo.Horroroso mal o egosmo dos homens, quando punido dessa maneira nos pssaros. E tambm para temer a condenao dos santos, uma vez que o castigo vaticinado vem com tanta facilidade.CAPITULO 19Cumprem-se todas as predies a respeito de Frei Bernardo48. Numa outra ocasio, fez esta profecia a respeito de Frei Bernardo, que tinha sido o segundo frade da Ordem: "Eu vos afirmo que ele recebeu, para sua provao, os piores e mais astutos dos demnios. Mas no vo conseguir nada apesar de todo o seu esforo para fazer cair do cu essa estrela. Ele vai sofrer tribulaes, tentaes e angstias mas haver de triunfar de tudo". E acrescentou: "Mais perto de sua morte, afastada a borrasca e vencida toda tentao, gozar de admirvel paz e tranqilidade e, tendo terminado sua carreira, partir feliz para Cristo".E foi assim mesmo. Sua morte ficou conhecida por diversos milagres e tudo que o homem de Deus havia predito realizou-se ao p da letra. Os frades at disseram: "De fato, esse irmo no foi suficientemente conhecido enquanto estava vivo". Mas vamos deixar os louvores de Frei Bernardo para serem contados por outras pessoas.CAPITULO 20O frade tentado que quer ter alguma coisa escrita pela mo do santo49. No tempo em que o santo estava recolhido a sua cela no Monte Alverne, um de seus companheiros tinha muita vontade de ter algum escrito edificante com as palavras do Senhor, anotadas brevemente pela mo de So Francisco. Achava que, dessa maneira, ficaria livre de uma grave tentao no da carne mas do esprito, ou que pelo menos conseguiria suport-la melhor.Preocupado com esse desejo, tinha receio de abrir-se com o santssimo pai. Mas, se ele no o disse, revelou-lho o Esprito Santo. Porque um dia So Francisco o chamou e disse: "Traz-me papel e tinta: quero escrever umas palavras e louvores do Senhor, que estive meditando em meu corao".Quando recebeu o que pedira, o santo escreveu de prprio punho os Louvores de Deus e as palavras que quis, e por ltimo uma bno para o frade, dizendo-lhe: "Recebe este pedao de papel e guarda-o diligentemente at o dia de tua morte". A tentao desapareceu na mesma hora. O escrito foi guardado e, posteriormente, realizou coisas admirveis.CAPITULO 21D uma tnica ao mesmo religioso, satisfazendo seu desejo50. No mesmo frade resplandeceu outro milagre. No tempo em que o santo pai estava doente no palcio de Assis, esse frade pensou consigo mesmo: "O pai est para morrer. Minha alma ficaria muito consolada se, depois de sua morte, eu tivesse uma tnica do meu pai".Como se o seu desejo do corao fosse um pedido feito com a boca, pouco depois foi chamado por So Francisco, que lhe disse: "Dou-te esta tnica. Recebe-a e passar a ser tua: vou us-la enquanto estiver vivo, mas ser tua quando eu morrer". Admirado de to profunda penetrao, o frade recebeu a tnica muito consolado. Mais tarde, ela foi levada para a Frana, com muita devoo.CAPITULO 22O aipo encontrado de noite, entre ervas agrestes51. Nos ltimos tempos de sua doena, teve vontade de comer aipo, tarde da noite, e o pediu com humildade. Chamaram o cozinheiro para que o trouxesse, mas ele disse que no poderia colher nada na horta: "Eu apanho aipos todos os dias, e j cortei tanto, que at de dia mal consigo achar algum. De noite, com a escurido, nem seria capaz de distingu-lo das outras ervas".Mas o santo disse: "Vai, meu irmo, e para no te dar trabalho, traz as primeiras ervas em que puseres as mos". O frade foi horta, arrancou as primeiras plantas que encontrou, sem enxergar, e as trouxe para casa. Os frades olharam as ervas do mato e, revirando-as, encontraram entre elas um aipo folhudo e tenro.O santo comeu um pouquinho e ficou muito confortado. E disse aos irmos: "Irmos carssimos, cumpri as ordens sempre primeira palavra, sem esperar que sejam repetidas. No fiqueis pensando na impossibilidade porque, mesmo que eu desse alguma ordem acima das foras, a prpria obedincia tem suas foras". At esse ponto o dotara-o o Esprito Santo com o dom da profecia.CAPITULO 23Prediz fome para depois de sua morte52. Os santos s vezes so obrigados pela fora do Esprito Santo a falar coisas maravilhosas a respeito de si mesmos, quando a glria de Deus que exige uma revelao, ou h alguma exigncia da caridade para edificao do prximo.Foi por essa razo que, um dia, o santo pai contou a um frade a quem tinha grande estima uma revelao que tinha tido em sua comunicao familiar com a majestade divina: "Em nossos dias, existe na terra um servo de Deus, por quem o Senhor no vai permitir que a fome se abata sobre a humanidade enquanto ele viver".No tinha vaidade nenhuma. S a santa caridade, que busca seus interesses, fez com ele que relatasse isso para nossa edificao, em palavras santas e modestas. E nem devia mesmo esconder com um silncio intil to admirvel prerrogativa da predileo de Deus para com seu servo.Todos que estivemos presentes sabemos como foram calmos e pacficos os tempos enquanto o santo viveu, e transbordaram na fertilidade de todos os bens. No havia fome da palavra de Deus, porque as palavras dos pregadores eram ento cheias de maior virtude, e os coraes de todos os ouvintes estavam mais dispostos para Deus. Refulgiam os exemplos de santidade na figura dos religiosos, a hipocrisia dos "caiados" ainda no tinha atacado tantos santos, e a doutrina dos "transfigurados" ainda no tinha despertado tanta curiosidade. Era justo que houvesse abundncia dos bens temporais quando todos tinham tanto amor pelos bens eternos.53. Quando ele nos foi tirado, houve uma alterao e tudo ficou diferente. Guerras e revolues se espalharam por toda parte, e de uma hora para outra muitos reinos foram invadidos por calamidades mortais. Uma fome atroz se estendeu em todas as direes, e sua crueldade, superando todos os males, acabou com muita gente. A necessidade transformou tudo em alimento, e os homens comeram o que nem os animais costumam comer. Chegaram a fazer pes com cascas de nozes e de rvores. Para falarmos um tanto veladamente, h testemunhas para confirmar que nem a morte de um filho chegou a comover um pai torturado pela fome.Mas, para que fique bem certo quem era aquele servo fiel, por cujo amor a mo de Deus estava suspendendo a vingana, o prprio pai So Francisco, poucos dias depois de sua morte, apareceu ao frade a quem tinha predito a desgraa e afirmou claramente que era ele aquele servo do Senhor.Certa noite, estando o frade a dormir, chamou-o com voz clara e disse: "Irmo, j chegou a fome que Deus no permitiu que viesse sobre a terra enquanto eu estava vivo". Acordado pela voz, o frade contou depois tudo direitinho. Trs noites depois, o santo apareceu de novo e repetiu as mesmas palavras.CAPITULO 24Grandeza do santo e pequenez nossa54. Ningum deve estranhar que o profeta de nosso tempo gozasse de tais privilgios. Livre da escurido das coisas terrenas, no submisso aos desejos da carne, sua inteligncia voava para as alturas mais sublimes e penetrava na luz com pureza. Iluminado pelos resplendores da luz eterna, tirava da Palavra eterna o que ressoava em suas palavras.Ai, como somos diferentes hoje! Envolvidos nas trevas, nem o necessrio conhecemos! O motivo no nenhum outro: somos amigos da carne e estamos tambm envolvidos no p dos mundanos. Se elevssemos nossos coraes para os cus junto com as mos, se aspirssemos pelas coisas eternas, provavelmente ficaramos sabendo o que ignoramos: Deus e ns mesmos. Quem se revira na lama tem que ver lama; quem puser os olhos no cu no poder deixar de ver as coisas celestiais.A POBREZACAPITULO 25Louvor Pobreza55. Enquanto viveu neste vale de lgrimas, o santo pai desprezou as mseras riquezas dos filhos dos homens e, ambicionando a mais alta glria, dedicou-se de todo corao pobreza.Vendo que era estimada pelo Filho de Deus e estava sendo desprezada por toda a terra, quis despos-la com um amor eterno. Apaixonado por sua beleza e querendo unir-se mais estreitamente a sua esposa, como se fossem dois em um s esprito, abandonou no s pai e me mas tudo. Abraou-a por isso em ternos abraos e no quis deixar de ser seu esposo em nenhum momento. Dizia a seus filhos que ela era o caminho da perfeio, o penhor e a garantia das riquezas eternas.Jamais houve algum to ambicioso de ouro quanto ele de pobreza, e nunca houve guarda mais cuidadoso de um tesouro do que ele o foi da prola evanglica. O que mais o ofendia era ver, dentro ou fora de casa, alguma coisa nos frades que fosse contrria pobreza. Desde sua entrada na Ordem at morte, sua nica riqueza foram uma tnica, o cordo e as calas. Sua roupa pobre mostrava que riquezas estava amontoando. Por isso, alegre, seguro e livre para correr, tinha o prazer de ter trocado as riquezas que perecem pelo cntuplo.POBREZA DAS CASASCAPITULO 2656. Ensinava os seus a construrem habitaes pequenas e pobres, de madeira e no de pedra, como as choas das pessoas mais miserveis. Muitas vezes, falando da pobreza, recordava aos frades aquela passagem do Evangelho: "As raposas tm tocas e os pssaros do cu tm ninhos, mas o Filho de Deus no tem onde repousar a cabea".CAPITULO 27Comea a destruir uma casa na Porcincula57. Certa feita, deveria haver um captulo em Santa Maria da Porcincula. J estava em cima da hora e o povo de Assis, achando que no havia um local adequado, construiu rapidamente uma casa para o captulo, sem que o soubesse o homem de Deus, que estava ausente.Quando o santo voltou e viu a casa, ficou muito triste e aborrecido. Achou que devia ser o primeiro a eliminar o edifcio. Subiu ao telhado e com mo forte ps abaixo telhas e cobertura. Mandou os frades subirem tambm para acabar de uma vez com aquele monstro contrrio pobreza. Porque dizia que logo se haveria de espalhar pela Ordem e ser tomado por exemplo tudo que se visse de mais pretencioso naquele lugar.Teria acabado de uma vez com o prdio se os soldados que l estavam no tivessem feito frente ao seu fervor dizendo que ele pertencia comuna e no aos frades.CAPITULO 28Na casa de Bolonha, pe os doentes para fora58. Uma vez, voltando de Verona, ia passar por Bolonha mas ouviu dizer que a tinha sido construda uma casa nova para os frades. S de ouvir falar em "casa dos frades", mudou de direo e foi por outro lado, sem passar por Bolonha. Depois mandou que frades sassem imediatamente da casa: no ficaram nem os doentes, postos para fora como os outros.E no deu licena para voltarem enquanto o cardeal Hugolino, ento bispo de stia e legado na Lombardia, no afirmasse em pblica pregao que a casa era sua. Quem o referiu e testemunhou tambm teve que sair doente da casa nessa ocasio.CAPITULO 29Nega-se a entrar numa cela com o seu nome59. No queria que os frades habitassem lugar algum, pormenor que fosse, a no ser que constasse com certeza quem era o seu dono. Sempre exigiu que seus filhos observassem as leis dos peregrinos: abrigar-se sob teto alheio, passar em paz, ansiar pela ptria.No eremitrio de Sarciano, uma vez um frade perguntou ao outro de onde vinha, e este respondeu que "da cela de Frei Francisco". O santo ouviu e disse: "J que deste cela o nome de Francisco, tomando posse dela para mim, que ela arranje outro morador, porque eu no vou mais morar l. O Senhor, quando esteve no deserto em que orou e jejuou por quarenta dias, no mandou fazer uma cela nem uma casa, mas ficou embaixo de uma rocha da montanha. Ns podemos segu-lo na forma determinada, deixando de ter qualquer propriedade, embora no possamos viver sem casas".POBREZA DOS UTENSILIOSCAPITULO 3060. No s abominava a ostentao das casas como tinha horror a utenslios muito numerosos ou de valor. No gostava de nada que, nas mesas ou nos recipientes, recordasse o mundanismo, para que tudo cantasse a peregrinao e o exlio.CAPITULO 31Exemplo da mesa que prepararam em Grccio no dia da Pscoa.Apresenta-se como peregrino, a exemplo de Cristo61. Num dia de Pscoa, os frades prepararam no eremitrio de Grccio uma mesa mais bonita, com toalhas brancas e copos de vidro. Quando o santo pai desceu de sua cela e foi para a mesa, viu-a arrumada em lugar elevado e ostentosamente enfeitada: toda ela ria, mas ele no sorriu.s escondidas e devagarinho, saiu, ps na cabea o chapu de um pobre que l estava, tomou um bordo e foi para fora. Esperou porta at que os frades comearam a comer, porque estavam acostumados a no esper-lo quando no vinha ao sinal.Quando iniciaram o almoo, clamou porta como um pobre de verdade: "Uma esmola, por amor de Deus, para um peregrino pobre e doente". Os frades responderam: "Entra, homem, pelo amor daquele que invocaste".Entrou logo e se apresentou aos comensais. Que espanto provocou esse peregrino! Deram-lhe uma escudela, e ele se sentou parte, pondo o prato na cinza. E disse: "Agora estou sentado como um frade menor". Dirigindo-se aos irmos, disse: "Mais do que os outros religiosos, devemos deixar-nos levar pela pobreza do Filho de Deus. Vi a mesa preparada e enfeitada, e vi que no era de pobres que pedem esmola de porta em porta".O fato demonstra que ele era semelhante quele outro peregrino que ficou sozinho em Jerusalm nesse mesmo dia de Pscoa. Mas, quando falou, deixou abrasado o corao de seus discpulos.CAPITULO 32Contra a preciosidade dos livros62. Ensinava que nos livros devemos procurar o testemunho do Senhor e no o seu valor material; a edificao e no a aparncia. Queria que fossem poucos e disposio dos frades que precisavam. Por isso, quando um ministro lhe pediu licena para ter uns livros de luxo e muito preciosos, ouviu esta resposta: "No quero perder pelos teus livros o livro do Evangelho, que professei. Faz o que quiseres, contanto que no seja com a desculpa da minha licena".POBREZA DAS CAMASCAPITULO 33Exemplo do bispo de stia, e seu elogio63. Era to grande a pobreza em questo de camas e cobertas, que algum que tivesse algum pedao de pano gasto para pr em cima da palha achava que estava ocupando um leito nupcial.Durante um captulo em Santa Maria da Porcincula, chegou o bispo de O'stia, com uma multido de soldados e clrigos, para visitar os frades. Vendo-os deitados no cho e olhando suas camas, que mais pareciam ninhos de feras, chorou muito e disse diante de todos: "Olhem onde dormem os frades. Que ser de ns, miserveis, que tanto abusamos do suprfluo?" Todos os presentes se comoveram at as lgrimas e foram embora muito edificados.Foi esse o bispo de stia que, feito mais tarde porta principal da Igreja, resistiu sempre aos inimigos, at que entregou a Deus sua alma bendita, como uma hstia sagrada. Que corao piedoso, que entranhas de caridade! Colocado no alto, doa-se por no ter altos merecimentos, mas na realidade era mais sublime pela virtude que pelo cargo.CAPITULO 34O que lhe acontece numa noite ao usar um travesseiro de penas64. Por falar em camas, lembro-me de um outro fato que talvez seja bom contar. Desde o tempo em que o santo se converteu para Cristo e tratou de esquecer as coisas do mundo, no quis mais deitar sobre um colcho ou pr a cabea num travesseiro de penas. E no quebrava essa resoluo nem quando estava doente ou hospedado em casa de outros.Mas, no eremitrio de Greccio, quando sua doena dos olhos se agravou, foi obrigado contra sua vontade a usar um pequeno travesseiro. Quando amanheceu a primeira noite, chamou seu companheiro e disse: "Irmo, no pude dormir nesta noite, nem ficar em p para rezar. A cabea tremia, os joelhos cediam, e o corpo se sacudia todo, como se tivesse comido po de joio. Acho que o diabo est nesse travesseiro em que pus a cabea. Leva-o, que no quero mais saber de diabo na cabea".O frade se compadeceu do pai, que continuava a se lamuriar, e pegou o travesseiro que lhe foi jogado para levar embora. Quando saiu, perdeu a fala, e se sentiu oprimido e preso por tamanho horror, que nem podia mover os ps do lugar nem mexer os braos de lado algum.Depois de algum tempo, quando o santo ficou sabendo disso, mandou cham-lo. Ento ficou livre, voltou e contou o que tinha sofrido. Disse-lhe o santo: "'A tarde, quando estava rezando Completas, tive certeza de que o diabo vinha para a minha cela". E acrescentou: " muito esperto e matreiro o nosso inimigo. Quando no pode fazer o mal dentro da alma, faz com que o corpo tenha oportunidade de murmurar".Ouam-no os que espalham almofadas por todos os lados, para carem sempre no mole. O diabo segue o luxo de boa vontade, gosta de estar ao lado das camas muito cmodas, principalmente quando no h necessidade e quando so contrrias vida que se professou. Mas a antiga serpente foge com horror do homem despojado, ou porque detesta a companhia dos pobres, ou porque tem medo da grandiosidade da pobreza. Se o frade se convencer de que o diabo est embaixo das penas, ficar contente com palha para a cabea.EXEMPLOS CONTRA O DINHEIROCAPITULO 35Dura correo para um frade que o toca com as mos65. Verdadeiramente apaixonado por Deus, desprezava profundamente tudo que era do mundo mas, acima de tudo, detestava o dinheiro. Fez pouco dele desde o incio de sua converso, e aos seus seguidores sempre disse que deviam fugir do dinheiro como do prprio demnio. Costumava repetir que deviam dar o mesmo valor ao esterco e ao dinheiro.Certo dia, entrou um leigo para rezar na igreja de Santa Maria da Porcincula, e ps dinheiro de esmola junto da cruz. Quando ele foi embora, um frade pegou o dinheiro com simplicidade e o jogou numa janela. O santo ficou sabendo que o frade fizera isso e ele, vendo-se descoberto, correu pedir perdo e se prostrou no cho pedindo penitncia. O santo o repreendeu e lhe disse coisas duras por ter tocado o dinheiro. Depois mandou que o pegasse na janela com a boca e que assim o levasse para fora do terreno e colocasse em cima de esterco de asnos. O frade obedeceu de bom grado e os presentes ficaram cheios de temor. Tiveram ainda maior averso pelo dinheiro que assim tinha sido comparado ao esterco e se encorajavam a desprez-lo cada dia com novos exemplos.CAPITULO 36Castigo de um frade que apanhou uma moeda66. Dois frades iam a caminho de um hospital de leprosos. No caminho, encontraram uma moeda, pararam e ficaram discutindo sobre o que deviam fazer com aquele esterco. Um deles, rindo-se dos escrpulos do confrade, tentou pegar o dinheiro para lev-lo aos enfermeiros dos leprosos. O companheiro disse que no deveria fazer isso, enganado por uma falsa piedade e desprezando temerariamente o preceito da Regra, que dizia muito claramente que dinheiro achado deve ser pisado como p. Mas o outro no quis ouvir, porque sempre tinha sido de cabea dura. Desprezou a Regra, abaixou-se e apanhou a moeda. Mas no escapou ao julgamento divino. Perdeu a fala na hora, rangia os dentes e no podia se comunicar.Dessa maneira, o castigo fez bem para o louco, e a punio ensinou o soberbo a obedecer s leis do pai. Finalmente, jogou fora aquele fedor, e seus lbios lavados na gua da penitncia prorromperam em louvores. velho o ditado: "Corrige o nscio e ters um amigo".CAPITULO 37Repreende a um frade que quer guardar dinheiro com a desculpa de que necessrio67. Uma ocasio, Frei Pedro Cattani, vigrio do santo, considerando que uma multido de frades de fora freqentava Santa Maria da Porcincula, e que as esmolas no eram suficientes para prover o necessrio, disse a So Francisco: "Irmo, no sei o que fazer quando vm grupos de irmos de toda parte e no tenho o suficiente para lhes oferecer. Peo que permitas guardar algumas coisas quando entram novios, para recorrer a elas no tempo oportuno".- "Irmo carssimo - respondeu o santo -, longe de ns essa piedade. No vamos ofender a Regra para servir quem quer que seja".- "Que farei, ento?", disse o frade.- "Se no houver outro meio de prover s necessidades, despe o altar da Virgem e tira seus ornamentos. Podes crer que melhor guardar o Evangelho de seu Filho e despojar o altar do que deixar o altar ornado e seu Filho desprezado. O Senhor mandar que algum restitua sua Me o que ela nos tiver emprestado".CAPITULO 38O dinheiro transformado numa cobra68. Passando o homem de Deus com um companheiro pela Aplia, perto de Bari, encontrou no caminho uma bolsa grande, dessas que chamam de alforje de negociante, cheia de moedas. O companheiro chamou a ateno do santo e insistiu com ele para recolher a bolsa e dar o dinheiro aos pobres. Falou em piedade para com os necessitados e fez o elogio das obras de misericrdia que podiam ser feitas com aquele dinheiro.O santo se recusou absolutamente e disse que aquilo era manha do diabo. Disse: "Filho, no lcito pegar o que dos outros. Dar o que no nosso pecado e no merecimento".Afastaram-se, apressando-se para terminar a viagem. Mas o frade no sossegou, iludido por sua falsa piedade. Continuou a sugerir a obra m.Ento o santo concordou em voltar, no para cumprir a vontade do frade, mas para esclarecer quele insensato o mistrio divino. Chamou um rapaz que estava sentado em cima de um poo beira da estrada, para dar testemunho da Trindade "na boca de duas ou trs testemunhas". Quando os trs chegaram onde estava a bolsa, viram-na gorda de dinheiro.Mas o santo no deixou nenhum deles se aproximar, querendo demonstrar com a fora da orao a iluso diablica. Afastou-se distncia de uma pedrada e se ps a rezar. Quando voltou, mandou o frade pegar a bolsa que, por efeito de sua orao, continha uma cobra no lugar do dinheiro.O frade comeou a tremer de medo, tomado de estranho pressentimento. No fim, por respeito santa obedincia deixou de duvidar e pegou a bolsa. No era pequena a cobra que saiu l de dentro, convencendo o frade da falsidade do demnio.Disse o santo: "Irmo, para os servos de Deus, o dinheiro apenas o diabo e uma cobra venenosa".POBREZA DAS ROUPASCAPITULO 39Repreenso do santo, por palavras e por exemplo,aos que se vestem com luxo69. Revestido da virtude do alto, o santo se aquecia mais com o fogo divino que tinha por dentro do que com a roupa que lhe recobria o corpo. No suportava os que, na Ordem, usavam roupas a mais ou de qualidade mais fina. Afirmava que a necessidade que no se firma em razes vlidas mas na veleidade sinal de perda do esprito: "Quando o esprito est frio e se vai esfriando na graa, a carne e o sangue precisam procurar o que seu".Tambm dizia: "Que resta para a alma que s encontra prazer nas delcias da carne? ento que a vontade animal se disfara em necessidade, e o sentido da carne forma a conscincia". Acrescentava: "Se um de meus frades tiver uma necessidade verdadeira, prxima da indigncia, e se apressar em satisfaz-la, em afast-la de si, qual ser o seu mrito? Teve uma oportunidade de merecimento, mas procurou demonstrar que no a apreciou". Submetia os principiantes a essas necessidades e a outras semelhantes, porque no suport-las com pacincia o mesmo que retornar ao Egito.Afinal, no queria que em nenhuma oportunidade os frades tivessem mais que duas tnicas, embora permitisse que as reforassem com remendos. Ensinava a detestarem os panos luxuosos, e aos que faziam o contrrio repreendia fortemente diante de todos. Para escarmentar tais frades com seu exemplo, costurou sobre sua tnica um saco rude. Mesmo na hora da morte pediu para cobrirem a tnica que seria sua mortalha com outro pano mais pobre.Mas aos frades que eram forados pela doena ou por outra necessidade permitia que usassem outra tnica mais fina junto ao corpo, mas de forma que exteriormente se observasse a aspereza e pobreza. Dizia: "Ainda vai haver tamanho relaxamento no fervor, e um domnio to grande da tibieza, que filhos do pobre pai no vo se envergonhar de usar at prpura, cuidando apenas de mudar a cor". Com isso, pai, no a ti que enganamos como filhos falsos; nossa maldade engana a si mesma. E isso est aumentando e se fazendo cada dia mais evidente.CAPITULO 40Diz que os que se afastam da pobreza sero corrigidos pela necessidade70. Algumas vezes, o santo se lamentou dizendo: "Quanto mais os frades se afastarem da pobreza, mais o mundo se h de afastar-se deles. Procuraro e no ho de encontrar. Mas, se estiverem abraados minha senhora pobreza, o mundo os alimentar, pois foram dados para a salvao do mundo". Tambm dizia: "H um contrato entre o mundo e os frades: os frades do bom exemplo ao mundo e o mundo prov suas necessidades. Quando forem infiis e deixarem de dar bom exemplo, o mundo retirar sua mo, em justa repreenso".Pelo zelo da pobreza, o homem de Deus tinha medo do nmero muito grande, que pode demonstrar riqueza, se no de fato, pelo menos na aparncia. Por isso, dizia: "Oh! se fosse possvel que o mundo s visse os frades raramente e se admirasse de serem to poucos!"Unido senhora pobreza por um vnculo indissolvel, esperava seu dote futuro, no o presente. Cantava com maior fervor e alegria os Salmos que falam da pobreza como: "No ficar o pobre em eterno esquecimento", e "Olhai, pobres, e alegrai-vos".A MENDICANCIACAPITULO 41Recomendao da mendicncia71. O santo pai gostava mais das esmolas pedidas de porta em porta do que das que eram dadas espontaneamente. Dizia que a vergonha de mendigar era inimiga da salvao, embora afirmasse que a vergonha de mendigar que no impede de faz-lo coisa santa. Louvava o rubor que vem ao rosto por candura, mas no a vergonha que deixa confundido. s vezes, quando exortava os seus a pedirem esmolas, usava estas palavras: "Ide, porque nesta ltima hora os frades menores foram dados ao mundo para que os eleitos cumpram com eles aquilo que vai ser elogiado pelo Juiz: "O que fizestes a um destes meus irmos menores, foi a mim que fizestes".Dizia que a Ordem tinha tido o privilgio de ter o seu nome citado to claramente pelo Grande Profeta. Por isso queria que os frades morassem no s nas cidades mas tambm nos eremitrios, para dar oportunidade a todos e acabar com as desculpas dos relaxados.CAPITULO 42Exemplo do santo ao pedir esmola72. Para no ofender uma vez sequer a pobreza, sua esposa, o servo de Deus altssimo costumava agir assim: quando era convidado por senhores e sabia que ia ser distinguido com mesas mais lautas, primeiro pedia pedaos de po pelas casas vizinhas e depois corria para a mesa, enriquecido pela misria.Quando lhe perguntavam por que tinha feito isso, respondia que no queria perder a herana firme por um favor de uma hora. Dizia: " a pobreza que faz os herdeiros e os reis do reino dos cus, e no vossas falsas riquezas".CAPITULO 43Seu exemplo no palcio do bispo de stia. Resposta ao bispo73. Numa ocasio em que So Francisco foi visitar o papa Gregrio, antes de ser promovido a esse cargo, saiu j na hora da refeio para pedir esmolas e, quando voltou, colocou os pedaos de po preto na mesa do bispo.Quando viu isso, o bispo ficou um pouco envergonhado, especialmente por causa dos convidados que l estavam pela primeira vez. Mas o santo pai distribuiu com semblante alegre as esmolas que tinha recebido para os cavaleiros e capeles. Todos receberam com admirvel devoo. Uns comeram na hora e outros guardaram com respeito.No fim da refeio, o bispo se levantou e o abraou, dizendo: "Meu irmo, por que me envergonhaste nesta casa que tua e dos teus frades, indo pedir esmolas?" Respondeu o santo: "Pelo contrrio, eu vos honrei, porque honrei o Senhor maior. O Senhor gosta da pobreza, e principalmente quando a mendicidade voluntria. Para mim dignidade e nobreza insigne seguir aquele Senhor que, sendo rico, se fez pobre por amor de ns". E acrescentou: "Tenho mais prazer numa mesa pobre, posta com poucas esmolas, do que nas grandiosas, em que mal d para contar o nmero de pratos".O bispo ficou muito edificado e disse ao santo: "Filho, continua a fazer o que te parece bom, porque o Senhor est contigo".CAPITULO 44Sua exortao a pedir esmolas pelo exemplo e pela palavra74. No comeo, para exercitar a si mesmo e por compaixo da vergonha dos frades, ia ele muitas vezes sozinho para pedir esmolas. Mas quando viu que alguns no estavam dando a devida importncia a sua vocao, disse: "Irmos carssimos, muito mais nobre era o Filho de Deus, que se fez pobre por ns neste mundo. Por seu amor, ns escolhemos o caminho da pobreza; no nos devemos envergonhar de pedir esmolas. Os herdeiros do reino no podem ficar com vergonha daquilo que lhes est garantindo a herana celestial. Eu vos afirmo que muitos nobres e muitos sbios vo entrar na nossa Ordem e vo se sentir muito honrados por poderem pedir esmolas. Por isso, vs que sois as primcias deles, alegrai-vos e exultai, e no vos negueis a fazer o que estais transmitindo para ser feito por esses santos".CAPITULO 45Repreenso a um frade que no quer mendigar75. So Francisco dizia muitas vezes que o verdadeiro frade menor no devia ficar muito tempo sem ir mendigar. "E quanto mais nobre for meu filho, mais deve gostar de ir, porque assim que acumular mritos".Havia em certo lugar um frade que no era ningum na hora de esmolar mas valia por vrios na hora de comer. Vendo que era comilo, participava dos frutos mas no do trabalho, disse-lhe uma vez: "Segue teu caminho, irmo mosca, porque queres comer o suor de teus irmos e ficar ocioso no trabalho de Deus. Pareces com o irmo zngo, que no ajuda as abelhas a trabalhar mas quer comer o mel por primeiro".Quando esse homem carnal viu que sua glutoneria tinha s